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CAPITULO 4 O ALFABETO GREGO Vamos recordar os trés requisitos tedricos que tém de ser preenchi- dos num mesmo sistema para que ele constitua um verdadeiro alfabeto. Em primeito lugar, o apanhado de todos os fonemas de uma lingua deve ser exaustivo; segundo, as formas das letras tém de limitarse a um niimero entre vinte e trinta; terceiro, cada uma de tais formas, individual- mente, no pode cumprir dupla ou tripla fungio. As identidades acisticas devem ser fixas e imutaveis. Os silabérios pré-semiticos tentaram dar conta do primeiro desses requisitos, mas, quanto mais se aproximaram de conseguilo, multiplicando 608 signos sildbicos, mais se afastaram da realizacio do segundo. Os silabérios semiticos sem vogais preencheram o segundo requisito a custa de aban- donar o terceiro, © grego satisfez os trés; mas como é que o conseguiu? O problema, lembramos, é tanto visual quanto actistico: a pefcepc4o sensivel é visual, mas a memédria acionada é actstica. As solugdes existentes podem ser ilustradas por um modelo lingiiistico visual do tipo mais simples. Tomemos a cancio de ninar “Jack and Jill went up the hill etc.”. O problema comega logo com as trés primeiras palavras. Como sio elas transcritas? O fato de que usam fonemas do inglés, e nao do assirio, ou do fenicio, nao faz diferenga tedrica no concernente a esse problema. Vamos, primeiro, deixar de lado a arbitrariedade da ortografia inglesa para fazer uma verdadeira transcri¢ao alfabética. 78 ERIC A. HAVELOCK JAK AND JIL (Exemplo 1) Aj esti um total de nove signos, sete deles singulares (nao repetidos). Eles permitem o reconhecimento imediato dos sons lingtiisticos corretos por parte de qualquer pessoa que tenha dominado este alfabeto particu- lar, isto é, que tenha sido, conforme dizemos, treinada para “ler”. Cémo um silabério transcreveria estes sons? S6 o poderia fazer com exagero, por assim dizer. Por questio de conveniéncia, escolheremos um silabario que, como muitos o fazem, busca assinalar todas as possiveis silabas “abertas” de uma lingua. JA e JI nao oferecem dificuldade. Serao tepresentadas por dois diferentes sinais silébicos. Vamos figuré-los como: AanaJl Concedamos agora que nosso silabario dispde de signos para-as vogais, como se afirma ser 0 caso da Linear B grega. Assim, o A de AND nao nos trard problema. Quanto ao resto, ou seja, as terminagdes consonantais e as consoan- tes duplas, o silabério s6 as pode suprir com mais do que é necessirio - um excesso de som, por assim dizer, visto como cada signo do sistema contém uma vogal. Vamos supor que, quando isso ocorre, 0 tipo vocalico escolhido sera o que repete a vogal da silaba prévia, de modo que K, neste exemplo, sera representado pelo signo correspondente ao som KA, N por NA, D por DA e L por LI. Todos eles tem simbolos separados no silabério. Vamos figuré-los como: AMAU A frase inteira se lera como segue: KA AM ATU Geempto 2) Tem-se um total de sete signos, todos com uma sé ocorréncia. O sistema semitico toma esse conjunto e o reduz a: JKNDJL (Exemplo 3) Apenas seis letras, cinco com uma sé ocorréncia. A REVOLUGAO DA ESCRITA NA GRECIA. 19 E ébvio que o Exemplo 3 é 0 mais econdmico em termos de quantidade de escrita envolvida. Fica assim facil de ver por que seme- Ihante sistema induz seus intérpretes a saudé-lo como o grande salto alfabético. Mas é igualmente ébvio que nem o Exemplo 2 nem o 3 permitem reconhecimento“instantineo do original oral. Como podem ser lidos? A resposta esta na familiaridade do enunciado lingiiistico original. Seu ritmo e sua rima esto l4 no amago de nossa meméria, & uma vez que nos acostumemos a usar um sistema sem vogais, como 0 semitico, suas.seis consoantes tocaraéo uma campainha em nossa memé- tia actstica e supriremos as vogais que faltam, no Exemplo 3. No Exemplo 2, com um pouco mais de trabalho, seremos estimulados a recordar © mesmo ritmo - e assim descartar as vogais redundantes. Ambos os sistemas buscam ajustar-se 4 tarefa de acionar nao apenas a memoria de sons, mas de significados integrais, arranjos de sons previamente conhecidos ¢ reconheciveis. Porque JAK AND JIL € um veiculo de reconhecimento téo superior aos outros, a ponto de ser uma invencio revoluciondria? Em primeiro lugar, notaremos que ele € 6 menos econdémico dos trés esquemas, visto como emprega, para acionar a memoria acustica correta, um total de nove signos, contra sete e seis de seus rivais mais antigos. Se tivésscmos de continuar a transcricdo do verso com “went up the hill” etc., veriamos crescer essa disparidade. O numero real de signos por palavra continuaria a ser maior do que nos Exemplos 2 e 3. O Exemplo 2 incluiria um numero crescente de signos singulares (irrepetidos), mas que haveria de exigir listagem separada na memoria. Os Exemplos 1 e 3 continuariam a repetir um estoque limitado. No Exemplo | aconteceu uma coisa importante. Que foi? A resposta usual é que o sistema grego inventou signos para as cinco vogais. Mas esta nao pode ser a resposta certa. O Exemplo 2 pode representar vogais tanto isoladas como combinadas com consoantes. De fato, trata-se de um sistema bastante vocalizado. A resposta certa comeca‘a aparecer quando fazemos mais uma pergunta: por que os sistemas imperfeitos, dos Exemplos 2 e 3, usam menos signos do que o perfeito para reportar 0 mesmo numero de fonemas? A resposta para essa pergunta é que eles consignam, ou tentam consignar, um e somente um signo para cada fonema; isto é, as unidades linguisticas da lingua falada sao assinaladas como se fossem empiricamente copiadas na base de um para um. O Exemplo 3, embora com redugdo, mantém no essencial essa intengdo, 80 ERIC A. HAVELOCK mas ela é mais evidente no Exemplo 2. A técnica do Exemplo 1, todavia, chama-nos a atencdo para a andlise basica do que é uma unidade lingiiistica, a saber, uma coluna de arem vibracéo que é também iniciada ¢ interrompida, como na palavra JAK, pela aco de labios, palato, lingua e dentes. E a combinacao desses atos fisicos que constitui uma unidade linguistica real, ou seja, um som real que pode ser separado de outros. Os inicios e as interrupgées criados pela acdo dos labios etc., coisas em que Pensamos como “consoantes”, nao podem produzir sons por si mesmos. Uma consoante € um nao-som, e assim foi corretamente designada por Platdo, hd cerca de dois mil anos, Os sistemas pré-gregos tentam imitar a lingua tal como ela é falada nessas unidades silébicas. O sistema grego deu um salto para além da lingua e do empirismo. Ele concebeu a idéia de analisar a unidade lingtiistica em dois de seus componentes tedricos, a vibracao da coluna de ar e a ago da boca sobre essa vibracao. O primeiro elemento pode existir por si mesmo na linguagem, na forma de exclama- g6es do tipo de “Ah!”, 0 segundo nao pode. Trata-se, portanto, de uma abstra¢ao que foi feita: um nao-som, uma idéia na mente. O sistema grego conseguiu isolar esse nao-some dar-lhe sua propria identidade conceitual, na forma do que chamamos uma “consoante”. Uma vez realizado, este passo levou automaticamente ao principio de que qualquer unidade linguistica, com excegio da unidade voedlice isolada, requer pelo menos dois, e possivelmente trés ou quatro signos Para a sua efetiva simbolizacio; e € por isso que o Exemplo 1 usa mais signos que seus rivais. Enquanto todos os sistemas sildbicos, inclusive o semitico abreviado, visam reproduzir as unidades reais da fala na base de um por um, o rego produz um sistema atémico que fragmenta as unidades em pelo menos dois, e possivelmente mais, componentes abstratos. Entio, desde que o ntimero e a variedade das vibragdes sio limitados e a variedade de inicios e interrupeses delas também é estritamente limitada, em qualquer lingua, o sistema resultante, embora menos econdmico (em um sentido meramente quantitative) do que o semitico, péde propiciar um apanhado completo de todos os fonemas possiveis, mantendo, ao mesmo tempo, os signos-letras requeridos num total abaixo de trinta. Uma combinagao entre duas e cinco delas, formando ditongos e consoantes duplas, podia designar com preciso qualquer som lingiiistico que a boca escolhesse fazer. Os proprios gregos perceberam que os cerca de vinte e trés signos de sua invencio forneciam uma tibua de elementos do som lingtiistico; A REVOLUGAO DA ESCRITA NA GRECIA 81 conseqGentemente, quando seus filésofos vieram a propor uma teoria atémica da matéria, de modo a explicar a variedade dos fendmenos fisicos como 0 resultado da combinagao de um numero finito de elementos primdrios, notaram a analogia com o que o alfabeto fizera a lingua, e compararam seus dtomos a letras. A consoante representava um objeto de pensamento, nao de sensacao - tal como 0 tomo, para os primeiros que propuseram a sua existéncia. Este era invisivel e aquela, pode-se dizer, inaudivel - embora isso seja um exagero. Mais precisamente, alguns sons consonantais, como 0 “s”, podem ser prolongados e so “semipronun- cidveis”; outros sio impronunciaveis sem ajuda de vogais. Dai o termo original grego dphona - “elementos sem voz” - que Platao usou, e foi depois substituido por rétulos mais adequados: hemiphona - “semi-soan- tes” ~ e smphona ~ “con-soantes”, isto ¢, elementos pronunciados “em companhia “ de outros. Tanto o atomismo como o alfabeto foram construgées teéricas, manifestagdes de uma aptidao para a andlise abstra- ta, de uma capacidade de traduzir objetos da percepcdo em entidades mentais, coisa que parece ter sido uma das caracteristicas do modo como funciona a mente grega. Os resultados da invencio A introducao das letras gregas na escrita, em algum momento por volta de 700 a.C., deveria alterar a natureza da cultura humana, criando um abismo entre todas as sociedades alfabéticas e suas precursoras. Os gregos no inventaram um alfabeto: eles inventaram a cultura letrada e a base letrada do pensamento moderno. Nas condigdes modernas, parece haver apenas um curto lapso de tempo entre a invencio de um dispositive e sua plena aplicagao social e industrial, e nés nos acostumamos apensar nisso como um fato de tecnologia. Isso nao foi o que aconteceu no caso do alfabeto. As formas e os valores das letras tiveram de atravessar um periodo de variacao local antes de tornar-se padronizados para toda a Grécia. Mesmo depois que a técnica foi padronizada, ou quase - sempre houve duas versdes concorrentes, a oriental e a ocidental —, seus efeitos registraram-se devagar na Grécia; esses efeitos foram, depois, parcialmen- te anulados, durante a Idade Média européia; e $6 chegaram a uma plena realizacio com o posterior invento do prelo. Mas convém expor aqui e : 82 ERIC A. HAVELOCK agora as plenas possibilidades tedricas que adviriam do uso do alfabeto grego, supondo-se que todos os obstaculos a sua realizagdo pudessem ser temovidos, de modo a colocar essa invengdo em seu lugar histérico apropriado. Essa invencao democratizou o conhecimento da escrita, ou antes tornou possivel a democratizagio. Isso é freqiientemente afirmado, porém em termos simplistas, como se fosse mera questo de aprender um certo numero de letras, ou seja, aprender a escrevé-las. Dai que até ao sistema semitico se tenha atribuido este avango. Se as sociedades semiticas da Antigitidade mostraram tendéncias democriticas, nao foi porque fossem letradas, Ao contrario, na medida em que sua democracia foi modificada pela teocracia, com os cargos sacerdotais investidos de consideravel prestigio e poder, elas mostraram todos os sintomas de uma cultura perito-letrada. O sistema grego, gragas a sua superior andlise do som, pds a capacidade de ler teoricamente ao alcance de criangas num estégio em que ainda estavam aprendendo os sons de seu vocabulario oral. Adquirida ria infancia, essa competéncia podia converter-se num teflexo automitico e assim passivel de espalhar-se pela maioria de uma populacio determinada, desde quando se aplicasse ao vernaculo. Mas isso significava que a democratizagio dependeria no apenas do invento em aprego, mas também da organizacao e manutengao de ensino escolar de leitura num nivel elementar. Isso nao foi alcangado na Grécia senio, talvez, trezentos anos depois que o problema técnico fora resolvido; ¢ essa conquista foi abandonada de novo na Europa durante um longo periodo depois da queda de Roma. Quando ‘funcionou, ela tornou o papel do escriba ou clérigo obsoleto, e retirou o status elitista do conhecimento da escrita, caracteristico das épocas perito-letradas. Foram os efeitos externos, politico-sociais, da aquisicao do pleno dominio da escrita, tio importantes e profundos como as vezes se proclama? Nossos estudos posteriores de culturas orais lancam sobre isso algumas duvidas. O que a nova escrita pode ter feito, a longo prazo, foi mudar, em alguma medida, o contetido da mente humana. Esta é uma conclusdo que nao serd aqui plenamente desenvolvida. Mas ao mesmo tempo isso precisa ser dito logo. A eficiéncia acustica da escrita teve um resultado que foi psicoldgico: uma vez aprendida, nao se tem que pensar nela. Embora ela seja uma coisa visivel, uma série de marcas, ela cessa de interpor-se, como um objeto de pensamento, entre o leitor e sua tecordacao da lingua falada. Desse modo, a escrita veio a assemelhar-se A REVOLUCAO DA ESCRITA NA GRECIA. 83 a uma corrente elétrica ligando uma recordagao ‘de sons da palavra falada diretamente ao cérebro, de modo que o sentido parece ressoar na consciéncia sem referir-se 4s propriedades das letras usadas. A escrita foi teduzida a um truque; nao tinha valor intrinseco em si mesma como escrita, € isto distinguiu-a de todos os sistemas anteriores. Veio a ser um traco caracteristico do alfabeto o fato de que os nomes das letras gregas, emprestados do fenicio, pela primeira vez se tornaram sem sentido: alfa, beta, gama etc. so apenas uma cantilena destinada a gravar os sons mecnicos das letras, usando 0 chamado principio acrofénico, numa série fixa no cérebro da crianca, ao tempo em que as correlaciona estreitamente com a visio de uma série de formas que o menino olha enquanto pronuncia os valores actisticos. Esses nomes, no semitico original, eram:nomes de objetos comuns, como “casa”, “camelo” etc. Estudiosos irrefletidos da historia da escrita sempre reprovardo ao sistema grego o fato de que, em grego, os nomes das letras se tornaram “insignificantes”. Isso é uma tolice. Um verdadeiro alfabeto, tnica base de uma cultura letrada por nascer, s6 se podia tornar funcional quando. seus componentes se vissem despojados de qualquer sentido indepen- dente, para se tornar conversiveis em um dispositive mneménico meca- nico. A fluéncia de leitura que poderia resultar dai dependia da fluéncia do reconhecimento ~ por sua vez dependente, como vimos, da dispensa, na medida do possivel, da injungdo de escolhas por parte do leitor, e da temogdo de todas as ambigiidades. Um esquema assim automitico tornou atingivel a capacidade de transcrever todo o vernaculo de qualquer lingua: transcrever qualquer coisa que pudesse ser dita por meio da linguagem, com a garantia de que o leitor reconheceria os valores acusticos singulares dos signos, e assim os enunciados singulares por eles reportados, quaisquer que fossem. A necessidade de versées autori- zadas, “oficiais”, cingidas a enunciados de teor familiar e consensual, foi suprimida. Assim surgiu a posgibilidade de verter duas ou mais linguas no mesmo tipo de escrita, ¢ acelerar o processo de co-traduciio entre elas. Foi esse o segredo tecnolégico que tornou possivel a construcio de uma literatura romana a partir de modelos gregos - 0 primeiro empreendi- mento dessa ordem na histéria da humanidade, Em maior proporcio, todavia, esta vantagem do intercimbio entre comunicagées escritas se deu as culturas alfabéticas posteriores da Europa. Por contraste, o historiador Tucidides, no periodo grego, registrou um episddio em que documentos de um mensageiro persa capturado tiveram de ser “traduzidos” em grego. 84 ERIC A. HAVELOCK E assim que interpretam a palavra os comentadores que explicam esta passagem. Mas Tucidides nao disse “traduzidos”. O que os eventuais “tradutores” fizeram foi “trocar as letras” de um escrito original silabico pelas do alfabeto grego. Como puderam fazé-lo? Eu sugiro que isso sé pode ser feito com apoio preliminar nao da escrita, mas da lingua falada. Ou seja, um persa oralmente bilingtie que era também perito-letrado no sentido persa, isto é, conhecia seu cuneiforme, teria lido em voz alta o que o documento dizia, traduzindo-o, 4 medida que o lia, no grego falado. Um seu antagonista, entao, transcreveria o texto, a partir do ditado dele, no alfabeto grego ~ a nao ser que houvesse ali 4 mao um persa capaz de usar tanto © cuneiforme quanto o alfabeto. Entdo a mensagem persa, jé em forma alfabética grega, péde ser levada a Atenas, e lida. Nas Nagdes Unidas, hoje, um procedimento semelhante ainda se exige para a comunicacao entre culturas alfabéticas e nao-alfabéticas, como a arabe, a chinesa e a japonesa, provocando, como freqiientemente sucede, equivo- cos € mesmo mal-entendidos de um tipo especial, que nao tém lugar entre culturas alfabéticas - mal-entendidos que até podemi ter conseqiién- cias politicas. Tais efeitos, repito, eram teoricamente alcancaveis. Por raz6es a ser explicadas mais tarde, nao foi o puro verndculo o primeiro que se transcreveu. O alfabeto nao foi originariamente posto a servico da conversaco humana ordinéria. Em vez disso, foi usado primeiro para registrar uma verso progressivamente completa da (se é permitido o paradoxo) “literatura oral” da Grécia, obra que se criara no periodo nao letrado e sustentara de fato a identidade da anterior cultura oral grega. Embora hoje nés “leiamos” nosso Homero, nosso Pindaro ou nosso Euripides, grande parte do que assim “escutamos” [indiretamente] é uma bem apurada transcri¢do actistica de todas as formas concebidas em que um discurso oral foi preservado até agora. Este fendmeno, tal como ocorreu na formacio do que chamamos de literatura grega, foi mal compteendido, e s6 ser examinado em profundidade quando finalmen: te se deixar que os préprios gregos definam o curso e o rumo dessa historia, como tem de ser. —Embora a transcricéo fluente de testemunhos orais tenha sido o primeiro uso que se deu ao alfabeto, o propédsito secundario que ele veio foi historicamente 0 mais importante. Eu poderia dizer que ele invengao da prosa fluente; mas isso seria equivoco, pois como é ébvio, a maior parte do discurso oral, mesmo em uma cultura ‘A REVOLUGAO DA ESCRITA NA GRECIA 85 rosai que 0 alfabeto efetivamente trouxe'a lume foi prosa Tegistrada e preservada em quantidade. Interpretar esta inovacio como | um fato estilistico apenas seria deixar de notar uma profunda mudanga {da natureza do material passivel de preservacio. Estava a caminho uma revolu¢io tanto psicolégica como epistemolégica. Em qualquer cultura, € 0 pronunciamento importante e influente que se preserva. Na Grécia sem escrita, e nas culturas pré-gregas onde sé peritos-letrados dominavam aescrita, as condigdes de preservacdo eram mneménicas, envolvendo o uso de ritmo verbal e musical, pois cada pronunciamento tinha de ser | lembrado ¢ repetido. O alfabeto, tornando disponivel um registro visual completo, em lugar de um registro actistico, aboliu a necessidade de |memorizacao, e por conseguinte a de ritmo. Até entio, o ritmo tinha imposto severas limitagSes ao arranjo verbal do que podia ser dito, ou pensado. Mais do que isso, a necessidade de recordar gastava uma quota de capacidade cerebral ~ de energia psiquica - que a partir de entio nao era mais requerida. O pronunciamento jé nao precisava ser memorizado. Podia ficar 4 mio num artefato, para ser lido quando fosse preciso; nao ‘trazia mais prejuizo esquecer ~ em se tratando de preservar mensagens. As energias mentais assim liberadas por essa economia de meméria fo- ram provavelmente grandes, contribuindo para uma. enorme expansio do conhecimento disponiyel_ao cérebro humanofEssas possibilidades ‘TeOricas so foram exploradas com muita cautela na Antigiiidade greco-ro- mana, e sé hoje se realizam plenamente. Se enfatizo aqui a sua dupla significagio ~ a saber, o fato de que todo o discurso possivel se tornou transladavel por escrito, e simultaneamente a carga de memorizacio foi alijada da memoria ~, é para expor o fato conseqiiente de que, com isso, oalfabeto tornou possivel a formulacao de enunciado novo e inesperado, que antes, nao era familiar ¢ era até “impensado” {0 avango do conheci- mento, tanto humanistico quanto cientifico, depende da capacidade humana de pensar sobre uma coisa inesperada: pensar uma “idéia nova”, como dizemos nés, exprimindo-nos de maneira inexata mas acertada. Um tal pensamento novo s6 alcanga plena existéncia quando se encarna! em um enunciado novo, e um enunciado novo s6 realiza toda a sua potencialidade quando pode ser preservado para uso futuro. O modo de transcrig&o que antes existia desencorajava, por causa das ambigtiidades da escrita, as tentativas de registrar sentencas carregadas de novidade. Isso indiretamente desencorajava até mesmo a tentativa de as formular oralmente ~ pois que utilidade ou influéncia poderiam elas ter, confina- i 86 ERIC A. HAVELOCK das a estreita faixa da conversacio comum, Circunstancial? O alfabeto, encorajando a producio de enunciado insélito, estimulou os pensamen- tos novos, que podiam ficar disponiveis em forma escrita, ser lidos ¢ relidos, e assim irradiar sua influéncia entre leitores. Nao € um acaso 0 fato de que as culturas pré-alfabéticas do mundo sejam também pré-cien- tificas, pré-filoséficas e pré-letradas. O poder do pronunciamento novo nao sé cinge ao arranjo da observacao cientifica. Cobre o espectro da experiéncia humana. Tornaram-se inventaveis novas maneiras de falar sobre a vida humana, e portanto de pensar sobre ela, formas que sé se fizeram lentamente possiveis para o homem quando elas vieram a ser escritas, ficando preservaveis e passiveis de difusao nas literaturas alfabé- ticas da Europa.

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