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DAHLHAUS, Carl. Plaidoyer pour une théorie actuelle de la musique.

In:
MACHOVER, Tod (Org.). Quoi? Quand? Comment? La recherche musicale. Paris:
Christian Bourgois Éditeur, I.R.C.A.M., 1985, p.73 - 86

Texto do Carl Dahlhaus

À defesa de uma teoria atual da música


tradução de Denise Garcia

p.74
1.

Em geral, afirmar que um pensamento ou um conjunto de pensamentos são


atuais significa simplesmente que eles representam o espírito do tempo que os viu
nascer, todo retorno em direção ao passado parecendo excluir a atualidade, toda
antecipação do futuro - si fosse possível comprová-la - então essa tendência a se
fechar ao passado e a se abrir ao futuro.
Se se tenta, por outro lado, definir de maneira mais precisa o que quer dizer
"atualidade", opondo-a ao conceito cada vez mais discutível de modernidade,
percebe-se então que o princípio de atualidade está menos exposto ao perigo de
envelhecer ou de ser considerado demodé. A expressão "pós-moderna", um slogan
muito suspeito, indica quase que a modernidade, que teve sua origem em "Fleurs du
Mal" de Baudelaire e "Tristão e Isolda" de Wagner, cessou de ser atual. Aquele que se
distancia em face à modernidade não se resigna de forma alguma a não ser mais de
atualidade. A regressão também, mesmo se ela entra em um programa explícito, pode
proclamar que ela preenche "a palavra de ordem do dia".
A idéia de atualidade possui então uma face dupla: se ela comporta um
aspecto utópico, dirigido para o futuro, este não previne de forma alguma que uma
utilização reacionária seja feita dela.

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2.

Esperar da teoria da música que ela seja atual vai de encontro ao lugar comum
que quer que ela seja condenada seja sempre atrás (à la traine) da prática. A teoria,
parece, vem muito tarde por princípio e por vezes fica ausente, sem que essa ausência
seja ressentida como uma falta notável.
Observar que em épocas longínquas, no século XIII ou ao século XVI, a teoria
musical era em parte mais progressiva que a prática da composição não significa nada
quando se pensa na teoria musical do século XIX ao começo do século XX, quando
os compositores de então ressentiam como arrogante e inibidora, já que ela queria
estabelecer normas restritivas em lugar de suscita reflexões que pudessem servir a
transpassar os limites estabelecidos.
Além disso, a teoria musical no século XIX não resolveu quase nenhum dos
problemas que eram então atuais: ela não rendeu justiça nem à intuição de Wagner,
que constatou que era necessário analisar a harmonia em relação com a
instrumentação, nem à exigência de fundar a métrica sobre a harmonia, nem
tampouco à necessidade de operar uma mediação entre o contraponto tradicional e a
harmonia moderna sem ganhos (captations) lógicos. Face à herança do século XIX de
onde os conservatórios se nutrem ainda e sempre, o preconceito contra a teoria
musical - por mais fatais que sejam as conseqüências do "cansaço" que ela provoca
progressivamente - não é incompreensível. O olhar para trás não é encorajador.

A concepção tradicional da teoria, da qual uma teoria musical atual deve partir,
flutuava de maneira intelectualmente imprópria - e sem que o teórico da música ou o
professor que ensinava a teoria se desse conta - entre interpretações divergentes das
"leis" que se criam descobrir na música: uma, quase científica, e a outra quase
jurídica. Da "lei natural" que dizia que as consonâncias são fundadas sobre
proporções simples e as dissonâncias
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sobre proporções complexas, deduzia-se regras de composição, sem se duvidar que
entre axiomas descritivos e axiomas prescritivos há um abismo instransponível e que,
somando tudo, a lei era editada pelo teórico e não pela natureza.
Em face disso, seria atual apenas uma teoria da música que resistiria, de um
lado, à sedução de se tirar conclusões ontológicas da correspondência entre
consonância e proporções simples - conclusões cujo caráter errôneo foi reconhecido já
pelos matemáticos da Antiguidade (quando eles descobriram que a diagonal
geométrica de um quadrado, simples e evidente, por consequência era de fato
complexa do ponto de vista aritmético) mas que subsistiu na teoria da música, na falta
de dificuldades analógicas, durante milhares de anos sem ser contestada - , e, por
outro lado, seria necessário que se reconheça enfim que é bem a passagem sem
reflexão de axiomas descritivos a axiomas prescritivos que constitui o "proton
pseudos" (erro inicial) do qual a teoria musical está doente. A natureza do material
acústico e a percepção humana traçam certamente alguns limites que as obras
musicais, para não incorrer à insignificância estética, não saberiam alcançar; mas ela
não prescreve jamais em detalhe o que se pode ou que se deve compor. É um erro
acreditar que se pode deduzir regras de composição de fenômenos como, por
exemplo, o da série harmônica.

A recusa de uma teoria de preensões normativas - dentre as últimas versões


deve-se mencionar a Unterweisung im Tonsatz (Instrução em Harmonia) de Paul
Hindemith - foi formulada de maneira mais crítica por Ernst Krenek em 1937, isto é,
no momento quando se situa a tentativa de salvamento de Hindemith. Krenek,
referindo-se ao matemático David Hilbert, falava de uma "liberdade da formulação de
axiomas" da qual o compositor gozava. Resta um problema que seria desonesto negar,
a saber que essa liberdade, a qual assustava, e não erroneamente, Igor Stravinsky, tem
necessidade de uma instância contrária para não se esvaziar.
Aquele que formula uma hipótese científica se submete à verificação por fatos
observáveis (é impossível negligenciar aqui as dificuldades filosóficas que implica o
conceito de enunciado científico). E não seria absurdo partir da afirmação
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que os axiomas que coloca um compositor são controlados por experiências estéticas
sucitados por premissas. É verdade que a categoria da experiência estética, por
indispensável que ela pareça, é muito vaga e muito inalcançável (por causa de uma
discussão tão interminável quanto inevitável para saber quem é o sujeito para quem a
experiência importa) para servir de ponto de apoio suficiente a uma teoria qualquer.
A instância contrária que pudesse regrar essa formulação de princípios para o
compositor - sem que a experiência estética seja desconsiderada - é conveniente sob
uma forma estritamente racional e que possa ser demonstrada da maneira mais
simples - se uma digressão histórica nos é permitida - em relação à música do século
XVI. No mais tardar desde a Psicologia dos Sons de Carl Stumpf (em dois volumes
que apareceram em 1883 e 1890), é claro que os acordes de dois sons não podem ser
classificados "naturalmente" em dois grupos opostos, as consonâncias e as
dissonâncias , mas eles formam no máximo "graus de sonância" que vão da oitava à
sétima maior. A dicotomia consonância/dissonância representa portanto um princípio
formulado para fins composicionais e não um dado natural da percepção humana. E
na qualidade de formulação de um axioma ela admite outras possibilidades ao seu
lado. No século XIV por exemplo, não se distinguia dois, mas três classes de
intervalos: as consonâncias imperfeitas, terças e sextas, que tendiam para uma
resolução direta ou indireta em consonâncias perfeitas; e as dissonâncias por fim eram
como somadas a esse andaime de consonâncias perfeitas e imperfeitas.
Dois elementos do sistema contrapontístico que se vem de descrever são
essenciais - e, como princípios, sempre atuais: primeiramente o fato que as condições
psicológicas da percepção musical (os acordes repartidos segundo diferentes "graus
de sonância") admitam várias formulações de princípios composicionais (pode-se
também compor bem com quatro classes de intervalos como com dois ou três), e em
seguida o fato que essa formulação de princípios composicionais pelo compositor
preencha um objetivo preciso, que se pode delimitar racionalmente e que serve de
controle: tornar possível a coerência e a sequência lógica de uma composição em
meio a um encadeamento de acordes que parece convincente. A sequência que conduz
a dissonância à consonância imperfeita, depois à consonância perfeita correspondia -
nos quadros de premissas da qual se
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partia - a uma "tendência" de intervalos (Schoenberg diria: a uma "vida pulsional dos
sons"). E é nessa explicação do porquê e do como dessa sequência que a formulação
de princípios composicionais que caracterizavam do século XIV encontrava sua razão
de ser (raison d'être): uma justificação racional e por consequência apta a tornar-se
teoria, cuja formulação teve lugar na época.

Nada é menos seguro a priori que poder formular no contexto do século XX


finalizando uma concepção da teoria musical que não se liga mais às tradições
filosóficas desfeitas, ou travestisse as categorias de ciências naturais em pseudo-
categorias, pela assimilação precoce. Certamente, não se para de falar de teoria, mas a
necessidade de tomar consciência daquilo que se entende por isso ou queria que os
outros compreendam foi raramente ressentida.
A teoria musical antiga, que consistia em uma reflexão filosófica sobre
estruturas matemáticas do sistema dos sons e dos intervalos não é mais recuperável. A
contemplação, o mergulho reflexivo esquecido de si e do mundo na essência da coisa,
não desapareceu sem dúvida do pensamento musical; mas a reflexão ontológica, que
partia de uma admiração (surpresa) filosófica a respeito da correspondência entre o
sistema de números e o de intervalos foi substituída desde o século XVIII por uma
contemplação estética cujo objeto não era o sistema de sons mas a obra musical, que,
no limite, podia aceder à posição de opus metaphysicum, segundo a fórmula de
Nietzshe.
Se um dos elementos da teoria musical antiga, o elemento contemplativo, foi
então transformado nos tempos modernos, e, por assim dizer, emigrou da teoria para a
estética, por um outro lado, a especulação sobre a música e os números foi despojada
de seu estatuto de ciência, para aparecer apenas como ruminação de hereges, o
número não sendo mais compreendido como princípio ativo, à maneira pitagoriana-
platoniana, mas simplesmente como uma medida exterior. A idéia de que a
simplicidade da proporção 2:3 (que é a base da quinta e
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corresponde a ela) era a causa do conhecimento, foi taxada de má metafísica. Nenhum
daqueles cujo pensamento foi marcado pela ciência moderna ficaria irritado ou
surpreso em aprender que o fenômeno tão evidente e tão claro da consonância é
fundado sobre uma proporção complexa.
Mas não deve passar desapercebido o fato que é impossível separar a ciência e
a especulação herege tão facilmente a propriamente como os cientistas o crêem em
geral. O que deve ser considerado como ciência e o que não é resulta da decisão de
uma scientific community cuja constituição é um dos problemas mais árduos da
sociologia. Certamente, se está seguro de si afirmando que é 'não-científico'
considerar o número como princípio ativo e não como medida exterior, mas não é
demonstrável de maneira segura que os hereges que sustentam o contrário tenham
simplesmente errado. ( É significativo que o platonismo faça de tempos em tempos
algumas aparições furtivas no domínio da lógica moderna.)
Se a concepção antiga da teoria foi então marginalizada, por outro lado a
teoria musical raramente foi bem sucedida em suas tentativas de se inspirar nas
ciências naturais modernas. Não há necessidade de se estender sobre os desejos dos
professores de teoria musical de tomar alguma parte no prestígio das ciências; dever-
se-ia esquecer simplesmente as vãs tentativas como a de deduzir o 'acorde de
Prometeu" de Scriabin, da série de harmônicos (no lugar de compreender
historicamente como uma nona da dominante com uma alteração descendente da
quinta e a "sexta de Chopin", a integração da terça do acorde de tônica). E a má
utilização de uma terminologia científica, como prova o prova o uso do termo
parâmetro, faz parte igualmente dos pequenos erros que não merecem polêmica. O
que é mais grave, é o hábito bem implantado desde o século XVIII de embaralhar as
fronteiras entre os fatos acústicos que são objetos de teorias físicas e os fatos
musicais, que nascem da formação de categorias que tratam esse substrato acústico.
Seria tempo de se dar conta que a classificação dos fenômenos acústicos, à qual
procede o físico, representa uma certa visão do fenômeno natural, da mesma forma
que a classificação à qual procede o músico. A maneira "física" de apreender o
fenômeno é a mesma condição da maneira musical de considerá-lo; ela é apenas uma
outra abordagem que se coloca ao lado desta,
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mas não constitui, como pensam os adeptos da visão "física", o fundamento. Não é o
oscilador que nos mostra se um elemento acústico dado, e que o físico pode
descrever, é significativo ou não no plano musical; é a composição que indica
enquanto realização sonora de um conjunto de funções e significações.
Uma comparação com a fonologia, por mais dessimétrica que seja, não é
menos útil se faz parte da metáfora. O grau de modificação ou intercâmbio de
fonemas depende bem menos, como a linguística o estabelece, de sua semelhança
fonética, que de funções que eles tomam enquanto formação de significações; pode-se
confundir o 'r' e o 'l' por tão longo tempo que essa confusão não produz palavras de
sentidos diferentes. E em música, é o compositor que decide se uma propriedade
acústica - qual seja ela - pertence ou não ao conjunto de significações musicais. A tese
de Moritz Hauptmann ( a saber, que, segundo a lógica do sistema tonal, tanto quanto
de um ponto de vista acústico, um ré que faz parte do acorde da dominante é um outro
som que o ré de um acorde do segundo grau em função de sub-dominante), não tinha
relação com a realidade já que nenhum compositor se decida distinguir esses dois ré
da mesma maneira segundo a qual ele distinguia um sol sustenido e um lá bemol.
Que a liberdade de decisão do compositor seja limitada por certos dados da
psicologia da percepção, eis um mito disfarçado em ciência. Primeiramente a
psicologia da Gestalt, que tinha tendência excessiva a extrair estruturas imutáveis e
psicologicamente fundadas, foi substituída por uma psicologia cognitiva, que tenta
dar conta da importância dos processos de aprendizagem. Em seguida, a experiência
da música extra-européia mostra como é possível que diferenças de alturas que nos
parecem essenciais podem parecer como secundárias, e que inversamente, diferenças
de timbres que mal percebemos são essenciais e fundam um sentido. As condições
segundo as quais um trecho musical se mantém idêntico - mesma altura de sons com
uma instrumentação que muda para a Europa, e mesma estrutura de timbres com uma
escolha variável de alturas de algumas culturas extra-européias - são
surpreendentemente variáveis.

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O processo de individuação crescente, que teve como efeito a desintegração


no século XVIII de uma poética de regras, tanto no domínio musical quanto no
literário, parece não parar, e não há do que se arrepender. A teoria das formas
musicais (fundada enquanto disciplina normativa e cujos autores estavam persuadidos
que a forma- sonata representava um ponto de perfeição insuperável: uma convicção
tenaz que o dodecafonista Schoenberg ainda partilhava) foi minada, substituída ou
colocada em segundo plano no século XX pelo princípio de uma análise estrutural de
uma obra única, individual e não reprodutível. E pode-se supor que a substituição da
teorias das formas de análise encontra um avalista na destruição análoga de uma
teoria global por poéticas musicais individualizadas. O objeto da poética, desde a
desintegração das poéticas normativas de que falamos não é mais um estado geral e
englobante da composição, que Adorno ainda postulava mas que sem dúvida não
existe mais; é a obra de um compositor ou, no limite, uma só de suas obras que
pretende ter uma existência sui generis.
Não se deu ainda a atenção que merece à diferença entre teoria e poética nos
escritos nos quais os compositores comunicaram mais entre eles do que com aqueles a
quem eles pareciam se dirigir. Um ensaio como " ... wie die Zeit vergeht" (... como o
tempo passa) de Stockhausen é formulado como uma teoria mas representa na
verdade, já que se refere a Gruppen e a Kontakte, à poética de um conjunto de obras.
É verdade que a concepção de uma evolução linear ao curso da qual a teoria
geral teria sido excluída pouco a pouco por poéticas individuais é muito esquemático
para dar conta da realidade histórica da composição. Pois mesmo as poéticas
individualizadas ao extremo guardam sempre, sob uma forma dissuadida, um
fragmento de teoria.
A diferença assim como a confusão entre teoria e poética pode ser
demonstrada mais facilmente, se nos é permitido o recurso a um período agora
histórico, em referência ao sistema dodecafônico de Schoenberg. Uma teoria
dodecafônica que parte do princípio que todos os aspectos e todas as transposições da
série fundamental estão 'em uma distância igual
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em relação ao centro' (Adorno) e que o tema 'série fundamental' é uma convenção sem
força teórica (aquela de tomar como ponto de partida a primeira aparição cronológica
da série), essa teoria é sem dúvida inatacável. Mas ela entra em conflito com a poética
de Schoenberg, pois no pensamento do compositor a idéia da série fundamental tinha
ao menos algumas ressonâncias ainda com a categoria antiga de idéia temática.
Inútil precisar que seria absurdo querer declarar caduca a teoria em nome da
poética, ou o inverso. Por um outro lado, é impossível fechar os olhos sobre as
contradições nas quais Schoenberg se atolava quando ele comentava seu próprio
método. E em vista das falhas e rupturas que aparecem desde que se analise as
observações do compositor - cujo sentimento musical era essencialmente de natureza
dinâmica e movente, enquanto que sua teoria do espaço musical é caracterizada por
um lado estranhamente estático - é se levado a recorrer a uma idéia que se pode
provavelmente mesmo generalizar: as teorias são úteis menos para as soluções que
para a descoberta e a formulação de problemas composicionais. Se a totalidade dos
aspectos e de transposições de uma série estão a uma "igual distância do centro", a
relação dodecafônica no desenvolvimento temporal torna-se ambígua e contraditória.
E a colocação em perigo do caráter teleológico, direcional da música - a herança
beethoveniana na segunda Escola de Viena - aparece bem no mal que afeta
Schoenberg, nas obras como o Quinteto de sopros ou o Terceiro Quarteto, a encontrar
conclusões sem ter o recurso com implicações tonais que contradizem o sistema
dodecafônico.
Afim de evitar todo mal entendido: não se trata de medir a poética de
Schoenberg, a qual não podia evitar categorias de idéia temática e de uma conclusão
secretamente tonal, em comparação a uma teoria dodecafônica rigorosa afim de
criticá-la - trata-se ao contrário de tentar compreender contradições irreconciliáveis
(que se pode qualificar de dialéticas se não se tem medo de um termo em voga) como
agentes do processo histórico da composição. Nessa relação complicada entre teoria e
poética aparece um fragmento da estrutura profunda da história da música. E a
assinatura de uma época é menos legível nos resultados nos quais ela chega que nas
dificuldades não soube resolver,
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ou então de tal maneira somente que os rastros do esforço são sempre decifráveis.

Que a teoria das formas musicais enquanto inventário ou sistema de esquemas


formais tenha sido substituída pelo princípio de analisar obras individuais não
significa de forma alguma que os métodos de análise sejam possíveis sem implicações
teóricas. A atualidade de um procedimento não o torna impermeável aos argumentos
que provém do arsenal da teoria:uma teoria na qual é necessário conhecer o repertório
tradicional para poder negligenciar sem risco. Por exemplo: uma análise musical
conduzida segundo critérios da teoria da informação - que sem dúvida tem algum
título na atualidade metodológica - conta simplesmente a frequência dos intervalos
nas partes de uma composição de Webern, para medir a informação e a redundância,
o resultado dessa abordagem que negligencia a diferença entre intervalos motívicos e
intervalos mortos será musicalmente inútil e sem importância alguma. É certamente
possível imaginar uma técnica de composição que anula essa oposição tradicional,
formulada com mais insistência por Hugo Riemann; mas para Webern essa diferença
que escapa aos teóricos da informação era automática. A técnica de análise atual
tropeça sobre um fragmento de história que ela acreditou poder ignorar.

A simplicidade ou a grosseria desse erro é no entanto uma exceção. De forma


geral, a relação entre teoria e análise é ambíguo porque a teoria pode ser um meio
para alcançar a análise que é então o objetivo, mas esta pode igualmente ser constituir
um meio para alcançar a teoria (sem que os autores saibam sempre claramente qual
interesse predomina: fazer justiça a uma obra particular ou verificar uma hipótese).
Desde 1913 e mais tarde, quando apareceu o livro de August Halm Von zwei
Kulturen der Musik (De duas culturas da música) considera-se como atual uma
análise individualizante cujo objetivo é alcançar o mais perto possível
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a particularidade de uma obra no meio da linguagem - na medida em que uma época
marcada pela filosofia da linguagem pode crer nessa possibilidade. (E que o teórico
da música, para não se perder no incomensurável, deve resistir aqui à tentação de uma
digressão sobre Ludwig Wittgenstein em Martin Heidegger.)
Como veículo da análise, a teoria é comparável a um andaime de conceitos
que se coloca no entorno de uma obra particular: conceitos cujo caráter geral é
reduzido e especificado pouco a pouco por relações que se estabelece entre eles, se
bem que se aproxima no final, ao menos de perto, essa individualidade da obra que,
estritamente falando é inacessível. E o andaime, depois que ele cumpriu a função de
ter à disposição categorias servindo de ponto de partida para uma análise que se
aproxima com precaução do específico, pode por assim dizer, ser demolido depois
disso.
Em revanche, o procedimento que consiste em utilizar a análise afim de
demonstrar uma teoria harmônica ou métrica, e que Hugo Riemann praticava ainda
ingenuamente em seus livros sobre as sonatas de Beethoven, chega em nossos dias
envelhecido, ou mesmo suspeito. Ninguém crê mais, como Riemann, em regras que
uma obra deve preencher para se tornar uma obra de arte. A análise que demonstrava
apenas a conformidade a tais regras renunciaria à própria função que Riemann lhe
dava: aquela da justificação estética.
Além disso, é evidente que análises conduzidas para ilustrar ou confirmar uma
teoria são exposta ao perigo de esquematizar tentando encaixar a obra na medida da
teoria - enquanto que em revanche, a teoria que serve a análise não perde nada, mas se
assegura a chance de se diferenciar e de se desenvolver: oportunidade que pode-se
qualificar quase ao contrário, mas sem conotação negativa aqui. A confrontação com
o particular e o outro obriga a teoria a colocar perpetuamente à prova as categorias
das quais ela se serve. Em outros termos: uma teoria atual - e nada a distingue com
mais clareza da teoria antiga ou aquela do nascimento dos tempos modernos, que
tentaram apreender o mesmo e o intemporal - não encontra nenhum repouso, ela
constitui ao contrário um processo cujo agente nos parece ser essa aliança com um
princípio de uma análise individualizante.

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Certamente, esse caráter de processo que almeja uma teoria musical que se
quer atual não se limita à constatação banal que no domínio musical, como em todos
os outros, a teoria está exposta a modificações que resultam de um lado de
transformações dos objetos que elas estudam, e de outro lado de mudanças que
afetam as idéias e as premissas de onde ela parte para abordá-los, seja o objeto
estudado antigo ou moderno. Muito mais significativo que a impossibilidade para o
pensamento moderno de escapar da consciência histórica é, em nosso contexto, a
importância crescente da reflexão, que não poupou nem mais o métier do compositor.
Esse conceito de reflexão pode ser definido, se nos permite uma fórmula um
pouco rápida, como pensamento do pensamento. E na medida na qual se pode
conceber um pensamento que se exprime por meio de sons - uma maneira de falar
sancionada por assim dizer desde que Johan Nicolaus Forkel forjou, há duzentos anos,
o termo "lógica musical" e que Friedrich Schlegel comparava a composição a uma
meditação filosófica - o "pensamento do pensamento musical" seria a definição
adequada para uma teoria musical que se que reflexão. Uma teoria atual não seria um
corpus de regras mas uma função do processo composicional e, mas exatamente, uma
função tornada indispensável à Nova Música - aquela que ao menos merece esse
nome.
Não é exagero, seguramente, afirmar que um pensamento musical não
refletido, que abandona a reflexão para uma teoria que está atrelada (atrás) não é mais
possível no quadro da Música Nova sem danos. Pois na exata medida em que o
compositor, em lugar de se apoiar sobre um sistema já existente e confirmado, dispõe
dessa liberdade de formulação de princípios da qual fala Ernst Krenek, ele é forçado
assumir a tarefa de um pensamento do pensamento musical, e não mais se abandonar
de maneira irrefletida, fiando-se a uma linguagem musical estabelecida, a uma
pensamento que se expressaria imediatamente através dos sons.
Aquele que habita uma língua, pratica a gramática sem ser obrigado a recorrer
à sua capacidade de reconstruir as regras que lhe permitem seu uso. Se a linguagem
na qual se pensa não é dada antes, mas constitui o resultado de uma construção,
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o locutor se vê obrigado então a ser ao mesmo tempo um gramático. O avesso da
exigência de atualidade dirigida à teoria é portanto o reconhecimento da necessidade
de teoria que ressente a composição atual. Nada além, com efeito, é evidente.

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