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mais interessante do que discutir o grau Hoje, graças a trabalhos de autores


de “ruptura” ou o teor “revolucionário” como John Monteiro, Ronaldo Vainfas,
do empreendimento paulista é desven- Ronald Raminelli e Maria Regina Ce-
dar os processos sociais concretos que lestino (para citar apenas alguns histo-
organizavam as tramas de sociabilida- riadores), é cada vez mais difícil deixar
de entre personagens humanos reais. E de reconhecer que as sociedades indí-
isso Miceli faz com primazia, combi- genas, e suas dinâmicas sociais e cultu-
nando uma linguagem rigorosa, mas vi- rais, representaram um fator crucial na
va e límpida, com uma visão generosa formação da América colonial portu-
dos artistas analisados. Obviamente, o guesa e, por extensão, na formação da
ângulo escolhido cobra um preço – o es- própria sociedade brasileira. É nesse
vaziamento da dimensão política mais contexto que devemos comemorar a
ampla, que organizava inúmeras trans- publicação da tese de doutorado – ven-
formações na vida social nos anos 20 e cedora, em 2003, do Concurso CNPq-
recolocava em termos novos o tema do ANPOCS de Obras Científicas e Teses
“nacional”. Mas não se pode ter tudo, e Universitárias em Ciências Sociais – de
a coerência teórico-metodológica do Cristina Pompa, tese que, embora de-
autor garante uma investigação íntegra fendida em uma pós-graduação de An-
e analiticamente poderosa, que ilumina tropologia (Unicamp), representa uma
aspectos obscurecidos de um objeto já inestimável contribuição à historiogra-
tão estudado e coloca novos caminhos fia brasileira.
para a pesquisa sociológica. Munida de um sólido conhecimento
da bibliografia antropológica, e de uma
admirável proficiência no mister do his-
POMPA, Cristina. 2003. Religião como toriador, a autora escreveu uma história
tradução: missionários, Tupi e Tapuia da evangelização dos povos indígenas
no Brasil colonial. Bauru, SP: EDUSC/ no Brasil colonial, tarefa a que se dedi-
ANPOCS. 444 pp. caram, em períodos e com objetivos
muito distintos, autores tão díspares
quanto Serafim Leite ou Luiz Felipe
João Azevedo Fernandes Baêta Neves. Diferentemente de am-
Departamento de História, UFPb bos, porém, Cristina Pompa não vê nes-
se processo de evangelização uma im-
Quando se observa o panorama atual posição – positiva ou negativa – do co-
da história indígena no Brasil, seja no lonizador sobre uma massa amorfa e in-
que se refere aos livros publicados, seja defesa de indivíduos inconscientes da
no que tange aos trabalhos apresenta- catástrofe que se lhes abatia.
dos em congressos, é fácil perceber que A autora critica, com veemência, o
este campo de estudos passa por um vi- binarismo vencedor x vencido e vê na
goroso processo de amadurecimento e evangelização, mais do que uma impo-
profissionalização. Até os anos 80, pelo sição, um complexo processo de tradu-
menos, seria quase impossível encon- ções mútuas, no qual os missionários
trar um historiador disposto a ver nos europeus liam as práticas e discursos
índios algo mais do que “vítimas”, pas- indígenas com chaves de interpretação
sivas e quase irrelevantes, do grande retiradas dos textos bíblicos e do paga-
processo de integração do território bra- nismo clássico, enquanto os próprios ín-
sileiro ao “sistema mundial”. dios percebiam nos missionários seres
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semelhantes aos seus pajés e caraíbas, em um contexto de radical mobilidade


com extraordinários poderes de cura e e desestruturação sociais.
de comunicação com a alteridade. A A divisão do livro em duas partes,
contribuição mais original de Cristina sendo a primeira dedicada à missão en-
Pompa, porém, é perceber que, durante tre os Tupinambá e a segunda à cate-
esse longo processo de evangelização/ quese dos tapuias, representa mais do
tradução, não apenas se trocaram senti- que uma conveniência didática ou uma
dos e imagens, mas se criaram novos imposição cronológica. Pompa demons-
paradigmas de interpretação da reali- tra, com abundância de argumentos e
dade espiritual da colônia, paradigmas fontes, que a segunda fase foi construí-
que representam o surgimento de uma da sobre as bases formuladas durante o
verdadeira lógica mestiça (para usar, tal contato com os povos de línguas tupi da
como faz Pompa, a expressão de Serge costa brasileira. Quando os missionários
Gruzinski). se defrontaram com a miríade de povos
Dessa forma, os missionários cons- que habitavam os sertões, o fizeram a
truíram – com os tijolos dos mitos e ritos partir das chaves de interpretação que
nativos, e com as estruturas do paganis- haviam desenvolvido nas missões do li-
mo clássico e do milenarismo medieval toral.
– toda uma religião indígena, com seus A própria noção de tapuia era her-
“deuses” (como Tupã, figura menor na deira direta da antropologia (e dos pre-
cosmogonia tupi), seus dilúvios e apo- conceitos) dos Tupinambá: os povos do
calipses, e seus “sacerdotes”, em uma sertão eram “bárbaros” por serem, em
atitude absolutamente necessária para quase tudo, inversões do ser Tupinam-
a superação da principal dificuldade bá. Eram nômades, não cultivavam a
encontrada pelos missionários no Bra- mandioca, não bebiam cauim de vege-
sil: a ausência de uma religião pagã, co- tais cultivados (como a mandioca ou o
mo tinham Incas e Astecas, com a qual milho), devoravam os próprios mortos e
pudesse o cristianismo tridentino se de- eram adeptos de um tipo de guerra vol-
frontar e, gloriosamente, derrotar. tada ao extermínio do inimigo, caracte-
Os nativos, por seu turno, mostra- rísticas que os diferenciavam dos habi-
ram-se admiravelmente propensos a tantes nativos do litoral. À distinção to-
aceitar essas construções dos missioná- talizante europeu (cristão) x nativo (pa-
rios, mas modificando-lhes os sentidos, gão), com a qual os missionários inicia-
e colocando-as para trabalhar em seus ram seu proselitismo, sucedeu-se a di-
próprios termos. Assim, as “santidades” cotomia litoral (incluindo-se aí os índios
dos Tupinambá (com suas “igrejas”, aliados) x sertão, em que o segundo ter-
“papas” e “mães de Deus”), bem como mo representava o lugar do pecado –
a “Roma” dos tapuias (em que se ado- um riffugium peccatorum, como diz a
rava o “deus” Varakidzan), represen- autora (:275) – e da desumanidade.
tam traduções indígenas dos ritos e da É nessa segunda parte, aliás, que o
mitologia cristã, traduções que funcio- livro de Cristina Pompa atinge seu pon-
navam como um jogo de espelhos, o to mais alto. Ao contrário do que ocorre
qual, por um lado, ajudava a anular a para os Tupinambá – em que a relativa
exclusividade européia do contato com abundância documental permitiu o sur-
a alteridade espiritual e, ao mesmo tem- gimento de toda uma bibliografia mais
po, contribuía para a construção de no- ou menos especializada –, o multiface-
vas identidades indígenas (e mestiças) tado conjunto de povos que os próprios
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Tupinambá denominavam “tapuias” ritos nativos foram “cristianizados” pe-


representou, até agora, um verdadeiro los missionários e, o que é ainda mais
buraco negro para a historiografia. Na interessante, cristianizados a partir de
maior parte dos casos, os historiadores uma leitura tupinizada do cristianismo.
limitaram-se à difícil tarefa de tentar Isto fica claro, por exemplo, quando
identificar alguns desses povos, no seio se percebe que, nos catecismos escritos
da confusão “etnonímica” de documen- em língua kariri pelos franceses, o no-
tos e relatos de valor etnológico muito me de Deus é “Tupã”, enquanto Badzé
variável. (personificação tapuia da fumaça do ta-
Cristina Pompa também realiza es- baco, entendida como um veículo de
se tipo de análise, mas vai muito mais comunicação entre as esferas humana
além. De posse de documentação inédi- e supra-humana) é chamado de “Pai
ta – como a notável Relation, de Ber- Grande”, o paí-guaçu da língua geral,
nard de Nantes –, além de documentos termo pelo qual os bispos eram traduzi-
já publicados, mas de difícil acesso à dos no idioma dos Tupi (:352). Buscava-
maioria dos pesquisadores brasileiros se, tal como foi feito entre os Tupinam-
(como as muitas cartas jesuíticas publi- bá, conexões entre as “crenças” dos ta-
cadas em latim), a autora escreve algu- puias e as tradições judaico-cristãs, na
mas páginas memoráveis no campo da esperança de se confirmar a tese da uni-
antropologia histórica. Sua análise da dade do gênero humano e a visão dos
“capitulação” assinada, em 1692, pelo índios como o genus angelicum, que
governador-geral do Brasil e por Canin- deveria ser convertido para que se pu-
dé, “rei” dos tapuias Janduins, mostra o desse chegar ao fim dos tempos, tal co-
alcance da adaptação tapuia ao cerimo- mo descrito pelas profecias milenaristas
nial e às regras diplomáticas dos coloni- que tanto influenciaram o projeto evan-
zadores, mas mostra também como os gelizador na América.
próprios colonizadores adaptavam suas Muito mais poderia ser dito a res-
práticas ao sabor das circunstâncias: peito das qualidades deste livro: pode-
afinal, jamais se pensou em assinar tra- ria citar, por exemplo, a belíssima des-
tados ou capitulações com os Tupinam- crição das formas pelas quais os nativos
bá, durante as guerras dos séculos XVI do sertão se apropriaram – “tapuiza-
e XVII. ram”, poder-se-ia dizer – do cristianis-
É no tratamento das práticas evan- mo “tupinizado” que os missionários
gelizadoras, contudo, que a metodolo- lhes ofereciam, bem como as excelen-
gia utilizada por Cristina Pompa atinge tes análises de alguns equívocos come-
seus resultados mais profícuos. Tal co- tidos pela antropologia e pela historio-
mo ocorreu durante a experiência mis- grafia no trato da documentação e dos
sionária entre os Tupinambá, os religio- relatos sobre o contato interétnico no
sos europeus procuraram, em meio às Brasil dos primeiros séculos. Sua des-
crenças “ridículas” (:348) dos índios, construção do mito da “Terra sem Mal”
elementos que configurassem a presen- – noção cuja popularidade na bibliogra-
ça de uma “crença”, não apenas em al- fia acadêmica é inversamente propor-
go, mas em alguém (:349). Pompa faz, cional ao seu lastro documental – é la-
então, uma “arqueologia” da religião pidar, bem como sua crítica corrosiva
dos tapuias (no caso, dos Kariri), tal co- dos equívocos e omissões (às vezes de-
mo apresentada nas descrições dos ca- liberadas) existentes nas traduções e
puchinhos franceses, mostrando que os transcrições dos textos clássicos.
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Em suma, Religião como tradução mas de vida social em um processo gra-


oferece-nos não apenas uma visão ori- dativo, e não linear, de conquista da in-
ginal a respeito de um tema crucial pa- dependência individual e da diferença
ra a historiografia e para a antropologia pessoal. Os autores apresentam como
histórica no Brasil, mas também abre recurso de reflexão sobre as relações
uma série de portas para novas pesqui- entre indivíduo e sociedade nas socie-
sas que aprofundem os caminhos aber- dades contemporâneas a distinção en-
tos pela autora, especialmente no que tre “autonomia” e “independência”
diz respeito à catequese no sertão, e a (conceitos de Alain Renaut). A “autono-
seu papel na construção da cultura e mia” refere-se ao desenvolvimento da
das religiosidades populares. A abertu- autoridade fundada na razão e na von-
ra de novos horizontes representa, a tade, com a qual o indivíduo resgata
meu ver, a principal qualidade deste li- para si a responsabilidade sobre o pró-
vro, e se é verdade que algumas obras prio destino. A “independência” asso-
já nascem clássicas, esta é, certamente, cia-se à construção do indivíduo auto-
uma delas. suficiente, “sem depender de ninguém”,
em uma atitude excessivamente auto-
centrada. Não são distinções estanques,
SINGLY, François de (org.). 2001. Fa- mas momentos de um mesmo fenôme-
mille et individualisation. Paris: Har- no que revelam a complexidade e o ca-
mattan. 2 vols. 199 pp. ráter muitas vezes paradoxal do proces-
so de individualização. A exacerbação
da independência pode gerar, em últi-
Rogéria Campos de Almeida Dutra ma instância, o comprometimento da
Doutoranda, PPGAS/MN/UFRJ própria autonomia, ao possibilitar a
existência do indivíduo des-conectado,
Esta coletânea representa parte signifi- do subjetivo sem o inter-subjetivo. A
cativa das discussões suscitadas no co- própria dinâmica social apresentada
lóquio internacional sobre “Família e neste conjunto de pesquisas nos sugere
Individualização”, organizado por Fran- que o individualismo é vivenciado na
çois de Singly – professor da Universi- busca do equilíbrio entre estas duas ins-
dade de Paris V – junto com um grupo tâncias, diante do “outro”.
de jovens doutores e doutorandos do Como bem observa F. de Singly, os
Centre de Recherches sur les Liens So- indivíduos das sociedades contemporâ-
ciaux. São dois volumes e 27 capítulos, neas ocidentais não são iguais aos das
caracteristicamente curtos e heterogê- gerações precedentes, dado o impera-
neos, que apresentam como propósito a tivo de tornarem-se indivíduos origi-
melhor compreensão das famílias con- nais. O mito da interioridade, a busca
temporâneas ocidentais em face de uma do “verdadeiro eu”, tem como condi-
nova concepção de indivíduo, sua rela- ção imprescindível o “olhar do outro”.
ção com grupos de pertencimento e, em A família também se modifica para pro-
particular, com a família. duzir esses indivíduos, apresentando
É no percurso histórico do período dois momentos distintos, ao longo do
moderno-contemporâneo que assisti- século XX, nesse processo de moderni-
mos à consolidação do individualismo; zação. No primeiro, até a década de 60,
à construção do indivíduo pelo des- apesar de já se verificar forte tendência
prendimento interior e exterior das for- à nuclearização, a família ainda perma-

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