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UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR VALE DO IGUAÇU – UNIGUAÇU


FACULDADES INTEGRADAS DO VALE DO IGUAÇU
CURSO DE DIREITO

ELAINE KRISTINA KRINSKI SILVEIRA

O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA


DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

UNIÃO DA VITÓRIA/PR
2010
1

ELAINE KRISTINA KRINSKI SILVEIRA

O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA


DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso


de graduação em Direito, das Faculdades Integradas
do Vale do Iguaçu, como requisito parcial à obtenção
do título de Bacharel.

Orientadora: Profª Ms. Marilucia Flenik.


Co-orientador: Prof. Ms. João Marcelo Borelli Machado.

UNIÃO DA VITÓRIA/PR
2010
2

ELAINE KRISTINA KRINSKI SILVEIRA

O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA


DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em


Direito, das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel, com a nota 9,5.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________
Prof. Msc. MARILUCIA FLENIK (Orientadora)
Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu

_______________________________________________________
Prof. Msc. JOÃO MARCELO BORELLI MACHADO (Co-orientador)
Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná

_____________________________________________
Prof. GRAZIELA SOARES
Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu

_____________________________________________
Prof. ELVIS JACKSON MELNISKI
Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu
3

A
Donivir e Lúcia,
meus amados pais.
Licínio e Jenoveva,
meus queridos avós.
Klaus e Klessio,
meus adorados irmãos.
Gliese,
meu querido.
4

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a DEUS, o verdadeiro responsável pela minha existência e


pela minha insistência em levar adiante tudo aquilo a que eu me proponho a fazer.

Em especial agradeço aqueles que me apoiaram cotidianamente para que eu


pudesse desenvolver este estudo: Donivir Silveira e Lúcia Tereza Krinski Silveira, Klaus
Kristiano Krinski Silveira e Klessio Kristian Krinski Silveira, Roberto Gliese, Professora Ms.
Siomara Cador Edine e também a todos os meus queridos amigos que me acompanharam
ao longo desta jornada.

Agradeço ao Professor Ms. João Marcelo Borelli Machado, co-orientador e


incentivador da idéia deste estudo, que acreditando ser possível eu realizá-lo, motivou-me a
concluí-lo. Muito obrigada Professor João!

A Professora Ms. Marilúcia Flenik todo meu carinho e reconhecimento diante da sua
honrosa e especial orientação, que com carinho conduziu-me nos momentos de
dificuldades.
5

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos


e não tivesse amor,
seria como o metal que soa ou como sino que tine.
E ainda que eu tivesse o dom da profecia
e conhecesse todos os mistérios
e toda a ciência,
e ainda que tivesse toda a fé,
de maneira tal que transportasse os montes,
e não tivesse amor,
nada seria.”

(Coríntios 13:12)
6

RESUMO

A pessoa humana é de suprema relevância para a sociedade e para o Direito. O


desenvolvimento social depende de pessoas que estejam em pleno gozo de uma
vida digna preservando no ordenamento pátrio o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana. Para assegurar uma vida digna o elemento fundamental para isso é a
saúde, deste modo o Direito à saúde é o elemento da universalidade dos direitos
sociais. Essencial para o desenvolvimento da sociedade, cidadãos carentes do
pleno gozo de bem estar físico, mental, emocional e também espiritual, não
conseguem colaborar eficazmente para o crescimento do progresso do Estado. Por
sua vez, o Estado tem o dever de respeitar, proteger e promover as condições que
viabilizem a vida com dignidade. Para viabilizar as prestações de saúde é relevante
ponderar a Reserva do Possível e o Mínimo Existencial, protegendo da incoerência
o orçamento público. O Poder Público promove a saúde financiada pela União,
Estados, Distrito Federal e Municípios e pela contribuição dos administrados. Assim,
o direito à saúde se efetiva quando o Estado cria políticas públicas capazes de
atingir a toda população, tais como: postos de saúde, hospitais, programas de
prevenção, medicamentos, entre outros mais.

PALAVRAS-CHAVE: PESSOA – PRÍNCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA – DIREITOS HUMANOS – MÍNIMO EXISTENCIAL – RESERVA DO
POSSÍVEL – POLÍTICAS PÚBLICAS - SAÚDE.
7

ABSTRACT

The human person is of great importance for the society and for the Law. The social
development depends on individuals living a fully of dignified life and on the
preservation of the Human Dignity Principle. The health is a fundamental aspect of a
dignified life, implying the right to health is an element of universalism of the social
rights, essential for the development of the society. Citizens without full physical,
mental, emotional and also spiritual conditions are unable to contribute plenty for the
State’s grow and progress. On the other side, the State has the obligation to respect,
protect and promote the conditions to enable a dignified life. But to supply the proper
health care, is necessary to consider the Reserve of the Possible and Existential
Minimum principles, protecting the government budget. The State promotes the
health care financed by the Federation, States, Federal District and Municipalities,
together with the contribution of the people. So, the right to health becomes effective
when the State creates public policies capable to reach all the population, supplying
the needed clinics, hospitals, prevention programs, pharmaceuticals, and more.

KEYWORDS: PERSON – HUMAN PERSON DIGNITY PRINCIPLE – HUMAN


RIGHTS – EXISTENTIAL MINIMUM – RESERVE OF THE POSSIBLE – PUBLIC
POLICIES - HEALTH
8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9
2 OS DIREITOS HUMANOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA ....................................................................................................................... 12
2.1 O SER HUMANO E A PESSOA ............................................................................... 12
2.2 OS DIREITOS HUMANOS ....................................................................................... 16
2.2.1 Os direitos fundamentais ...................................................................................... 19
2.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........................................... 25
3 A RESERVA DO POSSÍVEL, O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS POLÍTICAS
PÚBLICAS ..................................................................................................................... 32
3.1 A RESERVA DO POSSÍVEL .................................................................................... 32
3.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL ........................................................................................ 36
3.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................................................... 40
3.3.1 A finalidade e os meios da implantação das políticas públicas ........................... 44
4 O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA
DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA............................................. 47
4.1 A SAÚDE ................................................................................................................. 48
4.2 OS FUNDAMENTOS DO DIREITO À SAÚDE ......................................................... 49
4.2.1 O Direito à Saúde e a Seguridade Social ............................................................. 53
4.2.2 O Sistema Único de Saúde - SUS ........................................................................ 55
4.3 A PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE ... 57
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 59
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 62
9

1 INTRODUÇÃO

O ser humano precisa viver em sociedade, interagindo com outros seres de


sua espécie, agindo e modificando o meio em que vive. Estes estímulos são gerados
a partir desta interação harmônica, a qual é fundamental para a formação de um
mundo organizado pelas pessoas, determinando comportamentos e culturas.
O Estado tem o dever de respeitar, proteger e promover as condições básicas
que possam vir a viabilizar a vida com dignidade. Assim, a dignidade da pessoa
humana é um valor norteador das normas e princípios dispostos no ordenamento
jurídico brasileiro, um pilar para a organização do Estado e para o Direito.
Dentro do ordenamento jurídico pátrio, está assegurado o Direito à saúde,
sendo este um elemento de um conjunto do qual fazem parte uma série de direitos
sociais.
Embora as pessoas vivam para si e não para o Estado, a saúde é essencial
para o desenvolvimento da sociedade. Cidadãos carentes do pleno gozo de bem
estar físico, mental, emocional e também espiritual, não conseguem colaborar
eficazmente para o crescimento do progresso do Estado.
O Poder Público promove a saúde financiada pela contribuição dos
administrados. Assim, o direito à saúde se efetiva quando o Estado cria mecanismos
e condições, tais como: postos de saúde, hospitais, programas de prevenção,
medicamentos, entre outros mais.
Ao não atender na integralidade todos os que buscam por seu direito, o
Estado desvirtua-se do seu fundamento ferindo um princípio constitucional de
grandíssima importância.
Surge então uma indagação: Consolidado o Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana na Constituição Federal Brasileira de 1988, como um dos
elementos fundamentais do Estado, por que o Poder Público deve prover o acesso
igualitário e universal ao direito à saúde?
Cientes de que a Dignidade da Pessoa Humana é um fundamento do Estado
brasileiro e que ao falar de dignidade esta se referindo diretamente aos seres
humanos dotados de vida, cabe salientar que para a manutenção da vida, bem
jurídico maior, há de existir pessoas em pleno gozo de bem estar físico, mental e
espiritual.
10

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana uma vez disposto na


Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, transmite sua proteção para
todos os cidadãos e também aos estrangeiros aqui residentes.
Quando nos reportamos a uma vida digna das pessoas não podemos deixar
de lado um elemento essencial à vida humana: a saúde. E este sempre foi um
assunto bastante polêmico. A Saúde é tema de campanhas políticas, alvo de críticas
da população, mas principalmente, uma busca incessante em levá-la a todos os que
dela necessitam e manter a estabilidade daqueles que já gozam desta dádiva.
Estampado na Carta Magna o direito à saúde, o Estado tem o dever de prover
este direito à todas as pessoas, sejam brasileiros ou não, que estejam em seu
território de forma igualitária e universal.
Embora o Estado seja um ente abstrato, as políticas sociais são promovidas
pelo Poder Público, responsável pela real efetivação deste direito social, mas
também fundamental, criando políticas públicas e diretrizes ao atendimento da
população na prevenção e combate das moléstias ou no caso onde isso se faz
impossível, sejam socorridos de forma digna.
Atribui-se a pertinência do tema em questão a uma discussão atual, a
transição de um Estado Positivista para um Estado Social de Direito. A saúde não é
apenas um direito de poucos, mas um direito de todos e um dever do Estado em
provê-la a coletividade.
A intenção desta pesquisa é a demonstração de que o direito à saúde é
corolário à efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana e exige do
Estado políticas públicas capazes de promover, proteger e recuperar a saúde como
bem essencial da vida humana.
O caminho trilhado para chegar às considerações que envolvem o tema em
estudo é complexo, sendo imprescindíveis os apontamentos filosóficos,
antropológicos e sociológicos no seu texto. Tais apontamentos corroboram com a
análise da realidade jurídica que atualmente rege o Estado brasileiro.
Este estudo se caracteriza como um estudo de cunho teórico bibliográfico,
fundamentado na Lei, doutrina e jurisprudências.
Para o desenvolvimento inicial deste trabalho, no primeiro capítulo foi
conceituado o termo pessoa, buscando aprofundar-se no estudo dos Direitos
Humanos e a partir daí realizar a reflexão acerca do princípio da dignidade da
pessoa humana e a sua essencialidade ao Estado Democrático de Direito.
11

O segundo capítulo foi dedicado à exploração da pertinência das políticas


públicas, passando pelos fatores que podem interferir, positivamente ou
negativamente, na sua implementação: o Mínimo Existencial e a Reserva do
Possível.
Por derradeiro, o terceiro capítulo primou pelo estudo do direito à saúde, o
seu fundamento e as diretrizes a serem seguidas para a garantia deste direito
fundamental para a existência humana e para o desenvolvimento social, sem deixar
de afirmar a sua essencialidade para dignidade humana.
12

2 OS DIREITOS HUMANOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA

Cada pessoa existente é parte intangível da sociedade. O respeito


despendido a cada homem ou mulher é o mesmo respeito despendido a si próprio,
DONNE disse sabiamente: “A morte de cada homem diminui-me, porque eu faço
parte da humanidade; eis porque nunca pergunto por quem dobram os sinos: é por
mim.”1, este pensamento contaminado pelo sentimento da fraternidade era o pranto
por aqueles que padeciam diante da crueldade contra a humanidade.
Poucos tiveram a coragem de erguer sua voz e lutar pelos direitos da
humanidade. Muitos morreram para conquistar o respeito para cada homem e
mulher que sofriam frente a negação dos seus direitos fundamentais.
Entender os direitos humanos hoje é uma busca equilibrada entre o direito
natural e o direito positivo, cujo alicerce é a dignidade humana, de onde se busca a
norma mais favorável à proteção dos direitos da criatura humana.
O presente capítulo suscita uma reflexão acerca da conceituação do termo
pessoa, perfazendo uma linha de estudo entre a criação dos direitos humanos até a
busca pela dignidade da pessoa humana.

2.1 O SER HUMANO E A PESSOA

Desde os primórdios o ser humano buscou respostas a respeito de sua


existência. Surge a preocupação consigo e com aquilo que causava ao seu redor,
ele concebeu a importância da sua existência interativa. Brotava então, a idéia da
relação entre o homem2 e o meio ambiente.
Diferente das outras espécies de animais, o ser humano encontrou em si uma
relação entre o corpo, sensações e sentimentos que o fizeram descobrir uma razão
física, mental e espiritual para existir.

1
DONNE, John. Meditação XVII, escrita em 1624. Disponível em <http://www.citador.pt/citacoes.
php?John_Donne=John_Donne&cit=1&op=7&author=415&firstrec=0>. Acesso em 14 de outubro de
2010.
2
Ser humano em geral; mamífero bípede, dotado de inteligência.
13

Como “animal social”, o ser humano tem necessidade de viver em grupo,


interagindo com outros seres de sua espécie. Desta interação harmônica surgem do
interior do ser humano, estímulos, que segundo DUSSEL3, são fundamentais para a
formação de um mundo ético, organizado pelas pessoas, e que determinam
diferentes comportamentos em culturas diversas. Como animal racional, o homem
estabeleceu padrões morais para viver em grupo.
Embora contrastante, seja na cultura oriental ou na ocidental, buscou-se
incessantemente entender a existência do ser humano. Cada povo com sua cultura
concebe o homem de diferentes formas.
O povo Semita concebe o homem como um ser unitário, um todo indivisível.
Não há a distinção entre “corpo” e “alma”. Para a cultura semita, o corpo é o todo, ou
seja, a carne e o sopro da vida formam o corpo. Isto conforme a teoria monista4.
Em oposição, para a cultura Helênica, era ressaltado e inquestionável na
teoria dualista5, ou seja, a existência do “corpo” e da “alma”.
Ainda que as distintas culturas se diferenciem na forma de pensar sobre o
homem, encontramos um ponto em comum dentro delas, o ente físico e o
metafísico, fundidos ou não.
O pensamento acerca da existência do homem remete a crença em Deus ou
em deuses e deusas. O processo religioso ao longo dos anos foi moldando-se de
acordo com as crenças de cada época em cada cultura sendo de vital importância
para que o homem se libertasse da natureza e da força que ela exercia sobre ele.
Da crença em que raios e trovões eram deuses enfurecidos, o homem
observou o seu meio até descobrir que não passavam de fenômenos naturais que
aconteceriam independente da conduta humana.
O povo hebreu encontrou Deus (YAHVEH), um Deus único, capaz de criar,
descansar, chorar, amar infinitamente, um Deus que se compadece e se encoleriza.
Um Deus que não é zoomórfico, mas sim um Deus antropomórfico. Na
Escritura Sagrada, a Bíblia, estão expressas Suas palavras: “(...) Façamos o homem
à nossa imagem e semelhança, e presida aos peixes do mar, e às aves do céu, e

3
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação. 2. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.
4
Teoria Monista: segundo DUSSEL é a teoria pela qual não se distingue corpo e alma, estando
correlacionados não podendo existir um isoladamente do outro.
5
Teoria Dualista: segundo DUSSEL é a teoria que sugere a existência do corpo e da alma, de
formas distintas. O físico e o espiritual.
14

aos animais selvagens, e a toda a terra, e a todos os répteis que se movem sobre a
terra.”6
A partir desta concepção sagrada acerca do homem, buscou-se ao longo dos
séculos a valorização da pessoa humana. A crença na existência de um Deus
próximo do homem e semelhante a ele transportava o respeito despendido a este
Deus, a cada pessoa existente. Inicia uma nova fase, a relação entre criatura e
criador: a religião7.
Os ensinamentos de Jesus Cristo remetiam ao pensamento de fraternidade e
igualdade entre os homens. Com ensinamentos pacificadores, o Cristo buscou
inserir uma consciência de respeito entre as pessoas.
Em uma de suas passagens bíblicas, indagado sobre como reagir a uma
agressão, ele contrariou a lei de Talião, dizendo: “(...) Eu, porém, digo-vos que não
resistais ao (que é) mau; mas, se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-lhe
também a outra.”8
Era o início de um pensamento voltado para a fraternidade e para a harmonia
entre os povos evitando que ações violentas gerassem outras e assim
sucessivamente.
Entretanto, com o passar dos séculos, o humanismo colocou o homem como
o centro de toda ação e o agente principal de todas as transformações sociais.
Mesmo o humanismo não renegando o cristianismo, vale ressaltar que nesta época
iniciam os movimentos críticos à igreja católica.
A partir daí o homem passa fazer a sua própria história, com fundamento no
contexto histórico de cada época, que marcou profundamente cada geração e a
convivência social de cada uma delas.
Diante das concepções sobre o ser humano, e a complexidade deste ser, que
foram levantadas ao longo dos séculos, surgem indagações acerca de termos
usados em relação ao ser humano, com a finalidade de nomeá-lo e conceituá-lo. A
esse respeito, BALLONE escreve:

Pessoa, em nossa cultura, se opõe ao indivíduo, se opõe à coisa e ao


animal, ainda que de modo distinto. Enquanto se distancia das coisas e aos

6
BÍBLIA SAGRADA. Livro do Gênesis, cap. 1, ver. 26.
7
Religar: o homem se religando à Deus.
8
BÍBLIA SAGRADA. Evangelho Segundo Mateus, cap. 5, ver. 39.
15

animais, o termo Pessoa se aproxima do termo Ser Humano, mas não se


9
superpõe a ele.

O autor supra diz que o termo pessoa existe para definir um ser humano, sem
se referir a ele apenas como uma espécie animal. O termo pessoa tem a intenção de
indicar um ser humano dotado de capacidade de interagir com outras espécies e
principalmente, de relacionar-se com outras pessoas e refletir sobre si.
Seguindo a linha de pensamento de BALLONE, ele descreve o termo pessoa
de melhor forma:

O termo Pessoa remete a algo obrigatoriamente humano e no sentido ético


do termo. O Ser Humano recebe uma distinção importante quando o
consideramos como Pessoa, assim como a Pessoa recebe uma distinção
redundante não menos importante quando a consideramos, por força de
expressão, como uma pessoa humana. Subentendendo o adjetivo humano
como relativo à ética.
Portanto, Ser Humano não é a mesma coisa que Pessoa, como tampouco
Ser Humano é o mesmo que cidadão, este muito mais próximo do termo
Pessoa. Ser Humano é um termo mais genérico ou indeterminado, que diz
respeito à espécie, à classificação, ao mundo zoológico. É por isso que nos
sentimos mais à vontade em dizer Homem (ser humano) das cavernas e
10
não pessoa das cavernas.

Corroborando com a idéia do autor supra, destaco ainda suas palavras:

Pessoa é um termo mais específico, que tem a ver com o mundo civilizado
ou, se preferirmos, com a constelação dos valores morais, éticos e jurídicos
próprios da civilização.
Portanto, ao nos referirmos ao indivíduo da espécie humana merecedor da
consideração ontológica e ética devemos dizer Pessoa, não apenas, Ser
Humano, Homem, menos ainda Indivíduo e muito menos ainda Elemento,
11
como no jargão policial.

Em concordância com a lição do ilustre professor, ressalto a importância de


uma terminologia, que dá um sentido ético, moral e jurídico, transformando uma

9
BALLONE Geraldo J. O Indivíduo, o Ser Humano e a Pessoa. Disponível em
<http://gballone.sites.uol.com.br/voce/pessoa.html. Acesso em 15 de agosto de 2010.
10
Idem.
11
BALLONE Geraldo J. Op. cit.
16

simples espécie animal em um ser capaz, importante ao meio e que promove a


convivência interativa com os seus e com outras formas de vida ao seu redor.

2.2 OS DIREITOS HUMANOS

A história dos direitos humanos enleia-se com a luta da humanidade pela


concretização de suas aspirações democráticas. Além da essência ética das
grandes religiões, datam da mais remota antiguidade as primeiras iniciativas neste
sentido.
O poder exercido de forma pungente e coativo contra os povos contribuiu
para a evolução histórica dos direitos humanos, embalando uma luta intensa rumo à
limitação do poder.
A participação dos franceses, auxiliando os americanos na emancipação das
Treze Colônias foi essencial à deflagração da Revolução Francesa de 1789
contemplando desta forma, o fato de que o século XVIII assistia a dispersão do
ideário iluminista, motivando a batalha de várias nações contra a ação de regimes
monárquicos ou contrários ao mecanismo de representação política.
GUIMARÃES trata em seu artigo, da evolução histórica da proteção dos
direitos humanos, e mais, afirma a importância da Declaração da Independência dos
Estados Unidos da América (EUA) e a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão:

As primeiras Declarações de Direitos Humanos a serem positivadas foram


as do Estado americano de Virgínia, em 1776 e, posteriormente, a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, em decorrência
dos postulados da Revolução Francesa. Neste momento, os direitos
humanos deixam de ser meras intenções para serem considerados direitos
positivos e exigíveis.
Após a Constituição Francesa de 1791, que incorporou os direitos previstos
na Declaração de Direitos do Homem de 1789, passa-se a um segundo
momento de constitucionalização e positivação dos direitos humanos, em
12
detrimento de sua universalização.

12
GUIMARÃES, Marco Antonio. Direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2006. p.56-57.
17

A busca pela dominação e a colonização levaram muitos Estados a guerras


cruéis, condenando povos às mais miseráveis condições de sobrevivência.
Aquilo que era apenas uma fagulha na luta pelo domínio de um mero objeto
se estendeu ao domínio de uma tribo, depois de uma civilização transbordando pela
busca desenfreada pelo poder de dominar tudo aquilo que olhos pudessem
alcançar.
Na brilhante frase de SARTRE ele fala que na proporção que o ódio entre as
pessoas pode alcançar: “Basta que um homem odeie outro para que o ódio ganhe a
pouco e pouco a humanidade inteira.”13
Ao longo da história, numa marcha lenta e sangrenta, brotavam os direitos
individuais frente aos abusos do poder político. A maioria das constituições
promulgadas desde 1919 consagram dispositivos referentes ao resguardo de
direitos individuais.
As revoluções e lutas marcam a história da humanidade. Desde o
renascimento e o humanismo o ser humano vai lentamente consolidando-se como
centro das atenções. O ser humano começa a se preocupar com a pessoa humana
e a partir daí se conscientizam da sua importância.
Quando a criatura humana percebe a importância da pessoa, o embate entre
o surgimento do cidadão sujeito de direito e o surgimento de aspirações por
melhorias sociais, o que é visualizado na transição do Estado Liberal ao Estado
Social. Inicia-se então, um processo de intervenção, obrigando a universalização da
proteção dos direitos humanos:

O século XX presenciou, em diferentes ocasiões, retrocessos nessa batalha


contra a intolerância e a tirania, fazendo com que se elevasse a proteção
dos direitos humanos para o âmbito de responsabilidade universal. Em
1941, o presidente Franklin Roosevelt enunciou a chamada Doutrina das
Quatro Liberdades: de palavra e expressão, de culto, de não passar
necessidade e de não sentir medo.
Várias vezes reiterados pelos aliados durante a II Guerra Mundial, como na
Carta do Atlântico em 1941, na Declaração das Nações Unidas de 1942, e
nas conferências de Moscou (1943), Dumbarton Oarks (1944) e São
Francisco (1945), esses princípios foram por fim incluídos na Carta das
14
Nações Unidas.

13
SARTRE, Jean Paul. O Diabo e o Bom Deus, 1964. Disponível em <http://www.
/citaccitador.ptoes.php?Jean_Paul_Sartre=Jean_Paul_Sartre&cit=1&op=7&author=19&firstrec=0>.
Acesso em 04 de agosto de 2010.
14
ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL PUBLICAÇÕES LTDA. Rio de Janeiro – São Paulo.
v. 6. 1982. p. 306.
18

Em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU)


proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com um preâmbulo de
trinta artigos, carecidos de força jurídica coativa, reconhecendo direitos civis,
políticos, econômicos e sociais.

No dia 10 de dezembro de 1948, durante a realização da Assembléia Geral


das Nações Unidas, em Paris, foi proclamada a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Ao todo foram 48 votos a favor da Declaração, nenhum
contra e oito abstenções – URSS, Bielorússia, Tchecoslováquia, Polônia,
15
Arábia Saudita, Ucrânia, África do Sul e Iuguslávia.

Começa a partir desta declaração um processo de formulação de outras


declarações com o mesmo foco e intenção, mas que nas palavras de FOLMANN,
parece apenas o início de uma série de adequações necessárias a cada sociedade:

Todavia, esta matriz norteadora do pensamento jurídico, fortalecida pelo


pós guerra, não surgiu do nada ou mesmo inseriu-se de imediato. Pelo
contrário passou, e passa, por um longo processo de adequação aos
anseios de cada sociedade, de cada núcleo, de cada concepção do ser
16
humano.

O grau de proteção do direito comum evolui conforme aumentam as


necessidades das pessoas. Não basta ter o direito de viver, mas sim de viver de
forma digna.
Com o objetivo de exaltar o modo de proteção voltado a pessoa humana a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) traz:

Artigo VI. Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares,


reconhecida como pessoa perante a lei.
Artigo VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra

15
VISVANATHAN, Christianne González et al. Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/declaracao-universal-direitos-humanos.htm>. Acesso
em 14 de outubro de 2010.
16
FOLMANN, Melissa. Direitos Humanos: os 60 anos da declaração universal da ONU. Curitiba:
Juruá, 2009. p.284.
19

qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer


17
incitamento a tal discriminação.

Mas a proteção da pessoa humana não se resume apenas no


reconhecimento dela como pessoa, mas principalmente, na primazia da sua
existência de forma digna. Ao longo das disposições na DUDH, são elencados
direitos fundamentais para o tratamento dispensado a todo ser humano, como
podemos cotejar no artigo XXV da DUDH:

Artigo XXV.- 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de


assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
18
subsistência fora de seu controle.

Destacam-se aí, o que MUNIZ19 chama de elementos materiais (físicos e


psíquicos) e imateriais (espirituais).
Ainda no entendimento do professor MUNIZ20, ele faz uma distinção entre
direitos humanos e direitos fundamentais: os direitos humanos possuem um campo
de abrangência mais elevado e está relacionado com tratados internacionais de
posições jurídicas reconhecedoras do ser humano como tal. No tocante aos direitos
fundamentais, estes são direitos dos seres humanos que foram devidamente
reconhecidos constitucionalmente, inseridos no ordenamento jurídico de
determinado Estado.

2.2.1 Os direitos fundamentais

17
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela Resolução
217 A (III), da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
18
Idem.
19
MUNIZ, Antonio Walber Matias. Direitos Humanos: os 60 anos da Declaração Universal da ONU.
Curitiba: Juruá, 2009. p.49.
20
MUNIZ, Antonio Walber Matias. Op. Cit.
20

Uma vez reconhecido o ser humano como sujeito passivo de proteção


especial para garantir a sua sobrevivência digna, o ordenamento jurídico de cada
Estado traz elencado um rol de direitos.
Analisando o ponto de vista de alguns constitucionalistas nacionais, podemos
verificar a forma como cada um aborda o conceito, e em alguns casos até mesmo
diferentes terminologias, para explanar acerca dos direitos fundamentais.
Para SILVA, a terminologia mais adequada seria direitos fundamentais do
homem, tal como ele mesmo explica:

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a


este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a
concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento
jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas
prerrogativas que e instituições que ele concretiza em garantias de uma
21
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.

Em contra partida, para o doutrinador BULOS, lhe parece melhor o uso do


termo liberdades públicas, tal como ele diz:

Sugerimos o uso de liberdades públicas em sentido amplo – conjunto de


normas constitucionais que consagram limitações jurídicas aos Poderes
Públicos, projetando-se em três dimensões: civil (direitos da pessoa
humana), política (direitos de participação na ordem democrática) e
22
econômico-social (direitos econômicos e sociais).

Os direitos fundamentais do homem, ou, as liberdades públicas, existem para


o fim de assegurar que aquele rol de direitos elencados, sejam conforme a
necessidade daquela sociedade, que a proteja com eficiência e não esteja a mercê
da vontade de mandatários de cada época.
Na lição de MORAES, ele explicita a participação do povo através do poder
delegado a ele inerente:

21
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 178.
22
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 513.
21

O povo escolhe seus representantes, que agindo como mandatários,


decidem o destino da nação. O poder delegado pelo povo a seus
representantes, porém, não é absoluto, conhecendo várias limitações,
inclusive com a previsão de direitos e garantias individuais e coletivas do
23
cidadão relativamente aos demais cidadãos e ao próprio Estado.

Em outras palavras, mas no mesmo sentido, SCHMITT apud BONAVIDES,


assevera os direitos fundamentais do homem face ao Estado, conseguindo, a partir
de seus representantes, a intervenção controlada do Estado:

Os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência, entende ele,


os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face ao Estado.
E acrescenta: numa concepção estrita são unicamente os direitos da
liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um lado ao conceito do
Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em princípio ilimitada
diante de um poder estatal de intervenção, em princípio limitado,
24
mensurável e controlável.

São para a manutenção de uma sociedade livre e protegida que tais direitos
existem, desta forma fazendo um Estado Democrático de Direito. A democracia
depende de uma sociedade equilibrada, sem conflitos.
Para melhor compreender a sua significância, BULOS define direitos
fundamentais como sendo:

(...) o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos,


inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna,
livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição
econômica ou status social.
Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em
25
alguns casos, não sobrevive.

Eis uma definição louvável, que mostra o real sentido da existência destes
direitos.

23
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 25.
24
SCHMITT, Carl. apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 561.
25
BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 512.
22

A doutrina buscou classificar os direitos fundamentais. AFONSO diz que:


“nosso Direito Constitucional os agrupa com base no critério de seu conteúdo, que,
ao tempo, se refere à natureza do bem protegido e do objeto de tutela.”26
O doutrinador supra citado, agrupou a classificação27 dos direitos
fundamentais com base na Constituição, ficando da seguinte forma:
a. direitos individuais (artigo 5º);
b. direitos à nacionalidade (artigo 12);
c. direitos políticos (artigos 14 a 17);
d. direitos sociais (artigos 6º e 193 e ss.);
e. direitos coletivos (artigo 5º); e
f. direitos solidários (artigos 3º e 225).
O Ministro MELLO, citado por MORAES em sua obra, relatou a classificação
dos direitos fundamentais em gerações, o que tem sido comum nas doutrinas
analisadas. Entretanto, o ministro tem uma forma peculiar de expor cada geração.
Segundo ele:

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que


compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o
princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais)- que se identificam com as liberdades
positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os
direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade
coletiva, atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram
o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no
processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos
humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela
nota de uma essencial inexauribilidade. ( STF – Pleno – MS nº 22.164/SP –
Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p.
28
39.206.)

Quanto a natureza dos direitos fundamentais, tratam-se regras, normas que


visam definir um caráter concreto de proteção a pessoa. Novamente citando o ilustre
doutrinador SILVA, ele ensina a respeito:

26
SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 180.
27
SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 184.
28
MORAES, Alexandre de. Op. cit. p. 26.
23

A natureza desses direitos, (...), são situações jurídicas, objetivas e


subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e
liberdade da pessoa humana. Desde que, no plano interno, assumiram o
caráter concreto de normas positivas constitucionais, não tem cabimento
retomar a velha disputa sobre seu valor jurídico. (...) Sua natureza passara
a ser constitucional, o que já era uma posição expressa no artigo 16 da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, a ponto de,
segundo este, sua adoção ser um dos elementos essenciais do próprio
29
conceito de constituição.

No mesmo sentido, BULOS corrobora, afirmando a natureza dos direitos


fundamentais:

As liberdades públicas têm a natureza de normas constitucionais positivas,


pois derivaram da linguagem prescritiva do constituinte.
Na medida do possível, têm aplicação direta e integral, independendo de
30
providência legislativa ulterior para serem imediatamente aplicadas.

A aplicabilidade é fator fundamental para a real existência da proteção


sugerida pelos direitos fundamentais. Por se tratar de necessidade primordial a
existência humana, e por ser norma constitucional não sujeita a nenhuma forma de
alteração, sua aplicabilidade é imediata:

Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais


democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A
própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato
dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata. Essa declaração pura e simplesmente não bastaria
se outros mecanismos não fossem previstos para torná-la eficiente
31
(exemplo: mandado de injunção e iniciativa popular).

A finalidade da existência de direitos fundamentais previstos


constitucionalmente, é a segurança e o poder da pessoa poder clamar por aquilo
que lhe é essencial, de forma que ela não pereça pela carência de uma
necessidade.

29
SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 179.
30
BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 513.
31
MORAES, Alexandre de. Op. cit. p. 27.
24

A lição de BULOS traz claramente:


A finalidade instrumental das liberdades públicas permite ao particular
reivindicar do Estado: o cumprimento de prestações sociais (saúde,
educação, lazer, moradia etc.); a proteção contra atos de terceiros
(segurança, inviolabilidade de domicilio, dados informáticos, direito de
reunião etc.); e a tutela contra discriminações (desrespeito à igualdade,
proibição ao racismo, preconceito religioso, distinção de sexo, origem, cor
32
etc.).

A doutrina é pacífica no que tange diferenciar direitos e garantias


fundamentais. Um é a prescrição o outro instrumento. Da mesma forma que existe
um mecanismo que prevê o direito, em contra ponto deve existir um outro
mecanismo que assegure o cumprimento daquele direito.
Esta diferenciação é facilmente compreendida se observamos a explicação de
LENZA:

Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional,


enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o
exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara,
33
caso violados.

Os direitos humanos são fruto de verdadeiras batalhas sociais e político-


jurídicas. Traduzem textualmente o sangue derramado e a dor de gerações de
revolucionários. São conquistas que devem ser defendidas pela geração do
presente e pelas futuras, de forma a jamais retroceder ou esmorecer. Esse é o
sentido do “effet clicket”, ou seja, o princípio do não retrocesso social ou da proibição
da evolução reacionária.
A sociedade deve clamar com todo fervor e manter-se firme no ideal de uma
vida digna, livre e em prol da igualdade e da solidariedade entre os povos.
Entretanto, segundo BONAVIDES:

A Declaração será porém um texto meramente romântico de bons


propósitos e louvável retórica, se os países signatários da Carta não se
aparelharem de meios e órgãos com que cumprir as regras estabelecidas

32
BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 513.
33
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 741.
25

naquele documento de proteção dos direitos fundamentais e sobretudo


34
produzir uma consciência nacional de que tais direitos são invioláveis.

Não lutar para que os direitos humanos sejam respeitados seria um


retrocesso na história da humanidade.

Contra os céticos, os neutros e os negadores da significação objetiva da


ética e da justiça, a Declaração Universal acabou por fazer uma afirmação
solene do valor que é o fundamento da vida social: a dignidade inerente a
todos os membros da família humana. Afirmaram-se, assim, que as pessoas
não são sombras, tampouco aparências, mas realidades concretas e vivas,
daí o porquê de a Declaração fazer um duplo reconhecimento: 1) acima das
leis emanadas do poder dominante, há uma lei maior de natureza ética e
validade universal; 2) o fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da
pessoa humana, tendo em vista que a pessoa humana é o valor
fundamental da ordem jurídica, ou seja, a raiz das fontes do direito.
Tratando-se, pois, de direitos humanos, o intérprete deve ter em mente que
o direito positivo não pode contrariar ou negar vigência aos direitos
fundamentais dos seres humanos, assim como o direito interno não pode
contrariar direitos humanos consagrados universalmente por serem
indisponíveis e insuprimíveis, dado seu caráter de norma de valor supra
35
constitucional ou de natureza supra-estatal.

Para a interpretação e aplicação dos direitos humanos, é necessário sopesar


que a pessoa humana é o valor primordial que o direito deve proteger, tanto na
esfera nacional quanto na internacional. O cerne está no respeito às convenções e
aos tratados internacionais reguladores da matéria, recepcionadas pela
Constituição.

2.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A palavra dignidade traz como sinônimos: decência, decoro, respeito a si


próprio, honestidade, honra e respeitabilidade. Tendo um significado tão abstrato,

34
BONAVIDES, Paulo. Op. cit. p. 578.
35
MELO, Nehemias Domingos de. O Princípio da Dignidade Humana e a Interpretação dos
Direitos Humanos. Disponível em <http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetal
lhe.aspx? Doutrina=1075>. Acesso em 26 de março de 2010.
26

quando nos referimos à dignidade da pessoa, abre-se a nossa frente um campo


muito vasto no que se refere a sua interpretação.
O neurologista português DAMÁSIO, através de um comentário expressou
sua opinião sobre dignidade:

Do meu ponto de vista, o que se passa é que alma e o espírito, em toda a


sua dignidade e dimensão humana, são os estados complexos e únicos de
um organismo. Talvez a coisa que se torna mais indispensável fazermos,
enquanto seres humanos, seja a de recordar a nós próprios e aos outros a
complexidade, a fragilidade, a finitude e a singularidade que nos
36
caracterizam.

Esse entendimento que o ser humano é um ser frágil diante dos fenômenos
deste mundo é compartilhado com outros autores que asseveram a essencialidade
do princípio da dignidade humana para concretização da aplicação das garantias
fundamentais. É justamente pautado neste princípio que as pessoas têm um
fundamento para exigir e se fazer cumprir aquilo que é essencial para sua
existência.
Partindo das concepções, monista e dualista37, elas descrevem o ser humano
como um ser constituído de dois planos: físico e metafísico. Acompanhando o
raciocínio, pode-se identificar quatro elementos relacionados aos planos supra, que
formam o ser humano: corpo, mente, emoção e espírito.
Só está em “estado de dignidade” o indivíduo que goze, livre, plena e
continuamente destes quatro elementos. Quando um deles é abalado ou suprimido,
coloca-se em risco aquilo que dá ao ser humano a qualidade de pessoa, ou seja, “a
substância humana”.
A substância humana é o sopro da vida. E esta dá ao ser humano a condição
de pessoa humana. Tudo o que abale ou possa impedir a vida, atenta contra a
dignidade da pessoa humana.
Destarte, entendemos que a dignidade está em como a pessoa se vê e como
ela é vista, pois não há como se manter a dignidade humana sem a participação da

36
DAMASIO, Antonio Rosa. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Disponível
em <http://pt.wikiquote.org/wiki/Dignidade>. Acesso em 26 de março de 2010.
37
Teorias de DUSSEL já comentadas no capítulo anterior.
27

sociedade, mas também, sem excluir o interesse e a vontade do indivíduo. Eis uma
situação complexa.
Devemos reconhecer que o homem sempre lutou diante de tantos fatos
negativos (escravidão, perseguições, opressão), sempre buscando defender sua
dignidade enquanto ser humano.
Todavia, com o passar dos anos, a sociedade evoluiu sedenta por novas
descobertas, mas emersa em sangrentas batalhas pelo poder, retrocedendo no
processo da valorização da vida humana.
Da Guerra de Tróia às duas últimas Grandes Guerras Mundiais, o homem
vem percebendo o valor da dignidade através do sofrimento moral, pela dor física,
ou seja, situações catastróficas que levaram a humanidade a uma consciência e a
exigências de novas regras de respeito à vida com dignidade. No ensinamento de
COMPARATO:

(...) a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus


direitos, no curso da história, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física
e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens
recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente
diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa,
os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas
consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida
38
mais digna para todos.

Com as inúmeras perdas humanas que a sociedade teve ao longo dos anos,
a dignidade da pessoa humana passou a ser fundamento de alguns Estados, dentre
eles, o Brasil. Dessa conquista, que tornou a dignidade da pessoa humana um
princípio constitucional, buscou-se elevar a sociedade a um estado de igualdade,
seguindo ainda o autor supra:

(...) todos os seres humanos, apesar de inúmeras diferenças biológicas e


culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos
neste mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o
reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade,

38
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 37.
28

ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou


39
nação – pode afirmar-se superior aos demais.

A preocupação com uma vida digna é inerente a todos os povos. Vários


países, que tiveram ou não históricos de violência contra as pessoas, avançaram
rumo a constituições que se fundamentam primordialmente na defesa e proteção da
dignidade da pessoa. Na obra de BULOS ele nos traz uma breve menção acerca do
direito comparado em relação a dignidade da pessoa:

A constitucionalização do vetor da dignidade da pessoa humana vem


plasmada em diversos ordenamentos jurídicos mundiais, o que comprova
que o homem é o centro, fundamento das sociedades modernas. Daí a Lei
Fundamental de Bonn de 1949, diploma que muito influenciou a
Constituição Espanhola de 1978, ter enfatizado, logo no art. 1º, “a dignidade
do homem (Schutz der Menschenwürde): “A dignidade do homem é
intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo poder público”. O
mesmo aconteceu com a constituição portuguesa de 1978, que também
40
assegurou o princípio.

O ser humano é o centro da sociedade, ainda que rodeado de outras


espécies necessárias a sua subsistência é justamente o ser humano que se
organizou em sociedade e para isso buscou a ordem para viver em harmonia.
Internamente, se destaca o mais importante vetor da ordem jurídica brasileira,
colocado como um dos fundamentos da Constituição de 1988, foi a dignidade da
pessoa humana, que, elevou o ser humano ao auge de todo o sistema jurídico,
sendo-lhe atribuído o núcleo da ordem jurídica. No estudo de NEHEMIAS ele traz
belas palavras sobre a dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana, pois, serve como mola de propulsão da


intangibilidade da vida do homem, dela defluindo o respeito à integridade
física e psíquica das pessoas, a admissão da existência de pressupostos
materiais (patrimoniais, inclusive) mínimos para que se possa viver e o
41
respeito pelas condições fundamentais de liberdade e igualdade.

39
COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 01.
40
BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 499
41
MELO, Nehemias Domingos de. O Princípio da Dignidade Humana e a Interpretação dos
Direitos Humanos. Disponível em <http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDeta
lhe.aspx? Doutrina=1075>. Acesso em 26 de março de 2010.
29

A Constituição Federal de 1988 trouxe no seu primeiro artigo os fundamentos


do Estado Brasileiro, elencando a dignidade da pessoa humana no seu inciso III:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
42
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Na explicação de BULOS, ele especifica a complexidade da significância do


princípio da dignidade da pessoa humana para o nosso ordenamento jurídico e a
idéia do que pode acontecer diante da sua não observância:

Este vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias


fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o
Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando
um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o
primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano,
independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo
do vetor é amplo e pujente, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser,
pensar e criar etc.) e materiais (renda mínima, saúde, alimentação, lazer,
moradia, educação etc.). Seu acatamento representa a vitória contra a
intolerância, o preconceito, exclusão social, a ignorância e a opressão. A
dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios
incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às
liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais,
coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos culturais etc.
Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria. A
força jurídica do pórtico da dignidade começa a espargir efeitos desde o
ventre materno, perdurando até a morte, sendo inata ao homem. Notório é o
caráter instrumental do princípio, afinal ele propicia o acesso à justiça de
quem se sentir prejudicado pela sua inobservância. No Brasil, o Supremo
Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm reconhecido a
43
importância da dignidade da pessoa humana.

Podemos observar uma melhor especificação acerca do principio da


dignidade humana ao dividi-lo em três dimensões: a fundadora, a orientadora e a
42
Art. 1º, CF/88.
43
BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 499.
30

crítica. Seguindo a linha de pensamento e ensinamento do autor supra, ele define


esta divisão da seguinte forma:

O princípio constitucional da pessoa humana apresenta-se em três


dimensões: 1ª. Dimensão fundamentadora – núcleo basilar e informativo de
todo o sistema jurídico-positivo; 2ª. Dimensão orientadora – estabelece
metas ou finalidades predeterminadas, que fazem ilegítima qualquer
disposição normativa que persiga fins distintos, ou que obstaculize a
consecução daqueles fins enunciados pelo sistema axiológico-
constitucional; 3ª. Dimensão crítica – serve de critério para aferir a
44
legitimidade das diversas manifestações legislativas.

Além do mais, a interpretação do princípio da dignidade humana é essencial


para sua aplicação. Por tratar-se de um valor tão complexo sua exegese aborda-o
como um sobre princípio, continuando a citar BULOS, ele diz:

A dignidade da pessoa humana, enquanto vetor determinante da atividade


exegética da Constituição de 1988, consigna um sobre princípio,
ombreando os demais pórticos constitucionais, como o da legalidade (art.
5º., II), o da liberdade de profissão (art. 5º., XIII), o da moralidade
administrativa (art. 37) etc. Sua observância é, pois, obrigatória para a
exegese de qualquer norma constitucional, devido à força centrípeta que
possui. Assim, a dignidade da pessoa humana é o carro-chefe dos direitos
fundamentais na Constituição de 1988. Esse princípio conferiu ao texto uma
tônica especial, porque o impregnou com intensidade de sua força, nesse
45
passo, condicionou a atividade do intérprete.

Desta forma, a importância da dignidade da pessoa humana é conferida como


o centro básico e norteador do ordenamento jurídico, como parâmetro de valoração,
que visa orientar a interpretação e compreensão do sistema normativo constitucional
de um país.
A dignidade da pessoa humana é um valor que, de certa forma, orienta as
demais regras e princípios concebidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo
razão fundamental para a organização do Estado e para o Direito. Desta forma, recai
sobre o Estado um dever de respeitar, proteger e promover as condições que
viabilizem a vida com dignidade.

44
BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit.
45
BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit..
31

Destarte, a dignidade humana é um valor moral, ético e espiritual intangível. É


de natureza de direitos inalienáveis, irrenunciáveis que serve de fundamento do
próprio sistema jurídico: a dignidade da pessoa é a razão do existir da sociedade,
atingindo diretamente o Estado e o Direito.
32

3 A RESERVA DO POSSÍVEL, O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS POLÍTICAS


PÚBLICAS

O Estado é constituído de poder, o qual exerce sobre seus administrados.


Embora este poder seja uno, para uma administração justa e eficaz na realização
dos trabalhos estatais o poder separa-se em três atividades distintas, representadas
pelos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Os três poderes são independentes e harmônicos, com um sistema de freios
e contrapesos, visando cumprir, eficientemente, com as obrigações do Estado, sem
que haja a preponderância de um poder em face do outro.
São funções principais do Poder Público: elaborar as Políticas Públicas e ser
regulador e responsável pelo cumprimento das decisões legais, visando sempre o
bem da coletividade
Esta possibilidade de proporcionar aos administrados meios para viverem em
boas condições depende de alguns fatores.
O orçamento público é o vilão e o bem feitor deste tema. Se num primeiro
momento ele é o combustível para a realização das políticas públicas, num outro ele
é também o freio que obstaculiza os mecanismos de implementação das obras
públicas.
Por isso, neste capítulo se pretende abordar três fatores que alteram de forma
positiva e/ou negativa a administração do Estado, promovendo ou deixando de
promover sustentáculos à população, sendo eles: a reserva do possível, o mínimo
existencial e as políticas públicas.

3.1 A RESERVA DO POSSÍVEL

A teoria da reserva do possível é o respaldo mais utilizado pelo Poder


Executivo frente às exigências da sociedade em relação aos direitos sociais. É
justamente a previsão orçamentária do Estado em definir onde e quanto será gasto
na sua administração.
33

Entretanto, a reserva do possível, não apenas se refere diretamente à


existência de recursos para a realização do direito social, mas à razoabilidade da
sua efetivação. SARLET, ele entende que:

A prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode


razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o
Estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma
46
obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável.

Infelizmente a interpretação adotada atualmente faz menção a uma teoria da


reserva do financeiramente possível47, nos termos que se tornou padrão absoluto à
efetivação de direitos fundamentais sociais.
Conforme o estudo de MÂNICA, ele relata sobre o entendimento da teoria da
reserva do possível:

Nessa perspectiva, segundo entendimento de alguns, a teoria da reserva do


possível passou a ocupar o lugar que antes era ocupado pela teoria das
normas programáticas, pela separação de poderes e pela discricionariedade
administrativa, no sentido de que, se antes se entendia pela impossibilidade
jurídica de intervenção do Poder Judiciário na efetivação de direitos
48
fundamentais, agora se entende pela ausência de previsão orçamentária.

Da mesma forma BARCELLOS se reporta a reserva do possível como uma


desculpa à falta de um meio mais coerente para a não efetivação dos direitos
sociais: “Na ausência de um estudo mais aprofundado, a reserva do possível
funcionou muitas vezes como o mote mágico, porque assustador e desconhecido,
que impedia qualquer avanço na sindicabilidade dos direitos sociais.”49

46
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2001. p. 265.
47
MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações
e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Disponível em
<http://www.advc om.com.br/artigos/pdf/artigo_reserva_do_possivel_com_referencia pdf>. Acesso em
05 de outubro de 2010.
48
Idem.
49
BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro e São Paulo: Renovar, 2002, p. 237.
34

O entendimento jurisprudencial atual tem afastado a teoria da reserva do


financeiramente possível tem sido afastada como respaldo em afastar a
obrigatoriedade de efetivação dos direitos fundamentais sociais pelo Estado.
A simples alegação de falta de recursos não é mais aceita, há que se
comprovar a total ausência de recursos para que a teoria da reserva do possível
seja recebida.
Em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, se fazem relevantes as
palavras do ministro MELLO:

(...) É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além


de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização –
depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro
subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da
pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no
texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público,
em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade
financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o
ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de
inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos
cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir,
desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a
ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada,
pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas
obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo,
aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de
essencial fundamentalidade. (STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello,
50
julg. 29.04.04)

A ausência de recursos do Estado em prover o direito pleiteado coloca nas


mãos do Poder Judiciário uma difícil decisão diante da necessidade e da escassez.
Direito e Economia ficam face a face e a decisão por um ou por outro,
inevitavelmente, irá causar insatisfação. Há que se usar o método de ponderação,
para analisa todas as variáveis existentes, ou seja, tomar a decisão que atenda os
princípios da justiça, no sentido de bom senso.

50
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL n. 45, Rel. Min. Celso de
Mello, julg. 29.04.04. Disponível em < http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.
asp?s1=AD PF+45+NAO+S%2EPRES%2E&pagina=2&base=baseMonocraticas>. Acesso em 18 de
outubro de 2008.
35

A prevenção de uma situação danosa, no que concerne ao orçamento público


e também aos direitos sociais, deve ser levada em consideração no momento da
elaboração das políticas públicas. Quando a prevenção não surtiu efeito, cabe a
decisão judicial no caso concreto ser a menos prejudicial possível para ambos.
MÂNICA reforça em seu artigo a interpretação limitada acerca da efetivação
dos direitos fundamentais:

(...) a teoria da reserva do possível também tem sido interpretada como


limitação à efetivação de direitos fundamentais sociais em face da
incapacidade jurídica do Estado em dispor de recursos para a efetivação do
direito. Inexistindo previsão orçamentária específica, estaria obstruída a
51
intervenção do Poder Judiciário na efetivação de direitos sociais.

Como resposta, a jurisprudência estabilizou juízo acerca da possibilidade de


bloqueio de recursos públicos em caso de descumprimento de ordem judicial
anterior determinando o fornecimento de medicamentos.
Na decisão, infra cotejada, confirma a improcedência do argumento da
impossibilidade jurídica para a efetivação de direitos sociais fundamentais, no caso o
direito à saúde.

(...) 1. A hipótese dos autos cuida da possibilidade de bloqueio de verbas


públicas do Estado do Rio Grande do Sul, pelo não-cumprimento da
obrigação de fornecer medicamentos a pessoa portadora de doença grave,
como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou
de sentença definitiva da obrigação de fazer ou de entregar coisa. (arts. 461
e 461-A do CPC). 2. A negativa de fornecimento de um medicamento de
uso imprescindível, cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde,
é ato que, per si, viola a Constituição Federal, pois a vida e a saúde são
bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano. 3. A decisão
que determina o fornecimento de medicamento não está sujeita ao mérito
administrativo, ou seja, conveniência e oportunidade de execução de gastos
públicos, mas de verdadeira observância da legalidade. 4. O bloqueio da
conta bancária da Fazenda Pública possui características semelhantes ao
seqüestro e encontra respaldo no art. 461, § 5º, do CPC, posto tratar-se não
de norma taxativa, mas exemplificativa, autorizando o juiz de ofício ou a
requerimento da parte a determinar as medidas assecuratórias para o

51
MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações
e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Disponível em
<http://www.advc om.com.br/artigos/pdf/artigo_reserva_do_possivel_com_referencia_.pdf>. Acesso
em 05 de outubro de 2010.
36

cumprimento da tutela específica (...). (STJ, Resp nº 874.630/RS, Segunda


52
Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 21.09.06)

Fica claro que a reserva do possível refere-se àquilo que o indivíduo


necessita e pode esperar da sociedade. Contudo, esta aspiração deve seguir o
critério da racionalidade.
Somente em cada caso concreto é que o Poder Judiciário, respaldado pelo
princípio da proporcionalidade, poderá decidir se o Poder Executivo deverá propiciar
o direito pleiteado, ou se, o direito envolvido na lide pode causar a desestabilização
orçamentária em função de algo desnecessário.
Diante da complexidade de cada questão, haverá uma valoração do direito
social e da obrigação prestacional, através da ponderação de princípios, quais sejam
o da proporcionalidade e da razoabilidade.

3.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL

Um assunto que vem sendo muito discutido é a questão do mínimo


existencial53. Principalmente no que tange a implementação de direitos de segunda
geração (econômicos, sociais e culturais) há uma demanda excessiva de recursos
financeiros, e que na maioria das vezes, acaba extrapolando o orçamento do
Estado.
Todavia, não menosprezando a questão da reserva do possível54, devem ser
viabilizadas a condições mínimas existenciais do ser humano, não podendo o Poder
Público de qualquer forma, deixar de propiciar, parcialmente ou integralmente, o
gozo de direitos fundamentais à pessoa.
Nas palavras da autora BARCELLOS:

52
RECURSO ESPECIAL nº 874.630/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 21.09.06.
MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e
a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Op. cit.
53
ADPF 45 - Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
54
Aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade.
37

A limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode


ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem
pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar
seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a
finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a
forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é
55
exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.

Um dos problemas em relação ao aspecto prestacional do mínimo existencial


consiste em determinar quais prestações de direitos sociais conformam o seu
núcleo. A autora supracitada o identifica como:

(...) o núcleo sindicável da dignidade da pessoa humana, inclui como


proposta para sua concretização os direitos à educação fundamental, à
saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à
56
Justiça.

Ressalta ainda, que estes direitos são exigíveis judicialmente de forma direta.
Entretanto, GUERRA e EMERIQUE destacam sobre a mesma temática que: “(...)
não se deve confundir a materialidade do princípio da dignidade da pessoa humana
com o mínimo existencial, nem se pode reduzir o mínimo existencial ao direito de
subsistir.”57
A complexidade dos direitos sociais acarreta inúmeras dificuldades em função
da magnitude de sua eficácia. Tal fato compromete a confiabilidade na eficácia da
aplicação destes direitos.
De modo geral, a tendência é generalizar e a partir daí deixar de fazer valer
os direitos sociais com a desculpa de que sua aplicação é inviável. O que não deve
ser esquecido em nenhuma circunstância é que o mínimo existencial está unido
àquilo que é intrínseco as condições mínimas da existência humana. É com uma
vida digna que as pessoas podem se organizar e participar da sociedade.
No entendimento de RAWLS, o mínimo existencial deve estar vinculado a
igualdade de oportunidades, deixando de ser meramente um objetivo almejado pelo
55
BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O princípio da
dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 245 - 246.
56
BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit., p. 305.
57
GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana e o Mínimo Existencial. Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/
Revistas/Revista09/artigos/Sidney.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2010.
38

legislador para tornar-se uma garantia constitucional, e num primeiro momento,


desvinculado do Poder Legislativo.
Porém, irão existir prestações que excederam àquele mínimo garantido, e
neste caso, se fará necessário a disposição de lei, conforme as políticas públicas.
Nas suas palavras:

Observes que existe, además, otra importante distinción entre los principios
de justicia que especifican los derechos y las libertades básicas en pie de
igualdad y los principios que regulan los asuntos básicos de la justicia
distributiva, tales como la libertad de desplazamiento y la igualdad de
oportunidades, las desigualdades sociales y económicas y bases sociales
del respeto a sí mismo.
Un principio que especifique los derechos y libertades básicas abarca la
Segunda clase de los elementos constitucionales esenciales. Pero aunque
algún principio de igualdad de oportunidades forma parte seguramente de
tales elementos esenciales, por ejemplo, un principio que exija por lo menos
la libertad de desplazamiento, la elección libre de la ocupación y la igualdad
de oportunidades (como la he especificado) va más ala de eso, y no será un
elemento constitucional. De manera semejante, si bien un mínimo social
que provea para las necesidades básicas de todos los ciudadanos es
también un elemento esencial, lo que he llamado el “principio de diferencia”
58
exige más, y no es un elemento constitucional esencial.

As discussões acerca do mínimo existencial aparecem em dois vértices: um


que o trata como garantia e o outro como prestação.
Com um núcleo mínimo garantido impede se que haja a agressão do direito,
visto que ele se destaca a outros direitos ou deveres com a finalidade de propiciar a
satisfação de condições mínimas de existência digna da pessoa. É a forma pela qual
o particular fica vinculado ao Estado.

58
RAWLS, John apud PORTELLA, Simone de Sá. Disponível em <http://www.webartigos.com/artic
les/2400/1/Consideraccedilotildees-Sobre-O-Conceito-De-Miacutenimo-Existencial/pagina1. html#ixzz
11CFHRcrK>. Acesso em 06 de outubro de 2010. Tradução livre: Observa que, além disso, há outra
distinção importante entre os princípios da Justiça que especificam direitos e igualdade das
liberdades fundamentais e os princípios que regem a substituição de justiça básica, tais como a
liberdade de circulação e questões de igualdade de oportunidades das desigualdades sociais e
econômicas e bancos de dados sociais respeitarem se mesmo. Um princípio que especifica os
direitos e liberdades fundamentais abrange a segunda classe de elementos constitucionais
essenciais. Mas, apesar de algum princípio da igualdade de oportunidades parte provavelmente
esses elementos essenciais, por exemplo, um princípio que exigem pelo menos liberdade de
circulação, à livre escolha de ocupação e igualdade de oportunidades (como eu tenha especificado)
será mais de plano e não será um elemento constitucional. Da mesma forma, enquanto um mínimo
social que fornecem as necessidades básicas de todos os cidadãos também é essencial, o que eu
tenho chamado o "princípio da diferença" requer muito mais, e não é essencialmente constitucional.
39

De outro lado, o mínimo observado do viés da prestação aponta a dificuldade


em determinar quais prestações de direitos sociais conformam o seu núcleo. Esta
determinação deve ser pautada em conforme aos princípios da legalidade e da
razoabilidade. Neste viés, se passa a andar por terreno desconhecido, pois se o
mínimo existencial não trata apenas da subsistência da pessoa, como definir quais
serão as prestações mínimas a serem colocadas a disposição dos administrados?
Na afirmação de GUERRA e EMERIQUE:

Fica a dúvida sobre a possibilidade de estabelecer juízos de comparação


entre a situação dos beneficiários, controlando a legalidade e razoabilidade
do fator de diferenciação utilizado pelo Estado ao prover, garantir ou
59
promover seletivamente os interesses tutelados pelo direito.

A análise do mínimo existencial provoca polêmica no que concerne a


conceituação e identificação dos núcleos indispensáveis a uma vida digna. É
justamente frente à escassez de recursos do Estado que o direito se insurge para
dizer se tal núcleo é pertencente ao conjunto dos direitos fundamentais ou não.
Destarte, o que não pode acontecer é que a desculpa de uma
desestabilização econômica dite regras, baseadas em escassez de recursos,
criando um dogma respaldado pelo princípio da reserva do possível, que impeça a
idéia de otimização dos recursos mediante o emprego do máximo possível para
promover a eficácia dos direitos fundamentais.
Neste patamar, destaca-se ainda o estudo de GUERRA e EMERIQUE, que
citam:

A decisão proferida pelo relator Ministro Celso Mello em sede da Ação de


Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45 MC/DF, promovida contra
o veto presidencial sobre o § 2º do art. 55 (renumerado para art. 59), de
proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/03 (LDO),
destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária
anual de 2004. Embora a ação tenha sido julgada prejudicada em virtude da
perda superveniente do objeto devido a edição da Lei mencionada, o relator
posiciona-se em relação à idoneidade da mesma para viabilizar a
concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto

59
GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana e o Mínimo Existencial. Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/
Revistas/Revista09/artigos/Sidney.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2010.
40

constitucional (no caso EC nº 29/00) venham a ser descumpridas, total ou


parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando.
Invoca inclusive a importância do papel conferido ao Supremo Tribunal
Federal no exercício da jurisdição constitucional de tornar efetivo os direitos,
econômicos, sociais e culturais. Assim, mesmo com as limitações em torno
da cláusula da reserva do possível, existe a necessidade de preservação,
em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo
60
essencial que constitui o mínimo vital.

A necessidade de uma ação uniformizada da atuação dos poderes estatais


pode assegurar de forma mais eficaz a realização dos direitos sociais, entretanto,
deve se levar em consideração que a fixação de um mínimo padrão pode
menosprezar os direitos já hierarquizados na Constituição.
Contudo, a fim de burlar a falta de vontade política e evitar o favorecimento de
uma categoria em detrimento de outra, a padronização de núcleos essenciais a vida
digna poderiam trazer benefícios a sociedade, que veria a aplicação de seus direitos
básicos de forma imediata.

3.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS

O Poder Público através da administração pública, direta e indireta, se utiliza


das políticas públicas para promover melhorias aos administrados. TEIXEIRA
considera as políticas públicas como nortes e princípios da ação do poder, e assim
escreve:

“Políticas públicas” são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder


público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e
sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse
caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos
(leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que
normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre,
porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade
e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não-
ações”, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois
representam opções e orientações dos que ocupam cargos.

60
GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana e o Mínimo Existencial. Op. Cit.
41

As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e


implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder
político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do
conflito social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios
sociais. Como o poder é uma relação social que envolvem vários atores
com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade
de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um mínimo
de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser legitimadas e obter
61
eficácia.

Para MELLO, a definição de política pública está meramente relacionada a


um conjunto de atos:

Política Pública é um conjunto de atos unificados por um fio condutor que os


une ao objetivo comum de empreender ou prosseguir um dado projeto
governamental para o País. (...) Com efeito, se é possível controlar cada ato
estatal, deve ser também possível controlar o todo e a movimentação rumo
62
ao todo.

De uma forma mais sublime, consideramos as políticas públicas como o


complexo de ações coletivas que visam garantir os direitos sociais, firmando um
compromisso público com a finalidade de suprir determinada demanda nas várias
formas, transformando o que é da esfera privada em ações coletivas na esfera
pública.
E ainda, a adequação da ordem econômica e social ao orçamento público é o
instrumento pelo qual a administração pública mantém o equilíbrio das necessidades
da população, avançando conforme os planejamentos nas áreas que precisem de
maiores investimentos.
A formação ou o planejamento de implantação de uma política pública
depende de definições que determinam que órgão irá implantá-la, a que tempo, com
qual finalidade, e principalmente, qual grupo social será beneficiado por ela.

61
TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na
Transformação da Realidade. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/ aatr2/a_
pdf/03_aatr_pp_papel.pdf>. Acesso em 11 de outubro de 2010.
62
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010. p. 814.
42

As diretrizes traçadas em relação as políticas pública tem afinidade com o


regime político contemporâneo ao momento da sua criação e aplicação. Leva em
conta também, a cultura da sociedade onde serão aplicadas.
Ainda no estudo de TEIXEIRA ele realça a diferença entre Políticas Pública e
Políticas Governamentais:

(...) Cabe distinguir “Políticas Públicas” de “Políticas Governamentais”. Nem


sempre “políticas governamentais” são públicas, embora sejam estatais.
Para serem “públicas”, é preciso considerar a quem se destinam os
resultados ou benefícios, e se o seu processo de elaboração é submetido
ao debate público. A presença cada vez mais ativa da sociedade civil nas
questões de interesse geral, torna a publicização fundamental. As políticas
públicas tratam de recursos públicos diretamente ou através de renúncia
fiscal (isenções), ou de regular relações que envolvem interesses públicos.
Elas se realizam num campo extremamente contraditório onde se
entrecruzam interesses e visões de mundo conflitantes e onde os limites
63
entre público e privado são de difícil demarcação.

O estudioso citado ressalta a importância da participação da população,


agindo e debatendo para que as políticas públicas sejam conquistadas de modo
transparente e que sua elaboração alcance os espaços públicos e não somente os
gabinetes governamentais.
Levando em consideração, as políticas públicas implantadas são fruto do
poder discricionário, normalmente pelos poderes: Legislativo e Executivo, podendo
adequar o problema com a realidade jurídica estatal, conforme escreve MELLO, há
que se verificar a importância da não banalização da discricionariedade do
administrador:

Se a lei todas as vezes regulasse vinculadamente a conduta do


administrador, padronizaria sempre a solução, tornando-a invariável mesmo
perante situações que precisariam ser distinguidas e que não se poderia
antecipadamente catalogar com segurança, justamente porque a realidade
do mundo empírico é polifacética e comporta inumeráveis variantes. Donde,
em muitos casos, uma predefinição normativa estanque levaria a que a
64
providência por ela imposta conduzisse a resultados indesejáveis.

63
TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na
Transformação da Realidade. Op. Cit.
64
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 821.
43

Entretanto em entendimento jurisprudencial, a discricionariedade do


administrador pode beirar caminhos obscuros:

(...) Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a


Municipalidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o
interesse público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas
orçamentárias e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao Poder
Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do Município e determinar
a construção de obra especificada (...). (STJ, REsp 208893 / PR ; Segunda
65
Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004)

Justamente por serem oriundas do poder discricionário, as políticas públicas


sofrem grande rotatividade de medidas, deixando muitas vezes de se dar
continuidade aos projetos já implantados.
Contudo, o Poder Judiciário também atua nas políticas públicas, muitas vezes
impondo à administração pública, a realização de medidas fundamentais
necessárias aos administrados. Neste sentido, MELLO escreve:

É, pois, precisamente em casos que comportam discrição administrativa


que o socorro do Judiciário ganha foros de remédio mais valioso, mais
ambicionado e mais necessário para os jurisdicionados, já que a pronúncia
representa a garantia última para contenção do administrador dentro dos
66
limites de liberdade efetivamente conferidos pelo sistema normativo.

Embora as políticas públicas existam para beneficiar e permitir uma vida em


sociedade de forma digna, os jurisdicionados, em muitos casos, têm que recorrer a
via judiciária para ver atendida sua necessidade, um atendimento que o Poder
Administrativo deveria suprir, diante da meta implantada.
Entretanto, em respeito ao princípio da legalidade da despesa pública, a fim
de evitar desvios de verbas e permitir a real conclusão de obras oriundas das
políticas públicas em implantação, obrigou-se o administrador público a respeitar as
autorizações e os limites legais do orçamento público.

65
MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações
e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Op. cit.
66
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. Cit., p. 850.
44

Ao administrador não é permitido alcançar qualquer despesa se esta não


estiver previamente orçada, conforme o dispositivo constitucional, o artigo 167,
inciso II. Se o administrador permitir tal negligência responderá por crime de
responsabilidade previsto pelo no artigo 85, inciso VI da Constituição Federal.
Tal obste que a princípio seria uma maneira de proteger o orçamento público
e garantir a implantação das políticas públicas criadas, tornou-se uma panacéia com
intuito de afastar a intervenção do judiciário em defesa dos administrados.
Com uma interpretação equivocada, o dispositivo que responsabiliza o mau
administrador é usado como desculpa para não atender as demandas da população.
Sendo assim, o mote da interposição do Poder Judiciário na definição de
políticas públicas é contestado, conquistando novos rumos no cenário
contemporâneo, no qual se busca a concretização dos direitos fundamentais.
Para a proteção dos direitos fundamentais e a efetivação dos direitos
humanos, é imprescindível a apreciação da intervenção do Poder Judiciário no
orçamento público.

3.3.1 A finalidade e os meios da implantação das políticas públicas

São exatamente nos segmentos mais pobres em recursos que as políticas


públicas tendem a suprir suas carências. Entretanto, ao se reportar as demandas
públicas, todos os segmentos devem ser beneficiados.
Ainda que os menos favorecidos demonstrem uma necessidade maior em
projetos de políticas públicas, há que se considerar que o desenvolvimento social
deve abranger a coletividade.
A mobilização da sociedade é primordial para influenciar o Poder Público a
agir nas áreas de necessidade, e em alguns casos, mostrar que determinadas
políticas públicas não atendem os anseios da população.
O Poder Público é o grande agente realizador, mas a participação popular é
seu condutor nas suas realizações. A sociedade tem grande parte da
responsabilidade das concretizações das políticas públicas.
Estas realizações tendem justamente a expandir e concretizar os direitos de
cidadania, logrando uma vida digna a cada administrado. São políticas que
45

vislumbram meios da população evoluir sustentavelmente frente as oscilações do


desenvolvimento econômico mundial.
Para o autor OLIVEIRA, os objetivos das políticas públicas são: “providências
para que os direitos se realizem, para que as satisfações sejam atendidas, para que
as determinações constitucionais e legais saiam do papel e se transformem em
utilidades aos governados.” 67
A finalidade das políticas públicas tem a alusão valorativa que permite a
população contemplar os seus interesses e exprimir diante dos controladores do
poder seus anseios e necessidade para a construção de um Estado sólido e de uma
sociedade satisfeita.
É de grande relevância analisar alguns gêneros de políticas públicas com
escopo de identificar o seu grau de atuação e eficácia diante da demandas,
conforme a sua formulação e implementação. TEIXEIRA traz em seu ensaio os
seguintes critérios:

1) Quanto à natureza ou grau da intervenção:


a. Estrutural: buscam interferir em relações estruturais como renda,
emprego, propriedade etc.;
b. Conjuntural ou emergencial: objetivam amainar uma situação temporária,
imediata.
2) Quanto à abrangência dos possíveis benefícios:
a. Universais: para todos os cidadãos;
b. Segmentais: para um segmento da população, caracterizado por um fator
determinado (idade, condição física, gênero etc.);
c. Fragmentadas: destinadas a grupos sociais dentro de cada segmento.
3) Quanto aos impactos que podem causar aos beneficiários, ou ao seu
papel nas relações sociais:
a. Distributivas: visam distribuir benefícios individuais; costumam ser
instrumentalizadas pelo clientelismo;
b. Redistributivas: visam redistribuir recursos entre os grupos sociais:
buscando creta eqüidade, retiram recursos de um grupo para beneficiar
outros, o que provoca conflitos;
c. Regulatória: visam definir regras e procedimentos que regulem
comportamento dos atores para atender interesses gerais da sociedade;
68
não visariam benefícios imediatos para qualquer grupo.

67
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo:Revista dos Tribunais,
2006. p. 251.
68
TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na
Transformação da Realidade. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/ aatr2/a_
pdf/03_aatr_pp_papel.pdf>. Acesso em 11 de outubro de 2010.
46

Sob este enfoque, é imprescindível, observar as estratégias conforme a


conotação política em relação a cada tipo. Eventualmente essas políticas
estratégicas não estão sob um controle participativo da sociedade, que é o que
ocorre com a política econômica, tributária e outras mais.
Um outro fator que deve ser destacado em relação as políticas públicas é que
elas podem ter seus efeitos inconstitucionais, segundo MELLO:

Anote-se que pode haver inconstitucionalidade de uma política pública só


reconhecível a posteriori, isto é, por seus efeitos, que se revelem
contrapostos a diretriz normativa legal ou constitucional. Neste caso o que
69
se pode fazer é deter-lhe a continuidade.

Uma vez frente a inconstitucionalidade da política pública adota, MELLO diz


que são legitimados o Ministério Público, os habilitados em geral à propositura de
ações civis públicas e a pessoa atingida pelos efeitos da política publica:

São legitimados para opor-se a políticas públicas inválidas tanto o Ministério


Público, como os habilitados em geral à propositura de ações civis públicas,
como quaisquer cidadãos que possam demonstrar gravame que
pessoalmente os atinja pela política pública empreendida ou indevidamente
omitida, ainda que tal prejuízo seja disseminado sobre toda uma
coletividade. O que legitima o cidadão não é a particularidade do gravame,
mas o fato de subtrair um bem jurídico de que pessoalmente desfrutaria se
a ordem jurídica fosse obedecida ou o fato de irrogar-lhe um prejuízo que
pessoalmente o alcança e do qual estaria livre se a ordem jurídica houvera
70
sido respeitada.

Denota-se aí a importância dada ao cidadão, o qual pode insurgir diante da


injustiça para reclamar o direito lesado.
As políticas públicas devem ser formuladas de forma coerente visando
sempre atender na medida necessária os administrados, evitando que seus efeitos
prejudiquem quem quer que seja e que não se excedam de forma a lesar o
orçamento público, impedindo que novas políticas possam ser implementadas.

69
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010. p. 814.
70
Idem.
47

4 O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA


DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O escopo deste capítulo é demonstrar que para a manutenção de uma vida


digna o elemento primordial é a saúde. A importância do seu estudo, bem como, de
que maneira ela é disponibilizada à sociedade é fundamental para a construção e o
desenvolvimento social.
Ao longo deste estudo fica claro que a questão da saúde não é apenas uma
obrigação da administração pública, mais principalmente, uma mobilização social em
torno de vários fatores que influenciam a saúde. É uma cadeia de direitos e deveres
na qual cada cidadão participa.
A citação infra do presidente cubano CASTRO pode parecer em um primeiro
momento apenas uma provocação política internacional, no entanto, se analisarmos
o cenário atual: a fome, a pobreza, a falta de educação dentre outros fatores, ela nos
direciona a uma realidade triste, mas que pode ser transformada.

Se houve holocausto do povo judeu há apenas 60 anos, hoje trata-se de


impedir o holocausto de dezenas de povos ameaçados de serem atacados
e, inclusive, exterminados, já que, segundo se anuncia, todas as armas
podem ser utilizadas para atacar, preventivamente e de surpresa, em
qualquer obscuro rincão do planeta. O denominado mundo ocidental e
cristão deveria tomar consciência dessa realidade, antes que seja
demasiado tarde, como parece que está ocorrendo, diante do gigantesco
holocausto provocado pela pobreza, pela fome, o subdesenvolvimento, a
falta de educação e de saúde, a globalização neoliberal e a atual ordem
econômica e social imposta à humanidade, que, a cada ano, matam a
71
dezenas de milhões de pessoas, nos países do Terceiro Mundo.

As garantias conquistadas e almejadas pela sociedade, tal como o direito à


saúde, devem ser defendidas por cada cidadão e pelas esferas do Poder buscando
impedir que atuais e futuras agressões a estas garantias comprometam a dignidade
das pessoas.

71
CASTRO, Fidel. O Pensamento Revolucionário de Fidel Castro: 50 Anos no Poder Buscando
Socialismo apud PIZZINGA, R. D. Disponível em: <http://svmmvmbonvm.org/fidel.pdf>. Acesso em
14 de outubro de 2010.
48

4.1 A SAÚDE

Inicialmente para a ciência médica a saúde era entendida apenas como


estado de ausência de doença. Neste primeiro panorama, a patologia era o ator
principal, seguido da figura do médico, do hospital, visando como objetivo maior o
controle desta até o seu retrocesso.
Com os avanços das pesquisas e da tecnologia, houve a necessidade de
converter a Medicina numa ciência multidisciplinar, abrindo espaço para outros
profissionais e suas especializações nas diversas áreas da saúde, surgindo assim,
um sistema de saúde.
A estes estudos, foram agregados aos aspectos físicos, os psicológicos e os
sociais tornando o significado do termo saúde muito mais complexo e abrangente. A
fonoaudióloga KNOBEL utiliza a definição de REY para explicar o que é saúde, por
acreditar ser a mais completa:

Saúde é uma condição em que um indivíduo ou grupo de indivíduos é capaz


de realizar suas aspirações, satisfazer suas necessidades e mudar ou
enfrentar o ambiente. A saúde é um recurso para a vida diária, e não um
objetivo de vida; é um conceito positivo, enfatizando recursos sociais e
pessoais, tanto quanto as aptidões físicas. É um estado caracterizado pela
integridade anatômica, fisiológica e psicológica; pela capacidade de
desempenhar pessoalmente funções familiares, profissionais e sociais; pela
habilidade para tratar com tensões físicas, biológicas, psicológicas ou
sociais com um sentimento de bem-estar e livre do risco de doença ou
morte extemporânea. É um estado de equilíbrio entre os seres humanos e o
72
meio físico, biológico e social, compatível com plena atividade funcional.

Os avanços tecnológicos no campo da Medicina e também a evolução das


ciências sociais proporcionaram o desenvolvimento social a tal ponto que a saúde
deixou de ser apenas um estado de ausência de doença, e ainda, ao deixar de
pertencer apenas ao mundo da ciência médica, a saúde tomou novos rumos e maior
significância. O constitucionalista brasileiro, BULOS, definiu o termo saúde em sua
obra da seguinte forma:

72
REY, Luis apud KNOBEL, Keila A. Baraldi. Para você, o que é saúde?. Disponível em <
http://www.fonoesaude.org/saude.htm>. Acesso em 14 de outubro de 2010.
49

Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e espiritual do


homem, e não apenas a ausência de afecções e doenças.
Acompanha a saúde, a nutrição, ou seja, o complexo processo que vai da
produção de alimentos até a sua absorção qualitativa e quantitativa
73
indispensáveis à vida humana.

Com a certeza de que a saúde da população é fundamental para o trabalho e


o desenvolvimento de um País e que não tutelá-la seria uma afronta aos direitos
humanos, a saúde passou a ser um direito garantido em vários Estados, dentre os
quais o brasileiro.

4.2 OS FUNDAMENTOS DO DIREITO À SAÚDE

Perante algo tão sublime como a vida humana, o legislador colocou como um
dos fundamentos basilares do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana.
Ao longo do texto da Carta Magna, se ostentou um rol de direitos
fundamentais e sociais com a finalidade de prover uma vida digna às pessoas do
novo Estado que nascia.
No Título VIII, dedicado a Ordem Social, encontram-se os regulamentos que
aprestam o rol dos direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal,
que tem como base constitucional o primando do trabalho e o objetivo do bem estar
e a justiça sociais.
A saúde ficou seleta ao rol dos direitos sociais, conforme o fixado no texto
constitucional:

Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
74
Constituição.

73
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
1287-1288.
74
Art. 6º, CF/88
50

Em face desta colocação, o autor BULOS75 destaca que a saúde foi elevada à
condição de direito fundamental pela primeira vez no Texto de 1988, vinculada à
Seguridade Social.
BULOS, citando o ministro MELLO, confirma pela jurisprudência sua
colocação:

O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que


assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional
indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera
institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira,
não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob
pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento
inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico
constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira
responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem
incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que
visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196
da Constituição da República.( STF, RE 241.630-2/RS, Rel. Min. Celso de
76
Mello, DJ, 1, de 3-4-2001, p. 49)

Ao compreender que a vida humana é o bem supremo, o constituinte não se


limitou apenas em mencionar o direito à saúde, ele foi além. Primou em definir a
saúde com um direito e principalmente, chamou à responsabilidade o Estado,
balizando seu dever e o meio pelo qual deveria prover o direito aos administrados:

Artigo 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e
77
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Quanto a efetividade do artigo supracitado, embora ele esteja encravado em


norma programática, não pode ser preterido. Tratando de algo tão delicado como a
saúde, a indiferença do Poder Público seria uma afronta ao direito tutelado.
O Ministro BARBOSA foi coerente em suas palavras ao tratar do assunto:

75
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p.
1526.
76
Idem.
77
Art. 196, CF/88.
51

A interpretação da norma programática não pode transformá-la em


promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra
inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os
entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização
federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa
constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando
justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de
maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto
irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei
Fundamental do Estado. O reconhecimento judicial da validade jurídica de
programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes,
inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos
fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e
representa, na concreção do seu alcance um gesto reverente e solidário de
apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada
têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e
de sua essencial dignidade.( STF, RE 368.041, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
78
DJ, de 17-06-2005)

A garantia da saúde aos administrados deve provir de programas de


erradicação, prevenção e tratamento de doenças, e ainda, a primazia da
manutenção do estado de incolumidade das pessoas. Para isso a Constituição
destacou os serviços de saúde e a sua execução, seja por via direta ou indireta,
conforme o dispositivo:

Artigo 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,


cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
79
de direito privado.

O Poder Público não podendo oferecer de forma direta a prestação poderá


delegar a terceiro, pessoa física ou jurídica, inclusive de direito privado para que
este o faça. BULOS assevera que:

(...) o direito à saúde reclama, para sua efetivação, o cumprimento de


prestações positivas e negativas. Pela primeira, os Poderes Públicos devem
tomar medidas preventivas ou paliativas no combate e no tratamento de

78
BULOS, Uadi Lammêgo. Op cit. p. 1527.
79
Art. 197, CF/88.
52

doenças. Pela segunda, incumbe-lhes abster-se, deixando de praticar atos


80
obstaculizadores do cabal exercício desse direito fundamental.

Contudo, quando nos reportamos a situação real e atual afere-se que o Poder
Público embora obrigado a criar mecanismos que viabilizem para as pessoas
prestações de saúde, esconde-se sob a justificativa de déficit no orçamento ou em
promessas irrealizáveis, deixando de suprir a saúde básica, mesmo sendo este um
dever atribuído à ele. Como elucida COSTA:

Homens, mulheres e crianças buscam a atenção do serviço médico. O


panorama generalizado desse atendimento é marcado pelo excesso de
demanda em relação à oferta, pelo tratamento de baixa qualidade, pela
depredação e obsolescência dos equipamentos e unidades de serviços. E
na relação médico-paciente, pela impessoalidade, pelo descaso, pelo
81
descompromisso.

A sociedade não pode ser impedida de gozar do direito garantido à ela pela
Constituição. Entretanto, de acordo com COSTA, tem que existir uma participação
popular na gestão da coisa pública, permitido a fiscalização da prestação e também
na formulação de políticas públicas que possam atender de forma eficaz e coerente
a situação de cada comunidade:

(...) o movimento de saúde representa a emergência de práticas que


redefinem as relações entre Estado e população, gerando demandas num
espaço, que, apesar de regulado pelo Estado, não controla plenamente a
sua mobilização que refletem uma expansão no nível de politização das
demandas e a possibilidade concreta de ampliar o nível de participação
82
popular na gestão da coisa pública.

80
BULOS, Uadi Lammêgo. Op cit. p. 1527
81
COSTA, Nilson do Rosário et al. Demandas Populares, Políticas Públicas e Saúde. v. II.
Manguinhos/RJ: Vozes, 1989. p. 32-33. COSTA, Nilson do Rosário et al. Demandas Populares,
Políticas Públicas e Saúde. v. II. Manguinhos/RJ: Vozes, 1989. p. 32-33.
82
COSTA, Nilson do Rosário et al. Op cit.
53

A participação popular é fundamental para a garantia dos seus direitos. Essa


participação está presente na consciência de fiscalizar, cuidar e principalmente, em
cumprir com seus deveres para com o Estado.

4.2.1 O Direito à Saúde e a Seguridade Social

Para melhor definir e garantir o direito à saúde o constituinte o vinculou ao


capítulo constitucional da Seguridade Social.
A seguridade social é entendida como uma cadeia de ações de iniciativa dos
poderes públicos e da sociedade que visam assegurar os direitos relativos à saúde,
à previdência e a assistência social. A Constituição assim determinou:

Artigo 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de


ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a
seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações
urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante
gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
83
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

O financiamento da seguridade será provido por toda a sociedade, de forma


direta ou indireta, mediante recursos originários dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, juntamente com algumas
contribuições sociais, que ficou disposto:

Artigo 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de


forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes

83
Art. 194, CF/88.
54

dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos


Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da
lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo
sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não
incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo
regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele
equiparar.
§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não
integrando o orçamento da União.
§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de
forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e
assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na
lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus
recursos.
§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social,
como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem
dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção
ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado,
majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser
exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as
houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art.
150, III, "b".
§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades
beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas
em lei.
§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador
artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades
em regime de economia familiar, sem empregados permanentes,
contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota
sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos
benefícios nos termos da lei.
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo
poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da
atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da
empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.
§ 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema
único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios,
observada a respectiva contrapartida de recursos.
§ 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições
sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em
montante superior ao fixado em lei complementar.
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as
contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-
cumulativas.
55

§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição


gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a,
84
pela incidente sobre a receita ou o faturamento.

Desta forma, o direito à saúde fica enleado numa teia de proteção, deixando
de ser mera falácia, obtendo recursos para seu empreendimento e acesso igualitário
e universal das pessoas às suas necessidades.

4.2.2 O Sistema Único de Saúde - SUS

Em 1986, acontecia a VIII Conferência Nacional de Saúde, momento no qual


se discutia os rumos as serem tomados pelo setor da saúde no país. Como fruto
desta discussão adveio a proposta de criação de um Sistema Único de Saúde, o que
sublimemente aconteceu com o advento da Constituição de 88.
A efetiva regulamentação do Sistema Único de Saúde - SUS veio
posteriormente com as Leis 8080/90 e 8142/90.
O SUS está consubstanciado em três diretrizes básicas: a descentralização, o
atendimento integral e a participação da comunidade. Ele foi o órgão criado para
viabilizar as ações curativas e preventivas em relação à saúde pública.
A previsão do SUS na Carta Magna definiu:

Artigo 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede


regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado
de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão,
anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos
derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:
I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar
prevista no § 3º;

84
Art. 195, CF/88.
56

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos


impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts.
157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem
transferidas aos respectivos Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação
dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os
arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos,
estabelecerá:
I - os percentuais de que trata o § 2º;
II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde
destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos
Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a
progressiva redução das disparidades regionais;
III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com
saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes
comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de
processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de
suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional
nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das
atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às
endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência
financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,
para o cumprimento do referido piso salarial.
§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da
Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de
agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá
perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos,
85
fixados em lei, para o seu exercício.

O modelo legal apresentado leva em conta que a questão da saúde não pode
ser vista isoladamente como sendo meramente o tratamento clínico de patologias,
ou seja, “(...) o que se estabelece, é o direito de todos à implementação de políticas
de saúde, não só de natureza preventiva, como ainda curativa.”86, associada às
políticas públicas que viabilizem o saneamento, a educação, a alimentação, o
desenvolvimento tecnológico de medicamentos. Estas são atribuições do SUS que
poucos conhecem, mas está previsto:

Artigo 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições,


nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse
para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

85
Art. 198, CF/88.
86
COMPARATO, Konder Fábio. Op cit., p. 352.
57

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as


de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de
saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e
tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor
nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e
utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do
87
trabalho.

A prevenção, a cura e a erradicação das doenças estão incluídas e envolvem


uma série de medidas que muitas vezes não são visualizadas ou consideradas, mas
o que se ressalta é que a necessidade de criar um ambiente social incolume
depende de diferentes áreas de atuação do SUS.

4.3 A PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE

Tal como o Estado tem o dever de promover as políticas públicas para prover
os administrados no que tange ao direito à saúde, há que se lembrar que um dos
elementos materiais que formam o Estado é o povo.
Cada pessoa que vive no espaço determinado de um Estado - o território - é
parte deste mesmo Estado, e, portanto, é responsável por aquela sociedade.
Quando falamos de garantias, logo atribuímos todo o dever e obrigação a
administração pública esquecendo que fazemos parte de um sistema no qual cada
administrado tem direitos, mas também tem deveres para com o Estado.
É verdade que o direito a saúde está explícito na Carta Magna e que o Poder
Público tem que prover seus administrados, porém, aos administrados existe a
contraprestação de participar efetivamente das políticas públicas seja no seu
planejamento, na sua aplicação e principalmente na sua fiscalização.
Esta participação também está conectada a conscientização da sociedade na
preservação do meio ambiente, na luta contra a sonegação fiscal, na busca pela

87
Art. 200, CF/88.
58

educação, nos cuidados com a higiene pessoal e num sentimento de solidariedade


entre as pessoas.
O empenho em alcançar uma vida digna deve partir do individual para o
coletivo, visando sempre a finalidade do Estado: o bem comum. Nenhuma
sociedade considerar-se-á sadia se parte dela, ainda que insignificante88, estiver
maculada pela miséria e o abandono.

88
Entenda-se insignificante como uma pequena parcela ou uma pequena parte. Por mais miserável
que uma pessoa possa ser, ela jamais será insignificante.
59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante todo o conteúdo exposto neste estudo agregamos a ele a crítica que o
tema despertou.
A medida que buscamos nos aprofundar sobre o tema observamos a enorme
complexidade que o enleava, inclusive no tocante a escassa bibliografia sobre ele, o
que aumenta a dificuldade de explanação.
O ser humano é complexo e é dependente. É complexo por que se determina
por vários fatores: físicos, psicológicos e espirituais. É dependente porque não pode
viver sem interagir com o meio: outras pessoas, outros animais e plantas e etc.
A pessoa humana também é frágil. Justamente o que separa a pessoa
humana do ser vivo da espécie humana é a vida, o “estar vivo”.
A questão do sopro da vida é o liame entre a pessoa e o animal da espécie
humana. Isto mesmo somos animais! Racionais, capazes de amar e criar coisas
geniais. O ser humano se destaca as outras espécies por sua capacidade
intelectual.
Por infortúnio, justamente esta capacidade de intelecto guiou as pessoas, ao
longo da história, em dois rumos antagônicos: o caminho em prol da vida e o
caminho direcionado a autodestruição.
Por gerações, a luta de classes travaram guerras com o único objetivo, o de
atingir o poder sem avaliar as medidas e conseqüências.
Algumas daquelas pessoas que resolveram seguir o caminho da vida
primaram em promover a defesa dos direitos humanos. Isto seria simples se o
interesse individual não prevalecesse.
Neste estudo, a grande personagem é a pessoa. Ela é a razão do Direito
existir, é o fundamento da sociedade. Onde houver pessoas, lá existirá a
necessidade de organizá-las para que vivam dignamente.
E o que é a dignidade da pessoa humana senão a possibilidade do homem ou
da mulher poder viver incólume, sem a ameaça da fome, da doença, da miséria, da
ignorância, do medo. Uma vida digna é o que a sociedade deveria galgar tendo o
Estado e o Direito como instrumentos para a concretização do seu objetivo. Uma
vida digna é o que toda pessoa deveria buscar e postular pra si.
60

Por óbvio, o Estado brasileiro tem o dever de promover a dignidade das


pessoas, pois este é um dos alicerces no qual pautou sua criação. Mas a sociedade,
um dos elementos materiais que constituem este ente abstrato é também a
responsável em buscar sua dignidade.
A grande resposta as negações sofridas pela população é exatamente sua
união para lutar por seus direitos sem deixar de cumprir com seus deveres. Esta é a
roda da vida, o dever de um é o direito garantido do próximo e assim
sucessivamente.
A dignidade da pessoa humana é o valor supremo que deve orientar os
princípios, as normas do ordenamento jurídico, e ainda, a educação de toda
sociedade brasileira para que esta geração e as vindouras respeitem a vida humana
e primem pela sua proteção.
Assim como o grau de proteção dos direito evolui segundo aparecem as
necessidades das pessoas, maior é a destinação de recursos para poder suprir
estas necessidades.
Se a personagem principal deste estudo é a pessoa, o cenário escolhido é
aquele que se faz fundamental para sua existência: a saúde.
E como se fala de saúde! Mas o assunto é muito mais amplo do que parece.
Não trata apenas da ausência de doenças, mas sim de um ambiente no qual se quer
haja qualquer manifestação que possa levar as pessoas a adoecer.
Ao contrário do que parece, isto não é impossível. Diante do argumento de
que promover o direito à saúde é dispendioso, uma quebra no orçamento público,
pode se aferir que trata de falta de vontade tanto da Administração Pública quanto
dos Administrados.
Ao Poder Público está atribuído o dever de criar políticas públicas para prover
o direito à saúde. Este direito não é apenas a distribuição de medicamentos,
consultas nos mais variados ramos da ciência médica, hospitais, profissionais da
saúde a disposição da população e etc.
É antecedente a todos estes agentes, é a criação de mecanismos que não
permitam que as pessoas necessitem do socorro médico. Que o atendimento
médico seja a última etapa desta cadeia. Isso é possível com investimentos a curto,
médio e longo prazo.
Seriam necessárias políticas públicas que focassem o objetivo: uma
sociedade incólume. Para isso, far-se-ia um trabalho de orientação, fiscalização e
61

aplicação de medidas para tornar o ambiente social livre de qualquer ação contrária
a saúde pública, tais como: campanhas de vacinação; orientação educacional
voltada a prevenção de doenças, incluindo preservação do meio ambiente, higiene
pessoal, cultura, prática de esportes; alimentação em quantidade e qualidade
satisfatórias; saneamento básico; fiscalização dos postos de trabalhos e segurança.
Em contrapartida, cada cidadão tem o dever de zelar pela saúde, a sua e a de
toda a sociedade. As pessoas são os sujeitos que agem de forma que as políticas
públicas sejam eficazes. Participando e fiscalizando, a população pode controlar e
usufruir o bem estar, podendo inclusive prolongar esta situação às próximas
gerações criando uma conscientização de que saúde é um direito de todos e um
dever do Estado e da sociedade.
Infelizmente algumas doenças são inerentes à pessoa, seja pela genética ou
fatores individuais que as propiciem. A estas pessoas com necessidades
particulares, deve o Poder Público provê-las diante de seu infortúnio.
Destarte, a maioria dos casos de doenças que acometem a sociedade
brasileira poderiam ser evitadas pela ação do Poder Público em promover um
ambiente incólume, mas também, pela conscientização da população, o que
reduziria em grande escala o gasto com os seus tratamentos, podendo esta
diferença ser usada para prover outras necessidades.
Por fim, em resposta a este estudo fica explícito que o Poder Público tem o
dever de prover o acesso igualitário e universal ao direito à saúde, principalmente
porque grande parcela da sociedade é carente de educação, que também é saúde,
como há tempos demonstrou o personagem “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato, o que
precisa ser suprido. Isto deve-se ao fato de que a prestação do Poder Público não
está atrelada tão somente a distribuição de medicamentos ou atendimento médico-
hospitalar, mas sim na implantação de uma série de medidas básicas para uma vida
digna, que tornem o meio social protegido das afecções, respeitando o orçamento
público e dele se utilizando de forma coerente e eficaz.
62

REFERÊNCIAS

ADPF 45 - Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. STF, Rel. Min.


Celso de Mello, julg. 29.04.04.

BALLONE, Geraldo J. O Indivíduo, o Ser Humano e a Pessoa. Disponível em


http://gballone.sites.uol.com.br/voce/pessoa.html. Acesso em 15 de agosto de 2010.

BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O


Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro e São Paulo: Renovar,
2002, 327 p.

Bíblia Sagrada. Evangelho Segundo Mateus, cap. 5, ver. 39.

Bíblia Sagrada. Livro do Gênesis, cap. 1, ver. 26.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo:


Malheiros, 2008. 827 p.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo:


Saraiva, 2010. 1653 p.

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