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Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Mestrado Integrado em Medicina

Tronco Comum V
Mestrado Integrado em Medicina

Oncobiologia

3º Ano

2009/2010
Faculdade de Medicina de Lisboa Tronco Comum V - Oncobiologia

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Mestrado Integrado em Medicina – 3º Ano
Faculdade de Medicina de Lisboa Tronco Comum V - Oncobiologia

Índice
Índice ......................................................................................................................3
Noções Gerais sobre Neoplasias ...............................................................................7
Definições ..................................................................................................................... 7
Nomenclatura ............................................................................................................... 7
Biologia do Crescimento Tumoral .............................................................................. 10
Epidemiologia ............................................................................................................. 16
Bases Moleculares do Cancro ..................................................................................... 20
Agentes Carcinogénicos e a sua Interação com as Células ........................................ 34
Antigénios Tumorais ............................................................................................... 35
Mecanismos Efectores Anti-Tumorais.................................................................... 35
Efeitos do Tumor no Hospedeiro ........................................................................... 36
Classificação dos Tumores...................................................................................... 38
Biologia e Genética das Células .............................................................................. 40
Mendel Estabeleceu as Regras Básicas da Genética .................................................. 40
Teoria da Evolução de Darwin na prespectiva Mendeliana ....................................... 40
Interligação entre Genes e Cromossomas .................................................................. 42
Alteração dos Cromossomas na maior parte dos Cancros ......................................... 42
Genótipo manifesta o Fenótipo através das Proteínas .............................................. 42
Controlo da Expressão Genética pelos Factores de Transcrição ................................ 43
A Natureza do Cancro ............................................................................................ 45
Os Tumores provêm de Tecidos Normais ................................................................... 45
Os Tumores têm origem em diversas Células Diferenciadas ...................................... 45
Outras Categorias de Tumores ................................................................................... 46
Desenvolvimento dos Tumores é Progressivo ............................................................ 47
Os Tumores são Monoclonais..................................................................................... 48
Frequência do Cancro nas Diferentes Populações...................................................... 50
Estilo de Vida e Aumento do Risco de Cancro ............................................................ 50
Agentes Químicos como Carcinogéneos..................................................................... 51
Agentes Químicos e Físicos como Mutagénicos ......................................................... 51
Alguns Mutagénicos associados a Cancros Humanos ................................................ 52
Vírus Oncogénicos.................................................................................................. 54
Peyton Rous e o Vírus do Sarcoma das Galinhas ........................................................ 54
O RSV Transforma as Células em Cultura ................................................................... 55
A presença de RSV é necessária para a manter a Transformação ............................. 56
Vírus de DNA também podem ser Oncogénicos ......................................................... 57
Vírus Oncogénicos induzem alterações no Fenótipo .................................................. 57
Integração do Genoma de Oncovírus no DNA Celular................................................ 57
O Genoma dos Retrovírus é Integrado nos Cromossomas das Células Infectadas .... 58
Gene src: Células Infectas por RSV e Células Não-Infectadas..................................... 59
Utilização pelo RSV do Gene Celular Capturado para Transformar as Células .......... 59
Proto-Oncogenes no Genoma dos Vertebrados ......................................................... 60
Retrovírus de Transformação Lenta ........................................................................... 61
Retrovírus que Transportam Naturalmente Oncogenes ............................................ 62
Etapas da Génese Tumoral ..................................................................................... 63
Tempo de Desenvolvimento de um Tumor ................................................................. 63
Histopatologia: Evidência da Formação Faseada dos Tumores ................................. 64

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Mecanismo de Progressão Tumoral: Acumulação de Alterações Genéticas ............. 65


Polipose Familiar: Modelo de Progressão Tumoral .................................................... 66
Desenvolvimento Tumoral e Modelo de Darwin ........................................................ 67
Células Estaminais Tumorais ...................................................................................... 67
As Células Normais são Resistentes à Transformação por um Único Oncogene ....... 68
Transformação: colaboração entre dois ou mais genes............................................. 69
Modelo Animal: Oncogenes e Transformação Progressiva ........................................ 70
Resistência à Imortalização e Transformação das Células Humanas ........................ 70
Contribuição dos Agentes Não-Mutagénicos ............................................................. 71
Promotores: Tóxicos e Agentes Mutagénicos ............................................................ 72
Inflamação Crónica como Promotor Tumoral ............................................................ 72
Promoção Tumoral como Determinante da Taxa de Progressão .............................. 73
Interacções Heterotípicas e Biologia da Angiogénese .............................................. 74
Células Interdependentes: Tecidos Normais e neoplásicas ........................................ 74
Tumores vs. Tecido Cicatricional ................................................................................ 75
Contributo do Estroma para a Génese Tumoral ......................................................... 77
Macrófagos: Activação do Estroma Associado ao Tumor .......................................... 77
Acesso à Circulação: Células Endoteliais e Vasos ....................................................... 78
Variação Angiogénica e Expansão Tumoral ............................................................... 79
Variação Angiogénica: um processo complexo .......................................................... 80
Supressão da Angiogénese por Inibidores Fisiológicos .............................................. 80
Terapêuticas Anti-Angionése: uma promessa futura ................................................. 81
Oncogenes Celulares .............................................................................................. 83
Oncogenes Celulares e Oncogenes dos Retrovírus ..................................................... 83
Activação de Proto-Oncogenes .................................................................................. 83
Variações no Mecanismo: 3 vias para o gene myc..................................................... 84
Outras Alterações na Activação de Oncogenes .......................................................... 85
Factores de Crescimento, Receptores e Cancro ........................................................ 87
Receptor do EGF como uma Tirosina Quinase ........................................................... 87
Oncoproteínas: Receptores de Factores de Crescimento Alterados ........................... 88
Factores de Crescimento como Oncogenes ................................................................ 89
Transfosforilação: modo de acção dos Receptores Tirosina Quinase ........................ 89
Proteína Ras ............................................................................................................... 90
Circuitos de Sinalização Citoplasmática .................................................................. 92
Via de Sinalização: da superfície celular para o núcleo .............................................. 92
Proteína Ras: interveniente numa complexa cascata sinalização .............................. 93
Via de Sinalização Ras: Cascata de Quinases ............................................................. 94
Vias de Sinalização da Ras: Lípidos inositol e Quinase Akt/PKB ................................. 95
Genes Supressores de Tumores............................................................................... 98
Células Tumorais: capacidade de eliminar genes supressores de tumores ................ 98
Perda de Heterozigotia do gene Rb ............................................................................ 99
Utilização do Fenómeno de Perda de Heterozigotia .................................................. 99
Cancros Familiares: mutações nos genes supressores de tumores .......................... 100
Metilação de Promotores: inactivação de genes supressores de tumores .............. 101
pRb e o Controlo do Ciclo Celular .......................................................................... 103
Influência dos Sinais Externos na Entrada no Ciclo Celular ...................................... 103
Ciclinas e Quinases Dependentes das Ciclinas .......................................................... 104
Regulação Inibitória dos Comlexos Ciclina-CDKs ...................................................... 106
Mecanismo de Acção do pRb.................................................................................... 107

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Alterações do pRb nos Tumores Humanos ............................................................... 108


p53 e Apoptose .................................................................................................... 110
Papel dos Papovavírus na Descoberta do p53.......................................................... 110
O p53 como Gene Supressor de Tumores ................................................................. 110
A Versão Mutada do p53 interfere com o p53 Normal ............................................ 111
P53: um tempo de vida curto ................................................................................... 111
Vários Sinais Induzem o p53 ..................................................................................... 112
Estabilização do p53: Lesão do DNA e Desregulação dos Sinais de Crescimento .... 113
Inactivação do p53: Vantagem na Progressão Tumoral .......................................... 114
Mutações na Via do p53 e Predisposição para Tumores.......................................... 114
Apoptose................................................................................................................... 115
Causas de Apoptose ............................................................................................. 115
Características Bioquímicas da Apoptose ............................................................ 116
Mecanismos de Apoptose .................................................................................... 116
Exemplos de Apoptose ......................................................................................... 119
Evasão à Apoptose pelas Células Tumorais.............................................................. 120
Imortalização Celular e Génese Tumoral ............................................................... 122
Registo do Número de Gerações nas Células Normais ............................................. 122
Imortalização: um requisito para a génese tumoral ................................................ 122
Papel da Telomerase na Proliferação de Células Tumorais...................................... 123
Manutenção dos Telómeros sem a Telomerase ....................................................... 123
Manutenção da Integridade Genómica e o Desenvolvimento de Cancro ................ 124
Organização dos Tecidos: minimizar acumulação progressiva de mutações .......... 124
Células Estaminais: principal alvo da mutagénese................................................... 124
Mecanismos para Minimizar a Acumulação de Mutações em Células Estaminais .. 125
Erros originados durante a Replicação ..................................................................... 125
Lesão induzido por Processos Bioquímicos Endógenos ............................................ 126
Enzimas Reparadoras: ligação ao DNA lesado por mutagénicos ............................. 127
Defeitos Inerentes ao Mecanismo de Reparação ..................................................... 128
Invasão e Metastização ....................................................................................... 130
Fases Biológicas na Formação de Metástases ......................................................... 130
Colonização: uma etapa complexa e desafiante ...................................................... 131
Capacidade de Invasão: transição epitélio-mesenquima ......................................... 132
Indução da Transição Epitélio-Mesenquima ............................................................ 132
Invasividade: Papel das Proteases Extracelulares .................................................... 134
GTPase ras-like: adesão, morfologia e motilidade cellular ...................................... 135
Utilização dos Linfáticos como Via de Disseminação ............................................... 136
Factores que Influenciam a Localização das Metástases ......................................... 137
Metástases Ósseas: papel dos Osteoclastos e dos Osteoblastos ............................. 137
Terapêutica Racional do Cancro ........................................................................... 140
Eficiência do Desenvolvimento e Utilização das Terapêuticas ................................. 140
Diversas Respostas perante uma Terapêutica de Sucesso ....................................... 141
Proteínas como Alvo Terapêutico ............................................................................. 142
Propriedades Bioquímicas ........................................................................................ 142
Desenvolvimento de Novos Fármacos ...................................................................... 142
Desenvolvimento de Resistência à Terapêutica ....................................................... 144
Avaliação do Tumor: Marcadores Biológicos, Histológicos e Imagiológicos............ 144
Gleevec ou Imatinib .................................................................................................. 145
Inibidores do Proteossoma ....................................................................................... 147
Trastuzumab ............................................................................................................. 148

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MicroRNAs ................................................................................................................ 149


Futuro: Inibidores da PARP ....................................................................................... 150

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Noções Gerais sobre Neoplasias


No ano 2000, havia 10 milhões de novos casos de cancro e de 6 milhões de mortes por
cancro no mundo. No entanto, segundo a American Cancer Society, estima-se que o cancro
causou cerca de 556.000 mortes em 2003, correspondendo a 1500 mortes por cancro por dia,
representando cerca de 23% de todas as mortes no EUA. No entanto existem descobertas
promissoras, que nos permite que uma maior percentagem de cancros seja curada ou detida
nos dias de hoje.

Definições
Neoplasia significa literalmente o processo de "novo crescimento", e um novo
crescimento é chamado de uma neoplasia. O termo tumor foi originalmente aplicado ao
inchaço causado pela inflamação. As neoplasias também podem induzir inchaços, mas esse
fenómeno está habitualmente associado a processos arrastados.
A Oncologia1 é o estudo dos tumores ou neoplasias. Cancro é o termo comum para
todos os tumores malignos. Embora as antigas origens deste termo sejam um pouco incertas,
provavelmente deriva do latim para o caranguejo, o cancro, presumivelmente porque um
cancro "adere a qualquer parte que se aproveita sob uma forma obstinada como o
caranguejo."

O oncologista britânico Willis definiu neoplasia da seguinte forma: "Uma neoplasia é


uma massa anormal de tecido, o crescimento do que excede e é descoordenada com a dos
tecidos normais e persiste na mesma maneira excessiva após a cessação do estímulo que
evocou a mudança. "
Sabemos que a persistência de tumores, mesmo após a retirada do estímulo
desencadeante, resulta de alterações genéticas hereditárias que são passadas para a
descendência das células tumorais. Estas alterações genéticas permitem a proliferação
excessiva e não regulamentada, que se torna autónoma, embora geralmente os tumores
continuem a depender do hospedeiro para sua nutrição e suprimento sanguíneo. Como vamos
discutir mais tarde, toda a população de células dentro de um tumor se origina a partir de uma
única célula que tenha sofrido uma alteração genética e, portanto, os tumores são constituídos
por células clonais.

Nomenclatura
Todos os tumores, benignos e malignos, tem dois componentes básicos:
- Proliferam as células neoplásicas, que constituem o seu parênquima;
- Proliferação do estroma de suporte constituído por tecido conjuntivo e vasos
sanguíneos.

Embora as células parenquimatosas representem a proliferação de vanguarda, ou seja,


da neoplasia propriamente dita, indo por isso determinar o seu comportamento e
consequências patológicas, o crescimento e evolução das neoplasias encontra-se dependente
do seu estroma. A proliferação do estroma e consequente suprimento sanguíneo adequado é
necessário, bem como o tecido conjuntivo fornece a estrutura para a proliferação do
parênquima. Além disso, existe toda uma comunicação entre as células tumorais e do estroma
que parece influenciar directamente o crescimento de tumores. Em alguns tumores, o estroma
1
Oncologia – do grego oncos que significa tumor.

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de suporte é escasso e, portanto, a neoplasia apresenta uma superfície lisa e de consistência


normal. Por vezes, as células parenquimatosas estimulam a formação de uma abundante
matriz de colagénio, referido como desmoplasia. Alguns tumores, por exemplo, alguns cancros
da mama são de consistência pétrea e contornos irregulares. A nomenclatura dos tumores é
feita com base no seu componente parenquimatoso.

Tumores Benignos

Em geral, tumores benignos são designados pelo sufixo -oma anexando-o ao nome da
célula de origem. Tumores de células mesenquimais geralmente seguem esta regra. Por
exemplo, um tumor benigno decorrente de células fibroblásticas é denominado fibroma, um
tumor cartilagínio é um condroma, e um diagnóstico de tumor de osteoblastos é um osteoma.
Em contrapartida, a nomenclatura dos tumores epiteliais benignos é mais complexa,
sendo as classificações diversas, algumas com base nas células de origem, outras na
arquitectura microscópica, e outros ainda nos seus padrões macroscópicos.

Adenoma é o termo aplicado a uma neoplasia epitelial benigna que apresenta padrões
glandulares, bem como para tumores derivados de glândulas, mas não necessariamente
reproduzindo um padrão glandular.

Neoplasias epiteliais benignas que originem projecções da superfície epitelial, quer


sejam visíveis macroscópicamente, quer microscópicamente, são referidos como papilomas.

Aqueles que fazem grandes massas quísticas, como no ovário, são referidos como
cistadenomas.

Alguns tumores produzem padrões papilares que surgem em espaços quísticos e são
designados de cistadenomas papilíferos.

Quando uma neoplasia, benigna ou maligna, produz macroscopicamente uma


projeção acima da superfície mucosa, por exemplo, para o lúmen gástrico ou cólico, é
denominado um pólipo. O termo pólipo preferencialmente é restrito a tumores benignos.

Tumores Malignos

A nomenclatura dos tumores malignos basicamente segue o mesmo esquema


utilizado para neoplasias benignas, com algumas adições. Tumores malignos que surgem no
tecido mesenquimatoso são normalmente denominados sarcomas, porque apresentam pouco
estroma de tecido conjuntivo e por isso são carnosos.

Neoplasias malignas com origem nas células epiteliais, provenientes de qualquer uma
das três camadas germinativas, são designados carcinomas.
Os carcinomas podem ser ainda mais qualificado:
- crescimento com padrão glandular é designado um adenocarcinoma;
- produtor de células com aparência escamosa, em qualquer epitélio do corpo é
denominado carcinoma pavimento-celular.

É prática comum especificar, quando possível, o órgão de origem. Não raro, porém, um
cancro composto por células indiferenciadas do tecido de origem desconhecida, deve ser
designado simplesmente como um tumor maligno pouco diferenciados ou indiferenciados.

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Frequentemente, a diferenciação divergente de uma única linhagem celular


parenquimatosas num tecido origina os chamados tumores mistos. O melhor exemplo disto é
o tumor misto de origem na glândula salivar. Estes tumores epiteliais contêm componentes
dispersos num estroma mixóide que, às vezes, contém ilhas de cartilagem ou mesmo osso.
Todos estes elementos, acredita-se, surgem a partir de células epiteliais e mioepiteliais com
origem na glândula salivar, assim, a designação destas neoplasias é mais frequentemente
adenoma pleomórfico.
Tecido de Origem Benigno Maligno
Tumores com Origem num Único Tecido
Origem Mesenquimatosa
Tecidos Conjuntivos Fibroma Fibrosarcoma
Lipoma Liposarcoma
Condroma Condrosarcoma
Osteoma Osteosarcoma
Endotelial
Vasos Sanguíneos Hemangioma Angiosarcoma
Vasos Linfáticos Limfangioma Limfangiosarcoma
Sinovial Sarcoma Sinovial
Mesotélio Mesotelioma
Meninges Meningioma Meningioma Invasivo
Células Sanguíneas
Células Leucemias
Hematopoiéticas
Tecido Linfóide Limfomas
Músculo
Liso Leiomioma Leiomiosarcoma
Estriado Rabdomioma Rabdomiosarcoma
Epitélios
Estratificado Papiloma Pavimentoso Carcinoma Pavimentoso ou Epidermóide
Escamoso
Células Basais Carcinoma Baso Celular
Glândulas ou Ductos Adenoma Adenocarcinoma
Papiloma Carcinomas Papilar
Cistadenoma Cistadenocarcinoma
Vias Respiratorias Adenoma Brônquico Carcinoma Broncogénico
Epitélio Renal Adenoma Tubular Renal Carcinoma Renal
Fígado Adenoma Hepático Carcinoma Hepatocelular
Epitélio das Vias Papilloma de Transição Carcinoma de Transcição
Urinárias
Epitélio Placentário Mola Hidatiforme Coriocarcinoma
Epitélio Testicular Seminoma
Carcinoma Embironário
Melanócitos Nevus Melanoma Maligno
Tumores Mistos com origem Num Folheto Germinativo
Glândulas Salivares Adenoma Pleomórfico Tumor Maligno Misto com Origem nas Glândulas
Salivares
Renal Tumor de Wilms
Tumores Mistos com origem em Diversos Folhetos Germinativos
Células Totipotentes Quisto Dermóide ou Teratoma Teratoma Imaturo, Teratocarcinoma
Maduro

Teratomas, em contrapartida, são compostos de uma variedade de tipos de células


parenquimatosas representativas de mais do que uma camada germinativa, normalmente
todas as três. Estes tumores surgem a partir de células totipotentes e, portanto, são

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encontradas principalmente nas gónadas; podem ainda surgir, apesar de raramente, em


células primitivas sequestradas noutros locais. Estas células totipotentes diferenciam-se ao
longo de diversas linhas germinais, produzindo tecidos que podem ser identificados, por
exemplo, como pele, músculo, gordura, epitélio intestinal, e mesmo estruturas dentárias. Um
padrão é particularmente comum visto no Teratoma Quístico do Ovário, que se diferencia
principalmente de modo a originar um tumor quístico revestido por pele repleta de cabelo,
glândulas sebáceas e estruturas dentárias.

Durante gerações, carcinomas de melanócitos foram chamados melanomas, embora a


designação correcta seja melanocarcinomas; do mesmo modo, carcinomas de origem
testicular são teimosamente designados seminomas, e hepatocarcinomas são frequentemente
denominados de hepatomas.

A nomenclatura dos tumores é importante porque denominações específicas têm


implicações clínicas específicas, mesmo entre os tumores resultantes do mesmo tecido.

Biologia do Crescimento Tumoral


A história natural da maioria dos tumores malignos podem ser divididos em quatro
fases:
- Alteração maligna na célula alvo, referida como transformação;
- Crescimento das células transformadas;
- Invasão local;
- Metástases distantes.

Na grande maioria dos casos, um tumor benigno pode ser distinguido de um tumor
maligno com grande confiança em função da morfologia, por vezes, no entanto, uma neoplasia
desafia a categorização. Algumas características anatómicas podem sugerir inocência,
enquanto outros apontam em direcção potencial cancerígeno. Em última análise, o diagnóstico
morfológico não pode predizer o comportamento biológico ou curso clínico de uma neoplasia
com certeza absoluta. No entanto, não é a regra, em geral, existem critérios morfológicos
pelos quais os tumores benignos e malignos podem ser diferenciados, bem como o
comportamento dos tumores pode ser previsto.

Diferenciação e Anaplasia

Diferenciação refere-se às células neoplásicas que se assemelham a células normais,


tanto morfologicamente, como funcionalmente; a ausência de diferenciação é denominada
anaplasia.

Tumores bem diferenciados são compostos por células semelhantes a células normais
maduras do tecido de origem da neoplasia. Os tumores pouco diferenciados têm células
primitivas de aspecto indiferenciadas, constituindo células não diferenciadas. Na maior parte
dos casos os tumores benignos são bem diferenciados; num tumor benigno do músculo liso –
leiomioma - tão estreitamente semelhante à célula normal que pode ser impossível
reconhecê-lo como um tumor por exame microscópico das células individuais. Só a massa
dessas células num nódulo divulga a natureza da lesão neoplásica.

As neoplasias malignas, em contraste, vão desde padrões bem diferenciados para


indiferenciados. A falta de diferenciação, ou anaplasia, é considerada um marco de
transformação maligna. Anaplasia implica uma reversão de um elevado nível de diferenciação

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para um nível inferior. Na realidade, as neoplasias não sofrem este processo de regressão,
surgem geralmente a partir de células estaminais que estão presentes nos tecidos
especializados.

A falta de diferenciação, ou anaplasia, é marcado por uma série de alterações


morfológicas:
- Pleomorfismo, tanto as células como os núcleos caracteristicamente exibem variação
no tamanho e forma;
- Morfologia Nuclear Anormal, caracteristicamente os núcleos contêm uma
abundância de DNA e são extremamente corados de forma escura - hipercromáticos. Os
núcleos são desproporcionalmente grande para a célula, e a relação núcleo-citoplasma pode
chegar a 1:1 em vez do normal 1:4 ou 1:6. A forma nuclear é muito variável, apresentando-se a
cromatina muitas vezes agregada e distribuída ao longo da membrana nuclear. Grandes
nucléolos estão geralmente presentes nesses núcleos;
- Mitoses, em comparação com tumores benignos e algumas neoplasias malignas bem
diferenciadas, os tumores indiferenciados geralmente possuem um grande número de
mitoses, reflectindo a maior actividade proliferativa das células parenquimatosas. A presença
de mitoses, no entanto, não indica necessariamente que um tumor é maligno ou de que o
tecido seja neoplásico. Uma característica morfológica das mitoses na neoplasia maligna é o
carácter atípico, bizarro, originam uma célula tripolar, quadripolar, ou multipolar;
- Perda da Polaridade, para além das anormalidades citológicas, a orientação das
células anaplásicas encontra-se nitidamente pertuRbada;
- Outras mudanças, outra característica é a formação de de células gigantes, algumas
possuem apenas um único núcleo polimórfico enorme e outras com dois ou mais núcleos.
Estas células gigantes não devem ser confundidas com as células inflamatórias de langhans ou
células gigantes de corpo estranho, que são derivadas de macrófagos e contêm muitos núcleos
pequenos de aparência normal. No cancro de células gigantes, os núcleos são hipercromáticos
e grandes em relação à célula. O crescente número de células tumorais exige um suprimento
sanguíneo, muitas vezes o estroma vascular é escasso e, em muitos tumores anaplásicos,
grandes áreas centrais sofrem necrose isquémica.

A displasia é encontrada principalmente em epitélios, e é caracterizada por um


conjunto de mudanças que incluem uma perda de uniformidade das células individuais, bem
como uma perda na sua arquitectura espacial. As células displásicas também apresentam um
considerável pleomorfismo e muitas vezes contêm núcleos hipercromáticos que são
anormalmente grandes para o tamanho da célula. O número de mitoses é mais abundante do
que o habitual, embora quase sempre obedeçam a padrões normais. A arquitectura do tecido
pode ser desordenado, no entanto estas alterações estão confinadas a uma camada no interior
do epitélio. Quando as mudanças displásicas se tornam mais evidentes e envolvem toda a
espessura do epitélio, mas a lesão permanece confinado ao tecido normal, é considerado um
estádio pré-cancerigeno e é referido como carcinoma in situ. Uma vez que a células tumorais
avancem além dos limites normais, o tumor é dito como invasivo. Estas alterações são
frequentes em fumadores de longa data e no Esófago de Barrett, caracterizando-se por uma
displasia epitelial, acompanhada de metaplasia, que antecede frequentemente o
aparecimento de cancro. No entanto, a displasia não tem de obrigatoriamente progredir para
cancro. Alterações ligeiras a moderadas que não impliquem mudanças de toda a espessura do
epitélio podem ser reversíveis, e com a remoção do estímulo desencadeador, o epitélio pode
voltar ao normal.

Nos casos em que os tumores se encontram bem diferenciados geralmente originam


os productos normais das células que lhes deram origem; como exemplo temos um tumor nas
células de um glândula endócrina, indo originar um aumento dos níveis da hormona, podendo

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desta forma ser monitorizado o desenvolver do tumor. Em alguns casos, novas funções podem
emergir. Alguns tumores podem produzir proteínas fetais, que não normalmente produzidas
por células do adulto. Existem ainda casos em que tumores de origem não endócrina
produzem hormonas, sendo que esta produção tomada a designação de ectópica.

Taxas de Crescimento

Uma questão fundamental em biologia tumoral é a compreensão dos factores que


influenciam as taxas de crescimento de tumores e o papel destes factores nos resultados
clínicos e respostas terapêuticas

Quanto tempo leva para produzir uma massa tumoral que origine manifestações
clínicas?
Este cálculo é simples sendo que a célula original tem aproximadamente 10 μm de
diâmetro, a população deve ser duplicada pelo menos 30 vezes para produzir cerca 109 células
(pesando aproximadamente 1 g), que é a menor massa clinicamente detectável. Em contraste,
ao fim de 10 ciclos estas células originam um tumor contendo 1012 células (pesando
aproximadamente 1 kg), que é normalmente o máximo de tamanho compatível com a vida.
Estas estimativas são mínimas, com base no pressuposto de que todos os descendentes da
célula transformada manter a capacidade de se dividir e que não há perda de células durante
este processo.

A taxa de crescimento de um tumor é determinada por três factores principais:


- o tempo de duplicação das células tumorais;
- a fracção de células tumorais que estão no pool replicativa;
- a taxa na qual as células são perdidas e aprisionadas no processo de crescimento.

Porque o controlo do ciclo celular se encontra ausente nestas células, as células


tumorais podem entrar mais facilmente no ciclo e sem as habituais restrições. A divisão nas
células tumorais não implica que o ciclo celular seja completado mais rapidamente, ou seja o
ciclo celular não ocorre mais rapidamente do que as células normais. Na realidade, o tempo do
total do ciclo celular é para muitos tumores igual ou maior do que a de células normais
correspondentes.

A proporção de células do tumor no seio da população que estão na pool proliferativa


é referida como a fracção de crescimento. Estudos clínicos e experimentais sugerem que,
durante o início a grande maioria das células se transformaram na pool proliferativa. Com o
avançar do crescimento tumoral, as células deixam a pool proliferativa em números cada vez
maiores devido à ausência de adesão, à falta de nutrientes, ou apoptose, através da
diferenciação e pela reversão para G0. A maioria das células no centro do cancro permanece
nas fases G0 ou G1. Assim, até ao momento um tumor é clinicamente detectável, a maioria
das células não estão na pool replicativa. Mesmo em alguns tumores de rápido crescimento, a
fracção de crescimento é de apenas cerca de 20% ou menos.

Vários ensinamentos conceptuais e práticos importantes podem ser retirados a partir


de estudos da cinética das células tumorais:
- Tumores de crescimento rápido podem ter uma alta rotatividade de células, o que
implica que ambas as taxas de proliferação e apoptose são elevadas. Obviamente, para que o
tumor cresça, a taxa de proliferação deverá ultrapassar a da apoptose;
- A fracção de crescimento das células tumorais tem um profundo efeito sobre a sua
susceptibilidade à quimioterapia. Porque a maioria dos agentes anticancerígenos agem em
células que estão no ciclo, não é difícil imaginar que um tumor que contém 5% de todas as

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células na pool replicativa terá um crescimento lento, mas será relativamente refractário ao
tratamento com drogas que actuam durante a divisão celular. Uma estratégia utilizada no
tratamento de tumores com uma baixa fracção de crescimento consiste em alterar os estado
G0 das células; o que pode ser conseguido por destruição do tumor com cirurgia ou
radioterapia. As células sobreviventes tendem a entrar no ciclo celular e, portanto, tornam-se
sensíveis à quimioterapia.

Em geral, a taxa de crescimento de tumores correlaciona-se com seu nível de


diferenciação e, portanto, os tumores mais malignos crescem mais rapidamente do que as
lesões benignas. Existem, no entanto, muitas excepções há esta banalização. A taxa de
crescimento das lesões benigna, bem como dos tumores malignos pode não ser constante ao
longo do tempo. Factores como a estimulação hormonal, a adequação do suprimento
sanguíneo, e influências desconhecidas podem afectar seu crescimento. Por exemplo, o
crescimento de miomas uterinos pode mudar ao longo do tempo devido a variações
hormonais. Durante a gravidez, leiomiomas frequentemente entram em crescimento. Essas
mudanças reflectem a resposta das células tumorais para níveis circulantes de hormonas
esteróides, especialmente os estrogénios.

Células Estaminais e Linhagens Celulares Cancerígenas

Um tumor clinicamente detectável contém uma população heterogénea de células,


que teve origem no crescimento clonal da descendência de uma única célula. No entanto, tem
sido difícil identificar as células estaminais cancerígenas, isto é, as células dentro de um tumor
que tem a capacidade de iniciar e sustentar o tumor. Estas conclusões têm implicações
importantes para o tratamento do cancro que visem a eliminação da proliferação de células.
Aparentemente, as células estaminais do cancro, similares aos seus homólogos normais, têm
uma baixa taxa de replicação. Se este for o caso, as terapias para o cancro que podem
eficientemente matar as células com elevadas taxas de divisão, vão permitir que as células
estaminais permaneçam, deixando no local células capazes de gerar o tumor. Nestas
circunstâncias, certos tumores podem facilmente re-surgir após tratamento.

Invasão Local

Quase todos os tumores benignos crescem como massas expansivas que permanecem
localizadas no seu local de origem e não têm a capacidade de infiltração, invasão, ou
metastatizam para locais distantes. Porque ao crescerem e expandirem-se lentamente, levam
a que se desenvolvam uma faixa de tecido compacto, às vezes denominado de cápsula fibrosa,
que os separa do tecido hospedeiro. Esta cápsula é derivada em grande parte do estroma do
tecido nativo, como resultado da atrofia das células parenquimatosas sob a pressão de
expansão do tumor. Esse encapsulamento não impede o crescimento tumoral, mas mantém o
tumor benigno como uma discreta, facilmente palpável, e facilmente deslocável massa que
pode ser cirurgicamente removido. Embora um plano bem definido de clivagem exista mais
em torno de tumores benignos, em alguns, é inexistente. Assim, os hemangiomas são muitas
vezes não encapsulados e pode parecer que penetram os tecidos adjacentes ao seu local de
origem.

O crescimento dos cancros é acompanhado pela progressiva infiltração, invasão e


destruição do tecido circundante. Em geral, os tumores malignos são mal delimitados, e um
plano de clivagem bem definido está ausente.
A maioria dos tumores malignos é invasivo e pode, obviamente, penetrar através da
parede do cólon ou de útero, por exemplo. Este tumores não reconhecem as fronteiras

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anatómica normal. Esta capacidade invasiva torna a sua ressecção cirúrgica difícil, e mesmo se
o tumor aparenta estar bem circunscrito, é necessário eliminar uma considerável margem de
tecido aparentemente normal adjacente ao tumor infiltrativo. Próximo ao desenvolvimento de
metástases, a invasividade é o mais fiável característica que diferencia as lesões malignas de
benignas. Temos observado anteriormente que alguns cancros parecem evoluir a partir de
uma pré-fase referida como carcinoma in situ. Isto frequentemente ocorre em tumores de
pele, mama, e alguns outros sitios, sendo melhor ilustrado pelo carcinoma do colo uterino. Os
tumores epiteliais in situ exibem as características citológicas de malignidade, sem invasão da
membrana basal. Estas lesões podem ser consideradas um passo inicial de um tumor invasivo,
que com o tempo, vai penetrar além da membrana basal e invadir o estroma subepitelial.

Metástases

Metástases são implantes tumorais descontínuos com o tumor primário. As


metástases marcam inequivocamente as neoplasias como malignas, porque as neoplasias
benignas não metastizam. A capacidade de invasão dos tumores permite que estes penetrem
nos vasos sanguíneos e linfáticos e se disseminem por todo o organismo. Com poucas
excepções, todos os cancros podem metastizam. As principais excepções são a maioria das
neoplasias malignas de células gliais no sistema nervoso central – gliomas-, e carcinomas
basocelulares da pele. Ambos são formas de neoplasia localmente invasiva, mas raramente
metastizam à distância. É então evidente que as propriedades de invasão e metástase são
independentes, no entanto ao nível molecular, invasão e metástases representam um
continuo de alterações.
Em geral, os tumores mais agressivos e mais rápido crescimento, têm uma maior
probabilidade de virem a metastizar ou de já possuírem metástases.
Aproximadamente 30% dos pacientes recém-diagnosticados com tumores sólidos
(excluindo cancros da pele que não sejam melanomas) apresentam-se já com metástases. A
propagação metastática reduz fortemente a possibilidade de cura, portanto, nenhuma
conquista consegue conferir maior benefício aos pacientes do que métodos para bloquear a
propagação às distância.

Vias de Disseminação

A disseminação dos tumores pode ocorrer através de uma das três vias:
- Invasão directa de cavidades ou superfícies corporais;
- Disseminação linfática;
- Disseminação hematogénica.

Embora o transplante directo de células tumorais, como, por exemplo, em


instrumentos cirúrgicos, possa teoricamente ocorrer, é raro e não vamos por isso discutir este
processo artificial.

Invasão Directa de Cavidades ou Superfícies Corporais

Na maioria das vezes está em causa a cavidade peritoneal, mas é possível em qualquer
outra cavidade - pleural, pericárdica, subaracnóidea, etc. Esta característica é particularmente
comum nos carcinomas originados nos ovários, originando uma superfície peritoneal revestida
com uma espessa camada de tecido tumoral. Surpreendentemente, as células tumorais podem
permanecer confinadas à superfície do revestimento das vísceras abdominais sem penetrar na
nos órgãos em questão.

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Disseminação Linfática

Esta é a via mais comum para a disseminação inicial de carcinomas, mas os sarcomas
também podem utilizar esta via. Os tumores não contêm linfáticos funcionais, mas os vasos
linfáticos localizados nas margens do tumor são, aparentemente, suficientes para que a
disseminação linfática se dê. A ênfase dada à disseminação linfática para carcinomas e
disseminação hematogénica de sarcomas é enganosa, porque, em última instância, existem
numerosas interligações entre os sistemas vasculares e linfático. O padrão de envolvimento
ganglionar segue as linhas naturais de drenagem linfática.

É devido a este facto que carcinomas da mama normalmente surgem na parte superior
dos quadrantes exteriores, sendo geralmente os gânglios axilares os primeiros a serem
afectados. Tumores do quadrante interno disseminam através de gânglios linfáticos para o
interior do peito, ao longo da cadeia da artéria mamária interna. Posteriormente, os gânglios
infraclavicular e supraclavicular podem estar envolvidos. No entanto, o cancro da mama é hoje
considerado uma doença sistémica, mesmo no momento da detecção, sendo tratamento
dirigido a ambos os locais de possível disseminação o e à erradicação das micrometástases
sistémicas ocultas.

Os carcinomas de pulmão decorrentes das vias respiratórias principais metastizam


primeiro para os gânglios traqueo-brônquicos, peri-hilares e mediastínicos.

No cancro da mama, a determinação do envolvimento dos gânglios linfáticos axilares é


muito importante para avaliar a futura evolução da doença e para a selecção das estratégias
terapêuticas adequadas. Normalmente, a disseminação linfática dos tumores da mama é
avaliada pela realização de uma linfadenectomia axilar; uma vez que este procedimento está
associado a grande morbilidade cirúrgica, a técnica de biópsia do gânglio sentinela é
frequentemente utilizada. O gânglio sentinela é definido como o primeiro gânglio de um
conjunto de gânglios que drena aquela região que recebe o fluxo do tumor primário. Este
procedimento pode ser feito pela injecção de corantes ou rádio-marcadores, mas a
combinação dessas técnicas proporciona a melhores resultados. Esta técnica também tem sido
utilizada para detectar a propagação de melanomas, tumores do cólon e outros tumores.

Em muitos casos, os gânglios regionais


servem como obstáculos a uma maior
disseminação eficaz do tumor, pelo menos por
um tempo. As células podem ser retidas dentro
do gânglio, podem vir a ser destruídas por uma
resposta imunitário específica originando
alterações na morfologia do gânglio. Assim, o
aumento dos gânglios pode ser causado quer
pela difusão e crescimento das células

cancerosas ou pela reacção hiperplásica. Fig. 1 - Fígado com metástases


Portanto, o aumento ganglionar na proximidade
de um tumor não significa necessariamente disseminação da lesão primária.

Disseminação Hematogénica

Disseminação hematogénica é típica de sarcomas, mas também é vista em carcinomas.


As artérias, com as suas paredes mais espessas, são mais dificilmente penetradas do que as
veias. A disseminação arterial pode ocorrer, no entanto, é mais comum as células tumorais

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passarem pelos capilares pulmonares, ou através shunts arteriovenosos pulmonares, ou no


caso de metástases pulmonares que podem dar origem a êmbolos tumorais.
Compreensivelmente, o fígado e os pulmões são os orgãos mais frequentemente
envolvidos secundariamente na disseminação hematogénica. Toda a drenagem da área portal
flui para o fígado, e todas as áreas drenadas pelas veias cava fluem para os pulmões. Tumores
na proximidade da coluna vertebral, muitas vezes embolizam através do plexo paravertebral,
sendo por isso frequentes as metástases vertebrais de carcinomas da tiróide e da próstata.

Determinados tumores têm uma propensão para a invasão das veias, nomeadamente
os carcinoma de células renais que frequentemente invadem os ramos da veia renal e, em
seguida, progridem até à veia cava inferior, atingindo por vezes o lado direito do coração.

Epidemiologia
Porque o cancro é uma
alteração do crescimento celular e do
seu comportamento, a sua causa final
tem de ser definida no nível celular e
subcelular. Estudo dos padrões de
cancro em populações podem
contribuir substancialmente para o
conhecimento sobre as origens do
cancro. Por exemplo, o conceito de que
produtos químicos podem causar
cancro surgiu da das observações de Sir
Percival Pott, que relacionou o aumento
da incidência de cancro escrotal nos
limpa chaminés com a exposição
crónica à fuligem. Assim, os principais
insights sobre a causa do câncer podem
ser obtidos por estudos
epidemiológicos que relacionam Fig. 2 - Incidência dos Cancros por Local e Sexo
nomeadamente influências ambientais,
hereditárias, e culturais com a ocorrência de neoplasias malignas. Além disso, certas doenças
associadas com um risco aumentado de desenvolver cancro podem fornecer informações
sobre a patogénese da doença maligna.

Incidência do Cancro

Os tumores mais comuns nos homens são próstata, pulmão e cancro colorretal. Nas
mulheres, os cancros da mama, pulmão e cólon e recto são os mais frequentes.
Os cancros do pulmão, mama feminina, próstata e cólon/recto constituem mais de
50% dos cancros diagnosticados e mortes por cancro nos E.U.A.

Ao longo dos últimos 50 a nos, a taxa global de idade-ajustada de mortes por cancro
em homens aumentou significativamente, enquanto que diminuiu ligeiramente em mulheres.
O aumento nos homens pode ser largamente atribuído ao cancro do pulmão. A melhoria nas
mulheres é principalmente imputável a uma diminuição significativa na mortalidade por
cancro do útero, estômago, fígado, e muito em especial, ao carcinoma do colo do útero, uma
das formas mais comuns de neoplasia maligna em mulheres. Preocupante é o aumento
alarmante de mortes de carcinoma do pulmão, em ambos os sexos. Nas mulheres, os

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carcinomas da mama ocorrem cerca de 2,5 vezes mais frequentemente do que os do pulmão.
Devido à grande diferença nas taxas de cura destes dois cancros, o de pulmão tornou-se a
principal causa de morte por cancro em mulheres. O declínio no número de mortes causadas
por cancro uterino, incluindo o cervical, está provavelmente relacionado com diagnóstico
precoce e maior cura possível graças ao Esfregaço Papanicolaou.

Factores Ambientais e Geográficos

Notáveis diferenças podem ser encontradas na incidência e mortalidade de formas


específicas de cancro ao redor do mundo. Por exemplo, a taxa de mortalidade por carcinoma
gástrico tanto nos homens como nas mulheres é de sete a oito vezes mais elevada no Japão do
que nos Estados Unidos. Em contraste, a taxa de mortalidade de carcinoma do pulmão é um
pouco mais de duas vezes maior nos Estados Unidos do que no Japão, e é ainda mais elevada
na Bélgica do que nos Estados Unidos. Mortes por cancro da pele, principalmente causadas
por melanomas, são seis vezes mais frequentes na Nova Zelândia do que na Islândia, o que se
deve provavelmente a diferenças na exposição solar.
Estima-se que o sobrepeso e a obesidade possam representar aproximadamente 14%
das mortes por cancro em homens e 20% em mulheres.
O abuso de álcool isoladamente aumenta o risco de carcinomas da orofaringe
(excluindo os lábios), laringe e esófago, e, através da cirrose alcoólica, o carcinoma do fígado.
Fumar, sobretudo cigarros, tem sido implicado no cancro da boca, faringe, laringe,
esófago, pâncreas e bexiga, mas mais importante ainda, é responsável por cerca de 90% das
mortes por cancro do pulmão. O tabagismo tem sido designado como o mais importante
factor ambiental que contribui para a morte prematura nos Estados Unidos.
O risco de cancro do colo do útero está associado à idade da primeira relação sexual e
do número de parceiros sexuais. Estas associações apontam para um possível papel causal
para transmissão de infecções virais ao nível cervical.

Idade

A idade tem uma influência importante sobre a probabilidade de se ter cancro. A


maioria dos carcinomas ocorrem nos últimos anos de vida (≥ 55 anos). O cancro é a principal
causa de morte entre mulheres com idade entre 40 a 79 e entre os homens com idade entre
60 e 79. Cada faixa etária tem sua própria predilecção para certas formas de cancro.
Aqui, o notável aumento da mortalidade por cancro no grupo etário de 60 a 79 anos
devem ser anotadas. O declínio das mortes no grupo etário > 80 reflecte o menor número de
indivíduos que atingem essa idade. Esta tendência é esperada mudar na próxima década, com
o número de indivíduos com essa idade na população a aumentar. Também a se notar é que as
crianças com menos de 15 anos não são poupados. O cancro representa pouco mais de 10%
das mortes neste grupo nos Estados Unidos, sendo que a leucemia aguda e as neoplasias do
sistema nervoso central, são responsáveis por cerca de 60% dessas mortes. As neoplasias mais
comuns na infância incluem neuroblastoma, Tumor Wilms, retinoblastoma, leucemia aguda, e
rabdomiosarcomas.

Predisposição Genética

Evidências actuais indicam que, para um grande número de tipos de cancro, incluindo
as formas mais comuns, existem não só influências ambientais, mas também predisposições
hereditárias. Por exemplo, o cancro do pulmão é, na maioria dos casos claramente relacionado
com tabagismo, mas a mortalidade por cancro do pulmão tem mostrado ser quatro vezes

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maior entre os familiares não-fumadores de pacientes com cancro de pulmão do que entre os
pacientes não-fumadores parentes de individuo sem cancro.
Apesar da baixa frequência, o reconhecimento de predisposição hereditária para o
cancro teve um grande impacto na compreensão da patogénese do mesmo. Além disso, os
genes que são associados causalmente com cancros que têm uma forte componente
hereditária geralmente são também envolvidos nas formas mais comuns, mas esporádicas, do
mesmo tumor.

Síndromes Hereditárias Autossómicas Dominantes de Cancro

A mutação é herdada geralmente ocorrendo uma mutação pontual num único alelo de
um gene supressor tumoral. O defeito no segundo alelo ocorre em células somáticas,
geralmente como uma consequência da supressão ou recombinação num cromossoma.

Na infância o retinoblastoma é o exemplo mais marcante nesta categoria,


aproximadamente 40% dos retinoblastomas são herdados. Os portadores de uma mutação do
gene supressor tumoral Rb têm um risco aumentado em 10000 vezes de desenvolver
retinoblastoma, geralmente bilateral. Existe ainda um forte aumento do risco de
desenvolvimento de um segundo cancro, especialmente o sarcoma osteogénico.

A polipose adenomatosa familiar é outro distúrbio hereditário extraordinariamente


marcado por um elevado risco de cancro. Os indivíduos que herdam a mutação autossómica
dominante da polipose adenomatosa coli (APC) no gene supressor tumoral têm ao nascimento
ou pouco depois inúmeros adenomas polipóides no cólon e, em praticamente 100% dos casos
estão destinados a desenvolver um carcinoma do cólon por volta dos 50 anos de idade.

Outros cancros autossómicos dominantes incluem o Síndrome Li-Fraumeni, resultante


de mutações na linha germinal do gene p53, a Neoplasia Endócrina Múltipla Tipo 1 e 2 (MEN-
1 e MEN-2), e Cancro Hereditário Não-poliposo (HNPCC), uma condição causada pela
inactivação de um gene reparador (MSH2 e MLH1).

Como em outras condições autossómica dominante, tanto a penetrância incompleta


como a expressividade variável podem ocorrer.

Síndromes de Defeitos na Reparação do DNA

Existe um grupo de condições predisponentes ao cancro que é colectivamente


caracterizada por defeitos na reparação do DNA e consequente instabilidade do mesmo. Estas
condições geralmente têm um padrão autossómico recessivo.
Incluídos neste grupo estão o Xeroderma Pigmentoso, Telangectasia-Atáxica e o
Síndrome de Bloom, todos eles condições raras e caracterizados por instabilidade genética
resultante de defeitos nos genes de reparação do DNA. Neste grupo podemos incluir a HNPCC,
no entanto este é autossómico dominante, sendo o cancro mais comum nestas síndromes,
aumentando a susceptibilidade para o cancro no cólon e também em alguns outros órgãos tais
como o intestino delgado, endométrio e ovário.

Cancros Familiares

Além da susceptibilidade nos síndromes hereditários de cancro, o cancro pode ocorrer


com maior frequência em certas famílias sem um padrão bem definido de transmissão.
Praticamente todos os tipos comuns de cancro que ocorrem esporadicamente também foram
relatados em formas familiares.

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As características que caracterizam estas formas de cancro incluem a idade de início


precoce, tumores que surgem em dois ou mais parentes próximos do caso índice e, por vezes,
tumores múltiplos ou bilaterais.

O padrão de transmissão familiar do cancro não é claro. Em geral, os irmãos têm um


risco relativo entre dois e três (duas a três vezes maior do que indivíduos independentes). É
provável que a susceptibilidade ao cancro familiar possa depender de vários alelos de baixa
penetrância, cada um contribuindo com apenas um pequeno aumento no risco de
desenvolvimento tumoral. Foi estimado que 10% a 20% dos pacientes com cancro da mama ou
do ovário tem um parente de primeiro ou segundo grau com um desses tumores.
Embora dois genes de susceptibilidade ao cancro da mama, denominados BRCA1 e
BRCA2, tenham sido identificados, as mutações nestes genes ocorre em não mais de 3% dos
cancros da mama. Assim, mutações no gene BRCA1 e BRCA2 podem não contribuir para a
grande proporção de cancros da mama familiares. Alterações em outros genes, provavelmente
de baixa penetrância, parece ser necessária para o desenvolvimento desses tumores.

Condições de Predisposição Não-Hereditária

Há uma associação bem definida entre certas formas de hiperplasia endometrial e


carcinoma endometrial e entre displasia cervical e carcinoma cervical. A mucosa brônquica
metaplásia e displásica dos fumadores habituais são considerados antecedentes do carcinoma
broncogénico. Cerca de 80% dos hepatocarcinomas surgem em fígados cirróticos, os quais são
caracterizados por uma regeneração parenquimatosa activa.

Inflamação Crónica e o Cancro

Esta condição é exemplificada pelo aumento do risco de cancro em pacientes


afectados por uma variedade de doenças inflamatórias crónicas do tracto gastro-intestinal.
Os mecanismos precisos que ligam a inflamação e o desenvolver de cancro não foram
ainda estabelecidos. As reacções crónicas podem levar à produção de citocinas que estimulam
o crescimento das células transformadas. Em alguns casos, a inflamação crónica pode
aumentar o pool células estaminais nos sujeitos, estando estas mais sujeitas à incidência de
mutagénicos. Curiosamente, a inflamação crónica pode também directamente promover
instabilidade genómica nas células através da produção de espécies reactivas de oxigénio
(ROS), o que predispõe à transformação maligna.
Seja qual for o mecanismo preciso, essa ligação pode ter implicações práticas. Por
exemplo, a expressão da enzima Ciclooxigenase-2 (COX-2), que converte ácido araquidónico
em prostaglandinas, é induzida por estímulos inflamatórios e encontra-se aumentada em
tumores do cólon e de outros. O desenvolvimento de inibidores de COX-2 para tratamento do
cancro é uma área de investigação activa e promissora.

Condições Pré-Cancerígenas

Esta designação é um pouco correcta, porque na grande maioria destas lesões não se
desenvolve uma neoplasia maligna. No entanto, o termo persiste porque chama a atenção
para o risco aumentado. Algumas formas de neoplasia benigna também constituem condições
pré-cancerígenas.
Apesar de alguns riscos poderem ser inerente, uma grande experiência acumulada
indica que a maioria das neoplasias benignas não se tornam malignas. A generalização é
impossível, porque cada tipo de tumor benigno está associado a um determinado nível de
risco variando de quase nunca a frequente.

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Bases Moleculares do Cancro


Esta é uma área onde as descobertas continuam a multiplicar-se, dia a dia que passa, o
que torna difícil seleccionar quais os conhecimentos mais importantes e relevantes.
A lesão não letal está na base da carcinogénese, as quais podem ser adquiridas através
da acção de agentes ambientais, tais como produtos químicos, radiações ou vírus, ou por outro
lado, poderão ser herdadas. O termo "ambiental", utilizado neste contexto, envolve qualquer
defeito adquirido causado por agentes exógenos ou endógenos derivados de produtos do
metabolismo celular. No entanto nem todas as mutações são induzidas por factores
ambientais, algumas podem ser espontâneas e estocásticas.
Um tumor é formado pela expansão clonal de uma única célula precursora que tenha
onde tenha ocorrido o dano genético, ou seja, os tumores são monoclonais.

As principais classes de genes que são alvo de mutação no cancro são:


- Proto-oncogenes – Promotores do Crescimento Celular;
- Genes Supressores de Tumores;
- Genes Reguladores da Apoptose;
- Genes Envolvidos na Reparação do DNA.

Os alelos mutantes
de proto-oncogenes são
considerados dominantes
porque só por si podem
transformar uma célula
normal em tumoral. Em
contraste, os genes
supressores de tumores são
considerados recessivos, pois
é preciso que ambos os
alelos estejam mutados para
que haja transformação
fenotípica, no entanto nesta
classe existem excepções. No
caso dos genes que regulam
a apoptose podemos
encontrar ambas as
condições. No caso dos
genes envolvidos na
reparação do DNA estes
podem ter uma acção directa
alterando a proliferação
celular, ou indirectamente
condicionar a capacidade dos Fig. 3 - Bases Moleculares do Cancro
organismos para inibir o
crescimento ou regular a apoptose, por lesão nestas classes de genes.

Alelos mutantes de proto-oncogenes são consideradas dominantes porque


transformar células apesar da presença de uma contrapartida normal. Em contraste, ambos
alelos normais dos genes supressores tumorais devem ser danificado para que ocorra a
transformação, para esta família de genes é por vezes referido como oncogenes recessivos. No
entanto, existem excepções a esta regra, e alguns genes supressores tumorais supressores

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perder sua actividade quando um único alelo é perdido ou inactivado. Esta perda de função de
um gene recessivo de danos causados por um único alelo é chamado haploinsuficiencia. Os
genes que regulam apoptose podem ser dominante, tal como são os proto-oncogenes, ou
podem comportar-se como genes supressores tumorais. Nestes casos uma mutação num gene
reparador pode predispor a mutação no genoma e consequente transformação neoplásica –
fenótipo mutador. Com algumas excepções, ambos os alelos do gene reparador devem estar
alterados para que haja esta condição.

A carcinogénese é um processo, tanto a nível fenotípico como genético com múltiplos


patamares. Uma neoplasia maligna fenotípicamente tem vários atributos, tais como o
crescimento excessivo, invasividade local, bem como a capacidade de formar metástases
distantes. Estas características são adquiridas de forma faseada, num fenómeno denominado
progressão tumoral. Ao nível molecular, a progressão deve-se ao acumular de lesões no
genoma, o que, em alguns casos, é favorecido por defeito na reparação do DNA.

Alterações Essenciais para a Transformação Maligna

Cada um dos genes envolvidos no cancro tem uma função específica, a desregulação
dos quais contribui para a origem ou progressão da doença maligna. É tradicional para
descrever os genes que causam neoplasias, com base na sua presumível função:
- Auto-suficiência nos Sinais de Crescimento, os tumores têm a capacidade de
proliferar sem estímulos externos, geralmente como consequência da activação de um
oncogene;
- Insensibilidade aos Sinais Inibitórios do Crescimento, os tumores podem não
responder às moléculas que inibem a proliferação de células normais, como TGF-β, e
inibidores directos da ciclina dependente de quinases;
- Evasão da Apoptose, os tumores podem ser resistentes à morte celular programada,
como consequência da inactivação do gene p53 ou outras alterações;
- Defeitos na Reparação do DNA, os tumores podem falhar na reparação das lesões no
DNA resultante de agentes cancerígenos ou de uma proliferação celular desregulada;
- Potencial Replicativo Ilimitado, as células tumorais têm uma capacidade proliferativa
ilimitada proliferativa, associada à manutenção do comprimento do telómero e função da
telomerase;
- Angiogénese Mantida, os tumores não são capazes de crescer sem formação de um
suprimento vascular, o qual é induzido por vários factores, sendo o mais importante o Factor
de Crescimento Endotelial Vascular – VEGF;
- Capacidade de Invadir e Metastizar, as metástases tumorais são a causa da grande
maioria das mortes por cancro e dependem de processos que são intrínsecos à célula ou são
iniciados por sinais a partir do tecido ambiente.

Ciclo Celular Nomal

As células que não se encontram em divisão estão na fase G0 do ciclo celular e


precisam ser recrutados para a fase G1 e para além dela, a fim de se dar a replicação. A
evolução ordenada das células através das várias fases do ciclo celular é orquestrada por
ciclinas e CDKs – Quinases Dependentes de Ciclinas -, e pelos seus inibidores. As CDKs
conduzem o ciclo celular por fosforilação das proteínas-alvo críticas que são exigidas para a
progressão das células para a próxima fase do ciclo celular. As CDKs são expressas
constitutivamente durante o ciclo celular, mas numa forma inactiva. Estas são activadas por
fosforilação após vinculação à família de proteínas designadas ciclinas. Em contraste com as
CDKs, as ciclinas são sintetizadas durante fases específicas do ciclo celular, e sua função é
activar as CDKs. Após a conclusão desta tarefa, os níveis de ciclina sofre um declínio rápido.

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Mais de 15 ciclinas foram identificadas, no entanto as Ciclinas D, E, A, B são as que aparecem


sequencialmente durante o ciclo celular e se ligam a uma ou mais CDKs.

Fig. 4 - Ciclo Celular Normal

Ciclina D e Fosforilação do RB

A Ciclina D é a primeira ciclina a


aumentar no ciclo celular, aparece em
meados de G1, mas já não é detectável na
fase S. Durante a fase G1 do ciclo celular, a
ciclina D liga-se a e activa a CDK4, formando o
complexo Ciclina D-CDK4. Este complexo tem
um papel fundamental no ciclo celular por
fosforilar a Proteína do Retinoblastoma. A
fosforilação do Rb é um botão liga-desliga
Fig. 5 - Presença das Ciclinas/CDKs durante o Ciclo
Celular
para o ciclo celular. No seu estado
hipofosforilado, o Rb impede que as células
se repliquem por inactivar o complexo com o Factor de Tanscrição E2F. A fosforilação do RB
dissocia o complexo e retira a inibição sobre a actividade do E2F. Assim a fosforilação do RB
elimina a principal barreira à progressão do ciclo celular e promove a replicação celular.
Para que este controlo seja possível o Rb recruta descetilase de histonas, uma enzima
que provoca a compactação da cromatina e a inibição da transcrição. Quando este mecanismo
é inibido pela fosforilação do Rb são transcritos genes referentes a proteínas fundamentais
para a transição para a fase S, nomeadamente: Ciclina E, DNA Polimerases, Timidina Cinase,
Dihidrofolato Redutase, entre outros. Durante a fase M, os grupos de fosfatos são removidos
do Rb pelas fosfatases celulares, e desta forma regressa ao estado hipofosforulado do Rb.

Progressão do Ciclo Celular no Ponto de Restrição G1/S

A progressão entre a fase G1 para S envolve a formação de um complexo activo entre


a Ciclina E e CDK2. O E2F activo aumenta a transcrição de Ciclina E e das polimerases
necessárias para a replicação do DNA, estimulando, assim, síntese do DNA.

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A próxima decisão no
ciclo celular é o ponto de
transição G2/M. Esta transição é
iniciada pelo E2F e mediado pela
transcrição da Ciclina A, que vai
formar o complexo Ciclina A-
CDK2 , este por sua vez regula os
eventos no profase mitótica. O
principal mediador que assegura
a propulsão do ciclo celular além
da profase é o complexo Ciclina
B-CDK1, que é activado por uma
proteína fosfatase - CDC25 - e
que começa a acumular-se no
núcleo, no início profase. A
activação do complexo Ciclina B-
CDK1 provoca a ruptura do
invólucro nuclear e inicia a
mitose. Complexos de CDKs com
as Ciclinas A e B regulam alguns
dos eventos críticos na transição
G2/M, tais como a diminuição da
estabilidade dos microtúbulos, a
separação dos centrossomas, e a
condensação dos cromossomas.
Sair da mitose requer a
inactivação do complexo Ciclina Fig. 6 - Esquema do papel das Ciclinas e CDKS na transição G1/S
B-CDK1.
A actividade dos complexos Ciclina-CDK, é estreitamente regulada por inibidores,
denominados Inibidores das CDK. Existem duas classes principais de inibidores das CDK: a
família Cip/Kip e a INK4/ARF.
A família Cip/Kip tem três componentes - p21, p27 e p57 - que ligam-se e inactivam os
complexos formados entre ciclinas e CDKs. Activação transcricional do p21 está sob o controle
de p53, um gene supressor tumoral que está mutado numa grande proporção dos cancros
humanos. O principal papel do p53 no ciclo celular é o de vigiar, desencadeando checkpoint
que abrandam ou param a progressão do ciclo celular em células lesadas, chegando mesmo a
causar a apoptose em lesões irreversíveis. A família INK4a/ARF codifica duas proteínas,
p16INK4a e p14ARF, que bloqueiam o ciclo celular e agem como supressores de tumores. O
p16INK4a concorre com ciclina D para ligação a CDK4 e inibe a capacidade do complexo Ciclina
D-CDK4 complexo para fosforilar RB, provocando assim a detenção do ciclo celular em G1. O
gene do INK4a codifica um segundo produto, o p14ARF, que actua sobre o p53.

Checkpoints do Ciclo Celular

O ciclo celular tem os seus próprios controlos internos, denominados checkpoints.


Existem dois checkpoints principais, um na transição G1/S e outro em G2/M. A fase S é o ponto
de não retorno no ciclo celular, e antes de uma célula fazer o compromisso final para se
replicar, o checkpoint G1/S faz o controlo das lesões no DNA. Se as lesões estiverem presentes,
a maquinaria e os mecanismos de reparação do postos em movimento. O atraso na progressão
do ciclo celular, prevê o tempo necessário para o reparo do DNA, se o dano não é reparado, a
via apoptótica é activada.

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Assim, o checkpoint G1/S impede a replicação de células que têm defeitos no DNA, o
que seria perpetuado como mutações cromossómicas ou interrupções na génese da célula.
O checkpoint G2/M controla a replicação do DNA e verifica se a célula pode iniciar com
segurança a mitose e a separação das cromátides irmãs. Esta verificação é particularmente
importante nas células expostas à radiação ionizante. Os defeitos neste checkpoint podem dar
origem a anomalias cromossómicas.

Para funcionar correctamente, os checkpoints do ciclo celular exigem sensores de


lesão no DNA, transdutores de sinal, e efectores moleculares. Os sensores e transdutores de
lesões do DNA parecem ser semelhantes para o G1/S e G2/M. A detenção do ciclo celular em
G2/M envolve tanto mecanismos dependentes do p53 como independente.

Fig. 7 - Principais Genes Associados ao Cancro

Sinais de Crescimento Auto-Suficientes: Oncogenes

Os genes que promovem o crescimento celular em células neoplásicas autónomas


denominados oncogenes, e os seus homólogos celulares normais são designados proto-
oncogenes. Os proto-oncogenes são os reguladores fisiológicos da proliferação e diferenciação
celular. Os oncogenes são caracterizados pela capacidade de promover o crescimento celular
na ausência de sinais mitogénicos normal. A sua produção nas células transformadas torna-se
constitutiva, ou seja, não dependente de factores de crescimento ou outros sinais externos.

Sob condições fisiológicas, a proliferação celular pode ser facilmente resumida através
das seguintes etapas:
- A ligação de um factor de crescimento ao seu receptor específico geralmente
localizados sobre a membrana celular;

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- A activação transitória e limitada do receptor do factor de crescimento que, por sua


vez, activa várias proteínas transductores de sinal;
- Transmissão do sinal através do citosol para o núcleo através de segundos
mensageiros ou pela activação directa de moléculas que activam a transcrição;
- Indução e activação de factores nucleares que regulamentam o início da transcrição
do DNA;
- A entrada e a progressão da célula no ciclo celular, resultando na divisão celular.

Proto-oncogenes, Oncogenes, e Oncoproteínas

Uma das primeiras sequências oncogénica no cancro foi detectado numa forma
mutante do proto-oncogene RAS.
Um grande número de proto-oncogenes foram identificados durante os últimos 20
anos, a maioria dos quais não têm uma contrapartida viral. Os proto-oncogenes podem ter
múltiplas funções, no entanto todos participam em funções celulares relacionadas com o
crescimento e proliferação. As proteínas codificadas por proto-oncogenes podem funcionar
como factores de crescimento ligantes ou receptores, transdutores de sinal ou factores de
transcrição. As oncoproteínas codificadas por oncogenes geralmente servem funções similares
à dos seus homólogos normais, no entanto, porque são constitutivamente expressa, as
oncoproteínas dotam a célula com capacidade de crescimento auto-suficiente.

Para resumir, os proto-oncogenes podem ser convertido em oncogenes celulares - c-


oncs - que estão envolvidos no desenvolvimento tumoral.

Factores de Crescimento

Muitas células neoplásicas podem desenvolver crescimento auto-suficiente,


adquirindo a capacidade de sintetizar os mesmos factores de crescimento aos quais são
responsivas. O proto-oncogene sis, que codifica a cadeia de β do PDGF, encontra-se
sobreexpressa em muitos tumores, especialmente nos astrocitomas e osteosarcomas de baixo
grau. Além disso, parece que os mesmos tumores também expressam receptores para PDGF e
são, portanto, responsivas à estimulação autócrina. Embora autócrino este loop é considerado
como um elemento importante na patogénese de vários tumores, na maioria dos casos, o
gene do factor de crescimento em si não se encontra alterado ou mutado. Mais
frequentemente, os produtos de outros oncogenes como o ras causam sobreexpressão dos
genes do factor de crescimento, forçando assim as células a secretar grandes quantidades de
factores de crescimento como, por exemplo, TGF-α. Este factor está relacionado com o
crescimento do Factor de Crescimento Epidérmico - EGF - e induz a proliferação pela sua
ligação ao receptor EGF. O TGF-α é frequentemente detectado em carcinomas, como os
astrocitomas que expressam elevados níveis de receptores EGF.

Apesar de esta condição ser encontrada num grande número de tumores, o aumento
da produção do factor de crescimento, por si só não é suficiente para a transformação
neoplásica. A proliferação celular de forma aumentada, com toda a probabilidade, contribui
para o fenótipo maligno, aumentando o risco de mutações espontâneas ou induzidas na
população celular.

Receptores para Factores de Crescimento

Vários oncogenes que codificam receptores do factor de crescimento foram


encontrados. Para entender como estas mutações afectam a função desses receptores,
convém recordar que vários receptores de factores de crescimento são proteínas

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transmembranar com um domínio externo ligando-obrigatório e um domínio citoplasmático


tirosina quinase. Nas formas normais desses receptores, a quinase é transitoriamente activada
pela ligação específica dos factores de crescimento, seguindo-se rapidamente uma
dimerização do receptor e fosforilação de vários substratos que são parte da cascata de
sinalização.
A oncogénese associada a estas alterações envolve a constitutiva dimerização e
activação sem carácter vinculativo para o factor de crescimento. Assim, os receptores
mutantes emitem sinais mitogénicos de forma contínua para a célula.
Estas alterações podem ser originadas por alterações na estrutura do receptor, o que
conduz a uma activação sem estímulo precedente, no entanto é muito mais comum a
superexpressão das formas normais destes receptores. Em formas esporádicas de carcinomas
papilares da tireóide, o c-MET encontra superexpessado em quase todos os casos. Nesses
tumores, o aumento da expressão do c-MET não é causado por uma mutação genética, mas
como consequência de uma maior transcrição do gene.

Proteínas Transdutoras de Sinal

A maioria destas proteínas estão estrategicamente localizadas no folheto interno da


membrana plasmática, onde recebem sinais provenientes do exterior da célula e transmitem-
nos ao núcleo da célula.
O melhor e mais bem estudado exemplo de uma oncoproteínas transductora de sinal é
a RAS pertencente à família das Proteínas Acopladas ao GTP.

Oncoproteína RAS

Estas proteínas foram descobertos como sendo produtos de oncogenes virais. Vários
estudos indicam que as RAS desempenham um papel importante na mitogénese induzida por
factores de crescimento. As RAS activadas actuam sobre o precursor da MAP Cinase,
recrutando a proteína citosólica RAF-1. As MAP Cinases activadas são alvo dos factores de
transcrição nucleares e, assim, promovem a mitogénese. Além das RAS, outros membros da
Cascata de Sinalização RAS (RAS/RAF/MERK/ERK) também poderão ser alterados em células
cancerígenas.

Factores de Transcrição

A transdução de sinal gera precursores transcricionais reguladores que entram no


núcleo e actuam sobre determinados genes. Estes genes orquestram as células, ordenando a
entrada e progressão através do ciclo celular, levando à replicação do DNA e à divisão celular.
Muitas destas proteínas ligam-se ao DNA em sítios específicos a partir dos quais eles podem
activar ou inibir a transcrição de genes adjacentes. Não surpreende, portanto, que mutações
que afectam estes genes estejam associadas a transformação maligna. Uma série de
oncoproteínas, incluindo os produtos da MYC, MYB, o JUN família, e FOS oncogenes, é
encontrado no núcleo das células transformadas. Destes, o MYC é mais frequentemente
envolvidos em tumores.

Oncogene MYC

No seu estado normal é expresso em praticamente todas as células eucarióticas e


pertencem aos genes de resposta precoce, que são rapidamente induzidas quando células
quiescentes recebem um sinal de fractura. No entanto, o leque de actividades atribuídas ao
MYC é muito amplo e inclui a acetilação de histonas, redução da adesão celular e aumento da
motilidade celular, aumento da síntese protéica e diminuição da actividade catabólica. Em

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contraste com a expressão de MYC regulada durante o período normal de proliferação celular,
a persistência de expressão e, em alguns casos sobreexpressão, da proteína MYC são
habitualmente encontrados em tumores. Isto pode levar a uma sustentada transcrição de
genes alvo críticos e posterior transformação neoplásica. A desregulação da expressão de MYC
resultante da translocação do gene ocorre no Linfoma de Burkitt linfoma, um tumor de células
B.

Ciclinas e CDKs

Com base na nossa anterior discussão das funções normais das ciclinas e CDKs na
célula no controlo do ciclo celular, é fácil compreender que desregulação da actividade destas
proteínas podem favorecer a proliferação celular. Na verdade, incidentes que afectam a
expressão da Ciclina D ou CDK4 parecem ser um evento comum na transformação neoplásica.

Insensibilidade aos Sinais Inibidores do Crescimento: Genes Supressores


de Tumores

O crescimento das
células tem de ser controlado
por muitos sinais externos para
manter um estado estável -
homeostase. Uma falha na
inibição do crescimento é uma
das alterações fundamentais no
processo de carcinogénese.
As proteínas que se
aplicam limitações à
proliferação celular são
produtos de genes supressores
tumorais.
A perda de função
destes genes é um evento chave
em muitos, possivelmente
todos, os tumores humanos.

Fig. 8 - Patogénese do Retinoblastoma

Retinoblastoma como um Paradigma para a Hipótese Two-Hit da Oncogénese

As mutações necessárias para produzir retinoblastoma envolvem o gene Rb, localizado


no cromossoma 13q14. Em alguns casos, a lesão genética é suficientemente grande para ser
visível sob a forma de uma supressão de 13q14.
Ambos os alelos normais da Rb locus devem ser inactivados para que se desenvolva
retinoblastoma. Nos casos familiares, as crianças nascem com um alelo normal e outro
mutado. Estes indivíduos perdem o alelo intacto devido a alguma mutação somática. Nos
casos esporádicos, ambos os alelos normais do Rb são perdidos. O resultado final é o mesmo:
uma célula da retina que perdeu as duas cópias normais do gene Rb dá origem ao cancro.
Indivíduos com retinoblastoma familiar possuem um grande aumento no risco de
desenvolvimento de osteossarcoma e alguns outros sarcomas do tecido conjuntivo. Além

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disso, a inactivação do locus do Rb foi observada em vários outros tumores, incluindo o


adenocarcinoma da mama, o carcinoma de pequenas células do pulmão e carcinoma da
bexiga.

As proteínas de produtos de genes supressores tumorais estão envolvidas no controlo


do ciclo celular, na regulação da apoptose, e em muitas outras actividades críticas para a
sobrevivência e crescimento da célula.

p53: Guardião do Genoma

Um pouco mais de 50% dos tumores humanos contêm mutações neste gene. A perda
homozigótica da actividade do gene p53 pode ocorrer em praticamente todo o tipo de
cancros, incluindo os carcinomas do pulmão, cólon, mama, sendo estas as três principais
causas de morte por cancro. Na maior parte dos casos a mutação afecta ambos os alelos do
gene, sendo que esta ocorre nas células somáticas, sendo que num número mais reduzido de
casos é possível que o indivíduo herde um alelo já mutado.
Nestes casos estamos perante as Síndrome de Li-Fraumeni, em que os portadores têm
uma 25 vezes maior probabilidade de desenvolver um tumor maligno, após os 50 anos do que
a população em geral.
Em contraste com os doentes que herdam um alelo mutante Rb, o espectro de
tumores que se desenvolvem em pacientes com a síndrome de Li-Fraumeni é bastante
variado, os tipos mais comuns de tumores são sarcomas, cancro de mama, leucemia, tumores
cerebrais e carcinomas do córtex da supra-renal. Em comparação com tumores esporádicos, os
que afectam os pacientes com a síndrome de Li-Fraumeni podem ocorrer numa idade mais
jovem, e um dado indivíduo pode desenvolver múltiplos tumores primários.

É actualmente evidente que o p53 funciona como um “vigilante molecular", que


impede a propagação de células geneticamente danificadas. O p53 liga-se normalmente ao
DNA, controlando a transcrição dos diversos genes, sendo que a maior parte das mutações
ocorrem no seu domínio de ligação ao DNA. O p53 mutante que não se liga ao DNA, produz
uma proteína defeituosa que bloqueia a actividade normal da proteína. Além de mutações
somáticas e herdadas, as funções do p53 podem ser inactivadas por outros mecanismos. Tal
como acontece com Rb, a transformação de várias proteínas do DNA viral, incluindo a proteína
E6 do HPV, pode ligar-se e promover a degradação do p53. Outro mecanismo de neutralização
do p53 é através do MDM2, uma proteína que normalmente inibe a função do p53, causando
a sua degradação. O MDM2 é encontrado em níveis aumentados em 33% dos sarcomas
humanos e em 50% das leucemias, causando perda funcional de p53 nestes tumores.
As principais actividades funcionais da proteína p53 são o bloqueio do ciclo celular e
início de apoptose em resposta aos danos do DNA.

Via do APC/β-Catenina

No caso do gene APC, todos os indivíduos que nasceram com um alelo mutante irão
desenvolver milhares de pólipos adenomatosos no cólon durante a sua adolescência ou por
volta dos 20 anos - Polipose Adenomatosa Familiar. Quase sempre, um ou mais destes pólipos
sofre transformação maligna, dando origem ao cancro.
Tal como com outros genes supressores tumorais, ambas as cópias do gene APC
devem ser perdidas para que se dê desenvolvimento tumoral.

Uma importante função da proteína APC é o de diminuir a expressão da β-catenina. Na


ausência de sinalização WNT o APC causa a degradação de β-catenina, impedindo a sua
acumulação no citoplasma. Fá-lo através da formação de um complexo macromolecular com

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β-catenina, o que resulta na degradação da β-catenina. A inactivação do gene APC pertuRba o


complexa e aumenta os níveis celulares de β-catenina, que, por sua vez, são translocados para
o núcleo. Assim, com a perda do APC, a célula comporta-se como se ela estivesse sob contínua
acção da sinalização WNT. No núcleo da célula, a β-catenina forma um complexo com o TCF,
um factor de transcrição que regula a proliferação celular, aumentando a transcrição do C-
MYC, Ciclina D1, e de outros genes.

Fig. 9 - Papel do APC na Estabilidade e Actividade da β-Catenina

Evasão à Apoptose

Assim como o crescimento celular é regulado por genes que promovem e inibem a
divisão celular, a sobrevivência da célula é condicionada de igual forma por genes que
promovem e inibem a apoptose. Portanto, o acumular de células neoplásicas pode ocorrer não
apenas pela activação de oncogenes ou inactivação de genes supressores tumorais, mas
também por mutações nos genes que regulam apoptose. A grande família de genes que
regulam apoptose foi identificada em ambas a células normais e neoplásicas.
Nesta secção iremos discutir o papel do BCL-2 na protecção de células tumorais da
apoptose.
O BCL-2 protege as células da apoptose pela via mitocondrial.
Pelo menos dois outros genes associados ao cancro também estão intimamente relacionados
com a apoptose: p53 e MYC. Os mecanismos moleculares de morte celular induzida por estes
dois intersecção a via do BCL-2. Conforme discutido anteriormente, o p53 aumenta a
transcrição de genes pró-apoptóticos, tais como BAX. A falta de actividade p53, causada por
mutações no gene p53 ou alterações em INK4a e MDM2, diminui transcrição do gene pró-
apoptótico BAX, reduzindo a actividade apoptótica e a resposta à quimioterapia.
O BID, outro membro pró-apoptótico da família BCL-2, também é regulado pelo p53 e
poderia aumentar a morte celular em resposta à quimioterapia. O MYC e BCL-2 podem
colaborar na carcinogénese, o MYC desencadeia a proliferação, e o BCL-2 impede a morte
celular, mesmo que os factores de crescimento sejam limitados. Este é um dos muitos
exemplos em que dois ou mais genes em cooperação dão origem a um tumor. É também de
salientar que as células normais exigem permanentemente sinais de sobrevivência, como, por
exemplo, a sinalização através da via PI-3 quinase/AKT, o que impede a actividade da máquina

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apoptótica. A falta destes sinais pode causar apoptose, uma condição conhecida como morte
por negligência. A expressão de AKT em células tumorais é frequentemente aumentada como
consequência de mutações no AKT ou mutações inactivadoras no gene supressor tumoral
PTEN. Essas alterações aumentam a resistência da célula tumoral à morte por apoptose.

Reparação dos Defeitos no DNA e Instabilidade Genómica nas Células


Cancerigenas

Os humanos literalmente encontram-se mergulhados num mar de agentes


cancerígenos. Apesar de a exposição ocorrer naturalmente a estes agentes prejudiciais para o
DNA, tais como a radiação ionizante, a luz solar, alimentos e stress oxidativo, raramente se
origina uma neoplasia no contacto único com estes agentes. Este facto resulta da capacidade
natural das células repararem as lesões no DNA, e desta forma evitarem as mutações nos
genes que regulam o crescimento celular e a apoptose. Além dos agentes ambientais, o DNA
das células normais está susceptível a alterações resultantes de erros que ocorrem
espontaneamente durante a replicação do DNA.
Existem situações em que os indivíduo herdam mutações nos genes responsáveis pela
reparação do DNA, o que origina situações de transformação neoplásica facilitada – sindromes
de instabilidade genómica. O que se pode provar pelo facto de serem encontradas alterações
nos mecanismos de reparação do DNA em tumores humanos esporádicos. Os genes de
reparação do DNA por si só não são oncogénicos, mas a sua mutação permite outras mutações
em outros genes durante o processo normal da divisão celular.

Um dos exemplos mais comuns destes sindromes é o Sindrome do Carcinona


Hereditário Não-Polipoide, que se caracteriza por um tumor do cólon familiar que resulta de
uma mutação nos genes de mismatch repair, originando tumores precoces em indivíduos
portadores desta mutação.
Outro dos exemplos é o Xeroderma Pigmentoso, que mais uma vez resulta de
mutações herdados nos genes responsáveis pela reparação do DNA, tendo estes indivíduos um
risco aumentado de desenvolver carcinoma da pele quando em contacto do a radiação UV.
Os genes BRCA-1 e BRCA-2, apesar da sua função não estar completamente definida,
sabe-se que as proteínas resultantes destes genes se encontram no núcleo, e pensa-se que
estejam envolvidas na regulação da transcrição. Pensa-se que estes genes estejam envolvidos
na reparação por recombinação homóloga, tendo um importante papel ao nível do checkpoint
G1/S, particularmente na reparação de quebras na cadeia duplas do DNA. Devido a estas
funções acima descritas, pensa-se que a mutação neste gene possa ser um condição para o
aumento do risco de desenvolver carcinoma da mama e do ovário.

Limitação do Potencial Replicativo: Telomerase

Após um determinado número de divisões, as células normais tornam-se presas num


estado terminal em que não ocorrem mais divisões, conhecido como senescência replicativa.
Em cada divisão celular há o encurtamento de estruturas especializadas, denominadas
telómeros, nas extremidades do cromossomas. Quando os telómeros são encurtados para
além de um certo ponto, a perda de função do telómero leva à activação de um ciclo de
controlo dependente do p53, provocando um bloqueio na proliferação ou a apoptose.
Nas células das linhas germinativas o encurtamento do telómero é impedido pela
actividade da enzima telomerase, explicando, assim, a capacidade destas células de se auto-
replicar extensivamente. Esta enzima encontra-se ausente da maioria das células somáticas e,
portanto, estas sofrem uma perda progressiva dos seus telómeros.

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Nesta linha de raciocínio é fácil compreender que as células tumorais têm que
encontrar uma forma de prevenir encurtamento dos telómeros, sendo que o mecanismo que
realiza esta função é a reactivação da actividade da telomerase. Na verdade, a actividade da
telomerase foi detectada em mais de 90% dos tumores humanos.

Desenvolvimento Sustentado da Angiogénese

Os tumores estimulam o crescimento de vasos sanguíneos, num processo denominado


angiogénese, de forma a que o fornecimento de nutrientes ao tumor seja garantido.
Mesmo com as alterações genéticas normais, um tumor apenas consegue aumentar
cerca de 1 a 2 mm se não forem criados novos vasos, o que pode indicar que a distância
máxima a um vaso seja essa.
A neovascularização tem um duplo efeito sobre o crescimento tumoral:
- Fornecimento de nutrientes e oxigénio;
- Células Endoteliais Recém-Formados estimulam o crescimento das células tumorais
adjacentes através da libertação de factores de crescimento.

A angiogénese é um requisito não só para o crescimento tumoral, mas também para a


formação de metástases, sem acesso à vascularização, as células tumorais não podem
disseminar-se com facilidade para outros locais do organismo.

Diversos estudos indicam que os tumores produzem factores que são capazes de
desencadear toda a série de eventos envolvidos na formação de novos. No entanto, os vasos
sanguíneos dos tumores diferem da vasculatura normal por serem tortuosos e irregulares. O
principal factor que se pensa estar envolvido é o VEGF. Estes factores podem ser derivados das
próprias células tumorais ou por células inflamatórias que infiltram o tumor.

As células tumorais não apenas produzem factores angiogénicos, mas também


induzem a produção de moléculas anti-angiogénese. O crescimento tumoral é, assim,
controlado pelo equilíbrio entre factores angiogénicos e aqueles que inibem a angiogénese.
Endostatina, um factor anti-angiogénese, está a ser testado pelos seus efeitos sobre
os tumores. Foram ainda realizadas experiências para testar os efeitos antitumoral de
anticorpos para VEGF e VEGF-R2, e de pequenas moléculas que inibem sinal transdução
através VEGF-R2.

Invasão e Metástase

Invasão e metástase são características biológicas dos tumores malignos, sendo estas
as principais causas de morbilidade e mortalidade associados aos tumores. Para que as células
tumorais se soltem de uma massa primária, se introduzam nos vasos linfáticos ou sanguíneos,
e deêm origem a um crescimento secundário num local distante , devem passar por uma série
de eventos. Cada um destes eventos nesta sequência está sujeito a uma multiplicidade de
influências, portanto, em qualquer ponto desta a célula pode não sobreviver.

Estudos em animais revelaram que, embora milhões de células sejam libertadas na


circulação por dia a partir de um tumor primário, apenas algumas metástases são produzidas.
A justificação para esta situação pensa-se estar no facto de que apenas certo sub-clones das
células tumorais possuem a combinação certa de genes para completar todos os passos
envolvidos na metastização.
Uma hipótese alternativa é que a metástase é o resultado de múltiplas alterações que
se verificam em muitas, talvez a maioria, das células de um tumor primário. Essas alterações

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dão ao tumor uma predisposição geral para a


metástase. Esta predisposição pode envolver não
apenas propriedades intrínsecas às células
tumorais, mas também as características do
estroma, tais como os componentes do estroma , a
presença de infiltrado de células inflamatórias, e a
angiogénese.
Para efeitos da presente discussão, a
cascata metastática será dividida em duas fases:
- Invasão da Matriz Extracelular;
- Disseminação e Homing Vascular das
Células Tumorais.

Invasão da Matriz Extracelular

A organização estrutural e função dos


tecidos normais é, em grande medida determinada
pela interacção entre as células e a matriz
extracelular (MEC) . Os tecidos são organizados em
compartimentos separados uns dos outros por dois
tipos de MEC:
- Membrana Basal;
- Tecido Intersticial.

Embora organizado de maneira diferente,


cada um desses componentes da MEC é composta
por colagénios, glicoproteínas e proteoglicanos. As
células tumorais interagem com a MEC em diversas
fases da cascata metastática.
A primeira transgreção do carcinoma tem
subjacente atravessar a membrana basal, em
seguida, atravessar o tecido intersticial, e,
finalmente, ter acesso á corrente sanguínea por
penetrar na membrana basal vascular. Este ciclo é
repetido, mas de forma inversa, quando o êmbolo
de células tumorais invade uma nova localização
num local distante. Fig. 10 - Invasão da MEC
A invasão do MEC é um processo activo que
pode ser dividido em várias etapas:
- Perda de Adesão entre as Células Tumorais;
- Ligação aos Componentes da MEC;
- Degradação da MEC;
- Migração das Células Tumorais.

As células normais são ordenadamente colados umas em relação ás outras por


intermédio de moléculas de adesão, sendo a família das caderinas a mais importante,
salientando o papel da E-Caderina ao nível dos epitélios. Em vários tumores epiteliais,
incluindo os adenocarcinomas do cólon e de mama, há uma diminuição da expressão de E-
Caderina, o que reduz a capacidade das células para aderirem umas às outras e facilita a sua
separação do tumor primário e o seu avanço para o tecidos circundantes.
Para penetrar na MEC envolvente, o as células tumorais necessitam de primeiro aderir
aos componentes da MEC. As células epiteliais de um tumor são separadas do estroma por

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uma membrana basal. Assim, para as células tumorais penetrarem na membrana basal, a
membrana deve ser degradada e remodelada. Este processo leva a que componentes da
membrana basal enviem sinais positivos e negativos para o crescimento das células tumorais,
o que irá desempenhar um papel importante na regulação da angiogénese. Além disso, parece
haver uma correlação entre a densidade de receptores laminina e a capacidade de invasão nos
no cancros da mama e do cólon.
A invasão da MEC não é meramente passiva devido à pressão do crescimento, mas
exige degradação enzimática activa dos componentes da MEC. Estas células tumorais secretam
enzimas proteolíticas por si só ou induzem as células hospedeiras a secretarem proteases

Embora o efeito mais óbvio seja a destruição da matriz para criar um caminho para a
invasão de células tumorais, a clivagem dos produtos dos componentes da matriz, derivados
de colagénio e proteoglicanos, têm também o actividades promotoras do crescimento,
angiogénese, e acção quimiotática.

Disseminação e Homing Vascular das Células Tumorais

Uma vez na circulação, as células tumorais são particularmente vulneráveis à


destruição pelo sistema imunitário.
Enquanto estiverem em circulação, as células tumorais tendem a agregar-se em
pequenas massas. Isto é favorecido pela aderência homóloga entre as células tumorais, bem
como pela adesão heteróloga entre células tumorais e células do sangue, particularmente as
plaquetas. A formação de agregados plaquetários-tumorais pode aumentar a sobrevivência de
células tumorais e a sua capacidade de se implantarem. A fixação e o extravasamento de
êmbolos tumorais em sítios distantes envolvem a adesão ao endotélio, seguido da saída
através da membrana basal. Envolvidas nestes processos estão as moléculas adesão e as
enzimas proteolíticas, discutidas anteriormente. É de particular interesse referir a molécula
CD44, que se encontra expressa em linfócitos T normais e é utilizado por essas células para
migrarem para locais específicos de tecido linfóide.
No novo locas, as células tumorais precisam de proliferar, desenvolver um suprimento
vascular, e evitar a imunidade local.
O local onde as células tumorais migratórias se vão estabelecer depende das
características do tumor primário que lhes deu origem. Por exemplo, preferencialmente o
carcinoma da próstata mestastiza para o osso, o carcinoma broncogénico tendem a envolver
as supra-renais e no cérebro, e neuroblastomas, disseminam-se para o fígado e os ossos.
Este tropismo para determinados orgãos parece estar relacionado com os seguintes
mecanismos:
- No momento em que houve ligação á MEC e ao endotélio no local de origem as
células tumorais podem ter moléculas de adesão que são expressas preferencialmente sobre
as células endoteliais dos órgãos-alvo;
- A presença de determinadas quimicionas têm um papel importante nesta
determinação. Algumas células tumorais expressão receptores para determinadas quimiocinas
que são expressas preferencialmente em alguns locais;
- Por outro lado alguns locais podem não constituir um ambiente favorável para a
fixação daquele tumor, quer seja por ausência de factores promotores do seu crescimento,
quer por presença de factores imunitários.

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Agentes Carcinogénicos e a sua Interação com as


Células
Um grande número de agentes causam lesões genéticas e induzir transformação
neoplásica de células:
- Agentes Químicos, ao longo dos tempos, centenas de substâncias químicas têm sido
indicadas como possuindo capacidade para transformar células in vitro e em animais a serem
cancerígenas. Alguns produtos industriais, como os hidrocaRbonetos aromáticos policíclicos,
ou alguns medicamentos são actualmente indicados como os principais agentes indutores de
neoplasias actualmente. Muitos dos agentes químicos actuam através da lesão celular, indo
actuar como promotores, não sendo directamente cancerígenos, mas ao aumentarem a
proliferação celular, aumentam igualmente a probabilidade de existir uma mutação que leva à
transformação neoplásica. Por outro lado é possível que através de determinadas interacções
sejam lesadas genes envolvidos na regulação do crescimento celular ou da apoptose, tornando
as células passíveis de se transformarem em células tumorais. Existem substâncias que têm
uma acção directa, no entanto outras necessitam de sofrer metabolização in vivo para se
tornarem activas. Existe ainda uma balanço entre a metabolização do agente no sentido de
este perder a sua actividade ou de permanecer activo, sendo que a maior parte destes
compostos são metabolizados pelo citocromo P-450, sendo este altamente polimórfico, é
possível justificar as diferentes susceptibilidades a estes agentes entres os indivíduos;
- Radiação, as radiações UV ou ionizantes podem transformar in vitro ou in vivo
praticamente todas as células dos animais e humanos. É fácil compreender que a exposição à
luz Solar é indutor do cancro da pele, ou que a exposição ás radiações oriundas de uma central
nuclear são tidas como causa para diversas neoplasias. A carcinogénese associada aos raios UV
é atribuída à formação de dímeros pirimidina no DNA, sendo estas lesões reparadas pela
excisão de nucleótidos, o que com elevados níveis de exposição se torna limitado, levando a
que um grande número de alterações no DNA permaneçam divisão após divisão. Estas
mutações no DNA podem mais uma vez afectar oncogenes ou genes supressores de tumores,
condicionando um estado pró-cancerígeno. Em humanos, há uma hierarquia de
vulnerabilidade dos diferentes tecidos ao cancro induzido pela radiação. As mais frequentes as
leucemias, o cancro da tiróide em jovens; no patamar intermédio temos o cancro da mama,
pulmão e das glândulas salivares; e por fim, a pele, os ossos e o tubo digestivo que se
apresentam como relativamente resistentes á capacidade da radiação induzir transformação
neoplásica.
- Vírus Oncogénicos e outros Microrganismos, existem diversos agentes que se
encontram associados a um aumento de determinados tumores. Um dos casos mais bem
estudas é a associação entre o Helicobacter pylori e os tumores gástricos. Existem ainda os
vírus do HPV, o EBV, HBV e o HCV que têm sido frequentemente associados com algumas
formas de cancro, respectivamente, carcinoma do colo do útero, linfoma Burkitt e carcinoma
hepato-celular. Apesar desta forte associação não existem indícios de que estes agentes sejam
por si só indutores da transformação, o que se sabe é que sua actividade, quer seja pela lesão
constante das células, quer seja pela inclusão do seu genoma nas células hospedeiras, existe
um estímulo constante para que haja proliferação celular, aumentando o risco de
transformação maligna, o que muitas vezes se deve à inibição dos sistemas de controlo de
erros durante a transcrição. Por outro lado existe até hoje um vírus que se sabe ser
directamente indutor da carcinogénese, o HTLV-1, dando origem a um linfoma ou leucemia de
células T no adulto;

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Defesa Contra Tumores e Imunidade Tumoral

Foi Paul Ehrlich que propôs que o reconhecimento imunitário autólogo de células
tumorais possa ser um mecanismo positivo capaz de eliminar os tumores. No entanto o facto
de os tumores ocorrerem em indivíduos imunocompetentes indica-nos que existe
imperfeições no sistema imunitário a este nível.

Antigénios Tumorais

As primeiras tentativas de purificar e caracterizar antigénios tumorais foram baseados


na produção de anticorpos monoclonais específicos para células tumorais e definindo os
antigénios que estes anticorpos reconheciam.
A transformação neoplásica, como discutido anteriormente, resulta de alterações
genéticas, algumas das quais podem resultar na expressão de antigénios da superfície celular
que são vistas como estranhas pelo sistema imunitário. Podendo estas proteínas ser
apresentadas pela própria célula – MHC I – ou por outras células apresentadores de antigénios
que fagocitaram restos de células tumorais mortas – MHC II. Uma vez que estas proteínas
alteradas não estão presentes em células normais, não induzem auto-tolerância. Estes
antigénios são extremamente diversos, porque o que induziu a transformação tumoral é
aleatório, o que nos leva a uma situação em que qualquer gene pode estar alterado, e em
locais diferentes, sendo depois apresentado pelo MHC I. Outras das hipóteses é que um
aumento da expressão de determinadas proteínas normais em células tumorais seja encarado
como um antigénio tumoral, o que se deve a um aumento inesperado da quantidade desse
antigénio. Nesta linha podemos ainda ter antigénios tumorais nos casos em que determinadas
células expressam genes que normalmente não são expressos naquele tecido, ou que apenas o
eram durante o desenvolvimento embrionário.
Por fim, em muitos dos tumores as glicoproteínas de superfície encontram-se
alteradas, o que permite reconhecer essas células como estranhas, funcionando como um
antigénio tumoral. Por outro lado, é possível que a infecção por determinados vírus
oncogénicos seja reconhecido pelo sistema imunitário, sendo a células eliminada.

Mecanismos Efectores Anti-Tumorais

Embora tanto a imunidade humoral como a celular tenham demonstrado ter


actividade antitumoral, o principal mecanismo que combate o tumor é a imunidade celular
através das células T CD8+ CTLs. Estas células, juntamente com as NK, ao reconhecerem os
antigénios tumorais podem matar as células tumorais por mecanismos semelhantes aos
utilizados para matar eliminar os microrganismos, por exemplo, a produção de espécies
reactivas de oxigénio
A produção de anticorpos direccionada para os antigénios tumorais pode eliminar
estas células através da activação do sistema de complemento ou por fagocitose ou morte
mediada por anticorpos, nomeadamente pelos macrófagos e NK. No entanto, apesar de esta
actividade estar demonstrada in vitro, pensa-se que a sua efectividade seja reduzida in vivo.

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Fig. 11 - Evasão dos Tumores ao Sistema Imunitário

Características Clínicas dos Tumores

As neoplasias são essencialmente parasitas. Todos os tumores, mesmo os benignos,


podem causar morbilidade e mortalidade.
Embora a avaliação clínica possa sugerir a benignidade ou malignidade da massa, a
única forma inequívoca é a excisão da mesma e a sua análise pela anatomia patológica
Em seguida iremos falar de:
- Efeitos de um Tumor no Hospedeiro;
- Classificação e Estadiamento Clínico do Cancro.

Efeitos do Tumor no Hospedeiro

Ambos os tipos de neoplasias, maligna ou benigna, podem causar problemas, devido a:


- Localização e impacto sobre as estruturas adjacentes;
- Actividade funcional, por exemplo a produção de hormonas;
- Hemorragia e infecções secundárias, quando ulceram através das superfícies
adjacentes;
- Início de sintomas agudos causados por uma ruptura ou enfarte.

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Não só o tumor primário tem a capacidade de induzir estas alterações, qualquer


metástase tem o mesmo potencial para as produzir.
Em alguns casos o cancro pode ser responsável por caquexia ou síndromes
paraneoplásicas.

Localização e Produção de Hormonas

A localização do adenoma pituitário, embora seja um tumor benigno e, possivelmente,


não produtor hormonas, o seu crescimento expansivo pode destruir as restantes células da
hipófise e, consequentemente, levar a uma endocrinopatia grave. No cancro do intestino,
tanto as lesões benignas, com as malignas, podem causar obstrução à medida que o seu
tamanho aumenta.
As neoplasias de glândulas endócrinas podem produzir manifestações pela síntese de
hormonas. Essa actividade funcional é mais típica de tumores benignos do que de cancro, que
por ser suficientemente indiferenciado pode ter perdido essa capacidade.

Caquexia

Os indivíduos com cancro frequentemente sofrem uma perda progressiva de gordura


corporal, bem como de massa corporal magra, acompanhada de profunda fraqueza, anorexia e
anemia. A sua etiologia é desconhecida, mas pensa-se que seja como consequência das
necessidades nutricionais do tumor. Actualmente existem evidências de que este estado
resulta também de factores solúveis e citocinas produzidas pelo tumor e pelo hospedeiro em
resposta á sua presença.

Síndromes Paraneoplásicas

Os sintomas complexos em indivíduos com cancro, cuja origem não pode ser
facilmente explicada, quer pelo local ou disseminação distante do tumor ou pela síntese de
hormonas, são denominadas como Sindromes Paraneoplásicas. Estas manifestações ocorrem
em cerca de 10% dos pacientes com doença maligna. Apesar da sua relativa infrequência, as
síndromes paraneoplásicas são importantes porque podem representar a única ou a mais
evidente manifestação de uma neoplasia oculta, ou nos pacientes com neoplasias já
diagnosticada podem indicar agravamento do seu estado geral, ou podem mesmo imitar
doença metastática, tornam a terapêutica sujeita a erro.

As endocrinopatias são frequentemente encontradas nas sindromes paraneoplásicas,


sendo a Síndrome de Cushing a mais comum, em que aproximadamente 50% dos pacientes
com esta síndrome apresentam carcinoma do pulmão, principalmente os de pequenas células.
É causada pela produção excessiva de corticotropina ou de péptidos tipo-corticotropina.
A hipercalcemia é provavelmente a mais comum de todas as síndrome paraneoplásica.
Existem dois processos em questão envolvidos nestas alterações:
- Osteólise induzida pelo cancro, se o tumor primário for no osso, como o mieloma
múltiplo, ou metastático para o osso de qualquer lesão primária;
- Produção de substâncias calcémicas por neoplasisas localizadas fora do território
ósseo. Talvez o mais importante esteja relacionada a hormona paratireóide - rPTH.

As síndromes paraneoplásicas neuromiopáticas tomam diversas formas, tais como


neuropatias periféricas, degeneração cerebelar cortical, uma polimiopatia semelhante à
polimiosite, síndrome miasténica semelhante à miastenia gravis. A causa dessas síndromes é
mal compreendida. Em alguns casos, os anticorpos, presumivelmente contra as células
tumorais reagem de forma cruzada com células neuronais.

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Várias manifestações vasculares e hematológicas podem aparecer em associação com


uma variedade de formas de cancro. Como as tromboflebites migratórias - Síndrome de
Trousseau - podem ser encontradas em associação mais frequentemente com os carcinomas
do pâncreas ou pulmão.
A coagulação intravascular disseminada aguda é mais comumente associado com
leucemia promielocítica aguda e adenocarcinoma da próstata.

Sindrome Principais Cancros Associados Mecanismo


Endocrinopatia
Sindrome de Cushing Pequenas Células do Pulmão ACTH ou Substâncias Tipo-
Carcinoma do Pâncreas ACTH
Tumores Neuronais
Sindrome da Secreção Inapropriada Pequenas Células do Pulmão Hormana Anti-Diurética e
da ADH Neoplasias Intracraneanas Péptido Natriurético Auricular
Hipercalcemia Carcinoma de Células Escamosas do Proteína Relacionada com a
Pulmão Hormona Paratiroide (PTHRP),
Carcinoma da Mama TGF-α, TNF, IL-1
Carcinoma Renal
Linfoma
Carcinoma do Ovário
Hipoglicemia Fibrosarcoma Insulina ou Substâncias Tipo-
Outros Sarcomas Mesenquimais Insulina
Carcinoma Hepato-Celular
Síndrome Carcinoide Adenoma Brônquico Serotonina e Bradicinina
Carcinoma Pancreático
Carcinoma Gástrico
Policitémia Carcinoma Renal Eritropoetina
Hemangioma Cerebelar
Carcinoma Hepato-Celular
Sindromes Nervosos e Musculares
Miastenia Carcinoma Broncogénico Imunológico
Alterações do SNC e SNP Carcinoma da Mama
Altreacções Dermatológicas
Acantose Nigricans Carcinoma Gástrico Imunológico; Secreção de
Carcinoma do Pulmão Factor de Crescimento Epitelial
Carcinoma do Útero
Dermatomiosites Carcinoma Broncogénico e da Mama Imunológico
Alterações Ósseas, Articulares e do Tecido Conjuntivo
Osteoartropatia Hipertrófica Carcinoma Broncogénico Desconhecido
Alterações Vasculares e Hematológicas
Trombose Venosa (Sindrome de Carcinoma Pancreático Produtos Tumorais (Mucinas
Trousseau) Carcinoma Broncogénico que activam a coagulação)
Outros
Endocardite Trombótica Não- Cancros Avançados Hipercoagualibilidade
Bacteriana
Anemia Neoplasma Tímico Desconhecido
Outros
Sindreome Nefrótico Diversos Cancros Antigénios Tumorais e
Complexos Imunes

Classificação dos Tumores

Estes sistemas de classificação foram desenvolvidos para expressar, pelo menos em


termos semi-quantitativos, o nível de diferenciação, ou grau, e a extensão da disseminação de
um cancro no doente, ou a fase, como os parâmetros da gravidade clínica da doença.

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A classificação de um tumor é baseada no grau de diferenciação das células tumorais e


no número de mitoses dentro do tumor como presumível correlação entre a neoplasia e a sua
agressividade. Assim, os tumores são classificados como grau I a IV com o aumento da
anaplasia2. Os critérios para os diferentes graus variam de acordo com cada tipo de neoplasia
e, portanto, não são detalhadas aqui, mas todas as tentativas, no essencial, para avaliar em
que medida as células tumorais lembram ou não lembram seus homólogos normais. Embora a
gradação histológica seja útil, a correlação histológica entre a aparência e comportamento
biológico encontra-se muito longe de ser perfeita.
Devido a esta limitação e para evitar falsas quantificações, é prática comum para
caracterizar uma neoplasia em especial termos descritivos, por exemplo, bem diferenciado,
adenocarcinoma do estômago secretor de mucinas, ou altamente indiferenciados, tumor
maligno retro-peritoneal, provavelmente sarcoma. Em geral, com algumas excepções, como
sarcomas dos tecidos moles, a classificação de cancros revelou-se de menor valor do que tem
estadiamento clínico.

O estadiamento do cancro é baseado no tamanho da lesão primária, o seu grau de


disseminação para gânglios linfáticos regionais, bem como a presença ou ausência de
metástases por via sanguínea. Dois grandes sistemas de estadiamento estão actualmente em
uso, um desenvolvido pela União Internacional Contra o Câncer (UICC) eo outro pela American
Joint Committee (AJC).

A UICC emprega um sistema de classificação chamado o TNM:


- T, para o tumor primário;
- N, gânglios linfáticos regionais;
- M, metástases.
O estadiamento TNM varia para cada tipo de cancro, mas existem princípios gerais.
Com a crescente dimensão, a lesão primária é caracterizada como T1 a T4, T0 é adicionado
para indicar uma lesão no local. N0 significaria o não envolvimento de gânglios linfáticos,
enquanto N1 a N3 denotam o envolvimento de um maior número e variedade de gânglios. M0
significa sem metástases distantes, enquanto o M1 ou por vezes M2 indica a presença de
metástases por via sanguínea e um parecer sobre a sua quantidade.

A AJC emprega uma nomenclatura um pouco diferente e divide todos os cancros em


estádios de 0 a IV, incorporando dentro de cada uma destas etapas, o tamanho da lesão
primária, bem como a presença de metástases distantes e disseminação ganglionar.

O estadiamento da doença neoplásica tem assumido grande importância na escolha da


melhor forma de terapia para o paciente. Não é demais repetir que o estadiamento tem
provado ser de maior valor clínico além classificação. Em alguns casos, como no caso do cancro
pulmonar, o estadiamento tem sido muitas vezes auxiliado por técnicas de imagem, como a
tomografia de emissão de positrões – PET.

2
Anaplasia - um termo usado para descrever o processo de desdiferenciação de células
altamente diferenciadas em células pouco diferenciadas. É um processo característico de neoplasias
malignas.

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Biologia e Genética das Células


A revolução ao nível da investigação na área do cancro iniciou-se em meados do século
XIX, com a descoberta da molécula de dupla hélice de DNA por Watson e Crick’s, o que nos
nosso dias se alongou e aprofundou no sentido de compreender, através da biologia
molecular, como os genes podem determinar o fenótipo e função das células.
Já no século XIX, Darwin e Mendel, estabeleceram diversos contactos que nos dias de
hoje serviram como base da moderna biologia molecular.

Mendel Estabeleceu as Regras Básicas da Genética


Mendel defendia que a informação genética era passada de um organismo para outro,
estando esta organizada numa colecção discreta, separável em pacotes de informação a que
actualmente chamamos genoma e genes, respectivamente.
Apenas actualmente foi possível determinar com precisão o número de genes
presente no genoma dos mamíferos, onde os melhores estudos indicam 22000 genes, pouco
mais dos que os 19000 da Drosophila.
Mendel defendia ainda que diferentes partes anatómicas eram controladas por
diferentes genes, tendo como exemplo a cor e forma das sementes das ervilhas em que
realizou estudos.
A sua pesquisa levou à conclusão de que o conjunto dos genes – genótipo – poderiam
ser agrupados em pacotes de informação, por outro lado o que era observado – fenótipo –
poderia igualmente ser dividio num grande número de traços físicos e químicos. No entanto,
com as novas descobertas, nomeadamente de que alguns organismos de multiplicam de forma
assexuada, sem que exista recombinação, levou a que os princípios apresentados por Mendel
sofressem algumas alterações.

Mendel através das suas observações conclui que existiam duas cópias de cada gene
no genoma, o que actualmente, e no que toca aos organismos mais complexos, sabemos ser
verdade devido à presença de dois cromossoma homólogos – organismos diploides.
Actualmente estas duas cópias de um mesmo gene passaram a designar-se alelos, se
num mesmo organismo existirem duas cópias iguais de um mesmo gene ele denomina-se
homozigótico, no que respeita a esse gene. No caso de existirem duas cópias diferentes de um
mesmo gene esse organismo designa-se por heterozigótico.

O fenótipo é determinado tendo em conta um alelo dominar sobre o outro no caso de


serem diferentes, na maior parte dos casos, no entanto existem excepções a esta regra. Assim
sendo, o alelo que origina a característica que codifica, apesar da presença do outro,
denomina-se por dominante, e o outro recessivo.
Em alguns casos existem formas diferentes de manifestação do fenótipo, como é o
exemplo da dominância incompleta, onde é expressa uma característica intermédia entre os
dois alelos. No caso da co-dominância, ambos os alelos são expressos.

Teoria da Evolução de Darwin na prespectiva


Mendeliana
Inicialmente pensou-se que a variabilidade observada na natureza era devido a um
grande conjunto de diversos genes numa mesma espécie. Mais tarde percebeu-se que era

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possível a existência de erros e alterações na informação genética, que poderia originar esta
variabilidade – mutações.
Foi então atribuído às mutações, que permitiram
converter um alelo noutro, mas também originar novos
alelos, a razão de existir tamanha variabilidade.
Assim sendo, o alelo que se encontra presente na
maior parte dos indivíduos e que aparentemente são
saudáveis denomina-se alelo wild-type. Ao longo da
evolução as mutações alteraram o genoma, permitindo
dessa forma que surgissem novos alelos, e
consequentemente novos fenótipos, que por sua vez lhes
podem conferir alguma vantagem.
Ao conjunto dos genes de todos os membros de
uma espécie denomina-se pool genético, que por sua vez
se torna mais heterogéneo com o aumento e envelhecer Fig. 12 - DNA Humano (Vermelho -
da espécie. Sequência Codificantes; Amarelo -
Sequência Não-Codificantes)
Actualmente sabe-se que apenas 3,5% do genoma codifica proteínas pelo que as
restantes porções do genoma são não codificadoras. Sabendo que as mutações se dão de
forma aleatória, a maior parte das mutações irá dar-se nas regiões não codificantes, pelo que
não irá originar uma alteração fenotípica – mutações neutras – ou seja, que não causam
vantagem nem desvantagem.

Fig. 13 - Mutações Silenciosas ou Neutras

Com as técnicas de sequenciação chegou-se à conclusão de que existe em cada


indivíduo um padrão de mutações neutras, ou silenciosas, que nos permitem distinguir cada
indivíduo – polimorfismos genéticos.

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Interligação entre Genes e Cromossomas


O padrão de cromossomas – cariótipo – duplica a quando da divisão celular, no
entanto a existência de dois cromossomas está de acordo com as leis de Mendel e a existência
de dois alelos.
Os cromossomas são como que os pacotes de genes descritos por Mendel, sendo que
no caso do cromossoma 1, este agrupamento contém 3041 genes num único cromossoma.
Cada gene localiza-se num local específico do cromossoma, a que se denomina locus.

O estado diploide da maioria das células no nosso organismo não é encontrado ao


nível das células germinais, espermatozóides e oócitos. Nestas células existe apenas um
cromossoma de cada, denominando-se a célula por isso haploide, o que é possível devido à
segregação dos cromossomas homólogos. A quando da fecundação dá-se a junção de duas
células haploides que originam uma única célula diploide.

Também a regra da paridade dos cromossomas foi posta em


causa a quando da descoberta de que no sexo masculino o
cromossoma X emparelha com o cromossoma Y. Assim sendo, os
cromossomas restantes, que de facto se encontravam dispostos em
pares homólogos, denominam-se autossomas. Esta condição traduz-
se numa desvantagem para os indivíduos do sexo masculino, que não
possuem dois alelos para cerca de 900 genes que o cromossoma X
possui a mais em comparação com o cromossoma Y. no caso de exisrir
uma mutação num destes genes não existe possibilidade de
compensação por parte do outro alelo. Fig. 14 - Cromossomas X e
Y

Alteração dos Cromossomas na maior parte dos


Cancros
Sabe-se que nas células cancerígenas existem
cromossomas com estruturas aberrantes, que podem ir
desde a perda total de um cromossoma, à presença de
um cromossoma extra ou à fusão de diferentes
cromossomas.
Existe por isso uma influência das mutações na
estrutura dos cromossomas. A estrutura e número
normal dos cromossomas apresenta-se como um
cariótipo euploide, alterações no número ou estrutura
originam aneuploidias. Estas por sua vez são detectadas
com muita frequência em células cancerígenas.
Alterações que ocorreram nas células
autossómicas não são transmitissíveis, no entanto no Fig. 15
16 - Cariótipo Euploide
Normal
caso de ocorrerem na linhagem germinal podem ser
transmitidas à descendência.

Genótipo manifesta o Fenótipo através das Proteínas


As proteínas conseguem determinar o fenótipo de diversas formas, nomeadamente
através da determinação da citoarquitetura e citoesqueleto, por outro lado ao serem
secretadas podem constitui a matriz extracelular. Algumas proteínas apresentam função
enzimática, catalisando reacções bioquímicas, que de outro modo não ocorreriam em tempo

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útil. Podem ainda desempenhar um papel importante na contracção e motilidade celular, o


que é particularmente relevante na disseminação
do tumor para outras partes do organismo.
Algumas proteínas têm ainda a capacidade
de permitir a comunicação entre diversas células e
conduzir o sinal desde a membrana até ao seu
ponto de acção – transdução de sinal. Em muitos
tumores existem alterações nestas vias de
transdução de sinal.

Nas células mais complexas, que sejam


eucariotas, ou procaritas, o DNA é transcrito em
RNA, sendo que um gene está a ser transcrito diz-
se que é expresso, e um que não esteja diz-se
reprimido. Após este processo o RNA é traduzido
nos ribossomas numa sequência de aminoácidos,
originando uma proteínas.
Existem depois modificações pós-
traducionais, que podem incluir a adição de grupos
específicos a determinados aminoácidos, a
clivagem por proteases ou a alteração da sua
conformação.
Fig. 17 - Processo de Transcrição, Processamento Nas células eucariotas a síntese de RNA é
e Tradução um processo complexo, que se inicia com a
transcrição de uma longa cadeia de DNA,
originando-se igualmente uma longa cadeia de RNA. Existem regiões nesta cadeia que não irão
ter impacto na molécula final de RNA, e como tal serão descartados – intrões -, por outro lado
as regiões que codificam a proteína pretendida são mantidas – exões – e unidas num processo
denominado splicing. Esta molécula antes de sofrer estas alterações denomina-se pré-mRNA,
e após o seu processamento e exportação para o citoplasma passa a designar-se RNA
Mensageiro ou mRNA.

Existem genes que permitem manter a célula viva, sendo estes comuns a todas as
células, e outros são específicos de cada tecido sendo apenas expressos nesses locais. Sabe-se
hoje que entre 10000 a 15000 genes são necessários para a estabilidade e funcionalidade da
células e apenas 1000 pelo seu fenótipo diferenciado.

Controlo da Expressão Genética pelos Factores de


Transcrição
O processo de diferenciação implica que um grande número de genes sejam expressos
de forma coordenada e controlada, o que é realizado por intermédio dos Factores de
Transcrição. Estes actuam ligando-se a regiões específicas – sequência motif – com 5 a 10
nucleótidos, e promovendo a transcrição dos genes por recrutamento da RNA Polimerase II, ou
bloqueando a sua transcrição por impedir a ligação da mesma.
A região de controlo contém sequências curtas de DNA que pela ligação dos factores
de transcrição controlam a expressão dos genes – enhancers. Numa região próxima do gene, o
promotor, onde se irá ligar a RNA Polimerase II, juntamente com um grande número de
factores de transcrição, marca o local onde se inicia a transcrição.
A capacidade de um único factor de transcrição induzir diversas e complexas
alterações no programa de expressão de uma célula conferem-lhe características pleiotrópicas.

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Fig. 18 - Complexo Transcripcional

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A Natureza do Cancro
Os Tumores provêm de Tecidos Normais
A descoberta de que todas as células do nosso organismo têm origem uma única célula
ajudou-nos a compreender o facto de que os tumores têm origem nos tecidos. Esta suposição
foi confirmada pela análise histológica de tecidos normais e histopatológica de tumores.
No entanto era difícil explicar como determinados tumores poderiam dar origem a
outros tumores em locais distantes, mas a comparação entre ambos os tumores permitiu
concluir que tinham origem num mesmo tecido. Assim, passou a designar-se o tumor inicial
como tumor primário, e os restantes, desde que com origem no tumor primário, como
metástases.

A histopatologia permitiu estabelecer uma relação entre as características clínicas e


microscópicas de um tumor. A principal caracterização que se estabeleceu, e que permitiu
dividir os tumores em dois grandes grupos, foi a de que os tumores que não invadem os
tecidos adjacentes e crescem localmente denominam-se tumores benignos, e os que invadem
estruturas vizinhas e originam metástases designam-se tumores malignos.
A maior parte dos tumores humanos primários são benignos e inofensivos para o
hospedeiro, com excepção das massas que comprimem outros órgãos, e que apesar de
histopatologicamente benignos podem colocar em risco a vida do hospedeiro. Por outro lado,
existem alguns tumores benignos que causam desequilíbrios no organismo e originam
manifestações clínicas devido à produção de elevadas quantidades de hormonas, sendo
chamados de adenomas. Como exemplo temos o adenoma da tiróide que pode originar
situação de hipertiroidismo, ou de adenomas na hipófise que podem levar a um aumento da
libertação de hormona do crescimento cirando uma situação de acromegalia.

A morte por tumores benignos é relativamente rara, sendo por isso a maior parte das
mortes devido a tumores malignos, e que em 90% dos casos está associada à existência de
metástases.

Os Tumores têm origem em diversas Células


Diferenciadas
A maior parte dos tumores humanos são de origem epitelial, sendo os epitélios na
maior parte dos casos constituídos por diversas camadas de células sobrepostas ou
justapostas, que por sua vez estão assentes sobre a membrana basal que as separa do estroma
do órgão em questão.
Os tumores epiteliais designam-se genericamente por carcinomas, sendo
extremamente frequentes e responsáveis por cerca de 80% das mortes por cancro no mundo
ocidental. Este tipo de tumores pode ter origem nos três folhetos germinativos:
- Endoderme (ex. Epitélio Gástrico);
- Ectoderme (ex. Epiderme);
- Mesoderme (ex. Ovários).

Podemos assim concluir que não nos é possível definir qual a origem embrionário de
um tumor pela sua classificação histológica. A maior parte dos carcinomas pode ser dividido
em dois grandes grupos:

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- Carcinomas Pavimento-Celulares, com origem em células epiteliais cuja função é a


formação de uma camada celular com a finalidade de proteger;
- Adenocarcinomas, cujas células têm como função secretar substâncias para ductos
ou cavidade que revestem.

Os restantes tumores malignos têm origem em tecidos não-epiteliais, sendo que o


maior grupo deste forma-se a partir de diversos tecidos conjuntivos, ou seja, com origem na
mesoderme, e que no seu conjunto intitulam-se de sarcomas. Este subgrupo de tumores
representa cerca de 1% dos tumores observados em oncologia clínica, e podem ter origem em
diversas células mesenquimatosas, que vão desde os fibroblastos, aos adipócitos,
osteoblastos, miócitos e endotélio.

O segundo grupo de tumores não epiteliais surge nos diversos tecidos que constituem
o sangue, ou seja, tecidos hematopoiéticos, quer na linhagem eritrocitária, que na leucocitária.
O termo leucemia refere-se às linhagens malignas destas células que circulam livremente e
não são pigmentadas, contrariamente aos eritrócitos. Os linfomas são tumores da linhagem
linfóide que formam agregados sólidos, frequentemente nos gânglios linfáticos, mas também
em outros locais.

O terceiro grupo de tumores não-epiteliais tem origem nas células que formam o
sistema nervoso central e periférico, sendo derivados da neuroectoderme. Nestes tumores
incluem-se os gliomas, glioblastomas, neuroblastomas, shawanomas e meduloblastomas.
Apesar de constituírem apenas 1,3% dos tumores diagnosticados, representam 2,5% das
mortes por cancro.

Outras Categorias de Tumores


Nem todos os tumores podem ser incluídos nos quatro grupos atrás referidos, como é
exemplo dos melanomas. Os melanócitos derivam da crista neural, o que apesar de a sua
origem próxima das células neuronais, não se verifica o mesma na sua localização no
organismo adulto. Estas células localizam-se na base do epitélio da pele ou ao nível da retina.
Outro exemplo é o tumor de pequenas-células do pulmão, cujas células têm
propriedades neurosecretoras, idênticas às das localizadas na glândula supra-renal.

Esta alteração na linhagem tecidual, que resulta num novo conjunto de características
é denominada transdiferenciação. Este fenómeno diz-nos que apesar de durante o
desenvolvimento embrionário as células serem direccionadas para uma linhagem isso não
indica que este processo não seja irreversível. Em determinadas condições uma célula pode
mover-se de uma linhagem para outra.

No caso dos carcinomas, as células localizadas nos limites de transição podem alterar
drasticamente a sua forma e programa de expressão, alterando desta forma o seu fenótipo, e
adquirindo características mesenquimatosas – transição epitélio-mesenquima. Esta
capacidade implica uma grande plasticidade por parte das células epiteliais que habitualmente
estão completamente comprometidas com a linhagem epitelial. Esta transformação muitas
vezes acompanhada e é indicadora da invasão dos tecidos adjacentes pelo carcinoma.

Apesar desta enorme capacidade que os tumores possuem para se desviarem do


processo normal de crescimento celular, na maior parte dos casos eles mantêm características
que permitem aos patologistas, mesmo sem ser conhecido o local anatómico onde foi
realizada a biopsia, determinar o tecido de origem do tumor.

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Num pequeno número de casos, entre 1 a 2%, isto não se verifica, ou seja, os tumores
perdem todas as suas características específicas. Neste casos passam a ser designados
tumores desdiferenciados, e estando globalmente incluídos no grupo dos tumores
anaplásicos.

Desenvolvimento dos Tumores é Progressivo


Entre os dois extremos, tumores de baixo grau ou de elevado grau, ou seja, com baixa
malignidade e com alta malignidade, existe todo um espectro de morfologias intermédias.
Estes diferentes estádios podem reflectir que estes tumores estão em fases diferentes de
evolução, apresentando graus de agressividade e capacidade de invasão distintos.

Alguns tumores apenas apresentam células que são ligeiramente diferentes das
normais, salientando-se apenas um aumento marcado no número de células – tumores
hiperplásicos.

Outro tipo de alteração


mínima é a presença de um tipo
celular que habitualmente não se
encontra presente naquele local –
metaplasia -, o que se deve a uma
alteração na diferenciação das
células estaminais desse tecido,
muitas vezes como resposta a uma
agressão prolongada no tempo.
Este tipo de alteração é mais
comum em locais de transição de
dois epitélios, do qual salientamos
a transição esofágico-gástrica. Fig. 19 - Metaplasia de Barrett
Neste caso em particular temos o Esófago de Barrett, caracterizado pela substituição do
epitélio pavimentoso por epitélio secretor do tipo gástrico, o que pode representar uma
transformação pré-maligna. Apesar da morfologia totalmente normal do epitélio, esta
metaplasia é considerada um passo inicial para o desenvolvimento de carcinoma do esófago, o
que comprova pelo risco aumentado em cerca de 30 vezes dos indivíduos com esta condição
de desenvolverem carcinomas malignos.

Um outro tipo de alteração, um pouco menos dentro dos parâmetros de normalidade,


é a displasia. Nesta situação habitualmente existem alterações citológicas, o que indica uma
alteração permanente na célula. Estas alterações incluem variações no tamanho do núcleo,
aumento da fixação de corantes ao nível do núcleo, aumento da relação núcleo-citoplasma,
aumento da actividade mitótica e perda de estrutura citoplasmática habitual das células
diferenciadas. Quer as alterações ao nível do número, quer ao nível da morfologia das células,
combinadas contribuem para um desvio da
normal arquitectura do tecido em questão. A
displasia é considerada uma transição entre um
crescimento completamente benigno e um
estado pré-maligno.

Ainda menos dentro da normalidade é o


crescimento dos tecidos epiteliais denominado
genericamente por pólipos ou papilomas. Estas
Fig. 20 - Mestástases Hepáticas

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alterações podem ser detectadas a olho nu, e contêm todas as células existentes no tecido
normal. Ao serem analisadas ao microscópio, este tipo de crescimento adenomatoso
apresenta características displásicas, no entanto o crescimento pára num determinado ponto e
respeita os limites da membrana basal. Até que a membrana basal seja infringida, este tipo de
alteração é considerada benigna.

O próximo passo dá-se quando o


tumor invade a membrana basal, o que pela
primeira vez põe em risco potencial a vida do
hospedeiro e classifica o tumor como maligno.

Quando as células do tumor primário


são disseminadas para outros locais do
organismo, denominando-se este processo
por metastização, esses tumores secundários
designam-se metástases. Este processo é
altamente complexo e dependendo da
capacidade de invasão do tumor e da sua
penetração nos vasos sanguíneos e linfáticos.

Estes diferentes pontos no Fig. 21 - Progressão Tumoral


desenvolvimento de um tumor indicam-nos a
existência de um progressão tumoral, que tem início com o tecido normal, evoluindo
sucessivamente para, hiperplásico, displásico, neoplásico e metastático.

Os Tumores são Monoclonais


A melhor forma de determinar
se existe um ancestral comum nos
tumores é através da análise de uma
mutação que marque as células de
forma única. Caso esteja presente uma
mutação comum em todas as células,
existe uma forte evidência de que uma
célula inicial deu origem a toda a
massa tumoral, denominando-se este
tumor como monoclonal. Se na
população tumoral existirem
subpopulações com diferentes
patrimónios genéticos, ou seja, que
apresentem diferentes mutações da
estudada, o tumor pode ser
considerado policlonal.

A primeira experiência que se Fig. 22 – Monoclonalidade vs. Policlonalidade


realizou neste campo foi baseada
num fenómeno epigenético, a inactivação do cromossoma X , de forma aleatória, no início da
embriogénese feminina. Esta inactivação é manifestada pela condensação de um dos
cromossomas no corpúsculo de Barr, sendo igual em todas as células descendentes.
O gene da G6PD está localizado no cromossoma X, para o qual 30% das mulheres Afro-
Americanas são heterozigóticas, sendo possível distinguir as isoformas do enzima por

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electroforese. O primeiro estudo foi realizado em leiomiomas, e indicou-nos que todas as


células tinham um progenitor comum, sendo um argumento a favor da monoclonalidade
tumoral.
Outra das evidências foi obtida através do
estudo de mielomas derivados de plasmócitos, onde
se verificou a produção de uma mesma
imunoglobulina por todas as células tumorais.
Sabendo que o rearranjo que origina a
especificidade de uma imunoglobulina é realizado de
forma aleatória, esta observação aponta, mais uma
vez, para a monoclonalidade tumoral.

A juntar a estas descobertas, verificou-se que


nos tumores onde se verificavam translocações
cromossómicas, um fenómeno muito pouco
frequente e aleatório, o padrão da translocação era
igual e mantido em todas as células tumorais,
apontando mais uma vez para um ancestral comum e
para a monoclonalidade.

Apesar destes indícios, actualmente,


defende-se que a génese tumoral é um pouco mais
complexa. No caso de inicialmente existirem dez
células com fenótipo tumoral, que por sua vez se irão
dividir de forma descontrolada e originar uma massa
de células policlonais. No entanto, o tempo para que
Fig. 23 - Padrão de Inactivação do uma população celular duplique é uma característica
Cromossoma X num Tumor única de cada célula, e poderia neste caso conduzir a
uma ocultação da verdadeira origem policlonal do
tumor. Assim sendo, das dez células iniciais, a que possui um tempo de duplicação menor vai a
longo prazo dominar a população tumoral e dar a impressão de que a mesma é monoclonal.
Perante esta informação torna-se difícil e perigoso avaliar esta questão tendo por base
tumores em estado avançado.
Por outro lado, a instabilidade
genómica característica das células tumorais,
devido á sua elevada taxa de proliferação,
tornam esta análise ainda mais complexa.
Mesmo que no início a população tumoral seja
relativamente homogénea, com o passar do
tempo, as inúmeras divisões e a elevada taxa de
mutação, tornam a população facilmente
heterogénea. Neste caso um tumor
inicialmente monoclonal irá apresentar no seu
estado mais avançado uma aparência
policlonal.

Perante estes diferentes pontos de


vista e análises, e com base nas melhores evidências, é actualmente do consenso geral que na
maior parte dos tumores existe um precursor Fig. 24 - Translocações Cromossómicas num Tumor
comum.

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Frequência do Cancro nas Diferentes Populações


A natureza do cancro parece indicar que se trata de uma doença caótica com origem
na desregulação do equilíbrio normal do organismo, mais especificamente no quando e onde
as células se devem dividir. A existência de mais de 1013 células com capacidade de se
multiplicarem explica o elevado risco de que uma delas comece a dividir-se de forma
descontrolada.

Esta informação aponta para um risco biológico constante e igual em todos os seres
humanos, no entanto sabemos que para alguns cancros as taxas de incidência são diferentes
entre populações distintas, o que para outros não se verifica. Estas conclusões levam-nos a
uma necessidade de investigar a forma como os cancros são formados.

Entre os mais de 100 tipos


de tumores humanos sabe-se que
alguns são esporádicos e aleatórios,
em particular os tumores
pediátricos, mas que outros vêem a
sua incidência muito aumentada em
populações particulares.
Podemos assim apontar a
hereditariedade e o ambiente como
responsáveis por estas diferenças.
Sabemos que de entre estes dois
factores o ambiente é
preponderante, o que se comprova
pelo reduzido número de tumores
hereditários, comparativamente aos
que existe evidência epidemiológica
de serem influenciados pelo Fig. 25 - Incidência do Cancro por Populações e Período
ambiente. Diversas investigações
realizadas neste campo, em particular com populações emigrantes, concluíram que o estilo de
vida e o ambiente é sem margem de dúvida o factor com maior peso. O exemplo
paradigmático destas investigações baseou-se na população Japonesa que emigrou para os
EUA, o que conduziu a uma acentuada redução do carcinoma gástrico, com uma elevada
prevalência no Japão, e que nesta população emigrante passou a ter incidência idênticas às da
população nativa dos EUA.
Um outro dado reforça esta ideia, sabe-se hoje, que em média, é possível reduzir em
50% a incidência e em 10% a mortalidade de cancro apenas com alterações ao nível do estilo
de vida.

Dada a elevada probabilidade de desenvolver um tumor, como consequência de uma


taxa de divisão quase constante, a nosso organismo desenvolveu mecanismos e defesas que
nos permitem viver os 70 a 80 anos esperados sem nenhuma destas ocorrências.

Estilo de Vida e Aumento do Risco de Cancro


A primeira evidência de que um determinado comportamento está associado a um
aumento do risco de cancro foi documentada por Jonh Hill, em 1761, relacionando o cancro
nasal com o cheirar tabaco. Com o passar dos anos diversas exposições ocupacionais foram

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associadas a tumores, como é o aumento do risco de cancro dos pulmões em mineiros, ou o


famoso aumento da incidência de cancro escrotal nos limpa chaminé.
Também o número de partos foi relacionado com o cancro da mama, sendo o risco
cerca de 6 vezes menor em mulheres multíparas.

Talvez a maior evidência nesta área tenha sido conseguida através de um estudo
epidemiológico realizado entre 1949 e 1950, em que dois grupos, um de fumadores intensos e
outro de não-fumadores, foram analisados. Concluiu-se que o risco de desenvolver cancro do
pulmão era 20 vezes superior no grupo fumador.

Após este marco, diversas substâncias e estilos de vida foram associados a tipos
específicos de cancro, e em alguns foi mesmo possível identificar e compreender o mecanismo
por destras deste aumento da incidência.

Agentes Químicos como Carcinogéneos


O condensado de alcatrão foi implicado na indução de cancro da pele em coelhos nos
trabalhos de Pervicoll Pott. Verificou-se que pintar de forma repetida áreas localizadas da pele
das orelhas, após vários meses, induz a formação de carcinomas.
Em 1940, um químico britânico purificou diversos componentes do alcatrão que são
particularmente carcinogénicos, o que foi comprovado pela sua capacidade de induzir cancro
da pele em ratos, através de experiências idênticas à que foi atrás descrita.

Estas experiências indicam que alguns compostos químicos têm a capacidade de


induzir alterações nos tecidos e células, e em último caso fazer emergir o cancro. O mesmo se
verifica com os raios x, mas através de mecanismos diferentes.
Em simultâneo algumas linhas de investigação indicavam que o cancro poderia ter
origem infecciosa. Nesta data a causa do cancro estava indicada como sendo através da acção
de agentes químicos, físicos ou vírus.

Agentes Químicos e Físicos como Mutagénicos


A confusão presente pelas três teorias anteriormente apresentadas foi reduzida
significativamente com a descoberta de que o genoma poderia ser mutável, em particular por
alguns agentes.

No final da 2ª Guerra Mundial diversos agentes foram identificados como sendo


mutagénicos, e mais tarde muitos destes como carcinogénicos em animais de laboratório.
Estas descobertas levaram à especulação de que o cancro era uma doença derivada de
mutações genéticas, e os agentes carcinogénicos induziam a formação de tumores pela sua
capacidade de gerar mutações.

Em 1975, Bruce Ames, após diversas experiências que tentavam explicar melhor a
relação entre os agentes mutagénicos e carcinogénicos, desenvolveu um método que
pretendia quantificar a potência mutagénica de um determinado agente.
O método por ele desenvolvido baseava-se na análise do número de colónias de
Salmonella que cresciam após a exposição ao químico em análise. Para tal, foi utilizada uma
estirpe mutante de Salmonella que não possuía a capacidade de crescer num meio pobre em
histidina. Este alelo mutante, que originava este fenótipo, era susceptível de através de uma
mutação regressar à sua forma wild-type. Assim, sempre que a forma wild-type do alelo era

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formada após a exposição ao mitogénico, a bactéria adquiria a capacidade de crescer no meio


selectivo de Ames.
Perante este modelo surgiu uma barreira à sua eficácia na medição da potência
mutagénica dos agentes químicos, a qual se devia ao facto de muitas das substâncias apenas
se tornavam activas após metabolização. O composto inicial era fraco como mutagénico, mas
após metabolização tornava-se altamente reactivo e com capacidade de interagir com o DNA,
RNA e proteínas.
O composto inicial foi denominado pró-carcinogéneo, o que indica a sua capacidade de
após metabolização se tornar num carcinogéneo activo, ou seja, de originar o carcinogéneo
final.

Esta informação obrigou Ames


a introduzir um extra na sua
experiência. Os agentes eram
misturados inicialmente com um
homogeneizado de fígado de rato,
sendo esta mistura posteriormente
adicionada à placa de Petri onde tinha
previamente sido cultiva a estirpe
mutante de Salmonella. Esta alteração
permitiu resultados fantásticos, que
levaram à conclusão de que muitos dos
carcinogéneos eram de facto
mutagénicos. Ainda mais importante,
que existir uma relação entre a
potência mutagénica e a sua
capacidade de induzir um tumor.
Este trabalho de Ames conclui
que os carcinogéneos eram igualmente
mutagénicos, o que por ser vez poderia
se responsável pelos fenótipos
aberrantes nas células cancerígenas.
Fig. 26 - Teste de Ames Actualmente este teste é utilizado em
testes da indústria farmacêutica, nas fases pré-clínicas, no entanto apresenta uma baixa
sensibilidade (54%) e uma especificidade um pouco superior (70%).

Alguns Mutagénicos associados a Cancros Humanos


Ainda não é bem conhecido a ligação entre os agentes mutagénicos e o cancro em
humanos, no entanto sabe-se que muitos agentes químicos e físicos, especialmente os pró-
carcinogéneos, são responsáveis por algumas neoplasias.
Muitos alimentos ou compostos gerados durante a sua preparação têm a capacidade
de induzir cancro, sabendo que muitos apenas são activos após metabolização hepática ou
pelas bactérias existentes no cólon.

Apesar das investigações indicarem que todos os mutagénicos são carcinogénicos,


sabe-se que o contrário não se verifica.

É difícil comprovar que muitos dos alimentos por nós ingeridos são mutagénicos, e por
isso carcinogénicos. Isto deve-se ao facto de o número de substâncias contidas nos alimentos
ser incalculável e altamente diversificado. Por outro lado estas substâncias são intensamente

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processadas, metabolizadas e excretadas, o que torna ainda mais complicado avaliar o seu
papel e peso na carcinogénese humana.
No entanto outras substâncias como os benzemos, o alcatrão, tabaco, asbestos,
amilinas e diversos metais ou minerais radioactivos, são comprovadamente indutoras de
diversas neoplasias.

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Vírus Oncogénicos
Os vírus são capazes de causar um grande número de doenças humanas, desde a raiva
e a varíola, à comum constipação. Na maior parte destes casos o agente tem a capacidade de
se multiplicar no interior das células do hospedeiro, provocar a morte da células infectada e
libertas dessa forma novas partículas virais, que por sua vez vão infectar as células vizinhas.
Alguns vírus possuem um ciclo replicativo que leva as células hospedeiras entrem em
proliferação de forma forçada e descontrolada, podendo desta forma originar um tumor, no
seu conjunto denominam-se vírus oncogénicos.

Foi em 1870 que esta questão foi intensamente estudada, o que se devia à crença de
que o cancro era uma doença infecciosa causada por vírus, apesar do número de cancros em
que existia evidência da presença e interferência de vírus fosse diminuta. No entanto esta
linha de investigação permitiu que muitas das incógnitas sobre o cancro fossem
compreendidas, mesmo nos casos dos tumores sem ligação a vírus.

A principal razão para estas estudo era o desejo de compreender como os vírus,
contendo apenas uma pequena molécula de DNA ou RNA, com um reduzido número de genes
em comparação com a célula hospedeira, conseguiam induzir a transformação tumoral nas
mesmas,
Perante este objecto de estudo a hipótese mais provável era de que estes vírus
possuíam pequenos genes, mas extremamente potentes, com a capacidade de desregular o
ciclo celular.

Peyton Rous e o Vírus do Sarcoma das Galinhas


Nos últimas duas décadas do século XIX, foram descobertas por Louis Pasteur e Robert
Kock diversos agentes infecciosos, tendo estes sido divididos em dois grandes grupos distintos,
dependendo das suas características de filtração. As soluções contendo agentes infecciosos
que eram retidas no filtro foram classificadas como bactérias, e os que atravessaram o filtro
como vírus.
O cancro foi igualmente candidato a agente infeccioso, dadas as inúmeras experiências
realizadas em que após transplante de um tumor de um hospedeiro para outro saudável, o
segundo vinha a desenvolver esse mesmo tumor.

Em 1908, foi possível pela primeira vez extrair com sucesso um agente filtrável das
células leucémicas da galinha, que ao ser inoculado noutro hospedeiro induzida essa mesma
doença.
Em 1909, Rous iniciou o seu estudo num sarcoma com origem no músculo do peito da
galinha. Inicialmente obteve sucesso ao implantar em hospedeiros saudáveis fragmentos do
tumor, desenvolvendo um tumor nos novos hospedeiros. Mais tarde criou um homogeneizado
em areia de fragmentos de sarcoma e filtrou-os, injectando o que dai resultou em outras aves,
originando-se com sucesso um sarcoma. Realizou a mesma experiência nos sarcomas que
surgiram nestes segundo hospedeiros, e os resultados foram um sucesso, ou seja, o filtrado foi
capaz de induzir novamente o sarcoma.
Estes acontecimentos foram explicados pelo facto de um vírus oncogénico ser capaz de
atravessar o filtro, indo infectar as células do novo hospedeiro e o originando dessa forma um
tumor. Ao realizar a mesma experiência de novo, utilizando as células do tumor do segundo
hospedeiro, o número de vírus seria superior dada ao tempo de replicação superior, o que

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poderia explicar a capacidade de induzir num período menor o mesmo sarcoma noutros
hospedeiros.
Em 1911, Rous publicou o seu trabalho, tendo este vírus sido apelidado por Vírus do
Sarcoma Rous (RSV), e em simultâneo outro vírus foi associado aos mixomas em coelhos. Mais
tarde muitos outros vírus foram associados a tumores, nomeadamente outros tumores em
galinhas.

Fig. 27 - Experiência de Rous

Estas descobertas, juntamente com a associação feita em 1913 por Dane Johannes
Grib Fibiger, galardoado com um prémio Nobel em 1926, de que existe uma associação entre a
presença de espiroquetas e o cancro gástrico, reforçavam a ideia de que o cancro era uma
doença infecciosa.
Mais tarde esta descoberta de Friger foi posta em causa, e a ideia de que os tumores
eram causados por vírus ou outros agentes infecciosos ficou adormecida por muitos anos, tem
sido substituída pela hipótese de que estes eram induzidos por substâncias químicas.

O RSV Transforma as Células em Cultura


Alguns estudos associaram a infecção de fibroblastos de embriões de galinha por RSV
com a capacidade de sobreviverem por um período de tempo indefinido, e mais importante
que isso, as células apresentavam alterações fenotípicas observadas em células cancerígenas.
Quando observadas ao microscópio, estas células eram idênticas às isoladas de
sarcomas em galinhas, com uma morfologia arredondada e metabolismo sobreponível.
Conclui-se assim que o processo de transformação, ou seja, a conversão de uma célula normal
numa célula tumoral, era possível numa placa de Petri, e não apenas num tecido viável.
Esta descoberta mudou radicalmente a visão sobre o estudo do cancro, permitindo o
seu estudo em laboratório, passando o cancro a ser visto cada vez mais como uma doença da
célula e não como um desenvolvimento anormal dos tecidos.

Seguiram-se diferentes estudos que compararam as células normais e as infectadas


com o RSV, ou seja, após o processo de transformação. As células normais cresciam de forma
concêntrica e preenchiam toda a superfície da placa de Petri, originando colónias confluentes,
mas que paravam de crescer quando era desenvolvida uma camada única de células –
monocamada celular. Esta paragem do crescimento resulta da chamada inibição por
contacto, inibição por densidade ou topo-inibição. Assim sendo, uma elevada densidade
celular ou o contacto com as células vizinhas causava uma paragem no crescimento celular das
mesmas. Este cenário contrastava com o que se observava nas células transformadas, não
existia inibição de crescimento quer por contacto, quer por densidade. Este facto originava
multicamadas de células, o que em alguns casos era de tal modo exuberante tornando estas
colónias visíveis a olho nu.

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As células com origem num único foco


tinham um progenitor comum, o que levou à
hipótese de que no organismo in vivo, uma
célula sofre transformação e origina um
crescimento anormal de grandes proporções,
mas monoclonal. Esta hipótese teria de mais
tarde vir a ser analisada por métodos
moleculares, para que a sua veracidade fosse
comprovada.

A presença de RSV é
necessária para a manter a
Transformação
Fig. 28 - Transformação em Cultura
A célula inicialmente infectada sofria
transformação e este fenótipo era transmitido às células descendentes, no entanto não se
encontrava esclarecido se tal se devia à presença do RSV ou a uma mudança na célula
progenitora que era transmitida às descendentes.
Para analisar esta questão foi criado um RSV mutante que tinha a capacidade de
transformar células a 37ºC, mas não a 41ºC. Assim as células seriam permissivas a 37ºC,
permitindo a transformação das mesmas, no entanto caso mais tarde a temperatura fosse
alterada para 41ºC, as células tornavam-se não permissivas, adquirindo rapidamente
características e padrões das células que não tinham contacto com o RSV, ou seja, o seu
fenótipo revertia.

Conclui-se desta forma que, no caso particular do RSV, a presença dos genes de
transformação é necessária para iniciar e manter o fenótipo tumoral nas células infectadas.

Fig. 29 - Demonstração da Necessidade de Permanência do Genoma Viral

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Vírus de DNA também podem ser Oncogénicos


Com o avançar das pesquisas novos vírus foram implicados na carcinogénese, dos
quais se destacam os que causam papilomas, na maior parte das vezes lesões benignas, mas
que em alguns casos origina lesão malignas, neste caso carcinomas pavimento-celulares.
Estes vírus, que no seu conjunto foram designados Vírus do Papiloma Humano (HPV),
contrariamente ao RSV possuíam DNA em vez de RNA. Muitos outros vírus de DNA foram
associados a tumores, em particular o SV40, da família dos poliomavírus, que foi encontrado
como um contaminante da vacina da poliomielite, e que tinha a capacidade de induzir
alterações idênticas às do RSV.
Tanto os adenovírus como o SV40 possuem uma característica interessante, quando
infectam células permissivas têm propriedades líticas, no entanto ao infectarem células não-
permissivas desenvolvem-se de forma lenta e podem levar à transformação das mesmas.

A simplicidade e reduzido tamanho dos genes dos papovavírus, no qual se viria a


incluir o SV40, tornaram-nos num objecto de estudo fundamental e permitiram compreender
que um reduzido número de genes poderia ser responsável pela transformação celular das
células. No entanto não pode ser deixado de lado o estudo dos genomas mais complexos de
células tumorais que não tenham relação com infecções virais.

Vírus Oncogénicos induzem alterações no Fenótipo


As células transformadas pelo RSV ou o SV40 adquirem alterações profundas na sua
morfologia, bem como a perda da inibição por contacto, ou ainda a perda da necessidade de
complexas misturas de factores séricos e de crescimento para a sua proliferação.

Outra das marcas de transformação é a capacidade de proliferar de forma indefinida


em cultura, o que não acontece com as células normais, e como tal estas células são descritas
como sendo imortalizadas. As células normais são dependentes do contacto, ou seja, apenas
crescem quando estão em contacto com uma superfície sólida; por outro lado, as células
transformadas são capazes de crescer em suspensão sem um substrato sólido, ou seja, o seu
crescimento é independente do contacto.

O fenótipo de tumorgenicidade representa o teste máximo que indica que uma célula
adquiriu completamente características neoplásicas. Este teste é dado positivo quando células
são transformadas in vitro e são posteriormente injectadas num organismo, da mesma estirpe
que o original, e não se verifica rejeição das mesmas

O reduzido tamanho do genoma de RNA do RSV e outros vírus mostra-nos que um


número relativamente pequeno de genes tem a capacidade de induzir alterações variadas na
célula. Esta capacidade denomina-se por acções pleiotrópicas, ou seja, um reduzido número
de genes com origem nos oncovírus que induzem transformação actuam de forma pleiotrópica
numa variedade de alvos moleculares nas células.

Integração do Genoma de Oncovírus no DNA Celular

Como foi referido anteriormente a presença de genoma viral é necessário para que o
fenótipo de transformação seja mantido, caso o genoma seja removido, o fenótipo regride.
Esta ideia foi reforçada pelo facto de que determinados antigénios apenas eram encontrados
num mesmo tipo de tumores caso este fosse induzido por um vírus oncogénico, o mesmo não
se verificando se o tumor fosse induzido por outro agente. Nos casos em que as células

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transformadas perdiam a expressão destes antigénios – Antigénio T – também o fenótipo


regredia, ou seja, as células voltavam ao seu estado normal.

A grande questão levantada era a de como o genoma viral poderia ser transmitido de
forma eficiente e indefinida no tempo da célula progenitora para as descendentes. Este
problema era agravado pelo facto de que o mecanismo replicativo entre as células e vírus ser
muito distinto, no entanto sabia-se no ciclo lítico nas células permissivas o genoma viral era
replicado em autossomas, ou seja, moléculas de DNA extra-cromossómicas.
Permanecia a dúvida no que toca às células não-permissivas, sendo este puzzle
resolvido em 1968 a quando da descoberta de que o genoma viral estava associado ao DNA
cromossómico. Utilizando técnicas de centrifugação conclui-se que o genoma do SV40 não
precipitava em pequenas moléculas, como era previsível, mas sim em grandes moléculas em
associação com os cromossomas das células.

Fig. 30 - Integração do Genoma Viral

A integração do genoma viral nos cromossomas celulares era um passo fundamental


para a transformação celular. Desta forma cada vez que durante a fase S o DNA cromossómico
era replicado, também o genoma viral era replicado, podendo desta forma ser transmitido
para as células descendentes.

Estas conclusões tornaram-se mais evidentes uns anos mais tarde com a associação da
presença de fragmentos do genoma do HPV em 99,7% dos carcinomas do colo do útero.
Verificou-se no entanto que estes fragmentos na maior parte dos casos apenas possuíam a
porção do genoma viral onde se encontram os oncogenes, deixando de parte os genes
responsáveis pela estrutura da partícula viral.

O Genoma dos Retrovírus é Integrado nos Cromossomas


das Células Infectadas
Após a descoberta de que o genoma dos vírus de DNA era integrado nos cromossomas
celulares surgiu outro problema, como poderia o RSV, um vírus de RNA, integrar o seu
genoma, sendo que este não poderia ser integrado directamente no genoma de DNA dos
cromossomas.

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Foi então proposto que a molécula de RNA do genoma viral do RSA seria convertida
numa molécula de dupla cadeia de DNA e que seria esta molécula de DNA a que poderia ser
integrada no DNA cromossómico. Desta forma a molécula de DNA contendo o genoma viral
poderia ser transcrita pela RNA Polimerase, dando origem ao mRNA que seria utilizado para
sintetizas as proteínas virais e serviria em simultâneo como genoma viral da forma de RNA de
cadeia simples.

Este processo apenas era possível devido à presença de um uma enzima denominada
Transcriptase Reversa, que permitia então a conversão de RNA a DNA, invertendo desta forma
o ciclo normal de DNA  RNA  Proteína.

O RSV foi então incluído num grande grupo de vírus denominados na globalidade por
retrovírus, o que reflecte a capacidade de converter RNA em DNA como parte do seu ciclo
replicativo normal, bem como a integração do se genoma nos cromossomas das células
hospedeiras.
No caso dos vírus de DNA, a integração do genoma é um evento extremamente raro,
ocorrendo em menos de 1 para cada 1000 infecções contrariamente ao que ocorre nos
retrovírus, em que a integração do seu genoma é parte normal do seu ciclo replicativo.

Gene src: Células Infectas por RSV e Células Não-


Infectadas
Diversas experiências permitiram concluir que no caso do RSV três genes estavam
envolvidos na sua replicação, sendo dois deles proteínas estruturais e um terceiro a
transcriptase reversa. Através de comparação do genoma de outros retrovírus especulou-se
que a capacidade de transformação do RSV estava concentrada num único gene, o src.
Foi então desenvolvida uma sonda de DNA que reconhecia especificamente as
sequências do genoma do RSV na célula transformada. Este teste foi utilizado para seguir as
células infectadas, no entanto, contra todas as expectativas, a sonda de DNA hibridava em
ambas as células, quer fossem infectadas, quer nunca tivessem tido contacto com o vírus.

Concluiu-se então que no genoma das células normais existia já o gene src. Uma
análise mais pormenorizada conclui que não poderia ter origem num outro retrovírus, sendo
que esta sequência estava presente em outras espécies relacionadas de aves, bem como em
alguns mamíferos.
A evidência demonstrou que a sequência src presente no genoma das células não
infectadas possuía todas as propriedades de um gene celular normal, presente numa cópia
única por genoma haploide.
Esta descoberta revolucionou a forma de pensar acerca da origem do cancro.

Utilização pelo RSV do Gene Celular Capturado para


Transformar as Células
A presença de um gene src altamente conservado no genoma de células de organismos
normais implica que este pode ter um papel importante na vida do organismo e das suas
células. O gene src presente nas células normais denomina-se c-src, enquanto o presente no
genoma viral se designa v-src. Apesar da sua estrutura idêntica, o c-src tem como função o
normal desenvolvimento da célula e do organismo, o v-src actua como um potente oncogene.

Uma das soluções encontradas é a de que o gene src não se encontrava habitualmente
presente no genoma do RSV, no entanto um ancestral durante a infecção e após o seu genoma

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ter sido integrado, adquiriu este gene celular no seu genoma. Passando a existir quatro genes,
em vez dos habituais três genes necessários para a replicação dos retrovírus.
Após ter sido integrado no genoma viral, o gene src pode ser alterado e utilizado pelo
RSV para transformar as células por ele infectadas.

Estas conclusões levam-


nos a compreender que os
genes celulares podem de
algum modo de transformados
em potentes oncogenes, e como
tal, estes genes, como é o caso
do c-src, são designados proto-
oncogenes. Este conceito foi
revolucionário, pois implica que
no genoma dos vertebrados
existem genes que
Fig. 31 - Captura de um Proto-Oncogene pelo ALV potencialmente, em
determinadas circunstâncias,
podem induzir a transformação celular.
Este cenário, referente á aquisição do c-src por um retrovírus, deu origem a três novas
possíveis ideias:
- Se os retrovírus têm a capacidade para activar estes proto-oncogenes num potente
oncogene, provavelmente outros mecanismos mutacionais poderão actuar de forma idêntica.
Provavelmente a informação para a indução de tumores esteja presente nas células normais,
apenas aguardando ser desmascarada;
- Ficou claro que o poder transformador do RSV se encontra localizado num único
gene. Esta conclusão implica que um único oncogene pode originar um grande número de
alterações na forma, metabolismo e crescimento celulares. Generalizando, outros oncogenes
poderão possuir características pleiotrópicas idênticas, indicando que as 20 a 30 alterações
características das células tumorais poderão ser originadas por um reduzido número de genes;
- O modelo do SRV e do v-src podem indicar que outros retrovírus com propriedades
idênticas tenham adquirido igualmente sequências genómicas relacionadas com o src. O src foi
o primeiro proto-oncogene descoberto, no entanto existirão outros no genoma das células dos
vertebrados, que poderão ser capturados e alterados por outros retrovírus.

Proto-Oncogenes no Genoma dos Vertebrados


Um outro retrovírus nas galinhas, o MC29, foi indicado como tendo a capacidade de
induzir alterações malignas na medula óssea. O oncogene associado a este vírus foi designado
v-myc, sendo capaz de induzir de forma extremamente rápida o crescimento de tumores em
galinhas. Tal como no caso do v-src, foi descoberto no genoma das células normais da galinha
um gene como uma sequência muito idêntica à do v-myc, que tomou a designação de c-myc.

Estava por isso descoberto mais um proto-oncogene, que poderia ter funções normais
na célula, mas que ao ser integrado e alterado pelo MC90 se transformava num potente
oncogene.
Curioso foi concluir que tanto o RSV como o MC90 tinham como ancestral comum o
vírus ALV, reforçando a ideia de que ancestralmente um retrovírus integrou no seu genoma
alguns sequências do genoma dos hospedeiros.

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Nos mamíferos foram igualmente isolados vírus, que tal como o ALV, possuíam a
capacidade de adquirir proto-oncogenes celulares e convertê-los em potentes oncogenes.
Como exemplos temos o proto-oncogene c-fes, que ao ser adquirido por um retrovírus,
transformou-se no oncogene v-fes passando a ser capaz de induzir leucemias em felinos. Um
outro vírus, neste caso híbrido, causando leucemias em ratos e ratazanas, era portador de dois
oncogenes, respectivamente, k-ras e h-ras.

Foram descobertos entretanto mais de 30 proto-oncogenes, verificando-se que os


mesmos eram transversais dentro dos vertebrados, ou seja, se detectados numa espécie
existiam em homólogo nas restantes.
Actualmente avaliamos a importância dos retrovírus nestas descobertas, salientando
que sem eles muito dificilmente teriam sido descobertos os proto-oncogenes.

Retrovírus de Transformação Lenta Activam os Proto -


Oncogenes inserindo o seu genoma adjacent e a este
Faltava então explicar como os retrovírus não-transformadores, ou seja, que não são
portadores de um oncogene, conseguem induzir o fenótipo tumoral.

A solução surgiu através do ALV


e do genoma das células leucémicas.
Estas células invariavelmente eram
portadoras de cópias do pró-vírus ALV
integradas no seu genoma.
Apesar de intuitivamente a
inserção do genoma viral nos
cromossomas ser realizada de forma
aleatória, ao analisarmos o genoma das
células leucémicas em mais de 80% dos
casos a integração ocorreu perto do
proto-oncogene c-myc.
O gene c-myc passou então a
ser regulado pelo promotor viral, o que
origina uma desregulação na sua
Fig. 32 - Mutagénse Insercional
expressão, permitindo que este proto-
oncogene seja expressado de forma exagerada e sem cessar. Este proto-oncogene c-myc
passou então a funcionar como o v-myc presente no retrovírus MC90, permitindo a sua
transformação num potente oncogene.

Dado que a inserção no genoma é aleatória, estima-se que 1 em cada 10000000


infecções por ALV insira o genoma num local adjacente ao gene c-myc, convertendo-o num
oncogene. Estas alterações permitem uma proliferação celular não controlada, e num espaço
de tempo relativamente curto origina-se uma leucemia.

Este mecanismo de indução de um proto-oncogene foi denominado de mutagénese


insercional, constituindo uma importante ferramenta para o estudo e descoberta de novos
proto-oncogenes.

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Retrovírus que Transportam Naturalmente Oncogenes


Já referimos duas classes de retrovírus, os que induzem tumores de forma lenta não
possuindo oncogenes (ex. ALV), e outros que incorporam no seu genoma proto-oncogenes e
são por isso capazes de induzir transformação de uma forma mais rápida (ex. SV40).
Porém existe um terceiro grupo de retrovírus, dos quais se salienta o HTLV-1, em que 3
a 5% dos infectados apresentam risco de desenvolver leucemia das células T.

Não existem evidências de que este vírus insira o seu genoma nos cromossomas
celulares, deixando de fora a hipótese da mutagénese insercional. Neste caso existe um gene
viral, o tax, que é responsável por induzir a transcrição do genoma viral, no entanto esta
proteína induz simultaneamente dois factores de crescimento celulares, o GM-SCF e a IL-2.
Desta forma, o HLTV-1, tem a capacidade de estimular a proliferação de linhagens
hematopoiéticas, originando uma leucemia, sem que para isso utilize proto-oncogenes
celulares.

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Etapas da Génese Tumoral


A formação de um tumor é um processo complexo que habitualmente se prolonga por
várias décadas, verificando-se uma evolução das células para um fenótipo neoplásico –
progressão tumoral. Este processo ocorre em diversos locais do nosso organismo, o que
aumenta à medida que envelhecemos, no entanto raros são os casos em que a massa tumoral
se torna clinicamente detectável.
A progressão tumoral é consequência de um conjunto de mutações e alterações
epigenéticas ao nível do DNA, que por sua vez condicionam o controlo dos genes relacionados
com a proliferação e sobrevivência celulares, bem como outras vias associadas a um fenótipo
maligno. A complexidade deste processo revela o trabalho evolutivo das células normais na
sua progressão para um fenótipo maligno, o que significa um vencer das diversas barreiras que
nas células normais contrariam este processo.

Estas barreiras que impedem a formação de tumores são fruto de uma evolução que
acompanhou o conjunto de seres vivos cada vez mais complexos. Neste capítulo iremos
compreender como a alteração de um, ou mais, destes sistemas de controlo pode contribuir
para a formação de um tumor primário.

Tempo de Desenvolvimento de um Tumor


Estudos epidemiológicos demonstraram que a idade é um factor de enorme peso na
incidência de cancro, o que pode ser ilustrado pelo facto de aos 70 anos o risco de desenvolver
cancro do cólon é 1000 vezes superior ao de uma criança com 10 anos. Estas conclusões
permitem-nos afirmar que num grande número de tumores são necessárias décadas para que
estes se desenvolvam. A análise deste panorama no contexto da saúde pública levou-nos a um
resultado inesperado, no sentido em que dada a idade tardia em que a maior parte dos
cancros surge, uma cura generalizada de todos os cancros teria efeitos reduzidos na expansão
da esperança média de vida.

A afirmação de que o
desenvolvimento de um tumor se
prolonga por décadas encontrou
uma evidência concreta. Ao
analisarmos a incidência do cancro
do pulmão verificamos que por
volta dos anos 70 existe uma subida
muito acentuada, em particular nos
EUA. Esta subida está relacionada
com o aumento do consumo do
tabaco 30 anos antes durante a 2ª
Guerra Mundial, onde os soldados Fig. 33 - Relação Consumo de Tabaco e Incidência de Cancro do
eram estimulados a fumar, como Pulmão
forma de motivação, estando o maço de tabaco incluído como parte da ração de combate. Nos
restantes áreas do globo verificou-se igualmente em média um espaço de 35 anos entre o
aumento do consumo de tabaco e a subida acentuada do número de casos de cancro do
pulmão.

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O estudo da cinética tumoral permite-nos saber que a carcinogénese é um processo


complexo e composto por diversas etapas. O que limita a determinação por intermédia de
fórmulas das verdadeiras taxas com que o cancro atinge a população.

A descoberta de que a carcinogénese é progressiva e composta por diversos passos,


levanta duas questões interessantes, uma primeira que é deduzida directamente, ou seja, que
são necessárias diversas alterações para que um tumor surja; e uma segunda, de que muitas
destas alterações ocorrem em todos nós numa frequência comparável. Esta hipótese assume
que à medida que envelhecemos, virtualmente todas as células do nosso organismo sofrem
algumas destas alterações, mas não todas as necessárias para que surja um tumor. Desta
forma muitos de nós não apresentam tumores durante a sua vida porque não chega a viver o
suficiente para que as alterações necessárias ocorram. Podemos então olhar para o cancro
como algo inevitável, e que mesmo na ausência de qualquer outra patologia seremos com o
avançar da idade vítimas do mesmo.

Sabemos que alguns desenvolvem tumores durante a sua vida e outros não, e que esta
heterogeneidade é grande entre os diversos indivíduos, o que pode ser explicado pela
hereditariedade, alimentação, estilos de vida, e todo um conjunto de variáveis com capacidade
de influenciar a incidência de cancros nas populações.
Um outro dado fornecido pela epidemiologia é o de que em alguns tumores a duração
da exposição a determinados carcinogéneos é mais relevante do que a idade absoluta do
indivíduo, sendo um caso particular para os tumores que mais frequentemente estão
associados à exposição a agentes do que como ocorrendo espontaneamente. Neste grupo
inclui-se o mesotelioma associado à exposição aos asbestos, que por sua vez surge de forma
mais agressiva e precoce quanto mais intensa e prolongada for a exposição ao agente.

Histopatologia: Evidência da Formação Faseada dos


Tumores
Os patologistas são peritos em analisar os tecidos normais, bem como os que possuem
alterações, ao microscópio, o que no caso do cancro lhes permite avaliar a origem do tumor,
bem como o seu estádio de desenvolvimento.
A ideia de que os tumores são progressivos foi ilustrada de melhor maneira ao nível do
epitélio intestinal. As células que constituem este epitélio estão em constante renovação, o
que se comprova pelos 20 a 50 milhões de células que morrem em cada minuto, tendo estas
de ser substituídas.
A camada epitelial é o local onde mais frequentemente existem processos patológicos
associados ao carcinoma do cólon. A análise de diversas amostras revelou tecidos em vários
estádios, que vão desde uma mucosa apenas com alterações ligeiras até um tecido com
características de elevada malignidade. Tal como se verifica nos tecidos normais, também
estes conjuntos de células anormais era composto por diversas células e de tipos distintos.

Alguns tecidos denominados como hiperplásicos apresentavam características


histológicas idênticas às do tecido normal, no entanto a taxa de crescimento era muito mais
elevado do que o habitual. Noutros casos o tecido apresentava já algumas alterações
histológicas, em que a organização e a morfologia celular encontravam-se alteradas,
denominando-se por tecido displásico. Uma estrutura em que se verifica um maior
desenvolvimento de células displásicas denomina-se pólipo ou adenoma. Existem diversos
tipos de pólipos, sendo que alguns apresentam pedículo e outros não, no entanto todos são
considerados benignos, desde que não infrinjam a membrana basal.

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A partir do momento em que


penetram através da membrana basal estas
alterações passam a ser consideradas
malignas, e em casos de maior agressividade
invadem as restantes camadas do órgão,
podendo mesmo originar metástases à
distância.

A descoberta de diferentes estádios


e morfologias indica que existe uma
progressão, no entanto na maior parte dos
casos esta é heterogénea e imprevisível.
Nem sempre as alterações observadas vão
evoluir para o estádio seguinte, podendo
muitas vezes representar um produto final.

Este tipo de sucessão foi proposto


para muitos outros tipos de neoplasias.
Existem pelo menos três factores que
reforçam a ideia de que existe uma relação
entre adenomas e o carcinoma do cólon:
- Raramente são observados
carcinomas do cólon sem que antes existam
adenomas, os poucos casos em que isso
ocorre pensasse que o acelerado
crescimento mascara a existência inicial de
Fig. 34 - Evolução Histológica um pólipo;
- Estudos clínicos indicam que se
durante colonoscopias de rotina todos os pólipos detectados forem removidos, a incidência de
carcinoma do colono reduzia em 80%. Este dado indica que pelo menos 80% dos carcinomas
do cólon têm como lesão inicial a formação de um adenoma ou pólipo;
- Indivíduos com uma mutação herdada num gene APC desenvolvem uma enorme
quantidade de pólipos, que invariavelmente num reduzido número, mas constante, evoluem
para carcinoma.

Nos restantes locais do organismo existe também esta progressão, no entanto a sua
evidência histológica é menor.

Mecanismo de Progressão Tumoral: Acumulação de


Alterações Genéticas

É possível que alterações epigenéticas contribuam para a progressão ao nível do


fenótipo celular e tecidular durante a progressão tumoral. Alguns momentos desta progressão
podem corresponder a alterações específicas que ocorrem durante a embriogénese. Sabemos
que ao nível do embrião as alterações que promovem estas mudanças de fenótipo são ao nível
da expressão genética e não do genoma em si.
Estes factos apontam para um acumular de alterações ao nível do genoma, que na
maior parte dos casos acompanham a evolução das lesões benignas até ao seu grau de maior
malignidade. Este paralelo entre as alterações genéticas e fenotípicas é mais uma vez melhor
documentado ao nível do carcinoma do cólon.

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In vitro os genes ras e p53 podem contribuir para a transformação das células, in vivo
tentamos verificar quais as alterações presentes em cada fase da progressão tumoral. Esta
análise foi possível através da recolha de pólipos com diversos tamanhos, bem como de
carcinomas propriamente ditos, comparando os seus genomas e detectando possíveis
alterações.
Através da análise de diversos polimorfismos entre as células normais e as células
tumorais foi possível determinar os locais onde existiam alterações do genoma. A perda de um
polimorfismo que era heterozigótico indicava muitas vezes a perda de um gene próximo. Esta
perda de heterozigotia indica na maior parte dos casos a perda de um gene supressor de
tumores, contribuindo desta forma para a progressão tumoral.

Através desta análise conclui-se que na maior parte dos casos existem mais genes
supressores de tumores alterados do que proto-oncogenes. No caso particular do cancro do
cólon verifica-se a activação do oncogene K-ras, bem como a inactivação do gene APC e p53.
Actualmente discute-se ainda em alguns casos a inactivação do gene DPC4/MAPA4, que se
encontra relacionado com o sinal inibitório proveniente do receptor do TGF-β.
Sabe-se que esta cadeia de inactivação/activação não é constante. Enquanto mais de
90% dos carcinomas do cólon têm inactivação do gene APC, apenas 40 a 50% têm mutação no
K-ras. Mais curioso ainda é o facto de que os tumores com inactivação do p53 não apresentam
mutação no K-ras, e vice-versa.

Uma das possíveis explicações possíveis é a de que nos casos em que não existe
mutação do K-ras, terá que forçosamente existir uma alteração na via das MAPK que confere
uma vantagem relativa às células tumorais. Um dos candidatos é o gene B-raf, que codifica um
quinase envolvida na via de transdução de sinal iniciada com ras.

É actualmente do consenso geral que a alteração do gene APC é o marco inicial da


progressão tumoral, no entanto o restante caminho é heterogéneo e indefinido. Alterações
epigenéticas, como a hipermetilação de promotores associados a genes supressores de tumor
ou a desmetilação de proto-oncogenes, pode ser apontado como parte importante deste
processo. Sabemos ainda que a hipometilação é promotora da instabilidade cromossómica, o
que contribui para o progresso tumoral.

Polipose Familiar: Modelo de Progressão Tumoral


Inicialmente o genoma dos indivíduos apresenta-se normal, seguindo-se um acumular
de mutações e fenómenos epigenéticos que alteram o genoma das células epiteliais do cólon,
passando estas a transportar um genoma idêntico ao de uma célula de carcinoma do cólon
com elevada malignidade.

Esta progressão alerta-nos para a existência de mecanismos de defesa que bloqueiam


o aparecimento de tumores nos tecidos normais. Estes mecanismos devem ser alterados ou
desactivados, um após outro, para que a célula atinja um fenótipo maligno. Tendo em conta o
número de células epiteliais cólicas que se formam durante a vida de um indivíduo (> 10 14),
estes mecanismos de defesa revelam ser bastante eficazes. Sabe-se porém que em indivíduos
com uma mutação no gene APC existe um aumento da predisposição para a formação de um
grande número de pólipos, originando uma doença denominada Polipose Adenomatosa
Familar (PAF).

Em alguns casos surgem diversas tumores num mesmo órgão e de forma esporádica,
que aparentemente são independentes, denominando-se este fenómeno por Campos de

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Cancerização. Após uma análise mais detalhada conclui-se que nestes casos existe uma ou um
conjunto de mutações que é partilhado por todos os tumores. Comprovou-se no entanto, que
apesar de similares com os que são as encontradas nos tumores familiares, estas mutações
eram fruto de um mecanismo de mutações somáticas esporádicas.

Fig. 35 - Acumulação de Alteração Genéticas no Carcinoma do Cólon

Desenvolvimento Tumoral e Modelo de Darwin


Estudos dirigidos por Johns Hopkins demonstraram que as alterações histopatológicas
estavam em relação com alterações no genoma das células. Actualmente sabe-se que estas
alterações genéticas causam a evolução observada nas células e tecidos que estes formam.

Já no passado o Modelo de Darwin tinha sido implicado na progressão tumoral, que


nos mostra a evolução de uma célula, no seio de uma população celular, que competem entre
si. Mutações aleatórias geram variabilidade, originando uma população heterogénea, forçando
cada célula a competir, sendo que através das mutações podem ser adquiridas vantagens no
âmbito da proliferação e sobrevivência.

A combinação entre o Modelo de Darwin e o processo da Progressão Tumoral


apontam para a génese tumoral como uma sucessão de expansões clonais. Assim sendo, uma
célula adquire uma mutação que lhe confere vantagem, originando uma enorme população
descendente que predomina, dentro desta uma célula adquire uma outra mutação que lhe dá
mais uma vantagem, passando o clone desta a ser dominante, e assim sucessivamente.
Este modelo é um pouco simplista, dado que o modelo de progressão tumoral inclui
outras formas de alteração da expressão genética além da mutação, da qual salientamos a
metilação.

Apesar de compreendermos o mecanismos atrás descrito, não foi ainda compreendido


qual a entidade que oriente a progressão tumoral. Sabe-se que os agentes que aumentam a
taxa de mutações podem de algum modo encurtar o período de tempo entre a primeira
alteração e o aparecimento de uma lesão maligna. Por outro lado uma lesão no complexo de
reparação do DNA pode originar instabilidade genómica e desta forma contribuir para um
aumento da taxa de mutações. Este último mecanismo está implicado no Cancro do Cólon
Não-Poliposo Hereditário, devido a uma mutação nos genes MSH2 e MLH1.

Células Estaminais Tumorais


O Modelo de Sucessão Clonal propõe que uma célula mutada origina uma longa
descendência, e que desta, devido a um novo evento mutacional, pode surgir uma outra
expansão clonal.
Algumas experiências colocaram em causa o facto de que todas as células tumorais
provinham de um ancestral comum, e estas possuírem capacidade para originar um novo
clone. Para comprovar este facto foi utilizada a técnica de FACS (Fluorescence-Activated Cell

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Sorting) que permite separar


populações celulares tendo em
conta determinada propriedade,
nomeadamente a expressão de
determinadas proteínas na
membrana. Chegou-se à
conclusão que apenas uma
determinada subpopulação, com
um reduzido número, tinha a
capacidade de quando injectadas
num hospedeiro originar um
tumor. As restantes células
Fig. 36 - Modelo da Sucessão Clonal separadas não foram capazes de
formar um tumor quando
implantadas num hospedeiro. Estas experiências foram realizadas em células de tumores
mamários, no entanto mais tarde foram alargadas a outros tumores, concluindo-se que apenas
cerca de 2% da população tumoral tinha a capacidade de originar um tumor.
Ao analisarmos os tumores descendentes destas células que constituíam a minoria, foi
possível comprovar que destas, mais uma vez, apenas uma pequeno número tinha a
capacidade de originar um tumor quando injectadas num hospedeiro.

Estes estudos apontam para o facto de


que, pelo menos na maioria dos tumores sólidos,
o comportamento do mesmo é idêntico ao que se
verifica num tecido epitelial. Existe por isso um
pequeno conjunto de células que formam uma
pool de células auto-renováveis com capacidade
para originar um grande número de células
descendentes com um potencial proliferativo
limitado. Estas diferenças tinham uma
correspondência aos antigénios de superfície, o
que indica que estas células se encontram em
estados de diferenciação diferentes.
Tal como se verifica em diversos tecidos
pensa-se que nos tumores exista um
compartimento de amplificação que marca a
transiç ão entre as células estaminais e as células
diferenciadas, as células que o compõem podem
ser designadas por células progenitoras. Fig. 37 - Amplificação Clonal

Após a apresentação destas experiências é fácil compreender que a população alvo de


ser alterada por mutações é constituída pelas células estaminais. Nos tumores com uma
reduzida quantidade de células estaminais a taxa de mutações tem de ser elevada para que se
originem expansões clonais, no entanto em tumores com um maior pool de células estaminais
a taxa de mutações pode ser menor.

As Células Normais são Resistentes à Transformaç ão


por um Único Oncogene
Experiências realizadas com vírus oncogénicos e transfecção de DNA pareciam indicar
que os requisitos para a transformação celular eram mínimos, como é o exemplo da aquisição

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única do oncogene ras, que por sua vez tem origem numa mutação pontual. Estas conclusões
permitiram afirmar que a transformação celular era consequência de uma única mutação
pontual.
Apesar das experiências apontarem nesta direcção sabemos que a genética dos
tumores humanos demonstra que estas conclusões são erradas.

No dia-a-dia diversas mutações pontuais ocorrem aleatoriamente, podendo algumas


destas afectar o gene ras, no entanto não surgem tumores em humanos com a mesma
frequência com que estas mutações ocorrem.
Surgiu então uma questão, o que estaria errado nestes modelos e experiências? Foi
então que se compreendeu que as células utilizadas não eram normais, ou seja, existia já uma
alteração no seu programa genético que as tornava imortalizadas. Passou-se então a utilizar
células verdadeiramente normais – células primárias – na introdução do oncogene ras, no
entanto não se verificou a transformação das mesmas.

As células imortalizadas, susceptíveis à introdução de um único oncogene, passaram a


ser observadas como sendo portadoras de uma alteração genética ou epigenética que lhes
conferia uma condição pré-maligna. Demonstrou-se que as vias dos genes p53 e pRb alteradas
no processo de imortalização encontram-se igualmente alteradas em muitos dos tumores
humanos.

A introdução do oncogene ras em células primárias apenas conduziu a um aumento da


proliferação, ou seja, hiperplasia, no entanto foram encontradas outras alterações estruturais.
Outras evidências, como é o caso de indivíduos que nascem com uma mutação no gene c-kit,
apresentando um elevado risco de vir a desenvolver GISTs, apenas o fazem muitas décadas
após o nascimento.

Transformação: colaboração entre dois ou mais genes


A descoberta de que alguns oncovírus transportavam dois oncogenes, bem como a
presença dos oncogenes N-ras e myc numa linhagem de células leucémicas pró-mielocítica,
levou-nos a colocar a hipótese de que estes dois oncogenes podem colaborar para originar o
fenótipo maligno. Esta hipótese foi confirmada pela introdução de ambos os oncogenes, myc e
N-ras, numa mesma célula primária, originando-se um fenótipo de transformação. Caso os
oncogenes fossem introduzidos separadamente esta transformação não se verificava.
Após esta experiência
diversas conclusões surgiram, não
só a de que ambos cooperavam
para originar o fenótipo de
transformação, mas também que
ao actuarem em vias distintas, a
Fig. 38 - Experiência myc e ras sua acção completava-se. Assim, o
ras estava implicado na
independência em relação à ancoragem, originando uma morfologia arredondada e perda da
inibição de contacto; o myc ajudava a tornar as células imortalizadas e favorecia a
independência face aos factores de crescimento e de sobrevivência.

Diversos outros pares de oncogenes foram identificados como tendo a capacidade de


induzir transformação, no entanto na sua generalidade foram agrupados em dois grandes
grupos, os ras-like e os myc-like. Os ras-like interferem ao nível do citoplasma, enquanto os
myc-like interferem ao nível do núcleo.

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Podemos desta forma inferir que são necessárias mais do que uma alteração para que
ocorra transformação, indicando que a proliferação e sobrevivência celulares são controladas
por duas ou mais vias distintas, tendo estas que estar alteradas para que uma célula tenha a
capacidade de gerar um tumor.

Modelo Animal: Oncogenes e Transformação


Progressiva
Em diversos modelos de roedores, os tumores podem ser induzidos por exposição a
um carcinogéneo, o qual actua criando de forma aleatória mutações com a capacidade de
originarem cancro. Uma forma alternativa a este modelo consiste na introdução de oncogenes
activados, de forma a garantir a expressão do mesmo. Esta introdução deve ser localizada a
determinados tecidos, caso fosse generalizada poderia não ser compatível com a
embriogénese.

Esta chamada de atenção leva-nos a reflectir sobre esta questão e a tentar


compreender porque razão a maior parte dos genes transmitidos através da linhagem
germinativa são genes supressores de tumores e não proto-oncogenes. Os oncogenes quando
mutados, na maior parte dos casos, não são transmitidos à descendência. Este facto prende-se
pelas alterações induzidas pelo oncogene herdado serem dominantes, não sendo na sua
maioria compatíveis com o desenvolvimento embrionário. Existem, no entanto alguns
oncogenes, dado que a sua expressão é restrita a alguns tecidos na vida adulta, podem ser
herdados e compatíveis com a embriogénese. No caso dos genes supressores de tumores,
dado o seu comportamento recessivo na maior parte dos casos, e mesmo na presença de dois
alelos mutados, o seu papel na carcinogénese é muitas vezes indirecto, sendo por isso possível
a sua transmissão à descendência. Estas razões levam a que a maior parte dos cancros
hereditários seja devido a genes supressores de tumores mutados ou ausentes.

Também os estudos em ratos transgénicos, onde foram introduzidos os oncogenes


myc e ras, sob o controlo de um promotor específico, também demonstraram que a presença
de um único oncogene não era suficiente. Nos modelos em que apenas um oncogene estava
presente o período de latência era extremamente longo, sugerindo a necessidade de uma
outra alteração, que ocorreria de forma aleatória, para que ocorre-se transformação maligna.
No caso de inserção de ambos os oncogenes, o tumor surgia com uma elevada frequência e
como uma taxa acelerada.

A interacção entre o oncogene myc e bcl-2 mostrou que diversos oncogenes podem
colaborar através de diversos mecanismos, neste caso o bcl-2 tem um potente efeito anti-
apoptótico. Apesar do seu papel distinto, em relação ao gene ras, quando associado ao gene
myc tinha igualmente capacidade de induzir transformação.

Resistência à Imortalização e Transformação das


Células Humanas
Apesar das semelhanças entre os genomas de humanos e roedores, a nível biológico
existe algumas diferenças. Este facto é apoiado pela diferença existente entre a facilidade com
que as células de roedores podem ser imortalizada com a simples passagem em cultura, e a
impossibilidade de realizar o mesmo com células humanas.
Por outro lado, a introdução dos oncogenes myc e ras falhou na capacidade de
transformar as células humanas, não tornando as células imortalizadas, mas mais cedo ou mais
tarde senescentes.

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A análise do genoma de células tumorais humanas permite concluir que existem


diversas alterações genéticas, num número superior às que têm uma relação causal com a
génese tumoral.

Uma das diferenças encontradas entre as células humanas e de roedores é a estrutura


dos telómeros e os níveis de telomerase. No caso dos humanos, contrariamente aos roedores,
os telómeros são curtos e os níveis de telomerase reduzidos. A introdução do gene hTERT, que
codifica a telomerase, juntamente com a inactivação do gene p53 e pRb, permitiu imortalizar a
célula, deixando-a susceptível à transformação pela introdução do oncogene ras.
No entanto estas células não se poderiam dizer completamente transformadas, e
como tal foi necessário pertuRbar o funcionamento de mais uma proteína, neste caso a
Fosfate PP2A, para que a célula humana fosse realmente transformada.

Conclui-se então que é necessário alterar cinco mecanismos da regulação celular para
que uma célula humana consiga crescer como um tumor. Estes mecanismos envolvem:
- Via de Sinalização Mitogénica (ras);
- Checkpoint do Ciclo Celular (pRb);
- Via de Alerta (p53);
- Manutenção dos Telómeros (hTERT);
- Via de Sinalização da PP2A.

Experiência como esta permitem concluir que as células humanas são altamente
resistentes à transformação. Sabe-se que quatro destes mecanismos encontram-se
frequentemente alterados em tumores humanos, no entanto continua por compreender o
papel da Fosfatase 2ª.

Uma das hipóteses que pode explicar estas diferenças na resistência à transformação
das células de roedores e humanos, assenta sobre o facto de que no humano o número de
divisões é muito superior, e como tal são necessárias muitos mais mecanismos de defesa para
que não surjam tumores. Apesar do sucesso em imortalizar e transformar após a interferência
com cinco vias, estas células continuam a ser incapazes de invadir estruturas vizinhas e formar
metástases è distância. Este facto sugere que são necessárias mais alterações para que este
fenótipo esteja presente.

Contribuição dos Agentes


Não-Mutagénicos
Os agentes mutagénicos, ao induzirem
mutações, têm uma forte implicação na
carcinogénese, no entanto é ainda necessário
esclarecer o papel dos fenómenos epigenéticos
neste fenómeno.
Recentemente foram documentados
diversos agentes não mutagénicos ou não-
genotóxicos com capacidade de induzir cancro.
Esta hipótese foi comprovada pelo uso de TPA,
um irritante para a pele, que se utilizado de
forma continuada, ao fim de 4 a 8 semanas,
origina papilomas. Caso o tratamento com TPA
fosse interrompido o papiloma regredia, no
Fig. 39 - Papel do Iniciador

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entanto a partir de um determinado momento os papilomas tornam-se independentes do TPA.


Em alguns casos estes papilomas podem evoluir para um carcinoma pavimento celular.

No caso de tratamento com


um iniciador, uma marca permanente
é deixada nas células expostas, não
sendo esta alteração reversível. A
exposição destas células iniciadas a um
promotor leva a que estas proliferem
de forma intensa, no entanto se este
for suspenso a lesão regride. Sabe-se
ainda que uma exposição prolongada
apenas ao promotor pode conduzir a
um estado de crescimento
independente do mesmo e progressão
para um tumor. Fig. 40 - Papel do Promotor
Mais tarde conclui-se que no
caso do promotor TPA, este actua pela via da Ras, no entanto os que foram tratados com o
iniciador DMBA apresentavam ainda uma mutação ao nível do gene p53. Com a alteração
nestes dois genes estava aberta a porta para a progressão tumoral, e consequente
transformação maligna.

Promotores: Tóxicos e Agentes Mutagénicos


Um exemplo de como um mecanismo citotóxico pode estar implicado na promoção
tumoral é nos dado pela interacção entre o tabagismo e o consumo de álcool. Sabemos que o
abuso conjunto de ambas as substâncias pode levar a um aumento em 100 vezes do risco de
desenvolver diversos tipos de tumores da Cabeça e do Pescoço.

O fumo do tabaco possui diversos agentes mutagénicos, em contraste com o álcool


que possui pouco ou nenhum poder mutagénico. A contribuição do etanol para a
carcinogénese advém do seu efeito tóxico sobre as células epiteliais, o que obriga a uma
constante renovação celular. Estas células induzidas a proliferarem pelo álcool podem conter
mutações impostas pelo tabaco, o que demonstra a elevada capacidade de um agente tóxico
como promotor tumoral.

Os agentes tóxicos apresentam-se como promotores pelo facto de ao provocarem a


morte celular obrigam as células sobreviventes a proliferar.
Os agentes mitogénicos, como é o caso dos estrogénios, também podem funcionar
como promotores, estando no caso dos estrogénicos envolvidos na proliferação dos tecidos do
aparelho reprodutor. Estudos epidemiológicos demonstram que existe uma relação entre o
número de ciclos menstruais e o risco de carcinoma da mama. Neste sentido a menarca
precoce e a menopausa tardia apresentam-se como factores de risco para estes tumores.

Inflamação Crónica como Promotor Tumoral


A maior parte dos tumores parece ter origem numa expansão local através de
mecanismos que envolvem a inflamação. A formação de um carcinoma após exposição ao TPA,
que como irritante origina inflamação local, aponta para o reforçar desta hipótese.

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Uma experiência confirmou esta ideia, a introdução de um fragmento de adenoma do


cólon no tecido subcutâneo de um rato apenas origina um tumor se acompanhado de um
pedaço de plástico, que originava inflamação local. A colocação de um fragmento deste novo
tumor originava sozinho um novo tumor, o que sugere a existência de alterações genéticas ou
epigenéticas que promovem a progressão tumoral.

Um outro caso que comprova esta relação é a interligação entre a infecção por HBV e
o Carcinoma Hepato-Celular (CHC). Sabe-se que não existe no genoma do HBV nenhum
oncogene com capacidade para transformar os hepatócitos, por isso o modelo proposto é o de
que a constante destruição celular, que origina um aumento na proliferação celular, em
associação com a inflamação crónica que se instala, contribuem para a promoção tumoral. O
mesmo foi verificado com HCV.
A associação entre a infecção por HBV e a exposição a Aflotoxina, um potente
mutagénico, está ligada a um aumento em 60 vezes do risco de CHC. Neste caso estamos
presentes perante um iniciador e um promotor que agem em sinergismo.

Por fim, um outro exemplo desta relação entre a inflamação crónica e a progressão
tumoral está presente na infecção crónica por Helicobacter pylori e a sua relação com os
tumores MALT Gástricos.

Promoção Tumoral como Determinante da Taxa de


Progressão
Os promotores formam um grupo com a capacidade de promover a expansão de
clones iniciados. Para que a célula iniciada adquira uma segunda mutação, é necessário que o
número de células seja de tal modo elevado para que um evento mutacional de baixa
probabilidade ocorra. Sem esta expansão clonal o segundo evento mutacional não ocorreria e
a progressão tumoral pararia.

Actualmente defende-se que os promotores promovem a progressão tumoral por


diversas vias:
- Estimulação da expansão clonal, o que ao aumentar o número de células aumenta de
igual modo a probabilidade de um evento mutacional;
- A cada divisão celular existe replicação de DNA, durante a qual podem existir erros e
consequentemente mutações. Os agentes promotores podem por isso ser considerados
indirectamente mutagénicos. Por outro lado repetidas divisões celulares favorecem a
recombinação mitótica com possível segregação defeituosa, o que origina perda de
heterozigotia para alguns genes supressores de tumores;
- Repetidos ciclos celulares e consequentes divisões celulares são acompanhados por
uma diminuição do DNA telomérico nas células estaminais. Os telómeros podem colapsar e
originarem pontos de quebra-fusão, resultando em alterações no cariótipo e possíveis
mutações.

O processo de inflamação, além de por si só ser promotor, tem um componente


adiciona mutagénico. Muitos dos intervenientes recrutados libertam espécies reactivas de
oxigénio, os quais têm a capacidade de atacar e mutar o DNA das células vizinhas.
O modelo em que um carcinogéneo é um mutagénio é um pouco mais complexo, e
existem situações particulares, já discutidas anteriormente. No caso de uma substância, como
é o caso do benzopireno, que possui tanto características de iniciador, como de promotor,
passa a designar-se carcinogéneo completo.

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Interacções Heterotípicas e
Biologia da Angiogénese
O paradigma de que o cancro é uma doença das células, e que os fenótipos observados
são resultados de alterações nos genes e proteínas dessas células, foi posto em causa. O
estudo do cancro em organismos cada vez mais complexos e a incapacidade de explicar
algumas alterações apenas como base nas alterações de genes, levou a uma alteração nesta
linha de pensamento, iniciando-se um período de investigação.

O cancro passou a ser encarado como uma doença dos tecidos, o que é reforçado pela
presença de inúmeras células não epiteliais nos carcinomas, bem como as células não
neoplásicas que comporta o estroma do tumor.
Passamos desta forma a olhar para o tumor não como células que realizam monólogos
entre si, mas como células que dialogam com as células não-neoplásicas suas vizinhas.

Células Interdependentes: Tecidos Normais e


neoplásicas
Em conjunto com as células neoplásicas epiteliais, um grande número de células
estromais co-habitam no tumor, mas dada a sua reduzida quantidade em comparação com as
células tumorais, apenas é possível evidenciar estas células através de marcação
imunohistoquímica. Estas células são muito diferentes das células tumorais, no caso dos
carcinomas, correspondendo a uma linhagem mesenquimatosa.

A presença destas células pode ser entendida como um rasto das células que
anteriormente constituíam o tecido onde teve origem o tumor, ou podem ser encaradas parte
do mecanismo que permite manter o tumor e a sua arquitectura. Sabe-se que nos tecidos a
comunicação heterotípica entre as células do estroma e células epiteliais permite estimular ou
limitar a proliferação celular, tendo-se especulado que estas relações continuam a
desempenhar um papel importante no crescimento tumoral.

Nos tecidos normais esta interacção heterotípica depende essencialmente de:


- Factores de Crescimento Mitogénicos (ex. HGF, TGF-α e PDGF);
- Sinais de Inibição do Crescimento (ex. TGF-β);
- Factores Tróficos (ex. IGF-1 e IGF-2)

Durante a formação inicial do tumor, as interacções heterotípicas desempenham um


papel importante na promoção tumoral. As células do estroma, como os macrófagos,
neutrófilos e linfócitos, participam numa resposta inflamatória que envolve a libertação de
TNF-α e prostaglandinas. Estas moléculas estimulam a proliferação das células vizinhas.
Muitas destas interacções heterotípicas prolongam-se mesmo após o tumor ter sido
formado, como é o caso da libertação de PDGF por parte das células tumorais e consequente
secreção de IGF-1 pelas células do estroma, que por sua vez vai estimular o crescimento e
sobrevivência das células tumorais.

O acumular de matriz extracelular ao qual chamamos membrana basal, nos tecidos


normais a sua constituição em proteoglicanos e consequente hidratação da mesma, permite
que elevadas concentrações de factores de crescimento fiquem retidos neste local. Por outro

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lado a ancoragem à membrana basal por intermédio das integrinas e hemidesmossomas é


essencial para a sobrevivência de muitas das células epiteliais, e a perda desta conduz à
apoptose.

As células endoteliais representam um componente vital do estroma normal e


neoplásico. Sabe-se que uma redução no aporte de oxigénio leva as células a produzir factores
angiogénicos, o que por sua vez promove a formação de novos capilares. Enquanto a formação
dos capilares se dá, as células endoteliais libertam factores de crescimento que estimulam a
proliferação de outras células, nomeadamente perícitos e células musculares lisas. Este
fenómeno é estimulado pela libertação de VEGF e Angiopoetina-1, o que constitui um
importante estímulo de sobrevivência para as células endoteliais.
A presença de estroma nas metástases indica-nos que as células do estroma
acompanham a expansão, e até mesmo a migração, das células tumorais. A necessidade das
células estromais é nos indicada pelo recrutamento feito pelas células tumorais a quando da
chegada a um novo local. Por outro lado a diminuição da dependência de mitogénios, o
aumento da resistência à apoptose e a aquisição de independência face à ancoragem mostram
uma redução na interdependência entre o estroma e as células tumorais, no entanto esta
dependência não é eliminada na totalidade.

Tumores vs. Tecido Cicatricional


A complexidade das
interacções heterotípicas nos
tumores levantou a hipótese
de que estas poderiam estar
presentes em algum processo
fisiológico, mais do que a
possibilidade de serem
criadas de novo.
Foi então que estudos
demonstraram uma estreita
proximidade entre os sinais
presentes na progressão
tumoral e na regeneração
tecidual. As células tumorais
acedem e exploram um
programa biológico pré-
existente e reinventam-no
para promover o seu
crescimento.

O processo de Fig. 41 - Processo Cicatricional


regeneração mais bem estudado é o da pele, o que inclui a libertação de factores como o PDGF
e TGF-β, bem como de factores vasoactivos. O PDGF libertado atrai e estimula a proliferação
de fibroblastos, que por sua vez são activados pelo TGF-β e libertam metaloproteinases da
matriz ou MMPs. Os fibroblastos activados libertam igualmente factores mitogénicos, como o
FGF, que consegue estimular a proliferação de determinadas células epiteliais.
As MMPs promovem a degradação da matriz, permitindo a sua remodelação e ainda
espaço para o crescimento de novas células. Por outro lado a degradação da matriz liberta
factores de crescimento anteriormente inactivos. Alguns destes substratos são pró-enzimas

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que são convertidas em enzimas activas pelas MMPs. Os factores angiogénicos estimulam as
células endoteliais a proliferarem e a construírem novos capilares – angiogénese.

Com o objectivo de reconstruir a camada epitelial as células epiteliais diminuem a sua


adesão à matriz extracelular (MEC), permitindo a sua separação do estroma. Existem ainda
adesões entre as diversas células epiteliais – junções de adesão – que as estabilizam, sendo
constituídas por E-caderina.
Quando a E-caderina vê a sua expressão diminuída, permite que as células migrem até
ao topo da lesão, passando a expressar N-caderina, a qual normalmente é expressa pelas
células mesenquimatosas.
Além desta alteração na expressão das caderinas, outras alterações fenotípicas são
apresentadas por estas células, o que lhes confere uma aparência idêntica aos fibroblastos.
Esta profunda mudança denomina-se Transição Epitélio-Mesenquima, e permite que as
células se tornem moveis e com capacidade de invasão.
Esta transformação é promovida por alguns factores libertados a quando da acção das
MMPs, como o TGF-β1, no entanto é um fenómeno temporário. Após atingirem o local da
lesão, as células reconstroem o epitélio através da reversão do seu fenótipo, passando por
uma Transição Mesenquima-Epitélio.

Ao comparar este processo


com a génese tumoral é possível
encontrar alguns processos
paralelos. Por um lado o trombo de
fibrina, que facilita este processo,
no caso dos tumores deriva não da
lesão vascular, mas sim da
instabilidade dos capilares
presentes nos tumores. Tal como
as plaquetas libertam PDGF,
também muitas células tumorais o
fazem, indo este ter ma acção
atractiva e mitogénica para as
células do estroma. Como exemplo
temos o cancro da mama onde o
aumento da expressão de PDGF
Fig. 42 - Regeneração Epitelial acompanha a progressão tumoral e
pode explicar o elevado grau de
estromalização de muitos destes tumores. Numa fase de contracção da cicatriz pode ser
detectada a presença de miofibroblastos, o mesmo acontece em alguns tumores,
principalmente nos que apresentam elevado grau de malignidade, o que se pensa estar
relacionado a um aumento dos níveis de TGF-β1.
A presença de miofibroblastos no estroma leva a que este seja denominado como
desmoplástico, o que condiciona uma intensa deposição de MEC e confere uma rigidez
extrema ao tumor. O estroma desmoplástico resulta da secreção de colagénio do tipo I e III,
fibronectina, proteoglicanos e glicosaminoglicanos. Os miofibroblastos secretam ainda MMPs
e outras proteases que ajudam a libertar factores de crescimento sequestrados na MEC.

Com a evolução do tumor, o estroma reduz a quantidade de células e passa a ser


progressivamente mais denso e acelular. Uma das diferenças verificadas neste processo ao
nível dos tumores é que este se prolonga indefinidamente.
A população mista de fibroblastos e miofibroblastos presente no estroma dos tumores
epiteliais denomina-se Fibroblastos Associados ao Carcinoma (CAFs). Tumores em que se

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detectou a presença destas células demonstraram ter um pior prognóstico, o que nos diz que
um estroma rico em miofibroblastos pode ser indicativo da agressividade do tumor.

Contributo do Estroma para a Génese Tumoral


A importância dos fibroblastos do estroma no suporte do crescimento tumoral pode
ser demonstrada em meio experimental. Células epiteliais da mama transformadas mostraram
demorar mais de duas semanas para originar um tumor quando implantadas num ratinho
imunocomprometido. No entanto se estas células fossem misturadas com fibroblastos do
estroma mamário antes de serem injectados, o tumor formava-se em um terço do tempo. Esta
experiência demonstra a necessidade das células tumorais em recrutar fibroblastos, o que
pode demorar várias semanas e justificar o maior tempo no primeiro grupo.

Uma outra experiência pretendeu comparar o papel dos CAFs e dos fibroblastos
normais na capacidade de promover o crescimento tumoral. Assim ambos foram introduzidos
com células transformadas e verificou-se que a presença dos CAFs levava a que as células
tumorais fossem 50 vezes maiores quando comparadas com o controlo, ou seja, onde estavam
os fibroblastos normais. Esta experiência evidenciou a diferença entre os CAFs e fibroblastos
normais.

Era agora necessário perceber como os CAFs poderiam promover o crescimento


tumoral, chegando-se à conclusão de que o maior benefício seria a angiogénese. Os CAFs têm
a capacidade de libertar CXCL12, uma quimiocina com capacidade de recrutar células
precursoras endoteliais (EPCs) para o estroma do tumor. O VEGF secretado pelos
miofibroblastos leva estes precursores a diferenciarem-se em células endoteliais, promovendo
desta forma a neovascularização. A angiogénese é tida como um dos factores limitantes do
crescimento tumoral, e como tal a presença de CAFs é encarada como uma vantagem que
permite acelerar a angiogénese tumoral.

Verificou-se que algumas células do estroma não se comportam desta forma em


tumores, e que com o evoluir da situação e tempo as células do estroma podem acompanhar a
progressão do tumor, chegando muitas delas a ter as mesmas mutações que as células
tumorais.

Macrófagos: Activação do Estroma Associado ao Tumor

Inicialmente pensou-se que


os macrófagos seriam um
interveniente negativo na génese
tumoral, o que se deveria ao seu
papel na imunidade. No entanto
actualmente verifica-se que o seu
papel é o de promover o
desenvolvimento do tumor.
Os monócitos são atraídos
para o local do tumor através da
libertação de factor MCP-1 pelas
células epiteliais tumorais, o que
também promova a diferenciação de
monócitos em macrófagos. Noutros Fig. 43 - Papel do PDGF na Angiogénese

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tumores pensa-se que o PDGF e o VEGF estimulem a migração dos monócitos para o local,
enquanto o CSF-1 promove a diferenciação monócito-macrófago.

Quando presentes de forma estável no estroma dos tumores, os macrófagos


desempenham um importante papel na angiogénese. Existe uma correlação entre os níveis de
MCP-1, o número de macrófagos e o nível de angiogénese. O papel importante dos
macrófagos na progressão tumoral foi demonstrado por um pior prognóstico nos tumores com
elevada densidade deste fagócito.
Após terem sido recrutado
pela presença de MCP-1, os
macrófagos secretam activamente
VEGF e IL-8 que activam a
angiogénese. As áreas hipóxicas
do tumor recrutam macrófagos, os
quais parecem ter uma maior
resistência a esta condição, e que
perante este meio adverso
libertam VEGF. No entanto as
áreas centrais, onde a hipoxia é
mais frequentemente, parecem
mostrar que os macrófagos não
são muito eficazes nesta tarefa, o
que em tumores com uma maior
taxa de crescimento pode
conduzir a uma área central
necrótica.

Tal como o

Fig. 44 - Papel dos TAMs miofibroblastos, também os


macrófagos secretam MMPs, que
neste caso contam com o predomínio da MMP-9. Esta MMP está envolvida na progressão
tumoral e é secretada pelos Macrófagos Associados ao Tumor (TAMs). Esta MMP-9 cliva
IGFBPs, que retêm IGFs no espaço extracelular, em particular o IGF-1, responsável por sinais de
sobrevivência nas células vizinhas. Os TAMs ao produzirem EGF podem directamente estimular
a proliferação dos tumores que expressem R-EGF.

Acesso à Circulação: Células Endoteliais e Vasos


Tal como nos tecidos normais o acesso à circulação é um dos requisitos para o
crescimento e sobrevivência das células tumorais, tendo-se verificado que estas a mais de 0,2
milímetros de um vaso viam o seu crescimento bloqueado.
Esta distância está relacionada com a capacidade do oxigénio se difundir nos tecidos
vivos, após esta marca a hipoxia surge e pela via do p53 a célula entra em apoptose. No caso
das células tumorais com mutações no p53, muitas delas adquirem uma determinada
resistência à hipoxia.
Dada a necessidade de vascularização dos tecidos em geral, a angiogénese é um
processo observado na embriogénese e na génese tumoral. Neste processo, quando
fisiológico, as relações heterotípicas entre células próximas conduzem o processo de formação
dos capilares. Durante a génese tumoral as células têm que evocar um programa genético que
não era previsto e como tal estão dependentes dessas interacções com as células vizinhas,
mesmo algumas não-neoplásicas.

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O processo pelo qual se inicia a angiogénese já foi descrito, com a libertação de


CXCL12 pelos miofibroblastos e posterior libertação de VEGF. A produção de VEGF é
dependente dos níveis de hipoxia, o que na maior parte das células se encontra em relação
com as proteínas VHL e HIF-1.
Os produtos de acção do HIF-1 são diversos factores angiogénicos, dos quais se
destaca do VEGF. Na presença destes factores as células endoteliais proliferam e formam
capilares, penetrando nos tecidos em direcção aos locais com maior concentração de factores.

Existem outros factores que merecem ser salientados, como é o caso do TGF-β, BFGF,
IL-8, Angiopoetina, Angiogenina e PDGF. Não só as células endoteliais constituem os vasos,
existe a necessidade de os mesmos serem rodeados por perícitos e células musculares lisas.
No tumor todo este processo é caótico, originando capilares com um diâmetro três
vezes superior ao normal, uma distribuição aleatória e desorganizados dos perícitos, como
terminações abruptas ou ancas que regressam ao próprio vaso. A distância e adesão entre as
células endoteliais estão alteradas, deixando espaços superiores entre as mesmas, o que
permite a saída de plasma e células, com consequente deposição de fibrina no parênquima do
tumor. Estima-se que a permeabilidade destes vasos seja dez vezes superior ao normal, o que
se pode dever a uma menor adesão entre as células endoteliais, mas também a uma produção
desregulado de VEGF.

Estas alterações parecem estar ligadas com um desequilíbrio entre os agonistas e os


antagonistas da angiogénese. Enquanto o VEGF inicia a formação dos capilares pelo
recrutamento de células endoteliais, as Angiopoetinas 1 e 2 induzem o recrutamento de
perícitos e células musculares lisas, o que contribui para a maturação e estabilidade dos vasos.
Um desequilíbrio na produção destes factores, com predomínio do VEGF, parece estar na base
desta forma defeituosa dos vasos tumorais.
A fragilidade dos capilares tumorais permite que grandes quantidades de fluido saiam
para o espaço intersticial. Nos tumores existe uma defeituosa formação de linfáticos dada a
sua pouca capacidade para resistirem à pressão exercida pelo crescimento tumoral.
Nestas condições a acumulação de fluidos no espaço extracelular torna-se muito
elevada, o que origina um aumento da pressão hidrostática no meio extracelular,
condicionando a administração de fármacos, mais concretamente o seu acesso às células
tumorais.

Variação Angiogénica e Expansão Tumoral


Pensa-se que esta capacidade de induzir a angiogénese seja uma característica que
inicialmente muitos tumores não possuem, mas que ao longo da progressão tumoral
adquirem.
Durante a fase inicial da génese tumoral o crescimento tumoral é bloqueado pela
hipoxia, esta por sua vez activa uma via da apoptose dependente do p53. No entanto a partir
de certo momento estas células adquirem a capacidade de induzirem a formação de capilares,
capacidade que é transmitida à descendência – variação angiogénica. Fruto da especulação,
este mecanismo foi indicado como uma barreira à formação dos tumores, dado que em células
normais não lhes é permitido proliferar sem que tenham a capacidade de induzir a
angiogénese.
Este fenómeno parece estar dependente de três processos:
- Recrutamento de células inflamatórias;
- Secreção de MMP-9 e libertação de VEGF sequestrado na MEC;
- Resposta proliferativa das células endoteliais sob a acção do VEGF.

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Muitas células endoteliais são recrutados das Células Progenitoras Endoteliais


Circulantes (CEPs), no entanto a origem dos perícitos não é ainda conhecida.

Variação Angiogénica: um processo complexo


A angiogénese inicia-se antes da
ruptura da membrana basal pelo tumor,
o que é possível devido à libertação de
factores angiogénicos através dos poros
da mesma. Também antes do fenótipo
invasivo, já os miofibroblastos são
recrutados para o estroma em redor.
Inicialmente a angiogénese é
circunscrita, apenas se torna massiva
quando o tumor se torna invasivo.

O processo de angiogénese e o
grau de vascularização de um tumor

Fig. 45 - Variação Angiogénica relacionam-se com o grau do mesmo e


por isso com o prognóstico. Podemos
então especular que uma boa vascularização permite aos tumores crescer mais
agressivamente, e então com piores parâmetros clínicos para o hospedeiro; ou por outro lado
a angiogénese pode apenas ser um marcador de agressividade do fenótipo, não estando
casualmente envolvido com o progresso para um grau de alta malignidade. No entanto não é
ainda possível avaliar qual destas hipóteses é a mais correcta.

A variação angiogénica envolve modificações mais profundas, como a passagem de


vasos criados a partir de vasos pré-existentes para um processo que envolve o recrutamento
de EPCs da medula óssea. Este processo é estimulado pela libertação de VEGF pelas células
tumorais, bem como de CXCL12 libertado pelos miofibroblastos.
A capacidade de recrutar EPCs, bem como a presença de miofibroblastos mostra que o
tumor tem capacidade para se disseminar pelo organismo e formar metástases.

Supressão da Angiogénese por Inibidores Fisiológicos


Durante os processos fisiológicos estreitamente regulados os factores positivos são
contrabalançados por reguladores negativos. Como exemplo temos a necessidade de parar a
angiogénese na regeneração de tecidos quando o número e área de capilares cobre as
necessidades. Neste caso, este processo é comandado pelo cessar de produção de HIF-1
devido à presença de oxigénio em quantidades suficientes.
Existem outros compostos ao nível da MEC com capacidade para bloquear a
angiogénese excessiva. Um dos melhores caracterizados é a Trombospondina-1 (Tsp-1), que
ao ser produzida por diversas células do estroma vai actuar ao nível do CD36 e inibir a
proliferação das células endoteliais. Por outro lado, a presença de Tsp-1 conduz à libertação de
FasL, o que ao ligar-se ao receptor Faz activa uma cascata pró-apoptótica.

É interessante verificar que o receptor Fas apenas está presente nas células que estão
a proliferar activamente, sendo que as células maduras não expressam este receptor. Este
mecanismo permite seleccionar quais as células a eliminar, não afectando os vasos formados e
que se encontram estáveis.

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A expressão do gene tsp-1 é induzida pelo


p53, pelo que nos casos em que este gene está
mutado a célula perde a capacidade de bloquear
a angiogénese por esta via.
A oncoproteína Ras actua no sentido
contrário, ou seja, inibe a expressão de tsp-1, o
que pode explicar o elevado poder angiogénico
das células ras-transformadas.

Sabe-se da existência de outros


inibidores, existe evidência de que o tumor
primário liberta muitas destas substâncias que
inibem a proliferação das metástases. A remoção
do tumor primário por via cirúrgica origina um
aumento e intensa vascularização das metástases
em alguns casos. Diversos destes factores
comprovaram estar sequestrados na MEC, dos
quais se destacam a endostatina, a tumestatina e
angiostatina.
Uma outra classe de moléculas que
inibem a angiogénese agrupam-se nos Inibidores
das Metaloproteinases (TIMPs), cujo mecanismo
de acção é inibir o avanço dos capilares.

A forma mais complexa de inibir a


angiogénese é uma forma variante da Triptofanil-
Fig. 46 - Mecanismo de Acção do Tsp-1
tRNA Sintetase, que compõem o complexo de
síntese proteica. Esta forma variante tem a capacidade de induzir a apoptose de células
endoteliais, sendo a sua produção dependente do interferão.

Terapêuticas Anti-Angionése: uma promessa futura


Tendo em conta que um tumor não
consegue atingir mais de 0,2 milímetros sem que
haja angiogénese, estas terapêuticas parecem
ser altamente eficazes.

Um dos grandes problemas neste campo


é a ocorrência de resistências a quando da
presença de recidivas, tornando-se o tumor
refractário à terapêutica.
A escolha destas células como alvo
terapêutico deve-se ao facto de estas se
encontrarem em constante renovação, e como

Fig. 47 - Inibidores vs. Activadores tal proliferação contínua, o que as deixa mais
sensíveis à terapêutica.

Foram testadas algumas das moléculas endógenas, no entanto tanto a angiostatina


como a endostatina não demonstraram grande eficácia em bloquear a conversão angiogénica.
Quando utilizados para reduzir a vascularização já existente os resultados foram muito
diferentes, tendo estas diminuído a massa do tumor em 80% e 50% com a endostatina e

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angiostatina, respectivamente. Quando utilizamos em conjuntos originam uma redução em


75% da massa do tumor.

Outra classe estudada foram os Interferões α e β, que são potentes supressões da


síntese de BFGF e IL-8, ambos potentes factores angiogénicos. Por outro lado foram
desenvolvidos anticorpos monoclonais que neutralizam o VEGF-A, o qual demonstrou uma
grande eficácia, o Bevacizumab. Por último, foram ainda desenvolvidas pequenas moléculas,
como o TNP-470, que demonstrou reduzir em 70 a 80% o tamanho do tumor.
Foram ainda desenvolvidas moléculas com capacidade de bloquear os receptores do
VEGF e PDGF, estabilizando 90% dos tumores e regredindo o seu tamanho em 80%.

Esta terapêutica anti-angiogénica pode promover e reforçar a acção de outras


terapêuticas, nomeadamente radioterapia e quimioterapia.

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Oncogenes Celulares
Oncogenes Celulares e Oncogenes dos Retrovírus
A análise dos oncogenes levou-nos a compreender que estes derivam de genes
celulares normais, os proto-oncogenes. No caso dos retrovírus verificou-se que os proto-
oncogenes tinham sido integrados no seu genoma e transformados em potentes oncogenes.
Surgiu então a hipótese de estes proto-oncogenes poderem ser activados por outro
mecanismo mutacional que não dependesse dos retrovírus. A lista de oncogenes celulares em
tumores não induzidos por vírus e os que são induzidos por vírus demonstrou uma intensa
relação. Atestou-se ainda que em tumores humanos existia muitas vezes um número aumento
de cópias dos oncogenes presentes nos retrovírus – amplificação genica. Estabeleceu-se desta
forma que um aumento no número de cópias do gene conduzia a um aumento da produção e
consequente aumenta da função de uma determinada proteína, o que poderia conduzir a uma
maior sobrevivência e proliferação. Um dos primeiros exemplos foi a amplificação do gene
eRbB em tumores do estômago, mama e cérebro, o que hoje sabemos ser extensível a muitos
outros.

No ano de 1987, a amplificação do


gene eRbB2, ou também denominado neu
ou HER2, foi associada a um grande número
de carcinomas da mama. Um aumento em
mais de cinco cópias deste gene está
correlacionado com uma diminuição da
sobrevivência. Foi ainda possível relacionar a
amplificação genica com o aumento da
produção de proteína, no entanto não é
necessário um aumento ao nível da
quantidade de DNA, podendo este aumento
verificar-se no domínio do mRNA ou outro
componente envolvido na expressão genica.
Esta correlação entre o aumento da proteína
HER2 e a diminuição da sobrevivência,
permite concluir que esta proteína está
envolvida na progressão maligna das células
tumorais. Fig. 48 - Amplificação Génica

Ironicamente, o primeiro oncogene descoberto, o src, raramente foi identificado em


tumores humanos, estando presente apenas em 12% doas células de carcinoma do cólon em
estado avançado.
Esta relação entre os oncogenes dos retrovírus e os oncogenes presentes nas células
tumorais permitiu concluir que muitos dos proto-oncogenes poderiam ser activados não só
pelos vírus, mas também por outros mecanismos mutacionais durante a génese tumoral.

Activação de Proto-Oncogenes
Sabendo já que muitos dos proto-oncogenes eram encontrados numa forma activa,
faltava saber qual o mecanismo que conduz a esta situação. Nas células normais a expressão

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dos proto-oncogenes é regulada por um promotor, estando este sob o controlo de um grande
número de sinais fisiológicos.
No caso dos proto-oncogenes adquiridos por um retrovírus a sua expressão passa a ser
controlada pelo promotor viral, o que conduz a um aumento constitutivo dessa proteína. Os
proto-oncogenes integrados no genoma dos vírus deixam de ser responsivos aos sinais
fisiológicos e transformam-se em oncogenes. No caso do gene c-myc, cuja expressão é
controlada pelos sinais mitogénicos, quando proveniente do vírus AMV, passando a designar-
se v-myc, vê a sua expressão aumentada de forma constante, ou frequentemente denominada
constitutiva.

Centrando-nos no proto-oncogene humano H-ras, a sua activação não poderia ser por
amplificação, dado que no carcinoma da bexiga este gene encontra-se presente numa única
cópia. A sequenciação deste gene permitiu concluir que existia uma mutação, sendo esta
responsável pela transformação deste gene num oncogene. Ao analisar a estrutura de ambas
as proteínas não foi possível identificar diferenças, no entanto a oncoproteína tinha a
capacidade de transformar células in vitro e a proto-oncoproteína não.

Este dilema foi resolvido com uma análise mais pormenorizada dos 350 pares de base
do gene H-ras, o que revelou uma subtil substituição de uma Guanina por uma Timidina. Esta
mutação pontual única, era responsável pela conversão completa de um gene normal num
oncogene.
No caso particular deste oncogene, o H-ras, sabe-se que foi retirado de um carcinoma
da bexiga de um indivíduo fumador. Os carcinogéneos presentes no tabaco, ao serem
excretados pela urina originam esta mutação no gene H-ras. Esta mutação conferiu uma
vantagem proliferativa a este clone, o que anos mais tarde culminou no diagnóstico de um
tumor.

Este novo mecanismo de formação de oncogenes através de uma mutação e


consequente alteração da estrutura da proteína veio contrastar com o mecanismo observado
no oncogene myc, em que uma desregulação na sua expressão origina o fenótipo tumoral.
Ao longo de décadas vários tumores foram identificados como possuindo uma
mutação em um dos três genes ras (H-ras, K-ras e N-ras), no entanto as mutações eram
restritas a alguns aminoácidos, nomeadamente 12, 61, e menos frequentemente no
13. Sabe-se que cerca de 20% dos tumores humanos são portadores de uma mutação
num dos genes ras.
Tanto o mecanismo de alteração da regulação, como o da alteração da
estrutura parecem estar envolvidos na formação de oncogenes, o que se comprova
pela presença destes dois mecanismos nos oncogenes ras e myc, embora em
proporções diferentes em cada um.

Variações no Mecanismo: 3 vias para o gene myc


A observação de diversos tumores permitiu verificar que em alguns casos existia uma
desregulação na expressão do gene myc que promovia a sua activação, mas por outro lado
existiam situações e que se observava uma grande amplificação deste mesmo gene.
O processo de amplificação genica permite que um grande número de cópias do gene
c-myc sejam encontradas numa única células, o que contribui para uma maior expressão do
gene e consequente produção de proteína. A região amplificada é restrita, não indo afectar
outras regiões, sendo ainda possível identificar autossomas contendo este gene.

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Outra forma de alterar a expressão do gene myc é através da inserção do mesmo perto de um
promotor viral, passando o gene a estar sob a regulação da replicação viral. Nesta situação a
proteína é sintetizada de forma constitutiva, o que induz na célula um aumento dos sinais
promotores do crescimento.

Existe um outro mecanismo em que


não há amplificação génica, nem
mutagénese insercional, estando o gene c-
myc na sua posição normal. Este
mecanismo pode acontecer se um gene
passa a estar sob o controlo de um outro
promotor celular. O exemplo deste
mecanismo é o Linfoma de Burkitt, em que
existe uma relação com a infecção crónica
pelo EBV e o parasita da malária, e se
observa a fusão de cromossomas –
translocação. Verifica-se a fusão de uma
região cromossómica com a região de um Fig. 49 - Translocação (8;14)
outro cromossoma, que no caso do Linfoma
de Burkitt envolve os cromossomas 2, 14, 22, com o cromossoma 8.
No cromossoma 8 localiza-se o gene myc, enquanto nos pontos de quebra dos
restantes cromossomas é possível identificar o promotor de três imunoglobulinas diferentes.
Esta alteração é possível de explicar por uma perda de especificidade nas enzimas
responsáveis pela recombinação durante a formação de uma imunoglobulina.
Este mecanismo coloca o gene myc fora do controlo do seu promotor normal,
passando a estar sob o controlo de três promotores altamente activos nas células linfóides.
Após esta descoberta muitas outras translocações foram identificadas em associação com a
activação de proto-oncogenes.

Em resumo, existem três mecanismos possíveis para a activação do proto-oncogene c-


myc:
- Mutagénese Insercional;
- Amplificação Génica;
- Translocação Cromossómica.

Outras Alterações na Activação de Oncogenes


Em alguns tumores
como os da mama e
estômago está envolvida a
activação de proto-
oncogenes que têm como
função serem receptores de
membrana. Estes receptores
possuem um domínio
extracelular e outro
intracelular, sendo que o
Fig. 50 - Receptor Truncado
primeiro reconhece o
ligando e conduz a uma
alteração no segundo.

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Em 1/3 dos glioblastomas, o R-EGF encontra-se decapitado, perdendo quase na


totalidade o seu domínio extracelular, que por sua vez permite a transdução de sinal na
ausência de ligando.

Uma translocação cromossómica


ligeiramente distinta da que está presente
no Linfoma de Burkitt é encontrada na
Leucemia Mielóide Crónica. Neste caso
existe uma fusão entre as proteínas Abl e
Bcr, o que origina uma desregulação da
proteína Abl, que habitualmente é
extremamente controlada, originando-se um
aumento dos sinais pró-proliferativos.
Após estas descobertas muitos
outros exemplos de proteínas híbridas foram
envolvidas na génese tumoral.

Fig. 51 - Proteína Híbrida Bcr-Abl

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Factores de Crescimento,
Receptores e Cancro

Receptor do EGF como uma Tirosina Quinase


Após a amplificação e sequenciação do oncogene v-src muitos outros oncogenes foram
identificados e sequenciados, no entanto esta informação pouco nos indicava sobre a sua
função bioquímica.
Numa área paralela de investigação era pretendido compreender a transmissão de
sinais entre as diversas células, chegando-se à conclusão de que existia uma enorme
semelhança entre alguns oncogenes e os genes que codificavam estas proteínas sinalizadoras.
O primeiro dos factores de crescimento descoberto foi o EGF (Epidermal Growth Factor),
estando inicialmente relacionado com a indução da abertura dos olhos em ratinhos
prematuros. Foi ainda classificado como factor mitogénico para diversas células epiteliais
posteriormente.

Fig. 52 - Vias de Transdução de Sinal

O EGF tinha a capacidade de se ligar à superfície das células nas quais induzia
proliferação, o que não se verificava nas não responsivas a este factor. Especulou-se que
existiria uma proteína de superfície que reconhecia este factor, R-EGF, e que transmitia a
informação do meio extracelular para o interior da célula. O EGF foi então categorizado com o
ligando para o E-EGF.

Avaliando a presença de R-EGF nas células normais verificou-se que, como em muitos
outros casos, os seus níveis de expressão eram muito baixos. Em alguns tumores deparamo-
nos com um grande aumento da expressão deste receptor, o que de certa forma confere uma
vantagem proliferativa para estas células. Esta enorme quantidade deste receptor em células

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tumorais permitiu que o mesmo fosse purificado e posteriormente fosse determinada a sua
sequência de aminoácidos.

Esta análise e sequenciação permitiram concluir que existia um domínio N-terminal


extracelular ou ectodomínio, que estava envolvido no reconhecimento do ligando EGF. Um
segundo domínio, comum a muitas das glicoproteínas da superfície celular, apresentava-se
como sendo transmembranar devido à presença de uma cadeia contínua de aminoácidos
hidrofóbicos. Por fim, um terceiro domínio com 542 resíduos de aminoácidos na extremidade
C, que se localiza no citoplasma.

A estrutura deste receptor transparece a sua função, ou seja, um ligando interage com
o ectodomínio, que transmite o sinal pela região transmembranar e activa o domínio
citoplasmático. Uma análise mais detalhada deste domínio citoplasmático revelou semelhança
com a sequência da proteína Src. Conclui-se então que após a ligação do ligando, o domínio
citoplasmático seria activado originando a fosforilação de um resíduo de tirosina numa
proteína, que por sua vez inicia uma cascata de sinalização e termina com um sinal para
proliferar.

Após esta descoberta muitas outras tirosina quinases foram associadas a oncogenes
conhecidos. Este receptor está envolvido em diversos processos biológicos, não apenas na
proliferação celular, mas também na modificação da forma celular, na sobrevivência celular e
na motilidade celular.

Oncoproteínas: Receptores de Factores de Crescimento


Alterados
Em 1984 o R-EGF foi
relacionado com o conhecido
oncogene HER2. Este gene foi
inicialmente identificado no
AEV ou Vírus Aviário da
Eritroblastose, o que originou
a hipótese de um receptor
para os sinais de proliferação
poder ser transformado num
potente oncogene.
Após a análise Fig. 53 - Alterações nos Receptores
detalhada verificou-se que a proteína HER2 no AEV não possuía o seu ectodomínio, ou seja, a
sua região N-Terminal estava ausente. Sem este domínio o R-EGF não tinha a capacidade para
reconhecer o ligando, no entanto funcionava ainda como um potente indutor da proliferação
celular. A presença de um receptor truncado, ou seja, sem a sua porção extracelular, estava
relacionada com um activação constitutiva do receptor e independente do seu ligando.
Diversas mutações identificadas na região transmembranar, no ectodomínio ou no domínio
citoplasmático, estão relacionado com uma activação independente do ligando.

Este mecanismo explica a independência face aos factores de crescimento das células
tumorais. A presença constante de sinais positivos originados na oncoproteína HER2 levam a
célula a comportar-se como se uma enorme quantidade de EGF estivesse presente no meio,
ou seja, a proliferar de forma não controlada.
É possível identificar em diversos tumores humanos versões truncadas do receptor do
EGF. No caso do cancro do pulmão, uma delecção na região entre os exões 2 a 7 origina uma

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ausência de grande parte das regiões codificantes do ectodomínio, o que pode resultar de
splicing alternativo do percurso de mRNA em outros casos. Em muitos casos existe um
receptor para o EGF com uma estrutura mantida, mas são detectadas quantidades
aumentadas ou sintetizados com uma forma alterada.

Factores de Crescimento como Oncogenes


A investigação na área dos
oncogenes deu outro salto quando o
PDGF (Platelet-derived Growth Factor)
foi sequenciado e se detectou que a sua
cadeia B era idêntica ao oncogene v-sis
do Vírus do Sarcoma dos Símios.
O PDGF era distinto do EGF em
estrutura e estimulava a proliferação de
células diferentes, nomeadamente
mesenquimatosas. Esta diferença entre
estes factores é explicável pela Fig. 54 - Ciclo Autócrino
expressão de R-PDGF em células mesenquimatosas e de R-EGF em células epiteliais, no
entanto ambos utilizam tirosina quinases no seu domínio citoplasmático como região efectora.

Esta semelhança entre a proteína resultante do v-sis e o PDGF leva-nos a outro modo
de gerar oncoproteínas. A presença de moléculas PDGF-like, codificadas pelo oncogene v-sis,
levam a uma sobrestimulação de R-PDGF, o que por sua vez condiciona um estímulo
proliferativo.
Esta descoberta permitiu perceber a razão pela qual o Vírus do Sarcoma de Símios
apenas tinha a capacidade de transformar fibroblastos e não células epiteliais, isto deve-se à
especificidade da molécula PDGF-like produzida pelo oncogene v-sis.

As células tumorais na presença deste oncogene são obrigadas a produzir esta


oncoproteína que irá actuar de forma parácrina e endócrina, e mais importante, de forma
autócrina, formando um ciclo em que a célula produz o seu próprio factor mitogénico.
Diversos tumores parecem possuir este mecanismo, ou seja, de produzirem os factores
para os quais possuem receptores. Um caso exemplificativo é o de alguns cancros do pulmão
que produzem TGF-α, SCF e IGF, e em simultâneo expressam receptores para estes factores.

Em tecidos normais a proliferação da célula depende da produção de factores por


outras células, o que ajuda a manter a estabilidade da população e arquitectura do tecido. A
presença de um auto-controlo da sua proliferação através destes ciclos autócrinos represente
um perigo eminente.

Transfosforilação: modo de acção dos Recept ores


Tirosina Quinase
Apesar de estar claro que alterações quer no receptor, que nos níveis de expressão do
ligando, podem originar vantagem proliferativa à célula tumoral, falta ainda compreender o
mecanismo que leva à transdução de sinal do meio extracelular para o meio intracelular.

A quando da ligação do ligando, os resíduos de tirosina eram fosforilados, no entanto


verificou-se que ainda que existia a possibilidade de auto-fosforilação independente do
ligando. A estrutura deste receptor é dimérica, podendo formar-se homodímeros, no caso de

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duas subunidades idênticas, ou heterodímeros, no caso de subunidades diferentes. Por outro


lado, estes receptores são móveis na membrana, o que se deve ao seu domínio
transmembranar.
Surgiu então um modelo
em que os receptores na ausência
de ligando encontravam-se como
monómeros, livres e móveis na
membrana celular. Na presença do
ligando, este reconhece e liga-se
ao ectodomínio, formam-se
complexos que percorrem a
membrana plasmática até se
ligarem a outro monómero e
formarem um heterodímero ou
homodímero. Com a formação
destes dímeros, devido à
Fig. 55 - Transfosforilação na Presença do Ligando
aproximação dos ectodomínios,
também os domínios citoplasmáticos se aproximam. Perante esta aproximação cada domínio
tirosina quinase fosforila o outro, num processo denominado transfosforilação.
Após a fosforilação destes resíduos de tirosina podem existir duas consequências:
- O centro catalítico da quinase, que habitualmente se encontra obstruído, pode ser
exposto permitindo uma maior acessibilidade ao substrato;
- A fosforilação destes resíduos permite a activação de todo uma cascata subsequente
de sinalização, através de fosforilações sucessivas.

A dimerização dos receptores pode explicar como os receptores dos factores de


crescimento participam na génese tumoral se sobreexpressos. Tendo em conta o número
muito aumentado de receptores na membrana e a sua capacidade de mobilização, a
probabilidade de os receptores colidirem e originarem uma dimerização, idêntica à conseguida
pela ligação do ligando, é alta. Perante esta dimerização do receptor este é activado através de
transfosforilação e inicia toda uma cascata de transdução de sinal.

A distinção entres estes dois mecanismos é complexa, no entanto através de


experiências conclui-se que provavelmente este mecanismo é mais importante.

Diversas alterações na estrutura do receptor podem culminar com a sua activação,


sem que haja sobreexpressão do mesmo.
Um outro modo de activação do receptor é através da formação de proteínas de fusão,
o que condiciona a activação do domínio citoplasmático sem ligação do factor.

Foi dado ênfase ao mecanismo de dimerização na génese de oncoproteínas, no


entanto existem outras formas, das quais salientamos alterações estruturais que conduzem a
uma rotação no domínio citoplasmático e expõem o local activo, o que favorece a
transfosforilação.

Proteína Ras
Após a descoberta de que os oncogenes HER2 e sis codificavam proteínas membros de
uma cascata de sinalização, as pesquisas concentraram-se nesta área, em particular na
proteína Ras. O oncogene ras induzia a transformação tal como os outros dois, sendo a

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morfologia idêntica. Colocou-se então a hipótese de existir uma cascata de sinalização em que
o Ras se seguida ao Sis e HER2.

Na época era claro que os receptores tirosina quinase após activação viam os seus
resíduos de tirosina fosforilados, no entanto não era ainda compreendido como este evento ia
culminar num sinal mitogénico para a célula.
Uma análise mais profunda da proteína Ras confirmou a presença de três genes ras
distintos, e quatro proteínas, o que é possível através de splicing alternativo no caso do K-ras.
Apesar de diferentes na sequência de aminoácidos, todas as proteínas Ras têm estrutura e
função idênticas.
Tal como as proteínas G, a Ras, tem a capacidade de se ligar e hidrolisar nucleótidos de
guanosina, o que demonstra um mecanismo de acção distinto dos receptores de tirosina
quinase, mas com um efeito similar.

A Ras liga-se a uma molécula de


GDP quando está no seu estado
quiescente, ou seja, inactivo. Perante
um sinal estimulatório, a Ras adquire
uma molécula de GTP, por intermédio
da GEF, e passar a ter a capacidade de
conduzir o sinal. Devido à sua
capacidade intrínseca de GTPase, e
quando induzida pela GAP, a Ras cliva o
GTP, que passa a GDP, e volta ao seu
estado inactivo. Este processo é
relativamente rápido, tendo a Ras a
capacidade de se inactivar
automaticamente ao fim de um certo Fig. 56 - Mecanismo de Acção da Ras
tempo pré-determinado.

Uma mutação pontual na proteína Ras origina uma forma com a capacidade de se ligar
ao GTP, tornando-se activa, no entanto sem a sua função de GTPase é incapaz de clivar o GTP
em GDP. Perante esta situação, quando o GFF induz a Ras a ligar-se a uma molécula de GTP,
esta fá-lo, tornando-se activa, no entanto não possui a capacidade de regressar ao seu estado
inactivo, mesmo com a presença da GAP, o que origina um sinal constitutivo.
Perante este panorama conclui-se, após
outros estudos, que as mutações pontuais mais
frequentes originam mutações com perda de
sentido ou missense do que sem sentido ou
nonsense. No caso particular da Ras estas
mutações localizam-se invariavelmente nos
codões 12 e 13, e mais raramente no 61.
Este número restrito de locais
mutacionais no gene ras indica que
possivelmente são locais preferenciais, que
neste caso correspondem ao centro catalítico
com função de GTPase. Compreendemos que
este reduzido número de mutações deve-se ao
Fig. 57 - Estrutura da Ras
facto de que ao ocorrerem noutro local
comprometem a função da proteína no sentido
de perda de função, enquanto nestes locais conferem um ganho de função e consequente
vantagem proliferativa para a célula.

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Circuitos de Sinalização
Citoplasmática

Via de Sinalização: da superfície celular para o núcleo


Com o intuito de compreender
melhor mecanismo envolvido na
resposta à exposição a mitogénicos
desenvolveram-se experiências,
nomeadamente uma em que todas as
células foram conduzidas a
permanecer no seu estado quiescente,
ou G0, devido à ausência de factores
de crescimento. Posteriormente foi
adicionada às células plasma fresco
rico em factores mitogénicos, o que
despertou de forma síncrona um inicio
na replicação do DNA e entrada no
ciclo celular. Através desta experiência
foi possível identificar a expressão
inicial de mais de 100 genes,
denominados genes de início
imediato, e que estão relacionados
com o contacto da célula com factores Fig. 58 - Vias de Sinalização
de crescimento. O bloqueio da
expressão de alguns destes genes impedia as células de abandonarem o estado G0, o que os
relaciona com a resposta celular aos factores mitogénicos.

Na tentativa de compreender melhor este processo, foi adicionado a este experiência


cicloheximida, um potente inibidor da síntese proteica. Verificou-se que a presença de plasma
fresco induzia a mesma resposta que anteriormente, o que indica a ausência de síntese
proteica na indução dos genes de início imediato.

Estas experiências permitiram ainda comprovar que existia uma via de sinalização que
conduzia o estímulo desde a superfície celular até ao núcleo. Ficou ainda claro que este via de
sinalização não dependia do aumento da concentração de determinadas proteínas, mas sim na
alteração da sua estrutura, configuração ou localização citoplasmática.
Os genes de início imediato codificam um grande número de proteínas, algumas das
quais são factores de transcrição que ajudam na indução de uma segunda onda de expressão,
salientando-se os factores myc, fos e jun.

Os níveis de myc aumentam drasticamente após um sinal mitogénico e diminuem logo


que o sinal cessa. O tempo de semi-vida da proteína Myc é de apenas 25 minutos,
apresentando-se como um marcador celular da presença de factores mitogénicos no meio.
Este método de acção contrasta com o das proteínas Ras e Src, que se encontram presentes
em níveis normais e constantes, sendo que a sua activação depende de modificações
covalentes e não-covalentes.

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Estes diferentes mecanismos de acção influenciam o seu papel enquanto oncogenes,


no caso do oncogene myc predomina o aumento da sua expressão, enquanto nos oncogenes
src e ras a estrutura encontra-se alterada e os níveis normais.

Cerca de uma hora após a primeira onda de expressão génica surge uma segunda,
denominando-se genes de início tardio, e que foi amplamente bloqueada pela presença de
cicloheximida no meio. Este facto indica que esta segunda onda depende da síntese de novas
proteínas, estando esta dependente de factores de transcrição formados na primeira onda.

Além da relação entre os factores mitogénicos e a indução de genes nucleares, uma


outra relação foi encontrada. A quando da presença destes factores no meio a síntese proteica
aumenta de forma exponencial, o que é conseguido através da activação das proteínas que
permitem aos ribossomas traduzirem os mRNA. Em outros casos os factores de crescimento
demonstraram induzir motilidade, bem como reorganização dos filamentos do citoesqueleto.
Por fim, estes factores em muitas células actuam como sinais de sobrevivência, impedindo as
células de entrar em apoptose.

Concluímos então que os factores de crescimento interferem com diversas vias,


estando umas localizadas ao nível do núcleo, enquanto outras estão dispersas pelo citoplasma.

Proteína Ras: interveniente numa complexa cascata


sinalização
Apesar da estrutura e mecanismo de acção da proteína Ras terem já sido explicados,
continua ainda por compreender a forma como esta interage na cascata de sinalização que
tem início e é controlada pelos factores de crescimento e os seus receptores.

Através de estudos em Drosophila


melanogaster identificou-se o factor SOS,
abreviatura de son of sevenless, que por sua
vez tem função de GEF (Guanine Nucleotide
Exchange Factors). Assim sendo a proteína
SOS tem a capacidade de recrutar uma
molécula de GTP, forçando a proteína Ras a
trocar a sua molécula de GDP por uma de
GTP. Perante esta troca a proteína Ras passa
do seu estado inactivo para o seu estado
activo.
Dois outros factores, o Sho e o GRb2,
foram incluídos nesta cascata de sinalização,
sendo a sua função a de servirem como
adaptadores entre o receptor tirosina quinase
e a proteína SOS. Fig. 59 - Cascata de Sinalização da Ras

Neste momento a cascata tem início com a ligação dos factores de crescimento ao
receptor tirosina quinase, que por intermédio de Sho e GRb2 activam a proteína SOS e por fim,
esta última activa a proteína Ras.

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Via de Sinalização Ras: Cascata de Quinases


Está definido que a ligação de um factor de crescimento ao seu receptor activa toda
uma cascata de sinalização específica, no entanto não era compreendido como o oncogene ras
poderia alterar diversos componentes e mecanismos celulares.
Este facto foi explicado pelo início de pelo menos três cascatas de sinalização ao nível
da proteína Ras. A quando da ligação da Ras ao GTP, o domínio efector da Ras tem
possibilidade de interagir com um conjunto de complexos, na sua generalidade denominados
Efectores da Ras. Estes efectores ligam-se com grande afinidade à forma da Ras ligada ao GTP
e com pouca ou nenhuma afinidade à forma ligada ao GDP.

Fig. 60 - Vias Efectoras da Ras

O primeiro destes efectores descobertos foi a Quinase Raf, que tem como função
fosforilar resíduos de serina e treonina. Após esta descoberta a proteína Raf já foi incluída no
grupo das oncoproteínas.
A activação da Raf pela Ras depende de uma re-localização da Raf no citoplasma. A
proteína Ras encontra-se ancorada à membrana e quando se liga do GTP, a Ras activada atrai e
liga-se à Raf através do seu domínio efector. No seu estado basal a Raf encontra-se dispersa
pelo citoplasma, quando a Ras é activada e a Raf se associa a esta, passa a estar junto da
membrana.
Perante esta associação a Raf torna-se fosforilada, adquirindo a capacidade de sinalizar
e proceder à fosforilação de uma segunda quinase, a MEK ou MAPKK. A Raf numa outra
nomenclatura pode ser designada como MAPKKK.
A Quinase MEK tem dupla função, podendo activar quer uma tirosina quinase, quer
uma serina/treonina quinase. A MEK utiliza esta sua funcionalidade para fosforilar outras duas
quinases, Erk1 e Erk2. Estas por sua vez vão fosforilar outros substratos que regulam diversos
processos celulares, incluindo a transcrição. Tanto o Erk1, como o Erk2, podem designar-se
MAPK.

A este tipo de cascata de sinalização foi dado o nome genérico de MAPK (Mitogen-
Activated Protein Kinase). Esta nomenclatura generalista deu origem às designações MAPK,
MAPKK e MAPKKK, respectivamente, Erk, MEK e Raf, consoante a sua localização na cascata.

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A proteína Ras activa toda esta cascata, o que explica o facto de em tumores com o
oncogene raf o fenótipo de transformação é idêntico ao que se verifica na presença do
oncogene ras.

Uma vez activada, a quinase Erk, procede à fosforilação de substratos citoplasmáticos


e pode ainda deslocar-se para o núcleo, onde induz a fosforilação de determinados factores de
transcrição. Um destes factores é o Ets, que por sua vez estimula a expressão de EGF, Ciclina
D1, Fos e p21.
A quinase Erk conduz à expressão de dois genes de início, sendo eles o fos e jun. Além
da activação de diversos promotores de crescimento, esta via confere independência de
ancoragem e perda da inibição por contacto.

Em alguns tumores, o patamar da Raf pode estar fortemente alterado sem que haja
envolvimento da Ras. Em 60 a 70% dos melanomas, um análogo da Raf, denominada B-Raf,
encontra-se mutado e constitutivamente activo.
No entanto, continua por compreender a razão pela qual este melanoma desenvolve
uma forma mutante da B-Raf, mais do que Ras, para dirigir a sua proliferação.

Vias de Sinalização da Ras: Lípidos inositol e Quinase


Akt/PKB
Esta segunda via descendente da Ras evoca respostas celulares diferentes, das quais se
saliente a supressão da apoptose.
Estudos bioquímicos sobre a membrana
plasmática pareciam indicar que esta se tratava de
uma simples camada de fosfolípidos com função
de barreira. As suas características anfipáticas,
devido à sua cabeça hidrofílica e cauda
hidrofóbica, explicam a estrutura e morfologia
desta membrana. Uma análise mais
pormenorizada revelou que alguns destes
fosfolípidos tinham na sua cabeça hidrofílica um
Fig. 61 - Membrana Plasmática (Grupos Inositol) grupo inositol.
Através da adição de grupos fosfatos, e da
clivagem da cauda hidrofóbica, forma-se um fosfoinositol totalmente solúvel e com
capacidade para se difundir livremente, denominando-se IP3. Esta molécula poderia actuar
como uma hormona intracelular, levando o sinal desde a membrana a outras localizações
celulares, tendo sido designado como segundo mensageiro.
A restante extremidade resultante da clivagem, o DAG, tem a capacidade para activar
uma cascata de sinalização na dependência de uma serina/treonina quinase, mais
concretamente a Proteína Quinase C ou PKC.

Um mecanismo alternativo baseia-se na permanência do fosfolípido com o grupo


inositol na membrana plasmática, servindo este complexo como ponto de ancoragem para
determinadas proteínas plasmáticas.
Este grupo inositol pode ser alterado por diversos mecanismos, em que cada um
fosforila um grupo hidroxilo em particular. A Quinase Fosfatidilinositol 3 ou PI3K é
responsável por fosforilar o hidroxilo 3’ do fosfoinositol presente na membrana. A mais
importante deste grupo de quinases fosforila a molécula PIP2, levando esta a transformar-se
no Fosfatidilinositol Trifosfato ou PIP3. Uma diferença importante nesta via, em comparação

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com a da MAPK, é a de que uma quinase fosforila um substrato lipídico, em vez de outras
proteínas com função de quinase.

O mecanismo desta cascata inicia-se com a activação da Ras, ao ligar-se ao GTP, que
promove a aproximação da PI3K à proteína Ras. Este fenómeno aproxima a PI3K da
membrana, sendo que habitualmente se encontra dispersa no citoplasma, o que favorece a
sua proximidade ao seu substrato, neste caso as molécula de PI.
Esta cascata participa em diversas vias de sinalização, o que se comprova pelo facto de
ser activado por diversos factores, nomeadamente o PDGF, NGF (Nerve Growth Factor), IGF-1,
IL-3 e a ancoragem à MEC conseguida pelas integrinas.

A formação de grupos
inositol fosforilados tem
pouco ou nenhum efeito na
restante membrana
plasmática, dado que estes
fosfolípidos são um
componente minoritário. No
entanto estes grupos quando
fosforilados podem ser
reconhecidos por proteínas
habitualmente dispersas no
citoplasma, que se ligam a
este grupo e iniciam uma
outra via de sinalização.
O mais importante
dos grupos inositol

Fig. 62 - Via da PI3K fosforilados parece ser o PIP3,


para o qual diversas proteínas
plasmáticas parecem ter afinidade, das quais se destaca uma serina/treonina quinase
designada Akt ou Proteína Quinase B (PKB). Quando a molécula de PIP3 se forma por
intermédio da PI3K, uma molécula de Akt torna-se activa no seu domínio de quinase pela
ligação do domínio PH ao PIP3.

Após a activação da Akt/PKB por intermédio de fosforilação, esta quinase passar a ter a
capacidade de fosforilar uma série de proteínas com diversos efeitos na célula. os três
principais efeitos da Akt/PKB são:
- Aumentar a sobrevivência celular, reduzindo a probabilidade da célula entrar em
apoptose;
- Estimular a proliferação celular;
- Estimular o crescimento celular, ou seja, o aumento do seu tamanho.

Uma outra acção desta quinase, apesar de ainda pouco estudada, é a sua capacidade
de interferir com a motilidade celular.

Esta activação da PI3K, e consequentemente da Akt/PKB, encontra-se sob um controlo


extremamente apertado, o que na ausência de factores de crescimento se comprova pelos
níveis extremamente baixos de PIP3. Estes níveis base de PIP3, e outras moléculas PI
fosforiladas deve-se à presença de fosfatases que revertem a acção da PI3K. A PTEN é a mais
importante destas fosfatases, que por sua vez remove o grupo fosfato 3’ do PIP 3, que
anteriormente foram introduzidos pela PI3K.

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Estes mecanismos conduzem-nos para a possibilidade de existir duas vias alteradas nas
células tumorais, ou existe activação da PI3K ou inactivação da PTEN.

A capacidade de inibir a apoptose pela Akt/PKB resulta da sua interacção com


moléculas pró-apoptóticas, inibindo-as, como é o caso do Bad. No caso da estimulação da
proliferação a sua acção depende da capacidade de interferir com proteínas reguladoras do
ciclo celular. O seu papel no controlo da taxa da síntese proteica baseia-se na fosforilação e
inactivação da TSC2, que por sua vez inactiva a Quinase mTOR, ou seja, existe uma activação
da mTOR por esta via. Esta capacidade de aumentar a síntese proteica deve-se ao aumento da
capacidade celular de iniciar a tradução do mRNA, o que conduz ao acumular de proteínas,
manifestando-se como crescimento celular.

Existem ainda outras proteínas com domínio PH que ao associarem-se com o PIP3
favorecem a sua activação funcional. Um grupo destas proteínas denominado GEFs, têm uma
função idêntica ao SOS, sendo responsáveis pela activação de GTPases idênticas à Ras. Esta
família de GTPases pertence à família das proteínas sinalizadores Rho, que incluem a Rha, Rac
e Cdc42.
Uma vez activadas, estas proteínas têm funções muito diferentes da Ras:
- Reconfiguração da estrutura do citoesqueleto;
- Reconfiguração das estruturas que ligam a célula às adjacentes e MEC;
- Morfologia Celular;
- Motilidade
- Invasividade.

Como exemplo, o Cdc42 está envolvido na reorganização do esqueleto de actina que


controla a filopodia. A Rac está envolvida na formação de lamelopodia.

A via dos metabolitos PI e da Akt/PKB está alterada num número significativo de


tumores humanos independentes da oncoproteína Ras. Na maior parte dos cancros do cólon,
cerca de um terço, existe uma hiperactividade da PI3K, no entanto na generalidade dos
tumores é mais frequente a inactivação da PTEN.

Fig. 63 - Alterações na Via da PI3K e Tumores Humanos

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Genes Supressores de Tumores


Células Tumorais: capacidade de eliminar genes
supressores de tumores
As descobertas com o gene Rb
reforçaram a ideia de que é necessário que
ambas as cópias de um gene sejam eliminadas.
No entanto a probabilidade de este fenómeno
acontecer é extremamente baixa. Quando um
dos alelos é mutado, dado que o gene Rb tem
um comportamento recessivo, a célula passar
a ser heterozigótica, mas apresenta um
fenótipo normal. A probabilidade de ocorrer
uma segunda mutação é muito baixa, no
entanto este clone normal pode ser alterado
por outros mecanismos não mutacionais.

Apesar de a recombinação entre os


cromossomas ser quase exclusiva da meiose, é
possível que esta ocorra entre dois
cromatídeos durante a mitose. Nesta situação,
caso um cromatídeo possuísse o alelo mutante
recombinasse com o do outro cromossoma, a
quando da divisão, uma das células passaria a Fig. 64 - Hipótese Two-Hits
ter dois alelos mutados. Este fenómeno
denomina-se recombinação mitótica.
Perante este fenómeno é possível que um dos braços do cromossoma que possui o
alelo wild-type do gene Rb seja substituído por um braço que contenha o alelo mutante. Esta
troca de informação é recíproca, o que impede a sua detecção a quando da observação dos
cromossomas ao microscópio.
A detecção desta alteração é possível a nível genético e molecular, baseando-se nas
diferenças entre cromossomas homólogos, o que origina um estado de heterozigotia para
diversos locus. No caso de existir recombinação mitótica passamos a um estado de
homozigotia para esses locus. Esta perda de heterozigotia dá-se não só ao nível do gene em
questão, mas também nas regiões adjacentes.

Fig. 65 - Recombinação Mitótica

Existem outros mecanismos que originam perda de heterozigotia, como é o caso da


conversão de genes. Neste processo durante a síntese de DNA uma região do cromossoma
híbrida com uma região complementar presente no cromossoma homólogo. Esta situação leva

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a que a nova cadeia sintetizada seja igual à do cromossoma homólogo, originando uma perda
de heterozigotia naquela região.

Este segundo mecanismo é mais frequente do que a recombinação mitótica. Por sua
vez, a perda de heterozigotia é muito mais frequente do que os eventos mutacionais, o que
leva a crer que em muitos casos, nomeadamente no retinoblastoma, a génese tumoral tem
por base uma perda de heterozigotia mais frequentemente do que uma inactivação por
mutação.

Perda de Heterozigotia do gene Rb


Em 1978, a localização do gene Rb foi descoberta através do estudo dos cromossomas
no retinoblastoma. Apesar de na maior parte das vezes a mutação que silencia o gene ser
submicroscópica, neste caso em particular foi possível detectar uma delecção no braço longo
do cromossoma 13. Na sequencia destes eventos um outro gene, o que codifica a esterase D,
foi identificado numa região adjacente, o que permitia testar a hipótese da perda de
heterozigotia.

Estudos em tumores de crianças que nasceram heterozigóticas para o locus da


esterase D demonstraram perda de um dos alelos, correspondendo a uma perda de
heterozigotia. As mesmas conclusões foram obtidas quando o locus do gene Rb foi analisado.

Em 1986, o gene Rb foi sequenciado e detectaram-se diversas mutações que


resultavam em inactivação do mesmo. Estudos de Southern Blot em tumores demonstraram
que o alelo mutado se encontrava em homozigotia. Conclui-se então que após o evento
mutacional a região correspondente do cromossoma homólogo era descartada, o que
originava perda de heterozigotia para aquele locus.

Utilização do Fenómeno de Perda de Heterozigotia


Era esperado que diversos genes supressores de tumores, com funções idênticas ao
Rb, estivessem dispersos pelo genoma humano e tivessem um papel importante na
patogénese de alguns tumores.
A detecção de oncogenes era mais acessível, no entanto a teoria de que os genes
supressores de tumores estavam associados a perda de heterozigotia abriu as portas para a
investigação nesta área. A associação de que as regiões adjacentes ao gene supressor de
tumores acompanhavam-nos na perda de heterozigotia levantou a hipótese de que o estudo
de regiões genómicas que sucessivamente perdiam heterozigotia em determinados tumores
nos indicaria a localização de um gene supressor de tumores. Sabemos que a perda de
heterozigotia é o principal mecanismo de perda do segundo alelo wild-type, no entanto
poderiam existir outros mecanismos, o que poderia limitar este estudo.

Inicialmente utilizaram-se segmentos de DNA não associados a genes conhecidos,


baseando-se nos fragmentos originados após contacto com enzimas de restrição, o que devido
a pequenas mutações nos locais de clivagem poderia dar origem a fragmentos com tamanhos
e pesos moleculares distintos. Este marcador foi denominado Polimorfimo de Comprimento do
Fragmento de Restrição (RLFP). Os geneticistas utilizaram este marcador para determinar
diversas regiões cromossómicas que frequentemente perdiam heterozigotia durante o
desenvolvimento de determinado tumor.

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No caso particular dos tumores colo-rectais, diversas perdas de heterozigotias foram


detectadas, no entanto existia uma elevada taxa ao nível do braço curto do cromossoma 18 e
do braço longo do cromossoma 18. Este facto dava aos investigadores uma localização
especifica de onde procurar por um gene supressor de tumores.
Actualmente técnicas de mapeamento genético mais poderosas, bem como
marcadores específicos, levaram a uma descoberta de cerca de 30 genes supressores de
tumores.

Cancros Familiares: mutações nos genes supressores de


tumores
Tal como o gene Rb, muitos dos genes supressores de tumores presentes na tabela
estão envolvidos em formas familiares e esporádicas de determinados tumores. Alterações em
uma das cópias destes genes aumenta de forma drástica o risco de vir a desenvolver
determinados tumores, mas sabe-se que estas mutações ao nível da linha germinal
predispõem para múltiplos tumores, como no caso do Rb, em que se salienta o retinoblastoma
e o osteosarcoma.

Fig. 66 - Genes Supressores de Tumores nos Síndromes Familiares

Os genes supressores de tumores codificam proteínas envolvidas no controlo e na


regulação negativa da proliferação celular. Apesar de uma mutação nestes genes aumenta em
muito o risco de desenvolver um tumor, nem todas as formas familiares de cancro têm um
gene supressor de tumores associado. Existem ainda os genes responsáveis pela manutenção
do genoma, ou seja, reduzem a taxa de mutações e corrigem as alterações cromossómicas.

Podem então definir que existem duas grandes classes de genes associados às formas
de cancro familiar, os genes supressores de tumores e os genes que promovem a manutenção
e reparação do genoma. É importante salientar que existem tumores hereditários associados a
oncogenes, no entanto o seu número é muito reduzido e apenas em situações específicas,
como é o caso da expressão desse oncogene ser limitada a um reduzido número de tecidos no
adulto.

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Metilação de Promotores: inactivação de genes


supressores de tumores
Investigações recentes indicam que a metilação de bases de citosinas, através de
ligações covalentes, ao nível do genoma é uma importante via de silenciamento dos genes
supressores de tumores. Nas células de mamíferos estas metilações ocorrem perante a
sequência CpG, o que na região do promotor conduz a uma repressão da expressão desse
gene. Quando estes grupos metil são removidos, a transcrição do gene passar a estar activa.

O mecanismo que controla este fenómeno não é ainda totalmente conhecido, mas
sabe-se da existência de um complexo que reconhece estas regiões CpG metiladas e que em
simultâneo possui uma subunidade com função de histona desacetilase, a qual promove a
remoção de grupos acetato de aminoácidos nas histonas adjacentes à cromatina. A
desacetilação das histonas inicia uma sequência de eventos que converte a configuração da
cromatina de forma a bloquear a transcrição.

A quando da síntese de uma nova cadeia de DNA o padrão de metilação é rapidamente


reposto pelas Metilases de Manutenção. Este mecanismo aponta para um manter do padrão
de metilação ao longo de diversas replicações, da mesma forma que a sequencia de DNA é
mantida. O padrão de metilação pode então ser herdado, mas como não altera a sequência de
nucleótido é um mecanismo epigenético de controlo da expressão génica.
Regiões específicas encontram-se metiladas em algumas células e noutras não, o que
indica a reversibilidade deste processo. Este facto implica que existam enzimas que removam
os grupos metil nas sequências CpG. Existem caso em que durante a replicação a metilação da
nova cadeia pode ser bloqueada, apesar a cadeia parental estar metilada. Perante esta
situação existem enzimas que metilam as sequências CpGs, denominando-se Metilases de
novo, para que sejam distinguidas das metilases de manutenção.

Fig. 67 - Hipermetilação de Promotores nos Tumores Humanos

A decisão sobre o estado transcricional de determinado gene é muitas vezes


determinada durante a embriogénese, passando para as células descendentes. A evidencia de
que a passagem deste padrão de metilação é possível demonstra uma forma de respeitar e
reforçar decisões tomadas a quando da embriogénese.
No genoma das células tumorais podemos imaginar que a metilação do DNA pode não
seguir o padrão correcto. Verifica-se uma alteração no estado de metilação do genoma, a qual
tende para uma diminuição progressiva, originando um estado de hipometilação. Por outro

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lado existem regiões do DNA que são inapropriadamente metiladas, correspondendo na maior
parte dos casos a promotores de determinados genes. Esta constatação indica que as
metilases de novo ao metilarem estes promotores silenciam genes habitualmente expressos. A
metilação da sequência do gene propriamente dita tem um papel pouco importante na sua
repressão, sendo que o seu silenciamento apenas é efectivo se a metilação ocorrer ao nível do
promotor.

Este mecanismo parece ser muito importante no que toca à inactivação dos genes
supressores de tumores. Mais de metade dos genes supressores de tumores envolvidos nas
formas familiares de tumores apresentam os seus promotores metilados, encontrando-se
desta forma silenciados, nas formas esporádicas desses mesmos tumores.

Existem dois mecanismos possíveis para que através de metilação os genes


supressores de tumores sejam silenciados. Ambas as cópias do gene podem ser metiladas de
forma independente, ou uma das cópias do gene pode ser metilada e a segunda cópia pode
ser perdida por um fenómeno de perda de heterozigotia, acompanhado de duplicação do alelo
já metilado.

A metilação de determinados promotores é um fenómeno precoce, precedendo em


muitos casos o aparecimento de alterações histológicas. Esta metilação pode afectar também
os genes que asseguram a manutenção e reparação do genoma, como exemplo temos a
inactivação do gene BRAC1 em 10 a 15% dos tumores esporádicos da mama.

Como foi dito anteriormente as sequências CpGs metiladas atraem a histona


desacetilase, bloqueando a transcrição. A utilização de um inibidor desta molécula, a
Trichostatina A ou TSA, reverte a desacetilação e conduza ao retorno da cromatina ao seu
estado permissivo para a transcrição. A utilização deste inibidor no cancro da mama causa a
reactivação da expressão do gene RARβ2, passando a célula a ser responssiva aos efeitos
inibitórios do Ácido Retinóico.
Estes resultados demonstram que a metilação dos promotores actua via desacetilação
das histonas para promover o cancro.

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pRb e o Controlo do Ciclo Celular

Influência dos Sinais Externos na Entrada no Ciclo


Celular
Quando colocados sob condições
que encorajam a multiplicação exponencial,
as células de mamíferos apresentam um
complexo ciclo de crescimento e divisões
que habitualmente é referido com ciclo
celular. Uma célula que acabou de ser
formada por um processo de divisão celular
– mitose e citoquinese – deve decidir se
entra de novo num ciclo de divisão ou se
evolui para um estado quiescente
denominado G0. A decisão a este nível é
altamente influenciada pelos factores
mitogénicos presentes no meio, a sua
presença em quantidade suficiente encoraja
a célula a iniciar outra ciclo de divisão, a sua
ausência desencadeia uma passagem para o
estado quiescente ou G0. A não entrada no
ciclo celular e a permanência no estado G0 é
encorajada pela presença de factores Fig. 68 - Influência dos Factores Externos da Decisão de
inibitórios, dos quais se destaca o TGF-β. Entrada no Ciclo Celular
Assim sendo, a entrada num estado quiescente pode ser desencadeada pela ausência de
factores mitogénicos ou pela presença de factores inibitórios. Este estado é muitas vezes
reversível, estando dependente da presença de factores mitogénicos que induzam a entrada
no ciclo celular. No caso em que este estado se torna irreversível, como é o caso dos
neurónios, as células denominam-se post-mitotóticas.

A decisão de que a celular irá continuar num ciclo activo de crescimento e divisão
implica que de imediato seja iniciada a preparação para este evento. Esta preparação inclui a
duplicação das macromoléculas da célula, de modo a que ambas as células filhas recebam
quantidade iguais e adequadas. Esta acumulação dos constituintes celulares é denominada
crescimento celular, sendo distinta de divisão celular, apesar de num grande número de
situações uma se seguir à outra.
Esta acumulação de macromoléculas inclui a duplicação do genoma celular. Este
programa de síntese de macromoléculas é organizado de forma estruturada, iniciando-se com
a acumulação de RNA e proteínas, e ao fim de 12 a 15 horas com a replicação do DNA. Durante
este período entre o final de uma divisão e a replicação do DNA, num período denominada G 1,
as células tomam decisões fundamentais sobre a entrada, ou não, num novo ciclo celular.

Segue-se a fase S, onde ocorrer a replicação do DNA, podendo demorar entre 6 a 8


horas. A longa duração deste período prende-se pelo necessidade de replicar uma grande
quantidade de DNA com a maior fidelidade possível.

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Após a passagem pela fase S, a célula


poderia entrar directamente na Mitose ou fase M,
no entanto nas células de mamíferos existe um
período de espera denominada G2.

A fase M é comporta por quatro sub-fases


– profase, metafase, anafase e telofase –
culminando com a citoquinese.
Tal como na fase S, a fase M implica uma
grande precisão. Inicia-se com duas duplas hélices
de DNA recentemente sintetizadas por cada
cromossoma, o que origina dois cromatídeos
adjacentes. É necessário que cada célula filha
receba exactamente um cromatídeo de cada
cromossoma, passando este a constituir o Fig. 69 - Ciclo Celular
cromossoma da célula-filha.

A complexidade destes processos


leva a que a célula possua mecanismos de
vigilância que controlam cada passo ao
longo da progressão do ciclo celular,
bloqueando o ciclo celular em pontos
chave se existirem erros no processo. Estes
pontos são designados checkpoints.
Um dos checkpoints impede a
célula de progredir de G1para S se existir
necessidade de reparar o DNA, um outro
na fase S bloqueia a replicação caso
existam lesões no DNA. Um terceiro não
permite a passagem de G2 para M sem que
a fase S esteja concluída. Um quarto
bloqueia a fase M caso os cromossomas
não se centrem devidamente alinhados no
fuso mitótico.

Na medida em que a génese


tumoral prevê instabilidade genómica e
divisões múltiplas num período reduzido,
em muitos dos tumores além de alterações
Fig. 70 - Checkpoints no Ciclo Celular ao nível dos genes que controlam o
crescimento existe inactivação de um ou
mais destes checkpoints.

Ciclinas e Quinases Dependentes das Ciclinas

Antes de mais é importante salientar a existência de um momento em G1 no qual a


célula se compromete definitivamente com a sua entrada no ciclo celular. Este momento
localiza-se no final de G1, a algumas horas do início da fase S, e foi denominada Ponto de
Restrição ou Ponto R.
Torna-se necessário compreender qual o mecanismo que permite à célula decidir se
entra ou não no ciclo celular. Todo este mecanismo é controlado por vias de transdução de

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sinal, que através da fosforilação de determinados substratos permitem activar ou desactivar


determinadas funções. Por exemplo, a fosforilação das histonas coloca a cromatina numa
configuração que favorece a fase S e M, por outro lado a fosforilação das proteínas da
membrana nuclear causam a sua dissociação e consequente dissolução da membrana nuclear
no início da fase M.

As quinases envolvidas neste mecanismo denominam-se genericamente de Quinases


Dependentes de Ciclinas ou CDKs, indicando que a sua acção apenas é possível após
associação com as ciclinas. As CDKs são serina/treonina quinases, com cerca de 40% de
homologia entre si, e que em associação com as ciclinas tornam-se activas.
Actualmente os complexos Ciclina-CDKs são tidos como o centro da maquinaria do
ciclo celular. Durante a fase G1 duas CDKs idênticas – CDK4 e CDK6 – encontram-se em
associação com a Ciclina D, da qual existem três subtipos (D1, D2 e D3). Após o ponto R, na
fase terminal de G1, a Ciclina E (E1 e E2) associa-se à CDK2 e promove a fosforilação de
substratos necessários para a fase S. Ao entrar na fase S a Ciclina A (A1 e A2) substitui a Ciclina
E na sua associação com a CDK2. Na fase terminal S a Ciclina A passa a estar em associação
com a CDK1 ou CDC2. Na fase G2 a Ciclina B ocupa o locar da Ciclina A no complexo formado
com a CDK1. Por fim, na fase M, o complexo Ciclina B-CDK1 induzem os diversos eventos da
profase, metáfase, anafase e telofase.

Todo este processo é


altamente regulado, sendo os níveis
de ciclina que permitem este
controlo, o que se comprova pela
presença de níveis constantes de
CDKs. Este controlo é conseguido
devido à formação das ciclina e
posterior degradação, através da
ubiquitinação da mesma, o que
permite a sua gradual acumulação e
rápida degradação. Este mecanismo
permite que o ciclo celular progrida
numa única direcção, onde na maior
parte das vezes uma parte do
complexo é mantida para a fase
seguinte.

Fig. 71 - Complexos Ciclina-CDKs no Ciclo Celular Este mecanismo tem


interacção com os sinais mitogénicos,
sendo a melhor estudada ao nível da Ciclina D1, em que a activação de um receptor tirosina
quinase converge para o aumento da expressão da mesma.

Fig. 72 - Sucessão de Ciclinas e CDKs no Ciclo Celular

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Regulação Inibitória dos Comlexos Ciclina-CDKs


A capacidade de sinais
extracelular regularem este ciclo não
se limita ao controlo sobre a Ciclina
D1, mas também os complexos Ciclina-
CDKs são modelados. Nesta área
salienta-se um grupo de proteínas
genericamente designadas Inibidores
das CDKs ou CDKIs, dentro deste grupo
destacam-se as Proteínas INK4, que
são específicas para a CDK4 e CDK6.
Assim sendo, numa fase inicial para os
Fig. 73 - Inibidoes das CDKs complexos com a CDK4/6 temos a
acção da p16, p15, p18 e p19; e numa
fase mais tardia passamos a ter uma acção predominante do p21, p27 e p57.

A acção destas moléculas é melhor exemplificada pelo p15 e pelo p21 e p27. Quando o
TGF-β é aplicado sobre células epiteliais estas sofrem uma inibição da sua proliferação. Esta
resposta é acompanhada por um aumento do p15 que inibe, bloqueando a formação dos
complexos Ciclina D-CDK4/6 ou bloqueando os complexos já formados. Sem os complexos de
Ciclina D-CDK4/6 a célula perde a capacidade de progredir ao longo do ciclo celular e
ultrapassar o ponto R. Este mecanismo explica a razão pela qual o TGF-β tem a acção relevante
apenas antes de ser ultrapassado o ponto R. Também o p21, um inibidor menos específico das
CDKs, é induzido pelo TGF-β. Algumas situações de stress fisiológico podem conduzir a um
aumento do p21, o que conduz a uma paragem do ciclo celular.

Contrariamente ao TGF-
β ou ao stress fisiológico existem
factores mitogénicos que
promovem a proliferação celular
e sem simultâneo inibem alguns
destes mecanismos. A via da
PI3K ao activar a Akt/PKB conduz
a uma fosforilação do p21
localizado no núcleo, obrigando
ao seu transporte para o
citoplasma onde perde a
capacidade de actuar sobre os
complexos de Ciclina-CDKs. Esta
acção da via do PI3K verifica-se
igualmente ao nível do p27. Fig. 74 - Influencia do TGF-β e Lesão do DNA nas CDKIs

A localização destas proteínas na célula tem implicações clínicas, como exemplo temos
os tumores da mama de baixo grau em que se verifica uma baixa actividade da Akt/PKB e uma
localização nuclear do p27; por outro lado nos tumores de alto grau o nível de actividade da
Akt/PKB é elevado e o p27 localiza-se no citoplasma.

Actualmente verificou-se um papel paradoxal do p21 e p27 ao compreender que estes


factores além de inibirem os complexos Ciclina E-CDK2, Ciclina A-CDK1 e Ciclina B-CDK1,
estimulam a formação dos complexos Ciclina D-CDK4/6.

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Perante este facto é


interessante observar que nas
células em estado quiescente ou G0
os níveis de p27 são muito elevados,
suprimindo a actividade dos
complexos Ciclina E-CDK2. Quando
as células são expostas a factores
mitogénicos os níveis de Ciclina D
aumentam, o que conduz a uma
acumulação de complexos Ciclina D-
CDK4/6, que por sua vez se ligam e
capturam as moléculas de p27,
deixando o complexo Ciclina E-CDK2
livres e com capacidade para
permitirem a progressão da célula
Fig. 75 - Mecanismo de Acção dos Mitogénicos e TGF-β através do ponto R.

Tantas as alterações ao nível dos complexos Ciclina-CDKs como dos inibidores das
CDKs em diversos tumores indicam-nos a importância destes mecanismos na génese tumoral.

Mecanismo de Acção do pRb


As ciclinas e CDKs orquestram a progressão da célula através das diferentes fases do
ciclo celular, contribuindo para esta os sinais extracelulares, no entanto não foi ainda explicado
o mecanismo ao nível da transição no ponto R.

Após a sequenciação do gene Rb foi


possível compreender melhor o seu
mecanismo de acção, salientando-se o facto
de que a entrada no ciclo celular ser
acompanhada por um aumento da
fosforilação da proteína Rb. Analisando este
mecanismo em pormenor verificamos que no
estado G0 a pRb encontra-se num estado não
fosforilado, passando a um estado
hipofosforilado a quando da entrada em G1.
A quando da passagem no ponto R a pRb
torna-se hiperfosforilada. No final da mitose
estes grupos fosfato são removidos pela
Fosfatase Tipo 1 ou PP1.
Fig. 76 - Estado de Fosforilação da pRb no Ciclo Celular O facto de a hiperfosforilação do pRb
corresponder à progressão através do ponto
R alerta-nos para a importância desta proteína como regulador deste mecanismo. Um outro
facto que salientou a importância desta proteína foi a interacção de algumas oncoproteínas
virais com a pRb, nomeadamente a proteína E1A, Antigénio T major e E7. Era comum os vírus
que a inactivação ou bloqueio da função da pRb era necessária para a replicação viral.

O gene Rb enquadrado no grupo dos genes supressores de tumores tem como função
inibir a proliferação celular. Estas proteínas ao bloquearem a pRb simulam uma situação em
que existe perda dos dois alelos do gene. Sabe-se que estas proteínas virais se ligam
preferencialmente ao pRb no seu estado hipofosforilado, o que demonstra mais uma vez a

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necessidade do vírus de inactivar a proteína, sendo o pRb no estado hiperfosforilado não


activo. Este fenómeno demonstra bem que apenas a forma hipofosforilada tem capacidade
para inibir a proliferação.

Concluímos desta forma que a passagem pelo ponto R implica a fosforilação da pRb e
desta forma a sua inactivação. Compreende-se então que a pRb tem um papel central no
controlo da entrada da célula no ciclo celular. Este mecanismo de acção da pRb relaciona-se
com a sua interacção com o factor E2F, sendo que ao encontrar-se num estado
hipofosforilada, a pRb, sequestra este factor de transcrição. Sabe-se que o E2F é um factor de
transcrição envolvido na indução dos genes de início imediato, sendo estes essenciais para a
progressão do ciclo celular.

Por fim, gostaríamos de salientar a relação entre a proliferação celular e a


diferenciação, tendo a pRb um papel neste processo. Assim sendo o bloqueio da proliferação,
por via da pRb e dos inibidores das CDKs, abre portas para que se dê a diferenciação celular,
sendo esta inibida pela proliferação celular.

Alterações do pRb nos Tumores Humanos


A proliferação celular descontrolada é uma das marcar predominantes no fenótipo das
células tumorais, o que implica alterações ao nível do ponto R, e consequentemente da via da
pRb.
Em muitos casos existem mutações ao nível do gene Rb, noutros casos existe uma
inactivação por metilação do promotor, e por fim, nalgumas situações há produção normal da
proteína, no entanto algumas proteínas virais impedem a ligação da pRb ao factor de
transcrição E2F. Um outro mecanismo encontrado em muitas células tumorais é a presença de
elevados níveis de Ciclina D1, o que é conseguido por uma sobreactivação das vias que
controlam a expressão deste gene.

A diminuição do gene p16 conduz a um aumento da actividade do complexo Ciclina D-


CDK4/6, o que por sua vez é responsável pela fosforilação do pRb e consequente inactivação
do mesmo. Podem ainda existir mutações pontuais na CDK4 que a tornam não susceptível à
inactivação pelo p16, conduzindo a uma fosforilação da pRb.

Fig. 77 - Alterações na Via da pRb em Tumores Humanos

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O principal inibidor das CDKs envolvido na patogénese do cancro é o p27, em


particular devido ao seu papel na inactivação dos complexos de Ciclina E-CDK2. Os níveis de
p27 diminuem aquando da entrada no ciclo celular, sendo esta diminuição dependente das
proteínas Skp2 e Cul1, que conduzem a ubiquitinação do p27 e consequente degradação. A
nível clínico já se verificou que elevados níveis de Skp2 estão correlacionados com uma menor
sobrevida.
A activação da via da Akt/PKB, quer por inactivação da PTEN, quer por activação da
PI3K, conduz a uma fosforilação dos inibidores das CDKs e inactivação dos mesmos.

Concluímos então que existem diversas vias que interagem com a via da pRb, e que
como tal podem interferir na génese tumoral.

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p53 e Apoptose
Papel dos Papovavírus na Descoberta do p53
As células infectadas com o SV40, ao produzirem o antigénio T major, interferiam com
diversos mecanismos da célula, nomeadamente a via da pRb. Ao analisarmos
imunoprecipitados do antigénio LT e das proteínas com que este se associava verificou-se que
estes complexos tinham um peso molecular entre 53 e 54 quilodaltons. Nas células
transformadas por oncovírus era constante a presença desta proteína, que passou a ser
designada p53, e que mais tarde se comprovou ser de origem celular.
Outras experiencias demonstraram que outros vírus de DNA, e inclusive um de RNA,
interferiam com o p53 ao associarem proteínas virais à sua estrutura.

O p53 como Gene Supressor de Tumores


A transfecção do cDNA do p53 em fibroblastos embrionários revelou que este poderia
colaborar com o oncogene ras, já integrado, na transformação destas células. Este facto sugere
que o p53 poderá operar como um oncogene.
Esta conclusão foi posta em causa pela origem do cDNA ser de uma célula tumoral, e
que se este cDNA fosse obtido do mRNA de células normais teria uma função contrária, ou
seja, inibia a proliferação celular.
Esta descoberta indicou que o alelo wild-type do p53 tem funções que permitem inibir
a proliferação, e que apenas na aquisição de uma mutação pontual esta molécula passa a ter
características oncogénicas, levando a que o p53 fosse caracterizado como um gene supressor
de tumores.

Por volta de 1987 tornou-se aparente


que estas mutações eram frequentes no
genoma de tumores humanos. Actualmente
sabemos que em mais de 50% dos casos
existem alterações neste gene.
Uma análise funcional do p53 conclui
que este não era um gene supressor de
tumores normal. Na maior parte dos casos se
o gene for inactivado em homozigotia o
resultado é uma disrupção no
desenvolvimento embrionário, originando
uma proliferação celular inadequada. Este
Fig. 78 - Impacto das Mutações no p53 na Sobrevivência facto sugere que estes genes possuem como
função a regulação negativa da proliferação
em diversos tecidos.
No caso particular do p53 a delecção de ambas as cópias do gene p53 não parece ter
grandes efeitos no desenvolvimento dos embriões de ratinhos. Por esta razão o p53 não deve
ser considerado um regulador negativo da proliferação celular, no entanto continua a incluir-
se no grupo dos genes supressores de tumores, o que se comprova pelo surgir de tumores a
quando da sua ausência. O p53 parece estar envolvido na prevenção do aparecimento de
células anormais com capacidade de originarem tumores.

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A Versão Mutada do p53 interfere com o p53 Normal


O p53 não parece seguir a hipótese two-hits aplicável aos genes supressores de
tumores, o que se comprova pela capacidade do cDNA conseguir induzir transformação numa
célula normal, ou seja, que possui ambas as cópias do gene p53 normais. A acção do gene p53
mutado poderá não ser nula, mas antes ser detentor de algum tipo de função dominante.
A análise de muitos dos
tumores humanos com alteração no
p53 permitiram verificar que as
mutações pontuais originam codões
missense mais do que codões nonsense.
Uma investigação mais pormenorizada
nesta área permitiu compreender que
algumas proteínas com origem em
mutações missense poderiam interferir
com a função normal da proteína não-
Fig. 79 - Combinações possíveis nos Tetâmeros dos Alelos wild- mutada. Estes alelos ao possuírem esta
type e mutado
capacidade foram denominados
dominantes-negativos.
Uma outra descoberta reforçou esta ideia, tendo em conta que o p53 ao nível nuclear
existe na forma de homotetrâmeros, o que juntamente com o conceito de dominância
negativa, permite explicar como o alelo mutado consegue inibir a função do alelo wild-type em
células que expressão ambos.

A presença de um único alelo mutante no tetrâmero pode interferir com a normal


função do complexo como um todo. Estudos indicam que 15 em 16 dos tetrâmeros formados
numa célula heterozigótica para o gene p53 possuem uma subunidade originada no alelo
mutante, o que salienta a facto de a redução da função em 1 para 16 da proteína normal
nestes casos.

Apesar da possibilidade de um único alelo comprometer a função do p53 no geral, na


maior parte dos casos de tumores humanos verifica-se uma perda de heterozigotia para o
locus do p53, o que nos indica a existência de dois alelos mutados.

P53: um tempo de vida curto


A localização da proteína p53 no núcleo de células normais e neoplásicas poderia
sugerir que esta tinha função de factor de transcrição. Sabendo que existem pelo menos três
mecanismos que regulam a actividade destes:
- Níveis dos Factores de Transcrição são modelados no núcleo;
- Os níveis de Factores de Transcrição são constantes, mas a sua actividade é
controlada por modificação covalentes ou não-covalentes;
- Os níveis de Co-Factores para os Factores de Transcrição podem ser modelados.

No caso do p53 pensava-se que o mecanismo seria o primeiro, o que se deve à


variação dos seus níveis de uma célula para outra consoante a exposição a determinados stress
fisiológicos. Faltava agora compreender o modo como os níveis de p53 eram modelados, o que
após a adição de cicloheximida às células em estudo permitiu concluir que o p53 era altamente
instável. O p53 seria então degradado ao fim de pouco tempo, como um tempo de semi-vida
de 20 minutos, o que implica uma síntese constante para os seus níveis.

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Fig. 80 - (A) Mecanismo de Regulação do p53; (B) Cascata de Regulação do p53; (C) Impacto do Gene ARF na
Sobrevida

Este mecanismo, que dispende enormes quantidades de energia, apenas é justificável para
factores que sejam implicados na resposta a estímulos externos. Neste caso verificou-se que
ao bloquearmos a degradação do p53 a concentração deste molécula duplicada ao fim de 20
minutos. Assim sendo, na célula normal a síntese de p53 era constante, no entanto a sua
degradação em taxas elevadas condicionava baixos níveis desta proteína.
No caso de existir stress fisiológico a célula bloqueia a degradação do p53, o que
permite um rápido aumento dos níveis desta proteína.

Vários Sinais Induzem o p53


Durante o inicio da década de 90 diversas substâncias demonstraram ter a capacidade
de aumentar os níveis de p53, nomeadamente os raios-x, a radiação UV, determinados
fármacos de quimioterapia, inibidores da síntese de DNA, e todos os agentes que podem de
algum modo lesar o DNA. Após a exposição a estes agentes os níveis de p53 subiam
rapidamente, no entanto não existia um aumento dos níveis de mRNA, o que comprova a
hipótese atrás exposta.

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Nos diversos sinais que induzem o p53 à a salientar a hipoxia, o que pode explicar a
resistência a esta nas células tumorais mutantes para este gene. Muitas outras, como os níveis
elevados de E2F1, desmetilação do DNA e ausência de precursores nucleotídicos, podem
igualmente aumentar os níveis de p53.
Existem diversos sensores responsáveis por monitorizar a integridade e função de
diversos sistemas celulares, que no caso de detectarem alterações nestes mecanismos enviam
sinais para o p53 e os seus reguladores, culminando num aumento dos níveis de p53.

Muitos dos agentes genotóxicos e sinais fisiológicos que aumentam os níveis de p53
actuam igualmente como citostáticos, forçando as células a pararem a sua progressão no ciclo
celular. A associação entre o aumento dos níveis de p53, a paragem no ciclo celular e a entrada
em apoptose, permitem-nos concluir o papel do p53 nestas funções.
Um exemplo concreto desta função é o aumento dos níveis de p53 a quando da
exposição aos raios-x, o que subsequentemente leva a um aumento na expressão de p21, a
qual não se verifica em células mutantes para o p53. Este mecanismo sugere que o p53 trava o
avanço do ciclo celular através da activação de um CDKIs. As células que possuem um alelo do
p53 mutado demonstram uma diminuição na tendência para pararem o ciclo celular ou entrar
em apoptose perante determinados estímulos lesivos.

Concluímos desta forma que o p53 ao receber sinais específicos de lesão a celular
activa determinadas vias que culminam com um bloqueio na proliferação e um estímulo
apoptótico.
Este mecanismo pró-apoptótico e citostático revelou-se como um dos principais
travões à progressão tumoral. Durante a génese tumoral são múltiplos os exemplos de stress,
hipoxia, lesão genómica, o que na presença de uma molécula de p53 funcional conduziriam a
uma inviabilidade celular. Consequentemente, a actividade do p53 deve ser bloqueado ou
totalmente eliminada para que a célula sobreviva e progrida no sentido da génese tumoral.
Estas conclusões explicam que todos os tumores humanos tenha o p53 parcialmente
ou totalmente inactivado, o que lhes confere resistência à hipoxia, lesão genómica e
alterações no mecanismo da regulação da proliferação.

Para terminar, convém referir que muitas das terapêuticas oncológicas, ao actuarem
através de lesão celular e genómica, pressupõem um p53 funcional. Sabemos que muitas das
resistências à terapêutica são devido a mutações no gene p53.

Estabilização do p53: Lesão do DNA e Desregulação dos


Sinais de Crescimento
Três sistemas de monitorização celular que funcionam em associação com o p53 foram
amplamente estudados:
- Primeira Via, é activada como resposta a quebras duplas na molécula de DNA, como é
o caso das induzidas pelos raios-x. Sabe-se que uma quebra simples é suficiente para despertar
esta via. Apesar de ainda não serem conhecidos as moléculas que detectam estas quebras,
existem já evidências de que os sinais são transmitidos pela Quinase ATM. A activação desta
quinase conduz à fosforilação do p53, o que vai prevenir esta molécula da sua destruição;
- Segunda Via, é activada por diversas lesões no DNA, incluindo as criadas por fármacos
de quimioterapia e radiação UV. Alguns inibidores da tirosina quinase têm a capacidade de
estimular esta via. Esta via depende da Quinase ATR para activar a Quinase Caseina II ou CKII,
que por sua vez fosforila o p53;
- Terceira Via, é activada pela presença de sinais de crescimento aberrantes, em
particular os que resultam da desregulação da via pRB-E2F. Esta via não depende de quinases

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para activarem o p53, pertence por isso, tal como a hipoxia, ao que grupo de estímulos cuja via
não é totalmente compreendida.

Esta convergência de diversas vias para uma única proteína revelam em simultâneo
uma profunda economia e desvantagem para a celular. Perante este panorama é fácil
compreender que a alteração de uma única proteína pode comprometer diversas vias de
controlo celular.
As alterações no p53 conduzem a um estado de instabilidade genómica e maiores
taxas de mutação, o que favorece uma mais rápida progressão para um fenótipo maligno.

Inactivação do p53: Vantagem na Progressão Tumoral


Na génese tumoral está implicada a activação de oncogenes, o que pode por em risco
a indução da apoptose via p53. Por este mecanismo compreendemos que a celular com um
oncogene activo adquirem vantagem ao verem o gene p53 silenciado.
Numa fase mais tardia do desenvolvimento tumoral a população celular tem contacto
com a anoxia, o que se deve a uma rede inadequada de capilares. As células normais morrem
devido à apoptose induzida via p53, enquanto as células tumorais resistem. Por outro lado, a
ausência do p53 permite às células sobreviverem apesar da acumulação de mutações numa
taxa superior ao normal. Este acontecimento permite que um maior número de oncogenes se
tornem activos e genes supressores de tumores sejam inactivados. Por fim, o colapso dos
telómeros, na ausência do p53 funcional, deixa de conduzir à morte celular.
Todos estes mecanismos conduzem a uma taxa de evolução acelerada, culminando
num fenótipo maligno precoce.

O grande impacto da inactivação do p53 em todos estes mecanismos explica o grande


número de tumores humanos com uma mutação neste gene. Por outro lado existem ainda
mutações em dois outros factores que podem influenciar esta via do p53, o Mdm2 e o ARF.
Com a inactivação da pRb, o factor E2F torna-se livre e actua no sentido de aumentar a
expressão de ARF, este por sua vez sequestra as moléculas de Mdm2. Caso se encontre na
forma livre, a molécula de Mdm2,liga-se ao p53, promovendo a sua ubiquitinação e
consequente degradação.

É então fácil compreender que alterações nestas proteínas pertuRbem o


funcionamento do p53, quer sejam pelo aumento do Mdm2 ou pela inactivação do ARF.

Mutações na Via do p53 e Predisposição para Tumores

Através de estudos epidemiológicos que detectaram um aumento da incidência de


determinados tumores na idade dos 22 anos, o que era pouco comum, foi possível identificar
uma síndrome de cancro familiar, ao qual se veio a chamar Síndrome de Li-Fraumeni.
Cerca de 8 anos mais tarde detectou-se que na maior parte destes casos existia uma
mutação num locus do cromossoma 17, que corresponde exactamente ao locus do gene p53.
Em cerca de 75% destes casos de Múltiplos Cancros Familiares verificou-se que existia uma
forma mutante do p53 transmitida de forma Mendeliana.
Outras formas desta síndrome foram encontradas na presença de mutações na
Quinase Crk2, a qual fosforila o p53 e impede a sua destruição, bem como no promotor do
gene MDM2.

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Apoptose
A apoptose é uma via de morte celular que é induzida por um programa intracelular
regulada de forma estreita, culminando na activação de enzimas que degradam o DNA nuclear
e as proteínas nucleares e citoplasmáticas. A membrana plasmática permanece integra, no
entanto sofre alterações de modo a que seja alvo de fagocitose. Este tipo de morte celular
permite uma rápida eliminação dos constituintes da célula morta, o que impede que se forme
uma reacção inflamatória no local.
A apoptose difere da necrose, sendo esta caracterizada pela perda de integridade da
membrana celular, pela digestão enzimática da célula e pela frequente reacção inflamatória
associada.

Causas de Apoptose

A apoptose pode ocorrer em diversas situações, tendo como principal função eliminar
as células não necessárias ou potencialmente prejudiciais e aquelas que perderam a sua
função.

Apoptose em Situações Fisiológicas

A morte por apoptose é um fenómeno normal que serve para eliminar as células que
já não são necessárias, o que se pode verificar durante o desenvolvimento e na manutenção
do número correcto de células num tecido. A apoptose é um fenómeno importante nas
seguintes situações:
- Destruição celular programada durante a embriogénese, incluindo implantação,
organogénese, involução desenvolvimental e metamorfose;
- Involução Hormono-Dependente no Adulto;
- Delecção celular na proliferação celular de determinadas populações;
- Morte das células que já cumpriram a sua função, como é o caso dos neutrófilos após
o seu papel na inflamação aguda;
- Eliminação dos linfócitos potencialmente lesivos (Auto-Reactivos);
- Morte celular induzida pelas Células T Citotóxicas;

Apoptose em Situações Patológicas

A apoptose é também responsável pela perda de células em inúmeras situações


patológicas:
- Morte celular derivada de estímulos lesivos, como exemplo temos a radiação ou
substâncias citotóxicas que lesam o DNA;
- Lesão celular induzidas por determinados vírus;
- Atrofia patológica no parênquima de determinados órgãos após obstrução de um
ducto;
- Morte celular em tumores;
- Algumas situações em que a necrose predomina podem ter um componente de
apoptose, o que se verifica muitas vezes pelo facto de a lesão mitocôndrial induzir a apoptose.

Morfologia – Apoptose

As seguintes características indicam-nos que uma célula se encontra num fenómeno


de apoptose, podendo ser mais facilmente visualizadas ao microscópio electrónico:

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- Retratação Celular, a célula diminui de tamanho, tornando-se o citoplasma mais


denso. Os organelos, apesar de aparentemente normais, estão como que compactados;
- Condensação da Cromatina, este é um dos traços mais característicos da apoptose. A
cromatina condensa à periferia, junto da membrana nuclear, formando massas densas com
formas e tamanhos diferentes. O núcleo pode fragmentar-se formando dois ou mais
fragmentos;
- Formação de Bolhas Citoplasmáticas e de Corpos Apoptóticos, inicialmente verifica-
se a formação de bolhas citoplasmáticas, culminando na formação de corpo apoptóticos
contendo citoplasma e organelos compactados, podendo ter, ou não, fragmentos nucleares;
- Fagocitose de Células ou Corpos Apoptóticos por Macrófagos, as células em
apoptose podem ser digeridas nos lisossomas, e as células adjacentes migram ou proliferam
para preencher o espaço deixado pelas células que sofreram apoptose.

A membrana plasmática permanece intacta durante este processo, apenas nos


estádios finais passa a ser permeável a alguns solutos que anteriormente não era. Esta é uma
das principais características que distinguem necrose de apoptose.
A apoptose é geralmente um processo limitado, envolvendo uma única célula, ou um
número reduzido de células. É característico observarem-se massas celulares intensamente
eosinófilas com densos fragmentos de cromatina.
A apoptose é um processo que culmina com a formação de corpos apoptóticos e a sua
fagocitose, o que acontece rapidamente, e como tal é um fenómeno que não produz sinais de
inflamação e que dificilmente é observável ao microscópio.

Características Bioquímicas da Apoptose

As células apoptóticas exibem um distinto conjunto de alterações bioquímicas que


acompanham as alterações estruturais já descritas:
- Clivagem Proteica, deriva da activação de membros da família das caspases. Estas
enzimas estão presentes nas células normais, mas inactivas, como pro-enzimas. As caspases
quando activadas clivam muitas das proteínas vitais, como a laminina, quebram o esqueleto
nuclear e o citoesqueleto. Por outro lado as caspases activam DNases, e estas por sua vez
degradam o DNA celular;
- Desagregação do DNA, as células apoptóticas exibem caracteristicamente fragmento
s de 50 a 300 kpb de DNA. Existem ainda endonucleases dependentes do Ca2+ e Mg2+ que
originam oligonucleossomas múltiplos de 180 a 200 bp. A clivagem inter-nucleossomal não é
característica da apoptose, podendo também ser observada na necrose;
- Reconhecimento Fagocítico, as células apoptóticas expressam fosfatidil-serina na
porção extra-celular das suas membranas, o que se deve à inversão dos fosfolípidos da
membrana – flip. Em alguns tipos específicos de apoptose é também expressa trombopondina,
um glicoproteína com propriedades adesivas. Estas alterações permitem que as células
apoptóticas sejam reconhecidas pelos macrófagos sem que haja libertação dos componentes
celulares proinflamatótios.

Mecanismos de Apoptose

A apoptose é induzida por uma cascata de eventos moleculares que podem iniciar-se
em diversos pontos, mas todas terminam com a activação das caspases. O mecanismo de
apoptose revela-se extremamente importante, o que se comprova pelo facto de a sua
ausência ou o seu excesso serem a causa de muitas patologias, e ainda por ser um mecanismo
conservado em todos os metazoas.

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O processo da apoptose pode ser dividido numa fase de iniciação, onde as caspases se
tornam catalíticamente activas, e numa fase de execução, onde estas enzimas actuam de
formam a causaram a morte celular.
O inicio da apoptose encontra-se principalmente associado a duas vias de activação:
- Via Extrínseca, activada através de receptores membranares;
- Via Intrínseca, que está na dependência da mitocôndria, podendo por isso ser
designada via mitocôndrial.

Ambas as vias convergem para um mesmo fim, a activação das caspases, no entanto
sabe-se que em inúmeros pontos existe interligações entre elas.

A Via Extrínseca

Esta via é iniciada pelo ligar de determinadas


substâncias aos receptores de morte celular na
superfície celular de diversas células. Estes receptores
pertencem à família dos receptores do TNF, contendo
um domínio citoplasmático – death domaim - que tem
um papel de extrema importância na transmissão do
sinal pró-apoptótico. Quando um receptor Fas toma
contacto com o seu ligando (FasL) são recrutados 3 ou
mais Fas, os domínios citoplasmáticos destes receptores
agrupam-se e formam um local de ligação para uma
outra proteína, a FADD (Fas-associated detah domain).
Quando esta ligação se dá é activada a caspase-8, que
no caso dos humanos em particular corresponde à
caspase-10. Diversas caspases-8 nas proximidades são
activadas, estas por sua vez irão activar outras caspases
e enzimas responsáveis pela fase de execução da Fig. 81 - Via Extrínseca
apoptose.

Fig. 82 - Mecanismos de Apoptose

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Esta via também pode ser iniciada por uma proteína denominada FLIP, no entanto esta
não possui uma actividade enzimática suficiente para activar as caspases. Sabe-se hoje que
alguns vírus produzem esta proteína de modo a protegerem as células infectadas da apoptose
mediada pelo Fas.

A Via Extrínseca ou Mitocôndrial

Esta via de activação


resulta do aumento da
permeabilidade mitocôndrial e da
libertação de molécula pró-
apoptóticas no citoplasma, sem
que haja intervenção dos
receptores de morte celular
membranares. Os factores de
crescimento e outros sinais de
sobrevivência estimulam a
produção de proteínas anti-
apoptóticas da família do Bcl-2.
As duas principais
proteínas desta família com
função anti-apoptótica são a Bcl-2 Fig. 83 - Via Intrínseca
e a Bcl-x. Estas proteínas
encontram-se armazenadas nas membranas mitocôndriais e no citoplasma. Quando a célula
deixa de receber sinais de sobrevivência ou é sujeita a stress estas moléculas deixam de estar
na membrana mitocôndrial e são substituídas por elementos pró-apoptóticos – Bak, Bax e Bim.
Quando a concentração de Bcl-2/Bcl-x diminuem a permeabilidade da membrana mitocôndrial
vai aumentando, este fenómeno leva à libertação de elementos dantes contidos na
mitocôndria com capacidade para activarem as caspases. A principal proteína envolvida é o
citocromo c, este por sua vez liga-se a uma proteína designada de Apaf-1 e por fim, este
complexo activa a caspase-9.
Existem outros factores, como é o caso do AIF (Apoptosis Inducing Factor) que ao ser
libertado liga-se a elemento anti-apoptóticos, bloqueando-os.
Esta via é resultado de um balanço entre os elementos pró-apoptóticos e os elementos
anti-apoptóticos, sendo que os primeiros tentam destabilizar a membrana mitocôndrial de
modo a que sejam libertados os elementos que irão activar as caspases, enquanto os segundos
tentam manter a permeabilidade mitocôndrial.

A Fase de Execução

Esta fase é mediada por uma cascata proteolítica para a qual convergem os diferentes
mecanismos de iniciação. As proteases que medeiam este processo encontram-se altamente
conservadas ao longo das espécies e pertencem à família das caspases.
As caspases incluem mais de 10 proteínas diferentes e podem ser dividias em dois
grupos, as iniciadoras (caspases-8 e caspase-9) e as executoras (caspase-3 e caspase-6).
Tal como outras proteases, as caspases existem na forma de pro-enzimas ou
zimogénias e devem sofrer uma clivagem inicial para serem activadas. Uma característica
interessante destas proteases é o facto de possuírem a capacidade de se auto-clivarem, e não
só de serem clivadas por outras proteases. Após a activação das caspases iniciadores inicia-se
um processo rápido e sequencial de morte celular que é marcado pela activação de outras
caspases.

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As caspases executoras actuam em diversos componentes celulares, destacam-se os


seguintes:
- Citoesqueleto Nuclear;
- Proteínas da Matriz Nuclear;
- Proteínas envolvidas na Transcrição, Replicação do DNA e Reparação do DNA;
- Converte a DNase numa forma activa clivando o seu inibidor, este processo é
específico da caspase-3;

Remoção das Células Mortas

Desde uma fase inicial que as células apoptóticas libertam factores que recrutam
macrófagos, o que facilita em muito a remoção precoce das células sem que estas entrem em
necrose e libertem os seus componentes (o que poderia conduzir a uma inflamação local). As
células apoptóticas ou os seus fragmentos possuem marcadores moleculares na superfície que
facilitam o seu reconhecimento pelas células fagocíticas.
Os macrófagos por sua vez libertam substâncias que se ligam às células apoptóticas,
mas não ás normais, e que promovem a sua opsonização, facilitando desta forma a sua
fagocitose.
Contrariamente as células normais protegem-se da fagocitose mediada por
macrófagos apresentando à sua superfície moléculas como o CD31.
Este processo de remoção das células em apoptose permite que estas desapareçam
quase em deixar vestígios, o que se certa forma contribui para que virtualmente não haja
inflamação.

Exemplos de Apoptose

Os principais sinais que induzem a apoptose são:


- Ausência de Factores de Crescimento;
- Activação dos Receptores de Morte Celular;
- Agentes Lesivos.

Em seguida iremos apresentar alguns dos fenómenos de apoptose mais comuns, sendo
que o maior número de casos verifica-se durante o desenvolvimento embrionário.

Apoptose após Privação de Factores de Crescimento

As células hormono-sensíveis privadas da hormona, linfócitos que não são estimulados


por antigénios e citocinas, e neurónios privados de factor de crescimento morrem por
apoptose. Em todas estas situações, apoptose é desencadeado pela via mitocôndrial e é
atribuída à activação de membros pró-apoptóticos Bcl e diminuição da síntese de Bcl-2 e Bcl-x.

Apoptose Mediada por Lesão do DNA

A exposição das células à radiação ou agentes de quimioterapia induz danos no DNA, e


se isto é demasiado grave para ser reparado desencadeia a morte por apoptose. Quando o
DNA está danificado, a proteína p53 acumula-se nas células. Quando isto acontece é feito uma
paragem no ciclo celular, em G1, para que haja tempo do DNA lesado seja reparado. No
entanto, se o dano for muito grande para ser reparado com êxito, o p53 desencadeia a
apoptose, o que se dá principalmente através da activação das caspases que, e em última
instância pode activar Bax e Bak. Quando p53 é mutado ou ausente (como é em alguns
cancros), é incapaz de induzir apoptose, desta forma as células com DNA danificado

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sobrevivem. Nestas células, a lesão do DNA pode resultar em translocações ou mutações que
levam à transformação neoplásica.

Apoptose Mediada pelos Linfócitos T Citotóxicos

Os Linfócitos T Citotóxicos (CTLs) reconhecem os antigénios estranhos apresentados na


superfície de células hospedeiras infectadas e células tumorais. Após a activação, os CTLs
secretam perforinas que irão formam poros nas membranas celulares da célula-alvo. Podem
ainda ser secretadas granzinas, estas irão decompor proteínas em resíduos de aspartato e são
capazes de activar as caspases celulares. Desta forma a CTL mata as células-alvo directamente
pela indução da fase de execução da apoptose, sem envolver mitocôndrias ou receptores. Os
CTLs também expressam FasL na sua superfície e podem desta forma induzir a morte das
células-alvo ligando-o aos receptores Fas.

Evasão à Apoptose pelas Células Tumorais


Durante a progressão tumoral existem diversos stress aos quais a célula é exposta,
nomeadamente anoxia, desregulação da via da pRb, activação do oncogene myc e lesão do
DNA. Estes factores implicam que grande parte das células tumorais inactivem a via da
apoptossoma, uma vez que esta inactivação se apresenta como um importante mecanismos
anti-apoptótico.

O principal alvo nesta inactivação dos mecanismos pró-apoptóticos é a inactivação do


p53, estando alterado em mais de 50% dos tumores, em particular por mutações pontuais ao
nível do seu domínio de ligação ao DNA.

Num outro grupo de tumores o


gene ARF deixa de ser expresso, quer por
delecção, quer por metilação do seu
promotor. Numa percentagem menor de
tumores humanos o gene MDM2 encontra-
se sobreexpresso. Por fim, num outro grupo
de tumores o p53 parece estar localizado
num local errado, ou seja, permanece no
citoplasma.

Não apenas a via do p53 se


encontra alterada, noutros tumores outros
componentes da maquinaria apoptótica
podem estar mutados. No caso dos
melanomas, em muitos casos existe
metilação e inactivação funcional do
promotor do gene APAF1, o qual quando
expresso promove a libertação de
citocromo c e consequente formação do
apoptossoma com activação da Caspase 9.
O pró-apoptótico Bax encontra-se

Fig. 84 - Vias que Interferem com a Apoptose inactivado em cerca de metade dos
tumores do cólon com instabilidade de

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microsatélites. O bcl-2 encontra-se com níveis elevados em linfomas foliculares de células B,


mas também em muitos outros tumores humanos, estimando-se que em metade existam
alterações nestes factores anti-apoptóticos.

Uma outra via altamente eficaz de adquirir resistência à apoptose resulta da


hiperactivação da via PI3K e da Akt/PKB, a qual pode ser activada pelos receptores de tirosina
quinase e a oncoproteína Ras. Pode ainda existir inactivação da PTEN, a qual inactiva o PI3K, o
que conduz a um aumento dos níveis de PIP3 e activação da via. Esta via culmina com a
fosforilação e inibição de diversas moléculas pró-apoptóticas, salientando-se a Bad, Caspase-9
e IkB, bem como fosforilação e activação do Mdm2, um dos principais antagonistas do p53.

Também a via do NF-kB se encontra alterada, hiperactivada, em diversos tumores, a


qual termina com a sobreexpressão de diversos genes anti-apoptóticos.
No caso dos tumores com amplificação do oncogene N-myc, o qual além de estimular
a proliferação é igualmente um potente pró-apoptótico, existe necessidade de contornar esta
inconveniente. Para tal as células inactivam por metilação ou eliminam o gene da Caspase-8.

A via extrínseca da apoptose também se revela importante neste contexto, sendo que
em alguns tumores existem alterações na FLIP, a qual intervém na actividade desta via. Pode
ainda existir supressão da expressão dos receptores de TNF através da metilação do promotor
deste gene.

Apesar do grande número de vias apresentadas, existem muitas outras que poderão
estar alteradas em tipos particulares de tumores.

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Imortalização Celular e Génese


Tumoral
Registo do Número de Gerações nas Células Normais
Foi possível no C. elegans determinar todo o pedigree de cada célula, no entanto em
organismos mais complexos, dado o número colossal de divisões esta tarefa é tecnicamente
impossível, mas teoricamente executável.
Originam-se diversas linhagens celulares, em que cada uma adquire um fenótipo em
particular, no entanto sabe-se que o potencial replicativo em células normais é limitado.

Experiencias em fibroblastos de roedores permitiram alcançar o limite replicativo


dessas células, o qual implica que a célula perca a capacidade de se dividir, entrando por isso
num estado de senescência replicativa. Estas células continuam metabolicamente activas,
adquirindo um grande citoplasma e sobrevivendo por semanas, ou mesmo meses. A sua
sobrevivência continua a depender de factores de crescimento, no entanto apesar de
continuarem a existir receptores para estes, muitas das vias associadas são bloqueadas por
mecanismos desconhecidos.

A capacidade replicativa de uma célula depende da espécie, do tecido e órgão em


questão, bem como da idade do dador. Sabemos que as células de embriões humanos
possuem um número muito superior de possíveis replicações que as células de um adulto. Este
facto reforça a ideia de que cada célula possui uma reserva replicativa limitada, a qual na idade
adulta se encontra parcialmente gasta.
Este limitação não se verifica nas células estaminais embrionárias, desde que mantidas
num meio propício, estas células mantêm o seu potencial replicativo ilimitado, denominadas
células imortalizadas. Concluímos por isso que numa fase inicial as células possuem um
potencial replicativo ilimitado, no entanto com o avançar da embriogénese e a formação de
linhagens celulares, as células passam a ter um número limite de replicações possíveis pré-
determinado.

Imortalização: um requisito para a génese tumoral


A observação de que as células em cultura necessitam de ser imortalizadas sugere que
durante a transformação existe a obrigatoriedade deste processo de imortalização. Pensa-se
que este potencial replicativo seja mais um dos mecanismos de defesa anti-cancro do
organismo, o que pode, por exemplo, limitar a replicação de uma célula que adquira um
oncogene.

Sabendo que todas as células tumorais descendem de um mesmo ancestral, e que uma
célula normal tem a capacidade de passar por 50 a 60 ciclos celulares antes de entrar em
senescência, seria possível originar-se uma massa tumoral catastrófica antes de as células
entrarem em senescência. Este modelo pressuponha um crescimento exponencial, o que in
vivo não é possível, dado que existem factores limitantes como a angiogénese e o acesso a
factores de crescimento, podendo a sua ausência condicionar a morte celular. Perante este
panorama é fácil compreender que o potencial replicativo limitado é um importante travão à
génese tumoral.

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Levanta-se então a questão de como a célula tem consciência do seu relógio biológico,
o qual se pensou inicialmente ser baseado numa molécula. Esta molécula estaria inicialmente
em concentrações inimagináveis durante a embriogénese e iria decaindo a quando de cada
divisão celular, o que não parecia ser muito claro e obvio.
Actualmente sabemos que este relógio biologia da célula se encontra nos telómeros, e
que a quando do seu desgaste total a célula entra num período denominado crise, o qual
culmina com a apoptose da mesma.

Papel da Telomerase na Proliferação de Células


Tumorais

Tendo em conta que os telómeros constituem a base do relógio biológico celular, para
que a célula sobreviva indefinidamente é necessário que os telómeros sejam igualmente
mantidos.
Os telómeros correspondem às extremidade dos cromossomas e são compostas por
sequencias repetidas de DNA, as quais são possíveis através da enzima Telomerase. Esta
enzima encontra-se com níveis elevados de actividade durante o desenvolvimento
embrionário, mas nas células adultas a sua actividade é quase indetectável. Em 85 a 90% dos
tumores humanos observa-se a presença de uma actividade aumentada desta enzima.

A telomerase é constituída por duas subunidades, a hTERT, com função de


transcriptase reversa, e a hTR, que é constituída por uma molécula de mRNA, a qual funciona
como molde.
Sabe-se que nas células tumorais o gene hTERT é reactivado, o que conduz a um
aumento dos níveis de telomerase, no entanto ainda não é compreendido o mecanismo que
leva a esta activação.

Manutenção dos Telómeros sem a Telomerase

Em 85 a 90% dos tumores foi detectada a presença de telomerase, no entanto nos


restantes 10 a 15% não foi possível detectar qualquer nível de actividade desta enzima. A
manutenção dos telómeros apresenta-se como um mecanismo fundamental para a capacidade
de as células se multiplicarem indefinidamente, o que nos indica a necessidade de existência
de um mecanismo independente da telomerase.

Foi então descoberto um mecanismo alternativo, denominada Alternative


Lengthening of Telómeros ou ALT, que se encontram presente numa minoria de tumores
humanos. O mecanismo pelo qual a ALT consegue replicar os telómeros baseia-se num
mecanismo de cópia inter-cromossómica. Assim sendo, a polimerase responsável pela
replicação de DNA utiliza a sequencia de um segundo cromossoma como molde para prolongar
os telómeros, retomando depois para o cromossoma em que se encontrava inicialmente.

A ALT possui uma grande homologia no modo de funcionamento com os genes de


reparação mismatch do DNA, nomeadamente os envolvidos na recombinação homóloga.
As razões que levam a célula a activar a ALT em vez da telomerase não são ainda
conhecidas, nem a razão pela qual os telómeros são maiores com a ALT do que com a
telomerase. Também a molécula de dn hTERT, que tem a capacidade de inactivar a
telomerase, falha na inactivação da ALT, o que confere vantagem a estas células.

Fármacos inibidores da telomerase estão a ser desenvolvidos, no entanto mecanismo


da ALT pode ser responsável por uma resistência intrínseca ou adquirida a estes.

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Manutenção da Integridade
Genómica e o Desenvolvimento de
Cancro
Organização dos Tecidos: minimizar acumulação
progressiva de mutações
Uma das formas mais comuns de
protecção dos tecidos é a existência de um
reduzido número de células na população
estaminal, que por sua vez estão restritas a um
determinado compartimento. Sabemos que estas
células se encontram num número muito
reduzido, entre 0,1 a 1% do total de células num
tecido, o que dificulta em muito o seu estudo.

Nas células estaminais normais, a sua


capacidade de auto-renovação permite que a cada
divisão pelo menos uma das células descendentes
mantenha o fenótipo da progenitora. A outra
célula descendente passa a por uma fase de
amplificação, em que se divide múltiplas vezes
antes de entrar no estado post-mitótico e Fig. 85 - Organização dos Tecidos Epiteliais
altamente diferenciado. A existência deste
compartimento transitório de amplificação implica que as células estaminais apenas se têm
de dividir um reduzido número de vezes para manter um enorme pool de células
diferenciadas. Este mecanismo permite ainda que o maior risco de ocorrem mutações a
quando da replicação do DNA seja no compartimento de amplificação e não nas células
estaminais, o que é reforçado pela facto de a cópia original do DNA ser mantida na célula que
permanece no compartimento das células estaminais. Caso exista uma mutação na cadeia de
DNA, esta ocorrer na maior parte das vezes em células com um período de vida relativamente
curto, o que limita em muito a probabilidade de uma destas alterações se perpetuar.

Células Estaminais: principal alvo da mutagénese

Tendo já excluído as células com uma vida curta como potenciais alvos para a base da
mutagénese no cancro, vamos concentrar-nos nas células com maior longevidade nos
epitélios. Estas células com maior longevidade na maior parte dos tecidos localizam-se no
compartimento estaminal, sendo estas que guardam a marca após exposição a um iniciador.
Esta ideia foi reforçado pelo facto de após a indução de um tumor por exposição a um
iniciador, o tratamento com 5-FU, que atinge as células em proliferação, não se mostrou eficaz
na prevenção de recidivas. Este facto indica que a alteração imposta pelo iniciador se localiza
em células com um baixo índice proliferativo, o que é coincidente com as células estaminais.

Um exemplo que reforça esta ideia é o caso da Leucemia Mielóide Crónica, em que na
base da sua génese está quase sempre uma translocação que origina o cromossoma

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Philadelphia. A quando da analise das células hematopoiéticas verificou-se que esta


translocação não estava apenas presente nos linfócitos, mas sim também nas restantes
linhagens mielóides, o que sugere a origem da translocação ao nível das células estaminais,
que neste caso são um dos precursores comuns.

Uma experiência que apoia ainda mais o papel das células estaminais na génese
tumoral é o facto de ao introduzir o oncogene ras em células estaminais da epiderme num
ratinho, origina-se um carcinoma maligno; se este mesmo oncogene for introduzido num
queratinócito diferenciado apesar se origina um papiloma benigno e com tendência para
regredir.

Mecanismos para Minimizar a Acumulação de Mutações


em Células Estaminais

A importância das células estaminais


implica que o seu genoma seja protegido de
qualquer alteração induzida por agentes
mutagénicos. Já foram referidas duas formas de
protecção destas células, a sua baixa taxa de
replicação e a sua localização privilegiada em
termos anatómicos.

Um dos mecanismos protectores baseia-se


no facto de as células estaminais ao serem
expostas a um estímulo lesivo entram em
apoptose mais frequentemente do que param o
ciclo celular e reparam o seu genoma. Este
mecanismo deve-se ao facto de a maquinaria de
reparação do DNA ser altamente eficiente, mas
Fig. 86 - Replicação do DNA Assimétrica pouco eficaz no que toca a evitar erros.

Através do estudo com moléculas fluorescentes compreendeu-se que as células


estaminais possuem mecanismos de efluxo mais eficazes do que as células diferenciadas, o
que se comprova pela menor fluorescência no final desta experiencia. Com este mecanismo a
célula estaminal minimiza o contacto com agentes potencialmente lesivos. Esta capacidade
deve-se à presença da proteína de membrana Multi-Drug Resistance 1 ou Mdr1, a qual está
muitas vezes implicada na resistência a fármacos de quimioterapia.

O mecanismo de replicação assimétrica do DNA apresenta-se como uma importante


via para a manutenção da integridade genómica. Neste caso quando ocorrer a divisão celular,
e consequente replicação do DNA, a célula filha que permanece como estaminal conserva em
si a cadeia original de DNA, o que permite proteger o genoma de erros ocorridos durante a
replicação na fase S.

Erros originados durante a Replicação


Os mecanismos anteriormente referidos representam apenas uma primeira linha de
defesa, a próxima linha consiste num conjunto de proteínas que reconhecem e reparam as
lesões no DNA.

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As moléculas de DNA estão constantemente sob o ataque de diversos agentes e


mecanismos mutagénicos, dos quais salientamos os erros originados durante a replicação do
DNA, as reacções químicas espontâneas e os agentes químicos e físicos mutagénicos.

A maquinaria responsável pela


replicação do DNA é caracterizada por um
baixa taxa de erros, a qual está na
dependência de três polimerases.
As células possuem dois mecanismos
principais para detectarem e removerem os
erros durante a replicação. A primeira
estratégia está na dependência da própria
DNA polimerase, a qual sendo composta por
várias subunidades, tem a capacidade de
enquanto copia a cadeia molde verificar os
nucleótidos já copiados. A esta capacidade
denominados proofreading. Quando a DNA
polimerase detecta um erro utiliza a sua
actividade de exonuclease e elimina o
segmento sintetizado, voltando depois a
copiar esse mesmo segmento.

Caso este mecanismo falhe existe um


complexo de enzimas, denominadas
Mismatch Repair ou MMR. O papel destas
enzimas é particularmente relevante em
regiões altamente repetitivas onde a DNA
polimerase tem tendência para incluir ou
excluir um nucleótido ou mais nesta
Fig. 87 - Mecanismo de proofreading sequência.
Por razões históricas, sequências
altamente repetitivas, com 100 ou mais nucleótidos, são designadas sequências satélite. As
sequências atrás referidas, pelo seu menor tamanho, são designadas microsatélites. Um
defeito no sistema das MMR origina uma instabilidade nestes segmentos, o que se deve a
constantes erros na replicação destas regiões, a que denominados instabilidade de
microsatélites.

Este complexo das MMR também tem uma elevada capacidade para detectar outros
erros, o que é possível pela capacidade destas enzimas em distinguirem a cadeia recém-
formada da parental.

Existem ainda outros erros, nomeadamente as quebras duplas na cadeia de DNA, as


quais são reparadas por outros mecanismos explicados mais tarde.

Lesão induzido por Processos Bioquímicos Endógenos

A estrutura de dupla hélice da molécula de DNA oferece uma forma de protecção para
a maior parte dos tipos de ataques químicos, o que se deve à protecção dos grupos químicos
reactivos.
Apesar deste mecanismo de defesa, as moléculas de DNA encontram-se sob potenciais
alterações químicas e lesão física. Uma das alterações possíveis é a depurinação, o que

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consiste na quebra espontânea da ligação química que une uma base purínica com a
desoxirribose. O mesmo pode acontecer em relação às bases primidínicas, passando a
designar-se depirimidinação.

Pode ainda ocorrer deaminação, o que corresponde à perda do grupo amina da


guanina, adenina e citosina, o que origina xantina, hipoxantina e uracilo, respectivamente. O
uracilo pode ser lido como uma timina durante a replicação do DNA, o que origina uma
mutação de transição, em que uma citosina é trocada por uma timina.

O ambiente intracelular apresenta outros perigos para o DNA cromossómico. O maior


destes vem como o processo de oxidação, o qual pode infligir uma lesão maior no DNA do que
os processos referidos anteriormente. A maior parte destas reacções localizam-se na
mitocôndria e originam espécies reactivas de oxigénio, como é o caso do ião superóxido,
peróxido de hidrogénio e radical hidroxilo.
Estas moléculas altamente reactivas podem originar locais de quebra simples ou dupla
no DNA, podendo estes erros ser reparados, no entanto o potencial de reparação incorrecta é
grande no caso das quebras duplas.

Enzimas Reparadoras: ligação ao DNA lesado por


mutagénicos

Caso os mecanismos que protegem as células do ataque de agentes mutagénicos


falhem, é necessário que outros mecanismos detectem a lesão e permitam que esta seja
reparada. Estes mecanismos são necessários para que os erros no DNA não sejam transmitidos
às células descendentes. O papel destes mecanismos no cancro é provado pela aceleração da
taxa de progressão tumoral na ausência dos mesmos.

As enzimas envolvidas neste processo são diferentes das MMR que detectam trocas
nos nucleótidos, neste caso é necessário detectar alterações químicas num nucleótido.
Estas enzimas têm como função restaurar a estrutura do DNA alterado quimicamente.
Um dos exemplos é a DNA alquiltransferase, a qual remove os grupos metil e etil nas bases de
guanina, restaurando a sua estrutura. A importância deste mecanismo é salientada pelo
silenciamento deste gene em 40% dos gliomas e tumores colo-rectais, bem como em 25% dos
carcinomas de não-pequenas células, linfomas e tumores da cabeça e pescoço. Existem outros
mecanismos idênticos, sendo comum a todos que a sua ausência provoca um aumento na taxa
de mutações e consequente progressão tumoral acelerada.

Um conjunto de outros processo com maior relevância consistem num conjunto de


enzimas que reconhecem bases alteradas e respondem de duas maneiras possíveis:
- Reparação por Excisão de Base, em que a base alterada é removida, mantendo a
desoxirribose;
- Reparação por Excisão de Nucleótido, em que todo o nucleótido contendo a base
alterada é removido.

A reparação por excisão de base parece estar associada a lesões que não alterem a
estrutura da molécula de DNA, nomeadamente lesão com origem endógena, em particular as
espécies reactivas de oxigénio. No complexo deste mecanismo podemos encontrar como
principais intervenientes a DNA Glicosilase, que remove a base alterada, e a Polimerase-β que
repara a lesão em si ao preencher o local com um novo nucleótido.

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Fig. 88 - Reparação por Excisão de Base

A reparação por excisão de


nucleótido está associada a lesões em
que a estrutura do DNA é alterada, o
que é mais frequente nas lesões com
origem exógena, salientando-se a
radiação UV. Neste processo estão
envolvidas exonucleases, bem como as
Polimerases-δ e ε.

Existe um outro mecanismo


alternativo de reparação, o qual é
restrito para situações extremas e
envolve a replicação de uma cadeia
não-reparada, denominando-se error
prone repair. Este tipo de reparação
aumenta em muito a taxa de mutações,
Fig. 89 - Reparação por Excisão de Nucleótido tendo-se verificado que em muitas
células tumorais este se encontra
activado.

Defeitos Inerentes ao Mecanismo de Reparação e


Aumento da Susceptibilidade ao Cancro

Um dos melhores exemplos nesta área é o Cancro do Cólon Não-Poliposo Hereditário


ou HNPCC, sendo responsável por 2 a 3% de todos os cancros do cólon. Num grupo de
indivíduos com HNPCC existe uma susceptibilidade aumentada para tumores do endométrio,
estômago, ovário e tracto urinário.
Este aumento da susceptibilidade ao cancro do cólon encontra-se associado a uma
taxa de progressão tumoral aumentada, o que encurta em muito a evolução de adenoma para
carcinoma.
A maior parte dos casos de HNPCC resultam de mutações na linha germinal dos genes
MSH2 e MLH1, ambos pertencentes à classe dos genes MMR. Verifica-se uma perda de
heterozigotia para este locus na maior parte dos tumores. A incapacidade para detectar e
reparar as lesões de mismatch conduz a uma instabilidade de microsatélites característica
destes tumores.

Diversos outros tumores têm alterações ao nível das enzimas do complexo MMR,
podendo estas estar alteradas por mutações ou silenciamento da expressão por metilação do
promotor.
Tumores com alterações nos genes MSH2 ou MLH1 demonstram resistência aos
agentes alquilantes, que numa célula sensível induzem a paragem no checkpoint G2/M,
conduzindo posteriormente à apoptose.

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Um outro caso em que os genes reparadores do genoma têm um papel importante é


no aumento do risco de cancro nos indivíduos portadores de Xeroderma Pigmentosum.

Apesar dos exemplos já referidos, talvez os genes mais frequentemente associados ao


cancro pela população em geral sejam o BRCA1 e BRCA2. Mutações na linha germinal para
estes genes conferem um risco aumentado para o cancro do ovário e da mama.
Estes genes estão envolvidos na manutenção da integridade genómica, em particular
na reparação das quebras duplas na molécula de DNA. O mecanismo de reparação destas
lesões poderá passar pela reparação por homologia directa, no qual sabemos que tanto o
BRCA1, como o BRCA2 estão envolvidos.
Na ausência destes mecanismos de reparação das quebras duplas no DNA, a célula
passa a utilizar o processo de união de extremidades não homólogas. Este processo gera
inúmeros erros, muitas vezes translocações, o que tem impacto nas neoplasias hematológicas
em particular.

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Invasão e Metastização
Numa fase inicial da progressão tumoral as células
tumorais multiplicam-se nas proximidades da célula ancestral, o
que na maior parte dos casos demora anos até que surja o tumor
primário. Em alguns locais, como é o caso do peritoneu, este
tumor pode expandir-se sem causar grande desconforto e
conflito de espaço; o contrário acontece com tumores cerebrais,
onde massas relativamente pequenas causam sintomas de forma
precoce.

Invariavelmente todos os tumores acabam por originar


sintomas, quer seja por pressão física, invasão, obstrução do
lúmen ou em casos extremos pela presença de metástases. No
caso do cancro da mama os locais preferenciais de metastização
são o cérebro, fígado, osso e pulmões. Os tumores da próstata
metastizam na maior parte dos casos para o osso, enquanto os
carcinomas do cólon preferencialmente formam novas colónias
no fígado.

Por razões desconhecidas, certos tumores têm uma


elevada probabilidade de metatastizarem e outros quase
Fig. 90 - Metastização (TC-PET) nenhuma. Após o melanoma penetrar nas camadas abaixo da
pele, a presença de metástases à distância é quase uma certeza;
o que contrasta com o carcinoma pavimento-celular da pele e o osteosarcoma que muito
raramente metastizam.

Fases Biológicas na Formação de Metástases

Tendo em conta que a maior parte dos tumores têm origem epitelial vamos nos
centrar nessa área durante este capítulo. É importante relembrar que genericamente os
tecidos epiteliais são compostos por camadas celulares separadas do estroma por uma
camada especializada de MEC, a membrana basal.
Por definição os carcinomas permanecem benignos até que invadam a membrana
basal, a partir deste momento os tumores passam a ser classificados como malignos. Mesmo
antes de infringirem a membrana basal já estimulam a angiogénese através da libertação de
factores por entre os poros da membrana basal. A quebra da membrana basal implica uma
vantagem para a execução da cascata invasão-meastastização. A presença de células tumorais
no seio do estroma permite um ganho de acesso aos vasos linfáticos e sanguíneos. Este
contacto com os vasos sanguíneos fornecem um maior aporte de oxigénio e nutrientes, o que
estimula a penetração através da parede do vaso em direcção ao lúmen – intravasão.
A passagem das células tumorais para a corrente sanguínea permite a sua
disseminação para potencialmente qualquer local do organismo, no entanto acarreta elevados
riscos. A ausência de ancoragem pode despertar anoiquis, uma forma de apoptose, o que
juntamente com a ausência de factores de suporte com origem no estroma pode significar a
morte celular. As forças hidrodinâmicas, em particular nos vasos de menor calibre, podem
lesar as células tumorais, o que leva à sua associação com plaquetas para minimizar estes
efeitos.

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Caso sobrevivam a estes riscos as células podem ganhar acesso à circulação venosa,
tendo pela frente o desfio de atravessar o coração e o leito capilar pulmonar. O reduzido
tamanho dos capilares, cerca de 3 a 8 μm, podem representar um grande desafio para as
células tumorais com cerca de 20 μm e com pouca capacidade de deformalidade.
Este panorama pode levar-nos a pensar que o número de metástases seria muito
elevado a nível pulmonar, no entanto sabemos que em muitos casos existem metástases
noutros locais em maior número. O mecanismo pelo qual as células tumorais conseguem
atravessar o leito capilar pulmonar pensa-se estar relacionado com a capacidade das mesmas
utilizarem os shunts arterio-venosos para passarem através do pulmão.

Fig. 91 - Cascata de invasão-metastização

Já com acesso à circulação sistémica as células têm agora que abandonar o interior dos
vasos, o que é possível pela ligação das células a receptores na superfície das células
endoteliais, nomeadamente integrinas. As células tumorais penetram, através de um processo
denominada extravasão, na parede dos vasos se ganham acesso a uma nova localização.

Colonização: uma etapa complexa e desafiante


Após terem chegado a uma nova localização e o contacto com o novo estroma, as
células mestastáticas têm de formar uma nova massa tumoral neste meio, o que se denomina
colonização.
Esta fase apresenta-se possivelmente como a mais complexa e desafiante, o que se
deve à necessidade de adaptação a um novo meio hostil e à ausência de factores de
crescimento e de sobrevivência que originarem o tumor primário. Sem outros factores as
células metastáticas podem morrer ou sobreviverem como uma única célula, ou pequenas
colónias, por longos períodos de tempo, originando micrometástases. As micrometástases na
maior parte dos casos excedem as que mais tarde dão origem a uma massa tumoral
detectável, no entanto existe um potencial constante de originarem implicações clínicas
graves.

A detecção destas micrometástases, no caso dos carcinomas, é possível pela marcação


para citoqueratinas no caso da detecção ao nível do sangue e medula óssea, ou pela detecção

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de EpCAM, a quando da pesquisa em linfáticos. Em qualquer um dos casos a presença de um


marcador epitelial num tecido exclusivamente mesenquimatoso é um índice claro de que
estão presentes micrometástases.

A baixa taxa de sucesso na formação de metástases pode ser designada por


ineficiência mestastática, sendo que o passo limitante é a colonização, dado que existe um
elevado número de células tumorais a entrar em circulação, bem como a penetrarem noutras
localizações, no entanto são raras as micrometástases que dão origem a uma
macromestástase, ou seja, uma massa tumoral clinicamente detectável.

Capacidade de Invasão: transição epitélio-mesenquima


O primeiro passo nesta cascata de
mestastização envolve a aquisição de
invasividade local, o que implica
alterações fenotípicas em relação ao
tumor primário. A organização normal dos
epitélios é incompatível com a motilidade
e invasividade apresentada pelas células
de carcinomas malignos. Na tentativa de
adquirirem estas propriedades as células
sofrem um profunda alteração no seu
fenótipo, passando a apresentar
características de células
mesenquimatosas, num processo
Fig. 92 - Alterações Associadas à EMT designado transição epitélio-
mesenquima. Este fenómeno é
encontrado em situações fisiológicas, como a embriogénese e a regeneração epitelial.
A aquisição destas propriedades não está dependente da formação de novas
mutações ou outras alterações, baseia-se antes na activação de um programa já existente na
célula a quando da embriogénese ou da regeneração tecidual. As principais alterações que se
verificam são a repressão da expressão de E-caderina e citoqueratinas, o que é substituído
pela expressão de N-caderina e vimentina, as quais conferem um fenótipo mesenquimatoso à
célula. A E-caderina, ou mais concretamente a sua perda, parece representar o papel principal
nesta transição, o que possivelmente se deve à sua função de adesão entre as células e
potencialização da estrutura epitelial. A perda desta molécula permite uma motilidade celular,
o que acompanhado pela expressão de N-caderina conduz a célula em direcção ao estroma.

Indução da Transição Epitélio-Mesenquima

A transição epitélio-mesenquima ou EMT parece ser uma transformação irreversível


necessária para que as células adquiram um fenótipo maligno, no entanto verifica-se que em
muitos carcinomas este fenómeno é reversível. Os tumores após concluírem com sucesso a
cascata de invasão-metastização regridem e voltam a adquirir um fenótipo epitelial, o que é
possível pela transição mesenquima-epitélio ou MET.

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Fig. 93 - EMT e MET

A reversão da EMT
sugere que existe no meio
do tumor primário sinais
que induzem esta
transição, no entanto ao
chegarem a um novo meio
as células mestastáticas,
na ausência desses sinais,
por intermédia da MET
voltam ao seu fenótipo
inicial. Alguns dos factores
Fig. 94 - Cascata de Invasão-Metastização que estão implicados são o
TGF-β, TNF-α, EGF, HGF e
IGF-1, que por sua vez cooperam com um ou outro alelo mutante, nomeadamente o oncogene
ras. A sinalização Ras parece através da via Raf estimular por si só a EMT, o que é conseguido
pelo loop autócrino de secreção de TGF-β que impõe; cooperando com o via da PI3K, que
protege a célula transformada dos efeitos citostáticos e pró-apoptóticos do TGF-β.
Este modo de acção do TGF-β contrasta com o seu papel anti-proliferativo em células
normais, no entanto o seu papel como promotor da malignidade é reforçado por um pior
prognóstico e menor sobrevida em indivíduos com elevados níveis de TGF-β no tumor e em
circulação.

O TGF-β contribui para a invasividade das células tumorais por quatro razões:
- A maior parte dos tumores, com excepção dos intestinais, continuam a expressar
receptores funcionais para o TGF-β durante toda a progressão tumoral:
- A inactivação da vida da pRB, que ocorre na maior parte dos tumores humanos, causa
uma perda da capacidade da resposta cistostática do TGF-β, o que permite a resposta a outro
tipo de sinais induzidos por esta via;
- Na ausência de resposta citostática a exposição a este factor pode favorecer a
proliferação. No caso particular dos glioblastomas e osteosarcomas, em que o tratamento com
TGF-β leva a uma libertação de PDGF, que por sua vez actua de forma autócrina na promoção
da proliferação celular;
- No caso do cancro da mama, a exposição ao TGF-β causa a libertação de factores que
aceleram a dissolução do osso mineralizado, constituindo um dos passos críticos na formação
de metástases osteolíticas.

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Também o TNF-α, juntamente com o


TGF-β, contribui para a manutenção da EMT,
o que é possível por uma activação da via do
NF-kB.
O papel dos macrófagos nesta
cascata é demonstrado pela necessidade das
células secretarem CSF-1, o que permite o
recrutamento de TAMs, e consequente
capacidade de formar metástases. Esta
capacidade deriva do facto de os
macrófagos libertarem TNF-α que contribui
para a EMT, bem como um loop parácrino
Fig. 95 - Papel dos TAMs na Metastização de EGF entre os macrófagos e as células
tumorais.

Fig. 96 - Vias Envolvidas na EMT

Invasividade: Papel das Proteases Extracelulares


A transição epitélio-mesenquima ou EMT representa um complexo programa biológico
que permite à célula adquirir motilidade e invasividade. Os principais efectores no que toca à
invasividade são as Metaloproteinases da Matriz ou MMPs. Na maior parte dos carcinomas
estas proteases são secretadas pelas células do estroma recrutadas, macrófagos, mastócitos e
fibroblastos, mais do que pelas células neoplásicas. As MMPs ao dissolverem a MEC em redor
das células tumorais permitem a criação de espaço para que estas se movam, e em simultâneo
contribuem para a libertação dos factores de crescimento sequestrados na MEC.

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A maior parte das MMPs são


secretadas, no entanto a MT1-MMP é uma
das seis MMPs ancoradas à membrana,
podendo apenas clivar os substratos em
contacto com a célula. Existem ainda MMPs
que são secretadas como pro-enzimas,
salientando-se a MMP2.

O papel das MMPs e outras


proteases não se limita ao cancro, têm um
importância extrema na remodelação da
MEC durante as proliferação de um tecido e
a quando da regeneração tecidual. Em
tecidos normais as MMPs apresentam uma
elevada especificidade para os substratos
que clivam, o mesmo se verifica em tecidos
neoplásicos, no entanto a sua activação é
permanente em vez de cíclica.
As MMP-2 e 9 são das mais
Fig. 97 - Regulação das MMPs importantes na cascata de invasão-
mestastização, podendo estar envolvidas na
invasão do estroma, intravasão e extravasão. No caso particular da MMP-9, que é
maioritariamente secretada por macrófagos, neutrófilos e fibroblastos, a sua presença esta
correlacionada com o potencial metastático do tumor primário.

A regulação de toda esta cascata é altamente complexa, envolvendo muitas vezes uma
segunda protease que activa a pró-MMP e permite a sua acção. Destacamos o papel da
Uroquinase Activadora do Plasminogénio ou uPA, presente em diversas células tumorais, que
ao converter o plasminogénio a plasmina criar uma protease com capacidade de activar
diversas MMPs, em particular as 1,2,3,9 e 14. Este mecanismo de regulação foi confirmado
pela capacidade dos inibidores da uPA em bloquear o crescimento e metastização tumoral em
modelos animais.

GTPase ras-like: adesão, morfologia e motilidade


cellular
Já foi referido o papel das MMPs na degradação da MEC e consequente invasividade,
no entanto ainda não foi clarificado como as células tumorais adquirem motilidade.
No que toca às células epiteliais o HGF, através do seu receptor Met, apresenta-se
como o principal factor com capacidade de induzir motilidade. Também o EGF parece ser
importante na indução da motilidade nas células do cancro da mama.

A maquinaria que responde a estes estímulos é altamente complexa, e inclui a


capacidade de reestruturar continuamente diversas porções do citoesqueleto de actina, bem
como das conexões às células e a MEC adjacentes. Este processo inicia-se com a extensão de
um prolongamento na direcção pretendida, denominando-se lamelopodia. Em simultâneo as
proteases associadas à membrana têm de degradar a matriz em contacto com a lamelopodia,
e ainda é necessário estabelecer novas conexões com a MEC ao nível deste prolongamento.
Existem pequenas saliências neste prolongamento, também designadas filopodias, que
analisam o meio adjacente.

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A análise das alterações da


morfologia e motilidade celular
permitiram compreender que estas
estão sob o controlo das proteínas da
família Rho. Tal como a Ras estas
proteínas encontram-se na forma activa
quando associadas ao GTP, e na forma
inactiva quando associadas ao GDP.

Dentro da família das proteínas


Rho, o grupo das proteínas Rho parece
ser o mais importante, sendo necessário
realçar que contrariamente à Ras esta
proteína apresenta muitas vezes uma
estrutura normal, no entanto as vias de
regulação é que se encontram
sobreactivadas. Pensa-se que seja a via
da PI3K que mais importância tenha
nesta activação, tendo em conta
Fig. 98 - Motilidade Celular
diversos membros da família Rho têm a
capacidade de se ligarem ao PIP3.

A actividade das proteínas Rho, Rac e Cdc42 induzem alterações no citoesqueleto,


alterações na morfologia celular, segregação de proteases, contracção celular e ainda
reestruturação das ligações com a MEC e outras células. Todo este processo é altamente
complexo, o que se comprova pelo papel distinto de cada uma destas proteínas consoante a
células que estamos a analisar.
Apesar de não ser ainda uma área totalmente clara, sabemos que a família das
proteínas Rho-like controla a forma, adesão e proteolise celular em relação à MEC. Estas
funções celulares têm um papel critico nas capacidades invasivas e metabólicas das células
malignas.

Utilização dos Linfáticos como Via de Disseminação

As células tumorais e as células do


estroma recrutadas podem secretar VEGF-C, a
qual dirige a linfangiogénese. O papel deste factor
na disseminação linfática é reforçado pelo
aumento do número de células metastáticas nas
gânglios regionais a quando do aumento forçado
da expressão deste factor.
Apesar destas evidências sabemos que
poucos são os linfáticos funcionais no contexto
dos tumores, uma vez que na maior parte dos
casos estes encontram-se colapsados em função
Fig. 99 - Disseminação Linfática no Cancro da Mama da pressão exercida pelo tumor em crescimento.
Mesmo perante estas limitações muitas
das células mestastáticas conseguem penetrar na rede linfática e disseminarem-se através
destes. Este dado leva a que a analise da histologia dos gânglios linfáticos seja um
procedimento clínico obrigatório. A remoção cirúrgica dos gânglios no sentido de prevenir a

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metastização não se demonstra ser eficaz, no entanto a analise dos mesmos demonstrou ser
um marcador importante do risco de metastização, bem como do estadiamento tumoral.

Factores que Influenciam a Localização das Metástases

Sabemos que toda a cascata de invasão-metastização é altamente complexa,


salientando-se a muito baixa eficiência da colonização das metástases nos novos tecidos
hospedeiros. Este passo limitativo pode ser uma explicação para as localizações preferenciais
de metastização, o que pode ser associado a uma maior facilidade de adaptação a alguns
locais. Por outro lado a acessibilidade a determinados locais também podem limitar a
localização das metástases.

Diversos modelos tentaram explicar esta questão, sabendo que a disseminação ocorre
em todas as direcções, e que apenas um número limitada consegue sobreviver e formar
micrometástases, e ainda um número mais reduzido consegue adaptar-se e colonizar o local
originando macrometástases. Compreendemos então que existem dois factores
predominantes que determinam o local de metastização, por um lado a frequência com que
esse local entra em contacto com células disseminadas, e por outro a capacidade das células se
adaptarem ao local onde se encontram.

Outros mecanismos parecem estar igualmente envolvidos neste tropismo tecidular,


quer seja a presença de factores quimioatractivos, ou a acessibilidade a factores de
crescimento, ou mesmo a expressão de determinadas moléculas na superfície celular.

Estudos detalhados indicam que em 66% dos casos o padrão de metastização pode ser
simplesmente explicado pelo fluxo sanguíneo originado do tumor primário. Em 20% dos casos
a explicação baseia-se nos microambientes especializados que promovem o aparecimento de
macrometástases. Nos restantes 14% pensa-se que sejam as interacções negativas que
explicam um menor número de que o esperado de metástases com base no fluxo sanguíneo.

Metástases Ósseas: papel dos Osteoclastos e dos


Osteoblastos
Verifica-se num grande número de tumores um padrão de metastização óssea,
salientando-se os carcinomas da mama e próstata. Para melhor compreendermos este
processo é necessário encarar o osso como uma estrutura altamente dinâmica. A renovação
óssea é conseguida pela acção dos osteoclastos, que degradam o osso mineralizado, e dos
osteoblastos, que formam nova matriz.

Grande parte das células


metastáticas, na impossibilidade de
interagirem directamente com o
osso, fazem-no através destas
células. No caso do cancro da
mama estimulando os osteoclastos,
o que origina um padrão
osteolítico, no carcinoma da
próstata existe estimulação dos
Fig. 100 - Interacção Osteoclastos e Osteoblastos osteoblastos, e consequentemente
surge um padrão osteoblástico. Na

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maior parte dos casos existe um padrão misto, no entanto é necessário realçar o caso do
mieloma múltiplo que origina exclusivamente lesões osteolíticas.

Esta interacção entre os osteoclastos e os osteoblastos é conseguido pela via do RANK,


a qual estimula a diferenciação de osteoclastos. O ligando deste receptor, o RANKL, é expresso
na superfície dos osteoblastos, e ao ligar-se ao receptor RANK promove a formação de
osteoclastos. Em simultâneo os osteoblastos produzem um receptor solúvel do RANKL,
denominado osteoprotegerina, o qual pode ligar-se ao RANKL e impedir a sua interacção com
os precursores dos osteoclastos.

No caso particular do cancro da mama, a capacidade de durante a lactação produzir


PTHrP revela-se como importante mecanismo de metastização. As metástases ao entrarem em
contacto com o meio da medula óssea passam a expressar esta PTHrP, a qual conduz a um
aumento da produção de RANKL e consequentemente promoção da dissolução do osso pelos
osteoclastos.
A degradação da matriz óssea conduz à libertação de diversos factores, salientando-se
o PDGF, BMPs, FGFs, IGF-1 e TGF-β, que no conjunto estimulam a libertação de PTHrP. Forma-
se desta forma um ciclo vicioso, no qual salientamos o papel do TGF-β.

Fig. 101 - Interacções Heterotípcas na Metastização do Cancro na Mama

Este mecanismo abre novas portas para a terapêutica, salientando-se actualmente o


uso dos bifosfonatos, em que a sua incorporação na matriz óssea conduz a que a quando da
acção dos osteoclastos os compostos degradados sejam tóxicos para estes osteoclastos. O
mecanismo inerente à actuação dos bifosfonatos é a inibição da enzima FPP Sintase, que
converte o HMG-CoA em grupos prenil e estes em última instância ligam-se a moléculas

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importantes para a sobrevivência e actividade celular e favorecem a sua localização


membranar.
As lesões osteoblásticas estão na dependência predominantemente dos osteoblastos e
não dos osteoclastos. A libertação da Endotelina-1 pelas células tumorais estimula os
osteoblastos e inibe os osteoclastos, o que origina lesões predominantemente osteoblásticas.

O padrão de metastização pode então ser encarado como um complexo processo que
depende não só da disseminação tumoral, mas também da capacidade de adaptabilidade e
interacções com o novo meio.

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Terapêutica Racional do Cancro


No que toca à Terapêutica do Cancro sabemos que na maior parte dos casos a única
terapêutica curativa é a cirurgia, mas existem casos, nomeadamente a neoplasias
hematopoiéticas, em que é possível fazer quimioterapia com intuito curativo.
Podemos por isso dividir a terapêutica para o cancro nas seguintes áreas, tendo em
conta os objectivos da mesma:
- Curativa, que tal como o próprio nome indica pressupões a remoção completa do
tumor e a inexistência de micrometástases;
- Neo-Adjuvante, diz respeito à terapêutica que tem como objectivo a redução do
tamanho e massa tumoral, para que desta forma seja possível uma remoção cirúrgica mais
eficaz e com margens de segurança;
- Adjuvante, compreende a terapêutica que tem como objectivo eliminar as possíveis
micromestástases e por esse via diminuir o risco de recidiva;
- Paliativa, aplica-se nos casos de doença muito avançada, em que o principal objectivo
é o controlo sintomático e a manutenção ou melhoria da qualidade de vida do indivíduo.

Caso vejamos a terapêutica do ponto de vista da estratégia utilizada podemos ter:


- Cirurgia, tem o intuito curativo, é loco-regional, sendo importante não só para efeitos
de terapêutica, mas também de diagnóstico, estadiamento e prognóstico;
- Radioterapia, faz uso da radiação e do seu potencial lesivo para o DNA, sendo que as
células são mais sensíveis a esta terapêutica na fase G2/M. A radioterapia inclui-se num dos
tipos de terapêutica loco-regional;
- Quimioterapia, inclui-se nas terapêuticas sistémicas, podendo existir diversos tipos
de fármacos, mas no seu global promovem a morte celular por lesão do genoma e
consequente activação da apoptose (ex. Antraciclinas);
- Hormonoterapia, no caso das neoplasias sensíveis a hormonas, nomeadamente o
carcinoma da mama, existem opções de bloquear esta via e parar o crescimento tumoral (ex.
Tamoxifeno);
- Terapêutica Dirigida, é o grupo mais recente, baseando-se em alvos específicos no
mecanismo da génese tumoral. Esta terapêuticas têm um menor número de efeitos adversos,
no entanto na maior parte dos casos apenas reprimem o crescimento tumoral, sendo
necessária uma terapêutica crónica de modo a controlar o tumor (ex. Imatinib ou
Trastuzumab);

Eficiência do Desenvolvimento e Utilização das


Terapêuticas
Nos capítulos anteriores classificamos os tumores tendo em conta os seus tecidos de
origem, bem como o seu estádio de progressão clínica. Muitas destas classificações foram
feitas com base na análise do tumor ao microscópio, no entanto o emergir dos marcadores
moleculares veio refinar estas análises e classificações, em particular no que toca às
implicações prognósticas.
É claro que os métodos tradicionais de classificação têm uma utilidade limitada, o que
nos alerta para a necessidade de novos métodos. Um diagnóstico deve dar-nos indicações
sobre as características clínicas do tumor, prognostico e resposta previsível à terapêutica. No
caso de nos ser possível determinar que um tumor tem uma resposta óptima para
determinada terapêutica, esta informação pode ter importantes implicações na sobrevida,
risco de recidiva e probabilidade de cura.

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Muitas das terapêuticas, dada


a sua toxicidade, aumentam em muito
o risco de uma segunda neoplasia. A
melhor adaptação da terapêutica às
características do tumor permite uma
redução efectiva da dose e
consequentemente menor toxicidade,
o que reduz em muito o risco de uma
segunda neoplasia.

As estatísticas demonstram
que existe uma necessidade de
desenvolver novos marcadores
moleculares que permitam distinguir
Fig. 102 - Estratificação pela Assinatura Genética do Tumor
os tumores que realmente necessitam
de uma terapêutica agressiva, das que
necessitam de apenas vigilância.
A criação de mapas de expressão de um tumor podem contribuir para uma
estratificação dos tumores, e desta forma dividi-los tendo em conta as suas características
biológicas e prognósticas. Através de uma análise computorizada é possível estabelecer uma
correlação entre o fenótipo biológico, a resposta terapêutica e o prognostico.

Este tipo de análise bioinformática permite distinguir tumores que apesar de idênticos
morfologicamente possuem uma elevada heterogeneidade no que respeita às características
biológicas e resposta terapêutica. Salientamos o caso da estratificação dos linfomas de células
B, tendo em conta o nível de actividade da via do NF-kB e por outro lado o carcinoma da
mama, onde são analisados a expressão dos receptores hormonais e da oncoproteína HER2.

Uma análise cada vez mais pormenorizada do padrão biológico dos tumores,
particularmente ao nível da expressão génica, irá permitir a aplicação de terapêuticas cada vez
mais dirigida e com impacto na sobrevida e qualidade de vida dos indivíduos.

Diversas Respostas perante uma Terapêutica de


Sucesso
Na generalidade as estratégias terapêuticas pretendem eliminar a população tumoral
ou limitar o seu crescimento. Alem das estratégias cirúrgicas, as restantes terapêuticas de um
forma ou outra promovem a morte celular, na maior parte dos casos via apoptose. Existe no
entanto uma outra via em que é possível o controlo das células tumorais, é a de induzir a
diferenciação celular.

Este grupo de terapêuticas inovadoras tem como objectivo conduzir as células para o
seu estado post-mitótico. Um dos casos de sucesso desta terapêutica é o tratamento da
Leucemia Pro-Mielocítica Aguda com o Ácido trans-retinoico, o que induz a diferenciação das
células blásticas em neutrófilos, que juntamente com a quimioterapia pode resultar em
remissão completa, e em média no sobrevida aos 5 anos de 75 a 80%.

Em muitos tumores a estratégia baseia-se em induzir a morte celular, no entanto


alguns tumores têm as células com um crescimento dependente da hiperactividade das vias de
sinalização dos factores de crescimento, o que condiciona um forte sinal anti-apoptótico.

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Muitos dos fármacos podem interferir com estas vias, nomeadamente a vida da Akt/PKB, no
sentido de remover estes sinais anti-apoptóticos.

Noutras terapêuticas fazemos uso de perda dos checkpoints durante o ciclo celular, o
que implica que muitas das células tumorais prossigam o ciclo celular na presença de lesões no
DNA ou cromossomas. Muitas dos agentes de quimioterapia, bem como a radioterapia, fazem
uso desta vantagem. Ao criarem lesão no DNA não existindo reparação do mesmo pela célula,
devido à ausência dos checkpoints, existe uma maior probabilidade de a célula ser conduzida
para a apoptose, no entanto este papel não é ainda bem compreendido.

Proteínas como Alvo Terapêutico


Os investigadores na área de desenvolvimento de novas terapêuticas são confrontados
pelo facto de que na maior parte dos casos é possível inibir funções, mas não é possível activar
ou reforça a função de determinada proteína. Este simples facto limita em muito o
desenvolver de novas terapêuticas.

Perante este panorama torna-se lógico que os principais alvos terapêuticos são os
oncogenes, em vez dos genes supressores, onde talvez um das poucas excepções seja o p53.
É ainda necessário compreender em que a fase de progressão tumoral as
oncoproteínas, uma vez que apenas faz sentido bloquear as que tenham um papel importante
na fase inicial da génese tumoral, o que se deve à sua presença em todo o tumor e à
possibilidade de travar deste o inicio a progressão tumoral.

Propriedades Bioquímicas: um determinante na


escolha de novos alvos terapêuticos

Também as propriedades bioquímicas se revelam importantes na escolha dos alvos


terapêuticos, são mais frequentes as pequenas moléculas orgânicas, uma vez que são mais
facilmente produzidas e penetram com maior facilidade no interior do tumor.

As moléculas alvo devem ter domínios com estruturas que são capazes de criar
interacções fortes e especificas com estas pequenas moléculas. Estas moléculas alvo podem
ser consideradas, ou não, drogáveis, o que depende da capacidade de serem desenvolvidos
formas específicas para essa molécula. Para uma molécula ser drogável é necessário
identificar-se a sua função enzimática, bem como o seu centro catalítico. Ao direccionar uma
pequena molécula para este alvo, em que muitas vezes existe a ligação a diferentes
aminoácidos de forma específica, é conferido ao fármaco uma alta especificidade e eficácia,
uma vez que bloqueia o centro efector da proteína.

As proteínas sem este centro catalíticos são muitas vezes não-drogáveis, onde se
incluem os factores Myc e Fos.

Tendo estas considerações e limitações apresentadas o universo de possíveis alvos


terapêuticos estreita de uma forma abrupta, deixando quase exclusivamente as quinases como
potenciais alvos.

Desenvolvimento de Novos Fármacos


Para que novos fármacos sejam desenvolvidos é necessário não só ter em conta as
propriedades da molécula alvo, de modo a que a molécula criada seja a mais específica

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possível, mas também ter em conta todo o processo de fabrico, limitações impostas pelo
farmacocinética e farmacodinâmica, não deixando de lado os possíveis efeitos adversos.

Um dos maiores desafios é garantir a especificidade do fármaco, que no caso particular


da terapêutica anti-tumoral é importante garantir uma acção quase exclusiva sobre as células
tumorais. Sabemos que o pressuposto anteriormente referido raramente é cumprido para as
terapêuticas utilizadas na luta contra o cancro. A especificidade neste contexto adquire
elevada importância uma vez que muitas das vias envolvidas no cancro são indispensáveis à
sobrevivência das células normais.
Uma outra limitação advém da previsão dos resultados clínicos tendo por base ensaios
pré-clínicos, o que muitas vezes torna complicado determinar as concentrações correctas e
comparar os resultados esperados com os observados. Estes ensaios pré-clínicos utilizam
muitas vezes determinadas linhagens celulares, como o objectivo de avaliar a selectividade e
índice terapêutico.

Ainda no ambiente dos estudo pré-clínicos, numa fase posterior, é necessário testar a
acção dos fármacos in vivo, o que se prende pela existência de complexas interacções
heterotípicas que podem condicionar a resposta terapêutica. A eficácia do fármaco nesta fase
vai depender não só da sua especificidade, mas também dos seus parâmetros
farmacocinéticos, o que muitas vezes se impõe como um importante factor limitante.
Também os parâmetros de farmacodinâmica devem ser avaliados, o que nos permite
concluir acerca da resposta do tumor à terapêutica in vivo. Em conjunto com esta análise deve
ser igualmente avaliada a toxicidade do fármaco, o que pode limitar a passagem para a fase
seguinte, os ensaios clínicos de fase I.

Nos ensaios clínicos de fase I inicialmente é dada uma dose que não tem toxicidade
documentada, indo-se depois aumentando progressivamente a dose até que surjam efeitos
adversos graves. Também a farmacocinética e a farmacodinâmica são analisada, o que em
conjunto com a dose máxima tolerável nos permite definir a janela terapêutica para este
fármaco.

Após esta fase entramos nos ensaios clínicos de fase II e III, os quais perante um
fármaco com níveis aceitáveis de toxicidade determinados na fase I, pretendem determinar as
indicações para o uso do fármaco. Nesta ultima fase é necessário compreender o beneficio de
utilizar o fármaco em determinados tumores com graus específicos.

É importante salientar que os estudos nesta área adaptam um regime especial, tendo
em conta a elevada toxicidade da maior parte destes. Os fármacos devem ser aprovados tendo
em conta um objectivo terapêutico, e para tal, consoante esse objectivo poderão ser
realizados ensaios clínicos de fases diferentes. Como podemos imaginar inicialmente, ou seja
os estudos de fase I, são aplicados ao Regime Paliativo, uma vez que nestes indivíduos já foram
esgotadas todas as opções terapêuticas. No Regime Paliativo podemos continuar as restantes
fases dos ensaios clínicos, ou seja estudos fase II e III.
No estado inicial da doença, e no contexto potencialmente preventivo, apenas devem
ser aplicados estudos de fase III.
Tendo em conta o Regime Neo-Adjuvante é aceitável aplicar ensaios clínicos de fase II
e III.
No contexto de Terapêutica Adjuvante apenas é possível realizar ensaios clínicos de
fase III, o que se justifica pela necessidade de garantir beneficio, uma vez que neste fase o
individuo está potencialmente curado.

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Desenvolvimento de Resistência à Terapêutica


A instabilidade genómica é característica das
células tumorais permite que exista uma elevada taxa de
mutações, o que condiciona uma grande
heterogeneidade na população tumoral. Existe por isso
uma elevada probabilidade de perante uma
determinada terapêutica sejam seleccionadas a célula
que devido a uma alteração adquira passem a ser
resistentes.

Existem diversos mecanismos possíveis para a


aquisição da resistência, das quais salientamos a
existência de bombas de efluxo, a aquisição de novas
Fig. 103 - Proteina Multi-Drug Resistance 1 vias de metabolismo, bem como a alteração no
mecanismo de apoptose e reparação do genoma que
condicionam a acção da quimio-radioterapia.

Salientamos a glicoproteína codificada pelo gene Multi-Drug Resistance 1 ou MDR1, a


qual é responsável por um eficaz efluxo de grande parte dos fármacos utilizados na
terapêutica anti-tumoral. Esta demonstrou ser um importante meio em alguns tumores por
uma resposta refractária a terapêutica.

Avaliação do Tumor: Marcadores Biológicos,


Histológicos e Imagiológicos
Classicamente num tumor devemos avalisar as seguintes características:
- Dimensão;
- Limites Cirúrgicos;
- Subtipo Histologias;
- Grau de Diferenciação;
- Invasão de Estruturas Vasculares ou Neuronais;

A avaliação consoante este parâmetros é pouco especificas, e num grupo de tumores


com a mesma avaliação segundo estes classificação existe um conjunto de possíveis evoluções,
respostas à terapêutica e prognostico.
Surge neste panorama a necessidade de criar novos marcadores, como é no caso do
Cancro da Mama, um dos exemplos mais bem estudo. Sabemos que a presença da
oncoproteína HER2 é um indicador de mau prognóstico e de alto risco para metastização.
Também a presença de receptores hormonais, quer estrogénicos, quer de progesterona, são
factores preditivos no que toca à resposta terapêutica.

A análise destes biomarcadores é feita actualmente por imunohistoquímica, que no


caso particular da oncoproteína HER2 segue o seguinte esquema:
- 0, sem marcação;
- +1, marcação em menos de 10% das células e com intensidade fraca;
- +2, marcação moderada de toda a membrana em menos de 10% das células;
- +3, marcação intensa de toda a membrana em mais de 10% das células;

Nos scores 0 e +1 a marcação para a oncoproteína HER2 é negativa. No score +2 não


existe em certeza e como tal a presença deste oncoproteína deve ser confirma pelo FISH, onde

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será avaliada a amplificação do gene HER2. No caso da marcação com score +3 existe
confirmação positiva da presença da oncoproteína HER2.

Os Biomarcadores podem ter as seguintes funções:


- Rastreio, actualmente apenas se utiliza o PSA neste contexto, sendo indicativo de
Carcinoma da Próstata;
- Follow-up, neste contexto, numa tentativa de vigiar a evolução do tumor ou avaliar a
resposta terapêutica, existem dois marcadores utilizados amplamente, o PSA, e a
Tiroglobulina, esta última no caso do Tumor da Tiróide;

Para efeitos de diagnóstico existem outros marcadores que nos podem ser bastante
úteis, dos quais salientamos as alterações cromossómicas ou mutações especificas. Este tipo
de análise revela-se importante em dois tipos de neoplasias, os Sarcomas de Tecidos Moles e
as Neoplasias Hematológicas.

Por fim, gostaríamos de salientar o Ki-67, um marcador que nos permite avaliar o
índice proliferativo do tumor. Este marcador pode ser utilizado para avaliar o estado do tumor
e indicar qual o melhor momento para instituir a terapêutica, sabendo que esta deve ser
aplicada quando o índice proliferativo é máximo. O Ki-67 avalia a presença de proteínas
presentes no ciclo celular, excepto as que se encontram presentes na fase G1, ou seja, avalia a
presença de células no ciclo celular.

Gleevec ou Imatinib
A história do Imatinib remonta a 1914 quando um investigador alemão, Theodor
Boveri, descreveu pela primeira vez que alterações ao nível dos cromossomas poderiam causar
a proliferação anormal de uma célula e em última instância estar na origem de um tumor.
Passados cerca de meio século, em 1960, dois citologistas que trabalhavam em Filadélfia
descobriram que, sistematicamente, quando observavam células de doentes com Leucemia
Miéloide Crónica verificavam que o cromossoma 22 era muito mais pequeno. Esse
cromossoma ficou conhecido como cromossoma Filadélfia devido à origem dos investigadores.
Em 1972 percebeu-se que o cromossoma Filadélfia (Ph) era mais pequeno devido a
uma translocação recíproca entre os cromossomas 9 e 22. Nesta altura ainda não se sabiam
que genes estavam envolvidos. Só em 1982 se identificaram-se os dois genes, o Bcr e o Abl que
participam nesta translocação. Passados apenas dois anos verifica-se que a proteína de fusão
Bcr-Abl funciona como uma tirosina quinase activada constitutivamente. A célula está
permanentemente a activar uma via de sinalização que devia ser activada apenas na presença
de uma dado factor de crescimento, ou seja, a célula torna-se independente de factores de
crescimento para activar a via. Mas isto ainda não provava que esta tirosina quinase
desregulada era suficiente para provocar um cancro.

Seguiu-se um dos passos mais importantes nesta cronologia, talvez o mais importante,
em 1990 através de um cDNA colocado num vector viral infectaram-se células de ratinho com
este vector viral. Verificou-se que os ratinhos, em que se induziu a expressão desta proteína de
fusão vinham a desenvolver uma leucemia muito semelhante a uma leucemia mielóide
crónica. Esta experiência foi fundamental para estabelecer a relação causal entre detectar uma
alteração num tumor e perceber que esta é uma alteração crítica para a génese tumoral.
Percebeu-se então, que esta tirosina quinase activa era suficiente para facilitar o aparecimento
daquele tipo específico de leucemia. Assim, percebeu-se que esta tirosina quinase era um bom
alvo a inibir para combater este tumor.

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Logo depois foi lançado programa de


investigação para identificar antagonistas da
tirosina quinase Bcr-Abl. Este programa culminou
em 1996 com a descoberta do Imatinib ou
Gleevec. Este fármaco era capaz de em baixas
concentrações inibir o crescimento de células
leucémicas in vitro e não tinha efeitos sobre as
outras células. Apenas passados dois anos,
começaram os primeiros ensaios clínicos, o que
em cerca de quatro anos culminou em 6000
Fig. 104 - Gleevec ou Imatinib doentes e com resultados muito bons, verificando
em 95% dos casos os doentes com MLC
respondem muito bem ao tratamento.

O Imatinib apesar da sua elevada especificidade consegue inibir um total de quatro


tirosina quinases nas cerca de noventa presentes no organismo humano. Além da sua acção
sobre a proteína de fusão Bcr-Abl, tem ainda capacidade para inibir o receptor c-kit, os
receptores do PDGF-α e β, e ainda a proteína Arg.

No que toca a Leucemia Mielóide Crónica o Imatinib


apresentou resultados fantásticos, conseguindo-se em 90%
dos casos uma resposta hematológica, e ainda em 50% dos
casos uma resposta citológica, ou seja, deixou de ser possível
de identificar cromossomas Ph. Este fármaco demonstrou ter
ainda capacidade de induzir resposta nos indivíduos que já
tinha progredido para a fase blástica, o que foi conseguido em
60% dos casos, no entanto muitos deles vieram a ter recidivas.
Actualmente já de detectaram resistências a este
fármaco, o que se deve em parte à necessidade de uma
terapêutica crónica. Este grupo de fármacos não tem
capacidade de eliminar a totalidade da população tumoral, o
que se pensa estar relacionado com a incapacidade de eliminar
as células estaminais tumorais. A maior parte da população
celular do tumor é dependente da proteína de fusão Bcr-Abl
para a proliferação celular, o que no caso da baixa taxa de
proliferação associada às células estaminais tumorais não se
verifica, e como tal o Imatinib não é eficaz nesta subpopulação. Fig. 105 - Resposta Terapêutica na
O aparecimento de resistência deve-se a dois mecanismos MCL
principais, quer seja por uma amplificação génica do gene bcr-
abl, o que implica uma maior quantidade desta proteína e maior facilidade da célula em
proliferar, ou por um mutação e alteração conformacional da proteína Bcr-Abl, o que conduz a
uma incapacidade do Imatinib se ligar ao seu local de ligação específico.

No que toca ao receptor c-kit, verificou-se que uma mutação neste receptor, que
também conduz a uma activação constitutiva do mesmo, estando muitas vezes presentes nos
Tumores do Estroma Gastrointestinal ou GISTs. É importante salientar que as opções
terapêuticas para este grupo de tumores são escassas e na maior parte dos casos a cura ou o
controlo da doença estavam foram do horizonte. A utilização do Imatinib neste contexto
conduziu a uma regressão quase completa do tumor em cerca de 70% dos indivíduos, mas tal
como se verifica para a MCL esta terapêutica não é curativa, existe por isso uma necessidade
de cronicidade da mesma.

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A capacidade do Imatinib em
inibir o receptor do PDGF pode ser útil
no caso de algumas síndromes
mieloproliferativos, em que a
utilização desta terapêutica conduz a
uma resposta completa. Existe ainda o
caso dos Meduloblastomas
Metastáticos em que 85% dos tumores
possuem sobreexpressão do Receptor
do PDGF-β, o que permite uma melhor
resposta se associarmos à radioterapia
o uso do Imatinib.
Fig. 106 - Resposta ao Gleevec no GIST
Ainda nesta área é importante salientar o papel do PDGF no recrutamento dos
perícitos a quando da angiogénese, e como tal, apesar de ainda não existirem estudos
específicos, o Imatinib poderá revelar-se como um agente com capacidade de contribuir para o
bloqueio do angiogénese.

Fig. 107 - Resistência das Células Estaminais Tumorais

Inibidores do Proteossoma
Apesar da história do Imatinib, em que partimos de um diagnóstico específico ao nível
molecular, existem outras histórias de tentativa e erro que obtiveram um sucesso
sobreponível. Uma das classes que seguiu este percurso é os Inibidores do Proteossoma.
Esta história inicia-se com a hipótese de que ao inibir a actividade do proteossoma
podia ser útil para tratar a fase terminal dos doentes oncológico que começam a mostrar sinais
de caquexia, com perda acentuada de massa muscular. Pensou-se que se inibíssemos a
máquina que nas células destrói a maioria das proteínas talvez isso ajudasse a prevenir ou
aliviar as fases terminais de caquexia.
Encontraram-se muitas moléculas que inibiam o proteossoma, mas muitas delas era
tóxicas e por isso não se podiam usar, mas houve uma que se mostrou muito interessante, o
Bortezomib ou Velcade. Esta molécula mostrou-se muito interessante porque era
particularmente potente, mas em simultâneo específico. Após muitos dos ensaios realizados
verificou-se uma resposta imprevisível num tipo específico de tumor, o Mieloma Múltiplo.

Os Mielomas Múltiplos são tumores de linfócitos B que se caracterizam por uma


proliferação monoclonal, ou seja, é apenas um clone de um linfócito B que produz grande
quantidade de imunoglobulina.

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Não é ainda completamente conhecido o mecanismo que condiciona esta resposta do


Mieloma Múltiplo ao Bortezomib, mas existem já algumas hipóteses. No mieloma múltiplo, a
proliferação dos linfócitos B está muito dependente de uma via de sinalização que envolve o
factor de transcrição NF-kB. O NF-kB é uma proteína, que, se entrar no núcleo, se vai ligar a
genes específicos e activá-los, tendo como consequência um efeito de sobrevivência das
células, inibição da apoptose e aumento da proliferação celular.
O que acontece é que, nas células, o NF-kB normalmente está inibido por uma
proteína que é o IkB. Se houver estimulação por sinais específicos que ocorrem nos linfócitos B
e no mieloma, este IkB é fosforilado, o que conduz à sua ligação com a ubiquitina e,
consequentemente, à sua degradação no proteossoma. Se o IkB for degradado, liberta-se o
NF-kB que vai para o núcleo, onde aumentar a transcrição de genes importantes para
estimular a proliferação e inibir a apoptose, promovendo a carcinogénese.
Assim, uma vez que o IkB é degradado no proteossoma, se inibirmos o proteossoma
com o Velcade, o inibidor não é destruído, impedindo o NF-kB de ir para o núcleo, pelo que
não há proliferação nem resistência à apoptose.

Fig. 108 - Via do NF-kB

Trastuzumab
O Trastuzumab é um anticorpo monoclonal que se liga aos receptores da família HER,
em particular o HER2, que tem um grande impacto ao nível do Cancro da Mama, um dos mais
prevalentes no mundo ocidental. Como nome comercial, e muitas vezes utilizado no seio
científico, o Trastuzumab também pode ser designado como Herceptin.

Ante de mais iremos fazer uma breve revisão sobre a família de Receptores HER ou
Human Epidermal Receptor. Esta família é composta por um conjunto de receptores parecidos

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entre si que respondem a um sinal de um conjunto do qual faz parte o Factor de Crescimento
Epidérmico ou EGF. Existem já vários receptores conhecidos, HER1, HER2, HER3 e HER4. Estes
receptores são muito parecidos entre si pelo que por vezes conseguem formar heterodímeros,
o que potencia a transmissão de sinal.
O receptor HER2,também denominada eRbB2 ou neu, surge sobreexpresso em vários
tipos de cancro, em particular no Cancro da Mama. O que está na base do aumento de HER2
nos vários tipos de cancro é uma amplificação do gene e não uma mutação estrutural, como
no caso de outros receptores. A amplificação pode ser detectada actualmente com recurso à
técnica de FISH.
É importante salientar que nem sempre há a necessidade de uma amplificação ao nível
do genoma nos casos em que existe aumento da síntese de HER2. Podem existir passos
intermédios que se encontram sobreactivados e conduzem a este aumento de receptores na
superfície celular.

Embora o ligando de HER2 não seja ainda conhecido, está disponível na clínica uma
forma de bloquear a actividade do receptor HER2, como já foi referido anterior Trastuzumab.
Contudo, ainda permanecem algumas dúvidas se a forma de actuação deste anticorpo é
simplesmente por tornar incapaz o receptor ou se também se relaciona com as células NK.
Portanto, sabe-se que resulta mas ainda não se compreende inteiramente o mecanismo de
actuação.
Utilizando estes anticorpos na pós-quimioterapia, com evidência de sinergismo com
esta, consegue-se reduzir em 46% o risco de recidiva do cancro da mama nas mulheres que
têm sobreexpressão deste receptor. Os cancros que têm esta sobreexpressão são cerca de
20% dos cancros da mama.

Os oncogenes têm sempre um correspondente nas células normais, o proto-oncogene.


O HER2 existe normalmente nas células musculares cardíacas, pelo que este fármaco
apresenta cardiotoxicidade. Portanto, a terapêutica tem um alvo, mas como neste caso se
trata de um fenómeno de amplificação e não de mutação, o gene e a sua proteína também
estão presentes em tecidos normais sendo responsáveis por efeitos indesejáveis da
terapêutica. Também por esta razão o uso simultâneo de Antraciclinas e de Trastuzumab deve
ser evitado, dado que ambos os fármacos possuem cardiotoxicidade.

MicroRNAs
Estes miRNAs foram descobertos nos últimos 20 anos e actuam ao nível da tradução
dos mRNAs. Começa com um gene no núcleo que codifica um miRNA e este, por sua vez, sofre
uma série de alterações de processamento. Quando fica pronto para actuar, este tem uma
sequência de nucleótidos que é complementar de um mRNA específico. Ora, quando um
miRNA se liga ao seu RNA mensageiro alvo, ele vai competir com o ribossoma, impedindo
assim a tradução do mRNA. Portanto, um miRNA funciona como um regulador da tradução de
mRNAs específicos.
Neste momento sabemos que existem múltiplos miRNAs codificados no genoma
humano que conseguem regular a expressão de pelo menos 30% de todos os genes que
codificam proteínas, acontecendo esta regulação ao nível da tradução.

No cancro os miRNA podem ter um papel importante, tendo em conta que um miRNA
que tem como alvo um mRNA que codifica uma oncoproteína ao ser alterado irá conduzir a um
aumento da quantidade de oncogene expresso vai porque se perdeu um inibidor.
No caso de termos um miRNA que vai regular a expressão de um oncossupressor e se
houver uma alteração genética que em vez de inibir a produção do miRNA, a amplifica,

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fazendo-se maior quantidade de miRNA que vai inibir a produção da proteína


oncossupressora, diminuindo assim a quantidade de proteína oncossupressora. Este resultado
será idêntico a ter uma mutação no p53 por exemplo, ou no pRb.
Portanto, alterações genéticas que induzem alterações nos níveis de um miRNA,
consoante o alvo desse miRNA, podem levar a alterações ao nível de proteínas
oncossupressoras ou oncogénicas.

Este miRNA possuem vantagens, dado que são RNA, ou seja, sequências de
nucleótidos, é, em teoria, simples introduzirmos um fármaco que pode ser uma cópia de um
miRNA ou um antagonista de um miRNA. Basta para isso sintetizar uma sequência de
nucleótidos que seja igual à sequência do miRNA que está em falta, uma vez que o miRNA
actua por complementaridade com o mRNA alvo.
Se, pelo contrário, quisermos inibir um miRNA, sintetizamos uma sequência de
nucleótidos que seja complementar à do miRNA. Esta sequência sintetizada vai então ligar-se
por complementaridade ao miRNA celular, impedindo que este se ligue ao mRNA que
normalmente regula.

Esta é ainda uma área em estudo, no entanto abre novas portas para o controlo
regulação da expressão génica, e que nos permite quer aumentar, quer diminuir a quantidade
de determinadas proteínas.

Futuro: Inibidores da PARP


Em Julho de 2009 um estudo em fase I no The New Englang Journal of Medicine sobre
inibidores da PARP (Poly (ADP-ribose) Polymerase). A PARP é uma enzima que repara o dano
de DNA. Em células normais este mecanismo é útil, e impede a morte da célula. Foi, no
entanto, descoberto que algumas células tumorais usam o mecanismo da PARP para sua
vantagem.
O seu primeiro mecanismo é a morte específica do tumor em monoterapia. Ao inibir a
PARP, as células tumorais deixam de ser capazes de se reparar enquanto crescem e, em último
caso, são obrigadas a parar o seu crescimento e morrem. O segundo mecanismo é o da
amplificação da acção terapêutica. Isto porque, com a quimioterapia induz-se quebras na
cadeia de DNA, então se se retirar a possibilidade da célula tumoral reparar o defeito tumoral
que lhe foi infligido aquando da quimioterapia, diminuiu-se a resistência a esse tratamento.

Estes fármacos têm ainda a vantagem de não serem mielotóxicos, e portanto, podem
ser acrescentados à quimioterapia, aumentando o seu potencial.

Este medicamento apresentou efeitos antitumorais em monoterapia nos cancros de


ovário, próstata e mama que se apresentaram positivos para as mutações BRCA1 e BRCA2. O
mecanismo deste fármaco é potenciado nas células com mutações BRCA1 ou BRCA2, uma vez
que estas células já possuem uma falha no mecanismo de reparação do DNA.

O futuro é então usar estes inibidores da PARP tanto em monoterapia como


combinados com quimioterapia.
Actualmente, têm se feito estudos da utilização de inibidores da PARP juntamente com
quimioterapia em fenótipos do cancro da mama triplos negativos, e têm-se atingido resultados
muito promissores já que se verificou que, em fase II, têm impacto na sobrevida do doente.

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