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Experiências nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina
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Elites, políticos e instituições políticas: o Estado Novo no Brasil, de novo / Adriano Codatto
Ninguém ignora que entre os anos 1930 e 1945, grosso modo, houve
uma redefinição da hierarquia entre os grupos dominantes (elites agrá-
rias, industriais, comerciais), redefinição essa que repercutiu inclusive e
principalmente sobre a “classe política” brasileira. É suficiente recordar
aqui três acontecimentos, mais ou menos simultâneos, que tiveram uma
influência direta sobre o ordenamento dos políticos de carreira e da sua
carreira política. Em primeiro plano, a substituição das lideranças tradi-
cionais, graças à ascensão dos “revolucionários” de 1930; como conse-
qüência dessa troca, o processo de nacionalização das forças políticas,
que concluiu o ciclo dos partidos políticos regionais e pôs fim à hege-
monia inconteste do Partido Republicano Paulista. Isso se deu em meio
à transformação do Estado federal num Estado “forte” (isto é, com grande
capacidade de intervenção na economia e na sociedade), graças à cons-
tituição de um aparelho de poder centralizado.
Esses eventos, resumidos bruscamente aqui, tiveram um alcance
maior do que se imagina. Houve, em grande medida, não só uma modi-
ficação da posição dos atores no campo político, mas uma metamorfose
do próprio campo do poder2. Da mesma maneira, houve não só uma mu-
dança da ideologia política dominante (do liberalismo oligárquico para
o estatismo autoritário), mas dos fundamentos do poder (recursos políti-
cos, predicados sociais, capacidades econômicas), o que terminou por
alterar mesmo os princípios de legitimidade e os modos de operação do
sistema político.
Há, todavia, um ponto cego na literatura sobre “os anos Vargas” e
em especial sobre essa fase do “período populista” (1930-1964). Poucos
trabalhos acadêmicos se dedicaram a estudar as elites políticas e, espe-
cialmente, analisar de maneira mais detida o papel e o lugar dos políticos
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O campo do poder é a fração do espaço social global composta pelas formas mais eficazes
(“dominantes”) de capital. É um artifício teórico para diferenciar os tipos dominantes de
capital. Os capitais que formam o campo do poder variam historicamente em função da
história e o estado das relações de força entre as espécies de capital (e por derivação, entre
as classes relativas a tais capitais). Por isso, qualquer definição que postule que “o campo
do poder é formado pelos capitais x, y, z” é falsa. O campo do poder não passa de um
artifício teórico para esclarecer melhor a estrutura do topo da pirâmide social. Já o campo
político corresponde estritamente aos espaços sociais onde opera e é eficaz o capital
propriamente político. Ver, entre outras referências, Pierre Bourdieu, La noblesse d’État:
grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989, p. 371 e segs.
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Getulio Vargas, Mensagem lida perante a Assembléia Nacional Constituinte, no ato de sua
instalação, em 15 de novembro de 1933. In: ______. A nova política do Brasil. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1938, vol. III: A realidade nacional em 1933; Retrospecto das realizações do
governo (1934), p. 28-29; grifos meus.
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Para essa constatação, ver, entre outros, Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil:
entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990, p. 46 e segs.
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Para uma discussão abrangente desse tópico, ver Maria Antonieta P. Leopoldi, Política e
interesses: as associações industriais, a política econômica e o Estado na industrialização
brasileira. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
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Ver, para a fundamentação dessa opinião, Thomas E. Skidmore, Brasil: de Getúlio Vargas
a Castelo Branco, 1930-1964. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 61-62.
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Em seu depoimento ao CPDOC, o ex-deputado do PSD pernambucano e ministro da
Agricultura do governo Café Filho, José da Costa Porto, ressalta “uma coisa curiosa” e que
freqüentemente não tem chamado a atenção dos analistas: “o golpe de 10 de Novembro
acabou com a política mas não podia acabar com as lideranças políticas. As lideranças
continuaram”. Valentina da Rocha Lima (coord.), Getúlio: uma história oral. 2ª. ed. Rio de
Janeiro: Record, 1986, p. 135.
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Ver a compilação de Ana Lígia Medeiros e Mônica Hirst (orgs.), Bibliografia histórica: 1930-
45. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. Para uma análise dos efeitos do campo
político sobre a historiografia do campo político (Virginio Santa Rosa, Barbosa Lima
Sobrinho, José Maria Bello, Pedro Calmon etc.), consultar Vavy Pacheco Borges, Anos trinta
e política: história e historiografia. In: Freitas, Marcos Cezar de (org.), Historiografia brasileira
em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998, p. 159-182. Um comentário da produção sobre a
história regional e sua submissão à ideologia oficial do regime pode ser lido em Sandra
Jatahy Pesavento, Historiografia do Estado Novo: visões regionais. In: Silva, José Luiz
Werneck da (org.), O feixe e o prisma: uma revisão do Estado Novo. Rio de janeiro: Zahar,
1991, p. 132-140.
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Cf. o artigo 140 da Constituição de 1937: “A economia da produção será organizada em
corporações, e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional,
colocadas sob assistência e proteção do Estado, são órgãos deste e exercem funções
delegadas de poder público”. Citado a partir de Walter Costa Porto, A Constituição de
1937. Brasília: Escopo, 1987, p. 72.
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Ver Alvaro Augusto de Borba Barreto, Representação das associações profissionais no
Brasil: o debate dos anos 1930. Revista de Sociologia e Política, n. 22, p. 119-133, 2004. “Duas
questões estiveram em pauta e em torno delas formaram-se os diferentes grupos em
disputa: a natureza das organizações e a função que ocupariam no aparato estatal. A defesa
da organização e administração autônomas das entidades foi a bandeira de luta do
empresariado, notadamente o industrial, frente ao governo de Vargas e a seus apoiadores,
que queriam disciplinar e definir o processo de formação das associações de classe. [...]
No que tange ao papel a ser exercido pelas entidades, havia duas opções: funções
deliberativas ou consultivas, a chamada “representação parlamentar” ou em “conselhos
técnicos”. No primeiro grupo, militava um amplo leque de personagens, em que se
destacavam: o governo Vargas, o Clube Três de Outubro, o Bloco do Norte, mais a bancada
constituinte dos empregados e a maioria da dos empregadores. A favor da segunda idéia
apareciam vários intelectuais e, principalmente, o CIESP-FIESP, que atuou ao lado da
Chapa Única por São Paulo Unido” (p. 129).
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Eli Diniz, O Estado Novo: estrutura de poder; relações de classes. In: Fausto, Boris (org.),
História geral da civilização brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, 3º. vol. Sociedade e
Política (1930-1964). 5ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991, p. 107-120, especialmente.
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É o que se depreende, por exemplo, da seguinte passagem: “[...] um órgão político, para
ser eficaz e limitar a ação do outro, deve representar uma força política, deve ser a
organização de uma autoridade e uma influência social que represente algo na sociedade,
frente à outra que se encarna no órgão político que se deve controlar”. Gaetano Mosca, La
clase política. México: Fondo de Cultura Económica, 1992, p. 194-195.
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Conclusões
13
Ver Anthony Giddens, Elites in the British Class Structure. In: Stanworth, Philip e Giddens,
Anthony (eds.), Elites and Power in British Society. Cambridge: Cambridge University Press,
1974, p. 4.
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Referências bibliográficas
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