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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

INCUBADORA DE COOPERATIVAS
ACIEPE

CAPACITAÇÃO EM COOPERATIVISMO INDÍGENA

SÃO CARLOS 04 DE DEZEMBRO 2005


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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO DA INCOOP...........................................................................3

2. ACIEPE - COOPERATIVAS POPULARES E ECONOMIA SOLIDÁRIA: PRODUÇÃO DE

CONHECIMENTO, INTERVENÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS.......................4

3. INSERÇÃO NA DISCIPLINA E ATIVIDADE DE INTERVENÇÃO...................................5

4. TRANSFERÊNCIA PARA ALDEIA................................................................................7

5. NA ALDEIA.....................................................................................................9

6. COMPARAÇÃO ENTRE ECONOMIA CAPITALISTA, ECONOMIA SOLIDÁRIA E

ECONOMIA ALTO-XINGUANA..........................................................................20
7. DESCRIÇÃO DAS TROCAS INDIVIDUAIS.............................................................21
8. DESCRIÇÃO DO ULUKI INTERTRIBAL................................................................22

9. DESCRIÇÃO DO ULUKI INTRATRIBAL................................................................26

10. DESCRIÇÃO DAS TROCAS MATRIMONIAIS.........................................................27

11. COMENTÁRIOS...............................................................................................28

12. AUTO-AVALIAÇÃO..........................................................................................29

13. BIBLIOGRAFIA...............................................................................................32
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1) APRESENTAÇÃO DA INCOOP.

A INCOOP (Incubadora Regional de Cooperativas Populares) faz parte dos

programas de extensão da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e se

estrutura como uma equipe multidisciplinar para auxiliar nos procedimentos de

criação, organização e gestão a grupos populares que demonstrem interesse em

formar uma cooperativa de produção – o apoio e a pré-condição da INCOOP é

baseado dentro dos princípios teóricos da Economia Solidária que estes

assessorados devem seguir.

A Economia Solidária surgiu como alternativa e em oposição ao modo

contemporâneo de produção de bens e distribuição de riquezas, baseado

fundamentalmente no capitalismo. A alternativa se baseia como meio de produzir

coletivamente nivelando os trabalhadores num mesmo patamar hierárquico e

participação proporcional no valor da sobra resultante da produção da cooperativa.

Para a Economia Solidária, ou, para formas alternativas de produção e

distribuição de bens e sua produção em cooperação, deve-se excluir os processos

de geração de lucro, forma com a qual a economia capitalista hegemônica produz

riqueza, e introduzir meios que os bens sejam geridos a parir da sobra.

O princípio é que os membros do empreendimento não gerem

desigualdade, e que ocorra variação no retorno proporcional com a participação

de cada indivíduo na produção geral da cooperativa.

Pode-se listar algumas características do princípio do cooperativismo

popular baseado na Economia Solidária: livre acesso e adesão voluntária;

controle, organização e gestão democráticos; participação econômica de seus


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associados; autonomia e independência dos empreendimentos; educação,

capacitação e informação a todos os membros; cooperação entre cooperativas;

compromissos com a comunidade.

2) ACIEPE - COOPERATIVAS POPULARES E ECONOMIA SOLIDÁRIA:

PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO, INTERVENÇÃO E FORMAÇÃO DE

PROFISSIONAIS.

Vinculado a INCOOP ocorre a ACIEPE (Atividade Curricular Integrada:

Ensino, Pesquisa e Extensão), Cooperativas Populares e Economia Solidária:

produção de conhecimento, intervenção e formação de profissionais.

Esta atividade é desenvolvida para que a comunidade universitária e a

comunidade regional possam ter contato aos debates teóricos e às alternativas

atuais acerca dos conceitos e propostas para o processo de desigualdade social

que a atual economia hegemônica capitalista vem engendrando na sociedade

brasileira.

Os participantes aproveitam a capacitação de professores especialistas na

área para debater as possibilidades teóricas na aula; e, além disso, o curso

possibilita o contato com cooperativas regionais vinculadas a INCOOP, isto fornece

ao aluno uma experiência palpável das possibilidades sendo testadas na prática

por cooperativas já montadas e em funcionamento, mas ainda em estágio de

incubação, isto é, os cooperados e a cooperativa de modo geral ainda necessitam

do auxílio dos profissionais da InCoop – que trabalham buscando que este vínculo

seja superado para haja autonomia dos cooperados.


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Esta participação prática é importante para os alunos desenvolverem um

envolvimento com as alternativas e refletir sobre as questões teóricas a partir das

experiências dos cooperados incubados.

3) INSERÇÃO NA DISCIPLINA E ATIVIDADE DE INTERVENÇÃO.

A experiência de trabalho do nosso grupo de intervenção é composta por dois

indígenas do Alto Xingu da etnia Kalapalo, Jeika e Ugisé, três alunos de

graduação do curso de Ciências Sociais, Antônio Guerreiro Junior, João Veridiano

Franco Neto e Marina Pereira Novo sob a supervisão da Profa. Dra. Marina D.

Cardoso, do Prof. Dr. Ioshiaqui Shimbo e do César. A atividade de intervenção se

diferenciou das demais atividades desenvolvidas pelos outros alunos da ACIEPE

que escolhiam a partir de uma afinidade, depois de conhecer através de uma

apresentação nas aulas do curso, o tipo de produção de cada cooperativa em

incubação. Nosso caso se decorreu através de uma demanda específica dos

indígenas da aldeia Aiha da etnia Kalapalo (localizada no Parque Indígenas do

Xingu, nordeste do estado de Mato Grosso) para criar uma Associação indígena

para fins próprios da aldeia, para só então, nos inserirmos na disciplina.

Este convênio entre a aldeia Aiha e a UFSCar suscitou em uma

oportunidade para a comunidade designar dois membros da tribo para virem fazer

um curso de capacitação em cooperativismo popular, mais especificamente em

cooperativismo indígena, desejando que estes dois designados, posteriormente,

transmitem os conhecimentos aprendidos na Universidade e auxiliem a

comunidade a autogerir a recém criada Associação.


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O convênio ainda derivou em um projeto da Pró-Reitoria de Extensão da

UFSCar (ProEx). A idéia a ser desenvolvida pelo projeto, como já dito

anteriormente, era capacitar dois membros da Associação Aulukumã, escolhidos

pela própria comunidade, para o trabalho coletivo cooperado. Estes dois

membros, Jeika e Ugisé, viriam para entrar em contato com a comunidade

universitária e nas aulas conheceriam as possíveis formas de organização do

trabalho e para poderem compreender o básico do funcionamento da economia

capitalista, com o intuito de facilitar a criação da Associação da aldeia e

reorganizar as formas de produção e comercialização de artesanato. Além das

atividades disciplinares ocorreria o trabalho em equipe que, a partir das reuniões

com os professores da INCOOP e das aulas, sistematizaria o trabalho (que segue

em anexo).

Fomos então orientados pelos professores da INCOOP a nos matricularmos

na ACIEPE, para podermos ter um embasamento mais teórico com relação às

nossas necessidades.

Nossa atividade no curso de Cooperativas Populares e Economia Solidária:

produção de conhecimento, intervenção e formação de profissionais foi

diferenciada. A disciplina é oferecida semestralmente, neste período o aluno deve

participar semanalmente das aulas teóricas e se inserir em alguma cooperativa

para servir como experiência de incubação e no final apresentar um relatório.

No nosso caso, a etapa de intervenção seria feita no final da disciplina

quando do retorno dos dois indígenas para a aldeia. O resultado da transmissão

do conhecimento para a comunidade, a reação a este conhecimento “externo”, o

impacto deste no meio de organização social aldeão e o retorno da comunidade


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com relação às estas idéias e possibilidades surgidas na Universidade, estariam

sendo analisadas e inseridas conseqüentemente no relatório. Portanto, nossas

atividades se estenderam por mais um semestre para que isso fosse observado

na aldeia por um dos componentes da equipe que acompanharia por três meses

este processo de transmissão dos conhecimentos adquiridos pelos dois indígenas

e depois o retorno a Universidade destes para trazerem as questões levantadas

na e pela comunidade.

4) TRANSFERÊNCIA PARA ALDEIA

Como estava previsto no projeto, o retorno de Jeika e Ugisé para a aldeia

no mês de junho até setembro, quando retornariam para UFSCAR, elaboramos um

planejamento de transferência dos conhecimentos aqui adquiridos para serem

discutidos posteriormente pela aldeia.

A primeira atividade a ser realizada quando chegassem à aldeia seria a de

convocar uma reunião com todos os membros da Associação Aulukumã. Essa

reunião seria realizada na escola indígena existente na aldeia.

Os objetivos dessa reunião seriam o de discutir com os outros membros o

conteúdo que foi aprendido no período de permanência na UFSCar. Serão, então,

tiradas dúvidas e discutidas as idéias de cada um dos participantes, sobre cada

um dos assuntos abordados. Nesta reunião será preparado o material na língua

nativa (Karib), que será apresentado à comunidade. Serão feitos em conjunto, os

cartazes sobre todos os temas a serem discutidos coletivamente.


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A apresentação perpassaria desde a explicação do que é a INCOOP e o que

foi a ACIEPE para eles, explicando a todos, passo a passo, cada um dos termos e

como foi o trabalho realizado dentro delas. Justificando, desse modo, o

investimento da comunidade nestes dois indivíduos designados a se capacitarem

fora do PIX.

Em seguida os dois capacitados apresentariam aos outros presentes na

reunião o que é o Cooperativismo e as cooperativas: o que são e como funcionam,

segundo os seus entendimentos do assunto, inclusive relatando a visita na

cooperativa Costurar (uma cooperativa de confecção de roupas incubada aqui

mesmo em São Carlos a qual visitamos e observamos a divisão do trabalho).

Discutindo as formas de produção: suas diferenças e resultados positivos e

negativos, apresentando uma comparação breve entre o que é economia

capitalista e o que é economia solidária e estas com relação a uma economia

indígena alto-xinguana.

Depois, seriam expostas as opções de trabalho e comercialização de

artesanatos, dentro da Associação Aulukumã. Para isso, apresentaremos as três

propostas de organização do trabalho, de forma coletiva ou familiar.

Enfim encerrando esta parte mais voltada para a gestão, seria apresentado

os trabalhos realizados nos meses em que permaneceram na UFSCar: como a

descrição da produção dos artesanatos, a sistematização das cadeias produtivas

e as apropriações de custo.

Depois dessa primeira reunião, o segundo cacique (presidente da

Associação Aulukumã) convocaria uma reunião geral a ser realizada dentro da


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casa-das-flautas. Nessa reunião um roteiro feito coletivamente na primeira

reunião, seria exposto através de cartazes explicativos.

A intenção desta exposição geral para a comunidade é para criar uma

forma de retorno da própria comunidade das idéias elaboradas nos trabalhos em

conjunto com as atividades na Universidade. Os alunos da escola indígena seriam

aconselhados pelos dois indígenas que aqui passam pelo treinamento de

capacitação a explicarem melhor o conteúdo que seria exposto com mais detalhe

para suas famílias. Num outro dia, as lideranças convocariam uma outra reunião

coletiva para discutirem as novas idéias discutidas no núcleo familiar e

posteriormente chegarem a uma decisão sobre o assunto.

5) NA ALDEIA

Como havíamos proposto, na etapa de intervenção, estariam inclusas as

observações na aldeia dos procedimentos de transferência.

Assim que chegamos na aldeia no início de junho não podemos de imediato

organizar as reuniões planejadas. Ocorria um ritual que mobilizava toda a aldeia,

estavam fabricando máscaras que simbolizavam o espírito do atuguá. O ritual do

espírito atuguá é um exemplo nítido de relações de trocas generalizadas. Como o

espírito é apenas visível aos olhos dos xamãs é preciso fazer as máscaras rituais

para que ele se torne visível a todos da comunidade (“Por que se faz as

máscaras?” “Oras! Para que todos vejam”.), isto é, para que seja possível trocar

com todos ao invés de somente pelo intermédio do xamã. O patrocínio do trabalho

coletivo para produção das máscaras do espírito causador da doença é


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responsabilidade do doente junto com sua família. O pagamento é feito com

peixes e beijus que são levados àqueles que estão trabalhando na fabricação das

máscaras. Depois que as máscaras estão prontas, qualquer indivíduo pode usá-

las, ou melhor, ser usado pelo habitus do espírito para percorrer de casa em casa

pedindo por meio de toques de uma flauta que expressam exatamente o tipo de

alimento desejado (peixe, beiju, mingau, etc.) que quando ganhados são levados

para a casa-das-flautas no centro da aldeia para se comer em conjunto (pessoas e

o espírito). O xamã é o único que vê o espírito comendo aqueles alimentos

ofertados pela própria comunidade. É possível entender estes pedidos de

alimentos como uma espécie de cobrança e ou ameaça ritual que restabelece o

equilíbrio nas relações de trocas entre entes de planos cósmicos distintos. O

atuguá cobra do doente e de sua respectiva família e comunidade a cura já

realizada no passado remoto e ameaça implicitamente no presente com futuras

doenças aos que sempre se negarem a dar alimentos neste ritual. Diariamente, do

amanhecer até ao anoitecer, as máscaras do espírito circulam pelas casas da

aldeia pedindo alimentos perdurando neste ritmo por alguns meses. Depois que a

dívida está quitada, as máscaras, cujas matérias primas são palha e madeira, são

queimadas, mas isso não implica que o espírito deixe de estar presente, ele

apenas não é mais visível aos indivíduos saudáveis da comunidade – mas

continua a sê-lo para os xamãs e os doentes graves.

Pode-se imaginar, devido a sua importância, o quanto este ritual mobiliza

praticamente toda a comunidade, principalmente nos seus primeiros dias, e,

portanto, concentrando toda a atenção da comunidade, é-se preciso pescar em

maior quantidade e produzir mais beijus para comer com os peixes assados.
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Nestes períodos, tanto não se cogitou a possibilidade de se organizar a reunião

quanto também não houve aulas na escola indígena – a qual eu estava incumbido

de dar as aulas.

Em seguida, iniciou-se um conjunto de rituais interétnicos. Dentre estes,

três Hagaka (ritual lúdico-funerário das flechas) a qual os Kalapalo participaram de

um que eles cumpriam a função de aliados da etnia Matipu e nos outros dois como

anfitriões – um na aldeia Kalapalo de Tanguro e outro na aldeia Aiha. Ocorreram

também dois rituais femininos, Tóló e Jamarikumã, as mulheres kalapalo foram

convidadas nos dois, realizados respectivamente na aldeia Yawalapíti e

Kamayurá. Ocorreu também dois Kwarup, um na aldeia da etnia Waurá e outro da

etnia Kuikuro a qual os Kalapalo participaram como aliados.

Segue a descrição do Kwarup (Egitsü na língua Karib) feita no grupo de

trabalho na UFSCar:

O Kwarup é uma cerimônia realizada em homenagem a alguém importante

que tenha morrido. Outras pessoas podem ser homenageadas junto com esta

pessoa importante, mas não se organiza um Kwarup para qualquer um que tenha

morrido. Os homenageados podem ser tanto homens quanto mulheres.

Esta festa é realizada entre os meses de julho e setembro e dela participam

todas as aldeias do Alto Xingu.

A cerimônia é proposta pelos caciques de uma das aldeias e deve ser

submetida à aprovação da família do homenageado. Caso esta não autorize, a

festa não ocorre. Assim que a festa é aprovada os caciques assumem o papel de

coordenadores. A comunidade então escolhe três convidadores (um representante


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e dois acompanhantes) diferentes para cada uma das aldeias a serem convidadas

assim como o dono da festa (que deve ser alguém da família do homenageado).

Estes convidadores, um dia antes da festa (com exceção das aldeias mais

distantes), se deslocam até as aldeias estabelecidas e quando chegam ficam

sentados no centro da aldeia até que o cacique venha recebê-los fazendo um

discurso especial (anetü itaginhu, anetü akitsu) em sua própria língua, o que

significa que nem sempre é compreendido pelos visitantes.

Depois do discurso, o cacique que falou pára em frente aos convidadores e

chama os demais caciques para que juntos eles possam decidir quem serão os

três coordenadores (ugihongo) desta aldeia (que devem ser da família de um dos

caciques) e que devem concordar com a escolha. Após esta definição, os

caciques cumprimentam os convidadores, fazem outro discurso em sua própria

língua que é respondido pelos convidadores através de outro discurso (em sua

própria língua). Estão as demais pessoas da aldeia cumprimentam os

convidadores e a língua falada passa a ser o português, para que todos se

entendam.

Algumas pessoas levam mingau (cauim) para os visitantes antes de eles

irem embora. Nesta hora, os convidadores então, convidam os caciques para

levarem seu povo no dia seguinte, para a festa. Depois disso, eles voltam para

sua aldeia.

Assim que chegam de volta, o convidador representante deve parar no

meio da aldeia onde o dono da festa levará cauim e perguntará como foi a viagem.

O convidador conta para todos da aldeia e isso se repete até que todos os

convidadores tenham retornado de suas viagens.


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Neste dia as pessoas da aldeia se juntam para realizar uma dança (aûguhi

e atanga: as mesmas que são feitas desde a morte da pessoa, quando são feitas

eventualmente, até o momento do Kwarup, quando são feitas todos os dias), com

exceção da família do morto que está de luto.

No dia seguinte chegam os visitantes (hagito), mas não entram na aldeia.

Param há certa distância onde são recebidos pelos mesmos convidadores que

foram até sua aldeia no dia anterior. Os convidadores levam comida e fazem um

discurso para cumprimentar os visitantes. Então, os convidadores amarram a rede

dos coordenadores para mostrar o local do acampamento que foi previamente

preparado pelos mesmos convidadores. Estes ainda levam lenha e as demais

pessoas da aldeia anfitriã podem levar comida para seus amigos, conhecidos ou

parentes.

Neste mesmo dia são colocados no centro da aldeia os troncos (titã) que

foram previamente preparados pela comunidade para homenagear o morto.

Depois de posicionados eles são pintados com eûen, anga e urucum e a família

de luto é pintada pelos tagihoto.

À noite, as pessoas da aldeia anfitriã ensaiam uma dança (atahitsenge), em

volta dos troncos. Depois disso é a vez dos convidadores chamarem os visitantes

(os homens de cada aldeia, uma de cada vez) para fazerem a mesma dança. Em

frente de cada tronco se acende uma fogueira com a lenha colhida pelos visitantes

e, depois de terminado o ensaio, todos voltam para seus acampamentos,

carregando a lenha com fogo. Cada aldeia ensaia separadamente e estes ensaios

são intercalados pelos ensaios das pessoas da aldeia anfitriã.


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Quando terminam os ensaios, dois cantores (titã egikaginenügü) da aldeia,

previamente selecionados, se posicionam atrás dos troncos e cantam. Os

convidadores chamam os cantores de cada aldeia para cantarem também, um de

cada vez. Ao final destes cantos, os cantores da aldeia voltam a cantar, agora até

que amanheça.

Ao amanhecer todos se pintam e recomeça o ensaio: enquanto as aldeias

visitantes se preparam, dançam as pessoas da aldeia anfitriã e assim que eles

terminam, todos os visitantes ensaiam de uma só vez. Neste dia, devem ensaiar

todos aqueles que irão lutar.

Após as danças, se realizam as lutas. O dono da festa chama os campeões

da aldeia, um por um para que formem uma fila com os melhores na frente. Então,

o dono da festa chama os campeões de uma das aldeias que foi escolhida e,

lutam os campeões da aldeia anfitriã contra os campeões da aldeia visitante.

Depois todas as pessoas destas aldeias podem lutar entre si. Isso se repete até

que todas as aldeias tenham sido chamadas.

No final das lutas são realizadas trocas entre as aldeias convidadas e a

aldeia anfitriã. O momento certo em que isso irá acontecer é decidido pelos

coordenadores que avisam os convidadores. Somente participam destas trocas os

convidadores e os coordenadores.

Primeiramente os coordenadores (das aldeias visitantes) mostram seus

objetos aos convidadores que foram às suas aldeias e determinam o objeto com o

qual desejam fazer a troca. As trocas são realizadas e, no caso do convidador não

possuir o objeto requisitado, este pode ficar devendo e realizar o pagamento em

outra ocasião. Depois é a vez dos convidadores oferecerem seus objetos. A troca
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se dá da mesma forma que no caso anterior, os convidadores também podem

ficar devendo.

Nestas situações, as aldeias que possuem um objeto característico de sua

cultura só podem oferecer este objeto para ser trocado, mas podem, quando

requisitado, trocar outros objetos quaisquer. No caso dos kalapalo, só se pode

oferecer os colares de caramujo, assim como os Kuikuro; no caso dos Waurá, só

se pode oferecer cerâmica, assim como para os Mehinaku. As demais aldeias não

possuem mais objetos característicos e, portanto, podem oferecer qualquer objeto,

mesmo que seja de caraíba. Com o fim das trocas, a festa se encerra e todos

voltam para suas aldeias de origem.

Depois de quinze dias na aldeia ocorreu a primeira reunião, realizada na

escola com os outros membros da futura Associação. Os dois Kalapalo

capacitados na UFSCar apresentaram suas experiências, mostrando o material

produzido em conjunto com a equipe de estudantes: descrição dos artesanatos,

sistematização das cadeias produtivas, cálculo de custos de produção,

comparação entre economia capitalista, economia solidária e economia indígena

alto-xinguana. O presidente e o vice-presidente não estavam presentes nesta

reunião. Como não foi possível apresentar todo o conteúdo em apenas um

encontro, este foi dividido em duas etapas.

Nesta reunião, requisitaram que eu explicasse com mais detalhe sobre as

novas idéias levantadas no modo de produção artesanal. Levando em

consideração que: a) a forma tradicional e atual de produção artesanal se constitui

na produção familiar e comercialização também familiar, isto é, cada indivíduo

produz os seus artesanatos muitas vezes ajudados por alguém de sua própria
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família. Em seguida, algum membro desta família que não necessariamente e o

mesmo que produziu o artesanato sai da aldeia em direção às cidades para

comercializar a partir de uma rede informal de amigos que costumam comprar. Em

alguns casos ocorre venda em lojas especializadas em artesanatos. Os objetos

comprados com o dinheiro levantado com a venda dos artesanatos são

redistribuídos pelo indivíduo a partir de suas relações de parentela. Esta forma de

comercialização tem deixado alguns produtores de artesanato fora do acesso de

vendas, pois a saída da aldeia é altamente custosa; b) uma das idéias para

superar esta barreira, portanto, foi: b) a forma de produção artesanal continuaria

tradicional, no entanto, a comercialização se tornaria coletiva a partir da atuação

da Associação por ser criada, sendo que esta acrescentaria 10% no valor do

artesanato para o fundo administrativo; c) por fim, chegou a ser pensado a

introdução de trabalho coletivo com divisão de tarefas para produzir uma maior

quantidade de artesanatos no mesmo padrão de qualidade para a Associação

atuar com força neste mercado. No entanto, a introdução de divisão de trabalho

suscitou o questionamento sobre o risco que isso poderia acarretar nas formas

tradicionais de trabalho da aldeia e conseqüentemente alterando os aspectos

culturais. Com isso, poderia ocorrer uma especialização demasiada na divisão de

trabalho que em médio e longo prazo poderia redundar num processo de

fragmentação do conhecimento de fabricação dos artesanatos e por conseqüência

a instituição de uma desigualdade social ainda não conhecida na organização

societária aldeão.

Em outras oportunidades alguns indígenas vierem tirar mais dúvidas sobre

estas três formas.


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Outra questão levantada pelos próprios indígenas com relação à produção

artesanal para o comércio é com relação aos possíveis impactos que esta

atividade pode trazer no âmbito das atividades cotidianas desenvolvidas na aldeia.

Não seria interessante introduzir uma fonte de renda numa comunidade que não

depende para sua sobrevivência da economia monetária, já que os alto-xinguanos

detêm terras suficientes para produzirem alimentos mais do que suficientes e rios

piscosos aos quais retiram sua fonte nutricional vital.

A inserção do dinheiro nesta sociedade através deste comércio poderia se

tornar um problema a partir do momento em que as pessoas deixassem de

realizar estas atividades diárias como pescar e cuidar da roça para trabalhar

somente na produção do artesanato. Isso vem ocorrendo em outras aldeias do

Alto Xingu que criaram um sistema de comércio semelhante ao que foi proposto

pelo nosso grupo, gerando sérias deficiências na produção de alimentos e outros

produtos de primeira necessidade.

Após esta primeira receptividade da aldeia aos assuntos que os dois

Kalapalo tinham a colocar, iniciou uma seqüência de rituais de importância

interétnica que centralizou a atenção dos Kalapalo.

Na minha percepção o assunto de cooperativismo dentro da Associação

não ocupou lugar de destaque no interesse aldeão, pois a participação nos rituais

dominou seus esforços e seus interesses.

Fiquei quase dois meses e meio sem sequer ouvir falar de cooperativismo

ou algo ligado à exposição dos conteúdos estudados pelos dois Kalapalo

capacitados.
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Iniciei, então, uma breve pesquisa sobre a história do colar de casca de

caramujo, artefato considerado símbolo do povo Kalapalo, altamente valorizado

para o comércio interétnico no Alto Xingu e como peça para comércio no mercado

“branco”.

Com a tradução imediata de Ugisé, Areú narrou a história do colar de casca

de caramujo da seguinte maneira: o inhu mora embaixo da terra e somente

aparece vivo em certos lugares na época da chuva. Na seca pode-se também

encontrá-los em certos lugares só que ele está morto.

Os Kalapalo iam buscar o inhu nos seguintes lugares: Pangakige,

nhütsisüpé, angabüte (mesmo lugar onde começou o ritual feminino Jamarikumã),

hugé, inhupehugu, akuku, kãbügape e num local que hoje está fora das

demarcações do PIX, angagühütü.

Quando uma pessoa sai em busca do caramujo (inhu) é o espírito quem

decide se ela encontrará ou não, isto é, não é a pessoa quem acha e sim o

espírito quem dá.

A mãe do inhu é bem maior do que o tamanho convencional do caramujo e

mora num local perto da aldeia Tanguru.

Os ancestrais do povo Kalapalo sempre alimentavam a mãe do inhu,

Jagijegü (espírito), com polvilho de mandioca. As fezes deste espírito já era a

casca do inhu comum totalmente pronta para se manufaturar o colar, já saía

cortado em forma de placas ou ruelas, muito bem lixado e com os furos para se

passar o cordão. O pessoal trazia comida e cordão para este espírito e voltava

com muitos colares de caramujo para a aldeia.


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Quando se aproximava a data de partimos de volta a São Carlos, e nas

vésperas de um ritual feminino que se realizaria na aldeia Ipavu da etnia

Kamayurá, os dois Kalapalo em treinamento pelo nosso programa de capacitação,

Jeika e Ugisé, solicitaram aos caciques que convocassem uma reunião na casa-

das-flautas, para que toda a comunidade entrasse em contato com o aprendizado

e com as novas idéias acerca da Associação e cooperativismo na produção

artesanal.

Eles contaram com a ajuda de alguns outros futuros diretores da

Associação para dependurar cartazes dentro da casa-das-flautas (ou casa-dos-

homens) para melhor explicarem o conteúdo. Foi-se apresentado da mesma forma

da reunião de mais de dois meses antes na escola, ao quais somente os diretores

da Associação presenciaram. A participação não foi massiva como esperado

somente algum adultos homens (as mulheres são proibidas de adentrarem na

casa-das-flautas) estavam presentes. Após a apresentação dos dois professores

indígenas que passaram pelos três meses de treinamento na UFSCar, os

caciques discorrerem suas opiniões sobre todo os acontecimentos, tudo na língua

nativa, portanto, minha compreensão foi quase nula, mas foi expresso o desejo

que a comunidade espera muito mais da Associação do que apenas

comercialização dos artesanatos tradicionalmente produzidos pelos Kalapalo. Há

uma expectativa em criar projetos de grande porte, tendo em vista as outras

Associações das outras etnias alto-xinguanas, como a Mavutsinin dos Kamayurá,

que por um período operacionalizou a assistência médica via um convênio com a

FUNASA.
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6) COMPARAÇÃO ENTRE ECONOMIA CAPITALISTA, ECONOMIA SOLIDÁRIA E

ECONOMIA ALTO-XINGUANA.

Partindo do quadro comparativo entre economia capitalista e economia

Solidária montado coletivamente durante a ACIEPE, através da leitura de textos

específicos, e das informações colhidas junto aos nossos informantes Kalapalo,

pôde-se ampliar esta comparação, incluindo na tabela, a chamada economia

Kalapalo.

ASPECTOS COMPARATIVOS ENTRE ECONOMIA SOLIDÁRIA, ECONOMIA


CAPITALISTA E ECONOMIA ALTO-XINGUANA.

ASPECTO ECONOMIA ECONOMIA ECONOMIA ALTO-


SOLIDÁRIA CAPITALISTA XINGUANA
Prática cultural cooperação
competição Troca
predominante reciprocidade
Critério para
proporcional ao proporcional ao
distribuição de Familiar
volume de trabalho capital
ganhos
Quem se apropria
dos resultados do Trabalhadores –
dono do capital Família
trabalho (renda e sócios
sobras)
Forma de
coletiva, associativa individualista Familiar
organização
Metas, resultados bem estar das Produção para
acúmulo de capital
pretendidos pessoas utilização / troca
intercooperação,
Relação entre
estabelecimento de competição Redes de troca
empreendimentos
redes
Posse ou controle
Trabalhadores – dono do capital ou
dos meios de Familiar
sócios seus representantes
produção
funções
Organização para o funções rodiziadas,
fragmentadas, Produção individual
trabalho integradas
hierarquizadas
Natureza da forma heterogest
autogestão co-gestão Familiar
de gestão ão
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Cultural - Todos os
Natureza da
abrangente e membros da aldeia
capacitação restrita à função e
destinada a todos os são formados para a
individual
membros produção de
artesanatos
igualitário para
todos os proporcional ao Coletivo – decisões
participantes do capital investido, tomadas no Centro
Processo decisório
empreendimento; quanto mais capital, da Aldeia (Casa dos
um associado, mais poder de voto Homens)
um voto
Respeito à natureza Tecnologias que Respeito à natureza
RELAÇÃO COM
(defesa do meio poupem trabalho (defesa do meio
A NATUREZA ambiente, e provoquem ambiente,
biodiversidade) desemprego biodiversidade)
Fonte: RECH, Daniel 2000; SINGER, Paul 2000, 2002.

Outra questão importante para que pudéssemos dar continuidade ao

trabalho foi realizarmos a descrição do sistema de troca local. Isso porque,

precisávamos compreender como a aldeia compreende e realiza a troca, pra

podermos imaginar uma forma possível de inserir o comércio dentro desta

comunidade.

Iniciamos as descrições pelas das festas realizadas unicamente com a

finalidade de se realizar trocas (Uluki), tanto internas à aldeia quanto as

intertribais. São eventos que envolvem grande quantidade de pessoas e se

realizam periodicamente.

7) DESCRIÇÃO DAS TROCAS INDIVIDUAIS

Quando alguém precisa de alguma coisa pode procurar outra para ver se

ela quer trocar por algo de valor semelhante. Hoje em dia troca-se todo tipo de
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coisa, menos madeira, que cada um deve obter por conta própria. Não são

trocados exclusivamente objetos Kalapalo ou de outras etnias, mas também

objetos caraíba, sendo que alguns, como bicicletas, armas de fogo e barbante,

adquiriram um elevado valor de troca nos sistemas do Alto Xingu.

8) DESCRIÇÃO DO ULUKI INTERTRIBAL

O uluki intertribal é uma cerimônia organizada para a realização de trocas entre

duas aldeias de povos distintos do Alto Xingu, e costuma ocorrer entre os meses

de novembro e março.

A organização de um uluki desse tipo é sugerida por um dos caciques da

aldeia e então discutida pela comunidade. Caso a população aceite a idéia do

cacique, mensageiros vão até a aldeia do povo com o qual será realizada a

cerimônia (e que será a aldeia anfitriã das atividades) comunicar que foi decidida a

realização de um uluki e quando este será realizado. O povo com o qual se

realizarão as trocas pode ser escolhido de acordo com a vontade da comunidade,

de acordo com a necessidade de certos produtos manufaturados especialmente

por alguma etnia ou como forma de retribuição a um uluki organizado

anteriormente por outro povo (pois todo uluki deve ser retribuído).

Cada comunidade escolhe coletivamente três ugihongo, ou

"coordenadores" (que podem ser tanto homens quanto mulheres), que são os

responsáveis por intermediar as trocas realizadas entre as pessoas das duas

aldeias envolvidas. A condição para que alguém possa ser um ugihongo Kalapalo
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é a de que a pessoa tenha pelo menos um colar de caramujo (que é o símbolo do

povo Kalapalo) para levar à outra aldeia e trocar com um ugihongo do outro povo.

As pessoas da aldeia proponente do uluki se deslocam até a aldeia que

será a sua anfitriã, chegando lá no máximo às 15:00hs, e permanecem lá durante

três dias - o tempo de duração da cerimônia.

No primeiro dia, quando da chegada da aldeia visitante, o cacique realiza

no centro da aldeia, em frente à casa-dos-homens, um discurso cerimonial na

língua de sua comunidade, e logo após há lutas de uka-uka entre os homens de

ambas as aldeais por cerca de uma hora. Primeiro lutam os campeões, e depois

outros homens podem fazê-lo. Em seguida começa o momento propriamente de

trocas, que pode durar a tarde toda. Primeiro os ugihongo da aldeia anfitriã

oferecem peixe, beiju e mingau para os ugihongo da aldeia visitante, que recebem

mas ainda não consomem essa comida. Em seguida, os coordenadores de ambas

as aldeias trocam presentes entre si - preferencialmente presentes que sejam

considerados símbolos representativos de cada etnia, como é o caso dos colares

de caramujo dos Kalapalo e das cerâmicas dos Waurá e Mehináku, mas, caso não

seja esse o caso, qualquer outro objeto de grande valor pode ser trocado (como,

por exemplo, tucanapi), inclusive produtos caraíba (armas, bicicletas, etc.).

Após a realização das trocas entre os coordenadores da cerimônia, têm

início os ciclos de trocas entre os demais participantes. Homens e mulheres da

aldeia anfitriã começam mostrando seus produtos a seus ugihongo e dizendo o

que querem em troca, para que estes os entreguem aos ugihongo da aldeia

visitante. Estes, por sua vez, mostram aos participantes de sua aldeia o que

receberam dos outros coordenadores e os informam do que deve ser dado em


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troca por cada objeto. Quem se interessar por algum produto deve dar ao

ugihongo de sua aldeia o que o seu dono pediu em troca, que será entregue a um

dos ugihongo da aldeia anfitriã que, por fim, o repassará ao dono do respectivo

produto. O pagamento por um determinado objeto não precisa ser feito na hora: a

pessoa pode esperar outra ocasião para retribuir o que recebeu, que pode ser ou

não um outro uluki. Esses procedimentos prosseguem até que a vez dos

participantes da aldeia visitante mostrarem seus objetos a seus ugihongo e

estipularem o que desejam em troca, invertendo a ordem do ciclo. Cada ciclo

desses duram cerca de meia hora, e a ordem de quem apresenta produtos para

serem trocados vai sendo alternada até que acabem os produtos, até que fique

muito difícil trocar (por questões referentes a diferenças de valor entre os produtos

ofertados) ou até que os coordenadores decidam que já foram feitas muitas trocas

e que então é hora de parar.

Ao final dessa troca coletiva vão todos para a casa que servirá de

alojamento para os participantes da aldeia visitante, escolhida pelos

coordenadores da aldeia anfitriã de acordo com o seu tamanho e a capacidade do

seu dono de ofertar comida para todos. Lá se realiza a distribuição da comida

oferecida pelo dono da festa e do peixe, beiju e mingau recebidos pelos ugihongo

da aldeia visitante. Cada visitante deve levar sua rede para dormir.

No segundo dia começa a festa tawarawanã, que dura até o final da tarde.

Os homens da aldeia visitante se pintam e se enfeitam na casa-dos-homens,

tocam kagutu e dançam. Os homens que sabem tocar kagutu devem fazê-lo

exclusivamente dentro da casa-dos-homens, longe dos olhos das mulheres, pois

estas não podem, em hipótese alguma, ver tais instrumentos musicais. Enquanto
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isso, os homens da aldeia anfitriã e as mulheres da aldeia visitante assistem à

festa.

Nesse dia os donos dos kagutu que forem utilizados é que devem oferecer

comida aos visitantes, juntamente com o dono da festa (que não é o mesmo do

primeiro dia de uluki, mas que também é escolhido pela comunidade pela sua

capacidade de ofertar comida aos visitantes). Se o dono de um ou mais kagutu for

uma mulher, seu marido é que fica responsável por oferecer comida na festa, pois

esta deve ser levada até a casa-dos-homens (a mulher só deve prepará-la; ela

não pode levá-la até lá, pois poderia ver os kagutu, o que não deve acontecer).

Um cantor da aldeia visitante é escolhido pelos seus respectivos ugihongo

para cantar durante a festa. Existem dois tipos de tawarawanã: uma "de peixe" e

outra "de cobra". Essas denominações se referem às canções e às danças

características de cada uma. O tipo de tawarawanã realizado num uluki é

escolhido aleatoriamente, e no uluki de retribuição que deverá acontecer no futuro

o outro tipo de tawarawanã é que deverá ser realizado.

O terceiro dia é o da festa takuaga. Homens e mulheres se pintam nas

casas para dançar. Saem cinco homens da aldeia visitante tocando takuaga e

dançando que passam pela casa-dos-homens e depois entram na casa do dono

das takuaga. Depois disso, eles vão passando pelas outras casa da aldeia, mas

não precisam entrar em todas. Neste percurso as mulheres que já estiverem

prontas (devidamente ornamentadas) no interior das casas nas quais os homens

passarem podem acompanhá-los dançando ao redor da aldeia. Este processo

continua até que todos os homens da aldeia visitante já tenham dançado. Nesse
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dia o dono da festa, que é o dono das takuaga, e os ugihongo da aldeia anfitriã

oferecem comida.

No dia seguinte os visitantes voltam para sua aldeia de origem e termina o

uluki.

9) DESCRIÇÃO DO ULUKI INTRATRIBAL

O uluki intratribal é uma cerimônia de pequeno porte, sem festas,

organizada com a finalidade de realização de trocas entre os membros da própria

aldeia.

Quando alguém quer realizar um uluki interno, se for um homem, deve

comunicar um dos caciques que, então, assume o papel de ugihongo

("coordenador") e chama para o centro da aldeia os homens que desejam

participar. Estes se juntam e vão passando de casa em casa, começando pela

casa do cacique, para realizar as trocas. Em cada uma os homens da casa

mostram para o ugihongo os objetos que querem trocar e estipulam o que querem

em troca. Nesse tipo de uluki o que o dono do objeto quer em troca pode ser

negociado.

Quem pega um objeto não precisa retribuir na hora, pois pode fazê-lo em

outra ocasião qualquer ou, preferencialmente, em um outro uluki interno realizado

especialmente para essa finalidade que, nesse caso, começa na casa do "credor"

do proponente.

Há também um uluki intratribal realizado somente pelas mulheres, no qual

uma "cacica" (que é a filha de algum dos caciques) assume o papel de ugihongo e
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reúne as mulheres que querem fazer trocas. O restante se passa exatamente

como no uluki interno dos homens, mudando apenas os tipos de produtos que são

trocados, pois as mulheres não podem trocar objetos que sejam de propriedade

dos homens.

10) DESCRIÇÃO DAS TROCAS MATRIMONIAIS

Quando o rapaz tem entre 16 e 18 anos sua mãe pode escolher uma

menina de nove ou dez anos para ser sua noiva. Escolhida a pretendente, os pais

do rapaz devem ir à casa dos pais da menina conversar com eles para saber se

aceitam o noivado.

A noiva pode ser qualquer menina, mas preferencialmente parente. Se for

prima deve ser uma prima cruzada, nunca uma prima paralela, pois estas são

classificadas como irmãs. Se o rapaz ou a menina não quiser, o noivado não

acontece.

Antes do casamento a menina precisa ficar reclusa 1 ano, a partir dos 13, e

só sai em uma festa por decisão dos pais. Para casar essa festa é

preferencialmente o Kuarup. Até lá os noivos não namoram, mas o rapaz pode ver

a menina para levar comida para ela.

O casamento acontece sempre no final da festa. A mãe da noiva fala para

um irmão ir com a menina até a casa do rapaz buscar sua rede, e irmãos ou irmãs

do pai da menina também podem ir como acompanhantes e, eventualmente,

ajudantes. Nesse momento a mãe do rapaz deve pagar os parentes da menina


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com colares de caramujo feitos pelo noivo. Em seguida o rapaz vai morar na casa

da noiva, e a partir de então eles já estão casados.

Depois de mais ou menos um mês, se o casamento der certo, o rapaz pode

fazer um pente (handa) com desenhos para dar de presente para a sogra através

de sua esposa.

Após o casamento os cônjuges devem obedecer a algumas restrições

quanto ao seu modo de se relacionar com novas categorias de parentes: ambos

não podem pronunciar os nomes de seus sogros e sogras e cunhados do mesmo

sexo, nem se relacionar com eles de maneira muito próxima, como, por exemplo,

colocar sua rede muito próxima da de algum deles na casa comunal.

Depois de casado o rapaz deve ajudar seu sogro no trabalho, tanto na roça

quanto nas pescarias.

Se o casamento não der certos os presentes dados pelo noivo devem ser

devolvidos.

11) COMENTÁRIOS

É necessário deixar registrado que o material produzido pela equipe é de extrema

importância para os Kalapalo. Não apenas porque este material foi necessário

para compreender os processos de produção artesanal para a partir disso

alcançar reduções de custos que viabilizassem uma melhor entrada dos

artesanatos no mercado do ramo, mas também, e, principalmente, porque a

sistematização das cadeias produtivas e a apropriação do custo dos artesanatos

produzidos deixam facilmente acessíveis a “fórmula” de produção. Isto é, um


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conhecimento tradicional e culturalmente reservado aos povos alto-xinguanos,

passa, a partir de agora, a ser público e corre o risco de ser copiado caso ocorra

má-intenção de terceiros. Por exemplo: o colar de casca de caramujo, artefato que

simboliza prestígio entre todas as etnias alto-xinguanas e de alta valorização no

mercado artesanal na cidade é reconhecidamente um objeto de produção

exclusiva das etnias falantes da língua Karib alto-xinguana, somente estas quatro

etnias (Kalapalo, Matipu, Kuikuro e Nahukuá) produzem este objeto legitimamente,

pois, inclusive, aparece em seus mitos. Com a sistematização da cadeia produtiva

do colar de casca de caramujo este segredo assegurado culturalmente pode

perder esta proteção e ser fabricado por qualquer pessoa.

Um dos objetivos para a Associação Aulukumã era entrar em um acordo

com as outras três etnias que fabricam o colar de casca de caramujo e pensar na

possibilidade de patentear o colar.

12) AUTO-AVALIAÇÃO

Apesar de minha temática de pesquisa na aldeia ser outra, tomo como temática o

xamanismo e assistência médica, do ponto de vista dos usuários, isto é, neste

caso os doentes da comunidade Kalapalo que transitam entre a terapêutica

xamânica e eventuais idas ao DSEIX (Distrito Sanitário Especial Indígena - Xingu)

e ou para os hospitais nas cidades ao entorno. Entretanto, dados etnográficos

previamente coletados demonstram que a lógica xamânica precede como código

lógico-simbólico de estruturação desta interação terapêutica. Em meu projeto para

mestrado pretendo acompanhar o itinerário dos doentes neste trânsito curativo


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para caracterizar o modo como os aparatos institucionais da medicina clínica, os

diagnósticos e as técnicas de cura ocidentais são apreendidas e re-significadas de

acordo com a própria lógica cultural subjacente à segmentação do pensamento

ameríndio: as crescentes reivindicações entre as lideranças alto-xinguanas de

acesso aos serviços médico-hospitalares para os pacientes indígenas aparecem

muito mais referidas a um determinado ethos local, particularmente referente à

dinâmica política interna a essas comunidades, do que propriamente um recurso

necessário à profilaxia das "doenças dos caraíba", cujo impacto epidemiológico já

foi grande, dizimando grande parte da população (vide o acontecimento na década

de 50 quando ocorreu uma epidemia de sarampo que acometeu todos os alto-

xinguanos – entre os Kalapalo parece que sobreviveram apenas 20 indivíduos).

Trata-se, pelo menos como venho apercebendo o fenômeno, muito mais de um

"bem de consumo" a ser usufruído de acordo com a lógica política que regula as

relações tanto internas quanto externas à comunidade, e entre as lideranças locais

e o mundo dos "brancos". Mesmo porque, doença, do próprio ponto de vista

nativo, é o resultado assimétrico das relações de troca entre seres habitantes de

planos cósmicos distintos. O mesmo espírito que é o agente etiológico de certa

perturbação à saúde de um indivíduo pode passar a ser o curador a partir do

momento que o doente inicia um pagamento em um ritual-oferenda que se destina

a sanar uma espécie de dívida (fiz essa inferência a partir de minha observação

do ritual do espírito atuguá na aldeia Kalapalo). Saúde é não criar dívida na

constante relação de troca e o tratamento é sanar uma eventual dívida surgida

neste sistema; o sentido da doença compreende revelações desequilibradas das

relações de trocas com um outro plano cósmico.


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As lideranças Kalapalo me indicaram para acompanhar os dois indígenas

na cidade de São Carlos e participar em conjunto deste projeto de capacitação. A

sistematização dos artesanatos já me era comum, pois eu via cotidianamente a

produção destes objetos na aldeia.

O que mais me impressionou foi a experiência dos dois Kalapalo

residindo na UFSCAR. A convivência destes no alojamento da universidade, com

certeza, foi uma experiência que acrescentou na vida de ambos. Os dois fizeram

diversas apresentações culturais, principalmente, mais ligados ao curso de

Educação Física da UFSCAR, como de danças alto-xinguanas e o Huka-huka,

tradicional arte-marcial indígena, praticada somente no Alto Xingu. O contato com

uma cultura diferente não é apenas uma experiência interessante para nós

“brancos”, mas também a situação inversa. É interessante tanto de um modo geral

para a comunidade Kalapalo ter dois membros tão sabedores da cultura do

“branco”, tanto que, cada vez mais a situação de contato está mais intensa. É

necessário, portanto, para se preservar a cultura tradicional indígena alto-

xinguana, que alguns de seus membros detêm um conhecimento mais adequado

do mundo dos “brancos” para selecionar de forma mais qualitativa o que o

“branco” tem a oferecer.


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13) BIBLIOGRAFIA

SINGER, Paul. Economia Solidária: um modo de produção e distribuição. In SINGER,


Paul e SOUZA, André Ricardo (orgs). A Economia Solidária no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2000.

SINGER, Paul. Introdução à economia Solidária. pp. 7-23. São Paulo: Editora Fundação
Perseu Abramo, 2002.

RECH, Daniel. Cooperativas: uma alternativa de organização popular. Rio de Janeiro:


DP&A, 2000.

INTERNET
www.socioambiental.org.

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