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I Colóquio Marx Engels

Centro de Estudos Marxistas (CEMARX)


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

O Estado como instituição:

uma leitura das "obras históricas" de Marx

Adriano Nervo Codato


Universidade Federal do Paraná

novembro, 1999

Esta comunicação foi apresentada no I Colóquio Marx Engels promovido pelo Centro de Estudos
Marxistas (CEMARX) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) entre 16 e 18 de novembro de 1999. Por favor, não citar.
2

O Estado como instituição: uma leitura das "obras históricas" de Marx

Adriano Nervo Codato

“[...] a questão do Estado é uma das mais complexas,


mais difíceis e, talvez, a mais embrulhada pelos
eruditos, escritores e filósofos burgueses. [...] Todo
aquele que quiser meditar seriamente sobre ela e
assimilá-la por si, tem de abordar esta questão várias
vezes e voltar a ela uma e outra vez, considerar a
questão sob diversos ângulos, a fim de conseguir uma
compreensão clara e firme”.
V. I. Lênin1

A partir de meados dos anos setenta, notadamente na Itália, a literatura que se incorporou à
vaga “revisionista” enfatizou a incipiência da teoria política marxista. Segundo Norberto
Bobbio, o fato de Marx não ter redigido o livro planejado sobre o Estado (o que poderia ser
um argumento apenas circunstancial) só confirmou o tratamento enviesado que o problema
recebeu por parte dessa tradição teórica. Ele freqüentemente foi pensado como “instrumental”
(na dominação de classe) ou como puro “reflexo” (das determinações emanadas da “base”
econômica). Ora, estariam aí justamente as dificuldades principais para o marxismo tematizar
dois problemas caros à toda tradição do pensamento político: o problema das “formas de
governo” (ou, modernamente, a teoria dos regimes políticos) e o problema, que polarizou a
agenda teórica da Ciência Política americana na segunda metade do século XX, das
“instituições políticas”2.

1
Sobre o Estado. Conferência na Universidade Sverdlov (em 11 de julho de 1919). In: LÊNIN, V. I. Obras
escolhidas em três tomos. Lisboa/Moscou, Edições "Avante!"/Edições Progresso, 1979, Tomo III, p. 176.
2
Cf. Norberto Bobbio, "Existe uma doutrina marxista do Estado?" In: BOBBIO, Norberto et al., O marxismo e o
Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1979 (artigo publicado originalmente em Mondoperaio, 8/9, 1975). V. igualmente
Norberto Bobbio, "Democracia socialista?". In: BOBBIO, Norberto, Qual socialismo? Debate sobre uma
alternativa. 2ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983, p. 21-35. Sobre este ponto, cf. também, Norberto Bobbio, A
teoria das formas de governo na história do pensamento político. Brasília, Editora da UnB, 1980, p. 153. A
3

Essa crítica foi reforçada pela literatura contemporânea de Ciência Política, cuja corrente
hoje predominante — o neo-institucionalismo — sustenta uma “volta ao Estado” e uma
recusa das determinações puramente societais na abordagem dos processos históricos3. Essa
crítica sustentou que a visão que Marx possuía do Estado (e da burocracia) era pobre e
esquemática e que não haveria nas suas obras um tratamento mais detido do problema que
fosse além da mera constatação da natureza de classe dos processos de dominação política.

Minha comunicação neste Colóquio pretende justamente contestar essas interpretações,


opondo uma leitura menos superficial e mais atenta de certas passagens selecionadas das
“obras históricas” de Marx4.

Esse esforço de (re)interpretação supõe reconhecer que, como lembrou aliás Nicos
Poulantzas, os textos dos clássicos do marxismo — nomeadamente os de Marx e Engels, mas
também os de Lênin e Gramsci — não trataram o nível político de forma sistemática (o que
equivale dizer: não realizaram explicitamente sua "teoria", no sentido rigoroso do termo). Ao
contrário, o que se pode encontrar nas suas obras principais são: (i) ou conceitos no "estado
prático", isto é, presentes em toda argumentação mas não teoricamente elaborados (pois foram
pensados para dirigir a atividade política revolucionária numa conjuntura concreta); (ii) ou
elementos de conhecimento teórico da praxis política e da superestrutura do Estado não
inseridos, entretanto, num discurso ordenado; (iii) ou, ainda, uma concepção implícita do
lugar e da função da estrutura política na problemática marxista5 — mas não um tratamento
"orgânico" do problema do Estado6.

melhor crítica ao conjunto das objeções de Bobbio e que situa as dificuldades enfrentadas pela teoria política
marxista no seio do desenvolvimento do movimento socialista durante o século XX é o artigo de Giuseppe
Vacca, "Discorrendo sobre socialismo e democracia". In: O marxismo e o Estado, op. cit., p. 139-179. V.
também, neste mesmo volume, o ensaio de Umberto Cerroni, "Existe uma ciência política marxista?", p. 55-68.
Uma crítica a Marx e aos marxismos pesteriores pode ser lida também em Lucio Colleti, Ultrapassando o
marxismo. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1983.
3
Penso aqui particularmente no reputado artigo de Theda Skocpol, Bringing the State Back In: Strategies of
Analysis in Current Research. In: EVANS, Peter B., RUESCHEMEYER, Dietrich & SKOCPOL, Theda.
Bringing the State Back In. Cambridge, Cambridge University Press, 1985, p. 3-43.
4
Tradicionalmente estão incluídas sob o título: A burguesia e a contra-revolução (de 1848); As lutas de classe
em França de 1848 a 1850 (de 1850); O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte (de 1852); e A guerra civil em
França (de 1872).
5
Cf. Nicos Poulantzas, Pouvoir politique et classes sociales. Paris, Maspero, 1971, Vol. I, "Introduction", p. 14.
6
A expressão é de Luciano Gruppi. Cf. Tudo começou com Maquiavel (as concepções de Estado em Marx,
Engels, Lênin e Gramsci). Porto Alegre, L&PM, 1983, p. 28. Sobre essas ressalvas, v. também Jean-Claude
Girardin, "Sur la theorie marxiste de l'État". Les Temps Modernes, Paris, n. 314-315, p. 634-683, sept./oct. 1972;
4

Isso, contudo, não impediu que a partir do conjunto dos trabalhos de Marx — sejam os
textos sobre a economia capitalista, os textos de luta ideológica ou os textos políticos
propriamente ditos (de análise ou de combate) — se pudesse elaborar e construir uma "teoria
do Estado capitalista"7. Aqui, entretanto, é preciso evitar o recurso fácil às citações
consagradas e ao que Norberto Bobbio chamou, com razão, de reverência exagerada às
passagens clássicas ou aos intérpretes autorizados8.

II

Uma das conquistas teóricas mais fundamentais para a teoria política moderna foi a
determinação da natureza de classe dos processos de dominação política pelos clássicos do
marxismo9. Todavia, se a determinação da natureza de classe do aparelho de Estado é uma
condição necessária para a análise do "sistema estatal", quando se trata de compreender sua
configuração interna, seus níveis decisórios e as funções que os diversos centros de poder
cumprem, seja como produtores de decisões, seja como organizadores políticos do "bloco no
poder", ela é amplamente insuficiente. "O Estado apresenta uma ossatura material própria que
não pode de maneira alguma ser reduzida simplesmente à dominação política". O aparelho do
Estado, lembra Poulantzas, "não se esgota no poder do Estado". Embora a dominação política
esteja "inscrita na materialidade do Estado", é essencialmente através dessa materialidade
institucional que ela se realiza concretamente10.

e Ralph Miliband, "Marx e o Estado". In: BOTTOMORE, Tom. Karl Marx. Rio de Janeiro, Zahar, 1981, p. 127-
147 (este artigo foi publicado originalmente em The Socialist Register, London, 1965, p. 278-296).
7
Esta é a posição, por exemplo, de autores tão diferentes entre si como Nicos Poulantzas (Pouvoir politique et
classes sociales, op. cit.), Luciano Gruppi (op. cit.) e John M. Maguire. Cf. o seu Marx's Theory of Politics.
Cambridge, Cambridge University Press, 1978 (trad. esp.: Marx y su teoria de la politica. México, Fondo de
Cultura Económica, 1984). Para Maguire, o estudo das "obras políticas" de Marx permite apreender várias
"ferramentas" úteis para a análise política (ibid., p. 15).
8
"Existe uma doutrina marxista do Estado?", op. cit., p. 22.
9
V., a propósito, C. B. Macpherson, "Necessitamos de uma teoria do Estado?" In: MACPHERSON, C. B.
Ascensão e queda da justiça econômica e outros ensaios: o papel do Estado, das classes e da propriedade na
democracia do século XX. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1991, pp. 87-89.
10
Nicos Poulantzas, L'état, le pouvoir, le socialisme. Paris, PUF, 1978 (trad. bras.: O Estado, o poder, o
socialismo. 2ª ed. Rio de Janeiro, Graal, 1985, p. 17, grifos meus). Cito a partir da edição brasileira.
5

Nesse sentido, a função de mediação que o aparelho do Estado desempenha, através de


suas atividades administrativas e burocráticas rotineiras, adquire aqui uma importância
decisiva para a determinação de seu caráter de classe. De forma análoga, esse último
problema não pode se referir, exclusivamente, aos "resultados da política estatal — que estão
ligados à questão, analiticamente distinta, porém empiricamente muito próxima, do poder
estatal —, mas [antes] à forma e conteúdo intrínseco" assumidos pelo sistema estatal numa
conjuntura concreta11.

Há contudo na letra dos textos do próprio Marx, e este é o centro de minha argumentação,
certas indicações que permitem tomar o Estado "como instituição", segundo a expressão tão
em voga.

As análises políticas expostas em A burguesia e a contra-revolução (1848), em As lutas de


classe em França de 1848 a 1850 (1850) e n'O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte (1852)
indicaram precisamente que é necessário diferenciar: 1) aparelho de Estado e poder de
Estado; 2) classe (ou fração) economicamente dominante e classe (ou fração ou grupo)
politicamente governante; e 3) poder estatal e poder governamental ou o poder real e o poder
nominal das classes sociais.

Nesta comunicação, pretendo voltar a estes textos "clássicos" a fim de circunscrever a


problemática, a meu ver central, da diferenciação entre aparelho de Estado e poder de Estado
no pensamento do próprio Marx.

III

As análises políticas de Marx sempre tiveram presente a diferença decisiva entre o poder
estatal e o poder governamental. Este último problema pode ser melhor compreendido
quando se considera a oposição que o autor estabelece entre o poder real e o poder nominal
das classes sociais. De fato, uma classe (ou fração de classe) determinada pode possuir o

11
Göran Therborn, What does the Ruling Class Do when it Rules? London, New Left Books, 1978. Trad. esp.:
Como domina la classe dominante? Aparatos de Estado e poder estatal en el feudalismo, el capitalismo y el
socialismo. 4ª ed. México, Siglo XXI, 1989, p. 37, grifos meus.
6

"leme do Estado" — i.e. o "governo" propriamente dito — sem, contudo, constituir-se em


classe dominante. Esse é, de resto, um tema caro a toda uma certa tradição marxista12.

Onde em Marx se deve ler esse problema?

Na série de quatro artigos publicados em fins de 1848 na Nova Gazeta Renana — órgão da
democracia, Marx analisa as razões do fracasso da revolução anti-feudal e da fundação de um
domínio político especificamente burguês na Alemanha. Os acontecimentos de março a
dezembro demonstraram, quer sob Camphausen, quer sob o "Ministério da Ação", que,
embora a burguesia prussiana fosse "a detentora nominal do poder", controlando efetivamente
o "leme do Estado", em função de seus recuos e hesitações diante das reivindicações
democráticas do "povo" e da assunção exclusiva dos seus "interesses mais estreitos e
imediatos", "a contra-revolução", representada pela "antiga burocracia" e pelo "antigo
exército", leais à Coroa, terminou por apoderar-se de "todos os postos decisivos" do aparelho
do Estado, garantindo, assim, a restauração da antiga ordem13. Como isso pôde ocorrer?

No seio do aparelho do Estado, somente alguns ramos detêm, em prejuízo de outros,


"poder efetivo", ou, mais propriamente, capacidade decisória real — o que Marx designa por
(capacidade de) "iniciativa governamental"14. Concretamente, o poder político se concentra
em núcleos específicos do aparelho do Estado; estes, por sua vez, podem ser ocupados por
diferentes classes sociais; o "poder" relativo de cada uma delas será então determinado pela
proximidade ou distância que mantiver em relação ao centro decisório mais importante. É o
que se apreende, por exemplo, da seguinte passagem:

"Um operário, Marche, ditou o decreto no qual o recém-formado Governo provisório [saído da Revolução
de Fevereiro de 1848 na França] se comprometia a assegurar a existência dos operários por meio do trabalho
e a proporcionar trabalho a todos os cidadãos etc. E quando, alguns dias mais tarde, o Governo se esqueceu
das suas promessas e pareceu ter perdido de vista o proletariado, uma massa de vinte mil operários dirigiu-se
ao Hôtel de Ville gritando: Organização do trabalho! Criação de um ministério especial do Trabalho! A

12
Cf. Antonio Gramsci, Concepção dialética da história. 5ª ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1984, p.
11-63; id., Maquiavel, a política e o Estado moderno. 5ª ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1984, passim;
e id., Obras escolhidas. São Paulo, Martins Fontes, 1978, III Parte: "Problemas de história e de política", Cap. I:
"O Ressurgimento", p. 275-309.
13
V. Karl Marx, A burguesia e a contra-revolução. São Paulo, Ensaio, 1987, grifos meus. Todas as expressões
entre aspas são de Marx; cf. p. 36 e segs.
14
Cf. Karl Marx, As lutas de classes em França de 1848 a 1850. In: Marx/Engels, Obras escolhidas em três
tomos. Lisboa/Moscou, Edições "Avante!"/Edições Progresso, 1982, Tomo I, p. 277.
7

contragosto e depois de longos debates, o Governo provisório nomeou uma comissão especial permanente
encarregada de encontrar os meios para a melhoria [das condições de vida] das classes trabalhadoras! Essa
comissão era constituída por delegados das corporações de artesãos de Paris e presidida por Louis Blanc e
Albert. Para sala de sessões foi-lhes destinado o Palácio do Luxemburgo. Assim, os representantes da classe
operária foram afastados da sede do governo provisório, tendo a parte burguesa deste conservado
exclusivamente nas suas mãos o verdadeiro poder do Estado e as rédeas da administração; e, ao lado dos
Ministérios das Finanças, do Comércio, das Obras Públicas, ao lado da Banca e da Bolsa ergueu-se uma
sinagoga socialista, cujos sumo-sacerdotes, Louis Blanc e Albert, tinham como tarefa descobrir a terra
prometida, pregar o novo evangelho e dar trabalho ao proletariado de Paris. Diferentemente de qualquer
poder estatal profano, não dispunham nem de orçamento, nem de qualquer poder executivo. Era com a
cabeça que tinham de derrubar os pilares da sociedade burguesa. Enquanto o Luxemburgo procurava a pedra
filosofal, no Hôtel de Ville cunhava-se a moeda em circulação"15.

Isso indica, portanto, que o sistema estatal é um conjunto complexo com níveis dominantes
— o que Marx chama também de "postos decisivos"16 —, de onde se controlam "as rédeas da
administração", e níveis subordinados (sem "qualquer poder executivo", como se viu); a
tarefa da análise política marxista é, justamente, determinar quais são os aparelhos onde se
concentram o "verdadeiro poder de Estado". O que se poderia chamar de centro(s) de poder
real é, nesse contexto, o lugar imprescindível para o exercício da hegemonia de classe17.

Por seu turno, a articulação entre a estrutura burocrática do Estado e a hegemonia política
pode ser melhor compreendida quando se acompanha as análises de Marx a respeito da
política francesa no período que antecede ao golpe de dezembro de 1851.

A Revolução de Fevereiro, tendo abalado a dominação exclusiva da aristocracia financeira


consagrada pela Monarquia de Julho18, possuía como tarefa fundamental consumar a

15
Karl Marx, As lutas de classes em França de 1848 a 1850, op. cit., p. 216-217, grifos meus. Agradeço a
Renato M. Perissinotto ter-me chamado a atenção para esta passagem.
16
Karl Marx, As lutas de classes em França de 1848 a 1850, op. cit., p. 226.
17
Para o conceito de hegemonia tal com empregado aqui, v. Nicos Poulantzas, Pouvoir politique et classes
sociales, op. cit., Vol. I: "A classe hegemônica é aquela que concentra, no nível político, a dupla função de
representar o interesse geral do povo-nação e deter uma dominância específica entre as [demais] classes e
frações dominantes" [...]. De forma mais precisa, o "Estado capitalista e as características específicas da luta de
classes em uma formação [social] capitalista tornam possível o funcionamento de um '"bloco no poder"'
composto por várias classes ou frações politicamente dominantes. Dentre estas classes e frações dominantes,
uma delas detém um papel dominante específico, que pode ser caracterizado como hegemônico. Nesse [...]
sentido, [e diferentemente daquele indicado classicamente por A. Gramsci], o conceito de hegemonia recobre a
dominação particular de uma das classes ou frações dominantes frente a outras classes e frações dominantes de
uma formação social capitalista" (p. 148).
18
"Sob Louis-Philippe não era a burguesia francesa quem dominava. Quem dominava era apenas uma fração
dela: banqueiros, reis da Bolsa, reis das estradas-de-ferro, proprietários de minas de carvão e de ferro e de
8

dominação burguesa, fazendo entrar para o círculo do poder político "todas as classes
possuidoras"19. Esse compromisso crítico será, contudo, definitivamente rompido no início de
novembro de 1849 com a demissão do ministério Barrot-Falloux e a ascensão do ministério
d'Hautpoul. Qual o sentido essencial dessa mudança de governo? Numa palavra, a
restauração da hegemonia da aristocracia financeira através do controle de um centro de
poder decisivo.

De acordo com o próprio Marx, o ministro das Finanças do novo gabinete

"chamava-se Fould. [Achille] Fould [...] é o abandono oficial da riqueza nacional francesa à Bolsa, a
administração do patrimônio do Estado pela Bolsa no interesse da Bolsa. Com a nomeação de Fould, a
aristocracia financeira anunciava a sua restauração no Moniteur [...] A república burguesa [...] colocou no
lugar dos nomes sagrados os nomes próprios burgueses dos interesses de classe dominantes [...] Com Fould,
a iniciativa governamental caía de novo nas mãos da aristocracia financeira"20.

Essa viragem fundamental no seio do "bloco no poder" se dá precisamente através da


recuperação do Ministério das Finanças e da manutenção desse aparelho na medida em que
ele representa o lugar-sede do poder de Estado. Todas as lutas políticas desse sub-período que
vai de 13 de junho de 1849 até 10 de março de 1850 podem ser resumidas nesse episódio de
(re)conquista do "poder executivo".

"O Ministério Barrot-Falloux foi o primeiro e último Ministério parlamentar criado por Bonaparte. Sua
destituição [em novembro de 1849] assinala, por conseguinte, uma reviravolta decisiva. O partido da ordem
[isto é, a aliança entre legitimistas e orleanistas] perdeu assim, para nunca mais reconsquistar, uma posição
indispensável para a manutenção do regime parlamentar, a alavanca do Poder Executivo. Torna-se
imediatamente óbvio que em um país como a França, onde o Poder Executivo controla um exército de
funcionários que conta mais de meio milhão de indivíduos e portanto mantém uma imensa massa de
interesses e de existências na mais absoluta dependência; onde o Estado enfeixa, controla, regula,
superintende e mantém sob tutela a sociedade civil [...]; onde, através da mais extraordinária centralização,
esse corpo de parasitas adquire uma ubiqüidade, uma onisciência, uma capacidade de acelerada mobilidade e
uma elasticidade que só encontram paralelo na dependência desamparada, no caráter caoticamente informe

florestas e uma parte da propriedade fundiária aliada a estes — a chamada aristocracia financeira. Era ela quem
ocupava o trono, quem ditava as leis nas Câmaras, quem distribuía os cargos públicos desde o ministério até a
administração dos tabacos". Karl Marx, As lutas de classes em França de 1848 a 1850, op. cit., p. 210.
19
Id., ibid., p. 216.
20
Id., ibid., p. 276-277, grifos meus.
9

do corpo social — compreende-se que em semelhante país a Assembléia Nacional perde toda a influência
real quando perde o controle das pastas ministeriais [...]"21.

A partir desses elementos, é possível estabelecer dois critérios fundamentais que,


combinados a outros, permitem descrever e explicar a configuração concreta assumida pelo
sistema estatal: num primeiro plano, ela obedece à variação na correlação de forças entre os
ramos “executivos” que compõem o aparelho de Estado, de acordo com sua participação
efetiva no processo decisório (recorde-se, por exemplo, a oposição que Marx estabelece entre
o "Palácio do Luxemburgo" e o "Hôtel de Ville"); em seguida, é preciso considerar a relação
de concorrência e predominância entre o Executivo e o Legislativo (a "Assembléia Nacional")
no tortuoso processo de definição das políticas governamentais. Juntos, eles podem indicar,
com razoável margem de segurança, o "endereço" do poder de Estado.

Mas, nesse contexto, o que significa, efetivamente, "poder de Estado"? O poder de Estado
designa, essencialmente, o poder de uma classe ou fração de classe determinada cujos
interesses são prioritariamente atendidos pelo Estado. É preciso lembrar aqui, contra toda uma
tradição "institucionalista", que

"As diversas instituições sociais e, especialmente, a instituição estatal não possui,


propriamente, poder. As instituições, consideradas do ponto de vista do poder, somente
podem ser relacionadas às classes sociais que detêm o poder. Este poder das classes sociais
está organizado, no seu exercício, em instituições específicas, em centros de poder, sendo
o Estado, neste contexto, o centro do exercício do poder político"22.

Portanto, a dominância de uma instituição estatal sobre as outras no seio do aparelho do


Estado corresponde, em última instância, à dominação de uma classe ou fração de classe
sobre outras classes e frações. Mas é principalmente através do Estado que ela deve ser
garantida.

A partir dessas indicações de Marx, seria um erro grave imaginar o sistema estatal como
um conjunto indiferenciado de "feudos" burocráticos onde o poder político se encontrasse
repartido entre as diversas classes ou frações. Como se indicou, existe um setor ou ramo do
aparelho do Estado que materializa, de forma complexa, o poder da fração hegemônica,

21
Karl Marx, O dezoito brumário de Luís Bonaparte. 2ª ed. São Paulo, Abril Cultural, 1978, p. 357-358, grifos
meus.
22
Nicos Poulantzas, Pouvoir politique et classes sociales, op. cit, Vol. I, p. 119-120.
10

garantindo, assim, a unidade do Estado e a "coerência" de suas políticas. Dessa forma, o


funcionamento de todo o sistema é assegurado pela dominância de certos aparelhos sobre
outros; e, nesse contexto, o ramo ou aparelho dominante é, quase sempre, aquele que se
constitui na sede do poder da fração hegemônica23.

As transformações bruscas e significativas desse aparelho dominante, a transferência de


"poder efetivo" de uma agência burocrática para outra no seio do sistema estatal e, através
dela, o redirecionamento da política econômica podem, portanto, colocar em questão a
preponderância política ("hegemonia") de uma fração em particular do bloco burguês no
poder. Isso está na origem dos conflitos, abertos ou velados, dos diferentes "setores" da classe
dominante entre si, onde cada qual procura garantir a força do "seu" próprio aparelho em
especial, ou, por outro lado, das disputas do conjunto dessa classe contra as modificações de
toda ordem comandadas pelo Estado — são, de resto, amplamente conhecidas as oposições
entre os interesses da burguesia e os da burocracia.

23
Poulantzas acrescenta que "a análise precisa das relações de poder no seio dos aparatos [do Estado] pode
ajudar-nos a localizar, de maneira exata, a fração hegemônica: constatando-se, por exemplo, a dominância de um
aparato ou de um ramo sobre os outros, constatando-se, igualmente, os interesses específicos a que ele serve de
maneira predominante, pode-se tirar conclusões sobre a fração hegemônica. Mas trata-se sempre, aqui, de um
método dialético: com efeito, por outro lado, localizando-se, no conjunto das relações de uma sociedade, a fração
hegemônica e suas relações privilegiadas com um aparato ou um ramo [determinado], pode-se obter respostas
quanto a questão de saber qual é o aparato dominante no Estado, ou seja, o aparato através do qual a fração
hegemônica detém as alavancas reais de comando do Estado". Nicos Poulantzas, "As classes sociais". In:
ZENTENO, Raúl Benítez (org.), As classes sociais na América Latina: problemas de conceituação. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977, p. 116.
11

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