Universidade Estadual de Campinas – 12 a 18 de março de 2007
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Pesquisas do professor Aníbal Vercesi sobre a estrutura intracelular ganham repercussão internacional
Desvendando segredos
(e funções) da mitocôndria
Mesmo na
‘periferia’,
um campeão
de citações
No mundo da ciência, o
impacto de uma
descoberta é medido pelo
número de menções que
recebe em outros artigos
científicos. Trata-se do
chamado
“reconhecimento pelos
pares”. Por esse critério, o
médico Aníbal Vercesi,
titular da Faculdade de
Ciências Médicas da
Unicamp, pode ser
considerado um dos
campeões nacionais no
quesito produção
científica. Suas pesquisas,
que nos últimos 20 anos
mudaram alguns dos
conceitos básicos sobre a
mitocôndria – a usina de
energia das células –, já
renderam 5,5 mil citações
mundo afora, em artigos
de publicações vinculadas
à base de dados Thomson-
ISI (Instituto para
Informação Científica, na
sigla em inglês).
“Poderia ser mais”,
alfineta Vercesi. Segundo
ele, o número de citações
só não é maior por atuar
num país periférico. “Caso
trabalhasse em algum
centro do Primeiro Mundo,
o número de citações seria
duas ou três vezes maior”,
acredita. Não é exagero. A
importância do trabalho
desenvolvido pelo
pesquisador da Unicamp
foi destacada em recente
estudo publicado pela
Academia Brasileira de
Ciências. Segundo o
levantamento, no período
de 1994 a 2003, os 20
grupos brasileiros que
estudam o metabolismo
oxidativo das células
produziram dez artigos
que alcançaram mais de
cem citações. Destes dez
artigos, cinco são da
equipe de Vercesi.
Natural de Serra Azul,
interior de São Paulo, o
pesquisador ingressou na
carreira científica em 1969
como aluno de iniciação
científica, no
Departamento de
Bioquímica da Unicamp,
sob orientação do
professor Aldo Focesi
Júnior. Após a graduação
em medicina, continuou
suas pesquisas sob a
orientação de Focesi,
doutorando-se em 1974.
Em 1976, iniciou estudos
sobre bioenergética
mitocondrial e
homeostase intracelular
de cálcio, durante estágio
de pós-doutorado no
laboratório do professor
Albert L. Lehninger, na
Johns Hopkins University,
Estados Unidos. De lá para
cá, nunca mais abandonou
a bancada dos
laboratórios. E, se
depender de seu apetite,
não abandonará tão cedo.
CLAYTON LEVY
Foto: Antoninho Perri
clayton@reitoria.unicamp.br
epois de conquistar o respei-
D to da comunidade científica
internacional ao relacionar a
atividade da mitocôndria à morte
celular, o que poderá ajudar a desen-
volver novas drogas contra o câncer
e doenças imunológicas, o médico e
bioquímico Aníbal E. Vercesi, titular
da Faculdade de Ciências Médicas
(FCM) da Unicamp, dedica-se a uma
nova pesquisa que pode ampliar a
compreensão sobre a formação de
placas de colesterol nos vasos san-
guíneos. O estudo, iniciado há qua-
tro anos, deu origem a um projeto
temático, já rendeu a publicação de
cinco artigos em revistas internaci-
onais, além de outros em prepara-
ção, e o desenvolvimento de três te-
ses de doutorado.
Estudo pode O trabalho, reali-
zado em parceria
levar a com os pesquisado-
drogas mais res Helena de Olivei-
eficientes ra, professora associ-
ada do Departamen-
to de Fisiologia e Biofísica do Insti-
tuto de Biologia (IB), e Roger Cas-
tilho, do Departamento de Patologia
Clínica da FCM, enfoca a disfunção
mitocondrial em modelos experi-
mentais (camundongos) com índi-
ces elevados de colesterol e trigli-
cérides causados por fatores gené-
ticos. Uma das hipóteses mais im-
portantes sobre a formação de
placas de aterogênese aponta o es-
tresse oxidativo como sendo o fator
causador da deposição do colesterol
nos vasos. “A grande pergunta deste O professor,
tema de pesquisa é: onde e como é médico e bioquímico
Aníbal Vercesi, da FCM:
gerada essa situação de estresse oxi-
próxima etapa é estudar os
dativo”, destaca Vercesi. mecanismos das doenças
Etimologicamente derivada do degenerativas
grego (mito = filamento, chondrion relacionadas às disfunções
= partícula), a mitocôndria é uma da mitocôndria
estrutura intracelular responsável
pela retirada de energia dos alimen-
tos e sua posterior conversão em
energia utilizável pelas células. É,
também, um importante local de ge-
ração de oxigênio reativo, uma forma em desvendar todos os segredos da lhido pela Annual Review of Plant bém chamou atenção da comunida-
de radical livre. “Nós estudamos a mitocôndria, uma estrutura que, a- Biology para publicar uma revisão de científica internacional ao anun-
mitocôndria de animais com coles- pesar de microscópica, interfere di- sobre seus trabalhos de caracteriza- ciar a descoberta em plantas de uma
terol elevado e observamos que ela é retamente no equilíbrio da saúde. A ção bioquímica e molecular das pro- proteína análoga à responsável pela
responsável por uma situação impor- respiração mitocondrial converte e- teínas desacopladoras de plantas. produção de calor em animais. A
tante de estresse oxidativo”, revela. nergia de óxido-redução em um po- As pesquisas de Vercesi ajudaram UCP (sigla em inglês para proteína
Nos animais pesquisados, o es- tencial eletroquímico que resulta- a revelar que, além de gerar calor e desacopladora) era conhecida, até
tresse oxidativo foi provocado pela rá na liberação de energia química ou ATP, a mitocôndria também pode então, pela função termogênica em
incapacidade das células em retirar de calor para o organismo. Para isso, produzir radicais livres, num pro- animais. Estas proteínas permitem
o colesterol do sangue para atender a mitocôndria obtém da célula que a cesso estimulado por altas concen- que o potencial eletroquímico mito-
às suas necessidades intracelulares. hospeda os suprimentos de oxigênio trações de cálcio. “Entende-se hoje condrial gerado pela respiração seja
Com isso, as células são obrigadas a e substratos derivados de glicose, que ela é também um dos pontos dissipado na forma de calor, proces-
sintetizar o colesterol de que neces- aminoácidos e ácidos graxos e os con- importantes que decidem o momen- so conhecido como termogênese.
sitam. Nesse processo, usam grande verte numa molécula chamada a- to em que uma célula deve morrer”. Sua análoga vegetal foi batizada
quantidade da coenzima NADPH2, denosina-trifosfato (ATP), responsá- Até meados da década de 1970, sa- de PUMP (proteína desacopladora
principal agente antioxidante mi- vel pelo armazenamento de energia. bia-se que o excesso de cálcio era mitocondrial de plantas). Embora
tocondrial. “O antioxidante usado “O ATP atua como uma moeda de tóxico às mitocôndrias por estimu- em quantidade muito pequena, a pre-
na produção de colesterol acaba fa- energia da célula, ou seja, é uma for- lar a formação de radicais livres. O sença da proteína em plantas revelou
zendo falta no processo de defesa ma conveniente de transportar ener- trabalho de Vercesi, além de confir- um lado desconhecido dos vegetais.
contra o estresse oxidativo, o que gia”, explica Vercesi. Esta energia po- mar esse fato, demonstrou pela pri- Em colaboração com a equipe do pes-
favorece o surgimento dos radicais de ser utilizada em diversos processos meira vez que os radicais livres pro- quisador Paulo Arruda, do Centro de
livres”, explica Vercesi. biológicos, como o transporte ativo de duzidos pelo excesso de cálcio ata- Biologia Molecular e Engenharia Ge-
Segundo o pesquisador, o estudo moléculas, síntese e secreção de subs- cam a membrana mitocondrial, a- nética (CBMEG), o trabalho demons-
poderá levar ao desenvolvimento de tâncias, locomoção e divisão celular, brindo poros, impedindo a produ- trou que o papel mais importante
drogas mais eficientes tanto no com- entre outros. Para estocagem a longo ção de ATP e acelerando a morte ce- dessa proteína é regular o excesso de
bate quanto na prevenção de doen- prazo, a energia pode ser transferida lular. O modelo desenvolvido pelo oxigênio reativo em plantas.
ças provocadas por índices elevados para carboidratos e lipídios. grupo mostra as etapas pelas quais Nos animais, a UCP está presen-
de colesterol e triglicérides. “Se com- Nos últimos 30 anos, Vercesi par- o cálcio aumenta a produção de oxi- te na membrana interna das mito-
preendermos a parte bioquímica ticipou de pesquisas que mudaram gênio reativo e a abertura do poro, côndrias do tecido adiposo marrom
desse processo, poderemos interfe- alguns dos conceitos básicos sobre que pode mediar a morte celular – gordura que os mamíferos têm na
rir diretamente para prevenção da essa estrutura intracelular, conheci- tanto por necrose quanto por apop- região posterior do pescoço e que na
patologia”, observa. O trabalho, fi- da como a usina de energia das cé- tose (morte celular programada). maioria desaparece aos poucos. Essa
nanciado pela Fundação de Amparo lulas. Além da disfunção mitocon- “Em condições normais, o sistema proteína consegue estabilizar, por
à Pesquisa do Estado de São Paulo drial em camundongos genetica- antioxidante mitocondrial combate exemplo, a temperatura corporal de
(Fapesp), absorveu nos últimos qua- mente hipercolesterolêmicos, suas os radicais livres, mas com o exces- ursos em torno de 37º C, enquanto
tro anos investimentos da ordem de pesquisas envolvem estudos de re- so de cálcio, não há como vencer os eles hibernam. Ao estudar a respira-
R$ 1 milhão. A próxima etapa é a- percussão internacional, como o radicais livres”, explica. A morte ção e a conversão de energia em cé-
profundar ainda mais as pesquisas transporte de cálcio pelas mitocôn- celular, por sua vez, pode provocar lulas vegetais, Vercesi percebeu se-
para estudar os mecanismos das do- drias e a identificação de proteínas tanto a redução da funcionalidade melhanças no funcionamento de cé-
enças degenerativas relacionadas às desacopladoras em mitocôndrias de do tecido atingido, quanto mutações lulas do tecido adiposo marrom e da
disfunções da mitocôndria. plantas. Estas duas pesquisas rende- genéticas, caso as moléculas de oxi- batata, o que o levou a confirmar a
“Continuo nesse tema porque ca- ram publicações de artigos em veí- gênio reativo ataquem o DNA. Nes- presença da PUMP no vegetal. Ela
da vez mais enxergo a luz no fim do culos de prestígio mundial, como a se caso, uma das conseqüências pos- também foi localizada em tomate, mi-
túnel”, diz o pesquisador. Aos 60 revista Nature e o Journal of Biological síveis é o surgimento do câncer. lho, pêssego, entre outros alimentos.
anos, ele não esconde a obstinação Chemistry. Em 2006, Vercesi foi esco- Na década de 1990, Vercesi tam-