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O documento discute a natureza da competência do Senado Federal para suspender a execução de leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Argumenta-se que tal competência é discricionária e não automática, a fim de preservar a função moderadora do Senado na federação brasileira. A decisão do Supremo de declarar uma lei inconstitucional é condição para a ação do Senado, mas este órgão deve ter autonomia para exercer prudentemente suas funções de representação dos estados.
O documento discute a natureza da competência do Senado Federal para suspender a execução de leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Argumenta-se que tal competência é discricionária e não automática, a fim de preservar a função moderadora do Senado na federação brasileira. A decisão do Supremo de declarar uma lei inconstitucional é condição para a ação do Senado, mas este órgão deve ter autonomia para exercer prudentemente suas funções de representação dos estados.
O documento discute a natureza da competência do Senado Federal para suspender a execução de leis declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Argumenta-se que tal competência é discricionária e não automática, a fim de preservar a função moderadora do Senado na federação brasileira. A decisão do Supremo de declarar uma lei inconstitucional é condição para a ação do Senado, mas este órgão deve ter autonomia para exercer prudentemente suas funções de representação dos estados.
leiro de controle da constitucionalidade a intervenção do Senado mediante uma espé- cie normativa, a resolução, para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Su- premo Tribunal Federal, conforme autoriza o inciso X do artigo 52 da Constituição de 1988. Essa suspensão é reversível? Muito se tem discutido se o poder de editá-la é discri- cionário ou não. Mas quase nada se cogita da reversibilidade da resolução que a edita. Talvez por seu ineditismo, essa competên- cia do Senado Federal, apesar de fecunda, tem sido minimizada pela doutrina, que chega a reduzi-la a um automatismo inex- pressivo, incongruente com as funções de moderação e representação que o colégio de senadores exerce no concerto da federação. Esse detrimento não pode persistir. Para su- perá-lo, é imprescindível entender bem a ori- gem e a lógica dessa competência peculiar, que resultou de uma variação inevitável na transplantação para o Brasil do modo nor- te-americano de controlar a conformidade das leis com a Constituição. No Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, o poder de rever soberanamente a Sérgio Resende de Barros é mestre, doutor constitucionalidade das leis, próprio do tri- e livre-docente em Direito do Estado pela Fa- bunal maior da federação, não nasceu de culdade de Direito da Universidade de São Pau- lo, na qual leciona nos cursos de bacharelado e atribuição jurisprudencial, mas de prescri- de pós-graduação. É secretário do Instituto “Pi- ção constitucional. Teve por berço a Consti- menta Bueno” – Associação Brasileira dos Cons- tuição de 1891, cujo texto gerou o controle titucionalistas. de constitucionalidade no contexto político Brasília a. 40 n. 158 abr./jun. 2003 233 que incrementou, deixando sob a guarda do federação brasileira o despontar de uma ju- Supremo Tribunal Federal a evolução do risprudência constitucional tão vinculante constitucionalismo republicano. Contudo, como a norte-americana. ao concentrar nessa corte a competência ter- A essa inibição corroborada pelo feitio minante do questionamento da constitucio- romanístico acresceu a necessidade de pre- nalidade, a Constituição geratriz da repú- servar a separação de poderes. No fim, to- blica federativa brasileira também deixou dos esses fatores, somando-se, levaram a clara a competência difusa pelo restante Po- afastar da corte constitucional brasileira o der Judiciário de julgar a constitucionalida- poder de generalizar erga omnes a inconsti- de das leis, ainda que não terminantemen- tucionalidade verificada inter partes. Esse te. Qualquer juiz poderia sentenciar a in- poder veio a ser outorgado ao Senado Fede- constitucionalidade, mesmo se apoiado es- ral pela Constituição de 1934, que lhe atri- tritamente na sua livre convicção. É o que buiu competência para suspender a execução, lhe facultava a república, cujo alento demo- no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deli- crático revolucionava o Brasil. Dessa ma- beração ou regulamento, quando hajam sido de- neira veio da primeira Constituição repu- clarados inconstitucionais pelo Poder Judiciá- blicana uma distribuição democrática do po- rio, como consta do inciso IV do artigo 91. der judicial de controlar o ajuste constitucio- Nessa regra – é bom esclarecer desde logo nal dos atos jurídicos, sobretudo das leis. – execução significa eficácia e não existência. Essa distribuição não continha nenhum O Senado suspende para todos a eficácia privilégio. A reserva de competência dos tri- que o Supremo já suspendera entre partes. bunais era efeito da hierarquização natural Mas nenhum dos dois toca na existência da a todo o poder, inclusive o judicial. Por isso, lei. O que condiz com a lógica do sistema também diversamente dos Estados Unidos, difuso, cuja raiz está no princípio da sepa- não prosperou no Brasil o stare decisis, que ração de poderes, de sorte que uma lei só se define por uma rígida vinculação dos ju- pode deixar de existir se for revogada por ízes à jurisprudência superior. outra lei editada pelo poder legislativo. Pelo Essa forma jurisprudencial é nativa do que, após as intervenções do Supremo e do direito baseado antes nos precedentes judi- Senado no controle difuso, a lei continua ciais do que nas regras postas pelo legisla- existindo, ainda que ineficaz. De início, é dor. Na matriz inglesa, como na sua prole, ineficaz só nos casos julgados pelo Supre- inclusive nos Estados Unidos, é dever maior mo. Após a generalização decidida pelo Se- dos juízes stare decisis et non quieta movere. A nado, torna-se ineficaz em todo e qualquer sentença há de estar com as coisas decididas e caso. Esse é o conceito segundo o qual agiu não mover as quietas. Não deve mexer no que o Constituinte de 1891, valendo-se do termo está pacífico. Sob esse princípio de jurispru- execução para atender à distinção entre exis- dência se acomoda a justiça constitucional tência e eficácia da lei, curial em todo o di- norte-americana, dando estabilidade ao reito. Não continue, pois, esse termo a cau- controle difuso. Já um direito de feitio roma- sar a espécie que tem causado, pois ele foi nístico, como o brasileiro, mais valoriza a bem engendrado pelos constituintes brasi- livre convicção do juiz na sua prudente apli- leiros. cação da lei. Não condiz espontaneamente Nos termos do controle difuso brasilei- com a rigidez jurisprudencial, mesmo no ro, portanto, o Supremo Tribunal Federal é topo constitucional. Esse fator impediu o senhor da constitucionalidade e o Senado stare decisis entre nós. Desse modo, a distri- Federal é senhor da generalidade. Sublinhe- buição democrática do poder de controlar, se: no controle difuso. No controle concen- feita pela própria Constituição federativa, trado, ambas – a constitucionalidade e a confluiu com outros fatores para inibir na generalidade – estão nas mãos do Supremo,
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sendo necessariamente erga omnes o acór- autonomia onde não há discrição, mas ape- dão que decide as ações diretas. nas vinculação. Senhor da generalidade, O Senado tem uma função moderadora como o Senado cuidará dela, agindo como radicada na prudência de seus membros, representante de estados autônomos, se não derivada de sua maior experiência de vida. tiver para isso a necessária discricionarieda- Daí que a Constituição do Império exigiu a de? Óbvio, que nenhum cuidado proverá, se idade mínima de quarenta anos para ser nenhuma discrição tiver, em virtude da sone- senador, requisito de elegibilidade que a gação da autonomia que lhe é inerente. República, servindo ao modelo norte-ame- Desse modo, já que suas funções de mo- ricano, baixou para trinta e cinco anos. Mas, deração e representação não podem ser ne- desde sua origem romana, o senado é um gadas, nem exercidas sem discrição, a com- órgão de temperança, como o diz o seu pró- petência dada ao Senado pelo inciso X do prio nome, com a raiz “sen”, também vista artigo 52 da Constituição é discricionária. A noutras palavras, sempre indicando idade instituição do Senado não compadece uma avançada e, ora também, a sabedoria daí vinculação rígida, como a que pretende sub- resultante. Um bom exemplo é o nome dos metê-lo totalmente ao Supremo Tribunal dois sábios, pai e filho, aos quais os roma- Federal. Sem dúvida, a declaração de in- nos chamaram Sêneca. O Senado é um ór- constitucionalidade vinda do Supremo vin- gão moderador, quer nas federações, quer cula o Senado. Porém, não como causa, mas nos estados unitários. Essa função inata não apenas como condição do exercício de sua lhe pode ser negada, sobretudo nos atos que competência constitucional. A condição expressamente configuram sua competên- permite à causa produzir o seu efeito, mas cia constitucional, como o de generalizar a não o produz. O exemplo clássico que os inconstitucionalidade no epílogo do contro- lógicos dão é o seguinte: abrir a janela pode le difuso. Ora, não há moderação onde não ser condição que permita ao sol iluminar o há discrição, mas apenas vinculação. Senhor interior da sala, mas não é a causa da ilumi- da generalidade, como o Senado cuidará nação. A causa é o sol, em razão de sua pró- dela, agindo como fator de temperança, se pria constituição, determinada por leis físi- não tiver para isso a necessária discriciona- cas. A janela é a condição que, sendo aberta, riedade? É óbvio que, reduzido a autômato, permite ou, sendo fechada, impede a ação de nada cuidará efetivamente, a não ser de da causa para produzir o efeito, a ação do cumprir ordens de outro órgão. sol para iluminar a sala. Ademais, em federações como a norte- Semelhantemente se passa com o ato do americana e a brasileira, o Senado acumula Supremo em relação ao ato do Senado. A com a moderação a representação dos esta- inconstitucionalidade decidida por aquele dos-membros. Essa é outra função que não é condição e não causa da generalidade de- lhe pode ser negada em nenhum ato de sua cidida por este. A causa da resolução sena- competência constitucional, sob pena de torial está na própria constituição do Sena- degenerar a concepção federativa que o en- do, determinada não por leis físicas, mas forma. Tanto que, na Constituição dos Esta- por normas jurídicas, que o dotam de von- dos Unidos, a única cláusula de restrição tade própria, isto é, apropriada ao exercício material similar às cláusulas pétreas é a que de suas funções de moderação e de repre- proíbe emenda constitucional que prive al- sentação. Assim o quer a Constituição. Que- gum estado-membro, sem seu consentimen- rê-lo diferente é querer inconstitucionalmen- to, de sua igualdade de sufrágio no Senado. te. Em suma, a inconstitucionalidade deci- A voz dos senadores é a voz dos estados- dida pelo Supremo é condição cuja existên- membros, os quais – mesmo sem soberania cia permite ou cuja ausência impede a reso- – são dotados de autonomia. Ora, não há lução do Senado. Permitir não é impor.
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Quando o Supremo solicita, ele permite e à competência constitucional do Senado. não impõe o ato do Senado. Ao contrário, Disse ele que o ato do Senado não é optativo, impedir é impor uma proibição. Assim, acrescendo que o objetivo da Constituição é quando a condição se torna impeditiva, sen- apenas tornar pública a decisão do Tribunal, le- do ausente originariamente ou retirado pos- vando-a ao conhecimento de todos os cidadãos. teriormente o pressuposto de inconstitucio- Mas se esqueceu de que a decisão de qual- nalidade dado pelo Supremo, fica impedi- quer tribunal, sobretudo do Supremo, já é da a resolução do Senado, o qual não pode pública por sua própria natureza. Com isso, editá-la ou, se já a editou, deve revogá-la. deu início a um entendimento que atrofia a Na edição da resolução, há discricionarie- competência do Senado. Já é hora de sanar dade. No retorno, na revogação da resolu- essa atrofia. ção, há vinculação. A intervenção do Senado no controle di- Foi para obter um contrapeso de mode- fuso é um engenhoso meio jurídico-político ração no âmbito da federação que a Consti- de atender ao princípio da separação de tuição outorgou ao Senado, e não à corte poderes, entre cujos corolários está o de que constitucional, a função de suspender a exe- só lei pode revogar lei. Esse princípio tem cução da lei. Por isso, a Constituição fez do de ser mantido no controle difuso, pois faz Senado o senhor da generalidade e não um parte de sua lógica. A lógica do controle con- mero servo da corte constitucional. Mesmo centrado é outra: admite a corte constitucio- que esta julgue definitiva a inconstitucio- nal como legislador negativo, o que é ina- nalidade da lei, após negar-lhe aplicação ceitável no controle difuso. Cada modo de em reiterados casos inter partes, e por isso controle deve manter sua lógica para convi- peça a extensão erga omnes, o Senado não verem em harmonia. Se não, o misto se torna está obrigado a generalizar, pois pode mui- confuso. Exatamente para manter a lógica do to bem achar oportuno e conveniente que a controle difuso, coerente com a separação de inconstitucionalidade continue a ser decre- poderes, é que se teoriza que o Senado subtrai tada apenas inter partes. Está aí a sua fun- exeqüibilidade à lei, porém não a revoga. Mas ção moderadora, exercida em nome dos es- isso coloca uma questão: se a lei não é revoga- tados-membros. da, pode ser restaurada sua exeqüibilidade, No exercício dessa função, o Senado não após editada a resolução do Senado? convalida a inconstitucionalidade, mas Como a lei continua existindo, um tal apenas entende que ela deva ser mantida retorno é possível. A Constituição não o no âmbito particular dos casos concretos. O veda. Ao contrário, se a lei continua existin- Senado não entra no mérito da inconstitucio- do para todos e, também, para o Supremo e nalidade, para reapreciá-la. Não invade o Senado, estes têm o dever constitucional competência alheia. Não rejeita a decisão de restaurar-lhe a execução, quando for o do Supremo Tribunal Federal. Não desdiz a caso. E o caso pode ocorrer, como o compro- inconstitucionalidade dita pela corte cons- va a doutrina. titucional. Apenas não considera oportuno Ada Pellegrini GRINOVER (2000, p. 3-6), e conveniente estendê-la erga omnes. Nada em recente livro, A marcha do processo, apon- mais faz do que uma limitação política do ta para a possibilidade de existirem tais ca- âmbito e do modo de aplicação da inconsti- sos. Diz ela, referindo-se à matéria tributá- tucionalidade. Esse poder discricionário ria, que tem acontecido de o Supremo Tribunal não lhe pode ser negado. Federal, pela via do Recurso Extraordinário, Lúcio BITTENCOURT (1949) é elogiável declarar, ’incidenter tantum’, a constitucionali- pelo pioneirismo. Mas em sua obra, O con- dade do tributo, em casos concretos distintos da- trole jurisdicional da constitucionalidade das queles em que se deu a coisa julgada favorável ao leis, precipitou um entendimento prejudicial contribuinte. Acrescenta: Outra hipótese tam-
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bém tem ocorrido: após a coisa julgada, acober- negou aos senadores um tal poder de inspe- tando sentenças que afirmaram a inconstitucio- ção formal, aclarando que o Senado não é fis- nalidade do tributo, o Supremo declarou sua cons- cal da Corte Suprema, nem tem por ofício cuidar titucionalidade, pela ação declaratória introdu- da observância das regras de julgamento. Às zida no ordenamento brasileiro pela Emenda nº 3, partes, não ao Senado, é reservada essa vigilân- de 17 de março de 1993. cia. Mas a vigilância das partes e a do pró- Paulo BROSSARD (1976, p. 63) – em seu prio Tribunal podem impor a reconsidera- artigo sobre O Senado e as leis inconstitucio- ção da inconstitucionalidade, mesmo de- nais, relata um caso concreto que comprova pois da resolução do Senado, e exatamente a necessidade de restaurar a execução, ain- por isso não se pode negar a possibilidade da que não sustente essa possibilidade. de revogar essa resolução. Certa feita, o Tribunal de Justiça Gilmar Ferreira MENDES (19- -?), firme do Rio Grande do Sul declarou in- na doutrina alemã, em sua conhecida obra constitucional o art. 160 da Constitui- Jurisdição constitucional: o controle abstrato de ção estadual de 1947... e, no mesmo normas no Brasil e na Alemanha, defende ser sentido, foi a decisão do Supremo Tri- inadmissível reapreciar inconstitucionali- bunal Federal (RE n. 22.241). Em fun- dade de lei já declarada. Mas faz duas res- ção desse acórdão, o Senado suspen- salvas. A saber: ressalvadas as hipóteses de sig- deu a execução do artigo menciona- nificativa mudança das circunstâncias fáticas ou do, Resolução n. 48, de 14 de setem- de relevante alteração das concepções jurídicas bro de 1961. Não passou muito tem- dominantes. Realmente, são possíveis casos po, contudo, e o Tribunal sul-rio-gran- enquadrados nessas hipóteses que levam a dense, aprofundando a sua análise, a reapreciar a inconstitucionalidade. Mas partir de voto vencido, pôde verificar cumpre acrescentar: até mesmo após a reso- que o preceito fulminado, e já então lução do Senado. suspenso, seria “válido, subsistente, Na mesma passagem, Gilmar Ferreira se endereçado aos delitos de respon- MENDES considera plenamente legítimo que sabilidade de cunho político”, quer se argua, perante o Supremo Tribunal Federal, a dizer, aos crimes que não são crimes. inconstitucionalidade de norma anteriormente (...) Não tivesse havido a suspensão declarada constitucional em ação direta de cons- da norma referida e o Tribunal do Rio titucionalidade. O contrário também não Grande do Sul, longe de concluir pela pode ser negado: é legítima a proposição da inconstitucionalidade do art. 160, te- ação declaratória de constitucionalidade ria lhe dado a exata exegese e a corre- para argüir a constitucionalidade de uma ta aplicação, circunscrevendo-o aos norma já anteriormente declarada inconsti- “crimes de responsabilidade” que não tucional. Essa legitimidade não é tolhida são ilícitos penais. pelo fato de já ter sido editada a resolução Esse exemplo sugere acrescer que a res- suspensiva, pois em qualquer hipótese é ri- tauração da eficácia pode ser necessária não goroso o dever de reverter uma inconstitucio- só porque o Tribunal deixou de fazer a exata nalidade que se tornou insustentável, dado exegese e a correta aplicação, mas até mesmo que a norma constitucional tem de viger ple- porque cometeu descuido procedimental. Só namente, sob pena de fraudar o Estado de o Tribunal pode e deve rever decisões suas, Direito. portadoras de falha, até de mero vício for- Esse emprego para reverter inconstitucio- mal. O Senado não pode corrigir os atos do nalidade insustentável daria especial utili- Supremo. Andou certo BROSSARD, na mes- dade à ação declaratória de constituciona- ma passagem, quando – em contrário ao lidade, cuja valia causou tanta polêmica, Ministro Pedro Chaves e a Celso Bastos – quando de sua criação pela Emenda nº 3 de
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1993. De fato, é particularmente interessan- Já há muito tempo Hans KELSEN (1981, te a hipótese de sobrevir à resolução do Se- p. 303) firmou a perene reversibilidade das nado uma ação declaratória de constitucio- decisões sobre constitucionalidade. Em sua nalidade, buscando reconsiderar a incons- obra sobre a justiça constitucional reafirmou titucionalidade com base em novos fatos ou o que já fora dito pela Suprema Corte em argumentos inéditos, os quais imponham 1873, no caso Morgan County. A saber: as reverter o decidido. Nada impede – mas tudo questões constitucionais são sempre abertas a aconselha e até impõe – que, em face de novo exame. São assim sempre abertas, por mutações históricas do fato ou do direito, serem sempre questões de natureza políti- qualquer um dos legitimados pelo § 4º do ca, que tocam de perto na expressão da von- art. 103 proponha a ação declaratória de tade geral em si mesma considerada (con- constitucionalidade de uma lei, mesmo após trole abstrato) ou considerada em sua corre- haver o Senado suspenso sua execução. No lação com as vontades particulares (contro- desfecho, se o Supremo Tribunal Federal le concreto). Daí, com Manoel Gonçalves reverter a inconstitucionalidade, a decisão Ferreira Filho, a doutrina confirma que o da ação declaratória de constitucionalida- controle de constitucionalidade ora é políti- de terá eficácia contra todos e efeito vinculante co-jurídico, ora é jurídico-político, mas, ora relativamente aos demais órgãos do Poder Judi- mais, ora menos, é sempre político. Nin- ciário e ao Poder Executivo, como estabelece a guém mais duvida da politicidade do con- Constituição no artigo 102, § 2º, e isso tor- trole de constitucionalidade. Daí que pode nará não só conveniente, mas realmente haver necessidade político-jurídica ou jurí- obrigatória a edição pelo Senado de uma dico-política de revogar a resolução do Se- resolução revogando a anterior. nado para restaurar a plenitude da lei. Um Para tanto, uma indagação tem de ser tal retorno pode até parecer absurdo, pois a respondida: o inciso X do artigo 52 da Cons- prática nunca o exercitou. Mas, em vez de tituição fala que o Senado atenderá a decisão absurdo, é absolutamente lógico em sua coe- definitiva do Supremo. Em 1891 não havia rência com o sistema difuso, permitindo co- essa exigência. Mas hoje ela existe. O que lher bons frutos de uma intervenção do Se- leva a indagar se, com uma decisão definiti- nado que constitui um verdadeiro check and va, não estaria o Supremo fechando as por- balance de moderação, engenhosamente cria- tas atrás de si, impossibilitando o regresso, do pelo constitucionalismo brasileiro. ou seja, tornando impossível a revogação Ademais, a congruência entre os atos da resolução do Senado. jurídicos impõe outra conclusão: do mesmo A resposta é: o termo definitivo aí signifi- modo que se pode retirar, também se pode ca conclusivo. Como lembra Ada Pellegrini restaurar um poder ou uma condição de GRINOVER (2000, p. 3-6), na passagem ci- poder, exceto se houver expressa proibição tada, esse termo aponta para a conclusão legal. Assim, o vigor da lei se restabelece nas de uma série de decisões próprias do con- mesmas condições em que foi retirado. No trole difuso. Decisões que o finalizam. Aí stare decisis, a jurisprudência pode por si definitivo não significa irreversível, mas so- mesma reavivar a executoriedade que amor- mente que algo está findo e definido nas tecera. Similarmente, no caso brasileiro, o presentes condições históricas. Contudo, Senado pode dar ou tirar o efeito erga omnes. essas condições podem mudar. Até mesmo Nos dois sentidos, o trâmite é complexo: porque a decisão definitiva pode padecer compete ao Supremo julgar da inconstituci- de erro formal ou material que obrigue o Tri- onalidade e ao Senado, cuidar da generali- bunal a revê-la, mesmo depois de estar em dade. Mas há uma diferença significativa: vigor a resolução do Senado. Sob pena de pôr se para editar a resolução a competência do em risco ou em ruína o Estado de Direito. Senado é discricionária, para revogá-la é
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vinculada, pois, se o Supremo reconsiderar a si. Mas não os assimila, nem os identifica, inconstitucionalidade e, mesmo assim, o nem muito menos confunde um com o ou- Senado mantiver a resolução, este estará tro. De um lado, nessa intersecção não se usurpando a competência daquele e, tam- tem o efeito ex tunc próprio do sistema difu- bém, a do Congresso Nacional, uma vez que so, porque aí não se está julgando um caso a lei feita pelo Legislativo e considerada concreto. De outro lado, porque o Senado aí constitucional pelo Judiciário tem de ter vi- não age como legislador negativo (ademais, gência plena e ser plenamente aplicável. ele é uma das câmaras do Legislativo, mas Portanto, o retorno não é só possível, mas não é o Legislativo), não há possibilidade pode vir a ser necessário, e não há por que de modular no tempo – ex tunc, ex nunc ou negá-lo. pro futuro – o vigor da decisão de inconstitu- Enfim, ainda é de notar que a interven- cionalidade vinda do Supremo, ao qual o ção do Senado, embora aprimore o sistema Senado não pode substituir. O Senado ape- difuso, não consiste no julgamento de ne- nas suspende a execução da lei. O que – evi- nhum caso concreto, em que a decisão, se dentemente – ele só pode fazer do momento não recuar ex tunc, até à origem do ato ques- de sua resolução para diante, ou seja, ex tionado em concreto, pode prejudicar uma nunc. Sob pena de ultrapassar a sua compe- parte em benefício da outra. Ao contrário, o tência constitucional. ato do Senado é erga omnes e, por isso mes- Ao final, cumpre sintetizar uma conclu- mo, se recuar ao passado, atingirá outras são geral. A saber: sendo assim bem com- partes, cujos direitos e obrigações não fo- preendida – como discricionária em sua de- ram questionados nos casos concretos, ao cisão, eficaz só desde sua publicação e rever- fim dos quais o Supremo solicitou ao Sena- sível quando necessário – a resolução do do a suspensão da lei. Aqui, o recuo ao pas- Senado no arremate do controle difuso, em sado causaria sublevação automática e ime- vez de corresponder a uma função exígua, diata das relações jurídicas que estavam torna-se fértil pela possibilidade que abre pacíficas, causando uma guerra generaliza- de freios e contrapesos entre os poderes do da entre incontáveis partes. O que, além de estado federal, em prol da correta prática do injusto para os atingidos, seria inconvenien- Estado Democrático de Direito na Repúbli- te para a paz social, escopo maior da admi- ca Federativa do Brasil. nistração da Justiça pelo Estado. Por esses motivos, a ampliação erga om- nes resolvida pelo Senado somente pode ter efeito ex nunc, ou seja, a partir da publicação Bibliografia da resolução. Ada Pellegrini GRINOVER (2000, p. 11) reforça essa tese, esclarecendo BITTENCOURT, L. O controle jurisdicional da consti- que, nesse caso, a decisão judicial não se re- tucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Revista Forense, veste da autoridade da coisa julgada, de modo 1949. que, se sobrevier a suspensão da execução BROSSARD, P. O Senado e as leis inconstitucionais. da lei, sua ineficácia, decorrente exclusivamen- Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 13, te da resolução do Senado, terá efeitos ‘ex nunc’. n. 50, p. 55-64, abr./jun. 1976. A despeito de haver doutrina a sustentar o GRINOVER, A. P. A marcha do processo. Rio de Ja- contrário, a tese está correta: a resolução se- neiro: Forense Universitária, 2000. natorial somente pode ter efeito ex nunc. Não KELSEN, H. La giustizia constituzionale. Milão: Gui- pode ter efeito ex tunc. ffrè, 1981. Realmente, a intervenção do Senado MENDES, G. F. Jurisdição constitucional: o controle constitui uma intersecção do sistema difuso abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3. ed. com o concentrado, que os aproxima entre [S. l.]: Saraiva, [19- -?].
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