Sei sulla pagina 1di 10

“PAISAGENS E CULTURA: uma reflexão teórica a par-


tir do estudo de uma comunidade indígena amazônica”
!LUCIENE CRISTINA RISSO1

O CONCEITO DE PAISAGEM SEMPRE ESTEVE PRESENTE NA CIÊNCIA GEOGRÁFICA E SUA HISTÓRIA SE DESENVOLVE AO
LONGO DO TEMPO. ESTE ARTIGO PRETENDE REVISAR A HISTÓRIA DESSE CONCEITO NAS DIVERSAS ABORDAGENS
GEOGRÁFICAS, PARA, DEPOIS, ESPECIFICAR O CONCEITO DE PAISAGEM UTILIZADO NESTA PESQUISA, QUE, POR SUA VEZ,
FOI APLICADO EM UMA COMUNIDADE INDÍGENA DA REGIÃO AMAZÔNICA. ESPERA-SE QUE ESTA REFLEXÃO TEÓRICA
SUBSIDIE OS ESTUDOS VOLTADOS À GEOGRAFIA CULTURAL, QUE CONSIDERAM OS VALORES E SIGNIFICADOS QUE
COMUNIDADES ATRIBUEM ÀS PAISAGENS NAS QUAIS VIVEM E INTERAGEM, CRIANDO VÍNCULOS AFETIVOS COM A MESMA.
PALAVRAS-CHAVE: CONSERVAÇÃO AMBIENTAL, PAISAGEM CULTURAL, COMUNIDADE INDÍGENA.

INTRODUÇÃO ______________________________ gem surgem com as representações em formas de


O conceito de Paisagem sempre esteve pre- pinturas rupestres entre 30 e 10 mil anos. Segun-
sente na Ciência geográfica e sua história se de- do Maximiano (2004, p.84) elas “são os registros
senvolve ao longo do tempo. Este artigo preten- mais antigos que se conhece da observação huma-
de revisar a história desse conceito nas diversas na sobre a paisagem”.
abordagens geográficas, para, depois, especificar Na antiguidade a visão de paisagem estava re-
o conceito de Paisagem utilizado nesta pesquisa, lacionada à utilidade e à estética. Um exemplo de
que, por sua vez, foi aplicado em uma comunida- utilidade da paisagem é o aproveitamento da va-
de indígena da região amazônica. zante do rio Nilo pelo povo egípcio e a observa-
Espera-se que esta reflexão teórica subsidie os ção astronômica para fins agrícolas.
estudos voltados à Geografia Cultural, que consi- Selecionavam-se os elementos da paisagem para
deram os valores e significados que comunidades compor o cenário das cidades, uma vez que as flores-
atribuem às paisagens nas quais vivem e interagem, tas, naquela época, eram praticamente excluídas e te-
criando vínculos afetivos com a mesma. midas. Podemos citar o caso de Roma, que construiu
seus jardins públicos sem muitos elementos naturais.
OS PRIMÓRDIOS DA NOÇÃO DE PAISAGEM _________ Observamos, então, que os grupos traziam ele-
A idéia de paisagem está intrinsecamente rela- mentos que tinham sentido e utilidade para sua
cionada com a existência humana na Terra ao lon- realidade. E só assim a paisagem passava a existir.
go do tempo. Baseadas na observação do meio, as Maximiano (2004, p.89) dá um exemplo dos
primeiras referências sobre a concepção de paisa- caldeus na Mesopotâmia, para reforçar que o con-

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008 67


ceito de paisagem foi construído com base no que A noção de paisagem na Geografia nasceu so-
existiu e existe de útil e compreensível no entor- bre a observação de áreas visualmente homogêne-
no da existência humana: as. Dentro da geografia alemã (XVIII), até os anos
de 1940, a paisagem englobava o conjunto de fa-
(...) Neste caso, poder-se-ia incluir aspectos tores naturais e humanos.
astronômicos na paisagem no Oriente Médio, Durante o século XIX, três estudiosos alemães
já que a investigação dos caldeus na Mesopo- se destacaram: Humboldt, Ritter e Ratzel. Sob o
tâmia incluía corpos celestes. Quem sabe a olhar do naturalista Humboldt, a paisagem era vis-
paisagem terrestre desértica e um tanto monóto- ta de forma holística, associada a um conjunto de
na tenha ajudado a desviar o olhar para cima fatores naturais e humanos. Para Humboldt, a pai-
(...) Os elementos celestes fariam então, parte de sagem (landschaft) é “the total character of an Earth
sua paisagem”. region” (Naveh; Lieberman, 1984, p.4).
Segundo Alves (1997, p.85) Humboldt consi-
Outro exemplo são os jardins orientais, que sig- derava que a observação da paisagem deveria ser
nificam a miniatura do Universo, mas que, no en- contemplada com sentimento. E Moraes (1983,
tanto, não deixam de trazer uma parte dos ele- p.43) diz ainda, que ele não se caracteriza como
mentos naturais para um lugar seguro. empirista porque conseguia aliar o trabalho empí-
A finalidade estética surgiu praticamente a par- rico ao abstrato.
tir do século XV, representada através de pintores Com Carl Ritter, em “Geografia comparada”, a
e artistas, que associaram a ela vínculos emocio- paisagem não se constituía no principal objeto de
nais e afetivos. estudo, porque ele considerava que os “fenôme-
De modo geral, a noção de paisagem, tanto nos nelas existentes, criados pela sistematização,
utilitária como estética, foi entendida diferente- ocorreriam nas diversas regiões, justificando assim,
mente a depender da cultura de cada grupo social o título de sua obra” (Schier, 2003, p.82). Portan-
diante dos desafios da paisagem natural. to, a prática geográfica de Ritter tinha um caráter
A sistematização que levou ao conceito de pai- enciclopédico, dedicando-se às descrições e aná-
sagem somente se iniciou com Humboldt, na Ale- lises regionais.
manha, no século XVIII. Friedrich Ratzel, em seu livro Antropogeografia, de
1880, apresenta o conceito de paisagem de forma
O CONCEITO DE PAISAGEM: UM BREVE HJISTÓRICO _____ diversa, porque inclui primordialmente a cultura na
As reflexões conceituais sobre a paisagem são paisagem, embora proponha uma concepção limi-
estritamente geográficas. O conceito de paisagem tada da cultura (influência darwinista) ao confundi-
é essencialmente polissêmico e dinâmico, já que la com os artefatos utilizados pelos homens para
ao longo da história do pensamento geográfico o dominar o espaço (Claval, 2001, p.22).
conceito teve múltiplas interpretações, de acor- Ele parte do pressuposto que “as relações que
do com a abordagem geográfica. os homens tecem com seu ambiente e os proble-

68 ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008


mas que nascem de sua mobilidade dependem das Para Sauer (1998, p.23), a Paisagem deve ser
técnicas que dominam” (Claval, 2001, p.21). pensada “como um somatório de características
No início do século XX, outros geógrafos ale- gerais”, onde a estrutura e a função são determina-
mães introduzem a abordagem da cultura no estu- das por formas integrantes e dependentes. Para
do da paisagem. Otto Shlütter (1872-1959) diz ele, a paisagem natural é aquela que reflete as for-
que é “a marca que os homens impõem à paisagem mas e objetos da Natureza, que existe com ou sem
que constitui o objeto fundamental de todas as o Homem (Sauer, 1998, p.29); já a paisagem cul-
pesquisas” (Shlüter, 1952-1954, 1958, apud Cla- tural se define como aquela resultante da relação
val, 2001, p.24). Porém, tanto para Ratzel e do ser humano com a Natureza:
Shlüter, o conceito de cultura apresentava-se li-
mitado, justamente por causa da influência darwi- A área anterior à introdução de atividade hu-
nista que atribui exclusivamente aos utensílios e mana é representada por um conjunto de fatos
técnicas a dominação do meio, deixando de lado morfológicos. As formas que o homem introdu-
“(...) quase sempre as atitudes e as crenças” dos ziu são um outro conjunto. Podemos chamar as
povos (Claval, 2001, p.27). primeiras, com referência ao homem, de paisa-
A pesquisa de Siegfried Passarge (1866-1958) gem natural, original [...]. As ações do homem
também foi importante para o estudo da paisagem. se expressam por si mesmas na paisagem cultu-
Em 1913, usa a denominação “geografia da paisa- ral. A paisagem cultural então é sujeita à
gem” (Landschaftskunde), e afirma que a paisagem mudança pelo desenvolvimento da cultura ou
é “o conjunto daquilo que os olhos podem abar- pela substituição de culturas. (Sauer, 1998,
car” (Claval, 2001, p.29). Segundo Claval (2001, p.42-43)
p.29), suas análises comparadas de paisagens ser- A paisagem cultural é a área geográfica em seu
viram de modelo na Alemanha e no estrangeiro. último significado. Suas formas são todas as
Entretanto, sua reputação foi questionada por causa obras do homem que caracterizam a paisagem.
de suas idéias nazistas. O estudo da paisagem cen- (Sauer, 1998, p.57)
trado em fatos culturais dominou a geografia ale- A paisagem cultural é modelada a partir de
mã desde os anos 1920 até 1960. uma paisagem natural por um grupo cultural.
Deve-se aos alemães, também, a conceituação A cultura é o agente, a área natural é o meio, a
diferenciada de paisagem natural (Naturlandschaf- paisagem cultural o resultado. Sob a influên-
ten) e paisagem cultural (kulturlandschaften). En- cia de uma determinada cultura, ela própria
tretanto, foi Carl Sauer (1889-1975), da geogra- mudando através do tempo, a paisagem apre-
fia alemã, que apresentou a noção de paisagem senta um desenvolvimento [...] Com a introdu-
natural e paisagem cultural à Geografia norte-ame- ção de uma cultura diferente, isto é, estranha,
ricana. Carl O Sauer surgiu como o precursor do estabelece-se um rejuvenescimento da paisagem
resgate dos estudos da paisagem, ao fundar a esco- cultural ou uma nova paisagem se sobrepõe sobre
la de Berkeley, em 1922. o que sobrou da antiga. A paisagem natural é

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008 69


evidentemente de fundamental importância, pois A concepção da paisagem sob a perspectiva
ela fornece os materiais com os quais a paisagem da geografia tradicional perdurou até a década
cultural é formada (Sauer, 1998, p.59). de 1940. Foi retomado como conceito-chave
da geografia apenas a partir do início da década
A partir destas conceituações, os discípulos de de 1970, aproximadamente, sob novos olhares
Sauer: Wagner; Mikesell (2003, p.35-36) afirma- e abordagens.
ram que a paisagem é “uma herança de um longo Schier (2003, p.83) ressalta que tanto Ratzel
período de evolução natural e de muitas gerações como La Blache são positivistas dinâmicos. “Nesta
de esforço humano”. visão, o positivismo é bem diferente do positivis-
Entretanto, a partir dos anos de 1940, a Geo- mo simplificado e descritivo” que se desenvolveu
grafia norte-americana dedicou-se com rigor aos nos sucessores até os anos 50.
estudos quantitativos e às representações carto- Na abordagem da Nova Geografia, o concei-
gráficas, em contraposição aos estudos das rela- to de Paisagem é retomado do ponto de vista
ções entre cultura e espaço, que estava, até então, sistêmico e é usado até hoje. Inclusive, em mui-
sob influência da geografia alemã. Desta forma, o tos casos, o conceito de geossistemas foi utiliza-
termo paisagem foi substituído por “região”. do como substituto da paisagem. Esta abordagem
Já na escola francesa, no início do século XX, é utilizada principalmente pela geografia física e
Paul Vidal de La Blache, seu principal represen- geociências porque proporciona a análise das
tante, considerava que a paisagem é o relaciona- categorias da Paisagem dinamicamente. Os prin-
mento entre o meio e as sociedades humanas, par- cipais representantes desta linha são Bertrand
tindo da concepção de Ratzel, mas introduz o (1971), Sotchava (1977), Christofoletti (1999),
conceito de gênero de vida. Segundo Claval Troppmair (2000) Tricart (1977) entre outros
(2001, p.33) “(...) A noção de gênero de vida per- autores. Vale ressaltar que estes estudos sistêmi-
mite lançar um olhar sintético sobre as técnicas, cos da paisagem são importantes porque valori-
os utensílios ou as maneiras de habitar das diferen- zam a interdisciplinaridade.
tes civilizações (...) e assinala como se relacionam Bertrand (1971, p.2) critica a noção de paisa-
hábitos, maneiras de fazer e paisagens”. gem tradicional, dizendo que “a paisagem não é a
Claval (2001, p.33) esclarece, ainda, que a simples adição de elementos geográficos dispara-
ambição de La Blache é “(...) explicar os lugares, e tados”, antes é:
não de se concentrar sobre os homens (...), mas a
análise dos gêneros de vida mostra como a elabo- (...) Uma determinada porção do espaço, resul-
ração das paisagens reflete a organização social do tado da combinação dinâmica, portanto instá-
trabalho”. vel, de elementos físicos, biológicos e antrópicos
A cultura, para La Blache e Ratzel, é “aquilo que, reagindo dialeticamente uns sobre os ou-
que se interpõe entre o homem e o meio e huma- tros, fazem da paisagem um conjunto único e
niza as paisagens” (Claval, 2001, p.35). indissociável, em perpétua evolução.

70 ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008


Outros autores preferiram adotar o conceito de vez pelo geógrafo alemão Carl Troll, em 1939. Na
geossistemas, sistematizado na literatura soviética prática, segundo Filho (1998, p.2) “a ecologia da
por Sotchava, para enfocar “aspectos integrados paisagem combina abordagem horizontal do geó-
dos elementos naturais numa entidade espacial, em grafo com a abordagem vertical de um ecologista”.
substituição aos aspectos da dinâmica biológica Este conceito tomou força a partir da década
dos ecossistemas” (Christofoletti, 1999, p.42). de 1970. Para ele, a ecologia da paisagem era de-
Para Sotchava (1977, p.9) os geossistemas “são finida como “uma entidade total espacial e visual,
formações naturais, experimentando, sob certa integrando a geoesfera, bioesfera e a noosfera – a
forma, o impacto dos ambientes social, econômi- esfera da consciência e mente humana” (Troll,
co e tecnogênico”. 1971, apud Filho, 1998, P.3). No contexto da
Christofoletti (1986-1987, p.120) considerou Ecologia da Paisagem há o conceito de unidade
os geossistemas como “organizações espaciais de paisagem, importante para a aplicação meto-
oriundas dos processos do meio ambiente físico”, dológica. Foi Zonneveld (1979, apud Filho, 1998,
onde as ações humanas não estão inseridas, mas p.9) que elaborou este conceito. Para ele uma uni-
entram como inputs, interferindo nos processos e dade de paisagem é “um conjunto tangível de re-
fluxos de matéria e energia. lacionamentos internos e externos, que fornece
Troppmair (2000, p.5) define o gessistema as bases para o estudo das inter-relações topológi-
como “um sistema natural, complexo e integrado cas e corológicas”, e “teria como base as caracte-
onde há circulação de energia e matéria e onde rísticas mais óbvias ou mapeáveis dos atributos da
ocorre exploração biológica, inclusive aquela pra- Terra, a saber: relevo, solo e vegetação, incluindo
ticada pelo homem”. Conclui que “a paisagem é a alteração antrópica nesses três atributos” (Filho,
um fato concreto, um termo fundamental e de 1998, p.9) .
importante significado para a Geografia, pois a Assim, esta visão funcionalista de paisagem ou
paisagem é a fisionomia do próprio geossistema” geossistema foi muito importante para a retomada
(Troppmair, 2000, p.8). do conceito de paisagem, sendo utilizado principal-
Já Tricart (1977), em seu livro Ecodinâmica, mente nos estudos sistêmicos da Geografia Física.
considera a paisagem e os ecossistemas como sis- Ainda neste período dos anos de 1970, sur-
temas. Para ele o sistema “é um conjunto de fe- gem a geografia humanista e a crítica. Na Geogra-
nômenos que se processam mediante fluxos de fia crítica o conceito de paisagem não foi utiliza-
matéria e energia” (Tricart, 1977, p.19). Em sua do, prevalecendo o conceito de espaço e lugar. Já
opinião “o conceito de sistema é, atualmente, o na Geografia humanista, o conceito de paisagem
melhor instrumento lógico de que dispomos para é resgatado, considerando os aspectos subjetivos
estudar os problemas do meio ambiente” (Tri- da paisagem, através da análise de seu significado
cart, 1977, p.19). (Claval, 2001). Retoma seus clássicos e avança a
Podemos destacar, igualmente, o conceito de partir daí, promovendo intensos debates e discus-
Ecologia da Paisagem introduzido pela primeira sões de idéias.

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008 71


Nesta abordagem humanista, “o ambiente que Esta relação entre a sociedade e a Natureza
envolve o homem, seja físico, social ou imaginá- acontece através do processo de percepção e cog-
rio, influencia sua conduta” (Melo, 2001, p.33). nição ambiental (que, por sua vez, é influenciado
Os estudos de percepção ambiental ou de percep- pelos aspectos culturais e pelo inconsciente), que
ção da paisagem são fundamentais para analisar os resultarão na atribuição de valores e nas condutas
valores, os sentimentos em relação às paisagens. perante o meio.
Neste sentido, a percepção do indivíduo e dos As paisagens estão marcadas pelo universo sub-
grupos sociais ou a subjetividade da paisagem pas- jetivo criado pelos seres humanos. Isto levou Ber-
sa a ser estudada, visando à compreensão do signi- que (1990, p.48) a considerar a paisagem como a
ficado que a sociedade atribui ao espaço. “dimension sensible et symbolique du milieu; ex-
Na abordagem da geografia cultural, a partir pression d´une médiance”; portanto, ela é uma mar-
da década de 1980, dentro de uma visão humanis- ca, “pois expressa uma civilização” (Berque, 1998,
ta, o olhar se volta para a paisagem simbólica, ou p.84) e uma matriz porque “participa dos esquemas
seja, nela estão presentes não somente a materiali- de percepção, de concepção e de ação, ou seja, da
dade da cultura e da Natureza, mas também os sen- cultura, que canalizam, em um certo sentido, a re-
timentos, os valores, em relação às paisagens. Esta lação de uma sociedade com o espaço e com a na-
abordagem é importante principalmente porque tureza” (Berque, 1998, p.85). Em outras palavras,
considera que a depender da cultura as ações pe- ela “determina em contrapartida, esse olhar, essa
rante a paisagem serão diferenciadas. consciência, essa experiência, essa estética, essa
moral, essa política” (BERQUE, 1998, p.86).
PAISAGEM E CULTURA SIMBÓLICA ________________ Sobre isto, Collot (1990, p.22) já afirmara que
A paisagem entendida como uma construção a dependência recíproca entre paisagem percebida
vertical tem uma história natural e cultural. Entre- e o sujeito tem duplo sentido: “enquanto horizon-
tanto, o termo pode ser utilizado a partir do mo- te, a paisagem se confunde com o campo visual de
mento em que a atividade humana marca e age quem a observa, mas, em troca, toda a consciência
sobre ela (Dansereau, 1949). Portanto, como diz sendo consciência de..., o sujeito se confunde com
Maximiano (2004, p.87), “a cultura, seria o ele- seu horizonte e se define como ser-no-mundo”.
mento que, agindo sobre o meio natural, resulta No universo subjetivo estão incluídos os senti-
na paisagem cultural”. mentos em relação às paisagens, ou seja, afetivida-
A paisagem se constrói a partir das relações en- des, vivências, experiências, valores, a cultura sim-
tre os seres humanos e a Natureza, ao longo do bólica, as representações, identidades e territori-
tempo, pois embasada na paisagem natural a cultura alidades, que, segundo o tipo de experiência com
se desenvolveu. Ela sempre será uma construção a Natureza, ou percepção, reflete diferentes sen-
transversal, como disse Santos (1997, p.83) ao dis- timentos e comportamentos em relação a ela. Para
tinguir os conceitos de paisagem e espaço. Já o es- cada pessoa ou grupo a paisagem terá um signifi-
paço sempre será uma construção horizontal. cado, porque, as pessoas atribuem valores e signi-

72 ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008


ficados diferentes às suas paisagens, traduzidos em contexto, somos levados a pensar que, dependen-
sentimentos de enraizamento ou desapego aos lu- do do nosso grau de afetividade em relação a ela,
gares. Sobre isto, Relph (1976) mostra que as ex- resultará a sua própria recriação.
periências pessoais, presentes nos lugares, são im-
pregnadas de significados e valores. PAISAGEM E CULTURA APURINÃ _________________
A atribuição de valores, inseridos por nós nas Os valores que atribuímos às Paisagens com-
paisagens, demonstra o quanto estamos envolvi- preendem a relação estabelecida entre o indiví-
dos afetivamente com elas. Por isto, Collot (1990, duo e a Paisagem. Por sua vez, esta relação pro-
p.24) afirmou que a paisagem “se apresenta como vém dos processos de percepção e cognição am-
uma unidade de sentidos, ela fala a quem olha”. biental, influenciado pelos aspectos culturais e pelo
Neste sentido, a concepção de lugar, sob o inconsciente, que resultará em sentimentos e sig-
ponto de vista subjetivo, só acontece quando “o nificados em relação a determinada Paisagem, va-
espaço transforma-se em lugar à medida que ad- lorizando-a ou desvalorizando-a. Embora, ainda
quire definição e significado” (Tuan, 1983, p.6). que inserido no contexto de uma determinada
Ainda, dentro do universo subjetivo temos a Cultura, um indivíduo possa ter uma percepção
paisagem interiorizada (inscape) de Dansereau diferente em relação ao meio, geralmente são ob-
(1975). A paisagem interiorizada é aquela com a serváveis certos padrões de comportamento que
qual possuímos uma forte relação afetiva. Segun- ocorrem em relação à Paisagem de uma cultura.
do Relph (1979, p.13) a inscape é “a mais importan- Desta forma, aplicando os referenciais de Pai-
te para nós, por ser ela que dá profundidade e sagem e Cultura na comunidade indígena Apuri-
significado às paisagens, e que nos liga a elas, por nã, localizada no município de Lábrea (AM), no
reforçar nossa individualidade”. médio rio Purus, foi possível analisar os valores
Para Dardel (1952, p.41) a paisagem é uma to- desta comunidade perante a paisagem.
talidade: Pelo fato dos Apurinã viverem toda a sua histó-
ria de vida na floresta amazônica, no médio rio
une convergence, un moment vécu. Un lien in- Purus, sua percepção de grupo está associada a este
terne, une ‘impression’, unit tous les elements”. E relacionamento, influenciado pelos aspectos de sua
ainda, ela é “une échappee vers toute la Terre, cultura. Esta Paisagem é valorizada por eles, prin-
une fenêtre sur des possibilites illimittées: un cipalmente porque seus processos de percepção e
horizon. Non une ligne fixe, mais un mouve- cognição foram estabelecidos no contato direto
ment, un élan. (Dardel, 1952, p.42) com a Natureza, definidos pelos valores simbóli-
cos da Cultura Apurinã, resultando na visão de
Isto significa que a paisagem tem sua dinamici- mundo da comunidade, a qual influi na determi-
dade, e o que ela se tornará no futuro compreen- nação das condutas.
de, sempre, um universo de possibilidades, por Os aspectos da cultura Apurinã influenciam os
causa da capacidade humana de criação. Neste aspectos perceptivos e, desse modo, leva-os a atri-

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008 73


buírem valores à Paisagem, já que sua visão de visão de mundo do grupo, e a construção do terri-
mundo se entrelaça com os valores morais, religi- tório, no sentido de enraizamento.
osos e afetivos inseridos na Natureza. Desta forma, os índios Apurinãs possuem uma
Para os Apurinã, tudo que envolve a Natureza visão cíclica e holística do mundo. Nas palavras
possui um sentido (razão de existir) e tem vida, de Campos (1994, p.17) “a idéia de totalidade
sendo que eles próprios surgem inseridos neste sugere uma visão de mundo ecossistêmica, de éti-
universo. A visão de mundo Apurinã está dividida ca única e mesmo sagrada de um religioso não
entre os domínios da terra, do céu e das águas. confessional na relação do homem com seu mun-
No domínio da terra está a floresta, impregnada do e lugar de vida, com o sagrado que o re-liga ao
de vida e muito animada, pois se configura como o oikos (templo)”.
domínio onde vivem incontáveis e variados seres e Os Apurinã valorizam esta paisagem porque é
espíritos. Quando o pajé ainda era vivo, Dona Mar- o lugar dos seus antepassados, o lugar onde tudo
ta (esposa do atual cacique) disse que ele conversa- começou (vide mitos de criação), o lugar em que
va e via os seres e os espíritos da floresta, além de vivem, onde projetam seu futuro. Eles pertencem
conversar com os espíritos das árvores e com os a esta Paisagem e esta Paisagem lhes pertence;
animais, inclusive com a onça. Assim, o pajé se apre- sendo, então, o lugar onde construíram sua iden-
senta como o mediador da relação do seu povo com tidade, entendida como o “sentimento de ser e
o domínio sobrenatural. Um dos lugares mais im- pertencer a um lugar e a um grupo específico”
portantes, considerado como um geossímbolo, é a (Barth, 1969).
região da floresta do igarapé Mucuim, pois pode Neste sentido, a aldeia é o lugar onde se cons-
ser entendido como o centro do mundo, um lugar trói a noção de pessoa, da construção da identida-
sagrado de acordo com a cosmogonia apurinã. de, através dos ensinamentos e dos valores morais
Os espaços da floresta do Mucuim podem ser e metafísicos transmitidos pelos sistemas de pa-
considerados sagrados porque estão presentes os rentesco, que perpetuam a visão de mundo, além
mitos de criação, responsáveis pela organização de ser uma unidade política. O espaço utilizado
social dos Apurinãs. Foi neste domínio da floresta para esta atividade é o centro da aldeia (em volta
que os índios descobriram o fogo, segundo seu mito. de uma fogueira) e um barracão edificado para re-
O domínio das águas, outro espaço sagrado ceber diversos grupos indígenas, para discutirem
segundo a mitologia Apurinã, pertence a Ynhysy, seus direitos.
a grande cobra d’água. Já o domínio do céu é re- Desta forma, esta Paisagem está carregada de
presentativo do mundo espiritual que controla a significações positivas e, se ela faz sentido, como
vida da Terra. Segundo Ehrenreich (1948) os Apu- diz Collot (1990, p.25) é porque foi “repentina-
rinãs sabem atrair estrelas, colocando-as na mão e mente analisada visualmente, vivida e desejada”.
devolvendo-as ao firmamento. Como a Paisagem “fala a quem olha” (Collot, 1990,
O entendimento destes geossímbolos revelou p.24), ela é o resultado deste relacionamento en-
a vertente principal de uma cultura, o cerne da tre os Apurinã ao longo do tempo.
BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global. São Paulo:
CONSIDERAÇÕES FINAIS _______________________ USP/IGEOG, 1971. (Cadernos de Ciências da Terra, n.13).
Para esta pesquisa o conceito de paisagem CAMPOS, M. D’Olne. Fazer o tempo e o fazer do tempo; ritmos em
concorrência entre o ser humano e a natureza. Ciência & Ambiente,
foi essencial, na medida em que permitiu o en- Santa Maria, n.8, p.7-33, 1994.
CHRISTOFOLETTI, A. Modelagem de sistemas ambientais. São
tendimento da transtemporalidade, ou seja, vá-
Paulo: Edgard Blücher, 1999.
rios tempos convivendo, juntos, num mesmo CHRISTOFOLETTI, A. Significância da teoria de sistemas em
Geografia Física. Boletim de Geografia Teorética. Rio Claro,
espaço, uma vez que ela é “a herança de um v.16-17, n.31-34, p.119-128, 1986-1987.

longo período de evolução natural e de muitas CLAVAL, P. A Geografia Cultural. 2.ed. Florianópolis: Editora
da UFSC, 2001
gerações de esforço humano” (Wagner; Mike- COLLOT, M. Pontos de vista sobre a percepção das Paisagens.
Boletim de Geografia Teorética, Rio Claro, v.20, n.39, p.22-
sell, 2003, p.35-36), além de contribuir para a 31, 1990.
análise das marcas culturais e identidades pre- CORRÊA, R.L; ROSENDAHL, Z (org). Paisagem, tempo e
cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.
sentes na Paisagem.
DANSEREAU, P. Inscape and landscape: the human perception of
Os conceitos de Paisagem, dentro da linha fe- environment. New York: Columbia University Press, 1975.
DANSEREAU, P. Introdução à biogeografia. Revista Brasileira de
nomenológica (Collot, 1990; Berque, 1990; Dar- Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Conselho Nacional de
Geografia, n.1, ano 11, 1949.
del, 1952) assumem destacada importância para a
DARDEL, E. L’Homme et la terre: nature de la realité geographique.
Geografia Cultural, pois contribuem para a análise Paris: Presses Universitaires de France, 1952.
EHRENREICH, P.M.A. Contribuições para a etnologia do Brasil.
da pesquisa, fazendo-nos ver que a paisagem con- Revista do Museu Paulista, São Paulo, v.2, p.7-135, 1948.
tém os valores culturais, os sentimentos que uma GUERRA, A. T. Recursos naturais do Brasil. Rio de Janeiro:
FIBGE, 1980
comunidade possui em relação à Natureza.
MAXIMIANO, L.A. Considerações sobre o conceito de paisagem.
O mais importante no conceito da Paisagem é R.RA´E GA. Curitiba, UFPR, n.8, p.83-91, 2004.
MELO, V. Paisagem e simbolismo. In Paisagem, imaginário e
seu potencial para desenvolver uma visão multi- espaço. ROSENDHAL, Z.; CORRÊA, R. (org.).Rio de
Janeiro: EdUERJ, 2001.
disciplinar, unindo geografia física e geografia
MONTEIRO, C. A. de F. Geossistema: a história de uma procura.
humana, em busca de significações e reflexões di- São Paulo: Contexto, 2002.
MORAES, A.C.R. Contribuição para uma história crítica do
ante de determinadas ações humanas perante a pensamento geográfico: Alexandre von Humboldt, Karl Ritter e
Friedrich Ratzel. Tese de Doutorado, FFLCH- USP, 1983.
Natureza.
NAVEH, Zev; LIEBERMAN, Arthur. Landscape ecology: theory
and application. New York: Springer-Verlag, 1994.

NOTAS __________________________________ OLIVEIRA, L. de Os estudos de percepção do meio ambiente no


Brasil. OLAM -Ciência & Tecnologia.v.4, n.1, p.22-26, 2004.
1- Profa.Dra.do Curso de Geografia da UNESP - Ouri-
RELPH, E. As bases fenomenológicas da Geografia. Geografia, Rio
nhos (SP). Claro, v.7, p.1-26, 1979.
RELPH, E. Place and placelessness. London: Pion, 1976.
RISSO, Luciene C. Paisagem, Cultura e Desenvolvimento Sustentá-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________ vel: um estudo da comunidade indígena Apurinã. Rio Claro: UNESP,
ALVES, V.E.L. Trabalho de campo: uma ferramenta do geógrafo. 2005 (Tese de Doutorado).
Geousp. SP: USP, n.2, p.85-89, 1997.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo: razão e
BARTH, F. Les groupes ethniques el leurs frontières. In: POUTIG- emoção. 2.ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
NAT, P.; STREIFF-FERNART J. Theories de l´ethnicité. Paris:
Presses Universitaires de France, 1995. p.203-249. SAUER, C.O. A morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, R.L;
ROSENDAHL, Z. (Org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de
BERQUE, A. Médiance de milieux em paysages. Paris: Geographi- Janeiro: EdUERJ, 1998. p.12-74.
ques Reclus, 1990.
SCHIER, Raul Alfredo. Trajetórias do conceito de paisagem na
BERQUE, A. Paisagem-marca, Paisagem-matriz: elementos da Geografia. Curitiba: R.Ra´E GA, n.7, p.79-85, 2003.
problemática para uma geografia cultural. In: CORRÊA, R.L;
ROSENDAHL, Z. (Org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de SOARES FILHO, B.S. Análise de paisagem: fragmentação e
Janeiro: EdUERJ, 1998. p.84-91. mudanças. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008 75


SOTSCHAVA, V.B. O estudo dos geossistemas. Métodos em TROPPMAIR, H. Geossistemas e geossistemas paulistas. Rio
questão. S.Paulo: IG, USP, número 16, 1971. Claro: ed.do autor, 2000.
TRICART, J. Ecodinâmica. Rio de Janeiro: IBGE, 1977. WAGNER, P.L.; MIKESELL, M.W. Os temas da geografia
cultural. In: CORRÊA, R.L; ROSENDAHL, Z. (Org.).
TROLL, C. Geoforun, v.8, p.43-46, 1971. Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2003. p. 27-61.

ABSTRACT
THE LANDSCAPE CONCEPT ALWAYS WAS PRESENT IN GEOGRAPHIC SCIENCE AND TIME DRAWS YOUR HISTORY. THIS
ARTICLE INTENDS TO REVIEW THIS CONCEPT IN DIVERSE GEOGRAPHYCAL APPROACHES, FOR, IN A SECOND MOMENT,
SPECIFY THE LANDSCAPE CONCEPT USED DURING THIS RESEARCH, WHICH WAS APPLIED IN AN AMAZONIC INDIAN
COMMUNITY. WE WISH THAT THIS THEORICAL DISCUSSION CONTRIBUTES TO THE CULTURAL GEOGRAPHY STUDIES, THAT
CONSIDERES THE VALUES AND MEANS ASSIGNED BY THESE COMMUNITIES TO LANDSCAPE WHERE THEY LIVE AND
INTERACT, CREATING EMOTINAL LINKS WITH IT.
KEYWORDS: ENVIRONMENTAL CONSERVATION, CULTURAL LANDSCAPE, TRADITIONAL COMMUNITIES.

76 ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 67-76, JAN./JUN. DE 2008

Potrebbero piacerti anche