Sei sulla pagina 1di 192

478

3 - TURISMO E URBANIZAÇÃO
Pressupomos o turismo como atividade que, mesmo quando não realizada
em ambiente citadino, é essencialmente "urbanizadora" face à natureza
das relações sociais travadas e mesmo considerando a infraestrutura de
suporte da prática turística. O tema convida a refletir sobre os processos e
conteúdos da urbanização fomentados pelo turismo e seu diálogo com a
base local, envolvendo temas como: o capital imobiliário e a especificidade
da segregação socioespacial em cidades turísticas; city marketing e
representações do urbano; morfologia e as novas centralidades na cidade;
os espaços públicos, a cidadania e as políticas urbanas relacionadas ao
turismo; paisagens, lugares e territórios da urbanização turística.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
A PAISAGEM DOS PARQUES PÚBLICOS DA CIDADE DE GOIÂNIA NAS
REPRESENTAÇÕES DA MÍDIA TURÍSTICA E DOS MORADORES LOCAIS 1

Clarinda Aparecida da Silva


Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia do IESA/UFG
Profª do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás/IFG
Clarindas@uol.com.br

Maria Geralda de Almeida


Profª. Drª. do Programa de Pós-Graduação em Geografia do IESA/UFG
Mgdealmeida@gmail.com

RESUMO
Este artigo discute as representações sociais que a mídia turística constrói e/ou
divulga sobre a paisagem dos parques de Goiânia, e suas implicações na
formação das representações que moradores locais têm desses espaços
públicos. A análise de folders, revistas, guias e folhetos divulgados pelo trade
turístico goianiense no período entre 2004-2008 é um dos caminhos utilizados
para embasar essa proposta. Além desses referenciais, a investigação de campo,
com utilização da técnica de entrevistas com grupos focais compostos por
moradores de diferentes bairros de Goiânia, também compõe o con junto de
procedimentos empregados para gerarem dados e subsidiar essa discussão. É 479
possível observar que os parques de Goiânia, por um lado são representados
como símbolos que contribuem para dar prestígio a determinadas áreas da cidade
e, com isso, reforçam o poder da mídia e de determinados grupos. Por outro lado,
eles expressam valores sociais que unem sua população e garantem a
experiência da diversidade. Portanto, eles constituem uma forma de comunicação
da identidade social.

Palavras-Chave: Mídia, Representações Sociais, Goiânia, Parques, Paisagem,

ABSTRACT
This article discusses the social representations that the media constructs and/or
diffuses on the landscape parks of Goiania, and its implications in the formation of
representations that local residents have about these public spaces. The analysis
of brochures, magazines, guides and brochures published by the tourist trade in
Goiânia in the period between 2004-2008 is one of the ways used to support this
proposal. In addition to these frameworks, the field investigation, using the
technique with focus groups composed of residents from different neighborhoods
of Goiânia, also constitute the procedures used to generate data and provide
support for such a discussion. It is possible to notice that the parks in Goiania on
the one hand are represented as symbols that help to give prestige to certain
areas of the city and thus, increase the power of the media and certain groups.
1
Este trabalho foi elaborado com base nas discussões da tese de doutorado, em andamento, do Programa de
Pesquisa e Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da Universidade Federal
de Goiás/IESA/UFG.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Moreover, they express social values that unite its people and ensure the
experience of diversity. Therefore, they are a form of communication of the social
identity.

Keywords: Media, Social Representations, Goiânia, Parks, Landscape, etc.

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A cidade, interpretada pelo olhar de cada habitante, transeunte, viajante,
visitante provoca uma imensidão de sentidos que faz dela muitas outras. Suas
paisagens e seus lugares, seus acontecimentos são portadores de signos e
símbolos que, interpretados por quem os observa, ocupam o imaginário coletivo.
Segundo Pesavento (2007), as cidades reais, concretas, consumidas diariamente,
correspondem a tantas outras cidades imaginadas, desejadas e representadas,
as quais mostram que o urbano é uma obra humana. Uma obra historicamente
construída e reconstruída,

[...] ―a ser associada mais com obra de arte do que com o simples
produto material. Se há uma produção da cidade, e das relações sociais
na cidade, é uma produção e reprodução de seres humanos por seres 480
humanos, mais que uma produção de objetos‖ (LEFEBVRE, 2001, p.
46/47).

Embora a obra cidade tenha se tornado um produto do modo de


produção e das relações dominadas pelo capital, ainda há uma resistência da
sociedade à dominação que faz da cidade o lugar do riso, do encontro nas ruas,
nas praças e nos cafés. Enfim o lugar da experiência humana, do viver e do
habitar. Logo, as cidades se constituem em solo fértil para o surgimento de
representações sociais, pois as representações estão relacionadas a modos
particulares dos grupos entre si e com o espaço do qual tais grupos se apropriam
e dão significados e valores.
As cidades, também fazem parte de um mundo de símbolos, sonhos e
representações de inúmeros turistas que confere significado àquilo que veem ou
que desejam ver. Segundo Coriolano (2003, p. 97), ―as representações mentais
construídas no turismo ocorrem a partir do momento da intenção da viagem e
constituem um universo elaborado pelo imaginário, que vai ser desvelado na
realização dessa viagem, quando se constroem novas representações‖.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Não obstante, falar em representações implica remeter à discussão em
torno do significado do termo. De acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa (FERREIRA, 2004, p. 564), representação é, entre outras definições,
―o ato ou efeito de representar; coisa que se representa; reprodução daquilo que
se pensa; conteúdo concreto apreendido pelos sentidos, pela imaginação, pela
memória, pelo pensamento; ser a imagem ou reprodução de; desempenhar o
papel de,[...]‖. No contexto da psicologia social Jodelet (2001, p. 21-22) afirma que
as representações correspondem ―a um ato de pensamento pelo qual um sujeito
se reporta a um objeto‖. Este objeto tanto pode ser uma pessoa quanto uma
coisa, um fenômeno natural, uma ideia, um acontecimento material ou social,
dentre outros eventos. Não há representação sem objeto, seja ele, real,
imaginário ou mítico. Embora haja distinção entre sujeito e objeto, eles se
articulam entre si numa relação de construção e simbolização.
As cidades, por exemplo, nos dizeres de Campos (2002), são tanto
sujeito quanto objeto de representação. Elas induzem a construção de práticas,
comportamentos e atitudes e, ao mesmo tempo, são interpretadas e valorizadas,
segundo suas normas e símbolos. As cidades condensam um conjunto de 481

atributos que suscitam várias representações. ―Todas as cidades, dispõem de


lugares públicos excepcionais, que correspondem à imagem da cidade e de sua
sociabilidade‖ (GOMES, 2002, p.164). São lugares onde se cobram visibilidade.
Assim, a cidade se dá ao olhar. Segundo Canclini (2007, p. 107) ―ante
todo, debemos pensar em la ciudad a la vez como lugar para habitar y para ser
imaginado. Las ciudades se construyen con casa y parques, calles, autopistas y
señales de tránsito. Pero las ciudades se configuran también con imágenes‖ 2
(CANCLINI, 2007, p. 107). Uma vez imaginada, a cidade torna-se portadora de
um conjunto de idéias, figuras, formas e imagens. Portanto, é representada.
Essas representações aparecem objetivadas, nos discursos dos habitantes da
cidade, nos discursos oficiais e da imprensa, nas imagens e publicidade turística,
dentre outros contextos.

2
―Diante de tudo, devemos pensar na cidade ao mesmo tempo como lugar para habitar e para ser
imaginado. As cidades se constroem com casa e parques, ruas, auto-estradas e sinais de trânsito.
Porém as cidades se configuram também com imagens‖ (Tradução nossa)
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Así, buen número de folletos, mapas, planos, fotografías, tarjetas
postales, posters, desplegables, logotipos e incluso anuncio
publicitarios, películas de vídeo y programa de televisión por cable se
encargan, cada vez más, de definir y difundir la esencia perceptiva de la
ciudad […]3 (ARRIBA, 2002, p. 35).

Como se vê, por meio de recursos midiáticos, a imagem da cidade vai


sendo construída ora como notícia, ora como publicidade política ou como uma
sedutora propaganda turística. A publicidade turística, em especial, precisa
promover o desejo de viajar e estimular o consumo do destino turístico. Nessa
direção, a mídia4 lida com a fabricação, reprodução e disseminação de imagens e
representações sociais que influenciam na forma que sociedade vê e interpreta a
cidade. Ela utiliza de dispositivos iconográficos, imagéticos e discursivos que,
muitas vezes, sobrepõe a cidade real por aquela imaginada e desejada.
As interpretações dessas imagens tanto parte daqueles que estão
visitando a cidade quanto de seus moradores. Os habitantes da cidade leem e
representam o espaço urbano a partir de sua experiência existencial. ―La
significación de la ciudad va más allá de sus formas materiales y arquitetóni cas,
atañe a los usos y a los modos de vida sociales‖ 5 (ARRIBA, 2002, p. 39).
Contudo, os meios de comunicação6, ao veicularem as informações, criam novas 482

representações capazes de estimular os moradores a diferentes formas de ver e


de representar a cidade.
Desta forma, as representações midiáticas podem, por um lado, produzir
um sistema de conhecimento e de reconhecimento da população em relação aos
atributos da cidade e estimular a experiência dos moradores com o espaço vivido
e suas paisagens. Por outro lado, elas podem apenas estimular os moradores a
uma relação com a cidade baseada somente nos valores estéticos da paisagem.

3
“Assim, bom número de folhetos, mapas, planos, fotografias, cartões postais, pôsteres,
prospectos, logotipos e inclusive anúncio propagandistas, filmes de vídeo e programa de televisão
a cabo se encarregam, cada vez mais, de definir e divulgar a essência perceptiva da cidade […]‖
(Tradução nossa).
4
Segundo Lima (2009, p.17) Mídia é o [...] conjunto das instituições que utiliza tecnologias
específicas para realizar a comunicação humana. Vale dizer que a instituição mídia implica
sempre na existência de um aparato tecnológico intermediário para que a comunicação se realize.
A comunicação passa, portanto, a ser uma comunicação midiatizada. Neste trabalho
consideramos mídia ou publicidade turística os meios de disseminação de informações em massa
como, folders, revistas, guias turísticos, material publicitário, etc.
5
“O significado da cidade vai além de suas formas materiais e arquitetônicas, refere -se aos usos e
aos modos de vida sociais‖ (Tradução nossa).
6
―Meios de Comunicação: sistema constituído por elementos físicos em que ocorre a transmissão
de mensagens. [...] como por exemplo, a TV, o rádio, jornal, revista outdoor, cinema vídeo,
cartazes, etc.‖ (TEMER e NERY, 2009, p. 9).
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
―De esta manera resulta que las ciudades contemporáneas son, cada vez más, el
lugar de la representación entendida como escenificación y, cada vez menos, el
lugar de practicas sociales auténticas‖ 7 (ARRIBA, 2002, p. 36). O turista, diante
do controle que exercem os meios de comunicação, pode ser levado a ter a
imagem da cidade como uma realidade. ―A forma como o turista percebe a
realidade perpassa as concepções e idéias dominantes na sociedade, sendo
influenciada em boa parte pelos meios de comunicação‖. (CORIOLANO, 2003,
p.98). No entanto, ―deve-se ter em mente que a imagem comunicada é só uma
representação da realidade, não podendo se confundida com o real, complementa
a autora‖ (ibdem).
Destarte, o estudo e a análise das representações trazem à tona
elementos importantes para compreender as formas como a mídia, os turistas e os
moradores representam a cidade e seus atributos. O conhecimento das
representações das pessoas leva-nos a compreender a riqueza de valores que
dão sentido aos lugares de vida do ser humano. ―Pelas representações também é
possível entender a maneira pela qual as pessoas modelam as paisagens e nelas
afirmam suas convicções‖ (ALMEIDA, 2003, p. 71). 483

Partindo desses pressupostos, interessa-nos, particularmente, refletir


sobre as representações dos parques públicos de Goiânia (Goiás) presentes na
mídia turística e, suas implicações na formação das representações que os
moradores locais têm desses espaços. A análise de folders, guias e folhetos
divulgados pelo trade turístico goianiense no período entre 2004-2009, é um dos
caminhos utilizados para embasar essa proposta. Além desses referenciais, a
investigação de campo 8, utilizando da técnica da entrevista com grupos focais
compostos por moradores de diferentes bairros de Goiânia, também compõe o
conjunto de procedimentos empregados para gerar dados e subsidiar essa
discussão.

7
―Desta maneira resulta que as cidades contemporâneas são, cada vez mais, o lugar da
representação entendida como encenação e, cada vez menos, o lugar de prática sociais
autênticas‖ (Tradução nossa).
8
A pesquisa de campo que subsidia essa discussão foi realizada no período entre julho e
setembro de 2009.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
2 PARQUES PÚBLICOS NA PAISAGEM DE GOIÂNIA: OBJETOS DE
REPRESENTAÇÃO
Goiânia, desde sua origem e, principalmente, no atual contexto da
chamada globalização tem sido palco de um conjunto de representações, as
quais dão subsídio à construção de imagens sobre a cidade. As características
paisagísticas urbanas e regionais e os novos setores econômicos como o turismo
e os eventos são elementos que compõem vários slogans e produzem diversas
Goiânias. A cidade é nomeada e representada como a ―Capital dos Eventos‖,
―Capital Art Déco do Brasil‖, ―Cidade dos Parques‖, ―Capital da Qualidade de
Vida‖, dentre outros slogans que transmitem a ideia de uma diversidade de
paisagens na paisagem da cidade.
Nesse contexto, a paisagem dos parques urbanos tornou-se um grande
referencial para a construção das representações. Em Goiânia é notável a
presença de grandes áreas verdes em espaços públicos, representados pelos
bosques e parques e outras unidades espalhados pela cidade, conforme se
observa na figura 1. De acordo com estudos realizados pela Agência Municipal do
Meio Ambiente (AMMA, 2008), Goiânia é a capital do Brasil com maior extensão
484
de áreas verdes por habitante 9 e o maior número de árvores em vias públicas do
país.
Esses espaços públicos constituem-se em paisagens portadoras de
sentido, símbolos, significados, gestos e traços culturais da sociedade. A mescla
entre natureza e cultura, materialidade e subjetividade, presente na paisagem dos
parques, que permite a sociedade a concretude de suas representações
simbólicas. Nas palavras de Luchiari (2001, p.20) ―é na emergência desses
territórios que a sociedade mediatiza suas relações com a natureza e lhe atribui
um valor, uma representação e um controle sobre as paisagens que os homens
disputam como um campo relacional de poder‖, como lugares simbolicamente
controlados.

9
Segundo o Relatório do Plano Diretor de Arborização Urbana de Goiânia da Agência Municipal do Meio
Ambiente (AMMA, 2008, p 29) Goiânia possui 94 metros quadrados de áreas verdes por habitante, índice
quase 8 vezes superior ao recomendado pela Organização das Nações Unidas, que é de 12m²/habitante. “Esse
índice é superior também aos 51 m²/habitante de Curitiba, a capital estadual considerada anteriormente líder
nesse ranking”.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
NÚMERO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO POR REGIÕES DE GOIÂNIA

LEGENDA
BAIRRO
Região Central - 4 Unidades
Região Norte - 20 Unidades
Região Leste - 19 Unidades
Região Sudeste - 18 Unidades
Região Sul - 6 Unidades
Região Macanbira/Cascavel - 2 Unidades
Região Sudoeste - 33 Unidades
Região Oeste - 26 Unidades
Região Medanha - 19 Unidades
Região Noroeste - 25 Unidades
Região Vale do Meia Ponte - 16 Unidades
Região Campinas - 3 Unidades

Figura 1: Espacialização das unidades de conservação por região de Goiânia


Fonte: Adaptado de http://www.goiania.go.gov.br/html/amma/index.htm.

No que se refere ao espaço físico, o parque público é visto,


essencialmente, como uma paisagem em que os elementos da natureza se
485
distanciam do ambiente construído e dos ritmos urbanos. A necessidade da
natureza, conforme nos diz Serpa (2007) nunca foi tão evidente no contexto das
grandes cidades da contemporaneidade. Isto coloca os parques no centro das
discussões sobre a cidade e do discurso das áreas verdes como um direito de
todos os cidadãos e como elemento de atratividade da cidade, como é o caso dos
parques de Goiânia.
Em Goiânia, esses equipamentos urbanos representam lugares ideais
que proporcionam a qualidade estética para a cidade, o bem estar da população,
a preservação da natureza e a conservação do patrimônio dos habitantes locais.
Esses argumentos mostram que as paisagens dos parques são usadas como
uma forma de publicidade da cidade e da administração pública. Entretanto, essa
paisagem é tratada, principalmente pela aparência visual e não por suas
dimensões históricas e culturais, conforme revelam as diversas reportagens e
propagandas turísticas veiculadas na cidade. Vejamos, pois, como a mídia
constrói essas representações.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
2.1 A CIDADE DO VERDE, DOS PARQUES: A CAPITAL COM MELHOR
QUALIDADE DE VIDA DO BRASIL.
As considerações acima evidenciam que os elementos da paisagem
urbana são constitutivos de múltiplas representações para a cidade de Goiânia. A
paisagem é, ao mesmo tempo, um texto estruturado e estruturante das
representações e de atribuição de identidades para a cidade. Muitas dessas
representações, porém, nasceram através dos discursos políticos e do setor
público. Com isso, as representações de Goiânia vão ―esvaindo-se, apenas para
emergir novamente sob novas aparências‖ (MOSCOVICI, 2007, p. 38).
A publicidade turística busca nesses discursos e nas características
paisagísticas urbanas os instrumentos que materializam as representações
sociais e constroem, positivamente, imagens para a cidade. Isso pode ser
observado a partir de citações do material publicitário denominado ―Goiânia: a
casa perfeita para acolher você e seu evento‖, publicado pelo Goiânia Convention
Bureau em parceria com a Goiás Turismo 10. Na pagina intitulada ―Goiânia Cidade
Verde‖ desse material, destaca por escrito: ―o verde dos parques e jardins, o
colorido das praças e bosques fazem de Goiânia uma capital ecologicamente
486
correta.‖, conforme mostra a figura 2 (Grifo nosso).
Essa representação está ancorada em antigas representações. O slogan
―cidade ecologicamente correta‖ foi lançado, na década de 1990, como estratégia
de marketing político. Para isso, o poder público apropriou-se do título que
colocou a capital goiana como uma das cidades brasileiras que mais investiu na
qualidade de vida. Compartilhada até os dias atuais pelos Jornais locais, cartões
postais, folders, dentre outros meios de divulgação turística, essa representação
de capital ecológica passou a ser uma característica que diferenciava Goiânia das
demais cidades brasileiras (ARRAIS, 2001). Isso demonstra que as
representações sociais, uma vez criadas, adquirem vida própria, circulam,
encontram-se, atraem-se, repelem-se e dão oportunidade ao nascimento de
novas representações, ainda que ancoradas em antigas representações
(MOSCOVI, 2007).

10
O material não consta data de publicação e número de página, mas algumas informações
contidas no interior do folder permite-nos concluir que foi publicado entre 2004-2008.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Figura 2:
Fonte: GOIÁS TURISMO, GOIÂNIA CONVENTION. Goiânia Cidade Verde. Goiânia:
a casa perfeita para acolher você e seu evento. Goiânia, s/d.
487
11
Entretanto, o marketing ―cidade das flores‖ do Governo Nion Albernaz
deixou de lado a ―cidade ecologicamente correta‖ da administração anterior e,
mais uma vez, contribuiu para promover as condições de atratividade do lugar. A
―cidade das flores‖ continuou priorizando os aspectos estéticos da paisagem das
praças e áreas verdes de Goiânia, conforme destaca a revista Viajar (2005, s/p.):
―Goiânia [...] é uma cidade surpreendente. Deslumbra os visitantes à primeira
vista com as belas e floridas praças e ruas que tornam a primavera presente o
ano inteiro [...].‖
Ainda que na periferia da cidade vários bairros possuam parques, praças
e jardins, não se pode negar, que, à medida que vamos nos distanciando dos
setores nobres, as flores diminuem ou até mesmo deixam de existir. Essa
diferenciação espacial, que elege e segrega setores, remete-nos às
considerações de Arrais (2001, p. 191) ao comentar que o discurso ―cidade das
flores‖, encarava a parte como se fosse o todo. De fato a ―cidade das flores‖ não
existe na periferia.

11
Nion Albernaz foi prefeito de Goiânia no período de 1997-2000
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Entretanto, a cidade como um todo, continuou sendo construída
positivamente pela mídia. Em 2007, o guia Curta mais Goiânia (ano 1 n. 10, dez.
2007/jan. 2008, p. 8) destaca Goiânia como a capital verde do país, conforme
revela a figura 3.

488

Figura 3
Fonte: CURTA MAIS GOIÂNIA. Goiânia, n. 10, ano 1, p. 8, jan. 2008

É interessante observar que o jogo construído entre ―verde‖ / ―madura‖,


―fora‖ / ―dentro‖ ajuda a representar Goiânia como uma cidade que possui uma
maturidade associada ao crescimento urbano e ao desenvolvimento econômico e
sociocultural, mas isso não impediu que ela preser vasse o seu verde. Esse
mesmo guia, como forma de publicidade da administração municipal, reforça a
imagem de cidade verde ao atribuir à Goiânia o título de capital ambiental (Figura
4).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Figura 4
Fonte: CURTA MAIS GOIÂNIA. Goiânia, n. 10, ano 1, p. 8, jan., 2008

É notável que, conforme vão desencadeando as circunstâncias sociais, 489

políticas e culturais em Goiânia, novos discursos vão sendo produzidos e,


captados pela publicidade turística, dão origem a outras representações sociais.
Nesse processo, a imagem da cidade está sempre se construindo e
reconstruindo. Assim, os inúmeros parques 12 que Goiânia possui, contribuíram
para que esta capital recebesse em 2007, da Organização Brasil Américas, o
prêmio de capital brasileira com melhor qualidade de vida. Apoiados nessa ideia
de melhoria da qualidade de vida urbana, o poder público, a imprensa local e a
publicidade turística utilizam a paisagem dos espaços verdes e de lazer como um
símbolo que representa o bem estar da população e a atratividade da cidade. Em
decorrência dessa ação, diversas representações foram construídas atribuindo a
Goiânia inúmeras identidades como ―cidade dos parques‖, ―capital verde‖, ―capital
com melhor qualidade de vida do Brasil‖, conforme um cartão postal da Prefeitura
de Goiânia aos visitantes à cidade. (Figura 5).

12
Segundo o plano diretor de arborização urbana de Goiânia, “em fevereiro de 2008 praticamente triplicou na
capital o número de parques implantados, com vegetação recomposta e dotados de infraestrutura de lazer e
contemplação, saltando de 6 para 16 [...]” (AMMA, 2008, p.29). Atualmente, esse órgão, informa através do
site http://www.goiania.go.gov.br/html/amma/index.htm., um total de 22 parques implementados na cidade.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Figura 5
Fonte: Prefeitura de Goiânia

490
Ancoradas na representação de cidade com melhor qualidade de vida do
Brasil, as reportagens ―Cidade dos Parques‖ publicada no guia ―Curta mais
Goiânia‖ (n.1 ano 1, nov. 2006) e ―Goiânia Cidade Verde‖ (GOIÁS
TURISMO/GOIÂNIA CONVENTION, s/d); dão nomes a Goiânia. Uma vez
nomeada, a capital goiana adquire características que a distinguem de outras
cidades e dão suporte à atribuição de identidades urbanas. Isso revela o que
Haesbaert (2007) considera como caráter relacional da construção identitária. A
identidade da cidade é produzida na relação e na comparação com aquela e que
é estabelecida como a outra. Um exemplo dessa comparação pode ser observado
no guia ―Curta Mais Goiânia‖ (n. 24, ano II, maio, 2009, p.11), o qual destaca que
―Goiânia possui 94 m² de área verde por habitante, superando Curitiba-PR, que
tem 51m² e era, até então, considerada a capital brasileira ocupante do primeiro
lugar no ranking”
Os parques como representantes da qualidade de vida em Goiânia,
também estão presentes nas palavras dos moradores locais. Contudo, é possível
interpretarmos que as representações midiáticas convencionalizaram os parques
como modelo de qualidade de vida e isso, gradualmente, foi partilhado pelos
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
grupos de moradores, pois, as respostas deles revelam um paradoxo. Ao serem
questionados sobre o que é qualidade de vida, eles ressaltam, em primeiro plan o,
a tranquilidade, a família, o acesso à educação, a segurança e o lazer, dentre
outros aspectos. No que se refere especificamente à qualidade de vida em
Goiânia, um grupo ainda acrescenta que ―qualidade de vida em Goiânia, só na
visão dos políticos‖.
Cabe ressaltar ainda que, baseada na representação de ―cidade com
melhor qualidade de vida do Brasil‖, a imagem de Goiânia, conforme mostra a
figura 6, é vendida pela na mídia não só como lugar turístico, mas como a ―vedete
do setor imobiliário‖. A cidade é divulgada como um espaço de investimento, de
oportunidades e de economia sólida. Segundo o guia ―Curta Mais Goiânia‖ (ano 1
n. 6, jul/ago, 2007, p. 4), a qualidade de vida, a excelente valorização e a
economia estável, são fatores que estão transformando Goiânia em um dos
lugares melhores para morar ou investir. Esse material publicitário destaca ainda
que ―a cidade está repleta de novos empreendimentos e o mercado imobiliário
vive um dos melhores momentos da história, tornando Goiânia uma das vedetes
nacionais do setor. 491

Figura 6
Fonte: CURTA MAIS GOIÂNIA. Goiânia, n. 6, ano 1, p. 4, jul/ago, 2007.

Observa-se que, a exemplo de várias metrópoles brasileiras, a paisagem


dos parques de Goiânia tornou-se objeto de consumo vendido pelo mercado
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
imobiliário. Os parques têm contribuído para dar prestígio a determinadas áreas
da cidade revalorizando sua imagem (SERPA, 2007). Por isso, os investimentos
na implantação de áreas verdes e a criação de unidades de conservação são
cada vez mais crescentes no espaço urbano goianiense. Atualmente, a
construção de alguns desses parques vem sendo financiada por empresas
construtoras em regime de compensação ambiental, como é o caso do Parque
Flamboyant localizado numa região de grande valorização imobiliária. De acordo
com o diretor de Áreas Verdes e Unidades de Conservação da AMMA, nesse
caso, todos saem ganhando: a empresa construtora lucra pelo fato de agregar
valor ao seu empreendimento e a população dispõe dos benefícios de uma
unidade de conservação com espaço contemplativo e de lazer. Já a prefeitura,
conta com a vantagem de coordenar um projeto voltado para a melhoria da
qualidade de vida do município, sem despesas para os cofres públicos (SECOM,
2009).
Essas intervenções pontuais, porém, podem se constituir num processo
de segregação dos bairros populares em favor daqueles das classes
médias/altas. Alguns grupos de moradores expõem que o poder público precisa 492

voltar o olhar para a periferia da cidade. Para um deles, ―não se deve vender só o
centro, pois a periferia tem muito a oferecer‖. Acrescenta ainda que ―Goiânia tem
muitos parques, mas precisa de uma atenção maior para os parques da periferia
que são vítimas, inclusive, no nosso caso, de retiradas de madeiras [...]. Dizer que
13
a cidade é a capital dos parques, mas não cuidar não adianta.‖
Verifica-se que esses parques têm sua imagem associada à
conservação, além disso, ainda faltam manutenção e fiscalização por parte do
poder público. No entanto, os meios de comunicação preconizam um quadro que,
provavelmente, cria no imaginário do turista a concepção de uma cidade livre das
mazelas socioambientais. Um quadro da cidade visível, aquela recortada pela
publicidade, pelo poder público, mas não da cidade de quem a vive (WEBER,
2006).
Nesse caso, subsidiados em Coriolano (2003), podemos afirmar que a
publicidade turística utiliza a imagem ―cidade dos parques‖ para apresentar

13
Depoimento do grupo de moradores do Residencial Itamaracá de Goiânia. Neste bairro está localizado o
Parque do Residencial Itamaracá.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Goiânia como atrativa e construir um sistema de representação, de ilusão, ou
melhor, de sedução do turista para com os lugares potencialmente visitáveis.
Essa representação, contudo, é repleta de contradições. Há vários e belos
parques na cidade, mas as desigualdades espaciais contrapõem essa forma de
evocar a cidade. Os parques das áreas mais centrais contam com maiores
recursos, pois, conforme questiona Serpa (2007) ao analisar os projetos de
adoção em Salvador: Quem vai querer investir em espaços públicos em bairros
periféricos?
É claro que a implantação desses espaços, a infraestrutura neles
implementada e os cuidados com eles são maiores em regiões que estão sob a
mira do setor imobiliário. Este fato pode ser exemplificado com expressões de um
grupo de moradores que elucidam que o Parque Flamboyant é para a elite, razão
pela qual foi construído em pouco tempo, ao passo que a implantação do parque
do bairro onde eles vivem está arrastando há quase 3 anos.
A relação dos moradores de Goiânia com os parques nos conduz a duas
observações distintas. A primeira está atrelada ao poder que a mídia tem sobre as
representações que esses moradores fazem dos parques. As representações do 493

Parque Flamboynt, por exemplo, para alguns moradores está referenciada


apenas nas imagens midiáticas e nos referenciais estéticos da paisagem. Eles
destacam as qualidades visuais, a beleza, os equipamentos do parque, porém,
afirmam que nunca estiveram nesse espaço. Conhecem o lugar apenas por meio
de imagens divulgadas nos folders turísticos. Nesse caso, a imagem veiculada
pela mídia permite que a mente humana crie as representações do parque e a
paisagem passa, então, a fazer parte do imaginário dos moradores. Em vista
disto, mesmo não conhecendo o local, eles identificam e recomendam essa
paisagem como um cartão-postal de Goiânia.
Outros parques, situados em setores nobres de Goiânia como o Parque
Beija-Flor, o Bosque dos Buritis e o Parque Vaca Brava, também são destacados
pelos grupos de moradores, mas geralmente sem nenhuma identificação com
suas práticas cotidianas. O Bosque dos Buritis é vislumbrado como um cartão
postal e/ou como a paisagem que ―representa a cidade pela beleza, cuidado e

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
pela mistura do urbano com selvagem, com o cerrado‖ 14. Essa concepção de
cartão postal é também atribuída pela mídia ao Parque Vaca Brava e, mais
recentemente ao Parque Flamboyant que nasce com a imagem de ―novo cartão
postal de‖ Goiânia.
Nesses casos, as imagens dos parques estão relacionadas à ideia de
paisagem espetáculo. Uma paisagem que não está associada à experiência, a
vivência, as relações cotidianas e a identidade dos usuários com o lugar. Mas à
beleza e a magnitude da imagem exposta aos olhares e à admiração urbana. ―Em
conseqüência, esse olhar acaba por desmaterializar a concretude mesma da
paisagem, reduzindo-a a um soro de signos‖ (MENESES, 2002, p. 48). Tais
signos são estimulados pelos meios de comunicação, que fazem com que
determinadas representações substituam toda e qualquer experiência real com os
lugares.
A segunda observação é que esses espaços públicos são também
representados, por determinados grupos de moradores, como bens coletivo s,
lugares da diversão, do entretenimento, do contato com a natureza, de encontro e
busca de alteridade. O lago das rosas ou horto como muitos assim o denominam, 494

representa para grande parte dos grupos uma lembrança do passado. Eles
destacam as relações afetivas ligadas às experiências vividas com o referido
parque. Isto se justifica principalmente porque nele encontra-se o zoológico que
sempre foi e ainda é visitado por muitas famílias. Para alguns grupos esse parque
é uma paisagem de referencia para Goiânia, pois, como disseram, lembra a
―nossa época de horto‖. O mutirama 15 também faz parque das lembranças de
infância e do cotidiano desses moradores. Nesse caso, a história pessoal dos
moradores determina suas relações com os espaços que compõem o seu
cotidiano (SERPA, 2007).
Além disso, muitos moradores relatam que frequentam e fazem
piquenique com a família nos parques do bairro em que moram. Porém, mesmo
existindo esses locais propícios para a produção da sociabilidade, nem sempre
eles responde a essa possibilidade. Alguns grupos pesquisados ressaltam que,

14
Estas considerações foram ressaltadas na pesquisa com o grupo de moradores do Residencial
Itamaracá, situado na Região Vale do Meia Ponte de Goiânia.
15
O parque mutirama é um parque de diversões, criado na década de 1960 no centro da cidade.
Esse parque além dos equipamentos para o lazer infantil, conta também com áreas composta por
vegetação do cerrado.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
não frequentam os parques, pois não existe uma dessas unidades de
conservação no bairro em que eles moram. Além disso, a acessibilidade às áreas
mais centrais onde estão situados os principais parques da cidade é difícil em
função da distância e dos meios de transportes. Outros moradores já afirmam
que, embora tenha um desses espaços nas proximidades de suas casas, eles
visitam aqueles distantes como é o caso do Parque Flamboyant, localizado em
bairro nobre de Goiânia. Isso demonstra que esses moradores, provavelmente
são estimulados pelas imagens publicitárias. Expressa também que o parque
representa uma forma de buscar um estilo de vida da classe média-alta. Nesse
caso, a identificação com o outro é mediada pelo mesmo padrão de consumo
cultural.
Diante do exposto, podemos entender que os parques são sempre
objetos de conflitos. Eles são, por um lado, espaço de apropriação simbólica da
mídia e dos moradores, lugar de vivência, de representações, de sociabilidade
pública e de reconhecimento da alteridade. Por outro lado, significam a afirmação
das diferenças existentes no espaço urbano e do poder de um grupo sobre outro.
Logo, esses espaços púbicos produzem-se uma espécie de resumo físico da 495

diversidade socioespacial da população urbana. (GOMES, 2002).

3 PALAVRAS FINAIS
Procuramos aqui mostrar que a existência dos parques públicos em
Goiânia reforça a ideia de qualidade de vida urbana e atribui à cidade uma
identidade associada com o ambiente natural. Com base nessa identidade,
Goiânia é valorizada e transformada em imagem publicitária do trade turístico,
que anuncia a cidade como distinta das outras por ser a ―capital verde‖ e de
melhor qualidade de vida do Brasil. Com isso, os parques são representados
como símbolos que reforçam o poder político, da mídia e de determinados grupos
goianienses. Esses Símbolos que nivelan as diferenças e fazem emergir uma
representação estática, simbolizada na natureza (SERPA, 2004). As imagens e as
representações dos parques na mídia turística contribuem para elevar esses
espaços à condição de cartões postais no imaginário urbano e dar prestígio ao
grupo que está gerindo a esfera pública. A publicidade turística constitui, então,
em um mecanismo de legitimação dos discursos do poder público.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Nessa perspectiva de raciocínio, os parques de Goiânia são paisagens
que denotan um conjunto de idéias e de controle social de determinados grupos,
mas, ao mesmo tempo, expressam valores sociais que unem sua população.
Esses parques são representados pelos moradores como espaços de atratividade
da cidade, mas também de lazer e de vivência. Eles garantem a experiência da
diversidade e proporcionam diversos usos. Neles os diferentes se misturam, mas
acabam se agregando em iguais, formando grupos sociais, conforme as
afinidades, os interesses de convivência, as expressões culturais, os laços afetivos
e as práticas cotidianas, tal como afirma Costa (2005) Assim, diferentemente
apropriados, eles evidenciam a construção de múltiplas e flexíveis identidades
sociais. Essas identidades construídas, por um lado, são construídas deslocadas
das experiências do espaço vivido cotidianamente. Elas têm sua base no conjunto
de representações, de imagens e nos discursos da mídia sobre a paisagem dos
parques. Por outro lado, são também identidades edificadas na experiência dos
moradores com a paisagem e na densidade de um cotidiano compartilhado na
multiplicidade de uso do espaço público.

496

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. G. de. Em busca do poético do sertão: um estudo de
representações. In: ALMEIDA, M. G. de; RATTS, A. J. P. (orgs.) Geografia:
leituras culturais. Goiânia: Alternativa, 2003, p. 71-88.
AMMA - AGÊNCIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE DE GOIÂNIA. Relatório do
plano diretor de arborização urbana de Goiânia, 2008.
ARRAIS, T. de A. As imagens da cidade e a produção do urbano. In:
CAVALCANTI, L. de S. (org). Geografia da Cidade. Goiânia: Alternativa, 2001, p.
177- 235.
ARRIBA, C. G. de. Ciudad e imagen: un estudio geográfico sobre las
representaciones sociales del espacio urbano de Santander. Cantabria-España:
servicio de publicaciones de la Universidade de Cantabria, 2002.
CAMPOS, H. Á. Refletindo sobre o papel das representações nas territorialidades
urbanas: o exemplo da área central do Recife. GEOUSP – Espaço e Tempo. n.
11. São Paulo, 2002. p. 35-500.
CANCLINI, N. G. Imaginários urbanos. 3 ed. Buenos Aires: Eudeba, 2007.
CORIOLANO, L. N. A produção da imagem dos lugares turísticos. In:
________.(org.) O Turismo de inclusão e o desenvolvimento local. Fortaleza-CE:
FUNECE, 2003.
COSTA. B. P. da. As relações entre os conceitos de território, identidade e cultura
no espaço urbano: por uma abordagem Geográfica. In: ROSENDAHL, Z.;
CORRÊA, R. L. (orgs.). Geografia: temas sobre cultura e espaço. Rio de Janeiro:
UERJ, 2005. p. 79-114.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
CURTA MAIS GOIÂNIA. Goiânia: cidade dos Parques. Goiânia: Curta mais
Goiânia editora Ltda, n. 1, ano 1, p.8/9, Nov. 2006.
________. A vedete do setor imobiliário. Goiânia: Curta mais Goiânia editora Ltda,
n. 6, ano 1, p. 4/5, jul/ago, 2007.
________. Goiânia: Curta mais Goiânia editora Ltda, n. 10, ano 1, p. 8, jul/ago,
2007.
________. Goiânia: Curta mais Goiânia editora Ltda, n. 24, ano II, p. 11 jul/ago,
2007.
FERREIRA, A. B. de H. Novo dicionário Aurélio Básico da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.
GOIÁS TURISMO, GOIÂNIA CONVENTION. Goiânia Cidade Verde. Goiânia: a
casa perfeita para acolher você e seu evento. Goiânia, s/d.
GOMES, P. C. da C.. A condição Urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio
de Janeiro: Bertrand Braisl, 2002.
HAESBAERT, R. Identidades territoriais: entre a multiterritorialidade e a reclusão
territorial (ou: do hibridismo cultural à essencialização das identidades). In:
ARAUJO, F. G. B de; HAESBAERT, R. (orgs). Identidades e territórios: questões
e olhares contemporâneos. Rio de Janeiro: Acess, 2007, p. 33-56.
JODELET, D. Representações Sociais: um domínio em expansão. In: _________.
(org). As representações Sociais. (tradução Lílian Ulup.) Rio de Janeiro:
EDUERJ, 2001. 420 p.
LEFEBVRE, H. O direito à cidade. (Tradução Rubens E. Faria) 3ª ed. São Paulo:
Centauro, 2001.
LIMA, V. A. de. Revisitando as sete teses sobre mídia e política no Brasil.
Universidade Metodista de São Paulo. Comunicação & Sociedade, Ano 30, n. 51, 497
p. 13-37, jan./jun. 2009
LUCHIARI, M. T. P. A (re)significação da paisagem no período contemporâneo.In:
ROSENDAHL, Z; CORRÊA, R. L. (orgs.). Paisagem, imaginário e espaço. Rio de
Janeiro: UERJ, 2001. p. 9-29.
MENESES, U. T. B. de. Paisagem como fato cultural. In: YAZIGI, E. (org).
Turismo e Paisagem. São Paulo: Contexto, 2002, p. 29-64.
MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigação em psicologia social.
(Tradução Pedrinho A. Guareschi) 5 ed. Petrópolis –RJ: Vozes, 2007.
PESAVENTO, S. J. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias.
Revista Brasileira de História. [online]. 2007, vol.27, n.53, pp. 11-23.v, junho de
2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script>. Acesso em: 20
ago, 2009.
SECOM - Secretaria de Comunicação de Goiânia. Parque Cascavel foi construído
com recursos de compensação ambiental. Disponível em:<http//www.
goiânia.go.gov.br/sistemas/snger01010.as.noticias> Acesso em 26/08/09
SERPA, Â. O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Contexto,
2007.
TEMER, A. C. R. P.; NERY, V. C. A. Para entender as teorias da comunicação.
Uberlândia: EDUFU, 2009, 205 p.
VIAJAR: turismo e negócios. Goiânia. Ano 11. n.13, s/d..
WEBER, M.H. A cidade Traída (os recortes da mídia e do governo). In: 15º
Encontro Anual da COMPÓS – associação Nacional dos Programas de Pós-
Graduação em Comunicação. UNESP – Bauru, 6 a 9 de junho de 2006.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
DISCUSSÕES SOBRE A URBANIZAÇÃO TURÍSTICA E A NATUREZA DAS
CIDADES TURÍSTICAS A PARTIR DO ESTUDO DE CASO DA CIDADE DE
PORTIMÃO (PORTUGAL)

Nathália Körössy
Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPE) / Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE)
nathaliakorossy@gmail.com

Itamar Cordeiro
Mestre em Geografia (UFPE) / Agência Estadual do Meio Ambiente e Recursos
Hídricos (CPRH)
Itamar_cordeito@yahoo.com.br

RESUMO
Novas atividades produtivas, como as relacionadas ao turismo e ao lazer, têm
influenciado o processo de produção espacial das cidades, fazendo-se assistir um
processo de urbanização diferente daquele vivenciado com a industrialização: a
urbanização turística, cujo conceito surgiu na década de 90 com Patrick Mullins
(1991). Após o pioneirismo de Mullins em abordar essa temática, alguns autores
vêm discutindo, principalmente mediante estudos empíricos, as características
desse fenômeno de produção das cidades turísticas. Como uma contribuição a 498
esta discussão, pretende-se debater as principais características do processo de
urbanização turística e seu produto – a cidade turística, usando como realidade
empírica a cidade de Portimão (localizada no litoral sul de Portugal), considerada
um dos principais destinos turísticos de sol e mar da Região Algarve. Para realizar
o presente estudo, foram empregados os seguintes procedimentos
metodológicos: revisão bibliográfica, revisão documental, análise estatística e
pesquisa de campo. Essa última com o objetivo de apreensão da realidade da
área estudada e realização de entrevistas e conversas informais com alguns
atores locais.
Palavras Chave: Turismo. Urbanização Turística. Cidades Turísticas.

ABSTRACT
New economic activities, like those related with tourism and leisure, have been
influenced the spatial production process of the cities, promoting a process of
urbanization distinguished that those occurred with the industrialization: the
touristic urbanization, whose concept appears in 90´s with the Patrick Mullins‘
theories. After Mullins‘ pioneering, others authors have been discussing, mainly
through empirical studies, the features of these phenomenon. As a contribution for
these discussion, this paper aims to analyze the main features of the touristic
urbanization process and its result – the touristic city, using the city of Portimão
(located in south coast of Portugal), as case of study. To do this, it was performed:
a literature and document review, statistical analysis and fieldwork, this last one
aimed to apprehend the reality of the area analyzed and to interview and to talk
with the locals.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Key words: Tourism. Tourism Urbanization. Tourist Cities.

1 INTRODUÇÃO
Autores como Mullins (1991, 1994, 2003), Gladstone (1998), Carlos (2001),
Lopes Junior (2000 e 1997) e Fonseca & Costa (2004) argumentam que
atualmente novas atividades produtivas, tais como as relacionadas ao lazer e ao
turismo, têm influenciado o processo de produção espacial das cidades. De fato,
com a expansão da atividade turística mundial vivenciada a partir da segunda
metade do Séc. XX, assiste-se à (re)funcionalização e urbanização de muitas
localidades, seja em ambientes naturais, seja em grandes metrópoles, onde
passam a existir novas dinâmicas.

As evidências levam a crer que o turismo tem promovido em diversas


localidades um processo de urbanização diferente daquele vivenciado com a
industrialização. Essa urbanização resultante do desenvolvimento da atividade
turística no território configura-se como uma forma sui generis de urbanização
(MULLINS, 1991, 2003; LOPES JUNIOR, 1997, 2000b; GLADSTONE, 1998;
ANTON CLAVÉ, 1998; LUCHIARI, 1999, 2000; MASCARENHAS, 2004), a qual
499
se contrapõe à urbanização hegemônica dos séculos XIX e XX baseada na
produção, já não se sustentando no trabalho e na produção, ―mas sim no lazer e
no consumo‖ (BRITO HENRIQUES, 2003, p. 164).

À urbanização induzida pelo turismo convencionou-se denominar


―urbanização turística‖, cujo conceito surgiu nos anos 90 com Patrick Mullins
(1991) para designar uma nova forma de urbanização pós-industrial e pós-
moderna. Após o pioneirismo de Mullins em abordar essa temática, alguns
autores vêm discutindo, principalmente mediante estudos empíricos, as
características desse fenômeno de produção das cidades turísticas. Como uma
contribuição a esta discussão, pretende-se debater as principais características
do processo de urbanização turística e seu produto – a cidade turística, usando
como realidade empírica a cidade de Portimão (localizada no litoral sul de
Portugal), considerada um dos principais destinos turísticos de sol e mar da
Região Algarve.

Para realizar o presente estudo, foram empregados os seguintes


procedimentos metodológicos: revisão bibliográfica, revisão documental e análise

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
estatística. Ademais, com a intenção de apreender o cotidiano e a realidade da
área estudada, realizaram-se visitas de campo durante as quais foi possível
realizar entrevistas e conversas informais com alguns atores locais, além de
registros fotográficos.

2 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PORTIMÃO (PORTUGAL)

O município de Portimão (figura 1) encontra-se localizado no sul de


Portugal, especificamente na região do Algarve, distando cerca de 297 Km da
capital do país, Lisboa. Com uma área de pouco mais de 181,55 Km² (INE, 2003),
possui uma população residente, de acordo com os Censos 2001 do Instituto
Nacional de Estatística – INE (2002), de 44.818 pessoas. De acordo com dados
mais recentes do INE (2007a), enquanto que em Portugal a densidade
populacional em 2006 foi de 115,1 hab/ Km² e no Algarve foi de 84,4 hab/ Km², o
município de Portimão atingiu uma densidade de 267 hab/Km².

Figura 1: Mapa da Região Algarve


500

Fonte: INE (2002).

Durante as décadas de 20 e de 30, Portimão notabilizou-se na atividade


turística, através do desenvolvimento do turismo de sol e mar, sobretudo em sua
praia mais famosa, a praia da Rocha (CÂMARA MUNICIPAL DE PORTIMÃO,
1994). E é precisamente a partir dessa época que a cidade de Portimão começou

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
a se urbanizar com maior intensidade, perdendo, pouco a pouco, a sua
rusticidade (NUNES, 1956).

O desenvolvimento da atividade turística em Portimão foi pensado pela


primeira vez no final do século XIX, no momento em que foram ―descobertos‖,
pela elite local, os atributos naturais da praia da Rocha. Pouco a pouco, a praia da
Rocha foi se firmando como uma das principais estâncias balneares portuguesas
e, paralelamente, Portimão foi se desenvolvendo cada vez mais enquanto
destinação turística. Foi, principalmente, a partir da década de 60, que no
contexto do desenvolvimento turístico do litoral do Algarve, Portimão passou a
receber um número crescente de visitantes, a ponto de atualmente consistir no
terceiro município do Algarve a receber mais hóspedes e o segundo em número
de dormidas (INE, 2007b).

Em relação à capacidade de alojamento, no ano de 2006, o Algarve era a


região de Portugal com maior capacidade, tendo concentrado 36,9% do total de
camas em estabelecimentos hoteleiros classificados do país. Nesse mesmo ano,
de acordo com dados do INE (2007a), Portimão, com suas 17.742 camas, 501
representou cerca de 18,19% da capacidade total dos estabelecimentos
hoteleiros classificados do Algarve. No que se refere ao perfil da oferta de
alojamento, assim como em todo o Algarve, observa-se em Portimão que a maior
parcela dos estabelecimentos hoteleiros classificados consiste nos apartamentos
turísticos, hotéis-apartamentos e aldeamentos turísticos que juntos totalizam 26
estabelecimentos. Com uma capacidade de 12.577 camas, esses
estabelecimentos representam 70,8% da capacidade de todo o parque hoteleiro
classificado do município. Já os 15 hotéis existentes em Portimão, com 4.435
camas, representam 24,9% da capacidade total, enquanto que as pensões são
ainda mais inexpressivas, com uma capacidade de 730 camas, o que equivale à
apenas 4%.

Dos 2.783.275 hóspedes registrados pelos estabelecimentos hoteleiros


classificados do Algarve em 2006, Portimão representou 14,31% ao hospedar
398.305 pessoas. Quanto ao número de dormidas, das 14.163.652 registradas no
Algarve em 2006, 2.102.236 foram em Portimão (14,84%) (INE, 2007a). Os
britânicos foram os que representaram o maior número de dormidas no destino

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
turístico (728.580, equivalendo a 34,65% do total), seguidos pelos portugueses
(com 25,45%, ou seja 535.080 dormidas) e pelos alemães (com 209.939
dormidas, 9,98%). Acima das médias regional (5,1 dias) e nacional (3 dias), a
estada média nos estabelecimentos hoteleiros classificados de Portimão, em
2006, foi da ordem de 5,3 dias (INE, 2007a).

Atualmente, pode-se afirmar que há uma forte concentração urbanística na


praia da Rocha, sendo a sua faixa costeira ocupada essencialmente por
equipamentos ligados ao setor de turismo, lazer e serviços, como por exemplo
estabelecimentos hoteleiros, equipamentos de restauração, alojamentos para
segundas residências, equipamentos de lazer, comércio, de apoio ao turista, etc.

3 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO (TURÍSTICA) DE PORTIMÃO: DAS


TRADICIONAIS ATIVIDADES INDUSTRIAIS A UMA NOVA FORMA DE
PRODUÇÃO ESPACIAL DAS CIDADES
Durante as primeiras décadas do século XX, a urbanização da cidade
esteve associada à implantação das unidades fabris e à localização das principais
vias de comunicação, as quais se constituíram como os limites de expansão 502

urbana até meados dos anos oitenta (RAMOS, 1999). Com efeito, conforme
apontam Ventura & Marques (1993), foram as atividades de comércio, pesca e
indústria o principal motor do crescimento e urbanização de Portimão na primeira
metade do séc. XX.

Com base nos depoimentos colhidos durante a pesquisa de campo e na


bibliografia consultada, pode-se dizer que o desenvolvimento da indústria de
conservas de peixes e das atividades portuárias a ela ligadas foi responsável pela
urbanização de Portimão da primeira metade do século XX. Segundo Ramos
(1999), essa atividade econômica proporcionou o desenvolvimento do potencial
de Portimão enquanto um destino turístico na medida em que promoveu
melhorias nas infra-estruturas básicas e de acessos.

Será, sobretudo, a partir da década de 60, com o desenvolvimento de uma


nova atividade econômica também baseada nos recursos marítimos, porém com
finalidades totalmente distintas, que as transformações no território de Portimão
serão cada vez mais profundas. Começa-se a observar uma clara tendência na
urbanização da faixa costeira. A partir da segunda metade do século XX,
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Portimão assiste à consolidação da especialização da função turística e de lazer,
nomeadamente no seu litoral, ao mesmo tempo em que a economia local
começava a desacelerar com o fechamento das fábricas conserveiras.

A partir desse período se dá início a um novo ciclo sócio-econômico,


centrado no turismo, cuja amplitude e dinamismo passam a influenciar
diretamente a organização social e a estrutura econômica de Portimão. Desta vez
consubstanciado na ocupação da faixa costeira do oceano Atlântico, no sentido
Leste-Oeste, esse segundo eixo corresponde à ―explosão‖ da atividade turística
vivenciada em Portimão e, especialmente, na praia da Rocha e outras parcelas do
litoral. A ocupação do território se expande, portanto, para além do núcleo urbano
da cidade, situando-se na orla marítima e criando nesse espaço uma nova
centralidade na faixa litorânea (GAMEIRO, 2004).

Inserida no mercado global das paisagens turísticas, Portimão passou a


receber uma crescente população flutuante, ávida pelos atrativos turísticos locais,
principalmente nos meses de verão. Naturalmente, com a expansão do turismo
em Portimão na década de 60 e principalmente nas décadas de 70 e 80 do Séc.
503
XX, houve uma grande proliferação de postos de trabalho relacionados direta ou
indiretamente com a atividade, como em equipamentos hoteleiros, de
restauração, construção civil, serviços, etc. A cidade passou, então, a ser atrativa
não apenas para as passagens efêmeras dos turistas, como também para a
fixação de populações advindas do interior do município e de outras localidades.

O dinamismo demográfico observado em Portimão corrobora com a


afirmação de Cavaco (1979, p. 01) de que ―nas regiões que registaram nos
últimos decénios, ou mesmo anteriormente, afluxos turísticos volumosos, verifica-
se forte correlação entre o desenvolvimento do turismo e a demografia‖. É nesse
sentido que a autora observou que os municípios mais dinâmicos, em termos
demográficos, foram justamente os de áreas costeiras valorizadas pelo turismo.
Tornando-se atrativas não só para turistas, como para residentes em busca de
oportunidades de empregos e melhorias das rendas, foram áreas de valorização
turística como as do Algarve que apresentaram maiores taxas de
rejuvenescimento populacional nas últimas décadas. Portimão é um exemplo.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
A atividade turística cada vez mais dominante na economia local passa,
gradualmente, a ocupar o lugar das atividades tradicionais e a imprimir marcas
mais visíveis no território de Portimão. A cidade se desenvolve com base na nova
atividade econômica dominante e, com isso, o território se molda, seja para dar
suporte à inserção dos novos objetos dessa atividade, seja para abrigar uma
população crescente, atraída pelos postos de trabalho. As novas necessidades
geradas pela atividade turística, e em particular pelos turistas, criam uma nova
racionalidade no uso e na ocupação do território.

Novos sistemas de objetos foram, pouco a pouco, sendo inseridos no


território turístico, desde os primórdios da constituição da praia da Rocha turística,
ainda em finais do século XIX. Mas foi precisamente a partir da década de 60 e
principalmente em 1970 que as modificações da paisagem são mais visíveis, no
momento em que antigas construções da praia da Rocha foram dando lugar a
modernos edifícios. Intentando-se suprir as necessidades de lazer de uma típica
demanda turística de sol e mar e, com isso, acompanhar as tendências de
mercado, os promotores turísticos locais (empresários e poder público)
empenharam-se em dotar o território de todas as amenidades essenciais, tais 504

como: equipamentos hoteleiros de diversas tipologias e categorias, bares,


restaurantes, casas noturnas, infra-estrutura de acessos, abastecimento de água,
entre outros.

Contudo, deve-se considerar também que ―quando há mudança


morfológica, junto aos novos objetos, criados para atender a novas funções,
velhos objetos permanecem e mudam de função‖ (SANTOS, 2004, p. 96). Assim,
novas formas não passaram apenas a existir no território, mas, também,
passaram a coexistir com as antigas formas no território. As antigas residênc ias
se refuncionalizaram para comportar empreendimentos turísticos, pequenas
casas deram lugar a restaurantes, ou ainda, tais imóveis foram destruídos para
construção de novas estruturas, como apartamentos turísticos e hotéis
(LOURENÇO, 1990). É criado um ambiente de lazer para abrigar e entreter os
turistas.

Tais alterações evidentemente não passariam incólumes. Mudanças


morfológicas e funcionais implicam, necessariamente, em alterações estruturais.
Com as diversas construções a se intensificarem, constatou-se uma maior
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
especulação imobiliária devido à acentuada procura de terrenos e imóveis
(VENTURA & MARQUES, 1993). Em resumo, amplas áreas foram urbanizadas e
ocupadas pelos novos residentes e visitantes estivais.

Essa urbanização decorrente do turismo em Portimão, ou seja, a


urbanização turística, principalmente na área de influência do litoral, de acordo
com Lourenço (1990), compreendeu, sobretudo, a construção de infra-estrutura
hoteleira para comportar os fluxos turísticos crescentes e a construção de
alojamentos para as populações residentes. De uma forma geral, essa
urbanização assentou-se em dois tipos de construções: as construções turísticas
(equipamentos de hospedagem turística e restaurantes) e as sociais (casas e
apartamentos para os habitantes locais). É importante ressaltar que embora a
evolução destes dois tipos de construções, em termos cronológicos, tenha
ocorrido simultaneamente, a sua espacialização é diferente, visto que as
destinadas à população local se concentravam no núcleo urbano de Portimão e
as construções turísticas estavam, em sua maioria, concentradas na praia da
Rocha. Destarte, observa-se que a urbanização de Portimão ocorreu em dois
pólos: o centro da cidade de Portimão e a praia da Rocha. 505

Ambas as localidades se desenvolveram de maneira diferente porque as


intenções subjacentes eram diferentes. Convém lembrar Santos (2004), quando
este define o território como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e
sistemas de ações. Nada mais evidente: a cidade de Portimão foi dotada de
sistemas de objetos específicos para atender às necessidades dos citadinos, pelo
mesmo sistema de ações e intenções que entendiam que a praia da Rocha
deveria abrigar outro tipo de sistema de objetos: estruturas específicas para
atender a desejos lúdicos dos turistas.

Com efeito, é notório que a explosão turística vivenciada em Portimão e em


todo o Algarve ―teve conseqüências irreversíveis no plano económico, social e
espacial‖ da região (VENTURA & MARQUES, 1993, p. 118). Nesse sentido, vale
lembrar Barros (1998, p. 37) quando afirma que as mudanças no uso do solo
provocadas pelo turismo, ao consumir os territórios, ―quebra antigas coexistências
e equilíbrios de elementos da paisagem e gera uma série de novas interações
estresses entre os assentamentos humanos e o sistema biofísico‖. Como
resultado dessas dinâmicas e interações, está-se diante da paisagem geográfica
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
fruto da expansão turística (BARROS, 1998) ou, dito de outra forma, do território
turístico.

Dessas interações entre os assentamentos humanos e o sistema biofísico


provocadas pela função turística, poderão resultar conseqüências negativas nos
territórios turísticos: seja do ponto de vista estético, seja em relação aos possíveis
conflitos entre os diversos atores, seja em relação aos impactos nos
ecossistemas. Em Portimão e especialmente na praia da Rocha, os impactos
negativos no território se fizeram sentir, sobretudo entre as décadas de 60 e 90.
Face à ausência de um instrumento regulador ou de um plano de orientação
quanto ao planejamento urbano-turístico, como um plano diretor para definir
normas de uso e ocupação do solo, o desenvolvimento turístico de Portimão
esteve entregue aos interesses particulares.

Em nome do desenvolvimento da atividade turística, buscando-se atrair


cada vez mais turistas, ocuparam-se os terrenos e construíram-se edificações nos
lugares mais atraentes ao capital turístico. Ademais, observou-se um
empobrecimento estético da arquitetura dos novos edifícios, em nome da
506
rentabilidade econômica dos materiais utilizados e da funcionalidade das novas
formas. Novas características arquitetônicas foram adotadas e, ao mesmo tempo
em que a cidade se modernizava, despersonalizava-se (RAMOS, 1999),
assumindo formas comuns a diversos destinos turísticos de sol e mar.

Entretanto, com a chegada da década de 90, assistiu-se a uma mudança


nos padrões urbanísticos de Portimão. Diante dos efeitos negativos da
massificação do turismo em Portimão e dos visíveis impactos no território
acumulados ao longo das décadas, teve início uma nova fase de
desenvolvimento, enquadrada nos instrumentos legais de planejamento e
ordenamento do território. Essa fase é, pois, inaugurada pelo Plano Regional de
Ordenamento do Território do Algarve em 1992 e pelo Plano Director Municipal
em 1995. É a partir desse período que se começa a busca pelo disciplinamento
da ocupação territorial do turismo e de outras atividades econômicas, muito
embora a descaracterização do tecido urbano já constituísse uma das principais
ameaças ao turismo. Ademais, esforços começaram a ser empreendidos no
intuito de driblar a sazonalidade típica de uma estância de sol e mar, através da
diversificação da oferta turística local. Como complemento ao turismo balnear,
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
tem-se observado atualmente o incentivo à prática do turismo de eventos, golfe,
esportes náuticos e turismo cultural.

Em resumo, atrelada ao desenvolvimento do turismo e do setor de


serviços, o município continua a se expandir e modificar-se internamente,
correspondendo em muitos trechos a um verdadeiro canteiro de obras. De fato, tal
como afirma Andriotis (2006), na maioria das estâncias turísticas costeiras, com
exceção daquelas planejadas exclusivamente para o uso turístico e desenvolvidas
por um único empreendedor, a urbanização ocorre de forma progressiva e
contínua.

4 PORTIMÃO, UMA CIDADE TURÍSTICA? CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-


PRÁTICAS SOBRE A URBANIZAÇÃO TURÍSTICA
Com o advento do turismo em Portimão, um novo sistema de objetos
passou a ocupar o território, criando novas formas e coexistindo com antigas. A
demografia ganhou um novo dinamismo, verificado anteriormente nos tempos de
glória da indústria de conservas. Novos contingentes populacionais passaram a
507
habitar Portimão, em estadas curtas, preferencialmente durante os meses de
verão. A praia da Rocha, em tempos atrás um ―território do vazio‖ (CORBIN,
1989), ganhou ares de praia urbana, dotada de infra-estruturas capazes de
acolher e entreter massas de turistas. Como resultado do desenvolvimento da
função turística e de serviços, a cidade, pouco a pouco, foi se modificando. É com
essa perspectiva que se pretende verificar, com base nas referências existentes e
comparando-as ao caso investigado, se é possível assinalar Portimão como uma
―cidade turística‖ nos termos propostos por Mullins (1991).

Para atender a tal propósito é necessário, primeiramente, fazer uma


distinção entre urbanização turística e cidade turística. Todos os autores
investigados no âmbito deste estudo ora interpretam cidade turística e
urbanização turística como termos diferentes, ora interpretam-nos como
sinônimos. Ora urbanização é entendida como processo 16, ora é entendida como
forma espacial 17. Tal fato pode ser uma conseqüência da dificuldade em dissociar

16
Vide, por exemplo, Mullins (2003, p. 126): ―Tourism urbanization is the process by which cities
and towns are built or redeveloped explicity for tourists‖.
17
O mesmo autor Mullins (1991, p. 332) em referência anterior afirma: ― Tourism urbanization as a
new spatial form‖.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
o processo do produto, até mesmo porque, na prática, essa dissociação torna-se
inviável, visto que estão intrinsecamente interligados. Em verdade, a dissociação
torna-se possível apenas teoricamente.

A urbanização, antes de tudo, é o processo de disseminação do urbano no


espaço (LIMONAD, 1999), é o fazer urbano (ANGULO & DOMINGUEZ, 1991). E
tal como Fonseca & Costa (2004), entende-se que a cidade é o lócus da
materialização do processo de urbanização. Neste sentido, urbanização deve ser
considerada enquanto um processo que gera um produto: o espaço urbano, o
centro urbano ou a cidade 18. Note-se que considerar a cidade como produto não
significa, necessariamente, que o produto seja estático. Com efeito, a cidade está
constantemente se transformando, se modificando, assimilando novas formas e
alterando antigas formas e funções.

A mesma lógica se aplica à discussão de urbanização turística e cidade


turística. A urbanização turística é aquela induzida pelo desenvolvimento da
atividade turística e, como refere Lopes Junior (2000), traduz-se na emergência
de uma reorganização espacial da cidade, orientada para a produção de lugares
508
de consumo e o consumo de lugares, voltados para o prazer. A urbanização
turística enquanto processo distinto da urbanização industrial, conforme observa
Anton Clavé (1998), tende a responder a uma prática urbana singular,
funcionalmente e estruturalmente diferenciada da cidade convencional. São estas
características que fazem com que as cidades turísticas assumam características
distintas das demais cidades. Mas, a essência do que é urbanização e cidade se
mantém, ou seja, urbanização enquanto processo e cidade enquanto produto.

É preciso que esta distinção fique bastante clara, uma vez que é
fundamental para se entender que o que será discutido de agora em diante não é
propriamente o processo de urbanização turística (o qual, em certa medida, foi
descrito no item anterior), mas sim, as características de seu produto, ou seja, as
características de uma cidade turística.

18
Muito embora se acredite que a produção do espaço urbano consiste em um processo mais
complexo, um produto das relações sociais.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Investigadores como Mullins 19 (1991, 1994, 2003), Gladstone 20 (1998),
Luchiari21 (2000) e Mascarenhas 22 (2004) identificaram algumas particularidades
no uso do solo, na espacialização da morfologia urbana e nos aspectos sócio-
econômicos das cidades turísticas em relação a cidades não-turísticas. As
diversas cidades turísticas investigadas ora apresentaram características
decorrentes da urbanização turística similares entre si – características essas
mais marcantes que distinguem do processo de produção das cidades industriais
(LUCHIARI, 2000); ora apresentaram aspectos distintos, até mesmo porque,
como lembra Luchiari (2000), os lugares são únicos.

É interessante tomar como ponto de partida a idéia de que na economia de


uma cidade turística, o consumo prevalece sobre as atividades produtivas
(MULLINS, 1991; LUCHIARI, 2000 23; MASCARENHAS, 2004). Isso ocorre porque
os turistas elegem as cidades turísticas como locais para a realização de seus
desejos, ―convertendo-as em aglomerações sazonais de serviços e artigos de
prazer, voltados para uma clientela externa‖ (MASCARENHAS, 2004, p. 04). Além
disso, a mão-de-obra costuma concentrar-se no setor de serviços (principalmente
os relacionados ao turismo) e na construção civil (impulsionada pelo turismo e 509

pelo crescimento demográfico) (MASCARENHAS, 2004).

De fato, observou-se em Portimão, à semelhança de outras cidades


turísticas, que sua economia é movida atualmente pelo setor de serviços, na
medida em que emprega 80,5% do total de trabalhadores por conta de outrem 24
(INE, 2007a). A realidade de Portimão corrobora com o entendimento de
Salgueiro25 (1992) de que as aglomerações urbanas são essencialmente centros

19
A partir do desenho de um framework próprio, Mullins (1991, 1994, 2003) estudou as
características das cidades turísticas autralianas Gold Coast e Sunshine Coast.
20
Gladstone (1998) estudou as características das cidades turísticas norte-americanas Atlantic
City, Las Vegas, Orlando e Reno comparando-as à teoria de Mullins (1991).
21
Através de estudos teóricos.
22
Mascarenhas (2004) investigou cidades turísticas brasileiras do interior do Rio de Janeiro, como
Visconde de Mauá, Búzios e Paraty, comparando suas características principais com as de
cidades não-turísticas dessa região, como Atafona e Porto Real.
23
Segundo Luchiari (2000), as cidades turísticas são organizadas não para a produção, mas sim
para o consumo de bens, serviços e paisagens, o que não necessariamente signifique que não
haja produção.
24
De acordo com o INE (2007a), dos 12.877 trabalhadores por conta de outrem em Portimão
(6.669 homens e 6.208 mulheres), em 2006, 168 (142 homens e 26 mulheres) estão empregados
no setor primário, 2.344 (1.931 homens e 413 mulheres) no setor secundário e 10.365 no terciário
(4.596 homens e 5.769 mulheres).
25
Ademais, ―o conjunto de actividades englobado no sector terciário tem conhecido em todos os
períodos da História especial desenvolvimento nos centros urbanos‖ (SALGUEIRO, 1992, p. 124).
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
terciários26, no seu caso, um centro especializado nas funções turísticas e de
lazer. Outra característica marcante das cidades turísticas consiste no seu arranjo
espacial, afinal, são cidades espacialmente diferentes, decorrentes de relações
sociais distintas. Nas cidades onde o principal fator de atração é o mar, por
exemplo, as estruturas urbano-turísticas tendem a se concentrar na costa.
Ademais, é a faixa turística a mais valiosa das cidades turísticas, onde o metro
quadrado alcança os maiores valores.

Tal como Mullins (1991) observou em Gold Coast e Sunshine Coast,


constatou-se que é na faixa costeira de Portimão, principalmente na praia da
Rocha, onde estão concentradas as acomodações e serviços turísticos
(restauração, lojas, locadoras de veículos, etc.). Sendo o mar o atrativo turístico
âncora de Portimão, nada mais natural afirmar que é nas proximidades desse
território que se observa o maior grau de turistificação.

Ao contrário de Sunshine Coast e Gold Coast (MULLINS, 1991) 27, pode-se


afirmar que Portimão possui um distrito central de negócios, propriamente
localizado no centro histórico de Portimão, onde estão concentrados
510
estabelecimentos comerciais, empresas, a sede da Câmara Municipal,
restauração e outros equipamentos de apoio à população residente, além do
centro urbano de Alvor. A cerca de 2 Km de distância da cidade de Portimão,
situa-se a praia da Rocha com todas as amenidades destinadas à população
flutuante, as quais estendem-se pela faixa costeira. O centro da cidade, que se
expandiu sobretudo com a indústria conserveira, tem sua estrutura territorial mais
voltada para o atendimento das necessidades dos residentes permanentes; já a
estrutura da praia da Rocha é voltada nomeadamente para o consumo dos
turistas, com suas lojas, hotéis, casas noturnas, entre outros.

Ainda conforme Mullins (1991), o ambiente natural é utilizado como


principal motivo para atração de visitantes nas cidades turísticas. Já Gladstone
(1998) rebate este argumento ao referir que cidades turístic as como Las Vegas e
Orlando seduzem seus visitantes usando como atrativo não a praia, mas os jogos,

26
Como funções características de certas cidades especializadas nos serviços, Salgueiro (1992)
menciona: cultural, religiosa e turística.
27
―Neither the Gold Coast nor the Sunshine Coast have traditional central business districts.
Instead they have a number of smaller commercial and tourist centres scattered along the coasts
and these cater to residents, tourists and nearby rural producers‖ (MULLINS, 1991, p. 332).
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
os cassinos, os espetáculos, os parques temáticos e outras atrações urbanas. Em
Portimão, pode-se dizer que se observa um misto destas duas estratégias de
promoção, onde o apelo do marketing turístico se apóia na associação do
ambiente natural ao patrimônio histórico-cultural e ao cosmopolitismo local.

Ainda há outra característica a se assinalar: independente da imagem


formada, os cartões-postais são uma via para a promoção das cidades turísticas
(LUCHIARI, 2000). De fato, há uma valorização estética da paisagem da cidade
turística – seja a paisagem natural e/ou a construída e isto é uma fonte
sistematicamente explorada por cidades turísticas, a exemplo de Portimão.
Portimão certamente produz imagens-símbolos da pós-modernidade (termo esse
utilizado por MULLINS, 1991), na medida em que vem criando ambientes de
diversão e promovendo eventos. A arquitetura dos novos edifícios, a marina, o
cassino, o futuro autódromo, as lojas, os campos de golfe, combinados com as
praias, as rochas, o sol e o clima ameno ao longo do ano (sun, sand and sea) são
símbolos do lazer. É essa imagem que faz com que as cidades turísticas sejam
simbolicamente distintas (MULLINS, 1991; GLADSTONE, 1998). Nessas cidades,
tal como foi observado em Portimão, há ainda, na opinião de Luchiari (2000), a 511

produção de novos lugares de consumo reconhecidos mundialmente como


ambientes ―domesticados pelo cotidiano da modernidade‖, tais como: centros
comerciais (shopping centers), galerias, redes de fast food, etc.

As cidades turísticas também são caracterizadas pelo rápido crescimento


populacional e da força de trabalho, cujas taxas tendem a ultrapassar as médias
regionais e/ou nacionais (MULLINS, 1991 28; GLADSTONE, 1998;
MASCARENHAS, 2004 29). Aliás, de todas as características que se aplicam a
uma cidade turística, talvez seja esse dinamismo demográfico a característica
mais marcante, visto que foi observado por todos esses autores e também em
Portimão. Ao contrário de municípios portugueses do interior, que sofrem com as
perdas populacionais, Portimão tem proporcionado (principalmente por meio do
desenvolvimento turístico) a fixação de contingentes populacionais. Teve sua
primeira expansão demográfica na primeira metade do século XX com o

28
Mullins (1991) constatou, por exemplo, que Gold Coast e Sunshine Coast possuem as maiores
taxas de crescimento populacional e da força de trabalho da Austrália.
29
Mascarenhas (2004) verificou que as cidades turísticas do interior do Estado do Rio de Janeiro,
no Brasil, foram as que tiveram os maiores índices de crescimento demográfico do Estado.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
desenvolvimento da indústria conserveira e, com o esfriamento dessa atividade
econômica, o município assistiu na segunda metade do século XX à emergência
de uma nova economia baseada no turismo e nos serviços e, como
conseqüência, de um novo dinamismo demográfico. O período de maior
crescimento populacional vivenciado por Portimão foi entre 1970 e 1981, com
uma variação positiva de 39%; coincidindo com o auge do turismo local. De
acordo com o INE (2007a), a taxa de crescimento efetivo da população de
Portimão foi de 1,42% em 2006. Embora as taxas de crescimento não se
mantenham tão altas quanto em tempos atrás, ainda verifica-se que o turismo
promove as condições de fixação da população.

Muito embora as cidades turísticas, em virtude de seu dinamismo


econômico resultante do turismo, consigam manter a sua demografia dinâmica,
Mullins (1991) e Mascarenhas (2004) observam que a baixa remuneração dos
empregos, o subemprego e o desemprego são comuns nessas cidades. Ao
contrário desses autores, Gladstone (1998) verificou que as cidades turísticas
norte-americanas registraram os menores níveis de desemprego que a média
nacional. Já em Portimão verificou-se que a taxa de desemprego do município 512

está acima da média da região do Algarve, conforme pode ser observado no


quadro 1:

Quadro 1: Taxas de Desemprego (%) no concelho de Portimão e Região Algarve

1991 2001
Localidade
Homem e Mulher Homem Mulher Homem e Mulher Homem Mulher

Algarve 5,1 3,5 7,7 6,2 4,8 8,1

Portimão 5,3 4,1 7,0 7,4 6,2 8,9

Fonte: INE (2002).

Para Anton Clavé (1998), a cidade turística é caracterizada pela sua


flexibilidade e sua contínua busca por sistemas de mudanças, para se manter
competitiva no mercado turístico. A cidade está freqüentemente a renovar suas
estruturas, sua imagem. Em Portimão não é diferente. De modo a se manter no
ranking dos destinos turísticos mais visitados do Algarve e do país, a
administração local vem investindo fortemente na dinamização da oferta turística,
buscando oferecer aos turistas não apenas uma componente de sol e mar, mas
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
também uma componente cultural, desportiva e cosmopolita. A cidade de
Portimão vem buscando alterar a imagem de destino massificado dos anos 60 a
80 para um destino de alta qualidade. Com isso, novas estruturas, novos sistemas
de objetos vão sendo inseridos em seu território.

Em resumo, devido às particularidades do turismo, a materialização da


urbanização turística tende a ocorrer de forma distinta da urbanização resultante
do desenvolvimento das manufaturas. Nada mais óbvio. Se a produção do espaço
urbano-turístico ocorre com a finalidade de acolher uma população exterior ao
lugar, ávida pelo consumo de paisagens, bens e serviços voltados para o lazer, é
razoável supor que ocorra de forma distinta. É nesse sentido que se pode afirmar
que as cidades turísticas são distintas das não-turísticas.

A partir da comparação entre algumas características das cidades turísticas


(decorrentes da urbanização turística) presentes na literatura e aquelas
observadas em Portimão, foi possível chegar ao entendimento de que a dinâmica
da cidade de Portimão em muito se assemelha às dinâmicas das cidades
turísticas. De fato, é visível a relevância do turismo na produção espacial de
513
Portimão, sobretudo de sua área costeira, o que leva à afirmativa de que,
assumindo como verdadeiras as características propostas por Mullins (1991),
pode-se classificar Portimão como uma cidade turística. No entanto, considerando
que a cidade turística para Mullins (1991), consiste em uma cidade unicamente
construída para o consumo de diversão, prazer, recreação e relaxamento e face
ao que foi encontrado neste estudo, torna-se necessário fazer algumas
considerações sobre o conceito de cidade turística.

Por exemplo, Londres e Paris, cidades conhecidas mundialmente pela


confluência de milhares de turistas, não poderiam ser consideradas como cidades
turísticas; não, ao menos, segundo a ótica de Mullins (1991). Contudo, a atividade
turística nestas cidades é tão intensa, marcante e evidente que seria impossível
não classificá-las como tal (embora não se possa dizer que a economia nestas
cidades gire majoritariamente em torno do turismo e que o turismo exerça um
papel decisivo no ordenamento do território). Logo, parece não haver razão para
não se considerar aquelas cidades onde a atividade turística é apenas uma entre
outras atividades, como cidades turísticas.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Tal observação só torna possível uma conclusão: a definição do que é ou
não uma cidade turística ainda tem bastante o que progredir. Em certa medida, o
que ocorre com a cidade turística é algo semelhante ao que descreve Salgueiro
(1992, p. 123):

(…) algumas cidades desempenham funções especializadas porque uma


determinada actividade ganha maior expressão sobre as demais, facto
que a terminologia vulgar consagra ao falar de cidades industriais,
universitárias, termais, etc., e cuja classificação se tem revelado uma
tarefa difícil.

Aliás, com a popularização dos transportes e a abrangência dos meios de


comunicação de massa, praticamente qualquer cidade é potencialmente passível
de ser uma cidade turística 30, pelo que, pode-se dizer, o termo ―cidade turística‖
está, atualmente, descontextualizado. Cidade turística não pode ser entendida
unicamente como aquela caracterizada por Mullins (1991), simplesmente porque
as condições atuais não permitem tal simplificação.

Sendo assim, e a título de contribuição, sugere-se uma classificação


menos rígida e dicotomizada que simplesmente cidade ―turística‖ e ―não-turística‖.
Entende-se que há espaço para classificações intermediárias como, por exemplo, 514

cidades ―eminentemente turísticas‖, onde o turismo assume o papel de destaque


enquanto principal motor econômico, e cidades onde o turismo é apenas um
coadjuvante, mas que nem por isso não mereça ser adjetivada de cidade turística.
Neste sentido, seria nas cidades eminentemente turísticas onde a urbanização
turística se mostraria em sua forma mais explícita e cujas características mais se
assemelhariam/aproximariam daquelas delineadas por Mullins (1991), Gladstone
(1998) e Mascarenhas (2004). Enfim, o que se propõe é que o termo cidade
turística ceda lugar a terminologias menos rígidas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Convivendo timidamente com a indústria conserveira de Portimão, o turismo viu-


se valorizado a partir da década de 60, com a massificação dos destinos turísticos
30
Até mesmo porque, como aponta Nicolas (2006, p. 425), ― El espacio turístico es cada vez
menos un espacio exclusivamente marcado por el turismo. Así como las actividades de la
producción se hacen presentes en los espacios turísticos (el comercio ambulante en las playas,
por ejemplo, o los mismos servicios formales ofrecidos al turista hasta en el mar), las actividades
del ocio y el turismo trastocan cada vez más los espacios supuestamente relacionados
exclusivamente con el mundo de la producción. Esto es la turistificación‖.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
do Algarve. É a partir desse momento que o turismo assume, particularmente na
praia da Rocha, um papel de destaque e é principalmente a partir daí que toda a
urbanização nesta área vai se dar, direta ou indiretamente, em função da
atividade. Ou seja, é a partir daí que se pode efetivamente falar na praia da
Rocha enquanto um território turístico.

A propósito da urbanização induzida pelo turismo, o que se pode dizer é que, a


partir das observações diretas na área de estudo e do cruzamento com as
informações coletadas na revisão de literatura, é possível atestar que o turismo,
enquanto atividade econômica e prática social, induziu e ainda induz em Portimão
uma forma sui generis de urbanização.

Da referida comparação entre a realidade observada em Portimão e o conceito de


cidade turística apresentado por Mullins (1991), verificou-se que o mais
interessante não foi constatar que Portimão apresentava as mesmas
características definidas por este autor para o que seja uma cidade tur ística. Mas,
pelo contrário, foi constatar que uma cidade turística não é necessariamente
aquela que vive exclusivamente do turismo como defende Mullins (1991). Não
515
necessariamente uma cidade turística viverá unicamente do turismo, do mesmo
modo que nem toda a cidade turística apresentará sempre as mesmas
características definidas por esse autor. A partir de tal constatação, conclui -se que
a atual interpretação/definição para o que seja uma cidade turística merece ser
melhor aprofundada e discutida; e, para o caso português, defende-se a
realização de estudos comparativos entre as diversas cidades onde o turismo se
faz presente.

6 REFERÊNCIAS
ANGULO, J.; DOMÍNGUEZ, M. (1991). Los Procesos de Urbanización. Editorial
Sintesis, Madri.
ANDRIOTIS, K. (2006). Hosts, Guests and Politics: Coastal Resorts Morphological
Change. Annals of Tourism Research, 33 (4): 1079–1098.
ANTON CLAVÉ, S. (1998). La urbanización turística. De la conquista del viaje a la
reestructuración de la ciudad turística. Doc. Anàl. Geogr, 32: 17-43.
BARROS, N. (1998). Manual de Geografia do Turismo: meio ambiente, cultura e
paisagens. Editora Universitária de UFPE, Recife.
CÂMARA MUNICIPAL DE PORTIMÃO (1994). Plano Director Municipal de
Portimão: Inventariação, Análise e Diagnóstico do Concelho. Volume I e II.
Câmara Municipal de Portimão, Portimão.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
CARLOS, A. F. (2001). Espaço-tempo na metrópole. Contexto, São Paulo.
CAVACO, C. (1979). Turismo e Demografia no Algarve. CEG, Lisboa.
CORBIN, A. (1989). O Território do Vazio – A Praia e o Imaginário Ocidental. Cia
das Letras, São Paulo.
FONSECA, M. A.; COSTA, A. A. (2004). A Racionalidade da Urbanização
Turística em Áreas Deprimidas: o espaço produzido para o visitante. Mercator –
Revista de Geografia da UFC, Ano 3, 6: 25-32.
GAMEIRO, J. (2004). Das fábricas aos hotéis – Metamorfoses sociais e
transformação da paisagem em Portimão. Revista Municipal Portimão.
Julho/Agosto: 14-15.
GLADSTONE, D. (1998) Tourism Urbanization in the United States. Urban Affairs
Review. 34 (1): 3-27.
INE. (2002). Anuário Estatístico da Região Algarve 2001. INE, Faro.
INE. (2003). Evolução do parque habitacional da região do Algarve na década de
90. INE, Faro.
INE. (2007a). Anuário Estatístico da Região Algarve 2006. Lisboa, INE.
INE. (2007b). Estatísticas do Turismo 2006. Lisboa, 2007.
LIMONAD, E. (1999). Reflexões sobre o Espaço, o Urbano e a Urbanização.
Geographia. Ano 1, 1: 71-91.
LOURENÇO, B. (1990). L‘arrivee du cheval de troie au coeur du monde rural.
Analyse de l‘évolution d‘une Commune de l‘Algarve (Région touristique de
l‘extrême-Sud du Portugal: La Commune de Portimao de 1940 a 1990. D‘un
Centre de 21 conserveries de poisson à une station touristique de luxe.
Dissertação de Mestrado, Université Paris VII, Paris.
LOPES JUNIOR, E. (1997). A construção social da cidade do prazer: Urbanização 516
turística, cultura e meio ambiente em Natal (RN). Tese de doutorado,
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
LOPES JUNIOR, E. (2000). População e meio ambiente nas paisagens da
urbanização turística do Nordeste: o caso de Natal. In: TORRES, H.; COSTA, H.
(orgs.). População em Meio Ambiente: Debates e Desafios. SENAC, São
Paulo:213-231.
LUCHIARI, M. T. (2000). Urbanização Turística um novo nexo entre o lugar e o
mundo. In: SERRANO, C.; BRUNHS, H.; LUCHIARI, M. T. (orgs). Olhares
Contemporâneos sobre o turismo. Papirus, São Paulo: 105-130.
MASCARENHAS, G. (2004). Cenários contemporâneos da urbanização turística.
Caderno Virtual de Turismo. 14. [Acedido em 12 de fevereiro de 2008].
http://www.ivtrj.net/. Acesso em jan/2007.
MULLINS, P. (1991). Tourism urbanization. International Journal of Urban
Regional Research. 15(3): 326-342.
MULLINS, P. (1994). Class relations and tourism urbanization: The regeneration
of the petite bourgeoisie and the emergence of a new urban form. Internati onal
Journal of Urban Regional Research. 18(4): 590-608.
MULLINS, P. (2003). The evolution of Australian tourism urbanization. In:
HOFFMAN, L. et al. Cities and Visitors: Regulating people, markets and city
space. Blackwell publishing, London: 126-144.
NICOLAS, D. (2006). Geografia del Turismo. In: NICOLAS D.; LINDÓN, A. (orgs.)
Tratado de Geografía Humana. Anthropos Editorial, Barcelona: 401-432.
NUNES, J. (1956). Portimão. Coleção Estudos Algarvios, Lisboa.
RAMOS, A. (1999). Praia da Rocha: Memórias, representações e dinâmicas.
Trabalho de Investigação de Licenciatura, UNL, Lisboa.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
SALGUEIRO, T. B. (1992). A cidade em Portugal – Uma geografia urbana.
Edições Afrontamento, Porto.
SANTOS, M. (2004). A Natureza do espaço: Técnica e tempo, razão e emoção. 4ª
ed, EDUSP, São Paulo.
VENTURA, M.; MARQUES, M. (1993). Portimão. Editorial Presença, Lisboa.

517

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
É PARA TURISTA OU PARA MORADOR LOCAL? OBSERVAÇÃO DOS
LOCAIS DE IMPLANTAÇÃO E DO USO DAS ACADEMIAS DA TERCEIRA
IDADE NO MUNICÍPIO DE MATINHOS-PR.

Elizabete Sayuri Kushano


UFPR Litoral
xsayurix@gmail.com

Ricardo Rodrigues Monteiro


UFPR Litoral
ricardoarqui@yahoo.com.br

Celso Maciel de Meira


CEEP Brasílio Machado
celsotour@gmail.com

RESUMO
Pesquisa exploratória, que estudou o caso das Academias da Terceira Idade
(ATI) no município de Matinhos, litoral sul do Estado do Paraná. Abarcou a
importância do lazer na sociedade contemporânea. Considerou os espaços e
equipamentos públicos de lazer, especificando as ATI. Dialogou, por meio dos
olhares dos usuários de tais academias, como também, dos gestores públicos do 518
referido município se elas são de interesse do turista ou do morador local, por
verificar, inicialmente, que as mesmas foram instaladas em locais de grande fluxo
turístico e no período de alta temporada (janeiro). Os instrumentos de coleta de
dados foram as entrevistas semi-estruturadas e a observação in loco. Ademais,
utilizou a ferramenta do geoprocessamento para a representação espacial e
análise dos setores censitários do IBGE − dados da contagem populacional de
2007 − com o intuito de verificar se as ATI estão instaladas em locais onde há
maior número populacional, especialmente de idosos, residentes no município. Os
resultados apontaram para a análise de que as quatro academias instaladas
estão sendo freqüentadas principalmente por turistas, sendo a grande maioria
desses, crianças e adolescentes. A análise acrescenta que a localização dos
equipamentos de lazer foi concebida com critérios que não atende
adequadamente a população residente. Nesse sentido, propõe-se que demais
academias sejam implantadas por meio de estudo técnico espacial, que
determine onde há um maior contingente de idosos no município. Respondendo a
questão do título, as ATI são espaços democráticos, que pode atender a ambos:
moradores locais e turistas. Muitos têm academias ao ar livre em suas
localidades, sendo importante desfrutar de tal recurso em suas férias. Todavia,
não se pode anular o objetivo primeiro desses equipamentos públicos:
proporcionar qualidade de vida ao morador local, em especial ao idoso. Por fim,
ressalta-se a necessidade de cuidados com as crianças freqüentadoras e propõe-
se a instalação de academias para a primeira idade (API), assim como academias
para as pessoas com necessidades especiais (APE).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Palavras Chave: lazer, espaços públicos de lazer, academias da terceira idade,
turistas, moradores locais

ABSTRACT
Exploratory research which studied the ATI (acronym used for gyms of groups of
elderly people), in the city of Matinhos, on the coast of Parana State, Brazi l. The
research was conducted to emphasize the importance of leisure in the
contemporary society. The space, environment and the public leisure equipments
were observed- specifying the ATI. The study also verified (through the dialogue
with the users of the gym and with the public managers) if the equipments were
installed to meet the interest of local users (the elderly) or tourists. The
equipments were installed in a very busy area (where tourists usually go). Semi
structured interviews and observations in loco were great part of the research.
Also, data from IBGE (The Brazilian Institute of Geography and Statistics) helped
to analyze if the ATI were located where there are more elderly people or not; The
results showed the four ATI are attended mainly by tourists- specially
children and adolescents. The gyms also do not meet all the elderly needs.
Considering the aspects mentioned, it was proposed the creation of more gyms
according to a study which determines where there are more elderly people. ATI
are democratic spaces- they can be attended by tourists as well). Many tourists
who go to the city of Matinhos have an ATI in their hometown. Therefore, tourists
would enjoy an ATI on their vacation. Nevertheless, the first objective of an ATI
cannot be forgotten: to give the local residents a great quality of life. There must
be a special care about the children who go to those gyms. The creation of a gym
for children and for people with special needs are proposed in this research as 519
well

Key words: leisure; public leisure spaces; ATI‘s; tourists; local residents

1 INTRODUÇÃO
Mesmo ainda sendo algo limitado para grande parte da população, seja
pela falta de tempo, de dinheiro ou de educação voltada para o lazer, ele se faz
cada vez mais necessário em épocas onde se presenciam estresse e depressão,
até mesmo em crianças. Nesse sentido, Negrine, Bradacz e Carvalho (2001)
comentam que, no momento em que se vive, é fundamental reaprender a utilizar
as horas livres, ou ainda alterar a rotina semanal, reservando momentos para a
realização de alguma atividade lúdica, ou seja, alguma atividade que dê prazer,
disposição e alegria.
Camargo (1998) comenta que o lazer é a forma mais buscada de ocupação
do tempo livre, seja para se divertir, seja para repousar, seja para se
autodesenvolver por meio de conversa, da leitura, do esporte, etc. O autor

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
acrescenta que os conceitos de lazer e recreação em nada se diferenciam do
ponto de vista da dinâmica sociocultural que produziu o divertir-se moderno.
Uma definição clássica de lazer é a de Dumazedier 31, citado e traduzido
por Taschner (2000, p. 47):

O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo


pode se dedicar prazerosamente, seja para relaxar, divertir-
se ou para alargar seu conhecimento e sua participação
social espontânea, e o livre exercício de sua capacidade
criativa, após ter-se desembaraçado de suas obrigações de
trabalho, familiares e sociais.

O descanso serve para recuperar o desgaste físico ou psíquico. A diversão


tem a função de liberar o estresse e oferecer a oportunidade de ruptura do
cotidiano. Por último, o desenvolvimento pessoal é o que permite ao indivíduo um
enriquecimento pessoal, dando-lhe a oportunidade de uma participação social
mais ativa e transformadora.
Marcellino (2003) propõe a concepção do lazer como cultura vivenciada,
procurando enfatizar a perspectiva transformadora, de um tempo privilegiado para
vivência de valores que contribuam para mudanças de ordem moral e cultural.
520
Desse modo, um veículo e objeto de educação, que possibilita o desc anso e a
diversão, como também o desenvolvimento pessoal e social.
Analisando o lazer como veículo de educação, consideram-se as
potencialidades para o desenvolvimento das pessoas. Já a análise do lazer como
objeto de educação implica a necessidade de ampliar e difundir seu significado,
esclarecer sua importância, suas funções e seus valores, assim como incentivar a
participação, colaborando para a valorização desta dimensão da vida
(MARCELLINO, 2001). É necessário educar as pessoas, não só para o trabalho,
mas também para um aproveitamento saudável do "tempo livre", contribuindo
para que as pessoas compreendam a real importância da experiência lúdica.
Em tempos de tão profusa necessidade de qualidade de vida, De Masi
(2000) avalia que a sociedade contemporânea ainda precisa ser educada para o
"tempo livre" e para o lazer. O que significa educar para a escolha de uma peça
teatral ou de um livro, dos lugares para contemplar, repousar e divertir -se, das

31
Do original: ―Le loisir est un ensemble d‘occupations auxquelles l‘individu peut s‘adonner de plein
gré, soit pour se reposer, soit pour se divertir, soit pour développer son information u as formation
desinteresse, as participation social volontaire ou as libre capacite créatrice aprés être dégagé de
ses obligations professsionannelles, familiares et sociales.‖ (DUMAZEDIER, 1962, p. 29)
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
melhores destinações turísticas para viagens conforme o desejo e a necessidade
(saúde, contato com a natureza, aventura, cultura, etc.) assim como educar para
a solidão, a solidariedade e o voluntariado. Desse modo, evita-se a alienação
provocada pelo tempo livre, que, conforme o mesmo autor é tão perigosa quanto
à alienação derivada do trabalho.
Em se tratando dos espaços de lazer, observa-se que eles são
fundamentais na vida social dos cidadãos, por serem espaços para se conviver,
encontrar, refletir, circular e recrear.
Em muitas políticas públicas, porém, o lazer não é visto como essencial e,
por conseqüência, os espaços e equipamentos de lazer seguem o mesmo
caminho. As diferenças econômicas e sociais, a urbanização acelerada, as
grandes concentrações humanas, a privatização de espaços públicos, a
deterioração de espaços naturais e a poluição produzem sérios problemas em
relação ao uso dos espaços (não construídos, naturais) e equipamentos (espaços
construídos) do lazer, sendo, por este motivo, necessário interferência do poder
público e participação de diversos setores da sociedade (ÁVILA, 2005).
Os equipamentos do lazer podem ser classificados em equipamentos 521

específicos, que são espaços concebidos especialmente para as práticas das


atividades do lazer, como teatros, cinemas, academias ao ar livre e quadras
esportivas, e os equipamentos não específicos, que são aqueles que, apesar de
não serem concebidos para as vivências do lazer, oferecem a possibilidade de
serem utilizados para esse fim. Os exemplos mais comuns são os lares, as
escolas e as ruas. Os equipamentos específicos podem sofrer outras
classificações em razão de suas dimensões e conteúdos. Em razão das
dimensões, podem ser micro, médio e macroequipamentos. Os equipamentos
que atendem a apenas um dos conteúdos culturais do lazer são classificados
como equipamentos especializados (cinema e teatro) e os que atendem a vários
conteúdos são os equipamentos polivalentes (centros culturais e centros
comunitários) (MARCELLINO, 2006).
Dumazedier (1980) classifica em cinco, as áreas de interesses dos
conteúdos culturais do lazer, a saber: físico-esportivos, manuais, artísticos,
intelectuais e sociais. Camargo (1998) acrescenta os interesses turísticos, e
Schwartz (2003) sugere a inserção do conteúdo virtual do lazer, devido aos

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
avanços tecnológicos e as novas práticas em decorrência da adesão ao ambiente
virtual, com suas particularidades.
Os interesses físico-esportivos indicam a participação em atividades
relacionadas com a cultura física, incluindo as diversas manifestações esportivas,
passeios, ginásticas e outras atividades em que prevaleça o movimento. As
atividades relacionadas ao artesanato, ao trato de animais e à jardinagem são
exemplos do campo denominado de interesse manual.
Nos interesses turísticos, busca-se o novo. Ir ao encontro de novas
paisagens, culturas, gastronomia e locais diferentes. A atividade turística é uma
forma de lazer, uma oportunidade de experiência e promoção do desenvolvimento
pessoal, da diversão e do descanso.
No presente trabalho, focam-se os espaços e equipamentos públicos de
lazer, de uso esportivo, especificamente as academias da terceira idade, no
município de Matinhos, Paraná.
O objetivo do trabalho é observar a implantação e o uso das academias da
terceira idade (ATI) como espaço público de lazer no município de Matinhos-PR,
respondendo se as mesmas atendem ao turista, ao morador local ou a ambos; 522

ademais, investiga-se se atende efetivamente ao público da terceira idade. Para


tanto, a pesquisa exploratória utilizou a observação in loco, as entrevistas semi -
estruturadas junto aos freqüentadores das ATI, as entrevistas semi-estruturadas
junto a gestores públicos e a ferramenta de geoprocessamento para a
representação espacial e análise dos setores censitários do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) − dados da contagem populacional de 2007
− com o intuito de verificar se elas estão instaladas em locais onde há maior
número populacional, especialmente de idosos residentes (60 anos ou mais) no
município. Muniu-se de GPS (Sistema de Posicionamento Global) para a
localização geográfica das quatro academias; e do programa de análise de dados
―ArcView‖.
O GPS é um terminal inteligente que a partir de sinais emitidos de uma
rede de 24 satélites, garante localização geográfica precisa em qualquer ponto do
planeta. O ArcView é um software GIS32 amplo em funcionalidades para
visualização, gerenciamento, elaboração e análises de dados geográficos. O

32
Sistema de Informação Geográfica
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
ArcView auxilia a representação do espaço geográfico, permitindo identificar
padrões de distribuição espacial (ACADEMIA GIS IMAGEM, 2010).

2. ACADEMIA DA TERCEIRA IDADE COMO ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER:


A EXPERIÊNCIA DE MARINGÁ - PR
Em 2005 o Ministério da Saúde lançou o Programa Brasil Saudável, em
consonância com as diretrizes e as ações previstas na estratégia global de
alimentação saudável, atividade física e saúde lançada em 2004 pela
Organização Mundial de Saúde. Diante dessas diretrizes a Prefeitura de Maringá-
PR, por meio da Secretaria de Saúde criou o Programa Maringá Saudável,
buscando os mesmos objetivos propostos pelo Ministério da Saúde
(PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ, 2010).
Foi nesse contexto que surgiu o projeto ATI (Academias da Terceira Idade),
inspirado em uma experiência chinesa, segue o modelo adotado em Pequim, há
quatorze anos e, que, reúne, na atualidade, aproximadamente 2,5 milhões de
praticantes.
Em 2009, Maringá possuía cinquenta ATI, seis API (Academias para
523
Primeira Idade) e duas APE (Academias para Pessoas Especiais), adaptadas
para o público cadeirante.
Muitas cidades pertencentes à rede de municípios saudáveis aderiram ao
projeto, sendo que no Brasil dados recentes apontam para mais de 800
academias instaladas em mais de quinhentos municípios, localizados
principalmente nos Estados do Paraná e de São Paulo (ZIOBERATI, 2010).
Cada unidade da academia é composta por dez equipamentos destinados
a alongar, fortalecer e desenvolver a musculatura, além de trabalhar a
capacidade aeróbica (ACADEMIA DA TERCEIRA IDADE, 2010). As empresas
que produzem as academias da terceira idade têm como objetivos, dentre outros:
promover a atividade física, através de seus produtos, com qualidade de vida,
inclusão social e entretenimento; resgatar e transformar os locais públicos
(praças, parques, bosques, pistas de caminhada, etc), tornando-os mais atrativos
para a prática de hábitos saudáveis (ZIOBERATI, 2010; ACADEMIA DA
TERCEIRA IDADE, 2010). Com esse último objetivo apontado, percebe-se,
também, que as ATI contribuem para a otimização dos espaços públicos de
lazer, podendo fazer parte das políticas de uma localidade.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
2.1 O que se entende por terceira idade
Comumente, concebem-se como ‗velhos‘ àqueles indivíduos que entram na
fase de outras atribuições sociais e em visíveis mudanças corporais, como o
aparecimento de rugas, queda de cabelos, dificuldade de práticas de ativida des
físicas e outras tantas alterações inerentes ao envelhecimento. Se seguir essa
idéia, encontra-se nos ensinamentos de Ferreira (2003) uma explicação um tanto
precoce ao imaginário popular (comum) para tal concepção. Cientificamente, a
referida autora revela que as mudanças psicofísicas podem começar a ocorrer
aos trinta anos de idade, quando o corpo começa a demonstrar alterações
encontradas nas idades mais avançadas.
Aos olhos da população é bem mais tarde que isso acontece, pois é difícil a
aceitação de tal colocação para uma sociedade que tem aversão à idéia de
envelhecer. A mesma autora sugere que aos 50 anos os indivíduos já estejam em
processo integral de envelhecimento.
Entretanto, o verbete ‗velho‘ soa com certo descrédito na sociedade
contemporânea, pois ao contrário do mundo oriental e sociedades tribais onde os
mais velhos são tidos como detentores de conhecimentos, os quais os mais 524

jovens ainda não haviam alcançado, a sociedade ocidental vê no ‗novo‘ o


protótipo de indivíduos modelos, capazes de operacionalizar melhor os
desdobramentos da vida pós-moderna.
Sendo assim, a palavra ‗velho‘ vem sendo substituída gradativamente,
tanto para idosos, terceira idade, maior idade, ou melhor idade, permitindo assim
a discussão sobre novos conceitos.
Segundo PEIXOTO (1998), o termo velho era usado para a população
pobre, já o termo idoso era usado para uma classe social mais abastada, então
isto significa que usar o termo idoso hoje, igualmente para todos, passa uma
noção de maior respeito com a categoria de pessoas que estão na velhice.
No Brasil, a idéia de idoso ou terceira idade está ligada ao fato de que o
cidadão tenha direito à aposentadoria compulsória aos 65 anos, tal fato oferece
margem para a discussão a respeito do assunto.
Todavia, a Lei 10.741/2003, que institui o Estatuto do Idoso, em seu artigo
1º reza que é ―destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade
igual ou superior a 60 (sessenta) anos‖, ainda não se chegou a um consenso. O
mesmo entendimento sobre quando se inicia a terceira idade tem o Instituto
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), que também estabelece a idade de 60
anos.
Como se nota há uma imprecisão conceitual sobre o assunto em questão.
Não muito diferente, a mesma dificuldade é percebida por organismos
internacionais no tocante a uma precisão sobre o termo. Nesse sentido, para a
Organização Mundial da Saúde (OMS) é considerado pertencente ao grupo de
pessoas da Terceira Idade àquelas que tenham entre 60 e 65 anos.
Percebe-se que, devido ao envelhecimento lento e contínuo da população
planetária, estudos relacionados às estratégias de qualidade de vida da terceira
idade se fazem cada vez mais necessários nos dias que correm, pois ―no mundo,
em 2050, um quinto da população será de idosos‖ (IBGE, 2007).
O objetivo da discussão que aqui se finaliza não foi estabelecer
exatamente uma idade correta e nem encerrar a discussão ao tema questionado,
mas uma aproximação mais coerente do que se possa conceber como processo
social de envelhecimento na atualidade, e em que momento de sua existência os
indivíduos entram na fase da vida, entendida como terceira idade.

525

3. O MUNICÍPIO DE MATINHOS - PR E AS ACADEMIAS DA TERCEIRA IDADE

O nome Matinhos, segundo Bigarella (1991), se deu devido à ―mata baixa


(mata de restinga, rica em epífitas). Antigamente, a cidade era conhecida como
Matinho (sem o ‗s‘)‖. Ademais, um pequeno rio era chamado pelo mesmo nome.
Não muito diferente de outras localidades costeiras brasileiras, Matinhos se
desenvolveu sem prévio e adequado planejamento urbano. Por meio da Lei
Municipal 1067/06 foram criados quatorze bairros ou unidades administrativas, e
destes, conforme dados recentes do departamento de urbanismo municipal pode-
se considerar que sete são balneários, sendo o mais ocupado pela população
residente, o Sertãozinho, e o qual mais abriga residências secundárias é o bairro
do balneário Caiobá (PREFEITURA MUNICIPAL DE MATINHOS, 2010). Este,
notoriamente se mostra como uma típica unidade turística, ocupado em alta
temporada, que corresponde aos meses de dezembro a março e quase vazio nos
demais meses do ano, com a população local à sua margem.
Em meio ao Oceano Atlântico e ao conjunto de montanhas da Serra do
Mar, a cidade oferece razoáveis equipamentos de gastronomia e de meios de

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
hospedagem. É servida por conservadas vias de acesso, estando distante de
Curitiba a 110 km. Tem como vizinhos os municípios de Pontal do Paraná e
Guaratuba, que também são localidades balneárias. O município de Matinhos se
localiza no litoral Sul do Estado do Paraná, e conta com uma população estimada
de 23.925 (IBGE, 2009).
Vale ressaltar que a Secretaria Municipal de Turismo estima que esta
população se eleve em média, entre meados de dezembro ao início de março,
para números que chegam a alcançar até 400 mil pessoas, sendo o bairro Caiobá
onde se tem o maior aglomeramento desta população flutuante, em razão de
abrigar o maior número de condomínios que podem ser reconhecidos como
segunda residência.
Como atividade econômica se destaca a silvicultura, a extração vege tal, a
pesca artesanal, o comércio, os serviços e a agropecuária em pequena escala.
Todavia, são as atividades turísticas que dão números relevantes à vida
econômica do município.
O núcleo de turismo supracitado tem forte fluxo de turistas regionais,
atraídos pelo turismo de sol e praia, mas pode-se considerar alguns atrativos 526

turísticos locais que se encontram em fase inicial, tais como: a visitação ao Morro
do Boi, o Morro da Cruz, a Ilha do Farol, o Parque Florestal do Rio da Onça, todos
com apelo para o ecoturismo e o turismo pedagógico.
Entre o presente e o passado, Matinhos se (re) constrói, alicerçada por
costumes lusitanos em meio a resquícios de costumes e tradições indígenas,
contrastando com as manifestações do ‗homem moderno‘.

3.1 As Academias da Terceira Idade em Matinhos como espaços públicos de


lazer: locais de instalação e demanda real
Academias da terceira idade, instaladas em cidades litorâneas que
costumam receber turistas concentrados no período de dezembro a fevereiro,
foram pensadas para serem utilizadas pelos visitantes, pelos moradores locais ou
por ambos?
Segundo entrevista concedida por membro da Secretaria de Turismo do
Município de Matinhos, no dia 14/01/2010, das 10h00 as 11h30, foram adquiridos
cinco módulos, sendo que três desses foram instalados, na primeira semana de
janeiro do corrente ano, nos bairros: Caiobá (zoneamento Praia Mansa), Centro e

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Balneário Gaivotas; um outro exemplar foi instalado na terceira semana do mês
de janeiro 33 no bairro Caiobá (zoneamento Praia Brava), e por último, com
previsão para fevereiro, a instalação nos bairros Tabuleiros ou Sertãozinho.
―Inicialmente o projeto de implantação das ATI era para atender aos turistas. Os
cinco exemplares adquiridos iriam ser instalados pela orla marítima de Matinho s,
porém, os gestores públicos envolvidos no processo decidiram por mudar o foco e
atender aos moradores locais e aos turistas‖ comentou o entrevistado. Para outro
gestor público local, a academia instalada na alta temporada, ―foi em razão dos
equipamentos terem chegado nesse período, porém, não se nega a estratégia de
marketing e visibilidade política‖.
Perguntado sobre os critérios para a escolha dos locais, o entrevistado
disse que ―o Balneário Gaivotas por ser uma comunidade organizada; o Centro,
pela visibilidade e o Praia Mansa, para atender aos residentes do município,
especialmente os zeladores dos condomínios do referido zoneamento, visto que a
maioria é residente permanente e está na terceira idade‖.
Quando perguntado se há um acompanhamento por parte do poder público
de quem está utilizando os equipamentos, o entrevistado respondeu, que ―ainda 527

não há, mas está em planejamento a contratação de monitores que realizarão o


duplo papel de instrução das atividades físicas e de supervisão quanto ao público
freqüentador‖.
Dando continuidade à pesquisa, foram entrevistados no dia 14/01/2010, os
usuários das academias, nos três pontos instalados em Matinhos.
Na ATI Centro, foi observado que, dos 41 usuários, entre o período das
14h00 as 16h00, a maioria era composta por crianças e alguns indivíduos da
terceira idade, sendo a maioria de turistas.
A veranista L.M34., 60 anos, residente permanente de Curitiba, comentou
que ―é muito importante ter a academia aqui, pois no Barigui 35 tem‖. Ressaltou
que considera os equipamentos bons para ambos: visitante e moradores locais.

33
Na fase de conclusão do presente artigo, houveram mudanças quanto aos locais de instalação.
A ATI da Praia Brava não estava prevista. Em entrevista, informaram que as duas unidades
seriam instaladas nos bairros Tabuleiros e Sertãozinho. Também, as ATI que eram de
responsabilidade da Secretaria Municipal de Turismo, passaram a ser de responsabilidade da
Secretaria Municipal de Obras.
34
Todas os nomes serão preservados.
35
Parque Municipal de Curitiba – PR.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
A veranista E. T. S, 33 anos, residente permanente de Paranaguá,
comentou que ―a idéia é boa, mas tem mais crianças e o lugar não é para elas‖.
Como é cadeirante, a entrevistada indagou que muitos equipamentos não estão
adaptados para as pessoas com necessidades especiais.
O veranista A. J. J, 72 anos, residente permanente de Curitiba, estava
esperando uma criança utilizar a ATI para que depois ele pudesse fazer seus
exercícios. Ele comentou que leva o neto para a academia pois ―não tem lugar
para a garotada‖. O neto 36 disse que freqüenta o espaço porque o considera ―um
parquinho‖.
A moradora local H.T., 45 anos, comerciante do bairro Tabuleiros, estava
observando o movimento da ATI. Questionada sobre por que não freqüentava a
academia, ela disse: ―não me sinto a vontade de estar em local que turista usa.
Sou muito tímida, gosto quando está vazio‖.
Finalizada a pesquisa na ATI Centro, seguiu-se para a ATI da Praia Mansa,
especialmente para averiguar a utilização dos equipamentos pelos zeladores,
conforme relatado na Secretaria de Turismo. O primeiro condomínio visitado foi o
Farol da Barra, visto que a academia foi instalada ao lado dele. O zelador D. S.S, 528

21 anos, enfatizou que a maioria dos zeladores são jovens e que para ele e para
os moradores do condomínio, ―a academia é um projeto muito bom, mas está
incomodando demais, pois vem gente de madrugada para fazer bagunça e tentar
destruir os aparelhos‖. Continuou dizendo que foi realizada no dia 10/01/2010,
uma reunião de condomínio onde os moradores fizeram um abaixo-assinado
endereçado à Prefeitura Municipal de Matinhos, para que a ATI seja mudada de
lugar ou que haja outras providências que resguarde a qualidade de vida dos
condôminos.
Demais zeladores foram contactados. O Sr. E. A, 45 anos, zelador de uma
casa situada em frente a ATI e vendedor ambulante de milho verde, disse que a
ATI parece ser muito boa para a saúde, porém, está atrapalhando muito pois há
vândalos principalmente a noite. ―Se tivessem colocado a academia na pracinha
não teria incômodo os moradores. Para mim não tem serventia, pois é bagunça
demais, não vejo idoso lá, só vejo jovens‖.

36
Entrevista autorizada pelo avô.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Nos condomínios Vovô Ernesto, Praça do Sol, Verdes Mares e Labadie,
todos nas mediações da academia, a média de idade dos zeladores foi de 35
anos. Em entrevista, três declararam que nunca ouviram falar da existência das
academias e um declarou que conhece, mas que só irá freqüentar após a
temporada.
No condomínio Dona Helena, a zeladora S. 40 anos, disse que nunca
utilizou os aparelhos, mas que já levou sua filha lá. O morador permanente, A. C.
72 anos, comentou que pretende freqüentar pois ―em Maringá eu fazia, mas lá
tinha instrutora para me orientar‖. Ao sair de tal condomínio, os entrevistadores
foram abordados pela estudante A. J, 7 anos, acompanhada de sua mãe. Ela fez
um pedido: ―falem para o prefeito dar uma parque para as crianças‖. Após tal
pedido, a mãe da jovem estudante nos relatou que foi levá-la a ATI e houve um
pequeno acidente, pois ―lá não é seguro para criança‖.
No outro dia, 15/01/2010, das 10h00 as 12h00, retornou-se a ATI da Praia
Mansa para entrevistar os frequentadores. Foi observado que a grande maioria
eram crianças e adolescentes. Em muitos aparelhos, verificou-se que as crianças
se esforçavam para utilizá-los, porém não os alcançavam. Já os adolescentes 529

estavam utilizando de forma indevida, muitas vezes danificando os aparelhos.


Indagados sobre se tinham lido as instruções na placa, eles responderam
negativamente. Dos quinze frequentadores presentes, doze eram turistas. Os três
moradores locais, também adolescentes, quando questionados sobre a
valorização de tal espaço público, disseram que ―isso aqui não é pra gente, é pra
turista‖.
No dia 18/01/2010, das 15h00 as 17h00, observou-se os usuários da ATI
do Balneário Gaivotas. Dos sete freqüentadores presentes, seis eram crianças, de
idade entre seis a doze anos e um era adolescente de quinze anos. Em
entrevista, o adolescente relatou que só vê ―gurizada por aqui‖.
Na segunda parte da coleta de dados, ao se realizar itinerário com o intuito
de marcar os pontos no GPS, das ATI da Praia Mansa, Balneário Gaivotas e
Centro, observou-se a instalação da ATI Praia Brava, também no Balneário de
Caiobá (conforme nota de rodapé número 3, página 10).
As informações geoprocessadas, alicerçaram o que as entrevistas e as
observações in loco já haviam constatado em termos de locais de implantação e
uso das ATI como espaço público de lazer em Matinhos, respondendo se as
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
mesmas atendem ao turista, ao morador local ou a ambos; além de investigar a
utilização efetiva do público da terceira idade.
O método utilizado foi a representação espacial dos pontos das ATI,
arruamento e setores censitários urbano de 2007 do IBGE, contabilizando a
população residente em cada setor, com 60 anos ou mais. A partir dos pontos das
ATI, representou-se um círculo de abrangência com um raio de 1.200m 37, onde se
verificou a existência de arruamento urbano e a população dos setores. Nas
regiões de sobreposição dos círculos de abrangência das ATI, a população
residente foi contabilizada em apenas uma das ATI incidentes. Para os setores
censitários que apresentaram todo o arruamento urbano dentro do círculo de
abrangência, contabilizou-se 100% da população residente com 60 anos ou mais.
Quando o arruamento do setor censitário ficou parcialmente coberto pelo círculo
de cobertura, constatou-se a porcentagem coberta sobre o total do arruamento, e
aplicou-se essa mesma porcentagem sobre o total da população residente idosa
do setor.

4. INTERPRETAÇÃO DOS DADOS 530

As entrevistas apontaram para a observação de que as ATI foram


pensadas inicialmente para atender aos turistas. Todavia, houveram
reconsiderações em termos de políticas públicas e as mesmas passaram a
nortear o pensamento de serem espaços públicos de lazer para a população local
e para os turistas. Nesse contexto, duas foram instaladas em locais
iminentemente turísticos (Praia Mansa e Balneário Gaivotas), uma foi instalada
em local aparentemente democrático (Centro) e outras duas seriam instaladas em
bairros tipicamente de moradores locais (Sertãozinho e Tabuleiros). Porém, houve
mudanças e uma das academias que seria instalada em um dos bairros de
moradores, foi fixada na Praia Brava, local de grande fluxo turístico, o que nos
leva a questionar a importância do acesso à qualidade de vida dos idosos
matinhenses.
Ademais, a observação e as entrevistas semi-estruturadas chamaram a
atenção para a freqüência de crianças e adolescentes. O primeiro grupo, quando

37
Utilizou-se o raio de abrangência de 1200m, que representa um tempo de deslocamento a pé de
24 minutos, para uma velocidade média de 3 km/h.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
de crianças até 6 anos de idade, demonstrou ter dificuldades de utilizar os
aparelhos, projetados para adultos, como pode se notar na figura abaixo:

Fig.1: Frequentadores da ATI Praia Mansa


Fonte: Pesquisa de campo

A figura 2 apresenta as placas informativas, comum a todas as ATIs, com


531
recomendações de uso:

Fig.2: AT I Acade mia da Terceira Idade. Equipame ntos não


recomendados para crianças.
Fonte: Pesquisa de campo

Em se tratando da ATI Praia Mansa não se percebeu os zeladores como


público-alvo, visto que os entrevistados disseram que a maioria dos colegas são
jovens.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Referente aos dados geoprocessados, os mapas indicam que boa parte da
região de abrangência das ATI corresponde ao oceano Atlântico. A ATI da Praia
Mansa apresentou mais de 50% da sua região de abrangência sobre o Oceano
Atlântico e os morros do local (imagem 01). A análise dos setores censitários
evidencia que aqueles com maior parcela de população residente idosa (setores
8, 14, 15, 16, 17, 18, 26 e 52 - conforme imagem 02), estão praticamente
descobertos pelas quatro academias analisadas; tais setores contabilizam 723
residentes com 60 anos ou mais, ou seja, 29,25 % sobre o total de residentes
com 60 anos ou mais no Município. Esses setores contemplam em boa parte os
bairros Tabuleiros e Sertãozinho, os mais afastados da linha da costa.

532

Imagem 1: ATI Praia Mansa


Fonte: Pesquisa de campo

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
533

Imagem 2: Números Setores Censitários


Fonte: Pesquisa de Campo

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS E PROPOSITIVAS


Conforme Castrogiovani (2001), os visitantes de uma cidade podem ter
uma leitura muito tênue daquilo que um determinado espaço urbano pode
significar em termos de prazer cotidiano para os residentes permanentes. No que
diz respeito aos espaços públicos de lazer, muitos visitantes têm a leitura de que
os mesmos estão lá com o intuito maior de atendê-los.
Respondendo a questão do título, as academias ao ar livre são
equipamentos públicos democráticos, que pode atender a ambos: moradores

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
locais e turistas. Muitos turistas que se deslocam a Matinhos têm em suas
cidades de origem uma ATI; em razão da maioria deles serem procedentes do
Paraná, estado que aderiu à implantação dessas academias, cujo projeto foi
concebido no município de Maringá. Assim sendo, uma questão de cidadania
para as pessoas da terceira idade é que se regozijem e possam desfrutar das ATI
em seu período de viagem. Todavia, não se pode anular o objetivo primeiro de
toda academia da terceira idade: proporcionar qualidade de vida ao morador local,
em especial ao idoso. Nesse sentido, ressalta-se, também, a necessidade de
cuidados com as crianças freqüentadoras e propõe-se a instalação de academias
para a primeira idade (API), assim como academias para as pessoas com
necessidades especiais (APE).
A título de proposta, a mudança de localização das ATIs da Praia Mansa e
Praia Brava, instalando-as nos bairros Tabuleiro e Sertãozinho. Com isso, a
população com 60 anos ou mais atendida saltou de 1.034 hab para 1.831 hab, ou
seja, incremento de 80% (imagem em anexo). Com essa medida, 75,31% da
população de Matinhos com 60 anos ou mais passa a ser atendida, quando antes,
na configuração existente, esse número é de apenas 41,85%. 534

Referente aos limites nota-se que a pesquisa inicial foi realizada no período
da alta temporada. Será necessário realizar novas pesquisas para verificar o uso
de tais academias no período sazonal, assim como, se alguma foi removida para
bairros onde o matinhense se concentra.
Por fim, o presente trabalho propõe reflexões continuadas sobre a
importância que as políticas públicas têm para o sentimento de pertencimento do
morador, quanto aos espaços e equipamentos públicos de lazer e da atratividade
que os mesmos despertam nos turistas. Também, a histórica apropriação do
espaço ―turista e morador local‖, para a necessidade de políticas facilitadoras da
democratização dos espaços públicos de lazer e sobretudo da qualidade de vida
dos moradores locais.

REFERÊNCIAS
ACADEMIA DA TERCEIRA IDADE. Disponível em: Objetivos da ATI. Disponível:
<www.academiaterceiraidade.com.br>. Acesso: 21 de janeiro de 2010.
ACADEMIA GIS. Arcview. Disponível em:
<http://www.academiagis.com.br/produtos_home.aspx?idProd=54>. Acesso em:
21 de janeiro de 2010.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
ÁVILA, M. A. Lazer e recreação. Apostila apresentada ao curso de Animação
Turística (mimeo). Florianópolis, nov. 2005. 94 p.
BIGARELLA, J. J. Matinho: Homem e Terra – Reminiscências… 1.ed. Matinhos:
Prefeitura Municipal de Matinhos: Associação de Defesa e Educação
Ambiental,1991. 212p.
BRASIL. LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003.Dispõe sobre o Estatuto
do Idoso e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 17 de
janeiro de 2010.
CAMARGO, L. O. L. Educação para o lazer. São Paulo: Moderna, 1998. 160 p.
CASTROGIOVANNI, A. C. Turismo e ordenação no espaço urbano. In:
CASTROGIOVANNI, A. C. (org) Turismo urbano. São Paulo: Contexto, 2001.
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo: entrevista a Maria Serena Palieri.
Tradução de Lea Manzi. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
DUMAZEDIER, J. Vers une civilization du lousir? Paris: Ed. Du Seuil, 1962.
318 p.
DUMAZIDIER, J. Valores e conteúdos culturais do lazer. Tradução: Regina
Maria Vieira.São Paulo: SESC, 1980. 180 p.
FERREIRA, Vânia. Atividades Físicas na Terceira Idade: O Segredo da
Longevidade. Ed. Sprint. Rio de Janeiro: 2003
IBGE. Dados censitários 2007. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em:
21 de janeiro de 2010.
MARCELLINO, N. C. Estudos do lazer – uma introdução. 4.ed. Campinas:
Autores Associados, 2006. 100 p.
MARCELLINO, N. C. Lazer e humanização. Campinas: Papirus, 2003. 88 p. 535
MARCELLINO, N. C. Pedagogia da animação. Campinas: Papirus, 2001. 149 p
NEGRINE, Airton; BRADACZ, Luciane; CARVALHO, Paulo Eugênio de Gedoz.
Recreação na hotelaria: o pensar e o fazer lúdico. Caxias do Sul: EDUCS, 2001.
SCHWARTZ, G. M. O conteúdo virtual do lazer: contemporizando Dumazedier.
Licere: Revista do Centro de Estudos de Lazer e Recreação/UFMG, Belo
Horizonte, v. 2, n. 6, p. 23-31, 2003.
PEIXOTO, C. Entre o estigma e a compaixão e ostermos classificatórios:
velho, velhote, idoso, terceira idade... Em M. M. L. de Barros (Ed.), Velhice ou
Terceira Idade? Rio de Janeiro: FGV, 1998.
PREFEITURA MUNICIPAL DE MARINGÁ. Maringá Saudável. Disponível
em:<www.maringa.pr.gov.br> Acesso em: 12 de janeiro de 2010.
PREFEITURA MUNICIPAL DE MATINHOS. Nossa cidade. Disponível em:
<www.matinhos.pr.gov.br> Acesso em: 13 de janeiro de 2010.
TASCHNER, Gisela B. Lazer, cultura e consumo. RAE, vol. 40, no. 4, out/dez
2000.
ZIOBERATI. Projeto ATI. Disponível em <www.zioberati.com.br>. Acesso em: 12
de janeiro de 2010.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
APÊNDICE 1: Matinhos – PR CONTAGEM POPULACIONAL IBGE 2007

MATINHOS-PR - CONTAGEM POPULACIONAL IBGE 2007 - DADOS DOS SET ORES CENSITÁRIOS 536
ITEM DESCRIÇÃO UNIDADE QTDE %
1 Setores censitários urbanos de Matinhos-PR em 2007 un 3 96,36%
2 Setores censitários rurais de Matinhos- PR em 2007 un 2 3,64%
3 População total residente em Matinhos-PR hab 23.357 100,00%
4 População residente nos 53 setores urbanos hab 23.204 99,34%
5 População com 60 anos ou mais, residentes no Munic ípio hab 2.471 10,58%
População com 60 anos ou mais, residente nos 53 setores
6 hab 2.459 10,53%
urbanos
Pop. residente com 60 anos ou mais, atendida pela ATI Praia
7 hab 121 4,90%
Mansa em um raio de 1.200m
Pop. residente com 60 anos ou mais, atendida pela ATI Caiobá
8 hab 163 6,60%
em um raio de 1.200m
Pop. residente com 60 anos ou mais, atendida pela ATI Centro
9 hab 625 25,29%
em um raio de 1.200m
Pop. residente com 60 anos ou mais, atendida pela ATI
10 hab 125 5,06%
Gaivotas em um raio de 1.200m
11 Pop. residente com 60 anos ou mais, atendida pelas 4 ATIs hab 1.034 41,85%
Fonte: IBGE (www .ibge.gov.br / acessado em 21/01/2010)

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
APÊNDICE 2: Nova proposta de instalação das ATIs Praia Mansa e Caiobá

537

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
A HOTELARIA E O ATENDIMENTO DAS NOVAS NECESSIDADES DA
METRÓPOLE: TURISMO DE NEGÓCIOS E EVENTOS

Lélio Galdino Rosa.


Doutor em Geografia, Mestre em Turismo e Hotelaria, Esp. Adm. Hoteleira,
Bacharel em Economia.
Professor Adjunto da Univ. Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.
leliogaldino@uol.com.br

Isabela de Fátima Fogaça


Doutoranda em Geografia, Mestre em Turismo e Hotelaria, Bacharel em Turismo.
Professora Assistente da Univ. Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.
isafog@hotmail.com

RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar a dinâmica do setor hoteleiro para
atendimento das novas necessidades presentes na metrópole, como a demanda
do turismo de negócios, que objetiva o atendimento de executivos e a geração de
negócios, e o turismo de eventos, que, além dos negócios, visa a propagação do
conhecimento. A metodologia para sua elaboração teve como base a pesquisa
bibliográfica e uma análise quanti-qualitativa, buscando exemplificar as
discussões com situações referentes à dinâmica do turismo e do setor hoteleiro
na cidade de Campinas/SP. Como resultado percebeu-se que a hotelaria vem ao 538
longo do tempo se adequando às novas necessidades da metrópole e aos
desafios que estas necessidades lhe impõe, seja em seus serviços como em suas
instalações, e que tanto o turismo de negócios quanto o turismo de e ventos foram
fundamentais para suas novas configurações.

Palavras Chave: Hotelaria, Turismo de Negócios, Turismo de Eventos, Metrópole

ABSTRACT
This article aims to analyze the dynamics of the hospitality industry to meet the
new requirements found in the metropolis, as the demand of business tourism,
which aims at the care of executives and business generation, and tourism event,
which, in addition to the business aims to spread knowledge. The methodology for its
preparation was based on a literature sea rch and analysis quantitative and qualitative, seeking to
illustrate the discussion with situations concerning the dynamics of tourism and hospitality industry in the
city of Campinas / SP. As a result it was felt that the hospitality has over time been
adapting to the changing needs of the metropolis and the challenges that these
needs require it, whether in its services and in their premises, and that both the
tourism business and tourism events were fundamental to their new settings.

Key words: Hospitality, Tourism Business, Tourism Events, Metropolis

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
1 INTRODUÇÃO
As metrópoles caracterizam-se por concentrar a maior parte dos recursos
econômicos, mercado de trabalho diversificado e, ainda, uma imagem de
realização do consumo. Almeida (2001, p. 398) considera, de modo geral, que ―as
metrópoles brasileiras têm se adaptado às necessidades e aos interesses dos
novos agentes econômicos [...]‖.

O espaço urbano, que antes era tido apenas como centro de transformação
dos produtos, ou seja, relacionado à indústria, converteu-se em um lugar
privilegiado para a produção e troca de valores também intangíveis, como a
prestação de serviços, a comunicação, o conhecimento, o lazer e o
entretenimento.

Para Albuquerque (2003), no contexto econômico contemporâneo, as


cidades demonstram uma determinada tendência em desenvolver sua capacidade
de especialização funcional, aprofundando a divisão territorial do trabalho na
própria região.

Assim, as metrópoles acabam tendo seus municípios divididos em


539
diferentes funções que se complementam, e as sedes metropolitanas acabam por
se configurar como centros provedores de serviços; local de integração,
socialização, congregação; busca de capacitação, treinamento e conhecimentos;
local de lazer e entretenimento; residência, etc.

A Região Metropolitana de Campinas – RMC é um exemplo de como o


espaço metropolitano passa a se organizar em função de suas especializações. O
município de Paulínia se destaca pela importante atividade de refinamento de
petróleo e, consequentemente, atrai grandes indústrias e investimentos na área
de química fina e petroquímica. Já Campinas, sede da metrópole, está deixando
de receber tantos investimentos industriais e tornando-se um centro receptor de
grandes investimentos nas atividades comerciais e de serviços, servindo de
centro de apoio logístico às empresas de alta tecnologia.

A partir deste raciocínio, nota-se que cidades como Campinas, que se


constituem em sede de região metropolitana, em um processo evolutivo, alteram
sua estrutura para cumprir o que lhe é proposto como verdadeira vocação. As
cidades criam e recriam espaços com novas estruturas capazes de suprir suas

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
necessidades, originárias das relações entre empresas e pessoas que
compartilham funções específicas no detalhamento e cumprimento de sua
vocação.

Entre os setores que regiões metropolitanas desenvolvem para suprir suas


necessidades de fluidez e de integração ao global, uma vez estando vocacionada
a acolher os fluxos gerados pelos negócios que ali acontecem, está o setor
hoteleiro, de alimentação, de transportes, e de entretenimento, ou seja, setores de
serviços e atividades diretamente relacionados ao turismo.

Um exemplo disso se dá pela instalação de hotéis para suprirem a


necessidade de hospedagem dos fluxos de pessoas gerados em decorrência das
atividades industriais, de serviços e de negócios, que se desenvolvem em regiões
metropolitanas. Além de que, como afirma Rodrigues (2006), considera-se o
turismo como elemento fundamental para a globalização, uma vez constituir -se
um chamariz no modelo de acumulação contemporâneo.

Assim, este artigo tem como objetivo analisar a dinâmica do setor hoteleiro
para atendimento das novas necessidades presentes na metrópole, como a
540
demanda do turismo de negócios, que objetiva o atendimento de executivos e a
geração de negócios, e o turismo de eventos, que, além dos negócios, visa a
propagação do conhecimento

Como metodologia para sua elaboração utilizou-se da pesquisa


bibliográfica com base na análise quanti-qualitativa buscando exemplificar as
discussões com situações referentes à dinâmica do turismo e do setor hoteleiro
na cidade de Campinas/SP.

A hotelaria e o atendimento das novas necessidades da metrópole: turismo


de negócios e eventos
O turismo pode ser analisado como sendo um fenômeno que busca atrair,
acomodar e atender, com cortesia e gentileza, as necessidades e desejos de
grupos ou indivíduos em viagem. Além disso, afeta diretamente setores como o
industrial, o de transporte, de fornecimento de alimentação, de alojamento, de
entretenimento e de recreação. Vale ressaltar que as atividades turísticas geram,

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
ainda, impactos secundários, afetando indiretamente o restante da economia,
com o chamado efeito multiplicador.

Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), o fenômeno turístico


gera riquezas a indivíduos, famílias, comunidades e até regiões inteiras, por
proporcionar emprego a milhares de pessoas e transações comerciais, direta e
indiretamente, em hotéis, locadoras de veículos, agências de turismo, lojas de
artesanato e lembranças, restaurantes, transportadoras, entre outros segmentos
da economia. Atribui-se, ainda, ao turismo, a capacidade de contribuir para a ativa
preservação do patrimônio histórico no mundo e, ainda, tornar-se uma ferramenta
que promove o desenvolvimento intersetorial, em decorrência do efeito
multiplicador dos investimentos (BNDES, 2005).

Na contemporaneidade, percebe-se que entre as motivações que vêm


incentivando fluxos de viajantes está a busca por geração de negócios e a
participação em convenções e eventos. E, neste contexto, as cidades acabam se
constituindo em aliadas do turismo, uma vez que:

As cidades são crescentemente percebidas como locais onde 541


intercâmbios imateriais são facilitados, o que faz com que elas sejam
lugar propício para a criação de novos conhecimentos e, como
conseqüência, centros de inovação. As cidades costumavam ser centros
de produção material; agora, a força motora das aglomerações passou a
ser a produção e comunicação de idéias, conhecimento e informação
(STORPER e VENABLES, 2005, p. 21).

Em Campinas, como em grande parte das sedes metropolitanas, o turismo


acontece em função do segmento de Turismo de Negócios (TN), definido por
Poza (1993 p.267) como ―viagens motivadas por interesses voltados a uma
atividade lucrativa ou de desenvolvimento profissional. É a ação cujo propósito é a
possibilidade de realização de contatos, negócios ou obtenção de conhecimentos
a eles relacionados‖.

Na visão de Oliveira (2002, p.90), TN seria o:

Turismo praticado por executivos que viajam para participar de reuniões


com seus pares, para visitar os fornecedores dos produtos que
comercializam e fechar negócios. Trata-se de um público exigente, que
requer muitas atenções. Hospedam em hotéis de luxo e que disponham
de serviços especializados (guias bilíngües, tradutores, interpretes,
salas de reuniões, secretarias, motoristas e veículos especiais). Trata-
se de uma clientela importante, que viaja durante o ano todo,
independente da estação do ano.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Para a OMT (2001, p.264), ―o turismo de negócios e de congressos está
relacionado em parte com o turismo urbano a ser desenvolvido, normalmente nas
grandes cidades ou nas populações com tradição industrial, comercial, científica e
cultural‖. Logo, existe também uma proximidade do TN com outro segmento, o de
congressos e eventos, que está diretamente relacionado às cidades.

Diferentemente do turismo de lazer, modalidade cuja prática depende de


recursos considerados atrativos, geralmente naturais ou culturais, como busca de
sol, mar ou de patrimônio construído pelas civilizações no passar dos tempos
(seja bens culturais ou estruturas artificiais como parques de diversões), o TN e o
Turismo de eventos, ao contrário, caracteriza-se pela flexibilidade, podendo
acontecer em qualquer lugar. Como especifica Cruz (2006, p. 204), ― um negócio
qualquer pode estar sendo realizado em qualquer lugar da cidade em que haja
alguém disposto a vender e outro alguém disposto a comprar‖.

Portanto, independente da hierarquia de atratividade dos recursos


disponíveis na localidade para o turismo, esta pode desenvolver a modalidade de
TN ou Turismo de Eventos.
542
Assim, o turismo e grandes cidades que não apresentam recursos naturais
em abundancia como grande parte das metrópoles mundiais fundamenta-se, em
sua maioria, em negócios aparentemente de grande valor, efetuados por
executivos que demandam de uma estrutura específica para a realização dos
mesmos, como auditórios, centros de convenções, equipamentos específicos
para exposição e, principalmente, hospedagem, uma vez que estes negócios não
precisam acontecer, necessariamente, nas dependências do hotel.

De acordo com dados de Howard Consulting (2006), em 2005 o turismo de


negócios e a participação em congressos e seminários foram responsáveis por
52,1% do total das viagens realizadas no mundo. Os hotéis de Hong Kong, Japão
e Austrália apresentaram taxas médias anuais de ocupação acima de 75%, sendo
estas as maiores em termos mundiais. Os destaques de faturamento da indústria
hoteleira continuam com a América do Norte e os países da Comunidade
Econômica Européia (CEE), que juntos são responsáveis por 76% dos valores
envolvidos. Paralelamente, observa-se que essas mesmas regiões são a sede de
80% dos congressos realizados mundialmente.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
O panorama brasileiro do setor de turismo, referente a viagens moti vadas
por interesses comerciais, negócios e convenções, foi o que mais cresceu entre
2001 e 2005, apresentando um aumento de 13%, enquanto que, neste mesmo
período, o turismo de lazer apresentou apenas 10% de acréscimo (BNDES,
2006).

Nos últimos 15 (quinze) anos, o turismo de negócios no Brasil tem


apresentado crescimento como consequência da estabilização da economia
brasileira, bem como da vinda de investidores e comerciantes estrangeiros. De
acordo com o Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), em 2006, cerca de
28,7% das pessoas vieram ao país com esse objetivo. Em 2007, este índice
atingiu 32,6% dos visitantes (EMBRATUR, 2007).

Segundo dados da Internacional Congress and Convention Association


(ICCA, 2007), 60% do fluxo turístico mundial corresponderam a viagens de lazer e
40% são deslocamentos de caráter comercial ou viagens de negócios. Este
mesmo órgão garante que nas viagens de executivos cerca de 45% do total
correspondem à participação em eventos, principalmente congressos e feiras
543
comerciais, industriais e de serviços, e que os turistas que participam de
congressos, convenções, entre outros, realizam uma despesa média três vezes
maior à de um turista que viaja a lazer. Este fato ocorre devido às despesas, em
sua maioria, ser mantida pelas empresas que proporcionam as viagens.

Campinas, no turismo, assim como em outros ramos econômicos, também


demonstra sua vocação e real importância no contexto regional, estadual e até
nacional. O Campinas e Região Convention and Visitors Bureau (CRC&VB),
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e
Consultoria Turística Integrada (CTI) afirmam que as atividades relacionadas ao
turismo estão diretamente voltadas aos eventos que lá acontecem. Os eventos
possuem uma representação significativa na economia do município e região de
Campinas.

Dados apresentados pelos órgãos acima citados demonstram que


acontecem anualmente cerca de 6.000 eventos na cidade, envolvendo mais de 2
milhões de participantes. A soma dos gastos gerais dos participantes, com as

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
receitas das empresas organizadoras, chega a uma renda total que ultrapassa 1
bilhão de reais.

A geração de empregos também é significativa, sendo o setor responsável


pela criação de quase 12.000 postos de trabalho, dos quais, mais de 4.000 são
empregos diretos.

O recolhimento de impostos, outro dado apurado na pesquisa, é bastante


significativo e, por si só, tenta mostrar a necessidade de um envolvimento das
autoridades com o setor, quer por meio de políticas públicas de incentivo, quer
por meio da participação efetiva nos custos de divulgação do município. Estima-
se que, entre impostos municipais, estaduais e federais, o setor tenha sido
responsável pelo recolhimento de quase 100 milhões de reais no ano de 2000
(CRC&VB, 2007)

O CRC&VB atua com o propósito de desenvolver economicamente o


município de Campinas e região, por intermédio da promoção da atividade
turística, focando o mercado do turismo de negócio e de eventos. O critério
adotado pelo CRC&VB em relação às empresas e profissionais que desejam se
544
filiar constitui-se na declaração do interesse de atuar no setor de turismo de
negócios e/ou eventos das cidades que compõem a RMC e submeter à
aprovação de seu Conselho Deliberativo. Todas as empresas passam por uma
avaliação da diretoria para que o nível dos serviços prestados (independente do
setor) seja o mesmo e, ao mesmo tempo, que a direção do Convention tenha
conhecimento das empresas que estão ligadas à associação.

No ano de 2007, Campinas classificou-se em 6º. lugar no ranking


International Congress & Convention Association (ICCA), entre os municípios que
mais receberam eventos no país, como especificado no Quadro no. 1.

Não muito diferente da realidade nacional o CRC&VB tem sua composição


de associados distribuídos em 30% de hotéis, 15% de restaurantes, 15% de
Centros de Convenções e 40% de outros tipos de empresas com interesse
turístico (CRC&VB, 2008).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Quadro 1: Ranking dos Conventions Visitors Bureau por quantidade de
eventos internacionais captados no Brasil
Evento Posição Posição
CLASSIFICAÇÃO Cidade / Estado s 2007 nas ranking
Américas global
1º. São Paulo / SP 54 1º. 18º.
2º. Rio de Janeiro / RJ 48 3º. 26º.
3º. Salvador – BA 17 16º. 74º.
4º. Fortaleza – CE 11 25º. 109º.
Brasília – DF 11 26º. 113º.
5º. Florianópolis – SC 8 33º. 152º.
6º. Curitiba – PR 6 40. 188º.
Campinas – SP 6 43. 202º.
Fonte: ICCA, 2007, Organizado pelo autor, 2009

Pode-se considerar que Campinas é um município bem servido de espaços


para eventos. O CRC&VB considera espaços para eventos apenas os espaços
com capacidade mínima de 100 lugares e que sejam locáveis, e assim considera
18 espaços para eventos no município.

O maior número de locais disponíveis para realização de eventos


concentra-se na rede hoteleira da cidade, como pode ser observado na tabela 01
abaixo.
545

Tabela 01 – Tipologia dos Espaços para Eventos em Campinas


Classificação Número de espaços % do total
Casa Noturna 1 5,56
Pavilhão de Exposições 1 5,56
Clube / Estádio 2 11,11
Hotel / Flat 8 44,44
Teatro / Auditório 2 11,11
Hotel de Lazer 2 11,11
Buffet / Restaurante 1 5,56
Outros 1 5,56
Total 18 100,00
Fonte: FBC&VB/SEBRAE/CTI, 2001.

Nestes espaços há uma distribuição relativamente equilibrada, entre tipos


de eventos organizados. Há uma ligeira supremacia dos eventos socioculturais
(17,20%), mas somando convenções, reuniões, congressos, feiras comerciais e
exposições/ leilões, eventos mais relacionados a negócios e aquisição de
conhecimento e contatos, o índice alcança, aproximadamente, 55% do total, como
pode ser percebido na tabela 02.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Tabela 02– Tipologia dos Eventos
Tipo de Evento Número de unidades % das respostas
Congressos 14 15,05
Reuniões 14 15,05
Feiras Comerciais 10 10,75
Eventos Esportivos 10 10,75
Exposições / Leilões 13 13,98
Eventos Socioculturais 16 17,20
Convenções 15 16,13
Eventos Mistos 1 1,08
Total 93 100,00
Fonte: FBC&VB/SEBRAE/CTI, 2001.

A oferta pesquisada de áreas de exposição em Campinas soma 4.300 m2,


já a oferta de assentos é de 28.869. Esta oferta mostra uma taxa de ocupação
média anual de 59,8%, número ligeiramente superior à média nacional que,
segundo ABIH (2007), é de 49%.

Com base nos preços praticados por estes espaços, de R$8,66 por m 2 de
área de exposições e de R$ 4,80 por assento em áreas de reuniões, pode-se
calcular a estimativa de faturamento do setor de espaços de eventos. Assim, a
média de participantes por evento, em Campinas, é de 378 pessoas.
546
Considerando-se o número apurado de 5.796 eventos anuais nesta cidade,
chega-se a um montante de 2.190.888 participantes de eventos no ano.

Segundo distribuição indicada pelas empresas organizadoras de eventos,


estes participantes dividem-se em 67,2% de residentes na cidade do evento e
32,8% de visitantes na cidade (CRCV&B, 2007).

Diante da importância demonstrada pelo setor de turismo e das atividades


de negócios e eventos desenvolvidas na cidade de Campinas e em metrópoles
em geral, no próximo item discute-se a relação da hotelaria com o turismo de
negócios e eventos.

O setor hoteleiro e o turismo de negócios e eventos


O setor hoteleiro tem como principal objetivo o atendimento às
necessidades de alojamento de pessoas que estão, temporariamente, fora do seu
local de residência.

A expansão da hotelaria, no Brasil, na década de 1970, foi estimulada pelo


crescimento do número de viagens possibilitado pelo desenvolvimento da
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
infraestrutura dos transportes aéreo e rodoviário. Também contribuíram para o
desenvolvimento de novos empreendimentos o elevado nível de atividade
econômica no período e os incentivos para os investimentos no setor de turismo
oferecidos pelo EMBRATUR, a partir da segunda metade da década de 1960,
assim como os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)
e os incentivos fiscais (FISET, FUNGETUR, FINAM E FINOR) (BNDES, 2005).

Nesse período, houve a expansão das redes hoteleiras locais, assim como
a entrada no país de grandes cadeias internacionais, motivadas pelo crescimento
econômico e o aumento de investimentos de empresas estrangeiras no Brasil.
Gorini e Mendes (2005, p.144) afirmam que ―Algumas redes internacionais
entraram no país realizando investimentos imobiliários e administrando seus
hotéis, outras ficaram somente com a operação, enquanto os imóveis eram
construídos com recursos de investidores nacionais‖.

A primeira cadeia internacional a operar no Brasil foi a Hilton International


Corporation, que passou a administrar, em 1971, um hotel com 400 apartamentos
na Avenida Ipiranga (Hilton São Paulo). Em 1974, começaram a operar no Brasil
547
as redes Holiday Inn (Campinas), Sheraton (Rio de Janeiro) e Intercontinental
(Rio de Janeiro). Em 1975, foram inaugurados o Le Méridien (Rio de Janeiro) e o
Club Med (Itaparica) e, em 1977, o Novotel (Morumbi) – todos ligados a
tradicionais redes internacionais. Após um período de estagnação no setor , o final
da década de 1980 marca a entrada de novas operadoras internacionais,
interessadas em diversificar seus mercados e oferecer serviços em escala
mundial, por conta do acirramento da concorrência internacional.

Nesse contexto, a presença nos grandes centros econômicos do país,


como São Paulo e Rio de Janeiro, tornou-se importante para as grandes redes
internacionais. A partir de 1994, com o fim do processo inflacionário e o começo
de um novo ciclo de crescimento econômico, iniciou-se uma nova fase de
expansão da demanda hoteleira no Brasil.

Para Rodrigues (2002), o período que vai do início da década de 1990 ao


ano de 2000 e início de 2001 destaca-se, na hotelaria, como sendo um período de
maior expansão referente à oferta. Neste período, muitos hotéis de luxo foram
inaugurados em várias capitais e cidades do interior do país. Entre eles

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
destacam-se: em São Paulo, Meliá, Inter-Continental, Renaissance e Sofitel; em
Belo Horizonte, o Ouro Minas; em Porto Alegre, o Sheraton; em Pernambuco, o
Blue Tree Cabo de Santo Agostinho e o SummerVille; em um novo destino
turístico na Bahia, o complexo Costa do Sauípe, com cinco hotéis de luxo. No Rio
de Janeiro, que já contava com uma grande oferta de hotéis, como o Copacabana
Palace, o Lê Méridien e o Sofitel Rio Palace, que passaram por reformas
importantes, em abril de 2001 foi inaugurado o Marriott Copacabana, o primeiro
hotel de luxo a ser construído no Rio de Janeiro desde a década de 1970.

Segundo o IBGE (2002), de acordo com seu Censo de Serviços, existem


no Brasil 23.366 empresas de ―serviços de alojamento‖, entre as quais estão
inclusos os hotéis, pousadas, hotéis-fazenda, pensões, motéis, entre outros
estabelecimentos do ramo.

O Guia Quatro Rodas, edição de 2005 (com informações atualizadas até


agosto de 2004), possui uma lista com 5.557 hotéis, pousadas e hotéis-fazenda.
O próprio Guia esclarece que não abrange a totalidade dos empreendimentos
existentes. Por sua vez, a publicação eletrônica Onde Hospedar (2006), aponta
548
14.914 meios de hospedagem no Brasil: 9.943 hotéis, 4.094 pousadas, 532
hotéis-fazenda e 345 apart-hotéis. Outra fonte de dados do setor, a Hotel
Investment Advisors (HIA), estima que cerca de 70% das Unidades Habitacionais
(UH) existentes no país são operadas por hotéis independentes das r edes,
conforme se pode observar na Tabela 03, para o período 2004/05 (GORINI e
MENDES, 2005).

Tabela 03: Total de Hotéis e Flats no Brasil 2004/2005


2004 2005
TIPO Hotéis % UH‘s % Hotéis % UH‘s %
Independentes 4.925 89 202.600 70 4.950 89 203.500 68
Hotéis e Flats 312 6 39.010 13 330 6 41.340 14
de cadeias Nacionais
Hotéis e Flats 272 5 47.866 17 313 6 54.900 18
de cadeias Internacionais
TOTAL 5.509 100 289.476 100 5.593 100 299.740 100
Fonte: HIA, 2008

Segundo a classificação deste estudo, as 10 maiores redes nacionais


contavam, em 2004, com o total de 22 mil UH‘s em 149 empreendimentos. Já as
10 maiores redes internacionais, classificadas segundo os mesmos critérios,

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
totalizavam 41 mil UH‘s em 241 empreendimentos, valendo destacar que somente
a rede francesa Accor detém a metade dos empreendimentos internacionais no
Brasil, incluindo os hotéis em que detém a propriedade e aqueles em que atua
somente como administradora/franqueadora.

Tabela 04: Redes Nacionais: Ranking por número de UH’s em


funcionamento - 2004
Empreendimentos Em Operação
No.UH‘s No. Empreendedores
01 Blue Tree 5.585 24
02 Othon 3.141 26
03 Nacional inn 2.486 19
04 Transamérica Flats 2.189 18
05 Tropical 2.407 11
06 Bristol Hotelaria 2.303 19
07 Boubon 1.673 9
08 Windsor 2.383 10
09 Estanplaza 1.142 9
10 Rede Bristol 1.257 20
TOTAL 24.566 165
Fonte: Amazonas e Goldner (2004), adaptado pelo autor, (2009)

Tabela 05: Redes Internacionais: Ranking por Número de UH’s em


Funcionamento - 2004 549
Empreendimentos Em Operação
No. de UH‘s No. de Empreendedores
01 Accor 25.957 173
02 Sol Meliá .813 29
03 Atlântica 10.365 71
04 InterContinental 3.596 14
05 Golden Tulip 2.078 16
06 Posadas 2.143 11
07 Hilton 1.422 4
08 Marriott 1.552 6
09 Pestana 1.240 6
10 Starwood 1.275 4
TOTAL 56.441 334
Fonte: Amazonas e Goldener (2004), adaptado pelo autor (2009)

Analisando as tabelas apresentadas acima, percebe-se a força exercida no


setor hoteleiro pelos grupos internacionais desde o início dos anos 2000, o que
evidencia a participação deste setor na globalização da economia como um
reflexo da inserção de multinacionais dos diversos setores no país.
Todavia, segundo Gorini e Mendes (2005, p. 158), no período de 2001 a
2003, o setor de hoteleiro no Brasil teve impactos negativos:

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
A Tabela 06 demonstra as taxas médias de ocupação do período de 2000
a 2006, nas quais destacam-se a variabilidade com direcionamento à redução, em
especial, nas categorias luxo e superior, que apresentam queda significativa no
final do período analisado.

Tabela 06 - Evolução da Taxa de Ocupação Hoteleira – 2000 a 2006 em %


Categorias 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Luxo 64,4 66,0 63,5 62,5 63,0 47,0 46,0
Superior 59,0 62,0 61,3 60,5 61,9 60,0 49,0
Econômico 51,6 59,1 59,8 55,9 57,0 55,0 60,0
1

Essas quedas na ocupação em hotéis de categorias luxo e superior e o


crescimento na demanda em hotéis de categoria econômica demonstram que o
setor hoteleiro brasileiro foi diretamente influenciado pelas mudanças econômicas
e socioespaciais pelas quais o país passava no final da década de 1990 e início
dos anos 2000.
Camadas da população de classe média, geralmente residentes de
grandes e médias cidades, passaram a consumir produtos turísticos que,
anteriormente a esse período, eram privilégios de camadas mais abastadas
550
financeiramente da sociedade brasileira. Outros fatores que colaboraram para o
aumento do consumo deste tipo de produtos, os produtos turísticos, em especial a
hotelaria de categoria econômica, foi a estabilidade de taxas de inflação e a
expansão dos negócios para o interior do país, como está destacado nesta
investigação, na cidade de Campinas.
A rede francesa Accor Brasil (2006) afirma existir uma acentuada demanda
reprimida por hotéis de categoria econômica, motivo pelo qual a empresa vem
direcionando seus investimentos para esta categoria de hotéis. A Accor não só
pretende manter a administração de hotéis por arrendamento e por conta de
terceiros, mas também implantar um sistema de franquia.
Assim, a partir do maior consumo de produtos hoteleiros, a exigência no
que diz respeito ao padrão de serviços e qualidade, por parte dos consumidores,
também aumentou, fato este reforçado pela instalação de franquias de redes
hoteleiras internacionais no Brasil, que imprimiram mais qualidade a estes
serviços e caracterizam o setor hoteleiro como altamente competitivo.
Com a chegada das redes internacionais no Brasil, acredita-se que não
somente os investimentos em hotelaria foram fomentados, mas também foi
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
elevada a exigência dos consumidores e também estimulada a modernização e a
profissionalização do mercado hoteleiro.
O setor hoteleiro passou a adaptar seus serviços, instalações e
equipamentos no sentido de superar estes obstáculos, o que vem fazendo com
que novas tendências governem o setor.
A Hotel Investment Advisors (HIA) e o Fórum de Operadores Hoteleiros do
Brasil (FOHB, apud GORINI e MENDES, 2005, p. 169) apresentam alguns
aspectos relacionados à tendência sobre o setor de hotelaria para os próximos
anos:
a) maior crescimento dos hotéis ‗econômicos‘, com lançamentos
imobiliários especialmente em cidades do interior do país – movimento
de ‗interiorização‘, em que municípios com mais de 80 mil habitantes já
permitem a implantação de hotéis desse segmento;
b) troca de bandeiras em empreendimentos existentes e crescente
operação de redes hoteleiras, tanto internacionais como nacionais;
c) investimentos estrangeiros e aumento do número de resorts – o país
está recebendo um grande volume de investimentos estrangeiros,
principalmente de Portugal, Espanha e Itália, concentrados em
empreendimentos turísticos no Nordeste;
d) crescimento de redes regionais;
e) crescente interesse no desenvolvimento de hotéis de nicho (tipo
‗butique‘), com menos de 50 apartamentos e instalações diferenciadas,
com foco em nichos de mercado, como esportes (golfe), design, entre 551
outros.

Diante da entrada das novas cadeias internacionais no mercado brasileiro,


os hotéis independentes deverão adaptar-se com características próprias às
exigências do seu público alvo, com o objetivo de se sobressaírem no mercado
cada vez mais competitivo.

Além destas tendências apontadas pela HIA e pelo FOHB, deve-se


acrescentar a tendência de multiuso do espaço hoteleiro como estratégia para
amenizar os problemas causados pela sobre-oferta de UH‘s e a baixa
ocupação.Castelli (200, p.110) apresenta que ―para que a ocupação seja rentável,
é necessário manter a taxa de ocupação que garanta geração de receitas
superiores aos custos operacionais‖. Assim, setores como os de eventos agem
como impulsionadores da ocupação hoteleira, a medida que trazem hóspedes
para usufruírem da estada.

Logo, os hotéis vêm criando estratégias para satisfazer cada vez mais as
necessidades de seus clientes e com isso também garantir sua sobrevivência
diante do problema da sazonalidade de altas e baixas temporadas vividas pelas
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
empresas turísticas. Desse modo, além dos avanços tecnológicos e de gestão, os
hotéis deixaram ―[...] de possuir somente espaços destinados a hospedar
pessoas, para integrar-se ao seu entorno e oferecer espaços multifuncionais,
voltando-se, também, para eventos empresariais e acontecimentos sociais‖
(PETROCCHI, 2003, p.19-20)

Souza (2003, p.53) observa que ―é muito importante que o estabelecimento


hoteleiro venda sua capacidade total de quartos, pois esta não poderá ser
recuperada‖. Desta forma, com a realização de um evento em um hotel torna-se
possível hospedar seus participantes e assim melhorar as taxas de ocupação de
suas UH‘s, sendo que os eventos operam como uma forma de equilíbrio de sua
ocupação nos períodos de baixa temporada, e uma fonte de receita, pois seus
participantes utilizarão, também, serviços de outros setores do hotel, além do
setor de hospedagem e eventos.
Na contemporaneidade, segundo Proserpio (2007), os hotéis vêm
apresentando atitudes focadas em uma gestão com diminuição dos investimentos
imobiliários e mudanças dos padrões de concorrência, como fusões e
incorporações, concentrando os negócios em empreendimentos administrativos 552

em poucas redes, buscando a fidelização do cliente.


Buscam, ainda, parcerias com construtoras, incorporadoras e agentes
institucionais; a adoção de sistemas flexíveis (time sharing), franquias e contratos
administrativos; a obtenção de vantagens pelo funcionamento em rede
(associação de hotéis independentes), com visão horizontal do produto turístico e
consequente promoção de destinos.
Assim, percebe-se que a tendência dos hotéis independentes, que na
maioria dos casos constitui-se de administração familiar, é de se integrarem,
vertical ou horizontalmente, em associações, consórcios de marketing, ou a
chamada cadeia de referência (formação de uma associação estratégica de
hotéis independentes para promoção mútua), para poder concorrer com as redes
consolidadas, em credibilidade dos serviços e promoção de seus
estabelecimentos. Outra tendência é a integração a empresas de turismo por
meio de Conventions and Visitors Bureau (CVB).
Na América Latina, o primeiro Bureau foi criado no ano de 1983, na Cidade
de São Paulo-Brasil, e logo no ano seguinte, 1984, instalou-se outro no Rio de

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Janeiro. Em 1999, por intermédio de um Fórum, surgiu a Organização dos
Conventions and Visitors Bureau Brasileiros. No ano de 2003, o Fórum contava
com 37 Conventions associados, quando, então, foi transformado em Federação
Brasileira de Conventions and Visitors Bureau. Dois anos depois, em 2005, a
Rede Brasileira de Conventions era composta por 44 entidades, e em 2006 o
número de entidades associadas passou para 70, sendo estas organizadas em 08
Federações Estaduais, surgindo a Confederação Brasileira de Convention and
Visitors Bureau.
Portanto, a Confederação Brasileira de Convention and Visitors Bureau
(CBC&VB) é constituída exclusivamente por entidades que atuam como
Convention and Visitors Bureau (CVB) no Brasil, e têm a finalidade de promover e
representar seus associados em todo e qualquer pleito de interesse do segmento
de atividades por elas integrado. Constitui-se parceira do EMBRATUR e do
Ministério do turismo (MTur) nas ações de promoção e comercial do Brasil no
exterior e no programa Turismo Sustentável e Infância (TSI) (CBC&VB, 2008).
Entre os mantenedores, associados aos Conventions and Visitors Bureau
(CVB), a representatividade dos segmentos do mercado de turismo é 553

considerável e os hotéis são responsáveis pela maior parte da captação dos


recursos, como pode ser percebido no Quadro 04, a seguir.
Nesse sentido, pode-se considerar que, devido à grande oferta de hotéis
na contemporaneidade, as empresas hoteleiras vêm buscando, cada vez mais,
desenvolver medidas a fim de conquistar e garantir clientes, empenhando-se no
intuito de proporcionar maior comodidade e qualidade aos seus hóspedes. Esses
esforços vêm também especializando os serviços hoteleiros, sendo comum a
especificação, em cidades como São Paulo e Campinas, de um segmento de
hotéis de negócios e eventos.

Quadro 04 - Representatividade dos mantenedores de Convention and


Visitors Bureaus em 2007
% Segmentos
31 Hotéis
14 Organizadoras de eventos
10 Bares e Restaurantes
10 Operadoras e agências de viagens
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
08 Comércio e Indústria
06 Diversos
04 Órgãos, Entidades e Afins
04 Atrativos Turísticos
04 Centros de Convenções e afins
03 Publicidade e Imprensa
02 Academia
02 Locadoras
01 Casas de espetáculos
01 Cia aérea
Fonte: CBC&VB, 2007. Organizado pelo autor, 2009

Esses hotéis de negócios são meios de hospedagem que reúnem as


facilidades necessárias ao abrigo de pessoas que se encontram em
deslocamento, em função de sua atividade econômica (AYRES, DAEMON e
FERNANDES, 2006).
Ayres, Daemon e Fernandes (2006) afirmam que todas as pessoas que
viajam com o objetivo de participar de eventos para aprimoramento profissional,
tais como convenções, feiras e exposições, treinamentos ou congressos, são
usuárias destes tipos de serviços.
Os hotéis de negócio e eventos normalmente estão localizados nos centros
554
urbanos e urbano-industriais, diferentemente de hotéis de lazer, prioritariamente
situados próximos a atrativos naturais, desportivos e socioculturais. Para Ayres,
Daemon e Fernandes (2006, p. 08):

Os hotéis classificados com três, quatro e cinco estrelas, isto é,


pertencentes às categorias turística, turística superior e luxo, concentram
grande número de hóspedes em viagens de trabalho ou treinamento.
Essa preferência nos permite considerar essas categorias constituídas
predominantemente por hotéis de negócios.

O grande diferencial nos hotéis de negócios está justamente na adequação


de suas instalações às necessidades de seus clientes e na eficiência dos serviços
prestados. Um sistema de comunicação eficiente, a prestação de serviços
express38 como: check-in39, check-out40, room service41 e laundry service 24
horas 42 são exemplos de alguns serviços ou atendimentos que repercutem de
forma positiva na imagem de um hotel de negócios. Ambientes que reproduzam

38
Serviços de rápida execução.
39
Registro de entrada do hóspede (Contrato de serviço).
40
Encerramento da estada do hóspede com fechamento de conta, entre outros serviços de saída.
41
Serviço de quarto (alimentação).
42
Serviço de lavanderia 24 horas.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
escritórios virtuais, equipados com material de última geração e espaços
preparados especialmente para a realização de eventos e congressos
apresentam elevado nível de competitividade e têm a preferência dos hóspedes.
Na contemporaneidade, esses hotéis se modernizam com a implantação
de Health-Clubs 43 e Fitness Center44 exclusivos ao atendimento dos hóspedes
executivos que valorizam aspectos relativos à sua saúde e aparência.
De acordo com pesquisa da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da
Universidade Federal de Pernambuco (FADE), em convênio com o EMBRATUR,
a taxa média de ocupação dos hotéis brasileiros situa-se em 47,7%. A Associação
Brasileira de Eventos (ABEOC), regional Rio de Janeiro, credita ao turismo de
eventos a responsabilidade por mais da metade da ocupação dos hotéis tanto do
Rio de Janeiro como de São Paulo, garantindo assim uma boa rentabilidade,
mesmo nos períodos de baixa temporada (AYRES, DAEMON e FERNANDES,
2006)
Os hotéis classificados na faixa de 4 e 5 estrelas apresentam a taxa média
de ocupação superior aos demais, 55% e 53%, respectivamente, e compõem a
principal oferta de hotéis voltados ao atendimento de viagens de negócios. Os 555

índices de ocupação média hoteleira no país revelam a existência de UH‘s em


número suficiente para o atendimento das atuais necessidades. No entanto,
durante a alta temporada a disponibilidade apresentada é inferior aos índices
estratégicos recomendados para a administração hoteleira (EMBRATUR, 2007).
No Brasil, cerca de 45% dos hotéis existentes classificam-se segundo as
categorias de três, quatro e cinco estrelas. Assim, com base no número de hotéis
cadastrados pelo EMBRATUR, admite-se a existência de cerca de 63.000 UH‘s
dedicadas ao turismo de negócios. Essa disponibilidade de UH foi suficiente para
o atendimento, em 2001, dos 980.000 hóspedes estrangeiros em visitas de
negócios, e dos turistas nacionais em trânsito a negócios. Assim, as UH‘s
estimadas representam cerca de 11% do total disponível em todos os meios de
hospedagem, cadastrados ou não junto ao EMBRATUR. (EMBRATUR, 2007).
Nesse sentido, o setor hoteleiro também se especializa para atender às
necessidades das metrópoles, principalmente no que diz respeito ao turismo

43
Serviços de bem-estar e estética como massagens e outras terapias alternativas.
44
Academia de ginástica.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
relacionado a negócios e ao turismo de eventos que geralmente acontecem
nestas cidades.
Assim, percebe-se que a hotelaria vem ao longo do tempo se adequando
às novas necessidades da metrópole e aos desafios que estas necessidades lhe
impõe, seja em seus serviços como em suas instalações, e que tanto o turismo de
negócios quanto o turismo de eventos foram fundamentais para suas novas
configurações.
Portanto, tendo em vista a importância e a relevância do setor hoteleiro
junto a essa discussão, visto que se trata de um setor essencial à fluidez exigida
na metrópole, este trabalho não tem a pretensão de esgotar suas discussões e
propõe que estudos futuros busquem aprofundar-se na análise dos
desdobramentos ocorridos no setor hoteleiro, a partir das alterações no sistema
de objetos e ações para configurar uma cidade como sede de uma região
metropolitana.

REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Mariana Vercesi de. A Regionalização no Período Técnico- 556
científico-informacional: A Região Metropolitana de Campinas. In: SOUZA,
Maria Adélia de. (et. al.). Território Brasileiro: Usos e abusos. Campinas: Edições
Territorial, 2003.
ALMEIDA, Eliza. Refuncionalização da metrópole do período técnico-
científico-informacional e os novos serviços. IN: SANTOS, Milton e SILVEIRA,
Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de
Janeiro: Record, 2001.
AMAZONAS, E., GOLDNER, L. As redes hoteleiras do Brasil. CD-ROM atualizado
até abril de 2004, v. 2.
AYRES, Mary Lessa Alvim, DAEMON, Ilka Gonçalves e FERNANDES, Paulo
César Siruffo. Hotel de Negócios. BNDES Setorial, Rio de Janeiro, 2001.
BACEN – Banco Central do Brasil. Legislação e Normas.
<http://www.bcb.gov.br/?LEGISLACAO> Acesso em 27 de dezembro de 2007.
BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 13, p. 127-156, mar. 2001
CBC&VB - Confederação Brasileira de Convention Visitors Bureau. Disponível
em: <http://www.cbcvb.org.br> Acesso em 13 julho de 2008.
EMBRATUR – Instituto Brasileiro de Turismo e Mtur – Ministério Brasileiro de
Turismo. Disponível em: < http://www.turismo.gov.br/> acesso em: 13 de maio de
2007.
FREITAG, Bárbara. Teorias da cidade. Campinas-SP: Papirus, 2006.
FUNDAÇÃO SEADE. Pesquisa e coleta de dados dos municípios. Disponível em
<http://www.seade.gov.br> Acesso a partir de 10 de agosto de 2006.
GORINI, Ana Paula Fontenelle e MENDES, Eduardo da Fonseca. BNDES
Setorial, Rio de Janeiro, n. 22, set. 2005.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
HIA – Hotel Investment Advisors. Hotelaria em Números: Brasil. São Paulo: HIA,
2004.
IBGE - Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estudos e
Pesquisas Informação Econômica número 5. ECONOMIA DO TURISMO. Rio
de Janeiro, 2007. ISBN 85-240-3923-X.
ICCA – International Congress and Convention Associations.
<http://icca.webportalasp.com/la_iccrm2005/webflyerportuguese.pdf> Acesso em:
23 setembro de 2007.
OMT – Organização Mundial do Turismo. Turismo Internacional: uma
perspectiva global. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003.
PELIZZER, Hilário Ângelo. Turismo de Negócios: qualidade na gestão de
viagens empresariais. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.
POZA, José Maria de la Leida. Estructura Industrial Turística. Barcelona,
Oikos-Tau, 1993.
RODRIGUES, Ricardo Mader. Histórico de desenvolvimento de hotéis no
Brasil. Hotel Investment Advisors (HIA), mar. 2002 (site institucional)
SANTOS, Milton. Espaço e Método. 4 ed. São Paulo: Nobel, 1997.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. do pensamento único à
consciência universal. 13ª. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.
SEBRAE, CRC&VB, CTI. I Dimensionamento Econômico do setor de Eventos
no Brasil: resulta

557

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
IMPACTOS TERRITORIAIS DO TURISMO NA CIDADE DE ARACAJU -
SERGIPE

Cristiane Alcântara de Jesus Santos


Mestre em Geografia/ Universidade Federal de Sergipe
cristie09@gmail.com

RESUMO
O espaço urbano de Aracaju vem passando por um processo de reestruturação e
qualificação em função do crescimento do fluxo turístico. Com isso, foram
desenvolvidos projetos setoriais de melhoria de determinados espaços da cidade
através de programas e políticas de desenvolvimento do turismo. Desta forma,
este artigo tem como objetivo analisar as intervenções urbanas ou os signos mais
importantes das políticas de turismo desenvolvidas em Aracaju, capital do estado
de Sergipe. Como base metodológica foi realizada a análise da evolução urbana -
turística dos equipamentos a partir da década de 90, a fim de per ceber o impacto
destes projetos de intervenção sobre o espaço de Aracaju.

Palavras- Chave: Turismo. Impactos territoriais. Espaço turístico.

ABSTRACT 558
The urban space in Aracaju has been dealing with a reformulation process caused
by the growth of tourist flow and activities. As a result, sector projects to improve
particular spaces of the city through tourism development programs and policies
have been performed. This paper aims at reviewing the most important urban
interventions and symbols associated to the tourism policies developed in Aracaju,
capital of the state of Sergipe. The methodology for this study is based on the
assessment of the urban-tourist evolution of the equipment since the 1990s in
order to realize the impact of such intervention projects in the city of Aracaju.

Keywords: Tourism. Territorial impact. Tourist space.

1 INTRODUÇÃO
A partir do inicio da década de 1990, o espaço urbano de Aracaju
experimentou um processo de reestruturação e qualificação em função do
crescimento do fluxo turístico. A reestruturação a qual nos referiremos neste
artigo está diretamente relacionada com os projetos setoriais de melhoria de
determinados espaços da cidade através de programas e políticas de
desenvolvimento do turismo no estado de Sergipe.

Neste sentido, a atividade turística tem exercido fundamental importância


no processo de construção e complementação urbana, a partir da criação de
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
novos equipamentos e serviços urbanos em áreas específicas da cidade. Desta
forma, o turismo e todo o pacote de ações que seguem as propostas
governamentais e do capital privado sobre o espaço da cidade, passa a
influenciar tanto o surgimento de novas funções urbanas, como é o caso da
função turística, quanto nas aspirações socioeconômicas dos cidadãos.

Além das atividades culturais, econômicas e de lazer, onde se incluem os


diversos segmentos de turismo, as construções de empreendimentos turísticos,
como por exemplo, hotéis, restaurantes e áreas destinadas ao ócio, assim como,
a revitalização do centro histórico da cidade contribuíram para promoção de
mudanças espaciais que dão suporte a esta nova função. É certo que ao falarmos
de valorização do espaço urbano, as intervenções urbanas desempenharam um
duplo papel na qualificação da morfologia social da cidade, uma vez que criaram
espaços elitizados que se beneficiaram das intervenções públicas, ao lado de
outros, extremamente segregados, do ponto de vista das ações do capital público.

Na medida em que o solo urbano entrou no âmbito da mercadoria, o


espaço passa a ter papel fundamental, uma vez que sendo apropriado de forma
559
privada para ser utilizado como área de suporte das atividades desencadeadas
pelo capital turístico, se converte na própria ação territorializada do capital
imobiliário que apoiado por uma rede de decisões políticas e econômicas
transforma o turismo em um vetor para o desenvolvimento urbano (CARLOS,
1996).

Em Aracaju, a natureza desse processo se apresenta de forma


direcionada, uma vez que os benefícios são previamente avaliados e apropriados
por determinados agentes modeladores do espaço urbano, como os promotores e
proprietários imobiliários. Ao considerar o papel desses agentes, Trindade Júnior
(1998, p. 32) afirma que ―não se pressupõe analisá-los de maneira isolada, como
se cada ação correspondesse somente e exclusivamente à realização de um
interesse específico‖, uma vez que corresponde ao conjunto de interesses das
camadas mais ricas da sociedade.

Por outro lado, em uma escala mais específica, as conexões criadas a


partir desses empreendimentos turísticos também interagem no sentido contrário,
uma vez que o próprio processo possibilita o aparecimento e a expansão de

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
novos mercados de consumo e de mão de obra informal. Assim, são geradas
outras redes e territórios no mesmo espaço, como a rede dos ven dedores de
queijo assado, de coco, ou até mesmo, dos guardadores de carros. Estes
trabalhadores informais também atuam como sujeitos produtores do espaço que
usufruem dos benefícios líquidos da turistificação.

No entanto, o processo de turistificação, ou seja, a produção de lugares


turísticos também pode gerar impactos negativos, sobretudo, impactos sociais e
ambientais. De fato, este processo pode ser colocado em prática sem uma
análise da capacidade de carga e, assim, alguns lugares não suportam as
demandas geradas, o que dá lugar a consequências graves, como por exemplo, a
degradação ambiental e social, além de expulsar as populações originais desses
lugares e gerar um ‗novo mundo‘ de consumo de fetiches.

Jean Baudrillard ao falar acerca da sociedade de consumo defende a ideia


de que o consumo tem em sua essência a manipulação de signos. Segundo este
autor, o consumo não deve ser entendido somente como aquisição de
mercadorias, mas fundamentalmente pelo consumo de signos: signo e
560
mercadoria se juntam para produzir a mercadoria-signo (BAUDRILLARD, 1970).

De maneira similar, a produção dos espaços turísticos aparece com novos


objetos/ signos que entram artificialmente no rol das necessidades básicas do
homem transformando-os em consumidores e produtores de símbolos, cada vez
mais diferenciados do conjunto da sociedade.

Desta forma, este artigo tem como objetivo analisar as intervenções


urbanas ou os signos mais importantes das políticas de turismo desenvolvidas em
Aracaju, capital do estado de Sergipe, a partir da década de 90. Porém, vale
ressaltar que os impactos sócio-econômicos e espaciais da atividade turística
ocorrem concomitantemente ao desenvolvimento urbano que a cidade já
experimentava a partir da ampliação dos serviços de transporte metropolitanos e
atividades industriais, assim como, de acordo com a evolução de sua própria
economia urbana ao longo de seus 155 anos de existência.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
2 A CIDADE DE ARACAJU: UMA SÍNTESE CONTEXTUAL

Ao longo dos seus 155 anos de existência, a cidade de Aracaju tem sido
estudada por vários pesquisadores, como Diniz (1963), Ribeiro (1989),
Machado(1989) e França (1999) e estes estudos tiveram como finalidade analisar
o papel desse centro urbano no contexto da economia sergipana, sua
estruturação espacial e sua inserção no sistema urbano brasileiro.

A cidade de Aracaju foi fundada em 17 de março de 1855 a partir da


resolução do presidente da Província, Ignácio Joaquim Barbosa, que elevava o
povoado Santo Antônio de Aracaju a categoria de cidade e capital do estado. Até
então, a capital da Província era a cidade de São Cristóvão, a quarta cidade mais
antiga do Brasil, criada no ano de 1590.

A partir da elevação do povoado a categoria de cidade como marco do


processo de urbanização e consolidação de um projeto de cidade, o núc leo passa
a se desenvolver a partir de 1860, transformando os rumos do processo de
formação espacial da área próxima ao pequeno povoado.

A cidade de Aracaju foi instalada na margem direita do rio Sergipe próximo 561

a sua desembocadura no Oceano Atlântico, conformando-se na base da colina


Santo Antônio, pois era necessário aterrar os pântanos e mangues existentes. No
processo de desenvolvimento urbano, no início do século XX, Aracaju atraia
populações rurais que procuravam melhor qualidade de vida nas cidades, onde a
publicidade da industrialização fomentava as idéias e desejos dos imigrantes.

Nas primeiras décadas do século XX, Aracaju passou a ocupar a posição


de principal centro urbano do estado de Sergipe. Esta condição foi favorecida,
sobretudo, pelo desenvolvimento da indústria e do comércio no município. A
construção dessa nova realidade foi possível a partir do aumento dos preços dos
produtos de exportação, refletido na estrutura econômica e social da população
de Aracaju e do estado de Sergipe. Isso ampliou os componentes de rendas e o
poder aquisitivo das diversas camadas sociais, o que resultou no aumento do
mercado interno local, assim como, nas transformações da estrutura urbana
através dos agentes privados e, sobretudo, pelo Estado (DANTAS, 1974).

Segundo Campos (2005, p. 78),

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
a partir da década de 30, com o desenvolvimento das redes de
transportes ferroviários e, principalmente, através das estradas que
conectava a capital aos demais municípios do estado de Sergipe,
Aracaju se converteu em um centro regional cuja influência ultrapassava
os limites do estado.

A partir dos anos 60, as distintas esferas de governos e o capital privado,


dentro da política dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) começam a
investir no espaço aracajuano. Entre os vários estabelecimentos industriais
localizados na cidade que influenciaram no crescimento urbano e social, podemos
citar a transferência da Petrobrás (Petróleo Brasilero S. A) e suas afiliadas para
Aracaju em 1964; a criação da primeira fábrica de cimento em Aracaju no ano de
1967 e a instalação do Distrito Industrial de Aracaju em 1971.

Nos anos 70, a cidade de Aracaju assume uma nova função – a função
turística - com a implantação da EMSETUR (Empresa Sergipana de Turismo)
através da Lei Estadual n. 1.721 de 09 de dezembro de 1971. Com a criação
dessa instituição se constitui um marco institucional de atuação do setor público
no turismo sergipano e, sobretudo, na capital do estado.

A partir daí várias ações foram desenvolvidas no âmbito da atividade 562

turística, conforme veremos a seguir.

3 O TURISMO E A REESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE ARACAJU

A complexa e permanente fragmentação do espaço urbano de Aracaju


apresenta um mosaico de usos diferentes, sobretudo, quando analisamos a forma
e o conteúdo social. Entretanto, o dinamismo temporal e espacial destes usos
gera novas formas espaciais, cujos aspectos mais visíveis e fundamentais são os
diferentes fluxos de pessoas, veículos e capitais. Milton Santos (1988), ao estudar
a metamorfose do espaço afirma que estes fluxos se revelam como elementos de
destaque na organização espacial, integrando-se com os lugares (fixos),
resultantes do trabalho social de vários agentes produtores do espaço.

Um dos fatores responsáveis pela reestruturação do espaço urbano de


Aracaju é o turismo, uma vez que vários espaços, equipamentos e serviços,
naturais ou artificialmente fabricados, como a Nova Orla da Praia de Atalaia,
passam a compor a oferta turística da cidade, ou seja, se transformam em
produtos para o consumo.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Algumas dessas transformações foram possíveis através do PRODETUR
(Programa de Desenvolvimento Turístico no Nordeste do Brasil), programa
responsável por intervenções urbanas associadas a consolidação do litoral como
lugar turístico e de ócio. De fato, estas intervenções permitiram a melhoria da
infraestrutura básica e turística dos bairros turísticos, principalmente o bairro
Atalaia, onde estão localizados os principais atrativos e empreendimentos
turísticos da cidade. Vale ressaltar que esta melhoria não afetou a totalidade do
bairro, uma vez que somente algumas ruas ou avenidas, as que estão em uma
localização mais estratégica, receberam pavimentação e instalação de rede
sanitária.

Sem dúvida, a implantação de infraestrutura é um fator fundamental para o


desenvolvimento do turismo, uma vez que como afirma Margarita Barreto (1991),
não se pode pensar no desenvolvimento do atrativo turístico se não há o cenário
ideal e a infraestrutura adequada para atrair os investidores.

3.1 REESTRUTURAÇÃO DO BAIRRO ATALAIA


A partir do início do século XX até os dias atuais, o bairro Atalaia tem 563

passado por significativas transformações espaciais. Inicialmente era um bairro


com características agrícolas muito fortes e passou por um processo de
desruralização transformando-se em um dos bairros mais nobres da cidade de
Aracaju, onde se concentram os mais importantes atrativos e equipamentos
turísticos da cidade.

É certo que estas mudanças se produziram paulatinamente. No final do


século XIX e princípio do século XX, a paisagem do bairro estava associada ao
litoral, ao uso agrícola e a atividade pesqueira. De fato, a existência da praia
neste bairro foi um fator determinante para as mudanças ocorridas nesse espaço.
No início do século XX, o bairro Atalaia começa a perder sua função agrícola em
detrimento dos novos habitantes que procuravam usufruir das amenidades
naturais – praia e sol.

Segundo Inaê Silva em seu trabalho intitulado ―Quando a cidade chega à


praia – estudo de exclusão social urbana‖, o bairro Atalaia em meados dos anos
20, ―já começa, pouco a pouco, a perder seus atributos de zona agrícola em

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
detrimento do veraneio [...] sendo frequentada somente pelas pessoas que
procuram o sul do rio Poxim, na região do litoral‖ (SILVA, 1997, p. 34).

Até o princípio da década de 1960, a ocupação da área, no que se refere às


residências permanentes, era pouco representativa, já que o bairro era mais
utilizado como área de veraneio pela população com maior poder aquisitivo da
sociedade aracajuana.

Na década de 1970, a construção da Avenida Santos Dumont paralelamente


ao mar transformou a praia de Atalaia no principal centro de ócio da cidade de
Aracaju, promovendo o aumento do fluxo a partir da melhoria das vias de acesso.
Neste mesmo período, os agentes imobiliários passaram a investir nas
amenidades apresentadas pela Praia de Atalaia, com o objetivo de atingir a
camada de maior poder aquisitivo da cidade.

Na metade dos anos 70, outros fatores seriam também determinantes para o
crescimento demográfico desta área: a duplicação da principal via de acesso ao
bairro Atalaia, a Avenida Paulo Barreto de Menezes e a construção da Avenida
Delmiro Gouveia, outra via de acesso ao bairro Atalaia através do bairro Coroa do
564
Meio.

A partir dos anos 80, o bairro Atalaia passa a apresentar uma grande
mudança em sua forma e conteúdo, uma vez que antigas formas e conteúdos
desapareceram dando lugar a formas e conteúdos distintos que estão presentes
no bairro até os dias atuais. Sua antiga função agrícola foi alterada por funções
urbanas. Se antes o bairro Atalaia era conhecido como uma área de veraneio da
população com maior poder aquisitivo, nos anos 80, passa a ser conhecido como
um bairro com a presença de residências fixas, porém, com infraestrutura urbana
ainda precária. Isso é um reflexo da contradição da produção do espaço urbano
brasileiro.

Assim, a valorização imobiliária, fruto da interação dos diversos agentes,


passa a impactar decisivamente na composição do espaço intra - urbano do
bairro. A própria consolidação do bairro Atalaia, desde os anos setenta, revela
que a proximidade do mar, as amenidades naturais (praia e sol) foram elementos
favoráveis para o desenvolvimento do turismo de massa e um dos grandes
recursos simbólicos de reestruturação interna.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Portanto, se justifica que a produção do espaço urbano do bairro deriva de
um processo complexo, que não é somente determinado pela qualidade física,
econômica e social, mas também por atributos simbólicos criados e associados a
sua localização, como por exemplo, a orla da Praia de Atalaia. Assim, podemos
afirmar que estes atributos contribuíram para que o bairro fosse considerado
segundo os estudos da MONTOR/PMA (1972), Berilo Sandes (1982) e Neuza
Ribeiro (1989) como de alta renda, o que contradiz os precários aspectos
urbanísticos existentes.

Atualmente, o bairro Atalaia apresenta certa heterogeneidade física


representada pela presença de residências permanentes, segundas residências,
estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, que varia desde
pousadas a hotéis cinco estrelas, ademais de bares e restaurantes localizados na
orla marítima.

Nos últimos anos, o incremento do fluxo turístico e os serviços demandados


por sua expansão provocaram um processo de reestruturação espacial,
principalmente das condições infraestruturais do bairro Atalaia, caracterizando-o
565
com uma funcionalidade direcionada ao ócio, hospitalidade e gastronomia.

3.1.2 O PROJETO NOVA ORLA DA PRAIA DE ATALAIA

A maior intervenção do estado no bairro Atalaia a partir dos recursos do


PRODETUR/NE foi o Projeto Nova Orla. A reestruturação urbana da Orla da Praia
de Atalaia, entre os anos de 1993 e 1994, foi um dos projetos mais significativos
desenvolvido pelo Governo do estado em consórcio com o setor privado para
promover o desenvolvimento e incrementar o fluxo turístico do estado de Sergipe.

A execução do projeto foi planejada para um prazo de 120 dias, mas foi
executado num prazo de 2 anos e se dividiu em três fases distintas (Figura 1). A
primeira fase compreendeu uma extensão de 1.100 metros e foram investidos 1,5
milhões de dólares dos recursos do PRODETUR/NE. A segunda fase
compreende uma área de 1.800 metros de extensão construída com 2,5 milhões
de dólares. Na última etapa foram ―reabilitados‖ 1.100 metros, mas o total do
investimento não foi divulgado.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Por ser um projeto grandioso foram construídas quadras poliesportivas,
pista para a prática de skate, quadra de tênis, ciclovias, parques infantis, praça de
eventos, sanitários e banhos públicos, postos salva-vidas e calçadão. Ademais,
foram idealizadas uma boate e uma casa de forró, porém estes empreendimentos
não foram concluídos.

Dos equipamentos da área de alimentos e bebidas existentes ou


construídos após a inauguração da Nova Orla, alguns fecharam ou mudaram de
proprietários, já que o número de estabelecimentos e a baixa demanda de turista,
assim como a ausência de disposição de renda por parte de uma parcela da
população local não permitiu a sua permanência.

Desta forma, o Estado assume o papel contraditório na perspectiva de


possibilitar um desenvolvimento sócio-espacial pensado em bases que articulam
identidades e culturas globais e locais produzindo na Orla de Atalaia uma
mudança do consumo produtivo local. Além disso, cria novos territórios de
consumo global transformando a praia em um ambiente seletivo, onde alguns
podem usufruir dos bares e restaurantes com padrões específicos, entre outros
566
serviços, enquanto que a maior parte da população utiliza somente as
amenidades naturais: sol, areia e mar.

De fato, o Estado, a partir da implantação da infraestrutura no bairro Atalaia


se converteu num grande empreendedor e conseguiu atrair novos
estabelecimentos turísticos para Aracaju. Há certa concentração em relação a
localização destes estabelecimentos e, coincidentemente, na melhoria da
implantação de infraestrutura básica. Os principais hotéis e restaurantes estão
localizados na principal avenida do bairro Atalaia, a Avenida Santos Dumont, que
está diante da praia de Atalaia. As ruas perpendiculares e paralelas a esta
avenida também se converteram em ―ponto de atenção‖, já que outros hotéis e
pousadas foram implantados.

O Governo do estado de Sergipe, através de João Alves Filho (governador


do estado), 12 anos depois da execução do projeto Nova Orla, começou uma
nova reestruturação da Orla de Atalaia. O que merece ser destacado é que João
Alves Filho foi o idealizador do primeiro projeto ―Nova Orla‖ quando também era
governador do estado. Ao retornar ao poder se utilizou de um novo slogan ―Nova

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Orla – A orla mais bonita do Brasil‖ para fazer novas alterações no
empreendimento.

FIGURA 1. PROJETO NOVA ORLA

Localização

567

Fases


100 m 0 100 200


300 m

Fonte: SEPLAN – Secretaria de Planejamento- Prefeitura Municipal de


Aracaju/KADEXPRESS, 2002.
Organização: Edson Magalhães

É certo afirmar que por questões políticas, a orla de Atalaia estava


abandonada e necessitava de alguns reparos em seus equipamentos, ademais de
algumas correções infraestruturais. Com o objetivo de reafirmar sua visão
empreendedora, o Estado, através da segunda fase do PRODETUR/NE, propõe e
realiza a reforma da primeira e segunda fase da Orla (Ver figura 1). Esta reforma

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
compreendeu a revitalização do calçadão, reformulação e ampliação do projeto
de arquitetura, urbanismo e paisagismo e reparo nas deficiências dos
equipamentos turísticos.

Esta nova reestruturação da orla de Atalaia está dividida em dois eixos


gerais. O primeiro se refere aos projetos de reforma da urbanização (expressão
utilizada no projeto) que corresponde a uma área de 29.500 m2 e engloba a
reabilitação do complexo desportivo, construção de acesso a praia a partir de
passarelas de madeira sobre a areia, reformulação da sinalização de trânsito e
turística, além de jardins distribuídos por diversos pontos do calçadão. O segundo
eixo foi denominado projetos de reforma de arquitetura que envolveu uma área de
aproximadamente 570.000 m2. Neste projeto restauraram e construíram banheiros
públicos, assentos, coletores de lixo, parque infantil, equipamentos para ginástica
e quiosque para a comercialização de coco da baía.

Dentro deste projeto, a obra pública que gerou a maior polêmica entre o
Governo e a população local foi a construção dos lagos artificiais na praia de
Atalaia. Segundo o Departamento de Habitação e Obras Públicas (DEHOP),
568
instituição responsável pelo projeto de revitalização da orla, os três lagos foram
construídos para o uso de equipamentos de esportes náuticos. No entanto, a
população criou uma nova função para os lagos – a função balneária (Figura 2).
Porém, a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA), instituição responsável por aferir
os níveis de poluição da água em Sergipe, afirmou que foi detectado um alto nível
de coliformes fecais derivados dos despejos realizados pelos bares e quiosques,
fazendo com que o lago se torne inapropriado para o banho.

De fato, apesar dos problemas apresentados, a orla se converteu no


principal atrativo para reinício da política de turismo de Sergipe baseada nos
processos de qualificação ou (re) qualificação de espaços turísticos. Podemos
destacar também, associado ao projeto Nova Orla, projetos de espaços turísticos
já existentes, mas que não são consolidados, como é o caso do projeto de
revitalização do Centro Histórico de Aracaju.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
FIGURA 2. LAGOS ARTIFICIAIS LOCALIZADOS NA ORLA DA PRAIA
DE ATALAIA

Fonte: Foto 1 da autora. Foto 2 e 3 do arquivo do Jornal CINFORM.

3.2 A REVITALIZAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO DE ARACAJU E 569

RESTAURAÇÃO DO MERCADO CENTRAL

A revitalização do centro histórico de Aracaju foi executada pela Prefeitura


da cidade de Aracaju a partir do projeto elaborado no ano de 1997, pela empresa
privada Trama Urbanismo, através de um convênio com a Secretaria de
Planejamento do governo do estado de Sergipe.

O objetivo deste projeto foi a reabilitação do patrimônio arquitetônico e


histórico, a fim de fortalecer as atividades comerciais tradicionais do centro da
cidade de Aracaju e de impulsionar o turismo através do resgate da relação
histórica entre o centro de Aracaju e o rio Sergipe, uma vez que a c idade de
Aracaju está situada na margem deste rio.

Segundo Kátia Loureiro, uma das arquitetas envolvidas no projeto, o


objetivo central é ―transformar o centro em um espaço seguro, limpo, confortável
[...] semelhante a um centro comercial‖.

Para alcançar estes objetivos foram elaborados dois projetos: a


revitalização da parte antiga da cidade e a restauração e ampliação do Mercado

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Central de Aracaju. A partir da execução do projeto houve uma mudança na
paisagem do centro histórico, uma vez que alguns pontos estratégicos passaram
pelo processo de revitalização. Dentre eles poderíamos destacar:

 Construção de rótulos com informações acerca dos monumentos históricos


e sinalização das ruas;

 Restauração da Ponte do Imperador, um dos principais pontos turísticos da


cidade;

 Delimitação de três setores especiais de turismo: SET 1 (antiga rua da


Aurora), SET 2 (praças) e SET 3 (Praça General Valadão);

 Melhora e ampliação de equipamentos coletivos, como por exemplo,


telefones e assentos públicos;

 Restauração de edificações antigas (Patrimônio Histórico-cultural).

Para a concretização do projeto foram investidos aproximadamente R$


4.025.000,00 dos quais R$1.800.000 do Banco de Nordeste do Brasil/BID,
R$1.200.000,00 do BNDES e R$1.025.000,00 do próprio estado.
570

Estas intervenções influenciaram no novo perfil paisagístico do centro


histórico. Porém, é importante ressaltar que não conseguiram impor uma ―nova‖
identidade, uma vez que não eliminaram seus usos anteriores, seja no que se
refere a comercialização informal, atividade que sempre atuou como um ponto
identitário para a área, ou nos territórios de prostituição que já estão consolidados
neste espaço central.

De fato, este processo de revitalização do centro histórico gerou muitas


polêmicas, uma vez que muitos pontos do projeto foram questionados e criticados
pela população local. Dentre estes pontos podemos destacar a ampliação das
calçadas que causou uma redução do número de estacionamentos gratuitos e a
transformação de antigas ruas em calçadões, como o trecho da Rua São
Cristóvão próximo a Avenida Rio Branco, uma das ruas de maior fluxo de veículos
no centro da cidade. Apesar de se tratar de medidas positivas, a população se
opõe porque o carro é o meio de transporte mais utilizado pelo aracajuano para
os deslocamentos internos.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
O outro projeto que teve como objetivo a restauração e ampliação do
Mercado Municipal de Aracaju foi dividido em três eixos principais: a restauração
do Mercado Antonio Franco, construído no ano de 1926, e do Mercado Thales
Ferraz (1949); a demolição do Mercado Leite Neto que foi construído en 1985, e,
por fim, a construção do Mercado Albano Franco que se concretizou em 1999
(Figura 3).

FIGURA 3. O ANTES E DEPOIS DOS MERCADOS MUNICIPAIS DE


ARACAJU

571

Fonte: Walter Chou, 2002.

Os principais pontos abordados no projeto destas intervenções foram:

 Restauração das edificações do mercado, restabelecendo suas condições


sanitárias e a capacidade de uso;

 Reorganização da comercialização no interior das edificações;

 Criação de um novo mercado através da reciclagem do antigo moinho de


Sergipe e do armazém de trigo;

 Criação de áreas de carga e descarga;

 Recuperação do sítio urbano degradado;

 Estacionamento para caminhões e carroças.

A ideia contida no projeto partia do princípio da dinamização da prática


turística na cidade de Aracaju, conforme afirmou a arquiteta Ana Libório ―temos
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
que resgatar a memória e a qualidade ambiental e apostar na zona do mercado
como um ponto de atração turística para a cidade‖. A fim de alcançar este
objetivo, o projeto considerava algumas proposições para a área de turismo e
lazer:

 Construção de restaurantes panorâmicos;

 Preservação da memória arquitetônica;

 Higienização;

 Construção de uma praça para realização de eventos;

 Construção de uma área específica para comercialização de artesanatos.

É certo que estes mercados funcionavam com bastante precariedade, pois


apresentavam problemas sanitários gravíssimos, além de não haver controle dos
produtos comercializados. No entanto, assim como o projeto de revitalização do
centro histórico, este projeto não se desenvolveu sem gerar conflitos e críticas,
sobretudo, por parte dos comerciantes locais. De fato, havia uma grande
comercialização informal que incluía desde os vendedores ambulantes até os
572
comerciantes de produtos eletrônicos e muitos destes foram excluídos a partir da
nova forma de organização do mercado.

Apesar de um total de investimento de aproximadamente R$ 4.711.000 a


partir do PRODETUR/NE, algumas materialidades resistiram às ações
transformadoras dos mercados municipais, uma vez que ainda permanecem os
problemas com o odor, com o armazenamento dos produtos comercializados,
sobretudo, com os pescados e carnes. Ademais dos problemas sociais, como por
exemplo, a prostituição que caracteriza o mercado desde a década de 20 e a
marginalidade.

Entretanto, o resultado deste projeto no Centro Histórico é mais do que


uma intervenção arquitetônica, uma vez que este espaço se transformou em um
espaço de consumo simbólico e econômico direcionado a atividade turística, já
que se percebe o incremento do fluxo turístico nesse espaço.

Atualmente, o Centro Histórico está envolvido no discurso de uma nova


imagem da cidade de Aracaju. Zukin (2000), em seu artigo que trata das
paisagens pós-modernas, enfatiza a existência das ―paisagens de poder‖, o que
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
poderíamos relacionar com o processo de revitalização do Centro Histórico e
Mercado Central de Aracaju, já que representa uma forma estratégica de
apropriação cultural de um lugar histórico e sua posterior transformação em um
segmento do mercado de bens simbólicos, em que há uma convergência prática e
simbólica de uma representação de cidade moderna.

O impacto desses projetos de intervenção sobre o espaço, tanto com o


projeto Nova Orla como os projetos de recuperação e restauração do centro
histórico de Aracaju, mostra que por mais que os objetivos dos governos locais
(municipal e estadual) tenham sido alcançados a partir da melhoria da
infraestrutura dando suporte ao mercado turístico, as consequências sociais são
imensas, uma vez que os sujeitos envolvidos são variados e os interesses
econômicos distintos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de turistificação da cidade de Aracaju envolve aspectos


políticos, sociais, econômicos e culturais, assim como, promove a reorganização
573
espacial, uma vez que desenha uma nova divisão espacial do trabalho através da
produção e incorporação desses espaços às novas tendências de consumo e
lógicas exteriores, baseadas na reestruturação espacial global.

Como exemplos dessa nova lógica, os projetos de revitalização da Nova


Orla da Praia de Atalaia e do Centro Histórico de Aracaju têm promovido novas
articulações territoriais, onde os valores assumidos pela sociedade não mais
correspondem às características da população local, mas sintetizam atributos e
usos ao território de acordo com os padrões impostos pela atividade propulsora
das transformações espaciais.

De fato, o desenvolvimento turístico pode ser uma estratégia eficaz para


atrair investimentos privados nacionais e internacionais, assim como, para
incrementar o fluxo turístico e a geração de emprego. Porém, vale ressaltar a
necessidade do planejamento para reduzir as repercussões negativas vinculadas
ao crescimento turístico.

O programa de turismo para o estado de Sergipe somente contemplou


alguns municípios do estado, em que podemos afirmar que houve uma

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
concentração de investimentos no litoral enquanto que outras áreas que também
necessitavam do apoio governamental para fortalecer o processo de
desenvolvimento turístico foram excluídas do programa. Desta forma, esta análise
nos mostra que o caso de Sergipe se assemelha aos demais estados do
Nordeste, em que as práticas de desenvolvimento turístico ainda estão baseadas
no modelo ―sol e mar‖, não havendo um planejamento que considere as
especificidades de cada destino turístico.

A cidade de Aracaju, principal destino do estado, foi contemplada com


inúmeras ações, das quais destacamos três projetos específicos. Porém, é
importante rearfimar a necessidade do planejamento, a fim de que as ações e
estratégias adotadas de fato possam favorecer o desenvolvimento da prática
turística. Vale ressaltar que o planejamento não é somente de competência dos
agentes hegemônicos, mas que deve ser também de responsabilidade dos vários
segmentos da sociedade local que se apropria desses mesmos espaços, seja a
Orla da Atalaia ou o Centro Histórico, constituindo assim, outras territorialidades.

574

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, M. Planejamento e organização em turismo. Campinas: Papirus,


1991.
BAUDRILLARD, J. La société de consommation. Paris: Ed. Denoel, 1970.
CAMPOS, A. C. O Estado e o Urbano: os programas de construção de conjuntos
habitacionais en Aracaju, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe,
nº. 45, vol 66, Aracaju: 2005.
CARLOS, A. F. A. (Re) Produção do Espaço Urbano. São Paulo: Edusp, 1996.
DANTAS, I. Tenentismo em Sergipe. Petrópolis: Vozes, 1974.
DINIZ, J. A. F. Aracaju – Síntese de sua geografia urbana. São Cristóvão/SE:
Departamento de Geografia/UFS, 1963.
FRANÇA, V.L. A. Aracaju: Estado e Metropolização. São Cristóvão: EDUFS,
1999.
MACHADO, E. V. Aracaju: paisagens e fetiches. Abordagem acerca do processo de
seu crescimento recente. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,
1989. Dissertação de Mestrado.
MONTOR/PMA. Plano de Desenvolvimento Local Integrado do município de
Aracaju. Aracaju: Prefeitura Municipal de Aracaju, 1972.
RIBEIRO, N. M. G. Transformações Recentes do Espaço Urbano: O Caso de
Aracaju. Recife: Massangana, 1989.
SANDES, B. Perfil do Aglomerado Urbano de Aracaju. Aracaju: PMA, 1982.
SANTOS, M. Metamorfose do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
SILVA, I. E. M. da. Quando a cidade chega à praia – estudo de exclusão social
urbana. Brasília: Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 1997.
Dissertação de Mestrado.
TRINDADE JÚNIOR, S. C. da. Agentes, Redes e Territorialidades Urbanas. Rio
de Janeiro, Revista Território, 5: 31-50, jul/dez, 1998.
Zukin, S. Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder. In:
ARANTES, Antonio. (org.). O Espaço da Diferença. Campinas: Papirus, 2000.

575

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
INTERVENÇÃO URBANA EM PORTO ALEGRE: GENTRIFICAÇÃO E
DISCURSOS LEGITIMADORES DO PROJETO CAIS MAUÁ

Otávio Augusto Diniz Vieira


Graduado em Turismo
Mestrando em Geografia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
otavio_vieira@hotmail.com

RESUMO
Esse artigo discute o espaço do Cais Mauá da cidade de Porto Alegre e o projeto
de mesmo nome, o qual, nesse artigo, é caracterizado como um caso de
gentrificação. Inicia com a discussão teórica sobre o termo gentrificação para,
logo a seguir, abordar aspectos que influenciam esse fenômeno. Surgem, então,
questões relativas ao processo de globalização, ao papel da classe média, à
relação entre produtores e consumidores desses espaços e à segregação
decorrente. O Projeto Cais Mauá foi intensamente debatido na Câmara dos
Vereadores, para por fim aprovar a lei que permitirá ao Estado a elaboração do
edital internacional de licitação. Assim, o objetivo desse trabalho consiste em
analisar os discursos legitimadores dos diversos atores sociais envolvidos no
tema, como promotores imobiliários, Estado, trade turístico e agentes sociais
questionadores, como ONG`s e a comunidade. Esses discursos são analisados 576
por intermédio de textos jornalísticos divulgados na Câmara Municipal de Porto
Alegre, os quais transcrevem algumas falas desses agentes sociais. A análise
desses textos revela que os discursos tanto dos promotores imobiliários quanto
da maioria dos políticos, representantes do Estado, e do trade turístico,
pretendem justificar o projeto de gentrificação do Cais Mauá argumentando,
fundamentalmente, pelo fomento ao turismo com a criação de novos empregos,
pela revitalização de uma área subutilizada, em função do espelho de outros
projetos similares em espaços portuários de grandes cidades turísticas e também
pela necessidade de sua concretização até a realização da Copa do Mundo de
2014. Por outro lado, os discursos contestadores, por parte de ONG`s e da
comunidade, por exemplo, buscam legitimar outro modelo e apontam que o
projeto em estudo se baseia na especulação imobiliária ao invés de discutir a
melhor opção para o desenvolvimento urbanístico da cidade. Mostram-se contra o
erguimento de ―espigões‖ ao longo de toda orla e defendem seu uso integral pela
comunidade em geral e não apenas por certos atores sociais privilegiados.

Palavras-Chave: Projeto Cais Mauá, Gentrificação, Porto Alegre, Turismo,


Discurso

ABSTRACT
This article discusses the Maua Pier area in Porto Alegre and the project that was
given its name, which in this article, is characterized as a case of gentrification. It
begins with the theoretical discussion about the term gentrification and,
immediately after, addresses aspects that influence this phenomenon. This arises,
then, issues relating to globalization, the role of the middle class, the relationship
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
between producers and consumers of these areas and the resulting segregation.
The Pier Maua project was subject of intense legislative debates at the House of
Councillors, so they could have approved the law that will allo w the State to launch
an international tender bidding. The objective of this study is to analyse the
legitimating speeches of the various actors involved in the subject, as property
developers, State, tourist trade and questioning social actors, as NGO`s and the
community. These speeches are analyzed through articles published on the
website of the House of Councillors of Porto Alegre, which transcribe some
speechs of these social agents. The analysis of these texts shows that the
speeches of both the developers and the majority of politicians, representatives of
government, and the tourism trade, seek to justify the project of gentrification of
Pier Maua arguing essentially that it promotes tourism with the creation of new
jobs, and the revitalization of an underutilized area, based on similar projects at
port areas of major tourist cities and also the need for its implementation until the
beginning of the World Cup 2014. On the other hand, the protesters speeches, as
NGO's and the community, for example, seek to justify another model and show
that the actual project is based on property speculation rather than discusses the
best option for the urban development of the city. They stand up against the
building of skycrapers along the entire border and defend its use by the whole
community in general and not only by certain privileged social actors.

Keywords: Pier Mauá Project, Gentrification, Porto Alegre, Tourism, Discourse

1 INTRODUÇÃO 577

―Ilhas de renovação em mares de decadência.‖


(ZUKIN apud BARRETTO, 2007, p. 128)

Nas últimas décadas, após amplo processo de descentralização urbana,


esvaziamento e abandono de algumas áreas centrais, observa-se, em diversas
cidades do mundo, intenso movimento de reocupação desses espaços. Esse
processo acontece apoiado por uma política neoliberal, o qual, segundo Santos
(2005), as normas privadas exercem papel cada vez mais dominante na produção
da esfera pública.

Tem-se usado o termo gentrificação (do termo em inglês gentrification45)


para esse processo de renovação urbana, ao invés do usual revitalização. Este
termo traz consigo a idéia de expulsão dos moradores que antes ali habitavam em
detrimento de uma nova classe social, em geral uma classe média alta,
provocando assim, conforme Souza (2003), uma segregação imposta para esses
últimos.

45
Enobrecimento

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
O mercado global constitui importante fator que tem pressionado as
comunidades para a realização desses projetos. Nesse contexto, os projetos de
gentrificação tem sido acelerados em função de fatores como a concorrência
entre as cidades por investimentos e por turistas, à diminuição da capacidade de
investimento do Estado para tratar áreas públicas e às tentativas de reverter o
esvaziamento das grandes urbes causado pela saída das indústrias.

Os projetos de gentrificação não estão necessariamente relacionados à


atividade turística que, entretanto, usa do embelezamento desses espaços para
seu desenvolvimento. Nessa mesma linha de pensamento, Barretto (2007),
comenta que as fronteiras entre os equipamentos para uso dos turistas e para a
recreação da população são cada vez mais difusos, e esse parece ser o desafio
para os projetos que venham a se desenvolver nessas áreas: atrativos turísticos
juntamente com inclusão social.

A gentrificação tem ocorrido com frequência em alguns portos localizados


próximo as áreas centrais, visto que esses espaços foram subutilizados – as
docas – em diversas cidades, (BARRETTO, 2007) devido ao uso dos containers
578
para o transporte de carga direto dos caminhões aos navios.

Na cidade de Porto Alegre, debate-se há mais de uma década o que fazer


com o espaço do Cais Mauá e diversos projetos já foram aprovados e em seguida
embargados. Atualmente, o projeto chamado Cais Mauá, elaborado por técnicos
do estado e do município, tramita na Câmara dos Vereadores.

O artigo mostra e analisa discursos que buscam legitimar os projetos de


gentrificação, principalmente os dos agentes produtores desses espaços (Estado,
promotores imobiliários, empreendimentos de turismo e serviços, entre outros),
visto que, conforme Smith apud Bernhardt (2008), embora a classe social seja
central para a análise do fenômeno da gentrificação, seu foco deve ocorrer no
âmbito da produção e não do consumo.

1.1 OBJETIVO GERAL

Refletir sobre o projeto de gentrificação previsto para o Cais Mauá de Porto


Alegre e seus discursos legitimadores.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
1.2 OBJETIVOS ESPECIFICOS

Discutir o conceito de gentrificação e como a conjuntura global e local influi


para sua realização.

Apontar quais os agentes sociais os quais se beneficiarão com tal projeto e


seus discursos legitimadores.

Analisar, brevemente, a segregação urbana que os projetos de


gentrificação causam.

1.3 PROBLEMAS

Quais os discursos dos diferentes agentes sociais que legitimam o projeto


de gentrificação do Cais Mauá?

Quais os agentes sociais que se beneficiam com tal projeto?

Quais as modificações na dinâmica urbana que se darão caso tal projeto


seja concluído?

579
1.4 HIPÓTESES

Os discursos legitimadores dos agentes sociais os quais se beneficiarão de


tal projeto são o da necessária revitalização ou embelezamento urbano para esse
espaço degradado e o do fomento ao turismo.

Os agentes sociais que se beneficiam – por intermédio da produção e do


consumo do espaço gentrificado do Cais Mauá - de tal projeto são os Promotores
Imobiliários (produção do espaço), os grupos de alto status social (consumo do
espaço), os turistas (embora esses sejam de número relativamente limitado na
cidade de Porto Alegre).

As principais modificações urbanas implicariam no aumento da segregação


(criação de fronteiras urbanas), além de alterar significativamente a paisagem da
área e causar possível fomento do turismo.

1.5 METODOLOGIA

Esse artigo teve inspiração e desenvolvimento teórico com base no


pensamento de Milton Santos (ver obras referenciadas na bibliografia) e em
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
outros pensadores que tratam do fenômeno urbano, tais como Harvey e Roberto
Lobato Corrêa, além de trabalhos que abordam o inusitado tema da gentrificação.

Os discursos legitimadores dos principais agentes sociais envolvidos no


Projeto Cais Mauá foram analisados através de textos que transcrevem as falas
desses agentes proferidas durante debates realizados na Câmara de Vereadores
de Porto Alegre.

Esse artigo, ainda, examina sumariamente aspectos teórico-conceituais


considerados fundamentais para o entendimento do processo de gentrificação
aplicado ao caso do Projeto Cais Mauá.

2 GENTRIFICAÇÃO

―Embelezar estrategicamente a cidade e


disciplinar os usos do espaço urbano.‖
(LEITE apud BERNHARDT, 2008, p.1)

O termo gentrificação foi primeiramente usado por Ruth Glass em 1964


(SILVEIRA, 2007), quando essa descreveu o processo pelo qual os bairros de
580
trabalhadores de Londres estavam recebendo investimentos públicos e privados
com o objetivo de vender esses apartamentos ‗embelezados‘ 46 para uma classe
média.

Cabañas y alojamientos pobres y modestos – dos cuartos arriba y dos


abajo – han sido tomados […] y se han transformados en residencias
elegantes y caras…Una vez que ese proceso de gentrification empieza
en un distrito, se extiende rápidamente hasta que la mayor parte de los
ocupantes de la clase trabajadora son desplazados y todo el carácter
social del distrito cambia
(http://members.lycos.co.uk/gentrification/whatisgent.html apud
BARRETTO, 2007 , p.127)

Barretto conceitua o termo do seguinte modo:

[...] es un neologismo que viene del vocablo inglés, gentrification, que


podría significar ennoblecimiento o refinamiento, ya que gentry quiere
decir aristocracia, o gente fina, también puede ser traducido como
elitización. También se utiliza como sinónimo ―calificación‖ o
―cualificación‖ en el sentido de dar cualidad a los espacios. (2008, p. 126)

46
O termo inglês Gentrification pode ser traduzido como embelezamento.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Dependendo da maneira como é realizado, esse processo também pode
ser chamado de higienização social ou de limpeza social, especificamente, devido
à violência contra direitos humanos com que, por vezes, tais ações são
realizadas.

O que pontua o termo gentrificação é que este envolve, fundamentalmente,


a expulsão de habitantes que ali residiam, devido à revalorização imobiliária, em
detrimento de outra classe social, em geral uma classe média alta. Os antigos
habitantes — que moravam em residências geralmente alugadas, por exemplo —,
são obrigados a mudar para bairros afastados, agravando problemas como
transporte público, trânsito urbano e deterioração ambiental.

Barretto cita alguns pontos que caracterizam o termo:

[…] una reestructuración espacial profunda en varios sentidos y es un


proceso que carga contradicciones sociales. En primer lugar, se refiere a
una expansión del área física del centro; en segundo lugar, a la difusión
del poder cultural del centro de la ciudad y, finalmente, a un proceso de
transformación del centro de la ciudad de acuerdo a una cultura
internacional de mercado. (2008, p.127)

581
A troca da classe social que habita a área constitui a diferença fundamental
entre gentrificação e ações mais simples como renovação, revitalização,
reabilitação ou requalificação (SILVEIRA, 2007).

Renovação está relacionada à substituição de formas urbanas existentes


por modelos contemporâneos, mesmo que, em geral, os modelos de edificações
pré-existentes sejam preservados. Já revitalização sugere uma visão errônea
sobre a área de intervenção, visto que não se trata de dar nova vida a um espaço
que estava morto.

Reabilitação constitui um processo integrado de recuperação de uma área


que se pretende salvaguardar, implicando no restauro de edifícios e na
revitalização do tecido econômico e social, a fim de tornar a área atrativa e
dinâmica, com boas opções de habitabilidade. Esse termo parece ser o mais
similar, entretanto, ele não abarca a construção de novas edificações. Finalmente,
requalificação engloba processos de alteração em uma área urbana com a idéia
de lhe conferir nova função (ou novas funções), diferente(s) daquela(s) pré-
existente(s) (SILVEIRA, 2007).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
3 O PROJETO CAIS MAUÁ

“De acordo com o projeto, a aplicação do índice de


aproveitamento e da taxa de ocupação ocorrerá ‗sem
doação de áreas para o sistema viário e equipamentos
públicos comunitários‘‖. (SCOMAZZON, 2009)

No ano de 2005, a Prefeitura de Porto Alegre instalou a Comissão de


Revitalização do Cais Mauá. Seus objetivos eram a retomada do Projeto Cais
Mauá sob os enfoques urbano-ambiental e institucional, com vistas à preservação
do Patrimônio Histórico Cultural por ele representado" (SCOMA ZZON, 2009). A
partir disso, uma comissão técnica formada por representantes do Estado e do
Município trabalhou na elaboração da proposta. Em maio de 2009 o projeto foi
concluído.

Em síntese, o projeto de revitalização do Cais Mauá prevê diversas obras


de infraestrutura, construção de hotel, shopping e centro de convenções,
transformação de armazéns em bares, restaurantes e lojas, além de
estacionamento e um terminal hidroviário, este último ocupando um antigo
582
armazém.

O projeto PLCE nº 004 / 09, conhecido como Projeto Cais Mauá, prevê
investimentos de aproximadamente R$ 500 milhões, para o desenvolvimento de
áreas de comércio, turismo, lazer e cultura. A aprovação do projeto de lei pela
Câmara Municipal é pré-requisito para que o Estado elabore o edital de licitação
internacional para arrendamento ou concessão da área.

O empreendimento deverá ser realizado por meio de parceria público-


privada, e a expectativa da prefeitura é de que as obras sejam concluídas até
2014, ano em que Porto Alegre será subsede dos jogos da Copa do Mundo de
Futebol. A empresa que vencer a licitação elaborará o projeto definitivo, que será
submetido à aprovação da prefeitura (SCOMAZZON, 2009). Entende-se que as
autoridades locais façam um grande esforço para que tal projeto de gentrificação
seja desenvolvido até a realização desse evento, deixando de lado discussões
sobre inclusão social em detrimento de ganhos particulares e desenvolvimento
turístico.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
4 GENTRIFICAÇÃO NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO
“Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores
hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido,
tornando mais distante o sonho de uma cidadania
verdadeiramente universal.‖ (SANTOS, 2005, p.18)

Todos os projetos de gentrificação foram e são diretamente influenciados


pelo contexto da globalização. Diversas mudanças econômicas na sociedade pós-
industrial levaram a esse processo de renovação, espontânea ou induzida
(BERNHARDT, 2008), de áreas degradadas com posterior troca das classes
sociais que habitam nesses espaços.

A competição entre as Cidades Globais é um fator importante que tem


justificado esse fenômeno. O mercado global faz com que as cidades ingressem
num processo de competição entre si por investimentos, visto que o capital se
torna muito mais líquido e solto (HARVEY, 1992), e por marketing turístico e
conseqüente chegada de turistas; cria-se então uma hierarquia global
(BERNHARDT, 2008).

Para Santos (2005), devemos considerar a presença de pelo menos três 583

mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a
globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização
como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra
globalização.

Embora o mercado turístico forme atualmente uma das maiores economias


do mundo e viagens estejam cada vez mais acessíveis às pessoas, apenas uma
pequena parcela da população tem os meios necessários para viajar. Os projetos
de gentrificação aprofundam diferenças econômicas e fragmentam o espaço,
segregando ainda mais as classes sociais; além disso, são projetos que estão a
mero serviço dos agentes hegemônicos.

Para exemplificar como esse discurso é utilizado na legitimação de projetos


de gentrificação, citamos a posição de Edemar Tutikian, Presidente da Comissão
Técnica de Avaliação do Projeto de Revitalização do Cais Mauá de Porto Alegre e
diretor de Desenvolvimento e Marketing da CAIXA RS, acerca do Projeto Cais
Mauá:

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
[...] tratar-se de uma proposta prioritária para o Rio Grande do Sul
que, seguindo tendência mundial, visa reintegrar à sociedade ao
espaço urbano degradado [...] (PEREIRA, 2009)

De acordo com esse discurso, o Projeto Cais Mauá deve ser realizado visto
que essa é a tendência mundial, mas parece não levar em conta as
características próprias e as necessidades locais da cidade de Porto Alegre.

5 GENTRIFICAÇÃO E SEGREGAÇÃO URBANA

“Deparamo-nos, em definitivo, frente a frente com duas cidades:


a cidade rica e a cidade pobre, ou cidade branca e cidade de cor,
separadas uma da outra pelas classes médias.”
(SANTOS, 1989, p. 203)

Gentrificação é um fenômeno emergente na sociedade deste início de


século. Embora já materializada em diversas oportunidades no passado, só
recentemente a gentrificação está caracterizada e interrelacionada com o
desenvolvimento social. Mesmo assim, suas nuances devem ser analisadas sob
584
vários enfoques, como o aspecto econômico, a dimensão social e a abordagem
política.

O conceito de segregação urbana é apontado por alguns autores em


relação à divisão social do espaço, ou seja, (CORRÊA, 2003) refere-se às
residências e não às indústrias, comércios e serviços (divisão econômica do
espaço), ainda que destas não estejam desvinculados. Logo, o conceito discutido
por esse autor é o de segregação residencial, o qual emergirá da localização
diferenciada no espaço urbano destas classes sociais fragmentadas; em outras
palavras, é a capacidade que cada grupo social tem de pagar pela residência que
ocupa.

Santos (1989) analisa o conceito de segregação econômica que conduziria


à segregação social ou étnica. Esse autor enfatiza a responsabilidade do Estado
em minimizar tal fenômeno. No entanto, no caso do Projeto Mauá, o planejamento
elaborado potencializa as duas formas de segregação – social e econômica.

Tanto os agentes sociais produtores quanto os consumidores são


fundamentais na concretização desse fenômeno, entretanto o foco está no âmbito

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
da produção e não do consumo. Aqui o indivíduo não tem um papel significativo e
de certa forma, ―segue‖ as tendências do mercado (BERNHARDT, 2008).

Os agentes consumidores dos espaços gentrificados são fundamentais,


pois são eles que compram e habitam. Smith (apud BERNHARDT, 2008) criou o
termo occupier developer, e a sua grande crítica aponta como gentrificadores os
habitantes desses locais, e não os agentes que tornam a gentrificação possível no
sentido material. Isso corresponde àqueles que constroem e desenvolvem toda a
estrutura física necessária para que a transformação ocorra, ou seja, os
promotores imobiliários com o amplo apoio do Estado.

Apesar de tornar claro o fenômeno de expulsão de uma classe social


menos favorecida para espaços mais afastados da cidade, em detrimento a uma
classe média ―invasora‖, Barretto (2007) pergunta se o fato de não ter qualificado
os bairros influenciaria a situação desta classe de alguma forma; essa autora cita,
ainda, que no caso dos espaços públicos, a gentrificação recupera praças e
parques para as classes médias.

A questão não está em não realizar projetos de requalificação, mas em


585
como concretizar tais projetos de modo a melhorar a qualidade de vida de todas
as classes sociais, fundamentalmente as que ali já habitavam.

6 O CAIS MAUÁ E SEUS DISCURSOS LEGITIMADORES

“A verdade está circularmente ligada a sistemas de poder,


que a produzem e a apóiam, e a efeitos de poder
que ela induz e que a reproduzem”
(FOUCAULT, 2005, p.133)

Diversos são os agentes sociais que se beneficiam dos projetos de


gentrificação dos espaços públicos: os produtores desse espaço, representados
pelos promotores imobiliários, empreendedores do comércio e serviços
relacionados, o Estado e o trade turístico (indiretamente beneficiado); e os
consumidores desse espaço gentrificado, representado pelos turistas e pelas
classes sociais (alta e média); cada um desses agentes passa a ser beneficiado
de modo diferente, razão pela qual, formulam e divulgam seus discursos
legitimadores.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
6.1 OS PROMOTORES IMOBILIARIOS

Os promotores imobiliários, juntamente com os empreendedores do


comércio e serviço, são os responsáveis pela produção do espaço. No caso do
projeto de gentrificação do Cais Mauá, as empresas representantes,
respectivamente, desses agentes sociais são o consórcio M.Stortti-Landside e a
Federasul (A Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio
Grande do Sul).

Na sociedade capitalista, não há interesse de tais agentes em produzir


habitações populares. Tal fato se deve ao baixo nível de salário dessas camadas
(CORRÊA, 2003). Assim, as duas principais estratégias desses agentes são a da
produção de residências de luxo para satisfazer a demanda solvável 47; e em
segundo lugar a obtenção de apoio do Estado, para poder atender também a
demanda não-solvável. A primeira e dominante estratégia é que deve ser melhor
analisada, pois são esses tipos de habitações que estão propostas para serem
erguidos no espaço do Cais do Porto, como se pode notar no Projeto Cais Mauá
PLCE nº 004 / 09.
586
Na discussão sobre o tema no Plenário da Câmara, os diversos agentes
sociais ali representados, manifestaram posições contrárias e a favor. As
entidades privadas, favoráveis à aprovação da proposta, entendem ―que o projeto
poderá trazer benefícios como geração de emprego, turismo e lazer e a
recuperação do patrimônio cultural da cidade‖ (KUNZE, 2009).

6.2 O PAPEL DO ESTADO E OS SEUS DISCURSOS LEGITIMADORES


O poder público se vale do privado para revitalizar essas áreas. Isso,
apontado por diversos autores, é algo inevitável, pois instituições privadas detêm
melhores condições econômicas de investimento em espaços para atividade de
turismo. Bertoncello (1996) argumenta que a ―incapacidade‖ do Estado para
manter o equipamento público – manifestada na sua crescente deterioração – se
contrapõe à eficiência da gestão privada.

O Estado aplica a política de privatização em espaços públicos para tentar


reutilizá-los. Isso acontece em razão do crescente abandono de áreas antes

47
Idem a solvível: adj. Que tem com que pagar; que se pode solver ou pagar.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
destinadas a segmentos de comércio, à fuga das indústrias por razões
econômicas e ao conseqüente esvaziamento de algumas áreas centrais das
grandes cidades.

Existen evidencias de que en muchas oportunidades el poder público


(especialmente el metropolitano) actúa explícitamente propiciando estas
funciones de consumo, como una estrategia para revertir el vaciamiento
y estancamiento de las grandes urbes, buscando un nuevo rol, frente a la
pérdida del industrial, que permita regenerar económicamente y
físicamente a las grandes ciudades. (BERTONCELLO, 1996, p.211)

Muitos espaços que antes eram de domínio publico têm sido liberados
pelo Estado para o desenvolvimento de projetos turísticos pelas entidades
privadas. Bertoncello diz que ―la privatización de los servicios alcanza también a
los recreativos y culturales, conllevando la privatización de espacios otrora
públicos y restringiendo su uso a quienes pueden pagarlos .‖ (1996, p.211)

Autores acreditam que o Estado deve exercer o papel de mediador entre os


interesses da comunidade e os das instituições privadas: ―[...] a necessidade de
um engajamento sempre crescente do setor privado no mercado diminui o papel
do governo no sentido operacional, mas não no de regulação‖ (BENI, 2003, 587

p.159).

Beni (2003) também argumenta que nenhuma instituição pública no país


poderá prescindir, na atual conjuntura sócio-econômica nacional e mundial, da
cooperação direta e eficaz da iniciativa privada e que o sistema de parceria com
ela é o único meio, a curto e médio prazos, para enfrentar a escassez pública de
recursos financeiros disponíveis.

Harvey (2004, p.234) observa que o livre comércio tem causado grandes
danos sociais, e que isso pode ser atenuado por intermédio de alguma entidade
reguladora, ou seja, o Estado:

Beni (2003), por outro lado, acredita que as instituições privadas são as
únicas capacitadas para desenvolver determinados projetos, primordialmente os
turísticos:

O argumento que a [privatização] rege é o da sensibilidade (sintonia) ao


mercado, essencial para o desenvolvimento sustentável, que só pode ser
conseguida ou conquistada por investidores e empresários mais
envolvidos diretamente no próprio mercado. (BENI, 2003, p.158)

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
A organização do espaço urbano é abordada em Santos (2004). Para ele o
espaço é organizado em função de fatores de concentração e dispersão:

O espaço [...] organiza-se segundo uma atuação dialética de fatores de


concentração e dispersão. As estruturas monopolísticas atuam como
fator de concentração, a difusão da informação e do consumo
desempenham um papel de dispersão, enquanto o Estado tem um papel
misto. Quando o Estado funciona como suporte dos monopólios pela
concentração das infra-estruturas, age como elemento de concentração
econômica e demográfica. (2004, p. 281)

Logo, quando o Estado privatiza um espaço público, ele pode estar agindo
em favor dos monopólios e consequentemente criando maior segregação pela
promoção da concentração econômica e demográfica.

Santos (2004, p.282), também observa que a poderosa argumentação


técnica deve ser melhor analisada e questionada, uma vez que existe a
possibilidade de projetos estatais serem desenvolvidos em áreas públicas, e não
a privatização delas.

Da análise dessas ideias, pergunta-se: qual o benefício do Estado quando


privatiza áreas publicas para projetos gentrificadores? E qual o seu discurso
588
legitimador?

O Presidente da Comissão Técnica de Avaliação do Projeto de


Revitalização do Cais Mauá de Porto Alegre e diretor de Desenvolvimento e
Marketing da CAIXARS, Agência de Desenvolvimento do Estado do Rio Grande
do Sul, Edemar Tutikian, defendeu a posição dizendo:

[...]tratar-se de uma proposta prioritária para o Rio Grande do Sul que,


seguindo tendência mundial, visa reintegrar à sociedade espaço urba no
degradado, de relevante valor histórico na região central da capital,
mediante aproveitamento para novos usos, gerando empregos, renda e
divisas. (KUNZE, 2009)

Já o secretário Extraordinário da Copa 2014, deputado Paulo Odone,


argumentou dizendo que (PEREIRA, 2009): ―acha fundamental que o projeto do
Cais do Mauá se torne uma realidade. Devemos proporcionar uma boa estadia e
atrações turísticas para os nossos visitantes‖. Sobre esse ponto de vista, deve-se
ficar atento, pois projetos sem as devidas regulamentações podem ser
desenvolvido com o discurso de atender as necessidades para o evento da Copa
do Mundo 2014, seja em Porto Alegre ou nas outras cidades sedes.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
6.3 OS DISCURSOS DO TRADE TURÍSTICO E DOS EMPREENDIMENTOS DE
SERVICOS RELACIONADOS
Dois agentes sociais que se beneficiam dos projetos de gentrificação são o
trade turístico, ou seja, agências de viagem, hotéis, companhias aéreas, e os
empreendimentos de serviços relacionados que se instalam nesses espaços,
como os bares e restaurantes.

O trade turístico, embora não possa ser considerado como um dos


produtores dos espaços gentrificados, por se beneficiar do aumento do fluxo de
turistas para a cidade, apóia o desenvolvimento desses projetos. Assim, esse
setor obtém diversos benefícios indiretos de tal projeto, e por isso tem forte
discurso legitimador. Já os empreendimentos de serviços que se instalam nesses
espaços obtêm benefícios diretos

As várias disputas travadas para a revitalização de determinadas áreas da


cidade, como portos e outros espaços de valor histórico, nos leva a questionar
que vantagens esses espaços singulares têm. O conceito de rugosidades pode
auxiliar no entendimento dessas vantagens.
589
A atividade turística se apropria e ressignifica as rugosidades. Elas são
responsáveis pela marcação dos tempos passados que os olhos mais atentos
conseguem identificar. De acordo com Santos:

As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de


uma divisão de trabalho internacional, manifestada localmente por
combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizados
[...] O espaço, portanto é um testemunho; ele testemunha um momento
de um modo de produção pela memória do espaço construído, das
coisas fixadas na paisagem criada. Assim, o espaço é uma forma, uma
forma durável, que não se desfaz paralelamente à mudança de
processos; ao contrário, alguns processos se adaptam às formas
preexistentes enquanto que outros criam novas formas para se inserir
dentro delas. (1989, p. 138)

Nessa linha de interpretação, as rugosidades constituem paisagens


construídas que podem ser periodizadas segundo o desenvolvimento tecnológico
e o modo de produção ao longo do tempo histórico. São as heranças espaciais
dos diferentes períodos da história e em diversos casos têm forte va lor simbólico,
pois fazem parte da memória coletiva.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
[…] dicho equipamiento (turístico) se construye a partir de constructos
previos que por determinadas circunstancias han perdido parte de su
valor, pero que sigue teniendo una carga de valor social que es
apropiada por los agentes intervinientes, y valorizada como ―recurso
turístico recreativo‖ (BERTONCELLO, 1996, p.221)

É importante observar que, mesmo depois de concretizado o processo de


gentrificação, a força simbólica de tais espaços continua sempre presente,
atraindo fortemente a atenção do turista. Nota-se, então, que esses espaços,
embora tenham perdido seu valor de uso, mantêm seu histórico valor social, pois
continuam plenamente presentes na memória coletiva como espaços que
anteriormente eram de grande importância no dia-a-dia da cidade.

A Federasul (Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio


Grande do Sul) é uma associação que se diz sem fins lucrativos. Essa, como uma
das associações que faz a intermediação entre os empreendimentos que se
instalarão no Cais Mauá e o Estado, obviamente, apresenta um discurso favorável
ao projeto:

O diretor da Federasul, Rafael Nenê, aproveitou a oportunidade para 590


destacar o desenvolvimento que a obra trará para o entorno e a
importância da mesma para a atual concepção de Centro Histórico. O
objetivo da instituição é acompanhar o projeto e a realização das obras.
―O que nós tememos é que alterações muito significativas inviabilizem o
projeto‖, disse Nenê. (MORAES, 2009)

Um projeto adequado certamente trará desenvolvimento para o entorno e


será importante para o Centro Histórico de Porto Alegre. O questionamento ainda
sem resposta é: o Projeto Cais Mauá em pauta, que estabelece a construção de
edifícios, shoppings centers, restaurantes e bares de luxo, estará condizente com
a preservação do patrimônio histórico e se adequará às características das
edificações do centro da cidade?

O discurso mostra a preocupação com modificações que venham a ocorrer


no Projeto, pois elas podem inviabilizá-lo. Por outro lado, é lógico que
modificações devem ser debatidas e executadas, pois diversas alterações ainda
são necessárias para que um projeto de tamanha importância possa ter início.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Assim, os principais discursos legitimadores dos agentes sociais em
questão são o do fomento ao turismo, com a criação de empregos, assim como o
embelezamento da cidade.

Com relação à geração de empregos, Barretto (2007) aponta que não se


pode compactuar com o discurso de que o fomento do turismo trará
automaticamente novos empregos, visto que grande parte da população não se
encaixa nas características empregatícias exigidas pelo mercado turístico.

Los estudios de casos realizados hasta ahora no parecen probar esto, ya


que justamente las personas con menos renta, con menos escolaridad
también tienen dificuldades para conseguir empleos formales en el área
de turismo y mucho menos en servicios altamente cualificados como son
los que se brindan en regiones gentrificadas. (BARRETTO, 2007, p.128)

E, com relação ao embelezamento da cidade, Yves Lacoste questiona a


serventia da paisagem.

Autour dês points de vue d‘óu l‘on peut voir lês paysages dont la beauté
est déjà consacrée, la spéculation fonière se déchaîne. [...] Sous prétext
de aménagement, sous couvert, sinon d‘une nouvelle <science>, du 591
moins d‘une nouvelle savoir-faire, architects, urbanistes, géographes,
48
décident comment et oú il faut construer <sans casser le paysage>.
(LACOSTE, 1977, p.72)

Observa-se então, que a paisagem possui valor de mercado e por isso


serve aos agentes hegemônicos. Há preocupação dos produtores da paisagem
em não as esconder, pois assim, elas perderiam seu valor. Entretanto,
importantes elementos naturais deixam de ser considerados, como barragem do
vento, cobertura do sol e outros.

Dessa forma, há discursos legitimadores que tratam do fomento ao turismo,


seu possível efeito multiplicador e embelezamento da paisagem que, muitas
vezes, omitem verdades.

48
Ao redor dos pontos de vista de onde se podem ver as paisagens cuja beleza já é consagrada, a especulação
fundiária desencadeia-se. [...] Sob o pretexto de ordenamento, sob cobertura, se não de uma nova ciência,
pelo menos de um novo "knowhow", arquitetos, urbanistas, geógrafos, decidem como e onde é necessário
construir <sem tapar a paisagem>. Tradução do Autor.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
6.4 DISCURSOS DE AGENTES SOCIAIS QUESTIONADORES
Nesse último ponto, surgem opiniões de alguns agentes sociais
questionando o modo como o projeto está formatado.

A posição da ONG Movimento Viva Gasômetro e Solidariedade é


defendida por sua representante, Jaqueline Sanchotene:

[...] o projeto apresenta deficiências como o adensamento de cerca de


1,8 quilômetros quadrados. "É espaço demais para uma área que já está
saturada com adensamentos. Não é muito saudável adensar ainda mais
a região central da cidade", registrou ao defender a revitalização desde
que feita com respeito ao meio ambiente e aos preceitos constitucionais.
(SCOTTI, 2009)

A representante da ONG, com base no argumento de que o centro da


cidade já apresenta um demasiado adensamento, entende que o projeto
apresenta excessiva área construída, e salienta a importância do meio ambien te e
de estar atento aos preceitos constitucionais.

Já, o representante da ONG Solidariedade, Eduíno de Mattos, defende


que: 592

Ao elogiar pontos do projeto, por apresentar a possibilidade de construir


casas noturnas e de entretenimento, Eduíno de Mattos, da ONG
Solidariedade, ressalvou que é preciso cuidado na hora de admitir a
instalação de prédios de grande porte na Orla. "Não podemos retroceder
e aceitar espigões espalhados que tapem o sol do nosso rio". (SCOTTI,
2009)

A ONG Solidariedade apóia o projeto de construção de casas noturnas e


entretenimentos, entretanto, apresenta ressalvas quanto à construção de
‗espigões‘. A defesa das construções de benfeitorias para serviços e não para
moradias é, em geral, defendida por atores que se beneficiarão de algu ma forma.

A posição técnica ficou por conta do arquiteto urbanista Nestor Nadruz, que
apontou:

[...] o projeto em questão está mais preocupado com o desenvolvimento


dos lucros do que com a urbanização de Porto Alegre. "O poder
econômico transforma a cidade em mercadorias e em altos negócios.
Não se pode confundir revitalização com edificação indiscriminada de

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
prédios e de comércios que só pensam nos lucros", criticou. (SCOTTI,
2009)

Essa posição é bastante clara e assinala para a especulação imobiliária, ao


invés de analisar a melhor opção para o desenvolvimento urbanístico da cidade.
Ele defende que determinados agentes sociais produtores utilizam-se do discurso
da revitalização para a construção de novos edifícios.

A última posição questionadora que vem de uma representante do Estado,


da vereadora Maria Celeste, do Partido dos Trabalhadores (PT):

[...] a proposta possui uma série de imperfeições que deverão ser


corrigidas através de emendas dos parlamentares ou sugeridas por
representações da sociedade civil. ―Somos favoráveis à revitalização do
Cais desde que seja respeitado o uso público da Orla do Guaíba, mas
não aceitaremos o uso residencial de toda a extensão da Orla conforme
está previsto na proposta‖, ressaltou. Celeste lembrou também ser
preciso que o Executivo envie para a Câmara o detalhamento do
projeto, fazendo a sua integração ao projeto da revitalização do centro.
(PEREIRA, 2009)

A vereadora mostra-se favorável à revitalização desde que nesse espaço


se dê um uso público e um uso residencial limitado, assinalando que o projeto 593

possui imperfeições que serão corrigidas. Destaca, ainda, a importância de


desenvolver um projeto que esteja integrado à ideia de renovação do centro da
cidade.
Como visto, os atores questionadores do Projeto Cais Mauá atuam em
diferentes esferas: social, técnica e estatal. Os discursos reúnem pontos fortes e
objetos claros de discussão. Devem ser ouvidos de modo a repensar o
empreendimento e dar-lhe a necessária e vital sustentabilidade.

7 CONCLUSÃO
A reflexão sobre o projeto para o Cais Mauá de Porto Alegre nos insere no
terreno do que denominamos de gentrificação. Esse projeto tem a ver com o dia-
a-dia de nossa sociedade, com o que fazemos e aonde vivemos. Sua influência
no cotidiano da cidade será percebida em diversos âmbitos, tanto no ambiental
como nos processos e formas espaciais do espaço urbano.
A gentrificação, enquanto renovação, revitalização, reabilitação ou
requalificação, implica na mudança de classe social de um determinado espaço

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
urbano, em favor do interesse de atores hegemônicos. No espaço em questão,
isso acontecerá caso edifícios residenciais, como planejado no Projeto Cais
Mauá, sejam construídos. A chegada de uma nova classe implicará em
segregação social e econômica.
Por outro lado, o termo gentrificação está interligado com a conjuntura
global e local. Projetos de gentrificação são desenvolvidos em diversas cidades
do mundo desde os anos sessenta do século passado com aparente sucesso.
Apesar disso, permanece a pergunta que se tentou responder no decorrer desse
trabalho: quais os agentes sociais que se beneficiaram desse êxito?

Caso o Projeto Cais Mauá seja desenvolvido, observaremos nesse espaço


o aumento da fragmentação e segregação urbana. Com a construção de novos
serviços, como restaurantes, bares, shoppings e outros, por intermédio do
discurso de atender uma demanda turística em potencial, e com a construção de
edifícios residenciais, um limitado e seleto grupo de indivíduos terá acesso a esse
espaço, enquanto a grande parte dos cidadãos será expulsa para lugares mais
afastados da cidade.
594
Finalizando, este autor destaca um alerta para a possibilidade de alterar a
dinâmica urbana diante da implementação e conclusão descuidada do Projeto
Cais Mauá de Porto Alegre, que tem sido pressionado com base em mais um dos
discursos legitimadores, o da realização da Copa do Mundo 2014.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BENI, M.C. Globalização do turismo: megatendências do setor e a realidade
brasileira. São Paulo: Aleph, 2003.
BARRETTO, M. Turismo y Cultura. Relaciones, contradicciones y expectativas.
Tenerife: España, ACA y PASOS, RTPC, 2007.
BERHARDT, E. M. B. Gentrificação e Revitalização: perspectivas teóricas e seus
papéis na construção de espaços urbanos contemporâneos. Revista eletrônica
Urbanidades. N. 5. http://www.urbanidades.unb.br/05/artigos_05.html. Acesso em
15 de dezembro de 2008.
BERTONCELLO, R. V. El turismo y las grandes metrópolis: La ciudad de Buenos
Aires. In: RODRIGUES, Adyr (org.). Turismo e Geografia – Reflexões Teóricas e
enfoques regionais. São Paulo: Hucitec, 1996.
CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 4 ed. São Paulo: Ática, 2003.
FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985.
HARVEY, D. A condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 1992.
_________. Espaços de Esperança. Trad. de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela
Gonçalves São Paulo: Loyola, 2004.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Disponível em
www.ibge.gov.br/ Acesso em 19 nov 2009.
KUNZE, C. Relatorias debatem Linha da Copa e Cais Mauá. Disponível em:
http://www.camarapoa.rs.gov.br. Acesso em: 05 nov 2009.
LACOSTE, Y. A quoi sert le paysage? Qu’est-ce un beau paysage? Héredote,
n.°7, Paris, 1977.
MORAES, V. B. de. Melo garante votação do Cais Mauá neste ano. Disponível
em: http://www.camarapoa.rs.gov.br. Acesso em: 05 nov.2009.
PEREIRA, R. T. Discussão sobre Cais Mauá lotou plenário da Câmara. Disponível
em: http://www.camarapoa.rs.gov.br. Acesso em: 05 nov.2009.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal. 12 ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
_________. Manual da geografia urbana. São Paulo: Hucitec, 1989.
_________. Espaço e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979.
_________. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países
subdesenvolvidos. 2 ed. São Paulo: EDUSP, 2004.
SCOMAZZON, C. Na pauta o projeto de revitalização do Cais Mauá. Disponível
em: http://www.camarapoa.rs.gov.br. Acesso em: 02. Set. 2009.
SCOTTI, E. Fórum de entidades abre discussão sobre Cais Mauá. Disponível em:
http://www.camarapoa.rs.gov.br. Acesso em: 02 set. 2009
SILVEIRA, C. E. R. S. PROCESSOS DE GENTRIFICAÇÃO: A (re)organização
espacial nas cidades, a construção de territórios e a questão do espaço como um
sistema informacional. VII ENANCIB – Encontro Nacional de Pesquisa em
Ciência da Informação. Salvador, 2007. 595

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
O TURISMO DE NEGÓCIOS E A DINÂMICA DAS CENTRALIDADES
URBANAS DE TRES LAGOAS-MS

Edima Aranha Silva


Doutora/Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
edimaranha@gmail.com

Patricia Helena Milani


Mestranda/Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
phmilani@uol.com.br

RESUMO
Este trabalho se vincula a um projeto do CNPq sobre a dinâmica sócio-espacial e
as novas centralidades em Três Lagoas-MS, bem como a um estudo sobre
turismo de negócios decorrente do acelerado processo de industrialização, após a
década de 1990, e este por sua vez aumentou a demanda por serviços de
hospedagem e alimentação. A cidade conta, além do centro principal, com quatro
novos subcentros, com intenso fluxo de pessoas, automóveis, idéias e capital,
elementos que definem e caracterizam uma centralidade. Centralidade não é
expressa somente em um local central no espaço geográfico, ou seja, pode ser
localizada no entorno da cidade, como ocorre em Três Lagoas. O trabalho teve,
dentre outros, o objetivo de identificar as centralidades urbanas e analisar a sua 596
importância no contexto intra e inter urbana e demonstrar a importância do
turismo de negócios no atual contexto sócio econômico e a espacialização dos
equipamentos e serviços de apoio a este segmento. Os procedimentos teóricos
metodológicos pautaram-se na revisão da literatura acerca das temáticas
estudadas, já que se tratou de uma pesquisa interdisciplinar, Geografia Urbana e
Turismo, cujas categorias de análise – espaço, território, cultura – revelaram a
dinâmica do processo de reestruturação sócio espacial urbana. O trabalho de
campo, com visitas in loco, entrevista com turistas e usuários dos serviços, assim
como o mapeamento dos equipamentos permitiram apreender e demonstrar a
espacialidade dos empreendimentos na e da cidade, revelando que as práticas e
relações sociais dos agentes internos e externos – produção, circulação e
consumo de bens e serviços – definiram territórios e delinearam novas
territorialidades urbanas. Concluiu-se que a consolidação do segmento do turismo
de negócios foi primordial e importante no desenvolvimento sócio econômico e
cultural de Três Lagoas, por meio da expansão e profissionalização dos serviços
de hospedagem e alimentação situados nos espaços que exercem centralidades
nas escalas intra e inter urbanas.

Palavras-chave: Turismo de negócios; Centralidade, Meios de hospedagem,


Alimentação.

ABSTRACT
This work is linked to a project of CNPq on the socio-spatial dynamics and new
centralities in Três Lagoas-MS, as well as a study on business tourism due to the
accelerated process of industrialization after the 1990s, and this in turn increased

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
the demand for hosting services and nutrition. The city is also the main center,
with four new sub-centers, with intense flow of people, cars, ideas and capital,
elements that define and characterize a central location. Centralization is not
expressed only in a central location in geographic space, ie, can be located
around the city, as in Três Lagoas. The work was, among others, to identify the
central urban areas and analyze their importance in the context within and
between urban and demonstrate the importance of business tourism in the current
socio economic and spatial distribution of equipment and support services to this
segment. Procedures theoretical methodology was based on literature revie w on
the themes studied, since it was an interdisciplinary research, Urban Geography
and Tourism, whose categories of analysis - space, territory, culture - revealed the
dynamics of spatial restructuring partner urban. The field work, with site visits,
interviews with tourists and users of services as well as the mapping of the
equipment possible to grasp and to demonstrate the spatiality of the enterprises
and in the city, revealing that the practices and social relations of internal and
external actors – production, circulation and consumption of goods and services -
defined territories and outli ned new urban territoriality. It was concluded that the
consolidation of the tourism industry business was paramount in the development
and socio-economic and cultural center of Three Lakes, through the expansion
and professionalization of services and lodging located in spaces that exert
centralities scales within and between urban. .

Key words: Business tourism, Centrality, media hosting, Food

597

1 INTRODUÇÃO
O trabalho é resultado de uma pesquisa sobre estruturação dos
empreendimentos dos meios de hospedagem e alimentação nas centralidades de
Três Lagoas-MS, devido sua recente expansão motivada pelo crescimento
econômico e populacional, e que aumentou a demanda por esses serviços.

A formação desse pólo industrial tem atraído pessoas de vários lugares do


país, que estão em busca de trabalho. As estatísticas locais apontam que nos
anos de 2008-2009 dezenas de empresas que terceirizam certos tipos de
serviços, as atividades meios, contrataram mais de 12 mil pessoas para
trabalharem principalmente na construção civil no município.

Muitos desses trabalhadores residem temporariamente em alojamentos


coletivos montados pelas empresas, enquanto outros alojam em pequenos hotéis.
Simultâneo a esse contingente de trabalhadores aumentou o número de pessoas
que visitam a cidade a trabalho, com permanência em hotéis por 3 a 5 dias; com
isso, os meios de hospedagem permanecem com sua capacidade ocupada,
assim como aumentou a demanda por serviços e comércio de alimentação.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Nesse sentido, os meios de hospedagem e as empresas do setor de alimentação
são de fundamental importância no processo de reestruturação sócio-espacial da
cidade.

Para Dias (2003) o conjunto de atividades realizadas durante suas viagens


e estadas em lugares distintos ao de seu entorno habitual, caracteriza o turismo e
compreende diversas ações:lazer, esporte, negócios, religião, dentre outras.

A atividade turística é consumidora e produtora de espaço assim como a


indústria ou agricultura, por exemplo, e a Geografia investiga essa produção
espacial. Desse modo, se destaca a importância da interdisciplinaridade entre o
Turismo e a Geografia no presente trabalho.

Analisou-se a lógica da localização estratégica desses empreendimentos


que se encontram em maior número nas centralidades, ou seja, onde o número
de empreendimentos e infra-estrutura é maior e mais adensado, em relação aos
outros espaços da cidade, bem como no centro principal, que ainda exerce a mais
importante centralidade, por oferecer maior diversidade de comércio e serviços .

Três Lagoas se localiza na porção leste de Mato Grosso do Sul, (Ver 598

Figura 1), sua formação urbana está vinculada a ferrovia (LANDIM, 2004), pois
iniciou com a chegada da Estrada de Ferro da Noroeste do Brasil (EFNOB) e se
emancipou em 1915. A pecuária bovina foi a principal atividade econômica
(CATTÂNIO, 1976; ARANHA-SILVA, 1992), cuja hegemonia permaneceu até
meados de 1990. Em 2009, contava com 90 mil habitantes (IBGE, 2009).

A partir de 1997 a cidade passa por uma reestruturação sócio-espacial sem


precedentes, devido a consolidação de um Parque Industrial formado por
indústrias oriundas do processo de desconcentração-reconcentração industrial,
principalmente do estado de São Paulo, definindo novo eixo industrial. Essas
indústrias dispõem, em Três Lagoas, de aspectos favoráveis para sua instalação
e reprodução do seu capital (ARANHA-SILVA, 2009).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
FIGURA 1: LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO E SEDE URBANA DE TRÊS
LAGOAS-MS

A partir de 1997, 125 unidades fabris de médio e grande portes se


instalaram e ainda continuam se instalando no município, e, em decorrência
desse recente processo industrial há um crescimento econômico e populacional.
A cidade vivencia intensa dinâmica sócio-espacial, bem como a prática do turismo
599
de negócios. Essa dinâmica decorre da movimentação do fluxo de matéria prima,
produção, produtos, pessoas (operários, empresários, entre outros) e de veículos
na cidade.

A expansão urbana derivou o surgimento de outros empreendimentos e a


formação de novos espaços de consumo para atender a crescente demanda.
Esses empreendimentos, como os supermercados, rede de farmácias, clínicas
médicas e odontológicas, concessionárias de veículos, máquinas e motores, com
destaque para os meios de hospedagem e alimentação dinamizam o espaço
urbano e delineiam novas territorialidades em Três Lagoas.

Os fixos e fluxos se materializam nas cidades com os objetos, a circulação


e dinâmica contínua nos e dos espaços e conteúdos urbanos, como se expressa
a seguir:

[...] os fixos são os próprios instrumentos de trabalho e as forças


produtivas em geral, incluindo a massa dos homens. Não é por outra
razão que os diversos lugares, criados para exercitar o trabalho, não são
idênticos e o rendimento por eles obtido está em relação com a
adequação dos objetos ao processo imediato de trabalho. Os fluxos são
o movimento, a circulação e assim ele nos dão, também, a explicação
dos fenômenos da distribuição e do consumo (SANTOS, 1996, p.77).
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Os objetos e as ações, ou seja, os empreendimentos e as relações sociais,
assim como a dinâmica e a fluidez de e em um dado espaço urbano definem as
centralidades, da mesma forma em que a falta dos mesmos pode extingui-las
(MILANI & ARANHA SILVA, 2009).

Os pressupostos teóricos se pautaram em: Lefebvre (1991, 2004) aborda a


formação das cidades polinucleadas; Carlos (2004) discute a parcelarização da
cidade, a desigualdade no processo de produção do espaço urbano e a
hierarquização dos lugares; Sposito (1991, 1998) estuda a cidade e as diferentes
formas de expressão de centralidades; Corrêa (1989, 1993) aborda o papel dos
diferentes agentes sociais que interagem na produção da cidade; Santos (1996)
contribui para o entendimento do papel dos fixos e fluxos na dinâmica espac ial
urbana, bem como a presença do dinheiro no território, como um fator de
diferenciação; Haesbaert (2006) evidencia como se delineiam as territorialidades;
Rodrigues (1997) trata da interdisciplinaridade entre Geografia e Turismo;
Ruschmann (1997) e Coriolano (2007) argumentam a importância do
planejamento do turismo, a fim de evitar intensos fluxos de visitantes, bem como
estabelecer critérios para edificações; Boullón (2002) argumenta sobre a 600

relevância do ordenamento territorial nos espaços de destinaç ão turística, Dadalto


et al (2009) estudaram os dos meios de hospedagem em Três Lagoas; Milani;
Aranha-Silva e Silva (2009) analisaram como os serviços de alimentação se
estruturaram, devido o aumento da demanda e da expansão da malha urbana.

Realizaram-se levantamentos das localizações dos meios de hospedagem


e do setor alimentação e elaboraram dois mapas com as espacializações dos
hotéis, motéis, pousadas, restaurantes e similares na planta urbana da cidade,
com o fito de apreender as territorialidades do turismo de negócios em Três
Lagoas, indicando em quais centralidades se inserem os referidos
empreendimentos

TURISMO DE NEGÓCIOS: MUDANÇAS SÓCIO ESPACIAIS


As incidências espaciais do turismo devem-se ao tratamento geográfico do
fenômeno, que vem se tornando cada vez mais freqüente. O estudo do turismo no
âmbito da Geografia acentuou a partir da década de 1960, respondendo ao

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
acelerado desenvolvimento do fenômeno, ligado à prosperidade econômica que
marcou o período de pós-guerra nos países centrais do capitalismo.

Em fase da sua complexidade o turismo deve ser abordado em âmbito


multidisciplinar, particularmente pelo conjunto das ciências sociais,
integrando, além dos aspectos hidro-geográficos, os aspectos
econômicos, psicológicos, sociológicos, antropológicos, constitucionais e
regionais, além desses podemos acrescentar ainda os aspectos
políticos, culturais e ecológicos, dentre outros (RODRIGUES, 1999,
p.41).

É nesse sentido que o turismo é tratado no trabalho, como um elemento


multidisciplinar, que ocupa e produz espaços, uma ferramenta de
desenvolvimento, que pode contribuir para a dinamização econômica e social do
município.

O turismo de negócios compreende o conjunto de atividades turísticas


decorrentes dos encontros de interesse profissional, associativo, institucional, de
caráter comercial, promocional, técnico, científico e social.

Coriolano (2006, p.23) afirma que turismo é uma atividade prazerosa, de


fuga de seu cotidiano e estabelece um conceito muito próximo ao lazer: 601

A viagem turística tem um objetivo especial, de sair do cotidiano e


possibilitar o encontro com o novo, o diferente, o desconhecido, a
satisfação sutil que proporciona o consumo e o luxo. Na vida moderna
tanto a sensação de que o trabalho é estressante, quanto o freqüente
corre-corre citadino fez priorizar a necessidade de lazer e da busca da
felicidade, fora de seu cotidiano.

Dias (2003) é ainda mais relutante ao dizer que o turismo é uma


necessidade humana, igualmente comparada à alimentação, moradia, saúde e ao
transporte, cumprindo um papel de recriação do descanso.

Consideram-se viagens de negócios como atividade turística pois nesse


tipo de viagem o indivíduo utiliza transporte, hospedagem, alimentação e
entretenimento, e em alguns casos utiliza os recursos que um turista utiliza em
viagem de lazer.

Para Ignarra (2003) o turismo de negócios antecedeu o de lazer, pois a


motivação dos povos antigos era também econômica, já que buscavam conhecer
novas terras para sua ocupação e posterior exploração.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
De acordo com a metodologia proposta por Boullón (2002), que classifica
os municípios conforme a relevância da atividade turística, Três Lagoas se
classifica como uma Área Turística, que está abaixo de uma Zona Turística e
contida na mesma. Uma Área Turística funciona como um subsistema, contudo
dispõe de uma infra-estrutura de transporte e comunicação, uma área contem
atrativos suficientes que incentivam uma viagem

Assim a atividade turística produz territorialidades, ou seja, os lugares onde


ela se realiza sofrem ao longo do tempo um processo denominado de
turistificação, mudanças não somente no território em si, mas também na
funcionalidade do espaço. Sobre essa temática Dias (2003) assegura que lugares
escolhidos para a prática turística são modificados para atendimento da demanda
do turista. Um dos sinais da turistificação é a mudança na estrutura urbana.

O setor imobiliário assume um papel de destaque nesse caso, pois ele


colabora para a intensificação nas mudanças territoriais, na medida em que
produz e consome espaços constrói as estruturas para viabilizar a atividade
turística.
602
Nesse contexto, as novas centralidades urbanas se consolidaram na
cidade de Três Lagoas a fim de atender a demanda dos trabalhadores,
empresários e pessoas que chegaram na cidade a trabalho e utilizam-se de vários
serviços urbanos, destacando-se os meios de hospedagem e de alimentação.

Apesar do centro principal da cidade possuir a centralidade mais


expressiva no espaço intra-urbano de Três Lagoas, o aumento populacional e, por
conseguinte morfológico da cidade, outros subcentros começaram a se
consolidar, a fim de atender, além da população local residente afastada do
centro principa,l as pessoas que estão na cidade a negócios.

.
CENTRALIDADE URBANA

A discussão de centro e centralidade urbana é recente, passou a ser


questionado a partir dos anos de 1970, quando as cidades pequenas entraram
em processo de expansão. No início, o conceito de centralidade estava atrelado
ao centro da cidade, a partir de 1950 passou a ser discutido por sociólogos como

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Henry Lefebvre e Manuel Castells, que passaram a diferenciar os conceitos de
centro e centralidade, a partir de características próprias (ARANHA-SILVA, 2009).

A modelagem diferencial do espaço urbano é produto de atividades


desenvolvidas pelos diversos atores sociais, que projetam e modelam de modo
descontínuo esse espaço, de acordo com seus interesses econômicos. Esses
grupos sociais, compreendendo classes e frações de classes, agem um com e/ou
contra os outros; as propriedades do espaço são resultados de suas interações e
estratégias, assim a forma geral do urbano demonstra essas múltiplas diferenças.

Para Santos (1996) uma cidade é dotada de objetos com diferentes


temporalidades e espacializações, são as rugosidades do e no espaço, ou seja, é
o seu conteúdo material – as casas, os prédios, as praças – que demonstram
concretamente o passado. Essas configurações espaciais são evidenciadas pelo
fato de exprimirem as relações sociais, ao mesmo tempo em que é a condição
para que ocorram as relações entre os diferentes agentes.

O espaço urbano possui estruturas morfológicas e relações sociais


interligadas, cada qual com sua influência sobre a outra, de um lado a lógica da
603
forma, e, de outro, a dialética dos conteúdos. No dizer de Lefebvre (2004), o
urbano é sociológico, ele não constitui um sistema, pois não existe sistema
urbano, nem inserção do urbano num sistema unitário de formas, em razão da
independência entre formas e conteúdos. Ademais, o fenômeno urbano não pode
ser definido apenas como um objeto ou como um sujeito, o urbano pode ser
definido como uma forma. Essa forma se materializa por meio da produção e das
relações sociais, logo:

Tem-se a centralidade, através dos distintos modos de produção, das


diferentes relações de produção, tendência que vai, atualmente até o
‗centro decisional‘, encarnação do Estado, com todos os seus perigos. A
policentralidade, a oniscentralidade, a ruptura do centro, ou a
disseminação é uma tendência que se orienta seja para a constituição de
centros diferentes seja para a dispersão e para a segregação (Idem, p.
113).

Os centros principais concentram as principais atividades comerciais e de


serviços, e é por obter essas externalidades e atrair fluxos de pessoas,
informações, ideologias, que a centralidade é expressa. A natureza da
centralidade de uma determinada área pode variar em função do tempo histórico,

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
e, uma área, que em outro momento expressava uma centralidade pode deixar de
apresentá-la a partir do momento em que não houver movimentos de fluxos
(GOMES, 2006).

Nessa perspectiva Sposito (2001, p. 6) destaca que:

[...] o centro não está necessariamente no centro geográfico, e nem


sempre ocupa o sítio histórico onde esta cidade se originou, ele é antes
de tudo o ponto de convergência/divergência, é o nó do sistema de
circulação, é o lugar para onde todos se dirigem para algumas atividades
e, é o ponto de onde todos se deslocam para a interação destas
atividades aí localizadas com as outras que se realizam no interior da
cidade ou fora dela. Esta qualidade pressupõe, provoca e reforça os
traços concentradores desta área, permitindo dizer que, mesmo que a
dimensão ou uma nova dinâmica da divisão territorial do trabalho
provoque a emergência de outros centros, o principal e cada um deles,
desempenha um papel de concentricidade, ou seja, para diferentes
setores da cidade e para diferentes escalas de atuação/atração, é uma
área de interesse de convergência.

Embora a centralidade não seja uma característica física, sua


manifestação se dá no território de forma física, a partir da interrelação que cada
uma das partes do território tem, por um lado, com o padrão referencial, ou seja,
604
com o centro principal, e, por outro, a relação que esse centro e os demais
subcentros possuem com o território (TOURINHO, 2006).

Ao investigar a dinâmica da centralidade e definir a densidade das


atividades comerciais e de serviços nos núcleos centrais urbanos, Sposito (2001,
p.247) afirma que a centralidade é identificada como os fluxos que sustentam
essas localizações e que delas resultam, através da articulação entre o que está
fixo e o que está em movimento. Nessa centralidade se concentram atividades de
comércio, serviços, fluxos de pessoas, automóveis, capitais, decisões,
informações e, sobretudo mercadorias. Para Haesbaert (2006) delineiam-se as
territorialidades urbanas.

Esse dinamismo espacial de multiplicação de novos centros comerciais


pode ser considerado o processo mais marcante na urbanização no século XX.
Posto que:

[...] a análise deste processo ganha maior relevância em função de


quatro dinâmicas que marcam as transformações em curso: a) as novas
localizações dos equipamentos comerciais e de serviços concentrados e

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
de grande porte determinam mudanças de impacto no papel e na
estrutura do centro principal ou tradicional, o que provoca uma
redefinição de centro, de periferia, e da relação centro-periferia; b) a
rapidez das transformações econômicas que se expressam, inclusive,
através das formas flexíveis de produção impõem mudanças na
estruturação interna das cidades e na relação entre as cidades de uma
rede; c) a redefinição da centralidade urbana não é um processo novo,
mas ganha novas dimensões, considerando-se o impacto das
transformações atuais e a sua ocorrência não apenas nas metrópoles e
cidades grandes, mas também em cidades de porte médio; e d) a
difusão do uso do automóvel e o aumento da importância do lazer e do
tempo destinado ao consumo redefinem o cotidiano das pessoas e a
lógica da localização e do uso dos equipamentos comerciais e de
serviços (SPOSITO, 1998, p.28).

O aumento das atividades fora da área central está relacionado ao


crescimento populacional, e, por conseguinte ao aumento dos bairros em áreas
periféricas. O termo periférico aqui usado é no sentido de indicar áreas afastadas
do centro, que constitui mercado consumidor dessas atividades descentralizadas.

Nesse contexto de aglutinação de novos serviços, atividades comerciais e


aumento dos fluxos, é que se definem novas centralidades no espaço intra-
urbano. Lefebvre (2004, p. 111) assegura que:
605

Descobrimos o essencial do fenômeno urbano na centralidade. Mas na


centralidade considerada como movimento dialético que a constitui e a
destrói, que a cria ou estilhaça. Não importa qual ponto possa tornar -se
central, esse é o sentido do espaço-tempo urbano. A centralidade não é
indiferente ao que ela reúne, ao contrário, pois ela exige um conteúdo. E,
no entanto, não importa qual seja esse conteúdo. Amontoamento de
objetos, de produtos nos entrepostos, montes de frutas nas praças de
mercado, multidões, pessoas caminhando, pilhas de objetos variados,
justapostos, superpostos, acumulados, eis o que constitui o urbano.

A partir do momento que o centro principal, ou outra área que desempenhe


uma centralidade, não mais se mostre adequada às necessidades de expansão, o
que compromete a lucratividade, as atividades comerciais tendem a se
localizarem em outros espaços, o que gera o processo de descentralização, seja
por meio de áreas (subcentros), áreas especializadas (desdobramentos/coesão),
seja através de eixos (vias de circulação).

O surgimento de novas centralidades fora da área central pode ser


engendrado por vários fatores como: aumento constante do valor da terra, assim
como impostos e aluguéis, dificuldade de espaço para expansão, crescimento

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
urbano acelerado e interesses imobiliários na construção de equipamentos
comerciais e de serviços. Corrêa (1993, p. 49), assevera que:

Do ponto de vista dos promotores imobiliários, a descentralização


representa campo para novos investimentos e reprodução do capital: isto
é particularmente notável no caso dos shoppings centers, em muitos
casos planejados, construídos e administrados pelo capital vinculado ao
setor imobiliário .

A capacidade de criar centralidade fora do centro principal demonstra que é


possível extrair riqueza injetando riqueza, ou seja, investimentos são capazes de
concentrar lucros em uma parte das novas áreas centrais.

A descentralização e formação de novas centralidades caracterizam uma


reestruturação nas cidades, que é aludida no trabalho como um processo de
mudanças, no conjunto de usos e formas, na escala intra-urbana, resultado de
uma reorganização das atividades no espaço associado à compreensão das
novas lógicas locacionais e pelo sistema de mercado (GOMES, 2006).
606
As vias de fluxos garantem mobilidade a pessoas, veículos, mercadorias,
ideologias e dão fluidez ao espaço, o que define uma centralidade urbana. A
Figura 2 revela as principais vias que se interligam e dinamizam o espaço,
possibilitando a comunicação entre os elementos e setores da cidade.

Para Milani & Aranha Silva (2009), o tecido urbano se desenvolve


baseando-se em linhas diferenciadas de acesso e movimento, determinando
percursos, as ruas e avenidas, que são fatores de integração e de aproximação
sócio-espacial e que modelam a morfologia urbana.

Os serviços de alimentação se espacializam em sua maioria nas áreas que


exercem papel de centralidade urbana, onde os comércios e serviços são mais
adensados, quando não, se localizam nas principais vias de acesso à cidade, ou
seja, lugares estratégicos que objetivam facilitar o acesso dos consumidores (Ver
Figura 3). Os restaurantes e lanchonetes se localizam com mais intensidade no
centro principal, a centralidade mais expressiva no espaço intra-urbano, e no seu
entorno, por haver maior movimentação de pessoas, por conseguinte há maior
procura por esse tipo de serviço.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Contudo, há um considerável número de empreendimentos em outros
setores da cidade, como Subcentro Comercial Santos Dumont, que se caracteriza
com variedade de comércios e serviços, cujos usuários acessam a cidade pela
Avenida Clodoaldo Garcia não se deslocando até o centro principal

Segundo Milani & Aranha Silva (2009), no Subcentro Comercial do Jardim


Alvorada o número de empreendimentos do segmento de alimentação é menor
em relação aos outros, pois essa centralidade se expressa pelos serviços do setor
automotivo.

FIGURA 2: PRINCIPAIS VIAS DE ACESSO DE TRÊS LAGOAS

607

De acordo com a Tabela 1, os principais empreendimentos do setor


alimentício em 2009 totalizavam em 65, sendo que em 2004, a realidade era
outra, esse segmento cresceu consideravelmente com o aumento da demanda.

A partir dos incentivos fiscais e o fluxo de indústrias na cidade houve o


crescimento populacional, foram pessoas em busca de empregos e isso
ocasionou a supervalorização dos imóveis, bem como a procura por serviços.
Essa dinâmica concentração industrial incentivou a instalação de
empreendimentos de outros setores, a fim de atender a demanda criada.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
O crescente investimento e instalação de empreendimentos de serviç os e
comércio definem nova funcionalidade a Três Lagoas e que lhe conferem o papel
de cidade principal no contexto da Região Leste. Com esse novo papel e sua
importância no contexto em que se insere, Três Lagoas é tida como uma cidade
intermediária, que exerce papel de intermediação entre as pequenas cidades e os
grandes centros metropolitanos.

A estrutura comercial e os serviços garantem aos moradores e visitantes


mais comodidades, por não precisarem se deslocar a um centro urbano maior
para acessar bens e serviços básicos, pois os estabelecimentos comerciais e de
alimentação suprem essas necessidades.

FIGURA 3: ESPACIALIZAÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS DO SETOR DE


ALIMENTAÇÃO NA CIDADE DE TRÊS LAGOAS-MS.

608

A Tabela 1 mostra a quantificação dos empreendimentos em todo o espaço


urbano de Três Lagoas.

TABELA 1: EMPREENDIMENTOS DO SETOR ALIMENTÍCIO DE TRÊS


LAGOAS-MS
Empresa Endereço
1 Lanchonete Camargos R. Munir Thomé, 739 – Centro
2 Restaurante Cidade das Águas Av. Antônio Trajano, 151 – Centro
3 Baez pizzaria e casa de massas R. Generoso Siqueira, 366 – Centro
4 Caipira Grill Av. Eloy Chaves, 751 – Centro
5 Casa de sucos e restaurante N. Sª. R. Oscar Guimarães, 631- Centro
Aparecida
6 Churrascaria e lanchonete Real Rod. Br 262, s/n km 9 – Guanabara
7 D‘Lima pizzas e massas Av. Antônio Trajano, 1237 – Lapa
8 Lagoa da Prata pesk e lazer R. Antônio Pinelli, 2388 - Vila Haro
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
9 Lanchonete e churrascaria Gaúcha Av. Ranulpho M. Leal, 1785 - Jardim
Alvorada
10 Lanchonete e churrascaria São Luiz Av. Ponta Porã, 3320 – Vila Alegre
11 Lanchonete e restaurante Pioneiro Av. Ranulpho M. Leal, 625 – Jardim Alvorada
12 Marmitex Bom Paladar R. José Amim, 1298 – Vila Nova
13 Müller bar e restaurante Av. Filinto Muller, 545 – Centro
14 Nutry Vitaly R. Aparício da Silva Camargo, 184 – Centro
15 Papa Sol Mama Lua Av. Antônio Trajano, 528 – Centro
16 Picanhas Bar Av. Filinto Muller, 737 – Centro
17 Pizzaria da Mama R. Alfredo Justino, 737 – Vila Nova
18 Pizzaria Tradição R. Generoso Siqueira, 1534 – Vila Nova
19 Pizzaria e restaurante Doce Sabor Av. Clodoaldo Garcia, 662 – Santos Dumont
20 Pizzaria San Genaro R. Barão do Rio Branco, 325 – Colinos
21 Restaurante 315 R. João Carrato, 315 – Centro
22 Restaurante Boa Vista Av. Filinto Muller, 188 – Centro
23 Restaurante Divina Gula Av. Antônio Trajano, 162 – Centro
24 Restaurante e lanchonete do Kadu R. Manoel Jorge, 438 – N. Sª. Aparecida
25 Restaurante Primavera I Av. Rosário Congro, 51 – Centro
26 Restaurante Primavera II R. Paranaíba, 686 – Centro
27 Restaurante Primavera III Av. Antônio Trajano, 487 – Centro
28 Restaurante Roda Viva Av. Ponta Porã, 3289 – Vila Alegre
29 Restaurante Zinganos R. C. Coimbra, 953 – Interlagos
30 Tomato Restaurant Av. Rosário Congro, 621 – Centro
31 Yaki Niku restaurante Av. Aldair Rosa de Oliveira, 754 – Interlagos
32 Tempero Manero Av. Antonio Trajano, 298 – Centro
33 Restaurante Fogão de Lenha Av. Antonio Trajano, 318 – Centro
34 Restaurante e Hotel Vitória Av. Ranulpho M. Leal, s/n – Distrito Industrial
35 Republica‘s bar Av. Clodoaldo Garcia, s/n – Santos Dumont
36 Restaurante Laguna Av. Clodoaldo Garcia, s/n – N. Sª. Aparecida 609
37 Restaurante Sakamoto Av. Olinto Mancini, s/n – Centro
38 Lanchonete do Peninha Av. Olinto Mancini, s/n – Centro
39 Galeto‘s comida caseira R. João Dantas Filgueiras, 588 – Santa Rita
40 Restaurante El Pescador Av. Olinto Mancini, s/n – Colinos
41 Vado restaurante Av. Sobral, Br 262, s/n, km 9 – Vila Haro
42 Restaurante Cantinho da Família Av. Clodoaldo Garcia, s/n – Vila Haro
43 Lanchonete e restaurante da Ruth Av. Clodoaldo Garcia, s/n – Santos Dumont
44 Restaurante Fogão de Ouro Av. Clodoaldo Garcia, s/n – Santos Dumont
45 Mister Gegê doces, salgados e padaria Av. Clodoaldo Garcia, s/n – Santos Dumont
46 Restaurante Lê Beirut Av. Filinto Muller, 231 – Centro
47 Restaurante Cedro do Líbano Av. Filinto Muller, s/n – Lapa
48 Cidão Lanches R. Orestes Prata Tibery, 38 – Centro
49 Lanchonete Vitória Av. Aldair Rosa de Oliveira, 341 – Interlagos
50 Lanchonete Kampai Av. Antonio Trajano, 155 – Centro
51 Samdim‘s batata Recheada e Espeto R. Alexandre Costa, 344 – Centro
52 Bar e lanchonete Irmãos Oliveira Av. Eloy Chaves, 910 – Vila Nova
53 Bom Chopp chopperia R. Oscar Guimarães, 541 – Centro
54 Cantinho da Pizza Av. Clodoaldo Garcia, 371 – N. Sª. Aparecida
55 Casa da Pizza JK R. Egidio Thomé, 2036 – Vila Nova
56 Cozinha industrial e lanchonete Novo Sabor R. Egidio Thomé, 4295 – Vila Alegre
57 Frango e Cia Av. Filinto Muller, 1246 – Lapa
58 Genildo‘s Bar R. Oscar Guimarães, 1079 – Lapa
59 Mykonos grill Av. Ranulpho M. Leal, 1344 – Vila Alegre
60 Paris pizza vinho e café R. Orestes Prata Tibery, 878 – Centro
61 Sabor e chocolate cafeteria R. Munir Thomé, 286 – Centro
62 Pizzaria Dinapoli Av. Eloy Chaves, 2054 – Vila Nova
63 Restaurante Bom Sabor Av. Eloy Chaves, 520 – Centro
64 Restaurante Mãe e Filha R. Oscar Guimarães, 812 – Centro
65 Pastel e companhia Av. Antonio Trajano, s/n – Centro
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
OS MEIOS DE HOSPEDAGEM
Os serviços de hospedagem seguem a lógica de localização dos serviços
voltados para o setor alimentício, ou seja, se aglomeram nas áreas da cidade que
exercem papel de centralidade.

Em Três Lagoas, os meios de hospedagem mais usuais são: hotel, hotel


residência, motel, pensão, pensionato, pousada, apart hotel, flat, imóvel locado,
residência, quartos leitos avulsos e são edificações que exercem o comércio,
recepção e hospedagem de turistas, viajantes, estudantes e outros que chegam à
cidade e não tem moradia própria. Nesse contexto, Três Lagoas se destaca pela
oferta de serviços básicos, dentre eles a dinâmica ao qual o turismo de negócios
e os meios de hospedagem estão inseridos (MAGNI, 2005).

Para Dadalto et al. (2009), o turismo de negócios se consolida em Três


Lagoas devido a concentração industrial, pois o fluxo de pessoas que prestarem
serviços aumentou significativamente a necessidade de lugares para se
hospedarem durante sua permanência (Ver Figura 4). Salienta também o número
expressivo de estudantes universitários que requerem meios de hospedagem.
610
Os empreendimentos se instalam nas áreas onde a movimentação de pessoas é
maior, ou em importantes vias de acesso, como ocorre no Subcentro Jardim
Alvorada, na Avenida Ranulpho Marques Leal, porta de entrada da cidade para o
e saída para o estado de São Paulo. Nessa centralidade a movimentação intensa
de automóveis e caminhões se dá mais no período diurno, cujos visitantes/turistas
optam em se hospedarem em hotéis, pousadas e motéis localizados ao longo da
avenida, por serem de fácil acesso; ou então, se hospedam no centro principal,
por constituir a principal centralidade com grande movimentação de pessoas. Ver
Figura 4 com os principais meios de hospedagem de Três Lagoas e sua
espacialização.

A pesquisa revelou que a estrutura dos meios de hospedagem em Três


Lagoas não tem absorvido toda procura, ou seja, não atende a demanda de
viajantes e turistas, pois o fluxo de pessoas é muito alto e os meios de
hospedagem tradicionais, como os hotéis, estão com sua capacidade de carga
ultrapassada. Segundo Dadalto et al (2009) muitos visitantes têm como opções os
motéis, pousadas, pensões e pensionatos da cidade.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
FIGURA 4: ESPACIALIZAÇÃO DE HOTÉIS E POUSADAS NA CIDADE DE
TRÊS LAGOAS-MS.

Os motéis denominados meios de hospedagem de alta rotatividade são


partes importantes nesse segmento, pois além de disponibilizar pernoites aos
viajantes de rápida estadia oferecem preços mais acessíveis quando comparados
611
aos hotéis, todavia com menos infra-estrutura e oferta de serviços.

Há 8 motéis (Quadro 1), que atendem aos viajantes e funcionários de


empresas que ficam um ou dois dias na cidade.

QUADRO 1: MOTÉIS EM TRÊS LAGOAS-MS


Motel Endereço
Eros Motel Av. Ranulpho Marques Leal, 2494 - Jardim Alvorada
Motel Cupido Rua dos Maçons 1185 - Jardim Alvorada
Motel Hawai Av. Clodoaldo Garcia, 2354 - Vila Haro
Motel Karibe BR 262 s/n
Motel Paraíso BR 262 s/n
Motel Pinhais Rua Jaci Paraná, 3080 - Paranapunga
Motel Ypê Rua: Evaristo Almeida, 2135 – Jardim Alvorada
Wing‘s Motel Pousada Rua Newmann, 112 - Vila Haro

Ainda se destacam as pousadas Tucunaré e Sucuriú e os ―Ranchos‖ –


Alojamento de Turismo Rural – ou Segunda Residências, que se localizam fora do
centro urbano, às margens do rio Sucuriú, mais utilizados como forma de lazer,
mas também atendem aos visitantes que permanecem na cidade por um curto
período.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
O número de hotéis e pousadas aumentou menos se comparado com o
número de restaurantes e lanchonetes, contudo esses empreendimentos já
existentes na cidade ficaram saturados, principalmente durante o ano de 2008,
ano em que houve a chegada de centenas de trabalhadores, período da
construção da indústria de papel e celulose.

Os dados apontaram que apesar da cidade dispor de melhores serviços e


infra estrutura na região, ainda requer mais equipamentos e serviços para atender
melhor aos visitantes, pois o restrito número dos meios de hospedagem dificulta a
vida dos turistas e restringe as oportunidades e rodadas de negócios.

A Tabela 2 mostra os hotéis e motéis espacializados nas principais


centralidades urbanas.

TABELA 2: EMPREENDIMENTOS DO SETOR HOTELEIRO DE TRÊS


LAGOAS-MS
Empresa Endereço
1 Hotel Líder Av. Ranulpho Marques Leal, 3149 – Distrito Industrial
2 Hotel Novo Hotel Av. Antonio Souza Queiróz, 2055 – Lapa
3 Hotel OT Ltda Av. Aldair Rosa de Oliveira, 1800 – Alto Boa Vista
612
4 Hotel Vale do Sol Av. Clodoaldo Garcia, 2598 – Vila Haro
5 Vila Romana Park Hotel Av. Ranulpho Marques Leal, 1605 – JD Alvorada
6 Wings Pousada e Motel Av. Newmann, 112 – Vila Haro
7 Ypê Parque Hotel R. Wilson Carvalho Viana, 525 – Vila Nova
8 Hotel Avenida Av. Antonio Trajano, 337 – Centro
9 Hotel Carajás R. Oscar Guimarães, 293 – Centro
10 Hotel Central R. Elmano Soares, 32 – Centro
11 Hotel Santa Catarina R. Munir Thomé, 49 – Centro
12 Hotel Três Lagoas Av. Rosário Congro, 629 – Centro
13 Lagos Hotel R. Generoso Siqueira, 241 – Centro
14 Minas Hotel R. Paranaíba, 803 – Centro
15 Sanville Hotel Av. Filinto Muller, 105 - Centro
16 Drud‘s Hotel R. João Thomes, 504 – 5ª da Lagoa
17 Hotel Pousada Aquários Av. Antonio Souza Queiróz, 2803 – Santo André
18 Mediterraneo Park Hotel Av. Ranulpho Marques Leal, 1344 – Vila Alegre

Mediante o exposto, convalidou-se que com a instalação de indústrias no


espaço de uma cidade, outros setores da economia se desenvolvem para atender
a nova demanda, com a oferta de serviços diversos, criação de novas
oportunidades, além de consolidar novas centralidades urbanas, cuja abrangência
se dá em escalas intra e interurbana.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescimento econômico e demográfico da cidade a partir dos incentivos e


instalação de indústrias, promoveu a expansão do tecido urbano, e com isso a
consolidação de novas centralidades, ou subcentros comerciais, a fim de atender
a pessoas oriundas de outras cidades, que vêem à trabalho, bem como atender a
população dos bairros, moradores de cidades sul-mato-grossenses e do interior
paulista próximas à Três Lagoas.

Vale destacar nesse contexto o papel de Três Lagoas na hierarquia


regional, que exerce papel de centralidade, a partir de sua recente expansão e
aumento de seus serviços, que atraem pessoas provenientes de diversos centros
urbanos de porte menor, em busca da diversidade de serviços e oportunidade de
negócios.

Acerca da espacialização dos empreendimentos dos meios de


hospedagem e alimentação, constatou-se que a lógica de sua localização, ou
seja, se situam nas áreas que exercem centralidades pela fluidez do espaço,
cujas vias de cesso dão maior mobilidade as pessoas, mercadorias, veículos, etc.
613

REFERÊNCIAS
ARANHA-SILVA, E. Três Lagoas: uma interpenetração do rural com o urbano.
Dissertação (Mestrado em Geografia). Presidente Prudente: UNESP, 2002.
______. A dinâmica sócio-espacial e as novas centralidades urbanas em Três
Lagoas-MS. Três Lagoas: UFMS-CNPq, 2009. (Relatório Técnico de Pesquisa)
______.; SILVA, D. R. A. da; LEAL, F. V. A. L.. A (re)estruturação espacial urbana
de Três Lagoas-MS. II Simpósio Internacional sobre Cidades Médias. Uberlândia,
2006. Anais... Uberlândia, CD-ROM. (Artigo Completo)
BOULLÓN, R. C. Planejamento no espaço turístico. Trad. Josely Vianna Baptista.
Bauru: EDUSC, 2002.
CATTANIO, M. B. A dinâmica urbana e a estruturação espacial de Três Lagoas .
126 f. Dissertação (Mestrado em Geografia). Bauru: Facudade de Filosofia,
Ciência e Letras Sagrado Coração de Jesus, 1976.
CASTELLS, M. A questão urbana. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1983.
CASTROGIOVANNI, A. C. Turismo urbano. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2001
CARLOS, A. F. A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo:
Contexto, 2004.
CORIOLANO, L. N. M. T. O turismo nos discursos, nas políticas e no combate à
pobreza. São Paulo: Annablume, 2006.
CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.
______. Redes geográficas e organização espacial. São Paulo: Ática, 1993.
______. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
DADALTO, W. C. et al. A dinâmica sócio-espacial de Três Lagoas em Mato
Grosso do Sul (Brasil) e a importância dos meios de hospedagem para o turismo
de negócios. IN: 12° Encuentro de Geografos de América Latina: caminando en
una América Latina en transformación, 2009. Anais… Montevideo, CD-ROM.
(Artigo completo)
DIAS, R. Planejamento do turismo: política e desenvolvimento do turismo no
Brasil. São Paulo, Atlas, 2003.
GOMES, P. C. da C. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do fim dos territórios à
multiterritorialidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,2006.
IBGE. Cidades@. Disponível em: www.ibge.gov.br.Acesso em: 01 jun. 2009.
IGNARRA, L.R. Fundamentos do turismo. 2. ed. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2003.
KNAFOU, R. Turismo e território. Por uma abordagem científica do turismo. IN:
RODRIGUES, Adyr A. Balastreri. Turismo e geografia: reflexões teóricas e
enfoques regionais. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 62-74.
LANDIM, P. da C. Desenho de paisagem urbana: as cidades do interior paulista.
São Paulo: Editora UNESP, 2004.
LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004.
______. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991.
MAGNI, A. R. As transformações sócio-espaciais decorrentes do turismo na
região Costa Leste: um estudo de caso Três Lagoas-MS (Monografia). Três
Lagoas: UFMS-Geografia, 2005.
MILANI, P. H.; ARANHA SILVA, E; SILVA, A. T. da. Serviços de hospedagem e 614
alimentação nas centralidades de Três Lagoas-MS. IN: 4° ENAPET GEO, 2009.
Anais... Três Lagoas, CD-ROM. (Artigo completo)
______. Centralidade urbana: um estudo do Centro Principal de Três Lagoas-MS.
UFMS, 2006. (Monografia Graduação em Geografia)
RODRIGUES, A. A. B. Turismo e geografia: reflexões teóricas e enfoques
regionais. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. p. 62-74.
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo:
HUCITEC, 1996.
SPOSITO, M. E. B. O centro e as formas de expressão da centralidade urbana.
Revista Geografia, São Paulo, UNESP, n. 10, p. 1-18, 1991.
______. A gestão do território e as diferentes escalas da centralidade. Revista
Território. Rio de Janeiro, UFRJ, ano III, n. 4, p. 27-37, 1998.
______. As cidades médias e os contextos econômicos contemporâneos. IN:
______. (Org.). Urbanização e cidades: perspectivas geográficas. Presidente
Prudente: GASPERR/FCT/UNESP, 2001.
TOURINHO, Andréia de Oliveira. Centro e centralidade: uma questão
recente. IN: CARLOS, Ana Fani Alessandri; OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino
(Org.). Geografia das metrópoles. São Paulo: Contexto, 2006. p.277-29

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
POLÍTICAS PÚBLICAS DE TURISMO E ESTADO: A PRODUÇÃO DO ESPAÇO
URBANO EM ARACATI-CE.

Gerardo Facundo de Souza Neto


Bacharel em Geografia/Uni versidade Estadual do Ceará - UECE
gerardofsneto@yahoo.com.br

Luzia Neide Menezes Teixeira Coriolano


Doutora em Geografia/Universidade Estadual do Ceará – UECE
luzianeidecoriolano@gmail.com

RESUMO
A partir do fim do século XX, muitos Estados entenderam o turismo como uma
nova forma de angariar recursos. Assim, os investimentos em infra-estrutura
turística, a partir das políticas públicas formam em grande escala novas
paisagens, espaços e lugares. Entender como esse ―jogo‖ tem capacidade para
reconfigurar lugares longínquos das grandes capitais é o objetivo desse artigo,
tendo como foco o município de Aracati, reconhecido por suas belas praias e tão
bem explorado publicitariamente pelo Governo do Estado do Ceará. Usou-se uma
metodologia com abordagem qualitativa, entendendo as transformações como um
todo e não com compartimentações. Entendeu-se que o turismo globalizado,
pressionou o surgimento do turismo de base local e como os lugares 615
apresentaram novas funções.

Palavras-Chave: Turismo, Políticas Públicas, Estado e Aracati

ABSTRACT
From the end of the twentieth century, many states understand tourism as a new
way to raise funds. Thus, investments in tourism infrastructure, from public policies
make large-scale new landscapes, spaces and places. Understanding how this
"game" has the ability to reconfigure remote places of the great capital is the
objective of this article, focusing on the city of Aracati, renowned for its beautiful
beaches and advertising-as exploited by the State of Ceará. It used a qualitative
methodology, understanding the changes as a whole rather than
compartmentalization. It would appear that the globalized tourism pressed the rise
of tourism on local places and how the new features presented.

Key-words: Tourism, Public policies, State and Aracati

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem como foco a análise da produção do espaço urbano de


Aracati, com diversas atividades econômicas e em especial pe la atividade
turística. Aracati localiza-se no litoral leste cearense e sua sede municipal está
inserida na região do Baixo Rio Jaguaribe. Fica aproximadamente a 154 km de
Fortaleza, sendo o litoral desse município lócus do turismo do estado. Na
conjuntura atual, Aracati destaca-se por ser pólo centralizador e dispersor de
fluxos turísticos, o que tem promovido várias transformações de uso e
ordenamento do espaço compreendido como

o resultado de um certo uso do território pela sociedade. Basta que esta


mude para que o espaço também mude, mesmo que a configuração
territorial permaneça intacta. Mas é evidente que sempre se fazem
necessários ajustamentos, em função do deslocamento das populações,
das deslocações sociais, das distorções econômicas e das demandas
políticas decorrentes da nova situação. (Santos, 1982, p.123)

As transformações e reconfigurações inerentes ao processo histórico de


produção do município49 resultam de políticas publicas urbanas territoriais. A
616
cidade de Aracati foi dos primeiros núcleos urbanos de destaque do Ceará, pela
concentração populacional e importância econômica, fazendo lembrar a
explicação de Santos (2003, p.188) que:

as formas transferidas de uma formação socioeconômica para a outra


pode comportar a força de modificar esta última. As condições históricas
presentes facilitaram o mecanismo de expansão do capital no espaço
através do uso das formas.

Assim, processos se acumulam no decorrer da história do lugar, a partir do


ciclo do gado, pois concentrava charqueadores dada a proximidade do porto e por
esta cidade ser ponto de apoio da rota para o sertão. Na contemporaneidade
destaca-se pelo marketing do litoral, as diversas praias, núcleos pesqueiros, ricos
condomínios de segundas residências, redes de hotéis e resorts para o turismo.
Pode-se compreender a extensão territorial do município de Aracati, sua
localização no estado do Ceará e a forma que se interliga com a capital Fortaleza
a partir de o mapa a seguir:

49
Para Castro (2005) o município é a expressão mais concreta do próprio conjunto do território e da
sociedade brasileira, pois, é nele que é concretizada as políticas públicas.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
617

Figura 1 - Mapa de Localização de Aracati

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Aracati mesmo com relativa distância do município de Fortaleza o ―portão
de entrada‖ do turismo no Ceará, se interliga com fluidez e rapidez com a
metrópole. Ou seja, a distância espacial é minimizada devido à ligação direta pela
CE-040, rodovia denominada Rota do Sol Poente, construída principalmente com
recursos do Governo Estadual do Ceará, e que se tornou principal via de acesso
para o litoral leste cearense, tendo como principal função o deslocamento dos
turistas para essa porção litoral cearense. Porém, a localização geográfica de
Aracati, proporciona outras formas de acesso ao litoral, e a proximidade com o
estado do Rio Grande do Norte facilita grande fluxo de mercadoria e serviços com
os municípios que se localizam nos limites da BR-304, que também passa a ser
uma nova rota para o turismo em Aracati. No intuito de receber maior número de
turista iniciou-se a ampliação e modernização do aeroporto de Aracati, segundo a
Secretaria de Turismo (SETUR, 2009) a atual pista do aeroporto de Aracati de
1.200 m de comprimento passará a ter 1.800m por 30m de largura com mais
400m de área de escape, totalizando 2.200m de comprimento. Pista que terá vida
útil de 20 anos, podendo operar 1.200 movimentos por ano, e apta para operar 618

com aeronaves tipo Boeing 737, a partir de 2010. O pátio de estacionamento de


aeronaves terá 152m por 90m. Além da ampliação da pista (obra concluída), será
iniciada a construção do terminal, o qual terá características regionais. O contrato
foi firmado por meio da Secretaria do Turismo (SETUR) com a interveniência do
Departamento de Edificações e Rodovias (DER), com recursos do Ministério do
Turismo e Tesouro do Estado no valor de R$ 11.697.003,92.

O avanço do turismo sobre o território de Aracati é conseqüência, da


incorporação de novos mercados por essa atividade, ampliando o potencial
turístico do litoral cearense, e o Estado torna-se cada vez mais impulsionador do
turismo. Assim, evidencia-se o que Harvey, (2004) denomina marcas essenciais
do capitalismo:

Em primeiro lugar o capitalismo está sempre envolvido no ímpeto de


acelera o tempo de giro do capital, apressar o ritmo de circulação do
capital e, em conseqüência, de revolucionar os horizontes temporais do
desenvolvimento. Em segundo lugar, o capitalismo sente-se impelido a
eliminar todas as barreiras especiais, a ―aniquilar o espaço por meio do
tempo. HARVEY (2004, p.86).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Destaca-se como o capitalismo produz paisagens geográficas a partir da
redução do custo e do tempo de deslocamento no espaço, construindo estruturas
físicas fixas destinadas a facilitar deslocamentos e promovendo organizações
territoriais por meio do poder estatal.

2. O ESTADO COMO PRODUTOR DO ESPAÇO PELO E PARA O TURISMO

O Estado sendo um dos produtores de espaço existente em território


construído, segundo Mann (1992) apresenta uma síntese do que Weber
denominou de elementos do estado, ou seja, um conjunto diferenciado de
instituições e funcionários, expressando centralidade, no sentido que as relações
políticas se irradiam de um centro para cobrir uma área demarcada
territorialmente. O Estado exerce monopólio do estabelecimento de leis
sustentando o poder muitas vezes pela violência física. As relações de poder que
o Estado exerce se apresentam às vezes de forma despótica ou infra-estrutural,
sendo que o poder infra-estrutural ―se apresenta com a capacidade do Estado de
realmente penetrar na sociedade civil e implementar logisticamente decisões
619
políticas por todo seu domínio‖ Mann (1992, p.169).

A penetração na sociedade e o poder de tentar controlá-la, pelos meios de


regulação criados, são dados pela autonomia concedida pela própria sociedade.
Evans (2004, p.54) apresenta a autonomia e a inserção social como um dos
temas centrais de sua discussão

A questão de como a autonomia e a inserção social podem ser


eficientemente combinadas é ainda mais complicada pelo fato de os
Estados e as estruturas sociais serem mutuamente determinantes. Por
um lado, a presença de grupos sociais organizados com algo a ganhar
com o processo de transformação reforça a perspectiva de sustentação
de um Estado burocrático transformador. Por outro, as burocracias
eficazes reforçam as perspectivas de que o empresariado emergente se
transforme efetivamente em grupos sociais organizados.

Assim o Estado tenta a partir da autonomia responder a questões das


minorias como da elite que busca transformações, o que ocasionam ações
elaboradas, que muitas vezes são constituídas como políticas públicas. Muitas
vezes, nas periferias urbanas sobram políticas publicas debilitadas e tímidas.
Evidencia-se que em Estados que há comprometimento do poder público com a

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
sociedade, as políticas públicas se constituem como um pilar para o
fortalecimento e melhorias da população de menor poder aquisitivo.

O conceito de política pública na abordagem Anglo- Saxônica segundo


Muller (2000, p.4) "desde o nascimento, as pesquisas em política pública têm
mantido o estigma, na medida em que eles são fortemente influenciados pelo
conceito anglo-saxão baseado no Governo. Ou seja, a noção de governo tem
como base um determinado grupo em um determinado período de tempo,
comandando as ações sobre o território. A tradição européia considera estado o
centro decisório de políticas públicas "A tradição de Hegel em Max Weber através
de Marx, colocou ênfase especial no conceito de estado, ou seja, uma instituição
que, de um modo ou de outro, domina a sociedade, e transcende a moda.'
(MULLER, 2000 p.5) . As políticas públicas respondem necessidades de grupos,
assim, algumas atividades políticas são impulsionadas. Em Aracati, o turismo é
uma das atividades atendidas pelas políticas públicas.

A atividade turística destaca-se por marcantes apropriações de espaços


seletivos e competitivos em escala do poder de consumos dos turistas. Espaços
620
são ocupados para o turismo em todo o litoral do município, quando áreas de
segundas residências são direcionadas ao lazer com expansão de novas áreas
residenciais. Os órgãos públicos não conseguem normatizar e controlar o uso
desse espaço que passa a apresentar problemas socioambientais assim como
conflitos na ocupação. O lazer que é direito de todos é transformado em consumo
de elite, daqueles que podem comprar espaços para diversão, tendo a segurança
como um elemento essencial nas escolhas dos destinos. Davis (1992, 206) relata
que

a ―segurança‖ tem menos a ver com a proteção de cada um do que com


o grau de isolamento pessoal, em ambientes residências, de trabalho,
consumo e viagem, em relação a grupos de indivíduos ―desagradáveis‖,
ou mesmo à multidão em geral.

Assim, os grandes hotéis, resorts, bares para atender parte da população


com alto poder aquisitivo, tentam garantir o lazer, com alto aparato de segurança
nas dependências e nos arredores ou entorno.

O turismo é uma atividade que se realiza no espaço do outro, diferente,


portanto do lazer. Exige viagem, e lazer transformados em mercadoria. A
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
atividade turística não é definida apenas pelo deslocamento, mas como atividade
que se apropria de territórios e lugares, e que exige interação entre os que
trabalham e os que se divertem por poder aproveitar as benesses do capital.
Santos (1987, p. 41) explica que esses consumidores se diferenciam dos
cidadãos, pois,

o consumidor não é cidadão. Nem o consumidor de bens materiais,


ilusões tornadas realidades como símbolos; a casa própria, o automóvel,
os objetos, as coisas que dão status. Nem o consumidor de bens
imateriais ou culturais, regalias de um consumo elitizado como o turismo
e as viagens, os clubes, e as diversões pagas; ou de bens conquistados
para participar ainda mais do consumo, como a educação profissional,
pseudo-educação que não conduz ao entendimento do mundo.

Nessa linha de ação o governo do Ceará investe estrategicamente no


desenvolvimento da atividade, confiando na entrada de divisas. Assim, as
políticas e os territórios assumem novas direções, novas dinâmicas econômicas,
como é o caso de Aracati, que foi transformado em pólo receptor de turismo. A
atividade turística não pode ser caracterizada apenas pelo deslocamento, mas
como atividade que se apropria de territórios e lugares, e que exige interação
621
entre os que trabalham e os que vendem a força de trabalho. Segundo
(CORIOLANO, 2006) o turismo ―é uma forma elitizada de lazer, uma modalidade
do uso de tempo livre que exige viagens, deslocamentos, infra-estrutura urbana e
de serviços, transporte e hotéis‖.

Não proporciona contato mais profundo de turistas com comunidades


nativas, ou seja, com a cultura dos lugares e a identidade dos moradores. Para
(Barreto 2003, p.12) o turismo ―é a soma de relações e de serviços resultantes de
um câmbio de residência temporário e voluntário motivado por razões alheias a
negócios ou profissionais‖. Nessa linha de ação o governo do Ceará divulga e
investe estrategicamente no desenvolvimento do turismo.

3. POLÍTICAS PÚBLICAS E AS TRANSFORMAÇÕES DO TURISMO NO


CEARÁ
O Estado do Ceará desde o fim do século XX, sobretudo a partir do início
da década de 1990, se propôs investir em políticas públicas para o turismo. Essa
nova forma de produção do espaço iniciou-se com o Plano de mudanças no

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Governo Estadual de 1989, quando foi elaborado o Programa de
Desenvolvimento do Turismo – PRODETURIS, um programa que cobre todo o
litoral cearense. Posteriormente veio o PRODETUR-NE e, mais recentemente, o
Programa de Regionalização do Turismo (PRT).

A promoção do turismo está pautada em investimentos, esses que são


vindos de políticas de caráter público, privado e alternativo. A partir dos números
apresentado pela SETUR (2006), verifica-se que o Estado do Ceará recebeu
2.062.493 turistas, tendo contribuído a atividade com 13% no Produto Interno
Bruto do Estado, tendo gerado em torno de 286 mil empregos ano.

Aracati segue a tendência do estado, em 2005 a SETUR, apresentou


dados que mostram a visita de 239.020 turistas a Aracati, tendo como media de
permanência 3 dias de estadia. O município foi responsável por 12,10% dos
turistas que vieram ao Ceará, o que ocasionou crescimento da rede hoteleira que
dispõem de 58 meios de hospedagem totalizando um número de 2479 leitos,
ocupando assim o terceiro lugar em números no estado e o principal destino do
litoral Leste.
622
A produção do espaço urbano pelo turismo é relevante na análise dos
municípios, processo que gera fatores impactantes em todo litoral. O ritmo
intenso com que este fenômeno é produzido constitui uma das preocupações dos
governos e tema de analises na academia. O processo de produção do espaço
urbano pode ser compreendido

pela justaposição de vários níveis de realidade, momentos diferenciados


da reprodução geral da sociedade, como da dominação política, o da
acumulação de capital, da realização da vida humana. CARLOS (2001,
p.12)

Assim, para compreender como se dá a produção do espaço urbano em


Aracati faz-se necessário o entendimento dos diferentes processos que ocorreram
nesse espaço, como os ciclos econômicos das charqueadas, algodão, do
comércio pelo porto e das fazendas de camarão na última década, propiciando
condições necessárias para o turismo a partir dos meados da década de 1990 do
séc. XX.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
O turismo vem promovendo crescimento econômico na região do Baixo
Jaguaribe que alocou tecnologias e modernização aos espaços, com expansão
do mercado turístico, embora de forma segregada. Diversas instituições e
programas têm sido criados para apoiar e fomentar o crescimento da atividade
turística no Brasil, tanto na esfera Federal quanto nos Estados e Municípios. A
massificação da atividade ocorreu, de acordo com a formação e a sedimentação
da própria sociedade de consumo de massa, embora alguns municípios e
comunidades tenham ficado fora do processo de desenvolvimento tecnológico e
turístico. O crescimento econômico, acumulação e expansão do mercado turístico
chegam ao Ceará expropriando terras no litoral, desagregando comunidades e
explorando a força de trabalho de residentes que prestam exaustivos serviços nos
empreendimentos turísticos.

No contexto da produção e consumo do espaço litorâneo pela atividade


turística, torna-se de extrema importância o estudo dos agentes que atuam sobre
o território, como o poder público e o privado com políticas oficiais e privadas de
turismo desenvolvendo programas com investimentos no setor. Essas políticas
não cobrem todo o litoral apenas porção dele. Aqueles não contemplados 623

promovem políticas alternativas como o turismo comunitário, assim como fez


muito deles, com a resistência dos nativos.

No litoral, pólo turístico é desenvolvido atividades complementares ao


turismo globalizado, com políticas alternativas de turismo que também produzem
espaços direcionados ao turismo. A produção espacial é retratada na construção
da infra-estrutura viária, da rede hoteleira, dos resorts de macro-
empreendimentos que contribuem para acentuar a distância entre as áreas ricas e
pobres, sobretudo deixando parte da população local à margem desse processo
econômico elitista e segregador. Em contraponto surge o turismo de base local
que produz espaços diferenciados como pousadas e de forma mais atenta às
características naturais e culturais.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
4. O TURISMO EM ARACATI: ESPAÇO DE CONFLITOS?

Aracati registra praias típicas de residentes e praias mais procuradas por


turistas que também procuram lazer. São as praias de Canoa Quebrada,
Marjorlândia e Quixaba.

624

Figura 2 - Mapa Administrativo do Município

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Canoa Quebrada, a principal praia de Aracati, ocupada por
empreendedores externos ao lugar. As falésias dão ao lugar uma especificidade
original muito apreciada pelos visitantes. Esta praia é um dos principais destinos
de turistas oriundos de outros países, e de outros estados brasileiros. Destaca-se
pela presença de equipamentos turísticos, grande rede de hotéis e pousadas se
instalam nessa praia, além de uma variedade de bares e restaurantes.

Em Marjorlândia, estão as segundas residências dos veranistas, ou seja,


nativos deixaram o município, mas conservam casas de veraneio. A especulaç ão
imobiliária tem forçado a venda de terras de residentes. Alguns não resistem ao
apelo do capital, mesmo sendo advertido por aqueles mais conscientes que não
devem vender suas propriedades.

Quixaba é um dos últimos redutos do litoral de Aracati que apresenta


grande quantidade de nativos, e forte presença de pescadores com suas famílias.
Assim, essa praia conserva originalidade de colônia de pescadores. Porém,
turistas que vão conhecer essa praia fazem turismo de base local, e verificam a
resistência do grupo ao turismo globalizado, assim como verifica a valorização da
625
cultura e dos costumes do lugar.

A luta pela defesa da posse da terra tem sido incessante, contra algumas
empresas imobiliárias que pressionam nativos para a venda de seus espaços.
Assim, praias como Quixaba deixa de ser colônia de pescador e passa a integrar
o roteiro dos turistas que vão à Canoa Quebrada. Verifica-se como ocorre a
produção do espaço urbano pelo turismo, como a atividade chega ao litoral e
como os agentes da especulação imobiliária atuam nas comunidades,
relacionando esse movimento com a geografia do turismo. A participação do
turismo no território de Quixaba está restrita à faixa litorânea e seu crescimento
fortemente condicionado à valorização de paisagens tropicais, destacando-se
extensos trechos de praia, e à construção da infra-estrutura para dar suporte à
demanda turística.

Os municípios litorâneos priorizam a atividade turística, e a iniciativa


privada tem assumido papel de empreendedor da hotelaria e dos serviços
turísticos. Tudo isso realizado ao mesmo tempo em que deixa à margem o
envolvimento das comunidades, dos pescadores, dos residentes nos núcleos

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
receptores. Em Quixaba os residentes antecipam-se e oferecem serviços
turísticos, para inibir a entrada de prestadores de serviços de outros lugares como
aconteceu em Canoa Quebrada, comunidade próxima. Embora a totalidade das
atividades concentre-se na faixa litorânea, torna-se inevitável a preocupação com
adoção de novas tecnologias para um turismo alternativo. As comunidades
sabem que os turistas são exigentes, compram serviços e preferem aqueles de
qualidade.

Os fluxos turísticos foram intensificados nos últimos anos, trazendo para


Canoa Quebrada milhares de pessoas que têm como último destino, na maioria
das vezes, a comunidade de Quixaba. O turismo de massa tem se caracterizado
como degradador do meio ambiente e descaracterizador de culturas tradicionais.
Ao produzir imagens estereotipadas no processo de globalização fomenta a
destruição das singularidades paisagísticas e culturais, estabelecendo integração
seletiva e hierarquizada dos lugares, além de ampliar as condições de
marginalidade econômica de muitos lugares. Estabelece-se competição desigual
entre a população local e investimentos externos. O acesso ao conhecimento, ao
saber-fazer técnico precisa beneficiar a todos, ajudar a diminuir as diferenças 626

entre as culturas tradicionais e as elites.

Os impactos do turismo de massa em processo autofágico destroem os


recursos da natureza, paisagens, praias, culturas tradicionais exigindo
reordenação de políticas, fazendo surgir políticas alternativas no território dos
residentes. Uma parcela dos moradores procura estratégias para evitar ou
diminuir os impactos ambientais causados pelo desenvolvimento turístico de
mega-projetos. Algumas comunidades sentem-se impotentes frente ao avanço
dos empreendimentos capitalistas. Outras agem fortalecidas estabelecendo
resistências ao turismo global, surgindo um novo eixo de turismo, que representa
um desafio aos residentes – o turismo comunitário ou das comunidades.

Para que ocorra a economia solidária no turismo é necessária a


participação local, maiores oportunidades de participação efetiva nas atividades
do turismo. Entende-se por economia solidária

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Sustenta-se na busca da satisfação das necessidades humanas
fundamentais, na geração de níveis crescentes da independência de
indivíduos, na articulação orgânica dos seres humanos com a natureza,
com a tecnologia, a fim de que possa integrar nos processos globais,
respeitando os valores e comportamentos locais. CORIOLANO et al.,
(2009, p.56)

Ou seja, significa encontrar condições para que as comunidades


desenvolvam seus próprios potenciais, sejam sujeitos sociais e passem a
gerenciar os recursos, tomem decisões e façam o controle de atividades que
afetam suas vidas, como é o caso do turismo. A ganância dos especuladores
chegou à Quixaba na forma de grileiros de terra, sendo a paisagem natural um
pretexto à acumulação do capital. Os moradores são pessoas que vivem das
atividades de pesca, agricultura, coleta, serviços e do pouco comércio e acreditam
que um empreendimento de grande porte não teria condições de oferecer
desenvolvimento para o lugar.

O conflito pela terra com os grileiros, especuladores e empresas


imobiliárias incita ações de resistência ao turismo globalizado e seus grandes
empreendimentos. O mapeamento dos investimentos turísticos na área de Canoa
627
Quebrada explica a urbanização e revalorização do litoral, para o mercado
turístico internacional. Evidencia a constante tensão em defesa da posse da terra,
fazendo surgir uma nova proposta de turismo – o comunitário. Esta forma leva
comunidades a buscarem inserção na cadeia produtiva do turismo, como
alternativa de subsistência, e com um jeito diferente de promover o turismo.

As políticas de turismo comunitário são apoiadas pelas iniciativas das


organizações não-governamentais que contribuem na implantação dos pequenos
negócios, além de realizar o marketing turístico dos lugares, atraindo turistas às
comunidades, com a oferta de produtos simples, culinária, artes e cultura. Nesse
sentido, acreditam que se torna mais fácil, criar laços de comunicação e respeito
mútuo entre turista e morador, sendo as relações mais solidárias e pessoais, em
oposição do turismo ―convencional‖, em que as relações são impessoais e
distantes.

5. CONCLUSÃO

A modernização da cidade e o aumento do interesse da sociedade têm


produzido conflitos que permeiam espaços geográficos chegando a lugares

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
periféricos que aparentemente poderiam ser poupados do processo, como é o
caso das comunidades tradicionais. São espaços de reserva para o capital que
entram em cena pelo turismo.

É importante compreender, que o desenvolvimento do turismo pelas


comunidades é resultante, da pressão do mercado sobre os moradores, que os
induzem à criação de propostas de trabalho para se inserem na economia. A
pesca e a agricultura que mantinham sobrevivência das comunidades entram em
decadência pela desvalorização e o turismo passa a se impor sendo justificado
pela ampliação das atividades que fazem parte do universo do trabalho-
mercadoria, ampliando o processo de produção do espaço urbano no litoral pelo
turismo.

Aracati tornou-se espaço de conflito entre empreendedores do turismo


exógeno e o endógeno. Os residentes usam os espaços para lazer e
especuladores do litoral avançam ocupando, expropriando e construindo hotéis,
condomínios, flats e residências. A construção de megaempreendimentos em
terras expropriadas de nativos são ações que redirecionam a base econômica,
628
cultural, política e ambiental do município. Isso pode ser detectado especialmente
nas praias.

Como contraponto a ―invasão estrangeira‖ no município de Aracati, nas


atividades turísticas têm-se uma quantidade de nativos, de família de pescadores
oferecendo serviços turísticos alternativos. A entrada de capital tem provocado
descaracterização de ambientes naturais e adulterado costumes e a cultura local,
ficando difícil manter a originalidade da colônia de pescadores.

A luta pela posse da terra tem sido incessante, com enfrentamento aos
especuladores, quando empresas imobiliárias pressionam nativos para venda de
suas casas e cabanas. Muitas colônias de pescadores passam a ser núcleos
receptores de turismo, descaracterizando-se. A produção do espaço urbano pelo
turismo reestrutura espacialidades e mudanças no relacionamento entre cidadão,
espaço vivido e turistas.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
BIBLIOGRAFIA

BARRETO, Margarita. Manual de Iniciação ao Estudo do Turismo. 6. ed. São


Paulo: Papirus, 1999. 164 p.
CORIOLANO, Luzia Neide. O Turismo nos Discursos, nas Políticas e no Combate
à pobreza. São Paulo: Annablume, 2006.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. Espaço-Tempo na Metrópole. São Paulo:
Contexto, 2003.
CASTRO, Iná Elias. Geografia e política: território, escala de ação e instituições.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
DAVIS, Mike. Cidade de Quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. Trad.
Renato Aguiar. São Paulo: Scritta Editorial, 2002.
EVANS, Peter B. Autonomia e parceria: Estados e transformação industrial. Trad.
Christina Bastos Tigre. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.
HARVEY, David. Espaços de Esperança. Trad. de Adail Ubirajara Sobral e Maria
Stela Gonçalves. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 382 p.
MANN, Michael. O poder autônomo do Estado: Suas origens mecanismos e
resultados. In:. John A. Hall. Os Estados na história. Rio de Janeiro: Imago Ed.,
1992.
MINISTÉRIO DO TURISMO. Plano Nacional de Turismo 2003/2007 – Diretrizes,
Metas e Programas. Brasília, MTur, 2003.
MULLER, Pierre. Les politiques publiques. 4ª Ed. Paris: Universitaries de France,
2000.
RIBEIRO, W. C. "Globalização e geografia em Milton Santos". In: El ciudadano, la
globalización y la geografía. Homenaje a Milton Santos. Scripta Nova. Revista 629

electrónica de geografía y ciencias sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI,


núm. 124, 30 de septiembre de 2002.http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-124.htm
[ISSN: 1138-9788] acesso em: 12 de dezemmbro de 2009.
SANTOS, Milton. Ensaios sobre a urbanização Latino-Americana. São Paulo:
Hucitec, 1982
______, O espaço do cidadão. São Paulo : Nobel, 1987.
______. Por uma Geografia Nova: da crítica da Geografia a uma Geografia crítica.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
______, Economia Espacial: críticas e alternativas. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2003.
SETUR, Governo do Estado do Ceará - Secretaria de Turismo do Estado do
Ceará. Indicadores Turísticos do Ceará: 1995/2006, 2008.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
SOCIEDADE CIVIL E OS ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER E TURISMO NO
MUNICÍPIO DE BELÉM – PA

Jéssika Paiva França


Universidade Federal do Pará

RESUMO
Os espaços públicos de lazer e turismo têm despertado interesses divergentes,
envolvendo sociedade civil, poder público e iniciativa privada. Este artigo analisa
os principais problemas e anseios apontados pela sociedade civil quanto aos
espaços públicos de lazer e turismo no município de Belém do Pará tendo como
direcionamento a abordagem quali-quantitativa. Foi desenvolvida pesquisa
bibliográfica e de campo, onde a segunda teve como lócus as praças. Os sujeitos
foram investigados em dias alternados, respondendo a um roteiro de entrevista
semi-estruturado. De acordo com os resultados obtidos, as praças por serem
ambientes abertos e gratuitos, são percebidas como representantes dos espaços
públicos de lazer no município de Belém. Foi identificada uma acentuada
insatisfação da sociedade, em relação à oferta de lazer em seus bairros, em
função do estado de abandono, precariedade, insegurança, ou simplesmente pela
inexistência de espaços públicos, havendo necessidade urgente de construções e
dinamizações de praças, além da melhor distribuição destas entre os bairros. As
discussões sobre a categoria espaço se revelam como amplas e complexas e 630
quando unidas à categoria público, tornam-se ainda mais polêmicas. Trata-se de
uma temática essencial para a compreensão do lazer e do turismo no âmbito
urbano, uma vez que deveria ser papel das políticas públicas, cuidar da
elaboração de ações concretas voltadas ao atendimento das necessidades
sociais, tendo em vista a efetivação de direitos coletivos. Discutir o espaço
significa compreender a sua complexidade e inter-relação com o social, onde a
dinamicidade das transformações se faz presente.

PALAVRAS-CHAVE: Espaço público. Lazer. Turismo. Sociedade civil.

ABSTRACT
The public spaces of leisure and tourism have attracted divergent interests,
involving civil society, government and private enterprise. This article reviews the
key issues and concerns highlighted by civil society and public spaces for lei sure
and tourism in the city of Belem do Para and direction as the qualitative and
quantitative approach. Literature was developed and field, where the second was
to locus squares. The subjects were investigated on alternate days, responding to
a roadmap for semi-structured. According to the results, the squares because they
are outdoors and free, are perceived as representatives of public leisure areas in
the city of Bethlehem has been identified a marked dissatisfaction of society in
relation to leisure activities in their neighborhoods, according the state of
abandonment, insecurity, uncertainty, or simply the lack of public spaces, the
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
urgent need to dinamizations buildings and squares, as well as better distribution
of these among the districts. Discussions on the category space are as large and
complex and when attached to the public category, become even more
controversial. This is an issue essential to the understanding of leisure and tourism
in the city, as it should be the role of public policies, c are for the elaboration of
concrete actions aimed at meeting the social needs in order the execution of
collective rights . Discuss the space means understanding the complexity and
interrelation with the social, where the dynamics of change is present.

KEYWORDS: Public space. Leisure. Tourism. Society.

1 INTRODUÇÃO

Os espaços públicos de lazer e turismo, ―transformaram-se em lugares de


espetáculo para os habitantes e os visitantes de passagem‖ (SERPA, 2007, p.85).
Verdadeiras vitrines urbanas, que atraem turistas e visitantes, mas que podem
adquirir a partir das formas de uso e perfil do publico, um ar de ―santuário‖,
causando estranhamento entre classes sociais. Santos (1994) ao conceituar o
espaço como resultante da junção entre sistemas de objetos e sistemas de ações,
nos possibilita uma análise do espaço público de lazer enquanto ambiente de 631

ações humanas, fruto de relações entre sujeitos. Relações estas, em sua maioria
conflituosas, permeadas por interesses divergentes.

Logo, surgem indagações pertinentes para a compreensão do lazer em


espaços públicos: como usufruir de espaços de lazer públicos, localizados, em
sua maioria em áreas centrais da cidade, se as redes de transportes coletivos são
ineficientes? Se o custo das passagens dos transportes urbanos é elevado,
quando considerado a partir do orçamento de um trabalhador assalariado, que
pouco dispões para as suas necessidades tidas como mais urgentes. O gasto
com transporte para acessar os espaços não entraria no orçamento como mais
um gasto influenciando no não acesso? E como fica a situação das pessoas
desempregadas? Como possibilitar tais vivências de sociabilidade nos espaços
públicos de lazer aos filhos e familiares das classes trabalhadoras?

Este artigo é resultante de uma dissertação de mestrado em Serviço Social


e trata da percepção da sociedade civil sobre o lazer nos espaços públicos
existentes no município de Belém do Pará, onde as praças foram eleitas como o
lócus de investigação, por serem ―gratuitas‖ e de responsabilidade
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
governamental, sendo elas: Praça da República e Praça Batista Campos. A
pesquisa em campo foi realizada em dias alternados através de aplicação de um
roteiro de entrevista semi-estruturada junto a 50 freqüentadores dos espaços.
Todos selecionados aleatoriamente, a partir de auxílio estatístico e seguindo uma
abordagem quali-quantitativa.

2 ESPAÇO PÚBLICO E SOCIEDADE

O que seria afinal o espaço e qual a sua associação com a sociedade?


Santos, (2008), o define como uma realidade relacional, fruto do trabalho humano,
ao mesmo tempo em que é geográfico, por ser determinado pelo movimento da
sociedade.

O espaço não é nem uma coisa nem um sistema de coisas, senão uma
realidade relacional: coisas e relações juntas. ‗Eis por que sua definição
não pode ser encontrada senão em relação a outras realidades: a
natureza e a sociedade, mediatizadas pelo trabalho‘. (SANTOS, 2008,
p.28).

A intervenção humana sobre o espaço conduz a constantes modificações, 632

pois constrói, e dinamiza através de relações sociais. A ação antrópica resulta na


constituição de espaços diferenciados e com múltiplas funções, dentre elas o
lazer, portanto, atende às necessidades de auto-expressão humana, ao mesmo
tempo em que gera conflitos de interesses, quanto às formas de uso e
apropriação do espaço. Este, por sua vez, envolve diretamente a dimensão social
material e as discussões sobre direito e cidadania, bem como objetividade e
subjetividade. Lefebvre, (2008, p.44) define que ―(...) o espaço é objetivo, ou
melhor, é a objetivação do social e, conseqüentemente, do mental‖ chamando à
atenção:

Os lugares de lazeres, assim como as cidades novas, são dissociados


da produção, a ponto dos espaços de lazeres parecerem independentes
do trabalho e ‗livres‘. Mas eles encontram-se ligados aos setores do
trabalho no consumo organizado, no consumo dominado. Esses espaços
separados da produção, como se fosse possível aí ignorar o trabalho
produtivo, são os lugares de recuperação. Tais lugares, aos quais se
procura dar um ar de liberdade e de festa, que povoa de signos que não
têm a produção e o trabalho por significados encontram-se precisamente
ligados ao trabalho produtivo. É um típico exemplo do espaço ao mesmo
tempo deslocado e unificado. (LEFEBVRE p. 50, 2008).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Os espaços públicos de lazer são sociais, pois, apresentam reais
possibilidades de vivências coletivas e práticas recreativas, sendo favoráveis ao
encontro entre pessoas de diferentes idades e classes sociais.

Para Muller, (2002, p.25 - 26).

(...) o espaço de lazer tem uma importância social por ser um espaço de
encontro e de convívio. Através desse convívio, pode acontecer a
tomada de consciência, o despertar das pessoas para descobrir que os
espaços urbanos equipados e conservados para o lazer são
indispensáveis para uma vida melhor para todos e que se constituem em
um direito dos brasileiros.

A importância assumida por estes espaços na cidade é muito grande,


porém não há uma apreensão e intervenção por parte da gestão urbana, no
sentido de favorecer tais experiências nestes ambientes. Há uma preocupação
crescente, com a forma, em detrimento do conteúdo oferecido aos visitantes. A
gestão urbana incorpora o discurso de cidade-empresa (VAINER, 2002), onde os
gestores públicos são verdadeiros empresários, que buscam a todo o momento a
lucratividade dentro de um contexto de competitividade.

Nas grandes cidades do Brasil e do mundo ocidental, a palavra de ordem 633


é, portanto, investir em espaços públicos ‗visíveis‘, sobretudo os espaços
centrais e turísticos, graças às parcerias entre os poderes públicos e as
empresas privadas. Eles comprovam também o gosto pelo gigantismo e
pelo ‗grande espetáculo‘ em matéria de arquitetura e urbanismo.
(SERPA, 2007, p.26).

Neste sentido, os espaços de lazer assumem um papel de grande


relevância na gestão urbana contemporânea, onde ―(...) a fonte permanente de
preocupação envolve a criação das infra-estruturas sociais e físicas que
sustentam a circulação do capital. (HARVEY, 2005, p.130). Logo, a criação de
espaços públicos de lazer na cidade adquire aspectos de visibilidade política.
Criam-se ambientes para servirem de chamariz para investidores. Grandes
investimentos vêm sendo destinados para criação de obras que ofereçam
visibilidade aos governos responsáveis, resultando em construções milionárias,
onde tanto a cidade quanto o governo, o arquiteto e engenheiro responsáveis pela
idealização e construção, são associados ao espaço, ocultando o trabalho de um
grande número de pessoas envolvidas no processo, como os trabalhadores,
sociedade civil contribuinte, dentre outros.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
O chamado marketing urbano se impõe cada vez mais como uma esfera
específica e determinante do processo de planejamento e gestão de
cidades. Ao mesmo tempo, aí encontraríamos as bases para entender o
comportamento de muitos prefeitos, que mais parecem vendedores
ambulantes que dirigentes políticos. (VAINER, 2002, p. 78).

Neste contexto torna-se necessário refletir sobre as formas de


desenvolvimento, priorizadas pelas gestões urbanas contemporâneas.
Desenvolvimento para quem? Para as populações locais ou grandes empresários
e políticos locais? Incentivos para que tipo de empresas? Grandes, médias ou
pequenas?

De acordo com Acselrad, (2001, p.41),

A eficiência da administração local na esfera pública depende, assim, em


primeiro lugar, da capacidade dos governos para mobilizar recursos não-
governamentais no sentido de construir coalizões, especialmente com o
meio empresarial.

Assim, no âmbito municipal, os gestores praticam uma política de escalas,


onde o poder local assume a responsabilidade pela administração dos recursos,
atuando na economia local, através de influências nos aspectos produtivos da
cidade, encontrando na iniciativa privada seu principal parceiro, possibilitador de 634

desenvolvimento econômico. Prima-se por governos que apresentem autonomia,


criatividade e poder de articulação, com os diversos segmentos da sociedade,
objetivando o menor incômodo possível a esfera federal. Administrar uma cidade
se tornou tarefa para grandes empreendedores.

Este contexto permite destacar que os espaços públicos de lazer e turismo


estão sendo pensados dentro de uma lógica mercadológica de construção de
redes de infra-estruturas necessárias para a atração de investimentos da iniciativa
privada, a partir de uma política de embelezamento da cidade, acatados pela
população local, através do despertar de sentimentos de valorização da cultura e
atrativos locais, gerando um sentimento de pertencimento e orgulho de ser
morador da cidade, deixando para último plano, as experiências resultantes das
vivências de lazer, as possibilidades de sociabilidade, humanização e exercício da
cidadania. As cidades se tornam críticas e subordinadas desde o seu nascimento,
por estarem articuladas diretamente as lógicas externas e internas transformando-
se distantes do alcance da cidadania (SANTOS, 1994), comprometidas com
dívidas externas e trocas de favores entre governos e setores empresariais.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Na busca de uma interpretação mais coerente com a realidade das cidades
brasileiras, Serpa contribui de forma significativa nas discussões sobre o público.

Dois fenômenos estão relacionados com o termo ‗público‘: aquilo que


pode ser visto e ouvido por todos e tem maior divulgação possível; ou
significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e
diferente do lugar que nos cabe dentro dele. (SERPA, 2007, p. 139).

Na teoria, o espaço público seria um ambiente comum e acessível a todos,


contudo, percebe-se que isto não acontece, pois na prática é transformado em
―mercadoria‖ para o consumo de poucos e ainda que público, uma minoria se
beneficia (SERPA, 2007, p.9). São comercializados, através de marketings,
atraindo consumidores que possibilitem a dinamização econômica dos
empreendimentos instalados nos espaços, como bares e restaurantes.

(...) o espaço da sociedade capitalista pretende-se racional quando, na


prática, é comercializado, despedaçado, vendido em parcelas. Assim ele
é, simultaneamente global e pulverizado. Ele parece lógico e é
absurdamente recortado. Essas contradições explodem no plano
institucional. (LEFEBVRE, 2008, p.57).

635
Um espaço de possibilidades de ações políticas, bem como de visibilidade,
onde determinados grupos, dentre eles políticos e empresários assumem o
―rótulo‖ dos espaços. A visibilidade e a dinamicidade dos espaços de lazer são
retratadas através do movimento de pessoas, compreendidas como ―cidadãos
consumidores‖. Existiria então, uma relação de identidade entre a população local
e os novos espaços de lazer e turismo, uma vez que estes são idealizados e
administrados sob a lógica de produção e reprodução do sistema capitalista em
escala mundial, ―negando‖ o direito ao acesso da classe trabalhadora?

A localização de grande parte dos espaços públicos de lazer nas áreas


centrais (altas) da cidade é explicada por fatores inicialmente históricos e
posteriormente estratégicos. A concentração dos espaços em bairros nobres
apresenta-se enquanto parte das estratégias elaboradas através de parcerias
estabelecidas entre setores públicos e privados, resultando em vantagens
locacionais, valorização imobiliária, etc. Neste sentido, em muitos casos é
possível ―conhecer uma cidade‖, através de seus principais atrativos, sem
esbarrar nas problemáticas urbanísticas que ―desgastam‖ a imagem de cidade

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
harmoniosa, propícia para a viabilização de bons investimentos, com destaque no
setor turístico.

As questões habitacionais estão diretamente vinculadas às problemáticas


que permeiam o lazer no espaço urbano, uma vez que a falta e precariedade de
habitações destinadas à classe trabalhadora conduz ao aumento das dificuldades
quanto ao acesso a espaços de lazer.

Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor,
consumidor, cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor
vai mudando incessantemente, para melhor ou para pior, em função das
diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço), independente de
sua própria condição (SANTOS, 2007, p. 107)

As ruas das periferias revelam o descaso da gestão pública com a


qualidade de vida da população local, através da carência ou inexistência de
sistemas de saneamento básico, transporte, saúde, educação e por que não de
espaços de lazer? Neste contexto, os habitantes são levados ao improviso, onde
as esquinas transformam-se em espaços de encontro entre jovens, com
636
diferentes intenções.

O lazer na cidade torna-se igualmente lazer pago, inserindo a população


no mundo do consumo. Quem não pode pagar pelo estádio, pela piscina,
pela montanha e o ar puro, pela água, fica excluído do gozo desses
bens, que deveriam ser públicos, porque essenciais (SANTOS, 2007, p.
64).

As barreiras de acesso ao lazer são diversas, porém, a segregação entre


diferentes classes sociais em um mesmo espaço, assume visibilidades quanto à
percepção dos sujeitos envolvidos e invisibilidade nas discussões dos gestores
públicos e meio empresarial.

Se o espaço público é, sobretudo, social, ele contém antes de tudo as


representações das relações de produção, que, por sua vez, enquadram
as relações de poder, nos espaços públicos, mas também nos edifícios,
nos monumentos e nas obras de arte. (SERPA, 2007, p. 19).

Outra questão que necessita de debate é a violência urbana, que tem se


refletido nos espaços destinados ao lazer, os quais vêm sofrendo com ações
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
depredatórias, além da constante ameaça que os seus freqüentadores têm sofrido
em função dos freqüentes assaltos relâmpagos.

A ‗agorafobia‘, uma ‗característica dos tempos modernos‘, supõe o


esvaziamento do espaço público e o ‗aprisionamento‘ no espaço privado
da moradia, de modo que o sentido do lugar, do vivido e do simbólico
cede espaço ao que Sitte chamou de ‗agorafobia‘, também cognominada
de ‗doença nervosa‘, que se manifesta pelo medo excessivo de uso do
espaço público, principalmente o da praça, historicamente o lugar por
excelência das manifestações e da cena urbana (ANDRADE, 2007,
p.21).

As diferenças socioeconômicas, existentes na sociedade são reproduzidas


em todos os espaços públicos como, por exemplo, nos hospitais, escolas, e nos
espaços de lazer, onde a segregação social é, sobretudo, simbólica, pois segrega
sem separar, fazendo com que a discriminação contra as classes subalternas seja
compreendida como um problema do grupo e não do corpo social. A
discriminação é aqui entendida, como negação da presença, pois a simples
presença no espaço não significa aceitação. Os espaços encontram-se bem
definidos, sem que haja necessidade de discutir o assunto, instituindo a 637

discriminação como habitus. É o que Bourdieu (1990) considera como processo


de naturalização ou imposição dos valores culturais dominante na prática social.

(...) tratar politicamente o planejamento urbano é atribuir-lhe a


responsabilidade pela administração de situações de conflito social, dado
que a dinâmica social é a disputa entre os vários segmentos sociais em
torno de interesses e necessidades. (CARVALHO, 2001, p.133).

Contudo, o que se revela na prática são diversas outras barreiras, como o


alto preço da alimentação, cobranças de taxas para a visitação de espaços, como
os museus e outros com algum tipo de atrativo em especial. Seriam estes
espaços públicos no real sentido da palavra? Ou seria esta uma transformação
resultante da modernidade?

A metrópole é o lugar em que se dão sucessivas adaptações ao


moderno sem atenção ao preexistente. Todavia, o custo do alheiamento
com o qual se implanta essa modernidade representa um peso sobre os
aspectos da vida local, mediante custos públicos e privados, custos
federais, estaduais e municipais (SANTOS; SILVEIRA, 2005 p.287).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
A democratização e dinamização dos espaços públicos de lazer devem
compor permanentemente as pautas de discussões das políticas públicas de
lazer, pois ―(...) democratizar o lazer implica democratizar o espaço. E se o
assunto for colocado em termos da vida diária, do cotidiano das pessoas, não há
como fugir do fato: o espaço para o lazer é o espaço urbano‖. (MARCELLINO,
2002, p.25).

O exercício da cidadania está diretamente relacionado à efetivação de


direitos socialmente conquistados. O direito ao lazer merece atenção da
sociedade, afim de que o exercício da cidadania seja uma realidade presente nos
espaços públicos das cidades, pois estudar o lazer no âmbito da cidade é estudar
necessariamente os espaços públicos de lazer acompanhado de suas
problemáticas, dentre elas a sua apropriação hierárquica, resultando em uma
privatização percebida essencialmente a partir das barreiras simbólicas.

Sendo os espaços de lazer, locais de sociabilidade, de encontro entre


pessoas com diferentes culturas é válido refletir sobre o papel assumido pelos
mesmos na gestão urbana contemporânea, a fim de consolidar a democratização.
638
A gestão urbana deverá priorizar a participação da população na
concepção e dinamização de espaços de lazer na cidade, buscando a melhoria
da qualidade de vida e exercício da cidadania pelas diferentes classes sociais,
através de elaboração de políticas intersetoriais, que contemple m as
necessidades humanas de forma ampla, envolvendo lazer, educação, assistência
social, saúde, saneamento, habitação, transporte, etc., sem, contudo, hierarquizar
as necessidades do homem, através de políticas setoriais pontuais. Deve sim,
trabalhar a concepção e dinamização dos espaços de lazer, envolvendo aspectos
referentes à localização, acesso, formas de uso, formas de integração com o
espaço, etc., dentro de um enfoque da participação efetiva, em detrimento de uma
pseudo-participação, tão presente nas políticas públicas contemporâneas, que
aderem a discursos ideológicos a fim de consolidar os interesses das classes
dominantes.

Estão presentes nos discursos o modismo através da atualização


constante de palavras como cidadania, desenvolvimento sustentá vel, da
participação e da responsabilidade social assimilados pelos gestores públicos e

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
privados na sociedade capitalista contemporânea, que disputam acirradamente os
recursos da esfera federal e das agenciais multilaterais, além da buscarem
incessantemente o apoio da sociedade civil organizada. Os discursos são
elaborados a partir dos anseios da coletividade em direção a um pensamento
único, que compõe a dinâmica do modo de produção capitalista e dificulta o
desvelamento ideológico pela sociedade.

3 O OLHAR DA SOCIEDADE CIVIL SOBRE OS ESPAÇOS DE LAZER E


TURISMO EM BELÉM DO PARÁ

As praças são certamente os principais espaços públicos de lazer, pois


possibilitam momentos de convivência coletiva entre pessoas de diferentes
culturas, religiões, níveis sócio-econômico, bairros, etc., sendo ambientes livres
para a realização das mais diversas atividades. Neste sentido, as Praças
República e Batista Campos, situadas no município de Belém do Pará se
enquadram perfeitamente como um espaço democrático e multifuncional, onde
pessoas oriundas de diversos bairros e de diversas culturas compartilham um
639
mesmo ambiente. Buscam o prazer de diferentes formas, seja lendo um jornal,
conversando com amigos, conhecendo novas pessoas, observando e/ou
comprando artesanatos e produtos regionais, assistindo a uma programação
cultural, como as rodas de capoeira que normalmente acontece aos fins de
semana, ou simplesmente não fazendo nada.

É certamente um espaço público de lazer e ao mesmo tempo, de grande


valor turístico, reconhecido internacionalmente. Apresenta elementos históricos
fortemente presentes em seu traçado e incorpora o grandioso Teatro da Paz.
Além de ser um espaço multifuncional, por servir para a realização de feiras livres,
eventos, passeio, contemplação, esporte, arte, cultura e também práticas ilícitas
como a prostituição, entre outros.

A realidade vivenciada nos espaços públicos de lazer da cidade de Belém não


difere das demais existentes nas cidades brasileira. Segue uma forte tendência
histórica de concentração nas áreas centrais, em detrimento bairros pertencentes
às baixadas e periferias. Neste sentido, a distribuição dos espaços merece

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
atenção especial dos órgãos e entidades, uma vez que compõe a lista de
reivindicações da sociedade civil.

De acordo com dados da Secretaria Municipal de Meio Ambiente – SEMMA


a cidade de Belém apresenta entre os seus principais atrativos turísticos, as
praças arborizadas, porém existe uma grande necessidade em reverter o
processo de concentração de praças nas áreas centrais, reduzindo com isso, o
déficit apresentado nas áreas de baixadas, geralmente ocupadas por populações
de baixa renda.

As praças são as principais áreas públicas destinadas ao lazer e à


recreação em Belém. Em 1950, Belém possuía aproximadamente
0,71m² de área de praças por habitantes. Esse índice diminuiu para 0,65
m² em 1960 e continuou caindo (0,49 m² por habitante em 1970) até
1980, quando alcançou apenas 0,40 m² por habitante cresceu 53% até
atingir, em 2000, a proporção de 0,61 m² por habitante. (IMAZON, 2003,
p.41).

As praças de Belém além da rica beleza paisagística oferecem aos


freqüentadores, uma rica história, contada através de seus traçados, coretos e
640
teatros. O uso é compartilhado entre moradores locais e visitantes.

GRÁFICO 1: PRINCIPAL ESPAÇO DE LAZER NO MUNICÍPIO DE BELÉM

Qual é o P rinc ipal E s paç o de L az er


exis tente no Munic ípio de B elém?
P raças em G eral P raias , s hoppings , mus eus , etc

20%

80%

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
De acordo com os resultados desta pesquisa, as praças foram sinalizadas
por 80% dos entrevistados como o principal espaço de lazer existente no
município de Belém, tendo como justificativa principal, o fato de serem gratuitas,
de fácil acesso e com reais possibilidades de encontros entre pessoas. As praças
são espaços possibilitadores de atividades variadas, dentre elas, o comércio,
esporte, sociabilidade, lazer, etc., além de contribuírem ao embelezamento
paisagístico e a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes. Apesar de
seus belos monumentos e de suas árvores centenárias, as praças da cidade nem
sempre são preservadas e potencializadas pelos governantes e habitantes locais.

Outros 20% apresentaram opiniões variadas, apontando outros espaços


como: as praias, shoppings, museus, etc., sob a justificativa se serem mais
seguros, com melhor estrutura para o desenvolvimento de práticas de lazer, além
de estarem livres da desordem ocasionada pelas classes populares.

A Estação das Docas foi citada diversas vezes, como sendo um espaço
elitizado, que a pesar de belo, não permite muita liberdade aos seus
freqüentadores, a começar pelas vestimentas, servindo de contraponto com as
641
praças.

GRÁFICO 2: SATISFAÇÃO QUANTO A OFERTA DE LAZER NOS BAIRROS

Quando o público investigado foi indagado sobre a satisfação com a oferta


de lazer em seu bairro, 87% responderam insatisfação, sob a justificativa de não
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
existirem espaços suficiente. Os existentes encontram-se em estado de
precariedade, pois não oferecem uma infra-estrutura mínima.

Quando essas informações são cruzadas com os dados do gráfico 1: Bairro


onde mora, a conclusão obtida é que a atração pelos espaços localizados nas
áreas centrais da cidade, se justifica pela insatisfação com a oferta de lazer nos
bairros em que habitam, em sua maioria localizados nas baixadas 50. Os 13% que
demonstraram satisfação, moram em bairros localizados nas áreas centrais da
cidade, que coincidentemente possuem uma melhor e mais ampla oferta de
espaços públicos destinados ao lazer.

GRÁFICO 3: POSSÍVEIS AÇÕES DO PODER PÚBLICO

O que deveria ser feito pelo Poder Público no


campo do Lazer?
3%

20%
43%
642

17%

17%
Maiores Investimentos para a criação de esapços públicos
Criação de mais prograções e atividades nos espaços
Acesso gratuito aos fins de semana nos museus
Maior divulgação sobre as formas de acesso aos espaços
Abertura das escolas aos fins de semana para a prática do lazer

Quando indagados sobre o que deveria ser feito pelo poder público no
campo do lazer, 43% dos entrevistados responderam a necessidade de maiores
investimentos na criação de espaços públicos, sob a justificativa de haverem
poucos espaços localizados nas áreas de baixadas. Muitos dos existentes
encontram-se deteriorados e sem a mínima condição para a realização de

50
De acordo com Saint-Clair Trindade (1997, p.22) “As baixadas existentes em Belém são áreas inundadas
ou sujeitas às inundações – decorrentes, em especial, dos efeitos das marés - e ficaram conhecidas,
principalmente a partir da década de 60, por serem espaços de moradia das camadas sociais de baixo poder
aquisitivo”.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
práticas saudáveis de lazer. A melhor distribuição, entre os bairros da cidade, no
que tange as futuras construções é um dos caminhos apontados pelos
entrevistados, uma vez que os bairros centrais são sempre beneficiados pelas
ações governamentais.

Ainda sobre o que o poder público deveria fazer no campo do lazer, 20%
apontaram a necessidade de maior divulgação sobre as formas de acesso aos
espaços, pois não sabem exatamente se existe ou não cobrança de taxas de
visitação. Para não correrem o risco de serem barrados, optam pela não
freqüência em determinados ambientes, tidos como ―requintados‖. O Mangal das
Garças, Pólo Joalheiro, Casa das Onze Janelas e Forte do Presépio são muito
citados.

Para 17% deveriam ser criadas mais programações e atividades nos


espaços existentes na cidade. Alegam serem escassas as programações, ficando
para o próprio público, a responsabilidade de sua dinamização. Outros 17%
apontam a necessidade de gratuidade aos fins de semana nos museus da cidade,
pois durante a semana torna-se inviável a inserção, em função da jornada
643
extensa de trabalho de grande parte da população que não coincide com o dia de
gratuidade. Muitos pais e mães alegaram ter vontade de levar os seus filhos (as)
aos museus e teatros, mas consideram a cobrança de taxas abusiva, tratando-se
de ―espaços públicos‖. Criticam o salário mínimo, que mal possibilita a comprar de
uma sexta básica mensal, o pagamento do transporte, a comprar de remédios,
etc. O ―lazer pago‖ em raro caso é incluído neste cálculo matemático. Não é
excluído, apenas é desenvolvido dentro das possibilidades de cada cidadão. Se
as condições de vida e de trabalho são precárias, as condições de lazer serão
mais precárias ainda, sendo este realizado com as sobras de tempo, disposição e
recursos.

3% dos entrevistados gostariam que as escolas abrissem as suas portas as


comunidades vizinhas aos fins de semana para a prática do lazer. Esta é uma
prática que vem sendo defendida pela nova concepção de gestão escolar, por
gerar o sentimento de pertencimento e respeito ao espaço. Toda a comunidade
escolar, dentre ela, os alunos, os pais de alunos, os diretores, secretários,
porteiros, merendeiras, moradores vizinhos a escola, deveria, de acordo com
essa concepção, participar das discussões referentes às formas de uso do
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
espaço escolar, pois isso se reverteria em uma melhoria na qualidade do ensino,
através da somatória de esforços. A ação coletiva e participativa é uma das
formas de dinamizar e preservar a escola, abrindo as suas portas aos fins de
semana às comunidades vizinhas.

De acordo com os resultados obtidos, o público que freqüenta as Praças:


República e Batista Campos, são moradores de bairros e municípios vizinhos,
pertencentes à Região Metropolitana. Percebe o lazer como sinônimo de
descanso e divertimento, em contraposição ao tempo destinado ao trabalho e
apesar da pouca diferença em termos percentuais, o lazer foi apontado como um
direito constitucional. Acreditam inexistir uma política pública de lazer na cidade,
mas sinalizam que é papel da mesma criar e manter espaços e programações na
área. Logo, a existência de uma política pública é confundida com a criação de
espaços e programações no âmbito do lazer.

As praças por serem gratuitas, são tidas como representantes dos espaços
públicos de lazer no município de Belém, principalmente por apresentarem o
acesso gratuito e estarem em grande parte, sob a responsabilidade do
644
governamental.

Foi identificada uma acentuada insatisfação da sociedade, em relação à


oferta de lazer em seus bairros, em função do estado de abandono, precariedade,
insegurança, ou simplesmente pela inexistência de espaços públicos, havendo
necessidade urgente de restauração e ressignificação dos espaços existentes.

4 CONCLUSÃO

O espaço público foi analisado de acordo com a compreensão de Lefebvre


(2008) que o considera, político, estratégico e produto do social. A noção de
espaço humanizado Santos (2007), também foi agregada às discussões,
favorecendo uma compreensão mais social, pois o espaço público é
habitado/freqüentado por pessoas de diferentes culturas que buscam o lazer
coletivo, construindo momentos singulares, seja entre família, amigos ou
desconhecidos.

O respeito ao outro se torna indispensável quando se divide um espaço.


Este trabalho abordou o lazer enquanto cultura, diversidade de gostos e
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
experiências, não estando limitado a um espaço específico. Logo passível de
ocorrer em qualquer ambiente: trabalho, casa, rua, entre outros, envolvendo
elementos altamente subjetivos, pois cada ser humano sente as experiências de
forma diferente.

Os resultados demonstraram uma grande importância das praças públicas


na vida social na cidade de Belém do Pará, por serem pontos de encontro, de
troca de informações, de descanso e divertimento, um lugar onde é possível ver e
ser visto pelos outros. No contexto das pequenas cidades, a relevância das
praças como espaços de informação e formação intensifica-se, por ser em alguns
casos, a única opção de lazer em ambientes coletivos. Lá é possível saber sobre
os principais acontecimentos, quem chegou e quem saiu da cidade, realizou uma
festa, tomou posse na prefeitura, separou, morreu etc.

As praças foram apontadas como principais espaços de lazer, não por falta
de opção, pois os entrevistados demonstraram saber da existência dos demais
espaços, como teatros, museus, etc., mas por apresentarem acesso gratuito e
maior liberdade de expressão, sem restrições quanto aos dias e horários e por
645
possibilitarem momentos de convivência coletiva entre pessoas de diferentes
culturas, religiões, níveis sócio-econômico, bairros, etc., sendo ambientes livres
para a realização das mais diversas atividades. A gratuidade é certamente o
elemento principal no processo de escolha, uma vez que alguns espaços foram
apontados como excludentes e segregadores, como os museus, teatros, entre
outros que exigem a cobrança de taxas.

Os freqüentadores, ao escolherem as praças como opções de lazer


aceitam compartilhar o espaço com pessoas de diferentes culturas, bairros e
principalmente níveis sócio-econômico, diferentemente do que vem acontecendo
em espaços como Mangal das Garças, Estação das Docas, Casa das Onze
Janelas, Parque da Residência, além de teatros e museus, sinalizados como
espaços de estranhamento entre classes.

A discussão foi pertinente em torno da gratuidade nos museus, enfocando


a inviabilidade quanto ao acesso gratuito no meio da semana em função da
ocupação do tempo com o trabalho, sendo necessária a ampliação da gratuidade
aos fins de semana. Nesse sentido, o lazer dentro da discussão tempo-espaço,

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
revela a necessidade de políticas públicas que contemplem a realidade social,
sem exclusão das classes trabalhadoras, com seus pequenos recursos e tempo
disponível. A própria disseminação do lazer enquanto direito social, requer um
permanente processo de propagação de informações referentes às formas de
acesso e apropriação dos espaços e isso envolve diretamente o esclarecimento
sobre os dias de gratuidade, além da ampliação nas discussões de interesses
coletivos.

Neste contexto é possível identificar que em muitos espaços denominados


de uso coletivo no município de Belém vem ocorrendo uma espécie de
segregação simbólica, que segrega sem separar. Significa dizer, que as camadas
populares não estão sendo impedidas de ingressarem nos espaços denominados
―elitizados‖, simplesmente não estão sendo favorecidas, no que tange a dinâmica
dos mesmos em termos de programações e formas de acesso.

Em espaços de consumo como a Estação das Docas há quem se sinta


deslocado e sem jeito no meio dos freqüentadores/consumidores. No Forte do
Presépio, Casa das Onze Janelas e Mangal das Garças a grande crítica é quanto
646
às limitações de circulação gratuita nos museus, mirante e borboletário. Até onde
é possível acessar sem ter que pagar?

A segregação simbólica existente em alguns espaços públicos de lazer da


cidade de Belém vem sendo naturalizada e neutralizada através de discursos que
remetem a necessidade de embelezamento urbano, fomentando o sentimento de
orgulho nos moradores locais, mas que deixam de lado a necessidade de
incentivo ao uso pelas diferentes classes, através da disseminação de
informações quanto às formas de acesso. Esta seria apenas uma das formas de
democratização lazer.

A falta de identidade dos habitantes locais com muitos espaços públicos é


certamente, um dos fatores responsáveis pelas depredações contra o patrimônio
público. Isso acontece, porque os mesmos não se sentem integrantes destes
espaços. É como se a ―coisa pública‖ não lhes pertencesse, mas sim, somente ao
Estado, estando sempre relacionada a um determinado governo, partido político,
prefeito, vereador, etc., seja através de um nome, de marca, música ou até

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
mesmo de um marketing intenso e permanente, utilizado em campanhas políticas
para a reeleição.

Os espaços públicos de lazer no município de Belém demonstram sintonia


com a lógica mundial, de mercantilização, onde a prioridade é o embelezamento e
a atratividade. A dinamização de muitos espaços está diretamente relacionada
aos interesses estratégicos empresarias e imobiliários, fortalecendo a parceri a
entre poder público e iniciativa privada, deixando de lado as percepções e
interesses das classes populares.

Foi identificada junto aos entrevistados, uma grande insatisfação com


relação à oferta de espaços e programações de lazer nos bairros em que residem
além do estado de precariedade e insegurança em que se encontram. Os
residentes das baixadas estão sofrendo com o descaso e abandono. Vale
ressaltar que um espaço abandonado ocasiona o efeito inverso de seus objetivos,
que seria o favorecimento de experiências coletivas benéficas ao
desenvolvimento humano, pois se transforma em um ambiente propício a
violência e práticas ilícitas, como roubos, tráfico de drogas, prostituição, violência,
647
etc.

Ao pensar a dinamização do lazer nos espaços públicos, deve-se pensar


que a palavra lazer envolve diversos elementos: cultura, esporte, diversão,
turismo, sociabilidade, etc. Estas informações deverão servir de orientação para a
elaboração de programações, mas sem deixar de ouvir as demandas sociais de
cada bairro, considerando as especificidades de cada realidade. Exemplificando,
é possível dizer que os moradores dos bairros pertencentes às baixadas da
cidade de Belém necessitam de uma atenção especial, por serem vítimas da
precariedade de outros setores, como por exemplo, habitação, transporte e
saneamento básico. As suas residências mal permitem uma boa acomodação
para o descanso. Muitos, não possuem espaço e nem conforto suficiente para um
almoço em família, muito menos para a geração de uma satisfação pessoal, haja
vista que o conforto e a segurança são fatores chave para o alcance do prazer.

Com a disseminação e descontrole da violência urbana, os moradores das


baixadas estão cada vez mais, transformando as suas residências em espaços
prioritários para o lazer, a fim de evitar o deslocamento e com isso os assaltos e

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
seqüestros relâmpagos, que se tornaram constantes na cidade de Belém. As ruas
das baixadas não são mais as mesmas de décadas atrás, quando eram
dinamizadas por seus habitantes, que as utilizam como pontos de encontro para
um bate papo diário, um jogo de futebol, peteca, baralho, dominó, etc. A rua era
transformada em uma possibilidade de ampliação do espaço residencial. Na
atualidade, a mesma vem perdendo lugar, enquanto espaço de lazer, para as
residências, pois se encontra habitada pelo descontrole, violência e ausência de
regras de convívio em coletividade.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri. Território e poder- a política de escalas. In: FICHER, Tânia.


(org). Gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e
avaliação. SP: Brasiliense, 2001.
BOURDIEU, Pierre. Espaço social e poder simbólico. In: BOURDIEU, Pierre.
Coisas ditas. SP: brasiliense, 1990, p.149-168.
CARVALHO, Sônia N. de. Estatuto da cidade: aspectos políticos e técnicos do
plano diretor. SP: perspectiva, 2001.
FICHER, Tânia. Poderes locais, desenvolvimento e gestão: Introdução a uma
agenda. In: FICHER, Tânia. Gestão do desenvolvimento e poderes locais:
648
marcos teóricos e avaliação. Salvador, BA: Casa da qualidade, 2002.
HARVEY, David. A teoria marxista do Estado. In: A produção capitalista do
espaço. SP: Annablume, 2005.
LEFEBVRE, Henri. Espaço e Política. Tradução Margarida Maria de Andrade e
Sérgio Martins. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
MAGNANI José G. Festa no Pedaço: cultura popular e lazer na cidade. 2.ed. São
Paulo: UNESP, 1998.
MARCELLINO, Nelson C. Estudos do lazer: uma introdução. 3º Ed. Campinas,
SP: Autores associados, 2002.
MULLER, Ademir. Do entendimento teórico e do lugar de onde surgem as
oportunidades de lazer. In: MULLER, Ademir; DACOSTA, Lamartine Pereira
(orgs). Lazer e desenvolvimento regional. RS: Ed. Edunisc, 2002.
PARANAGUÁ, Patrícia (et al). Belém sustentável. Belém: IMAZON, 2003.

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria L.. Urbanização: cidades médias e grandes.


In: O Brasil: território e sociedade no século XIX. 7. Ed. RECORD, 2005.
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. 2ª Ed. SP: hucitec, 1994.
___________. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico
informacional. SP: Hucitec, 1994.
__________. O espaço do cidadão. 7ª ed. SP: Edusp, 2007.
__________. Pensando o espaço do homem. 5ª ed. SP: EDUSP, 2007.
__________. Metamorfoses do Espaço Habitado. SP: Edusp, 2008.
SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea. SP: contexto,
2007.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
TRINDADE JR, Saint-Clair. Produção do espaço urbano em Belém. Belém:
NAEA/UFPA, 1997.
VAINER, Carlos B. Pátria, empresa e mercadoria. Notas sobre a estratégia
discursiva do planejamento estratégico Urbano. In: ARANTES, Otília et al. A
cidade do pensamento único: Desmanchando consensos. 3. ed. Petrópolis:
Vozes, 2002.

649

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
TURISMO E (DES)ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO: O CASO DA VILA DO
ABRAÃO, ILHA GRANDE/RJ.

Ana Flávia Oliveira Peccatiello


Mestranda em Arquitetura e Urbanismo/UFF
anaflaop@yahoo.com.br

Prof. Dr. Werther Holzer


Doutor em Geografia Humana USP/Professor Escola de Arquitetura e Urbanismo
UFF

RESUMO
Este artigo apresenta como temática principal a influência do turismo na
urbanização e na organização espacial e faz uso de um caso referência para
discussão. A Vila do Abraão é o recorte espacial definido para a pesquisa que tem
como objetivo geral analisar o processo de uso e ocupação do solo na localidade,
identificando para tanto os principais instrumentos legais elaborados para o
ordenamento da ocupação urbana. A metodologia utilizada baseou-se em
levantamento documental-iconográfico, pesquisa e leitura da bibliografia
concernente e demais materiais de interesse da investigação, assim como
análise, classificação e interpretação do material recolhido. Muitos dados e
informações foram obtidos diretamente nos órgãos públicos responsáveis pela 650

gestão da Vila do Abraão. Os principais resultados alcançados com a pesquisa se


relacionam com o entendimento sobre a situação de ocupação irregular na Vila do
Abraão, baseado no conhecimento das principais leis e instrumentos de gestão
que regem a área assim como no conhecimento sobre aspectos políticos e da
governança local.
Palavras-chave: Vila do Abraão; turismo; organização do espaço.

ABSTRACT
This article presents the main theme as the influence of tourism on urban
development and spatial organization and makes use of a reference case for
discussion. The Village of the Abraão is defined spatial area for research that aims
at analyzing the process of use and occupation of land in the locality, identifying
both the main legal instruments developed for the planning of urban occupation.
The methodology used was based on a survey-documentary iconographic
research and reading of literature and other materials concerning the interests of
research, as well as analysis, classification and interpretation of collected material.
Many data and information were obtained directly from the agencies responsible
for management of the Village of the Abraão. The main achievements of the
research relate to the understanding of the situation of irregular occupation in the
Village of the Abraão, based on knowledge of key laws and policy instruments that
govern the area as well as knowledge on policy issues and local governance.
Key-words: Village of the Abraão; tourism; spatial organization.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
1 INTRODUÇÃO
A urbanização diante ao crescimento do fenômeno turístico pode ser
analisada sob diferentes aspectos. Entre eles como indutora do fluxo turístico. O
surgimento das grandes conurbações acarretou um modo de vida mais estafante
que leva seus moradores a buscar outros ambientes diferentes do cotidiano.
Segundo URRY (1996) esse desejo de evasão se consolida pela diferenciação
entre a prática cotidiana no mundo do trabalho e a prática, até certo ponto, li vre
de normas, do lugar do turismo. Em consonância com Urry, KRIPPENDORF
(2001) afirma que esta situação pode ser chamada de ―ciclo de reconstituição do
ser humano‖ na sociedade industrial, onde a viagem se configura como o
momento para reconstituir as forças físicas e mentais. Esta mobilidade frenética
por sua vez exige o desenvolvimento de uma rede de serviços turísticos para dar
suporte a esta imensa ―máquina de restauração de forças‖ que, segundo
KRIPPENDORF (2001) é o turismo. É neste sentido que a urbanização pode ser
analisada sobre outro ponto de vista, ou seja, como um processo influenciado
pela atividade turística.

Neste sentido temos como caso referência a Vila do Abraão localizada na 651

Ilha Grande, Angra dos Reis/RJ cujo crescimento urbano deflagrado pela
atividade turística consideramos que não foi acompanhado por um planejamento
condizente com a realidade local. Toda a Ilha Grande é coberta por um mosaico
de unidade de conservação onde se verifica ao longo dos anos uma superposição
administrativa do poder municipal, estadual e federal. Essa confusão na
administração pública gera reflexos na qualidade ambiental local no que tange
principalmente ao uso e ocupação do solo, colocando em risco não somente o
meio ambiente como também a população local e os turistas e visitantes que
chegam à Ilha diariamente.

A partir da década de 1990, a atividade turística na Ilha Grande/RJ tomou


proporção e destaque nacional e internacional. A implosão do Instituto Penal
Cândido Mendes (antigo presídio da Ilha Grande) em 1994, foi determinante neste
processo. A Vila do Abraão, principal porta de entrada da Ilha, vem sofrendo os
reflexos do incremento do turismo, que dia-a-dia imprime notáveis alterações na
paisagem local principalmente no que diz respeito ao gradativo avanço das
edificações e vias por áreas protegidas por lei, já que a Vila está inserida na Área

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
de Proteção Ambiental de Tamoios e em parte no Parque Estadual da Ilha
Grande (PEIG). Desta forma, o rápido crescimento do turismo na Ilha Grande
resultou na utilização do aporte físico e natural de forma desordenada e, por
conseguinte, na degradação ambiental.

Este artigo é fruto da pesquisa em curso no Programa de Pós-graduação


em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense – UFF e se
configura como uma compilação e sistematização das informações e dados
obtidos através do levantamento e análise da bibliografia geral e específica
relativa à temática e à localidade e levantamento e análise de alguns instrumentos
legais de organização do uso e ocupação do solo na Vila do Abraão, assim como
do material iconográfico e bases cartográficas disponíveis.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 CRISE AMBIENTAL E PLANEJAMENTO

A crise ambiental característica da modernidade deflagrou a necessidade


652
de organização sistemática das ações do homem sobre o espaço, induzindo a
estruturação de formas de planejamento que minimizem os impactos do
insustentável sistema de desenvolvimento implantado. Esta crise, envolta por
nuances diversas – economia, demografia, desenvolvimento, ecologia – tornou
eminente a globalidade das problemáticas em questão, instaurando o que MORIN
& KERN (2005) denominaram ―agonia planetária‖. Os limites do crescimento
tornaram-se palpáveis devido às graves conseqüências do desequilíbrio entre o
homem e a natureza em variados contextos e escalas, revelando as disfunções
próprias do estilo de desenvolvimento o que reporta à necessidade de se
repensar as heranças socioculturais e econômicas que embasam os paradigmas
sociais.

Nesta perspectiva insere-se o discurso da sustentabilidade defendido por


autores como Acselrad (1997), Sachs (2002) e Leff (2006), que buscam trazer tal
conceito para o campo das relações sociais, de forma a possibilitar a
internalização da dimensão ambiental nos paradigmas do conhecimento. O
ambiente assim é tido como uma categoria sociológica e não biológica, que se

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
configura em comportamentos, valores, saberes e potenciais produtivos. Não há
sentido, portanto em se falar de natureza sem sociedade.

A história humana sobre a Terra é marcada pela exploração dos recursos


naturais e a evolução dos processos produtivos associados às constantes
necessidades criadas pelo homem são geradores do processo de degradação
ambiental51. A forma como a sociedade mundial organiza a produção de sua vida
tem como conseqüência maior a problemática socioambiental caracterizada pelo
crescente impacto negativo no ambiente e aumento das desigualdades
socioeconômicas.

As cidades, nesse processo, apresentam-se como um palco onde estão


expostos os mais complexos desafios de organização social, ambiental e
econômica, reflexos do processo de apropriação do espaço onde o ambiente
natural é alterado artificialmente para atender as necessidades do homem
enquanto ser social.
LYNCH (1985) acredita que o aglomerado populacional assemelhasse a
um ecossistema uma vez que este pode ser considerado como um conjunto de
653
organismos onde cada organismo se relaciona com indivíduos de sua própria
espécie, com outras espécies e com as matérias físicas do local. É neste sentido
que SPIRN (1995) utiliza o termo ecossistema urbano e preconiza a necessidade
de se utilizar o conceito de ecossistema para a compreensão do ambiente urbano,
das inter-relações entras as atividades humanas e do impacto cumulativo que os
indivíduos exercem sobre a cidade. Esta autora acredita que um ecossistema é
maior do que a soma de suas partes, pois existem ligações que unem as partes e
formam uma vasta rede.

O fluxo e a transformação da energia e da matéria-prima forjam as


ligações entre o ar, o solo e a água do ecossistema urbano e os
organismos que nele vivem. Estabelecendo os caminhos ao longo dos
quais a energia e a matéria fluem através do ecossistema urbano,
podem-se também traçar a rotas ao longo das quais os poluentes se
disseminam e determinar onde a energia é despendida e armazenada
(Spirn, 1995, p. 269).

51
O conceito de degradação ambiental adotado neste trabalho é o existente na Lei nº 6.938, de 31/08/81,
artigo 3º, inciso II da Política Nacional do Meio Ambiente, onde degradação da qualidade ambiental
constitui-se ―... a alteração adversa das características do meio ambiente." (BRASIL, 1981). Salienta-se que
a lei federal foi alterada pela Lei nº 7.804, de 18/07/89, que mantém a mesma definição referente ao termo.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
É plausível, portanto que as soluções para os problemas da cidade sejam
coordenadas e tratadas dentro da compreensão do ecossistema total, suas partes
e ligações, tornando as conseqüências das ações mais previsíveis. Além disso, é
preciso que os cidadãos tenham consciência da situação ambiental em que estão
inseridos e se reconheçam como agentes da organização do espaço, já que como
afirma ROSSI (1998 apud ARAUJO, 2009) “a cidade é uma coisa humana por
excelência, sendo um reflexo da sociedade”.

2.1.1 PLANEJAMENTO AMBIENTAL E OS PARADIGMAS DO


DESENVOLVIMENTO
A prática do planejamento destinada à organização do espaço sempre foi,
desde períodos longínquos, uma premissa para grupos de pessoas que se
propunham a se fixarem em uma localidade. SANTOS (2004) aponta que as
primeiras informações históricas sobre planejamento do espaço estão
relacionadas a aldeias de pescadores e agricultores, e aspectos ambientais como
topografia e microclima, eram levados em consideração. Em aldeias da
Mesopotâmia, cerca de 4000 a.C., autoridades religiosas já realizavam formas de 654

planejamento voltadas para a organização das cidades.

Ainda que o entendimento sobre os impactos causados pelo homem nos


centros urbanos já fosse evidente entre os gregos, sobretudo com Aristóteles, até
final do século XIX poucos eram os que se preocupavam com a construção de
cidades aliada ao equilíbrio com os elementos da natureza. O século XX, em
especial suas últimas décadas, foi marcado pelo desenvolvimento de diversos
tipos de planejamentos setoriais, principalmente nas áreas econômica e de
recursos hídricos. Este período caracterizou-se também por uma intensa
produção intelectual voltada à crítica, fortemente marxista, ao planejamento
urbano, onde se destacaram autores como Castells e Harvey, pioneiros entre os
sociólogos e geógrafos urbanos. Estes autores contrapunham-se ao idealismo da
sociologia culturalista, ao darwinismo social da Escola de Chicago e à economia
urbana neoclássica, por considerarem os primeiros (sociologia culturalista)
reducionistas em relação aos conflitos sociais e às contradições e lutas de
classes, e os últimos por tomarem a sociedade como um agregado de ―indivíduos-
consumidores‖.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Diante a tais críticas e dentre outras que se seguiram, o planejamento já
não podia mais servir de instrumento a serviço da manutenção do status quo
capitalista, baseado em definições econômicas e de caráter setorial, seguindo um
viés de intervenção e regulação estatal. Já não era mais admitido utilizar
desenvolvimento econômico como sinônimo de crescimento econômico uma vez
que países subdesenvolvidos que alcançaram um significativo crescimento de seu
PIB ainda permaneciam com grande parcela da população sem acesso aos
serviços básicos como saúde e educação (SANTOS, 2004).

Assim, dado ao fracasso do planejamento fundamentado na visão


puramente economicista, o planejamento ambiental se apresenta como uma
forma de se prever as conseqüências ambientais do desenvolvimento. Apesar de
suas bases terem sido delineadas no início do século XIX com pensadores como
John Ruskin, Viollet-le-Duc, Henry David Thoureau, Georg Perkins Marsh
(FRANCO, 2008), é apenas neste período, principalmente a partir da Eco-92 e da
Agenda 21, que este tipo de planejamento ganha forças se firmando como um
dos aliados primordiais do desenvolvimento sustentável.
655
De acordo com SANTOS (2004) ainda não há uma definição precisa do
termo ‗planejamento ambiental‘, de forma que o mesmo recebe diversas
abordagens e definições as quais se mesclam e se fundem. Entretanto é factível
que o conceito de ‗ambiente‘ na perspectiva deste planejamento “é interpretado
tanto no que se refere às questões humanas, quanto físicas e bióticas” (SANTOS,
2004, p.27). A não delimitação do conceito acarreta assim uma confusão quanto
ao emprego do mesmo que acaba por ser usado para a denominação de outras
formas de planejamento como o físico, geoecológico, e também como sinônimo
de alguns instrumentos do planejamento ambiental como o plano de manejo e o
zoneamento ambiental. Além disso, é ainda utilizado como sinônimo de
gerenciamento – caracterizado pela aplicação, administração, controle e
monitoramento do que foi proposto pelo planejamento – e de gestão ambiental –
que deve ser entendida como a integração entre o planejamento, o
gerenciamento e a política ambiental.

CULLINGWORTH (1997 apud SOUZA, 2002) aponta quatro elementos


fundamentais em qualquer atividade de planejamento, as quais são:

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
- Pensamento orientado para o futuro;

- Escolha entre alternativas;

- Consideração de limites, restrições e potencialidades, assim como de


prejuízos;

- Possibilidade de diferentes cursos de ação de acordo com as


circunstâncias.

Este mesmo autor ressalta, porém que ao se tratar de processos de


planejamento e gestão onde há uma diversidade de grupos sociais envolvidos, é
necessário a adição de mais um elemento: a preocupação com a resolução de
conflitos de interesse.

O planejamento ambiental por sua vez estabelece-se tendo por base as


premissas supracitadas e fundamenta-se na interação e integração dos sistemas
que compõem o ambiente. Assim, este planejamento apresenta a peculiaridade
de ter que contemplar diversas áreas e interesses, o que o torna um mecanismo
complexo que suscita a participação tanto de uma gama de profissionais como de
656
todos os grupos sociais envolvidos, caracterizando-se por um elevado grau de
interdisciplinaridade e integração de informações. LANNA (1995, apud
MENEGUZZO, 2006) apresenta uma definição que evidencia a complexidade das
atribuições do planejamento ambiental, o qual consiste em:

[...] um processo organizado de obtenção de informações, reflexão sobre


os problemas e potencialidades de uma região, definição de metas e
objetivos, definição de estratégias de ação, definição de projetos,
atividades e ações, bem como definição do sistema de monitoramento e
avaliação que irá retroalimentar o processo. Este processo visa organizar
a atividade sócio-econômica no espaço, respeitando suas funções
ecológicas, de forma a promover o desenvolvimento sustentável (Lanna,
1995 apud Meneguzzo, 2006, p.14).

Ainda nesta perspectiva, FRANCO (2008) afirma que:

Planejamento Ambiental é todo o planejamento que parte do princípio da


valoração e conservação das bases naturais de um dado território como
base de autosustentação da vida e das interações que a mantém, ou
seja das relações ecossistêmicas [...] O objetivo do Planejamento
Ambiental é atingir o Desenvolvimento Sustentável da espécie humana e
seus artefatos, ou seja dos agroecossistemas e dos ecossistemas
urbanos (as cidades e redes urbanas) minimizando os gastos das fontes
de energia que os sustentam e os riscos e impactos ambientais, sem

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
prejudicar ou suprimir outros seres da cadeia ecológica da qual o homem
faz parte [...] (Franco, 2008, p. 35).

Ambas as definições explicitam a relação do planejamento ambiental com o


desenvolvimento sustentável – dentro de suas dimensões ambientais,
socioculturais e econômicas – e a importância do ser enquanto sujeito social em
todo o processo. Vão, portanto ao encontro do que LYNCH (1985, p. 111)
estabelece como relevante para a qualidade de um local, a qual ―se deve ao efeito
conjunto do local e da sociedade que o ocupa”.

Este mesmo autor apresenta em seu livro ―A boa forma da cidade‖ (1985)
as dimensões da execução dessa boa forma, as quais podem contribuir
sobremaneira para o trabalho de planejamento ambiental. É importante ressaltar,
todavia que, de acordo com LYNCH (1985), nenhuma dessas dimensões é única
de forma que todas indicam um conjunto de qualidades de base c omum, o qual
pode por sua vez ser medido em termos comuns. Assim temos como as cinco
dimensões básicas para a boa forma da cidade:

1. Vitalidade: critério antropocêntrico relacionado ao grau em que a


657
forma do aglomerado populacional suporta as questões ambien tais, de saúde e
funcionamento biológico do ser humano. Um local para ser adequado à vida deve
prover sustentação, segurança e consonância com a estrutura básica do ser
humano;

2. Sentido: o grau em que a cidade pode ser compreendida pela


população e vice-versa, verificável através da interação entre a pessoa e o local.

3. Adequação: está relacionada com o grau em que o padrão espacial


de uma cidade – sua infraestrutura, canais e equipamentos – corresponde às
atividades e comportamentos dos seus habitantes, levando-se em consideração a
relação espaço x tempo;

4. Acesso: relacionado com a capacidade de alcançar pessoas,


serviços e informações, considerando ai a quantidade e diversidade de elementos
que podem ser alcançados. Não pode, portanto ser medido apenas em função da
quantidade, pois ―a mera quantidade perde seu significado assim que é alcançado
um nível de satisfação” (LYNCH, 1985, p. 183);

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
5. Controlo: o grau em que os espaços e comportamentos no
aglomerado populacional estão regulamentados, de forma certa, responsável e
congruente tanto para a população quanto para a estrutura dos problemas locais.
Diz respeito ao uso, acesso, criação, reparação, modificação e gestão espacial.

O planejamento ambiental realizado de acordo com as dimensões


propostas por LYNCH funciona como uma ferramenta de organização do espaço
urbano tendo em vista a sustentabilidade. Neste sentido é necessário
compreender também a importância da participação social no processo.

SANTOS (1988) compara os acontecimentos políticos e gerenciais da


cidade a um jogo de cartas onde os grupos formados pelo governo, pelas
empresas e pela população se enfrentam segundo as filiações a que pertencem,
de forma que os parceiros se aliam e se separam de acordo com os interesses e
circunstâncias. O ideal neste jogo é que os agentes do desenvolvimento urbano
estejam cientes das regras que devem seguir assim como das ações que devem
aplicar; esta é a condição para que o jogo seja ―limpo‖.

No Brasil verifica-se uma grande ausência de participação popular nos


658
processos políticos e de planejamento, decorrente de uma trajetória de exclusão
da maioria da população brasileira destes processos. DUCHROW (2004) atribui a
responsabilidade por esta deficiência ao senso comum de descrédito político da
população e ao padrão de relacionamento predominante entre a população e os
representantes eleitos – historicamente determinado por práticas de
favorecimentos individualizados e personalizados.

No contexto histórico atual, a democracia vem sendo generalizadamente


apontada pelos teóricos como um instrumento necessário para garantir o
pluralismo presente nas sociedades contemporâneas e atender aos seus anseios
éticos, políticos e emancipatórios. Neste contexto a participação vem alcançando
uma crescente respeitabilidade e legitimação ainda que valores considerados a
priori redundem na primazia de formalidades que ocultam a fragilidade da
estrutura democrática tradicionalmente concebida onde há um evidente
desequilíbrio de forças entre as demandas socioambientais e os desmandos das
elites e seus mecanismos de governança nada democráticos (ALCÁNTARA et al,
2006).

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Diante dessa realidade é plausível considerar que o ponto de partida da
prática democrática deve ser a própria sociedade, por uma democracia não
meramente representativa e formal, mas sim deliberativa e participativa. Para
tanto o Estado deverá ampliar a eficácia de sua governabilidade, através
principalmente da democratização de todas as suas instituições e da abertura de
canais permanentes de comunicação e participação da sociedade civil nas
decisões. Desta forma é possível uma verdadeira descentralização do poder
através de espaços públicos tendo em vista a democracia contemporânea.

Sob esse conjunto de premissas pode-se compreender que o planejamento


ambiental, assim como os demais tipos de planejamento, se operacionaliza
através de fases sequenciais atentando para que se trabalhe o tempo, o espaço e
os objetivos a serem atingidos em um processo que não se esgota na
implementação, tendo continuidade ao longo do tempo através de avaliações e
monitoramentos. A singularidade do planejamento ambiental por sua vez
apresenta-se justamente em seu princípio de integração e interação entre os
sistemas que compõe o ambiente. Pauta-se assim no potencial e nos limites que
o meio apresenta, dentro das dimensões socioculturais, naturais, políticas e 659

econômicas, o que o torna um mecanismo essencial para a ordenação da


ocupação do espaço, desde que seja realizado de forma multi e interdisciplinar,
descentralizada e participativa e não seja corrompido pelas demandas dos grupos
hegemônicos e más gestões político-administrativas.

2.2 TURISMO E SUA INFLUÊNCIA NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO

O turismo é um fenômeno da sociedade contemporânea que apresenta


elevadas taxas de crescimento, fato que o posiciona como uma das atividades
econômico-sociais mais marcantes desde o período do pós-guerra.

Muitas são as causas desse comportamento crescente da atividade


turística, verificado principalmente a partir de meados do século XX. Entre elas
podemos citar o aumento da renda per capita da população dos países
desenvolvidos, principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial. O
desenvolvimento dos transportes, notadamente o aéreo é outra importante causa
desse crescimento. Outras causas associadas são: a maior disponibi lidade de

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
tempo livre para o lazer, uma melhoria na distribuição de renda para a população
e a globalização da economia, além do intenso processo de urbanização
perceptível após a segunda grande guerra (IGNARRA, 2003).

Sendo o turismo um fenômeno socioespacial contemporâneo (FRATUCCI,


2006), provoca alterações significativas no ordenamento dos espaços apropriados
por ele fato que se reflete em grande influência no processo de urbanização. Esta,
de acordo com LIMONAD (1999, p. 82), pode ser considerada como “uma forma
de estruturação do território, onde o peso dos lugares varia historicamente em
função dos condicionantes e processos sociais, econômicos, políticos, e por
vezes culturais que tomam corpo”. Nesta perspectiva a urbanização criada pelos
agentes da atividade turística representa formas contemporâneas de
espacialização social, onde são construídas novas estruturas, são atribuídas
novas funções para antigas paisagens e velhos usos, promovendo a articulação
entre os lugares e o mundo. Inseridas na lógica do mercado, como produtos, as
cidades que vêem o turismo como um forte componente da estrutura econômica,
reorganizam-se para tornarem-se lugares atrativos e para produzirem paisagens
para o consumo e para o lazer. 660

Segundo FRATUCCI (2000) o turismo pode ser visto a partir de três formas
distintas de incidência territorial, que são: as áreas emissoras, as receptoras e os
corredores de deslocamento. Esses três elementos são descontínuos e
interligados no espaço de forma que “o lugar (nó) emissor precisa do lugar (nó)
receptor para satisfazer as demandas dos turistas e, para informá-los e
transportá-los, estabelece linhas que unem esses lugares (nós), formando uma
rede complexa” (FRATUCCI, 2000, p. 127). É justamente nesses nós formados
pelas áreas receptoras que o turismo se manifesta na íntegra e estabelece o
fenômeno da turistificação dos espaços já que, como afirma RONAI (1977), foi
durante a estadia que se desenvolveu a arte da viagem e é a estadia que
promove “uma imersão de grande duração na paisagem”.

De acordo com SAUER (1998) o termo paisagem além de definir o conceito


de unidade geográfica caracterizada pela associação peculiarmente geográfica de
fatos, não se restringe à idéia de processo puramente físico de modelagem da
face terrestre. Ressalta por sua vez as imbricações histórico-culturais associadas
aos elementos físicos como determinantes na constituição da paisagem a qual
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
“pode ser, portanto, definida como uma área composta por uma associação
distinta de formas, ao mesmo tempo físicas e culturais” (SAUER, 1998, p. 23).
Portanto, a ação do homem sobre o meio assim como as relações de poder, a
interação social e demais aspectos que envolvem o homem em sociedade
implicam em consequências na paisagem e nas formas como a mesma é
absorvida e interpretada.

Desta forma a paisagem quando utilizada pelo turismo como mercadoria


onde a matéria-prima é o próprio espaço, se estabelece a lógica do consumo pela
valorização estética do espaço, definindo, conforme RONAI (1977), uma
paisagedade. Esta se manifesta por meio da turistificação do espaço, processo
que insere as localidades no mercado das paisagens naturais e artificiais onde
estas decidem a atratividade de um local ou destino.

NICOLAS (1989 apud FRATUCCI, 2006) afirma que a turistificação dos


espaços determina a substituição da ―lógica da produção‖ (mundo do trabalho)
pela ―lógica do ócio‖. É um processo que gera alterações no ordenamento dos
espaços apropriados com graves conseqüências para as localidades, tais como o
661
crescimento urbano caótico, destruição de paisagens naturais e conflitos sociais
diversos (população local, agentes do mercado e turistas). Outro aspecto
relevante é a influência provocada pelos desejos subjetivos dos turistas na
turistificação dos espaços a qual determina a criação de ambientes que denotam
familiaridade e satisfação de desejos aos turistas, fato que evoca a materialização
de novas representações sociais na construção da paisagem em detrimento da
identidade local. Assim, o turista é o criador das representações valorativas de
certas paisagens (DEPREST, 1997 apud LUCHIARI, 1998).

O ordenamento territorial deflagrado pela atividade turística, ou seja, a


turstificação dos espaços, se dá a partir da (des)organização dos componentes da
oferta turística os quais estão intimamente relacionados à estrutura urbana.
Mesmo em áreas onde os principais segmentos explorados tenham como
principal atrativo o meio natural, são necessárias infraestrutura e serviços que
viabilizem a atividade. Além disso, mesmo que a atividade turística não se
desenvolva na área urbana suas principais atividades utilizam as cidades como
suporte. A produção do espaço urbano passa então a seguir também a lógica do
mercado turístico através da complexa ação de agentes sociais concretos, cujas
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
atuações derivam da dinâmica de acumulação capitalista e levam a um constante
processo de reorganização espacial. Entretanto, a cada transformação do espaço
urbano, diferentes situações emergem configurando quadros socioambientais
diversos, que vão desde alterações na paisagem até o surgimento de novas
demandas e conflitos sociais.

2.3 CASO REFERÊNCIA: VILA DO ABRAÃO, ILHA GRANDE – ANGRA DOS


REIS/RJ
A Vila do Abraão está localizada a nordeste da Ilha Grande e é a sede
distrital do 3º distrito do município de Angra do Reis/RJ. Este município é um
excelente exemplo da dinâmica de ocupação das zonas costeiras no Brasil, as
quais configuram-se historicamente como vetores prioritários da urbanização,
industrialização e exploração turística. Sendo assim é relevante para o
entendimento do caso referência uma abordagem sucinta a respeito do processo
de crescimento urbano de Angra dos Reis.

A urbanização da cidade de Angra dos Reis sofreu grande influência do


662
capital turístico-imobiliário na apropriação do espaço, essencialmente a partir da
construção da rodovia BR 101, em 1974. ABREU (2005) afirma que as
características de urbanização desta cidade emergiram preferencialmente em
função das indústrias ali instaladas e da conseqüente atividade imobiliária gerada.
Todavia, a implantação da rodovia Rio-Santos além de estar relacionada à
necessidade de interligação entre os distritos industriais localizados entre as
cidades do Rio de Janeiro e Santos/SP, foi motivada também por interesses
relacionados à acessibilidade aos recursos paisagísticos da área, reconhecidos
como recursos turísticos inclusive nos relatórios de viabilidade da rodovia. A partir
disto verificaram-se na região ações facilitadoras das atividades do capital
turístico-imobiliário, como por exemplo, a manutenção de latifúndios sem
interesse na produção rural, os quais se tornaram um grande estoque para as
atividades imobiliárias.

Todo esse processo eclodiu em uma reformulação física do espaço de


Angra dos Reis onde inicialmente complexos imobiliários de grande porte (hotéis,
marinas, condomínios residenciais de alto luxo) se instalaram seguidos por
inúmeros empreendimentos de menor porte, todos por sua vez, caracterizados
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
pela apropriação de extensões de terrenos costeiros, muitas vezes com o
monopólio de praias e demais recursos naturais.

Historicamente o valor do espaço urbano em Angra dos Reis vincula-se a


idéia do espaço-mercadoria, valorado de acordo com seu potencial de atração
turística, de forma que os detentores da propriedade privada são também
detentores do direito de seu uso. Assim as áreas privilegiadas dentro da lógica do
capital turístico-imobiliário serão o foco para a urbanização e as áreas ―marginais‖
formadas, carentes de infraestrutura e serviços básicos, tornam-se impactantes
do ponto de vista social e ambiental.

A Ilha Grande mediante a situação supracitada sempre despertou interesse


tanto em especuladores imobiliários como em ambientalistas, visitantes e no
poder público. Por ser considerada detentora de um dos maiores patrimônios
naturais do estado do Rio de Janeiro e reconhecida como um dos últimos locais
preservados de Mata Atlântica no Brasil (MENDONÇA, 2008), a criação de
unidades de conservação ali tem sido uma constante. Desta forma, toda a Ilha
Grande é protegida por unidades de conservação. Ela está c ompletamente
663
inserida na Área de Proteção Ambiental de Tamoios (Decreto nº9.452 de
05/12/1986) e Reserva Biológica da Ilha Grande (Decreto nº9.728 de 06/03/1987).
Sobrepostas a estas unidades de conservação existem outras três: o Parque
Estadual da Ilha Grande (Decreto nº15.273 de 23/06/1971), a Reserva Biológica
da Praia do Sul (Decreto nº 4.972 de 02/12/1981) e o Parque Estadual Marinho do
Aventureiro (Decreto nº15.983 de 27/11/1990). Além disso, faz parte da Reserva
da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA), categoria de área protegida também
contemplada pela legislação brasileira concernente.

A vocação turística da Ilha Grande tornou-se perceptível a partir da década


de 1970, processo que foi em grande parte beneficiado pela construção da
Estrada Rio-Santos. No mesmo período a Embratur (Instituto Brasileiro de
Turismo) elaborou o projeto Turis, para o planejamento da área, sendo
classificada como Zona Prioritária de Interesse Turístico, Classe A, conforme
Decreto nº71.791, de 31/01/1973. Entretanto podemos considerar que esta
vocação consolidou-se a partir de 1994 com a desativação do Instituto Penal
Cândido Mendes. A partir de então para atender à demanda crescente e aos

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
interesses imediatistas do setor privado, ergueram-se inúmeros equipamentos
turísticos, sem que houvesse um planejamento condizente à realidade deflagrada.

A Vila do Abraão, recorte espacial desta pesquisa, está localizada a


nordeste da Ilha Grande, na vertente voltada para o continente. É a mais
populosa (em torno de 2000 habitantes, de acordo com o documento Estudos
Socioeconômicos dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro, 2008),
considerada a ―porta de entrada‖ da Ilha Grande. É nesta Vila que se concentra a
infra-estrutura existente na Ilha – principalmente meios de hospedagem e outros
estabelecimentos que atendem ao fluxo turístico.

Dois acontecimentos marcam a história recente da Vila do Abraão sendo


eles, a criação de unidades de conservação da natureza e a intensificação do
fluxo turístico. Estes acontecimentos caracterizam a mudança de função da Ilha:
de sede do Instituto Penal Cândido Mendes a ―paraíso ecológico‖ que deve ser
preservado e usufruído. A ―questão ambiental‖ e ―o turismo‖ são elementos
determinantes da história local os quais intervêm na forma de construção do
processo de gestão e planejamento territorial, influenciando o uso e ocupação do
664
solo pela população, empreendedores, turistas e poder público.

Todas as unidades de conservação presentes na Ilha, exceto a RBMA, são


de âmbito estadual. Desde o início da criação destas áreas (década de 1970) o
governo estadual ficou com o encargo de gerir as distintas categorias de unidades
de conservação por meio de dois órgãos: o Instituto Estadual de Florestas – IEF e
a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente – FEEMA. A partir de
fevereiro de 2007, com a publicação de uma Resolução da Secretaria de Estado
de Ambiente, estes dois órgãos passaram a exercer a gestão compartilhada das
unidades de conservação do estado (DUTRA, 2008). Em janeiro de 2009 foi
criado o INEA – Instituto Estadual do Ambiente, uma fusão dos órgãos ambientais
estaduais, sendo então o responsável pela gestão das unidades de conservação
do Rio de Janeiro. Existem também as áreas protegidas determinadas por
legislações no âmbito municipal através da Prefeitura Municipal de Angra dos
Reis – PMAR, dentre elas a Lei 146/81 que declara de preservação permanente
as áreas acima de 60m; o Decreto Municipal nº 1.543/98 que enquadra a Ilha
Grande como Área de Interesse Ecológico e a Lei de Diretrizes Territoriais para a
Ilha Grande (em processo de elaboração) que visa complementar as diretrizes
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
gerais determinadas pela Lei 1.754 de 21 de dezembro de 2006 – Plano Diretor
de Angra dos Reis.

A Vila está inserida na Área de Proteção Ambiental de Tamoios, na


Reserva Biológica da Ilha Grande e em parte no Parque Estadual da Ilha Grande
(PEIG) ao mesmo tempo em que é distrito do município de Angra dos Reis.
Sendo assim, sua administração sempre esteve nas mãos do poder municipal,
através da PMAR, e do poder estadual, nível de governo que no estado do Rio de
Janeiro é marcado pela constante criação e modificação dos órgãos ligados ao
meio ambiente. Atualmente segundo informações obtidas no INEA e na PMAR, os
principais instrumentos de organização do uso e ocupação do solo para a Vila do
Abraão são: o Plano Diretor da Área de Proteção Ambiental de Tamoios (Decreto
nº 20.172 de 01/07/1994) em nível estadual e a Lei nº 648 de 29/12/1997 que
dispõe sobre a Área Especial de Interesse Cultural, Ambiental, Turístico e de
Utilização Pública da Vila do Abraão.

O aumento do número de construções reflete em irregularidades no uso e


ocupação do solo uma vez que a Vila do Abraão tem nos lugares mais íngremes o
665
seu principal vetor de crescimento urbano, pois a faixa de baixada (localizada
entre o mar e a encosta) é estreita. É possível avistar construções recentes em
APP (Área de Proteção Permanente) – acima da cota de 45º de inclinação – e
também o aumento do gabarito de algumas casas, pressionando muitas vezes os
eixos de drenagem e intensificando o desmatamento. Tal situação determina
também a criação de caminhos e becos interligando as diversas áreas sem o
comprometimento com questões técnicas e estruturais, provocando, assim o
aumento de processos erosivos.

Além da ocupação irregular de di versas áreas, muitos são os problemas


relacionados à infraestrutura básica na Vila do Abraão, tais como: qualidade e
escassez da água para consumo; coleta e destinação do lixo; coleta, tratamento e
destinação do esgoto. No entanto, apesar das problemáticas supracitadas, o
ecoturismo 52 é a bandeira ideológica utilizada na divulgação do turismo da Ilha

52
No Brasil, a definição mais usual de ecoturismo é dada pelo documento Diretrizes para uma Política
Nacional de Ecoturismo, elaborado pela Embratur e pelo Ministério do Meio Ambiente e publicado em 1994 a
qual determina: “Ecoturismo é um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o
patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência
ambientalista por meio da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações”.
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
Grande. O que se vê na Vila do Abraão vai direção contrária ao que este tipo de
turismo preconiza, estando muito mais associado ao turismo de massa
característico do século XX. Neste sentido, URRY (1996) destaca que a relação
existente no turismo de massa é de produção e consumo, a qual cria uma ilusão
que destrói os próprios lugares visitados. Esta situação paradoxal é hoje a
realidade da Vila do Abraão onde a utilização desordenada do aporte físico e
natural constituiu um quadro de degradação ambiental que pode comprometer
sobremaneira a prática do turismo e a qualidade de vida da população local.

3 CONCLUSÃO

A situação apresentada na Vila do Abraão não é única e pode ser


percebida em diversas localidades do Brasil principalmente na zona costeira onde
o turismo de ―sol e praia‖ se disseminou rapidamente, na maioria das vezes sem o
acompanhamento de um planejamento adequado. Mesmo em áreas naturais,
legalmente protegidas ou não, onde as feições urbanas são pequenas,
caracterizadas por vilas e povoados, é possível observar a grande influência do
666
mercado turístico na apropriação e transformação das paisagens e na
reformulação da dinâmica sócio-econômica ao longo do tempo. Nessas áreas as
transformações ambientais e seus conseqüentes impactos são mais aparentes
que nas cidades, justamente por incidirem sobre locais tidos como ―paraísos
ecológicos‖ onde é realizado o turismo de natureza.

Tais impactos se deflagram diretamente sobre a população local, receptora


do fluxo turístico ao mesmo tempo em que dessacralizam o ―paraíso‖, aflorando
consequências visíveis que acabam por desestimular a visitação.

O turismo por se tratar de uma atividade econômica que produz e consome


paisagens e espaços, deve ter sua análise deslocada prioritariamente para o seu
potencial de sustentabilidade. RODRIGUES (2004) afirma que a análise da
atividade turística permite compreender a paisagem e o ambiente no âmbito do
uso fugaz do território exigindo assim que seja considerada a articulação desta
atividade com os elementos gerais da produção e do consumo.

A produção do turismo, principalmente o ecoturismo, baseia-se, em geral,


na motivação dos turistas em consumir lugares exóticos, mas que deve m,
XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL
Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
entretanto se transformar em comercializáveis, ou seja, adequados aos padrões
de conforto e qualidade do mundo moderno. A atividade depende então de uma
busca constante e incessante de paisagens naturais e históricas exóticas, que
serão rapidamente transformadas em produtos para consumo. É neste sentido
que o ecoturismo que vem sendo difundido ao longo das duas últimas décadas
afasta-se sobremaneira das suas premissas que envolvem tanto um sério
compromisso com a natureza como a responsabilidade social p or parte de seus
agentes e também pelos viajantes.

No caso referência apresentado pode-se constatar a existência de um


aparato legal suficiente para garantir o desenvolvimento do (eco)turismo sem o
comprometimento das áreas que devem ser protegidas. É necessário, entretanto
que haja um maior rigor na aplicação dessas leis e que as instituições e órgãos
competentes dos níveis municipal e estadual passem a atuar de maneira
integrada no local. Assim o grande desafio na Vila do Abraão é garantir a
articulação e a transversalidade necessárias entre os diferentes níveis
governamentais e os diferentes setores e comunidades envolvidas a fim de que
não sejam negligenciadas as demandas sociais, ambientais e econômicas de 667

uma área que tão bem representa o patrimônio natural, social e cultural do nosso
país e que há muito vem sendo usurpada pela negligência e ganância dos grupos
hegemônicos e pelas más gestões político-administrativas.

REFERÊNCIAS
ABREU, C. V. de. Urbanização, apropriação do espaço, conflitos e turismo: Um
estudo de caso de Angra dos Reis. Niterói, 2005. 151 f. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2005.
ACSELRAD, H. Sustentabilidade e Democracia. Proposta n. 71, FASE, Rio de
Janeiro, 1997.
ALCÁNTARA, L. A. G.; PECCATIELLO, A. F. O.; CREMONESE, M. M.; ARAUJO,
N. P. L. D. de. Democracia dialógica nos Conselhos Municipais de Meio
Ambiente. In: Encontro da ANPPAS, 3, 2006, Brasília. Anais do III Encontro da
ANPPAS. Disponível em: <
http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro3/GT8.html>. Acesso em 12
maio 2008.
ANGRA DOS REIS. Lei nº 162/llei nº 162/L.O., de 12 de dezembro de 1991.
Plano Diretor. Disponível em: <
http://www.angra.rj.gov.br/asp/sgd/sgd_legisbusca.asp>. Acesso em 20 jul 2008.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
_________________. Lei nº 648, de 29 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a
Área Especial de Interesse Cultural, Ambiental, Turístico e de Utilização Pública
da Vila do Abraão, nos termos dos artigos 113, 114 e 115 da Lei Municipal N°
162/L.O., de 12 de dezembro de 1991, e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.angra.rj.gov.br/asp/sgd/sgd_legisbusca.asp>. Acesso em 20 jul 2008.
ARAUJO, N. P. L. D. de. O paisagismo como forma de redução dos impactos
ambientais e melhoria da qualidade de vida nos condomínios horizontais: uma
análise dos condomínios de Juiz de Fora/MG. Niterói, 2009, 119f. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Curso de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009.
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional
de Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm>. Acesso em 25 jan 2009.
DUCHROW, A. D. Participação no planejamento e gestão urbana: o orçamento
participativo de Olinda. Fortaleza, 2004, 145f. Dissertação (Mestrado em
Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Núcleo de Pós-Graduação, Programa
Regional de Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA), Sub-Programa
Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, 2004.
DUTRA, F. F. Ilha Grande (Angra dos Reis, RJ): O papel dos atores sociais e
suas contribuições na formulação de novas políticas ambientais. Dissertação
(Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, 2008.
FRANCO, M. de A. R. Planejamento ambiental para a cidade sustentável. 2ed.
São Paulo: Annablume, Fapesp, 2008. 258p. 668

FRATUCCI, A. C. Os lugares turísticos: territórios do fenômeno turístico.


GEOgraphia, v.2, n.4, p.121-133, dez. 2000.
________________. Processos de turistificação dos espaços. Seminário de
Campo Temáticos da Universidade Federal Fluminense – UFF, 2006.
IGNARRA, L. R. Fundamentos do Turismo. 2ed. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2003.
KRIPPENDORF, J. Sociologia do turismo: para uma nova compreensão do lazer
e das viagens. São Paulo: Aleph, 2001.
LEFF, E. Epistemologia ambiental. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2006. 240p.
LIMONAD, E. Reflexões sobre o espaço, o urbano e a urbanização. GEOgraphia,
ano 1, n.1, p. 71-91, 1999.
LUCHIARI, M. T. D. P. Urbanização turística - um novo nexo entre o lugar e o
mundo. In: II Encontro Nacional de Turismo com Base Local, 1998, Fortaleza. Da
Cidade ao Campo: A Diversidade do Saber-Fazer Turístico. Fortaleza-Ceará:
FUNECE/Universidade Estadual do Ceará, 1998. v. 2. p. 15-29.
LYNCH, K. La buena forma de la ciudad. Coleccion Arquitetura Perspectiva.
Barcelona: Gustavo Gilli Editora, 1985.
MACEDO, S. S. Paisagem, litoral e formas de urbanização. Projeto Orla –
Subsídios para um projeto de gestão. Brasília: MMA e MPO, 2004, p. 43-62.
MENDONÇA, T. C. de M. Turismo e sustentabilidade na Ilha Grande (Angra dos
Reis, RJ): conflitos, áreas protegidas e construção de governança local. In:
ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS, 4, 2008, Brasília. Anais eletrônicos.
Disponível em: <http://www.anppas.org.br/encontro4/cd/gt16.html>.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010
MENEGUZZO, I. S. Análise da degradação ambiental na área urbana da bacia do
Arroio Gertrudes, Ponta Grossa, PR.: uma contribuição ao planejamento
ambiental. Curitiba, 2006, 89f. Dissertação (Mestrado em Ciência do Solo) –
Curso de Pós-Graduação em Ciência do Solo, Setor de Ciências Agrárias,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.
MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, DO COMÉRCIO E DO TURISMO / MINISTÉRIO
DO MEIO AMBIENTE. Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo.1994.
Disponível em: <http://ecosfera.sites.uol.com.br/diretriz.htm>.
MORIN, E.; KERN, A. Terra-Pátria. 5 ed. Porto Alegre: Sulina, 2005. 181p.
PRADO, R. M. (org.). Ilha Grande: do sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro:
Garamond: EDUERJ, 2006.
RIO DE JANEIRO. Decreto Estadual nº 9.452/86. Cria a Área de Proteção
Ambiental de Tamoios. Disponível em: <
http://www.inea.rj.gov.br/legislacao/conteudo.asp>. Acesso em 6 jul 2008.
RODRIGUES, A. M. Desenvolvimento sustentável e atividade turística. In:
SERRANO, C.; BRUHNS, H. T.; LUCHIARI, M. T. D. P.(org). Olhares
contemporâneos sobre o turismo. 3ed. Campinas: Papirus, 2004. 206 p. cap. 8, p.
171-188.
RONAI, M. Paisagens II. Heródote, n.7, 1977. Trad. Werther Holzer.
SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro:
Garamond, 2002.
SANTOS, C. N. F. A Cidade Como um Jogo de Cartas. Niterói: EDUFF, 1988.
SANTOS, R. F. dos. Planejamento ambiental: teoria e prática. São Paulo: Oficina
de Textos, 2004.
SAUER, C. O. A morfologia da paisagem. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. 669
(org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998. cap. 2, p. 12-
74.
SOUZA, M. L. de. Mudar a Cidade. Uma introdução crítica ao planejamento e à
gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
SPIRN, A. O jardim de granito: natureza urbana e desenho humano. São Paulo:
EDDUSP, 1996.
URRY, J. O Olhar do Turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas.
São Paulo: Studio Nobel SESC, 1996.

XI ENCONTRO NAC ION AL DE TURISMO COM BAS E LOCAL


Turismo e Tr ansdisciplinaridade: n ov os desafios
Niterói - RJ
12 a 14 de abril de 2010

Potrebbero piacerti anche