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História do Direito Português

Professor Jorge Silva Santos


AULA 1 – 18 fevereiro

Questões introdutórias e metodológicas

História refere-se a:
 uma realidade passada, de factos
 o discurso, o retrato produzido por alguém num certo momento, com certos materiais

A história do Direito é uma construção.


 Existem factos, certo
 Mas o que dizemos, a forma como falamos, a leitura que fazemos desses factos, é uma
construção

Olhar sobre o que se passou não se chama história do Direito, mas sim “escrita da História do
Direito”,

Quintos --- cévula – tratou o Direito por género e espécie – uma forma de classificar

1. A história do direito é uma proposta discursiva sobre a realidade, uma leitura, uma construção –
por isso temos várias histórias do Direito
2. O Direito não é o conjunto das normas, mas sim o resultado das interpretações.

Esta é uma aula sobre olhares dos discursos dos juristas

Jurisdição (iurisdictio) – declaração do que é justo no caso

Fundação das universidades


 Europa: Seculos XII a XIV
 Portugal: 1288-1290
 Surge quase sempre através do ensino do Direito e da teologia
 Foi um processo excecional de manipulação do intelecto humano
Na jurisdição medieval não há separação de poderes – não havia três poderes
Modernidade – autonomização conceptual/especialização dos poderes – poderes autónomos –
estão no Rei
Contemporaneidade – os juízes julgam

Historicidade –

AULA 2 – 25 fevereiro

HDP podia chamar-se “história dos juristas” ou “história dos discursos jurídicos”
Objeto imediato da história do Direito – discurso dos juristas e discursos sobre juristas,
testemunhos do passado que o historiador interpreta

Tanto o jurista como o historiador interpretam textos, reconstroem contextos

A expressão medieval é desconhecida dos que viveram no período medieval – quem começou a
falar da Idade Média foram os primeiros humanistas, renascentistas (séc. XIV-XVI). Idade Média é o
tempo que mediou a Antiguidade Clássica e o Renascimento, a idade das trevas (expressão abusiva
e equivocada).
Humanismo jurídico – ideia de que é possível olhar para as fontes romanas e proceder a uma
sistematização do conhecimento jurídico, recuperando o que Cícero.
Justiniano, ao ordenar a compilação do Digesto (selecionou e compilou fontes de vários séculos,
corrigir divergências, reduzir à unidade), procedeu a um erro gravíssimo – recuperou-se, com
alterações significativas, a vigésima parte
Humanistas queriam recuperar o Direito Romano clássico

Duarte Nogueira
 ordenamento antigo – 1143-1820 – ordenamento pluralista
o medieval – convivência natural de uma pluralidade de fontes jurídicas
o moderno – afirmação da lei face às demais fontes
 Ruy e Martim de Albuquerque – monismo formal
 Duarte Nogueira – pluralismo mitigado
 ordenamento contemporâneo – 1820-atualidade – ordenamento monista
o Ruy e Martim de Albuquerque – monismo material
o Duarte Nogueira – monismo

Pluralismo - 4 dimensões
 Pluralidade de poderes – quadro político português
o Séc. XII – queda do império romano – não há poder político centralizado num dado
território – autonomia de esferas políticas dentro de uma comunidade política maior
(Rei) – poder real, poderes civis, poderes eclesiásticos
 Cidades - espaços autónomos, livres com poderes autónomos – vários
regimes senhoriais
 Pluralidade de jurisdições – vários regimes senhoriais; nas cidades livres, quem decide é o
conselho dos vizinhos; decidem-se as questões recorrendo ao direito que se conhece
naquela localidade
 Pluralidade de fontes do Direito – direito conhecido
o Vários ordenamentos, cada um com várias fontes
o Direito das localidades, Direito judicial, Direito consuetudinário…
 Pluralidade de soluções –
 (Pluralidade de protagonistas da ação jurídica)

Processo de controlo e centralização do poder – Rei afirma o seu poder sobre os outros poderes
desde 1211 (leis da cúria de Coimbra; Afonso II; primeiro momento em que um Rei toma um
conjunto de decisões políticas que se consubstanciam em atos legislativos, afirmando o seu poder;
novidades jurídicas; uma das leis faz referência a um magistrado – sobrejuiz – a que se pode
recorrer das decisões dos outros juízes)
Poder do rei afirma-se através
 Da lei régia
 Da administração régia, nomeadamente os juízes régios – alguém julgado pelo senhor da
sua terra, pode recorrer ao juiz régio que afirmam as fontes régias sobre as demais
 1446 – ordenações afonsinas – supremacia da lei sobre as demais fontes

1143-1211 – criação jurídica do Reino de Portugal face a outros reinos – comunidade política
autónoma – Rei não reconhece nenhum poder igual ao seu na esfera interna (afirmação do poder
do Rei sobre o senhor ciivil, o senhor eclesiástico, os conslehos) e não reconhece poder igual ao seu
na esfera externa (o Rei de Castela é um igual e não tem poder no território português – esta regra
só tem uma exceção – o papa)

Rei tem mais deveres que direitos – O Rei cumpre uma função – reger – não se rege bem ou mal,
mas sim corretamente – sempre que o Rei governa mal, deixa de ser Rei – súbditos devem
obeceder ao que o Rei diz se e na medida em que o que o Rei diz é reto – Rei é um vassalo indireto
dos seus súbditos – Rei é um servo de Deus, está no poder por graça de Deus – oficio régio é um
vicariato divino – Rei está em representação de Deus

Para a generalidade das pessoas naquela época, a vida terrena era um momento passageiro, mas o
momento determinante será a vida eterna; é a forma como se vive na terra que levará ao juízo final

 1446 – ordenações afonsinas – compilação com alterações do que seria o direito vigente – o que
se diz na lei é critério de aplicabilidade das outras fontes

AULA 3 – 4 março

Texto 1 – Historicidade do Direito – qualidade/característica/atributo de quase todas as


coisas/experiências/realidades, no limite das realidades naturais, por exemplo, geológicas
Tudo existe no tempo e no espaço
A forma como falamos, resulta de um processo de significação, isto é, de atribuição de significados
a expressões, palavras, acontecimentos.

Infungibilidade dos juristas (e de todas as pessoas) vale para tudo, para o texto de uma lei, para um
manual, para todas as expressões do discurso jurídico, e consequentemente, para a própria ideia de
Direito.

Antes de fazermos história do Direito, é necessário ter uma noção de Direito. Uma história do
Direito português que adota uma conceção de Direito configurado como conjunto de normas da
AR, o ponto de partida dessa HDP não pode ir para além da emergência desse Direito (em 1976). Se
nessa definição passa-se a ser o conjunto de normas emitidas por uma assembleia representativa,
não poríamos ir a antes de 1822.

Queremos estudar o passado, que não conhecemos. Como posso, á partida, pensar qual o meu
objeto, a partir de um critério, se não sei a sua viabilidade.
Ruy de Albuquerque – critério instrumental.

Ao escrever a história do Direito, não posso ficar preso às conceções de Direito de hoje. Se quero
saber os direitos que havia na idade média, não posso ficar preso ao conceito de Direito subjetivo
de Menezes Cordeiro. O conceito de negócio jurídico não existe nos sistemas de common law.
Moral: não podemos ficar presos aos conceitos de hoje, à dogmática de hoje. Se quero
compreender o direito atual, tenho de perceber como surgiram e porque surgiram os institutos e
conceitos atuais.

Historicidade – todas as construções humanas assentam, radicam, em atuações concretas, há


pessoas concretas que propuseram que se fizesse dessa forma, e essa proposta foi acolhida, e a
maioria das pessoas começou a viver desse modo, imponho uma forma de vida. Aquilo que surgiu,
podia ter surgido de outra forma. Nada no mundo do Direito é uma necessidade. A abolição da
escravatura não estava escrita nas estrelas. Tudo é uma construção, que pode deixar de existir. A
forma como vivemos é o resultado de formas de múltiplas vida que vão surgindo, em conflito.
A historicidade do Direito, da Ciência do Direito, do discurso jurídico, da dogmática jurídica, é uma
qualidade que denuncia o seu caráter contingente, cultural, contextual, produzido, artificial.
As soluções que temos hoje são soluções que resultam de um processo histórico. Que não sendo
uma imposição da natureza das coisas, uma necessidade, a única solução possível, elas implicam
uma escolha. São uma escolha entre opções. Essa escolha resulta das nossas mundividências.
Há formas de vida que se institucionalizam. O Direito surge sempre com uma imposição de alguém
sobre outras pessoas. Não se quer dizer que de uma forma abusiva ou injusta, mas que há formas
de vida que sobrepõe a outras formas de vida.
O discurso do Direito não é objetivo, necessário, natural. Se fosse assim, o Direito era mais ou
menos imutável. O Direito surge necessariamente como o resultado de conflitos, de pressões. A
cada momento prevalece uma convicção.

Historiografia – escrita da história – escrita de um relato sobre o passado – compreensão do


passado

Noção instrumental: Direito como ordenação justiciavel (mais que justiça, a ideia de que se pode ir
perante alguém e dizer, tutelem-me, eu tenho razão, tenho de ser tutelado; aproxima-se da ideia
de jurisdição, ideia de se declarar que aquele comportamento é o devido, e por isso deve ser
respeitado, e por isso, o comprador tem de pagar o preço) da convivência humana (necessária à
existência de Direito).
As leis são hoje a forma de ordenar a convivência humana, mas não são a única. E mesmo a lei é
discutível, está sujeita a diferentes interpretações.
A ordenação da convivência humana é conformada, sobretudo, pelo modo como as fontes de
Direito são trabalhadas.

Texto 2 – objeto da história do Direito


Não posso ir apenas à procura das fontes do Direito (lugares discursivos através dos quais emergem
os critérios para a ordenação da convivência humana), tenho de perceber como são utilizadas. Há
uma contraposição entre o que podemos chamar o Direito das fontes (Direito dos livros, das leis,
dos textos) e o Direito em ação/a utilização do Direito. Interessa saber o Direito, mas também a
forma como foi produzido, interpretado, utilizado. O que releva não é o texto da lei, da
Constituição, mas o modo como a lei, a Constituição, são utilizadas.
Objeto: fontes; utilização dessas fontes.
Para perceber quais são as fontes do Direito, tenho de olhar para a resolução de litígios. Para isso,
há que olhar para a palavra jurisdição (quem resolve litígios). Quem são os protagonistas da
jurisdição, quais são os critérios e instrumentos que utilizam, e como utilizam, quais as técnicas
discursivas a que recorrem. É este o objeto da história do Direito: quem resolve os casos, como são
resolvidos, com que critérios, de que forma os critérios são utilizados. A história do Direito trata das
fontes do Direito e do discurso jurídico, do pensamento jurídico, da metodologia jurídica, da Ciência
do Direito. Ou seja, como é que aqueles que utilizam os critérios/as fontes do Direito, como é que o
fazem. Isso leva a estudar-se a cultura jurídica. Cultura jurídica: tudo o que é a razão última de os
critérios serem aqueles e de serem utilizados como são.
Mais uma vez encontramos a ideia de historicidade. As fontes são aquelas, mas podiam ser outras.
São utilizadas daquela forma, mas podiam ser utilizadas de outra. A história procura dar um sentido
ao que aconteceu. Fazemos narrativas, procuramos explicar o que se passou. Não nos interessa
saber apenas quais as fontes, a forma como foram utilizadas, etc, mas também porque não são
outras fontes, porque não são utilizadas de outra forma, porque decido um caso com base numa
argumentação.

Subjetividade/infungibilidade/historicidade do investigador/historiador (indagador, inquiridor,


aquele que pergunta, da origem grega). Não há história do Direito se não houver uma pergunta
inicial. E são as perguntas que moldam as respostas.

Periodificação
 Ruy de Albuquerque: pluralismo/monismo
 Almeida da Costa:
 é artificial, ilustrando o caráter cultural, contingente, contextual do Direito
 é produzida por alguém atendendo ao critério que escolhe. Mas antes de escolher um critério, é
necessário estudar história do direito.
 critérios: fontes (monismo/pluralismo), ramos do Direito específicos…

A passagem do pluralismo para o monismo é feita pela afirmação do poder do Rei, perante os
outros poderes.

Fazer história é fazer um equilíbrio entre fontes a menos, fontes a mais, testemunhos a menos,
testemunhos a mais.

Justiça como perpetua e constante vontade de atribuir a cada um o seu.


Como é que uma lei é justa ou injusta se a justiça é uma vontade?
Não basta ter a fonte para compreender o passado. Há que compreender a linguagem do passado.
Objeto da história do Direito: fontes do Direito e pensamento jurídico, sobretudo. (haveria também
a história do conteúdo do Direito – história jurídica interna; não temos tempo para lá ir)
História do Direito como história dos juristas, porque é através dos juristas que o Direito surge nas
fontes, porque os juristas trabalham e interpretem as fontes, são os juristas que dão vida ao
Direito. Passagem do Direito dos livros para o Direito em ação.

História interna do Direito – conteúdo normativo que vai ser encontrado nas fontes; história do
Direito da família, história do Direito penal
História externa do Direito – fontes do Direito, quais são e porque são

Antecedentes do Direito português


211 d.C. – Édito (uma constituição imperial) de Caracala, Antonino Caracala era um imperador;
concede a cidadania romana a todos os homens livres do império; mais cidadãos, mais impostos;
consequência: todos os cidadãos podem recorrer ao Direito romano, ao ius civile romano;
Os conflitos são tratados junto do governador da provincia, que detém iurisdictio; as fontes de
Direito romano circulam por todo o espaço do Império Romano; dá-se uma vulgarização do Direito
romano; vários Direitos romanos; é isto que caracteriza o Direito peninsular do séc. III a.C. aos séc.
XI d.C. A vulgarização do Direito romano dá ligar a várias tradições romanistas, a vários Direitos
romanos vulgares.
A partir do séc. III-IV vários povos aproximam-se da península ibérica; os suevos, vândalos… e
visigodos, povo profundamente romanizado, libertam a península dos outros povos bárbaros (os
que não vivem de acordo com os costumes romanos). Os visigodos derrotam facilmente os
vândalos, alamanos, suevos e vão ser expulsos pelos francos do sul da Gália e sedeiam a capital do
seu reino em Toledo.
No seu Direito, os visigodos vão misturar as suas tradições e costumes com as tradições e costumes
das populações romanizadas. Tinha já ocorrido a conversão de constantino e a religião oficial do
império é o cristianismo. Os visigodos convertem-se, o que conduz a um regime de paz e
descendência comum das duas etnias, populações. Vive-se em paz sobre a monarquia visigótica,
que é, juridicamente, uma mistura das tradições visigóticas com o Direito romano vulgar da
península.
Os visigodos construíram 4 textos, monumentos jurídicos visigóticos: código de Eurico, breviário de
alarido, código…, código visigótico
No séc. XII ainda se recorria ao código visigótico no espaço peninsular. Na construção do Direito
português este texto é relevante. O código visigótico é uma espécie de revisão do código de vigilio,
que por sua fez é uma revisão do código de Eurico. Estes três textos são direito romano vulgar, uma
adaptação do direito romano aos costumes e tradições germânicas. O breviário de Alarico é
constituído por textos romanos, como constituições imperiais retiradas do código teodosiano e de
outros (constituições imperiais leges) e iure (fragmentos de textos de jurisprudentes romanos: gaio,
paulus e ulipinanos). Os visigodos conhecem diretamente fontes romanas.
Há um certo paralelismo na cultura jurídica visigótica com o que se passou a oriente, a partir de
529, com justiniano: uma compilação de fontes. Tal como justiniano mandou proceder a uma
compilação de constituições imperiais (codex) e de fragmentos de obras dos jurisprudentes
(digesto), antes disso, a ocidente, Eurico mandou fazer esta compilação de fontes romanas.

Em 1140 o Direito português surge num contexto em que a cultura jurídica que vinha do passado
era romanizada. Fontes? O Direito visigótico.
Em 711 com o problema da sucessão da monarquia visigótica dá-se a entrada de Tarik, a frente de
uma força muçulmana na península e que a conquista.
A proximidade cultural e religiosa entre visigodos e romanos trouxe paz entre eles.
Haverá paz entre cristãos e muçulmanos, mas diferente. Para os romanos o Direito valia para todos.
Para os muçulmanos, aquilo a que se chamaria “Direito” é uma decorrência da sharia’a, uma forma
de vida que permitirá uma espécie de bem-aventurança eterna. Só podem regular-se pela shari’a os
crentes e a crença não pode ser imposta. Se os espano-godos se converterem ao islamismo,
sujeitar-se-ão ao Direito muçulmano. Se se mantiverem cristãos, não podem sujeitar-se ao Direito
muçulmano. Para os muçulmanos isto não é um problema. As comunidades que se mantinham
cristãs podiam reger-se pelo seu próprio direito. Desde 711 até à afirmação de novas monarquias
cristãs que se reclamam herdeiras da monarquia visigótica no espaço peninsular, vai ser feita, com
base na memória que tinham do código visigótico, do direito romano vulgar, e conforme vão
descendo para sul vão absorvendo populações que conheciam essa mesma tradição. Os cristãos
que viviam sobre o poder de califas muçulmanos eram os chamados moçárabes. Os moçárabes
regiam-se pela memória que tinham do Direito visigótico.
Primeiro eixo da formação da história do Direito português – tradição do Direito romano vulgar que
se vai encontrar no séc. XII e XII com aquilo que se chama a receção do Direito romano justinianeu.
Este encontro permite dizer que a história do Direito português é um episódio da tradição
romanística.

AULA 4 – 11 março

Direito legislado, Direito judicial e Direito costumeiro são muitas vezes tratados como autónomos,
mas eles não existiram de forma independente.
Inexistência de um legislador com uma influência imediata no mundo.
São capítulos autónomos, mas é preciso integrar. Ao estar a ler sobre direito foraleiro, não me
posso esquecer do que já li sobre o Direito costumeiro, porque na comunidade as várias fontes são
invocáveis ao mesmo tempo. No conselho, perante o juiz local, posso recorrer às cartas, aos
costumes, à herança do código visigótico.

Pluralismo mitigado; ordenações afonsinas


Ordenações afonsinas – Fronteira entre pluralismo medieval e pluralismo moderno/mitigado
Fronteira: Ordenações afonsinas (1446) – resumo e balanço do que foi o passado, feito com a
vontade de determinar o que importa agora como Direito para o meu povo; ao fixar um Direito
naquele momento, constitui a raiz do Direito português até ao séc. XIX; não são apenas compiladas
leis, mas são também reduzidos a escrito vários costumes e são transpostas para um único texto
várias soluções prevenientes de diversas fontes (direito romano, canónico, castelhano, soluções
foraleiras). Este texto vai manter-se como fonte, como corpo de Direito próprio português até ao
séc. XIX, sendo depois reatualizado, recuperado, com algumas mudanças estilísticas nas ordenações
manuelinas (1512/13-1521) e pelas ordenações filipinas (1603), que ficaram em vigor mais de 200
anos.
São um corpo que congrega as soluções para todas as áreas do Direito. Estão organizadas em 5
livros:
Livro I – Direito público, exercício do poder, quais os poderes do Rei, quais os magistrados, quais os
cargos públicos, o que caracteriza cada um desses ofícios.
Livro III – Direito processual (civil) – como se resolvem litígios. Reduzir a uma palavra a história do
Direito e da política neste período: “jurisdição”. O Rei não é legislador, é juiz. A atividade legislativa
é para o Rei importante, mas não é o fundamental, é um instrumento para garantir a jurisdição. Rei
é o que rege, e reger é orientar de forma adequada, e essa orientação implica mais que estabelecer
critérios, impô-los, através do julgamento e da punição. Por isso a ideia de jurisdição é fundamental
no Direito medieval. Concretiza o Livro III
Livro IV – o que hoje chamaríamos o Direito civil – contratos, obrigações, apropriação da terra
(direitos reais, hoje), a propriedade e como pode ser usufruída, sobretudo na propriedade
fundiária, exercida através da concessão da exploração da terra, relativa a uma pluralidade de
figuras com origem no Direito romano vulgar. Mais duas temáticas fundamentais: casamento,
poder paternal e tutela (situação em que se encontram todos aqueles que não são livres
juridicamente, como os menores); sucessões e em particular a ideia do testamento, um negócio
fundamental.
Livro V – Direito penal e processual penal – larga descrição de crimes, as penas associadas a esses
crimes e o modo de julgar estas matérias. Há, pois, uma destrinça entre o processo civil e o
processo penal.
Livro II – é habitualmente descrito como o Livro em que estão as matérias que não estão nos
demais livros; este é um olhar enviesado de quem olha para o passado; quem fez as ordenações
não fez primeiro os livros I, III, IV e V. Há uma razão para as matérias do livro II lá estarem. Elas têm
alguma unidade. No livro II encontramos o Direito dos vários grupos, consequência do pluralismo
jurídico.
Advertência: Expressões como Direito Civil, Direito Penal, sucessões. Para todos estes ramos do
Direito existe uma história. História jurídica externa é a história das fontes. História jurídica interna
é a história do Direito revelado através dessas fontes, com o pensamento jurídico de cada época
(história do discurso jurídico, da ciência do direito, dos juristas); A HJI: conteúdo normativo das
fontes, direito material existente em cada época, demonstra que todos estes conceitos mudaram
ao longo dos tempos. Não se deve pensar nestes problemas como antecedente imediato do direito
atual. A linguagem e os conceitos estão em constante mutação. Não há uma continuidade linear em
que vamos corrigindo o que está errado e seguimos em frente. Há transformações muito
significativas.
Domínios do pluralismo jurídico:
- pluralismo de poderes/jurisdições, num único espaço político maior, conduz à existência de:
- pluralidade de fontes
- pluralidade de soluções
- pluralidade de regimes/estatutos jurídicos
[para diferentes grupos sociais. Ao contrário do que é afirmado juridicamente a partir do
iluminismo, das revoluções liberais, do movimento constitucional, a igualdade perante a lei, em
todo o período anterior o que existe e que é primordial é uma realidade descrita por “estatuto” (o
conjunto de direitos e deveres de uma pessoa; muito diferentes de grupo para grupo; a autonomia
e especificação dos grupos resulta de múltiplos critérios, não tendo apenas a ver com o
rendimento; a razão de ser dos múltiplos estatutos é múltipla e difusa. Mais relevante que ser
homem ou ser mulher, é pertencer a um grupo ou a outro. Há diferentes estatutos jurídicos de
mulher dependendo do grupo em que se encontra. Há múltiplas redes que se sobrepõe formando
esta figura) e “privilégio”.
A função que é desempenhada na sociedade: uns assumem a função religiosa, outros a militar,
outros a produtiva. Há diferentes estatutos para estes. Mas se nos concentrarmos no clero,
encontramos ordens militares, e encontramos ordens religiosas com funções fundamentais de
exploração da terra. Alto clero e baixo clero. Clero regular e clero secular. Multiplicidade imensa de
estatutos. Se uma pessoa mata outra, a forma como é punida é determinada pelo seu estatuto.
Há uma rotura conceptual no séc. XVIII e que se consagra normativamente no séc. XIX – direito
penal humanitarista. Humanitarismo é uma corrente de pensamento que se associa ao iluminismo
(XVIII-XIX), que ganha força nas várias codificações penais do séc. XIX que afirma um conjunto de
princípios assentes na dignidade do criminoso, que deve ser tratado como ser humano, e que
conduz à ideia do princípio da legalidade criminal, que para nos é uma evidência, uma certeza na
qual se baseia todo o nosso discurso jurídico-penal, mas que não existe hoje em várias
comunidades. Afirma que ninguém pode ser punido que estabeleça como crime o comportamento
praticado e que defina a pena a aplicar a esse comportamento, e que seja sujeito ao devido
processo, que seja julgado com regras que caracterizam o estado de Direito. A lei que é igual para
todos estabelece a mesma pena para todos, independentemente dos rendimentos, género, etnia,
nacionalidade, idade, rendimento, profissão, ascendencia. A única coisa que releva é o
comportamento daquela pessoa, que responde enquanto pessoa, e não enquanto membro de
qualquer grupo.
“Privilegio” – alguém que é privilegiado é alguém que é tratado de forma diferente, não
necessariamente positiva para a pessoa, embora seja quase sempre. É uma especificidade, algo de
diferente da regra geral, do que se aplica a outros.
Cartas do privilégio, cartas de foral, cartas de fore. “Carta” num duplo sentido: algo que é escrito
para ser lido por alguém, que tem um destinatário concreto, mas sobretudo um destinatário
potencial, isto é, qualquer um que leia aquilo; carta como documento, como texto escrito.
Ciência jurídica medieval como uma ciência de textos, conhecimento de textos, arte através da qual
construo este conhecimento. Assenta num conjunto de técnicas que permitem bem interpretar
quaisquer textos – cartas de privilégio ou todos os documentos nos quais estão contidos textos
normativos. Leitura de textos, não no simples sentido de leitura, mas no sentido de lectio, palavra
latina utilizada para identificar a interpretação de um texto no contexto universitário, para aqueles
que nada sabiam de Direito, e não apenas para conhecer o texto, mas para o pôr em prática na
resolução de casos. A interpretação é motivada pela necessidade de resolver problemas.
Cartas são documentos no qual estão estabelecidos o que hoje chamaríamos direitos, regimes
normativos. Existem várias modalidades de carta]

Livro II – estatuto dos clérigos; a propósito das relações entre clero e rei surge uma disposição (mais
tarde passa para o livro III nas ordenações filipinas) em que a epigrafe diz “quando a lei (direito
romano) contradiz a decretal (direito canónico), qual delas se deve guardar” quando o Direito
romano contradiz o Direito canónico, qual deles deve ser utilizado?
Se num texto que é a tentativa de estabelecer num único texto todo o Direito aplicável, utilizável
pelos juízes na resolução dos casos, no reino. Um texto feito na sequência de múltiplas reclamações
em cortes (reuniões com representantes do clero, da nobreza e dos conselhos, do terceiro estado,
das cidades). Reclamações: há uma multiplicidade de fontes e de regimes que não sabemos qual é
o direito. Desta incerteza resulta uma constante litigiosidade. Uns invocam o direito romano, outros
o canónico, e ninguém se entende.
Se houvesse apenas um direito, não tinha havido litígio.
Havia uma confusão permanente dos regimes jurídicos.
Face às reclamações dos representantes dos conselhos, era necessário definir qual o Direito. Até ao
séc. XV mantia-se a pluralidade de fontes.
Se o Rei, o que deve governar bem e retamente e manter o reino em paz e justiça (e se não o fizer
pode ser legitimamente afastado do poder; diz tudo sobre a ideia do período medieval como um
período de poder absoluto ou de ausência de direito), se preocupa em por a valer uma solução para
este problema (contradição entre direito romano e canónico), percebemos que esses dois direitos
são fontes importantes.
As ordenações vão pegar em fragmentos do Digesto e reproduzi-las. São uma espécie de resumo do
Direito romano e do direito canónico para quem não sabe latim. Quase ninguém sabe latim, ou
sequer sabe ler, o que traz problemas para o conhecimento das leis. O que faz com que os juristas
consiga exercer um poder muito significativo na vida social. A capacidade de ler e interpretar, que
para um leigo parece sobrenatural, faz com que tenham imenso poder.
1446 – Direito romano e direito canónico são importantes.
Rei – “Estabelecemos e pomos por lei, que quando algum caso for levado a tribunal, que seja
resolvido por alguma lei do Rei (direito legislado), estilo da nossa corte (direito judicial) ou costume
dos nossos reinos (direito costumeiro), antigamente utilizado” – pluralismo (não há um monopólio
da lei) mitigado (é uma das fontes, a lei, que determina o valor de uma das fontes).
Ao falar em Direito local, pensa-se no Direito local escrito, mas também há costume local.
Pluralismo mitigado – afirmação de um poder/jurisdição e uma primazia do Direito posto em
pratica por esse poder sobre as demais fontes e os demais poderes.
1446 – Rei faz compilação do Direito pátrio, pedida pela comunidade, que tinha os seus costumes,
o seu direito local, pediu ao Rei que definisse qual o Direito que vale. As pessoas pedem ao Rei que
diga qual o Direito que vale. O Rei, respondendo a este apelo, define as fontes que podem
continuar a valer.
Se o Rei consegue fazer isto em 1446, muito antes tinha começado um processo de afirmação do
poder/da jurisdição régia, sobre os demais poderes/jurisdições. Podemos olhar para 1211, mais de
200 anos antes das ordenações afonsinas, do início do pluralismo mitigado e ver aqui a raiz desse
processo. Não se passa de um período para o outro num passo mágico. Há tendências que se vão
impondo e que conduzem para uma nova forma de viver. É isso que acontece com a afirmação da
jurisdição régia.
Este mundo começou a ser derrubado com a afirmação da lei, com o ressurgimento da lei como
instrumento de governação. A razão de ser disto, como foi possível isto acontecer, isto é, a
supremacia do Rei e da lei sobre os demais poderes e as demais fontes. Como foi possível isto
acontecer?
Próxima aula: finalidade do poder régio e administração do reino; fundamento disso, ou seja, as
conceções de justiça e Direito subjacentes à ordem jurídica medieval. A lei e o Rei muito por força
do contexto político e filosófico, religioso da época, conseguiu sobrepor-se a todo este localismo, a
todo este pluralismo, afirmando a sua vontade sobre todas as outras experiências. Vontade essa
que era limitada, conformada, por uma particular mundividência. A mundividência teológico-cristã
que assenta numa reconfiguração da filosofia helénica pensada pelos padres da igreja (patrística).

O juiz medieval tinha à sua frente várias soluções, o que levanta o problema da escolha e da
responsabilidade inerente à escolha. Perante uma multiplicidade de soluções, o que faço? Recorro
ao Direito que mais bem conheço. Por isso o juiz da cidade provavelmente vai adotar a solução que
está na carta daquela cidade, ou o costume local daquela cidade. O que dificilmente vai fazer:
recorrer, sem mais, à lei do Rei. Várias razões para não aplicar a lei régia: as leis são escassas; são
mal conhecidas (não há imprensa; as ordenações afonsinas não são impressas, apenas as
manuelinas. Para conhecer as ordenações é preciso que um copista as tenha transcrito e depois
vendido, o que fazia o preço caro); a maior parte dos juízes (séc. XI-XII) não sabiam ler, porque eles
foram escolhidos para julgar aquele conflito, mas não são profissionais.
Tudo muda no final do séc. XII, séc. XIV, reinado de D. Pedro I, se vai impor a figura do juiz de fora
(de fora da cidade, da localidade, do conselho). Um juiz nomeado pelo Rei, pago, que não conhece
as pessoas, não tendo relações familiares ou comerciais com as partes envolvidas, nem especial
afeição pelo direito local.
O que permitia resolver o problema? hábito, proximidade.
Com o juiz de fora: aplica o Direito que conhece, muitas vezes leis do Rei
O juiz de fora integra a vereação do conselho, imiscui-se no poder local, decide de acordo com
outros critérios, está a exercer uma função, sendo remunerado em bens e serviços (casa,
alimentos). E quem custeia estes custos é o conselho, os homens bons, os habitantes do conselho
que integram o conselho, que têm o estatuto de vizinhos, os homens livres do conselho, têm de
pagar. É uma intromissão, uma perda de autonomia, e são eles que pagam
A relação de forças é já muito diferente.
O juiz de fora surge para impor a mão do Rei. Isto começa a ser afirmado no início do séc. XIII.
Inquirições –
sobretudo a partir de Afonso II, mas que continua com Afonso III e Afonso IV, ou seja, a partir do
momento em que há alguma estabilidade na conquista do território para além do tejo, os monarcas
portugueses vão começar a ocupar-se do exercício efetivo da jurisdição. As preocupações militares
e povoadoras dos primeiros reis são instrumentais face à preocupação de afirmação de um poder
político autónomo. Diz-se que esses reis não fizeram leis. Mas os primeiros Reis fizeram cartas de
privilégio, concederam cartas de forais. Estes instrumentos normativos eram fundamentais. A
jurisdição exerce-se de múltiplas formas. Fazer leis é uma delas.
“O Rei deve governar bem e retamente”, “manter o reino em Direito e justiça”. Terceira frase:
aquela que justifica a pouca intervenção legislativa do Rei nos primeiros reinados: “Manter os usos
e os foros do reino”. O Rei não tem poder absoluto porque deve respeitar os outros poderes. Se há
usos e costumes, se há foros do reino, não é legitimo ao Rei intervir quando e do modo que
entender recorrendo à lei. Há uma ideia que provém da estrutura da monarquia visigótica, que é a
ideia de o Rei governar como conselho. O Rei não se pode impor. Por isso se fala das leis de Leão,
das Leis de poiança, das Leis de Coimbra, isto é, de leis postas a valer, publicitadas, dadas a
conhecer, porventura aprovadas em assembleias em que estavam os mais altos dignitários do
reino, civis e eclesiásticos. Não há cortes, não há representação popular.
Caída a monarquia visigótica, sucede, no que respeita ao exercício do poder, uma fragmentação do
poder, que já estava em curso na monarquia visigótica. O Rei não tinha um efetivo poder sobre
todo o reino visigótico. Esta fragmentação conduziu, em diferentes espaços, a diferentes
protagonistas do poder.
O que se passava sobre o poder muçulmano? O Direito islâmico, como o judaico, é intrinsecamente
associado, e impossível de desligar, da religião. A religião tem de ser livremente observada, não
deve haver conversões forçadas. Se não há conversões forçadas, aqueles que não se convertem
mantém a sua religião e o seu Direito. Aos cristãos sobre o domínio muçulmano que mantém a sua
cultura, a sua língua, a sua religião, os seus modos de vida, o seu direito costumeiro (o direito que
seguem espontaneamente sem ser imposto pelo poder político), chamamos moçárabes.
Monumentos visigóticos: código de Eurico, código …, código visigótico são textos aprovados por
monarcas visigóticos contendo direito visigótico. O breviário contém fontes romanas.
O código visigótico era de aplicação territorial. Contem direito romano vulgar. Aprovado em 654, foi
aprovado no Concilio de Toledo.
Um texto normativo mandado fazer pelo Rei é aprovado por um concilio, numa assembleia de
entidades eclesiásticas. A monarquia visigótica está associada a uma religião e a uma ideia, que era
meramente afirmada no império romano (afirmada de boca), que o monarca era imperador por
graça de Deus, em nome de Deus, e respondia a Deus. O Direito posto a valer pelo imperador, a
atuação do imperador, devia orientar-se pelo exemplo divino. Mas daqui não eram retiradas
consequências. Na experiência medieval, pela influência da patrística (e para a experiencia
visigótica o autor relevante é Isidoro de Sevilha, autor de As etimologias, que consistem num
resumo da sabedoria greco-romana, sobre política e Direito). Na monarquia visigótica é
reconhecida a importância da igreja e das autoridades eclesiásticas. Manifestação disto: o código
visigótico é feito no Concilio de Toledo. Não por isso é um texto de direito canónico. Apenas quer
dizer que o texto se insere num quadro de pensamento para o qual é fundamental a ideia do
exemplo divino, que vai ser mais alimentada em todas as monarquias que sucedem à visigótica, a
partir do espaço asturo-leonês.
Os moçárabes, os visigóticos eram cristãos, que aceitavam a presença, no terreno político, das
autoridades eclesiásticas.
Direito relevante na monarquia visigótica, para os moçárabes, para as monarquias leonesa,
castelhana, portuguesa, para as peninsulares: Direito canónico

Direito canónico: Direito da igreja, igreja pensada como a assembleia dos crentes, e não como as
autoridades eclesiásticas. Havendo conflitos, eles eram resolvidos não junto do pretor ou dos
funcionários do imperador, mas dentro da comunidade, junto daqueles que dão orientação
espiritual. Por isso vingou até ao séc. XIV-XV a ideia de que os cristãos estão sobretudo sujeitos ao
Direito da igreja.
Epigrafe do Título IX do Livro II das ordenações – “Quando a lei (direito romano) contradiz a
decretal (direito canónico), qual delas se deve guardar?” O problema da contradição entre direito
romano e direito canónico existe desde o início e manteve-se. A igreja sempre pretendeu que os
crentes resolvessem os seus conflitos de acordo com o Direito canónico.
Pluralismo: vários estatutos, jurisdições, poderes
Solução que se impõe? A que resultar do equilíbrio de relações de poder em cada momento. Por
vezes a igreja consegue, por vezes não.
No espaço peninsular o Direito canónico, que tem como fontes principais as sagradas escrituras
(que não dizem quem tem razão no caso concreto). Cânones (direito canónico) são as regras
aprovadas pelas autoridades eclesiásticas. Dois grupos: papa, autoridade máxima de uma igreja
local. Também na igreja há pluralismo. Na igreja de braga há regras diferentes das da igreja de
Sevilha. Qual é o cânone que se aplica?
Por isso tornou-se necessário haver compilações de cânones. Uma dessas compilações, a Espane,
que teve particular importância no espaço peninsular.
Herança jurídica da monarquia visigótica: código visigótico, colexio espane. Herança relevante para
as monarquias cristãs ou para quem vive sobre um governante muçulmano, mas mantendo a
herança cristã.
Após a constituição de antonino caracalo, 212, conceção da cidadania aos homens livres do
império, todos se regem pelo Direito romano, que ninguém conhece. Dá-se a vulgarização do
Direito romano. O que acontece ao Código Visigótico, aprovado em 654, a monarquia cai em 711,
as populações vão passando alguns exemplares de geração em geração, mas a memória normativa
que prevalece não é a do texto, mas a do modo como o texto foi sendo interpretado e posto em
prática. Aquilo a que muitas vezes se chama direito costumeiro é, muitas vezes, a herança da
tradição de aplicação, em constante mutação, do código visigótico. Já não há juízes do Rei para
impor o texto do Código Visigótico. Impõe-se o que se conhece. E o que se conhece não é o texto
integral, mas formas de integrar esse texto. Esta é a herança do Direito costumeiro.
Uma coisa é a forma como as pessoas vivem o direito costumeiro, outra coisa muito diferente é a
teorização doutrinária sobre esse fenómeno. Lei de 1211 “há um mau costume” – é possível falar
de requisitos do costume. Interessa falar dos requisitos a quem não quer acolher o costume, às
partes que não são por ele beneficiadas. Quem decide? O juiz local. Mas também ao Rei não
interessa aplicar o costume. Mas o Rei tem de manter o respeito pelos usos e costumes. O Rei diz
então, mantenho o respeito pelos usos e costumes se e na medida em que esses costumes forem
adequados, forem retos, forem conformes à razão, conformes ao Direito canónico, isto é, desde
que e na medida em que não sejam maus costumes.
Paralelamente com a afirmação destas monarquias, com o passar do tempo, a fronteira muito
instável entre o poder cristão e o poder muçulmano vai baixando, passando para sul, mais do lado
do Atlântico que do mediterrâneo. São conquistados novos espaços, que deixam de estar sobre o
domínio muçulmano. Problema no que respeita ao exercício do poder: o Rei não tem uma
administração para impor o poder e garantir a justiça. O que vai acontecer? Todo o território está
sujeito a uma espécie de soberania régia, um domínio régio. O Rei vai exercer diretamente o poder
em parte das terras, vai conceder o governo dessas terras a senhores civis ou a senhores
eclesiásticos ou a comunidades autónomas. Temos o poder régio, o poder senhorial civil ou
eclesiástico e o poder concelhio, das cidades livres. Em cada um destes domínios é este o poder, é
esta a jurisdição, e é aqui que está a origem da pluralidade de poderes e da pluralidade de
jurisdições. Ao conceder a terra ao senhores civis e aos senhores eclesiásticos, o Rei concede-lhes
jurisdição. Se há um litigio nessa terra quem julga é o senhor, não o Rei. Há uma carta, um
documento, através do qual o Rei concede o poder sobre essa terra, e ao fazê-lo, estabelece quais
são alguns dos poderes e dos deveres do senhor da terra. Alguns porque alguns outros poderes não
têm de lá estar escritos porque na península, através do Direito costumeiro, é habitual que com a
concessão do domínio sobre uma terra se concedam também alguns poderes. Isto vale para os
senhores civis e eclesiásticos e para os concelhos. É concedido o poder sobre a terra. Os conselhos
têm autonomia de jurisdição. Os senhores também podem conceder cartas de privilégio para
aquelas terras. Surgem conselhos.
Enquanto o território não está conseguido, o Rei tem de conceder terrenos, para que as pessoas
estejam disponíveis para ir para a fronteira. Para isso é preciso que as condições de vida na
fronteira sejam melhores que as condições no sítio em que as pessoas estão. Cartas de privilégio,
cartas de povoação – qual o regime de exploração da terra, que impostos pago, que deveres
militares tenho.
Cartas de foral – a questão já não é saber como se explora a terra mas saber como se vive. Por isso
têm regras de direito processual, fiscal, penal, regime da vindicta privada (Leis de 1211 – lei tenta
reger a vindicta privada), administrativo, sobretudo matérias de Direito público.
Onde estão a matéria de contratos, casamentos, testamentos, que vão estar nas ordenações? Estão
na herança do Código Visigótico. Há matérias que já estão costumeiramente tratadas, numa
memória aplicativa do Código Visigótico, um texto de há 500 anos, e por isso não é necessário
estarem nas cartas de foral. Passado algum tempo, as pessoas começam a pensar que convém
reduzir a escrito as regras costumeiras. Terceira carta de privilegio – os foros. No texto espanhol
fala-se dos foros extensos (os foros breves são os forais). Redução a escrito dos costumes em
matéria de Direito privado

Paralelamente, surge como fonte de Direito o direito judicial. Os juízes da terra resolvem os casos.
Muitas vezes, não tendo as normas costumeiras sempre soluções para o caso, surge o que se
chama na terminologia moderna de lacunas. O modo como os juízes decidem vai tornar-se fonte de
Direito. No futuro, outros juízes vão aproveitar o modo como estes juízes decidiram.
Estilo – costume jurisprudencial; naquele tribunal é habitual decidir-se daquela maneira; vale para
tribunais locais como para o tribunal régio. O fundamental vai ser o estilo da corte. “Onde houver
lei, costume ou estilo da corte”. Estilo da corte é direito judicial. A corte é o tribunal presidido pelo
Rei, não é as cortes.
Alvidros – são árbitros. Quando as partes têm um litigio podem escolher vizinhos para decidir o
caso.
Façanhas – soluções inovadoras, que se mostram proveitosas e adequadas para casos complexos, e
que se tornam um exemplo.

É do conjunto de fontes do direito local, direito costumeiro e direito judicial que emerge o Direito
peninsular, diferente de jurisdição para jurisdição. É neste contexto plural que, a partir do inicio do
séc. XIII, afirmado o poder do Rei, afirmado um caráter definitivo da conquista para sul, vai emergir
uma nova fonte muito relevante, como instrumento do poder régio, como afirmação da jurisdição
régia sobre os demais poderes e jurisdições: a lei.
Inquirições – investigações desenvolvidas por magistrados do rei, que vão de terra em terra, de
domínio senhorial em domínio senhorial, para garantir se os senhores estão a governar aquelas
terras de acordo com os poderes que estavam nas cartas de concessão do poder. E invariavelmente
o Rei vai dizer que estes poderes não são seus, estes poderes não podem ser exercidos por
ninguém a não ser o Rei.
Vai criar dois novos magistrados judiciais: sobrejuizes e corregedores. São um instrumento que
permite uma segunda instância na jurisdição. Posso recorrer para os juízes do Rei, posso controlar
as decisões dois juízes locais, senhoriais ou concelhios. Afirmação do poder régio.

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Aula-dia 18

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