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Joelton Nascimento
RESUMO
II
1
LUKÁCS, Georg. Theory of Novel. (Prefácio de 1962). Tradução: Anna
Bostock. Cambridge: MIT Press, 1971, p. 22.
2
As críticas de Lukács ao que ele chamou de “filosofia do imperialismo” podem
ser lidas em duas obras principais: LUKÁCS, Georg. Die Zerstörung der
Vernunft. Newvied: Hermann Luchterhand, 1973, 3 vols, e LUKÁCS, Georg.
Marxismo ou Existencialismo? Tradução: José Carlos Bruni. São Paulo:
Senzala, 1968.
universalizante correspondiam, no âmbito da práxis, à ascensão
da burguesia como classe universal, no sentido de que a ascensão
da burguesia e a consecução de seus interesses imediatos
coincidiam com os interesses universais de toda a sociedade. Era a
filosofia clássica a responsável pela crítica demolidora dos
arbítrios e das mistificações do período feudal e pré-capitalista. A
filosofia clássica, no sentido lukacsiano, é a de Voltaire a
Rousseau, de Spinoza a Locke, tendo seu último e maior
representante em Kant.
Quando a burguesia ascendente chega em uma nova etapa,
em que dá ensejo a uma nova classe que lhe é negação, o
proletariado, e quando seus interesses imediatos começam a se
separar dos interesses universais de toda a sociedade, a filosofia
burguesa, e justamente por insistir em ser burguesa, abandona
sua vocação racionalista e universalizante do período clássico. A
filosofia burguesa entra em crise e sua única saída, ainda segundo
Lukács, é o irracionalismo, o ceticismo prático. No caso específico
de Schopenhauer, a crise da filosofia burguesa se revela como
uma espécie de “ontologização”. Na impossibilidade de pensar de
modo racional a totalidade social, é o caos e o sem-sentido que
espreitam a filosofia burguesa em crise, na versão pessimista de
Schopenhauer. Ao invés de apontar uma origem deste caótico
non-sense no desenvolvimento histórico e, portanto, em uma base
transformável, Schopenhauer dá uma interpretação ontológica
deste caos e desta falta de sentido como sendo algo pertencente à
condição humana mesma e, portanto, inelutável. Daí o
pessimismo schopenhauriano. É precisamente por esta
“ontologização” do caos e do sem-sentido que Schopenhauer se
instala numa confortável contemplação destes. Não há nada a ser
feito, é da “condição humana” que estamos falando. Aqui está o
Grande Hotel Abismo.
Lukács, portanto, já havia criado a metáfora do Grande
Hotel Abismo muito antes de acusar Adorno de nele habitar. Mas
no caso de Adorno a acusação de Lukács tinha um sentido
bastante distinto. Adorno, diferente de Schopenhauer, era
consciente e crítico da sociedade burguesa e de seu
desenvolvimento. Para Lukács, todavia, esta crítica permanecia
voluntariamente submetida a uma impotência radical,
irracionalmente atada à conclusão de que não é possível
transformar praticamente o estágio atual do desenvolvimento
desta sociedade. Resta-lhe apenas, garante o filósofo húngaro,
contemplar o abismo de um lugar confortável e, entre um luxo
burguês e outro, regozijar-se até mesmo da observância do caos.
Este seria o sentido da metáfora do “Grande Hotel Abismo” no
fragmento citado.
Mas o que há de comum em Schopenhauer e Adorno a
ponto de estabelecermos a ambos a “mesma moradia”, como quer
Lúkacs? E se não há justiça na crítica lukacsiana, onde poderemos
encontrar uma defesa razoável de Adorno? Mais do que isso, e
seguindo de perto uma interpretação dialética: o que há de
verdadeiro na crítica de Lukács? E por último e mais importante:
como esta discussão pode nos ajudar a pensar na questão da
emancipação social?
III
3
“In 1962 Lukács voiced his and others marxist’s disdain for Frankfurt School
by dubbing in the “Grand Hotel Abgrund (abyss)”.” JAY, Martin. The Dialetical
Imagination. Berkeley/LosAngeles: University of California Press, 1996, p. 296.
concreta desta mesma sociedade?”. Esse era o raciocínio que
qualquer marxista tradicional fazia e Lukács, neste particular,
não era muito diferente. Encontraremos algum tempo mais tarde
o mesmo raciocínio em Perry Anderson, em seu livro
Considerações sobre o Marxismo Ocidental (1976), desta vez
dirigido a toda a tradição do marxismo europeu, sobretudo o
alemão, o francês e o italiano. Este marxismo se tornou um
marxismo meramente filosófico, catedrático – dizia ele – em clara
afronta ao movimento do próprio Marx que foi da filosofia em
direção à economia política. Os “marxistas ocidentais” refluíram
para a filosofia e para a teoria, abandonando a economia e as
questões operárias.4
Não seria suficiente como uma resposta a estas críticas
simplesmente apontarmos os diversos estudos de Adorno, tanto
filosóficos como científicos, tanto teóricos quanto empíricos, sob
diversos temas que eram urgentes para a emancipação social das
classes trabalhadoras, como os estudos sobre o preconceito e a
personalidade autoritária, a indústria cultural, a sociedade de
massas, etc. Mesmo o mérito destes importantes trabalhos não
justificaria uma recusa – como entendem seus acusadores – à
prática transformadora das estruturas de dominação da sociedade
capitalista avançada. “Aqui está Rhodes, salta aqui!” dizia Marx
parafraseando Hegel: a melhor cognição de uma estrutura de
dominação é a sua transformação e não sua contemplação
passiva, e esse era um mote assumido pela teoria crítica de Max
Horkheimer e de Adorno desde os anos 30.
Mas Adorno dará sua contribuição mais importante a esta
discussão precisamente quando a prática política lhe exigiu a
duras penas. Durante o conturbado final dos anos 60, alguns
anos após o prefácio de 1962 de Lukács, Adorno escreveu os
Epilegômenos Dialéticos (1969). Providencialmente, após ter sido
duramente criticado pelos estudantes alemães como um falso
4
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. Tradução:
Marcelo Levy. São Paulo: Brasiliense, 1996.
teórico crítico que havia voltado as costas às práxis, um destes
Epilegômenos Adorno nomeou de Notas Marginais Sobre Teoria e
Práxis5.
Em primeiro lugar, Adorno lembra e reafirma a força
prática da teoria. Pensar é já agir, na medida em que este
pensamento, para além da mera técnica ou da mera submissão
não autônoma a um “pragmatismo” qualquer, pode conduzir a
uma compreensão mais alargada dos conjuntos de coerções às
quais os indivíduos são submetidos num certo momento histórico.
Embora reitere a primazia do objeto na práxis, Adorno defende
dialeticamente que a práxis não se resume a um mero lançar-se
cego à “objetividade heterônoma”6. A práxis deve ser a realização
do melhor conhecimento socialmente alcançado, e isto requer o
esforço teórico. Uma ação que não tenha isso em vista é uma
atividade cega, uma falsa práxis e, conforme assinala Adorno,
“Falsa práxis não é práxis”7.
Embora seja preciso reconhecer que a maioria das Notas
Marginais sejam dirigida aos estudantes amotinados, notamos
que estas terminam por revelar uma divergência mais profunda
entre as concepções de práxis e emancipação entre Adorno e
Lukács. Para Adorno, a divisão e a relação entre teoria e práxis se
desenvolveu historicamente, e esse desenvolvimento se deu em
estreita relação com o trabalho. “A práxis nasceu do trabalho”8,
escreveu ele. Deste modo, tanto quanto a hipertrofia da teoria
revela uma miopia grave, também o inverso é verdadeiro, a
hipertrofia da práxis revela uma perda do real sentido histórico.
Além disso, e o que aqui se quer enfatizar primordialmente, é
que:
5
ADORNO, Theodor. Notas marginais sobre teoria e práxis IN Palavras e
Sinais – Modelos Críticos 2. Tradução: Maria Helena Ruschel. Petrópolis:
Vozes, 1995.
6
Idem, ibidem, p.211.
7
Idem, ibidem.
8
Idem, ibidem, p.206.
“O fato de se originar do trabalho
pesa muito sobre toda práxis. Até hoje,
acompanha-a o momento de não-liberdade
que arrastou consigo: que um dia foi
preciso agir contra o princípio de prazer a
fim de conservar a própria existência;
embora o trabalho, reduzido a um mínimo,
entretanto não mais precisasse continuar
acoplado à renúncia.”9
9
Idem, Ibidem. Seria pertinente lembrar nesta altura, já que o próprio Adorno
não o faz, na importância da re-interpretação de Freud realizada por Marcuse
para a crítica do trabalho e da renúncia ao princípio do prazer a ele associado.
mais que a transformação desta sociedade se desse a partir apenas
de uma ação desta classe como tal. A partir deste “diagnóstico”
por assim dizer, Adorno se ocupará de um aprofundamento de
uma reflexão sobre a práxis em que esta apareça como
superadora da estreiteza da práxis viciada vigente nesta sociedade
dominada pela “falsa práxis”. Na Teoria Estética (1970) ele dirá:
Contudo, até que ponto uma teoria estética pode ainda ser o
suficiente para que nós compreendamos o desenvolvimento do
negativo na sociedade do trabalho e da mercadoria é uma questão
de vital importância e que permanece aberta. Mas que o se
percebe aqui é que quando a questão da práxis vem à tona,
Adorno sempre volta a fazer uma crítica radical do trabalho, uma
crítica que, todavia, não encontrará um maior aprofundamento
em todo seu pensamento.
Eu poderia dizer que esta é a forma histórico-política da
divergência entre Adorno e Lukács. No domínio da teoria,
Adorno, por um lado, antecipou as reflexões críticas que somente
aparecerão nas últimas décadas acerca de uma crítica radical do
10
ADORNO, Theodor. Teoria Estética. Tradução: Artur Morão.Lisboa: Edições
70, [s.d.], p. 23.
trabalho11, pelo viés enviesado de sua estética negativa, enquanto
que a grande obra inacabada de Lukács, a Ontologia do Ser
Social12 (1971) aposta todas as fichas no trabalho como
“fenômeno originário” (Ürphanomen) constituinte de toda
sociabilidade e, portanto, como portador da chave para a
emancipação das relações de dominação e exploração da
sociedade capitalista. A divergência quanto à práxis, termina na
divergência quanto ao conceito e quanto à realidade do trabalho
e de sua função na emancipação social.
É uma divergência tanto teórica quanto prática. Cumpre a
nós pensarmos sobre a crítica que a história tem feito desta
divergência. Voltando ao Grande Hotel Abismo, o que notamos é
que Lukács interpreta como ausência de práxis – ou renúncia a
uma práxis possível – o distanciamento de Adorno dos
movimentos operários. Mas na verdade essa acusação não deixa
ver nas entrelinhas que a concepção de “práxis” ali está
alicerçada nessa “ontologia do trabalho” (Kurz).
IV
14
HABERMAS, Jürgen. op. cit., p. 95.
15
Idem, Ibidem.
práxis que sepultou sob seus destroços tudo
aquilo que uma vez foi intencionado com a
razão”16 (Grifos do autor)
16
Idem, Ibidem, p. 97.
17
Sobre a relação entre razão e mímesis em Adorno, Cf. TIBURI, Marcia.
Crítica da Razão e Mímesis no pensamento de Theodor W. Adorno. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1995.
V
18
HABERMAS, Jürgen, op. cit., p. 95.
19
Idem, Ibidem, p. 184.
capitalista, a saber, o Estado e o mercado, têm valor funcional, ou
possuem um tipo de racionalidade que pode ainda ser posta em
base racionais intersubjetivas, comunicativas. Já para Adorno e
para a crítica sombria e negra (para usar termos habermasianos)
da modernidade capitalista, a práxis dominada por tais esferas
mediadoras da sociabilidade é uma “falsa práxis” e que não há
possibilidade de emancipação mediada fundamentalmente por
estas. Se Adorno paga suas conclusões com um “retiro” ou uma
“fuga” para a arte, esta não vem de uma impotência teórica,
cognitiva ou mesmo individual, antes se trata de um consciente e
amplamente sustentado diagnóstico de época, diagnóstico de um
“contexto geral de ofuscamento”.
Se há algo a ser reconstruído com o auxílio do pensamento
é justamente a crítica radical destes mediadores que moldam e
dão sentido ao desenvolvimento da modernidade capitalista e que
impedem de antemão e sempre, que uma comunicação
intersubjetiva mínima, livre de empecilhos estruturais se
estabeleça. Dando por assente sem mais os valores funcionais
destes meios socializadores, o mercado e o Estado, Habermas pode
até teorizar mais popularmente e mais atualizadamente sobre
questões contemporâneas hoje tão ao gosto de uma administração
global de crise, mas ao preço de um retorno injustificado ao
formalismo das antinomias tão comuns ao pensamento burguês,
no caso de Habermas, entre “sistemas” e “mundo da vida”.
VI
Não-publicado, escrito
em Dezembro de
2006
ABSTRACT