Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
theoretical basis.
> Key words: Adolescence, concept, puberty, psychoanalysis
cente? Será preciso mais trabalho clínico e adolescente, diga-se de passagem – inquie-
teórico para fazer da adolescência algo mais ta, na medida em que faz surgir as nervuras
que um fenômeno, um campo de investiga- do referencial teórico que sustenta o con-
ção da psicanálise, com consistência e ma- ceito?
turidade? Será preciso mais reflexão teórica Nestes cem anos de psicanálise, muito acon-
acerca da constituição do sujeito, buscando teceu, não somente no que diz respeito à
uma metapsicologia capaz de fazer eco às produção teórica, mas também em relação às
vicissitudes deste emblema da modernida- transformações socioculturais que caracteri-
>26
zaram o período. A clínica sofre os efeitos ce configurar a chamada “crise essencial da
destas mudanças, pois o paciente de hoje adolescência”, como diz Knobel na mesma
não parece ser o mesmo que aquele do iní- obra (p. 10). A crise, no entanto, não confi-
cio do século passado (Pinheiro, 1996, p. 43). gura uma patologia, mas a síndrome normal
Voltar à reflexão sobre a constituição do su- da adolescência. Trata-se, portanto, de uma
jeito se justifica, portanto, não somente em crise esperada, que cada um deve experi-
função de eventuais lacunas teóricas, mas mentar.
sobretudo pela possibilidade de pensar na- Aberastury, assim como Knobel, não des-
queles que chegam hoje aos consultórios em carta a importância do campo social neste
busca de tratamento. Um dos campos de in- processo, na medida em que “tanto as
vestigação que neste contexto se destaca é modificações corporais incontroláveis
a adolescência, que ora é tomada como fe- como os imperativos do mundo externo...
nômeno social, ora como momento necessá- exigem do adolescente novas pautas de
rio na constituição do sujeito. Como se sabe, convivência”. Porém, a interferência do
não é um conceito originalmente psicanalí- mundo externo parece ocorrer mais no
tico, mas surge como fenômeno da moderni- sentido de impor uma determinada adapta-
dade (Ariès, 1986) e demanda dos psicana- ção ao sujeito, como exterioridade, do que
listas um entendimento a respeito. Este tra- participar das mudanças subjetivas que nele
balho tem como proposta contrapor duas estejam ocorrendo, desde seu início. Isto
formulações distintas do conceito, a fim de porque
fazer notar, na diferença, as implicações ... as mudanças psicológicas que se produzem
teóricas. neste período... são a correlação de mudanças
No percurso errante deste conceito – que corporais... Quando o adolescente se inclui no
vagou entre tantos –, a adolescência en- mundo adulto com este corpo já maduro, a
contra particular acolhida entre os repre- imagem que tem do seu corpo mudou também
sentantes da chamada psicologia do ego. sua identidade, e precisa então adquirir uma
pulsional > revista de psicanálise > artigos
Muitas referências produzidas nos últimos ideologia que lhe permita sua adaptação ao
anos sobre adolescência (por exemplo, mundo e/ou sua ação sobre ele para mudá-lo.
Osório, 1989; Carvajal, 1996) parecem sofrer (p. 13, grifo meu)
a influência destes autores, que estudam o A concepção de corpo implícita aqui diz
fenômeno adolescente numa relação direta respeito às mudanças orgânicas ocorridas,
ano XVII, n. 179, setembro/2004
tradições pelas quais vem passando, a fim tado por contradições, confusão e ambiva-
de sair de sua crise e encontrar uma identi- lência. Esta experiência subjetiva passa en-
dade coerente. tão a ser condição para a inserção no mun-
Por último, há um comentário de Knobel que do dos adultos, na qual a adaptação é a re-
parece tornar clara a posição, tanto sua ferência. Como se a ambivalência e as con-
ano XVII, n. 179, setembro/2004
outros) impotência para tanto. No entanto, tecede. A tese sobre a qual o autor irá tra-
se for considerada a articulação entre balhar é que, na ausência de dispositivos
adaptação e mudança, como saídas ambas societários tais como os rituais de passa-
necessárias, torna-se possível ver a ara- gem – que nas sociedades tradicionais pos-
puca armada ao sujeito adolescente: cami- suíam a legitimidade de dar sentido a esta
ano XVII, n. 179, setembro/2004
de manter a proximidade de uma concepção este “lá fora”? Aonde esta outra região se
de adolescente vigente, que realça esta ci- inscreve? A hipótese é que a exterioridade
são. Uma resposta mais consistente seria mencionada por Ruffino seja a expressão da
que, no entrelaçamento dos registros, ainda demanda de uma reflexão acerca do Outro
que o imaginário seja imaginário, tem efei- que entra em jogo em função da adolescên-
to sobre o simbólico; ou seja, tanto a imagem cia. De alguma forma, o conceito que norteia
de um interior psíquico distante do social esta discussão é a problemática noção de
traduz um aspecto da experiência subjetiva realidade, que entre realidade psíquica e
>30
efetividade, realität e wirklichkeit (Freud) dade articulada entre a puberdade e os as-
(p. 28), realidade psíquica e realidade pectos sociais envolvidos que, de algum
concreta, continua inquietando os psica- modo, incidem no corpo? Se vale lembrar,
nalistas.1 como fez Ruffino, que a revisitada disputa
Outra referência complexa e necessária é a entre o orgânico e o social reproduz uma
noção de corpo, na medida, inclusive, em disputa de saberes em torno de um objeto
que nela incide esta duplicidade própria à (1993, p. 33), no campo psicanalítico, a ques-
concepção de realidade. Desde o início, tão do corpo, em sua diferença do biológico,
Ruffino busca deixar claro que a adolescên- continua exigindo reflexão, assim como ou-
cia não se restringe aos efeitos da tros conceitos aí implicados, como o de
puberdade, os quais, segundo ele, já desde pulsão e trauma.
Freud, dizem respeito aos “processos fisioló- Ao tentar assinalar a complexidade de al-
gicos” (1996b, p. 6). Num primeiro momento, guns destes conceitos, pretende-se fazer
considera que a adolescência é um fenôme- notar que a questão adolescente configura
no “aberto pela puberdade, sob condições um campo de investigação que faz sobressair
específicas da cultura e da história” (1993, determinados pilares da metapsicologia psi-
p. 36). Adiante, nomeia, como deflagrador canalítica, a qual, por sua vez, não é unívo-
do processo, “o real do impacto pubertário- ca. Confirma-se assim o comentário de Pe-
social” (p. 43). Num outro momento, ainda, not, num encontro recente sobre adolescên-
considera que o efeito causado pela puber- cia: “... a experiência do adolescente em cri-
dade não é a entrada na adolescência, mas se nos incita muito particularmente, com
a saída da infância, sem que isso garanta a efeito, a reexaminar certos fundamentos da
entrada na adolescência, pois, como disse- teoria psicanalítica...” (1995, p. 37). Se a con-
ra anteriormente, o impacto sofrido no cepção proposta por Ruffino oferece saídas
corpo não se restringe às transformações fi- a alguns problemas próprios à concepção de
siológicas (1996b, p. 6). Mas o que Aberastury, nem por isso deixa de explicitar
pulsional > revista de psicanálise > artigos
representa então a saída da infância, senão outros, que permeiam a teoria que a sus-
o confronto com o “buraco” deixado pela au- tenta. Assim, o conceito de adolescência se
sência de dispositivos societários mostra adolescente não por sua insuficiên-
compartilhados (rituais de passagem) e, cia, pois isso implicaria no ideal de uma me-
portanto, com a exigência do trabalho tapsicologia definitiva, mas sim pelo incômo-
ano XVII, n. 179, setembro/2004
1> Plon, por exemplo, considera que Freud mantém, ao longo de sua obra, um duplo entendimento de
realidade que se por um lado lhe confere uma “fragilidade epistemológica”, por outro destaca a psicaná-
lise das demais ciências humanas por ser aquela que investiga algo tão indeterminado como o incons-
ciente (M. Plon, 1999, p. 102-3). Piera Aulagnier concebe a realidade exterior a partir da noção de causali-
dade demonstrada, a fim de não cair no empirismo (1985, p. 50).
>31
Referências PLON, M. A face oculta da análise leiga. Ágora:
ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal. estudos em teoria psicanalítica. Rio de Janei-
9.ª ed. Trad. S.M. Ballve. Porto Alegre: Artes ro, v. II, n. 1, p. 91-108, jan.-jun./1999.
Médicas, 1991. RUFFINO , R. Sobre o lugar da adolescência na
ARIÉS, P. História social da criança e da família. teoria do sujeito. In: R APPAPORT, C. R. (coord.).
2. ed. Trad. D. Flaksman. Rio de Janeiro: Gua- Adolescência – Abordagem psicanalítica. São
nabara, 1986. Paulo: EPU, 1993, p. 25-58.
AULAGNIER, P. Os destinos do prazer. Trad. M.V. _____ Fragmentos em torno da epopéia do
Gervaiseau e M.C. Pellegrino. Rio de Janeiro: sujeito sob a operação do adolescer. In: C ORRÊA,
Imago, 1985. A. I. (org.). Mais tarde... é agora! Salvador: Ar-
tes e Ofícios, 1996. p. 78-100.
CARVAJAL, G. Tornar-se adolescente. São Paulo:
Cortez, 1996. _____ A adolescência como operação do
simbólico. Boletim de Novidad da Livraria Pul-
OSÓRIO, L. C. Adolescente hoje. Porto Alegre: Ar-
sional. São Paulo: ano IX, nº. 89, p. 5-13, set./
tes Médicas, 1989.
1996.
PENOT, B. A importância da noção de adolescên-
SOUZA, O. Fantasia de Brasil – As identificações
cia para uma concepção psicanalítica de sujei-
na busca da identidade nacional. São Paulo:
to. Adolescência: Revista da APPOA, publicação
Escuta, 1994.
interna. Porto Alegre, ano V, n. 1º 1, nov./1995.
PINHEIRO, M. T. Trauma e melancolia. In: K ATZ, C.
S. Ferenczi: história, teoria, técnica. São Paulo: Artigo recebido em outubro de 2003
Ed. 34, 1996. p. 43-64. Aprovado para publicação em fevereiro de 2004
pulsional > revista de psicanálise > artigos
ano XVII, n. 179, setembro/2004
>32