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"O sonho é ver as formas invisíveis.": Conto "Sempre é uma com... http://12portugues-cad.blogspot.com/2018/03/conto-sempre-e-um...

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"O sonho é ver as formas invisíveis."


Na era do virtual, ir à biblioteca e consultar fisicamente obras e materiais de apoio é algo que caiu em
desuso. Aqui, poderão encontrar aquelas informações que podem fazer toda a diferença no vosso
estudo.

terça-feira, 6 de março de 2018 Etiquetas

Alberto Caeiro (12)


Conto "Sempre é uma companhia" de Manuel da
Álvaro de Campos (13)
Fonseca Bernardo Soares (3)
Contemporâneos de Pessoa (2)
Manuel da Fonseca, “Sempre é uma companhia”
Contos do século XX (2)
Ebooks (1)
Metas Linguagem, estilo e estrutura:
Exames antigos (1)
Solidão e convivialidade. O conto: unidade de ação; brevidade narrativa;
Felizmente Há Luar (30)
Caracterização das personagens. concentração de tempo e espaço; número limitado
Fernando Pessoa (46)
Relação entre elas. de personagens;
Funcionamento da língua (2)
Caracterização do espaço: físico, A estrutura da obra;
psicológico e sociopolítico. Discurso direto e indireto; José Saramago (4)

Importância das peripécias inicial e final. Recursos expressivos. Memorial do Convento (31)
Mensagem (44)
Músicas a propósito das obras (6)
O Ano da Morte de Ricardo Reis (1)

António Barrasquinho, o Batola, é um tipo bem 1º momento – Solidão – Os Lusíadas (48)

achado. Não faz nada, levanta-se quando calha, e ainda vem Poetas Contemporâneos (1)
vida monótona e triste dos
dormindo lá dos fundos da casa. Projeto de Leitura (1)
habitantes de Alcaria.
É a mulher quem abre a venda e avia aquela meia dúzia Ricardo Reis (13)
Durante o dia, os homens
de fregueses de todas as manhãzinhas. Feito isto, volta à lida trabalham e à noite
da casa. Muito alta, grave, um rosto ossudo e um sossego de dirigem-se para suas Arquivo do blogue
maneiras que se vê logo que é ela quem ali põe e dispõe.
casas e dormem. Batola ► 2019 (1)
Pois quando entra para os fundos da casa, vem saindo o
passa o dia sentado à ▼ 2018 (19)
Batola com a cara redonda amarfanhada num bocejo. Que
espera de atender os ► Maio (1)
pessoas tão diferentes! Ele quase lhe não chega ao ombro,
poucos fregueses que se ► Abril (1)
atarracado, as pernas arqueadas. De chapeirão caído para a
deslocam à sua venda.
nuca, lenço vermelho amarrado ao pescoço, vem tropeçando ▼ Março (2)
Batola
nos caixotes até que lá consegue encostar-se ao umbral da porta. Conto "Sempre é uma companhia"
Mulher do Batola de Manuel da Fonsec...
Fica assim um pedaço, a oscilar o corpo, enquanto vai passando
as mãos pela cara, como que para afastar os restos do sono. Os Rata,  amigo de Batola Conto - "Famílias desavindas" de
Mário de Carvalho...
olhos, semicerrados, abrem-se-lhe um pouco mais para os
campos. Mas fecha-os logo, diante daquela monotonia desolada. ► Fevereiro (10)
Dá meia volta, enche a medida com o melhor vinho que ► Janeiro (5)
há na venda, coloca-a sobre o balcão. Ao lado, um copo. Puxa o
caixote, senta-se e começa a beber a pequenos goles. De ► 2017 (22)

quando em quando, cospe por cima do balcão para a terra negra ► 2015 (43)
que faz de pavimento. Enterra o queixo nas mãos grossas e, de ► 2014 (31)
cotovelo vincado na tábua, para ali fica com um olhar mortiço. ► 2013 (5)
Às vezes, um rapazito entra na venda:
► 2012 (113)
– Tio Batola, cinco tostões de café.
O chapeirão redondo volta-se, vagaroso:
Acerca de mim
– Hã?... – Cinco tostões de café!
Relação entre Batola e a A minha pátria é a língua
Batola demora os olhos na portinha que dá para os
mulher – relacionamento portuguesa.
fundos da casa. Mas é inútil esperar mais. “Ah, se a mulher não
conflituoso: ela é ativa e Ver o meu perfil completo
vem aviar o rapazito é porque não quer, pois está a ouvir muito
dominadora quando tem
bem o que se passa ali na loja!” Quando se assegura que é esta
de tomar decisões, já ele Seguidores
e não outra a verdade dos factos, Batola tem de levantar-se.
ostenta uma postura
Espreguiça-se, boceja, e arrasta-se até à caixa de lata
passiva, porém, quando
enferrujada. Mede o café a olho, um olho cheio de tédio, caído
está ébrio, é violento.
sobre o canudinho de papel.

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Volta a encher o copo, atira-se para cima do caixote. E, Batola sente-se Seguidores (11)
no jeito que lhe fica depois de vazar vinho goela abaixo, num inferiorizado em relação
movimento brusco, e de ter cuspido com uns longes de raiva, à mulher, já que é ela
parece que acaba de se vingar de alguém. quem gere a casa e o
Tais momentos de ira são pedaços de revolta passiva negócio, o que lhe
Seguir
contra a mulher. É uma longa luta, esta. A raiva do Batola provoca uma revolta
demora muito, cresce com o tempo, dura anos. Ela, silenciosa e interior (por esse motivo
Links úteis
distante, como se em nada reparasse, vai-lhe trocando as é que já a agrediu).
voltas. Desfaz compras, encomendas, negócios. Tudo vem a Ciberd�vidas da L�ngua
Portuguesa
fazer-se como ela entende que deve ser feito. E assim tem
Dicionário Priberam da
governado a casa.
Língua Portuguesa
Batola vai ruminando a revolta sentado pelos caixotes.
DT
Chegam ocasiões em que nem pode encará-la. De olhos
baixos, põe-se a beber de manhã à noite, solitário como um eBook Portugal

desgraçado. O fim daquelas crises tem dado que falar: já muitas Home
vezes, de há trinta anos para cá, aconteceu a gente da aldeia Portal da Língua Portuguesa
ouvir gritos aflitivos para os lados da venda. Era o Batola,
Tempo psicológico – a Sophia de Mello Breyner
bêbado, a espancar a mulher. Andresen
Tirando isto, a vida do Batola é uma sonolência solidão de Alcaria faz
pegada. Agora, para ali está, diante do copo, matando o tempo com que o tempo passe
Visitas
com longos bocejos. No estio, então, o sol faz os dias do devagar.
eXTReMe Tracker
tamanho de meses. Sequer à noite virá alguém à venda
palestrar um bocado. É sempre o mesmo. Os homens chegam
com a noitinha, cansados da faina. Vão direito a casa e daí a
pouco toda a aldeia dorme.

Está nestes pensamentos o Batola quando, de súbito, Espaço psicológico – a


lhe vem à ideia o velho Rata. Que belo companheiro! Pedia recordação que Batola
de monte a monte, chegava a ir a Ourique, a Castro, à faz do seu amigo Rata
Messejana. Até fora a Beja. Voltava cheio de novidades. concretiza uma marca de
Durante tardes inteiras, só de ouvi-lo parecia ao Batola que espaço psicológico. O
andava a viajar por todo aquele mundo. mendigo recordado por
Mas o velho Rata matara-se. Na aldeia, ninguém Batola era aquele que,
ainda atina ao certo com a razão que levou o mendigo a por sair da aldeia, lhe
suicidar-se. Nos últimos tempos, o reumatismo tolhera-lhe trazia novidades,
as pernas, amarrando-o à porta do casebre. De quando em trazendo alguma alegria
quando, o Batola matava-lhe a fome; mas nem trocavam uma ao protagonista, o que
palavra. Que sabia agora o Rata? Nada. Encostado à parede de comprova o seu apreço
pernas estendidas, errava o olhar enevoado pelos longes. pela liberdade e mundo
Veio o verão com os dias enormes, a miséria cresceu. Uma exterior. Esta aldeia faz
tarde, lá se arrastou como pôde e atirou-se para dentro do com que Batola se sinta
pego da ribeira da Alcaria. solitário, isolado de tudo,
Aos poucos o tempo apagou a lembrança do Rata, o já que não estabelece
mendigo. Só o Batola o recorda lá de vez em quando. Mas, convivência com os
agora, abandonou a recordação e o vinho, e vai até ao almoço. outros habitantes da
Nunca bebe durante as refeições. aldeia
Depois, o sol desanda para trás da casa. Começa a
acercar-se a tardinha. Batola, que acaba de dormir a sesta, já
pode vir sentar-se, cá fora, no banco que corre ao longo da
parede. A seus pés, passa o velho caminho que vem de Ourique
e continua para o sul. Por cima, cruzam os fios da eletricidade
que vão para Valmurado, uma tomada de corrente cai dos fios e
entra, junto das telhas, para dentro da venda. Espaço físico – pequena
E o Batola, por mais que não queira, tem de olhar aldeia no baixo Alentejo,
todos os dias o mesmo: aí umas quinze casinhas onde há poucas
desgarradas e nuas; algumas só mostram o telhado escuro, de pessoas 
sumidas que estão no fundo dos córregos. Depois disso, para
qualquer parte que volte os olhos, estende-se a solidão dos
campos. E o silêncio. Um silêncio que caiu, estiraçado por
vales e cabeços, e que dorme profundamente. Oh, que Hipálage
despropósito de plainos sem fim, todos de roda da aldeia, e Personificação

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desertos! Espaço sociopolítico –


Carregado de tristeza, o entardecer demora anos. A espaço socialmente e
noite vem de longe, cansada, tomba tão vagarosamente que o economicamente
mundo parece que vai ficar para sempre naquela magoada deprimido. Os homens
penumbra. trabalham na agricultura
Lá vêm figurinhas dobradas pelos atalhos, direito às (trabalho árduo) e   a
casas tresmalhadas da aldeia. Nenhuma virá até à venda falar venda de Batola não é
um bocado, desviar a atenção daquele poente dolorido. São
muito frequentada.
ceifeiros, exaustos da faina, que recolhem. Breve, a aldeia ficará
Situação de miséria, vida
adormecida, afundada nas trevas. E António Barrasquinho, o
precária que oprime os
Batola, não tem ninguém para conversar, não tem nada que
pequenos camponeses
fazer. Está preso e apagado no silêncio que o cerca.
Ergue-se pesadamente do banco. Olha uma última vez
para a noite derramada. Leva as mãos à cara, esfrega-a,
amachucando o nariz, os olhos. Fecha os punhos, começa a
esticar os braços. E abre a boca num bocejo tão fundo, o corpo
torcido numa tal ansiedade, que parece que todo ele se vai
despegar aos bocados. Um suspiro estrangulado sai-lhe das Narrador que conhece o
entranhas e engrossa até se alongar, como um uivo de animal futuro (focalização
solitário. omnisciente)
Quando consegue dominar-se, entra na venda,
arrastando os pés. E, sem pressentir que aquela noite é a
véspera de um extraordinário acontecimento, lá se vai deitar o
Batola, derrotado por mais um dia.

De facto, na tarde seguinte apareceu uma nuvenzinha de


poeira para as bandas do sul: ouvia-se ronronar um motor. Pouco
depois, o carro parou à porta da venda. Fazia anos que tal se não
dava na aldeia. Pelas portas, apareceram mulheres e crianças.
Dois homens saíram do carro. Um deles trazia fato de
ganga, o outro, bem vestido, adiantou-se até à porta:
– Não nos pode dispensar uma bilha de água?
Batola, daí a pouco, sai com a infusa a escorrer. O do fato
de ganga, que havia tirado a tampazinha da frente do carro, pôs-se
a deitar a água para dentro. Enquanto isto acontece, o sujeito bem
vestido dá uma mirada pela aldeia, pelos campos. Sopra,
afogueado:
– Que sítio!...
Mas ao ver os fios da eletricidade e a ligação que entra
junto das telhas da casa, olha para o Batola com atenção,
medindo-o de alto a baixo. Entra na venda, põe-se a observar
as prateleiras. O exame parece agradar-lhe. Volta-se,
sorridente, para o Batola, que lhe segue, desconfiado, todos os
movimentos:
– Tem cerveja?
– Ná. Só vinho...
– Traga o vinho. Relação entre as
Muito instado, Batola bebe também. E aqui começa uma personagens:
conversa que ele não entende. Só percebe, e isso agrada-lhe, Comerciante e Batola:
que o homem é simpático e franco. Mas agora há uma pergunta - o vendedor fala com
a que tem de responder: Batola de forma
- Não, senhor... descontraída,
O sujeito vai à porta, e diz para o motorista: estabelece uma
– Calcinhas, traz aí uma caixa do modelo pequeno. aproximação com ele,
A caixa é colocada sobre o balcão. De dentro sai uma outra de modo a garantir a
caixa, mas de madeira polida. Ao meio tem um retângulo azul, cheio venda da telefonia
de letras e, em baixo, ao comprido, quatro grandes botões negros.   
– Não tem uma tomada?
Em face da resposta, o homem vai ao automóvel. Volta e
sobe ao balcão. Tira a lâmpada, enrosca aí a tomada, puxa o fio
que sai da caixa, liga-o, e salta para o chão. Só nesse momento o
Recurso ao discurso
Batola compreende. A princípio, apenas saem ruídos ásperos da
direto:
caixinha, mas, aos poucos, desaparecem. Vem então uma música
- dá destaque à
modulada, grave.
personagem –
– Hem? Que tal?
vendedor;
Esfregando as mãos, começa a enumerar rapidamente

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as qualidades de um tal aparelho: - o tempo da narração é


– É o último modelo chegado ao país. Quando se quer, é equivalente ao tempo da
música toda a noite e todo o dia. Ou então canções. E fados e ação = eficácia do
guitarradas! Notícias de todo o mundo, desde manhã até à noite, discurso e modo como
notícias da guerra!... determina a decisão de
Aponta para o retângulo azul: Batola;
– Olhe, aqui, é Londres; aqui, a Alemanha; aqui, a América.
- imprime vivacidade  e
É simples: vai-se rodando este botãozinho...
verosimilhança ao texto
Poisa a mão sobre o ombro do Batola, e exclama:
narrativo
– Dou-lhe a minha palavra de honra que não encontram
nenhum aparelho pelo preço deste!
Sem dar tempo a qualquer resposta, ordena:
– Traz a pasta, Calcinhas!
Vem a pasta. Batola, aturdido, olha para os papéis de
várias cores que vão aparecendo sobre o balcão. A música,
vibrante, enche a venda, ressoa pelos campos.
– Aqui é Londres, hem! – grita o homem. – O senhor sabe
ler? Então leia aqui!
Mostra os papéis, gesticula e sorri, sorri sempre. Batola
coça o queixo com os dedos grossos. Olha as contas que o
  
outro lhe mostra, olha de soslaio para a mulher. Volta a coçar-
Relação entre as
se. E tudo isto se repete durante uma longa hora.
personagens:
Batola, por fim, cabisbaixo, emudece, como que vencido.
Comerciante e a mulher
Rapidamente, o vendedor preenche, sobre o balcão, um largo
impresso e, depois, doze letras. São as prestações. Dá a caneta de Batola:
ao Batola que se põe a assinar penosamente papelinho a - ao perceber a reação
papelinho. Está quase a acabar a difícil tarefa quando a mulher o negativa da mulher de
interrompe, numa voz lenta e carregada: Batola, o vendedor
– António, tu não compras isso. dirige-se a ela de modo
Então, inicia-se uma luta entre o vendedor e a mulher. mais formal, pois
Mas as frases e o sorriso do homem bem vestido não surtem percebe que ela é quem
agora o mesmo efeito: vão-se sumindo, sem remédio, diante decide
daquele rosto ossudo e decidido.
Ali, só há uma palavra:
– Não.
A cara redonda do Batola começa a encher-se de Relação entre as
fundas rugas. Num repente, pega na caneta e assina o resto personagens:
das letras: Batola e mulher:
– Pronto! Quem manda sou eu! - alteração no
Os olhos da mulher trespassam-no. Volta o rosto pálido relacionamento do casal
para o vendedor de telefonias, torna a voltar-se para o marido. Por – Batola decide tomar
momentos, parece alheada de tudo quanto a cerca. Vagarosa, no
uma decisão contrária à
tom de quem acaba de tomar uma resolução inabalável,
da mulher, desafiando-a.
apruma-se, muito alta, dominadora, e diz:
Esta situação coloca em
– António, se isso aqui ficar eu saio hoje mesmo de
causa a autoridade dela
casa. Escolhe.
Toda a gente da aldeia que enche a venda sabe que ela
fará o que acaba de dizer. Até o vendedor pressente que assim
será. Pensativo, olha para o Batola. De súbito, tira um papel
qualquer de dentro da pasta e adianta-se:
– Bem, a senhora não se exalte. Faz-se uma coisa: a
telefonia fica à experiência, durante um mês. Se não quiserem,
devolvem-na; nós devolvemos as letras. Assine aqui, Sr.
Barrasquinho. Pronto. Agora já a senhora pode ficar
descansada.
– Mas – pergunta ainda a mulher – quanto se paga de
aluguer por esse mês?
– Nada! – responde o homem, de novo risonho. – Por isso
não se paga nada!
E, ao meter os papéis dentro da pasta, repara que já é
muito tarde.
Apressado, conta que veio por ali devido a um engano no
caminho. Sai da venda, entra no carro, e diz ao Batola, aproveitando
o ruído do motor:
– Você, agora, arrume a questão: tem um mês para a
convencer.

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Mal o carro parte, deixando uma nuvem de poeira à 2º momento –


retaguarda, atira a pasta para o assento de trás, e grita Convivialidade – após a
alegremente: chegada da telefonia,
– Hem, Calcinhas! Levou-me uma tarde inteira, mas foi. Foi todos os habitantes
de esticão! dirigem-se, ao fim de um
De facto, era sol-posto, pelos atalhos, os ceifeiros dia de trabalho, à venda
recolhiam à aldeia. de Batola, onde convivem
Mas, nessa tarde, vieram todos à venda, onde e ouvem notícias e
entraram com um olhar admirado. Uma voz forte, rápida, dava canções.
notícias da guerra.
Só de lá saíram depois de a voz se calar. Cearam à Sentimentos
pressa, e voltaram. Era já alta noite quando recolheram a casa, despertados pela
discutindo ainda, pelas portas, numa grande animação. telefonia junto dos
Um sopro de vida paira agora sobre a aldeia. Todos habitantes da aldeia:
sabem o que acontece fora dali. E sentem que não estão já tão - o convívio entre os
distantes as suas pobres casas. Até as mulheres vêm para a habitantes de Alcaria
venda depois da ceia. Há assuntos de sobra para conversar. E renasceu, motivo pelo
grandes silêncios quando aquela voz poderosa fala de cidades qual o sentimento de
conquistadas, divisões vencidas, bombardeamentos, ofensivas. isolamento se dissipou.
Também silêncio para ouvir as melodias que vêm de longe até à A alegria voltou à aldeia
aldeia, e que são tão bonitas!... e com ela a noção de
Acontece até que, certa noite, se arma uma festa na passagem do tempo
venda do Batola. Até as velhas dançaram ao som da telefonia. também se alterou – “os
Nos intervalos, os homens bebiam um copo, junto ao balcão, os dias passam agora
pares namoravam-se, pelos cantos. Por fim, mudou-se de posto rápidos”
para ouvir as notícias do mundo. Todos se quedaram, atentos. Repetição da
– Ah! – grita de repente o Batola. – Se o Rata ouvisse preposição “até” reforça
estas coisas não se matava! os acontecimentos
Mas ninguém o compreende, de absorvidos que estão. pouco expectáveis
E os dias passam agora rápidos para António fomentados pela
Barrasquinho, o Batola. Até começou a levantar-se cedo e a presença da telefonia –
aviar os fregueses de todas as manhãzinhas. Assim, pode as mulheres saem à
continuar as conversas da véspera. Que o Batola é, de todos, o noite para estarem na
que mais vaticínios faz sobre as coisas da guerra. Muito venda a conviver, as
antes do meio-dia já ele começa a consultar o velho relógio, velhas dançam e o
preso por um fio de ouro ao colete. Batola tem vontade de
Só a mulher quase deixou de aparecer na venda. E trabalhar
ninguém sabe que pensa ela do que contam as vozes
desconhecidas aos homens da aldeia, pois, através do tabique
de ripas separadas por grandes fendas, ouve-se tudo que se
passa na venda. Ouve-se e vê-se, querendo, a alegria que
certas notícias trazem aos ceifeiros, o gosto e o propósito que
eles têm ao ouvir determinada voz que é de todas a mais
desejada e acreditada. Metáforas – salientam a
E os dias custaram tão pouco a passar que o fim do constatação de que os
mês caiu de surpresa em cima da aldeia da Alcaria. Era já no habitantes voltariam a
dia seguinte que a telefonia deixaria de ouvir-se. Iam todos, de sentir o isolamento e a
novo, recuar para muito longe, lá para o fim do mundo, onde solidão que lhes eram
sempre tinham vivido. característicos antes da
Foi a primeira noite em que os homens saíram da venda chegada da telefonia.
mudos e taciturnos. Fora esperava-os o negrume fechado. E Mais uma vez, iriam
eles voltavam para a escuridão, iam ser, outra vez, o rebanho sentir que estavam
que se levanta com o dia, lavra, cava a terra, ceifa e recolhe “muito longe”, no “fim
vergado pelo cansaço e pela noite. Mais nada que o abandono do mundo” e que só
e a solidão. A esperança de melhor vida para todos, que a voz lhes restava “o
poderosa do homem desconhecido levava até à aldeia, apagava- abandono e a solidão”
se nessa noite para não mais se ouvir.
Dentro da venda, o Batola está tão desalentado como
os ceifeiros. O mês passou de tal modo veloz que se
esqueceu de preparar a mulher. Sobe ao balcão, desliga o 
fio e arruma o aparelho. Um pouco dobrado sobre as pernas Atitude da mulher do
arqueadas, com o chapeirão a encher-lhe a cara de sombra, Batola:
observa magoadamente a preciosa caixa. - com humildade, faz um

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Assim está, quando um pressentimento o obriga a voltar a pedido ao marido,


cabeça: junto da porta que dá para os fundos da casa, a mulher mostrando estar em
olha-o com um ar submisso. “Que terá acontecido?”, pensa o sintonia com ele, já que
Batola, admirado de a ver ainda levantada àquela hora. assume a importância
– António – murmura ela, adiantando-se até ao meio da da telefonia na vida
venda. – Eu queria pedir-te uma coisa... deles e da aldeia
Suspenso, o homem aguarda. Então, ela desabafa,
inclinando o rosto ossudo, onde os olhos negros brilham com
uma quase expressão de ternura:
– Olha... Se tu quisesses, a gente ficava com o
aparelho. Sempre é uma companhia neste deserto.

Função da peripécia inicial e final


· Funções da peripécia inicial:

o desencadear a ação (elemento que conduz à sucessão de peripécias


que culminarão na peripécia final);
o contribuir para a representação do espaço sociopolítico: a abordagem
do vendedor evidencia o confronto de interesses e de posições
sociais (entre os que têm e os que não têm) e realça o estatuto das
classes populares (em que se inclui Batola) como vítimas da
violência social.

· Funções da peripécia final:

o acontecimento imprevisível que altera o rumo dos acontecimentos


(decisão de manter a telefonia, pois é uma “companhia” num espaço
de solidão no microcosmos da aldeia). A decisão de manter a
telefonia sugere a necessidade de convivialidade, de contacto com o
exterior (contrariando o isolamento e a solidão anteriormente vividas),
e de conhecimento da realidade sociopolítica; em última análise,
sugere a pulsão libertadora e a possibilidade de emancipação face à
opressão vivida (trata-se do germe de uma transformação).

Sequências

Sequência descritiva
Segmento textual
“Muito alta, grave, um rosto ossudo e um sossego de maneiras que se vê logo que é ela quem ali põe
e dispõe.”
Fases/etapas
Apresentação da entidade a descrever (mulher de Batola), identificação e descrição das
partes que constituem o todo (“Muito alta, grave”, “um sossego de maneiras”).
Marcas linguísticas nos exemplos dados
Nomes, adjetivos; recursos expressivos (metáfora).

Sequência dialogal
Segmento textual
“– Tem cerveja? [...] – Aqui é Londres, hem! – grita o homem. – O senhor sabe ler? Então leia aqui!”
Fases/etapas
Sequência de abertura (“– Tem cerveja?”), núcleo da interação (restantes falas).
Marcas linguísticas nos exemplos dado
Fórmula de abertura (“– Tem cerveja?”), formas de primeira e terceira pessoa (“Dou-lhe” –
nota: tratamento pela terceira pessoa).

Sequência narrativa
Segmento textual

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“Por fim, mudou-se de posto para ouvir as notícias do mundo. Todos se quedaram, atentos.”
Fases/etapas
Avanço na ação, relato de uma sucessão de evento.
Marcas linguísticas nos exemplos dados
Pretérito Perfeito do Indicativo

Ideias-chave
· Retrato económico e sociocultural do Alentejo na primeira metade do século
XX;
· O título do conto anuncia um novo meio de comunicação que vai mudar a
vida de uma população deprimida, no contexto da II Guerra Mundial;
· A intriga é simples e é contada de forma linear;
· O espaço exterior representa os sentimentos negativos do protagonista;
· O refúgio em comportamentos antissociais e a desistência da vida
perpassam ao longo do conto, assim como as relações afetivas
conturbadas;
· O conto permite uma reflexão sobre a condição humana, que excede os
limites temporais da ação.

Síntese
· Peripécia banal: um engano de percurso leva um
A intriga vendedor a Alcaria.
· Isolamento geográfico da aldeia e ausência de
comunicação: abandono, solidão e desumanização
da população.
· Chegada do novo aparelho: a radiotelefonia.
· Ligação ao mundo: música e notícias.
· Alteração de comportamentos: devolução da
humanidade.
O espaço o Aldeia de Alcaria: “quinze casinhas desgarradas e
nuas”.
o Estabelecimento do casal Barrasquinho: “a venda” é
um local onde reina o desleixo.
o “Fundos da casa”: espaço de habitação sombrio
separado da venda.
o Locais “longínquos” por onde viajava Rata: Ourique,
Castro Marim, Beja.
§ Tempo histórico: anos 40 do século XX (referência à
O tempo eletricidade e à telefonia).
§ Passagem do tempo condensada: “há trinta anos para
cá”, “todas as manhãzinhas”.
§ Tempo sintetizado: da chegada do vendedor à partida
do vendedor e prazo de entrega do aparelho – um
mês.
¨ António Barrasquinho, o Batola: preguiçoso,
improdutivo, sonolento, bêbado, bate na mulher. Tem
nome e alcunha (típico no Alentejo). Usa uma
As personagens
indumentária própria do homem alentejano. A morte
de Rata agudiza a sua solidão.
¨ A mulher do Batola: expedita, dominadora e
trabalhadora. Não tem nome.
¨ Rata: companheiro de Batola, mendigo e viajante, é o
mensageiro do exterior. Suicidou-se quando deixou

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de poder viajar.
¨ Caixeiro-viajante: vendedor de aparelhos radiofónicos,
comerciante e amigo de vender.
¨ Homens de Alcaria: “figurinhas” metaforicamente
aparentadas com gado.
Þ O narrador de terceira pessoa narra os
acontecimentos, comenta, conhece o passado e o
O narrador
mundo interior das personagens (presença: não
participante; ponto de vista: subjetivo; focalização:
omnisciente)
Þ O narrador centra a atenção do leitor no abandono e
solidão sentidos pelos protagonista.
Þ O narrador conhece os pensamentos de Batola e
desvenda como se vão formando: o desgosto leva-o
a fechar-se num mundo de evocações.
v Isolamento e falta de convivialidade.
A atualidade v Relações entre homem e mulher.
v Vícios sociais: o alcoolismo, a violência doméstica.
v As inovações tecnológicas e alterações de hábitos
sociais.

Publicada por A minha pátria é a língua portuguesa. à(s) 08:57

Etiquetas: Contos do século XX

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