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Carlos Alberto Sampaio Barbosa

O'ireção da Coleção
BMÍLIA VIOTTI DA COSTA
CARLOS ALBERTO SAMPAIO BARBOSA

seus antecessores, não alcançou a grande maioria da população 2. REVOLUÇÃO MEXICANA


e foi mais visível nas cidades. O progresso aristocrático e urba-
no foi obtido ao custo de uma boa dose de dependência. Mas,
paradoxalmente, apesar da dependência econômica externa e
do estrangeirismo crescente, a elite política da era liberal foi
profundamente patriótica.

A Revolução Mexicana eclodiu no final de 1910,quando se


aproximava mais um período de eleições presidenciais. Apesar
~-- de ter anunciado que se aposentaria naquele ano, Porfírio Díaz
lançou-se candidato a uma nova reeleição, a sétima, para o
mandato de 1910-1916. A crise da sucessão presidencial era a
expressão de uma disputa política que possuía raízes ºinais pro-··
fundas, vinculada a embates entre setores da ciã~ inant~;
~ ~ e z e~!av{ i~~ada a uma-crise econômica e~soc01
q~rp_ªs~<1_v11Jodo o México e atingia as classes subalternas.A
Revolução Mexicana se inicia como uma revolução política, mas
a crise política é apenas a espuma na superfície do mar social
que se agitava em suas profundezas. Para compreendermos as
transformações que se operavam, precisamos acompanhar o
desenrolar dos acontecimentos da disputa presidencial em torno
do candidato Francisco I. Madero. Ao seu redor se aglutinou toda
a oposição a Díaz e a seu regime, desde setores das elites, como a
própria família Madero, constituída de proprietários de terras e
industriais no norte do país, até setores da burguesia asfixiados
pela ditadura porfirista, passando pela classe média que exigia
maior participação política. Odescontentamento atingia também
setores operários, que buscavam liberdade para sua organização
política e melhores condições de vida, e camponeses, que sofriam
perseguição política e expropriação de suas terras.

CRISE DAS ELITES E MOBILIZAÇÃO DAS MASSAS: 191 Ü-1914


O ano do cometa Halley, 1910, criou uma grande comoção
no imaginário social e popular mexicano. As camadas populares
falavam que a queda de Montezuma ocorrera num ano em que

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CARLOS ALB ERTO SAMPAIO BARB OSA A REVOLU ÇA O MEXI CANA

um cometa passou muito próximo da Terra, assim como aconte- de novembro. O plano em geral fazia demandas políticas, com
ceria neste. Já as camadas superiores, por seu turno, também se exceção do artigo terceiro, que, de forma ambígua e vaga, falava
alvoroçaram, pois os cientistas e astrólogos falavam que o Halley da questão das terras expropriadas aos camponeses.
passaria próximo demais do nosso planeta e que sua cauda
poderia atingir a Terra. Outro acontecimento que mobilizou a Abusando de la ley de terrenos baldíos, numerosos pe-
população foi o recenseamento nacional. Muitos acreditavam quenos propietarios, en su mayoría indígenas, ha sido despojados
que estava sendo feito para aumentar os impostos e promover de sus terrenos [...] Siendo de toda justicia restituir a sus antiguos
o recrutamento forçado para as tropas federais. Ocenso revelou poseedores los terrenos de que seles despojo de un modo tan arbi-
a tendência da população de emigrar para o norte, atraída pelo traria, se declaran sujetas a revisión tales disposiciones y falias y
desenvolvimento econômico dessa região, e de concentrar-se seles exigirá a los que los adquirieron de un modo tan inmora/, o
cada vez mais em cidades, em virtudeãas melhores condições a sus herederos, que los restituyan a sus primitivos propietarios, a
de trabalho; por outro lado, o censo também documentou a quienes pagarán también una indemnización por los perjuicios su-
expansão das grandes propriedades no campo. O crescimento fridos. (Plano de San Luis Potosí, 1910 Apud Córdova, 1992, p.431)
médio da população era de 2% ao ano. Para a economia, 191 Ofoi
um ano de avanços: a crise parecia ter sido superada e todos os [Abusando da lei de terrenos baldios, muitos proprietá-
dados indicavam progresso e bonança para os anos vindouros. rios, em sua maioria indígenas, foram despojados de suas terras
O Partido Antirreeleicionista, em convenção, ratificou [... ] Sendo justo restituir a seus antigos donos as terras que
Madero como candidato. Logo após sua indicação, este saiu num lhes foram usurpadas de modo tão arbitrário, tais disposições
giro político pelo norte do país. Acusado de sedição, foi preso e sentenças se declaram sujeitas à revisão e será exigido de
antes mesmo de ocorrerem as eleições, quando se encontrava na todos os que adquiriram terras de modo tão imoral, ou de seus
cidade de San Luis Potosí. Com Madero no cárcere, as eleições herdeiros, que as restituam a seus primitivos donos, a quem
ocorreram conforme o esperado e Díaz reelegeu-se facilmente, pagarão também uma indenização pelos prejuízos. ]
como de costume. Após as eleições, um destaque especial deve
ser dado para o mês de setembro, marcado pelas comemorações Não há indícios claros de apoio dos Estados Unidos e
do Centenário da Independência. Nesse momento, questões das empresas multinacionais norte-americanas a Madero e sua
políticas e econômicas ficaram em segundo plano. O mês foi revolução, mas, de seu lado, o governo estadunidense não colocou
marcado por desfiles comemorativos, inaugurações, procissões, obstáculos a que os maderistas organizassem suas atividades do
fogos, confetes, tiros de canhão, discursos, músicas, luzes, sere- lado de lá de sua fronteira. As relações entre os dois países eram
natas, exposições e banquetes. tensas desde 1900. Os científicos mostraram-se indignados com
Mas, dessa vez, Díaz encontrou um candidato obstinado: o intervencionismo norte-americano na América Central e no
Francisco Madero. Este era filho de uma família tradicional do Caribe depois da Guerra Hispano-Americana. Devido à hostili-
Estado de Coahuila, prejudicada pela competição com empresas dade à política americana, os científicos estimularam a presença
norte-americanas. Após as eleições, Madero fora posto em prisão europeia na economia do país e Porfírio Díaz apoiou o presidente
domiciliar. Em seguida, fugiu para os Estados Unidos e lançou liberal da Nicarágua, José Santos Zelaya, que fora deposto em
um manifesto aos mexicanos, - o Plano de San Luis Potosí - 1907 por uma invasão norte-americana. Díaz concedeu asilo
para que se sublevassem contra a ditadura porfirista no dia 20 político ao ex-presidente, fato que desgostou o governo estadu-

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nidense. Essa situação não deixa de ser paradoxal porque, no do Partido Liberal Mexicano (PLM) organizaram uma das mais
México, Díaz era visto como pró-Estados Unidos, e os americanos poderosas colunas da campanha de Chihuahua, comandada pelo
estavam descontentes com as últimas medidas de seu governo. líder militar do partido, Prisciliano Silva. Outro grupo, vindo dos
A Revolução Mexicana foi uma das poucas revoluções Estados Unidos, tomou as cidades fronteiriças de Mexicali e Tiju-
ocorridas com data e horário marcados para começar: dia 20 ana, no Estado da Baixa Califórnia, tudo isso com os principais
de novembro de 1910, às 18 horas. Esta primeira tentativa de líderes no cárcere. A força do movimento magonista deveu-se
levante foi um fracasso, mas não impediu que o chamado de muito ao seu jornal Regeneración. Este periódico circulou por
Madero fosse ouvido e respondido pelos mais diferentes grupos 18 anos, fruto da tradição liberal de possuir um jornal para
descontentes com o governo, principalmente no meio rural. divulgar suas ideias. F~ndado em 1900, foi uma obra coletiva
Tinha início o que se convencionou chamar de Fase Maderista que, além dos irmãos Ricardo e Jesús Flores Magón, contava
da Revolução, definida como a fase põ1ífica, e que se desenrolou com a participação de Juan e Manuel Sarabia, Librado Rivera,
de novembro de 1910 a fevereiro de 1913. Anselmo Figueroa e Práxedis Guerrero. A publicação tornou-se
ARevolução, não esperada pelos contemporâneos, era uma rapidamente uma das vozes mais críticas ao regime porfirista e,
filha i n ~ do projeto liberal do século XIX e não foi fruto da por isso, foi duramente perseguida pelo governo, que levou seus
miséria e da estagnação, mas provocada__pela desordem da ex an- editores à prisão e, posteriormente, ao exílio nos Estados Unidos,
são econômica e das transformações sociais e políticas decorren- onde continuaram a publicar e enviar para o México, pelo correio,
tes ~~?~_;ud~E_Çl§. Q ~ sid-;;~~ho ~m 1857? Instalar os exemplares do jornal. Por meio de uma rede de distribuição,
uma república democrática, igualitária, racional, industrialista e este chegou a ser vendido no Uruguai, na Argentina e mesmo no
aberta à inovação e ao progresso. Qual era a realidade em 1910? Brasil. Em 1906, saiu P:!Elicado no jornal o Programa do Partigo
Uma república oligárquica, autoritária, morosa, desconjuntada, Liberal Mexicano. E ~ por meio do Regeneración, o~
sacudida pelas inovações e presa à tradição colonial. Continuava azsume sua postura anargui§lª e o projeto de organizar uma
a ser uma sociedade católica, indígena, baseada nas haciendas, revolução no México para derrubar Díaz e transformar o país.
corporativa, com uma indústria restrita (principalmente nas Quais eram as táticas do PLM e da organização dos
áreas têxtil e de mineração) e com um comércio incipiente. magonistas para atingir seus objetivos? Em primeiro lugar, or-
Em resposta ao apelo de Madero, ocorreram levantamen- ganizar células ou clubes políticos; em segundo, seus membros
tos em Chihuahua com Pascual Orozco, Pancho Villa e Abraham deveriam incorporar-se em organizações de massa; e, por fim,
González; em Sonora, com José María Maytorena; e em Coahuila, instrumentalizar essas organizações com técnicas políticas e
com os pequenos proprietários Eulálio e Luis Gutiérrez. Na Baixa núcleos armados para entrar em combate. Tentaram colocar em
Califórnia, com José María Leyva; em Guerrero, com os Figueroa; prática tais táticas com relativo sucesso, como demonstram as
em Zacatecas, com Luis Moya. Todos acatavam difusamente greves de Cananea e de Río Blanco, onde seus membros tiveram
Francisco Madero como chefe, exceto o grupo dos irmãos Flores participação decisiva. No artigo ''Aos Proletários", o jornal lançou
Magón, que, além de mexicanos, contava com combatentes de um chamado à luta aos trabalhadores da cidade e do campo. Os
diversas nacionalidades, e que tentou invadir a Baixa Califórnia, magonistas propunham uma luta contra o centralismo político
a partir do território estadunidense, em fins de janeiro de 1911. e econômico e a favor de uma reforma agrária. A partir de 1911,
Aqui cabe falar um pouco mais profundamente do movi- r,edefinem a luta por uma perspectiva mais radical; embora
mento magonista tão esquecido pela historiografia oficial. Grupos ãfguns de seus membros aderissem a~ovimento ~aderista,

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CA IU.OS ALBERTO SAMPAIO BARBOSA
A REVOLUÇÃO MEXICANA

s11 a direção rejeitou a aproximação, pois julgou Madero uma jornal eram necessariamente militantes do PLM. Outra limita-
espécie de Kerenski. Foi desse ano a primeira declaração pública ção se dá quando a revolução se torna uma guerra camponesa
do anarquismo como ideologia do grupo magonista. Os mago- prolongada. Quando isso aconteceu, o magonismo não soube
nistas, durante sua estada em terras estadunidenses, contaram realizar a aliança operário-camponesa.
com o apoio dos militantes do sindicato Industrial Workers of Deve-se destacar que algumas das principais propostas
the World (IWW), de tendência anarcosindicalista, e sofreram apresentadas em seu programa de reivindicações, tais como
influência de suas ideias, assim como do anarquismo espanhol. liberdade política, regime democrático, salário mínimo, jornada
No início da revolução, em 1911, foi a principal força de oito horas, liberdade de organização operária, divisão de
política alternativa ao maderismo, sendo a única organização terras, anulação de dívidas dos peões, ampliação do mercado
político-militar com inserção social nacional. Passou de uma interno, desenvolvimento industrial e luta contra o imperialismo,
aliança com a burguesia a uma posiçã'õmais radical e autônoma. foram incorporadas na Constituição de 1917. Cabe lembrar
Entretanto, em finais de 1911 ,já sob a preJ.id_tncia Ae F ~ também que em outras regiões do México os socialistas tiveram
Madero, o Exérdto Federal entrou no norte da Baixa Califórnia papel importante, por exemplo, em Yucatán.
e derrotou facilmente a efêmera república flores-~~~ Grosso modo, surgem dois centros geográficos revolu-
régrãõ.Depois de 1912, o PLM entra em crise. cionários duradouros: no sul, forças camponesas do estado de
- ~ Como explicar essa crise? Em primeiro lugar, a ideologia Morelos, lideradas por Emiliano Zapata, iniciam uma revolução
anarquista não abordava o problema do poder centralizado, ou agrária. Esse movimento, que passou boa parte dos anos de
seja, do Estado, apesar de construir um partido centralizado lutas civis ( 1910-1920) de forma autônoma em relação às outras
e usar uma tática intuitivamente leninista, sem a conhecer. forças, contribuiu decisivamente para o caráter social, popular
O fracasso, segundo Armando Batra, estaria no fato de que o e camponês da revolução. O exército camponês comandado
operariado mexicano não estava maduro para levar a cabo uma por Emiliano Zapata era orientado com base na proposta de
aliança operário-camponesa, em que os primeiros tomassem restituição das terras comunais dos pueblos, expropriados pelas
a direção. A luta na Revolução Mexicana enveredou para uma grandes fazendas da região plasmadas no Plano Ayala.
guerra camponesa prolongada e os operários não se uniram aos OPlano Ayala foi redigido e assinado pelos chefes zapatis-
camponeses. Esta união ocorreu apenas em alguns casos. Zapata tas eni Ayoxustla, Puebla, em 28 de novembro de 1911. A partir
chegou a convidar a Junta Organizadora do PLM para ir a More- desse momento, o plano se torna o programa zapatista, sendo
ios, mas Ricardo Flores Magón não aceitou. Não se colocava no discutido por Emiliano Zapata e Otílio Montafío 1 e redigido por
horizonte desses revolucionários lançarem-se ao campo, embora este último. OPlano Ayala desconhecia Madero como presidente
entre 1914 e 1915, quando o governo da Convenção ficou sob a e pedia sua destituição. Seus artigos fundamentais defendiam
jurisdição dos zapatistas que ocuparam a Cidade do México, as três pontos: a) os pueblos ou cidadãos que possuíssem os do-
relações entre o movimento operário e os camponeses torna-
ram-se mais sólidas. Esse tópico será retomado mais adiante.
1
Otílio Montano é uma figura singular no processo revolucionário
Os limites do movimento foram impostos pelo próprio
mexicano. Nascido em Villa de Ayala, no estado de Morelos, realizou seus
periódico Regeneración, ou seja, a dificuldade de usar um jornal
estudos em Cuatla e foi designado professor em escolas de jonacatepec e
e fazer propaganda por via escrita num país composto majori- Tepalcingo. Chegou a ser diretor de uma escola em Villa de Ayala. Apoiou a
tariamente de analfabetos. Ademais, nem todos os leitores do revolução maderista desde seu início, posteriormente unindo-se à Zapata.

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cumentos de terras expropriadas pelos fazendeiros tomariam Em primeiro de abril de 1911, Díaz foi à Câmara de
imediatamente a posse delas e as manteriam de armas em punho Deputados para abrir as sessões legislativas e dar o informe de
até o final da revolução; b) expropriação de um terço das terras governo. Prometia emendas jurídicas, como a não reeleição, o
e propriedades dos grandes latifúndios, mediante pagamento de fim dos abusos das instituições oficiais, a reforma da lei elei-
indenização, a fim de que os povos e cidadãos do México pudes- toral, a reorganização do poder jurídico e o fracionamento dos
sem trabalhar nelas; c) nacionalização da totalidade dos bens latifúndios. Seus conselheiros não se atreviam a informá-lo da
dos grandes fazendeiros, científicos ou caciques políticos que gravidade da situação no país. Díaz não estava suficientemente
se opunham direta ou indiretamente ao plano. O plano, embora inteirado dos contínuos reveses sofridos pelas tropas federais.
simples, e até limitado, pois tratava apenas da questão da terra, Começou a tomar conhecimento dos fatos depois de 15 de abril.
possuía um caráter profundamente revolucionário, na medida Esse foi o mês das derrotas e das quedas de várias cidades (Chi-
em que determinava a nacionalizaçãõ'dos bens dos inimigos lapa, Inde, Cuencamé, Durango, San Andrés Tuxtla, Sombrerete,
da revolução, ou seja, os latifundiários e os capitalistas, e por Agua Prieta); em maio, a cada dia os revoltosos traziam uma
outro lado estipulava que os camponeses e pueblos tomassem nova surpresa. No dia 10, caiu Ciudad Juárez. Ato contínuo,
posse de suas terras imediatamente. novas negociações foram abertas e, no dia 21, as tropas federais
ONorte, ao contrário do Sul, não produziu um movimento assinaram um acordo com os revolucionários. Finalmente, após
uniforme. Dois grupos principais formavam as tropas made- cinco meses de conflito, a 25 de maio de 191T:Porfírio Díaz
ristas, um liderado por Pascual Orozco e outro composto de r~ u. Erãõ°"fun de um longo período d;l;istória mexicana.
guerrilheiros comandados por Francisco Villa. O movimento de Foi substituído por Francisco Léon de la Barra como presidente
"Pancho"Villa, não possuía formas de mobilização e bandeiras provisório até a convocação de novas eleições.
políticas tão claras como o do Sul, o que dificultou a elaboração Os acordos de Ciudad Juárez haviam selado a continui-
de um programa político de reformas sociais mais claras. Ainda dade do Estado burguês entre o governo de Porfírio Díaz e o
no Norte, formaram-se outros movimentos revolucionários de Madero. Os acordos deixam claro qual era seu objetivo: dar
advindos de forças heterogêneas que, no futuro, dariam origem cabo da revolução camponesa em gestação.
a uma nova elite revolucionária. Em sua maioria, seus líderes Um balanço rápido desses primeiros fatos revolucioná-
eram originários da classe média e seus exércitos eram advindos rios revela que a Revolução foi fruto de um descontentamento
de forças repressivas provinciais que posteriormente deram agrário, resultado das décadas de usurpações das terras das
origem aos exércitos revolucionários liderados por Venustiano comunidades camponesas do sul, centro e norte do país. Soma-
Carranza, em Coahuila, e Álvaro Obregón, no estado de Sonora. -se a isso a oposição política que aumentou durante a primeira
A Revolução transformou-se num emaranhado de forças década do século XX, principalmente entre a classe média e a
políticas e sociais, e Madero não conseguiu ter um controle operária, ou seja, a Revolução também foi instigada pelo mono-
efetivo sobre os vários grupos que se uniram à sua causa. Em pólio político e econômico da oligarquia porfiriana. Contribuiu
todo o país, os grupos revolucionários se multiplicavam, princi- ainda a inflação causada pela alta dos impostos governamentais
palmente na fronteira norte, desencadeando vários movimentos para manter a máquina estatal.
heterogêneos entre si. Podem-se citar, além dos dois grupos A Revolução foi também produto do desenvolvimento
anteriores, as facções ligadas a Bernardo Reyes, ao Partido econômico. Os investimentos estrangeiros, principalmente norte-
Nacional Católico e a Abraham González. -americanos e britânicos, deram origem a novos empreendimen-

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tos mineiros, que provocaram ondas migratórias e concentraram e a eliminação de certos caciques regionais. O ano de 1908 foi
grandes quantidades de operários em cidades do norte do país. apenas a "semeadura do colapso".
Ao mesmo tempo, desenvolveram-se a pecuária e a agricultura Com a renúncia de Porfírio Díaz, foram realizadas novas
capitalistas, surgidas para abastecer o mercado mineiro e os eleições, que aclamaram Francisco Madero. Essa primeira fase
Estados Unidos. Não podemos esquecer a indústria têxtil e seu da Revolução não causou grandes danos à economia mexicana,
capital francês e espanhol. Assim, viu-se o despontar do Norte principalmente porque a luta armada ficou restrita a regiões espe-
sob os auspícios de um surto capitalista e um boom econômico cíficas do país: o extremo norte e o estado de Morelos.As eleições
com o surgimento de ferrovias, bancos, a indústria petroleira, de ocorreram em 1º de outubro de 1911, e Francisco Madero foi
mineração e de fundição, em Monterrey. Esse surto migratório eleito com 53% dos votos pelo Partido Progressista Constitucional
veio a ser conhecido como o "chamado do Norte" ou "do deserto". (o antigo Partido Antirreeleicionista). O curto governo de Fran-
Esse processo, vinculado ao tràtrãlhador livre, foi o núcleo cisco Madero (novembro de 1911 a fevereiro de 1913) foi hostil
da rebelião maderista, no eixo montanhoso e de concentração ao movimento operário e tratou de controlá-lo e regulamentá-lo.
das cidades mineiras, com forte presença de trabalhadores Para tanto, criou o Departamento do Trabalho. Acabou com a
localizados na Sierra Madre Ocidental, ou seja, o norte serrano. censura à imprensa e, em geral, foi um governo de respeito às
Essa, que era a região mais dinâmica do capitalismo mexicano e liberdades democráticas, mas fechado às transformações sociais.
a mais integrada à economia mundial e em especial à norte-ame- Nesse sentido, não causa estranheza que procurasse
ricana, foi, portanto, a mais afetada pela crise mundial de 1908. reprimir os magonistas na Baixa Califórnia, como já foi citado.
Cabe lembrar que esses trabalhadores rapidamente de- Sua relação com o movimento camponês foi distinta. Na medida
senvolveram uma consciência nacional, dando origem a uma em que os camponeses, em especial os zapatistas, se negaram
ideologia nacionalista. Esse fato se deve a que muitas empresas a depor as armas, procurou reprimi-los. Realizou sucessivas
estrangeiras, as norte-americanas em especial, principalmente campanhas contra eles, em especial a comandada pelo san-
dos setores ferroviário, petrolífero e minerador, reservavam guinário general Juvêncio Robles, em 1912, para acabar com o
seus melhores empregos e salários a estrangeiros, cabendo aos levantamento em Morelos. Nessas campanhas, Juvêncio Ro_])~s_
mexicanos os cargos e salários inferiores. Além disso, essas usou a mesma política que ~ ase meio século depois as tr91:2as
empresas tinham uma longa tradição de maus-tratos aos traba- ii.õrte-ãmericánas utilizaria~ ~o Vietnã:Juzilamento.em mass~,
lhadores. Nesse sentido, a Revolução Mexicana foi uma resposta ~ ma de pueblos, saq~e e tortura contra camponeses suspeitos.
ao imperialismo norte-americano. 2 - Madero e s; u gov~ nfrentaram a violenta oposiçfu)
O porfiriato engendrou o seu próprio fim ao afastar uma de Zapata e seus camponeses, que continuaram em armas e
parcela das elites regionais e ao agir em favor dos interesses es- lançaram o já mencionado manifesto político denominado Plano
trangeiros, promovendo ao mesmo tempo uma nova geração de Ayala, em 25 de novembro de 1911. Em Moreias, onde já havia
oligarcas. Também acelerou o processo de centralização política ocorrido a reforma agrária, os camponeses ocuparam as terras
2
que lhes haviam sido usurpadas pelos grandes proprietários.
Assim como outras revoluções nesse mesmo período, a Revolução
Com essa retomada, colocaram em cheque o eixo da acumulação
Mexicana foi uma resposta nacionalista ao imperialismo britânico e norte-
-americano. Para um aprofundamento dessa discussão, ver o excelente capitalista no país, qual seja, o grande latifúndio. Este conflito
ca pítulo "Causalidade mundial: Irã, China, Rússia e México", no livro de é uma expressão da luta de classes, na medida em que o Plano
ll art ( 1990) . Ayala inverte a juridicidade burguesa quando propõe que serão

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CA RLOS ALB ERTO S AMPAIO BARBOSA A REVO LUÇÃO MEX ICANA

os hacendados que terão de comprovar quais propriedades lhes Victoriano Huerta, designado comandante das tropas federais,
pertenciam. Tal ato era a expressão clara e orgânica da afronta foi enviado para reprimir o cuartelazo. Esses acontecimentos
das forças sociais. marcaram o início do que ficou conhecido como Decena Trágica.
Além das resistências à esquerda, de zapatistas e traba- Durante dez dias, de 9 a 18 de fevereiro, a cidade viveu momentos
lhadores, Madero sofre oposição pela direita, de grupos rema- de pânico assistindo às batalhas entre rebelados e tropas fiéis ao
nescentes do porfiriato inconformados com a perda do poder. governo constitucional. Naquele momento, a debilidade social e
Eclodiram as revoltas do general Bernardo Reyes, na região política do governo havia alcançado seu ponto mais alto, e sua
nordeste; no norte, a dos irmãos Emílio e Francisco Vázquez sorte estava lançada.
Gómez; a de Pascual Orozco, um de seus primeiros partidários, No final, com a intermediação do embaixador norte-
a dos corpos auxiliares do Exército e de governadores. As duas -americano no México, Huerta fez um acordo com os rebela-
revoltas de Orozco e dos irmãos VázquéZ Gómez tiveram como dos para destituir Madero e instaurar um triunvirato e, assim,
palco mais precisamente o estado de Chihuahua. Para debelar traiu a confiança que Madero depositara nele, prendendo e
essas rebeliões, Madero teve de reforçar o Exército comandado assassinando o presidente e seu vice. Na sequência, assumiu a
por Victoriano Huerta e viu-se obrigado a recorrer a emprés- presidência, rompendo o acordo estabelecido. Dessa forma, após
timos externos. dois golpes fracassados, as facções militares, os conservadores e
Ogoverno Madero viveu uma democracia constantemente os partidários remanescentes do porfiriato conseguiram retornar
ameaçada de um golpe. Os golpistas contavam com o apoio da ao poder. Madero, no final, foi derrubado não por um general
Câmara de Deputados e do Senado - o centro da contrarrevo- de Porfírio, mas por sua própria ala direita, seu ministro da
lução -, da imprensa e dos Estados Unidos, então governado Guerra. Com o fim do governo maderista, desaparecia o último
pelo presidente William Howard Taft, do Partido Republicano, verniz de legitimidade do sistema, e a revolução das camadas
o qual apoiou governo no México favorável aos Estados Unidos, populares tendo à frente os camponeses, que já fervilhava sub-
mesmo tendo perdido as eleições de 1912 para o democrata terraneamente, eclodiu.
Woodrow Wilson. A partir de fevereiro de 1913, inicia-se o governo con-
Havia também uma oposição advinda dos antigos porfi- trarrevolucionário de Victoriano Huerta, ao qual se opôs uma
ristas. Estes executaram três tentativas de golpe. A primeira, em nova onda revolucionária. A princípio não houve nenhuma
outubro de 1912, comandada por Félix Díaz, sobrinho de Porfírio resistência ao golpe por parte do Exército, da Justiça ou da
Díaz, teve por base a cidade de Veracruz, principal porto de maioria dos governadores, sinal inequívoco da fragilidade do
exportação mexicano. Ela foi debelada e seu líder, preso. Madero governo de Madero e do apoio das elites e de seus represen-
novamente foi obrigado a aumentar sua dívida com o Exército.A tantes. Apenas o governador Venustiano Carranza, do pegueno
segunda tentativa golpista foi comandada pelo general Manuel estado ~ i l a , nonordeste do país, desconheceu O n0"._0
Mondragón e ocorreu na capital, em 9 de fevereiro de 1913. Oob- F no. Esse movimento lançou o Plano de Guadalupe, em
jetivo dessa insurreição era libertar os generais Bernardo Reyes que o poder federal não era reconhecido, nem os governadores
e Félix Díaz e em seguida tomar o Palácio Nacional. O primeiro que não rompessem com Huerta, além de declarar Carranza o
intento foi alcançado, mas a tomada do palácio não ocorreu e "Primeiro Chefe" da revolução. Um detalhe importantíssimo
ainda causou a morte de Reyes. Os golpistas retrocederam para foi que neste plano, muito próximo da postura de Madero, não
um local conhecido como Ciudadela e ali se entrincheiraram. consta nenhum artigo referente às demandas sociais.

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Em seguida, as forças políticas do estado de Sonora tam- burguesia agrária ou urbana, era derrotar os últimos vestígios
bém se uniram a Carranza. Esses grupos todos se denominava.qi do antigo regime e ascender na política local e nacional.
constitucionalistas, pois se diZíãíndefensores da Constituição de Já os motivos de Villa resultavam de uma condensação de
1857. As forças revolucionárias possuíam uma fachada múltipla vários levantamentos fragmentários de caráter mais popular e
no norte, com três grandes grupos revolucionários - Carranza, radical, com um vago projeto da utopia militar de atualização
Obregón e Villa -, e uma fachada única no sul, com Zapata. As das antigas colônias militare_s. - - - - - - -
forças zapatistas em Moreias, que permaneceram continua- ------xesta altura podemos afirmar que existiam q ~-
mente em luta mesmo durante o governo Madero, mantiveram grandes eixos da nova rebelião: a) a frente zapatista no sul; b)
sua autonomia. Quanto às relações internacionais, os governos as colunas próximas ao primeiro-chefe, Venustiano Carranza,
posicionaram-se de forma ambígua e não.reconheceram o novo comandadas por Pablo González; c) as forças organizadas pelo
mandatário de imediato. governo de Sonora e comandadas por Álvaro Obregón; d) a
Do ponto de vista econômico, houve uma crise, principal- torrente villista. Foi por meio do ~ Monclov~ que se deu
mente na indústria de mineração, devido à queda nos preços a união dos quatro eixos, formando o que ficou conhecido como
da prata. Por outro lado, o governo conseguiu um empréstimo Revolução Constitucionalista. Mas essa união continha divisões
internas: uma fratura representada pela disputa Carranza-Villa
internacional, insuficiente, porém, para fazer a economia deslan-
e outra pela visão preconceituosa que os nortistas tinham do
char. Os reflexos da crise na mineração e nos pequenos negócios
exército sulista, considerado por aqueles com uma forte carga
do Norte logo se fizeram sentir e, para completar, a seca desse
colonial e indígena, "com o cheiro do México velho". Afinal, o
ano fez os preços dos grãos aumentarem, determinando uma
norte era laico, empreendedor, branco, rancheiro e comedor de
desvalorização do peso frente ao dólar.
trigo, enquanto os sulistas eram predominantemente mestiços,
As forças constitucionalistas estavam basicamente agru-
camponeses e comedores de milho.
padas em três exércitos: a Divisão do Norte, comandada por O governo de Huerta fez três iniciativas na tentativa de
Francisco Villa e que tinha como teatro de operações os estados costurar uma hegemonia política e militar no México. Convocou
de Chihuahua, Durango e Zacatecas; o Exército do Nordeste, eleições e aproximou-se politicamente da Igreja, dos progres-
liderado por Pablo Gonzaléz e atuando nas regiões de Coahuila, sistas, científicos e reystas, além de aumentar seguidamente o
Nuevo Leon, Tamaulipas, Tampico; e o Exército do Noroeste, efetivo do Exército. Durante o verão de 1913, o Exército Federal
capitaneado por Álvaro Obregón e atuando em Sonora e Sinaloa. conquistou uma série de vitórias contra os Exércitos do Nordeste
Os levantes dos revolucionários do estado de Sonora e do Noroeste. Na frente externa, os Estados Unidos enxergavam
resultam de uma tentativa de supremacia político-militar, pois no governo d~ ~uerta uma aproximação com a InglaJ~rra, o_
as forças federais eram vistas como um exército de ocupação. que afctava, segundo sua ótica, as indústrias petrolíferas norte-
Assim, elementos como Álvaro Obregón, Adolfo de la Huerta, -~ rica;;--as. Onovo governo democrata de Woodrow Wilson fez
Plutarco Elias Calles, Salvador Alvarado e outros, todos pequenos sérias ameaças a Huerta e não reconheceu seu governo.
e médios agricultores, comerciantes ou rancheiros modestos, Huerta saiu-se vitorioso nas eleições presidenciais e obteve
organizaram uma revolução baseada no palácio do governo maioria no Congresso, graças ao apoio dos católicos.Ao mesmo
cs1·1dual, num processo profissional de agrupamento militar. tempo, os exércitos do Nordeste e do Noroeste se reorganizavam,
() 11101ivo ideológico desse grupo, vinculado a uma pequena assim como a Divisão do Norte, e partiam numa contraofensiva.

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CA RLOS ALBERTO SAM PAJO BARBOSA A REVOLUÇÃO MEXICANA

Essa estratégia das forças contrarrevolucionárias de Huer- não avançavam, as tropas da coalizão camponesa da Divisão do
ta funcionou até o início de 1914, quando chegou a dominar dois Norte, comandadas por Francisco Villa, seguiam, de vitória em
terços do país. Até então, continuava a dominar os principais vitória, aproximando-se da capital e só não a tomaram devido
portos do território e mantinha sob controle a Igreja, os em- à interrupção no fornecimento de carvão para os trens que
presários e os banqueiros. Apesar de o Exército Federal chegar transportavam seus exércitos.A ordem de cortar os combustíveis
a contar com duzentos e cinquenta mil homens, a Revolução para os trens de Villa partiu de Carranza, temeroso da força que
cresceu e conquistou vitórias importantes, como a tomada de Villa adquiriria. A hostilidade de Carranza era reforçada pelas
Monterrey, Tampico e Torreón no norte, enquanto os zapatistas diferenças de classes existentes entre os dois.
atacavam o estado de Guerrero ao sul. Nesse ínterim, apoiado por Carranza, Obregón avançou
O não reconhecimento pelos Estados Unidos da adminis- pela costa do Pacífico, onde não encontrou muita resistência das
tração de Huerta levou a uma crise coin esse país. Os Estados forças federais. Em 8 de julho de 1914, Huerta renunciou, logo
Unidos planejaram invadir o México, com a tomada dos portos após a queda deGu~dalajara~_.'.1-~egunda maior cidade do país.
de Veracruz e Tampico por fuzileiros navais norte-americanos. âscõ"~andairtes do Exército Federal assinaram os tratados de
Wilson usou a desculpa da prisão de alguns marinheiros em Teoloyucan com as forças revolucionárias, representadas por
Tampico e ordenou à sua frota no Atlântico que tomasse as Álvaro Obregón, e, em agosto de 1914, suas tropas entraram
duas cidades. Esperava que, com essa ação, Huerta renunciasse na capital federal. O tratado estipulava que as Forças Armadas
e, se isso não acontecesse, planejava tomar a Cidade do México seriam dissolvidas e que Venustiano Carranza assumiria como
a fim de derrubá-lo. presidente provisório. A dissolução do Exército Federa~
Aintervenção fracassou devido à resistência da guarnição substituição pelo ExércitÕcõnstrtucionalista marco~ uma rup~u-
mexicana ao desembarque dos fuzileiros em Veracruz, e as forças r'ã de peso na Revolução. OExército Federal era o mesmo desde
que se dirigiam para Tampico tiveram de ser redirecionadas o tempo de ·Porfírio Díaz e somente com a derrota definitiva e
para Veracruz. Huerta acabou obtendo um fugaz apoio dos sua dissolução ocorreu a ruptura total com o antigo regime. Por
católicos e das populações das cidades, principalmente devido outro lado, a continuidade do movimento revolucionário dos za-
ao antiamericanismo enraizado nos mexicanos. Wilson teve de patistas significava que a guerra de classes não se interrompera.
se contentar em permanecer em Veracruz e aceitou a mediação Nesses primeiros anos da Revolução, verifica-se uma
do grupo de países denominado ABC (Argentina, Brasil e Chile). fragmentação das elites mexicanas e uma gradual mobilização
Mas, indiretamente, os desejos norte-americanos se concreti- das camadas populares, capitaneadas pelas forças revolucio-
zaram, pois a situação de Huerta começou a deteriorar devido nárias camponesas, em especial as zapatistas e villistas, tendo
à perda da receita da alfândega de seu principal porto, com o em segundo plano grupos urbanos provenientes de setores do
embargo de compras de novas armas e munição, que também proletariado e da classe média. A mobilização das camadas
chegavam predominantemente por ali. Esses acontecimentos populares levou a um novo degrau na luta revolucionária; o
levaram ao enfraquecimento do governo. Huerta não possuía objetivo agora era a tomada do poder central. Com a derrota
base de sustentação política; suas forças foram suficientes para do Exército Federal e a saída de cena de Victoriano Huerta, era
dar o golpe, mas não para construir uma hegemonia. Ademais, natural que a aliança multiclassista que enfrentara as forças
~ mobilização das camadas populares se mostrava irreversível. contrarrevolucionárias entrasse em crise e abrisse espaço para
llnquanto os exércitos do Nordeste e do Noroeste praticamente uma guerra de classes.

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CA Ri .OS ALIH'.IITO SAMPAIO BARBOSA A REVOLUÇÃO MEXICANA

CONll l(ON 'l'O DE C LASSES E VITÓRIA MOMENTÂNEA formadas pelos exércitos do Nordeste e do Noroeste, que se
l )()S CA MPO NESES: 1914-1915 assemelhavam, pois ambos tinham sido formados com base
Entre agosto de 1914 e outubro de 1915, o México viveu em contingentes mais ou menos profissionais, ganhavam soldo,
o período mais intenso da Revolução. Nessa fase, deu-se a frag- e seus líderes, todos agora generais, à época em que haviam
mentação das forças revolucionárias em várias facções e ocorreu entrado nas tropas revolucionárias eram jovens saídos das
a radicalização dos camponeses. Nesse momento, os grupos classes média e alta de comerciantes e fazendeiros (médios ou
vitoriosos entraram numa intensa disputa pela definição do pequenos). Mais próximos das organizações trabalhistas, não
tipo de regime que deveriam construir. Quatro grandes exércitos davam muita atenção para a questão agrária, não se interes-
revolucionários haviam se desenvolvido em diferentes regiões do savam pela situação do peão, não possuíam propostas sociais
México, tanto material como socialmente. Eram os exércitos do que a estes favorecessem e eram profundamente anticlericais,
Nordeste, do Noroeste, do Norte e do Sul, cada um representan- traço característico dos liberais mexicanos desde o século XIX.
do uma configuração particular das forças sociais em luta. Os Por sua vez, as forças camponesas integrantes da Divisão
exércitos do Nordeste e do Noroeste possuíam semelhanças em do Norte e comandi dãs por F~~ncisco "Pancho''Villa-:Zoii1rÕstã's
sua composição social e propostas ideológicas, mas, em relação p-Ór ~d; trintã~nil s~ldados, ~ra~ heterogên; as, formadas
aos outros dois, estes se desenvolveram de maneira tão diferente por camponeses, mineiros, vaqueiros, ferroviários, desempre-
que a luta para construir o novo Estado teria de começar como gados e bandidos, todos imbuídos de um vago projeto social.
uma guerra em torno das relações sociais da produção, com a O Exército do Sul contava com quinze mil soldados regulares
questão da terra no centro da disputa. e aproximadamente dez mil guerrilheiros, todos habitantes do
Na realidade, a divisão das forças constitucionalistas estado de Morelos e arredores, em sua maioria camponeses e
já tinha ocorrido meses antes, quando praticamente houve o pequenos proprietários. Possuíam um projeto social explicitado
rompimento entre Villa e Carranza. Uma última esperança de no Plano Ayala, que propunha a devolução aos pueblos das terras
manter a união foi feita com o Pacto de Torreón, em que as expropriadas durante o governo de Díaz pelas grandes fazendas
várias facções se comprometeram a convocar uma assembleia estatais de açúcar, como vimos anteriormente.
assim que o inimigo comum fosse derrotado. Apesar de existirem grupos independentes, estas eram as
Se economicamente o país conseguiu passar sem proble- principais forças militares do país em outubro de 1914. Foram
mas pelos três primeiros anos da guerra civil, nos anos seguintes estes grupos heterogêneos que fizeram a primeira tentativa
ele se encontrava numa situação caótica. Havia ocorrido um de estabelecer um ordenamento jurídico para o país, com a
colapso das transações comerciais e políticas, tanto em nível convocação de uma Convenção Revolucionária, a se reunir na
nacional como regional e local. O país tinha perdido o crédito Cidade do México, a partir daquela data.
internacional, o Tesouro fora levado à exaustão com os seguidos Com a vitória militar da coalizão de forças opostas ao go-
esforços de guerra e a dívida externa atingiu patamares estra- verno de Huerta e dissolvido o Exército Federal, a grande tarefa
tosféricos. O sistema bancário estava na bancarrota; as estradas que se assomava no horizonte dos revolucionários mexicanos
de ferro, destruídas; a mineração, interrompida; e a agricultura era reorganizar o Estado, e isto passava pela pacificação do país
estava em crise. mediante a realização de um grande acordo entre as diversas
Nesse momento, pode-se dividir as forças revolucionárias facções em luta. Coube a Álvaro Obregón, mais à esquerda dentro
m ação em dois grandes grupos. As forças constitucionalistas, do espectro político do carrancismo, exercer um papel funda-

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CARLOS ALBERTO SAMPAIO BARBOSA A REVOLUÇÃO MEXICANA

mental na tentativa de manter a unidade e de convencer tanto Onovo presidente provisório, Eulálio Gutiérrez, reconheceu Villa
os representantes villistas como os carrancistas a cumprirem o como chefe da Divisão do Norte e Zapata como chefe do Exército
Pacto de Torreón. Este pacto selara o acordo entre Francisco Villa do Sul. Obregón e seus delegados optaram por permanecer ao
e Venustiano Carranza, no qual ficara estabelecido que, assim lado de Carranza e abandonaram a assembleia. ~ois que
que fosse derrubado o governo ditatorial de Victoriano Huerta, C ~ R i J : a l , ~~!r~~~~J!Roiavam a Conven~,
seria convocada uma Convenção das tropas revolucionárias b ~~atistas e villist_as, ocupam a Cidade do México,
para discutir as eleições e demais assuntos de interesse geral. A o que ocorreu nos dias 24 e 25 de novembro de 1914.
Convenção Revolucionária Mexicana iniciou seus trabalhos no ..__ Com a Cida<ledõlviéxico desocupada pelas forças
dia 1º de outubro de 1914. Todos os militares envolvidos na luta constitucionalistas, a Convenção transfere-se para a capital, a
contra Huerta teriam participação, representados por delegados partir de lº de janeiro de 1915. Essa mudança para a Cidade do
eleitos na proporção de um para cada mil revolucionários. A México foi uma das muitas que se realizaram até sua dissolução
convenção se realizaria na Cidade do México, no recinto da completa, em outubro de 1915. A Convenção significou a união
Câmara dos Deputados. das facções villista e zapatista por alguns meses, porque depois
A princípio, os villistas recusaram-se a comparecer, houve desentendimentos que causaram uma ruptura entre elas.
alegando que a capital não era um local neutro. A Convenção Essa união temporária permitiu a ocupação do poder central.
Revolucionária, no intuito de aglutinar as forças, aprovou a mu- No processo revolucionário mexicano, o Exército do Sul
dança de local e escolheu a cidade de Aguascalientes. Assim, no representou a evolução mais profunda das lutas camponesas ao
dia 10 de outubro, reiniciaram-se os trabalhos no Teatro Morelos. longo da história desse país. Deve-se aos camponeses indígenas
As diversas facções revolucionárias foram convidadas a enviar e mestiços de Zapata, mais do que a qualquer outro dos grupos
representantes. Existiam cinco grupos distintos: os carrancistas, revolucionários, a orientação fundamentalmente agrária da
os villistas, um terceiro grupo de 26 delegados zapatistas que Revolução Mexicana. Graças a eles, a Revolução assumiu as
chegaram apenas no dia 26 de outubro, um quarto grupo de proporções de uma revolução social, visto que os demais mo-
delegados obregonistas (a ala da esquerda do carrancismo ou, vimentos revolucionários eram antes de tudo políticos.
como foram chamados depois, jacobinos) e, por fim, um grupo Por que Morelos representa um fator decisivo na Revo-
de representantes "independentes". Faziam parte desta Con- lução? Por aspectos econômicos, históricos e culturais. Logo
venção 57 generais, governadores militares, 95 representantes após a conquista, essa região foi transformada no Marquesado
de tropas e mais a delegação zapatista, que possuía direito de dei Valle de Cortês, que só compreendia indígenas e excluía os
voz, mas não de voto. Portanto, a convenção ficou restrita aos brancos. Ainda no período colonial, os marqueses tinham o
elementos militares, deixando de fora os civis que, em grande direito de alienar as terras; assim, elas foram fragmentadas e
parte, apoiavam Carranza. vendidas para capitalistas, que ali implantaram engenhos de
A Soberana Convenção, título conferido no primeiro açúcar, dando origem a uma rica classe proprietária. No início
dia de atuação para marcar a posição de independência dos do século XX, essa região ainda era densamente povoada por
diversos grupos políticos, na tentativa de resolver as rivalidades indígenas e, por isso, concentrava abundante mão de obra, ca-
entre os vários líderes, votou pela renúncia simultânea dos três racterística fundamental para o desenvolvimento de engenhos
principais: Carranza, Villa e Zapata. Oprimeiro não reconheceu de açúcar. Suas terras quentes e férteis estavam próximas da
n autorid ade jurídica da assembleia e retirou-se para Veracruz. capital e eram propícias ao cultivo de cana-de-açúcar.

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C ARLOS ALBERTO SAMPAIO BARBOSA A REVOLU ÇÃO MEXICANA

Devido a essa história particular, era constante a tensão de finanças central. Recebiam forte apoio das comunidades,
entre as comunidades indígenas e as haciendas, em função do sob a forma de alimentos e reconhecimento do terreno, ao
avanço destas sobre as terras comunais. O processo de moder- mesmo tempo em que davam continuidade ao trabalho agrá-
nização das haciendas açucareiras de Moreias fez surgir uma rio (plantio e colheita). Seus líderes demonstravam profundo
pressão pelas terras e pela mão de obra indígena, aumentando respeito e simpatia pela Igreja, pelo clero e pela religião. Cabe
exponencialmente durante o governo de Porfírio Díaz. Assim, os destacar que enfrentavam o antagonismo e o forte preconceito
indígenas se transformaram em peões e, como não conheciam a da população urbana branca, a "gente de razão", que via nessas
greve, partiram para a forma de luta que conheciam: os levantes populações mestiças e indígenas zapatistas do meio rural uma
e as rebeliões rurais. O movimento zapatista seria o último elo força elementar, cega e desprovida de razão.
de uma longa cadeia de rebeliões camponesas ocorridas no Olíder dessa facção era ~ o ZapaE. Cabe dizer que
final do século XIX por todo o território mexicano, como defi- este não era um camponês típico. Possuía instrução primária,
ne muito bem o historiador François Chevalier em seu artigo sua inteligência era intuitiva e era dotado de grande sensatez.
clássico, no qual afirma: Provavelmente, era um mestiço de sangue negro,_g~va
com os indígenas de igual para igual. Na realidade, sua origem
De modo que o levante zapatista não é um fenômeno ;Jvém de líder~s comunitários de Anenecuilco e da Villa de
isolado, extraordinário e único como nos apresentam alguns Ayala e por isso não vestia, no cotidiano, nem a manta branca,
historiadores da Revolução Mexicana, porque parece melhor nem as sandálias de huaraches, típicas dos camponeses do sul
como a explosão da zona mais crítica, deste profundo mal- do México. Usava habitualmente o "traje de charro", com calças
-estar social, cujas manifestações mais evidentes haviam sido a justas, grandes esporas, jaqueta curta e sombrero galoneado
bandidagem (endêmica no Estado de Morelos no século XIX), (decorado). Seus generais logo começaram a seguir esse modelo
e, sobretudo a sucessão quase ininterrupta de insurreições de vestimenta. Zapata era um tratador de cavalos, o que não
de indígenas e de camponeses, por motivos essencialmente implica uma desvinculação com a população que lidera. Era um
agrários. (Chevalier, 1960, p.168) indivíduo do campo e, portanto, estava inserido na sua tradição
camponesa. Tornou-se soldado a contragosto e viveu na Cidade
A princípio, a rebelião zapatista assemelhava-se aos do México por um curto período, como tratador de cavalos de
movimentos camponeses tradicionais: os rebeldes lutavam um rico proprietário. Portanto, apesar de ser um homem do
para recuperar a terra perdida pelas comunidades, contando campo, possuía experiência urbana. Seus contemporâneos o
com o apoio da forte tradição comunitária coletiva que remete descrevem como um exímio ginete.
ao calpulli pré-hispânico, no qual não existia o individualismo. O pensamento político de Zapata é fruto da inspiração
Como o movimento camponês possuía então fortes vínculos popular e rural. Posteriormente, derivou para uma posição mais
comunitários, muitos intérpretes viram nesse grupo um lo- radical e jacobina ou socializante, influenciado provavelmente
ca lismo exacerbado. Seus membros destacavam-se por suas por Antonio Díaz Soto y Gama. Essa mudança levou à ratificação
ves timentas e tradições marcadamente indígenas. Utilizavam do Plano Ayala, que significou uma radicalização da proposta
11 ltil ica guerrilheira, em que o comandante era escolhido entre de reforma agrária.
os rn nis corajosos ou enérgicos e, apesar de não possuírem uma Aoutra ala das forças camponesas é complementada pelo
11 1g,111 iY.tl\' il O centralizada, tinham uma intendência e um setor movimento liderado por Francisco "Pancho" Villa, no norte. O

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CA RLOS ALBERTO SAMPAIO BARBOSA A REVOLUÇÃO MEXICANA

niovim cnt o villista desenvolve-se geograficamente na região Villa foi uma figura ambígua, de ampla publicidade
se rrana e dos desertos da fronteira mexicana ao norte e, de certa dentro e fora do México. Seu caráter contraditório e esquivo
forma, retoma aspirações de independência ou autonomia que contribuiu para torná-lo uma personalidade confusa e mul-
vinham desde o século XVIII. Muitos habitantes mais antigos tifacetada. Encarnou o machismo mexicano e hispânico, mas
dessa região remontam aos descendentes dos colonos militares também correspondia a imagens positivas da invencibilidade,
que para lá foram deslocados, ainda no período de domínio do "bandido-providencia", do heroísmo épico. E ~__!rês .
espanhol, para colonizar a região. Essa parte do México, desde lendas sobre ele: a lenda branca, que apresenta um Villa vítima
então, caracterizou-se pela baixa densidade populacional e tânto do despotismo dos latifundiários como das autoridades
a escassa presença de populações indígenas, em função das porfirianas. Segundo esta versão, ele teria sido forçado a cair na
dificuldades de sobrevivência devido à inexistência de terras ilegalidade ao chegar a sua casa e encontrar o fazendeiro para
férteis e à escassez de água. quem trabalhava assediando sua irmã. Movido pela fúria atirou
Como mencionamos anteriormente, a região começou a e feriu-o no pé. Denunciado como agressor, fugiu para as mon-
mudar com a integração da economia mexicana à norte-america- tanhas, onde viveu como foragido. Foi preso algumas vezes, mas
na, o que atraiu uma grande quantidade de mão de obra, levando escapou; tentou viver legalmente, mas, tendo sido reconhecido,
ao nascimento de cidades, que surgiam praticamente do nada, e à voltou à marginalidade e começou a roubar cavalos. Aqui, Villa
formação de uma classe trabalhadora constituída principalmente aparece como uma vítima do sistema social e econômico do
de mineiros e ferroviários. No âmbito rural, surgiu uma espécie México, homem honrado e digno, que não podia tomar outro
de classe média de pequenos proprietários, chamados rancheros, caminho. Essa interpretação foi baseada princi12alrnente noJivlQ.
e a camada dos trabalhadores agrícolas, em especial vaqueiros. Memórias dePci;;c"iio Villa, de Martín Luis Guzmán.
Essa população desenvolveu uma prática militar e de cavalaria A lenda negra retratou-o como um bandido sanguinário,
nos embates com as populações indígenas belicosas, gradativa- assassino sem escrúpulos e ladrão de gado. Nessa versão, ele
mente subjugadas, e também na lide com o gado. Tais atividades integrou-se à Revolução por mero acaso, pois estava visitando
criaram a tradição de uso de armas de fogo, ao mesmo tempo uma namorada num rancho quando as tropas federais, acredi-
em que concederam grande autonomia à população local, que tando que alguns revolucionários ali se encontravam escondidos,
se via obrigada a constantes deslocamentos causados pelas lutas atacaram a localidade. Villa, convencido de que era o verdadeiro
com os índios ou pela busca de novas pastagens. alvo do ataque, respondeu aos disparos e fugiu, unindo-se pos-
A falta de apoio governamental e o domínio de uma teriormente a Pascual Orozco para assim iniciar sua carreira
elite econômica, em alguns casos neófita, somados à crise revolucionária. Ij,_ssa versão foi difundida por Celia He~~ em,
econômica fizeram com que muitos respondessem ao chamado suas memórias, Francisco Vil/a ante la História. Celia Herrera
revolucionário de Madero, dando origem a diversos líderes com éTa'de uma família -tradicional de Chihu;i;a-q:e teve um inte-
seus respectivos "exércitos" da Revolução, tais como Pascual grante morto por Villa.
Orozco, Abraham González e Álvaro Obregón, para citar os Já na lenda épica, erigida ao longo da própria Revolução,
mais conhecidos. Dentre eles, José Doroteo Arango, ou Francisco Villa apare;e como um herói popular antes mesmo da eclosão
Vill a, destacou-se como um &slíderes revoluc0ná~ios mais do movimento. Villa já então seria um herói do campesinato,
c;irism~ s. Nascido em Durango em 1878, tinha sido arrieiro, uma espécie de Robin Hood mexicano, que roubava os grandes
soldado e bandoleiro, acusado de roubar gado. latifundiários e ajudava a população mais pobre da sua região.

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CA IU.OS ÂLIIEllTO SAMPA IO B ARBOSA A REVOLUÇÃO M EX ICANA

lissn image m foi construída e difundida pelas canções populares atividades militares para cuidar do campo, como ocorria com
e c111 grande medida por John Reed, jornalista estadunidense, os exércitos zapatistas. Outra diferença era o anticlericalismo
cm suas reportagens publicadas nos Estados Unidos e, poste- dos villistas, que contrastava com a religiosidade das tropas
riormente, em seu livro México Insurgente. de Zapata.
As tropas de Villa foram formadas por uma massa de Por fim, cabe dizer que o movimento villista foi radica-
soldados camponeses, mas também por ex-oficiais de origem lizando suas posições políticas ao longo da guerra civil. Seu
pequeno-burguesa, pobres da província, militares de formação, rompimento com Carranza e a aproximação aos zapatistas
mineiros, ferroviários e bandidos@o que toca aos camponeses representou a ascensão social dos camponeses ao domínio do
da Divisão do Norte, suas aspirações à terra não estavam basea- poder central. Surgia naquele momento uma clara divisão de
das nas antigas comunidades, como no sul. O norte do México classes: de um lado, as forças camponesas; do outro, as forças
era composto de pequenas e médias propriedades (rancherías), e burguesas e pequeno-burguesas. Essa divisão se expressava
~~villistas refletem uma referên9.~_2or essa forma nas questões relativas à propriedade da terra e às reformas
~12riedade da terra. Oamplo espectro que conformava suas sociais. A aliança de Vil!_'.'_~ Zapata levou ao ponto culminante
tropas refletia a heterogeneidade das forças villistasJ da revo~ão _p_opular e social.
Os objetivos sociais do movimento villista são mais Assim, em dezembro de 1914, as forças da Convenção,
difusos que os do movimento sulista, mas sem dúvida ainda ou seja, os exércitos camponeses comandados por Francisco
possuíam algum projeto social. Os villistas pretendiam confiscar Villa e Emiliano Zapata, ocuparam a Cidade do México. Foi
as terras de grandes fazendeiros e realizar uma reforma agrária durante esse período que Emiliano Zapata reiterou o ofereci-
limitada aos soldados e aos antigos colonos. Porém, não existia mento feito anteriormente aos irmãos Flores Magón para que
uma pressão pela reforma agrária tão forte como em Morelos. publicassem o jornal Regeneración em domínios zapatistas,
Eles também buscavam ampliar o crédito para os colonos arrui- principalmente porque, nesse momento, controlavam a fábrica
nados e previam o pagamento de uma pensão para as viúvas e os de papel de San Rafael. Os magonistas mantiveram excelentes
órfãos da revolução. Durante o temp~em que dominaram vastas relações com os zapatistas entre 1912 e 1916, mas não aceitaram
regiões, não ocorrei! g_ualquer mudança na estrutura agrária e o convite. Foi, a seu modo, uma tentativa de estabelecer uma
seusinteressis converg';;1m para fins militares. Muitas fazendas aliança operário-camponesa. Embora os magonistas não tenham
éxpropriadas for~ antidas em funcionamento para suprir as aceitado o convite de Zapata, as relações entre o movimento
necessidades de seu exército. Com este objetivo, dedicaram-se operário organizado e o zapatismo se tornaram mais sólidas.
ainda à venda de gado para os Estados Unidos. Nesse sentido, a Essa colaboração foi mais intensa com o Sindicato Mexicano
fronteira oferecia condições que os diferenciavam dos zapatistas. de Eletricistas, que apoiou a administração zapatista da capital.
Usavam a estratégia de luta da guerra de posições clássicas, Esse projeto de organização político-social envolveu grupos não
ao contrário dos zapatistas. Também durante um bom tempo, vinculados ao constitucionalismo.
os villistas respeitaram as propriedades de norte-americanos. A Convenção estabeleceu um Poder Judiciário do Distrito
Devido à sua autonomia, os exércitos ligados à Divisão do Norte Federal e posteriormente foi formado um Conselho Executivo
possuíam grande flexibilidade de deslocamento para outras re- da República Mexicana, com um presidente e um Conselho de
giões, embora fossem limitados por sua dependência das linhas Governo, que passou a legislar para todo o território nacional,
d ' suprimentos. Além disso, suas tropas não interrompiam as ~e nega a tese de lo~ismo do movimento zapatista; O

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CA IU .OS A LllE!rl'O SAMPAIO BARBOSA A REVOLUÇÃO MEXICANA

Co nselho Execu tivo legislou além da reforma agrária, criando alguns dos seus críticos chamavam, o "socialismo bárbaro" de
11111 a lei eleitoral e estabelecendo autonomia municipal, direitos Zapata foi uma experiência concreta, especialmente em Moreias.
1rabalhistas, tais como o direito de greve, a jornada de oito horas, Como afirma Adolfo Gilly, com muita propriedade, os zapatistas
liberdade de associação, o fim das tiendas de raya 3 e leis fiscais. estabeleceram uma comuna camponesa ou Comuna de Moreias.
Enfim, houve a produção de uma extensa legislação em várias
áreas, na tentativa de organizar um verdadeiro Estado com a Durante todo o ano de 1915, os camponeses de Moreias
constituição de um Exército, uma rede de educação, relações viveram uma experiência única na história do México: esta-
exteriores, sistemas de comunicação, agricultura, Fazenda e beleceram seu próprio poder, ditaram suas leis através de um
Justiça, além de fundar um banco para o crédito rural. governo que se apoiava em suas armas, as aplicaram mediante
No final de janeiro, as tropas de Obregón retomaram a seus órgãos de autogoverno - os pueblos - , designaram nestes
cidade para as forças constitucionalistas.~ m seguida, os ope- seus dirigentes locais, expropriaram terras e engenhos. (Gilly,
rários lançaram uma ofensiva combinada com os zapatistas. A 1993, p.205)
Federação de Sindicatos do Distrito Federal convoca uma greve
geral, que é rapidamente reprimida com a decretação da pena Para mostrar a determinação dos constitucionalistas
de morte e a prisão de seus líderej Carranza e os líderes cons- com essa mudança de estratégia política, enviaram o general
titucionalistas perceberam que a greve fazia parte de um plano Alvarado para Yucatán, como comandante militar, em março de
mais amplo e a coalizão constitucionalista percebeu o perigo. Sob 1915. Ali ele implantou uma série de reformas sociais, conquis-
a pressão dos acontecimentos e, em especial, da ala jacobina do tando o apoio dos camponeses e contrariando os fazendeiros
constitucionalismo, liderada por Obregón, Carranza abandona locais. Os recursos obtidos com a venda do sisai serviram para
sua posição em matéria de legislação social. Lança uma dupla fortalecer o caixa das forças constitucionalistas. A experiência
ofensiva: militar e política.Amilitar tinha por objetivo o combate tanto de Salvador Alvarado (1915-1918) como, posteriormente,
ao zapatismo; a política, com a lei agrária carrancista de 6 de de Felipe Carrillo Puerto (1922-1924), no papel de governadores
janeiro de 1915, procurava arrebatar dos zapatistas o monopólio de Yucatán com o Partido Socialista do Sudeste (PSS), foi muito
da iniciativa da reforma agrária. interessante e justifica uma análise detalhada do que se passou
Oideal zapatista de reforma agrária exerceu pressão para nessa região onde a Revolução teve feições próprias.
que fossem votadas tanto essa lei como as demais leis sociais Ao final do século XIX, a maioria dos pueblos maias da
da nova Constituição. O anticapitalismo empírico ou, como região tinha perdido suas terras para os grandes latifúndios
produtores de sisai. Sem terras, essa população foi submetida
3
As tiendas de raya eram estabelecimentos de crédito, similares aos nossos ao domínio dos grandes proprietários, o que levou à proletari-
armazéns, para o abastecimento de camponeses e operários que viviam zação e ao isolamento desses camponeses. Tal situação só foi
perto de fábricas e fazendas. Esse nome deriva do fato de que, por serem rompida pela Revolução, que veio de fora, com a chegada das
praticamente todos analfabetos, em vez de assinar seu nome traçavam uma tropas de Alvarado.4 Suas leis de claro conteúdo social estiveram
li nha. Era uma forma de mantê-los presos à fazenda, pois eram obrigados
em sintonia com os artigos mais progressistas da Constituição
a fazer todas as suas compras nesses locais, mesmo quando recebiam
salári o. Foi uma forma suplementar de extrair o excedente econômico dos
de 1917, tais como os relativos à reforma agrária e aos direitos
1rnba lhado res. No México, o auge dessa prática ocorreu no final do século

XIX, dura nl' e o governo de Porfírio Díaz.


4
Essa expressão foi tirada do trabalho de Joseph (1982).

86 87
CA IU .OS AL.IIEllTO SAMPAIO BARBOSA A REVOLUÇAO MEXICANA

1r11 bulhislas. Alvarado criou escolas e universidades, além de ascensão das camadas populares e do velho regime. A derrota
,~1i111ular a organização dos trabalhadores por meio do apoio das forças camponesas representou para os constitucionalistas
nform ação de sindicatos. Foi importante para sua atuação po-
lf1·i a o apoio de um grupo de intelectuais socialistas, em geral
jornalistas, professores e alguns sindicalistas, oriundos de uma
pequena burguesia do Estado, com destaque para Felipe Carrillo
-----
a ruptura com a ala mais radical da revolução.
O ano de 1915 foi um dos mais intensos da história me-
-- - - · .,

xicana e talvez o mais decisivo do processo revolucionário. Foi


o ano ae uma grande experiência popular na Revolução, com
Puerto. Em 1917, Alvarado foi designado comandante militar a formação de grandes exércitos, a tomada do poder central e
de outra região do país e, embora Carlos Castro Morales tenha o início da criação de uma estrutura política revolucionária.
sido escolhido para governador pelo Partido Socialista Obrero Mas foi também o período das derrotas das forças populares.
de Yucatán, as medidas reformistas perderam força, sendo Marcou o início da construção da nova hegemonia com os
retomadas apenas com a eleição de Carrillo Puerto em 1922. pactos entre constitucionalistas e operários e as primeiras leis
Na capital, onde Obregón selou o pacto com os operários agrárias de Carranza, assim como o triunfo do jacobinismo
por meio da expurgada Casa dei Obrero Mundial (COM): em nortista. Foi também o período em que os habitantes das
troca de concessões aos trabalhadores urbanos, estes apoiariam cidades descobriram o México rural profundo. E foi em 19~ K
os constitucionalistas formando batalhões vermelhos de operá- ue o-~ ~~~f!f~s~o da capital, positivista, natura!!.~~,
rios para lutar contra os camponeses. Este pacto só foi possível
após a expulsão da ala radical da associação, principalmente
----
dos velhos romancistas, tornou-se o-..México
......-- ....,, .,_
.

novas ge~açõés, da-Revôfoção, que representou uma catarse de


-
ás2ero-e cru das
. ...,...

os representantes do Sindicato Mexicano dos Eletricistas, que ~ rtas cfôqliê era nacional. ·-·- . - - -
apoiavam os camponeses zapatistas. Embora os batalhões de
operários tenham sido apenas uma força secundária na luta DERROTA POPULAR E VITÓRIA DAS NOVAS ELITES:
contra as forças camponesas, o que contou foi o valor simbólico 1915-1920
da aliança dos trabalhadores urbanos com os constitucionalistas. Essa última fase da Revolução foi, principalmente, uma
Por seu turno, durante o ano de 1915, as forças campo- luta contra os já enfraquecidos exércitos camponeses e um
nesas da Divisão do Norte, o exército villista, sofreram derrotas embate pela construção das estruturas do novo Estado. O ano
decisivas para o futuro de suas ambições nas batalhas de Celaya, de 1915 representou um recuo das forças camponesas do Sul e
Léon e Aguascalientes, contra as forças constitucionalistas diri- do Norte e uma reconquista do território nacional pelas tropas
gidas por Álvaro Obregón, que haviam unido os exércitos do No- dos exércitos do Nordeste e do Noroeste. As forças camponesas
roeste e do Nordeste. Em agosto, estes tomaram definitivamente ficaram separadas geograficamente e nunca voltaram a se reunir.
a capital e, em outubro daquele ano, o governo de Carranza foi Não obstante, os rebeldes villistas e zapatistas mantiveram-se
reconhecido internacionalmente.A derrota política e militar dos atuantes nos núcleos de suas regiões. Obregón celebrou alianças
villistas e dos zapatistas - ainda que não definitiva - e as vitórias com a Casa dei Obrero Mundial, organização sindical que agluti-
da ala burguesa - os constitucionalistas - marcaram o fim da nava os sindicatôs mexicanos do período, buscando uma maior
fase heroica da revolução camponesa. Os objetivos dos consti- base social de sustentação ao governo Carranza. Mas, logo após a
tucionalistas eram agora, além de derrotar definitivamente os vitória sobre os camponeses, o governo, que não precisava mais
exércitos camponeses, atingir a estabilidade política e promover dos trabalhadores, passou a reprimi-los. Os batalhões vermelhos
o d scnvolvimento da economia, evitando o perigo de uma nova foram dissolvidos e os dirigentes da COM foram presos.

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CA IU.OS ÂLBl'RTO SAM PAIO BARBOSA
A REVOLUÇÃO MEXICANA

A reconstrução nacional não foi fácil devido à fragmenta- A Assembleia Constituinte contou com a participação
\··10 militar regional de alguns generais que passaram a dominar de aproximadamente duzentos deputados. Sua condução foi
,1J , uns Estados. Podemos afirmar, resumidamente, que no campo a princípio carrancista, depois substituída pelos obregonistas.
constitucionalista existiam três grupos desses generais: os que Muitos estudos dessa Constituinte dividem-na em uma ala
apo iavam Carranza (Cándido Aguilar e Cesáreo Castro); os liberal, ou jacobina, e outra conservadora, embora tal divisão
independentes (Álvaro Obregón e Pablo González); e outros, go- política não fosse tão simples. As alianças ocorreram muito
za ndo de relativa autonomia, acantonados em redutos regionais mais por vínculos pessoais e regionais que ideológicos. É difícil
(Plutarco Elias Calles, em Sonora; Luis Caballero, em Tamaulipas; definir com precisão os deputados progressistas e liberais de
Manuel Diéguez, em Jalisco; Jesus Castro, em Oaxaca, e Salvador acordo com critérios precisos de origem social, posição econô-
Alvarado, com o seu Partido Socialista, em Yucatán). mica, idade, condição civil ou militar. Podemos estabelecer as
O ano de 1916, apesar da retornada de algumas ativida- posições políticas dos delegados muito mais segundo critérios
des tanto por parte de Villa, em Chihuahua, como de Zapata, de procedência regional. Participaram desse grupo homens que
em Morelos, foi marcado pela ampliação do controle militar e posteriormente encontraremos no governo de Lázaro Cárdenas.
político do governo estabelecido. Foi nesse contexto que Pablo Os jacobinos,_p~ve11~ntes do noroeste e da cosJa d_g__Golfo~
González e Álvaro Obregón fundaram o ~ tido Liberal ÇQg§- defendiam uma maior intervençJio na economü1 e reformas
titucionalista (PLC) e, em setembro, foram convocadas eleições sociais. Os conservadores aprorimavam-se de Carranza e eram
'""'---
originários de Coahuila e do centro do país. Os delegados dessa

-
para uma Assembleia Constituinte, a ser realizada em Querétaro,
entre dezembro daquele ano e janeiro de 1917. A Constituinte ala, formada por uma elite civil, acreditavam em métodos tradi-
visava encerrar o ciclo revolucionário e ficava reservada à ala cionais de estabilização social e defendiam poucas mudanças em
bJ!,rguesa vitoriosa da Revolyç_ª-Q.. relação à Constituição de 1857. Não acreditavam em reformas
Nesse período, o fracionamento dos constitucionalistas se sociais e se batiam por um Estado que tivesse pouca capacidade
torna mais claro: de um lado encontrava-se um grupo radical, de intervenção na esfera econômica e social. Defendiam insti-
ligado a Obregón, e outro conservador, ligado a Carranza. Este tuições semelhantes à de países como a Inglaterra e os Estados
último reprimiu algumas greves e perseguiu alguns intelectuais. Unidos. Seu principal líder era Félix Palavicini. Prevaleceram
O carrancismo contava com apoio de alguns intelectuais que, em as pr2E_osta~ da ala jacobina e, promulgada a Constituição,
geral, eram de uma veia conservadora e não originários do meio foram convocadas eleições, pelas quais Venustiano Carranza
revolucionário. Provinham dos círculos burocráticos do velho foi eleito para o mandato de 1917 a 1920. O Partido Liberal
regime, como Luis Cabrera, Félix Palavicini, Alfonso Cravioto e Constitucionalista elegeu também todos os deputados para a
Luis Manuel Rajas. Em realidade, o círculo íntimo de políticos Câmara Legislativa.
ligados a Carranza era de origem civil e, por meio de intrigas e ~ A Constituição de 1917 foi aprovada no dia 31 de i},nw:.o.
disputas políticas, procuravam afastar Obregón e outros líderes ~ 917, às vésperas da revolução russa de fevereiro, e ~
militares por eles considerados rudes e de pouca instrução ou ! firmar que foi uma das mais avançadas da éJ?OCa. Os artigos
simplesmente radicais. Daí foi um passo para a repressão dos fundamentais da constituição são o 3º, que trata da educação;
sindicatos de operários e para uma aproximação e aliança com o 27º, sobre a posse da terra e do subsolo; o 123º, sobre os
os ant igos grandes proprietários de terras, o que em muitos direitos dos trabalhadores; e o 130º, sobre a secularização dos
aspectos representou um obstáculo ao avanço da reforma agrária. bens da Igreja. Basicamente, a nova Carta trata das garantias

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CA IU.OS ALBERTO SAMPA[O BARBOSA A R EVOLUÇÃO MEXICANA

dl'1llocrá ti cas; da organização jurídica; da eliminação da parti- governamental, este procurou neutralizar o poder político de
cipaçao religiosa na educação; da reforma agrária e da proteção Obregón, principalmente no que dizia respeito a sua influência
t1 p •qucna propriedade e às terras comunais; da nacionalização entre os generais e demais militares revolucionários. O seu
das riquezas do subsolo; do estabelecimento de limites à pro- pedido de adiamento das candidaturas visava conseguir mais
priedade, submetendo-a ao interesse social; e da delimitação dos tempo para a consecução de seu intento. A retirada de Obregón
direitos e garantias ao trabalhador. Uma reflexão pertinente é para a vida privada, como fazendeiro, foi também uma estraté-
que essa constituição avançada só foi possível devido à pressão gia política deste a fim de permitir maior campo de manobra
e às batalhas de camponeses e operários durante a revolução. e representou o rompimento entre dois dos grandes líderes
Ela expressa, mesmo que indiretamente, as aspirações das da Revolução. A apresentação da candidatura de Obregón foi
camadas populares mexicanas. A ala mais radical da burg_uesia apenas a concretização de seus objetivos anteriores. Durante a
mexicana tinha noção de que devia incorporar até certo ponto campanha, este fez duras críticas à administração de Carranza.
as demandas dos mõvimerit~ de massa ê q~ só assim seria Lançou um manifesto à nação em lº de junho de 1919, no qual
possível Eacificar o ~- · procurou mostrar que estava vinculado à tradição dos partidos
A partir da posse de Carranza, em maio de 1917, pode- e das ideias liberais mexicanas, que remontava à independência,
-se falar num governo constitucional. A economia mostrava sugerindo que Carranza, ao contrário, estava vinculado aos
sinais de recuperação pelo aumento da demanda dos produtos conservadores. Segundo Obregón, o problema dos liberais no
mexicanos, principalmente motivada pela guerra na Europa e México era sua divisão em várias facções e, para solucionar tal
também por uma maior arrecadação de impostos. De sua parte, dificuldade, a maior tarefa política era a fundação de um Grande
o governo mostrou-se profundamente conservador. Devolveu Partido Liberal que unisse as diferentes correntes. Esse era um
terras expropriadas aos seus antigos donos, continuou a repres- prenúncio do Partido da Revolução, que seria criado em 1929.
são aos movimentos sindicais e n~ ou em vigor a Cons- Em maio de 1918, foi criada a Confederación Regional
tituição; pelo contrário, propôs leis revendo alguns dos artigos Obrera Mexicana (CROM) em Saltillo, capital de Coahuila,
mais progressistas. Nos estados, vários generais foram eleitos berço político de Carranza e contando com seu apoio. O local
governadores das respectivas regiões onde eram comandantes. escolhido foi estratégico, distante o suficiente da Cidade do Mé-
Mesmo numa fase de declínio e numa guerra defensiva xico onde estavam os sindicatos mais radicais. Foi eleito como
tanto no sul como no norte, os camponeses ainda mostravam diretor Luís Napoleón Morones, posteriormente fundador do
algum fôlego, embora entre os zapatistas o desgaste de anos Partido Laborista Mexicano e líder sindical pelego do governo
de luta fosse evidente. Em abril de 1919, Emiliano Zapata foi Obregón e Calles.
morto numa emboscada e a ala mais moderada dos zapatistas, Após o lançamento da candidatura de Obregón pelo
enca beçada por Gildardo Magafia, se impôs. Em novembro, este Partido Liberal Constitucionalista e de sua campanha política
nss ina a rendição a Carranza. No norte, influenciado pelo general pelo país, outros postulantes se candidataram, tais como o
Pl'I ip ' Angeles, Villa lança o Plano do Rio Florido, que propunha general Pablo González que, contando com o apoio de alguns
1111 H1volt a à constituição de 1857, ou seja, um retrocesso político. chefes militares, apresentou-se pela Liga Democrática, e o
1:,11lrc novembro de 1918 e junho de 1920, ocorreu uma engenheiro Ignacio Bonillas pelo Partido Liberal Democrático,
1111d,1 de violência, em parte resultado da disputa política pelo civilista e antimilitarista. Carranza manobrava para se manter
1'11d1·1 1·1111·c Ohrcgón e Carranza. Durante todo o seu período como comandante supremo da política mexicana, apoiando

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( :,\ l(l! )S Ai.llE l(TO SAMPA IO BARB OSA A R EVOLUÇÃO MEXICANA

( .i 11d id11 los da sua confiança aos governos estaduais. Mas não No dia 12 de maio, Obregón e González selaram um
nhl ·vt· muito sucesso entre as camadas populares, pois afinal acordo em que os dois reconheciam De la Huerta como pre-
11 p11r , ia como o repressor de camponeses e operários. Ainda sidente provisório. Em julho, Francisco Villa assinou acordo
lII ndou o Partido Nacional Cooperativista e lançou um candidato para a deposição das armas em Sabinas e retirou-se para uma
de sua confiança,Alfredo Robles Domingues. Obregón também fazenda em Durango. O ano de 1920 marcou o último levante
se manteve atuante, conquistando o apoio de Partido Socialista vitorioso de uma facção regional, aglutinada em torno de um
de Yucatán, de Salvador Alvarado, negociando com a CROM, grupo de sonorenses liderados por Obregón, e representou o
com o Partido Laborista Mexicano e com Calles, em Sonora. Em fim do período de conflito armado da Revolução. A campa-
março de 1920, selou uma aliança com Magafía e outros líderes nha político-militar de Obregón constituiu-se na realização
zapatistas remanescentes, obtendo seu apoio. de uma série de acordos com outros revolucionários, mas foi
Numa última tentativa de solapar a campanha política de também marcada por expulsões, exílios espontâneos e mortes:
Obregón, Carranza decretou uma intervenção militar no estado os felicistas, que atuavam desde meados de 1916 no estado de
de Sonora, sob pretexto de que o governo estadual não tinha Oaxaca como facção independente, depuseram as armas e seu
se submetido às decisões federais no que dizia respeito ao rio líder, Félix Díaz, exilou-se, enquanto Manuel Peláez, Fernández
Sonora, declarado propriedade da nação. As autoridades locais, Ruiz e Pablo González fizeram acordos e foram incorporados
claramente obregonistas, representadas por seu governador, à vida política mexicana. Quanto ao Exército do Sul, Gildardo
Adolfo de La Huerta, não aceitaram tal decisão. Quando foi Magafía e Genovevo de la O, últimos líderes remanescentes do
indicado um interventor como novo comandante militar para zapatismo, aderiram ao Plano de Agua Prieta e desfilaram junto
o estado, o governador e o comandante das forças do Estado, com as tropas vencedoras na capital.
o general Plutarco Ellias Calles, rebelaram-se e lançaram a De la Huerta foi designado presidente provisório em maio
Revolução Constitucionalista Liberal, explicitando os objetivos de 1920 e convocou eleições para setembro. Obregón disputou o
do movimento por meio do manifesto denominado "Plano de pleito por uma coligação de partidos e ganhou o pleito contra
Agua Prieta", em 22 de abril de 1920. Era o início da RevoluQO
Constitucionalista Liberal.
Ocomando das tropas ficou a cargo de Adolfo de la Huer-
_____,,____
Robles Dominguez. A chegada ao poder de De la Huerta e, em
.._..
seguida, de Obregón ~ a imposição do domínio polític; -
do que veio a ser conhecido como "dinastia_sonorense". Álvaro
ta, governador de Sonora. Pablo González, procurando antecipar- Obregón foi o caudilho apto a amealhar os fios que o carrancis-
-se a Obregón, tentou dar um golpe, tendo como base o estado mo perdia. Era ele o h,Q!D~@RaZ da concili~ão ·acobina, com
de Puebla, no centro-sul do país, sua principal base de apoio no camponese;, operários e os generais revolucionári~s-:-- •
Exército. A sua convocação aos militares caiu no vazio, pois as
alianças feitas anteriormente por Obregón já haviam atraído a
maioria dos generais. O presidente, seu ministério, o Supremo
Tribunal e muitos congressistas embarcaram num trem rumo
a Veracruz, esperando reorganizar suas forças. Nunca chegaram
a essa cidade e, na região de Puebla, foram cercados. Carranza
· e seus seguidores mais próximos tentaram fugir a cavalo, mas
íoram aprisionados e mortos.

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3. ESTABILIZAÇÃO POLÍTICA E REVOLUÇÃO TARDIA:
1920-1940

A DINASTIA SONORENSE: 1920-1934


Adécada de 1920 e os primeiros anos da seguinte foram a
época da estabilização política e da consolidação da Revolução.
Esse período ficou conhecido como os an~2!.!fc;.QD.ár1Lçlí.g
Nacio~ e foi dominado pelos presidentes sonorenses: Adolfo de
La Huerta (1920),Álvaro Obregón (1920-192~) e Plutarco Elias
Calles (1924-1928). Entre 1928 e 1934 o país teve três presiden-
tes, mas Calles foi o chefe "máximo" que esteve por trás destes e
manteve o poder da dinastia sonorense. Foi durante estes anos
que se consolidaram as bases do Estado pós-revolucionário
que permitiriam sua notável estabilidade política. Houve nesse
período duas fases distintas: os anos entre 1920 e 1934, com a
hegemonia sonorense, e o governo de Lázaro Cárdenas, entre
1934 e 1940.
O grupo político sonorense tinha hábitos seculares anti-
clericais. Seus membros eram extremamente pragmáticos e não
titubeavam em utilizar a violência para atingir seus objetivos.
Em parte devido a essa postura, eclodiram alguns conflitos
contra a Igreja Católica, as companhias petrolíferas e no seio da
própria "família revolucionária", com as insurreições de 1923,
1927 e 1929 e as crises sucessórias de 1928 e 1929. Esta foi a
década da formação do Estado mexicano moderno.
O governo de Álvaro Obregón, entre 1920 e 1924, foi mar-
cado por problemas nas relações entre o México e os Estados
Unidos. Estes se recusavam a reconhecer a nova administração
enquanto ela não resolvesse a questão petrolífera, afetada pela
nova Constituição, que dava amplos poderes ao Estado sobre
as riquezas minerais. Como as companhias petrolíferas se

97
C,\1(1 ,0S i\ LllEll'l'O SAMPAIO BARBOSA A R EVO LUÇÃO MEXICANA

jul •avarn prejudicadas por esse dispositivo, queriam que a lei Interior, Plutarco Elias Calles, não lhe deram o apoio solicitado
va lesse apenas para os novos campos e que houvesse uma com- para armar os camponeses de Yucatán.
pensação financeira pelas perdas sofridas. Internamente, a nova Embora nutrisse simpatia pelo marxismo, chegando a
adm inistração buscava o restabelecimento de uma autoridade manter uma correspondência com Lênin, sua atuação guardava
federal, perdida com os anos de luta. traços do caudilho típico da história mexicana. Seu governo foi
Procurou também estabelecer uma ampla base social, considerado um laboratório social da Revolução, no qual se rea-
atraindo para sua órbita de influência organizações trabalhistas lizaram interessantes experiências com as reformas trabalhistas
como a CROM, o Partido Laborista Mexicano, organizações e educativas. Sua história foi marcada também pelo romance que
agrárias, como as Ligas Agrárias e o Partido Nacional Agrarista, manteve com a jornalista estadunidense Alma Reed.
e o Exército. A ideologiaj.!!~ am<1lgamava esse amplo leque de Obregón indicou Plutarco Elias Calles como seu sucessor.
apoio era o nacionalismo. Esta escolha causou descontentamento dentro das fileiras revo-
No terreno cultural, a administração de Obregón foi lucionárias, pois Adolfo de la Huerta, ex-presidente, supunha que
marcada pela indicação dep é Vasconcelos para a Secretaria de seria o escolhido. Ademais, De la Huerta contava com amplo
Educação Púhli~ciou uma campanha pela erradicação apoio entre os militares e acabou se rebelando contra o regime
do analfabetismo, fundou bibliotecas e contratou uma série de no final de 1923.
artistas para pintarem as paredes de edifícios das repartições A rebelião "delahuertista" talvez tenha sido o levante
públicas, dando origem ao movimento que ficou conhecido militar que colocou mais em risco o México pós-revolucionário,
como Escola Mexicana de Pintura, ou muralismo. pois reuniu cerca de metade do efetivo do Exército. Álvaro
Foi durante a presidência de Obregón que Felipe Carrillo Obregón procurou evitar a rebelião com mudanças nos mais
Puerto tornou-se governador de Yucatán e retomou as experiên- altos escalões do Exército, afastando aqueles oficiais que pode-
cias de reforma no estado feitas por Salvador Alvarado entre riam apoiar a sublevação. A polarização política, no entanto,
1915 e 1917. Carrillo Puerto nasceu em Yucatán em 1872.Ainda havia atingido um grau que não permitia retroceder e, entre
jovem aprendeu a língua maia e, posteriormente, traduziu a novembro e dezembro de 1923, várias unidades militares se
Constituição para este idioma, em 1917. Apoiou os zapatistas sublevaram, principalmente nas regiões oeste e sudoeste do
e trabalhou como engenheiro agrônomo para uma comissão país. Os estados mais afetados foram Veracruz e Jalisco, mas
agrária. Retornou ao seu estado junto com Salvador Alvarado, ocorreram distúrbios também em Oaxaca, Puebla, Chihuahua,
que o nomeou para diversos cargos. Durante seu governo, Tamaulipas, Tabasco, Chiapas e Yucatán. Durante as lutas desta
realizou uma profunda reforma agrária com a distribuição de última rebelião, Felipe Carrillo Puerto foi preso e morto por
mais de seiscentos mil hectares de terras, beneficiando mais tropas delahuertistas.
de trinta mil famílias. Em nenhum outro estado do México De la Huerta procurou dar um conteúdo social ao seu
a reforma agrária avançou tanto, talvez somente em Morelos. movimento, lançando uma proclamação política, conhecida
1 romulgou leis de previdência social e trabalhista, além de como Plano de Veracruz. Alguns generais, governadores e per-
urna outra que permitia a expropriação de terras para causas sonalidades importantes da política mexicana uniram-se ao
sociais, Criou cooperativas de produtores e consumidores e levante delahuertista, entre eles Guadalupe Sánchez, de Veracruz,
'X l)l'Opriou a indústria do sisa!, o que desagradou os grandes além de Enrique Estrada, Antonio I. Villareal, Cândido Aguilar, o
l"i1zc ndciros locais e internacionais. Obregón e seu ministro do governador de Oaxaca, Manuel García Vigil, e o ex-governador

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CA RLOS ALBERTO SAMPAIO BARB OSA A R EVO LUÇÃO M EXICANA

de Yucatán, Salvador Alvarado. Os rebeldes formavam um grupo amplo apoio dos setores católicos, o jacobinismo e o radicalismo
ideologicamente heterogêneo e não conseguiram imprimir um dos revolucionários foi exacerbado, com consequências que se
ca ráter político ao movimento; o que os unia era o inimigo materializaram na Constituição de 1917, contendo artigos que
comum, o governo. A repressão do regime foi rápida e dura e proibiam à Igreja o direito de propriedade, impunham limites
os rebeldes perderam batalhas importantes entre fevereiro e no âmbito da educação religiosa e restrições à própria atividade
maio de 1924. Ao todo, cerca de sete mil pessoas morreram e dos sacerdotes.
muitos oficiais rebeldes foram sumariamente fuzilados. Outros Mesmo antes do governo de Calles, as relações entre Igreja
tiveram de abandonar as fileiras das Forças Armadas em virtude e Estado já eram tensas. Durante o governo de Obregón houve
do expurgo que atingiu o Exército revolucionário. conflitos, principalmente pela rivalidade entre a central sindical
Derrotada a rebelião e eleito Calles (1924-1928), o início CROM, liderada por Luis Napoleón Morones, e as associações
de seu mandato foi palco de uma polêmica no meio cultural sindicais católicas. Se Obregón, com seu pragmatismo político,
entre os chamados "intelectuais de má.Jf, ou seja, aqueles que conseguiu evitar um conflito aberto, o mesmo não se deu com
combatiam o nacionalismo cultural em voga e que, por isso, eram Calles e seu ministro da Indústria, Luis Morones.
considerados traidores, e os "intelectuais de boa-fé", que davam O conflito arma~o ocomu devido àLdeclarn,çík§.. do
apoio ao regime e à adotada cultura de forte conteúdo social. arcebispo da cidade do Mé~i~o,José Mora y dei Río, ao jornal
Calles, então com 47 anos, era uma figura até certo ponto El Universal, em f~yg~iE,gj_~J.E~~' nas gu,ais rejeitava os ~rtigos
obscura na cena política mexicana. Tinha sido governador constitucionais anticlericais. A reação do governo foi imediata,
provisório do estado de Sonora, em 1917, ministro do Interior trc'h~ ~ ~sê co~;;'s religiosos, expulsando sacerdotes
na administração Obregón e possuía fama de ser radical e estrangeiros e prendendo alguns religiosos. A Liga de Defensa
socialista. Era homem de confiança de Obregón, que continuou de la Libertad Religiosa convocou um boicote econômico contra
mantendo influência política no governo. Foi dele a ideia de o governo. Atensão recrudesceu, culminando no conflito aberto
realizar reformas na Constituição, permitindo a reeleição de de meados de 1926 até 1929, que se estendeu pelos estados de
ex-presidentes e o aumento do mandato de quatro para seis Jalisco, Colima, Michoacán, Guanajuato e Zacatecas. Apesar da
anos. Os generais e candidatos presidenciais às eleições de 1928, influência da liderança católica, o movimento contou com a
Francisco Serrano e Arnulfo R. Gómez, se amotinaram contra adesão dos camponeses católicos dessas regiões, que possuíam
tais reformas constitucionais.Ambos foram presos e fuzilados.A demandas próprias. A cúpula da Igreja católica do México
morte de ambos evidencia a violência que comandou a prática sempre preferiu uma negociação diplomática com as elites a um
política mexicana nesse período. confronto aberto e não apoiou completamente a rebelião rural.
Durante o governo de Calles, eclodiu o conflito com a A Guerra Cristã foi fruto de uma coalizão rural entre
Igreja que desembocou na Rebelión Cristera, entre 1926 e 1927. O classes sociais distintas que não contavam com uma liderança
anticlericalismo mexicano deve ser visto dentro de um processo centralizada e atuavam segundo moldes zapatistas, com base
mais longo, que remete aos acontecimentos da Reforma em em grupos guerrilheiros com poucas armas e munição. Esse
meados do século XIX e que retirou o poder da Igreja. Durante movimento seguia o padrão das revoltas camponesas da
o.~gove rn os de Porfírio Díaz e de Francisco Madero, não houve Revolução Mexicana. O motivo que levou esses camponeses
rnninres problemas com essa instituição. No entanto, a partir católicos à rebelião foi sua revolta contra a suspensão do culto
do go lpl' e do governo de Victoriano Huerta, que contou com e a interferência estatal na autonomia municipal e também na

100 101
( :Al(l.<lS A l,lll'.ln'O SAMPA IO BARB OSA A REVOLUÇÃO M EXICANA

1111111 kn lo ·ai. Ou seja, foi ma~..!:'.11}a _OJ20sição rural contra..9 outros levantes, suas propostas foram divulgadas por um plano,
r1·1rudes ·imcnto do controle estatal da região central do México o Plano de Hermosillo. Esperavam apoio dos cristeros, em luta
do qu ' uma rebelião religiosa simplesmente. oco nfronto perdeu com o governo federal desde 1926, de José Vasconcelos e algum
i<>rça com os acordos de 1929, entre o no~o presidente, Emílio respaldo dos Estados Unidos, mas não conseguiram nada disso.
Portes Gil, e a Igreja, acordos intermediados por representantes Essa foi a última das grandes rebeliões militares após a
diplomáticos estadunidenses e chilenos, apesar de persistirem Revolução. Foi rapidamente sufocada e, além de proporcionar
pequenos grupos rebeldes ainda durante o governo de Lázaro um novo expurgo no Exército e até mesmo na Câmara, no Se-
Cárdenas, na década de 1930. 1 nado e em alguns governos estaduais, serviu para desencorajar
O período presidencial de Calles foi marcado ainda pela possíveis golpes de militares descontentes, na medida em que
continuidade da tensão com as companhias petrolíferas e pela deixou clara a força do governo central.
não resolução das questões relacionadas aos artigos constitu- No período que se seguiu à morte de Obregón, o México
cionais. Essa situação expôs dois problemas do país no período: foi governado por três presidentes: Emílio Portes Gil (1928-
a ausência de um mecanismo institucional para a escolha dos 1929), Pascual Ortiz Rubio (1929-1932) e Abelardo Rodríguez
candidatos presidenciais oficiais e a utilização dessas crises por (1932-1934). Essa fase ficou conhecida na história do México
setores do Exército para tentar impor nomes e influenciar nas como o Maximato, alusão ao domínio político exercido por Cal-
escolhas políticas. les, o chefe máximo da Revolução. Assim, resumidamente, num
Obregón candidatou-se para um novo mandato de seis intervalo de quinze anos, a política mexicana fora dominada por
anos e venceu as eleições. Quando comemorava a vitória, foi duas figuras: Obregón e Calles.
assassinado por um militante católico num restaurante nas pro- As seguidas crises sucessórias eram sintomas da fragilida-
ximidades da capital. Emílio Portes Gil (1928-1929), um político de do sistema político vigente. Calles, pe,illi.ª11.do em a12.erfei~oar
do estado de Tamaulipas, foi nomeado presidente interino pelo o sistema, criou o ful:_tid..Q_Nacional Revolucionário (PNR), em
Congresso até a realização de novas eleições, em 1929. ~ Mas, ainda assim, o novo parti& não deu conta d~ -
O grupo político ligado a Obregón desconfiava que o as- putas entre as facções políticas e Calles permaneceu como uma
sassinato de seu líder fora tramado por Calles e tentou um putsch espécie de árbitro político. Essa prática do partido dominado por
num evento que ficou conhecido como Rebelião Escobarista. Esta Calles deu origem ao que viria a ser denominado de um novo
ocorreu durante o mês de março de 1929, principalmente nos caudilhismo - o caudilhismo institucional. O objetivo de tal
estados do norte - Sonora, Chihuahua, Nuevo León e Durango - política era conquistar a adesão não só de líderes regionais ou
e contou entre seus participantes, além do próprio general José locais, mas também dos novos atores políticos: os camponeses
Gonzalo Escobar, com o general e governador de Chihuahua, e os operários.
Marcelo Caraveo, e demais generais obregonistas. Estes enten- O primeiro candidato escolhido para representar o par-
diam que Calles seria o verdadeiro mandante do assassinato de tido foi Pascual Ortiz Rubio. Seu principal oponente era José
Obregón. Assim, o levantamento militar contra Calles possuía Vasconcelos, que havia sido Educação Pública durante o gover-
muito mais características personalistas que políticas. Como no de Obregón. Vasconcelos vivia exilado, desde sua fracassada
campanha ao governo do estado de Oaxaca, e foi lançado como
' O trabalho de maior profundidade sobre a Rebelión Cristera é de Meyer pré-candidato pelo Partido Nacional Antirreeleicionista, pela
( 1973- 1974). Frente Nacional Renovadora e por outras pequenas agrupa-

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C AIUDS i\ 1.11EI\TO S AMPAIO BARBOSA A REVOLUÇÃO MEXICANA

,·1ws políl·i as. O pequeno Partido Social Republicano apoiou tentativa de construir um novo Estado. Embora tenham ocorrido
a ca nd idatura do veterano general revolucionário Antonio I. transformações estruturais na economia e na sociedade, a ques-
Villarreal. Outros dois candidatos participaram destas eleições: tão social não foi prioridade para os governantes. Aestabilização
o general Pedro Rodriguez Triana, pelo Partido Comunista e do regime exigia a domesticação do Exército e a ampliação do
pelo Bloco de Operários e Camponeses, e o licenciado Gilberto poder do governo central. Destaca-se o surgimento de uma nova
Valenzuela. elite econômica, que se tornou o cerne da elite revolucionária.
José Vasconcelos procurou apresentar a sua candida- A"família revolucionária'' era constituída pelos oficiais do novo
tura como uma continuação dos ideais de Francisco Madero. exército que, mediante privilégios em contratos, concessões,
Atacou o governo como "caudilhista e violento" e continuador acesso a fontes de crédito e investimentos na infraestrutura,
das ditaduras de Porfírio Díaz e Victoriano Huerta. O México, ademais da intervenção militar em fazendas, formou uma
segundo seu discurso, era uma nação sem sociedade civil, sem nova classe alta de latifundiários, comerciantes, banqueiros e
partidos políticos organizados e sem iniciativa privada, já que industriais. 2 Cabe frisar que esse Estado já se notabilizava pelo
esta se encontrava adormecida. Afirmava ainda que a palavra controle das organizações dos trabalhadores e camponeses, na
revolucionária havia sido "desnaturalizada". A sua derrota e tentativa de estabilizar sua base política.
a presumível fraude eleitoral foram denunciadas de antemão
a representantes da agência de notícias Associated Press, no Ü CARDENISMO : 1934-1940
momento mesmo em que Vasconcelos fugia em direção ao Nas eleições de 1934 sagrou-se vencedor o general Lázaro
norte do país, temendo por sua integridade física. No dia 10 de Cárdenas para os seis anos seguintes. Foi um dos primeiros
dezembro, na cidade de Guaymas, lançou o Plano Vasconcelista, p~ es, desde o fim da luta armada,que~i-;;- provinha do
conclamando a população mexicana a se sublevar contra o norte do país, mas êfõãlfípiãnõcentra . avia sido governador

-
governo, mas não obteve sucesso. dõêsraaode Michoacán e fezp arte da liderança do PNR. O
Pascual Ortiz Rubio governou de 1929 a setembro de seu governo teve três fases distintas. A primeira durou de sua
1932, quando renunciou. Ficou conhecido como o presidente posse ao rompimento com Calles e a subsequente mudança
sem poder. Em 1932, foi escolhido o general Abelardo Rodriguez do gabinete ministerial, na virada de 1935 para 1936. Nesse
para completar os dois últimos anos do período presidencial. Do primeiro momento, Cárdenas não tinha uma posição política
ponto de vista econômico, o país passava por uma fase em que forte e independente. Calles acreditava que continuaria na si-
foram criados o Banco Central e diversas instituições bancárias tuação de domínio político, mas não contava com a autonomia
e financeiras, além de se executarem grandes obras públicas. Na de Cárdenas. Os dois entraram em choque, principalmente
organização sindical predominava a CROM, do líder sindicalista devido à posição deste com relação à política sindical. Cárdenas
Luis N. Morones. Este havia rompido com Obregón em 1924, conseguiu conciliar uma série de alianças com caudilhos locais,
mas mantido estreitas ligações com Calles, e foi ministro da o Exército e sindicatos.
Indústria, Comércio e Trabalho durante sua administração. Esta Cárdenas apoiou e obteve respaldo dos operários via
central sindical predominou no movimento sindical até 1928, Comité de Defensa Proletaria, que posteriormente se transfor-
quando então perdeu apoio.
Nesse período, os maiores esforços da hegemonia sono- 2
Essa situação foi muito bem exposta no livro de Carlos Fuentes, La
rense foram voltados à estabilização política e social do país, na muerte de Artemio Cruz.

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C Al< LOS ALBERTO SAMPAIO BARBOSA A R EVOLUÇAO MEXICANA

mou na Confederación de Trabalhadores de México (CTM), e :1grária, a haciend~ t.@4icional foi quase que eliminada por
da Confederación General de Obreros y Campesinos de México ompleto. Para se ter uma ideia, ao final de seu governo .prati-
(CGOCM), comandada por Vicente Lombarda Toledano. Esses camente a metade dos terrenos cultivados eram ocupados por
fatos ocorreram entre junho e dezembro de 1935. No mesmo jidos. Além do mais, esses camponeses ejidatários receberam
período, o Partido Comunista Mexicano aproximou-se de Cár- maior apoio governamental na forma de crédito, ajuda técnica e
denas graças uma proposta de Frente Popular após a realização suporte na comercialização. Qtermo ejido. (palavra derivada do
do VII Congresso da Internacional Comunista em Moscou, entre latim exitum) foi criado no período colonial para denominar as
julho e agosto de 1935. áreas limítrofes dos povoados que exploravam principalmente
Foi nesse contexto nacional e internacional que Cárdenas, a pecuária e a lenha. N~ -revolucionária adquire outra
primeiro isolou Calles e, posteriormente, rompeu com ele. O conotação. Atualmente, o ejido, uma criação da Revolução Me-
ato simbólico foi a mudança de seu gabinete em 14 de junho xicana, foi o instrumento para a reforma agrária no México. O
~ ejido é uma espécie de dotação, não há compra; procedia da
de 1935; dois dias depois, Calles anunciou sua retirada da vida
expropriação de latifúndios Õu deterrãs do Estâdo e tÕr~-s-;
pública e viajou para o estrangeiro, mas nos bastidores conti-
nuou influindo na política mexicana. Voltou em 5 de dezembro
propriedade da nação, cedida em
usufruto perpétLÍÔe-héreditári~
aos camponeses, seja individualmente ou de forma êôietiva. '
de 1935, mas a oposição que encontrou foi muito forte, pois
O fato é que, depois de 193:S: o- ritmo tôêôntêJ<lo da
sua influência política achava-se em declínio frente aos novos
reforma agrária mudaram totalmente. Segundo a tabela abaixo,
atores políticos e sociais.
pode-se acompanhar como, durante o mandato de Cárdenas, se
A segunda fase do governo Cárdenas corresponde ao pe-
acelerou a distribuição de terras em relação aos outros períodos
ríodo de 1936 a 1938, quando implantou uma série de políticas
presidenciais.
sociais, como a reforma agrária, a nacionalização das ferrovias
e das companhias petrolíferas e a promoção dos sindicatos por
parte do Estado. A relação entre Estado e os sindicatos foi um DOTAÇÕES AGRÁRIAS POR REGIMES PRESIDENCIAIS
dos pilares do regime. Aproveitou a fragmentação da CROM e Período Hectares Porcentagem
Presidentes
atraiu lideranças sindicais, apresentando-se como uma opção presidencial distribuídos do total
à política conservadora de Calles. Conseguiu atrair setores dos Venustiano Carranza 1915-1920 132 0,3
sindicatos de esquerda e marxistas. Foi nesse cenário que surgiu maio - nov.
Adolfo de la Huerta 34 0,1
a Confederação Trabalhista Mexicana, em fevereiro de 1936. Sua 1920
política de nacionalização ampliou sua influência no meio sin- Álvaro Obregón 1920-1924 971 2,0
dical e a reforma agrária estendeu-a aos camponeses. Para isso Plutarco Ellías Calles 1924-1928 3.088 6,4
contribuiu ainda o apoio dado à formação das Ligas Agrárias,
Emílio Portes Gil 1928-1930 1.173 2,4
bem como a nomeação de líderes agraristas para postos-chave
Pascual Ortiz Rubio 1930-1932 1.469 3,0
da administração federal.
O governo cardenista levou a cabo uma reforma agrária Abelardo Rodríguez 1932-1934 799 1,7

das mais significativas, que afetou uma parcela considerável da Lázaro Cárdenas 1934-1940 17.890 37,1
população de uma região agrícola importante. Com essa reforma Fonte: Informes presidenciais.

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CA IU .O S ALll ERTO SAMPAIO B ARBOSA A R EVO LUÇAO M EXICANA

Em seu mandato, quase dezoito mil hectares foram dis- Essa exposição do governo de Lázaro Cardenas concorda
1ribuídos a ejidatários. A partir da ocupação de postos-chave com a afirmação do historiador Hans Werner Tobler ao dizer
na es fera federal por agraristas, estes colocaram em prática que o cardenismo representou a consolidação da Revolução
uma nova política agrária que não se limitou à distribuição Mexicana ou a "fase tardia da Revolução". A relação entre a
de terras, mas também criou mecanismos de crédito agrícola f~ g_a çla ~e~ li:ç~o j l910-1920) e o g~ rno de Lázaro
e ampliou o sistema de irrigação. Embora o ejído individual Cárdenas se d~ rincipalmente a três razões. A elite política '\
ainda prevalecesse, foi incentivada a criação de ejidos coletivos cardenista foi formada essencialme~te po; membros que luta-
e de cooperativas de produção, surgidos em alguns casos da ram na Revolução e traziam consigo as experiências da luta re-
expropriação de fazendas produtivas, como foi na região de La volucionária e de suas bandeiras de transformação social. Eram,
Laguna, nos estados de Coahuila e Durango, no norte do país. em geral, elementos atuantes nas alas mais radicais ou jacobinas
O governo Cárdenas esteve também mais aberto aos do constitucionalismo, muitos deles os principais responsáveis
interesses dos operários e deu apoio aos sindicatos. Nesse sen- pela introdução das leis progressistas na Constituição de 1917.
tido, podemos dizer que existiam certas continuidades com os Em segundo lugar, as reformas sociais e políticas implantadas :)_
governos anteriores, em especial no que diz respeito à criação sob Cárdenas significaram a adoção prática dos artigos mais
de uma base política de massas e seu controle. Mas, sem dúvida avançados da Constituição de 1917. Foi com a realização
nenhuma, o ponto culminante de sua política reformista foi a tardia das reformas que a Revolução adquiriu uma dimensão
expropriação das companhias petrolíferas estrangeiras, que ...J
social. Por último, a realização das reformas cardenistas só foi
foram nacionalizadas.3 possível porque o Exército Federal - instrumento de poder da
Enquanto isso, o PNR, que havia sido criado tendo em oligarquia - havia sido definitivamente eliminado pelas forças
vista principalmente as questões políticas, não dava mais conta camponesas em 1914.
da complexidade social do país. Em 1938, o antigo partido foi
transformado no novo Partido da Revolução Mexicana (PRM),
com estrutura semicorporativa, formada por quatro setores:
camponês, operário, popular e militar.
Aterceira fase, de 1938 até o final do mandato de Cárdenas,
em 1940, foi um período de consolidação da política e de tentãtwa
de manutenção das conquistas.Apressão política interna, causada
pela alta na inflação e pelos problemas de abastecimento, levaram
a uma diminuição do ritmo das reformas sociais. A situação
política também pesou, com o acirramento de uma oposição de
direita dentro da própria família revolucionária, levando Cárdenas
a uma posição mais cautelosa. Foi nesse contexto que escolheu seu
sucessor, Manuel Ávila Camacho, um político identificado com a
ala mais moderada e que deu outro rumo ao país.

3 Essas reflexões se devem em grande parte ao livro de Tobler (1994) .

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