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ZAFFARONI, Eugenio Raúl.

Em busca das penas


perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal.
Trad. Vânia Romano Pedrosa. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

Camila Cardoso de Mello Prando

O ato de abordar uma obra, ainda da década de 1980, reali-


zada por um autor de intensa produtividade acadêmica, pode ge-
rar algum estranhamento, ou mesmo uma interrogação sobre a
atualidade do texto. Para compreender a escolha, é importante
voltar-se ao trajeto do autor no contexto de produção da Crimi-
nologia. Tendo participado do Instituto Interamericano de Direi-
tos Humanos, fundado no início da década de 1980, Zaffaroni,
em conjunto com outros autores latino-americanos, iniciou uma
caminhada para a compreensão do funcionamento do sistema penal,
a partir da estrutura material de poder dos países latino-america-
nos, compreendidos como países periféricos. O momento de es-
tudos foi propício para produção de algumas obras, tais como,
Sistemas Penales y Derechos Humanos em América Latina e Criminologia.
Aproximación desde una margen1. Nelas, o autor desenvolve, a partir
de dados empíricos apreendidos pelas pesquisas do Instituto, uma 1
Cf. (Zaffaroni, 1984) e (Za-
compreensão teórica da Criminologia, a partir da América Latina. ffaroni, 1988).
Tal desenvolvimento culmina com maturidade na obra em ques-
tão: Em busca das penas perdidas.
A partir dessa obra, o autor inicia seu projeto de construção
de um discurso jurídico-penal desde um realismo marginal. Durante
a década de 1990, até a atualidade, Zaffaroni vem dedicando grande
parte dos seus estudos a uma teoria dogmático-penal que só pode
ser entendida se atrelada à sua concepção de sistema penal e de
sociedade. Para tanto, só será possível extrair todas as possibilida-
des das categorias dogmáticas atuais desenvolvidas pelo autor2, se
sua base teórica traçada no texto for considerada em toda a sua 2
Ver a categoria da culpabili-
radicalidade. dade pela vulnerabilidade desen-
Na obra, o autor lança as bases para um discurso dogmáti- volvida por Zaffaroni. (Zaffaro-
ni, 2004, p.31-48).
co-penal, que tem como fio condutor os Direitos Humanos. Afi-
na-se, a esse modo, com a produção no campo do saber Crimi-
nológico Crítico, que propugna também por uma Criminologia
dos Direitos Humanos, assim explicitado nas palavras de Lola
Anyiar de Castro: Desejamos que seja uma Criminologia dos Di-
3
reitos Humanos, entendidos em uma dimensão mais eficaz e ge- (Castro, 1982, p. 71-91).
neralizável do que estão sendo interpretados nas atuais democraci-
as capitalistas3.
O texto é dividido em três partes. Na primeira, apresentam-
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se a deslegitimação do sistema penal e a crise do discurso jurídico- do Cesusc.
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punitivo. Tais processos são abordados, a partir de dados empíri- Resenha Prando.
cos e de marcos teóricos deslegitimadores, tais como: o marxis-
mo criminológico, desenvolvido à época por Alessandro Baratta e
Massimo Pavarini; a análise desconstrutivista foucaultiana; e a in-
fluência, na criminologia, do interacionismo simbólico e da feno-
menologia. E acrescenta a estes, a teoria de dependência e de sub-
desenvolvimento latino-americano4, entendendo que ela [...] é o
marco que nos permite melhor aproximação para a compreensão
4
Esta teoria tem como uma das do controle social punitivo em nossa região marginal5.
suas referências, Raul Prebish
que em sua tese sustenta que há Para esta abordagem, parte-se de uma conceituação abran-
[...] uma debilidade congênita gente do sistema penal, de modo a incluir, além do sistema penal
dos países periféricos para reter formal, todas as formas de exercício de poder punitivo que cum-
todo o fruto do seu progresso téc-
nico. (Prebish, 1968, p. 17). O prem a função de controle social, ainda que o discurso justificador
que justifica a desigualdade e seja terapêutico, educativo ou administrativo. Assim, em seu con-
subdesenvolvimento enquanto ca-
racterísticas estruturais desses ceito, o autor ultrapassa os limites de um discurso jurídico-penal
países. Embora esta teoria pos- fundamentador de uma legalidade penal ou processual estrita e
sa ser considerada, em parte, desvela a amplitude do exercício de poder punitivo, primeiro pas-
superada por algumas limitações
teóricas na idéia de dependência so para se entender seu real funcionamento e compreender sua
latino-americana, Zaffaroni se função na sociedade.
apropria da noção de condição Esse sistema formal e informal realiza uma função negativa,
periférica de poder da América
Latina. por meio da repressão, e também positiva, por meio da configu-
5
(Zaffaroni, 1991, p. 65-66).
ração de poder disciplinadora e verticalizadora, que atende às de-
mandas de manutenção da ordem sócio-econômica. Aqui, Zaffa-
roni se apropria do entendimento das funções positivas do poder
penal, inicialmente desenvolvidas pelos frankfurtianos Rushe e Kir-
shheimer, e, em seguida, desenvolvido pela tese foucauldiana6.
6
Tais funções contêm um elevado nível de ilegitimidade. Para
Cf. (Kirshheimer & Rusche, que sejam realizadas, o processo criminalizador, levado a cabo
1999); (Foucault, 2000).
pelo sistema punitivo formal, embora submetido às limitações ju-
rídico-penais, não as obedece. Além disso, um sistema informal
subterrâneo operacionaliza-se, absolutamente às margens da lega-
lidade, especialmente nas estruturas de poder da América Latina.
Veja-se, por exemplo, a formação de grupos de extermínio que
realizam funções punitivas sem qualquer submissão a um controle
jurídico-formal.
O controle jurídico-penal que, por sua vez, declaradamente
tem como função limitar o exercício de poder punitivo, traz tam-
bém consigo sua cota de ilegitimadade, produzida através de um
7
discurso formal desconectado das relações de poder. Isto se dá
Para a relação funcional entre
a Criminologia etiológica e o dis- através da conjugação de uma Criminologia etiológica e de um
curso jurídico-penal, conferir direito penal de influências neokantianas. Se esse saber criminoló-
(Andrade, 1997). gico ocupa-se em identificar as ações das pessoas criminalizadas
pelo sistema penal, tomando essa seleção desigual como dado in-
330 questionável, o Direito Penal ocupa-se em construir um discurso
do dever-ser apartado de qualquer referência ontológica, impossi-
Revista de Direito
do Cesusc. bilitado, pois, de qualquer interferência no processo real de crimi-
No2. Jan/Jun 2007.
Resenha Prando. nalização7.
A partir desse quadro de ilegitimidade do sistema punitivo,
na Segunda Parte da obra, analisam-se as respostas centrais e mar-
ginais a essa deslegitimação. Do ponto de vista das respostas ela-
boradas na América Latina, o autor compreende que não se tra-
tam de respostas teóricas, na medida em que não estão atreladas a
uma perspectiva própria da realidade marginal latino-americana
(de funcionamento punitivo mais seletivo e violento). E, portanto,
limitam-se a uma dependência acadêmica dos países centrais, cujas
formulações são transnacionalizadas de modo irrefletido e assiste-
mático.
Dentre as formulações teóricas dos países centrais estão aque-
las que negam a deslegitimação. Por exemplo, podem-se apontar
as teorias funcionalistas do delito, que hoje tomam cada vez mais
lugar no espaço dos discursos jurídicos. E, de outro lado, têm-se as
formulações que enfrentam a deslegitimação, sob a perspectiva
político-criminal abolicionista e minimalista.
Neste ponto é que o autor apresenta sua crítica. Embora se
alinhe à perspectiva deslegitimadora, e entenda que ela deva ser
apreendida pelas produções teóricas, Zaffaroni, compreende que
as políticas-criminais, realizadas até o momento, eram insuficientes,
na medida em que praticamente não se preocupavam com o dis-
curso dogmático-penal. Tal despreocupação com a dogmática é
apontada como uma imobilização inaceitável, frente aos níveis exa-
cerbados de violência no processo criminalizador da América La-
tina em geral.
Entendendo que a realidade do poder punitivo exige uma
resposta imediata de contenção de violência, Zaffaroni atribui à
dogmática penal um papel importante. Ele propõe, pois, um dis-
curso marginal da teoria dogmática, desenvolvida na Terceira Par-
te da obra. Para sustentar que sua posição teórica não se confunde
com uma relegitimação discursiva do sistema punitivo, o autor ale-
ga que [...] esta é a verdadeira pauta indicadora do mínimo efetivamente
possível em cada circunstância, um mínimo imposto por um poder, por um fato
de poder que, de maneira alguma, estará legitimado, mas simplesmente presente,
não tendo a deslegitimação discursiva nenhum efeito mágico para suprimir este 8
(Zaffaroni, Op. Cit. p. 107).
poder de fato8.
Essa seria uma posição de estrategista. A partir de um impe-
rativo ético de ação frente à violência do controle social, buscar-se-
ia, ao menos, a sua contenção. Tais proposições, realizadas em fins
da década de 1980, tinham como objetivo, produzir motivação
teórica para que o exercício criminológico se voltasse com toda
sua radicalidade à construção de uma dogmática penal, a fim de
que se apropriasse dos dados empíricos de funcionamento do sis-
tema e que possibilitasse a minimização dos processos de violência
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levados estruturalmente a cabo pelo sistema punitivo. do Cesusc.
No2. Jan/Jun 2007.
Tal motivação, presente nos trabalhos subseqüentes de Za- Resenha Prando.
ffaroni, parece ter ecoado em algum sentido, de modo que, mes-
mo na produção acadêmica brasileira, alguns teóricos da Crimino-
9
logia, passaram a se aproximar da dogmática penal, a fim de pro-
A produção teórica do autor duzir uma leitura não relegitimante, mas de contenção da violên-
Juarez Cirino dos Santos é exem-
plo desta trajetória. cia9.
Atualmente, presenciam-se gerações de pesquisadores que
tomam contato diretamente com a produção da dogmática penal
crítica e propositiva de contenção da violência do poder punitivo.
No entanto, corre-se o risco de que essas leituras, apartadas do
fundamento criminológico crítico, recaiam lentamente em novas
relegitimações do sistema penal.
O que não mais é dito, nas produções contemporâneas, é
que, paradoxalmente, a dogmática, entendida como instrumento
10
de contenção de violência, é também atravessada por ela, na medi-
E são extensos os recortes
metodológicos que visam compre- da em que a oculta em seu discurso delimitador. Essa ambigüida-
ender ou sustentar esta ambiva- de, constitutiva, aliás, do direito moderno10, não impede o desen-
lência entre direito moderno e volvimento de uma teoria jurídica que vise à minimização da vio-
violência, veja-se, por exemplo,
leituras metodologicamente dife- lência do sistema penal, mas impede, sim, uma euforia desmedida
renciadas de Walter Benjamin, em relação aos progressos humanizadores de uma pretensa dogmá-
Renée Girard, Derrida, e, na tica crítica.
Criminologia, de Alessandro
Baratta. A fim que os recentes textos de Zaffaroni e da Dogmática
Jurídico-Penal Crítica sejam compreendidos na sua dimensão e na
sua perspectiva deslegitimadora, é mister que os leitores atentos
refaçam a trajetória da crítica criminológica, entendendo-a como
um suporte presente e fundamental na reformulação das dogmá-
ticas. Sem isso, mais modismos críticos se fazem.
Para a radicalidade possível da teoria jurídico-penal, vale lem-
brar a fórmula de Alessandro Baratta: não se trata de propor a
11
compreensão do conflito, a partir dos artifícios jurídicos da dog-
(Baratta, 1988. p. 6655-
6673). mática, mas, antes, de compreender tais artifícios dogmáticos atra-
vés dos conflitos e das realidades de poder11, perspectiva essa pos-
sibilitada pela leitura criminológico-crítica.

Bibliografia

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Ilusão de Segurança Jurídica. Do


controle da violência à violência do controle. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1997.
BARATTA, Alessandro. Proceso penal y realidad en la imputación de la
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de Derecho. n.531. Valencia, dez. 1988. p. 6655-6673.

332 CASTRO, Lola Anyiar de. A evolução da teoria criminológica e a avaliação de


seu estado atual. Trad. Eliane Junqueira. Revista de Direito Penal e
Criminologia. n34. Rio de Janeiro, jul.dez.1982. p.71-91.
Revista de Direito
do Cesusc.
No2. Jan/Jun 2007. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da Violência nas Prisões. 23 ed.
Resenha Prando. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2000.
PREBISH, Raul. Dinâmica do Desenvolvimento Latino-Americano. 2ºed.
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KIRSHHEIMER, Otto e RUSCHE, George. Punição e Estrutura social.
Trad. Gizlene Neder. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Sistemas Penales y Derechos Humanos en
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_______. Criminología. Aproximación desde una margen. Vol. 01. Bogotá:
Themis, 1988.
_______ . Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema
penal. Trad. Vânia Romano Pedrosa. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
_______. Culpabilidade por vulnerabilidade. Discursos Sediciosos. Ano 9. n.
14. Rio de Janeiro: Revan, jan/dez, 2

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No2. Jan/Jun 2007.
Resenha Prando.

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