Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Rio de Janeiro
2010
Amanda Alves de Souza
Rio de Janeiro
2010
Ao meu grande amigo e professor
Marcos Silva e aos meus companheiros
do Núcleo Interdisciplinar de Ações para
Cidadania.
Agradeço meu orientador, Prof. Ms. Marilson Santana, pela
constante dedicação para que pudesse produzir este trabalho e pela correção de
minhas deficiências de formação.
CDD 340.12
Amanda Alves de Souza
Banca Examinadora:
________________________________________________
Prof. Marilson Sanatana – Presidente da Banca Examinadora
________________________________________________
Profª Juliana Neuenschwander Magalhães
________________________________________________
Profª Miriam Guindani
Sumário
Introdução......................................................................................................................... 6
I. Contribuições da Nova Escola Jurídica Brasileira para crítica e reconstrução do ensino
jurídico.............................................................................................................................. 8
1.1 Contextualização..............................................................................................8
1.2 Fundamentos da Nova Escola Jurídica Brasileira..........................................11
1.3 Diagnósticos dos problemas do modelo de ensino jurídico tradicional.........15
II. Diretrizes Curriculares, Reforma do Ensino e Extensão Universitária no Direito.....19
2.1 Breve histórico de propostas para Reforma do Ensino Jurídico....................19
2.2 Estudo das causas da não-reforma.................................................................21
2.3 Portaria 1.886/94 e a Extensão no Direito.....................................................25
2.4 Resolução nº 9 de 2004 do Conselho Nacional de Educação........................28
III. Desafios para implantação do Núcleo Interdisciplinar de Ações para Cidadania na
Universidade Federal do Rio de Janeiro..........................................................................31
3.1 Formação da Equipe Interdisciplinar.............................................................35
3.2 Elaboração do Atendimento no NIAC...........................................................39
3.3 Acompanhamento das demandas pela equipe do Direito..............................44
3.4 Por que ter pesquisa na Extensão? ................................................................48
IV. O que se pensa na colina: breve relato sobre a experiência da Universidade de
Brasília.............................................................................................................................51
Conclusões.......................................................................................................................53
Introdução
ensino jurídico mais crítico e interventivo na realidade. Traçarei um breve relato sobre os
temas e projetos sugeridos pela UnB como centrais para o estabelecimento de uma nova
cultura jurídica no Brasil e para a emancipação de setores sociais espoliados e oprimidos.
A expectativa deste trabalho é mostrar como essa nova práxis extensionista tem se
revelado um contraponto dentro de instituições de ensino cuja cultura jurídica formalista
marcada por teorias positivistas, embora ainda dominantes, têm se demonstrado incapazes de
explicar a complexa e contraditória realidade social nem tampouco dão respostas adequadas e
satisfatórias às demandas concretas de amplos setores da sociedade. Além disso, a nova práxis
coloca a possibilidade da adoção de novas formas de produção de conhecimento científico
que assumam, diferentemente das formas clássicas, seus devidos compromissos políticos e
ideológicos.
8
1.1 Contextualização
Neste capítulo será feita uma breve análise das contribuições oferecidas pela Nova
Escola Jurídica Brasileira para a construção de novas práticas pedagógicas e para superação
do que se convencionou chamar crise do ensino jurídico. Antes de colocar o que vem a ser a
Nova Escola e o que propõe como alternativa às teorias positivistas e jusnaturalistas, é preciso
observar em que contexto histórico-social estavam imersos seus membros.
Destaco, então, dois momentos que podem ter criado condições materiais, históricas e
culturais determinantes para o surgimento desta Escola do Direito que influenciou geração
acadêmica posterior e certamente continuará servindo de marco teórico dada a sua atualidade.
O primeiro momento é aquele que se entitula de período das demandas populares pós-
64. Nesse período de efervescência política que vai de 1970 a 1980, o país ainda se
recuperava dos tempos de autoritarismo que se configuraram com a tomada do Poder
Executivo pelas Forças Armadas em 1964, que contaram inicialmente com o apoio de
parcela significativa da sociedade brasileira, em especial da classe média urbana e, no plano
internacional, com os organismos representantes do imperialismo Norte-Americano.
No plano econômico, observa-se que
“o exercício pleno da hegemonia militar-tecnocrático-empresarial
exigia um processo acumulativo contínuo, um certo progresso
material das classes médias e um elevado grau de autoritarismo em
nome da eficiência do planejamento, o que foi possível até o primeiro
choque do petróleo, no início dos anos 70.” (Luz: 2008: 84)
grandes movimentos de cunho nacional a não ser o confronto direto e aberto com o Estado. A
pauta de revindicação dos movimentos políticos e sociais a partir de 1970 passou, então, a
girar em torno basicamente da luta pela anistia, redemocratização e maior participação
política.
Nesse mesmo período, destaca-se, além da resistência ao regime militar, a importância
dos movimentos sociais cristãos e de inspiração na Teologia da Libertação. Tais movimentos
até o início de 1990 estiveram inseridos nas grandes mobilizações de massa e, após o início da
referida década, se articularam de variadas formas com setores da sociedade que vão de
Organizações não governamentais a partidos políticos. (Gohn: 2003: 19)
De fato, o segundo momento que diz respeito à Nova Escola Jurídica Brasileira é o
chamado período de constituição dos novos movimentos sociais que vai de 1980 a 1990. Com
a redemocratização do país, esse momento foi marcado pela ampliação dos espaços de
participação política e pelo surgimento de outras formas de organização, para além dos
sindicatos e partidos políticos, que eram os pólos principais de resistência do período anterior.
Não se pode negar o impacto da crise que se instalou na União Soviética sobre as
formas de organização popular em todo o mundo. Nesse contexto, os partidos/organizações de
esquerda, em especial o Partido Comunista, recém retirado da ilegalidade, receberam duras
críticas dos mais amplos setores da sociedade brasileira, passando por um momento de auto-
crítica e reformulação dos seus instrumentos de atuação sem abandonar, no entanto, a
orientação Marxista-leninista. (Kurz: 1992: 16)
A afirmação do “fim da história” em 1989 e do American Way of Life como “forma
definitiva racional da sociedade e do Estado”, além de revelar a arrogância e preciptação dos
“vencedores”, também demonstrou o quão fragilizada estava a organização dos trabalhadores
em todo mundo. Falhas em mecanismos de funcionamento interno do socialismo real e a crise
que se abateu também sobre o modelo capitalista revelam que a “vitória do Ocidente” foi um
tanto quanto forçada e irreal.
Kurz reuniu em uma de suas obras para demonstrar o cenário com o qual se deparou a
esquerda com a queda do socialismo real.
“ A RDA terminou com um suicídio e na Hungria “o capitalista passa
a ser figura positiva”. O PC Italiano, que já se tornou social-
democrata há muito tempo, afirma: “Martelo e foice vão para o erro
velho.”, enquanto a classe intelectual da Itália, com sua despedida do
Marxismo, comete “parricídio por falta de interesse”. A líbia de
Kadhafi “tenta o abandono cuidadoso do socialismo restrito da
revolução”. Moçambique e Angola “viram, empobrecidos, as costas
10
Dentre as novas reinvindicações estavam as das mulheres, por uma maior participação
nas esferas de poder político, dos negros, pelo fim das desigualdades históricas e sociais, e
aquelas provenientes do novo sindicalismo.
Para Gohn, os chamados novos movimentos sociais têm constituído desde 1980 até os
dias atuais uma identidade a grupos antes dispersos e projetado em seus participantes
sentimentos de pertencimento ou de inclusão social. Além disso, resgataram uma orientação
de caráter humanista em uma sociedade de orientação mercadológica, fizeram resurgir um
sentido de coisa pública e incentivaram a vigilância sobre a atuação estatal. (Gohn: 2003: 16)
Assim, o período de 1970 até 1989 contribuiu decisivamente, via demandas e pressões
organizadas, para a conquista de direitos sociais novos que foram inscritos mais tarde na
Constituição de 1988. De 1990 até 1999, houve uma desmobilização em massa, reflexo da
crise dos países socialistas e da implantação do modelo neoliberal, com o conseqüente
deslocamento da visibilidade dos movimentos de cunho popular para as ONG’s. Em paralelo,
apesar do cenário desfavorável às mobilizações, assistiu-se à criação da Central dos
Movimentos Populares, a organização dos trabalhadores do mercado informal e grande
adesão social às bandeiras do funcionalismo público contra a supressão de direitos sociais, em
função de ajustes fiscais e da política econômica implantada. (Gohn: 2003: 27)
Outra característica relevante observada no período de 1970 a 1989 é o método de
ação dos movimentos sociais, marcado basicamente pela atuação a margem do instituído. Um
traço marcante é o de que as regras burocráticas e as prescrições jurídicas eram alteradas, não
pelas vias institucionalizadas, mas por ações coletivas e por vias paralelas ao Estado.
11
Como se pôde observar, houve nos períodos acima relatados quatro elementos
históricos que nos parecem fundamentais para o fortalecimento de uma nova concepção
acerca do Direito, que conseqüentemente desenboracará na busca por novas práticas
pedagógicas sendo eles: (i) o crescimento da resistência aos modelos econômicos implantados
pelas elites nacionais, (ii) a contestação do direito positivado vigente, (iii) a conquista de
direitos sociais pelos movimentos de resistência e (iv) a formação de demandas por novos
direitos.
Observados esses quatro elementos, passo a discutir o posicionamento da Nova Escola
Jurídica Brasileira, chamada por Lyra Filho de NAIR. Utilizarei a própria metodologia
sugerida pelo autor para sintetizar esse posicionamento. Dividirei a nova concepção jurídica
em quinze proposições sintéticas báscias: cinco relativas ao que a Escola não é, cinco relativas
ao que ela combate e cinco relativas ao que ela sugere. Em seguida, será feita a relação entre
as sugestões da NAIR e os desafios impostos para superação da crise por que passa o ensino
jurídico e que perspectivas esse novo marco teórico brasileiro criou para as instituições de
ensino jurídico.
A primeira proposição do bloco do “não-ser” representa uma crítica as doutrinas
positivistas que consideram o Direito um sistema de dogmas encadeados entre si. Além disso,
não se propõe uma adaptação a modelos teóricos anteriores, mas construtora de uma teoria
dialética do Direito, em constante aperfeiçoamento e ciente de suas limitações, que se baseia
em outras cinco proposições negativas que constituem o bloco de combate a noções presentes
no ensino jurídico. A NAIR se propõe espaço democrático para livre produção do saber ao
negar na terceira e quarta proposição tanto a vinculação do seu saber a outros objetivos que
não sejam o avanço teórico na área do Direito quanto a impossibilidade de coexistência de
idéias antagônicas para formulação de princípios comuns a todos os seus membros. A quinta
proposição diz respeito à preocupação de produção de um saber que seja contextualizado e dê
12
Passo agora a analisar o bloco de combate da NAIR que constitui crítica a algumas
noções predominantes nos cursos jurídicos. A primeira linha de “combate” que se abre é em
relação a associação que “normalmente” se faz entre Direito e lei. Se Direito fosse lei
“não existiria Direito Internacional (inclusive supraestatal, na
medida em que traça limites jurídicos para o comportamento dos
Estados), não se entenderia o Direito de que se tratou, nos tribunais
de Tóquio e Nuremberg, após a 2ª Guerra Mundial, nem se
fundamenta o direito de libertação nacional, exercido por maquis,
mesmo quando um governo de fato manda que cessem as hostilidades
ao inimigo.” (Lyra Filho: 1984: 12)
Outra proposição de combate que toca na questão da liberdade diz respeito à negação
do chamado “fetichismo jurídico” que concebe a liberdade a partir do direito positivado
(costumeiro ou legal) e não observa os excessos cometidos pelas leituras ultra legalistas da
realidade nem tampouco os excessos cometidos quando não se obeservam limites jurídicos,
inclusive, para a própria atuação do Estado.
A quinta e última linha de combate consiste em não reconhecer o monopólio do
Estado do poder de normar e sancionar. Trata-se de reconhecer que o sistema jurídico só é
14
A partir disso, observo que dois dos elementos característicos do tempo histórico da
NAIR (o crescimento da resistência aos modelos econômicos implantados pelas elites
nacionais e a contestação do direito positivado vigente) permeam em grande medida dois
grandes blocos críticos de proposições (não-ser e combate), ao afirmarem um novo espaço de
15
No início do período que vai de 1990 a 2000, dentre as instituições que se propunham
a debater a questão da crise do ensino, destaca-se o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil que já em anos anteriores combatia a abertura desenfreada de cursos
jurídicos privados formadores, no entendimento da entidade, de profissionais insensíveis à
situação de crise do país.
Através de sua Comissão de Ensino Jurídico, foi desenvolvido relevante trabalho de
elaboração de um diagnóstico de problemas que afetam o ensino do Direito e, a partir desse
levantamento, criou uma série de perspectivas e propostas para superação de obstáculos e
dilemas encontrados.
Como bem sintetizou Sousa Junior, a época Vice-Presidente da Comissão de Ensino
Jurídico,
“tratava-se de empreender um trabalho crítico e consciente apto a
afastar o jurista das determinações das ideologias, quebrar a
aparente unidade ou homogeneidade da visão de mundo constitutiva
de um pensamento jurídico hegemônico produzido por essas
ideologias e romper, em suma, com a estrutura do modo abstrato de
pensar o direito, inapto para captar a complexidade e as mutações
das realidades sociais e políticas.” (Sousa Junior: 2007: 22)
Constatou-se que o aluno era diretamente afetado pelo referido método, visto que o
conhecimento torna-se um tanto quanto estranho a sua vida cotidiana. Na maioria dos casos,
só se enxergará aplicação prática dos conceitos acumulados já no pleno exercício da vida
profissional, ou seja, cinco ou seis anos depois de iniciados os estudos na Graduação. (Pôrto:
2000: 39)
Se para o universitário o conhecimento adquirido lhe é estranho, imaginemos para o
leigo que encontra-se no lado de fora dos muros da Universidade? Como promover novas
indagações jurídicas, tendo em vista as demandas sociais latentes, se o Direito é tido sempre
como um dado a ser apreendido de maneira dogmática e inquestionável?
Embora não queira dar uma série de respostas imediatas para esses questionamentos
para não fugir do foco deste trabalho monográfico, os desafios não deixam de estar colocados.
Neste sentido, promover a contextualização do ensino exige a apreensão da realidade
circundante de forma a reconstruí-la e recriá-la a partir de novas referências. Além disso, a
aprendizagem não alienante pressupõe mobilização dos alunos a partir de outros saberes que
não são estranhos nem a eles e nem, portanto, ao senso comum. (Pôrto: 2000: 39)
Com isso, chegamos a segunda característica básica do modelo de ensino vigente que
é a unidisciplinaridade. Observou-se que tal modelo parte de premissa relativa ao
conhecimento científico com um todo de que para melhor conhecer o mundo, o conhecimento
deve se subdividir em pequenas partes. Transportando-se tal premissa para o universo da
ciência jurídica, o Direito passaria a se afirmar em relação a outros saberes como ciência, a
partir do momento em que estabelece fronteiras disciplinadas e disciplinadoras. As fronteiras
passam a ser vigiadas e nenhum contato com outros saberes é permitido, visto que desse
diálogo se produziria um outro saber “não-jurídico” e “desinteressante” ao Direito. Os temas
normalmente estudados, portanto, pelo Direito parecem não dizer respeito ao conjunto da vida
coletiva e cotidiana e é exatamente por isso que seus conteúdos ou ficam adstritos ao
privilegiado campo a que apenas os juristas conseguem ter acesso ou causam certa
perturbação aos alunos e à boa parte da sociedade pela sua falta de comunicabilidade.
A terceira e última característica levantada pelos estudos mencionados se relaciona
com as anteriores ao colocar o dogmatismo como estruturante do ensino jurídico atual.
Conforme vem demonstrando a experiência prática,
“ a competência jurídica é um poder específico que permite que se
controle o acesso ao campo jurídico, determinando os conflitos que
merecem entrar nele e a forma específica de que devem se revestir
para se constituirem em debates propriamente jurídicos.”
(Pôrto: 2000: 50)
18
Com isso, os conflitos sociais saem do alcance das pessoas envolvidas para as mãos
dos especialistas que criam com os leigos uma relação assimétrica e hierárquica, visto que
estes últimos não conhecem as regras de funcionamento do campo jurídico. Esta relação não
passa de reflexo da hierarquia criada entre o pensamento dogmático acadêmico e os outros
saberes, sejam eles acadêmcios ou do senso comum.
O pensamento dogmático se mantém pela exclusão não apenas de outros saberes, mas
também pela exclusão/ocultamento de contradições sociais para manter intactas suas
premissas. Conforme já mencionamos anterioremente, foi constatado que esse pensamento é,
por sua vez, transmitido pelo encadeamento de dogmas, ou seja, pressupostos inquestionáveis,
que tornam o campo jurídico privilegiado e afastado de saberes que o tornaríam comunicável.
O levantamento dessas três características abriu para as instituições de ensino jurídico,
portanto, algumas perspectivas para o início de um processo de mudança iniciado pela Nova
Escola Jurídica Brasileira desde 1970. As novas perspectivas permitirão às instituições
universitárias
“criar condições para romper com o positivismo normativista,
superar a concepção de que só é profissional do Direito quem se
adequa e exerce a atividade forense, negar a auto-suficiência
disciplinar do Direito, superar a concepção de educação tradicional
das salas de aula e formar um profissional com perfil interdisciplinar,
teórico, crítico, dogmático e prático.”(Sousa Junior: 2007: 26).
do sistema educacional, têm especificidades que devem ser levadas em consideração, posto
que o seu instrucionismo produz efeitos diferenciados, diante de objetivos, condições e
formatos institucionais históricos que são destacadamente distintos das outras ciências sociais.
(Demo: 2008: 15)
No início do período que vai de 1970 a 1980, o Ministério da Educação tomou
algumas iniciativas no sentido de reformular os cursos jurídicos. A discussão, porém, não
tratou, em seu conjunto, de questões históricas e teórico-metodológicas, se resumindo a tão
somente estabelecer um currículo mínimo de disciplinas, carga horária, duração do curso e
normas gerais pertinentes a sua estruturação mínima. Assim, o currículo mínimo passou a
compreender as seguintes matérias: Introdução ao Estudo do Direito, Economia, Sociologia,
Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Penal, Direito Comercial, Direito do Trabalho,
Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Direito Processual Penal. A instituição
também poderia optar por ministrar duas dentre as seguintes matérias: Direito Internacional
Privado, Direito Internacional Público, Direito das Navegações, Direito Romano, Direito
Agrário, Direito Previdenciário e Medicina Legal. Além disso, poderia criar habilitações
específicas que possibilitassem a formação de profissionais com um diferencial no mercado
de trabalho. (Rodrigues: 1987: 38)
A chamada Prática Forense passou a ser vista como complementar a formação, junto
com outras disciplinas como Educação Física. Os estágios de prática passaram a ser
desempenhados nas dependências das Faculdades, sob a supervisão da Ordem dos Advogados
do Brasil.
Constatou-se que a visão predominante no ensino era a de que o profissional do
Direito era um técnico em resolver conflitos. Com isso, se desenvolvou uma assistência
judiciária sem a preocupação com outras formas de realização do Direito. Além disso, havia
uma “obsessão praxista” caracterizada como “uma febre por saber fazer” vinda dos alunos,
sem a preocupação com “o porquê de fazer” de determinada forma. (Rodrigues: 1987: 54)
De fato, observou-se de uma maneira geral que a grande maioria das instituições de
ensino adotou o currículo mínimo como pleno, deixando de discutir disciplinas e atividades
práticas que se adequariam a demandas dos alunos e da sociedade em âmbito regional e
nacional. Além disso, as iniciativas do Ministério da Educação não foram suficientes para
responder alguns fenômenos sociais ocorridos na época que serviram como pano de fundo,
além da pressão organizada de setores da sociedade que demandavam mudanças na ordem
social, política e econômica. Restou claro que o problema dos cursos não se resumia a uma
21
mercado, também não cabe pressionar as faculdades para que implementem mudanças, pois já
criou mecanismos de aperfeiçoamento da mão-de-obra aos seus interesses independentemente
das instituições de ensino tradicionais, através de “estágios”, conforme mencionamos em
parágrafos anteriores, e especializações privadas. Com isso, não se criam condições que
impulsionem mudanças nas instiuições de ensino e, ao mesmo tempo, não se criam novas
oportunidades no mercado de trabalho, posto que não se investigam cientificamente ao menos
as causas de sua saturação. (Rodrigues: 1987: 79)
Constatou-se que uma das causas de saturação do mercado de trabalho para juristas
está na não ampliação de mecanismos de acesso a direitos fundamentais e à Justiça ainda
restritos a determinados setores sociais. Mas não haveria ampliação desses mecanismos sem
que houvesse uma opção política clara do Estado Brasileiro de democratizar política e
socialmente suas próprias estruturas.
Reorganizar o curso jurídico significa reorientá-lo em direção a novos objetivos
sociais de transformação. A Reforma tem que começar da análise e da determinação das
condições sócio-econômicas e político-culturais em que se processem as relações entre a crise
do direito positivo e o ensino jurídico. A reformulação curricular não se trata de agregar de
maneira assistemática disciplinas a uma grade curricular, mas de resgatar a própria
organicidade do curso à vida social. Além disso, a criação da interdisciplinaridade nos cursos,
fundamental para uma melhor compreensão de seus próprios problemas, não se limita ao
mero relacionamento entre Direito, Economia e Sociologia, mas na valorização do estudo do
Direito, adotando-se marcos teóricos em condições de oferecer uma perspectiva histórica e
crítica dos institutos jurídicos e das relações que lhes deram origem e função.
Neste sentido, de nada serve acrescentar o estudo da Sociologia Jurídica, da
Antropologia ou da Economia, se as disciplinas dogmáticas permanecem dogmáticas.
“Um modelo dialético há de ser aberto e com a preocupação
constante de encarar os fatos, dentro de uma perspectiva que enfatiza
o devir (a transformação constante) e a totalidade ( a ligação de
todos os segmentos da realidade em função de conjunto ).”
(Rodrigues: 1987: 122)
nortear uma transição entre um modelo anterior de ensino e um modelo a ser construído mais
ampla e democraticamente. (Pôrto: 2000: 72)
No entanto, muitos dos parâmetros de qualidade instituídos pela nova Portaria, embora
representassem um avanço das dicussões acerca da reforma do ensino jurídico, permaneceram
em plano meramente formal nas Faculdades de Direito, em especial nas públicas, visto que no
plano material a Universidade como um todo sofreu, a partir de 1990, seguidas crises
estruturais.
No caso das Faculdades Públicas de Direito, o quadro de crise político-institucional foi
bastante delicado. Na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por
exemplo, consoante o relato de lideranças estudantis publicadas no livro “CACO: 90 anos de
história”, a inexistência de democracia interna e a escassez de recursos praticamente
impossibilitaram qualquer debate institucional acerca de uma nova concepção de ensino a ser
construída e implantada. Não havia nenhum professor concursado, até o ano de 2009, para
assumir efetivamente o chamado Escritório Modelo de Atendimento (atual Núcleo de Prática
Jurídica), sendo todos os professores de prática contratados temporariamente por período de
um ou dois anos com pouca ou nenhuma experiência docente ou no desenvolvimento de
pesquisas, sem falar na total incompreensão dos reais propósitos da extensão universitária.
No contexto de crise institucional da Universidade, houve um aumento vertiginoso de
instituições privadas de ensino que integravam um mercado altamente lucrativo,
antidemocrático e despreocupado com a formulação de mecanismos para o alcance mínimo
dos parâmetros de qualidade até então estabelecidos pelo Ministério da Educação. De acordo
com o Resumo Técnico do Censo Nacional da Educação Superior de 2008, o maior número
de faculdades privadas (93,1%) e de centros universitários (96%) está vinculado ao setor
privado, enquanto as universidades estão distribuídas em proporção aproximada entre
setor público e o privado, 53% e 47% respectivamente, conforme dados do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP1.
Na realidade, a crise institucional da Universidade está intimamente relacionada à
crise do modelo capital-desenvolvimentista e do chamado Estado-Providência. Com o
enxugamento do orçamento social e, conseqüente deterioração de políticas sociais, o sistema
de ensino superior sofre cortes de financiamento público. As áreas de ciências humanas e
sociais são as mais afetadas, posto que, na escala de prioridades do Estado, passam a figurar
num plano secundário. (Santos: 2008: 214)
1
Cf.www.inep.gov.br
27
No que tange ao eixo de formação prática, de acordo com explicação de Sousa Junior,
empreendeu a Resolução um atualizado refinamento conceitual para acentuar que o
determinado eixo objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos
nos demais eixos, especialmente das atividades do Estágio Supervisionado, Trabalho de
Curso e Atividades Complementares. (Sousa Junior: 2007: 26)
A Secretaria de Educação Superior, através de relatório elaborado por profissionais da
educação em 2005, estabeleceu ainda que a concepção de organização das atividades prática
deve se adequar tanto ao perfil profissional sugerido pelo Projeto Pedagógico quanto aos
conteúdos dos eixos de formação fundamental (que abrange os conteúdos da Antropologia,
30
2
Cf. Anais do 3º Congresso de Extensão da UFRJ. In: www.pr5.ufrj.br/congresso/Anais
32
Princípio 3. A universidade deve participar dos movimentos sociais, priorizando ações que
visem à superação das atuais condições de desigualdade e exclusão existentes no Brasil;
Princípio 4. A ação cidadã das universidades não pode prescindir da efetiva difusão dos
saberes nelas produzidos, de tal forma que as populações cujos problemas tornam-se objeto da
pesquisa acadêmica sejam também consideradas sujeito desse conhecimento, tendo, portanto,
pleno direito de acesso às informações resultantes dessas pesquisas;
Princípio 6. A atuação junto ao sistema de ensino público deve se constituir em uma das
diretrizes prioritárias para o fortalecimento da educação básica através de contribuições
técnico-científicas e colaboração na construção e difusão dos valores da cidadania.
(Fonte: Plano Nacional de Extensão Universitária de 2000, elaborado no Fórum de Pró-
Reitores de Universidades Públicas e Secretaria de Ensino Superior).
Teoria-Prática. Embora não coubesse mais nem nas novas diretrizes curriculares publicadas
pelo MEC em 2004 nem na concepção de ensino do novo PPP a idéia de um espaço de
aprendizagem exclusivamente prático, o fato é que a estrutura tradicional do Escritório
Modelo, embora tenha modificado apenas sua nomenclatura para Núcleo de Prática Jurídica,
permanece sem grandes alterações até os dias atuais.
Ainda vigora a noção de que o Escritório Modelo é espaço de manipulação da
dogmática, em que o aluno redige peças processuais, acompanha processos judiciais e
comparece às audiências. A postura com a população é extremamente paternalista, não se
extraindo desse contato preocupações maiores que não as estritamente relacionadas as
questões judiciais. Para o Escritório Modelo, basta oferecer assistência judiciária “gratuita”,
que a Faculdade estaria cumprindo com suas responsabilidades sociais. Embora tenha esta
estrutura atravessado crises infra-estruturais oriunda de todo um contexto de “precarização”
da educação pública, não é somente a esta crise a qual me refiro. A crise é mesmo do modelo
de educação instalado, tendo a estrutura do Escritório Modelo sentido seus reflexos.
De fato, o NIAC representa uma compreensão diferenciada desse espaço de
aprendizagem. Observou-se no contato com os projetos do Instituto de Psicologia, da Escola
de Serviço Social e da Escola de Arquitetura e Urbanismo que o Projeto da Faculdade
Nacional de Direito possuía uma maior abrangência por prever na sua origem uma atuação
interdisciplinar, o que o levou a servir de base de sustentação do Programa de Extensão
nomeado Núcleo Interdisciplinar de Ações para Cidadania - NIAC. O Projeto original passou,
então, a fundamentar todo um Programa e, em seguida, congregou elementos, conceitos e
nomenclaturas dos projetos das outras áreas de conhecimento que inicialmente compuseram
sua equipe de implementação.
Embora o Projeto original tivesse como referência a atuação interdisciplinar, não
estabelecia de antemão os métodos para aplicação do conceito de interdisciplinaridade, ou
seja, de que forma se poderia implantar uma práxis diferenciada daquela existente no
Escritório Modelo da FND. Essa nova práxis passou por processo de amadurecimento e auto-
avaliação fundamentais para sua construção, conforme veremos a seguir.
Universidade que remonta ainda ao século XIX. Há na Universidade uma espécie de “pacto
federativo”, fruto de uma cultura profissionalizante existente desde a sua criação, que garante
a autonomia das partes e impede a formação de um verdadeiro tecido universitário. Isso
explica em parte o porquê da dificuldade de se construir projetos de pesquisa e/ou extensão
como o NIAC, mas não encerra a questão conforme veremos a seguir.
A construção da nova práxis extensionista se torna mais complexa quando são
debatidas questões éticas do NIAC e da prática de cada profissional ou estudante envolvido.
Esse embate ético, que compreendo também como debate teórico, será analisado mais adiante
quando for apresentado o modelo de atendimento interdisciplinar. Por enquanto, passo a
analisar os focos de interesse de cada área que compôs inicialmente a equipe do NIAC.
O foco de atuação dos alunos e professores do Serviço Social era, na formação inicial
da equipe, basicamente investigar as circunstâncias que levam a maioria da população aos
chamados processos de “vitimização e criminalização da pobreza”. O trabalho inicial
consistia na aplicação de formulários, visitas às mais diversas instituições localizadas no
Complexo de Favelas da Maré e no levantamento de dados estatíticos oficiais ou de institutos
de pesquisas que já haviam feito uma análise das condições sócio-econômicas da região. A
Criminologia era, portanto, a grande área de conhecimento para a qual se voltava a equipe do
Serviço Social, o que provocou, em período mais avançado de amadurecimento do Programa,
o incentivo à construção de um Fórum de debates com professores, estudantes, magistrados,
policiais e agentes penitenciários sobre os problemas enfrentados nas regiões em que o papel
do Estado tem sido de reproduzir sistematicamente uma rede de violência e de aprofundar
desigualdades sociais.
Em relação ao trabalho desempenhado pela equipe da Psicologia, já havia uma
dinâmica de atendimento estabelecida pelo Programa Integrado de Ensino, Pesquisa e
Extensão em Avaliação, Diagnóstico e Intervenção Psicológica - PROIPADI. Esses
atendimentos, sempre com ênfase em demandas individuais, consistiam na avaliação e
encaminhamento do paciente para acompanhamento em áreas mais específicas dentro do
ramo da Psicologia. Problemas como depressão em adultos e dificuldade de aprendizagem por
crianças eram inicialmente enfrentados através de intervenções individuais por uma equipe de
profissionais especializados e alunos do Instituto de Psicologia.
A criação de uma dinâmica calcada em atendimentos individuais, aliada a uma
formação disciplinar e “especializante”, representou grande obstáculo não apenas à
incorporação do Instituto de Psicologia ao novo Programa Interdisciplinar em fase de
38
construção, mas também de compreensão dos saberes acumulados por aquela equipe que,
pelas linguagens e metodologias adotadas, se mantinham restritos a ela mesma.
Em um estágio mais avançado da construção do NIAC, após uma série de debates com
as equipes do Direito, Serviço Social e Arquitetura, a equipe de Psicologia passou a adotar
novas linguagens e metodologias que foram fundamentais para estabelecimento de uma
dinâmica mais coletiva e interdisciplinar com as outras áreas. Além disso, o acompanhamento
das demandas dos usuários sofreu radical transformação, visto que foram construídas novas
formas de intervenção, para além das tradicionais intervenções individualizadas, com a
criação do grupo terapêutico que proporcionava o diálogo e interação entre usuários com
demandas semelhantes.
O Instituto de Psicologia também contribuiu em grande medida na construção do
Fórum de Criminologia ao propor a análise dos métodos de avaliação psicológica no Sistema
Prisional e fomentar um debate crítico acerca dos modelos de aplicação de medidas de
segurança e sócio-educativas para menores infratores.
A equipe da Escola de Arquitetura diferentemente das outras áreas possuía um
histórico mais amplo de intervenções voltadas para o Complexo de Favelas da Maré. Por atuar
em busca do redesenho e re-qualificação de espaços públicos e áreas de uso coletivo na Maré,
a equipe havia mapeado grande parte dos espaços físicos que compunham o complexo de
favelas e traçado um histórico sobre o movimento de migração de pessoas para aquela área
geografia e sobre como ocorreu o processo de “favelização” da região. Além disso, promovia
reflexão de cunho mais teórico em torno das relações entre configuração físico-espacial e
violência em dois planos distintos, um internamente ao assentamento da população e outro
nas suas relações com “a cidade”.
Conforme visto anteriormente, a diferença entre a equipe do Direito e as demais
equipes residia no fato de ter elaborado um Projeto que na sua origem previa o interesse em
uma atuação de cunho interdisciplinar. A preocupação da equipe do Direito era não apenas
investir em uma assessoria jurídica adequada às demandas da região da Maré, mas também de
qualificá-la tendo por base a crítica ao paradigma positivista e o diálogo permanente com
outras áreas do conhecimento. A partir desse processo de qualificação e diálogo, se extrairiam
práticas pedagógicas diferenciadas das que predominam na maioria dos cursos de formação
em Direito e materiais bibliográficos para aprofundamento de estudos sobre as mais variadas
demandas concretamente enfrentadas.
Outra diferença essencial em relação às outras equipes encontrava-se no fato de a
Faculdade de Direito, por problemas históricos, políticos e estruturais, não ter tido condições
39
estaremos debatendo direitos inacessíveis, posto que inteligíveis. Em outras palavras, não se
pode reivindicar, criticar ou propor alternativas àquilo que não se compreende. Por conta
disso, entende-se que o papel do pesquisador-extensionista é também o de encontrar, num
diálogo constante com trabalhadores e lideranças comunitárias, formas de desmistificar o que
parece ou é mesmo estranho à realidade daquela população.
O NIAC chegou à conclusão de que deveria disponibilizar a narrativa dos usuários na
íntegra, bem como as soluções construídas para determinados problemas, por meio de uma
base de dados eletrônica, desde que não fossem mencionados nomes, apelidos, endereços ou
quaisquer outras informações que retirassem do anonimato o(s) autor(es) da narrativa. Apenas
a equipe que promoveu a escuta e, conseqüentemente, o registro da demanda teria acesso
irrestrito às informações mais sigilosas, enquanto a comunidade acadêmica e a população em
geral encontrariam nos demais dados uma imensa base a ser estudada e debatida.
Registrada a demanda, passaria a equipe a debater as possibilidades de intervenção de
apenas uma, duas ou pelas três áreas de conhecimento. Cabe ressaltar que a eleição das
possibilidades de intervenção não se daria de forma unilateral pela equipe, posto que,
conforme dito anteriormente, a postura do não é de “adotar” a população ou “usá-la” como
objeto. O reconhecimento pela equipe de que não há como se impor determinado(s) tipo(s) de
intervenção na realidade do usuário possibilita ao próprio a capacidade de refletir sobre seus
próprios problemas e, assim, também aplicar o seu saber em conjunto com outros saberes
acadêmicos permanentemente construídos. Por outro lado, o reconhecimento da capacidade
reflexiva do usuário sobre a sua própria realidade permitiu à equipe interdisciplinar perceber
que é incapaz de responder de forma auto-suficiente toda a indagação suscitada pela demanda.
O acompanhamento da demanda permitiu à equipe traçar um histórico do
desenvolvimento da situação inicialmente narrada, das intervenções construídas e dos
resultados obtidos com elas. Não esteve descartada a hipótese de que da permanente interação
entre a equipe e o usuário surgisse novas demandas e a partir de então se reiniciariam todas as
etapas do atendimento até aqui descritas.
42
Toda a experiência narrada se deu no período de meados de 2006 até meados do ano
2009, isto é, durante os três primeiros anos de existência do NIAC. É partir dessa experiência
que devem ser extraídas perspectivas de mudança e aperfeiçoamento da dinâmica até aqui
estabelecida, tendo como objetivo mais estratégico a concretização de princípios
fundamentais presentes no Plano Nacional de Extensão Universitária. Além desses princípios,
outro objetivo é também o cumprimento das diretrizes estabelecidas democraticamente pela
Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ.
Um dos problemas que nos parecem central é a questão do registro não apenas de
atendimentos, mas de outras atividades desempenhadas por alunos e professores do Programa,
o que incluiria reuniões internas, reuniões externas, isto é, com entidades/orgãos parceiros do
NIAC e participação em fóruns científicos, universitários ou do movimento social. Embora
encontremos uma dinâmica de registro dos atendimentos em uma base de dados, outras tantas
atividades que influenciaram nas formas de agir e pensar dentro do NIAC não foram
registradas, o que demonstra que houve a produção de saberes relevantes tanto para a
universidade quanto para a sociedade que não foram sistematizados e que possivelmente se
perderão no tempo e no espaço, caso não sejam reunidos em uma base mais organizada de
dados.
Com isto se relaciona o princípio presente no Plano Nacional de Extensão que afirma
que
“a ação cidadã das universidades não pode prescindir da efetiva
difusão dos saberes nelas produzidos, de tal forma que as populações
cujos problemas tornam-se objeto da pesquisa acadêmica sejam
também consideradas sujeito desse conhecimento, tendo, portanto,
pleno direito de acesso às informações resultantes dessas pesquisas.”
3
3
Cf. Plano Nacional de Extensão Universitária elaborada pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão de
Universidades Públicas. www.renex.org.br
46
4
Cf. Anais do 4º Congresso de Extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. In:www.
www.pr5.ufrj.br/documentos/pne.doc
47
Warat também coloca que o discurso das ciências sociais está impregnado de uma
visão óptica de mundo. O termo “óptica” traduzido para o grego vira “theorem” que, por sua
vez, se assemelha à palavra “teoria” em português. “Theorem” era o nome que vulgarmente se
utilizava para os comentários dos jogos olímpicos feitos por comentaristas que os observavam
sem, no entanto, nunca terem participado de uma olimpíada como jogadores. A partir dessa
compreensão, Warat propõe o fim do “pensador-voyer” que não se compromete politicamente
nem “suja as mãos” com a prática. (Warat: 1988: 23)
Voltando aos propósitos da pesquisa na extensão, é preciso compreender que o
constante diálogo com os trabalhadores e lideranças comunitárias é ao mesmo tempo meio de
pesquisa e fim da mesma. É meio, posto que um dos pressupostos básicos para se conseguir a
longo prazo uma melhoria da qualidade de vida da população é a conscientização de sua
capacidade reflexiva e interventiva, conseguida através desse diálogo. A percepção de que os
envolvidos podem ser sujeitos e protagonistas de sua própria história é fundamental para sua
emancipação e para a construção de um modelo de sociedade que lhes proporcione uma
existência condizente com sua capacidade laborativa, produtiva ou criativa. É fim, posto que
sua outra finalidade é romper os muros da torre de marfim, numa constante interação dialética
com as tensões existentes no seio da sociedade.
Cabe aqui uma reflexão aos acadêmicos de que é preciso aprender a pensar com
aqueles que de cientistas propriamente ditos não tem nada, mas que nem por isso deixam de
produzir saberes relevantes. Tal reflexão pode fazer a Universidade retomar um papel
fundamental e central, por passar a produzir um saber com o qual criaríam uma identidade as
comunidades envolvidas ou aquelas que, mesmo não envolvidas diretamente, passam por
experiências semelhantes. A pesquisa na extensão pode ser também um campo fértil para a
criação de políticas públicas mais eficazes no tratamento das necessidades de determinados
setores sociais.
Para o Direito, este tipo de pesquisa é prática pedagógica que inova frente ao modelo
tradicional. Representa a oportunidade de confrontação entre o saber dogmático e outros não-
dogmáticos bem como a elaboração de um saber mais contextualizado e comprometido com
as demandas por efetivação de Direitos Fundamentais Sociais. Além disso, constitui ambiente
propício à formulação de críticas às teorias positivistas clássicas que insistem em atribuir à
ciência do Direito certo purismo ideológico que o afasta ou mascara a realidade e de
determinados tipos de relações sociais, envolvendo necessidades, produção e distribuição de
riqueza.
50
51
Conclusões
perfil profissional que contemplasse não apenas as demandas do mercado de trabalho, mas
também as demandas sociais mais latentes.
VII. A partir da Portaria, fomentou-se nas Faculdades de Direito a criação de estágios de
prática e escritório de atendimento gratuito à população. Ocorre que essas estruturas de
aprendizado reproduziram e continuam a reproduzir até os dias atuais exatamente a postura
dogmática das salas de aula. Despreocupadas com a problematização do Direito a partir do
contato com a realidade concreta, essas estruturas não tem contribuido para o avanço teórico e
também metodológico no Direito, o que só faz arrastar a crise do modelo central de ensino e
impede a formulação de respostas mais qualificadas aos problemas sociais enfrentados.
VIII. Preocupadas com a superação da crise por que passa o ensino jurídico, algumas
Universidades têm se esforçado, seja através de seus Projetos Pedagógicos seja através de
Projetos de Pesquisa e Extensão, para apresentar propostas de mudança da estrutura de ensino
vigente. Neste trabalho monográfico, foram apresentados dois exemplos de instituições que
tem inovado rumo a construção de um ensino interdisciplinar e contextualizado e,
conseqüentemente, para uma nova compreensão acerca do Direito em nossa sociedade.
IX. A Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, embora tenha
enfrentado uma série de problemas políticos internos e infra-estruturais, propôs, no ano de
2006, não apenas um Projeto Pedagógico que contemplava uma série de revindicações do
movimento social e estudantil como também atividades de pesquisa e extensão que
funcionavam como contraponto a uma visão tradicional de aprendizagem.
X. Dentre essas atividades, destaca-se a de implantação de uma nova práxis extensionista
com o Núcleo Interdisciplinar de Ações para Cidadania na Ilha do Fundão, cuja finalidade
precípua era oferecer atendimento integrado entre três áreas do conhecimento (Direito,
Psicologia e Serviço Social) ao Complexo de Favelas da Maré, população circunvizinha do
campus da Ilha do Fundão. Procurou-se estabelecer no NIAC uma dinâmica de atendimento
diferenciada daquela das estruturas tradicionais, em que houvesse o respeito aos saberes e
anseios da população. Além disso, procurou-se a utilização de uma linguagem que tornasse as
informações/conhecimentos, sempre disponíveis ao público, também inteligíveis.
XI. Embora seja inovadora a proposta da nova práxis extensionista, constata-se ainda uma
certa dificuldade de integração desta com uma dinâmica mais orgânica de pesquisa. Embora
haja um esforço institucional para o fortalecimento do tripé da educação em todas as
atividades acadêmicas, há ainda uma lógica universitária de pouco investimento em projetos
essencialmente extensionistas propostos pelas ciências humanas e sociais. Aliada a isso,
55
DEMO, Pedro. Pesquisa Participante: saber pensar e intervir juntos. Brasília: Liber
Livro Editora, 2008 (Série Pesquisa, v. 8)
LYRA FILHO, Roberto. Pesquisa em QUE Direito?. Brasília: Nair Ltda, 1984.
LYRA FILHO, Roberto; PRADO JR., Caio & BARBOSA, Julio Cesar Tadeu. O que é
Liberdade, Justiça e Direito?. Círculo do Livro. Coleção Primeiros Passos. Volume
16.
PÔRTO, Inês Fonseca. Ensino Jurídico, diálogos com a imaginação. Porto Alegre:
Ed. Sergio Antônio Fabris, 2000.
SOUSA, Ana Inês & MORAES, Adriane Aparecida (Org.). Anais 4º Congresso de
Extensão da UFRJ. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.
SOUSA JR., José Geraldo; COSTA, Alexandre Bernardino & SAID FILHO, Mamede
(Org.). A prática jurídica na Unb: reconhecer para emancipar. Brasília:
Universidade de Brasília/Faculdade de Direito, 2007. (Coleção Prática Jurídica; v.1)