Esquematicamente é possível apontar no processo de construção da
perspectiva de intenção de ruptura três momentos diferenciados: o da sua emersão, o da sua consolidação acadêmica, e do seu espraiamento sobre a categoria profissional.
Em seu primeiro momento nasce nos anos de 1972 a 1975, a partir de um
grupo de jovens profissionais da PUC de Belo Horizonte, cuja produção ficou conhecida como “O Método Belo Horizonte”. Esses profissionais elaboram uma crítica teórico-prática ao tradicionalismo profissional e propõem uma alternativa no plano teórico-metodológico, no plano da concepção e da intervenção profissional, e no plano da formação, assumindo uma formulação abrangente e uma arquitetura ímpar. Destacam-se as contribuições de Ana Maria Quiroga e Leila Lima Santos, e a influência da Juventude Universitária Católica – JUC e da Politica Operária – POLOP. Essa perspectiva nasce num contexto de: - precarização das condições de trabalho dos profissionais (aviltamento dos salários e aproximação das condições de vida dos usuários); - nova composição da categoria profissional (camadas médias e proletarização) - clima de efervescência nas universidades em diante da crise da ditadura - redemocratização da sociedade brasileira com protagonismo do movimento operário e sindical. -influência dos profissionais da Universidade Católica do Chile, por ocasião do Congresso de Caracas (1969). Esse movimento foi interrompido em 1975 com a demissão de seus formuladores e gestores, e com o recrudescimento da ditadura. Ele remeteu a profissão à consciência de sua inserção na sociedade de classes, e que no Brasil vai configurar-se em um primeiro momento, como uma aproximação ao marxismo sem o recurso ao pensamento de Marx, através de abordagens reducionistas dos marxismos de manual, quer pela influência do cientificismo e do formalismo metodológico estruturalista presente no marxismo althusseriano (referência a Louis Althusser, filósofo francês cuja leitura da obra de Marx vai influenciar a proposta marxista do Serviço Social dos anos 60; 70, e particularmente o Método BH.). Um marxismo equivocado que recusou a via institucional e as determinações sócio históricas da profissão. No entanto, é com este referencial precário do ponto de vista teórico, mas posicionado do ponto de vista sociopolítico que a profissão questiona sua prática institucional e seus objetivos de adaptação social, ao mesmo tempo em que se aproxima dos movimentos sociais. Inicia-se aqui a vertente comprometida com a INTENÇÃO DE RUPTURA com o Serviço Social Tradicional. A fase de consolidação começa a se desenvolver na década de 80, uma análise crítica das principais propostas da renovação profissional, que resgatam o projeto de ruptura em formulações latino-americanas, cuja contribuição notável é da profª Miriam Limoeiro Cardoso. Neste segundo patamar da perspectiva de intenção de ruptura, abandona-se a abordagem crítico-analítica afirmada antes, e avança-se para elaborações crítico-históricas mais abrangentes, apoiadas em concepções teórico- metodológicas colhidas em duas fontes originais, a partir da produção de IAMAMOTO em seu texto “Legitimidade e crise do Serviço Social”, no qual a autora busca resgatar a obra de Marx, e desenvolve uma análise do Serviço Social imbricado na lógica de reprodução das relações sociais. Sua análise vai se dar em duas direções: Ø A análise da instituição profissional no bojo da totalidade das relações sociais da ordem burguesa Ø Análise do Serviço Social na particularidade da formação social brasileira. Marilda inscreve a prática profissional no terreno das intermediações entre as classes sociais fundamentais, e afirma que é só nesse campo mediador que o Serviço Social vai existir como profissão e tem determinadas as suas alternativas de ação. Ele é uma atividade auxiliar e subsidiária no exercício do controle social e na difusão da ideologia da classe dominante. Porém, junto à classe trabalhadora, participa ao lado de outras instituições sociais, das respostas legítimas de sobrevivência desta classe, face às suas condições de vida dadas historicamente. IAMAMOTO e CARVALHO (1982), no paradigmático livro “Relações Sociais e Serviço Social no Brasil – esboço de uma interpretação histórico- metodológica”, produzem uma interlocução direta coma teoria Social de Marx e o Serviço Social, visando apreender o ser social a partir de suas relações com a estrutura da sociedade, com o modo de produção que caracteriza o ser social como ser de relações sociais não imediatas. Apreende dialeticamente a realidade em seu movimento contraditório, no qual engendram como totalidade as relações sociais que configuram a sociedade capitalista. A profissão passa a será entendida como componente da organização da sociedade, inserida nas relações sociais de produção, participando do processo de reprodução dessas relações (IAMAMOTO, 1982). A partir dos anos 80 o Serviço Social vai apropriar-se do pensamento de Antonio Gramsci, particularmente de suas abordagens a cerca do pensamento dialético, das concepções de Estado, de Sociedade Civil, ideologia, hegemonia, Subjetividade e Cultura das classes subalternas. Apropria-se também das contribuições de Agnes Heller sobre Cotidiano, de George Lukács e sua “Ontologia do ser social fundada no trabalho”, de E. P. Thompson, acerca das experiências humanas, e de Eric Hobsbawn, um dos mais importantes historiadores marxistas da contemporaneidade.
A fase do espraiamento da perspectiva de ruptura com o Serviço Social
tradicional vai ocorrer a partir do segundo terço da década de 80, quando o referencial teórico do materialismo histórico e dialético penetra nos debates profissionais, e dá o tom da produção intelectual, rebatendo na formação dos quadros formados pelas agências acadêmicas de ponta, e atinge as organizações representativas dos assistentes sociais. A adoção do marxismo como referência teórico-analítica torna-se hegemônica no Serviço Social e vai permear a formação profissional brasileira através do currículo de 1982, e das atuais diretrizes curriculares. Está presente nas diversas organizações e eventos acadêmicos, na Lei de Regulamentação da Profissão e no Código de Ética, que constituem as referências do projeto ético-político da profissão. É com a vertente de Intenção de Ruptura que repercutem produtivamente no Serviço Social do Brasil as questões referentes à dinâmica contraditória e macroscópica da sociedade, que põe em causa a produção social com ênfase na crítica da economia política, que ressalta a importância da estrutura da social, com o privilégio de análises das classes e suas estratégias, e que problematiza a natureza do poder político, com a preocupação com o Estado, e que se interroga acerca das especificidades das representações sociais, indagando-se sobre o papel e as funções das ideologias. O esclarecimento cuidadoso da inserção profissional na divisão sócio-técnica do trabalho e sua localização na estrutura sócio-ocupacional e a compreensão histórica da sua funcionalidade no espaço de mediações entre classes e Estado, redimensionam amplamente o alcance e os limites da sua intervenção, bem como o estatuto das suas técnicas, objetos e objetivos.