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2/9/2021 Os laboratórios da mentira - Le Monde Diplomatique

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VENEZUELA

Os laboratórios da mentira
Acervo Online
por Maurice Lemoine

1 de agosto de 2002

Uma crônica sobre o envolvimento dos meios de comunicação


no golpe de Estado de 12 de abril — e sobre os novos esforços
da mídia para derrubar, em aliança com as elites, o governo
eleito pelo povoMaurice Lemoine

“Tivemos uma arma de importância capital: a mídia. E como se apresenta a


ocasião, aproveito para felicitá-la por isso.” Ainda não é meia-noite em
Caracas neste 11 de abril de 2002 que terminará, alguma horas mais tarde,
com a queda do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. O vice-almirante
Victor Ramírez Pérez parabeniza, ao vivo, a jornalista Ibéyise Pacheco na

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tela da emissora Venevisión. Vinte minutos antes, entrevistando o punhado


de oficiais golpistas que ainda estão na sua frente, ela não pôde esconder,
com um ar de conspiradora satisfeita, que mantinha ligações privilegiadas
com eles há muito tempo. Mais ou menos à mesma hora, ao ser interrogada
ao vivo, de Madri, uma outra jornalista-vedete, Patricia Poleo,
estranhamente bem informada sobre o futuro desenrolar de
“acontecimentos espontâneos”, anunciava ao canal de televisão espanhola
TVE: “Creio que o próximo presidente será Pedro Carmona.” No mesmo
instante, entrincheirado no palácio presidencial, o chefe de Estado em
exercício, Hugo Chávez, ainda se recusava a renunciar.

Desde sua chegada ao poder em 1998, os cinco principais canais de


televisão privados – Venevisión, Radio Caracas Televisión (RCTV),
Globovisión, Televen e CMT – e nove dos dez grandes jornais nacionais – El
Universal, El Nacional, Tal Cual, El Impulso, El Nuevo País, El Mundo etc. –
substituíram os partidos políticos tradicionais, relegados ao vazio pelas

vitórias eleitorais do presidente. Com o monopólio absoluto da informação,


apóiam todas as ações da oposição, divulgando apenas muito raramente
declarações governamentais, não falando jamais da ampla maioria que, no
entanto, fora confirmada nas urnas. Desde sempre eles falam dos bairros
populares como uma “zona vermelha” povoada de “classes perigosas”, de
“ignorantes”, de “delinqüentes” e, achando-os talvez pouco fotogênicos,
ignoram com desdém os líderes populares e as organizações.

A entrevista-fantasma de Ramonet

Pesquisas, entrevistas, relatórios, comentários, vão todos no mesmo


sentido e com um mesmo objetivo: deslegitimar o poder constituído e
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destruir o apoio popular do presidente. “Este governo revolucionário é


esteticamente uma latrina”, escreve com delicadeza (no dia 22 de março de
2001), por exemplo, o vespertino Tal Cual cujo diretor, Teodoro Petkoff (ex-

guerrilheiro marxista que se tornou histericamente neoliberal e ex-


ministro privatizador do presidente de direita Rafael Caldera), faz parte dos
opositores furibundos. Não que o governo em questão esteja acima de
qualquer crítica. Comete erros e inúmeros casos de corrupção mancham
funcionários, civis ou militares, que gravitam em torno dele. Mas, além de
ter sido democraticamente eleito e de conservar o apoio de uma maioria da
população, podemos lhe creditar, tanto no plano nacional quanto no
internacional, um certo número de sucessos1.

Jornais e emissoras de TV falam dos bairros populares como uma “zona


vermelha” povoada de “classes perigosas”, de “ignorantes” e
“delinqüentes”

Má fé, acusações sem prova, ataques à dignidade ou à honra de pessoas


ligadas ao governo ou que o apóiam… Nenhum meio é descartado para
desacreditar o presidente. Prova disso foi o escândalo provocado em
Caracas, no início de março, pela divulgação de uma falsa entrevista de
Ignacio Ramonet. Numa declaração supostamente feita a um certo Emiliano

Payares Guzmán, pesquisador mexicano na Universidade de Princeton


(Estados Unidos), totalmente desconhecido, o diretor do Monde
diplomatique criticava severamente o chefe de Estado venezuelano: “Ao
presidente Hugo Chávez falta uma assessoria intelectual respeitável, o que
faz com que seu navio fique permanentemente à deriva. Quando venceu as
eleições, pareceu-me que se delineava alguma coisa de realmente
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importante. Mas (…) o populismo o venceu, como acontece tão


freqüentemente nesses casos. (…) Assisti vídeos em que ele canta boleros
santiagueros explicando seu programa econômico, se é que chega a ter
algum. Creio que estes fatos, verdadeiros e verificáveis, me poupam de ter
que dar uma opinião sobre tal personagem.”

“Informações” absurdas e surrealistas

Divulgada em rede, sem o menor controle, por Venezuela Analítica2, a


“declaração” seria imediatamente republicada na primeira página, sem
qualquer verificação junto ao suposto entrevistado, pelo diário El Nacional,
radiante em poder dar crédito à idéia de um chefe de Estado cada vez mais
isolado internacionalmente. Assim que Ignacio Ramonet desmentiu ter

pronunciado as palavras que lhe eram atribuídas, El Nacional criticou


enfaticamente o mistificador mexicano3 e, mais dissimuladamente, sem
nem mesmo lhe pedir desculpas, o diretor do Monde diplomatique.

Num fluxo incessante, multiplicam-se “informações” beirando o absurdo ou


o surrealismo. Por exemplo: “Fontes dos serviços secretos revelaram
acordos feitos com elementos ligados ao Hezbollah da (ilha venezuelana de)
Margarita, que são controlados pela embaixada do Irã. Lembremos que,
durante a campanha de Chávez, um tal de Moukhdad teria sido muito

generoso com o atual presidente. Isso merece retribuição e agora o Irã


quer fazer da Venezuela uma base de operação em troca do treinamento de
venezuelanos em organizações iranianas de defesa da revolução islâmica. O
terrorismo está entre nós4.”

“Não posso me defender!…”


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“Hugo Chávez confessou ser o chefe de uma rede de delinqüentes”, é o


título de El Nacional no dia 21 de março. No dia seguinte, Tal Cual
menciona “o vômito repugnante provocado pelas palavras coléricas com
que ele pretende amedrontar o país”. Insultado, comparado a Fujimori, Idi
Amin Dada, Mussolini e Hitler, tratado como fascista, ditador e tirano, o

presidente “bolivariano” sofre ataques que, em qualquer país, dariam lugar


a uma ação legítima por ofensa ao chefe de Estado. “Uma agressão
permanente e desrespeitosa”, indignava-se, em março passado, a ministra
do Comércio, Adina Bastidas. “A mim, acusam de financiar a colocação de
bombas nas ruas. E eu não posso me defender. Se os atacamos, eles
reclamam com os Estados-Unidos!”

“Este governo revolucionário é esteticamente uma latrina”, escreve com


delicadeza (no dia 22 de março de 2001), por exemplo, o vespertino Tal
Cual

Sem papas na língua, Chávez responde a esse bombardeio da mídia – às


vezes com alguns desatinos verbais – em particular durante seu programa
semanal “Alô Presidente”, no canal de televisão controlado pelo Estado.
Mas, além da virulência verbal, e num regime que em nada se parece com
uma ditadura, suas diatribes não se seguem de ações visando a controlar a

informação. Desde sua chegada ao poder não houve um único jornalista


preso e nenhum meio de comunicação foi fechado pelo governo que, no
entanto, é acusado de “achincalhar a liberdade de informação” e de “agredir
os comunicadores sociais”.

O tratamento antidemocrático da informação

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No dia 7 de janeiro de 2002, uma centena de simpatizantes do presidente


cercaram durante várias horas a sede do El Nacional, cantando slogans
hostis, gritando: “Digam a verdade!” e atiraram contra a fachada do prédio.
“Observa-se, de fato, um aumento de incidentes contra jornalistas”,
constata Carlos Correa, coordenador-geral da organização de defesa dos

direitos humanos Provea5, “e uma espécie de criminalização destes últimos.


Alguns foram pessoalmente atacados. Embora não tenha havido mortos,
ainda assim é grave. Mas como os proprietários dos meios de comunicação
tomaram posições políticas contra Chávez, o que acontece – e não se sabe
mais quem começou, o ovo ou a galinha – é um confronto no qual não é
mais possível discutir racionalmente os problemas do país. Agora, dizer que
não há liberdade de expressão na Venezuela é um absurdo.”

“Você lê as notícias, vê o os tele-jornais”, lamenta-se o jesuíta Francisco


José Virtuoso “e tem a impressão que o país está em pleno conflito.
Evidentemente, isto aumenta o clima de tensão.” Já que guerra existe, e que

ela foi a vítima escolhida, a maioria popular revolta-se. Não suporta mais
certos jornalistas que se acreditam acima de Deus e do Diabo, nem esse
tratamento unilateral e antidemocrático da informação.

Chantagem, mentira e manipulação

“Hugo Chávez confessou ser o chefe de uma rede de delinqüentes”, é o


título do jornal El Nacional no dia 21 de março de 2002

E os incidentes multiplicam-se. Tomam a feição de um confronto quando a


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agência de notícias oficial Venpres qualifica de “narco-jornalistas” três


personalidades do mundo da mídia. No dia 19 de março, os jornalistas
envolvidos – Ibéyise Pacheco (diretora de Así es la Noticia, membro do
grupo El Nacional), Patricia Poleo e o apresentador de televisão José

Domingo Blanco (Globovisión) – decidem dramatizar ao máximo as


acusações. Depois de denunciarem a “perseguição” de que se diziam
vítimas, sob as câmeras e os flashes de todos os meios de comunicação –
convocados a comparecer à embaixada dos Estados-Unidos – partem para
Washington, onde são recebidos como heróis! Assinado por um certo J.
Valeverde6, o artigo que provocou todo o incidente foi explicitamente
desmentido pelo presidente Chávez, condenado pelo ministro da Defesa,
José Vicente Rangel, e acarretaria a punição e demissão do diretor da
Venpres, Oscar Navas. O que não impediria uma virulenta campanha, tanto
na Venezuela quanto no exterior (leia, nesta edição, o artigo “Golpes sem
fronteiras”, de Maurice Lemoine) contra o governo, acusado de querer
“amordaçar a imprensa”.

Seja contra seus partidários ou contra o próprio poder, a mídia soube


utilizar muito bem a estratégia da profecia auto-realizada. Denunciando
atentados à liberdade, quando esta em nada está ameaçada, praticando a
mentira e a manipulação, provocaram uma reação, pressionando suas

vítimas a cometer um erro, erro que seria em seguida apresentado como a


causa (e não a conseqüência) de suas relações difíceis com o poder e com
uma larga parcela da população.

Tirando as máscaras
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Como não condenar a agressão às equipes de televisão ou a jornalistas por


partidários do presidente Chávez? Mas, para eles, como aceitar serem
tratados o ano inteiro, nas colunas dos jornais, como “talibans”, como
“hordas”, como “celerados”? Como não se indignar que profissionais, ainda
que fossem de uma agressividade sem igual e totalmente identificados com

a oligarquia, sejam tratados como “narco-jornalistas”? Mas como se


surpreender com esse desvio se esses mesmos profissionais multiplicam as
acusações falsas e gratuitas contra um presidente sistematicamente
apresentado como cúmplice dos “narco-guerrilheiros” colombianos?

Tendo como comissão de frente um punhado de homens poderosos e as


vedetes, a grande mídia alterna os outros atores da desestabilização: a
organização patronal de Pedro Carmona (Fedecámaras), a Confederação
dos Trabalhadores Venezuelanos (CTV) de Carlos Ortega, os militares
dissidentes, os tecnocratas da companhia petrolífera nacional (PDVSA) e

alguns discretos funcionários norte-americanos7. Reunidos no Bloco de


Imprensa Venezuelano (BPV), os meios de comunicação tiraram
definitivamente a máscara quando, passando do papel de observadores ao
de atores, aderiram à primeira greve geral no dia 10 de dezembro de 2001.

A defesa do direito de “informar”

“Uma agressão permanente e desrespeitosa”, indignava-se a ministra


Adina Bastidas. “A mim, acusam de financiar a colocação de bombas nas
ruas”

Às “opiniões livres” escritas – “Chegou a hora de mudar o governo. De


derrubá-lo8” – juntaram-se manipulações suspeitas nas telinhas e nas
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rádios. No dia 5 de abril, dois radialistas comentavam, à sua maneira, uma


greve de postos de gasolina ligada ao conflito do PDVSA: “Você lembrou de
encher o tanque? Vá logo, amanhã não haverá uma gota de gasolina em

todo o país!” Incitando os motoristas a se precipitarem sobre os postos


abertos, rapidamente lotados, provocaram um caos artificial, já que a greve
era apenas parcial e o estoque das bombas de gasolina nunca se esgotou…

Quando, no dia 7 de abril, Ortega e Carmona anunciaram o início da greve


geral, Miguel Enrique Otero, diretor do jornal El Nacional, presente ao lado
deles, manifestou-se em nome da mídia: “Estamos todos nesta luta, em
defesa do direito de informar!” Dois dias depois, o BPV, que acabara de
acolher o novo embaixador dos Estados Unidos, Charles Shapiro, decidiu

apoiar a greve. A partir de então, as emissoras de televisão passaram a


transmitir durante horas, e ao vivo, da sede do PDVSA-Chuao, cujas
instalações a oposição usou como local de agrupamento para suas
manifestações.

Uma conspiração de “manifestantes pacíficos”

“Tomemos a rua”, ordenava no dia 10 de abril, em editorial não assinado. Ni


un paso atrás! (“Nem um passo para trás!”), replicam painéis fixos,
divulgados na Globovisión. “Todos à marcha”, apóia outro canal.
“Venezuelanos, todos à rua, na quinta-feira, dia 11, às 10 horas da manhã.
Traga sua bandeira. Pela liberdade e pela democracia. A Venezuela não se

rende. Ninguém nos vencerá.” O apelo à derrubada do chefe de Estado fica


tão evidente que, nos dias 9 e 10 de abril, o governo aplica o artigo 192 da
lei de telecomunicações: por mais de 30 vezes (entre televisões e rádios),
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entra em cadeia nacional, com durações de 15 a 20 minutos, a fim de fazer


conhecer sua posição. As emissoras contornam a medida, dividem a tela em
duas partes e continuam a convocar para a insurreição.

Em janeiro de 2002, simpatizantes do presidente cercaram durante várias


horas a sede do El Nacional, cantando slogans e gritando: “Digam a
verdade!”

No dia 11 de abril, uma série vertiginosa de coletivas de imprensa de


militares e de civis pedindo a renúncia do presidente pontua a batalha da
mídia. Na RCTV, Carlos Ortega conclama a oposição a marchar sobre
Miraflores (o palácio presidencial). Por volta das 16 horas, assim que a
conspiração aparece em toda sua extensão, o poder dá uma ordem de

cortar o sinal hertziano dos canais privados. A Globovisión, a CMT e a


Televen saem por alguns minutos das telas antes de retomarem seus
programas graças ao satélite ou ao cabo. Em todas as telas, uma cena
truncada, difundida incessantemente, mostrava contra-manifestantes
armados atirando na “multidão de manifestantes pacíficos” (que não estava
naquele local!), permitindo que se atribuísse as vítimas desse dia trágico
aos Círculos Bolivarianos, organização social dos partidários do presidente.

Entra em cena o poderoso Cisneros

Durante esse tempo, os conspiradores, entre os quais Carmona, reuniam-


se na sede da… Venevisión. Permaneceriam ali até as duas horas da manhã
para preparar “a seqüência dos acontecimentos”, em companhia de Rafal
Poleo (proprietário do jornal El Nuevo País) e de Gustavo Cisneros, homem-
chave do golpe de Estado. Multimilionário de origem cubana e dono da

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Venevisión, este dirige um império de comunicações de dimensões


mundiais – Organización Diego Cisneros – presente em 39 países através
de 70 empresas9. Tem fortes vínculos de amizade com George Bush (pai).
Jogam golfe juntos. Em fevereiro de 2001, o ex-presidente norte-americano
passou uma semana de férias em sua propriedade venezuelana, e ambos
desejam de forma ardente, e principalmente (entre outras coisas), a
privatização da PDVSA10. Naquela noite, o secretário de Estado norte-
americano para Assuntos Interamericanos, Otto Reich, admitiria ter “falado
duas ou três vezes” com Cisneros11.

Às quatro horas daquela madrugada de 12 de abril, e para evitar um banho


de sangue, o presidente Chávez se deixa prender antes de ser levado para a
longínqua ilha de Orchila. Sem dispor de qualquer texto assinado por sua
mão, sem uma gravação que permitisse confirmar a informação, os meios
de comunicação anunciaram em coro sua “renúncia”. O patrão dos patrões,

Carmona, se autoproclamou presidente, dissolveu todos os poderes


constituídos, legítimos e democráticos. Desde a véspera, às 22 horas, o
primeiro veículo de comunicação fechado desde a chegada de Hugo Chávez
ao poder, único meio de comunicação de que dispunha o governo, o canal
estatal Venezolana de Televisión (VTV), parou de transmitir, coagida e
forçada a fazê-lo12. Ninguém denunciou esse primeiro atentado contra a
liberdade de expressão.

A reunião do Estado-Maior golpista

“Você lê as notícias, vê o os tele-jornais”, diz o jesuíta Francisco Virtuoso


“e tem a impressão que o país está em guerra, o que aumenta a tensão”

A mídia comemorou o golpe de Estado (censurando o uso dessa expressão)


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com um entusiasmo não dissimulado. E com motivos. Recebendo na
Venevisión, desde as 6 horas e 45 minutos da manhã, o almirante Carlos
Molina Tamayo e Victor Manuel García, diretor do instituto de pesquisas
Ceca, o apresentador Napoleón Bravo se vangloria de ter emprestado sua

casa particular para gravar, alguns dias antes, um chamado à rebelião do


general González González. Por seu lado, García menciona seu papel no
centro da operação dos militares rebeldes, em Fort Tiuna: “Num
determinado momento, ficamos sem comunicação e eu devo agradecer aos
jornais e às televisões por sua solidariedade, por toda a cooperação que nos
trouxeram para obter as comunicações com o exterior e passar as ordens
que me indicava o general González González.”

“Um passo em frente”, era a manchete triunfal de El Universal. O jornalista


Rafael Poleo, que registrou o relatório da primeira reunião do Estado-Maior
golpista, encarregou-se (com outros) de redigir o ato fundador do novo
governo (à tarde, seria oferecida à sua filha, Patricia Poleo, pelo
“presidente” Carmona, a direção da Agência Central de Informações).

Assinado pelo patronato, a Igreja e os representantes de uma pseudo


“sociedade civil”, o decreto que ratifica o estabelecimento de uma ditadura
seria também endossado por Miguel Angel Martínez, em nome dos meios
de comunicação. Foi lido por Daniel Romero, secretário particular do ex-
presidente social-democrata Carlos Andrés Pérez e… empregado do grupo
Cisneros.

A perplexidade da CNN…

Na embriaguez da revanche, abateu-se a repressão. Entre as imagens


i i t d i ã d
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sinistras da prisão do ministro do Interior, Ramón Rodríguez Chacín, e do
parlamentar Tarek William Saab, insultados e espancados por uma multidão
em fúria proveniente dos bairros nobres, a RCTV lança “caçadas humanas”,
publicando uma lista das personalidades mais procuradas e retransmitindo

ao vivo, no ritmo ofegante dos programas norte-americanos, as


perseguições mais brutais. Em contrapartida, transmitida ao vivo para
todos os canais, a coletiva de imprensa do procurador-geral da República,
Isaias Rodríguez, foi interrompida brutalmente, depois de cinco minutos,
quando ele mencionou os excessos do “governo provisório” e denunciou o
“golpe de Estado”.

Depois de denunciarem a “perseguição” de que se diziam vítimas, alguns


jornalistas-vedetes partem para Washington, onde são recebidos como
heróis!

No dia 13 de abril, rebenta a onda avassaladora dos partidários de Chávez e


oficiais leais retomam o controle da situação. No entanto, seria somente
através do noticiário da CNN em espanhol – acessível somente a assinantes
de TV a cabo -, pelos sites do diário madrilenho El País e da BBC de
Londres, que os venezuelanos receberiam informações. Por volta das 14

horas, anunciando a revolta da 42a brigada de pára-quedistas de Maracay, a


CNN se surpreendeu: “A mídia local não diz nada.” De fato, à liberdade de
informação tão intensamente reivindicada, sucedeu a lei do silêncio…
Filmes de ação, receitas de culinária, telenovelas, desenhos animados e
partidas de beisebol das grandes ligas norte-americanas passaram a ocupar
a telinha (RCTV), somente entrecortados pela retransmissão da seqüência
em que o general Lucas Rincón anunciou a “renúncia” do presidente
Chávez
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Chávez.

A triste cena dos jornalistas amedrontados

Além dos milhares de conexões pela Internet e das ligações feitas de


telefones celulares, só a imprensa alternativa podia romper o bloqueio.
Espaço importante de comunicação e informação cidadã, jornais, emissoras
de televisão e rádios populares apareceram nos Barrios. Mas, experiências
modestas, foram ainda os primeiros alvos da “transição democrática”.

“Chávez nunca nos pediu que transmitíssemos seus discursos ou que


fizéssemos propaganda sua”, diria Thierry Deronne, apresentador da
Teletambores. “Mas os golpistas não hesitaram um segundo em prender
nossos dirigentes e confiscar nosso material de transmissão, a fim de
cortar toda possibilidade da população se informar de maneira alternativa à
da mídia sobre o golpe de Estado.” Em Caracas, a Radio Perola, a TV
Caricuao, a Radio Catia Libre e a Catia TV sofreram perseguições,
brutalidades e detenções arbitrárias. Que ninguém denunciou.

Os meios de comunicação tiraram definitivamente a máscara quando,


passando de observadores a atores, aderiram à primeira greve geral de
dezembro de 2001

No final da tarde, multidões aglomeram-se diante da RCTV (e depois, da


Venevisión, da Globovisión, da Televen e da CTM, bem como diante das
sedes dos diários El Universal e El Nacional), atirando pedras e obrigando
jornalistas a divulgarem uma mensagem exigindo o retorno do “seu”
presidente. Um ataque intolerável contra a mídia!… O episódio daria lugar à

cena lamentável de jornalistas amedrontados que, num pedido de socorro


jogado sobre as ondas esqueciam seu comportamento golpista: “Nós
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jogado sobre as ondas, esqueciam seu comportamento golpista: Nós
também fazemos parte do povo, também somos venezuelanos e cumprimos
nosso dever. Não é possível que as pessoas que apóiam o tenente-coronel
Hugo Chávez (esquecendo, de passagem, que ele é o chefe de Estado) nos
considerem como seus inimigos.”

A “mídia do golpe”

No entanto, seria preciso esperar 20 horas e a retomada das transmissões


do canal estatal Venezolana de Televisión – recolocada em operação por
militantes das televisões comunitárias auxiliados por militares da guarda
presidencial – para que desabasse o muro de silêncio e que os
venezuelanos descobrissem: a situação estava sofrendo uma reviravolta.

Com exceção de Ultimas Noticias, nenhum outro jornal anunciou no dia


seguinte a volta do presidente legítimo. As emissoras de televisão privadas
não emitiram qualquer boletim de informação – só a Globovisión retomou
as informações divulgadas pelas agências internacionais de notícias13.

Ainda que o restabelecimento da normalidade democrática não tenha dado


lugar a qualquer medida de repressão contra ela, os grandes meios de
comunicação continuam a colocar-se como vítimas, dedicando um espaço
hegemônico aos “heróis do golpe de Estado”, falando de “vazio de poder”,
pedindo a renúncia do presidente Chávez – tratado como “assassino” – e

dos que não o traíram (particularmente o procurador-geral da República,


Isaias Rodríguez). A “mídia do ódio”, para quem quiser ver e ouvir, reivindica
simplesmente o título de “mídia do golpe”.
(Trad.: Fabio de Castro)

1 – Ler, de Maurice Lemoine, “Avancées bolivariennes”, Le Monde


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diplomatique, maio de 2002.


2 -http://www.analitica.com/cyberanalitica/icono/7930280.asp

3 – Posteriormente, este declararia ter feito essa estranha manipulação


justamente com o objetivo de demonstrar a ausência de seriedade na
imprensa venezuelana…

4 – “Entrelíneas”, El Nacional, 15 de março de 2002.

5 – Programa Venezolano de Educación-Acción em Derechos Humanos.

6 – Posteriormente se descobriria tratar-se do pseudônimo de um


indivíduo suspeito, Rafael Kries.

7 – Ler, de Maurice Lemoine, “A ?sociedade civil? contra o povo”, Le Monde


diplomatique, maio de 2002.

8 – “Derrubar o governo”, El Universal, 20 de março de 2002.

9 – Entre elas, Univisión (80% dos programas em espanhol nos Estados


Unidos), Canal 13, Chilevi

Maurice Lemoine é jornalista e autor de “Cinq Cubains à Miami (Cinco


cubanos em Miami)”, Dom Quichotte, Paris , 2010.

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