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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
REDENACIONALDEALTOSESTUDOSEMSEGURANÇAPÚBLICA
PÓS-GRADUAÇÃO LATOSENSO: “Violência,Criminalidade ePolíticasPúblicas”

MÁRCIO RICARDO SANTOS COSTA

ASSALTO FRUSTRADO E MORTE NO SERTÃO


SERGIPANO: AS FRAGILIDADES DA PMSE EM
SITUAÇÕES DE CRISE, UM ESTUDO DE CASO

São Cristóvão/SE
2008
MÁRCIO RICARDO SANTOS COSTA

ASSALTO FRUSTRADO E MORTE NO SERTÃO


SERGIPANO: AS FRAGILIDADES DA PMSE EM
SITUAÇÕES DE CRISE, UM ESTUDO DE CASO

Monografia apresentada ao Curso de Pós-


Graduação Lato Senso em Violência,
Criminalidade e Políticas Públicas
ministrado na Universidade Federal de
Sergipe como um dos pré-requisitos para
a obtenção do grau de Especialista em
Violência, Criminalidade e Políticas
Públicas.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Ponciano
Bezerra.

São Cristóvão/SE
2008
MÁRCIO RICARDO SANTOS COSTA

ASSALTO FRUSTRADO E MORTE NO SERTÃO


SERGIPANO: AS FRAGILIDADES DA PMSE EM
SITUAÇÕES DE CRISE, UM ESTUDO DE CASO

Monografia apresentada ao Curso


de Pós-Graduação Lato Senso em
Violência, Criminalidade e
Políticas Públicas ministrado na
Universidade Federal de Sergipe
como um dos pré-requisitos para a
obtenção do grau de Especialista
em Violência, Criminalidade e
Políticas Públicas.
Orientador: Prof. Dr. Antônio
Ponciano Bezerra.

Aprovada em ____/____/_____
Banca Examinadora

___________________________
Profº Dr. Antônio Ponciano Bezerra
Orientador

_______________________________
Membro da Banca Examinadora

_______________________________
Membro da Banca Examinadora
A todos os policiais honestos e guerreiros que

dão as suas vidas em troca da proteção da

sociedade, e a todos aqueles que morreram em

combate protegendo a população deste país,

sacrificando suas vidas na busca de um Brasil

melhor.
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais que se sacrificaram buscando durante as suas vidas a educação de

seus filhos, ensinando sempre o caminho do bem.

À minha querida esposa, que compreendeu os momentos em que estive ausente

buscando o conhecimento, acreditando que poderia contribuir para a quebra de

paradigmas e, dessa forma, contribuir para a construção de uma sociedade mais humana

e justa.

À minha filha Mirella Letícia, que renova a cada dia a minha vontade de fazer

um mundo melhor e acreditar que devemos sempre buscar o caminho da luz.

Ao meu orientador, Prof Dr. Antônio Ponciano Bezerra, que acreditou que esse

trabalho seria de grande valia para a sociedade Aos oficiais e praças do COE, em

especial o Sgt F. Costa, que confiaram e reconheceram meu trabalho, dando-me suporte

técnico e apoio emocional nas horas mais difíceis.


Não devemos esperar pela inspiração

para começar qualquer coisa. A ação

sempre gera inspiração. A inspiração

quase nunca gera ação.

(FRANK TIBOLT)
7

RESUMO

O tema proposto visa criar uma nova postura nos organismos policiais, especialmente

no estado de Sergipe, no trato das ocorrências denominadas de crises, bem como servir de

orientação para os operadores de segurança pública, quer sejam policiais ou não. Os termos

crise e gerenciamento de crises são relativamente novos no meio policial brasileiro, sendo sua

plena compreensão fundamental para o entendimento do trabalho. Por isso, o primeiro

capítulo foi destinado exclusivamente às definições dos diversos termos técnicos utilizados na

doutrina atualmente no Brasil, o que tornará mais didática a sua explicação. Procuramos aqui

subsidiar uma visão geral sobre o tema, partindo do princípio da história dessa modalidade de

ocorrência, evidenciando-se os acertos, erros e hesitações que circunscrevem o assunto.

Abordam-se, superficialmente, as alternativas táticas, dando maior ênfase à “Rainha

das alternativas táticas”: a Negociação. Expõem-se problemas antigos que, embora debatidos,

não foram solucionados e os problemas atuais que urgem solução. A ausência de métodos

padrão para resolver a crise exigiu que se buscasse apoio na doutrina do FBI, porém

interpretada e comprovadamente aplicável no Brasil. Apesar destas limitações e da

complexidade do assunto a pesquisa apresenta alguns procedimentos que auxiliam

sobremaneira a polícia sergipana para o sucesso da resolução em eventos dessa complexidade

e, ainda, sugere medidas para consolidar as técnicas de gerenciamento de crises, tudo isto,

proposto à Secretaria Estadual de Segurança Pública do Estado de Sergipe.

Tem-se por objetivo resgatar a história e aprender com ela, a fim de que os policiais

militares, que porventura venham a se deparar com esse tipo de ocorrência, apliquem, de

forma plena e cirúrgica, todos os recursos necessários para a resolução de uma ocorrência

com reféns localizados, alcançando ao final, o melhor resultado possível que consiste na
8

preservação da vida, da integridade física e da dignidade de todas as pessoas, inclusive dos

infratores da lei.
9

ABSTRACT

The theme aims to create a new position in the police agencies, particularly in the

state of Sergipe, in the treatment of occurrences called crises, as well as provide guidance

for operators of public safety, whether police or not. The terms crisis and crisis

management are relatively new in the middle Brazilian police, and their full understanding

is fundamental to the understanding of the work. Therefore, the first chapter was devoted

exclusively to the definitions of the various technical terms used in the doctrine currently

in Brazil, which will make its more didactic explanation. We here subsidize an overview

on the subject, assuming the history of this type of occurrence, showing up the successes,

mistakes and hesitations that limited the matter.

It addresses, superficially, the alternatives tactics, giving greater emphasis to the

"Queen of alternative tactics" to Negotiation. Shown up old problems that, although

discussed, were not resolved and the current problems that need immediate solution. The

lack of standard methods for solving the crisis demanded that if buscasse support in the

doctrine of the FBI, but interpreted and demonstrably applicable in Brazil Despite these

constraints and the complexity of the issue the search presents some procedures that help

the sergipana police enormously to the success of the resolution in events such

complexity, and suggests measures to consolidate the technical management of crises, all

proposed to the State Secretariat of the Public Safety of the state of Sergipe.

Has been designed to rescue the history and learn from it so that the military

police, which probably will be faced with this type of occurrence, implement, in full and

with perfection, all resources necessary for the resolution of a occurrence with hostage

located, reaching the end, the best possible result that is the preservation of life, the
10

physical integrity and dignity of all persons, including those violators of the law.
11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 14

CAPÍTULO I

1. CONCEITOS E PRINCÍPIOS DO GERENCIAMENTO DE CRISES............... 21

1.1 DEFINIÇÃO DE CRISE OU EVENTO CRÍTICO ...................................................... 21

1.2 AS CARACTERÍSTICAS DE UMA CRISE................................................................ 22

1.3 GERENCIAMENTO DA CRISE.................................................................................. 25

1.4 OBJETIVOS FUNDAMENTAIS ................................................................................. 28

1.5 CRITÉRIOS DE AÇÃO................................................................................................ 30

CAPÍTULO II

2. CLASSIFICAÇÃO DOS GRAUS DE RISCO OU AMEAÇA APRESENTADOS

PELO EVENTO E NÍVEIS DE RESPOSTA........................................................ 31

2.1 GRAUS DE RISCO ...................................................................................................... 31

2.2 ELEMENTOS ESSENCIAIS DE INFORMAÇÃO ..................................................... 32

2.3 NÍVEIS DE RESPOSTA À CRISE ................................................................... 33

2.4 TIPOLOGIA DOS CAUSADORES DA CRISE E GRADAÇÃO DA SUA

PERICULOSIDADE ........................................................................................................... 35

CAPÍTULO III

3 O PROCESSO DE GERENCIAMENTO DE CRISE ......................................... 41


12

3.1 MEDIDAS INICIAIS DE CONTROLE E CONDUÇÃO DA CRISE ...................41

3.2 OS RECURSOS DE UM GERENTE DE CRISES....................................................42

3.2.1 A NEGOCIAÇÃO ..................................................................................................43

3.2.1.1 ORGANIZAÇÃO DE UMA EQUIPE DE NEGOCIAÇÃO ..............................45

3.2.1.2 PRINCÍPIOS BÁSICOS DA NEGOCIAÇÃO POLICIAL ................................47

3.2.1.3 A POLÊMICA DO USO DE NEGOCIADORES NÃO-POLICIAIS; OS

CHAMADOS “TERCEIROS NA NEGOCIAÇÃO OU INTERMEDIÁRIOS” ...........49

3.2.2 TÉCNICAS NÃO-LETAIS ....................................................................................51

3.2.3 UTILIZAÇÃO DO ATIRADOR DE ELITE .........................................................51

3.2.4 O GRUPO TÁTICO ESPECIAL ...........................................................................53

CAPÍTULO IV

4 CONSIDERAÇÕES GERAIS, SEGUNDO A DOUTRINA, DO CASO MONTE

ALEGRE/SE ...................................................................................................................... 56

4.1.0 RESUMO DO FATO ................................................................................................. 56

4.2.0 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS RELATIVOS AO INÍCIO DA OCORRÊNCIA .... 58

4.3.0 DOS PRIMEIROS PROCEDIMENTOS APÓS IDENTIFICADA A CRISE........... 59

4.4.0 DOS PRIMEIROS CONTATOS COM O PERPETRADOR ................................... 60

4.5 DO ACIONAMENTO DA UNIDADE ESPECIALIZADA (COE)............................. 61

4.6 DA TENTATIVA DE GERENCIAMENTO DA CRISE............................................. 62

4.7 USO DO TERCEIRO NA NEGOCIAÇÃO.................................................................. 63

CONCLUSÃO.................................................................................................................... 64
13

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 66
14

INTRODUÇÃO

Diante do aumento da criminalidade e de suas novas práticas, os organismos policiais

de todo o mundo passaram a estudar cientificamente tais situações para, dessa forma,

encontrar a resposta ideal a ser dada pela polícia, dando ênfase à técnica e aos direitos

humanos. Diante desses eventos, de violência, denominados pelos estudiosos do tema como

eventos críticos, percebeu-se que não mais seria possível o tratamento empírico e improvisado

por parte de um organismo estatal encarregado de garantir e trazer a ordem pública e, em tese,

de obter a opinião pública a seu favor.

Nessa busca contínua de melhoria na eficácia de suas ações, passaram as polícias por

intensa evolução e, concomitantemente, pois não poderíamos deixar de citar, também por

diversos e desastrosos tropeços, em que várias vidas humanas foram ceifadas nas tentativas de

resolução. É bem verdade que a polícia, qualquer que seja sua especificidade, não tem

intenção de errar, ao contrário, pressupõe-se que todos os seus atos sejam para salvaguardar

vidas e aplicar a lei uma vez que o objetivo maior em situações difíceis é o Gerenciamento de

Crises para que se chegue a uma solução pacífica.

Como veremos mais adiante, a doutrina relativa ao Gerenciamento de Situações

Críticas, destacando as que envolvem reféns localizados, é oriunda dos Estados Unidos da

América (EUA) seu berço é o Federal Bureal Investigation (FBI).

Apesar de muito bem recepcionada no Brasil, a Estrutura do Gerenciamento de Crises passou

por alguns ajustes, antes de sua aplicabilidade ser posta em prática. Sua identificação e

interpretação às realidades sócio-econômicas e culturais no Brasil, foi fator decisivo para sua

aplicabilidade e aceitabilidade, de maneira que envolvem todo o corpo policial brasileiro,


15

sendo justificada sua utilização face às diversas ocorrências bem sucedidas, ao longo desses

14 anos.

A negociação policial em ocorrências criminosas que envolvem reféns localizados, em

especial, surgiu para, além de evitar o mínimo de lesão possível com relação aos reféns,

enfatizar a busca, pela polícia, de uma solução pacífica, em relação ao que acontece em tais

situações de crise, demonstrando dessa forma uma preocupação com as garantias dos Direitos

Humanos, proporcionando até mesmo uma “segunda chance” aos provocadores dos eventos

críticos, além de evitar, ao máximo, o uso da força, mesmo quando sua utilização, por si só,

seja justificada.

Em várias instruções ministradas relativas à negociação policial, observou-se que, por

diversas vezes, foi mencionado o termo “A Rainha das alternativas táticas”, termo que não

soava bem aos ouvidos do público assistente das palestras. Após um maior aprofundamento

no assunto, percebeu-se o verdadeiro sentido do termo que aqui definiremos, apresentaremos

e analisaremos sua aplicabilidade em termos técnico-científicos.

De maneira geral, o gerenciamento de crises é considerado um tema recente para as

polícias brasileiras. Especialmente para a polícia sergipana, não há registros recentes que

dissertem sobre o assunto, demonstrando, em princípio, o desconhecimento da doutrina

quando no atendimento a esses tipos de eventos, incluindo-se obviamente as ocorrências com

reféns localizados, caso, aliás, que preocupa as autoridades.

Esses eventos críticos têm sido tratados de forma improvisada não somente pela

polícia sergipana, mas também por outros segmentos da polícia brasileira,

concomitantemente, verifica-se que no estado de Sergipe inexiste uma doutrina de trabalho

que pretenda dar ao problema uma abordagem de caráter científico, o que evitaria atitudes e

desempenhos tipicamente amadoristas, ao invés de justificarem suas ações afirmando que

estão fazendo “o certo” em nome da sociedade e da lei, generalizando o uso da força para tal.
16

Costumeiramente, as ocorrências consideradas como crises ainda são esporádicas. No

Estado sergipano, eram conduzidas de maneira empírica ou negligente, ficando as autoridades

à mercê do improviso e tirocínio policiais, levando-se em conta a “capacidade” de

discernimento e ações isoladas daqueles profissionais, fato observado no episódio ocorrido no

município de Monte Alegre/SE, que aqui estudaremos.

No dia 28 de abril de dois mil e sete, os policiais militares que destacavam na cidade

de Monte Alegre/SE resolveram abordar, no centro da cidade, dois indivíduos que se

encontravam em atitude suspeita. Após a aproximação dos policiais, houve reação por parte

dos indivíduos, o que os levou a fugir, sendo que um deles homiziou-se em uma farmácia

provocando dois homicídios e o ferimento de mais uma refém. Esse fato foi amplamente

divulgado pela mídia nacional e causou comoção à sociedade sergipana, colocando em

suspensão o sistema de segurança pública do Estado, especialmente a capacidade de resposta

tanto dos diversos Batalhões e Delegacias de Área do Estado, quanto do Comando de

Operações Especiais (COE) da Polícia Militar de Sergipe (PMSE), unidade especializada da

PMSE em atender casos dessa magnitude em todo o Estado, englobando o interior e a Grande

Aracaju1.

Diante da gravidade do fato, muito se debateu sobre o nível de resposta, o uso da força

policial e o poder da negociação em eventos dessa complexidade. O episódio gravado e

divulgado pela mídia (de acordo com uma visão empírica do ocorrido), tornou público o

desenrolar dos fatos e alude para “estratégias não convincentes ou ineficazes” utilizadas por

policiais militares e civis que conduziram a negociação e o gerenciamento da resolução do

evento crítico como um todo. Indica também as carências e, portanto, as fragilidades da

1
A região da Grande Aracaju foi redefinida pelo Plano de Desenvolvimento implementado pelo Governo do
Estado de Sergipe, em 2007, que passou a ser composto pelos seguintes municípios: Aracaju, N. Srª. do Socorro,
Barra dos Coqueiros, São Cristóvão, Laranjeiras, Riachuelo, Maruim e Santo Amaro das Brotas.
17

polícia na região, demonstrando a precariedade dos setores de comunicação (interação) e

treinamento das instituições envolvidas com as situações de emergência.

Para entendermos melhor a questão, faremos a seguinte comparação: no Federal

Bureau Inteligence (FBI) e em quase todas as polícias norte-americanas, o gerenciamento de

crise já vem há mais de duas décadas recebendo o devido tratamento científico, estando

atualmente a matéria consolidada em bases doutrinárias, refletindo dessa forma na melhoria

da qualidade de resposta dada pela polícia americana a tais eventos.

Nos Estados Unidos da América (EUA), a questão é analisada com seriedade, dando-

se tratamento científico tanto nos cursos de formação quanto nos cursos de especialização e

atualização profissionais. Todos os operadores de segurança manuseiam e estudam a questão,

preparando e instrumentalizando o policial, que trabalha nas ruas (área operacional), pelo

menos, com o mínimo de conhecimento possível sobre a doutrina para enfrentar esses eventos

críticos. Além disso, a definição de uma doutrina no tratamento desses eventos, adequada à

diversificação de casos, quais sejam; cultura, economia, desenvolvimento social etc,

proporciona uma solução segura e, portanto aceitável. Essa padronização e divulgação de uma

doutrina proporcionam ao policial tratar os eventos críticos de maneira técnica e planejada,

mesmo que haja variantes que interfiram de um caso para outro.

No Brasil, essa dinâmica de modalidades criminosas vem-se manifestando de maneira

assustadora, acompanhando a evolução também em outros países, o que veio a obrigar às

instituições policiais a se organizarem e analisarem cientificamente o assunto.

Para termos uma idéia, segundo pesquisas realizadas na própria instituição da Polícia

Militar, o Estado sergipano ainda não possui uma padronização dos procedimentos, quanto ao

atendimento a ocorrências de crise, em especial aquelas que envolvem reféns localizados.

Uma pesquisa realizada no Comando de Operações Especiais (COE), da Polícia Militar de

Sergipe (PMSE), unidade responsável e treinada para atender a ocorrências desse porte, não
18

há uma padronização nos procedimentos técnicos. Segundo o atual comandante do COE, está

sendo proposta uma Comissão a fim de propor ao Secretário de Segurança Pública e ao

Comandante Geral da PMSE um regulamento, norteando os policiais para condução e solução

de eventos daquele porte. No entanto, ainda não há uma doutrina no Estado que se baseie em

experiências modelares, guiando-se apenas em experiências e complexidades da doutrina do

FBI. Porém, é unanimidade a consciência de que uma má administração, em um evento

crítico, poderá pôr em risco vidas inocentes, o que descredibilizará a polícia perante a

sociedade.

Com o intuito de se evitar que fatos ocorridos, como o deste estudo, aconteçam e, em

resposta, sugerimos alguns procedimentos e posturas que podem e devem ser adotadas pelos

policiais, quer sejam os primeiros interventores, ou mesmo os da unidade especializada para

atendimento a eventos dessa complexidade.

Enfatizamos, porém, que não buscamos aqui expor os profissionais que atuaram ou

estiveram presentes ao evento em estudo, muito menos expô-los a situações vexatórias, mas

sim analisar e divulgar quais os procedimentos mais adequados a serem tomados em tais

situações complexas, a fim de se evitar posteriores desfechos trágicos, o que macularia o

nome da instituição policial.

Diante desse quadro, o presente trabalho procurará, através de análises de doutrinas de

outras polícias brasileiras e de outros países, concomitantemente com atuações de policiais em

outras ocorrências de mesma complexidade, mostrar que é imperioso e do melhor alvitre

adotar medidas com vista a dar às situações com reféns localizados o tratamento estratégico e

doutrinário que o assunto exige, através do alto comando da Polícia Militar de Sergipe.

Os conceitos básicos do gerenciamento de crise são apresentados na primeira parte da

pesquisa. Em razão, exatamente da falta destes preceitos no cenário nacional, buscou-se apoio

na literatura policial norte-americana e, principalmente, na polícia militar do Estado de São


19

Paulo, através do Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), da Polícia Militar desse Estado,

postulada na observação comportamental dos seus executores frente às situações de crise.

A segunda parte deste estudo classifica os graus de risco ou ameaça representada pelo

evento crítico, de acordo com o perfil do Causador da Crise (CC) bem como indica os

respectivos níveis de resposta a serem analisados pelos gerentes e seus assessores. Apresenta,

ainda, a chamada “tipologia dos causadores da crise” e a gradação da sua periculosidade, o

que define praticamente o rumo da crise.

Os recursos oferecidos ao gerente da crise, as chamadas alternativas táticas, serão

sumariamente explicadas, de maneira que faça entender como são feitos todos os trabalhos

dos gestores na busca da resolução do evento.

Falaremos sobre a negociação policial, abordando sua importância no contexto e na

garantia aos direitos humanos. Serão apresentados os recursos que um negociador policial

possui e quais as ferramentas disponíveis, os tipos de Negociação e algumas dicas para o

estabelecimento de um vínculo de confiança com o Causador da Crise. Um outro aspecto

abordado será a utilização de recursos da lingüística no processo de negociação policial

subsidiando técnicas já existentes aplicáveis na psicologia, principalmente na tentativa de

estabelecimento do rapport2 com o provocador do evento crítico.

Em virtude de nosso Estado não apresentar uma constância, no índice de ocorrências

de crise com reféns localizados, e, portanto, não constar nos setores de estatísticas das polícias

militar e civil do Estado sergipano dados que possam subsidiar esse estudo, apresentaremos

aqui pesquisas e resultados da diagnose do processo gerencial nos organismos policiais do

Brasil, mais especificamente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Por fim, após conhecidos os procedimentos e os termos técnicos utilizados no

2
Vínculo de confiança estabelecido entre o negociador e o causador da crise.
20

gerenciamento de crises, bem como as técnicas de uma correta negociação policial,

passaremos a realizar o estudo de caso do episódio ocorrido no município de Monte Alegre,

estado de Sergipe, verificando procedimentos e planejamentos realizados naquele evento.


21

CAPÍTULO I

1. CONCEITOS E PRINCÍPIOS DO GERENCIAMENTO DE

CRISE

Para iniciarmos nosso trabalho, vamos apresentar definições e explicitar alguns termos

técnicos que circunscrevem o estudo do processo de gerenciamento de crises. Neste estudo,

como em qualquer outro ramo do conhecimento científico, há necessidade do estabelecimento

de certos princípios básicos e conceituais para um maior entendimento e uniformidade

doutrinários, o que, obviamente, subsidiará os procedimentos de da análise do evento crítico

em estudo.

Torna-se imprescindível, portanto, apresentar a definição de crise, segundo conceito

dado pelo FBI.

1.1 A CRISE OU EVENTO CRÍTICO

A Academia Nacional do FBI define crise como:

“Um evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da

Polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável”3.

Diante dessa definição, um primeiro ponto a ser observado é o de que a resposta

especial deve ser oriunda da polícia, e não de um outro órgão, seja ele estatal ou não. Como

pode se observar, no comentário do oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, no ano

de 2002, em sua Monografia intitulada “Ações do Policial Negociador em Ocorrências com

Reféns”, Ten. Cel. PM Wanderley Mascarenhas de Souza a respeito da expressão “da

3
Definição retirada da Apostila do Curso de Gerenciamento de Crises ministrado pelo Grupo de Ações Táticas
Especiais da PMESP em junho de 2007.
22

Polícia”, na referida citação, assim se manifesta:

Observe-se que, na definição acima, foi reforçada a expressão “da


Polícia”, numa clara alusão ao fato de que a responsabilidade de
gerenciar e solucionar as situações de crise é exclusivamente da
polícia. A utilização de religiosos, psicólogos, elementos da mídia e
outros na condução e resolução de crises é inteiramente inconcebível,
apesar de inúmeros precedentes, principalmente na recente crônica
policial brasileira. (MASCARENHAS, 2002)

Porém, de acordo com pesquisas realizadas sobre diversas ocorrências atendidas por

grupamentos policiais especializados para esses tipos de eventos, sabe-se que, a depender de

como a crise se apresenta, a utilização desses (denominados pela doutrina do GATE da

PMESP) intermediários ou terceiros, é possível e tem surtido efeitos satisfatórios, quando

corretamente utilizados. Abriremos uma discussão posteriormente a respeito desse assunto, no

capítulo “A Negociação Policial”.

O desconhecimento desse conceito pelos operadores policiais por vezes implica um

mau atendimento a eventos críticos, o que acaba por comprometer a imagem das instituições

policiais, causando descrença por parte da sociedade, além de trazer implicações e

conseqüências jurídicas imprevisíveis, principalmente no âmbito da responsabilidade do

Estado, em seu papel de prover segurança à sociedade.

Dada a definição de crise, é de suma importância que sejam elencadas as suas

características essenciais.

1.2 CARACTERÍSTICAS DA CRISE

Segundo doutrina do FBI, seguida pelos grandes grupos especializados das polícias do

Brasil, como peculiaridades universais, toda crise apresenta as seguintes características:

1. imprevisibilidade;

2. compressão de tempo (urgência);


23

3. ameaça de vida; e

4. necessidade de:

a) postura organizacional não rotineira;

b) planejamento analítico especial e capacidade de implementação; e

c) considerações legais especiais.

Caracteriza-se como imprevisível a atitude assumida a partir de uma vontade

consciente ou inconsciente do indivíduo humano, ou seja, não se pode prever a atitude de

alguém que não conhecemos. O máximo que poderemos imaginar acontecer como atitude a

ser tomada pode referir-se a uma pessoa conhecida, próxima de nós, e, ainda assim, às vezes,

somos surpreendidos com ações inesperadas.

Refere-se à necessidade de urgência na resposta dada pela polícia, ou seja, devido a

suas peculiaridades, a crise exige dos órgãos operadores de segurança pública agilidade na

execução e planejamento da resposta ao evento. Porém, um gerente de crise deve atentar para

o critério de ação da aceitabilidade dos resultados a tais eventos, o que implica dizer que a

resposta deverá ser rápida, porém minuciosamente planejada e treinada, não se admitindo

falhas em sua execução. Em suma, agir de forma rápida não significa dizer que a polícia deva

agir sem avaliar todos os riscos oferecidos pela crise.

A ameaça de vida em um evento crítico também deve ser bastante avaliada ainda nos

primeiros contatos dos primeiros interventores com o evento crítico, ou seja, antes mesmo do

acionamento do grupo especializado no atendimento a essas ocorrências especiais. Essa

aferição leva aos primeiros policiais que chegam a um local de crise a possibilidade de

identificação, tanto do grau de risco que o evento oferece, quanto do nível de resposta que a

polícia deverá planejar. Até mesmo evita a mobilização desnecessária de meios e efetivo ao

local, evitando assim um deslocamento desnecessário ou mesmo um emprego desnecessário

em detrimento de uma outra possível e real ocorrência de crise.


24

A análise da ameaça de vida em uma crise possibilita, ainda, que os policiais evitem

que o evento crítico tome grandes dimensões, o que agravaria a situação colocando em risco a

segurança de todos os envolvidos, principalmente a vida de reféns. No caso Monte Alegre,

Sergipe, houve a identificação da dimensão da ameaça de vida provocada pelo perpetrador,

porém, os policiais que ali operararam não possuíam o conhecimento doutrinário no

atendimento a esses eventos críticos, o que prejudicou sobremaneira na resposta da polícia à

crise em epígrafe, já que o acionamento se deu aproximadamente uma hora e meia após o

início do evento propriamente dito.

A postura organizacional não rotineira refere-se à específica capacidade de resposta

que a polícia deve ter em eventos de crise. No caso em análise, no Estado de Sergipe, uma

tropa de Batalhão de Área não está apta a conduzir tal tipo de evento, pelo simples fato de que

não estudam e não treinam constantemente simulações desse gênero.

É bem verdade que prudente seria que todas as unidades e sub-unidades da polícia

estivessem aptas a operar nesses eventos, mas é notório que o regime diferenciado na escala

de serviço e suas missões precípuas definem a inconstância no treinamento básico para uma

tropa policial, e menos ainda em eventos de crise, com o porte de nosso caso em estudo. De

todas as características essenciais, é aquela que talvez cause maiores transtornos ao processo

de gerenciamento de crises. Contudo, é a única cujos efeitos podem ser minimizados, graças a

um preparo e a um treinamento prévio da organização para o enfrentamento de tais eventos

críticos.

Porém, a proposta de divulgação da doutrina de gerenciamento, em eventos críticos, e

as técnicas dos primeiros atendimentos àqueles eventos são defendidas e sugeridas nesse

trabalho, mesmo com dificuldades, o que ainda assim não habilitaria uma unidade de área a

gerenciar tais eventos devido a sua complexidade.

A respeito da necessidade de um planejamento analítico especial, é importante


25

salientar que a análise e o planejamento, durante o desenrolar de uma crise, são

consideravelmente prejudicados por fatores como a insuficiência de informações sobre o

evento crítico, a intervenção equivocada da mídia e o tumulto de massa provocados pelos

curiosos nessas situações, somente profissionais constantemente treinados e de pleno

conhecimento da doutrina de gerenciamento de crises e das técnicas e peculiaridades das

alternativas táticas e, através de um planejamento analítico minucioso e rigorosamente

avaliado, poderá garantir uma solução aceitável do evento.

Com relação às considerações legais especiais exigidas pelos eventos críticos,

devemos atentar que a existência de uma normatização dos atendimentos a ocorrências de

crise é fator definidor de uma política de segurança séria e organizada. Além de doutrinar e

padronizar procedimentos eficazes, quando no atendimento a esses eventos, demonstra

segurança e competência para a sociedade, dar maior respaldo e aceitabilidade aos resultados

das ações da polícia. Vale ressaltar que os procedimentos apresentados visam também a

qualificar e dar segurança aos operadores de segurança pública, diante dessas ocorrências,

devendo os primeiros interventores buscar sempre uma maior interação com outros

operadores de segurança que se encontrem em uma crise.

1.3 GERENCIAMENTO DE CRISE

Ainda, seguindo definição dada pela Academia Nacional do FBI: “Gerenciamento de

Crise é o processo de identificar, obter e aplicar os recursos necessários à antecipação,

prevenção e resolução de uma crise.”

O Gerenciamento de Crises pode ser descrito como um processo racional e analítico


26

de resolver problemas baseado em probabilidades4. No gerenciamento das situações críticas, a

capacidade de implementação e flexibilidade são ferramentas com a qual o gerente deve

sempre levar em consideração, visto que não se trata de uma “fórmula de bolo”, com a qual o

gerente sempre poderá seguir o protocolo de uma mesma maneira. Um emaranhado de

informações e contra-informações apresentadas ao gerente deve sempre ser pensado e

repensado, analisando-se todas as possibilidades para uma solução aceitável da crise.

Em seu livro intitulado A Arte da Guerra, ao se referir ao uso de espiões em guerras,

Sun Tzu5 dera os primeiros indícios de como se gerenciar situações adversas, em seu caso de

referência:

O que possibilita ao soberano inteligente e seu comandante conquistar

o inimigo e realizar façanhas fora do comum é a previsão,

conhecimento que só pode ser adquirido através de homens que

estejam a par de toda movimentação do inimigo. (SUN TZU, 2006, p.

135)

Esclareçamos aqui duas situações: a primeira diz respeito à questão do soberano que,

analogamente, compararíamos com um Governador de Estado hodiernamente, é claro que

com ideologias e práticas políticas completamente diferentes. A segunda observação se refere

à ênfase do termo “inimigo”. Não se trata de ver no causador da crise um inimigo potencial

com o qual devamos exterminá-lo e/ou extirpá-lo da sociedade. Trata-se de um cidadão

infrator que, por motivos até então desconhecidos, está motivado a cometer um ato ilícito,

mas que goza, ainda assim, de direitos e deveres como qualquer outro cidadão, até que se

comprove o contrário. Em seu texto “Espaço público, polícia e cidadania: em busca de novas

4
Definição retirada da Apostila do Curso de Gerenciamento de Crises realizado pelo GATE/PMESP em junho
de 2007.
5
Sun Tzu foi o general chinês que viveu à época da dinastia de Sung (960 – 1280). Seu livro, A Arte da Guerra,
é considerado por muitos como o maior tratado de guerra de todos os tempos, definida como a Bíblia da
estratégia, sendo utilizada amplamente no mundo dos negócios, conquistando pessoas e mercados, sem
mencionar na aplicabilidade militar.
27

formas de sociabilidades”, Paulo Sérgio da Costa Neves6 faz a seguinte reflexão sobre a

questão do indivíduo infrator como integrante da sociedade:

Portanto, toda e qualquer política de segurança pública que não leve


as atuais características socioeconômicas e políticas do País em conta
estará não apenas sendo inócua, como também injusta. Inócua, pois
não se combate a “insegurança” da sociedade brasileira apenas com
políticas repressivas contra a criminalidade, uma vez que essas
políticas não atacam as causas sociais do problema. Ao mesmo tempo,
ela é injusta, pois só atua contra os segmentos mais fragilizados da
sociedade (os pobres, os negros, os homossexuais e outros),
estigmatizando-os.” (NEVES, 2002, p. 148)

Ainda compete ao gerente da crise coordenar as diversas atividades que o subsidiam,

ou seja, a ele cabe filtrar e analisar todas as informações, sugestões e divergências de opiniões

advindas de seus assessores diretos, os chefes de grupos, quais sejam: chefe do grupo de

negociação, chefe do grupo tático e chefe da equipe de atiradores de elite, os chamados

snipers. Tão complexa quanto a coordenação dos chefes de equipes das alternativas táticas é a

comunicação e interação entre os perímetros de segurança. O isolamento da área é uma

missão tão árdua quanto a resolução da crise para os envolvidos no perímetro interno do

evento. Na verdade, torna-se imprescindível a integração entre todos os envolvidos no evento

crítico, trabalho que deverá ser coordenado pelo gerente de crises com harmonia e liderança.

Sun Tzu mencionara em seu tratado sobre a árdua, porém possível missão de gerenciar:

Comandar muitos é o mesmo que comandar poucos. Tudo é uma


questão de organização. Controlar muitos ou poucos é uma única
coisa. É apenas uma questão de formação e sinalizações. (SUN TZU,
2006, p. 59)

Atualmente, no Estado de Sergipe, não há sequer uma cartilha com os procedimentos

que devem ser tomados nesses tipos de eventos, o que acaba por refletir no mau desempenho

dos operadores de segurança quando no atendimento a tais eventos. No FBI e em quase todas

6
Paulo Sérgio da Costa Neves é professor do Departamento e do Núcleo de Pós-Graduação em Ciências
Sociais, coordenador da CDH/UFS e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Exclusão, Cidadania e
Direitos Humanos (Gepec).
28

as polícias norte-americanas, a doutrina de gerenciamento de crises vem sendo estudada e

divulgada há mais de duas décadas, recebendo um tratamento científico, estando atualmente à

matéria consolidada em bases doutrinárias consistentes. Nas academias de polícia dos EUA, o

gerenciamento de crises é matéria de grande importância, tanto nos cursos de formação como

nos cursos de aperfeiçoamento de policiais. Nenhum executivo de polícia daquele país deixou

de ter algum contato com essa disciplina

O resultado dessa política mostra que as crises são tratadas de maneira quase uniforme

nos EUA, verificando-se, destarte, que apesar das diferenças de legislação de um estado para

outro, as organizações policiais (não importa qual seja a sua natureza) adotam uma mesma

doutrina de trabalho com relação a esse assunto e, o que é mais importante, falando uma

mesma linguagem.

Demonstra, dessa forma, a possibilidade de organização de um evento envolvendo

diversos órgãos, bastando apenas comandar, coordenar e controlar as ações de maneira

específica, porém sincronizada.

1.4 OBJETIVOS FUNDAMENTAIS

Adotados pela SWAT, e contemplados pela doutrina brasileira, os objetivos

fundamentais do gerenciamento de crises são os seguintes:

a) preservar vidas; e

b) aplicar a lei.

Em várias palestras e cursos de formação e atualização profissionais, tem-se percebido

que existe uma polêmica por trás do primeiro objetivo, preservar vidas. Na verdade, eles (os

dois objetivos) estão colocados rigorosamente em uma ordem axiológica, ou seja, o bem
29

jurídico tutelado deverá ser sempre a preservação da vida, em detrimento de quaisquer outros

tipos de prioridades que sejam apresentados, mesmo que se necessário tenha que ir de

encontro à lei.

A polêmica gira em torno de que algumas forças policiais, isso inclui a SWAT de

Dallas (USA), se utilizam de uma ordem de prioridade de vidas. Em um curso de Negociação

e Retomada de Reféns, ministrado no estado sergipano pela SWAT de Dallas, a ordem de

prioridade de vidas é:

1º) o refém;

2º o público;

3º) os policiais;

4º) o causador da crise.

Na verdade, o que a maioria dos alunos dos cursos de formação questiona, e tem

fundamento, é que não se pode mensurar que uma vida seja mais importante que a outra,

mesmo que esta seja uma vida marcada por crimes os mais diversificados possíveis. Mas essa

é uma discussão que exige um estudo mais aprofundado e que deve ser dada a atenção

especial.

Defenderemos aqui o posicionamento de que a preservação da vida deve sempre

sobrepujar a aplicação da lei, mesmo que seja necessário transgredi-la, conforme afirma

MASCARENHAS 2002:

A crônica policial tem demonstrado que, em muitos casos, optando


por preservar vidas inocentes, mesmo quando isso contribuía para
uma momentânea fuga ou vitória dos elementos causadores da crise,
os responsáveis pelo gerenciamento da crise adotaram a linha de
conduta mais adequada, em virtude de uma ulterior captura dos
meliantes.

A aplicação da lei pode esperar por alguns meses até que sejam presos
os desencadeadores da crise, enquanto que as perdas de vida são
irreversíveis.
30

Um exemplo recente desta opção ocorreu em 04Set95, na Bahia,


numa crise em que o assaltante foi autorizado pela polícia a fugir com
o refém, preservando a vida de uma menina de 14 anos que ficou em
seu poder durante 61 horas. Do equilíbrio do executivo de polícia na
busca dos dois objetivos fundamentais do gerenciamento de crises
pode resultar o bom êxito da sua missão.” (MASCARENHAS, 2002,
p. 120)

1.5 CRITÉRIOS DE AÇÃO

Durante uma crise, o gerente de crises deverá levar em consideração, quando na

elaboração ou aplicação de um plano, três critérios de ação. Esses critérios servirão para

avaliar a situação como um todo, ou seja, serão analisadas todas as possibilidades, desde

aspectos técnicos envolvendo negociadores, grupo tático e sniper, até aspectos políticos

(decisões que poderiam ganhar proporções politicamente desastrosas). Porém, o gerente

deverá se ater constantemente à solução pacífica do evento crítico, sempre considerando a

possível utilização das outras alternativas táticas, mesmo que sejam letais.

Vejamos abaixo os critérios de ação, estabelecidos pelo FBI, que devem ser cuidadosamente

analisados por um gerente de crises, durante o seu processo de tomada de decisão:

a) necessidade – significa dizer que para que uma ação seja posta em prática

é imprescindível que ela seja indispensável;

b) validade do risco – preconiza que antes de ser posta em prática toda e

qualquer ação, deverão ser levados em conta todos os riscos, e se esses riscos são

compensados pelos possíveis resultados;

c) aceitabilidade - Implica que toda a ação deve ter respaldo legal, moral e

ético. Significa dizer que um desfecho de uma ocorrência não necessariamente deverá ser

considerado o ideal pelo simples motivo de ter neutralizado os causadores da crise e libertado

os reféns. Mais do que isso! Deverá ter respaldo não somente no aspecto legal, mas também

no moral e na aceitabilidade perante a opinião pública, incluindo-se seu meio profissional.


31

CAPÍTULO II

2. CLASSIFICAÇÃO DOS GRAUS DE RISCO OU AMEAÇA

APRESENTADOS PELO EVENTO E NÍVEIS DE RESPOSTA

2.1 GRAUS DE RISCO

A doutrina prevê a identificação de uma crise mensurando o grau de periculosidade

que ela representa. Tal adoção torna-se necessária para que os operadores de segurança

empenhados na resolução desse evento tenham a real dimensão da situação. Isso serve de

parâmetro para mobilizar os materiais necessários, efetivo suficiente, apoio externo, enfim,

toda uma logística e pessoal qualificado e quantificado para a melhor solução do evento.

Seguiremos aqui a doutrina norte-americana em virtude de atentar para a missão

precípua da Polícia Militar, o policiamento ostensivo preventivo. Então, a classificação dos

graus de risco é definida da seguinte forma:

a) alto risco – eventos críticos que podem ser solucionados com recursos

locais, partindo-se do pressuposto que os órgãos locais estão com todos os equipamentos

necessários para tal, por exemplo: um assalto a banco sem reféns com os assaltantes em locais

de difícil acesso. Como exemplo, podemos citar uma ocorrência de assalto a banco sem reféns

com elementos em locais de difícil acesso.

b) altíssimo risco – ocorrências com reféns. Nesse caso, recomenda-se

estabelecer as medidas iniciais de controle e condução da crise, e imediatamente acionar o

grupo especializado, que aqui no estado sergipano é o COE.

c) ameaça extraordinária – crises que requerem, para sua solução, recursos


32

de outras forças (Ex: terroristas armados que dominam os tripulantes de uma aeronave).

d) ameaça exógena – como dito anteriormente, seria uma ameaça a uma

população inteira por um indivíduo conduzindo consigo veneno, vírus, material radioativo etc.

Foram feitas visitas às unidades e sub-unidades da Polícia Militar do interior do

Estado sergipano e foi identificado que elas ainda não estão preparadas (com treinamento e

equipamento) para atender a esses tipos de ocorrências, mesmo sendo crises consideradas as

mais simples, o que as obriga recorrer à unidade especializada da Polícia Militar, o COE, que

é a unidade treinada e parcialmente equipada para atender a eventos críticos em todo o estado

sergipano.

2.2 ELEMENTOS ESSENCIAIS DE INFORMAÇÃO

Quando estabelecida uma crise, os primeiros interventores deverão ater-se aos

elementos essenciais de informação, que são as pessoas e os materiais que estão diretamente

ligados ao evento crítico. É através das informações colhidas desses elementos essenciais que

o gerente de crise definirá todas as diretrizes para a busca da solução do evento crítico,

inclusive o rumo das negociações. Da definição e da colheita das informações, resultará ainda

a identificação do grau de risco e do nível de resposta que será dada para a solução do evento.

Segundo MASCARENHAS,2002, temos, então, quatro elementos de informação, são eles:

a) causadores da crise – quantos são, sua motivação, seu estado mental, sua

habilidade, seu histórico no crime, sua habilidade no manuseio com armas de fogo etc;

b) reféns – quantos são, idade, estado de saúde, condição física (se estão

feridos ou não), localização no ponto crítico etc;

c) ponto crítico ou ponto nevrálgico – aqui devemos atentar para o

tamanho, peculiaridades da edificação, condições do terreno, quantidade e material das


33

janelas, portas etc;

d) armas que os causadores da crise portam – quantidade, calibre, poder de

fogo, se têm muitas munições etc.

Portanto, é de suma importância o conhecimento das informações que devem ser

colhidas pelos elementos essenciais acima mencionados, pois a solução do evento crítico será

convenientemente estudada.

2.3 NÍVEIS DE RESPOSTA À CRISE

Como já foi dito, o nível de resposta a ser dado pela polícia deverá ser proporcional à

agressão provocada pelo causador da crise. Para cada grau de risco identificado pelos

primeiros interventores, ou mesmo pelo gerente de uma crise, dar-se-á uma resposta de igual

proporção, de um determinado nível correspondente, sempre buscando uma solução aceitável.

Deve-se atentar, portanto, que não necessariamente uma resposta inicialmente dada em um

determinado momento será mantida durante toda a ocorrência. Ela deverá acompanhar a

intensidade da agressão, ou seja, se o grau de risco em uma determinada ocorrência aumentar.

Diante de tal situação, deverão ser observados outros níveis de resposta proporcionais à

agressão.

Segundo o FBI e adotadas pelas polícias brasileiras, a definição do nível de resposta e

a competência de atuação deverão ser operacionalizadas da seguinte maneira:

a) nível 1 - a crise pode ser deliberada com recursos locais, ou seja,

determinados Batalhões de Área poderão atuar, desde que estejam

equipados com os materiais adequados. Caso não possuam tais materiais,

é aconselhável acionar a unidade especializada, o COE;

b) nível 2 - a solução da crise exige recursos locais especializados (emprego

do Grupo Tático Especial), aqui em especial o COE;


34

c) nível 3 - a crise exige recursos locais especializados e também recursos

de apoio (Ex: COE e outras unidades).

d) nível 4 - a solução da crise requer o emprego dos recursos do nível três e

também recursos exógenos (COE e outras unidades especializadas,

inclusive a nível estadual e/ou federal).

Porém, nesses treinamentos, não foram encontrados registros da participação da

Polícia Civil do Estado, o que seria de extrema importância à integração, principalmente junto

à Polícia Federal.

Percebe-se, então, que o COE, por estar em constante estudo e treinamento para o

atendimento a ocorrências de crise, deverá sempre ser acionado em eventos que se

identifiquem como crise, pois já no nível 1 ele poderá ser acionado. Através de pesquisas

realizadas nos arquivos do COE, já existe, no cronograma dessa unidade, a previsão, de pelo

menos uma vez por ano, de um treinamento de ocorrências de grau quatro. Esses treinamentos

contam com a participação do Exército Brasileiro, Polícia Militar, Polícia Federal, Infraero,

Corpo de Bombeiros Militar e SAMU estadual, nos quais há a simulação de ocorrências com

reféns as mais variadas possíveis, a fim de se obter condicionamento e padronização dos

procedimentos dos órgãos envolvidos, quando no atendimento a esses tipos de ocorrências.

Tal iniciativa demonstra uma evolução na mentalidade das instituições envolvidas.

Portanto, a identificação do grau de risco, inicialmente e seu respectivo nível de

resposta, principalmente pelos primeiros interventores, concorrem favoravelmente para a

solução do evento, possibilitando, desde o início, o oferecimento de um nível de resposta

adequado à situação, evitando-se, desta forma, perdas de tempo e posterior agravamento da

situação, o que pode ser constatado através do estudo do evento em Monte Alegre/SE.
35

2.4 TIPOLOGIA DOS CAUSADORES DA CRISE E GRADAÇÃO

DA SUA PERICULOSIDADE

Quando no desenvolvimento de uma crise, há previsão na doutrina de Gerenciamento

de Crises sobre a denominada Tipologia dos Causadores da Crise. Trata-se de fazer um pré-

diagnóstico, traçar um perfil psicológico pelo qual está passando o provocador do evento

crítico, personagem que deve ser analisado e definido o mais preciso possível. No caso em

estudo, não houve de imediato a identificação da tipologia do perpetrador, mas a polícia

solicitou a presença de um profissional (psicólogo), o qual identificou como sendo um caso de

psicopatia. A partir de então, reza a doutrina que, nesses casos, o gerente de crises deve mudar

o rumo das “negociações”, em virtude do risco e da baixa probabilidade de resolução pacífica

do evento. Desde então, caso o policial responsável pelo atendimento desse evento tivesse à

disposição policiais bem treinados, equipamentos adequados e conhecimento doutrinário em

função desses tipos de eventos, deveria ter mudado de estratégia, inclusive coordenar a

intervenção do terceiro solicitado, como veremos mais adiante.

O desconhecimento doutrinário do gerenciamento de crises certamente provocou

diversas falhas no atendimento da ocorrência, já que no evento em estudo percebemos a

ausência de isolamento, negociação, acionamento do grupo especializado em tempo hábil,

posicionamento correto dos órgãos de apoio e, principalmente, a presença de um policial com

o conhecimento e treinamento adequados para coordenar e organizar o local, ou seja, o

gerente de crises.

A definição do perfil psicológico do perpetrador é fator decisivo para preparar o plano

de ação do gerente da crise, principalmente a aplicação correta da tática7 e/ou técnica da

7
Segundo o FBI, há dois tipos de negociação, a Tática ou Estratégica e a Técnica ou Real. A tática deve existir
quando não mais houver possibilidade de negociação, provocada pelo causador da crise. Já a técnica deve
perdurar enquanto houver possibilidade de negociação e solução pacífica do evento.
36

equipe de negociação policial. A coleta de informações antes e durante a ocorrência do evento

crítico é de vital importância para uma solução aceitável de um evento. Informações como, os

antecedentes criminais, o histórico familiar, o comportamento social, as motivações que o

levaram a cometer o ilícito, a prática com armas devem ser levantadas e consideradas para a

definição da tipologia do captor.

Sabe-se, porém, que apenas algumas horas em contato com um determinado indivíduo

podem ser consideradas inadequadas para se definir o perfil psicológico de uma pessoa,

mesmo porque, em um evento crítico, o nível de estresse atinge o pico, o que poderá provocar

uma reação por parte do causador da crise que nunca acontecera em outras situações. Essa

questão servirá como base para outros estudos sobre o tema, mas seguiremos a atual

definição, em virtude de não haver pesquisas científicas sobre o tema, por atualmente estarem

sendo aplicados e comprovados, bons resultados, mesmo com a definição sumária da

tipologia do causador da crise.

Torna-se prudente mencionar que o negociador policial deverá levar em consideração

que atuará não somente em crises cujos provocadores são criminosos. Pessoas sadias, mas

com problemas emocionais, motivadas por ideologias políticas, com problemas conjugais,

enfim, problemas outros que não se tratam de desvios de conduta à luz do Código Penal,

provocam também tais situações. Dessa forma, segundo a doutrina de gerenciamento de

crises, classificam-se as tipologias criminosas da seguinte forma: criminoso profissional ou

criminalmente motivado, indivíduos com problemas mentais ou comportamentais

(paranóicos, depressivos, sociopatas, personalidade desajustada ou dependente, e suicidas),

delinqüentes surpreendidos durante a ação criminosa, prisioneiros em revolta, fanáticos

religiosos, motivados politicamente e seqüestradores. Para fins desse estudo de caso, ater-nos-

emos apenas às tipologias do criminoso profissional surpreendido pela polícia quando na

execução de uma atividade ilícita, mais especificamente, em um assalto frustrado (ou em sua
37

iminência) e ao sociopata, ou seja, indivíduos com personalidade anti-social.

Define-se como criminoso profissional (ou criminalmente motivado), o indivíduo que

se mantém através de repetidos furtos e roubos e de uma vida dedicada ao crime. Geralmente

provoca uma crise por acidente, como o fato acontecido que estamos estudando. Segundo

Ângelo Salignac, Perito Criminal Federal e autor do livro “O Gerenciamento das Situações

Policiais Críticas”, os eventos críticos provocados por elementos com esse perfil torna as

ocorrências como sendo as de mais fácil resolução, caso não seja detectado nenhum desvio

mais grave em seu comportamento.

Se durante os primeiros contatos com o perpetrador forem detectadas algumas

características de anomalia, em seu comportamento, o gerente da crise, devidamente

informado pelo negociador, deverá considerar uma possível atuação do grupo tático, sempre

após a tentativa de uma negociação real ou tática, o que subsidiará a atuação do grupo tático

no momento do assalto (entrada tática).

Em contrapartida, se forem identificadas características de normalidade do indivíduo,

o negociador deverá estar alerta para o fato de que o captor provavelmente saberá o que se

esperar por parte da polícia, e também o que precisa falar ou fazer para sair vivo daquela

situação, mesmo tendo cometido crimes antecedentes ao evento. Nesses casos, a equipe de

negociação deverá direcionar suas técnicas a fim de saber o que ocorrera momentos antes

daquele estado no evento, sempre enfatizando que o provocador do evento crítico terá sua

vida garantida se libertar os reféns.

Salignac, em seu livro “O Gerenciamento das Situações Policiais Críticas” identifica

e define uma situação envolvendo um criminoso com essa tipologia, quando afirma:

[...] a tensão ambiente é usualmente alta, pois é grande a probabilidade


de ter havido confronto com a polícia durante a fuga ou no próprio
cerco. Um importante cuidado inicial é o de verificar as condições
físicas tanto do PEC quanto dos reféns, pois pode haver feridos.
(SALIGNAC, 2001, p. 89)
38

Estudos de casos realizados pelo FBI e por algumas polícias brasileiras afirmam que

os momentos mais críticos dos eventos provocados por esse tipo de criminoso são os

primeiros quarenta e cinco minutos. Nesse momento, o pico de estresse do perpetrador

encontra-se no topo, e ele se torna capaz de qualquer coisa. Nesses casos, o negociador deve

sugerir ao gerente da crise que cesse qualquer movimento por parte da polícia que possa

aumentar ainda mais o estresse do captor, devendo ainda ganhar tempo, a fim de que novas

estratégias sejam analisadas pelo gerente da crise e seus assessores.

No caso em estudo, em virtude do desconhecimento da doutrina do gerenciamento de

crises e das técnicas de negociação, não houve sincronia entre os policiais que ali operaram,

como mostram as imagens cedidas pela TV Sergipe, que focalizam os policiais conversando

com o provocador do evento crítico, com suas armas em punho e/ou em seus coldres. Essa

atitude provoca uma elevação no nível de estresse de qualquer pessoa, ainda mais se tratando

de um cidadão infrator que acabou de cometer um ato ilícito.

Como fora dito, analisaremos agora uma subespécie da tipologia dos criminosos

denominada de emocionalmente perturbados ou os indivíduos com problemas mentais ou

comportamentais, a subespécie dos sociopatas.

É prudente advertirmos aqui que esse trabalho não aprofunda o conhecimento no ramo

da Psicopatologia ou mesmo em qualquer outra ciência. Segundo pesquisas realizadas no ano

de 1997 nos EUA, cerca de 50%8 dos eventos críticos lá ocorridos são provocados por uma

pessoa com distúrbios emocionais ou comportamentais.

A identificação desse tipo de criminoso, logo nos primeiros momentos da crise, faz

com que várias possibilidades sejam apresentadas a fim de se obter a solução pacífica do

evento crítico, já que o fator tempo passaria a contar em desfavor dos policiais. Mas a solução

8
Dado retirado da monografia intitulada “Ações do Policial Negociador em Ocorrências com Reféns”, do Ten.
Cel. PMESP Wanderley Mascarenhas de Souza.
39

do evento não depende apenas da identificação do tipo do criminoso, depende sobremaneira

do treinamento e conhecimento do negociador, obrigando-o a ser paciente e a possuir uma

aguçada percepção dos limites da negociação, o que, na maioria dos casos, obriga ao uso do

recurso do grupo tático, o que elevaria a probabilidade de risco de morte a todos os

envolvidos.

Salignac descreve um indivíduo que se enquadra nas características de um sociopata,

bem como identifica suas possíveis atitudes e intenções quando envolvidos em situações em

seu desfavor, principalmente quando surpreendidos por policiais:

Pessoas com essa patologia são conhecidas dos policiais, pelo


freqüente envolvimento em delitos os mais variados. Historicamente
denominados “personalidade psicopática” ou “psicopatas”,
apresentam ausência de qualquer sentimento de culpa ou de
consciência (não incorporam valores e moral da sociedade em que
vivem), são incapazes de planejar a médio e longo prazo, impulsivos e
exigem satisfação imediata de seus desejos...]. Seu histórico mostra
precocidade no cometimento de delitos ou irregularidades (antes dos
quinze anos); são pessoas nas quais não se pode confiar: mentem,
costumeiramente, usam nomes falsos ou apelidos e aplicam golpes
visando a lucros pessoais em detrimento dos outros. Irritáveis e
agressivos, constantemente se envolvem em violências, especialmente
quando as coisas não funcionam de acordo com sua vontade. Seu
desprezo pela segurança e bem estar dos outros é ostensivo e
facilmente reconhecível; racionaliza com facilidade os prejuízos que
provoca e mesmo as violências que pratica. É irresponsável..
(SALIGNAC, 2001, p. 83)

Um fato que chama atenção nesses indivíduos é que seus antecedentes criminais

demonstram sua iniciação precoce em atividades criminosas ou irregularidades (antes dos

quinze anos de idade), não são pessoas confiáveis, com grande tendência de ludibriar as

pessoas. Mentem contumazmente e são bastante agressivos, característica que junto com

outras o faz se envolver em violências. Eles são frios e calculistas, pois racionalizam com

facilidade os prejuízos que provocam e as violências que praticam. Devemos memorizar essas

características para a análise do evento crítico ocorrido no município de Monte Alegre/SE.

Mesmo o negociador policial tendo amplo conhecimento da doutrina e vasta


40

experiência com ocorrências com reféns localizados e, identificando a tipologia do causador

do evento, não deve desconsiderar a necessidade da presença de um profissional qualificado

junto à equipe de negociação, ou seja, subsidiando o chefe da equipe de negociação, o qual

deverá se posicionar em local reservado, não em contato direto com o perpetrador.


41

CAPÍTULO III

3. O PROCESSO DE GERENCIAMENTO DE CRISE

3.1 MEDIDAS INICIAIS DE CONTROLE E CONDUÇÃO DA

CRISE

Considera-se crise já o momento em que a autoridade policial toma conhecimento do

evento e identifica todas as características de um evento crítico. É a partir desse momento que

se inicia o processo de gerenciamento de crises. Independente de quem primeiro for acionado

ou chegar ao local do evento crítico, os chamados “primeiros interventores”, quer sejam: a

polícia civil, a guarda municipal, uma unidade de área da PM, enfim, qualquer que seja a

instituição de segurança que primeiro se depare com tal situação, as medidas iniciais de

condução e controle da crise deverão ser tomadas.

Em suma, qualquer que seja a autoridade policial, quando identificada uma crise,

deverá tomar as seguintes medidas:

a) conter a crise;

b) isolar o ponto crítico; e

c) iniciar os primeiros contatos sem concessões ou negociar (caso tenha

conhecimento técnico para tal).

A contenção da crise consiste em impedir que a situação tome dimensões maiores, ou

seja, que a crise venha a provocar maiores danos que os previstos. Essa medida, por exemplo,

impede que novas pessoas sejam tomadas como reféns, outros danos materiais sejam

causados, que os perpetradores ampliem sua área de domínio, enfim, que tenham acesso a
42

outros recursos que possam dificultar a solução do evento crítico. Dessa forma, torna-se

prudente mencionar, por exemplo, que não é recomendável o gerente da crise permitir a saída

do perpetrador de uma casa, mesmo que aparentemente não ofereça risco a outras pessoas.

Mas a depender da situação e, devidamente analisada pelo gerente da crise e seus assessores,

poderá haver exceção.

Medidas como: cortar linha telefônica, colocar jornais nas janelas, cortar energia

elétrica, estabelecimento dos perímetros táticos etc, são formas de isolamento de local de

crise.

Toda e qualquer decisão e ação tomada em um local de crises deverá ser

exclusivamente de iniciativa e deliberação do gerente de crises, pois ele e seus assessores são

os conhecedores e técnicos competentes para agir nesses tipos de eventos.

3.2 OS RECURSOS DE UM GERENTE DE CRISES

Já nos momentos iniciais de uma crise, é importante que o gerente de crises considere

a possibilidade de utilização dos recursos que lhe são disponíveis. No Grupo de

Ações Táticas Especiais da Polícia Militar de São Paulo (GATE), unidade policial pioneira no

Brasil no atendimento a ocorrências com reféns localizados, um gerente de crises tem a seu

dispor quatro alternativas táticas para a busca da solução do evento:

a) negociação;

b) emprego de técnicas não-letais;

c) tiro de comprometimento (Sniper) e;

d) grupo de assalto (entrada tática).


43

3.2.1 A NEGOCIAÇÃO

A fundamentação do gerenciamento de crises, em ocorrências com reféns, utilizando

as suas alternativas táticas, está embasada no Princípio Básico N.º 4, enfatizando, em último

caso, a recomendação de utilizar a força letal, como o tiro de comprometimento e a invasão

tática deliberado e aprovado pela Organização das Nações Unidas em 1990, que diz:

Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, no exercício das


suas funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não
violentos antes de utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão
recorrer à força ou a armas de fogo se outros meios se mostrarem
ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado desejado. (ONU,
1990)

Até pouco antes da década de 70, as polícias enfrentavam as situações envolvendo

reféns localizados impondo-se pela força do número, com ataque frontal e direto, sem

nenhuma metodologia especial. Desse modo, costumavam ocorrer muitas mortes e

ferimentos, não só de criminosos e reféns, mas também de policiais e pessoas inocentes.

Desde 1971, essas situações, com envolvimento de reféns, passaram a ser objeto de atenção

pública. Naquele ano, ocorreu o famigerado motim no presídio de Attica, em Nova York.

Naquele local, os internos capturaram trinta e nove guardas penitenciários e os mantiveram

como reféns, durante alguns dias de negociações confusas e sem técnicas. Quando finalmente

um contingente policial invadiu o presídio, vinte e oito presidiários e onze reféns foram

mortos - todos vitimados por tiros saídos das armas empunhadas pela força invasora, ou seja,

pelos policiais, conforme ficou demonstrado nos exames balísticos posteriores.

Depois, em setembro de 1972, houve o incidente nas Olimpíadas de Munique, quando

terroristas palestinos se apoderaram de toda a delegação israelita. O incidente encerrou-se

após um tiroteio de duas horas no aeroporto de Munique, documentado pelas televisões de


44

todo o mundo. Nesse tiroteio, foram mortos: um tripulante do avião, cinco dos oito terroristas

e todos os nove reféns.

Após o incidente de Munique, a chefia do Departamento de Polícia de Nova York

baixou ordens para que fossem tomadas medidas que capacitassem a instituição a lidar

corretamente com situações semelhantes. Para o preparo de um plano adequado, foi designado

o psicólogo Harvey Schlossberg, ao qual logo se juntou o tenente-detetive Bolz, que se

apresentou como voluntário para participar do projeto.

Assim, foi montado e passou a ser posto em execução um primeiro programa de

treinamento de equipes de negociação de reféns. A idéia fundamental baseava-se no fato de

que várias situações delicadas, muitas vezes envolvendo reféns, haviam sido resolvidas

satisfatoriamente por meio de negociações improvisadas, conduzidas empiricamente.

A proposta Bolz-Schlossberg sugeria que as polícias passassem a ter em suas

estruturas orgânicas equipes de profissionais especializados em negociação, capacitados para

desenvolver uma ação metódica, com emprego de técnicas específicas e adequadas a situações

dessa espécie. O plano foi aprovado pela chefia, mas não com muito entusiasmo.

Inicialmente, as equipes de negociadores foram recebidas com muitas restrições e até

com certo desprezo pelos policiais tradicionais, homens de ação e acostumados a impor-se

pela força. Paulatinamente, à vista dos bons resultados, em muitos casos resolvidos sem

mortes e outros traumas usuais com o velho estilo clássico, as equipes de negociação foram

conquistando o respeito dos cidadãos em geral e dos próprios policiais tradicionais. Hoje,

quase todos os departamentos de polícia das cidades americanas, grandes, médias e até

pequenas organizaram equipes especializadas em negociação de reféns.


45

A criação de equipes de negociação de reféns, orgânicas na polícia, significou muito

mais do que um simples acréscimo nos quadros da instituição. Produziu uma verdadeira

mudança de mentalidade, não só no trato dessas situações delicadas, mas também com

reflexos positivos em todas as áreas da atividade policial. O que antes era resolvido pela força,

havendo sempre uma expectativa de possível morticínio, passou a ser solucionado de maneira

civilizada, com mais eficiência, sem dolorosas e inúteis perdas de vidas, pois, já dizia Sun

Tzu:

Em batalhas, quaisquer que sejam os resultados, o gosto será sempre

amargo, mesmo para os vencedores. Portanto, a guerra deve ser a

última solução, e só deve ser travada quando não existir outra saída.

(SUN TZU, 2006, p. 129)

3.2.1.1 ORGANIZAÇÃO DE UMA EQUIPE DE NEGOCIAÇÃO -

UMA PROPOSTA PARA A PMSE

Uma equipe de negociadores, corretamente estruturada e organizada para agir com

eficiência, deve ser composta por cinco profissionais especializados: dois especialistas em

negociação direta (negociadores primário e secundário); um investigador especializado; um

especialista em ciências comportamentais (psicólogo ou psiquiatra) e um chefe de equipe

(oficial com curso de negociação e conhecedor da doutrina de Gerenciamento de Crises) -

todos treinados especialmente para a atividade de negociação.

O negociador primário tem a difícil tarefa de estabelecer o contato inicial, ganhar

confiança do suspeito e conduzir todas as conversações para que a negociação possa ter
46

sucesso. É uma tarefa que requer grande coragem e um profissional com talentos especiais. O

negociador deve ter plena confiança que seus trabalhos farão com que o evento crítico seja

solucionado pacificamente.

O negociador secundário participa tomando notas, recebendo e transmitindo

informações - do primeiro negociador para o restante da equipe, e vice-versa -, eventualmente

colabora, proporcionando diálogo adicional ou substituindo o primeiro negociador, quando

este for vencido pelo cansaço.

O investigador especializado, que na Polícia Militar de Sergipe seria um integrante do

Grupo de Inteligência do COE, providencia e coordena a coleta de amplos dados informativos

sobre os indivíduos envolvidos: dados pessoais, da família, vida pregressa, relações de

amizade ou amorosas, dados dínamo-ambientais e quaisquer outros que possam, de algum

modo, contribuir para o sucesso da negociação. Esses dados informativos são passados ao

negociador primário pelo negociador secundário.

O especialista em ciências comportamentais - psicólogo com treinamento nessa área -

dá assessoria especializada sobre o perfil e o estado psicológico dos envolvidos, a partir das

informações que recebe do negociador secundário sobre o andamento das conversações, dos

dados colhidos e oferecidos pelo investigador e da sua própria avaliação profissional. Caso a

Polícia Militar, a Polícia Civil ou qualquer órgão estatal não possua em seus quadros de

efetivo pessoal qualificado, o gerente de crises deverá localizar profissionais de outras

entidades, desde que devidamente orientado tudo o que deverá fazer. Esse profissional, dada a

complexidade do evento, deverá seguir todas as orientações do gerente de crises e seus

assessores, mesmo que em algum momento discorde de algo.


47

3.2.1.2 - PRINCÍPIOS BÁSICOS DA NEGOCIAÇÃO POLICIAL

O objetivo maior será sempre o de poupar vidas: de reféns, de policiais e dos próprios

tomadores de reféns. Muitas vezes, o tomador de reféns é um indivíduo que está mentalmente

perturbado, por medo, efeito de álcool, drogas, ou por qualquer outro motivo. Se ele

realmente quisesse matar os reféns, já o teria feito. Se os tomou é porque quer negociar.

Paciência e tranqüilidade são as armas do negociador, portanto, o negociador deverá, logo nos

primeiros momentos, verificar as condições (físicas, psicológicas, saúde etc) dos reféns. Esse

argumento se dá por um simples fato: Quando vamos negociar a compra de um objeto, qual

nossa primeira reação? Obviamente seria solicitar ao vendedor o objeto para que pudesse ver

e analisar se o objeto lhe agradara. Pois bem! Na negociação policial deve acontecer da

mesma forma, mesmo porque o objeto da negociação é a vida humana. Vida esta que depende

da destreza e capacitação do negociador.

Os negociadores que mantêm a conversação não devem ter grau hierárquico que os

habilite a tomar decisões definitivas. Com isso, evita-se que decisões cruciais venham a ser

tomadas sob pressão durante a conversação. O negociador, diante de uma exigência incomum,

poderá conduzir a negociação demonstrando a preocupação com a segurança de todos,

inclusive do próprio provocador do evento, explicando que quer ajudar o captor a sair daquela

situação. É fundamental que o negociador deva ter o cuidado de não passar uma outra

imagem, a não ser a do próprio negociador, daí a necessidade de se treinar situações de fala

que focalizem temas de que se refiram a como se deve auxiliar, ajudar o seqüestrador a sair

daquela situação com segurança, a fim de se obter confiança e minimizar os riscos para os

reféns. Portanto, no contato com o perpetrador, o negociador deverá sempre demonstrar que

não tem poder de decisão, mas que tem uma grande intenção de resolver pacificamente a

crise, podendo dizer: “olha eu quero te ajudar, mas não sei se “eles” concordarão com isso,
48

preciso consultar”. Todas as decisões ou acordos devem subordinar-se ao objetivo n° 1, ou

seja, poupar vidas.

Iniciada a negociação, a maior e melhor arma é a paciência. O tempo trabalha a favor

da polícia. O tomador de reféns será atingido pelo cansaço, sono, fome e todas as exigências

da condição humana.

Um princípio de lealdade deve reger a negociação. Porém, em certos casos, a

negociação tática, ou seja, aquela em que o negociador esgota todos os artifícios técnicos para

a resolução de uma crise, passa a negociar a fim de subsidiar a utilização de outra alternativa

tática.

Iniciadas as negociações, as decisões devem ser tomadas com base em critérios

técnicos e profissionais, evitando-se cursos de ação ditados por impulsos emocionais ou de

natureza meramente política. O Chefe da Equipe de Negociação deverá, no máximo, informar

e opinar por uma determinada estratégia, pois a decisão caberá sempre ao gerente de crise

amparado pelo Gabinete de Gerenciamento de Crises, recentemente criado na Secretaria de

Estado da Segurança Pública do Estado de Sergipe. É comum, nessas situações críticas,

surgirem propostas amadoristas ou políticas, em geral bem intencionadas. Todavia, a

negociação de reféns é tarefa para profissionais, o “achismo” aqui pode ser perigoso para as

vidas em jogo.
49

3.2.1.3 A POLÊMICA DO USO DE NEGOCIADORES NÃO-

POLICIAIS; OS CHAMADOS “TERCEIROS NA NEGOCIAÇÃO

OU INTERMEDIÁRIOS”

A tarefa de negociação policial, dada a sua primazia, não pode ser confiada a todo o

tipo de perfil do policial, muito menos a pessoas não policiais. Dela ficará encarregado um

policial com treinamento específico, denominado negociador.

Esse negociador tem um papel de suma responsabilidade no processo de

gerenciamento de crises, sendo muitas as suas atribuições. Seu trabalho pode ser considerado

um dos mais árduos, pois a negociação é a única alternativa tática que perdura do início ao

fim da crise, quer seja com possibilidades reais para resolução do evento crítico, quer seja

como subsídio para utilização de um outro recurso.

Ratificando, não se pode admitir que qualquer pessoa, seja ela voluntária ou não, atue

como negociador em eventos críticos, principalmente os que envolvem reféns localizados.

Porém, a prática nos revela que tal fato costuma ocorrer freqüentemente, principalmente nas

instituições em que não há a divulgação em massa da doutrina de Gerenciamento de Crises,

são os denominados terceiros (pessoas não policiais) ou intermediários (policiais não

negociadores) da negociação.

Um exemplo em que a polícia utilizou um terceiro na negociação ocorreu em 31 de

maio do ano de 2002. Três homens iniciaram o assalto ao 8º Tabelionato Albuquerque,

localizado na rua Laurindo, bairro Azenha, em Porto Alegre. Antes de o grupo sair, a Brigada

Militar chegou ao estabelecimento. Ao notarem o cerco, os assaltantes dispararam duas vezes

em direção ao solo, utilizando um revólver de calibre 38, e tomaram 16 pessoas como reféns.

O local foi isolado por trinta integrantes do 9º Batalhão de Polícia Militar (9º BPM) e do
50

Batalhão de Operações Especiais (BOE). Integrantes do Grupo de Ações Táticas Especiais

(GATE) e policiais da Delegacia de Roubos também participaram da operação. A negociação

com o trio ficou a cargo do comandante do BOE, tenente-coronel Rodolfo Pacheco. Ele

passou a negociar com um dos assaltantes, que estava desarmado. Foi solicitada à BM, então,

a presença de uma advogada para auxiliar as negociações no local. Após o ingresso da

advogada no prédio, três reféns foram libertados. Depois de uma hora e 35 minutos, os

assaltantes finalmente se renderam. Foram presos Alex Sandro Torres Ferreira, 23 anos,

Cristiano da Silva, 23, e Cirius Brenner Gomes, 21. Todos os reféns saíram ilesos.

A opção de se utilizar terceiros em negociações policiais é decorrente de duas

possibilidades: a primeira é de que há situações em que não se pode evitar a utilização de

terceiros e, estando a polícia bem preparada, pode-se fazer o uso seguindo a doutrina da

negociação subsidiada pelas orientações dos negociadores policiais, mas nunca por iniciativa

própria do terceiro; a segunda é que algumas polícias não possuem em seus quadros pessoas

capacitadas para negociação com reféns, como é o caso da PMSE9, fato que obriga os

policiais a transferirem a responsabilidade que é da polícia.

A prática mostra que em muitos desses casos, a solução da crise se deu de forma

pacífica e eficaz, porém, torna-se prudente frisar que esses terceiros, independente de serem

autoridades constituídas ou não, devem seguir as orientações da equipe de negociação

arduamente treinada, devendo ainda ser fiéis a todas as recomendações dadas, sob pena de

não lhes ser permitido atuar. A confiança que o captor tem no terceiro deve ser transferida

para o negociador policial. É importante, portanto, que o policial saiba que o uso de terceiros

nas negociações policiais, via de regra, não é recomendável, sendo considerada uma opção de

alto risco. DWAYNE FUSELIER é peremptório ao dizer que “essas pessoas, em virtude de

9
Atualmente, a Polícia Militar de Sergipe não possui em seus quadros negociadores com curso específico.
Apenas alguns oficiais possuem curso de Gerenciamento de Crises com noções de Negociação, o que não os
habilita a atuarem como negociadores policiais.
51

geralmente não terem sido treinadas para a negociação, tenderão, provavelmente, devido ao

stress causado pela situação, a se apegar aos seus modos e maneiras de falar, ao dialogarem

com os bandidos”.

Analisaremos a utilização de um terceiro na crise em Monte Alegre/SE mais adiante.

3.2.2 TÉCNICAS NÃO-LETAIS

Doutrinariamente essa alternativa tática é conhecida como Agentes não-letais.

Entretanto, a experiência tem mostrado que os agentes tidos como não-letais, se mal

empregados, podem gerar morte no indivíduo atingido. Alguns cartuchos de elastômero

(projéteis de borracha), por exemplo, se lançados a uma distância inferior a vinte metros,

podem causar lesões graves e até mesmo a morte no indivíduo.

Não somente são consideradas técnicas não-letais o uso de projéteis de elastômero,

granadas lacrimogêneas (CS), granadas pimenta (OC) etc. As técnicas de defesa pessoal

também podem ser consideradas como técnicas não-letais, pois busca não apenas a

imobilização do agressor, mas também a neutralização do oponente sem o uso letal da força.

Vale lembrar que, assim como todas as alternativas táticas, o uso de técnicas não-letais

deve ser amplamente deliberado e analisadas todas as possibilidades pelo gerente da crise e

seus assessores, principalmente a reação dos reféns (saúde dos reféns) diante de uma possível

utilização.

3.2.3 UTILIZAÇÃO DO ATIRADOR DE ELITE

Durante as instruções sobre Gerenciamento de crises nos cursos de formação e

capacitação profissionais percebe-se que de todas as alternativas táticas, a que causa maior

fascínio por parte dos alunos é justamente a utilização do atirador de elite. Também chamados
52

de Sniper, atirador de skol e tiro de comprometimento, esses atiradores são exaustivamente

treinados para atingirem um alvo com precisão, seja qual for a distância que o alvo esteja,

observando a técnica e a doutrina de utilização dessa alternativa.

Porém, aplicação dessa alternativa tática necessita de uma avaliação minuciosa de todo

o contexto, sobretudo, do polígono formado pelo treinamento, armamento, munição e

equipamento, que são os elementos fundamentais para que o objetivo idealizado seja

alcançado.

Poucas são as polícias do mundo que possuem em seus quadros atiradores de elite e,

portanto, navegam nas quatro alternativas táticas de maneira segura. No Brasil, a realidade é

ainda mais desmotivadora. Caracterizada como uma técnica que exige grandes quantidades de

recursos materiais, por exigir grande utilização de munições, fuzis de alta precisão (que são

muito caros), aparelhos de pontaria (lunetas, miras telescopias, telêmetros, lunetas de

espotagem, miras de visão noturna etc), muitas polícias brasileiras não conseguem dar

treinamento a esses atiradores, o que reflete no resultados das ocorrências quando sua

presença se faz necessária, ou seja, quando sua utilização poderia salvar vidas.

A Polícia Militar do Estado de Sergipe durante toda a sua existência não possuiu

atiradores de elite propriamente ditos. O que existia era alguns militares que, por

voluntariado, treinavam tiros de precisão, e o faziam muito bem. Mas, as técnicas e a teoria

sobre os atiradores de elite exigem muito mais do que bons atiradores. Exige disciplina e

dedicação exclusivas para o policial sniper, assim como equipamento,munições e armamentos

adequados para tal.

Recentemente, os oficiais da Companhia de Operações Especiais da PMSE emitiram

um documento à Secretaria de Segurança Pública solicitando três fuzis de sniper, pois,

conforme reza a doutrina, cada atirador de elite deve possuir uma arma adequada e exclusiva

para treinamento e operações reais, ou seja, sua arma deverá já estar regulada e adaptada,
53

pronta para emprego. No início, a solicitação causou espanto, visto que cada fuzil solicitado

custa $22.000,00 (vinte e dois mil dólares). Sob o argumento de que a vida humana vale mais

que qualquer bem material e que não há armamento adequado na carga da PMSE para esse

fim, a documentação foi emitida para a SENASP, a qual autorizou a compra.

Não se trata, aqui, em fomentar a utilização dessa alternativa tática, mas demonstrar a

importância do conhecimento e sua utilização em ocorrências envolvendo reféns localizados,

sabendo que seu uso deve se restringir a salvar a vida do refém, mesmo que seja necessário

ceifar a vida do provocador do evento. Assim como as outras alternativas, a utilização do

sniper deve ser subsidiada pela negociação, sempre em sincronia e quando essa não mais

oferecer probabilidades reais de resolução pacífica da crise.

3.2.4 O GRUPO TÁTICO ESPECIAL

Teoricamente, a depender da situação, o último recurso para a solução de uma crise é a

utilização do Grupo Tático. São conhecidos como Grupo de Assalto, Grupo de Entradas

Táticas Especiais ou mesmo SWAT.

Os grupos táticos devem ser grupos diferenciados do restante da tropa policial em

treinamentos, equipamentos, perfis dos integrantes e até mesmo tipo de serviço. Essa

diferenciação se dá em virtude de ter a necessidade de constante treinamento e simulações da

realidade, visto a complexidade das ocorrências para as quais são designados à resolução, sem

contar da necessidade de aquisição de equipamentos indispensáveis para uma invasão tática.

Não é por acaso que, na ordem de prioridade de utilização das alternativas táticas, o

emprego do grupo tático é o último recurso. À medida que vão se esgotando as possibilidades

reais de resolução da crise, vão sendo analisadas outras alternativas, sabendo o gerente da

crise que à medida que segue a ordem de opção, ou seja, negociação, técnicas não-letais,
54

atiradores de elite e grupo tático, aumenta o grau de risco para policiais, reféns e, inclusive,

para os provocadores do evento crítico.

Portanto, o uso do grupo tático é a mais arriscada das alternativas táticas, devendo ser

apoiado, principalmente, pelos negociadores e atiradores de elite, os quais possuem amplo

campo de visão do evento.

Em Sergipe, a Companhia de Operações Especiais da PMSE possui três grupos táticos

constantemente treinados, porém com deficiência de equipementos, para resgate de reféns.

Porém, sabe-se que em virtude da escassez de munições para treinamento, a utilização desses

grupos em um eventos críticos torna essa opção ainda mais arriscada, fato esse que provoca

insegurança até mesmo para os próprios integrantes do grupo tático. A falta de munições para

treinamento não é a única e exclusiva deficiência na utilização do grupo tático da PMSE em

eventos que envolvem reféns localizados. Outros recursos como lanternas táticas adequadas

adaptáveis para o armamento, óculos táticos de proteção individual, óculos táticos de visão

noturna, miras telescópicas, câmeras de filmagens para escaneamento de edificações, viaturas

adequadas e equipadas para transporte da tropa, enfim, outros recursos que, mesmo sendo de

custo elevado, subsidiariam o grupo tático, servindo para minimizar os riscos advindos de

uma entrada tática de forma a reduzir a exposição dos reféns e/ou vítimas que porventura

existam.

Na crise ocorrida em Monte Alegre/SE, os policiais não dispunham desse recurso para

a resolução do evento. Os atiradores de elite, juntamente com os negociadores, são grandes

elementos essenciais de informação em uma crise, o que nesse evento serviria como potencial

informante das condições das vítimas.

À Época do evento em Monte Alegre/SE, nem mesmo o COE dispunha dos

equipamentos necessários para uma invasão tática, tais como: escudos balísticos, capacetes

balísticos, fuzis de precisão adequados para o atirador de elite, viaturas adequadas (furgão
55

para os negociadores, caminhão para o posto de comando etc), aeronave para deslocamento

imediato dos negociadores e gerente de crise, já que o local da crise situa a 156Km da base do

COE. Caso o COE interviesse, o faria totalmente desprotegido, sem suporte logístico, o que

iria de encontro às normas doutrinárias.

É previsto na doutrina que aos causadores de eventos críticos, deve ser dada a

oportunidade de negociar, se entregar pacificamente, de depor as armas e de se buscar uma

saída pacífica, honrosa e segura para o problema que eles próprios criaram. Porém, extintas

possibilidades das negociações por ato unilateral deles, e começadas inequívocas ações contra

as vidas dos reféns, não se pode esperar que um policial condicionado a atirar para matar vá

interpretar um gesto desesperado de rendição como autêntico. Se isso acontecer, a vida do

bandido será preservada, caso contrário, o resultado será adverso para ele.

Para exemplificar estes argumentos, pode-se recorrer a dois episódios ocorridos,

ambos no ano de 1995. O primeiro ocorreu em Marechal Cândido Rondon, Estado do Paraná,

em abril de 1995 e o segundo, no Presídio de Hortolândia, Estado de São Paulo, em Junho de

1995. Em ambos os casos, esgotaram-se as negociações, havia iminente risco de morte dos

reféns, e então, não restando alternativa, senão o uso de força letal, o gerente da crise

determinou a entrada do Grupo Tático Especial como última rátio para solucionar a crise. Os

resultados foram legal e moralmente aceitos pela opinião pública. No caso Monte Alegre/SE,

não havia grupo tático posicionado, nem mesmo quando o menor infrator entregou sua arma

houve um grupo tático de emergência para ir ao encontro imediato das reféns, a fim de se

prestar os primeiros atendimentos.


56

CAPÍTULO IV

4. CONSIDERAÇÕES GERAIS DO CASO MONTE

ALEGRE/SE

4.1 RESUMO DO FATO

No dia vinte e oito de abril de dois mil e sete, aproximadamente às 15h, a sociedade

sergipana assistiu de perto o sofrimento da comunidade do município de Monte Alegre/SE, a

qual passou horas de terror e sofrimento que ficarão encravadas nas mentes de todos os

sergipanos. O fato foi repercutido em rede internacional, o que chamou a atenção da

sociedade e das autoridades constituídas para um grave problema: Estaria a Polícia do

Estado preparada para atender a esses tipos de ocorrências?

Dois delinqüentes, perseguidos por policiais, após estarem posicionados nas

proximidades de uma farmácia e, frustrados por terem sido abordados não conseguindo

consumar o assalto, tentam fugir. Um deles consegue fugir e o segundo infrator entra em uma

farmácia atirando contra os policiais. As pessoas dentro da farmácia percebem tratar-se de

uma ocorrência policial e começam a deixar o estabelecimento. O delinqüente se posta atrás

de uma pilastra dentro da farmácia e atira contra os policiais, que respondem atirando contra o

delinqüente, lesionando-o no ombro. O delinqüente, então, vai até o banheiro da farmácia e

toma três pessoas, que lá ainda se encontravam confinadas, por reféns.

Ato contínuo, um dos policiais deslocou-se até os fundos da casa vizinha, momento

em que ouve mais três disparos e alguns gemidos de dentro da farmácia. Nesse instante, duas

outras pessoas que ainda estavam na farmácia conseguem fugir e tomaram destino ignorado.
57

Deduzindo que o provocador do evento crítico havia atirado novamente nos policiais, um dos

policiais que trocou tiros com o perpetrador começou a verbalizar e a exigir sua rendição.

Como o policial ouvira um gemido, interpretou, então, que havia reféns, e que os

reféns estavam vivos, porém, não sabia que o menor infrator havia desferido três disparos, um

nas cabeças de cada uma das três reféns que se encontravam dentro do banheiro da farmácia.

Os policiais, desprovidos de qualquer equipamento de comunicação, decidiram solicitar

reforço, momento em que um deles deslocou-se à delegacia a fim de entrar em contato via

rádio para solicitar reforço.

Posteriormente, um oficial da Polícia Militar e um Delegado que se encontravam no

município de Nossa Senhora da Glória/SE, foram de apoio aos policiais na ocorrência.

Chegando ao local, perceberam que as pessoas da comunidade encontravam-se muito

próximas ao ponto crítico e que alguns policiais estavam posicionados com armas apontadas

para o causador da crise, que ainda se encontrava dentro da farmácia. Durante todo o contato,

o perpetrador afirmava que as reféns estavam bem, mas não as mostrava para os policiais que

buscavam o diálogo. O infrator exige a presença de uma pessoa, que não fosse policial, para

negociar. Os policiais solicitam, primeiramente, que o marido de uma das reféns assuma as

negociações, mas este não aceitou temente por sua morte. Posteriormente, a polícia localizou

um psicólogo que se encontrava na multidão que assistia de perto a ocorrência, e solicitou que

o mesmo assumisse as negociações.

O captor exigia, em troca de sua rendição, que a polícia fornecesse uma ambulância

para que fosse atendido em virtude de seu ferimento no ombro. Vislumbrando a possibilidade

da solução do evento, os policiais atenderam ao pedido, mas não atentaram que as reféns

poderiam estar feridas. Quando o captor se entregou e, os policiais o conduziam para dentro

da ambulância, pessoas que assistiam invadiram a farmácia e começaram a ir de encontro aos

reféns, momento em que uma das reféns informou que duas reféns haviam sido atingidas na
58

cabeça por tiros desferidos pelo captor. De imediato, a população tentou linchar o provocador

do evento e a viatura do SAMU, após a polícia conseguir um outro motorista, já que o

motorista havia desaparecido, saiu de imediato sem prestar socorro primeiro às reféns feridas.

Passadas algumas horas, o oficial da PM, percebendo que se tratava de uma ocorrência

complexa e, consequentemente, que exigia um trato diferenciado por parte da polícia, acionou

o COE, que se encontrava na capital sergipana. Realizando o deslocamento com

caminhonetes, aproximadamente duas horas após o acionamento, o COE chegou ao local, mas

a crise já havia tido um desfecho trágico e, uma viatura do SAMU estava indo em direção ao

Hospital de Urgências de Sergipe, em Aracaju. A ocorrência durou aproximadamente quatro

horas e, durante toda a ocorrência, a partir do momento em que foram iniciados os primeiros

contatos verbais com o perpetrador, as reféns já estavam feridas.

4.2 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS RELATIVOS AO INÍCIO DA

OCORRÊNCIA

Conforme constam nos autos dos diferentes documentos10 pesquisados, percebe-se que

os policiais, ainda na perseguição dos dois infratores, trocaram tiros. Uma importante

observação que deve ser feita é de que por mais que o desfecho da crise tenha sido trágico, os

policiais estavam no cumprimento de seus deveres e com as melhores intenções possíveis.

Não foram os policiais que provocaram a crise! Estavam agindo de maneira preventiva e sob

fundada suspeita, já que receberam informações de que os dois elementos estavam para

executar o assalto.

Quanto na perseguição o infrator foge para o interior da farmácia. Diz a doutrina que

no momento em que a polícia percebe que um infrator adentra em uma edificação e, lá não se

10
Foram analisados autos do Inquérito Policial, Relatório do Supervisor do COE, Autos do documento elaborado
pela Comissão nomeada para a análise do fato e vídeo cedido pela imprensa local.
59

sabe ao certo que há a presença de pessoas inocentes naquele recinto, tudo deve ser feito para

não acirrar mais o ânimo do causador do evento. A contenção da crise deve ser feita

imediatamente, fazendo com que a polícia cerque o local impedindo que o provocador do

evento fuga. Percebe-se, então, que os primeiros contatos verbais com o perpetrador

aconteceu ainda sob forte estresse, visto que houve troca de tiros já com o infrator dentro da

farmácia, resultando em um ferimento em seu ombro, fato esse que possivelmente provocou

um aumento no gráfico de estresse do infrator, tornando-o mais agressivo.

4.3 DOS PRIMEIROS PROCEDIMENTOS APÓS IDENTIFICADA

A CRISE

As nuances que circunscreviam a situação da polícia do Estado sergipano, já

indicavam que algo desastroso poderia acontecer em algum município sergipano, era só uma

questão de tempo e oportunidade. Considerada por vários policiais do estado como uma uma

instituição desprovida de meios adequados para a realização de suas atividades, a Polícia

Militar, em especial, contava com um efetivo de dois homens no dia da tragédia. Porém, sabe-

se que os policiais militares estavam em desvio de função, já que tomavam conta de presos

que se encontravam recolhidos à Delegacia do município de Monte Alegre/SE, obrigados a

deixar a delegacia sob a guarda de uma pessoa não policial.

Quando o menor infrator entrou na farmácia, houve a contenção da crise, mas isso

somente aconteceu em virtude de a farmácia não ter saída pelos fundos. Como os policiais

não tinham efetivo suficiente e, caso tivesse uma saída pelos fundos, o infratores

conseguiriam fugir.

Com relação ao isolamento do local, os policiais não dispunham sequer de fitas

zebradas à sua disposição. Custando aproximadamente R$ 5,00, esses acessórios devem fazer
60

parte de toda unidade policial, especializada ou não, já que os policiais podem necessitar a

todo instante desse material não somente para isolar um local de crise, mas também um local

de crime, um acidente etc. Não houve isolamento, e as pessoas ouviram e assistiram toda a

ocorrência a, aproximadamente, quinze metros do ponto crítico. A essa distância pessoas

poderiam ser atingidas por disparos de arma de fogo caso o perpetrador o fizesse. O próprio

marido de uma das reféns estava participando das decisões dos policiais, sendo até mesmo

convidado para assumir as negociações com o causador do evento.

Ratificando a falta de isolamento, as pessoas que assistiam o evento crítico invadiram

a farmácia quando houve a rendição do captor, fazendo com que os policiais perdessem

totalmente o controle da situação.

4.4 DOS PRIMEIROS CONTATOS COM O PERPETRADOR

Conforme depoimentos dos policiais, os primeiros contatos mantidos após o tiroteio

aconteceram com o intuito de exigir a rendição do perpetrador. Percebendo a resistência por

parte do causador da crise, os policiais buscaram acalmar os ânimos. Mas, o que esperar de

uma “negociação” realizada por policiais que tinham acabado de trocar tiros com o infrator?

Fica claro que o rapport com o captor seria de difícil estabelecimento, pois, qualquer ser-

humano desconfiaria de qualquer oferta de uma pessoa que acabara de ter um conflito, neste

caso, um conflito armado, o que complicou ainda mais as negociações. Porém, a única

alternativa e, indiscutivelmente, a melhor opção encontrada pelos policiais, naquelas

circunstâncias, foi uma possível negociação a fim de evitar maiores prejuízos, é fato. Não se

pode esperar algo racional de uma pessoa quando ela está sob forte estresse. A aplicação das

técnicas de negociação, uma delas a leitura da linguagem corporal, forneceria aos policiais

uma visão periférica do evento, o que poderia ter permitido um desfecho não tão trágico.

A leitura e interpretação da linguagem corporal fazem parte da grade curricular do


61

curso de negociação. No episódio em estudo, vários gestos realizados pelo causador da crise

indicavam que ele poderia estar mentindo ou forjando algo. Provavelmente, se estas

expressões fossem descobertas durante os contatos, a polícia poderia ter traçado algum plano,

mesmo antes da chegada do COE, o que permitiria um atendimento médico antecipado aos

reféns.

O terceiro utilizado na negociação identificou o perpetrador como sendo um indivíduo

com personalidade anti-social, ou seja, um sociopata. Como visto, esses indivíduos são

desprovidos de qualquer sentimento de culpa, é extremamente egoísta e tem facilidade em

manipular as pessoas em benefício próprio. Esses seriam motivos substanciais para fazer com

que o gerente de crise, orientado pelos negociadores, tomasse uma outra postura com relação

ao evento, principalmente a situação físico-mental dos reféns.

4.5 DO ACIONAMENTO DA UNIDADE ESPECIALIZADA (COE)

Tão polêmica quanto a utilização de um psicólogo nas “negociações” com o

perpetrador, a ausência do COE na resolução do evento foi bastante mencionada pela

sociedade e pelas autoridades constituídas.

A crise, logo nos primeiros momentos, tomara grandes proporções, pois passara do

nível I para o nível II, já que houve a tomada das três pessoas como reféns. Neste momento, o

melhor e principal procedimento era o acionamento do COE, fato esse desconhecido pelos

próprios policiais militares.

Segundo documentos fornecidos pela Secretaria de Estado da Segurança Pública de

Sergipe (SSP), verifica-se que o horário médio de acionamento, desde iniciada a crise, foi de

uma duas horas. Devido à falta de rádios transceptores do tipo HT e de outros recursos

básicos, um dos policiais precisou retornar à delegacia (perdendo total contato com o ponto

crítico) para acionar o oficial responsável por aquela área. Somente após a chegada do oficial,
62

e por iniciativa deste, o COE foi acionado, por volta das 17h30min.

O deslocamento do COE para a cidade de Monte Alegre/SE foi realizado com duas

caminhonetes da unidade. O tempo de uso das caminhonetes era de três anos, tempo esse

considerado alto, levando-se em conta que o tempo de vida útil de viaturas policiais é em

média de dois anos. A aquisição ou locação de novas viaturas, bem como de uma aeronave,

possibilitaria uma melhoria no deslocamento e, consequentemente, poderia ter dado outro

rumo ao desfecho da ocorrência.

4.6 DA TENTATIVA DE GERENCIAMENTO DA CRISE

Após a chegada do oficial da PM e do delegado, houve a tentativa de organizar o local

de crise. Tentou-se até mesmo posicionar um “atirador de elite” a fim de uma possível

necessidade de utilização, mas sabe-se que não é todo policial que tem condições de operar

como um atirador de elite, como já discutido. O armamento não era adequado, pois, nem o

COE possui um armamento adequado para execução de um tiro de comprometimento de alta

precisão, como é exigido em crises com reféns. Não havia conhecimento técnico suficiente

que capacitasse o policial a atuar nesses eventos. Além disso, devido ao pouco conhecimento

da doutrina, vários policiais raciocinam que o atirador de elite serve apenas para eliminar o

perpetrador, desconhecendo sua importante função de fornecer informações ao gerente de

crise e aos outros chefes de equipe.

Na verdade, não existia equipes definidas, ou seja, equipe de negociação, grupo tático

especial nem equipe de sniper, sequer uma interação entre eles, esta fundamental para o

sucesso da solução de uma crise.

Um outro fator observado foi a chamada “visão de túnel”, constantemente presente em

ações policiais que exigem grande treinamento e organização para sua resolução. Policiais que

desconhecem uma determinada situação, nesse caso os procedimentos em um evento crítico,


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costumam focar suas atenções no criminoso, esquecendo até mesmo do estado físico e mental

dos reféns e procedimentos básicos de contenção e isolamento do local.

As viaturas policiais encontravam-se por toda a parte, confundindo-se com viaturas da

imprensa, dos curiosos e do SAMU, que iam chegando ao local. Não existia estacionamento

específico para as viaturas policiais e para as viaturas do SAMU, que somente foi percebido

quando no socorrimento do perpetrador e das reféns, sendo estas socorridas apó’s o próprio

perpetrador e no carro da polícia.

4.7 USO DO TERCEIRO NA NEGOCIAÇÃO

Como visto anteriormente, a doutrina recomenda a não utilização de pessoas não

policiais na negociação com o captor. Porém, a prática mostra que vários casos foram

resolvidos dessa forma, previamente planejados e orientados pelos policiais negociadores.

Não há dúvidas que essa foi a intenção dos policiais quando solicitaram que o psicólogo

assumisse as negociações.

Desconhecedor da doutrina tanto quanto os policiais, o psicólogo ofereceu e solicitou

ao captor várias coisas, a seu modo. A negociação cara-a-cara, sem colete balístico, enfim,

sem qualquer assistência por parte da polícia demonstrou claramente que as unidades do

interior do estado, principalmente, precisam de um planejamento de ensino, instrução e

treinamento para o atendimento dessas e de outras ocorrências complexas, bem como uma

melhoria em seu equipamento de trabalho. A polícia transferiu a responsabilidade para uma

pessoa despreparada, do ponto de vista técnico-policial, porque nem mesmo sabia como

proceder naquela situação.


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CONCLUSÃO

As ocorrências com reféns localizados requerem uma postura diferenciada da polícia,

a qual somente definirá como postura correta e aceitável quando os organismos policiais, de

um modo geral, passarem a dar um tratamento científico aos casos. Não só as crises têm sido

tratadas de forma improvisada pelos diversos segmentos da polícia brasileira, mas também

verifica-se que existe, de forma ainda precária, uma intenção de estabelecimento e aplicação

da doutrina de trabalho que pretenda dar ao problema um tratamento de caráter profissional,

evitando-se, assim, atitudes e desempenhos tipicamente improvisados e, consequentemente,

amadorísticos

As disposições detalhadas que regulam o uso da força pela polícia amparam e

incentivam a utilização da Doutrina de Gerenciamento de Crises, particularmente em

ocorrência com reféns localizados, estão calcadas nos princípios da legalidade, necessidade,

proporcionalidade e ética, os quais estão diretamente ligados aos direitos humanos. Sem

dúvida, esses princípios exigem, respectivamente, que a força, principalmente a letal, somente

seja usada pela polícia dentro de parâmetros legais, quando estritamente necessária para que

seja preservada a paz social. Com a intenção de restringir o uso da força, a polícia deve tornar

disponível toda uma gama de recursos para o uso diferenciado da força. Para a atividade de

gerenciamento de crises policiais, onde a vida de reféns está envolvida, é necessário ter

respostas variadas para as situações de enfrentamento.

A ocorrência, em estudo, isto é, o caso ocorrido em Monte Alegre/SE, se trata de uma

crise e, como vimos, implica outros problemas, de ordem social, econômica, religiosa ou

mesmo política.

O fato é que o tratamento dado, no Estado de Sergipe, dispensou uma análise

minuciosa dos riscos ou conseqüências que o evento poderia trazer. A falta de preparo

profissional resultou na tragédia que abalou toda a sociedade sergipana e repercutiu no país
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inteiro.

A verdade é que a polícia sergipana agiu de forma empírica, amadorista e suicida,

quando no atendimento ao evento crítico em questão. Se expôs a riscos e não conseguiu evitar

a tragédia promovida pelo infrator da lei. Assim, a ação improvisada da polícia não evitou o

sofrimento e dor daquelas famílias, e contribuiu para a formação de uma imagem frágil e

despreparada da força policial sergipana. É bem verdade que os policiais que ali se

encontravam tentaram resolver da melhor forma possível o evento crítico, mas lhes faltaram o

conhecimento, o treinamento e os equipamentos necessários que esses eventos requerem, para

com isso, procederem corretamente em tais situações.

Vale frisar, portanto, que tão responsáveis quanto os operadores de segurança pública

são os governos e a sociedade que não exige de seus governantes ação profissional de seu

corpo policial, no sentido de prover os meios necessários para o desenvolvimento das

atividades laborais dos policiais, quais sejam: salários dignos, equipamentos, treinamentos e

segurança no trabalho. Somente a partir de uma política correta e cientificamente orientada é

que a segurança pública, isto é, os operadores de segurança pública, qualificados, possam

merecer a credibilidade da sociedade, em relação ao seu trabalho profissional.


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