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Resumo
O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a função estética das calçadas no Brasil desde
sua ancestralidade em Portugal, as soluções mais contemporâneas, o estado da arte atual e
como elas podem interferir e refletir seu meio.
Abstract
This work proposes a reflection on the aesthetic function of the sidewalk in Brazil since its
roots in Portugal, the most contemporary, state of art and how they can affect and reflect
their environment.
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Introdução
Petit-pavé
Os petit-pavés, ou pedras portuguesas, são rochas calcárias que formam os chamados mosai-
cos portugueses.
Também conhecidas como “mosaico português”, as primeiras pedras de cal-
cário e basalto chegaram ao Brasil, no início do século 20, trazidas do centro de
Lisboa, pelos próprios portugueses. Junto com algumas pedras, eles também
trouxeram o desenho das ondas do mar. As curvas sinuosas tornaram-se sím-
bolo de Copacabana, no Rio de Janeiro, e se espalharam em diversos pontos do
país. Mas, em cada lugar, os desenhos iam ganhando características únicas.
KOSSOSKI, 2007
Em Portugal foram os romanos que deixaram esse importante legado, já que eram feitas em
calçadas a maior parte das vias de comunicação que ligavam o Império, e que abrilhantava os
interiores dos palácios e das casas. Mais tarde, também os árabes contribuíram com a arte de
“calcetar”. No Brasil o petit-pavé é uma herança de nossa colonização lusitana, e não só o
Brasil beneficiou-se dessa herança, mas diversos paises de colonização portuguesa também
possuem grandes calçamentos desse material. Apesar de toda exaltação portuguesa em torno
do calcetamento por petit-pavé sua aplicação no Brasil, em alguns casos, é bastante contro-
versa, como sugere MALLON, 2006, no texto “Petit-pavé, a herança maldita”:
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greja matriz, as casas deveriam ser cobertas com telhas - coisa chique! - e as
ruas já iniciadas teriam de ser continuadas, para que a vila não viesse a ser um
aglomerado de becos sem saída. [...]
Se petit-pavé fosse colhido em árvore, diríamos que seria ele um pomo da dis-
córdia. Recentemente uma liminar proibiu a aplicação do petit-pavé na refor-
ma das calçadas da Rua Marechal Deodoro, provocando pedradas entre a Pre-
feitura e o Ministério Público. O MP argumenta que os mosaicos portugueses
são deslizantes e que, portanto, pedestres são de uma raça em extinção.
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Figura 2 – Calçada da cidade de Faro em Portugal com aplicação de petit-pavé
(fonte: www.nossoskimbos.net)
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Figura 4 – Calçada da cidade de Lisboa em Portugal com aplicação de petit-pavé
(fonte: www.nossoskimbos.net)
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Figura 6 – Calçada em Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil com aplicação de petit-pavé
(fonte: www.nossoskimbos.net)
Em São Paulo
A capital paulista, com seus milhões de transeuntes diários faz das calçadas das regiões cen-
trais um importante setor de cuidados em termos de manutenções e processos que facilitem a
vida dos cidadãos e do Poder Público. Além disso a calçada do centro de São Paulo tornou-se
um símbolo da própria cidade (figura 7), a exemplo do calçamento de Copacabana. Melo,
2005 relata como foi o surgimento de um dos símbolos da cidade de São Paulo:
Em 1966, Mirthes dos Santos Pinto era desenhista da Secretaria de Obras da
Prefeitura de São Paulo. O prefeito Faria Lima, famoso por seu dinamismo,
lançou um concurso para escolher um padrão de piso para a cidade. Mirthes
arriscou-se a estudar algumas alternativas, e acabou inscrevendo uma delas.
Ficou feliz em saber que estava entre os finalistas. Amostras de quatro proje-
tos foram implantadas num trecho da rua da Consolação e, após nova votação,
a alegria maior: sua proposta foi a vencedora.
O piso ganhou as calçadas da cidade. Nos primeiros anos, por iniciativa do
poder público, as avenidas passaram a ser ladeadas pelo desenho geometriza-
do do estado de São Paulo. Aos poucos, os ladrilhos foram sendo produzidos
por diversos fabricantes, e começaram a conquistar as calçadas das lojas e das
casas. Em uma década, ele já era onipresente na paisagem urbana. Havia se
tornado um ícone paulista.
Quem pensa que piso só serve para revestir o chão está muito enganado. O
projeto de Mirthes não parou de expandir os seus domínios. Ele deixou de ser
só um piso e transformou-se em um padrão gráfico, que passou a ser aplicado
nos suportes mais diversos. Até solado de sandália, fachada de loja, estampa
de tecido e rótulo de cerveja ele virou. Um sucesso!
No entanto, quase quarenta anos depois, Mirthes — agora Bernardes, seu no-
me de casada — não é só alegria: nunca recebeu um tostão pelo projeto. É
verdade que a satisfação de quem projeta é ver sua criação ganhar o mundo,
mas... nem um tostão também já é demais. É um notável caso de projeto que
caiu em domínio público logo ao sair da maternidade.
Até 2004, a história contada acima era pouco conhecida. Foram consultados
arquitetos e engenheiros, todos com longas trajetórias ligadas ao setor público,
e nenhum sabia dizer qual a origem desse desenho. Mirthes só apareceu de-
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pois da publicação de um artigo na revista Projeto/Design sobre o design no
ambiente urbano, no qual o desconhecimento da autoria do projeto era citada
explicitamente.
Figura 7 – À esquerda, proposta de Mirthes S. Pinto para o calçamento paulista e à direita o resultado com al-
guns anos de deterioração
Identidade
As calçadas em muitas cidades brasileiras foram personalizadas para que pudessem
servir como símbolo da própria cidade. Em alguns casos essa alternativa ganha identidade tão
própria da cidade que passa a ser símbolo, como são os casos do calçamento de Copacabana
no Rio de Janeiro e São Paulo. Esses símbolos devem dizer muito sobre a cidade, criando uma
identidade bastante singular. MELO (2005) destaca os dois momentos vividos por Copacaba-
na e São Paulo, fazendo um comparativo nas soluções gráficas adotadas nas duas cidades de
forma bem distinta:
Resposta paulista ao brilhante projeto da calçada de Copacabana, seu desenho
austero é fruto de uma solução engenhosa. Com apenas três peças quadradas
— uma branca, uma preta e uma branca & preta, dividida na diagonal — cria-
se um padrão de repetição infinito. Fabricado em ladrilho hidráulico, é de fácil
produção e instalação, e acabou afirmando-se como uma identidade reconhe-
cível e reconhecida pelo cidadão.
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O desenho é um bom retrato do pragmatismo paulista: em contraste com as
curvas do mar e das montanhas da calçada de Copacabana, a geometria rigo-
rosa do mapa do estado de São Paulo. É difícil não entendê-lo como eco do
movimento concreto, de raízes tão marcadamente paulistas. A partir das pos-
sibilidades da oposição positivo/negativo é criado um jogo de figura/fundo, no
qual ora só se vêem as formas brancas, ora só se vêem as formas pretas. Essa
construção geométrica migrou para símbolos de sucessivos governos estadu-
ais, além da já citada transformação em padrão gráfico, aplicável nos mais di-
versos suportes.
Criar identidade através do calçamento, ou enaltecer símbolos, essas são algumas das atribui-
ções estéticas que as calçadas podem alcançar quando bem planejadas. Na cidade de Tupã, no
interior de São Paulo, surgiu na década de 40 uma das primeiras fábricas a fabricar o primeiro
carro genuinamente brasileiro. E em 2009 uma curiosa disputa ganhou destaque para os afi-
cionados por carro, como descreve a jornalista Simone Coelho do portal Globo.com na página
do “Auto Esporte” na reportagem “Calçada com logotipo histórico da DKW-Vemag é recupe-
rada em Tupã” (figura 8):
A logomarca da DKW-Vemag, desenhada na calçada em frente a antiga fá-
brica da marca, em Tupã (SP), foi recuperada há cerca de um mês. O traba-
lho da década de 50 estava deteriorado com a falta de conservação nos últi-
mos anos. A revitalização do símbolo foi cobrada por apaixonados por au-
tomobilismo e moradores mais antigos da cidade a 520 km da capital paulis-
ta. “Como homem público, senti-me na obrigação de atender aos pedidos. É
uma forma de preservar a história, a época de ouro do automóvel”, afirma
Valdir de Oliveira, vereador que apresentou o pedido de restauração ao pre-
feito.
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Figura 8 – Calçada com logotipo da DKW-Vemage devidamente recuperada na cidade de Tupã/SP
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Conclusão
Há a necessidade de organizar os espaços urbanos levando em conta as calçadas como
parte integrante desse sistema. E ainda, perceber o valor histórico das calçadas. Para isso de-
ve-se repensar a utilização de materiais que ao mesmo tempo respeitem as normalizações vi-
gentes e preservem ou criem novas mensagens nas calçadas. Para isso é importante que tecno-
logias de processos, materiais, arquitetura e urbanismo e design investiguem de forma mais
contundente a referência visual e histórica presente em nossas calçadas.
Bibliografia
COELHO, Simone. Calçada com logotipo histórico da DKW-Vemag é recuperada em
Tupã. 2009.
Disponível em: http://revistaautoesporte.globo.com/Revista/Autoesporte/0,,EMI62315-
10142,00-
CALCADA+COM+LOGOTIPO+HISTORICO+DA+DKWVEMAG+E+RECUPERADA+E
M+TUPA.html. Acesso em: 17/04/2009.
MELO, Chico Homem de. Signofobia. Coleção Textos de Design. São Paulo, Rosari, 2005,
p. 52-54.
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