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IEDA MARIA MENEZES TOURINHO

ANÁLISE DA COMUNIDADE DO ORKUT EU LEIO A FOLHA


DE SÃO PAULO

SÃO CRISTÓVÃO
2007/2
IEDA MARIA MENEZES TOURINHO

ANÁLISE DA COMUNIDADE DO ORKUT EU LEIO A FOLHA


DE SÃO PAULO

Monografia apresentada junto ao Curso de


Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo
da Universidade Federal de Sergipe, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Comunicação Social. Realizado sob a
orientação da Profª. Drª . Lílian Cristina
Monteiro França.

SÃO CRISTÓVÃO
2007/2

2
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Tourinho, Ieda Maria Menezes


T727a Análise da comunidade do Orkut eu leio a Folha de São Paulo /
Ieda Maria Menezes Tourinho. – São Cristóvão, 2008
67 f.

Monografia (Bacharelado em Comunicação Social –


Habilitação em Jornalismo) – Departamento de Artes e
Comunicação Social, Centro de Educação e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Sergipe, 2008.

Orientador: Profª Drª Lílian Cristina Monteiro França

1. Comunicação social. 2. Jornalismo on-line. 3. Tecnologias


da comunicação. 4. Internet – Comunidade virtual. 5.
Socialização. I. Título.

CDU 659.3::070::316.325::004.738

3
Dedico este trabalho aos amigos,
aos professores e a todos que, de
alguma forma, participaram da
minha vida acadêmica.

4
Agradecimentos

Agradeço a minha orientadora Lílian França, pois acreditou no meu potencial e


mostrou que se deve pesquisar o que realmente gosta, à Messiluce Hansen por me ensinar a
ter um olhar crítico sobre o mundo e, principalmente, sobre o jornalismo. Em relação ao
estímulo na opção de seguir a carreira acadêmica, devo me lembrar do professor Carlos
Eduardo Franciscato, responsável por me iniciar cientificamente como bolsista do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
Meus agradecimentos especiais vão para as minhas amigas da UFS: Jéssica, Luana e
Tatiana. Vocês farão parte das minhas boas lembranças da universidade e da minha vida.

5
A ficção consiste não em fazer ver
o invisível, mas em fazer ver até
que ponto é invisível a
invisibilidade do visível.
Michel Foucault

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Resumo

A ascensão das Novas Tecnologias de Comunicação provocou grandes mudanças nas relações
sociais por meio da compressão tempo-espaço. Isso significa que, com um clique do mouse,
são estabelecidas relações sociais sem depender do contato real. Uma dessas provas é o Orkut,
site de relacionamento que possui cerca de 15 milhões de usuários. O presente trabalho estuda
as relações de socialidade no Orkut, site mais difundido no Brasil, especificamente na
comunidade Eu leio a Folha de São Paulo, elaborada com o intuito de promover debates
sobre notícias do Brasil e do mundo. A pesquisa foi realizada entre os dias 23 de fevereiro e
04 de março. O intuito foi o de verificar a baixa participação nas enquetes propostas na
comunidade virtual e saber os motivos pelos quais os usuários lêem esse veículo de
comunicação. Conceitos de identidade propostos pelos teóricos Stuart Hall, Michel Maffesoli
e Manuel Castells também foram relacionados ao trabalho. O estudo também procurou
estabelecer interdisciplinaridade com o Jornalismo.
Palavras-Chave: Comunidades virtuais; Orkut; Jornalismo.

Abstract
The rise of New Technologies of Communication has been provoking great changes in social
relationships through time-space compression. It infers that the user can set up social
relationships without keeping a real touch through accessing the World Wide Web. This can
be noticed in Orkut, relationship website which has about 15 million profile users. This paper
is aimed at studying sociality relationships in it, the most spread website in Brazil, specially in
the virtual community Eu leio a Folha de Sao Paulo, which was made up in order to discuss
about news in Brazil and worldwide. This research was carried out from February 23rd to
March 4th with the aim of verifying the low participation in the inquiries and speculating the
reasons why those members read this media. Identity conceptions proposed by Stuart Hall,
Michel Maffesoli and Manuel Castells were applied in this paper. This study has also set up
interdisciplinary in Journalism.
Keywords: Virtual Communities; Orkut; Journalism.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO 1 - As NTICs e sua relação com a indústria cultural 12


1.1 Modernidade e Novas Tecnologias 15
1.2 NTICs e a cultura de massa 18
1.3 Modernidade Tardia ou Pós-Modernidade? 21

CAPÍTULO 2 - Internet e Comunidades virtuais 23


2.1 Breve História da Internet 23
2.2 Comunidades virtuais e os aspectos antropológicos do ciberespaço 25
2.3 Aspectos sócio-históricos do ciberespaço 27
2.3.1 Tekhnè Grega 28
2.4 Ciberespaço e seus aspectos antropológicos 29
2.4.1 Cibersocialidade 32
2.5 Comunidades virtuais 33
2.6 Orkut como objeto de estudo 36
2.6.1 Brazilian Invasion: Hegemonia brasileira no Orkut 40
2.7 Memes e sua relação com o Orkut 45
2.7.1 Capital Social 47

CAPÍTULO 3 - Análise da comunidade Eu leio a Folha de São Paulo 49


3.1 Elementos da História do Jornal Folha de São Paulo 49
3.2 Inovação no Jornalismo On-Line 50
3.3 Manual de Redação 50
3.4 Comunidade no Orkut: Eu leio a Folha de São Paulo 50
TABELA I 51
TABELA II 52
TABELA III 52
TABELA IV 52
3.5 Conceitos básicos de identidade 54
3.5.1 Identidade e suas concepções 54
TABELA V 56
TABELA VI 57
TABELA VII 58
TABELA VIII 58
TABELA IX 59

CONCLUSÃO 59

BIBLIOGRAFIA 61

ANEXOS 65
ANEXO I – Layout da comunidade Eu leio a Folha de São Paulo 65
ANEXO II – Enquete I – Por que vocês lêem a Folha de São Paulo? 66
ANEXO III – Enquetes – Vocês lêem a Folha impressa, on-line ou duas? 67
ANEXO IV –Entrevista por e-mail com o proprietário da comunidade 68

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I. Introdução

A ascensão das Novas Tecnologias da Comunicação e da Informação (NTICs)


demonstra que as relações sociais não dependem mais da territorialidade e do tempo. Isso
pode ser comprovado, dentre outras coisas, com o surgimento de programas de bate-papo,
como MSN Messenger e sites de relacionamento, como Orkut. Basta um clique no mouse para
o usuário ter acesso praticamente em qualquer lugar e em qualquer hora a uma forma de
comunicação em tempo real, sem precisar do contato tête-à-tête.
No entanto, vale ressaltar que as relações sociais ocorridas em rede, muitas vezes, são
prolongamentos do real, isto é, elas já foram estabelecidas no “mundo real”. Em outras
palavras, pode-se afirmar que o sistema de comunicação gera “virtualidade real”. Castells
(2007) explica esse conceito da seguinte forma: é um sistema em que a própria realidade, ou
seja, a experiência simbólico-material das pessoas é inteiramente captada, totalmente imersa
em uma composição de imagens virtuais no mundo do faz-de-conta, no qual as aparências não
apenas se encontram na tela comunicadora da experiência, mas também se transformam na
experiência.
Dessa maneira, o estudo objetiva analisar como funciona uma comunidade do Orkut,
mais precisamente a comunidade Eu leio a Folha de São Paulo, considerando as formações
de sociabilidades e analisando os modos como se dá o reforço da identidade cultural em uma
comunidade relacionada ao jornalismo. Para tal, a metodologia utilizada foi a da amostra não-
probabilística intencional, “na qual o pesquisador está interessado na opinião (ação, intenção,
etc.) de determinados elementos da população, mas não representativos dela (...). O
pesquisador não se dirige, portanto, à “massa”, isto é, a elementos representativos da
população em geral, mas àqueles que, segundo seu entender, pela função desempenhada,
cargo ocupado, prestígio social, exercem as funções de líderes de opinião na comunidade (...).
Uma vez aceitas as limitações da técnica, a principal das quais é a impossibilidade de
generalização dos resultados do inquérito à população, ela tem a sua validade dentro de um
contexto específico” (MARCONI e LAKATOS, 2002, p.52).
Foram aplicadas duas enquetes entre os dias 23 de fevereiro e 04 de março com o
intuito de verificar os motivos pelos quais os membros da comunidade lêem a Folha de São
Paulo e que versões são lidas (impressa, on-line ou as duas). Deve-se frisar que, de um
universo de mais de 2.500 participantes, apenas 10 membros responderam à primeira enquete,
cinco membros à segunda e todos eram do sexo masculino. Assim, surgiu também a idéia de

9
levantar premissas sobre a baixa participação dos membros. Tabelas que variavam desde
gênero dos participantes até número de comunidades auxiliaram nessa fase da pesquisa.
Para a melhor compreensão, foi de fundamental importância no primeiro capítulo,
explicar a relação das Novas Tecnologias da Comunicação (NTICs) com a Indústria Cultural,
as quais podem ser vistas como espaços públicos de desintermediatização e de acessibilidade
porque os usuários compartilham um contexto comum e estabelecem relações
individualizadas.
Outro aspecto abordado é a relação entre modernidade e as NTICs. Nessa parte, são
abordados conceitos de modernidade, segundo Marshall Berman, compressão do tempo-
espaço de David Harvey, relações de desencaixe de Anthony Giddens, aldeia global de
Octavio Ianni, cultura de massa, além de realizar uma breve discussão e contrastar
modernidade tardia x pós-modernidade para justificar a utilização de autores pós-modernos ao
se referir ao ciberespaço. Isso foi feito com o intuito de estudar os aspectos sociológicos da
cibercultura.
Já o segundo capítulo aborda os primórdios da Internet, conceitos de interface cultural.
Em seguida, comunidades virtuais e aspectos antropológicos foram os temas esclarecidos. Foi
necessário recorrer à sociologia e à antropologia para definir comunidade antes de abordar
ciberespaço.
A fim de realizar um estudo completo sobre ciberespaço, a autora teve que remeter aos
aspectos sócio-históricos nas diversas fases, desde a Grécia Antiga até a fase da ubiqüidade
(pós-moderna). Em seguida, o ciberespaço e seus aspectos antropológicos foram retratados,
relacionando com os estudos de cibersocialidade, feitos pelo filosófo francês Michel
Maffesoli. Para tal, foram utilizados gráficos para destacar idades dos membros do site de
relacionamento, interesses, a hegemonia brasileira no Orkut e a discussão real x virtual. A
relação memes e Orkut, estudos sobre capital social foram mencionados no segundo capítulo
para conhecer melhor a linguagem usada nesse site de relacionamento.
Além de conceituar e classificar os tipos de identidade, o último capítulo fará uma
análise da comunidade Eu leio a Folha de São Paulo, levando em conta não só a identidade
cultural, sujeito descentralizado, mas também categorias tradicionais: gênero, raça/etnia, perfil
econômico. Um breve histórico do jornal Folha de São Paulo foi mencionado a fim de
auxiliar a análise de certos aspectos da comunidade.
Um dos desafios desse trabalho foi o de mostrar como funciona uma comunidade
virtual e relacionar Novas Tecnologias da Comunicação, cibersocialidade com os estudos de

10
jornalismo. Espera-se que o estudo seja um estímulo para novos estudos na área de
cibercultura aplicada ao jornalismo.

11
Capítulo I - As NTICs e sua relação com a indústria cultural

O atual processo de convergência entre diferentes campos tecnológicos no paradigma


da informação resulta de sua lógica compartilhada na produção da informação, levando em
conta uma análise da economia e da sociedade. Segundo Castells (2007, p.111), ela é
perceptível no funcionamento do DNA e na evolução natural, além de ser cada vez mais
reproduzida nos sistemas de informação mais avançados na medida em que os chips,
computadores e softwares alcançam novas fronteiras de velocidade, de capacidade de
armazenamento e de flexibilidade no tratamento da informação oriunda de múltiplas fontes.
Um paradigma econômico e tecnológico é um agrupamento de inovações
técnicas, organizacionais e administrativas inter-relacionadas cujas
vantagens devem ser descobertas não apenas em uma nova gama de produtos
e sistemas, e, sobretudo, na dinâmica da estrutura dos custos relativos de
todos os possíveis insumos para a produção. Em cada novo paradigma, um
insumo específico ou conjunto de insumos pode ser descrito como o “fator-
chave” caracterizado pela queda dos custos relativos e pela disponibilidade
universal. A mudança contemporânea de paradigma pode ser vista como
uma transferência de uma tecnologia baseada principalmente em insumos
baratos de energia para uma outra que se baseia predominantemente em
insumos baratos de informação derivados do avanço da tecnologia em
microeletrônica e telecomunicações (CASTELLS, 2007, p.107-8).

Sabe-se que as Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTICs) estão


cada vez mais presentes no cotidiano. Isso pode ser percebido em terminais bancários, no uso
de redes telemáticas, do cartão de crédito, de telefones celulares, até mesmo na produção do
jornalismo on-line. Ianni (2004, p.220) considera que as NTICs são redes eletrônicas,
informáticas, telemáticas, “on line all time everywhere worldwide in English”. São
transnacionais conglomeradas, aliadas e estrategicamente planejadas produzindo e
reproduzindo as forças produtivas organizadas na nova divisão internacional da produção e
trabalho flexível do pós-fordismo global. 1.2Pode-se afirmar que as Novas Tecnologias da
Informação da Comunicação (NTICs) podem ser classificadas, segundo Castells (2007),
como: informacionais, globais e interligadas em rede. Como a informação é uma parte

1
O paradigma pós-fordista, mais conhecido como modelo japonês, é caracterizado nas estruturas de pequenas
empresas industriais com não mais do que 15 trabalhadores, produtos sofisticados e diferenciados, processos de
trabalho e relações flexíveis, alta capacidade de inovação, tecnologia microeletrônica, homogeneidade cultural.
Disponível em <http://www.simpep.feb.unesp.br/upload/8.pdf>. Acesso em 29 de dez. 2007.
2
Um diagnóstico do sistema de produção do jornalismo nas sociedades contemporâneas revela a existência de
dois tipos diferentes de uso das redes telemáticas. No primeiro, as redes são concebidas como ferramenta auxiliar
para a elaboração de conteúdos para os meios clássicos, ainda abastecidos com métodos clássicos de coleta de
dados, enquanto que, no segundo, todas as etapas do sistema jornalístico de produção - desde a pesquisa e
apuração até a circulação dos conteúdos - estão circunscritas nas fronteiras do ciberespaço (MACHADO, 2003.
Disponível em <http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/monografia4_d.htm>. Acesso em 10 de nov. 2007).

12
integral de toda atividade humana, todos os processos da existência individual e coletiva são
diretamente moldados por esse novo meio tecnológico.
É informacional porque a produtividade e a competitividade de unidades ou
agentes nessa economia (sejam empresas, regiões ou nações) dependem
basicamente de sua capacidade de gerar, processar e aplicar de forma
eficiente a informação baseada em conhecimentos. É global porque as
principais atividades produtivas, o consumo e a circulação, assim como seus
componentes (capital, trabalho, matéria-prima, administração, informação,
tecnologia e mercados) estão organizados em escala global, diretamente ou
mediante uma rede de conexões entre agentes econômicos. É rede porque a
produtividade é gerada, e a concorrência é feita em uma rede global de
interação entre redes empresariais (...). É a conexão histórica entre a base de
informações/ conhecimentos da economia, seu alcance global, sua forma de
organização em rede e a revolução da tecnologia da informação que cria um
novo sistema econômico distinto (CASTELLS, 2007, p.119).

Outra característica fundamental das NTICs refere-se à lógica de redes em qualquer


sistema ou conjunto de relações. A morfologia da rede parece estar bem adaptada à crescente
complexidade da interação e aos modelos do desenvolvimento advindo do poder criativo
dessa interação. Dessa maneira, provavelmente, haverá o surgimento de um novo paradigma
tecnológico em função das NTICs, evidenciando a informação como a matéria-prima para a
produtividade e a competitividade de unidades ou atores da economia, como empresas,
regiões ou nações. Em outras palavras, segundo Castells,
Os produtos das novas tecnologias da informação são dispositivos de
processamento de informações ou o próprio processo das informações. Ao
transformarem os processos de processamento da informação, as novas
tecnologias da informação agem sobre todos os domínios da atividade
humana e possibilitam o estabelecimento de conexões infinitas entre
diferentes domínios (...). Surge uma economia em rede profundamente
interdependente que se torna cada vez mais capaz de aplicar seu progresso
em tecnologia, conhecimentos e administração na própria tecnologia
(CASTELLS 2007, p. 119-120).

e, ainda, no entender de Herscovici,


À medida que, no âmbito das atividades ligadas à coordenação interfirmas,
parte da informação é estratégica, não é possível abrir a rede para o conjunto
dos agentes; por definição, a informação estratégica, que fundamenta a
concorrência, implica numa divulgação restrita. As NTICs permitiram
reproduzir essas assimetrias da informação3, entre os agentes e entre as
empresas e as rendas extras que eles correspondem; os agentes conectados às
redes adequadas se beneficiariam de uma renda extra (HERSCOVICI, 2006,
p.140).

No entanto, vale ressaltar que as NTICs apresentam uma dubiedade; de um lado


podem representar uma extensão dos mercados e da instabilidade deles: as crises financeiras e
3
(...) estudadas em função da natureza do sistema de preços do mercado, de especificidades dos bens e dos
comportamentos dos agentes (HERSCOVICI, 2006, p. 138).

13
as diferentes formas de vulnerabilidade financeira seriam a conseqüência lógica deste
processo de globalização do mercado. Por outro lado, podem assumir um papel de
coordenação global interempresas, que se tornaria necessária em função da ineficiência dos
sistemas de preços; neste sentido, seu papel semelhante aos das instituições, como o Estado,
seria o de conter a instabilidade provocada pelo jogo do mercado.
Para Bolaño (2007, p. 43-44), a Internet é algo substancialmente distinto de todas as
inovações tecnológicas anteriores no campo da informação e da comunicação, devido ao seu
caráter híbrido. Não se trata de uma nova tecnologia ou de uma nova indústria concorrente
com as anteriores, mas do resultado do desenvolvimento das novas tecnologias e da
interpenetração e expansão global, criando um novo espaço de ação e socialização em âmbito
mundial, a base para a constituição de uma esfera pública global, tão ou mais assimétrica e
excludente quanto aquela no estado liberal burguesa pré-democrático. Castells ao tratar dessa
questão, destaca:
O processo da formação e difusão da internet e das redes de comunicação
mediadas por computadores (CMC) a ela ligadas nos últimos 25 anos
moldou de forma definitiva a estrutura do novo veículo de comunicação na
arquitetura da rede, na cultura de seus usuários e nos padrões reais de
comunicação. A arquitetura da rede é, e continuará sendo aberta sob o ponto
de vista tecnológico, possibilitando amplo acesso público e limitando
seriamente restrições governamentais ou comerciais a esse acesso, embora a
desigualdade social se manifeste de forma poderosa no domínio eletrônico
(...). Por outro, a abertura do sistema também resulta do processo inovador
constante e da livre acessibilidade imposta pelos primeiros hackers de
computadores em seu sentido original e pelas centenas de milhares de
pessoas que ainda usam a rede como hobby (CASTELLS, 2007, p.441).

O aspecto mais interessante da internet é o seu caráter potencialmente democratizador


da informação e promotor de uma comunicação horizontalizada, articuladora da sociedade
civil, de forma mais independente e relativamente não transparente aos poderes do Estado e
do capital. No parecer de Macluhan (1964) apud Berman,
O computador, em poucas palavras, promete através da tecnologia a
possibilidade pentecostal de entendimento e unidade universais. O próximo
passo lógico parece ser [...] ultrapassar as linguagens em favor de uma
generalizada consciência cósmica [...]. A condição da “ausência de peso”
que, segundo os biologistas, representará a imortalidade física, deve ser
posta em paralelo com a condição da ausência da fala, que poderá significar
a perpetuidade da paz e harmonia coletiva (1986, p.27).

Em outras palavras, as NTICs são o pré-requisito necessário para o funcionamento do


sistema de informação, já que podem ser consideradas fatores aceleradores da produtividade
pelo fato de ampliar o mercado e a participação de cada firma no setor manufatureiro. Para

14
tal, os sistemas de informação e de comunicação permitem definir dois tipos de sistemas
comunicacionais: os sistemas fundadores correspondentes à lógica fordista e os sistemas
ligados as NTICs, referentes à regulação pós-fordista. Herscovici (2007) caracteriza os
primeiros, essencialmente por uma lógica de oferta e por mecanismos de redistribuição de
renda. Já os sistemas ligados às NTIC, ao contrário, geram fortes efeitos de exclusão social e
seu desenvolvimento depende diretamente do peso dado aos diferentes tipos de demanda
solvível, no âmbito de estratégias de segmentação dos mercados.
No entanto os sistemas ligados à cultura de massa podem ser considerados como
espaços públicos “desintermediatizados e acessíveis a todos” pelo fato dos usuários
compartilharem um contexto comum e de estabelecer relações individualizadas. Um exemplo
disso são as comunidades virtuais, interativas pelo fato dos próprios participantes poderem
modificar o contexto no qual atuam. Herscovici esclarece que isso se deve à sua centralidade:
“uma instância central envia mensagens pouco diversificadas para um público homogêneo (a
“massa”) e as capacidades de resposta dessa massa são limitadas” (2007, p.145). Ao
contrário, na World Wide Web, todos os indivíduos são iguais diante das mobilidades de
acesso ao conjunto das informações disponíveis. Assim, “os novos processos de
intermediação (...) resultam dos próprios indivíduos e correspondem (...) às necessidades e aos
interesses destes” (LÉVY,1999 apud HERSCOVICI, 2007, p.145).

1.1 Modernidade e Novas Tecnologias

É evidente o quanto a vida moderna tem sido influenciada por fatores, como grandes
descobertas nas ciências físicas, as revoluções industriais, as quais geram novas formas de
poder corporativo e lutas de classes. Os sistemas de comunicação de massa também
proporcionam a integração de indivíduos e sociedades com diferentes aspectos culturais. Para
entender as características da vida moderna, deve-se recorrer aos conceitos de modernidade.

Existe um tipo de experiência vital – experiência de tempo e espaço, de si


mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é
compartilhado por homens e mulheres em todo o mundo hoje. Designarei
esse conjunto de experiências como “modernidade”. Ser moderno é
encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria,
crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor, mas ao

15
mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o
que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as
fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e
ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie
humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela
nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança,
de luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte
de um universo no qual, como disse Marx, “tudo que é sólido desmancha no
ar” (BERMAN, 1986, p.15).

Já Ortiz (2006, p.50) associa a modernidade à racionalização da sociedade, em seus


diversos níveis, econômico, político e cultural, o qual revela um tipo de organização social
“desencaixada”, privilegiando qualidades como funcionalidade, mobilidade e racionalidade.
Vale ressaltar que a modernidade e a globalização possuem uma relação intrínseca,
uma vez que,
a modernidade é inerentemente globalizante (...). A globalização pode assim
ser definida com a intensificação das relações sociais em escala mundial, que
ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são
modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa.
Este é um processo dialético por que tais acontecimentos locais podem se
deslocar numa direção aversa às relações muito distanciadas que os
modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto à
extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço
(GIDDENS, 1991, p.10).

Uma das relações mais modificadas com o advento da modernidade foi a relação
espaço x tempo, já que dinamiza as interações sociais, antes determinada pelas relações de
parentesco e a comunidade local como lugar desses contatos. Segundo Giddens (1991), a
separação do espaço e do tempo permite o “desencaixe” das relações sociais. O espaço é
assim esvaziado de sua materialidade, definindo-se em relação a outros espaços distantes.
Giddens esclarece dois fatores que caracterizam a modernidade:
O tempo ainda estava conectado com o espaço (e o lugar) até que a
uniformidade de mensuração do tempo pelo relógio correspondeu à
uniformidade na organização social do tempo. Esta mudança coincidiu com
a expansão da modernidade e não foi completada até o corrente século -
século XX. Um de seus principais aspectos é a padronização em escala
mundial dos calendários (...). Um segundo aspecto é a padronização do
tempo através das regiões (1991, p. 26).

Já Ianni constata que o tempo é um dos fatores principais do modo de produção


capitalista.
O tempo eletrônico tece cada vez mais a vida de todo mundo. Aceleram-se e
diversificam-se as possibilidades dos diálogos e monólogos, comunicações e
desentendimentos, simultaneamente aos intercâmbios e comércios, trocas e
negócios (...). Na época da globalização do capitalismo, dos mercados, das
exigências dos negócios, das condições de produtividade e lucro, o princípio

16
da quantidade estende-se a todas as atividades, produções culturais, modos
de ser, visões do mundo (2004, p.217).

Harvey (2002) constata que tanto o tempo e o espaço são definidos por intermédio da
organização de práticas sociais fundamentais para a produção de mercadorias. Mas a força
dinâmica da acumulação (e superacumulação) do capital, aliada às condições de luta social,
torna as relações instáveis. Parte da insegurança que assola o capitalismo como formação
social vem dessa instabilidade dos princípios espaciais e temporais em torno dos quais a vida
social poderia ser organizada, quando não ritualizada à feição das sociedades tradicionais.
A experiência da compressão do tempo-espaço é um desafio, um estímulo,
uma tensão e, às vezes, uma profunda perturbação, capaz de provocar, por
isso mesmo, uma diversidade de reações sociais, culturais e políticas. Deve-
se compreender “compressão4” como um termo que se aplica a todo estado
de coisas precedentes (HARVEY, 2002, p.218).

Lemos (2004) esclarece o conceito de compressão do tempo-espaço de David Harvey,


o qual esclarece que o espaço e o tempo pós-modernos não podem mais ser percebidos como
seus relatos pós-modernos.
Na modernidade, o tempo é linear (progresso e história) e o espaço é
naturalizado e explorado enquanto lugar de coisas (direção, distância, forma,
volume). Na modernidade, o tempo é um modo de esculpir o espaço, já que
o progresso, a encarnação do tempo linear, implica a conquista do espaço
físico. Na pós-modernidade, o sentimento é da compressão do espaço e do
tempo, onde o tempo real (imediato) e as redes telemáticas desterritorializam
(desespacializam) a cultura, tendo um forte impacto nas estruturas
econômicas, sociais, políticas e culturais (LEMOS, 2004, p.67-68).

Deve-se ressaltar que a separação entre tempo e espaço é fundamental para o


dinamismo da modernidade, visto que é o principal requisito para o “deslocamento” das
relações sociais dos contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões
indefinidas de tempo-espaço.

O esvaziamento do tempo é em grande parte a pré-condição para o


“esvaziamento do espaço” e tem assim prioridade casual sobre ele (...). O
advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo
fomentando relações entre outros “ausentes”, localmente distantes de
qualquer situação dada ou interação face a face. Em condições de
modernidade, o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico, isto é, os locais
são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais
bem distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o que está

4
Uso a palavra “compressão” por haver fortes indícios de que a história do capitalismo tem se caracterizado pela
aceleração do ritmo da vida, ao mesmo tempo em que venceu as barreiras espaciais em tal grau que por vezes o
mundo parece encolher sobre nós (HARVEY, 2002, p. 219).

17
presente na cena; a “forma visível” do local oculta as relações distanciadas
que determinam sua natureza (GIDDENS,1991, p.27).

Giddens aponta outro motivo:


O fato de que essa relação tempo-espaço proporciona os mecanismos de
engrenagem para aquele traço distintivo da vida social moderna, a
organização racionalizada (...). As organizações modernas são capazes de
conectar o local e o global de forma que seriam impensáveis em sociedades
mais tradicionais, e (...) afetam rotineiramente a vida de milhões de pessoas
(1991, p.28).

Castells afirma que essa relação tempo-espaço proporciona que as localizações


geográficas e históricas reintegram-se em sistemas funcionais por meio de redes, o que
ocasiona um espaço de fluxos (conexões sociais), o que substitui o lugar propriamente dito,
concreto.
Localidades ficam despojadas de seu sentido cultural, histórico e geográfico
e reintegram-se em redes funcionais ou em colagens de imagens,
ocasionando um espaço de fluxos que substitui o espaço de lugares. O tempo
é apagado no novo sistema de comunicação já que passado, presente e futuro
podem ser programados para interagir entre si na mesma mensagem. O
espaço de fluxos e o tempo intemporal são as bases principais de uma nova
cultura, que transcende e inclui a diversidade dos sistemas de representação
historicamente transmitidos: a cultura da virtualidade real, onde o faz-de-
conta vai se tornando realidade (2007, p.462).

Enfim, a globalização do capitalismo, vista como processo civilizatório, cria


simultaneamente o clima da modernidade-mundo, caracterizado por Octavio Ianni. São
padrões e valores sócio-culturais, alterações nas formas de sociabilidade, desenraizamentos de
sociedades, ideologias, tudo isto constituindo algo, caracterizando o estado de espírito da
modernidade-mundo.

1.2 NTICs e a cultura de massa

A mundialização cultural é grandemente realizada e orquestrada pela mídia impressa e


eletrônica. Organizada em indústria cultural, ela se torna um setor produtivo altamente
lucrativo, de alcance mundial. Ianni (2004, p. 170) acrescenta que, combinada com o
marketing global, com o qual convive e confunde-se muitas vezes, difunde e reitera
continuamente padrões e valores prevalecentes nos centros dominantes, irradiados desde as
cidades globais, tecendo mercadoria e ideologia, corações e mentes, nostalgias e utopias.

18
Com isso, a aldeia global5 está sendo desenhada, tecida, colorida, sonorizada e
movimentada por todo um complexo de elementos díspares, convergentes e contraditórios,
antigos e renovados, novos e desconhecidos. Formam redes de signos, símbolos e linguagens,
envolvendo publicações e emissões, ondas e telecomunicações. Compreendem as relações, os
processos e as estruturas de dominação política e de apropriação econômica que se
desenvolvem além de toda e qualquer fronteira, desterritorializando coisas, gentes e idéias,
realidades e imaginários (IANNI, 2004 p.125).
Harvey frisa que, à medida que o espaço parece encolher numa “aldeia global” de
telecomunicações e numa “espaçonave terra” de interdependências ecológicas e econômicas –
para usar apenas duas imagens conhecidas e corriqueiras – e que os horizontes temporais se
reduzem a um ponto em que só existe o presente (o mundo do esquizofrênico), tempo de
aprender a lidar com um avassalador sentido de compressão dos nossos mundos espacial e
temporal (2002, p.219).
Em relação à aldeia global, McLuhan e Powers (1989) apud Ianni (2004, p.210)
prevêem a idéia de re-modificação da aldeia global, bem como a ampliação das interações
sociais.
Mais e mais pessoas entrarão no mercado de informações, perderão as suas
identidades privadas nesse processo, mas irão emergir com capacidade para
interagir com qualquer pessoa da face do globo. Referendus eletrônicos
massivos e espontâneos atravessarão continentes. O conceito de
nacionalismo declinará e também os governos regionais cairão como
conseqüência política da criação de um governo mundial por satélite
artificial (McLuhan e Powers, 1989 apud Ianni, 2004, p.120).

Dessa maneira, Ianni ressalta o poder da mídia eletrônica nas novas relações de
sociabilidade.

A mídia eletrônica prevalece como um poderoso instrumento de


comunicação, informação, compreensão, explicação e imaginação sobre o
que vai ser pelo mundo. Juntamente com a imprensa, a mídia eletrônica
5
A aldeia global pode ser uma metáfora e uma realidade, uma configuração histórica e uma utopia (...). Desde
que as técnicas da eletrônica propiciaram a intensificação e a generalização das comunicações, além de toda e
qualquer fronteira, acelerou-se um processo que já vinha desenvolvendo-se no âmbito das relações
internacionais, das organizações multilaterais e das corporações transnacionais. O que o mundo já conhecia, em
fins do século XIX e começo do XX, como monopólios, trustes e cartéis, tecendo geoeconomias e geopolíticas
de sistemas imperialistas, ou economias-mundo, prenunciavam os primeiros contornos do que seria no fim do
século XX a aldeia global (IANNI, 2004, p.124).

19
passa a desempenhar o singular papel de intelectual orgânico dos centros
mundiais de poder, dos grupos dirigentes das classes dominantes. Ainda que
mediatizada, influenciada, questionada ou assimilada em âmbito local,
nacional e regional, aos poucos essa mídia adquire o caráter de um singular e
insólito intelectual orgânico, articulado às organizações e empresas
transnacionais predominantes nas relações, nos processos e nas estruturas de
dominação política e apropriação econômica que tecem o mundo, em
conformidade com a “nova ordem econômica mundial” ou as novas
geopolíticas regionais e mundiais (IANNI, 2004, p. 121).

E ainda no entender de Ianni,


A sociedade global em formação com a mundialização do capitalismo
envolve necessariamente o desenvolvimento da cultura em escala também
mundial. Além de tudo que tem ocorrido no passado distante e recente, em
termos de internacionalização da cultura, formação de correntes de
pensamento, interpretações da realidade social em sentido lato, emergência e
generalização de estilos artísticos, visões do mundo filosóficas e científicas,
além disso tudo, com a emergência da sociedade global ocorre novo e amplo
surto de mundialização de padrões e valores sócio-culturais políticos,
religiosos e outros (...). O marketing global encarrega-se de popularizar
mercadorias e ideais, modas e modos, signos e símbolos, novidades e
consumismos, em todos os países, culturas e civilizações (IANNI, 1997,
p.170).

Um dos problemas recorrentes da mundialização do capitalismo por meio da indústria


cultural é a hegemonia dos meios de comunicação de massa. Ianni (1997, p.172) aponta que,
assim que a mídia impressa e eletrônica passou a tecer o novo mapa do mundo, as
possibilidades de construção, afirmação ou transformação de hegemonia passam a ser
condicionadas, limitadas, administradas por uma espécie de intelectual orgânico não só
surpreendente e insólito, mas ubíquo, desterritorializado.
Observada assim, nessa perspectiva, a mídia se constitui no intelectual
orgânico dos grupos, classes ou centros de poder dominantes na sociedade
global. Desde que alcançou envergadura mundial, a mídia impressa e
eletrônica passou a monopolizar ou a influenciar decisivamente grande parte
das informações e interpretações sobre o que corre pelo mundo. Isso
significa que ela pode operar de modo seletivo: localizando, priorizando,
desprezando, enfatizando ou interpretando fatos, situações, configurações,
movimentos, entendimentos, conjunturas, rupturas (IANNI, 1997, p. 172).

Assim, o autor ainda pondera que, da mesma forma que a mídia se globaliza, junto
com a economia e política, a indústria cultural e os meios de comunicação, a eletrônica e a
informática, nessa mesma escala globalizam-se interesses e objetivos, ideologias e visões do
mundo daqueles que detêm meios políticos, econômicos sociais e culturais de mando e
desmando em escala global (IANNI, 2004, p.216).

20
Thompson ainda destaca a influência das NTICs no processo de transmissão cultural,
o qual tornou-se cada vez mais mediado por um conjunto de instituições interessadas na
mercantilização e circulação ampliada das formas simbólicas.

Nas últimas décadas essas instituições se tornaram cada vez mais integradas
em conglomerados de comunicação de grande porte, e a circulação de
formas simbólicas se tornou cada vez mais global. O desenvolvimento das
novas tecnologias de comunicação seguiu e facilitou essas tendências,
enquanto que, ao mesmo tempo, marcava o começo de um novo ponto de
partida importante na história das modalidades de transmissão cultural
(THOMPSON, 1995, p.278).

1.3 Modernidade tardia ou Pós-Modernidade?

Uma das discussões levantadas quando se refere às NTICs, relações de tempo-espaço


na Internet, é: se o século XXI pode ser considerado como integrante de uma modernidade
tardia ou de uma pós-modernidade. Autores como Anthony Giddens, Otávio Ianni, Marshall
Berman consideram que a humanidade está vivendo a modernidade tardia, visto que ainda não
superou algumas das instituições centrais, tais como o modo de produção capitalista,
industrialismo e poderio militar, além da valorização do tempo-espaço.
Nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos valorizados
porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um
modo de integrar a monitoração da ação com a organização tempo-espacial
da comunidade. Ela é uma maneira de lidar com o tempo e o espaço, que
insere qualquer atividade ou experiência particular dentro da continuidade do
passado, presente e futuro, sendo estes por sua vez estruturados por práticas
sociais recorrentes (...). A tradição não só resiste à mudança como pertence a
um contexto no qual há, separados, poucos marcadores temporais e espaciais
em cujos termos a mudança pode ter alguma forma significativa (GIDDENS,
1991, p.44).

Ianni complementa as características da modernidade.

A modernidade, enquanto modo de ser de coisas, gentes e idéias, sempre


envolve essas categorias. Elas permitem articular a historicidade e a
territorialidade, a biografia e a história, o território e o planeta, a
continuidade e a descontinuidade, a sincronia e a diacronia, a multiplicidade
dos espaços e a pluralidade dos tempos, a comunidade e a sociedade, a
evolução e o progresso, (...), o local e o global (2004, p.207).

Giddens argumenta essa afirmação com a definição de modernidade tardia:

A modernidade radicalizada vê a modernidade tardia como um conjunto de


circunstâncias em que a dispersão está dialeticamente vinculada a tendências
profundas para uma integração global. Define a pós-modernidade como
transformações possíveis para “além” das instituições da modernidade
(1991, p.150).

21
Já a pós-modernidade é definida por Giddens como a trajetória do desenvolvimento
social que está tirando das instituições da modernidade (industrialismo, capitalismo e poder
militar) rumo a um novo e diferente tipo de ordem social. Esse deslocamento seria a
dissolução da modernidade. A noção tempo-espaço do Iluminismo é dissolvida. Ianni (2004)
complementa que as realidades, recorrências, desencontros e descontinuidades são
fragmentados, multiplicando-se os espaços e os tempos imaginários, virtuais, simulacros.
A história é substituída pelo efêmero, pela imagem do instante, pelo lugar
fugidio. Tudo se dissolve no momento presente, imediatamente superado
pela outra imagem, colagem, bricolagem, montagem, mensagem. Assim se
deteriora o passado remoto e imediato. Privilegia-se o dado imediato,
evidente, cotidiano, inesperado, prosaico, surpreendente, fugaz (2004,
p.213).

Berman critica alguns princípios da pós-modernidade, como a efemeridade.

Muitos artistas e trabalhadores intelectuais imergiram no mundo do


estruturalismo, um mundo que simplesmente risca do mapa a questão da
modernidade e todas as outras questões a respeito da auto-identidade e da
história. Outros adotaram a mística do pós-modernismo, que se esforça para
cultivar a ignorância da história e da cultura modernas e se manifesta como
se todos os sentimentos humanos, toda a expressividade, atividade,
sexualidade e sendo de comunidade acabassem de ser inventados - pelos
pós-modernistas – e fossem desconhecidos, ou mesmo inconcebíveis, até a
semana passada. Enquanto isso, cientistas sociais, constrangidos pelos
ataques aos seus modelos tecnopastorais, abdicaram de sua tentativa de
construir um modelo eventualmente mais verdadeiro para a vida moderna.
Em vez disso, retalharam a modernidade em uma série de componentes
isolados-industrialização, construção, urbanização, desenvolvimento de
mercados, formação de elites – e resistem a qualquer tentativa de integrá-los
em um todo (...). O eclipse do problema da modernidade nos anos 1970
significou a destruição de uma forma virtual de espaço público. Acelerou a
desintegração do nosso mundo em um aglomerado público (1986 p.35-6).

No entanto, vale ressaltar que, para se explicar o processo de sociabilidade das


comunidades virtuais, criadas pelas CMCs (Comunicações Mediadas por Computador),
optou-se utilizar autores pós-modernos6, visto que trabalham com conceitos de tribos urbanas
e podem ser aplicados ao estudo do Orkut.

Capítulo II - Internet e Comunidades virtuais


6
Autores pós-modernos a serem utilizados: Pierre Lévy, André Lemos, Michel Maffesoli.

22
2.1 Breve História da Internet

A criação e o desenvolvimento da Internet ocorreram, principalmente, durante a


Guerra Fria. Uma das preocupações, naquele momento, era a de perder as informações
armazenadas em servidores nos quartéis generais norte-americanos. Assim, o Departamento
de Defesa elaborou uma rede que interligasse vários pontos, de modo que não centralizasse o
comando. Para tal, surgiu em setembro de 1969 a Advanced Research Project Agency
(Arpanet) 7.
Na década de 80, com o declínio da União Soviética, a Arpanet serviu para interligar
centros de pesquisa e universidades dos EUA e de outros países. Nessa mesma época, Tim
Berners Lee e sua equipe do Centre Européen pour Recherche Nucleaire (CERN) criaram um
formato para os documentos em hipertexto chamado Hypertext Markup Language (HTML)
para que os computadores pudessem adaptar suas linguagens ao protocolo TCP/IP. Outras
inovações foram: a configuração de um protocolo de transferência de hipertexto8 (Hypertext
Transfer Protocol – HTTP) para coordenar a comunicação da World Wide Web9 (WWW) e a
criação de um formato padronizado de endereços, o Uniform Resource Locator (URL).
Castells (2007, p.88) afirma que “o CERN distribuiu o software WWW gratuitamente pela
Internet e os primeiros sites da web foram criados por grandes centros de pesquisa científica
espalhados pelo mundo”. De acordo com Carvalho, a rede mundial de computadores foi
lançada com o propósito de promover a sociabilidade, a interatividade entre os usuários.
A Internet surge na metade da década de 1990 como um sistema de
comunicação flexível e descentralizado. Liberdade, solidariedade e
cooperação são concepções que compõem a cultura de cientistas,
engenheiros, estudantes de pós-graduação e dos primeiros usuários da rede
que participaram conjuntamente da criação da Internet. (CARVALHO, 2006.
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
69922006000200010&script=sci_arttext&tlng=em>10. Acesso em 23/01/08).
Com o advento da World Wide Web (WWW) nos anos 90, as relações homem-novas
tecnologias intensificaram-se. Assim, o computador deixou de ser apenas um mero produto da
7
Agência de Projetos de Pesquisa Avançada.
8
Hipertexto é um texto em formato digital, reconfigurável e fluido. Composto por blocos elementares ligados
por links que podem ser explorados em tempo real na tela. A noção de hiperdocumento generaliza, para todas as
categorias de signos (imagens, animações, sons, etc.), o princípio da mensagem em rede móvel que caracteriza o
hipertexto (LÉVY, 1999, p.27).
9
A partir do software Enquire, desenvolvido por Berners-Lee, foi produzida a World Wide Web, um sistema de
hipertexto no qual informações poderiam ser acrescentadas pelos usuários e acessadas por computadores que
estivessem conectados à rede. (CARVALHO, 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
pid=S0102-699200600020001>. Acesso em 23 de jan.2008). Em outras palavras, “WWW é uma função da
Internet que junta, em um único e imenso hipertexto ou hiperdocumento (compreendendo imagens e sons), todos
os documentos e hipertextos que a alimentam” (LÉVY, 1999, p.27).
10
Para conhecer a história da Internet de forma detalhada, ver Castells (2007), Wolton (2003), Lévy (1999),
entre outros.

23
revolução tecno-científica para ter um papel de mediador cultural. Em outras palavras, todas
as manifestações culturais (cinema, livro, galerias de arte) foram inseridas na tela do
computador para que o usuário tivesse acesso. Manovich explica a linguagem da interface
cultural de acordo com os princípios da semiótica:
In semiotic terms, the computer interface acts as code that carries cultural
messages in a variety of media. When you use the Internet, everything you
access – text, music, video, navigable spaces- passes through the interface of
the browser (…). In cultural communication, a code is rarely simply a
neutral transport mechanism; usually it affects the messages transmitted with
its help (…). A code may also provide its own model of the world, its own
logical system, or ideology; subsequent cultural messages or whole
languages created with this code will be limited by its accompanying model,
system, or ideology11 (2001, p.64).

A interface cultural não é apenas transmissora de imagens, mas é interativa. Ela torna
os processos mentais objetivos e externos. Isso é ratificado através do uso de hiperlinks, os
quais concretizam a associação, a reflexão (manifestações dos processos cognitivos) na tela
do computador. Ou seja, o uso de hyperlinks é uma extensão dos processos cognitivos, só que
transferidos para a tela do computador. Enfim, a mídia digital pede-nos que construamos
nossa reflexão, raciocínio, associação. Isso é análogo a clicar em um link ou em uma página
ou em um novo cenário.
As interfaces gráficas são também metáforas e alegorias cognitivas visando
buscar informações (o que chamamos metaforicamente de navegação).
Assim, manipular os ícones gráficos das interfaces revela a essência da
manipulação mágica que está presente no ciberespaço. A manipulação
mágica do mundo como a manipulação de dados no ciberespaço situa-se na
mesma dinâmica (LEMOS, 2004, p. 130).

Vale ressaltar que a linguagem da interface cultural é híbrida, uma vez que existe um
contraponto entre a interface cultural e as formas tradicionais de cultura – o principal deles é o
princípio da padronização, no qual todos os elementos – menus, ícones devem ser os mesmos
em todos os programas. No entanto, uma das características da cultura é a originalidade. Os
objetos são diferentes. Logo, suas respostas também serão.
As interfaces culturais tentam equilibrar a linguagem da fotografia, da pintura, do
cinema com o olhar da interface (painel virtual). Isso cria um dilema, uma vez que os meios
impressos e o cinema vêem a tela do computador como uma simples janela, sem essa função
de interagir com essas manifestações culturais.
11
De acordo com a semiótica, a interface atua como um código que contém mensagens culturais de uma
variedade de mídias. Quando o indivíduo utiliza a internet, tudo que é acessado – texto, música, vídeo, espaços
navegáveis – é ligado através da interface (...). Na comunicação cultural, um código é raramente um transporte
de mecanismo neutro, ele afeta as mensagens que leva (...). Um código pode determinar sua concepção de seu
próprio sistema lógico, ou ideologia. Mensagens subseqüentes ou qualquer linguagem que seja criada, utilizando
esses aspectos, serão limitadas (Tradução da autora).

24
Today the language of cultural interfaces is in its early stage, as was the
cinema a hundred years ago (...). Both the printed word and cinema
eventually achieved stable forms that underwent little change for long
periods of time, in part because of the material investments in their means of
production and distribution. Given that computer language is implemented in
software, potentially it could keep changing forever. But there is one thing
we can be sure of. We are witnessing the emergence of a new cultural
metalanguage, something that will be at least as significant as the printed
word and cinema before it12 (MANOVICH, 2001, p.93).

Para Castells (2007), a inclusão da maioria das expressões culturais no sistema de


comunicação integrado baseado na produção, distribuição e intercâmbio de sinais eletrônicos
digitalizados tem conseqüências importantes para as formas e processos sociais. Por um lado,
enfraquece consideravelmente o poder simbólico da religião, moralidade, autoridade,
ideologia política a menos que se recodifiquem por meio das redes. Assim que tomam a forma
paradoxal de um consumo religioso, as sociedades ficam verdadeiramente desencantadas
porque todos os milagres estão on-line e podem ser combinados em mundos de imagens
autoconstruídas.
Em outras palavras, as NTICs transformam radicalmente as relações tempo-espaço e
homem-máquina, visto que localidades geográficas, culturas e a história reintegram-se por
meio de redes ou em colagens de imagens, o que transforma um espaço de lugares em espaços
de fluxos. Enfim, o espaço de fluxos e a compressão do tempo-espaço são as características
principais de uma nova cultura: a da “virtualidade real”, onde não é se possível distinguir o
real do virtual.

2.2 Comunidades virtuais e os aspectos antropológicos do ciberespaço

Sabe-se que a Comunicação Mediada por Computador (CMC) provocou


modificações, reconfigurando o espaço e a estrutura da sociedade. Uma delas foi a relação de
sociabilidade e a compressão do tempo-espaço, a qual mostra que o tempo e o espaço não são
fatores determinantes para o estabelecimento das relações sociais. Com as Novas Tecnologias
da Informação e Comunicação (NTICs), basta um clique no mouse para começar a estabelecer
este tipo de relações.

12
Atualmente, a linguagem das interfaces culturais está em um estágio inicial, semelhante à do cinema há 100
anos atrás (...). A impressão e o cinema alcançaram estabilidade que permitiram poucas mudanças a longo prazo.
Isso ocorreu em parte devido aos investimentos na produção e distribuição. Dado à linguagem computador, um
investimento em software, ela poderia continuar sofrendo mudanças para sempre. Mas deve-se ter certeza de
uma coisa: estamos testemunhando a ascensão de uma nova metalinguagem cultural, algo que será, pelo menos,
significante como o progresso da imprensa e do cinema (Tradução da autora).

25
Com o objetivo de explicar o processo de sociabilidade mediada por computador, é
necessário remeter às definições sociológicas de comunidade de Ferdinand Tönies, Max
Weber e Émile Durkheim.
Para Tönies, a Gemeinschaft (comunidade) relacionava-se ao passado, à aldeia, à
família, isto é, aspectos à chamada pré-modernidade, de acordo com Anthony Giddens. Já a
Gesselschaft (sociedade) representava a frieza, egoísmo - conseqüências relacionadas à
modernidade-. Em outras palavras, a comunidade era considerada solidariedade mecânica 13 e
a sociedade, solidariedade orgânica14.
O sociólogo alemão afirma que a comunidade é dirigida ao passado
(disposição) e a sociedade ao futuro (aspiração). O testamento reflexivo é
um produto de sociedades. Já a comunidade seria um modo orgânico de
produção, de organização social e de pensamento. A comunidade estabelece-
se pelo que ele chama de status e a sociedade, pelo contrato. É importante
insistir que estas categorias não existem em estado puro. Temos relações não
contratuais mesmo em ambientes de trabalho, instituindo o processo
infindável de passagem de estados gregários e societários ou contratuais
(LEMOS, 2004, p.143).

Com a publicação de Gemeinschaft Und Gesselschaft (Comunidade e Sociedade),


Durkheim contesta as definições de Tönies afirmando que “a Gesselschaft também teria um
caráter orgânico, ou seja, natural”. Segundo Durkheim, a sociedade não teria um caráter
menos natural do que a comunidade, pois existiriam pequenas semelhanças de atitude nas
pequenas e grandes cidades (RECUERO, 2004, p.2).
Weber (1987) destaca que o conceito de comunidade está relacionado à orientação
da ação social15.

Chamamos de comunidade a uma relação social na medida em que a


orientação da ação social, na média ou no tipo ideal – baseia-se em um
sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais
dos participantes (WEBER, 1987 apud RECUERO, 2004, p.3).

13
Solidariedade mecânica é a junção da consciência coletiva – conjunto de crenças e de sentimentos comuns à
média dos membros de uma mesma sociedade, a qual forma um sistema determinado que tem vida própria - e a
personalidade individual (...). Além do mais, existem relações diversas em que a primeira faz sentir sua ação,
mas ela, por sua vez, criou os laços que ligam o indivíduo ao grupo; e mais, em conseqüência disso, a coesão
social deriva completamente dessa causa e traz a sua marca (DURKHEIM, 1984, p.76-78).
14
Solidariedade orgânica é aquela produzida pela divisão de trabalho e só é possível se cada indivíduo tiver uma
esfera própria de ação e, conseqüentemente, uma personalidade. É preciso, pois, que a consciência coletiva deixe
descoberta uma parte da consciência individual para que se estabeleçam essas funções especiais que ela não pode
regulamentar (DURKHEIM, 1984, p.83).
15
Por ação deve-se entender uma conduta humana (que pode consistir num ato externo ou interno; numa
condição ou numa permissão) sempre que o sujeito ou os sujeitos da ação envolvam-na de um sentido subjetivo.
A “ação social”, portanto, é uma ação em que o sentido indicado por seu sujeito ou sujeitos, refere-se à conduta
de outros, orientando-se por esta em seu desenvolvimento (WEBER, 1992, p.103).

26
Em suma, Recuero (2004) afirma que, para Weber, como para Durkheim, a maior
parte das relações sociais tem em parte o caráter de comunidade, em parte o de sociedade. Em
qualquer comunidade, seria possível encontrar as situações de conflitos e opressão, que, de
acordo com Tönies, não fariam parte da idéia de comunidade. Para Weber, a comunidade só
existiria propriamente, quando sobre uma base de um sentimento de situação comum e de
suas conseqüências, está também situada à ação reciprocamente referida, a qual traduz o
sentimento de formar um todo.
Palácios (1998) apud Recuero (2004) aponta os elementos caracterizadores da
comunidade: o sentimento de pertencimento, a territorialidade, a permanência, a ligação entre
o sentimento de comunidade, caráter corporativo e emergência de um projeto comum e a
existência de formas de comunicação.
O sentimento de pertencimento ou “pertença” seria a noção de que o
indivíduo é parte do todo, coopera para uma finalidade comum com os
demais membros (caráter corporativo, sentimento de comunidade e projeto
comum); a territorialidade, o lócus da comunidade; a permanência, condição
essencial para o estabelecimento das relações sociais (PALÁCIOS, 1998
apud RECUERO, 2004, p.3)

Com o início da revolução industrial e do surgimento da sociedade de massa, houve


a decadência do senso de comunidade. Sennet (1997) citado por Fernback e Thompson (1998)
ressalta que a noção de comunidade como um território ilimitado foi substituído pela noção de
comunidade com a de “mentes iguais” ou de pessoas com pensamentos semelhantes.
Recuero (2004, p.5) reforça que as idéias de Sennet evidenciam um importante
senso de traço comum, característica, identidade ou interesses. Enfim, atualmente, a
comunidade evidencia elementos, como compressão do tempo-espaço, sujeito descentralizado
– características visíveis na modernidade tardia e do ciberespaço.

2.3 Aspectos sócio-históricos do ciberespaço

Para realizar um estudo mais completo do ciberespaço, é necessário remeter aos


aspectos, características sócio-históricas. Enfim, compreender a cibercultura contemporânea é
impossível sem noções de técnica nas diversas fases, desde a Grécia Antiga até a fase da
ubiqüidade. O intuito desse item é fazer um breve retrospecto para uma melhor compreensão
dos aspectos antropológicos do ciberespaço.

2.3.1 Tekhnè Grega

27
Antes de se falar nesse conceito, vale ressaltar que, para se compreender os desafios
do fenômeno tecnológico contemporâneo, devem-se distinguir os conceitos de técnica e de
tecnologia.
Técnica, na sua acepção original e etimológica, vem do grego tekhnè, que
podemos traduzir por arte. A tekhnè compreende as atividades práticas,
desde a elaboração de leis e a habilidade para contar e medir, passando pela
arte do artesão, do médico ou da confecção do pão, até as artes plásticas ou
belas artes, estas últimas consideradas a mais alta expressão da tecnicidade
humana. Tekhnè é um conceito filosófico que visa descrever as artes
práticas, o saber fazer humano em oposição a outro conceito chave, a phusis,
ou o princípio de geração das coisas naturais. Tekhnè e phusis fazem parte de
todo processo de vir a ser, de passagem da ausência à presença, ou daquilo
que os gregos chamam de poiésis (LEMOS, 2004, p.26).

Essa definição permite confirmar o que os gregos consideravam todos os atos


humanos como atividades práticas e, por sua vez, toda tekhnè caracteriza-se por fazer originar
uma obra. A filosofia grega separará a tekhnè como prática e a epistèmé como propriedade
(saber contemplativo).
Para Platão, a epistèmé era a atividade mais importante que a tékhnè. Em outras
palavras, Lemos (2004) explica que a filosofia de Platão considera as artes práticas inferiores
às atividades intelectuais. Assim, o artista que possui o dom de uma tékhnè é, na opinião de
Platão, um imitador, produtor de cópias e simulacros. Os objetos técnicos são assim produtos
que imitam o ser. Assim, tecnologia é vista como objetos técnicos, máquinas e processo de
produção em larga escala ou não.
Já Aristóteles afirma que a atividade prática é inferior às coisas da natureza, pois
“nenhuma coisa fabricada possui nela mesma o princípio da fabricação”. (LEMOS, 2004,
p.27). Os frutos da tékhnè são inferiores às coisas naturais, pois possuem o princípio do “vir-
a-ser”. A inferioridade dos seres artificiais deve-se à incapacidade de auto-reprodução (auto-
poiésis).
Dada a definição de técnica na Grécia Antiga, o termo possui três fases: fase da
indiferença (até a Idade Média), fase do conforto (modernidade) e fase da ubiqüidade (pós-
modernidade) (LEMOS, 2004).
A primeira fase consistiu na junção da arte, religião, ciência e mito. A vida social
está intrinsecamente ligada ao sagrado. Lemos (2004, p.52) explica que “a técnica e a ciência
não têm um estatuto privilegiado porque estão imersas na dimensão global. Nessa fase, o
olhar em relação à técnica está próximo da indiferença”.

28
Já a fase do conforto dá-se no princípio da modernidade. Com ela, o racionalismo
dessacraliza a natureza e a mente.
A modernidade é a fase da ideologia em substituição à do mito, sendo a
ideologia um discurso que atua como promessa de transformação e controle
da vida social. Poderíamos dizer que essa é a fase do conforto (domínio da
natureza) e de preparação do futuro. A modernidade tecnológica foi
estruturada pela mistura de convicções e sonhos na força racional do
homem, na conquista do espaço, no progresso tecnológico e científico, na
urbanização e na utilização intensiva em energia (LEMOS, 2004, p.52).

A fase da ubiqüidade pós-moderna (fase da comunicação e da informação digital)


corresponde ao término da fase do conforto e ao advento da tecnologia digital com a
compressão do tempo-espaço. Virilio (1996) apud Lemos (2004, p.56) argumenta que “o
pensamento místico é necessário para amenizar as angústias causadas pelas novas tecnologias
digitais”. Essa é a fase da cibercultura, a era da simulação com o estabelecimento das relações
de sociabilidade, tribalismo, indivíduos conectados à rede.

2.4 Ciberespaço e seus aspectos antropológicos

Uma das características das Novas Tecnologias de Informação é a de possibilitar o


livre trânsito de informações na rede, isto é, esses novos meios permitem que o fluxo de
informações seja contínuo através da sua circulação no ciberespaço.
Inventado pelo escritor William Gibson no seu livro Neuromancer (1984), o termo
ciberespaço é definido como espaço não-físico ou territorial composto por um conjunto de
redes de computadores através das quais todas as informações circulam.
Uma alucinação coletiva, sentida diariamente por bilhões de operadores
profissionais em todas as nações (...) uma representação gráfica de dados
abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano.
Complexidade inimaginável. Linhas de luz estendidas no não-espaço na
mente, aglomerados e constelações de dados (GIBSON, 1984, p.51 apud
KELLNER, 2001, p.394).

Kellner questiona essa definição de ciberespaço:


Essa definição como “alucinação coletiva” é, porém, um tanto enganadora,
pois os fenômenos que agora estão sendo descritos com esse termo são
atuais e reais no presente: são os sistemas de bancos de dados, as
comunicações por mensagem eletrônica e on-line, a televisão por satélite e
os jogos e máquinas que se valem da realidade virtual (2001, p.394).
Lemos (2004, p.130) compara o ciberespaço a um espaço fechado: “como um espaço
hermético, o ciberespaço é um espaço da memória, um espaço imaginário povoado de
imagens, de encruzilhadas, um inner space e, ao mesmo tempo, complementa a definição”.
O ciberespaço é um espaço sem dimensões, um universo de informações
navegável de forma instantânea e reversível. Ele é, dessa forma, um espaço

29
mágico, caracterizado pela ubiqüidade, pelo tempo real e espaço não-físico
(...). É a encarnação tecnológica do velho sonho de criação de um mundo
paralelo, de uma memória coletiva, do imaginário, dos mitos e símbolos que
perseguem o homem desde os tempos ancestrais (2004, p.128).

Lévy (1999) define o ciberespaço com o espaço de comunicação aberto pela


interconexão mundial dos computadores e das suas memórias.
Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí
incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida
em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou
destinadas à digitalização (...). Esse novo meio tem a vocação de colocar em
sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação, de
gravação, de comunicação e de simulação (1999, p.92-93).

Para Santaella,
[O ciberespaço] se refere a um sistema de comunicação eletrônica global
que reúne os humanos e os computadores em uma relação simbiótica que
cresce graças à comunicação interativa. Trata-se, portanto, de um espaço
informacional, no qual os dados são configurados de tal modo que o usuário
pode acessar, movimentar e trocar informações com um incontável números
de usuários (SANTAELLA, 2004 apud OIKAWA e PINTO, 2006, p.34).

Com a apresentação desses diversos conceitos, podem-se identificar duas das


principais funções do ciberespaço:
• Acesso à memória de um computador distante, ao conteúdo dos seus
bancos de dados e aos seus diversos recursos – Por meio do PC, podemos
nos conectar a computadores mais potentes capazes de executar em pouco
tempo o que a nossa máquina poderia levar dias. E, desde que tenhamos
softwares e hardwares necessários, podemos acessar qualquer informação
disponível no ciberespaço como se estivesse acessando nosso próprio
computador.
• Transferência de dados ou download/upload - Transferir um arquivo
consiste em copiar um pacote de informações de uma memória digital para
outra, geralmente da Internet para um computador pessoal (download) ou do
computador pessoal para a Internet (upload), sendo possível não apenas ter
acesso aos arquivos da rede, mas alimentá-la também. Entre todos os
arquivos que são possíveis de se copiar à distância e de maneira muito
rápida, estão os programas em si. Foi assim que grande parte dos programas
que otimizam a comunicação entre computadores e a pesquisa de
informações no ciberespaço se disseminaram (OIKAWA e PINTO, 2006,
p.35).

Vale salientar que o ciberespaço é considerado um meio de passagem entre a


sociedade industrial e a pós. Isso se deve ao fato de que o espaço e o tempo eram concretos,
maiores devido à produtividade, à alienação do homem em relação à máquina. O ciberespaço
é um espaço de passagem entre o individual e o coletivo (indivíduo conectado a redes,
comunidades virtuais, tribalismo), participante do fluxo de informações do mundo
contemporâneo.
30
O espaço do coletivo relembra os ritos de agregação. O fator determinante para a
realização dos ritos de passagem é a tela do computador, a qual permite transcender do
individual para o coletivo. Lemos (2004) constata esse rito de passagem e essa interação
indivíduo-objeto.
A tela é a fronteira entre o individual e o coletivo, entre o orgânico e o
artificial, entre o corpo e o espírito. O ciberespaço é o espaço simbólico onde
se realizam, todos os dias, ritos de passagem do espaço físico e analógico ao
espaço digital sem fronteiras. Conectar-se ao ciberespaço significa ainda
mesmo que, simbolicamente, a passagem da modernidade (onde o espaço é
esculpido pelo tempo) à pós-modernidade (onde o tempo comprime o
espaço) de um social marcado pelo indivíduo autônomo (2004, p.132).

Uma das características do ciberespaço é a livre circulação de informações. Assim,


Pierre Lévy infere que o ciberespaço pode ser um receptáculo da inteligência coletiva. Lemos
(2004) constatou que as novas tecnologias do ciberespaço são facilitadoras do saber.

As novas tecnologias do ciberespaço podem, verdadeiramente, ajudar a criar


a circulação do saber (inteligência coletiva). Para sustentar essa hipótese,
Pierre Lévy mostra que depois da terra (espaço do mito e do rito, marcado
por uma ligação completa do homem ao cosmos), do território (produto da
revolução neolítica), do comércio (espaço do trabalho e da velocidade
instaurado no século XVI com as grandes navegações e a globalização dos
mercados com os fluxos de matéria-prima), o ciberespaço seria o formador
de um quarto espaço, um espaço do saber. Estes espaços não são
excludentes, uma vez que estão interligados entre si (2004, p.135).

O ciberespaço é ainda um meio de livre circulação de idéias, o que proporciona aos


usuários uma maior troca de experiências e de conhecimento.

O ciberespaço é um ambiente de circulação de discussões pluralistas,


reforçando as possibilidades do conhecimento, que é gerado pela interação
dos vários indivíduos, além de intercambiar a troca de experiência e o fluxo
de informações entre os usuários, gerando a coletivização dos saberes
(LEMOS, 2004, p.135).

Em síntese, o ciberespaço é um espaço dinâmico que possibilita a construção contínua


do conhecimento. Não é um saber construído por certo grupo de indivíduos, mas por uma
comunidade. Aliado a isso, ferramentas são utilizadas para a mediação dessas formas de
discussões, como fóruns, chats, listas. Nem todos esses dispositivos são comunitários.
Contudo, as novas tecnologias amenizam o isolamento moderno.

2.4.1 Cibersocialidade

31
A socialidade, para o filósofo Michel Maffesoli (2006), é um conjunto de práticas
cotidianas que escapam ao controle social rígido institucional. É a multiplicidade de
experiências coletivas baseadas no ambiente imaginário, passional do cotidiano. Maffesoli
mostra que há momentos de uma sociedade que vai expor uma determinada cultura. O
filósofo toma como exemplo a modernidade. Em outras, como na sociedade contemporânea é
a socialidade. É o não-institucional e o tribal que se sobressai. Assim, a sociedade
contemporânea estabelece que o ser humano aja conforme a situação cotidiana.
Desempenhará papéis, sem ultrapassar os preceitos de uma sociedade racional. Assim, a
socialidade manifestar-se-á em eventos do cotidiano, como agrupamentos urbanos, festas,
rituais.
O termo socialidade foi primeiramente empregado por Maffesoli para definir
os agrupamentos urbanos contemporâneos, festivos e empáticos, baseados
em emoções compartilhadas e em novos tribalismos. Enquanto a
sociabilidade se baseia em agrupamentos que têm a função precisa, objetiva
e racional, a socialidade se estabelece como um politeísmo de valores onde a
pessoa desempenha papéis produzindo máscaras dela mesma, agindo numa
verdadeira teatralidade contemporânea (OIKAWA e PINTO, 2006, p.52).

Maffesoli ressalta que o processo tribal tem influenciado o conjunto das instituições
sociais e é
Em função dos gostos sexuais, das solidariedades de escolas, das relações de
amizade, das preferências filosóficas ou religiosas que vão se constituir as
redes de influência, a camaradagem e outras formas de ajuda mútua das
quais se tratam que constituem o tecido social. “Rede das redes”, (...) onde o
afeto, o sentimento, a emoção sob diversas modulações têm um papel
fundamental (MAFFESOLI, 2006, p. 14).

Salienta-se que a modernidade sempre quis alcançar a perfeição através da


racionalidade instrumental. Para tal, ela buscava domesticar ou aniquilar as “escórias” da
vida, como as emoções, as crenças. Já a contemporaneidade será marcada pelo imaginário
social e pela existência de tribos (homem multicultural).
Embora a técnica iniba as manifestações culturais, ela vai ser a agente facilitadora
dessas ações. Esse processo é o que se chama de apropriação social da técnica. O ciberespaço,
portanto, é o facilitador de ações sociais através das comunidades, sites e outras agregações
eletrônicas.
Segundo Lemos, Maffesoli analisa as tribos através de “redes de redes” - a realidade é
formada por cruzamentos, adesões sucessivas de pessoas-, componentes sociais e faz um
contraponto com a socialidade e isolamento moderno.
O fato de ser solitários não significa viver isolados (...) A rede de redes não
envia mais a um espaço onde os diversos elementos adicionam, se

32
justapõem, onde as atividades se ordenam conforme uma lógica da
separação, mas, antes de tudo, a um espaço onde tudo se conjuga, se
multiplica formando figuras caleidoscópicas de contornos diversificados (...).
A rede de redes apresenta-se como uma arquitetura que só vale pelos
elementos que a compõem (2004, p.142).

A cibercultura é um meio que rompe barreiras geográficas, uma vez que comunidades
diversas podem interagir na Internet. Não existe aquele homem com uma identidade cultural
única, visto que é absorvido por uma cultura planetária, conforme afirma André Lemos.
Assim, o sentimento de aderência é muito marcante, visto que o indivíduo pode navegar de
um lugar a outro.
Em outras palavras, a internet é um local onde se reúnem pessoas de diferentes credos,
todavia os indivíduos absorvem uma cultura planetária, comum a eles. Pode-se afirmar que a
Internet não promove o isolamento social e sim, a construção de redes comunicacionais
através de fóruns, chats. Enfim, é uma retomada às tribos coletivas da época da revolução
neolítica.

2.5 Comunidades virtuais

Entende-se por comunidades virtuais os agrupamentos humanos que se originam no


ciberespaço por meio da comunicação mediada por computadores. No entanto, esse é um dos
conceitos mais simplórios, visto que envolve mais elementos, como formadores de redes
sociais, permeador de discussões públicas.
Rheingold (1996) foi um dos primeiros teóricos a efetivamente utilizar o termo
“comunidade virtual” para grupos humanos que mantinham relações sociais no ciberespaço.
As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Rede
[Internet], quando uma quantidade suficiente de gente leva adiante essas
discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes
sentimentos humanos, para formar redes de relações pessoais no espaço
cibernético [ciberespaço] (RHEINGOLD, 1996 apud RECUERO, 2001,
p.5).

De acordo com essa definição, deve-se mencionar que as discussões públicas,


encontro e reencontro de pessoas que mantêm contato por meio da Internet, tempo e
sentimento são elementos formadores da comunidade virtual. Com a união desses elementos
no ciberespaço, seriam mantenedores de relações sociais, constituindo-se em comunidades.
O conceito de comunidade virtual conduz à reflexão sobre o conceito de
virtualização. A virtualização progressiva do real é também a sua
progressiva conceptualização através de mais e mais mediadores. Esta
conceptualização permite criar uma imagem do real, uma virtualidade que
passa a assumir o estatuto de realidade (...). A virtualização tem invadido

33
progressivamente a vida quotidiana e é necessário questionar acerca das
conseqüências dessa nova realidade nas práticas e nas identidades sociais
(SILVA, 2004, p.156-157).

Recuero (2001, p.5-6) aponta que Rheingold não menciona o requisito básico na
definição de comunidade: um agrupamento humano dentro de uma determinada base
territorial.
Este se constitui um dos grandes problemas da aplicação do conceito de
comunidade ao ciberespaço, para a definição da comunidade virtual, que foi
logo apontado por diversos pesquisadores: a ausência de uma base territorial,
até então um dos sustentáculos da idéia de comunidade desenvolvida pela
sociologia clássica.

Alguns autores, tais como (Jones, 1997, Weinrich, 1997 apud Recuero, 2001)
questionam essa definição de comunidades sem levar em conta um local específico. Jones,
1997 apud Recuero 2001, p.6 vê dois usos do termo comunidade virtual: o primeiro (virtual
settlement) é a comunidade virtual dos vários grupos via CMC, como e-mails, MSN
Messenger, Orkut. O segundo seria de comunidades criadas através do uso desse suporte de
CMC. Na verdade, Jones tenta distinguir a comunidade virtual do lugar que ela ocupa no
ciberespaço.
Em outras palavras, a comunidade virtual deve possuir uma base no ciberespaço, um
lugar público onde a maior parte da interação aconteça. O lócus pode ser abstrato, mas é
limitado. Para tal, Jones (1997) caracteriza os requisitos básicos para o virtual settlement.

(1) nível mínimo de interatividade, que, para Jones, trata-se da extensão em


que essas mensagens em uma seqüência têm relação entre si e,
especialmente, como as mensagens posteriores têm relação com as
anteriores. É a expressão da extensão de uma série de trocas comunicativas;
(2) uma variedade de comunicadores, que é condição associada à primeira
característica da interatividade; (3) um espaço público comum onde uma
porção significativa do grupo do CMC ocorre, onde ele coloca o espaço
público como um fator importante na existência da comunidade virtual, e
diferencia o espaço público, onde está a comunidade, do espaço privado,
onde ocorrem as trocas de mensagem individuais; (4) um nível mínimo de
associação sustentada, ou ainda, uma quantidade de membros relativamente
constante, necessária para o nível razoável da interatividade exposta pela
primeira característica (JONES, 1997 apud RECUERO, 2001, p.6)
34
Em se tratando de comunidades virtuais, presume-se que há relações de interatividade.
A interatividade não é uma característica do meio, mas “a extensão em que as mensagens, em
uma seqüência, relacionam-se umas com as outras, especialmente na extensão em que as
mensagens posteriores têm relação com as anteriores” (JONES, 1997 apud RECUERO, 2001,
p.7).
Segundo Primo (1998) há dois tipos de interação no ciberespaço: mútua e reativa. A
primeira consiste na forma negociada, que acontece entre agentes, de forma aberta, possuem
fluxo dinâmico e a relação se dá através da construção negociada. Ex: salas de bate-papo,
Orkut. Já a reativa dá-se em um sistema fechado em um processo de estímulo e resposta, com
fluxo linear e determinado, relação causal e objetiva.
O teórico Wellman contrapõe os conceitos de comunidade virtual citados, explicando
que a comunidade virtual não seria uma nova forma de sociabilização, mas simplesmente a
comunidade tradicional transposta para um novo suporte para manter os laços sociais.
[A] CMC é apenas uma das muitas tecnologias utilizadas pelas pessoas
através das quais as redes de comunidades existentes comunicam-se. Essa
crítica fundamenta-se no fato de que grandes partes das comunidades
virtuais que sobrevivem no tempo trazem os laços do plano do ciberespaço
para o plano concreto, promovendo encontros entre seus membros
(WELLMAN, 1999 apud RECUERO, 2001, p.9).

Então, pode-se considerar que as comunidades virtuais são prolongamentos das


relações sociais no ciberespaço. Ou seja, “são formas diferentes das comunidades físicas, com
leis e dinâmicas específicas, que interagem com outras formas de comunidade” (CASTELLS,
2007, p.444).
Wellman demonstrou que surgiu nas sociedades avançadas é denominado
“comunidades pessoais”: a rede social do indivíduo de laços interpessoais
informais, que vão de meia dúzia de amigos íntimos a centenas de laços mais
fracos (...). Tanto as comunidades de grupo quanto as comunidades pessoais
funcionam tanto on-line quanto off-line (Ibid).

Castells (2007, p.446) complementa com outra idéia de Wellman de que as


comunidades virtuais reforçam a tendência de “privatização de sociabilidade’, isto é, a
reconstrução das redes sociais ao redor do indivíduo, o desenvolvimento de comunidades
pessoais, tanto fisicamente quanto on-line. Os vínculos cibernéticos oferecem a oportunidade
de vínculos sociais para pessoas que, caso contrário, viveriam de forma mais limitada
socialmente, pois seus vínculos estão cada vez mais espacialmente dispersos.
No entender de Lévy,

35
Afinidades, alianças intelectuais, até mesmo amizades podem desenvolver-se
nos grupos de discussão, exatamente como entre pessoas que se encontram
regularmente para conversar. Para seus participantes, os outros membros das
comunidades virtuais, suas zonas de competências, suas eventuais tomadas
de posição obviamente deixam transparecer suas personalidades (1999, p.
128).

O filósofo francês ainda afirma que a cibercultura é a expressão da aspiração de


construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre
relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de
centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a
aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração.
Uma das provas dessa construção social por meio da cibercultura é o site de
relacionamento Orkut, o qual agrega mais de 60 milhões de usuários, sendo que cerca de 55%
deles são brasileiros. O próximo item abordará sobre o Orkut como objeto de estudo para a
monografia e explicará as hipóteses da invasão brasileira.

2.6 Orkut como objeto de estudo

Em 24 de janeiro de 2004, o engenheiro turco do Google Orkut Büyükkokten criou o


site de relacionamentos Orkut. O sistema permite a criação de laços sociais com pessoas de
diferentes faixas etárias e nacionalidades. Antes, para que se tornasse membro do Orkut, era
necessário que o novo usuário fosse convidado por um associado. Desde 2006, basta o usuário
acessar o link localizado na página inicial.
Assim que entrar no site, o usuário deve preencher um formulário contendo
características desde cor dos olhos até preferências de par romântico, incluindo até mesmo o
direito de tornar público os seus sonhos de consumo. Para tal, o usuário deve preencher a
wishlist (lista de desejos) com o site onde pode ser encontrado. Além disso, o novo membro
adicionará amigos virtuais, que podem aceitar ou recusar o convite. Dessa maneira, estará
conectado com mais de 69 milhões de usuários com idade por meio de threads ou teias, às
quais estão inseridos amigos dos amigos. Estima-se que mais de 61% tenham idade entre 18 e
25 anos.

36
Tabela 1- Gráfico indica faixa etária de usuários do Orkut. Disponível em
<http://www.orkut.com/MembersAll.aspx>. Acesso em 08/02/2008.

Tabela 2- Estatística mostra que a maioria não informa estado civil nos perfis, independente de gênero.
Disponível em <http://www.orkut.com/MembersAll.aspx>. Acesso em 08/02/2008.

Vale ressaltar que uma das possibilidades do Orkut é a de que o usuário pode julgar os
amigos, levando em conta três características: confiável, legal e sexy, simbolizados por
smileys, cubos de gelo e corações, respectivamente. O Orkut permite que sejam escritos
scraps (recados) e testemoniais (depoimentos), os quais também devem ser aprovados ou não.
Muitos membros aproveitam dessa propriedade para escrever sobre assuntos confidenciais,
que, certamente, serão deletados após a leitura. Uma das novidades de 2007 é que o usuário
pode parcialmente controlar sua privacidade, isto é, determinar quem pode ver seu álbum de
recados, fotos ou vídeo na guia Configurações, no tópico Privacidade, ele poderá escolher se
apenas os amigos ou todos poderão ter acesso às informações contidas no perfil.
Outro serviço disponibilizado é o birthday reminder, o qual mostra os aniversários dos
amigos adicionados. Uma das novidades é que o site mostra atualizações dos amigos no perfil
(profile) do usuário. É permitido que o usuário possa omitir essas informações.
O Orkut também disponibiliza um álbum com capacidade para 100 fotos com até 5
MB (megabytes) cada. O usuário também pode dividir as fotos em “sub-albuns”, o que
permite uma melhor organização.

37
Uma das inovações do Orkut é a integração entre os sites Google Vídeo e o You
Tube16, na qual possibilita que os usuários copiem e as URLs dos vídeos favoritos para a
página do perfil. “Desde fevereiro de 2007, estima-se que mais de 300 milhões de vídeos
foram “baixados” para os perfis” (SCHWARTZ, 2008. Disponível em
http://en.blog.orkut.com. Acesso em 25 de jan. 2008).
Em se tratando de comunidades, especula-se que um dos principais intuitos dos
internautas é entrar em comunidades para participar de discussões simplesmente ou adicionar
com o propósito de mostrar preferências, como Eu adoro azul17 ou expressar características
psicológicas, como Eu sou de lua18.

Tabela 3 – Motivos pelos quais os usuários procuram o Orkut. Disponível em


<http://www.orkut.com/MembersAll.aspx>. Acesso em 08/02/2008.

Fontanella e Prysthon (2005) afirmam que muitas comunidades são criadas também
com o objetivo de discutir frivolidades.
O Orkut apresenta uma tendência bem familiar àqueles que lidam com as
teorias sobre a pós-modernidade: a grande maioria das comunidades dedica-
se principalmente a discutir frivolidades, ou que se poderia chamar de
cultura inútil. Todas essas frivolidades, além de terem uma estreita relação
com um tipo de compartilhamento de referências que acaba por instituir
vários sistemas de “modas culturais”, estão intrinsecamente associadas a um
tipo de experiência estética que parece querer o tempo inteiro afirmar o
fascínio da banalidade (2005, p.4).

No entanto, há comunidades que discutem assuntos considerados sérios, como


Cibercultura, Estudos Culturais, Jornalismo Político; outras destinadas a ofertas de empregos,
como Trabalho para Jornalistas e guias bem-humorados da profissão, como Qual a

16
Fundado em 2005, o You Tube (http://www.youtube.com) é um site que permite aos usuários a postagem de
vídeos, disponibilizando-os para outros internautas. Vídeos caseiros, clipes, trechos de programas televisivos,
tudo é matéria-prima do site. Verdadeiras raridades do audiovisual podem ser encontradas, como cenas da antiga
série de televisão Sítio do Pica-Pau Amarelo, um comercial de cereal de 1964 com jingle dos Rolling Stones e
uma entrevista antológica com a escritora brasileira Clarice Lispector (VERUNSCHK, 2007. Disponível em
<http://www.itaucultural.com.br/impresso.cfm?materia=7>. Acesso em: 19/11/2007).
17
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=380322. Acesso em 25 de jan.2008.
18
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=233919. Acesso em 25 de jan.2008.

38
19
importância do evento? . Seu funcionamento é elucidado na descrição da página da
comunidade:
Você, jornalista, foca20 ou veterano, seus problemas acabaram!!! Com esse
guia, o mais completo da atualidade, você vai poder fazer qualquer entrevista
de polícia à economia sem passar aperto!!! ... Confira as versões prontas
(Disponível em <http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=340786>.
Acesso em 25 de jan. 2008).

Em síntese, ao passo que o internauta ingressa nos variados tipos de comunidade, ele
constrói o perfil no Orkut. Deve-se destacar que, muitas vezes, as informações podem ser
falsas. Isso pode ser provado pela quantidade de inúmeros fakes (perfis falsos). Eles são mais
facilmente perceptíveis quando são utilizadas fotos de celebridades, personagens de novela ou
de desenho animado. Segundo França Camarão (2005) apud Oikawa e Pinto (2006, p.49),
esse tipo de situação é facilitada no ciberespaço porque não há a necessidade do contato
físico, permitindo que a pessoa assuma diferentes papéis na relação mediada. A imaterialidade
do ciberespaço nos oferece as multipossibilidades de existência ao mesmo tempo em que nos
liga ao outro.
Apesar de o Orkut fornecer ferramentas para a denúncia, é impossível estabelecer se
realmente os dados fornecidos pelo usuário são realmente verdadeiros. Outra utilidade do
Orkut é que o internauta pode pesquisar perfis de amigos de infância, parentes que moram em
outra cidade. Para tais esclarecimentos, basta deixar um recado na página de scraps.
Essa é a grande graça do Orkut. Poder vasculhar as próprias memórias
sentimentais, através daquelas fotos e – por curiosidade, voyeurismo ou
algum prazer mórbido – procurar saber como determinada pessoa está, se
casou, se não casou, se mudou de lugar, se gosta das mesmas coisas, se é
amiga dos mesmos de antes, se pode ser contatada... E – se for contatada
(nem que seja para se dizer um “olá!”) – que entenda a minha necessidade
básica de cutucá-la para simplesmente proclamar “olha, eu ainda existo”.
Pois talvez toda comunicação se resuma ao desejo de manifestar que ainda
estamos vivos – ou tentando sobreviver ao tempo que passa... (BORGES,
2004. Disponível em
<http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo1427>.
Acesso em 27 de jan. 2008).

Embora o Orkut seja um meio potencializador da sociabilidade no ciberespaço, há a


existência de várias comunidades racistas, homofóbicas, pedófilas e que pregam pureza de
raças. Um exemplo disso é a comunidade “Eu odeio nordestinos21”, o qual argumenta que os

19
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=3407863. Acesso em 25 de jan. 2008.
20
Denominação usada para designar estudantes de Jornalismo.
21
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=44430512. Acesso em 25 de jan.2008.

39
nordestinos são um povo burro e que depende de 36 reais do programa Bolsa Família, do
Governo Federal. Oikawa e Silva Pinto fazem observação sobre esses tipos de comunidades.

Não significa, no entanto, dizer que no Orkut não existem regras. O Orkut,
assim como várias comunidades virtuais, possuem suas regras próprias, as
chamadas netiquetas, mas possuem valores diferentes daquelas que temos de
cumprir socialmente no dia-a-dia. Podemos até denunciar no Orkut as
comunidades racistas, pedófilas ou que preguem a violência contra grupos
raciais. Estes, por sua vez, podem até ser retirados do site, mas são poucos os
casos em que os integrantes sofrem as conseqüências penais dessa infração.
Além disso, na Internet, as pessoas sentem-se livres para tomar certas
atitudes que, no mundo off line, seria condenado pela sociedade (2006, p.72).

Vale salientar que, em aspectos técnicos, o Orkut não é um programa em versão final.
Aspectos, como termos de privacidade, política do site, até mesmo o próprio layout são
constantemente modificados.
To be fair, Orkut is not a finished product (it is officially in "beta" phase,
although there is no explicit timeline for when it might graduate to being an
official version) (…). Changes have been made to the site that appear to be
driven by user feedback, such as allowing moderators to disallow
anonymous posts in communities to combat trolling and flaming (…). From
their actions so far, it seems as if Orkut administrators want to create a
faithful representation of how people interact in the "real world", but have
discovered that Murphy's Law also applies to social networking sites: even
under the most rigorously controlled conditions, the organism does as it
damn well pleases22 (HEMPELL, 2004. Disponível em
<http://www.anthonyhempell.com/papers/orkut/>. Acesso em 27 de jan.
2008).

2.6.1 Brazilian Invasion: Hegemonia brasileira no Orkut

As primeiras conexões da Internet no Brasil foram estabelecidas em 1987, quando a


Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Laboratório Nacional
de Comunicação Científica (LNCC) conectaram-se a instituições de pesquisa
estadounidenses.
Entretanto, apenas em 1995, o uso público e comercial da Internet foi regulamentado
no Brasil. Um estudo do Nielsen/Netratings revelou que os brasileiros obtiveram maior tempo
de permanência na Internet, chegando a superar as mídias japonesa e estadounidense por mais
de uma e duas horas respectivamente. Fragoso aponta que os aplicativos de comunicação
22
Para ser justo, Orkut não é um produto completamente finalizado (está oficialmente na fase “beta”, embora
não haja exatidão quando terá uma versão oficial). Modificações têm sido feitas e que parecem ser conduzidas
por sugestões do usuário, tais como permitir que moderadores proíbam postagens anônimas em comunidades
para combater investigações e brigas. Das providências tomadas até agora, parece que os administradores do
Orkut querem criar uma representação fiel de que como as pessoas interagem no “mundo real”, mas descobriram
que a Lei de Murphy se aplica aos sites de relacionamento: até sobre as condições mais severas, o organismo é
claramente determinado por ela.

40
interpessoal em suas três modalidades (um-a-um, um-a-todos ou todos-a-todos) são os
responsáveis por esse resultado23.
A popularidade dos comunicadores instantâneos (MSN Messenger e ICQ),
dos blogs e fotologs, dos sites das operadoras de telefonia móvel e das salas
de bate-papo no Brasil é interpretada como um sinal de que os brasileiros se
interessam mais pelo potencial da Internet como ferramenta de
relacionamento do que como meio de distribuição de conteúdo
(MAGALHÃES, 2005, s.p apud FRAGOSO, 2006, p.2).

Fragoso (2006) ainda comprova que a longa duração on-line e a concentração de


usuários em sistemas de comunicação sincrônica, como blogs, fotologs e os serviços de rede
social são os motivos para ocorrer o Brazilian Internet Phenomena, categoria específica de
Internet memes, os quais são ocorrências em que a popularidade relativamente desconhecida
cresce geométrica ou exponencialmente graças à propagação de conteúdo pela Internet. Eles
geralmente iniciam e têm duração relativamente breve. Isso pôde ser comprovado, sem
nenhuma razão evidente que o número de usuários brasileiros do fotolog
(http://www.fotolog.net) ultrapassou o estadounidense24.
Àquela altura, uma desavença cultural sobre o modo ‘correto’ de utilizar o
fotolog já estava em curso: enquanto a maioria dos usuários estadounidenses
do fotolog eram retratados como “fotógrafos amadores intelectualizados, que
publicam fotografia séria”, dizia-se que a maioria dos floggers brasileiros
eram garotas adolescentes “publicando imagens feitas com webcams
retratando a si mesmas, seus amigos, seus animais de estimação e quetais”
(KAHNEY, 2003, s.p apud FRAGOSO, 2006, p.2).

Ela conclui que softwares de rede social são particularmente suscetíveis a este tipo de
acontecimento. De fato, um dos maiores e provavelmente o mais amplamente conhecido
Brazilian Internet Phenomena foi a invasão do serviço de rede social Orkut, que remonta aos
primeiros dias, em 2004.
A invasão dos brasileiros no Orkut, obviamente, gerou muita polêmica e proporcionou
o surgimento de rixas entre brasileiros e americanos. Isso pode ser ratificado pelo grande
número de comunidades estadounidenses, como Eu odeio os Estados Unidos, USA sucks e
antibrasileiras, como Brazilians, The Plague.

23
Segundo dados do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (Cetic), no
quarto trimestre de 2006, 211,1 milhões de pessoas (com dois anos de idade ou mais) tinham acesso à Internet
nos Estados Unidos. No Brasil, no mesmo período, esse número chegou a 22,1 milhões de pessoas. O perfil do
usuário brasileiro da internet é 60% homens, faixa etária dominante de 16 a 24 anos, 88% têm curso superior
completo ou pós-graduação, 75% utilizam e-mail, 35% chat, 53% serviços de mensagem instantânea, 38% web-
rádio e 36% conteúdo audiovisual (VERUNSCHK, 2007. Disponível em
<http://www.itaucultural.com/impressao.cfm?materia=7>. Acesso em 19/11/2007).
24
O tempo médio por usuário doméstico em junho de 2005 no Brasil foi estimado em 16h54min, contra 15h35
min no Japão e 14h46min nos EUA. Os outros países considerados na mesma pesquisa e que obtiveram médias
inferiores às aqui reproduzidas foram Austrália, França, Alemanha, Itália, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido
(Ibope/Netratings, 2006 apud FRAGOSO, 2006, p.2)

41
Tabela 4- Dados de fevereiro de 2008 comprovam que o Brasil ainda mantém a hegemonia no Orkut.
Disponível em <http://www.orkut.com/MembersAll.aspx>. Acesso em 08/02/2008.

A partir de então, inúmeras hipóteses foram divulgadas para explicar a causa da


hegemonia brasileira. Em seu artigo Top Ten Reasons, publicado no Orkut News em fevereiro
de 2005, Jonas da Silva enumera dez explicações para tal. Uma delas baseia-se no
temperamento extrovertido do brasileiro.
We are really a fun and different people. We think it’s cool to be in more
than a hundred communities (even though we don’t post or read the topics).
For us it’s cool to leave a message to a friend in his scrap hours before we’re
meeting him at a party. It’s also fun to be part of strange communities that
somewhat tell truths about ourselves (like “I hate … or “I love…”). We use
communities to improve our profile. We also like to be original, so we want
to create original communities to say original and different stuff25 (SILVA,
2005. Disponível em <http://media.orkut.com/articles/r0109.html>. Acesso
em 26 de jan. 2008).

25
Nós somos mesmo divertidos e originais. Achamos legal estar em mais de cem comunidades (apesar de não
postarmos ou lermos os tópicos). É também legal deixar mensagem para um amigo horas depois de nos
encontrarmos com ele em uma festa. É também divertido fazer parte de comunidades estranhas que, de alguma
forma, mostra quem realmente somos (como “Eu odeio”... ou “Eu amo”). Utilizamos comunidades para
incrementar nossos perfis. Então queremos criar comunidades originais para dizer coisas originais (Tradução da
autora).

42
Outra é o orgulho de ser brasileiro e os argumentos de como o Orkut é melhor com a
predominância desse povo latino-americano.
At last, we make Orkut much more fun and different. We like it that way.
We love to shake stuff a bit and bring some warmth and “real stuff” to this
virtual community. But we’re a nice and friendly people and we’re not
afraid, like most other Orkut users, to interact and exchange experiences
with everybody else, no matter what country26 (Ibid).

Já no artigo Brazilians in orkut nº 2, publicado também em fevereiro de 2005, Rafael


Torres relata a hostilidade com que os estadounidenses e os britânicos tratam os brasileiros.
Some folks think that this "Brazilian piracy" in Orkut is a menace for them,
that we're lazy, and we can't do anything useful. Some guys think this way
even without Orkut, only listening to what others say about Brazil and their
citizens. Then they are invited to join Orkut, and what do they see? More
that half of the Orkut fellows are Brazilians, talk Portuguese, and so on. So
they want to say to the planet how do they feel about us: we're rude and don't
respect the communities' laws, and that we're hateful people. They talk about
us like they've spent their whole life living among Brazilians, watching and
learning our culture with us27 (TORRES, 2005. Disponível em
<http://media.orkut.com/articles/0100.html>. Acesso em 26/01/08).

O autor ainda desabafa que essa repulsa, na verdade, é um tipo de racismo pelo fato de
o idioma ser o português e de vivermos abaixo das fronteiras mexicanas.
To make things worse, there are some Brazilians that get really mad, and
flood these communities with pointless messages, write dozens of scrapbook
texts in some foreigners' profiles because of what they think, and they begin
a war. Not like the war in Palestine, with guns and missiles, but with
offensive and needless words28 (Ibid).

Para finalizar, Torres conclui que “Brazilian identity cannot be based on the behavior
of a few guys, just like the identity of the foreigners cannot be made because of the behavior

26
Por último, fazemos o Orkut muito mais divertido e diferente. Gostamos dele dessa forma. Adoramos agitar e
trazer calor humano e “coisas reais” para essa comunidade virtual. No entanto, somos pessoas simpáticas e
amigáveis e não tememos, como outros usuários, interagir e trocar experiências como todo mundo, não importa
de que país seja (Tradução da autora).
27
Alguns colegas pensam que esta “Pirataria Brasileira” no Orkut é uma ameaça para eles, que somos
preguiçosos e não fazemos nada de útil. Alguns pensam dessa forma mesmo sem ter Orkut e apenas escutando o
que dizem sobre o Brasil e seus cidadãos. Em seguida, são convidados a acessar o Orkut e o que eles pensam?
Mais da metade dos colegas de Orkut é brasileira, conversam em português, etc. Então, querem dizer ao planeta
como se sentem: somos ignorantes, não respeitamos as regras e somos detestáveis. Falam de nós como tivessem
passado a vida inteira convivendo com brasileiros, observando e absorvendo nossa cultura (Tradução da autora).
28
Para piorar a situação, há alguns brasileiros que ficam loucos e entopem essas comunidades com mensagens
sem sentido, com dezenas de recados em perfis de estrangeiros por causa das suas opiniões e provocam uma
guerra, não comparada à guerra da Palestina, com armas e mísseis, mas com palavras ofensivas e desnecessárias
(Tradução da autora).

43
of a few. Be open-minded and respect others, and ignore the flooders and guys who can't
respect the "laws." They just want to draw attention to themselves, so if you don't give them
any, they'll give up. And if you already respect the Brazilians, thank you29”(Ibid).
A pesquisadora Suely Fragoso utilizou os trabalhos do antropólogo Roberto da Matta
como peças-chave para levantar hipóteses e embasar explicações sobre o Brazilian Orkut
Phenomena. Em seu estudo, constatou que as manifestações agressivas dos brasileiros
permitiram perceber, no entanto, que o alvo da violência não é os EUA, mas a língua inglesa.
É evidente que mesmo entre esses 15% [do total de pessoas capazes de se
comunicar em inglês] há variações no sentido de compreender o inglês
falado e ler, falar e escrever em inglês mais ou menos bem. Os brasileiros,
em sua maioria, conhecem muito pouco a língua inglesa. Diferentemente do
que muitos estrangeiros imaginam o inglês não é amplamente utilizado no
Brasil (nem, possivelmente, na maior parte dos países da América do Sul)
(2006, p.12).

Fragoso (2006, p.12) ainda comenta “uma vez que noções básicas de língua inglesa
são normalmente ensinadas na escola brasileira, dado que os usuários da Internet no Brasil
pertencem às famílias de maior e detêm os mais altos níveis de escolaridade, não surpreende
que a maioria dos usuários brasileiros do Orkut seja capaz de ler as interfaces e algumas
mensagens escritas em inglês”. Para argumentar esse pressuposto, Bauman esclarece como se
dá esse processo de deslocamento.
Estar total ou parcialmente “deslocado” em toda parte, não estar totalmente
em lugar algum (ou seja, sem restrições e embargos, sem que alguns
aspectos da pessoa “se sobressaiam” e sejam vistos por outras como
estranhos) pode ser uma experiência desconfortável (...). Sempre há alguma
coisa a explicar, desculpar, esconder, ou pelo contrário, corajosamente
ostentar, negociar, oferecer e barganhar. Há diferenças a serem atenuadas ou
desculpadas ou, pelo contrário, ressaltadas e tornadas mais claras. As
“identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras
infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta
constante para defender as primeiras em relação às últimas (2005, p.19 apud
FRAGOSO, 2006, p.13).

Ao reforçar a idéia de que as regras do Orkut são universais e que o inglês é o idioma
padrão a comunicação nesse SRS é “recusar-se a conceder a distinção de ‘familiaridade’ com
que cada usuário está acostumado: trata-se, afinal, dos brasileiros de maior renda e
escolaridade, por pressuposto, na esfera nacional, os mais bem relacionados” (2006, p.15).
Fragoso finaliza com a idéia de que “a aplicação dessas normas pode funcionar para os
brasileiros como um eufemismo para a negativa ou como um modo de informar ao outro de
29
A identidade brasileira não pode ser baseada no comportamento de algumas pessoas, só como a dos
estrangeiros não pode ser interpretada pelo comportamento de alguns. Ter a mente aberta, respeitar os outros e
ignorar os “entupidores” que não podem respeitar as leis. Querem chamar a atenção para eles próprios. Se você
não ligar, eles desistirão. E se respeita os brasileiros, obrigado (Tradução da autora).

44
sua condição de anonimato e inferioridade”. Isto porque, no Brasil, “o que sempre se espera
em qualquer situação de conflito ou disputa é o ritual do reconhecimento que humaniza e
personaliza as situações formais, ajudando a todos a hierarquizar as pessoas implicadas na
situação” (DA MATTA, 1985, p.87, ênfase adicionada apud Ibid).
Da Matta relaciona o comportamento negativo dos brasileiros em relação à rua e às
coisas impessoais que nela se encontram.
A rua é local de indesejável individualização, de luta e de malandragem.
Zona onde cada um deve zelar por si (...) [pois] não se pode mais utilizar
como moldura moral a vertente relacional e hierarquizante de nossa
constelação de valores. Mas falar que ‘cada um por si’ equivale a abrir ao de
um controle social rígido que de certo modo garante a pacificação dos
ânimos e provê a ordem das coisas (DA MATTA, 1985, p.61 apud
FRAGOSO, 2006, p.16).

A citação do antropólogo comprova, de acordo com Fragoso, que, numa cultura em


que o individualismo e a igualdade de direitos e deveres são vistos como valores negativos,
qualquer lugar público, como o Orkut, é ‘terra de ninguém’, onde comportamentos que seriam
impensáveis no território doméstico podem passar a ser, senão adequados, pelo menos
aceitáveis.
Presume-se que existe entre os brasileiros uma pré-disposição para a agressividade no
ambiente público do Orkut, que se vê acentuada pela emergência de um nacionalismo étnico,
como visto, responde a uma sensação de alienação ou exclusão e injustiça típica das zonas de
intercâmbio cultural.

2.7 Memes e sua relação com o Orkut

Memes significam idéias. Designado pelo biólogo evolucionista Richard Dawkins em


seu livro O Gene Egoísta (1976), surgiu para fazer analogia com o termo gene, unidade de
hereditariedade. De acordo com Varela (2007), o termo remete à noção de genismo que os
seres vivos como “máquinas perpetuadoras de genes”. No meme, a perpetuação das idéias e
elas se propagam “pulando de cérebro pra cérebro”.

Se Dawkins está certo então tudo que você aprendeu por imitação de alguém
um meme. Isso inclui todas as palavras no seu vocabulário, as estórias que
você conhece, as habilidades e hábitos que você tomou de outras pessoas e
os jogos que você gosta de jogar. Isso inclui as canções que você canta e as
regras que você obedece (BLACKMORE, 2005 apud VARELA, 2007, p.4).

45
Para que haja multiplicação, os memes devem apresentar três características:
fidelidade, fecundidade e longevidade. A primeira designa a capacidade de cópia fiel, a
segunda, habilidade de se reproduzir e a última, ultrapassar fronteiras. Os memes podem ser
classificados quanto à forma e à função. O primeiro engloba aqueles do tipo emoticons,
onomatopéias e figuras.
Os emoticons são elementos de linguagem não-verbal com o objetivo de suprir a falta
de elementos característicos da comunicação interpessoal, como o meme , o qual mostra
sorriso ou satisfação. Já as onomatopéias são representações escritas dos sons e emoções e as
figuras podem ser entendidas como memes coloridos e gráficos que chamam a atenção dos
usuários porque demonstram sentimentos.
Muito obrigada por você existir na minha vida!!Você me ajudou muito
quando eu estava por baixo e nunca vou esquecer o seu apoio!! Saiba
que te considero como se fosse um irmão pra mim..ou melhor: você É
um super irmão, melhor ainda porque a vida te escolheu pra isso e eu
sou muito agradecida por isso, sabia? Todo mundo faz promessa
quando chega essa época, já percebeu?E eu ñ vou ficar por baixo...vou
prometer pra mim mesma nunca deixar a chama da nossa amizade se
apagar!!Espero que faça o msm por mim, viu?Um super beijão, uma
maravilhosa passagem de ano e que tudo que vc queria Deus te ajude a
conseguir...ah, e outra coisa: nunca esqueça de brilhar!!Por vc e pelos
outros tb!!!
(Disponível em <http://www.orkut.com/Scrapbook.aspx?
uid=12243019591129421917&pageSize=&na=3&nst=-
2&nid=12243019591129421917-1199215349-7818544587112012726>.
Acesso em 26 de jan.2008).

Considerando os memes relacionados à função, os memes podem ser classificados


como: Manutenção do lado social - usado para manter “contato social entre os usuários”,
“Para Criar Laço Social” – servem para estabelecer uma relação de contato social, porém,
com outras especificidades, como enviar o recado para ser adicionado na lista de amigos e o
“Para Gerar Reputação”, utilizados com o intuito de chamar a atenção do usuário a quem se
destina a mensagem; pode ser com a intenção de elogiar ou criticar. Um exemplo disso é a
exposição de fotografias no álbum do Orkut, por exemplo. Os memes estão presentes em
inúmeros recados do Orkut e estão inclusos nos recados que transmitem capital social de
diferentes tipos.

2.7.1 Capital Social

46
O conceito de capital social baseia-se nos valores que surgem em um determinado
grupo, isto é, são incorporados tanto pelo coletivo quanto pelo individual. Para tal, é
necessário compreender o conceito de rede social.
Uma rede social é composta por um conjunto de dois elementos: atores e
suas conexões. No Orkut, os atores podem ser compreendidos pelas relações
sociais estabelecidas no site; através dos recados trocados entre esses atores,
por exemplo. Logo, a abordagem de rede social tem seu foco na estrutura
social, onde os indivíduos não podem ser estudados de forma independente
de suas relações. Ou seja, a interação está implicada no processo. E os atores
que fazem parte desse processo podem pertencer a laços fortes ou fracos.
Fortes, os amigos, por exemplo; fracos, se forem colegas ou outras pessoas
que façam parte de relações mais esparsas (WASSERMAN e FAUST, 1994,
DEGENNE e FORSÉ, 1999 apud RECUERO, 2005, p.5).

Vale ressaltar que a definição de capital social é ampla, entretanto devemos ter em
mente como os valores estão sendo determinados por um grupo. “O capital social é, portanto,
um conjunto de recursos, que pode ser encontrado a partir das conexões entre os indivíduos de
um determinado grupo, pois é conteúdo dessas relações” (RECUERO, 2005 apud VARELA,
2007, p.4).
Bertolini e Bravo (2004) apud Varela (2007, p.4) classificam o capital social em dois
níveis. O de primeiro nível leva em conta os valores individuais e o segundo, relaciona aos do
grupo, como, por exemplo, o grupo do qual faz parte um jornalista.
O capital social de primeiro nível é subdividido em: a) Capital social relacional; b)
capital social cognitivo e c) capital social normativo.
Capital social relacional refere-se aos valores repassados aos usuários que são amigos
ou familiares no Orkut. O caráter das mensagens é particular, portanto os memes o são. Já o
do tipo cognitivo tem a ver com as mensagens enviadas a um grande número de usuários,
muitas vezes para todos os “amigos” que fazem parte da lista de uma determinada pessoa. São
os conhecidos spams30, com diversas serventias, desde divulgar listas até sites pornográficos.
O capital do tipo normativo está intrinsecamente direcionado às normas aprendidas
pelos usuários. Recados com letras coloridas ou emoticons são exemplos que comprovam.
Em relação ao capital social de segundo nível, ele pode ser subclassificado em: a)
capital social de confiança no ambiente social e b) capital social institucional. “O capital de
confiança no ambiente geralmente é transmitido para um usuário em específico, ou para um
grupo” (VARELA, 2007, p.5).
Varela (2007) ainda conclui que tais usuários confiam no Orkut como um ambiente
propício para resolver seus problemas sociais. A noção de confiança é abrangente. Pode ser

30
Mensagens eletrônicas não-solicitadas enviadas em massa.

47
pelo fato do emissor pensar que outros usuários não irão ridicularizá-lo por causa disso, ou
mesmo pelo fato de que os usuários em questão confiam no Orkut para expor uma discussão
através de recados.
Por último, o capital social institucional concerne aos valores incorporados pelos
usuários do Orkut. Vale frisar que o site de relacionamento não deve ser visto como
instituição, mas enquanto espaço virtual. O autor citou o Orkut com o intuito de explicar de
maneira didática esse tipo de capital social.
O capítulo seguinte analisará a comunidade Eu leio a Folha de São Paulo. O estudo
será realizado por meio da aplicação de conceitos, como o de identidade cultural de Stuart
Hall, Castells e de tribalismo, do filósofo francês Michel Maffesoli.

Capítulo III – Análise da comunidade Eu leio a Folha de São Paulo

48
O capítulo III procurará analisar a comunidade Eu leio a Folha de São Paulo31 de
forma quantitativa e qualitativa com o intuito de verificar premissas sobre a seguinte
pergunta: Por que lêem a Folha de São Paulo? Além disso, o estudo procurou verificar as
razões da baixa participação dos membros.
A fim de que a análise da comunidade (objeto de estudo) se tornasse completa, fez-se
necessário abordar conceitos, tais como: identidade cultural, sujeito descentralizado,
fragmentação do eu. Portanto, será necessário analisar mais profundamente alguns desses
conceitos, além de conhecer os elementos centrais da história do jornal Folha de São Paulo.

3.1 Elementos da História do Jornal Folha de São Paulo

Fundado em 1921, a Folha de São Paulo é considerada atualmente pelo Instituto


Verificador de Circulação (IVC) o jornal com o maior número de circulação de exemplares:
370.185 no domingo e 299.249 nos dias úteis.
O veículo possui sete cadernos fixos (Brasil, Ciência, Cotidiano, Dinheiro, Esporte,
Ilustrada, Mundo) e os que circulam uma vez na semana, como o Folha Informática,
Equilíbrio, Turismo, Folhinha, destinada às crianças, Folhateen, para os adolescentes. Além
disso, há o suplemento Mais!, que aborda temáticas relacionadas à literatura, sociologia,
filosofia e artes. Folha Veículos, Construção, Empregos, Negócios e Imóveis são os outros
cadernos com tiragem semanal.
Em se tratando da linha editorial, ela prega um jornalismo crítico, apartidário, moderno e
pluralista. O texto sobre a Folha após a redemocratização justifica esse caráter.
O jornal precisa ser apartidário porque a base de leitores é pluripartidária.
Críticas a essa atitude não nos devem impressionar: ao contrário, a
quantidade delas ao longo das campanhas eleitorais será a melhor evidência
de que estaremos desenvolvendo uma atuação de fato crítica e apartidária
(Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/projetos-
1985-1.shtml> . Acesso em 1º de mar.2008).

Aliado a isso, um dos preceitos do projeto Folha consiste em ressaltar que o exercício
da crítica jornalística não é apenas um direito, mas um encargo. Isso pode ser confirmado com
o lançamento do documento Folha depois da campanha Diretas-Já, de junho de 1984.

O documento "A Folha depois da campanha diretas-já ", de junho de 1984,


definia jornalismo moderno como aquele "que se propõe a introduzir, na
discussão pública, temas que até então não tinham ingresso nela", colocando
"em circulação novos enfoques, novas preocupações, novas tendências". O
vulto desse desafio redobra numa sociedade politicamente aberta e que
31
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=743565. Último acesso em 05 de mar. 2008

49
deseja retomar o desenvolvimento. A necessidade de investir no pluralismo,
na preocupação como ser um jornal ágil e moderno, de fornecer informações
precisas e confiáveis ao leitor foi-se tornando evidente e disseminando na
imprensa brasileira. (Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/projetos-1985-1.shtml> .
Acesso em 1º de mar.2008).

3.2 Inovação no Jornalismo On-Line


Na segunda metade da década de 90, o Grupo Folha inovou com a criação da Folha On-
Line, o primeiro jornal digital brasileiro. Com uma equipe de reportagem específica, o site
jornalístico objetiva a criação, produção e desenvolvimento do conteúdo, além de serviços
interativos. Segundo o site institucional, o compromisso é a produção de conteúdo on-line
seguindo os princípios de pluralidade, independência e criticismo estabelecidos pelo Projeto
Folha.

3.3 Manual de Redação


A Folha de São Paulo elaborou um produto com o intuito de traduzir por meio de
regras, normas, os princípios de jornalismo do veículo. Para tal, criou em 1984, o Manual
Geral de Redação. Ele não se preocupava apenas com o uso correto padronização da
linguagem, mas também esclarecia aos jornalistas a linha editorial e o funcionamento da
redação32.
A introdução destaca que as normas do novo manual "apostam na iniciativa e no
discernimento individuais, nas inventividades das soluções em cada caso e na disposição para
manter o jornalismo em aperfeiçoamento constante" (MANUAL DE REDAÇÃO, 2002, p.
11).

3.4 Comunidade no Orkut: Eu leio a Folha de São Paulo


Criada em 14 de novembro de 2004, a comunidade objetiva proporcionar um espaço para
discussões mais relevantes no Orkut. A idéia era a de dar oportunidade às pessoas
comentarem as notícias, pois, para o proprietário da comunidade, o bacharel em Direito e
leitor da Folha de São Paulo Thiago Paiva, o painel do leitor é extremamente restrito quando
comparado ao volume de pessoas que gostariam de comentar as matérias.
Para a Folha, a comunidade no Orkut é uma oportunidade de mídia
alternativa muito interessante, mas acredito que eles ainda não se deram
conta. Não se pode negar que a internet ocupa grande parte do tempo das
pessoas, não estou me referindo apenas às páginas das empresas, mas
32
O Manual de Redação teve uma segunda edição revista e ampliada em 1987. Em 1992, a Folha editou o Novo
Manual de Redação. Em 2001, houve outra reformulação.

50
também aos sites de relacionamento, como o Orkut. Acho que acabei
fazendo esse papel para eles, que, por outro lado, dá também oportunidade às
pessoas de comentarem as notícias (PAIVA, 2008. Depoimento enviado para
o e-mail da autora. Acesso em 01 de mar. 2008).

Atualmente, a comunidade apresenta integrantes com perfis diversos e residentes fora


do estado de São Paulo, área principal de circulação do jornal. Para fazer uma análise da
comunidade, foram lançadas duas enquetes entre os dias 23 de fevereiro e 04 de março de
2008. Foram perguntados33 aos leitores os motivos pelos quais lêem o jornal, bem como a
versão mais lida por eles (Impressa, on-line ou as duas). De um universo (número total) de
2510 participantes, apenas 10 participantes, que possuem, em média, 191 comunidades na
lista de comunidades que integram34, responderam à primeira enquete e cinco responderam à
segunda, um dos fatores que comprova a baixa participação dos membros nas discussões,
diferente de comunidades destinadas a adolescentes, tais como High School Musical35,
Adolescentes36, Manga and Anime37. Supõe-se que esse problema da comunidade Eu leio a
Folha de São Paulo seja devido à falta de tempo dos participantes ou a participação em um
grande número de comunidades, diferente das citadas.
Vale ressaltar que os internautas participantes apresentaram o seguinte perfil (Tabelas
de I a IV): apenas responderam às enquetes integrantes do sexo masculino, com idade na faixa
declarada dos 18 aos 25 anos, predominantemente residentes em São Paulo e com diferentes
profissões, destacando-se a de jornalista38.

Tabela I - Sexo

Sexo
Homem Mulher
100% 0%

33
A enquete ou inquérito foi se constituindo como uma vulgarização “para um público vasto (embora não para o
‘grande público’) de problemas sociológicos, artísticos, científicos ou outros que ultrapassavam a
superficialidade da actualidade diária”. O inquérito esteve no cruzamento dos gêneros jornalísticos informativo e
opinativo. Nesses inquéritos também se evidenciaram os jogos de verdades, expressos nas opiniões emitidas
pelos leitores participantes (CRATO, 1989 apud SILVA, 2007, p.35).
34
Os membros do Orkut, em geral, se filiam a comunidades que se dedicam a discutir um determinado assunto,
como cinema, artes, personagens e uma infinidade de tópicos. Ao aderir a uma dessas comunidades, o internauta,
em geral, amplia o número de contatos virtuais e pode, também, aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto.
35
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=7979138. Acesso em 08 de mar.2008
36
http://www.orkut.com/CommTopics.aspx?cmm=82594. Acesso em 08 de mar.2008.
37
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=751061. Acesso em 08 de mar.2008.
38
Deve-se frisar que essa análise trabalha com dados declarados assumidos como o perfil do internauta, visto que
não há como verificar a autenticidade das informações fornecidas.

51
Tabela II - Idade
Idade
Menos de 18 0%
18 a 25 anos 40%
26 a 40 anos 0%
41 a 60 anos 10%
Acima de 60 0%
Não declararam 50%

Ao verificar os que os internautas afirmaram durante a enquete, percebe-se que a


maior parte dos leitores possui idade entre 18 e 25 anos, o que está de acordo com o perfil do
leitor da versão impressa, como veremos mais adiante.
Tabela III - Estado em que reside

Estado em que reside


Paraná 10%
Rio de Janeiro 10%
São Paulo 40% Tabela IV - Profissão
Outro país 10%

Não declararam 30%

Profissão
Engenheiro Químico 10%
Jornalista 20%
Estudante universitário 10%
Publicitário 10%
Técnico em Processamento 10%
de Dados
Não declararam 40%
Uma das curiosidades
percebidas durante as enquetes foi a predominância da participação masculina, a variedade de

52
profissões e gostos dos perfis pressupostos do Orkut. L1 é bacharel em Direito, gosta da
coluna do jornalista do Clóvis Rossi39 e valoriza as manifestações culturais brasileiras.
Já L2 é engenheiro químico e participa de uma série de comunidades ligadas à
cibercultura, tais como Social Network Analysis, Social Software, William Gibson40.
Fotografia, vanguardas e teorias da comunicação (Escola de Frankfurt) são temas presentes
nas comunidades de L3, além de defender a separação do estado de São Paulo do resto do país
(sic). Em relação à L4, semiótica, pesquisa em comunicação, filosofia da linguagem, análise
do discurso são suas áreas de interesse.
Pode-se entender que L5 é estudante de jornalismo e gosta das telenovelas brasileiras,
principalmente àquelas escritas pelos novelistas Manoel Carlos, Gilberto Braga e Janete Clair.
L6 transmite a preocupação, a importância de que o brasileiro precisa ler mais. L7 expressa
em suas comunidades a opinião de discordar do desarmamento. Cinema, literatura e o gosto
pelos textos do jornalista Diogo Mainardi são temas recorrentes na comunidade do técnico em
processamento de dados L8.
Oposição ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao presidente Lula são pontos em
comum aos participantes L9 e L10. Isso é um fato curioso, visto que uma das características
da Folha de São Paulo, tradicionalmente, é o fato de que era lida por esquerdistas. Já as
pessoas consideradas de direita liam o Estado de São Paulo.
Era nítida a diferença entre os dois jornais, o confronto da linguagem do
Estadão contra aqueles que formulavam discursos mais progressistas (...)
com a linguagem mais neutra ou mais engajada da Folha, com posições de
representações da sociedade em artigos semanais (...). Enquanto a Globo
boicotava o movimento, a Folha era o órgão de comunicação que o defendia.
Conseguir alguma coisa contra a Globo não é fácil, e se conseguiu isso
mesmo perdendo as Diretas-Já. Ficou marcado um momento de profunda
intransigência com a vocação democrática desse povo (DIAS, 2003, p.63).

Um ponto importante é que com a descrição dos participantes da enquete, percebe-se


que diferentes tribos se inscrevem no Orkut.

Ao mesmo tempo, na esfera da proximidade tribal, bem como na esfera da


massa orgânica, é utilizado, cada vez mais, o recurso da “máscara” (no
sentido indicado supra). Quanto mais se avança mascarado, mais se fortalece
o laço comunitário. Com efeito, trata-se de um processo circular: para se
reconhecer é necessário símbolo, isto é, a duplicidade, que engendra o
conhecimento (...). O social repousa na associação racional de indivíduos
39
Jornalista com 40 anos de carreira, trabalhou em três dos quatro grandes jornais do país ("O Estado de
S.Paulo", “Folha” e "JB"). Foi editor-chefe do Estado de S.Paulo, participou de diversas coberturas
internacionais tanto pelo "O Estado de S.Paulo" como pela Folha, pela qual foi correspondente em Buenos Aires
e em Madri. Sua coluna serve como espaço de reflexão da sociedade brasileira com a abordagem de temas
cotidianos, políticos, sociais e econômicos. Escreve de terça-feira a domingo na coluna Opinião.
40
Autor do livro Neuromancer. Ver capítulo 2.

53
que têm uma identidade precisa e uma existência autônoma; a socialidade,
por sua vez, se fundamenta na ambigüidade básica da estruturação simbólica
(MAFFESOLI, 2006, p.163).

3.5 Conceitos básicos de identidade


Castells (1999) afirma que a identidade baseia-se em atributos culturais ou uma série deles
e é influenciada por várias fontes de significado. Assim, ele explica que, para cada indivíduo,
ou um ator social pode haver uma pluralidade de identidades, já que o estabelecimento de
múltiplas identidades é uma contradição da representação do eu e da ação social.
This is because identity must be distinguished from what, traditionally,
sociologists have called roles, and role sets. Their relative weight in
influencing people’s behaviour depends upon negotiations and arrangements
between individuals and these institutions and organizations. Identities are
sources of meaning for the actors themselves, constructed through a process
of individuation41.

Nas palavras de Maffesoli(2006), a pessoa (persona) representa papéis, tanto dentro


de sua atividade profissional quanto no seio das diversas tribos de que participa. Mudando o
seu figurino, ela vai, de acordo com seus gostos (sexuais, culturais, religiosos, amicais)
assumir o seu lugar, a cada dia, nas diversas peças do theatrum mundi.

3.5.1 Identidade e suas concepções

Sabe-se que a construção da identidade leva em conta aspectos históricos, geográficos,


biológicos, instituições produtivas e reprodutivas, da memória coletiva, do imaginário
pessoal, instituições centrais, como família, Estado, bem como preceitos religiosos. No
entanto, Castells (1999, p.7) ressalta que “but individuals, social groups, and societies
processs all these materials, and rearrange their meaning, according to social determinations
and cultural projects that are rooted in their social structure, and in their space/time
framework”42.
Castells (1999, p.8) classifica as identidades em: legitimizadoras, de resistência e de
projeto.
*Legitimizing identity generates a civil society; that is, a set of
organizations and institutions, as well as a series of structured and organized
social actors, which reproduce, albeit sometimes in a conflictive manner, the
identity that rationalizes the sources of structural domination.

41
Isso se deve ao fato de que a identidade deve ser distinguida daquilo que os sociólogos chamam de papéis, e
estabelecimento de papel. O seu relativo peso em influenciar o comportamento depende de negociações e planos
entre indivíduos, essas instituições e organizações. Identidades são fontes de significado para os atores e por
eles, construído por meio de um processo de individualização (Tradução da autora).
42
No entanto, indivíduos, grupos sociais e sociedades processam todos estes materiais, além de replanejar seus
significados, de acordo com determinações sociais e projetos culturais enraizados na estrutura social e no quadro
de espaço-tempo (Tradução da autora).

54
*Resistance identity: generated by those actors who are in
positions/conditions devalued and/or stigmatized by the logic of domination,
thus building trenches of resistance and survival on the basis of principles
different from, or opposed to, those permeating the institutions of society, as
Calhoun proposes when explaining the emergence of identity politics.
*Project identity: when social actors, on the basis of whatever cultural
materials are available to them, build a new identity that redefines their
position in society and, by so doing, seek the transformation of overall social
structure43.

Um dos questionamentos constantes sobre identidade é o contraste dela na


modernidade tardia x identidade na pós-modernidade. Vale ressaltar que a pós-modernidade
prega o fim de algumas identidades centrais, como Estado, Igreja, família. Giddens (1991)
refuta essa questão:
Self-identity is not a distinctive trait possessed by the individual. It is the self
as reflexively understood by the person in terms of her/his biography.
Indeed, to be a human being is to know (…) both what one is doing and why
is one is doing it … In the context of post-traditional order, the self becomes
a reflexive project44 (1991, apud CASTELLS, 1999, p.10).

Giddens (1991) ainda esclarece qual é o impacto da modernidade tardia neste projeto
reflexivo.

One of the distinctive features of modernity is an increasing interconnection


between the two extremes of extensionality and intentionality: globalizing
influences on the one hand and personal dispositions on the other (…). The
more tradition loses its hold, and the more daily life is reconstituted in terms
of the dialectical interplay of the local and the global, the more individuals
are forced to negotiate lifestyle choices among a diversity of options (…).

43
*A identidade legitimadora gera uma sociedade civil que é um conjunto de organizações e instituições, bem
como uma série de atores sociais organizadores e estruturados os quais reproduzem mesmo de maneira
conflituosa, a identidade que nacionaliza as fontes de dominação estrutural.
*Identidade de resistência: gerada por aqueles atores em posição/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas
pela lógica da dominação, logo construindo focos de resistência e de sobrevivência nas bases de princípios
diferentes de ou opostas àquelas presentes nas instituições sociais, como Calhoun propõe quando é explicada a
ascensão da identidade política.
*Identidade de projeto: quando atores sociais, baseados em quaisquer materiais culturais disponíveis,
constroem uma nova identidade que redefine a posição deles na sociedade e, de certa forma, omitir a
transformação de toda a estrutura social (Tradução da autora).
44
A identidade não é característica possuída do indivíduo. É o “eu” reflexivamente compreendido por ele/ela em
relação à biografia. Na verdade, ser humano é saber... O que e por que está fazendo algo... No contexto da ordem
pós-tradicional, torna-se um projeto reflexivo (Tradução da autora).

55
Reflexively organized life-planning (…) becomes a central feature of
structuring of self-identity45 (1991, apud CASTELLS, 1999, p.11).

De acordo com a tabela V, pode-se verificar que os objetivos dos leitores da Folha de
São Paulo que se ligam à comunidade do Orkut são os mais diversos. Não se descarta a
importância para o universo do trabalho, uma vez que 20% dos que responderam a enquete
alegam estar preocupados com a rede de negócios. Supõe-se que o leitor da Folha de São
Paulo tenha um perfil mais intelectual, entretanto, 10% da amostra afirmam ter se associado
ao Orkut com a intenção de namorar ou não.

Tabela V – Objetivos no Orkut

Objetivos no Orkut
Amigos 40%
Namoro (Mulheres) 10%
Parceiros de Atividades 20%
No entender de
Rede de negócios 20% Hall (2005), o sujeito
Não declararam 40% pós-moderno não é uma
identidade fixa, estável como na modernidade. É fragmentada, possui identidades múltiplas e
são utilizadas conforme o momento para ter ou adquirir status e até mesmo reforçar
identidades (Tabela IX). Isso é provado com a quantidade de comunidades no perfil.

Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes


direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas (...). A identidade plenamente unificada, completa, segura e
coerente é uma fantasia. Ao invés disso, na medida em que os sistemas de
45
Um dos aspectos da modernidade é o aumento da interconexão entre os dois extremos de extensão e intenção:
globalizar influências de um lado e disposições pessoais de outro (...). Quanto mais a tradição perde o comando,
mais o cotidiano é reconstituído em termos de influência dialética, local e individual, mais indivíduos são
forçados a negociar opções de estilos de vida entre uma diversidade de opções (...). Planejamento de vida
organizado reflexivamente torna-se uma característica central da estruturação da identidade (Tradução da
autora).

56
significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por
uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis
(HALL, 2005, p.13).

Tabela VI – Nº de comunidades em que estão inscritos

Nº de comunidades em que estão inscritos


0 a 200 70%
201 a 400 20%
401 a 600 0%
601 a 800 10%
801 a 1000 0%

Em outras palavras, os integrantes da comunidade Eu leio a Folha de São Paulo, ao


mesmo tempo em que demonstram estar preocupados com questões ligadas à informação,
política, economia, no entanto, de forma contraditória, pelo menos se pensarmos nos padrões
identitários tradicionais, estejam voltados para práticas consideradas inovadoras, como o
namoro virtual, em geral atribuído a adolescentes ou pessoas com um diferente nível cultural.

Tabela VII – Por que vocês lêem a Folha de São Paulo?


Por que vocês lêem a Folha de São Paulo?
Para se manter bem informado 11,1%

57
Melhor jornal do país/mais 44,4%
completo
Melhores jornalistas/colunistas 44.4%
Menos tendencionalista 22,2%
Credibilidade 11,1%
Linguagem 22,2%
Melhores cadernos/colunas 33,3%
Estímulo ao debate 22,2%

Hábito de leitura do jornal 11,1%

Tradição do jornal (História) 11,1%


Boa diagramação/projeto gráfico 22,2%

Linha editorial privilegia cultura 11,1%

Informação clara 11,1%


Abordagem cronológica das 11,1%
notícias

Deve-se ainda mencionar que a leitura de jornais on-line é uma tendência


característica da diversificação do público. Percebe-se com as tabela VI que 80% lêem as
versões impressas e on-line, embora a tabela VII acuse que haja apenas 40% de assinantes do
jornal. Ou seja, isso contraria a “profecia” de que o jornal impresso acabaria com o advento
do jornalismo on-line.
O jornalismo impresso não foi afetado pelas diferenças idiomáticas e
culturais, seus traços essenciais podem ser identificados nos quatro cantos do
mundo, testados diariamente nas mais dramáticas circunstâncias (...).A
internet, por enquanto, é um sistema de comunicação, formidável arsenal de
recursos tecnológicos de busca, transmissão e armazenagem de dados. Não
conseguiu produzir um modelo narrativo diferenciado (DINES, 2007.
Disponível em <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?
cod=432IMQ001>.
Acesso em 08 de mar.2008).

Tabela VIII – Versão que lêem


Versão que lêem
Impressa 20%
On-line 0%
As duas 80%
Tabela IX - Assinantes
Assinantes
Sim 40%
Não 60%

58
Em pesquisa realizada pela Datafolha46, o estudo divulga que 68% dos leitores do
Jornal Folha de São Paulo têm nível superior (no país, só 11% passaram pela universidade) e
90% pertencem às classes A e B (contra 18% dos brasileiros). A maior parcela dos leitores
tem entre 23 e 49 anos, é usuária de internet, faz exercícios e freqüenta restaurantes,
shoppings, cinema e livrarias. São consumidores de mídia: 92% assistem a telejornais, 69%
lêem revistas, 58% ouvem notícias no rádio e 57% seguem noticiário on-line. O meio
impresso, porém, é o preferido dos entrevistados: se tivessem que optar por um, 53% ficariam
apenas com o jornal. Em síntese, a pesquisa divulgada pela Datafolha contraria, ao menos em
parte, o perfil dos internautas da comunidade Eu leio a Folha de São Paulo.

Conclusão

O presente estudo teve o objetivo de analisar o perfil de comunidades virtuais


relacionando ao conceito-chave de identidade. Percebe-se que, a partir da análise do universo
participante, os membros querem mostrar que possuem perfil intelectual considerado alto por
meio de inclusão de comunidades virtuais sobre filosofia, cibercultura, clássicos da literatura.
Dessa maneira, pondera-se que o tipo de identidade predominante na comunidade Eu leio a
Folha de São Paulo é de projeto, ou seja, reconstroem a sua identidade para definir posições
sociais, com o intuito de, muitas vezes, mostrarem como gostariam de ser vistos por um
determinado grupo ou pela sociedade.
Vale destacar que, embora os membros da comunidade queiram ser vistos como
pessoas bem-informadas, cultas, foi notada uma baixa participação nas discussões da
comunidade até mesmo em assuntos considerados polêmicos, como no caso do tópico Igreja
Universal declara guerra à Folha de São Paulo47. Supõe-se que seja pela falta de tempo ou
que os usuários entrem em diversas comunidades apenas para mostrar traços, gostos e
preferências. Assim, pode-se afirmar que a comunidade Eu leio a Folha de São Paulo não
cumpriu de forma efetiva o papel de promover um livre espaço de circulação de idéias,
mesmo que a comunidade contenha mais de 2500 participantes.
Por outro lado, pondera-se também que o grande número de membros da comunidade
reflete que o jornal possui grande credibilidade, além dos melhores cadernos e colunistas.

46
Pesquisa divulgada em 11 de novembro de 2007 no Jornal Folha de São Paulo. Disponível em <
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1111200715.htm>. Acesso em 28 de mar.2008.
47
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=743565&tid=2583998311263296180. Acesso em 18 de
mar.2008.

59
Conforme exposto na tabela VIII, são atrativos que ajudam a demonstrar o quanto esses
internautas demonstram ler um veículo de comunicação de alta qualidade.
Em outras palavras, espera-se que a análise da comunidade virtual Eu leio a Folha de
São Paulo seja um estímulo para que estudos de sociabilidade e de cibercultura relacionados
ao jornalismo sejam desenvolvidos até mesmo com a interdisciplinaridade em outras áreas,
como análise do discurso, sociologia. Além disso, poderá fomentar um estudo sobre o
funcionamento das comunidades virtuais.

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Acesso em 01 de mar.2008.

63
Entrevistados:

PAIVA, Thiago. Sobre a comunidade Eu leio a Folha de São Paulo. E-mail enviado para
<iedatourinho@hotmail.com>. Acesso em 1º de mar.2008.

Tabelas:

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08/02/2008.

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08/02/2008.

País - Disponível em <http://www.orkut.com/MembersAll.aspx>. Acesso em 08/02/2008.

Por que vocês lêem a Folha de São Paulo? – Disponível em <


http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=743565&tid=2585028057542874323>.
Último acesso em 05 de mar.2008.

Vocês lêem a Folha impressa, on-line ou as duas? – Disponível em <


http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=743565&tid=2585863106559399123>.
Último acesso em 05 de mar.2008.

ANEXOS

ANEXO I – Layout da Comunidade Eu leio a Folha de São Paulo

64
Anexo II – Enquete I – Por que vocês lêem a Folha de São Paulo?

65
Anexo III- Enquetes – Vocês lêem a Folha impressa, on-line ou as duas?

66
Anexo IV – Entrevista por e-mail com o proprietário da comunidade

67
68
69
70

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