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DOM BOSCO:

HISTÓRIA E CARISMA
3
APOGEu: DE TURim à GLóRIA DE BERNINI
(1876-1934)

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Arthur J. Lenti

DOM BOSCO:
HISTÓRIA E CARISMA
3
APOGEu: DE TURim à GLóRIA DE BERNINI
(1876-1934)

EDB

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Título da obra original: Don Bosco: history and spirit. I. Don Bosco’s formative years in
historical context. 2. Birth and early development of Don Bosco’s oratory. 3. Don Bosco
educator spiritual master and founder of the salesian society.

©2007. LAS Librería Ateneo Salesiano, Roma. Editor da obra original: Aldo Giraudo.
©2010. Editorial CCS, Madri. Editores da edição espanhola: Juan José Bartolomé e Jesús
Graciliano González.
©2014. Editora Dom Bosco. Brasília.

Traduzido da edição espanhola Don Bosco: historia y carisma. Apogeo: de Turín a la gloria
de Bernini (1876-1934) pelo padre José Antenor Velho.

Revisão: Cristina Kapor


Adaptação da capa e diagramação: Tiago Muelas Filú

Impressão e acabamento: Escolas Profissionais Salesianas

LENTI, Arthur J.

L547 Dom Bosco: história e carisma 3. – Apogeu:


de Turim à glória de Bernini (1876-1934). 1a edição.
Brasília-CIB, 2014.
864 p.

Isbn: 978-85-7741-273-0

1. Biografia 2. Vida espiritual cristã

CDD 922.22

Todos os direitos reservados à editora EDB

EDITORA DOM BOSCO


SHCS CR Q. 506 Bl. B Ss. 65/66 Asa Sul
70350-525 Brasília (DF)
Tel.: (61) 3214-2300
atendimento@edbbrasil.org.br
www.edbbrasil.org.br

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Siglas e abreviaturas

AAS Acta Apostolicae Sedis


Annali I-IV Eugenio Ceria, Annali della Società Salesiana. Vol. I: Dalle ori-
gini alla morte di S. Giovanni Bosco (1841-1888). Turim: SEI,
1941. Vol. II: Il rettorato di don Michele Rua, parte I (dal 1888
al 1898). Turim: SEI, 1943. Vol. III: Il rettorato di don Michele
Rua, parte II (1899-1919). Turim: SEI, 1946. Vol. IV: Il retto-
rato di don Paolo Albera (1910-1921). Turim: SEI, 1951.
ASC Arquivo Salesiano Central. Direzione Generale Opere Don
Bosco. Primeiro em Turim e depois em Roma.
BS Bollettino Salesiano. Edição italiana.
BSe Boletín Salesiano. Edição espanhola.
CCS Editorial Central Catequística Salesiana (Madri).
CFP Cuadernos de Formación Permanente (Editorial CCS, Madri).
CG Capítulo Geral.
Documenti 45 volumes de documentos para escrever a história de Dom
Bosco. Recompilados por João Batista Lemoyne.
Epistolario Ceria Epistolário de Dom Bosco, 4 volumes publicados por Eugenio
Ceria. Turim: SEI, 1955-1959.
Epistolario Motto Epistolário: introdução, textos críticos notas, 4 volumes edita-
dos por Francisco Motto. Roma: LAS, 1999.
FDB Fondo Don Bosco. Microfichas. Direção Geral Obras Dom
Bosco: Roma.
F. Desramaut, Don Bosco Francis Desramaut, Don Bosco en son temps. Turim: SEI, 1996.
F. Desramaut, Memorie Francis Desramaut, Les memorie I de Giovanni Battista Le-
moyne: etude d’un auvrage fondamental sur la jeunesse de Saint
Jean Bosco. Lião, Maison d’Etudes Saint Jean Bosco, 1962.
G. Bonetti, Storia Giovanni Bonetti, Storia dell’Oratorio, publicada em capí-
tulos no Bollettino Salesiano, entre 1879 e 1886. Publicada
depois em um volume com o título: Cinque lustri di Storia
Salesiana. Turim, Tip. Salesiana, 1892 (há uma tradução em
espanhol: Cinco lustros de historia salesiana. Buenos Aires,
Tip. y Librería Salesiana, 1897).

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JSS Journal of Salesian Studies. Don Bosco Hall: Berkeley
(EUA), 1990.
LDC Libreria Dottrina Cristiana (Elle Di Ci), Colle Don Bosco,
depois Turim, depois Leumann-Turim.
MB Memorie Biografiche di Don Bosco. 19 volumes: volumes
I-IX, editados por João Batista Lemoyne; volume X, editado
por Ângelo Amadei; volumes XI-XIX, editados por Eugênio
Ceria.
MBe Memorias Biográficas de San Juan Bosco. Traduzidas para o
espanhol por Basilio Bustillo. Madri: Editorial CCS, 1981-
1989.
MO São João Bosco. Memórias do Oratório de São Francisco de
Sales 1815-1855. 3ª edição. Tradução: Fausto Santa Catari-
na. Edição revista e ampliada, aos cuidados de Antônio da
Silva Ferreira. São Paulo: Salesiana, 2005.
MO Ceria Giovanni Bosco, Memorie dell’Oratorio di San Francesco di Sales
dal 1815 al 1855. Editado por Eugênio Ceria. Turim: SEI, 1946.
OE Giovanni Bosco, Opere edite. 38 volumes. Roma: LAS, 1977
e 1988.
P. Stella, Canonizzazione Pietro Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica:
la canonizzazione. Roma: LAS, 1988.
P. Stella, Economia Pietro Stella, Don Bosco nella storia economica e sociale.
Roma: LAS, 1980.
P. Stella, Spiritualità Pietro Stella, Don Bosco: mentalità religiosa e spiritualità. Zu-
rique: PAS-Verlag, 1969.
P. Stella, Vita Pietro Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica:
vita e opere. Roma: LAS, 1979.
RSS Ricerche Storiche Salesiane. Revista semestral do Instituto
Histórico Salesiano (ISS). Roma: LAS, a partir de 1982.
Sal Periodicum internationale trimestre editum a professoribus
Pontificiae Studiorum Universitas Salesianae. Roma: LAS, a
partir de 1938.
SEI Società Editrice Internazionale, Turim.
Sussidi 1, 2, 3 Sussidi per lo studio di Don Bosco e della sua opera. Vol. 1:
Il tempo di Don Bosco. Roma: Dicastério para a formação,
1988. Vol. 2: Dizionarietto: alcune situazioni, istituzioni e
personaggi dell’ambiente in cui visse Don Bosco. Roma: Dicas-
tério para a formação, 1988 (pro manuscripto). Vol. 3: Per
una lettura di Don Bosco: percorsi di storia salesiana. Roma:
Dicastério para a formação, 1989 (pro manuscripto).

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Apresentação do Terceiro Volume

Apogeu: de Turim à glória de Bernini (1876-1934)


O terceiro volume da obra Dom Bosco: história e carisma abrange o últi-
mo período da agitada existência do santo: seus conflitos e suas preocupações,
a admirável expansão da sua obra, a não fácil questão da sucessão à frente das
congregações fundadas por ele, sua última enfermidade e piedosa morte e,
finalmente, o rápido, embora trabalhoso, processo de beatificação e canoni-
zação que o levou à glória dos altares.
Trata-se, certamente, de um período complexo e cheio de contrarieda-
des tanto pelos projetos concretos iniciados por Dom Bosco, sempre muito
além de seus escassos recursos, como pelo grande envolvimento vital com
que os viveu. Sempre no limite de suas forças, sem atender muito à sua frá-
gil saúde, ele ia consumindo generosamente suas energias, fundando novas
presenças na Itália e fora dela, e buscando com ansiedade o apoio financeiro
indispensável para consolidar suas múltiplas iniciativas apostólicas.
Seriamente preocupado com o ambiente que reinava no Oratório, sua
primeira e mais querida obra, permaneceu vigilante e envolveu-se pessoal-
mente para que tanto os jovens como os salesianos se mantivessem fiéis ao
espírito genuíno que lhes infundira. Por isso, não descuidou do governo da
Congregação, presidiu conferências e Capítulos Gerais, enfrentou situações
novas e procurou solucionar problemas, muitas vezes inéditos e complicados,
gerados pelo rápido desenvolvimento da sua obra.
O longo e penoso conflito com seu arcebispo, anteriormente um bom
amigo, dom Gastaldi, foi uma prova dolorosa que lhe ocasionou sofrimento
e incompreensão nesses importantes anos de sua vida. Com a morte de Pio
IX, seu grande defensor em Roma, Dom Bosco sentiu-se menos protegido e
precisou suportar uma tenaz hostilidade da parte de alguns círculos vaticanos,
afinados com as teses e posicionamentos da cúria de Turim. A solução final do
conflito causou-lhe uma inesperada humilhação que, embora dolorida, Dom
Bosco aceitou como sinal de submissa obediência à suprema autoridade do
Papa, que decidira pôr fim pessoalmente à questão. Leão XIII, de um lado,

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Dom Bosco: história e carisma 3

procurou não desautorizar plenamente o arcebispo sem, de outro, duvidar da


reconhecida virtude de Dom Bosco. Como compensação, o Papa concedeu à
Congregação os privilégios que Dom Bosco vinha solicitando há muitos anos.
É significativo que, enquanto Dom Bosco vivia esse calvário pessoal,
lançava-se incansavelmente na realização de um de seus sonhos mais ambi-
ciosamente acariciados: a expansão missionária da Congregação. Tão logo as
Constituições foram aprovadas, foi-lhe oferecida uma ocasião providencial
para abrir a ainda incipiente Congregação à universalidade, acompanhando
no início famílias de emigrantes italianos na Argentina, para poder chegar
depois, aos poucos, a evangelizar os indígenas nas zonas mais austrais do
continente americano. Foi o início de uma autêntica epopeia missionária
salesiana, em cuja realização Dom Bosco e seus salesianos se empenharam
entusiasmadamente a fundo.
Parte notável deste terceiro volume é dedicada à narração pormenoriza-
da dessa importante atividade salesiana em terras americanas. Embora sem-
pre com pouco pessoal, a audácia apostólica de Dom Bosco levou-o a enviar
a cada ano novas expedições de missionários, que com uma preparação quase
elementar, mas imbuídos da mesma paixão do Fundador, souberam enraizar
o carisma pedagógico de Dom Bosco naquelas terras distantes e, então, quase
desconhecidas. Enquanto isso, não deixou de promover a implantação de
novas presenças tanto na Itália como no resto da Europa.
A morte de Dom Bosco em 1888 não foi o final do seu sonho, mas mar-
cou o início de uma nova etapa que, superadas as naturais hesitações e uma
ou outra desconfiança de pessoas alheias à Congregação, foi magistralmente
liderada pelo sucessor, padre Miguel Rua, o discípulo fiel com quem Dom
Bosco sempre quis fazer tudo meio a meio. Sob o seu reitorado, quase mila-
grosamente, não só se consolidou e expandiu a Congregação Salesiana, como
também o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, que até 1906 esteve sob
a tutela jurídica dos salesianos.
O mesmo padre Rua impulsionou decididamente o processo de beatificação
e canonização de Dom Bosco. Convencido da santidade do Fundador e Pai, des-
de a sua primeira carta circular exortou os salesianos a corroborarem a santidade
do Pai com a santidade dos filhos. Narra-se com clareza neste volume o desenvol-
vimento do relativamente rápido processo que, embora com momentos difíceis,
devidos principalmente à obstinada oposição de algumas pessoas do entorno do
arcebispo Gastaldi, encerrou-se feliz e gloriosamente no dia de Páscoa de 1934.
Fazer a história de todos estes acontecimentos não é uma empresa fácil,
e tanto Lenti como os responsáveis pela edição castelhana se empenharam a
fundo para levá-la adiante com êxito.

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Apresentação do terceiro volume

A fim de enriquecer a obra, acrescentou-se ao original uma Terceira


Parte, na qual se oferece uma resenha bibliográfica, o mais completa que nos
foi possível, dos livros e artigos de e sobre Dom Bosco que foram publicados
em língua castelhana, e o que foi possível encontrar em língua portuguesa
para a edição brasileira. Com isso, deseja-se, na verdade, convidar a todos
a não se deterem no estudo de Dom Bosco, depois de concluída a leitura
desta monumental obra Dom Bosco: história e carisma, que se encerra com
este terceiro volume.

Juan José Bartolomé - Jesús Graciliano González


Roma, 24 de junho de 2011

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Capítulo I

CONTEXTO HISTÓRICO
DOS ÚLTIMOS ANOS DE DOM BOSCO
(1876-1890)

A partir de 1876, os últimos anos de Dom Bosco coincidem com o pe-


ríodo da história da Itália dominado pela chamada “esquerda histórica” e seus
numerosos, e efêmeros, governos.1
Esta época, marcada pelas lutas entre facções rivais dentro e fora do
Parlamento italiano, pode ser dividida em três etapas: primeira, os gover-
nos Depretis-Cairoli (1876-1881); segunda, a era Depretis e seus suces-
sivos governos (1881-1887); terceira, o período de Crispi (1887-1896).

1
Elenco dos primeiros-ministros deste período:
Agostinho Depretis I (25 de março de 1876);
Agostinho Depretis II (26 de dezembro de 1877);
Benedito Cairoli I (24 de março de 1878);
Agostinho Depretis III (19 de dezembro de 1878);
Benedito Cairoli II (14 de julho de 1879);
Benedito Cairoli III (25 de novembro de 1879);
Agostinho Depretis IV (29 de maio de 1881);
Agostinho Depretis V (25 de maio de 1883);
Agostinho Depretis VI (30 de março de 1884);
Agostinho Depretis VII (29 de junho de 1885);
Agostinho Depretis VIII (4 de abril de 1887);
Francisco Crispi I (29 de julho de 1887);
Francisco Crispi II (9 de março de 1889);
Antônio Rudini I (9 de fevereiro de 1891);
João Giolitti (15 de maio de 1892);
Francisco Crispi III (15 de dezembro de 1893);
[Antônio Rudini II (10 de março de 1896)].

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Dom Bosco: história e carisma 3

1. A “revolução parlamentar” (1876)


Em março de 1876, o último governo da “direita histórica”2 criou uma
crise ao suprimir o imposto da moenda.3 O governo do então primeiro-mi-
nistro Minghetti opusera-se à sua discussão imediata, mas a esquerda pediu
um voto de confiança e ganhou-o.4 O governo Minghetti viu-se obrigado a
demitir-se e a esquerda subiu ao poder.
Vítor Emanuel II encarregou o líder da esquerda, Depretis (1813-
1887)5 de formar um novo governo; o novo primeiro-ministro fez saber que
governaria com o apoio da esquerda e orientado pelos seus princípios, mas
trabalhando em nome e pelo bem de toda a nação. Seis meses depois, dissol-
veu o Parlamento e iniciou a campanha eleitoral, em 8 de outubro, com um
discurso no qual apresentava seu projeto que incluía, entre outras coisas, a
ampliação do direito de voto, uma reforma escolar e outra tributária e tornar
eletiva a administração local.
As eleições gerais de 5 de novembro deram à esquerda uma maioria
parlamentar esmagadora. Foi uma “revolução parlamentar”, que prometia
reformas no âmbito da política, da educação e da economia. E, de fato, com
o orçamento equilibrado depois da crise econômica que contribuíra para a
queda do governo da direita de Minghetti, começou a desenvolver-se a rede
de infraestruturas do país: a indústria, a eletrificação, as estradas de ferro etc.6
2
Era a orientação que recolhia a tradição de Camilo Cavour, Benedito Ricasoli, João Lanza e
Marcos Minghetti etc.
3
Quando o agricultor mandava moer o trigo em moinhos públicos, era-lhe imposta uma taxa
proporcional à colheita indicada pelo Estado. Desde sua imposição, em 1868, este imposto era causa
de mal-estar, protestos e revoltas. Como consequência da terceira guerra de independência contra a
Áustria (1866), a dívida pública tinha disparado. O imposto da moenda era uma das medidas governa-
mentais para amortizar a dívida e equilibrar o orçamento.
4
Marcos Minghetti (1818-1886), político e professor, serviu no exército piemontês sob o reina-
do de Carlos Alberto na Primeira Guerra de Independência (1848-1849). Com Cavour, foi ministro
do Exterior (1860-1866), do Interior (1861-1862), da Economia (1862-1863) e da Agricultura e
Comércio (1869). Primeiro-ministro em 1863-1864, ele foi o último da direita histórica (1873-1876).
Fora, também, embaixador em Londres (1868) e em Viena (1870-1873). Entre suas obras, merecem
menção Dell’economia pubblica (1859), Stato e Chiesa (1878) e uma biografia de Rafael Sanzio (1885).
5
Agostinho Depretis (1813-1887), político hábil, membro do Parlamento piemontês desde
1848, apoiara-se em José Mazzini. Fundou o jornal Il Progresso (1850). Foi primeiro-ministro da es-
querda em três períodos (1876-1878; 1878-1879; 1881-1887) e ministro do Interior em 1879-1881.
Partidário da política do transformismo, que favorecia a inclusão de outros partidos no gabinete por
razões práticas, seu período como primeiro-ministro foi marcado por melhorias e reformas. Abriu a
Itália à política externa, convertendo-a em membro da Terceira Aliança, ao lado da Alemanha e da
Áustria (1883), e iniciou a expansão colonial na África Oriental.
6
É possível que para demonstrar seu compromisso na expansão das infraestruturas do país, o
primeiro-ministro, Agostinho Depretis, acompanhado pelos ministros do Interior, João Nicotera, e

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

Em 20 de novembro, foi aberta uma nova legislatura com 508 deputa-


dos, que elegeram como seu presidente Francisco Crispi, deputado da extre-
ma esquerda, que mais tarde chegaria a ser primeiro-ministro.
Marcos Minghetti ainda contava com muitos deputados, mas era mi-
noria na câmara. A esquerda parlamentar não era monolítica, mas agrupava
elementos díspares: os moderados de Agostinho Depretis, os radicais de Be-
nedito Cairoli e outros grupos intermediários que, de fato, estavam ideologi-
camente divididos e em conflito por causa das suas tendências políticas e dos
interesses setoriais. C. Duggan escreve:

A esquerda não tinha realmente um programa coerente. Suas forças divididas


uniram-se mais pela oposição comum às tendências centralizadoras e fiscais
da direita, do que pelo consenso sobre o que fazer em seu lugar [...]. As poucas
leis importantes que aprovou, e que se limitaram a um breve período ao redor
de 1880, foram adotadas em grande medida para solucionar necessidades
setoriais. A reforma do sufrágio de 1882, por exemplo, que triplicou o eleito-
rado elevando-o a pouco mais de 2 milhões, ao redor de 25% da população
masculina adulta, fez com que a maioria dos camponeses fosse excluída por
não possuírem o diploma de alfabetização.7

Outras forças políticas moviam-se fora do Parlamento e eram poten-


cialmente violentas. A principal delas era a Coalizão dos Trabalhadores, es-
querdista, que optava por uma política de não participação e advogava pela
revolução destinada a entregar o poder aos operários. Segundo a termino-
logia própria do século XIX, os outros grupos políticos extraparlamentares
eram: os republicanos, que se inspiravam em Mazzini; muito próximos, os
democratas, que demandavam uma república segundo o ideal da Revolução

de Obras Públicas, José Zanardelli, e outros dignitários, aceitasse o convite do prefeito de Turim para
participar da inauguração da linha férrea Turim-Lanzo em 6 de agosto de 1876. O prefeito e o conselho
municipal de Lanzo pediram ao padre Lemoyne, diretor da Obra Salesiana, para usar os espaçosos pá-
tios da escola e seu jardim para a recepção oficial. Padre Lemoyne pediu orientações a Dom Bosco, que
aconselhou a pôr os estudantes e a estrutura à disposição. Ele mesmo, no dia anterior, foi a Lanzo com
alguns salesianos; a banda do Oratório atuou na inauguração e na recepção. Depois da inauguração e
da bênção da linha férrea, aos pés da colina, as personalidades e o povo subiram à escola salesiana, onde
receberam entusiasmadas boas-vindas. Os dignitários, já no jardim e depois das saudações e algum
refresco, começaram a fazer perguntas embaraçosas a Dom Bosco, que respondeu sem qualquer proble-
ma (cf. MB XII, 416s, onde o padre Ceria se apoia em Documenti Lemoyne XVII, 423-431). Também
presente, padre Lemoyne baseou-se na Crônica Autógrafa do padre Barberis, caderno 8, entrada de 8 de
agosto de 1876). O fato foi notícia na imprensa tanto católica quanto anticlerical.
7
C. Duggan, History of Italy, 158.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Francesa; os socialistas internacionalistas, ou seja, partidários do interna-


cionalismo, cujo exemplo era o socialismo russo; e os anarquistas, segui-
dores do russo Miguel Bakunin (1814-1876), que buscavam a abolição de
todos os poderes políticos tradicionais.
Os católicos mantiveram a política de não participação, estabelecida
pelo decreto Non Expedit, de Pio IX (1874), com o qual ficavam fora do
processo político. Eram, sem dúvida, uma força não violenta, mas sempre
mais influente.

2. Os governos Depretis e Cairoli (1877-1881)


O primeiro governo Depretis, formado em março de 1876, foi dema-
siadamente lento na aplicação das reformas prometidas. Em 16 de dezembro
de 1877, alguns deputados da esquerda tiraram o seu apoio, obrigando-o a
demitir-se.
Nomeado novamente pelo rei Vítor Emanuel II em 16 de dezem-
bro, Depretis formou imediatamente um novo gabinete (Depretis II)
tendo Francisco Crispi (1819-1901) como ministro do Interior. Mas
a demissão forçada de Crispi, por uma acusação de bigamia,8 fez cair o
segundo governo de Depretis em 9 de março de 1878. O rei Humberto
I, filho e sucessor de Vítor Emanuel II, pediu a Benedito Cairoli (1825-
1889), da extrema esquerda, para formar o governo (Cairoli I),9 que seria
de curta duração. Foi obrigado a renunciar em 11 de dezembro de 1878,
ao ser acusado de propor, entre outras coisas, a redução do gasto militar
por não ser produtivo.

8
Francisco Crispi casara-se na Igreja em 1855 com Rosária Montmasson, a única mulher que
participou da Expedição dos Mil, em 1860, e que o acompanhou quando lutava com Garibaldi na
Sicília e em Nápoles contra os Bourbon. Mais tarde, abandonou Rosária, e em 26 de janeiro de 1878,
casou-se com Lina Barbaglio em cerimônia civil.
9
Benedito Cairoli (1825-1889), político da extrema esquerda, combatera com Garibaldi e, de-
pois da unificação da Itália, foi eleito representante parlamentar (1869-1870). Quando a esquerda
chegou ao poder (1876), foi eleito primeiro-ministro (1878, 1879, 1880-1881). Como membro do
Grupo dos Cinco (1883), opôs-se à política do transformismo, de Depretis. Era um líder dinâmico da
extrema esquerda, sem conseguir controlá-la.

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

Primeiro-ministro Agostinho Depretis (1813-1887).

O rei chamou novamente Depretis (Depretis II). Seu governo também


foi de curta duração; caiu por uma proposta que pretendia abolir o imposto
da moenda. Cairoli foi novamente chamado em 14 de julho de 1879 (Cairoli
II). Em 25 de novembro, nova crise de governo (Cairoli III). Em 29 de abril
de 1880, o governo Cairoli não obteve o voto de confiança na Câmara sobre o
orçamento e viu-se obrigado a demitir-se. Nesta ocasião, o rei Humberto I não
aceitou a renúncia e convocou eleições gerais, que ocorreram em 16 de maio.

Primeiro-ministro Benedito Cairoli (1825-1889).

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Dom Bosco: história e carisma 3

3. A era Depretis
A esquerda moderada, de Depretis, obteve uma maioria considerável,
embora não esmagadora. Como consequência, o rei, em 29 de maio de 1881,
pediu a Depretis que formasse um novo governo. Iniciava assim a “era De-
pretis”. Ao esboçar seu programa, insistiu na urgência de uma reforma elei-
toral realista e na necessidade de melhorar o exército, pois, com a bonança
econômica, contava-se com fundos suficientes. Quanto às relações interna-
cionais, queria que a Itália fosse uma força de unidade e de paz. Durante esse
tempo, de 29 de maio de 1881 a 29 de julho de 1887, Agostinho Depretis
foi primeiro-ministro cinco vezes consecutivas até sua morte.10 Morreu em
29 de julho de 1887 aos 74 anos e foram-lhe concedidos funerais de Estado
e luto nacional.

4. A era Crispi
Em 7 de agosto de 1887, por decreto real, Francisco Crispi assumiu a
chefia do governo e também o ministério de Assuntos Exteriores.11 Cris-
pi foi três vezes primeiro-ministro, designado pelo rei (1887-1889; 1889-
1891; 1893-1896). Em política exterior, foi partidário da Tríplice Aliança
e organizou a colonização da Eritreia. Procurou impor o protetorado sobre

10
Desde 1876, Depretis demonstrara ser mestre da tática e da administração suave e sutil para
pactuar com outros grupos políticos, capaz de moldar o Parlamento quase à sua vontade, de modo
parecido com Cavour, outro grande estadista piemontês. Depretis deu à Itália uma administração
eficiente, em que se levaram a cabo com discrição algumas reformas liberais, sem que a política fosse
alterada por controvérsias demasiado violentas. Na política exterior, como na nacional, seu instinto na-
tural, como ele mesmo disse, foi abrir o guarda-chuva quando visse uma nuvem no horizonte, e esperar
que passasse a tormenta. Como tática, costumava antecipar-se à derrota parlamentar renunciando em
tempo; e renunciou com sucesso em 1883, 1884, 1885 e 1887 para ficar livre de mudar de direção e
remodelar a coalizão. Quando formou seu oitavo e último gabinete em abril de 1887, eliminou os ge-
nerais Di Robilant e Riccoti, da direita, e elegeu Crispi e Zanardelli, da esquerda. Crispi, na oposição,
não poupara críticas ao governo, mas, ao colaborar com o astuto Depretis depois de dez anos fora do
poder, Crispi abandonou a esquerda independente e assumiu o sistema do transformismo; dessa forma,
apresentou-se como óbvio sucessor de Depretis, quando este faleceu nesse mesmo ano.
11
Francisco Crispi (1819-1901), político controvertido, teve uma longa e variada história. Per-
tencia a uma família albanesa, que emigrara para a Sicília. Esteve a serviço do governo revolucionário
siciliano em 1848-1849 e em 1853 exilou-se na França e Inglaterra, por causa das suas atividades
revolucionárias em Milão. Enquanto estava em Londres associou-se a Mazzini, também no exílio,
e pelo mesmo motivo. Em 1860, uniu-se a Garibaldi na Expedição dos Mil à Sicília. De ideologia
republicana, foi deputado siciliano no Parlamento italiano desde a unificação da Itália em 1861 até,
praticamente, sua morte em 1901. Quando a esquerda chegou ao poder, em 1876, ele presidiu a câma-
ra dos representantes (1876) como líder da esquerda radical, e foi ministro do Interior (1877-1879).

16

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

a Etiópia, mas fracassou por causa da derrota do exército italiano em Ádua


(1896). Após o massacre, houve levantes populares nas maiores cidades italia-
nas, estimulados pela esquerda parlamentar radical, que se opunha à política
colonialista e ao governo Crispi, e que provocaram sua queda. Envolvido em
escândalos financeiros, morreu em desgraça em 1901.

5. A situação na Itália de 1877 a 1888


No contexto da subida e queda de sucessivos governos neste período de
divisões e lutas entre as facções da esquerda, dentro e fora do Parlamento,
alguns acontecimentos políticos, sociais e religiosos são dignos de menção.

As mortes do rei e do papa


Em 1878 deu-se a morte de duas personalidades sobressalentes “rivais”
na unificação da Itália: o rei Vítor Emanuel II e o papa Pio IX.
Vítor Emanuel II morreu em 9 de janeiro. Seus restos mortais foram
expostos ao público no palácio do Quirinal. O conselho da cidade de Roma
pediu que o rei fosse sepultado na capital e não na basílica de Superga (Tu-
rim), mausoléu tradicional da casa de Saboia. Depois dos funerais solenes
celebrados no Panteão, seu filho Humberto foi oficialmente proclamado rei
da Itália e decidiu que seu pai fosse sepultado no Panteão de Roma.
O papa Pio IX morreu em 7 de fevereiro e foi sepultado provisoriamente
em São Pedro, à espera do translado oficial a São Lourenço Extramuros. Mais
tarde, em 13 de julho de 1881, quando seus restos mortais eram solenemente
transladados àquela basílica, para seu sepultamento definitivo, o cortejo fúne-
bre sofreu em várias ocasiões o ataque de uma multidão anticlerical, que pro-
curou lançar o ataúde no rio Tibre. Com certo atraso, a polícia chegou para
dispersar a multidão. O lamentável episódio suscitou os protestos indignados
de Leão XIII,12 que acusou o governo de negligência dolosa. Em resposta às
ofensas contínuas dos republicanos e dos radicais, o Papa ameaçou mais tarde
abandonar Roma e instalar-se em qualquer outro lugar em exílio voluntário.
12
Após a morte de Pio IX, num conclave que durou apenas dois dias, foi eleito papa o cardeal
Joaquim Pecci, arcebispo de Perugia, assumindo o nome de Leão XIII. Sua eleição recebeu comentários
favoráveis da imprensa liberal pela sua sabedoria, ao não ter assumido o nome de Pio X, contrariando
os conselhos dos intransigentes, e porque parecia disposto a ser mais conciliador com o mundo liberal.
Contudo, enquanto explorava a possibilidade de modificar a postura de Pio IX em relação ao Estado,
advertiu sobre a impossibilidade de diálogo com a esquerda, principalmente a mais radical. Esta é razão
pela qual Leão XIII, ao mesmo tempo em que promovia o compromisso social dos católicos, manteve a
política de Pio IX de não participação na vida política, que só foi eliminada depois da sua morte em 1903.

17

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Dom Bosco: história e carisma 3

A epidemia de cólera
Uma grande epidemia de cólera, iniciada no sul da França e introduzida
na Itália pelos trabalhadores temporários, causou estragos de modo intermi-
tente de meados de 1884 até 1887. Foi a maior epidemia de que se recorda
daquele século. As vítimas chegaram a cerca de 50 mil. Só em Nápoles, ocor-
reram 8 mil óbitos, com uma taxa de mortalidade de 50% dos casos; a doen-
ça propagou-se nessa cidade com virulência especial por causa das deplorá-
veis condições higiênicas e estruturais. No Parlamento, o primeiro-ministro
Depretis apresentou um projeto de lei para “limpar” e reestruturar a cidade,
aprovado por unanimidade. O projeto de lei foi promulgado em 15 de janei-
ro e criou-se uma comissão para sua aplicação.
A epidemia, que fizera estragos em toda a península, causou muitas ví-
timas e chegou ao seu pico em Palermo (Sicília), onde foram registradas 189
mortes em um único dia, fazendo com que a cidade fosse posta em quarente-
na. O pânico e os levantes populares estenderam-se por toda a ilha, exigindo
o envio de 17 unidades do exército para manter a ordem pública.

Reforma da lei eleitoral e eleições gerais


Em 24 de março de 1881, discutiu-se na câmara um projeto de lei
de reforma eleitoral. Previa a ampliação do direito de voto, mas recusava
as propostas de sufrágio universal, pedido pelos partidos democráticos.13
O debate foi repetidamente rechaçado e foi preciso adiá-lo até 22 de janeiro
de 1882, quando o Parlamento deu curso a um projeto de lei de reforma
eleitoral, que contemplava a redução da idade de voto, de 25 para 21 anos,
e a redução à metade da taxa de inscrição. Quem não pudesse pagar po-
deria inscrever-se, desde que tivesse completado satisfatoriamente os dois
primeiros anos de ensino primário. Ao exigir uma taxa de inscrição e a
alfabetização, a lei limitava muito o direito de voto, que estava longe do es-
perado sufrágio universal masculino. E, embora as mulheres continuassem
excluídas, o eleitorado passou de 621.896 a 2.017.829, ou seja, passou de
2,2% a 6,9% da população.
Em 22 de outubro desse ano, foram celebradas as primeiras eleições
gerais com o sufrágio ampliado e a participação de 60,7% dos que tinham
direito a voto. Os votantes se inclinaram para a esquerda moderada, que ob-
teve uma considerável maioria. A extrema esquerda, com seu núcleo radical,

13
Representantes dos partidos democráticos reuniram-se em Roma, no dia 10 de fevereiro de
1881, com a finalidade, entre outras, de lutar pelo sufrágio universal, inclusive para mulheres.

18

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

também subiu, obtendo 40 cadeiras; a direita manteve sua posição no Par-


lamento. A coalizão dos socialistas e dos partidos operários conseguiu uma
pequena porcentagem de votos, mas ninguém obteve uma cadeira.

O transformismo
Durante a campanha eleitoral de 1882, Depretis expôs sua nova política
“transformista”. A ideia era que a esquerda moderada se aliasse com as forças
conservadoras da direita que estivessem dispostas a colaborar para encarar as
questões concretas enfrentadas pelo governo, deixando para trás as antigas
diferenças ideológicas da época do Ressurgimento.
Tratava-se de um convite e de um desafio dirigido aos candidatos con-
servadores, convidando-os à “transformação”, ou seja, a potenciar maiorias
fortes para formar um governo mais estável e eficaz. O que supunha abando-
nar os princípios ideológicos por uma conveniência de curto prazo. De fato,
no processo realizado na década dos anos oitenta, os slogans tradicionais da
esquerda e da direita foram perdendo significado, uma vez que os governos se
converteram num amálgama inerte da antiga oposição. A falta de propostas
de reformas significativas, desde 1882, fez com que a muitos parecesse óbvio
que as antigas divergências fossem esquecidas e as forças políticas se centras-
sem em assuntos importantes.
Por outro lado, contudo, o transformismo também resultou da incerteza
e da sensação de que a classe dominante da Itália precisava cerrar fileiras para
enfrentar o crescente desafio do socialismo, que ganhava adeptos em novas
camadas sociais e ameaçavam as instituições conservadoras da burguesia; a
partir disso a conveniência de unir-se na tarefa comum de conter a maré que
alguns chamavam de “viveiro de demagogia”.14

Os movimentos sociais
A questão social avançava e, nesses anos, foram crescendo e tornando-se
sempre mais ativas e exigentes as diversas organizações operárias e populares.
Em setembro de 1876, reuniu-se em Gênova o XIV Congresso dos Sin-
dicatos de Trabalhadores “federados”, de inspiração mazziniana. Concordou-
-se em não participar nas eleições enquanto o sufrágio universal não se con-
vertesse em lei. Também foi aprovada uma resolução pedindo a cooperação
de todas as sociedades operárias para garantir o fim da estruturação injusta
do trabalho.

14
C. Duggan, History of Italy, 161.

19

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em fevereiro de 1877, aconteceu em Milão o Congresso da Federação


do Norte da Itália da Internacional Socialista.15 A assembleia desvinculou-se
do movimento anarquista, promovendo, em seu lugar, a causa socialista com
todos os meios legítimos, da simples propaganda às manifestações populares
extremas. Aprovou a carta de Friedrich Engels que incentivava à luta política
e a participação nas eleições.
Em 1878, o IV Congresso da Federação Italiana da Internacional, cele-
brado secretamente em Pisa, aprovou uma resolução em que os anarquistas
eram incentivados a continuarem com seu programa revolucionário, a fim de
apressar o dia em que o proletariado pudesse tomar as armas e limpar o país
“dos burgueses, do trono e do altar”.
Em fins de abril desse mesmo ano (1878), reuniu-se em Roma o I
Congresso Republicano. Participaram uns 120 representantes de muitos
partidos democráticos com o propósito de definir o programa do parti-
do republicano. O Congresso passou a discutir a formação de um comi-
tê nacional que organizasse ativamente protestos populares e promovesse
reuniões e publicações.16 O presidente, Mateus Renato Imbriani, insistiu
na urgência de libertar e conquistar para a Itália as regiões de Trento e
de Trieste, ao noroeste, que ainda estavam sob o domínio da Áustria. No
ano anterior, Imbriani fundara um partido com esse mesmo propósito,
a Associação pela Itália Irredimida, com o objetivo de organizar levantes
antiaustríacos. Desde então, o termo irredentismo passou a fazer parte do
vocabulário político italiano.17 Um anarquista, João Passanante, atentou
em Nápoles contra a vida de Humberto I, em 17 de novembro. O primei-

15
A Primeira Internacional, criada por Karl Marx em Londres, em 1864, como associação inter-
nacional de operários, foi dissolvida doze anos mais tarde, por causa das lutas internas entre marxistas
e anarquistas. A Segunda Internacional, criada em Paris, em 1889, ainda sobrevive como associação
livre de socialdemocratas. A Terceira Internacional, conhecida como Comintern, foi criada pelos bolche-
viques em 1919 para fomentar a causa da revolução mundial. Foi abolida durante a Segunda Guerra
Mundial, para não incomodar os aliados.
16
Desde que a esquerda subiu ao poder, a fragmentação ideológica de seu bloco parlamentar
ameaçou a estabilidade do governo e demonstrou sua incapacidade de manter a ordem social. Além
disso, grupos extraparlamentares (republicanos mazzinianos, democratas, socialistas e anarquistas) pu-
seram em perigo a sobrevivência da ordem constitucional. Papado e monarquia eram os principais
objetivos.
17
O termo irredentismo entrara no diálogo político em 1877 com a fundação da Associação pela
Itália Irredimida, à qual seguiu uma intensa campanha pela “redenção” de Trento e Trieste, promovida
pelo partido republicano mazziniano e pelo grupo radical garibaldino, que no espírito do Ressurgimento
estava destinado a completar a unificação, “redimindo” para a Itália as regiões de Trento e Trieste, que
ainda pertenciam ao império austríaco. As expectativas dos “irredentistas” foram dissipadas no Congresso
de Berlim (1878), quando a Itália renunciou a reclamar mais territórios e entrou na Tríplice Aliança.

20

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

ro-ministro Cairoli, que estava ao lado do rei no coche real, protegeu-o e


recebeu uma punhalada na perna.18
Enquanto isso, em resposta à iniciativa dos socialistas de romper com
os revolucionários radicais e formar um partido legal, Garibaldi, em 21 de
abril de 1879, reuniu os vários ramos dos radicais e republicanos e fundou a
Liga Democrática. Seu programa, que avançaria mediante a imprensa e as-
sembleias populares, propugnava, entre outras coisas, revisar a Constituição,
abolir a Lei de Garantias, confiscar os bens da Igreja e transformar o exército
permanente em milícias populares.
Em março de 1884, a polícia do Estado fechou os jornais da esquerda
radical: La Questione Sociale, de Florença, e Il Comune, de Ravena, aprisio-
nando seus editores. Contudo, o Congresso dos Trabalhadores da Romanha
reafirmou unanimemente o direito dos trabalhadores à greve e uma políti-
ca apoiada por socialistas e republicanos. A mesma questão foi debatida e
aprovada em fevereiro, no quarto congresso da Federação de Trabalhadores
da Lombardia.
Em 25 de março de 1886, o partido socialista revolucionário italiano
celebrou seu Segundo Congresso, sob a presidência do fundador, André Cos-
ta. Aprovou a moção de trabalhar para a criação de um partido único que
unisse todas as forças extraparlamentares, ou seja, socialistas, grupos operá-
rios e anarquistas.

A situação dos trabalhadores do campo


A situação dos trabalhadores do campo provocou um mal-estar gene-
ralizado e alguns levantes nos anos 1884 e 1885. Houve uma crise agrícola
profunda e prolongada nas regiões onde a transformação capitalista fora
mais acentuada, como eram as regiões do vale do rio Pó. As condições de
vida dos agricultores, especialmente dos trabalhadores do campo, pioraram
a ponto de produzir inevitáveis greves e perturbações dirigidas pelos radi-
cais e promovidas pelo Sindicato de Trabalhadores do campo italiano, de
inspiração socialista.

18
Passanante foi julgado nos inícios de março de 1879 e condenado à morte, sentença que o
rei comutou em prisão perpétua. No dia seguinte à tentativa de regicídio, numa celebração pela inte-
gridade do rei, que se deu em Florença, explodiu uma bomba, em consequência da qual morreram 4
pessoas e muitas ficaram feridas. Em janeiro de 1880, foram julgados e condenados, recebendo penas
severas, 14 membros da Internacional Socialista, acusados de cumplicidade no atentado, entre eles a
revolucionária russa, Ana Kuleshoff. Humberto I seria assassinado pelo anarquista Caetano Bresci em
10 de julho de 1900.

21

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Dom Bosco: história e carisma 3

A deterioração da crise agrícola aumentou o desemprego, especialmente no


vale do Pó, onde os camponeses sem terra eram sempre mais numerosos e
viviam mais desesperados. Generalizaram-se as greves, quase sempre violen-
tas. [...] Para desolação do governo, as perturbações aumentaram. Em 1884,
uma onda de greves varreu o vale do Pó. Os donos de terras pediram ajuda:
receberam-na com a intervenção policial e militar contra os trabalhadores, a
dissolução forçada das ligas campesinas e os grupos de resistência; e, em 1887,
com as taxas.19

As perturbações foram sufocadas com a intervenção maciça da polícia es-


tatal e a detenção de uns 2 mil trabalhadores em greve. Contudo, em 1886, o
tribunal superior de Veneza manifestou-se a favor dos grevistas, que foram de-
fendidos por hábeis advogados socialistas. A absolvição foi conhecida em todo
o país e considerada como precedente, que reconhecia implicitamente o direito
dos trabalhadores de se associarem, formarem sindicatos e fazerem greve.

Os movimentos católicos
Também os católicos, embora excluídos da política, estiveram ativos
neste período. Em 1877, inaugurou-se em Bolonha o Terceiro Congresso Ca-
tólico que, interrompido por um protesto anticlerical popular, foi encerrado
pelo chefe de polícia por razões de ordem pública; decisão que foi denunciada
com força na imprensa como inconstitucional. O Primeiro Congresso Cató-
lico fora celebrado em Veneza em 1874 quando se insistira na necessidade
de criar escolas e hospitais católicos. O Segundo Congresso, celebrado em
Florença em setembro de 1876, organizara a Obra dos Congressos. Tratava-se
de uma estrutura permanente aprovada por Pio IX com a finalidade de coor-
denar a Ação Católica na Itália. Os católicos, embora mantivessem a atitude
de não participação na política, animaram-se para apresentar-se às eleições
administrativas, provinciais ou locais, intervir na educação e nas obras de
caridade, e lutar contra o socialismo e a imoralidade por meio da imprensa,
de assembleias e petições ao Parlamento.
A Obra dos Congressos, que jurara obediência ao Papa no momento
do decreto Non Expedit, foi o principal instrumento de organização da opo-
sição católica contra o Estado liberal. De 1875 a 1890, seu comitê diretivo

19
C. Duggan, History of Italy, 162-163. O autor menciona o atraso da agricultura italiana e o
lento processo de industrialização. “Nos anos sessenta e setenta do século XIX, a indústria ainda estava
em seus inícios... Na época da unificação, a Itália tinha meio milhão de teares, enquanto a Inglaterra
chegava a 30 milhões e a França, a 5,5 milhões. A produção anual de ferro-gusa era de umas 30 mil
toneladas comparadas com os 4 milhões da Inglaterra e o milhão da França” (ibid.).

22

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

e o conselho executivo fixaram-se em Bolonha, transferindo-se depois para


Veneza, onde o movimento era forte. A partir dali, a Obra dos Congressos
implantou um programa social mais sistemático, especialmente por meio da
fundação de associações de mútuo socorro para trabalhadores e de coopera-
tivas agrícolas, incentivadas pelo próprio Leão XIII com a encíclica Rerum
Novarum (1893).
O Quarto Congresso Católico aconteceu em 8 de outubro de 1877, em
Bérgamo. Ocupou-se dos problemas sociais, sobretudo em relação à situação
das classes trabalhadoras.
Até o final do mês, em 28 de outubro, o Congresso das Associações de
Trabalhadores, reunido em Arezzo, tratou de temas importantes: as pensões
de trabalhadores impossibilitados, o reconhecimento legal das sociedades de
mútuo socorro, a criação de bancos cooperativos e a formação profissional
dos trabalhadores.
Mais tarde, de 21 a 24 de outubro de 1879, o Quinto Congresso Ca-
tólico reuniu-se em Módena. A pauta incluía a discussão de uma proposta
para formar um partido católico-conservador para a ação política. A ideia
encontrou a mais forte oposição do grupo de católicos intransigentes, com-
prometido em manter a política de retirada total da vida política nacional.
Dom Bosco viu a Congregação Salesiana consolidar-se nos anos em que
o governo da nação passara às mãos da esquerda e começava a notar-se na so-
ciedade a influência da Obra dos Congressos. Partidário fervoroso do papado,
opunha-se ao Estado liberal e promoveu a opção da não participação política
entre os salesianos, cooperadores leigos ou religiosos em conformidade com
o decreto papal Non Expedit. Seu compromisso social era simplesmente o da
caridade cristã. Nem seus religiosos nem seus cooperadores, nem ele mesmo,
embora convidado, participou da Obra dos Congressos.

A atuação da Santa Sé
A Santa Sé continuava com sua política de isolamento e protesto contra
a usurpação de seus bens e a falta de independência e autonomia. As relações
com o Estado italiano continuavam tensas.
O ano de 1883 trouxe um lampejo de novidade. Uma carta a Leão XIII,
assinada pelo rei Guilherme I, da Alemanha, e referendada pelo primeiro-mi-
nistro, Otto von Bismarck, expressava sua satisfação pela melhora das relações
entre a Alemanha e a Santa Sé. Nela, anunciava-se a revisão das leis punitivas
da Kulturkampf contra a Igreja Católica. Como demonstração do desejado
desgelo das relações, a maior parte das dioceses na Prússia foi restaurada e o

23

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Dom Bosco: história e carisma 3

herdeiro da Alemanha, príncipe Frederico Guilherme, em sua visita a Roma,


teve uma audiência particular com o Papa em 22 de dezembro.
Em 28 de dezembro, Leão XIII publicou a encíclica Quod Apostolici
Muneri, com a qual condenava o socialismo, o comunismo e o anarquismo
como destruidores da sociedade e da civilização. A encíclica foi muito lida e
os diários liberais comentaram o texto, sublinhando sua importância.
Em 1884, uma nota da Santa Sé, de 10 de fevereiro, dirigida aos nún-
cios papais acreditados perante os governos europeus, atacou uma sentença
do Supremo Tribunal italiano, que ordenava que a Congregação para a Pro-
pagação da Fé convertesse seus ativos imobiliários em certificados de dívida
pública. Leão XIII considerou a ação uma invasão injustificada dos direitos
da Igreja e do seu ministério espiritual.
Em 15 de fevereiro, Leão XIII acusou publicamente o governo italiano
pela política anticlerical. As relações tornaram-se tão tensas que, em março,
o imperador austríaco Francisco José enviou uma missão extraordinária à
Santa Sé com a finalidade de dissuadir o Papa da ideia de transferir-se para a
Áustria.
Em 20 de abril de 1884, Leão XIII renovou a condenação da maçonaria
com a encíclica Humanum Genus, intervenção que provocou debates acalo-
rados.
A encíclica de Leão XIII, Immortale Dei, sobre a constituição cristã dos
Estados, publicada em 1º de novembro de 1885, foi um passo a mais na
questão da participação política dos católicos, nos casos em que a Igreja o
acreditasse como necessário. Em determinadas circunstâncias, não só lhes seria
permitido, como também seria um dever dos cidadãos participar ativamente
na atividade política do Estado. Contudo, a proibição geral só seria eliminada
depois da morte de Leão XIII em 1903.
Alguns grupos católicos, confiando talvez na encíclica de Leão XIII, par-
ticiparam das eleições de 1886, apesar da proibição. Em resposta a esta ação
de grupos católicos, em 30 de julho, o cardeal Mônaco de La Valletta, prefei-
to da Congregação do Santo Ofício, reafirmou a política da não participação
estabelecida pelo decreto Non Expedit, de 1874.

Tentativa de aproximação entre Igreja e Estado


Em 20 de maio de 1887, em alocução aos cardeais, Leão XIII expres-
sou o desejo de a Igreja viver em paz com o Estado italiano, desde que se
respeitassem os direitos da Igreja. Uma alocução anterior, de 28 de feverei-
ro, fora entendida como “conciliadora” pelos grupos católicos partidários

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

da reconciliação e da participação católica na vida pública. O movimento,


com aquiescência tácita do Papa, encontrou apoio em alguns eclesiásticos.
Os bispos Jeremias Bonomelli e João Scalabrini, de Cremona, propunham
algumas vias de solução para que se pudesse “restabelecer” o poder temporal
do Papa, núcleo do problema, ao menos simbolicamente. Padre Luís Tos-
ti, beneditino, publicou um folheto intitulado La Conciliazione e manteve
conversas secretas sobre o tema com Crispi. Depretis aprovou-o, esperando
reforçar a posição do governo mediante uma nova relação com a Igreja.
Contudo, os católicos intransigentes, relacionados com a Obra dos Con-
gressos, apresentaram naquele momento uma proposta na câmara apoiando
o direito do Papa a uma verdadeira e completa liberdade e ao poder tem-
poral. O obstáculo do poder temporal do Papa, sem dúvida, não pôde ser
superado. Leão XIII, em carta ao cardeal Mariano Rampolla, que se tornou
pública em 26 de julho, reiterava que “a restituição da soberania real” era
condição indispensável para qualquer aproximação. Por outro lado, pouco
depois das alocuções papais e das conversações com padre Tosti, Crispi, num
discurso pronunciado na câmara, declarou secamente que a Itália, por não
estar numa guerra com ninguém, não precisava de reconciliação e que o rei
era o único soberano que a nação reconhecia.20

Evolução das comunicações


As comunicações evoluíram nesses anos, com a implantação do tele-
fone e a ampliação da rede ferroviária, investindo-se somas consideráveis.
A gestão das ferrovias foi confiada a grandes empresas privadas, recebendo
a feroz oposição de todos os setores da esquerda radical e dos opositores do
transformismo.

A educação
No âmbito da educação pública, uma portaria do ministro Miguel Cop-
pino (1822-1901), de 5 de março, decretava que o ensino primário era gratuito
e obrigatório para todas as crianças de 7 a 9 anos de idade. Foi uma reforma

20
A lei das Garantias (1871) concedia ao papado reter algumas propriedades (Vaticano, São
João do Latrão e Castelgandolfo), manter, sem impedimento, a comunicação dentro da nação e com
o exterior, gozar de representação diplomática, honras reais e outros “privilégios”. Estas disposições,
porém, eram “concessões” do Estado às quais o Papa não tinha qualquer direito. Não eram, portanto,
restituições de uma soberania autêntica ou do poder temporal. Por isso, Pio IX e Leão XIII recusaram
a lei e não negociaram qualquer acordo ou reconciliação que excluísse a restituição. Depois, quando
em 1929 se chegou à reconciliação (conciliazione) entre Pio XI e Benito Mussolini, baseando-se na
restituição, embora não se utilizasse o termo, o Papa obteve a soberania sobre o “Estado do Vaticano”.

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Dom Bosco: história e carisma 3

limitada, mas necessária, tendo-se em conta a extensão do analfabetismo, es-


pecialmente no sul da Itália.21 A lei também eliminou do plano de estudos a
instrução religiosa, que fora um importante elemento da educação infantil na
escola. A escola primária foi assim laicizada. Aprovou-se também um projeto
de lei que concedia autonomia financeira, disciplinar e didática à Universidade.

Leão XIII (1810-1903).

A política internacional da Itália


A política internacional também teve seu reflexo na vacilante política
italiana. Quando a França, seguindo a política agressiva que começara a prati-
car há algum tempo no norte da África, ocupou Túnis e impôs o seu proteto-
rado, criou-se uma crise internacional, que repercutiu na Itália, onde a oposi-
ção apresentou uma moção de censura contra o governo presidido então por
Cairoli, pela sua política claudicante, provocando sua queda.
Em outubro de 1881, o rei Humberto I fez uma visita oficial a Viena,
presságio de uma nova orientação da Itália em relação à Áustria. A mudança
fora provocada como reação à política expansionista francesa.
21
Citando o professor Pascoal Villari, D. MacK Smith, Modern Italy, 124, escreve: “Chegou o
dia em que a Itália começa a reconhecer que conta com um inimigo interior que é mais forte do que
a própria Áustria. Devemos enfrentar a nossa multidão de iletrados, a incapacidade da máquina buro-
crática, a ignorância de nossos professores... Não foi a sólida fortaleza de Mântua e Verona que deteve
o nosso caminho, mas a dos 17 milhões de analfabetos”.

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

De fato, a partir de 20 de maio de 1882, a Itália participou da Tríplice


Aliança com a Prússia e a Áustria, entrando definitivamente no âmbito po-
lítico internacional. Esta aliança, de natureza puramente defensiva, ajudou
a reorientar a política interna oficial da Itália, em direção conservadora e
militarista, pois o tratado tendia a reforçar o princípio monárquico para ga-
rantir a ordem social. O tratado também apoiava a causa da Itália na questão
romana, enquanto a unificação territorial, alcançada com a tomada de Roma
em 1870, recebia o reconhecimento implícito da Áustria, a primeira potência
católica. A aliança com a Itália reforçou também a segurança da Áustria e da
Alemanha no caso de conflito com a Rússia ou a França, pois agora podia
contar com a neutralidade da Itália e seu apoio a partir do sul. Pouco depois
de sua nomeação em 1º de outubro, Crispi reuniu-se com Von Bismarck, em
Friedrichs­ruhe, residência de verão do chanceler, onde, com suas próprias
palavras, os dois “conspiraram pela paz”. Eles ajustaram, na prática, uma con-
venção militar dentro da Tríplice Aliança, que seria assinada em fevereiro de
1888 com fins defensivos.
Os franceses suspeitaram que o pacto ítalo-alemão seria dirigido ao for-
talecimento da posição da Itália no Mediterrâneo, como reação às suas pró-
prias políticas agressivas para colonizar o norte da África (Argélia e Tunísia).
Além disso, as políticas protecionistas de importação e exportação impostas
pela Itália provocaram uma guerra comercial com a França, aumentando a
animosidade. O resultado foi que os grandes excedentes agrícolas da Itália,
como o vinho, o azeite de oliva e outros não foram vendidos. Muitos agricul-
tores perderam o próprio negócio, especialmente no sul.
A nova orientação política suscitou uma série de protestos antiaustríacos
e levantes em várias cidades, como Milão e Roma. Em Trieste, as convulsões
foram originadas, de início, pela execução de Guilherme Oberdan e, princi-
palmente, pela crescente força do movimento irredendista e sua oposição à
Tríplice Aliança. A ordem só foi restabelecida com a intervenção decisiva da
polícia estatal com detenções maciças, investigações e encarceramentos.

Inícios do colonialismo italiano


A política colonial da Itália foi estabelecida pela primeira vez quando as
potências coloniais europeias já estavam ampliando suas possessões na África.
Portugal, França, Bélgica e, mais recentemente, a Alemanha de Bismarck, na
Conferência de Berlim (novembro de 1884-fevereiro de 1885) decidiram a
divisão dos territórios africanos ainda não reclamados por uma potência euro-
peia. A Conferência demonstrou que a Itália ainda não era levada a sério e que
a honra e o prestígio nacional requeriam uma política colonial mais vigorosa.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Foi esse o motivador da política colonialista italiana. Outros fatores entraram


em jogo: a pressão exercida sobre o governo pelas companhias de navegação
e as empresas industriais, a esperança de que as colônias dessem início à emi-
gração. Opunham-se ao colonialismo os socialistas e os republicanos, os opo-
sitores da Tríplice Aliança e os que pensavam que a costa do Mar Vermelho e
o Chifre da África só serviam para afastar a Itália do Mediterrâneo, seu centro
histórico de interesse.
Em 1885, o governo italiano tomou a decisão de estabelecer colônias
na África oriental; decisão incentivada pela conversão de Bismarck ao colo-
nialismo e pela postura permissiva da Inglaterra. Já em 1870, a Companhia
Italiana de Navegação Rubattino negociara com chefes tribais locais a aqui-
sição da baía e do porto de Assab no Mar Vermelho, para servir de estação às
novas rotas comerciais de Suez-Mar Vermelho. Posteriormente, em 1882, o
governo italiano apossou-se de Assab, que se converteu em núcleo da colônia
italiana na costa do Mar Vermelho, mais tarde chamada Eritreia.
Com estes precedentes, em 1º de janeiro de 1885, o diário pró-gover-
namental Il Diritto anunciou a decisão do governo de estabelecer colônias na
África e, com isso, a Itália se somaria a outras potências europeias na corrida
para estabelecer um império colonial. Animado pela Inglaterra, um destaca-
mento de 1.500 soldados, preparados para isso, partiu de Nápoles em 17 de
janeiro de 1885; em 5 de fevereiro, ocupava a cidade costeira de Massawa,
ao norte de Assab. Os governos do Egito e da Turquia protestaram apenas
simbolicamente. A segunda e a terceira expedições, 12 e 24 de fevereiro, con-
firmaram o domínio italiano ao largo da costa. A partir dali, contingentes
italianos começaram a penetrar nas terras altas do interior. Apesar de algumas
reticências, o Parlamento italiano aprovou, por 180 votos e 97 contrários, a
empresa colonial do Mar Vermelho. Em 2 de dezembro de 1885, Massawa
seria declarada oficialmente colônia italiana.
Em novembro do ano anterior, um grande contingente de reforços zar-
para para Massawa (Eritreia) em outros 5 vapores. Em março, as tropas italia-
nas penetraram no território da Etiópia e ocuparam novamente Dogali, Saati
e outras localidades. A esta ação seguiu-se um intenso protesto do negus João
IV, rei de Tigré, a quem a Inglaterra garantia a posse desses lugares no tratado
de 3 de junho de 1884. Quando os italianos exigiram que fosse reconhecida
a sua posse do território já ocupado, as negociações foram interrompidas e os
italianos penetraram até a meseta etíope.
Em 26 de janeiro de 1887, um contingente de 500 soldados italianos foi
massacrado na Eritreia, em Dogali-Saati pelo ras Mula, governador da região
de Hamasen. Saati, posto avançado italiano no interior da Eritreia, a oeste de

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

Massawa, foi sitiado por Mula. Os soldados enviados em sua ajuda sofreram
uma emboscada e foram aniquilados em Dogali. O massacre de Dogali pro-
vocou em Roma e em outras cidades italianas manifestações maciças contra a
política do governo colonial.
No início de janeiro de 1889, o negus João IV, imperador da Etiópia,
fez uma aliança com seu rival o ras Menelik II, rei de Shewa ou Shoa, desig-
nando-o seu sucessor.22 Após a morte de João IV e da sucessão de Menelik
como imperador, em 10 de março de 1898, começaram as negociações; pelo
tratado de Uccialli, datado em 2 de maio e redigido em italiano e etíope, a
Itália reconheceu Menelik como imperador e este concedeu à Itália as con-
quistas feitas na costa do Mar Vermelho (Eritreia), mas recusou as intenções
da Itália de impor um protetorado colonial na Etiópia. A Itália reclamou o
protetorado de acordo com um artigo que previa a representação italiana da
Etiópia nas relações internacionais23 e que envolvia a existência de um pro-
tetorado. Os corpos militares italianos avançaram a oeste e, sem oposição,
ocuparam Asmara no interior da Eritreia. Enquanto isso, uma delegação da
Etiópia chegou à Itália para uma conferência com o ministro de Assuntos
Exteriores a fim de atualizar e concluir o tratado de Uccialli. A Itália poderia
manter os territórios já ocupados em troca de uma substancial ajuda finan-
ceira à Etiópia.
Especialistas do ministério italiano de Assuntos Exteriores não compro-
varam a correspondência exata dos textos do tratado e não levaram em conta
que o artigo sobre a representação, em virtude do qual a Itália reclamava o
protetorado, inexistia no texto etíope.
A Etiópia – de boa fé? – nada sabia de um protetorado; mas em 11
de outubro, o primeiro-ministro Crispi – de boa fé? – pôs-se em contato
com todos os embaixadores acreditados perante os governos signatários da
Conferência de Berlim de 1885 para dar-lhes conhecimento do protetorado
italiano “de fato” sobre a Etiópia. Alguns dias mais tarde, falando ao Parla-
mento, ele sublinhou a histórica “missão civilizadora” da Itália, exaltando as
vantagens que trariam as colônias para a indústria e o comércio italianos.
Em novembro, a Itália ampliava seu protetorado até a costa Benadir, ao
sul da Somália. Numa conferência internacional celebrada em Bruxelas, em
18 de novembro, sob a presidência do cardeal Carlos Lavigerie, arcebispo

22
João IV (1831-1889) derrotara Menelik na luta para suceder Tewodros II como imperador da
Etiópia (1872-1889). Deve-se reconhecer-lhe o fato de ter preservado a Etiópia da invasão do Sudão e
da Itália. Morreu em batalha contra os mahdistas sudaneses, em 1889.
23
O artigo 17, presente no texto italiano do tratado, inexistia na versão etíope.

29

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Dom Bosco: história e carisma 3

de Argel e primaz da África do Norte, na qual foi abolido o comércio de es-


cravos, a Itália, que se comprometera com a abolição no tratado de Uccialli,
representou a Etiópia na conferência.
As colônias italianas do Mar Vermelho, por decreto real de 5 de janeiro
de 1900, passaram a chamar-se oficialmente “Eritreia”. Eram administradas
por um governador auxiliado por três conselheiros do ministério de Assuntos
Exteriores.

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Apêndice

LEÃO XIII (1810-1903). NOTA BIOGRÁFICA

Vicente Joaquim Pecci nasceu em Frosinone em 2 de março de 1810.


Foi eleito Papa com o nome de Leão XIII no dia 20 de fevereiro de 1878.
Morreu em 20 de julho de 1903.

Bispo e diplomata
Sexto de sete filhos de uma família da aristocracia menor, Vicente Joaquim
Pecci foi educado pelos jesuítas em Viterbo e no Colégio Romano, antes de
chegar à Academia dos Nobres, em Roma, para formar-se no serviço diplo-
mático papal.
Foi ordenado padre em 1837. Como legado pontifício em Beneven-
to, nos Estados Pontifícios (1838-1841), e arcebispo governador de Perúgia
(1841-1843), demonstrou grande energia contra a bandidagem e em opo-
sição aos liberais. Jovem clérigo, excepcionalmente audacioso, foi nomeado
núncio na Bélgica e feito arcebispo titular de Damietta (1843).
Enquanto esteve em Bruxelas, interveio nas missões diplomáticas em
Londres, Paris e Roma. Seu serviço diplomático foi interrompido ao interfe-
rir na política belga, num litígio entre o governo e os bispos sobre a educação.
Foi chamado a Roma por desejo expresso do rei Leopoldo I.
Em 1846, foi nomeado novamente arcebispo de Perúgia, tendo exercido
ali o seu ministério até 1878. Demonstrou interesse especial pelos estudos e
pela formação no seminário. Com a ajuda de seu irmão José, jesuíta e pro-
fessor no seminário, partidário da renovação do tomismo, estabeleceu, em
1859, a Academia de Santo Tomás. Durante os eventos revolucionários de
1859-1860, reafirmou a legitimidade do poder temporal do Papa e protestou
com firmeza contra a política religiosa do governo italiano. No Concílio Va-
ticano I, embora votando com a maioria, não foi membro destacado.

31

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Dom Bosco: história e carisma 3

Foi nomeado cardeal em dezembro de 1853, mas não pertenceu ao


núcleo do governo papal. O cardeal Antonelli, secretário de Estado de Pio
IX, considerava-o suspeito na questão dos Estados Pontifícios e desconfiava
dele. As cartas pastorais do arcebispo (1876-1877) sobre a Igreja e a civiliza-
ção, insistindo que a Igreja devia entrar na corrente da civilização moderna,
chamaram muito a atenção. Em 1877, um ano depois da morte do cardeal
Antonelli, Pio IX nomeou-o camerlengo, cargo que se responsabiliza pela ad-
ministração da Igreja à morte de um Papa.

Sumo Pontífice
Tradicionalmente, o cardeal camerlengo não costuma ser eleito Papa.
Entretanto, no conclave que se seguiu à morte de Pio IX, em 1878, o cardeal
Pecci, candidato dos moderados, foi eleito na terceira votação, com 44 dos
61 votos; era o dia 20 de fevereiro de 1878. Apesar de seus 68 anos de idade,
não seria um Papa de transição.
Ocupou o cargo até a morte em 1903 aos 93 anos de idade. Seu pontifi-
cado foi um dos mais significativos dos últimos tempos pelos seus numerosos
ensinamentos, suas iniciativas e seu excepcional prestígio. Embora paciente,
conciliador e prudente, demonstrou vontade firme e serena energia em suas
ações. Em muitos aspectos era tão conservador quanto o seu predecessor, mas
foi, sem dúvida, mais pragmático. O fato de, em 1879, nomear John Henry
Newman24 como cardeal indica que era capaz de aceitar diferentes pontos de
vista teológicos, coisa impossível em Pio IX.
Em continuidade com a iniciativa de Pio IX, Leão XIII favoreceu a de-
voção ao Sagrado Coração de Jesus. Sua encíclica Annum Sacrum, de 25 de
maio de 1899, consagrou o gênero humano ao Sagrado Coração.25 Muito
devoto da Virgem, escreveu uma encíclica sobre o rosário e acrescentou a
invocação “Mãe do Bom Conselho” às ladainhas lauretanas. Dedicou 9 encí-
clicas sobre a devoção à Santíssima Virgem e ao Rosário. Deu muita atenção
às missões. Seu pontificado coincidiu com o apogeu do colonialismo. Para
acelerar a abolição da escravidão africana, publicou 2 encíclicas, In Plurimis,
de 5 de maio de 1888 dirigida à jerarquia do Brasil, e Catholicae Ecclesiae,
de 20 de novembro de 1890. Valendo-se da concordata de 23 de junho de
1886, limitava o direito do patronato do rei de Portugal na Índia apenas às
possessões portuguesas. Nesse mesmo ano, estabeleceu a jerarquia na Índia.

Beatificado pelo papa Bento XVI, em 19 de setembro de 2010.


24

Sobre a solene consagração da Congregação Salesiana ao Sagrado Coração, por iniciativa do


25

padre Rua, ver Annali II, 92-103.

32

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

A Congregação para a Propagação da Fé reorganizou as missões na China,


embora o protetorado francês sobre os católicos na China não permitisse a
criação de uma nunciatura em Pequim (1886).
Leão XIII tinha grandes esperanças na união das Igrejas orientais e
eslavas. Dom Strossmayer incentivou o Pontífice a demonstrar seu inte-
resse por isso.26 A encíclica Grande Munus, de 30 de setembro de 1880,
recordava a aprovação da Santa Sé aos métodos apostólicos dos santos Ci-
rilo e Metódio. O Congresso Eucarístico de Jerusalém, em 1893, e a carta
apostólica Orientalium, de 30 de novembro de 1894, que se ocupava de
questões rituais, reafirmaram suas esperanças na união, que não se materia-
lizou. Nomeou uma comissão papal em 1895 para estudar as ordenações
anglicanas. Mas, na carta apostólica Apostolicae Curae, negou sua validade
em 13 de setembro de 1896, diminuindo muito as perspectivas de união
com o anglicanismo.
Quanto ao campo intelectual, a encíclica Aeterni Patris (4 de agosto
de 1879), foi de importância decisiva. Estimulado por seu irmão, cardeal
José Pecci, e pelo padre Mateus Liberatore,27 procurou renovar o pensamento
filosófico na Igreja tendo o tomismo por base, a fim de garantir uma sadia
doutrina nos seminários. No tomismo, ele encontrou o corpo de pensamento
que iria utilizar na oposição ao liberalismo, nos planos político e social. A
reorganização da Academia Romana de Santo Tomás (1886), a nomeação de
Désiré-Joseph Mercier para uma cátedra de tomismo em Lovaina28 (1882) e a
infeliz condenação, em 1887, das 40 proposições das obras do padre Antônio
Rosmini-Serbati faziam parte do seu plano de restauração do tomismo.
Em 1881, com a abertura dos arquivos vaticanos aos pesquisadores,
Leão XIII demonstrava concretamente seu interesse na promoção da pesquisa
acadêmica. Na encíclica Providentissimus Deus, de 18 de novembro de 1893,
abriu caminho para a exegese bíblica católica; mas com a criação da Pontifícia
Comissão Bíblica (1902) aplicou uma política mais restritiva no momento
em que crescia o Modernismo.
26
Josip Juraj Strossmayer (1816-1905), bispo de Diakovo, na Croácia, sob o império austríaco,
era um ardente promotor da união das Igrejas ortodoxas com Roma. Trabalhou para isso com o filósofo
russo Vladimir Soloviev (1853-1900), sendo repreendido pelo imperador Francisco José (1888), mas
defendido pelo Papa.
27
Mateus Liberatore (1810-1892), filósofo e teólogo jesuíta, foi cofundador e editor da revista
conservadora Civiltà Cattolica. Com epistemologia tomista, rebateu John Locke e Immanuel Kant e
escreveu contra Antônio Rosmini-Serbati, cujos escritos filosóficos foram condenados, embora sua
obra tenha sido reabilitada após a beatificação por Bento XVI em 18 de novembro de 2007.
28
Désiré-Joseph Mercier (1851-1926), famoso teólogo tomista, foi nomeado arcebispo de Ma-
linas e primaz da Bélgica em 1906 e feito cardeal no ano seguinte.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Ao tratar da questão da organização da sociedade e das relações entre


Igreja e Estado, Leão XIII publicou as famosas encíclicas Diuturnum Illud
(29 de junho de 1881), Immortale Dei (1o de novembro de 1885), Libertas
(20 de junho de 1888) e Sapientiae Christianae (10 de janeiro de 1890), que
reafirmaram a condenação de Gregório XVI e de Pio IX aos princípios do
liberalismo. Recordaram também a origem divina da autoridade e a união
adequada entre Igreja e Estado, duas sociedades “perfeitas”. As encíclicas
mostraram também que a Igreja não era de forma alguma hostil ao governo.
E colocavam em contraste a “liberdade legítima e honesta” e a “liberdade ab-
soluta”, que nega qualquer referência a Deus e admite a coexistência de diver-
sos cultos. Era urgente especialmente aos católicos a aceitação das instituições
existentes para o bem comum, a participação na vida política, a utilização da
imprensa e do parlamento no interesse da Igreja.
As questões sociais também foram tema das encíclicas papais, que ga-
nharam ampla audiência, mesmo entre não crentes. A Quod Apos­tolici Mu-
neris (28 de dezembro de 1878) condenava o socialismo. Arcanum (10 de
fevereiro de 1880) definia o conceito cristão de família. A Rerum Novarum
(15 de maio de 1891) foi o seu pronunciamento social mais importante; diri-
gida contra o socialismo e o liberalismo econômico, inspirava-se nos estudos
sociais católicos e deu forte impulso ao Movimento Social Cristão. A ideia
de “democracia cristã” começou a circular na Bélgica, na França e na Itália.
Contudo, a encíclica Graves de Communi Re (18 de janeiro de 1901), que
acolhia o termo democracia cristã, esvaziava-a de suas conotações políticas,
ao defini-la como “ação benéfica cristã em favor do povo”.

Política com os vários Estados


Leão XIII esforçou-se para que o papado tivesse um papel importante
nos assuntos internacionais. Em muitas ocasiões, recordou a missão da Igreja
como construtora de paz e indicou os custos da paz armada. Porém, sua po-
lítica – e a dos seus sucessivos secretários de Estado (Franchi, Nina, Jacobini,
Rampolla) – viu-se dominada pelo contraste entre a atitude intransigente em
relação à questão romana e a busca de uma solução dos conflitos, levantada
com vários governos no final do pontificado de Pio IX. Mas, apesar dos con-
tratempos, o pontificado de Leão XIII obteve êxitos notáveis.

Itália
Tão logo eleito, Leão XIII protestou contra a situação sofrida pelo Papa
em Roma. Depois de fracassarem várias tentativas de conciliação, não esperava

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

que se resolvesse a questão mediante negociações diretas com o Reino da Itália.


Deste ponto de vista, o ano de 1887 e a nomeação do cardeal Rampolla como
secretário de Estado foram decisivos. A partir de então, o Pontífice procurou
em vão resolver o problema no plano internacional, colocando suas esperanças
na Alemanha, com o desaparecimento da Kulturkampf e, depois, na França.
Em relação aos católicos italianos, manteve a política do Non Expedit, que
exigia a abstenção da política e da participação nas eleições. Enquanto isso,
a partir de 1875, um grupo de católicos conservadores criou um movimento
civil para a ação social na Obra dos Congressos.

Alemanha
A Kulturkampf na Alemanha e a consequente perseguição da Igreja Cató-
lica chegaram ao fim depois de longas negociações. O partido de centro queria
a abolição completa das leis que impuseram restrições severas à vida e ação da
Igreja. Leão XIII ficou satisfeito com alguns acordos parciais de compromisso
(1880 e 1883). Só em 1886-1887 as leis foram formalmente revistas.

Bélgica
O Papa precisou enfrentar o profundo anticlericalismo da Bélgica. A
escola belga de Direito (1879) criou o conflito que ocasionou a ruptura das
relações diplomáticas com o Vaticano (junho de 1880). Não obstante, Leão
XIII convidou os católicos belgas intransigentes a acatarem a Constituição
de seu país. Foi nesse período que se formou um verdadeiro partido católico,
cujo êxito nas urnas (1884) deu lugar à renovação das relações diplomáticas.

França
Na França, Leão XIII pediu moderação aos católicos no momento de
votar as leis laicas. Depois de terem resultado vãs as esperanças de uma mo-
narquia restaurada e de fracassar o boulangismo,29 o Papa pressionou os cató-
licos franceses a aceitarem a Terceira República. Desde a saudação de Argel
pronunciada pelo cardeal Lavigerie em 12 de novembro de 1890, a encíclica
Au Milieu des Sollicitudes (16 de fevereiro de 1892), promoveu o Ralliement.30

29
O boulangismo (em francês: boulangisme ou la Boulange) foi um movimento político francês
do final do século XIX (1886-1891) que se opunha ao regime parlamentar da Segunda República fran-
cesa. Seu nome deriva do general Jorge Boulanger, militar que foi ministro da Guerra, alcançou grande
popularidade por suas reformas e preocupou o governo por seus discursos bélicos.
30
O Ralliement designa a posição de uma parte dos católicos franceses que, seguindo os con-
selhos do papa Leão XIII e de sua encíclica Inter Innumeras Sollicitudines, aderiram à República. Essa

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Dom Bosco: história e carisma 3

Esta política foi interrompida, ao menos por algum tempo, pelo dissenso
entre os católicos franceses, por causa do posicionamento em relação ao caso
Dreyfus31 e a nova onda de anticlericalismo que levou à votação (1901) da Lei
das Associações e à eleição de Emílio Combes como primeiro-ministro.

Espanha
Leão XIII reconheceu discretamente a legitimidade da monarquia afon-
sina, sublinhando a necessidade da independência política por parte da Igreja
espanhola, independência que significava implicitamente sua desvinculação
do carlismo. Deu prioridade à tarefa de pôr fim às divisões políticas e di-
násticas existentes entre os católicos espanhóis, embora estivesse ciente do
obstáculo que supunha superar nesta meta sem se indispor com o clero e o
laicato comprometidos com o carlismo e, de fato, apesar de suas exortações,
não chegou ao objetivo.32
O Papa, em 1885, intermediou a disputa entre o Império alemão e a
Espanha sobre as ilhas Carolinas na Micronésia. A expansão colonial alemã
levou a ocupar as ilhas que estavam sob o domínio espanhol; por isso, no
conflito suscitado, buscou-se a arbitragem do Pontífice. Leão XIII deliberou
que aqueles territórios pertenciam de fato e de direito à Espanha, embora
tivesse que ceder alguns privilégios comerciais e uma opção preferencial a
favor da Alemanha no caso em que finalmente se decidisse pela venda das
ilhas. Esta opção de compra será exercida pela Alemanha depois do conflito
de 1898 entre Espanha e Estados Unidos. O Vaticano também intermediou
na guerra hispano-americana de 1898. A explosão do encouraçado america-
no Maine na baía de Havana, Cuba, em 15 de fevereiro de 1898, marcou um
ponto de não retorno e precedeu de apenas um mês à declaração de guerra.
Numa corrida contra o tempo, o Vaticano fez algumas gestões. Quando a

adesão não significava a aceitação da legislação hostil ao catolicismo, mas simplesmente o reconheci-
mento da República como poder constituído e realmente existente naquele momento. Após o fracasso
dos partidários do general Boulanger (1831-1891), alguns católicos franceses, com o cardeal Lavigerie
à frente, pensaram que o dever deles como cidadãos era unir-se às outras forças políticas para apoiar
o governo existente, aceito pelo povo. Apoiado por Leão XIII, o movimento encontrou a oposição de
todos os outros partidos políticos franceses.
31
Alfred Dreyfus (1858-1935), judeu, capitão do exército francês, foi condenado por traição
em 1894 e encarcerado na Ilha do Diabo. Uma investigação posterior, provocada em grande parte
por Emílio Zola (1896), provou que a acusação baseava-se em documentos falsificados por militares
franceses. Durante a repetição do julgamento sua causa foi motivo de grandes divisões políticas, em
que o antissemitismo jogava um papel decisivo. Condenado pela segunda fez (1899), foi anistiado pelo
presidente Loubet. Mais tarde, em 1906, sua inocência foi reconhecida e sua patente militar restituída,
sendo-lhe concedida a medalha da Legião de Honra.
32
Cf. W. J. Callagan, La Iglesia católica en España. Barcelona: Crítica, 2002, 41-45, 70, 257.

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Contexto histórico dos últimos anos de Dom Bosco (1876-1890)

Conferência de Paz de Haia se reuniu em 1899, o Papa não foi convidado por
oposição do governo italiano.

Outras nações
As relações foram tensas com a Áustria-Hungria, cujas autoridades se
mostraram particularmente desafiadoras em relação ao cardeal Rampolla. A
melhora das relações do Vaticano com a Rússia, condição para a união com
as Igrejas ortodoxas, incomodara a corte de Viena.
Leão XIII expressou em muitas ocasiões os seus sentimentos favoráveis
aos Estados Unidos. Acompanhou de perto o crescimento do catolicismo
naquele país, como deixou claro ao nomear dom Satolli como delegado apos-
tólico (1893) e com a encíclica Longinqua (6 de janeiro de 1895). As disputas
sobre o “americanismo” terminaram com a carta Testem Benevolentiae (22 de
janeiro de 1899).
As relações com as nações latino-americanas melhoraram. No quarto
centenário de Colón, publicou uma encíclica aos arcebispos da Espanha, da
Itália e da América (16 de julho de 1892). Em 1899 reuniu-se em Roma um
importante concílio representando a Igreja desses países.

Uma avaliação
Leão XIII foi um diplomata de peso; sua eleição marcou uma mudan-
ça no estilo do papado. Tinha um espírito mais liberal e tolerante do que o
seu predecessor. Reduziu a distância intelectual entre a Igreja e a sociedade
moderna, promovendo em todos os seminários católicos o estudo renovado
de Santo Tomás de Aquino. O que deu lugar à propagação da doutrina da
inexistência de conflito entre a verdadeira ciência e a verdadeira religião. Pro-
moveu o estudo da história da Igreja, acreditando, entre outras coisas, que o
estudo esclareceria as contribuições da Igreja para o progresso da civilização.
Apoiou a ciência experimental entre católicos eminentes.
À medida que seu pontificado avançava, Leão XIII percebeu que a de-
mocracia poderia ser útil tanto quanto a monarquia para a preservação e o
fortalecimento dos princípios católicos. Por conseguinte, incentivou os par-
tidos políticos católicos de tendência claramente liberal na Alemanha e na
Bélgica. Adotou uma atitude amistosa com o governo da República Francesa.
Foram dadas instruções aos católicos para que deixassem os princípios mo-
nárquicos e apoiassem a república.
Em 1890, porém, a política do Ralliement na França foi motivada tam-
bém pelo desejo do Papa de garantir a ajuda francesa para a solução da

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questão romana. As relações com o governo italiano tinham piorado; numa


encíclica dirigida ao clero italiano, de 5 de agosto de 1898, insistiu no dever
de os católicos italianos se absterem da vida política, enquanto o Papa con-
tinuasse confinado numa “intolerável” situação.
A encíclica sobre a condição operária, Rerum Novarum (15 de maio de
1891), destinava-se a aplicar os princípios cristãos às relações entre capital e
trabalho; valeu-lhe o título de “Papa dos operários”. Declarava que as classes
capitalistas, incluídos os empresários, tinham importantes deveres morais a
cumprir, e que melhorar a situação dos trabalhadores era um dos primeiros
deveres da sociedade, com a colaboração do Estado e da Igreja.
Leão XIII modificou os princípios políticos de Pio IX. Manteve em suas
encíclicas a condenação de muitas fases do liberalismo e do nacionalismo, e
reiterou a opinião de que a Igreja devia supervisionar e dirigir todas as formas
da vida secular. Contudo, diversamente de seu predecessor, nunca apareceu
como partidário declarado de nenhuma forma particular de governo. Foi seu
objetivo a colaboração harmoniosa entre a Igreja e o Estado. Em relação à
Kulturkampf alemã, adotou uma atitude moderada e conciliadora, e obteve
sucesso ao conseguir a anulação da legislação contra a Igreja.

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Capítulo II

FUNDAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
INICIAL DA OBRA SALESIANA
NA FRANÇA, ITÁLIA E ESPANHA
(1875-1888)

A obra salesiana viveu nos anos 1875 a 1888 um período de grande


difusão e consolidação. Já se fez anteriormente alguma menção às primeiras
fundações e à projeção missionária da Congregação. Veremos neste capítulo e
nos seguintes sua difusão ulterior em algumas nações europeias e na América
do Sul.

1. Fundações salesianas na França


Até 1874, Dom Bosco não saíra da Itália. No final daquele ano, ele
entrou pela primeira vez na França, através de Nice, território de transição,
pois fora cedida à França havia apenas quatorze anos como pagamento de
Cavour a Napoleão III pela ajuda na guerra contra a Áustria em 1859. Des-
de então, e até 1886, Dom Bosco visitou a França com muita frequência,
geralmente nos primeiros meses de cada ano. Inicialmente, até 1883, suas
visitas limitaram-se ao sul da França, onde se localizavam as casas salesianas
e onde criara um ativo grupo de colaboradores e benfeitores. Em 1883, vi-
sitou o norte da França para fundar em Paris e Lille. Paralelamente, Madre
Mazzarello visitava o sul da França, onde foram estabelecidas as obras das
Filhas de Maria Auxiliadora.

Casas salesianas no sul da França: de Nice a Marselha


Nice: novembro de 1875
SDB: Oratório e Patronato São Pedro: Orfanato. Diretor: padre José Ronchail.

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Dom Bosco entrou em Nice, chamado pelos membros das conferências de São
Vicente de Paulo daquela cidade. O conde Cays, presidente das conferências
de Turim, escrevera a Nice para comunicar que tinham em Turim 6 conferên-
cias de adultos, às quais estavam agregadas outras 3 de jovens, sob a direção
do piedoso e caridoso sacerdote padre João Bosco.1 Em 1874, o presidente da
conferência de Nice, Ernesto Michel, que fundara um patronato para apren-
dizes da localidade, pensou em entregá-lo a Dom Bosco e convidou-o para
visitar a cidade. A capacidade do patronato era muito limitada: dois quartos,
uma sala de aula e um celeiro transformado em capela.2 A visita de Dom Bos-
co a Nice, segundo Michel, foi feita por volta de 10 de dezembro de 1874.
O bispo da diocese, dom Pedro Sola, natural de Carmagnola, admirador de
Dom Bosco, sempre o apoiou. Em novembro de 1875, abriu-se a nova sede
num dos endereços de uma empresa falida, a fiação Avigdor, no número 21
da Rua Victor. Como diretor, foi nomeado o padre Ronchail, um italiano que
falava bem o francês. Acompanhavam-no o coadjutor Felipe Cappellaro e o
clérigo João Batista Perret. A obra foi transferida logo depois a um lugar mais
digno e espaçoso, situado na Praça das Armas, inaugurada oficialmente no dia
12 de março de 1877. Inicialmente, contava com um oratório e um internato
para aprendizes. Chamou-se Patronage Saint Pierre (Patronato de São Pedro),
porque assim se chamavam as conferências de São Vicente de Paulo em Nice
e como homenagem ao bispo da diocese. Aos poucos, foram-se abrindo novas
oficinas de sapataria, alfaiataria e carpintaria. Mais tarde, foi criada a forjaria
e, ao mesmo tempo, teve início a escola secundária para os internos.
Dom Bosco mandou imprimir para a ocasião um fascículo bilíngue, que con-
tinha pela primeira vez a sua carta-tratado sobre o Sistema Preventivo.3
As Filhas de Maria Auxiliadora também fundaram em Nice o Internato de
Santa Atanásia, em setembro de 1877.

1
Cf. Noces d’or de la Societé de St. Vincent de Paul a Nice, 1844-1894. Nice: Patronage Saint-
-Pierre, 1894.
2
Em relatório de 1894, Michel narra um diálogo, evidentemente adaptado, que manteve com
Dom Bosco, e cita algumas de suas memoráveis palavras: “Nas obras de Deus, só se deve ter em vista
se são necessárias ou não. Não sendo necessárias, não é preciso ocupar-se delas; mas, sendo necessárias,
deve-se fazê-lo sem medo; os meios materiais são o acréscimo que Deus prometeu, e ele mantém sua
promessa”. À pergunta sobre o que iria fazer, respondeu: “Enviarei 2 sacerdotes [...] que começarão a
trabalhar e, enquanto trabalham, verão o que é necessário fazer”. E o que se deve dar a esses sacerdotes?
“Um local ao abrigo da chuva e um pouco de sopa todos os dias” (Noces d’or, 60-61. Cf. F. Desramaut,
Don Bosco, 942).
3
Cf. MB XII, 118s, 530s; XIII, 106s.126s, 107s, 118s, 122s, 529, 536s.

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Marselha: julho de 1878


Internato São Leão. Diretor: padre José Bologna; mais tarde, seria inspetor.
Dom Bosco pensava em Marselha por ser uma cidade com porto muito im-
portante. Em 1878, chegaram os dois primeiros salesianos: padre José Bolog-
na e coadjutor Luís Nasi, para se encarregarem da direção de uma pequena
obra paroquial, dirigida pelos Irmãos das Escolas Cristãs. Teve início, assim,
uma escola elementar e um modesto internato para aprendizes que, com os
anos, foi crescendo sempre sob a atenta solicitude de Dom Bosco. Recebeu o
nome de Oratório de São Leão, em homenagem ao papa Leão XIII.4
Duas fundações tiveram duração efêmera: uma em Canes, de outubro de
1877 a 1878; e outra em Challonges, diocese de Annecy, em 1879.5

La Navarre, fazenda em La Crau d’Hyères: julho de 1878


Orfanato e Escola Agrícola São José. Diretor: padre Pedro Perrot; mais tarde,
seria inspetor.6
Aparentemente Dom Bosco, depois de um sonho, no qual era induzido a
aceitar um novo campo de trabalho para a juventude rural,7 aceitou a obra
fundada pelo padre Vincente em La Navarre, perto de Toulon. Tratava-se de
uma fazenda em que os jovens órfãos eram orientados para o trabalho em
atividades do campo. Era a primeira vez que os salesianos se encarregavam de
uma “colônia agrícola”. Como diretor, foi nomeado o jovem padre italiano
Pedro Perrot, que tomou posse da fazenda em julho de 1878.
Depois dos salesianos, as Filhas de Maria Auxiliadora estabeleceram-se em La
Navarre nesse mesmo ano de 1878.

Sainte-Marguerite, próximo a Marselha: setembro de 1883


Noviciado da Divina Providência
Outro sonho indicou a Dom Bosco o lugar para estabelecer um noviciado.
Em 1878, o pároco padre Clemente Guiol, que propiciara a entrada dos

Cf. H. Faure, Don Bosco à Marseille: histoire de l’Oratoire Saint Léon 1878-1958. Marselha:
4

Imprimerie Don Bosco, 1959. Cf. MB XIII, 93s, 736s: Sra. Prat-Noilly, benfeitora; 620-623: chegada;
631-632: noviciado.
5
Cf. MB XIV, 338s.
6
Cf. MB XIII, 523, 526, 536: SDB; 725: FMA.
7
Cf. Y. Le Carrérès, “Les colonies ou orphelitants agricoles tenus par les salésiens du Don
Bosco en France de 1878 a 1914”. In: F. Motto (ed.), Insediamenti, 140.

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Dom Bosco: história e carisma 3

salesianos em Marselha, mencionara em carta a Dom Bosco a conveniência


de estabelecer um noviciado na França. Dom Bosco também pensava que
era necessário. Em seu primeiro relatório trienal à Santa Sé sobre o estado
da sociedade (1879), Dom Bosco mencionava que já se criara um novicia-
do na França, com a permissão de Roma; declaração de algo não realizado,
que provocou uma animada discussão. Em 1880, Dom Bosco sonhou com
uma casa espaçosa numa região bonita e arborizada, extensão de terra que
incluía um bosque de pinheiros atravessado por um riacho. Contou-o ao
padre Guiol, que ficou um tanto cético, pois a oferta da senhora Broquier
não correspondia ao lugar sonhado. Em 1883, apresentou-se uma segun-
da oferta: um terreno em Saint-Marguerite, oferecido pela senhora Pastré,
dama parisiense cuja filha fora curada por Dom Bosco. A propriedade agora
correspondia à descrição do sonho. O noviciado foi ali estabelecido em
setembro de 1883. Em 1885, o número de noviços chegou a 16, todos eles
clérigos, exceto um coadjutor.8

Oratório e orfanato de São Pedro, Nice, segundo gravura de 1878.

Fundações no norte da França: Lille e Paris


As primeiras fundações francesas, com exceção de Challonges, que não
prosperou, localizavam-se ao sul da França, ao longo da costa mediterrânea.

8
Cf. MB XIII, 732s; XIV 55, 84, 92: previsto ainda em 1878; XV, 53s: o sonho de Dom Bosco,
1880; progresso; XVII, 49s: estabelece-se, sonho “realizado”; 438.643s.

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Dom Bosco, ainda em 1878, desejava estabelecer a obra salesiana em Paris.


Foram feitas algumas gestões para que os salesianos assumissem um gran-
de orfanato fundado pelo padre Roussel, nos subúrbios de Auteuil, mas
algumas condições sobre a propriedade e a gestão além da insistência do
cardeal Guibert de impor um ano de experiência, obrigaram Dom Bosco
a declinar da oferta. Paris continuava a ser uma importante meta, difícil
de alcançar.
Em fevereiro-março de 1883, Dom Bosco iniciou uma longa e difícil
viagem através da França, a partir da costa mediterrânea, passando por Lyon,
até o norte, a Paris e Lille.9 Uma das finalidades da viagem era explorar a pos-
sibilidade de fundações salesianas nessas duas cidades do norte.

Lille, próxima à fronteira belga: janeiro de 1884


Patronato de São Gabriel. Diretor: padre José Bologna.10

Durante sua permanência em Lille, em 1883, Dom Bosco visitou o orfanato


de São Gabriel, dirigido pelas Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo.
Fora fundado em 1874 para acolher órfãos da guerra franco-alemã. Como
a maior parte dos órfãos era de adolescentes, o orfanato foi oferecido aos
salesianos. Padre José Bologna, que estava em Marselha, foi nomeado diretor,
tomando posse em 29 de janeiro de 1884, com a bênção do bispo de Cambrai
Quesnay-Lille. Havia muitos problemas a resolver: a casa, muito pequena, era
insuficiente; os jovens eram indisciplinados; o centro carecia de oficinas pró-
prias. Padre Bologna começou a desenvolver o orfanato com sucesso, com a
instalação de oficinas provisórias e a organização dos salesianos cooperadores,
segundo o modelo de Marselha.
O orfanato foi objeto de especial caridade da senhorita Clara Louvet, de Ai-
re-sur-la-Lys, pequeno povoado perto de Lille. Conhecera Dom Bosco na
Riviera, onde ela estava em férias, e visitou-o em Turim. Convertera-se em
generoso apoio da obra salesiana, ainda antes da visita de Dom Bosco a Lille
em 1883. Suas contribuições para a igreja do Sagrado Coração de Roma e as
missões da América do Sul foram notáveis, muito apreciadas por Dom Bosco.
Estando em Lille, em 1883, Dom Bosco quis visitá-la em sua casa; não pôde
fazê-lo e teve de renunciar à viagem. Suas cartas, datadas entre 1882 e 1887,

9
Cf. MB XVI, 259s.
10
Cf. MB XVII, 353s: fundação; 771s. Anexo 49: documento contratual.

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Dom Bosco: história e carisma 3

demonstram que foi colaboradora destacada no norte da França,11 como o


conde Luís Colle o foi no sul.12

Paris: 1884-1885
Patronato de São Pedro. Diretor: padre Carlos Bellamy.13
Durante sua permanência em Paris em 1883, Dom Bosco falou publicamente
da intenção de estabelecer uma fundação salesiana na capital. Entre as várias
ofertas recebidas em 1884, considerou a do Internato de São Pedro como a
mais prometedora. Fora fundado em 1878 pelo padre Paulo Pisani, conheci-
do historiador da Igreja, em Ménilmontant, animado distrito de classe operá-
ria de Paris. Desde que fora nomeado membro do Instituto Católico, em 1884,
padre Pisani procurava alguém que se encarregasse da obra; de aí a sua oferta.
Depois de algumas visitas de reconhecimento dos padres Durando e Camilo
de Barruel, e do inspetor, padre Albera, na reunião do Capítulo Superior em
fins de setembro de 1884, estando Dom Bosco convalescente, foi decidida a
fundação. Padre Albera, atuando em nome de Dom Bosco, comprou a pro-
priedade e assinou a escritura.
Importantes benfeitores, como o marquês de Franqueville, a condessa de Ces-
sac, ambos de Paris, e a condessa Georgina Stacpoole, de Londres e domicilia-
da em Roma, reuniram o dinheiro para a compra da propriedade e apoiaram
a obra. Padre Bellamy, sacerdote de Chartres, que se fizera salesiano no ano
anterior, foi nomeado diretor em 29 de janeiro de 1885. O pároco local, num
primeiro momento, opôs-se à tomada de posse dos salesianos, mas aceitou-a
mais tarde. O pessoal leigo permaneceu. Estudantes universitários ajudaram
os jovens. Era um início prometedor.

11
As informações que nos chegaram sobre a senhorita Louvet são escassas. Pode-se ver sua correspon-
dência com Dom Bosco em MB XV, 58s; MB XVI, 641s; Epistolario IV Ceria, 447-479. Cf. J. Itzaina,
“Charitable Mademoiselle: Don Bosco’s fifty-eight letters to Clara Louvet”, JSS 1 (1990), 35-46.
12
Luís Antônio Fleury Colle, conde Colle, de Toulon, foi um grande benfeitor e cooperador
salesiano na França, desde o primeiro encontro com Dom Bosco em 1881. Apoiou, com a maior ge-
nerosidade, as missões salesianas e outros projetos importantes, como a igreja do Sagrado Coração em
Roma. O conde e sua esposa, baronesa Sofia Maria Buchet, tiveram um filho, chamado como seu pai.
O jovem morreu de tuberculose aos 17 anos. “Apareceu” a Dom Bosco e acompanhou-o em alguns
sonhos. Dom Bosco escreveu sua biografia, publicada em francês: Biographie du jeune Louis Flery An-
toine Colle, Turim, 1882. Traduzida para o castelhano: Biografía del joven Luis Flery Colle. Montevidéu:
Editorial Don Bosco, 1954. Cf. MB XV, 83, 92, 609; MB XVI, 675s.
13
Cf. MB XVII, 359s, 364.

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

As leis contra as congregações religiosas na França (1880)


e os salesianos
Durante o século XIX numerosas congregações estabeleceram-se na
França sem a aprovação do governo. Depois da derrota de Napoleão III na
guerra franco-alemã (1870) e sua posterior abdicação (1871), foi criada a
Terceira República, cuja nova constituição foi aprovada em 1875. Em 1877,
havia cerca de 500 congregações, com mais de 20 mil membros, homens e
mulheres; muitos deles dedicados à educação. Seguiu-se um período de agi-
tação política e social, caracterizado pelo radicalismo e anticlericalismo. Sob
a presidência de Júlio Grevy (1879-1887) e dos ministros Júlio Ferry e Leão
Gambetta, a Igreja, em geral, foi atacada e, de modo particular, as comuni-
dades religiosas. Fazia parte de um programa radical de secularização, que
incluía anistia aos “comunistas”, secularização da educação, exclusão total da
educação das congregações religiosas não autorizadas e limitação do papel
dos religiosos nas escolas. Em 29 e 30 de março de 1880, o governo emitiu
os decretos que dissolviam e expulsavam os jesuítas e expulsavam de suas
casas as congregações religiosas não autorizadas. As autoridades eclesiásticas e
os leigos católicos opuseram-se com vigor; muitos magistrados renunciaram;
pareceu, por um momento, que o governo cairia. Mas prevaleceram a im-
prensa laica e a propaganda; e as leis entraram em vigor.
Dom Bosco deu instruções ao padre Ronchail: os salesianos afirmariam
que não pertenciam a uma congregação religiosa, mas eram empregados da
sociedade Beau-jour de Marselha, que ali patrocinara a fundação salesiana;
diriam simplesmente que se dedicavam a um trabalho filantrópico em favor
de jovens carentes que viviam da agricultura e trabalhavam nas fábricas.
Os superiores deviam demonstrar que eram franceses. Em Marselha,
o internato São Leão apresentava-se como parte integrante da paróquia do
padre Guiol. Um seminarista salesiano francês, porém, revelou a estratégia
às autoridades; padre Bologna, do São Leão de Marselha, esteve a ponto de
repatriar a comunidade para a Itália. Dom Bosco exortou-os a se manterem
firmes, garantindo-lhes, baseado num sonho, que não seriam expulsos.14
Enquanto isso, em 1877, a Congregação Salesiana fora dividida em ins-
petorias e a França foi constituída em 1881 como província francesa, tendo o
padre Paulo Albera como inspetor, com domicílio no São Leão de Marselha.
Naquele tempo, era costume que o inspetor desempenhasse ao mesmo tempo
o cargo de diretor da obra. Padre Bologna era o vigário ou vice-diretor.
14
Cf. MB XIV, 23s, 690s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

2. Fundações salesianas na Itália


Fundações em diversas províncias italianas
Na Itália, a expansão da obra salesiana continuou com ritmo regular
com uma média de duas ao ano. Fora do Piemonte, as fundações concentra-
ram-se no primeiro momento na Ligúria: Alassio, Varazze e Sampierdarena.

Vallecrosia, povoado entre Bordighera e Ventimiglia, na costa próxima à


fronteira com a França: 1875-1876.15

Em 1876 foi fundada a casa de Vallecrosia, perto da fronteira de Ventimiglia.


Ali a presença dos valdenses era particularmente ativa e criava problemas. O
bispo chamou os salesianos para fazer-lhes frente. Dom Bosco construiu a
igreja de Maria Auxiliadora com oratórios e escolas a cargo dos salesianos e
salesianas e obteve plenamente seu objetivo.

La Spezia, também na Ligúria foi aberta em dezembro de 1877.16

Inicialmente, houve grandes dificuldades, por causa da intensa atmosfera


anticlerical que ali havia: “Os corvos chegaram, mas esperamos que não en-
contrem com que se alimentar”, escrevia um jornal.17 Os salesianos, porém,
souberam consolidar-se e atrair o povo à sua igreja e às suas escolas.

Diferentemente, não prosperaram algumas fundações ao redor de Roma.


Em Ariccia foram oferecidas aos salesianos uma igreja e uma escola elementar
e, em Albano, um pequeno seminário. Infelizmente, os salesianos foram logo
vítimas de boatos e intrigas “de sacristia”, além do que muitos não os perdoa-
vam por procederem do Piemonte “usurpador”. Iniciadas em 1876, foram en-
cerradas em 1879. Nesses mesmos anos, Dom Bosco enviou alguns religiosos
ao seminário de Magliano Sabina, província de Rieti. O trabalho começou
com os melhores prognósticos, mas as discrepâncias com o clero local obriga-
ram-nos a abandonar o seminário alguns anos depois (1876-1884).18 Também
fracassou a fundação de Montefiascone, próxima a Roma (1878-1879).19

15
Cf. MB XI, 411s.
16
Cf. MB XIII, 291,428, 667s.
17
Citado por E. Ceria em Annali I, 271.
18
Cf. MB XII, 314, 526; XIII, 697s: Magliano Sabina; XIV, 324: Albano y Ariccia.
19
Cf. MB XIII, 692; XIV, 82, 324.

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Em 1878, os salesianos estabeleceram-se em Lucca (Toscana). Cha-


mados pelo bispo, apesar da dura oposição dos anticlericais, foi aberto um
oratório e, depois, um internato. Entretanto, as condições materiais e a des-
confiança dos párocos não permitiram que tivesse vida longa.20 Em 1880,
porém, os salesianos foram chamados a Florença para “pôr limite à nefasta
propaganda dos protestantes”.21 Criou-se, inicialmente, um oratório que logo
chegou a ter mais de 200 participantes e, depois, foi aberto um internato, que
servia como pequeno seminário.
Na Lombardia, a fundação de Cremona, 1879-1882, não vingou. Como
também a de Bríndisi, na Apúlia (sul da Itália), 1879-1880.22
Em Faenza (Emília-Romanha) foi inaugurado um oratório em 1880,
apesar das tentativas de afugentar os religiosos do lugar.23 A casa de Parma
(Emília), comprada em 1882-1883, só foi aberta em 1888.24
20
Sobre esta primeira fundação na Toscana, cf. A. Miscio, Cento anni a Livorno i Salesiani: dopo
Lucca e Collesalvetti. Livorno: Editoriale Nova Fortezza, 1998. Cf. MB XIII, 671.677.
21
Cf. A. Miscio, Firenze de Don Bosco 1848-1888. Florença: Livraria Editora Salesiana, 1991.
Cf. MB XV, 328s.
22
Cf. MB XIV, 460, 650s. Para se ter um maior conhecimento do que orientava Dom Bosco nas
fundações de novas casas, citamos suas palavras quando, no Conselho Superior, se tratou da fundação
de uma casa em Madri: “Vejam como a Providência guia a Congregação Salesiana. Pensem que, ao
abrir casas, não percebíamos com exatidão o que íamos fazer [...]. La Spezia! Fomos ali sem a ajuda
de ninguém e foi um golpe mortal para o protestantismo. Faenza! Fomos recebidos ao grito: “Morte
aos salesianos!”, grito que continuou e ainda continua. Observem: aquele seminário ia de mal a pior e
estava reduzido a quase zero. Os filhos do futuro: era esse o caos em que submergia a pobre juventude.
Saímos logo, pois nada detinha as mentiras sobre nós. Na diocese de Faenza, quase não havia sacerdotes
e alguns dos poucos eram democratas. A esperança do clero apoiava-se em alguns seminaristas dispersos
pela cidade. Contudo, desde que ali chegamos graças às iniciativas do admirável padre Paulo Taroni, o
seminário tornou-se pequeno para acolher todos os seminaristas. E notem bem que o reitor propusera ao
bispo fechar o seminário enquanto o padre Paulo Taroni, dissera: “Tragam Dom Bosco e verão”. Antes,
o seminário não tinha mais do que 20 ou 30 seminaristas, e agora tem 120 internos e 50 ou 60 externos.
E nós já temos na congregação alguns clérigos de Faenza, e espero que logo tenhamos em nossas escolas
uma abundante colheita de vocações também para nós [...]. E tudo isso se deve à pobre Congregação
Salesiana... Quando fui a Faenza, o bispo estava inquieto, porque temia que seu seminário ficasse total-
mente vazio por culpa dos salesianos. Respondi-lhe que, quando Dom Bosco ia a um lugar qualquer,
fazia-o sempre com a bênção do bispo. E que, portanto, estávamos dispostos a ir embora, se sua exce-
lência não quisesse Dom Bosco em sua diocese; que desejava permanecer em Faenza de acordo com o
Santo Padre e, se este lhe pedia contas disso, era obrigado a responder com sinceridade aquilo que vira.
O bispo acalmou-se ao ouvir esta conclusão; declarou que estava contente por Dom Bosco ter fundado
em Faenza, mas que temia pelo seu seminário. Então, padre Paulo Taroni, cheio de fé, exclamou que,
desde o momento e hora em que Dom Bosco entrara em Faenza, ele prometia que, dentro de poucos
dias, o número de seminaristas diocesanos teria aumentado em uns vinte. E aconteceu exatamente isso,
sem que eu pudesse explicar a causa de tão consolador fenômeno” (MB XVII, 599).
23
Cf. G. Ferretti (ed.), Don Bosco e i salesiani a Faenza 1877-1890. Faenza: Stampa Of­fset
Ragazzini e C., 1988. MB XV, 340s, 299; MB XVI, 404s; MB XVII, 336, 566s.
24
Cf. MB XV, 303s; MB XVIII, 433s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

No Vêneto, um pároco de Este, preocupado com o laicismo escolar,


dirigiu-se a Dom Bosco, que ali fundou em 1878 um colégio, destinado a
fazer história na Congregação.25 Mais tarde, em 1880-1882, em Mogliano
Vêneto, perto de Treviso, foi aberta uma pequena colônia agrícola e um co-
légio, graças à benevolência do então vigário capitular de Treviso, José Sarto,
mais tarde São Pio X.26
Em Trento, território que então ainda fazia parte do império austro-
-húngaro, foi aberto um orfanato em 1887 (outras obras maiores em 1893).27
Da Sicília, chegaram muitos pedidos de obras educativas. A primeira foi
concretizada em Randazzo, em outubro de 1879. Ali, os salesianos fundaram
um colégio num antigo mosteiro e deram início ao oratório festivo.28 Em
Catânia abriu-se um grande oratório em 1885.29
Enquanto isso, no Piemonte, as casas continuavam a multiplicar-se. Em
1876, foi aberta na província de Cúneo a casa de Trinità di Mondovì, tendo
como diretor o futuro São Luís Guanella, ainda salesiano. A escola salesiana
acolhia 120 alunos entre os mais pobres da cidade, e a escola noturna uma
centena de adultos entre 16 e 50 anos, enquanto o Oratório era frequentado
por mais de 200 meninos. Infelizmente, o relacionamento com a viúva do
benfeitor da fundação se complicou de tal modo que foi preciso fechar três
anos depois, em 1879.30
Uma fundação muito especial aconteceu em Mathi, onde, para fornecer
papel para as tipografias de Valdocco e Sampierdarena, Dom Bosco adquiriu
em 1877 uma fábrica de papel, da qual encarregou o coadjutor André Pelazza.31
Mais tarde, seria aberta ao lado uma residência para os salesianos que, num pri-
meiro momento, acolheu vocações tardias, os Filhos de Maria, tendo o padre
Felipe Rinaldi como diretor.

Cf. MB XIII, 686s.


25

Cf. MB XIV, 443, 665.


26

27
Cf. MB XVIII, 434s.
28
Cf. G. Iacono, Don Bosco e la Sicilia, 3 fascículos. Catania: Ispettoria Salesiana Sicula, 1999.
Cf. MB XIV, 49, 271-273.
29
Cf. MB XVII, 573, 327.
30
Cf. MB XII, 491s.
31
Cf. MB XIII, 661s.

48

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

San Benigno Canavese, Piemonte: agosto de 1879.32

O povoado de San Benigno crescera ao redor de uma grande abadia beneditina


que datava do ano 1001. No século XVIII, a abadia foi se tornando gradualmente
insignificante e acabou por ser abandonada. Imóveis e terras passaram a ser pro-
priedade da diocese. Pela lei de supressão (1855), tudo passou ao Estado. Depois
de algum tempo, a cidade recuperou o histórico edifício, que foi oferecido a Dom
Bosco para abrir nele oficinas para aprendizes. Dom Bosco escreveu ao prefeito
dizendo que tinha a intenção de estabelecer várias obras, entre elas, mais tarde,
um “centro de formação de pessoal” (noviciado). De fato, transferiu para ali os
“inscritos” (noviços), formados até então em Valdocco, sob a direção do mestre
dos noviços, padre Júlio Barberis. Dessa forma, a casa, dotada de oficinas para
aprendizes, não dava a impressão de ser um centro “demasiadamente clerical”,
que era o que Dom Bosco desejava.33 Em 20 de outubro de 1879, Dom Bosco
conferiu o hábito clerical a 51 noviços.

Em 1880, foi adquirida em Penango uma pequena propriedade com


terreno, que serviu como internato para jovens das classes elementares do
vizinho colégio de Borgo San Martino.34

Foglizzo, Piemonte: novembro de 1886.35

O noviciado fora aberto em San Benigno em 1879. Em 1883, também se


estabeleceu ali um noviciado separado para os coadjutores. Em 1886, Dom
Bosco comprou de um nobre do lugar uma grande casa em Foglizzo, pequeno
lugar situado a cerca de 4 quilômetros de San Benigno. Depois de restaurada,
a casa pôde acolher com pouca comodidade até 100 noviços. O noviciado dos
clérigos foi transferido para Foglizzo. Entre os noviços de 1886-1887 estavam
André Beltrami e Luís Olive. Padre Barberis era mestre dos noviços dos dois
noviciados. No IV Capítulo Geral, setembro de 1886, Dom Bosco “recor-
dou” que Pio IX recomendara que os noviços fossem separados o quanto
antes dos alunos e dos irmãos professos. Foglizzo começou a funcionar, então,
como um tradicional noviciado “fechado”.

32
Cf. MB XIV, 567s.
33
Cf. MB XIV, 330s.
34
Cf. MB XIV, 665.
35
Cf. MB XVIII, 175, 246.

49

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Dom Bosco: história e carisma 3

Valsálice, expansão e mudança de finalidade: 1887.36

O colégio de Valsálice foi ampliado e converteu-se em estudantado filosófico


salesiano, tendo padre Barberis como diretor. Para evitar críticas, Dom Bosco
alterou o nome: “Seminário para as Missões Estrangeiras”.

Enquanto isso, as Filhas de Maria Auxiliadora abriram a nova casa-mãe


em Nizza Monferrato, 1878-1879,37 e um oratório feminino em Chieri, em
maio de 1878.38

Turim. Igreja (1878-1882) e internato (1882-1884) de


São João Evangelista39
Desde 1869, Dom Bosco planejava construir uma grande igreja no Ora-
tório de São Luís Gonzaga, inaugurado em 1847 num bairro em que a ativi-
dade dos valdenses era intensa. Até 1877, não pôde realizar os seus planos. A
demora deveu-se a uma pessoa da localidade, valdense e proprietária de uma
parte do terreno na área projetada, que se negara a vendê-la. Dom Bosco
solicitara um decreto de expropriação de interesse público, mas inimigos na
Prefeitura tinham-no impedido. Obteve-se, enfim, a concessão em 1877. Os
planos de Dom Bosco incluíam a igreja, uma escola para internos e novos
edifícios para o Oratório. O conjunto, pensado como monumento à memó-
ria de Pio IX, tentava opor-se ao centro valdense vizinho.
O arquiteto, conde Arborio Mella, projetou a igreja em estilo româ-
nico-lombardo do século XIII. O edifício mede 60 por 22 metros, com
três naves, uma alta torre de 45 metros sobre a fachada e capacidade para
2.500 pessoas. O conde Luís Colle, de Toulon, e outros benfeitores franceses
contribuíram com a maior parte dos fundos para o projeto. A construção
começou com a colocação da primeira pedra em 14 de agosto de 1878 e
a bênção de dom Gastaldi, e foi concluída em maio de 1882. O conflito
Gastaldi-Bosco-Bonetti retardou a construção e a consagração da igreja
depois de concluída. Leão XIII levou finalmente à solução do conflito,
com a assinatura do documento Concordia, em julho de 1882. A igreja foi
consagrada em 28 de outubro de 1882, oficiada pelo arcebispo Gastaldi.

Cf. MB XVIII, 421, 468, 541.


36

Cf. MB XIII, 189s.


37

38
Cf. MB XIII, 206, 704.
39
Cf. MB XIII, 495, 574, 585, 588: desenvolvimento do projeto e construção; XV, 393: consa-
gração. Para mais informações, ver MB IX 75, 921, 951; X 112, 346s, 1236s, 1276.

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Igreja de São João Evangelista, numa fotografia de 1905.

O arcebispo Gastaldi opôs-se à decisão de Dom Bosco de dedicar a igre-


ja à memória de Pio IX, porque em Turim já se construía outra, a igreja de
São Segundo, patrocinada pela diocese.40 Dom Bosco reduziu a publicidade,
mas “manteve-se firme em sua ideia”. A dedicação a Pio IX foi simbolizada
com os painéis esculpidos na porta e uma estátua do Pontífice, colocada fora
da igreja, à direita da entrada. A imprensa anticlerical denunciou intensa-
mente a dedicação.
O edifício da escola foi iniciado em 1882, quando a igreja estava para ser
concluída; e ficou clara a sua utilização no ano escolar 1884-1885. O conde

40
MB XIII, 495s. Em 1867, um grupo de proprietários constituíra um comitê para construir
uma igreja no distrito de San Secondo. A prefeitura concedeu a permissão da construção em 2 de janei-
ro de 1868, doou os terrenos e uma subvenção de 30 mil liras. Entretanto, o projeto parou até que, em
1871, a comissão e o vigário diocesano persuadiram Dom Bosco a assumi-lo. Em 27 de março de 1872,
começaram os trabalhos preliminares para a preparação do terreno e os materiais; Dom Bosco pediu
ao arquiteto para modificar o projeto a fim de incluir um edifício para oratório. A prefeitura recusou a
proposta e Dom Bosco desistiu do projeto. Nesse ínterim, porém, ele adquirira o terreno para construir
a igreja de São João Evangelista no vizinho distrito de San Salvario, local do Oratório de São Luís,
como homenagem a Pio IX. Recentemente nomeado arcebispo, dom Gastaldi reanimou o projeto de
San Segundo sob o patrocínio da diocese e começou a apresentá-lo como homenagem a Pio IX. A obra
foi retomada em 1875; a igreja foi consagrada em 1882. Dom Bosco começou a construção da igreja
de São João Evangelista em 1878, consagrada pelo arcebispo Gastaldi no final de 1882. Pio IX já havia
morrido; as duas igrejas, planejadas em homenagem, foram consagradas como monumento ao Papa.

51

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Dom Bosco: história e carisma 3

Luís Colle demonstrou novamente a sua generosidade. Dom Bosco decidiu


alojar ali os Filhos de Maria (vocações tardias).
Por causa da oposição de dom Gastaldi, os Filhos de Maria foram aloja-
dos, no início (1875), em Sampierdarena, e também sem se fazer notar, em
Valdocco, numa situação penosa: adultos e jovens tinham de viver e estudar
com colegiais adolescentes. Em 1883, depois da morte do arcebispo Gastaldi,
Dom Bosco transferiu-os para Mathi, perto de Turim, numa casa localizada
junto à fábrica de papel adquirida por Dom Bosco. Com um programa de-
senhado especialmente para eles, sob a direção do padre Felipe Rinaldi, os
Filhos de Maria viviam bem, embora a casa fosse pequena e incômoda. Por
isso, Dom Bosco decidiu transferi-los para Turim, em São João Evangelista,
no outono de 1884, o que lhes permitiria dispor de acomodações admiráveis,
igreja e oratório. No ano seguinte, surgiram problemas preocupantes de saú-
de, de origem desconhecida.41
Desde então, os Filhos de Maria, fundados com o objetivo de promover
as vocações adultas ao sacerdócio na Igreja, começaram a optar sempre mais
por entrar na Sociedade Salesiana, tendo como perspectiva as missões em
vez de retornar a suas dioceses de origem; assim, nos anos 1887 e 1888, das
classes de 30 e 32 seminaristas adultos, 28 e 30 respectivamente, entraram no
noviciado de Foglizzo.

A obra salesiana em Roma

Tentativas fracassadas de Dom Bosco para estabelecer-se em Roma42


Dom Bosco, muito cedo, quis estabelecer a obra salesiana em Roma,
não só por razões de prestígio, como também porque, com a expansão da
Sociedade Salesiana, tornava-se desejável e também necessária uma base na
Cidade Eterna. Contudo, apesar de muitas ofertas recebidas e de seus esfor-
ços para cumprir com as condições, só pôde estabelecer-se ali em 1880.
Em 1867, Pio IX ofereceu a Dom Bosco o pessoal e a direção de um lar
para menores fundado por ele. Depois de visitar o local e esboçar os termos
do acordo, Dom Bosco percebeu que nunca teria liberdade para governar os
menores. Apesar das pressões recebidas, declinou da oferta.
Em 1868, Dom Bosco iniciou as negociações para a igreja do Santo Su-
dário com o edifício anexo, locais que pertenceram a uma confraria do mesmo

MB XVII, 151.
41

MB XII, 487s; XIV, 327: Albano, Ariccia e Magliano Sabina; XIII, 650s: Magliano Sabina. Ofer-
42

tas em Roma: MB XIII, 137s, 585s; MB XIV, 50s; 74s, 320s com a correspondência. Annali I, 370-376.

52

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

nome, que deixara de existir. Pio IX deu seu consentimento e Dom Bosco
apresentou o rascunho de um acordo. As negociações complicaram-se nova-
mente e foram finalmente abandonadas quando Roma foi ocupada em 1870.
Em 1869, Pio IX fez nova oferta: a igreja de São Caio com os edifí-
cios adjacentes na colina do Quirinal, que pertenciam a uma congregação de
monjas que abandonaram o local e se transferiram para outro local. O Papa
queria que Dom Bosco estabelecesse um estudantado para os seus semina-
ristas, que poderiam frequentar as universidades romanas. Chegou-se a um
acordo, mas quando se tratou de assiná-lo, as monjas, com a cumplicidade
de algumas pessoas de Roma, triplicaram suas pretensões. Quando o exérci-
to italiano ocupou Roma em 1870, as monjas perderam suas propriedades.
Com o dinheiro previsto para essa compra, Dom Bosco adquiriu um terreno
em frente à igreja de Maria Auxiliadora de Turim.
Novamente, em fevereiro de 1870, Pio IX ofereceu a Dom Bosco a pe-
quena e preciosa igreja de San Giovanni della Pigna, com o edifício adjacente.
E, de novo, os acontecimentos políticos impediram a conclusão do acordo.
Em setembro de 1874, quando se acalmara um pouco a confusão causada
pela ocupação italiana de Roma, Dom Bosco tentou reiniciar as negociações.
Contudo, o cardeal vigário de Roma acreditava que não era conveniente es-
tabelecer nesse momento uma congregação religiosa nas citadas instalações e
o acordo foi postergado.43
Em 1874, o príncipe Gabrielli ofereceu aos salesianos o orfanato de San
Michele a Ripa, um imenso estabelecimento de ensino profissional fundado
e favorecido pelos papas anteriores; nessa época, fora assumido pelo governo
italiano e era administrado pelo príncipe, como presidente de uma comissão.
Dom Bosco aceitou a proposta e redigiu os termos básicos para chegar ao
acordo. Exigiu liberdade absoluta em tudo que se referisse à disciplina e à
educação, dispensa de todos os externos (famílias inteiras alojavam-se nas
várias partes do orfanato) e liberdade para administrar dois terços dos fun-
dos estipulados. O príncipe teve dificuldade para obter a concordância da
comissão, mas Dom Bosco manteve-se firme em seus termos. As negociações
continuaram por longo tempo. Inicialmente, Dom Bosco conseguiu que um
amigo de confiança em Roma atuasse como seu intermediário; depois, dei-
xou que o príncipe, que tinha a maior boa vontade, assumisse o assunto.44
Não temos outras informações sobre essas negociações. Pode-se supor que o
príncipe não obteve a concordância da comissão.
43
Em 1905, Pio X entregará a casa e a igreja aos salesianos como residência para sua Procura-
doria em Roma.
44
Ver correspondência entre ambos, em MB XIV, 320s.

53

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Dom Bosco: história e carisma 3

Todavia, é interessante saber que o governo italiano, em meados dos


anos 70, pensou nos salesianos para salvar essa grande instituição. Foram
feitas ainda outras ofertas a Dom Bosco, mas nenhuma delas pôde chegar a
uma conclusão favorável.

Dom Bosco e os concepcionistas (1876-1880)45


Em 1876, Pio IX pediu a Dom Bosco para visitar e avaliar a Congre-
gação dos irmãos concepcionistas, possivelmente em vista de incorporá-los à
sociedade salesiana. Os Irmãos Hospitaleiros da Imaculada Conceição foram
fundados em 1857 com a finalidade de servir nos hospitais. Em 1876, seus
membros reduziam-se a 50, dos quais 42, que tinham domicílio social numa
grande casa na mesma Roma, trabalhavam no grande hospital do Espírito
Santo; os demais, em dois hospitais menores nas proximidades de Roma.
Dom Bosco, depois de ter obtido o consentimento do seu Conselho,
visitou cuidadosamente o instituto e apresentou um relatório ao Papa.46 Ob-
servou que as duas causas principais da decadência do Instituto eram, pri-
meiramente, a falta de uma adequada formação cristã e religiosa (noviciado
etc.) e, depois, a falta de um governo claro e unificado. Por essas falhas, os
membros careciam de disciplina e de espírito religioso.
Depois de prolongadas negociações, Dom Bosco concordou em nomear
um diretor para o Instituto e escolheu o padre José Scappini, que responderia
diretamente ao Papa. Dom Bosco supervisionaria a “reforma” e visitaria a
comunidade de Roma com a maior frequência possível. Depois de uma “lim-
peza” e um retiro espiritual, considerou-se que a reforma caminhava bem.
Entretanto, a atuação dos salesianos com os concepcionistas foi mal-inter-
pretada nos círculos romanos; parece que se criou um complô para afastar os
salesianos. Quando o padre Scappini precisou ausentar-se por doença, não
lhe foi permitido retornar.
A ideia do Papa era que os concepcionistas chegassem a fazer parte da
sociedade salesiana, com seu pessoal, seus locais e seu ministério. Isso, sem
mais, estabeleceria os salesianos em Roma. Dom Bosco cita as palavras do Papa:
“Quero que cuide dos concepcionistas [...]. Sua missão não é reformar ou mo-
dificar, mas harmonizar suas constituições com as dos salesianos”.47 Tal união
era, previsivelmente, muito difícil; de fato, em última instância, não foi factível.

MB XII, 189s, 443; MB XIII, 13, 34, 42, 47.


45

MB XIII, 55s.
46

47
Carta de Dom Bosco ao cardeal Bilio, 29 de novembro de 1877, em Epistolario III Ceria, 244.
Cf. MB XII, 495.

54

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Procurador e Procuradoria estabelecidos pela primeira vez em


Roma (1880)48
O primeiro salesiano a estabelecer-se definitivamente em Roma foi o
padre Francisco Dalmazzo, nomeado procurador-geral da Congregação no
início de 1880.
Dom Bosco adquirira a primeira residência dos salesianos em Roma em
1876. Mantivera contatos com o Instituto das Oblatas Nobres de Tor de Spec-
chi, cujo convento se situava próximo à colina do Capitólio. Madre Madalena
Galeffi, superiora dessa congregação, atuara como agente de Dom Bosco em
Roma, desde 1870, para a distribuição de livros e objetos religiosos. Em 1874,
na auditoria dos livros (as transações eram feitas por meio de leigos), percebeu-se
que não se sabia o paradeiro de uma grande quantia devida a Dom Bosco. Ma-
dre Galeffi decidiu pagar-lhe aos poucos com seu próprio dinheiro; mas morreu
em 1876. Sua sucessora viu que o convento ainda devia a Dom Bosco umas 20
mil liras. Quando Dom Bosco foi informado, pediu que, como pagamento, lhe
fosse concedido o uso de alguns ambientes no terceiro andar de uma casa próxi-
ma, propriedade do convento. Eram ambientes pobres e acessíveis somente por
meio de uma porta nos fundos, com escadas pequenas e estreitas no térreo. A
escritura foi assinada em março de 1876. Ali se alojaram, pela primeira vez em
dezembro de 1877, Dom Bosco e seu secretário, padre Barberis. Esta primeira
residência salesiana em Roma, próxima à área arqueológica da cidade, seria de-
molida mais tarde quando, no tempo de Mussolini, a região toda foi arrasada e
reorganizada a área da república e dos foros imperiais. Em 1880, quando o padre
Dalmazzo foi nomeado procurador, tornou-se sede da Procuradoria Salesiana.
Os diretórios do Vaticano de 1877, 1878 e 1879 indicam o padre Miguel
Rua, com domicílio em Turim, como procurador-geral. Padre Francisco Dalmazzo
aparece como procurador em 1880. No diretório salesiano, porém, por alguma
razão desconhecida, ele só é indicado pela primeira vez nessa função em 1884.

A Igreja (1880-1887) e o internato (1885-1887) do Sagrado Coração49


Fase preliminar (1879-1880)
Pio IX pensou em construir uma igreja no distrito de Castro Pretório. Os
projetos iniciais foram feitos em 1870 e 1871, mas avançavam muito lentamente.

Annali I, 376-377; MB XIV, 392s: nomeação do padre Dalmazzo como procu­rador; XIV, 386-
48

387: audiência com o cardeal Ferrieri; XIV, 391-392: roubo e incêndio na residência de Tor de Specchi.
49
MB XIV, 571: igreja do Sagrado Coração, preparação; XV, 153, 158, 251, 588: igreja do Sa-
grado Coração, construção; MB XVII, 210s: a busca de fundos e a construção da igreja e do internato;
MB XVIII, 20, 764s: a consagração.

55

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Dom Bosco: história e carisma 3

Leão XIII retomou a ideia e renovou os projetos nos anos 1878-1880. O Papa
criou uma comissão para a construção e convocou o mundo todo numa coleta de
êxito apenas moderado. O projeto foi concluído e a igreja erigida como paróquia
dedicada ao Sagrado Coração, sendo colocada a primeira pedra em 16 de agosto
de 1869. A obra, contudo, parou por falta de fundos.

Igreja do Sagrado Coração e colégio salesiano em Roma.

Dom Bosco assume a missão de construir a igreja do Sagrado Coração (1880)


1. A versão dos fatos, segundo Lemoyne (Documenti) e Ceria (MB). Em
março de 1880, o cardeal Alimonda, em nome de Leão XIII, entrou em
contato com Dom Bosco para o tema da igreja do Sagrado Coração de Jesus.
Dom Bosco mostrou-se reticente em aceitar e deu boas razões: a falta de fun-
dos, a falta de entusiasmo em Roma, uma construção já iniciada, o pessoal da
administração difícil de tratar etc.
Em 5 de abril de 1880, Leão XIII pediu-lhe pessoalmente e Dom Bosco
aceitou com a condição de que se previsse no projeto um internato e um
oratório. Imediatamente, Dom Bosco precisou enfrentar facções rivais entre
os operários. Entretanto, elaborou e apresentou um acordo. Teve de ignorar
as objeções de seu conselho: era uma “ordem” do Papa.
2. A versão mais provável do acontecido. Dom Bosco estava passando
por sérias dificuldades com as autoridades eclesiásticas pela controvérsia

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Bosco-Bonetti-Gastaldi. Possuía inimigos em Roma. O cardeal Inocên-


cio Ferrieri, da Congregação dos Bispos e Regulares, não se mostrava
muito favorável a Dom Bosco e à Sociedade Salesiana. O próprio Leão
XIII parecia distante e desfavorável. Em janeiro de 1880, Dom Bosco
nomeou padre Francisco Dalmazzo seu representante em Roma para dar
andamento ao caso do padre Bonetti perante a Congregação do Concí-
lio. Ele atuaria como representante de Dom Bosco ao longo do conflito
com o arcebispo Gastaldi, até 1882, com a assinatura do documento de
reconciliação, ou Concordia. Também ele considerava o cardeal Ferrieri
um “inimigo”.
Após a nomeação do procurador, Dom Bosco esteve em Roma de 12
a 23 de abril de 1880. Seu objetivo era pressionar para obter os privilégios
e também indiretamente resolver o caso Bonetti. Funcionários do Vaticano
pouco propícios dificultaram a obtenção de uma audiência com o Papa.
Quando, depois de muita demora, foi recebido por Leão XIII, em 15 de
abril de 1880, este lhe disse que, por princípio, se opunha aos privilégios
das congregações religiosas e que só renovaria alguns de menor importân-
cia. Dom Bosco sentiu-se menosprezado ao ser enviado de um lado para
outro antes de ser recebido em audiência, pelos atrasos, pelas poucas con-
cessões obtidas e, sobretudo, pela atitude do cardeal Ferrieri, que não ficara
satisfeito com seu Relatório de 1879. Dom Bosco teve a impressão de estar
na lista negra.
Foi nessas circunstâncias que, em 28 de março de 1880, Dom Bosco
aceitou a proposta do cardeal vigário, Mônaco La Valletta, de assumir a cons-
trução da igreja do Sagrado Coração e um internato, tudo “como um mo-
numento à venerada memória de Pio IX”.50 Aparentemente, em sua audiência
com Leão XIII, em 5 de abril de 1880, não se mencionou a igreja.51 Antes de
deixar Roma, porém, Dom Bosco escreveu ao cardeal Mônaco uma bem
meditada proposta de aceitação, pedindo-lhe que a apresentasse ao Papa para
sua aprovação e bênção.52 O Papa deve ter ficado satisfeito. A tradição salesia-
na diz que Leão XIII o pediu a Dom Bosco e que este exclamou: “Esta é uma
ordem do Papa, e eu obedeço!”.53
A proposta de construir a igreja e o seu êxito posterior ajudaram a rom-
per as barreiras contra as quais ele se sentia tão impotente.

Notas do padre Berto, em Documenti XXII, 88, resumidas em MB XIV, 447s.


50

Cf. MB XIV, 460s.


51

52
Memorandum, Dom Bosco ao cardeal vigário, 10 de abril de 1880, em Epistolario III Ceria,
564-566. MB XIV 579s.
53
Documenti XXII, 90-92, FBM 1,070 C6-8 [Os cursivos são dos editores].

57

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Dom Bosco: história e carisma 3

Construção da igreja e do internato


Como primeiro passo, Dom Bosco comprou mais terreno e restaurou
uma casa que havia nele. Em 1881, a paróquia do Sagrado Coração, erigida
em 1879, foi confiada aos salesianos, e o procurador padre Dalmazzo, no-
meado primeiro pároco. A obra foi reiniciada e fizeram-se alguns progressos.
Contudo, em 1883, a construção parou pelas dificuldades com a adminis-
tração e a falta de recursos. Dom Bosco dispensou a antiga administração,
fez novos contratos e adquiriu material de construção no valor de 40 mil
liras. Benfeitores, como o conde Colle e a senhorita Louvet, contribuíram
constantemente. Dom Bosco iniciou em 1884-1885 uma grande e lucrativa
loteria em Roma, da qual o Papa e o rei participaram como copatrocinadores.
Apesar disso, restava uma pesada dívida.54
Em 1884, a construção foi reiniciada. Em abril de 1885, foi colocada a
pedra fundamental do colégio. Seria um internato para cerca de 500 meninos
e uma escola para externos com oratório anexo. Deveria ser um bom início da
presença salesiana em Roma.
A consagração da igreja, ainda não concluída, e do internato deu-
-se em 12 de maio de 1887, um ano antes da finalização prevista, para que
Dom Bosco, cuja saúde estava se deteriorando rapidamente, pudesse assistir.
O coro do Oratório de Turim, sob a direção do maestro salesiano José
Dogliani, encarregou-se da música. A celebração teve caráter internacional:
falou-se em italiano, espanhol, francês, alemão e inglês. Se a imprensa católi-
ca de Roma não deu ao acontecimento a atenção que sem dúvida merecia, a
imprensa secular, de tendência anticlerical, falou com admiração e simpatia.

3. Fundações salesianas na Espanha (1881 e 1884)


A fama de Dom Bosco e dos salesianos corria por toda a Espanha graças
às traduções e adaptações das crônicas que o padre Bonetti publicava todos
os meses sobre a história do Oratório de São Francisco de Sales. Elas eram
publicadas na Revista Diocesana, de Sevilha. O jornalista catalão Félix Sardá i
Salvany reproduzia-as na famosa e difundida Revista Popular, de Barcelona. A
mesma coisa fizeram alguns jornais de Madri e de outras províncias. O público
lia essas notícias com verdadeira avidez, e com isso o nome de Dom Bosco e dos
salesianos tornava-se conhecido nas mais importantes instâncias eclesiásticas

54
Ver a carta de Dom Bosco ao duque de Norfolk, 13 de janeiro de 1888, em que Dom Bos­co
fala de uma dívida de 250 mil liras, em Epistolario IV Ceria, 407-408.

58

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

da Espanha. Igualmente, a vida de Dom Bosco, escrita em francês por Carlos


D’Espiney, contribuiu para esse conhecimento. Mais tarde, o beato dom Spí-
nola, que chegaria a ser cardeal-arcebispo de Sevilha, escreveu a primeira vida
de Dom Bosco em castelhano. Tudo isso fazia com que muitos desejassem a
presença dos salesianos na Espanha.

Primeira casa salesiana na Espanha: Utrera (Sevilha)


Já estabelecido na França, Dom Bosco pôs o olhar na vizinha Espa-
nha, desejando levar para lá sua obra em favor dos jovens pobres e aban-
donados. Tanto mais que a Espanha poderia servir de boa ponte para as
missões da América. Faltava apenas uma ocasião propícia para fazê-lo. E
esta se apresentou de maneira singular e inesperada. No verão de 1870, sete
homens assaltaram a mansão de dom Diego, marquês da Casa Ulloa, em
Utrera. Surpreendidos quando realizavam o roubo, os bandidos enfrenta-
ram a Guarda Civil, que precisou defender-se disparando à queima-roupa.
Seis deles morreram dentro da casa, o sétimo, no hospital. O fato causou
profunda impressão no marquês, que ele decidiu fazer alguma coisa para
remediar a deplorável situação sociocultural da cidade de Utrera. Sua ideia
era fundar um colégio para meninos pobres. Para tanto, chamou os padres
claretianos que, contudo, nem chegaram a estudar o projeto. O marquês
procurou então o cardeal-arcebispo de Sevilha, o carmelita dom Joaquim
Lluch y Garriga, que tendo sido professor em Lucca (Itália) conhecera ali
os salesianos e, já bispo de Salamanca, ouvira falar com grande admiração
de Dom Bosco durante o Concílio Vaticano I. O cardeal aconselhou-o a
escrever a Dom Bosco, pedindo-lhe que mandasse seus salesianos a Utrera.
Dom Diego escreveu uma proposta e entregou-a ao cardeal, para que ele,
em seu nome, a enviasse a Dom Bosco.55 Dom Bosco respondeu dando-lhe
vagas esperanças e comunicando que dois salesianos iriam comprovar in

As propostas eram estas: “Propostas feitas ao Ex.mo e Il.mo Sr. Arcebispo de Sevilha em 6 de
55

junho de 1879 por uma pessoa piedosa, em vista do estabelecimento de uma residência de 4 padres e
2 irmãos coadjutores da Congregação de São Francisco de Sales, na cidade de Utrera, diocese de Sevilha,
a 5 léguas desta capital e a 45 minutos pela estrada de ferro: Concede-se a casa aos padres por quatro
anos com capacidade suficiente para acolhê-los e a curta distância da igreja que o Sr. Arcebispo de
Sevilha lhes entregará para o culto. Ser-lhes-á proporcionado o mobiliário que necessitem para seu
estabelecimento na citada casa, de acordo com as orientações de sua Regra. Será garantido aos 4 padres
o estipêndio de 8 reais para cada missa aplicada na intenção desta piedosa pessoa no citado tempo dos
quatro anos, facultando-se optar por outras de maior estipêndio. Os gastos de viagem desses senhores
serão por conta da pessoa que faz estas propostas”. Sevilha, 6 de junho de 1879. O marquês viúvo de
Casa Ulloa. O original encontra-se em ASC e é reproduzido em A. Martín, Los salesianos de Utrera en
España. Inspectoría Salesiana de Sevilla, 1981, 65-66.

59

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Dom Bosco: história e carisma 3

situ as condições e as circunstâncias da nova fundação. A visita demorou


até que o padre João Cagliero e o coadjutor José Rossi, depois de longa e
incômoda viagem, chegaram a Sevilha em 24 de janeiro de 1880. Foram
muito bem recebidos, tanto pelo arcebispo de Sevilha como pelo marquês
da Casa Ulloa. Estudaram a situação e avaliaram as propostas do marquês,
dos pontos de vista educativo e econômico. A conclusão foi que Utrera era
um lugar estupendo para ali iniciar a obra salesiana na Espanha.

Antigo convento carmelita em Utrera, Sevilha, entregue aos salesianos em 1881.


Fotografia de 1889.

O cardeal confiou aos salesianos a igreja de Nossa Senhora do Carmo


e o marquês, como prometera, preparou-lhes uma residência no número
20 da Rua Ancha. Contudo, somente em fevereiro de 1881, padre João
Branda, diretor, com 5 salesianos, acompanhados pelo padre Cagliero, o
único que falava castelhano, iniciaram a obra no antigo convento carmelita.
A atividade salesiana começou com a criação de um grupo de cooperadores
e a reabertura da igreja. Seguiu-se, em 1885, o internato-escola para uns
150 meninos pobres. As dificuldades econômicas e a cólera ameaçaram a
existência da obra; sobreviveu, porém, sem deixar de se dedicar exclusiva-
mente aos pobres.

60

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Padre Cagliero, que ficara na Espanha até meados de abril de 1881, vi-
sitou Portugal em seguida, em vista de uma possível fundação salesiana, que
só se realizaria em 1894.

A casa de Sarriá (Barcelona). Fevereiro de 188456


Sarriá era, nessa época, um povoado de 4 mil habitantes, pouco distante
de Barcelona. Era formado fundamentalmente por lavradores e operários,
mas em meados do século XIX a burguesia de Barcelona começou a levantar
ali os seus chalés ou casas de verão. Em 1882, uma rica viúva de Barcelo-
na, dona Doroteia Chopitea de Serra,57 conheceu os salesianos por meio do
Boletim Salesiano. Quando enviuvou, em 1882, fez o possível para que os
salesianos fossem para Barcelona. Queria patrocinar um lar-escola para me-
ninos pobres em memória do falecido esposo. Sem perda de tempo, escreveu
a Dom Bosco solicitando um centro de formação profissional que, segundo
ela, convinha criar “nos arredores de Barcelona”. A resposta foi negativa na-
quele momento, mas aberta para o futuro. A senhora insistiu, como também
escreveu ao Papa. Dom Bosco enviou, então, os padres Cagliero e Branda
para avaliarem a situação. As negociações foram rápidas e tiveram o resultado
esperado. Quase à entrada do povoado, situava-se uma casa chamada Can
Prats, que constava de piso térreo e dois andares. À entrada havia um jardim,
um pomar, um pequeno bosque e um campo para cultivo. Este foi o lugar
escolhido. Ali se estabeleceu a casa salesiana com sua escola de formação pro-
fissional (Talleres Salesianos), que teve seu humilde início em 15 de fevereiro
de 1884, com padre João Branda como diretor, transferido de Utrera. Com
o patrocínio de dona Doroteia e a ajuda de muitos salesianos cooperadores,
a escola converteu-se com os anos numa das maiores obras educativas dos
salesianos na Espanha.
Esta foi a casa visitada por Dom Bosco, dois anos mais tarde, durante
sua permanência em Barcelona de 8 de abril a 6 de maio de 1886.

56
Cf. R. Alberdi, Una ciudad para un santo: los orígenes de la obra salesiana en Barcelona. Barce-
lona: Editorial Tibidabo, 1966. MB XV, 230; XVII, 594, 602.
57
Doroteia Chopitea era filha de um rico espanhol de Santiago do Chile. Instalou-se em Bar-
celona com sua família quando, no Chile, foi declarada a guerra de independência da Espanha. Em
1832, Doroteia casou-se com José Maria, filho de um rico comerciante, Mariano Serra. Dom José
Maria morreu em 1882. Foi quando dona Doroteia entrou em contato com os salesianos; continuou a
ser sua protetora permanente até a morte em 1891. É considerada, com razão, a mãe da obra salesiana
em Barcelona. [Em 1927 foi iniciado o processo para sua beatificação e em 9 de junho de 1983 foi
declarada venerável: nota do tradutor.]

61

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Dom Bosco: história e carisma 3

Fachada da residência da família Martí-Codolar, em Barcelona, entregue aos salesianos em 1940.

O templo do Tibidabo, em Barcelona


Tibidabo é o ponto mais elevado da colina mais alta do entorno de
Barcelona, que goza de uma vista impressionante da cidade e seus arredores.58
Era propriedade de algumas pessoas que tinham a intenção de ali estabelecer
uma obra social ou recreativa ou mesmo construir uma igreja protestante.
Em 1885, para evitar esse projeto, alguns católicos ricos compraram a pro-
priedade. Quando Dom Bosco, em 5 de maio, visitou a basílica das Mercês, o
grupo de doze senhores, que tinham decidido elevar um monumento especial
que perpetuasse a memória do ilustre visitante, entregou a Dom Bosco um
documento de doação da propriedade do cimo da colina do Tibidabo para
que Dom Bosco ali erguesse uma ermida “consagrada ao Sacratíssimo Coração
de Jesus”. Visivelmente emocionado, Dom Bosco explicou-lhes que, estando
a concluir a igreja do Sagrado Coração de Jesus, de Roma, ele se perguntava
qual empreendimento devia agora realizar para “honrar e propagar esta devo-
ção salutar”. Uma voz interior vinha-lhe repetindo: “Tibidabo” “Tibidabo”
[Eu te darei, eu te darei]. “Sim, senhores, vós sois os instrumentos da Divina

58
Cf. N. Echave, “El Tibidabo, la montaña del Corazón de Jesús”, BSe, junio, 2003, 8-9.

62

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Providência; com vossa ajuda muito depressa será elevado neste monte um ma-
jestoso santuário dedicado ao Sagrado Coração de Jesus”. Era a formulação de
uma profecia. Infelizmente, os proprietários não entregaram a documentação
notarial que certificava a doação da propriedade.
Não obstante, em 3 de julho de 1886, dois meses depois da partida de
Dom Bosco, foi inaugurada ali a primeira ermida ao Coração de Jesus. Sur-
gira por iniciativa de dona Doroteia de Chopitea e era um sinal palpável de
que não se podia dispor arbitrariamente daquela elevação, pois fora oferecida
ao Coração de Jesus.
Entretanto, ao faltar o título de propriedade, a posse foi discutida
e passou por diversas vicissitudes, até que em 17 de agosto de 1900 a
Sociedade Anônima Tibidabo entregou aos salesianos os seis mil metros
quadrados, que eles estimaram como necessários para a construção do
futuro templo.59

59
Com poucos recursos para um empreendimento de tão grande envergadura, os salesianos
precisaram esperar até 1902 para proceder à bênção da primeira pedra. O cardeal Casañas, bispo de
Barcelona, presidiu a cerimônia. As obras foram confiadas ao arquiteto da diocese, Henrique Sag-
nier, que dedicou ao Tibidabo toda a sua alma e toda a sua arte. Como prêmio pelo zelo e serviços à
Igreja, recebeu em 1923 o título pontifício de marquês. As obras continuaram com grande lentidão.
Por ocasião da “Semana Trágica” de Barcelona (julho de 1909), foram incendiados 80 edifícios
eclesiásticos na cidade. Esses incêndios suscitaram a reação de uma santa mulher, dona Amália
Vivè de Negra, que, com o pseudônimo de Maria Vitória, iniciou uma campanha de reparação
pelo ocorrido. Surgiu assim o lema “Expiação pelo sacrifício”. O templo seria erguido pela ação de
muitos sacrifícios anônimos como oferenda de amor ao Sagrado Coração. Em 17 de junho de 1911,
o templo foi coberto e pôde ser inaugurada a cripta com a presença do Reitor-Mor padre Paulo
Albera, segundo sucessor de Dom Bosco. Naquele dia, dom Laguarda, bispo de Barcelona, deu, pela
primeira vez, a bênção com o Santíssimo. No mesmo mês encerrou-se em Madri o XXII Congresso
Eucarístico Internacional e o presidente, dom Messeguer i Costa, arcebispo de Granada, propôs que
“se propague por toda a Espanha a ideia do templo nacional dedicado ao Sagrado Coração do Tibidabo,
para que nós espanhóis tenhamos também o quanto antes o nosso Montmartre”. A proposta foi aceita por
aclamação e assim o templo profetizado por Dom Bosco passou a ser templo “Expiatório e Nacio-
nal”. Em 1952, coube a Barcelona organizar o XXXV Congresso Eucarístico Internacional. Um mês
antes, em 25 de maio, dom Modrego, bispo de Barcelona, benzeu o templo do Tibidabo, já coberto
embora não concluído. Completavam-se cinquenta anos da colocação da primeira pedra. O primei-
ro ato do Congresso deu-se precisamente no templo, com a grande vigília da Adoração Noturna. As
obras continuaram até 1961, ano em que foi colocada a estátua do Sagrado Coração com os braços
abertos em atitude de abraçar a cidade de Barcelona e toda a Espanha. No dia 21 de outubro, o papa
João XXIII iluminou a partir de Roma a estátua e o templo, que ficou assim oficialmente concluído.
Cumprira-se a profecia de Dom Bosco.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Dom Bosco no jardim da mansão dos Martí-Codolar, em fotografia de 3 de maio de 1886.

Desde sua criação em 1881, a obra salesiana na Espanha estivera unida


à inspetoria romana, nominalmente uma das seis existentes no momento.
Quando a escola de Barcelona abriu suas portas em 1884, surgiu a questão
da criação de uma província na Espanha, com suas duas casas. Dom Bosco
preferiu esperar mais um pouco.60
Em Madri, fora oferecido aos salesianos um grande colégio para meno-
res, Santa Rita, que estava sendo construído por uma comissão. Sua finalida-
de era “opor-se” ao aumento da delinquência e da influência da Mano Negra.
Depois de longas negociações (1885-1886), a proposta não pôde ser aceita. A
primeira fundação salesiana em Madri só acontecerá em 1899.61
Em 1889, padre Rua nomeou padre Felipe Rinaldi como diretor de Sar-
riá; e em 1892, nomeou-o superior da recém-criada província espanhola, que
incluía Portugal, embora naquele momento ainda não houvesse uma funda-
ção salesiana nesse país. Durante seu mandato como inspetor (1892-1901),
padre Rinaldi abriu 16 casas na Espanha e 3 em Portugal.

60
Cf. MB XVII, 354.
61
Cf. MB XVII, 601, 606.

64

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Apêndice

ÚLTIMAS FUNDAÇÕES DE DOM BOSCO NA EUROPA


E NA AMÉRICA DO SUL

Criadas no tempo de Dom Bosco (1887-1888)

Chile
O primeiro salesiano a chegar ao Chile, depois de atravessar a Cordilhei-
ra dos Andes, foi o padre Domingos Milanésio. Em Concepción, o vigário da
diocese, padre Domingos Cruz, fazia o possível para obter pessoal salesiano.
Chegou-se a um acordo e seis salesianos, entre eles padre Evásio Rabagliati,
fizeram seu ingresso na cidade em 6 de março de 1887, com grande afluência
de público. A obra teve início com o Oratório e desenvolveu-se aos poucos
com a criação da escola e das oficinas.62

Inglaterra
Dom Bosco, no fim da vida, pôde ver realizado um de seus grandes
desejos, ou seja, mandar seus salesianos à Inglaterra. Alguns jovens de língua
inglesa foram acolhidos no Oratório de Valdocco favorecendo a fundação de
uma casa em Londres. Mais uma vez, foram as Conferências de São Vicente
de Paulo a abrir caminho. As conferências pediram a ajuda de Dom Bosco
para beneficiar a juventude pobre e abandonada do bairro de Battersea. A
condessa de Stacpoole teve um papel importante nas negociações. Os salesia-
nos administrariam uma paróquia e ocupar-se-iam da juventude do bairro.
Em 4 de novembro de 1887, dois padres: o irlandês Eduardo Mackierna,
que seria diretor e pároco, e o inglês Carlos Macey, coadjutor da paróquia e

62
Cf. A. Videla, Don Bosco en Chile: notas para una historia de los salesianos en Chile. Santiago:
Editorial Salesiana, 1983; S. Kuzmanich Buvinic, Presencia salesiana, 100 años en Chile, vol. I: Los
inicios: 1887. Santiago: Editorial Salesiana, 1987.

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Dom Bosco: história e carisma 3

catequista, e um coadjutor italiano, senhor Rossaro, partiam de Turim para


a Inglaterra. Os inícios foram muito difíceis pela pobreza e as contrariedades
que sofreram. Não foram capazes de estabelecer nem um oratório nem esco-
las profissionais, mas aos poucos se foram criando as condições para o futuro
desenvolvimento. As vocações aumentaram tanto que sete anos depois, em
1894, já sob o reitorado do padre Rua, o então diretor padre Macey escrevia
ao padre Rua: “Dê-nos uma casa e em dez anos os salesianos serão mais nu-
merosos na Inglaterra do que em qualquer outro país fora da Itália”.

Equador
O presidente da República interessou-se pessoalmente pela ida dos sa-
lesianos a Quito. De acordo com o arcebispo, em 1885 ele interveio junto
a Dom Bosco. Depois de algumas vacilações por falta de pessoal reuniu-se
um grupo de missionários, com o padre Calcagno à frente; ele foi o último
que, em 6 de dezembro de 1887, recebeu a bênção de Dom Bosco, já muito
doente, antes de partir para a América. Os salesianos chegaram a Quito em
28 de janeiro de 1888 e telegrafaram imediatamente a Turim. O telegrama
foi lido a Dom Bosco no dia 30, que fez sinais de tê-lo entendido. Era a
véspera da sua morte.
O vicariato apostólico de Méndez y Gualaquiza (missão Shuar) foi esta-
belecido em 1892.

Negociações iniciadas com Dom Bosco (obras estabelecidas


mais tarde)
Embora não as tenha visto concretizadas, algumas das negociações de
Dom Bosco chegaram logo a ser realidade. Em Talca, Chile, os salesianos
instalaram-se no mesmo ano da morte do santo, 1888. Na Colômbia, fun-
daram uma casa em Bogotá em 1890. A casa de Lieja fora pedida ainda em
1867. As dificuldades eram grandes. Quem mais se interessou pela fundação
foi o bispo da cidade, dom Doutreloux, que visitou Dom Bosco duas vezes
no Oratório.63 Em 8 de dezembro de 1887, Dom Bosco, acamado, teve um
sonho “no qual a Virgem lhe disse para aceitar a proposta de Lieja”. A casa foi
aberta pelo padre Rua em 1891.

Cf. A. Druart, “Les letres de Monseigner Doutreloux à Don Bosco”, RSS 3 (1983), 274-
63

295; F. Staelens, “La corrispondenza belga di Don Bosco. Profilo socio-religioso dei corrispondenti.
L’immagine di Don Bosco in Belgio”, RSS 34 (1999), 31-65.

66

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Em Portugal, padre Sebastião Leite de Vasconcellos, muito preocu-


pado em afastar a juventude dos apelos dos protestantes, pressionava Dom
Bosco com insistência para que enviasse salesianos a Portugal. Em 1881,
padre Cagliero foi enviado para cumprimentá-lo e pedir-lhe paciência. Pa-
dre Sebastião foi a Turim e, aconselhado por Dom Bosco, abriu ele mesmo
a Oficina de São José para jovens abandonados, à espera que os salesianos
pudessem encarregar-se da direção quando fosse possível. O patriarca de
Lisboa também pedia com insistência uma obra salesiana na capital por-
tuguesa. Por falta de pessoal, nenhuma dessas obras pôde ser realizada no
tempo de Dom Bosco. A primeira casa salesiana em Portugal seria a de
Braga, aberta em 1894.64

Peru. Em 1885, foi publicada em Lima a primeira tradução castelhana


da obra Dom Bosco, de D’Espiney. O tradutor era o franciscano padre Luís
Torra, que prometera traduzir a obra como ação de graças por ter sido salvo
de um naufrágio por intercessão de Maria Auxiliadora, a Virgem de Dom
Bosco. Entre as intenções da obra, o tradutor assinala:

Se me atrevi a traduzir este libreto, foi unicamente pelo veemente desejo que
tinha de dar a conhecer nestes lugares um homem tão extraordinário como
Dom Bosco, e a obra mais extraordinária ainda, que fundou, isto é, a Con-
gregação Salesiana, altamente filantrópica e humanitária.65

O livro suscitou viva admiração e despertou um movimento de sim-


patia por Dom Bosco, dando origem aos salesianos cooperadores no Peru,
antes da chegada dos salesianos àquelas terras. Todos queriam conhecer
Dom Bosco, ou entrar em contato com ele, e fazer com que os salesia-
nos abrissem alguma obra no Peru. Também o arcebispo titular de Berito,
dom Manoel Teodoro del Valle, quis que a obra salesiana se estabelecesse
em Lima e, para isso, destinou parte de seus bens no testamento de 30 de
março de 1886.
Em 23 de junho de 1866, o general Miguel Iglesias, ex-presidente do
Peru, visitou Dom Bosco. Fora a Turim com o desejo de conhecer de perto
e pessoalmente o “santo” e a obra do Oratório. Ficou entusiasmado e pediu

64
Cf. A. Anjos, Centenário da obra salesiana em Portugal 1894-1994. Lisboa: Província Portu-
guesa da Sociedade Salesiana, 1995.
65
Sobre esta tradução e sua repercussão no Peru, cf. Jesús-Graciliano González, “Publica­da en
Perú la primera traducción del Don Bosco de Charles D’Espiney”, RSS 49 (2006), 397-413.

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Dom Bosco: história e carisma 3

para Dom Bosco pensar numa fundação em seu país.66 Temos também o tes-
temunho do vigário de Huanuco, monsenhor José Del Carmen Maraví, que,
desejoso de encontrar alguma solução para salvar a juventude, tentou fundar
uma sociedade e, em 13 de agosto de 1887, escreveu a Dom Bosco pedindo
um salesiano como mestre de noviços, como formador da nova sociedade. O
ambiente estava bem preparado, a ponto de, quando os primeiros salesianos
chegaram ali em 1891, serem recebidos triunfalmente pelas autoridades e por
um grande número de amigos e de salesianos cooperadores.

A Venezuela estava na agenda de Dom Bosco há muitos anos. Precur-


sores da obra foram algumas personalidades do clero e um grande grupo de
cooperadores. Contudo, até 1894, os salesianos não puderam ali se assentar.
O governo cedeu-lhes em Caracas uma escola de artes e ofícios já existente,
cujo primeiro diretor foi o padre Riva.

Estatísticas à morte de Dom Bosco


Salesianos de Dom Bosco
1888. Professos: 773. Noviços: 276. Casas: 58
1889. Professos: 881. Noviços: 320. Casas: 64

Filhas de Maria Auxiliadora


1888. Professas: 415. Noviças: 164. Casas: 54
1889. Professas: 466. Noviças: 190. Casas: 59

NOTA SOBRE A FRUSTRADA ACEITAÇÃO DO


REFORMATÓRIO DE SANTA RITA (MADRI)

Dom Bosco precisou recusar pedidos de fundação, alguns por falta de pessoal,
outros porque as condições não eram aceitáveis e não garantiam a subsistência dos
salesianos, outros, porque na gestão da obra não se podia pôr em prática seu siste-
ma salesiano. O caso do reformatório de Santa Rita é um exemplo de como Dom
Bosco defendeu seus princípios educativos, mesmo à custa de renunciar a dirigir

66
A notícia pode ser lida nas MB XVIII, 149, e nos Annali I,60. Ali se fala de um “Presidente
da República peruana”. C. Calderón demonstrou que não se trata do então presidente do Peru, André
Avelino Cáceres, mas do ex-presidente, general Miguel Iglesias. Cf. C. Calderón y E. Pennati, Pre-
sencia salesiana en Perú. I. Los inicios 1891-1898. Lima: Editorial Salesiana, 1994, 25-26.

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

alguma obra que lhe era oferecida para trabalhar em favor da juventude carente,
mas com um sistema educativo diferente.
A notícia do bem que os salesianos faziam em Utrera e em Barcelona
propagava-se pela Espanha e despertava como era natural, também em outras
cidades, o desejo de tê-los [...]. Foi por isso que pessoas nobres e com recursos
se reuniram em Madri numa comissão, presidida pelo senador Silvela, que
fora ministro de Estado e depois embaixador em Paris; considerando que o
governo estava impossibilitado de remediar adequadamente, decidiram ofe-
recer por si mesmos um exemplo à nação inteira, assumindo o compromisso
de construir na capital um reformatório juvenil com seus próprios meios.
O Estado não se desinteressou totalmente, pois uma lei de 4 de janeiro
de 1883, autorizava a fundação de um grande instituto privado com a deno-
minação de escola de reforma para jovens e internato de correção paternal,
sob o patrocínio de Santa Rita. Antes de iniciar a obra, desejou-se considerar
qual sistema de educação deveria ser adotado. Para tanto, o deputado e mais
tarde senador Lastres com outro personagem madrileno viajaram por toda
a Europa [...]. Aonde quer que fossem não lhes foram mostrados mais do
que correcionais de todo tipo e retornaram com a ideia predominante de
estabelecimentos que eram mais prisões do que casas de educação [...]. Uma
vez reunidos os jovens, eles pensavam dividi-los em 4 categorias: 1ª os aban-
donados; 2ª os que estavam em perigo; 3ª os perigosos, mas que ainda não
tinham incorrido contra a lei, por não serem ainda responsáveis de seus atos;
4ª os meninos desordeiros de famílias de bem que precisavam de educação
especial, a fim de não manchar a boa fama de suas respectivas famílias [...].
Começou-se a construir um grandioso edifício. Já se tinham erguido
duas alas do edifício, quando chegou aos ouvidos do senhor Lastres a notí-
cia da casa salesiana de Barcelona. Ele mandou suspender imediatamente as
obras e escreveu a um banqueiro daquela cidade, que enviou primeiramente a
Sarriá o seu secretário e, depois, foi pessoalmente. Estes senhores não falavam
mais do que de reformatório, segundo o estilo das conhecidas casas de cor-
reção; mas o padre João Branda respondia-lhes que não era essa a finalidade
dos salesianos [...]. Dois meses depois dessas visitas, padre João Branda viu
chegar a Sarriá o deputado Lastres com outro senhor, que lhe pediam para vi-
sitar a casa detalhadamente, [...] ficaram o dia todo na casa, examinando seu
funcionamento, seus regulamentos e costumes, e concluíram que era preciso
escrever a Dom Bosco. Voltaram a Madri e, um mês depois, escreveram ao
padre João Branda, convidando-o a ir à capital [...]. Apresentou-se na nuncia-
tura e o núncio exortou-o a começar as tramitações, garantindo-lhe que era
um desejo expresso do rei, que prometia seu apoio.

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Dom Bosco: história e carisma 3

No dia seguinte, reuniu-se toda a comissão, composta por senadores,


deputados e banqueiros. Os critérios daqueles senhores não concordavam
com os princípios que regulam o nosso sistema educativo, totalmente desco-
nhecido para eles; apesar disso, com a finalidade de obter seu intento, diziam
que queriam deixar plena liberdade de ação [...]; que se escrevesse a Dom
Bosco, garantindo-lhe que a casa em construção seria de sua propriedade; que
se passaria a escritura notarial correspondente e que Dom Bosco seria muito
livre de atuar como mais lhe agradasse; que não haveria o menor obstáculo
na direção da mesma; que, se precisasse de ajuda, o ajudariam; mas, se não
quisesse e desejasse trabalhar por si mesmo, eles se retirariam [...]. Quando
se discutiu a proposta no Capítulo (foi em 22 de setembro de 1855), Dom
Bosco, depois de ouvir o relatório, exclamou: Paris, Madri, Trento! Que novo
e imenso horizonte tem a Congregação Salesiana! [...]. Padre João Branda,
que participava da sessão, fez saber que os senhores de Madri estavam dispos-
tos a recorrer ao Papa, se o Capítulo Salesiano se opusesse à realização de seu
projeto. E Dom Bosco respondeu: “Crie-se, então, uma comissão para exa-
minar o projeto de Madri e a maneira de adaptá-lo ao nosso sistema [...]. Nós
concordaremos em tudo que não afete a substância do nosso sistema e não
se economize nos meios; mas mantenha-se firme nosso costume de manter
em todos os nossos internatos as duas seções, de estudantes e de aprendizes”.
O Capítulo, depois de escutar as conclusões a que os três chegaram, de-
cidiu responder à comissão e ao Núncio, mostrando-se favorável a iniciar as
negociações e colocando como única condição que tudo pudesse ser resolvi-
do segundo as diretrizes da Congregação Salesiana. Acrescentou-se, também,
um exemplar do Regulamento das casas [...]; no dia 5 de março de 1886,
Silvela renovou seus pedidos [...]. Dom Bosco, de Alassio onde estava, res-
pondeu solicitamente com esta carta, que ditou ao padre Francisco Cerruti:

Excelentíssimo Senhor: examinei atentamente o projeto da escola de Santa


Rita, que V. S. teve a bondade de enviar-me, acompanhado da lei do dia 4 de
janeiro de 1883 que a autoriza, e não posso deixar de manifestar a V.S., e aos
demais digníssimos senhores dessa comissão, meu mais cordial agradecimen-
to pela sua benevolência em favor dos salesianos e a mais sincera admiração
pela delicada caridade cristã que os anima. Deus bem sabe que eu gostaria
de aceitar o convite reiterado por V.S., com sua muito gentil carta do dia 5
do corrente, para assumir a direção. Contudo, deixando de lado a escassez
de pessoal para os compromissos já assumidos, a qualidade deste Instituto e
sua modalidade disciplinar não me permitem endossar este desejo recíproco.
Apesar de toda a vontade de fazer o bem, nós não nos podemos afastar da

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

prática do que estabelece o nosso Regulamento, do qual remeti um exem-


plar em setembro passado. Para nós, aí seria factível um colégio, segundo o
modelo dos Talleres Salesianos de Barcelona-Sarriá; mas não poderia ser uma
escola-reformatório como o de Santa Rita. Espero que, com a ajuda de Deus,
poderei ir a Barcelona no próximo mês de abril e ser-me-á muito grato, se
for possível, encontrar-me novamente nessa ocasião com V.S. e o boníssimo
senhor Francisco Lastres, pois conservo muito grata recordação de ambos, ao
mesmo tempo em que peço de coração ao Senhor que os conserve em sua
santa graça. Creia-me, Ex.mo Senhor, com a mais sentida estima e reconhe-
cimento para com V.E.
Alassio (Gênova), 17 de março de 1886
Humilíssimo servidor, João Bosco, presbítero.

Dom Bosco, nessa época, estava em viagem pela França com a intenção
de continuar, como o fez de fato, até a Espanha. Logo que se soube de sua
chegada a Barcelona, o senhor Lastres foi até lá, sendo portador também de
uma carta do Núncio [...]. Padre Miguel Rua, que acompanhava Dom Bosco
na viagem à Espanha conversou longamente com o senhor Lastres no dia 18
de abril [...]. Assentada a premissa de que Dom Bosco e seu Capítulo tinham
toda a boa vontade de uma fundação em Madri, mas que o pessoal era es-
casso, concretizou tudo nestas 5 condições essenciais: 1ª) liberdade da futura
direção para destinar os meninos aos ofícios que, de acordo com a inclinação
de cada um, parecessem mais adequados, levando em conta as necessidades e
os condicionamentos do estabelecimento; liberdade, também, para destinar
aos estudos os que, por sua conduta e inteligência, se fizessem merecedores
disso. 2ª) Necessidade de alguma medida para poder separar da massa geral os
alunos que fossem de obstáculo. 3ª) Conveniência de dar uma gratificação a
cada salesiano ou, melhor ainda, uma determinada quantia anual para todos
os salesianos que trabalhassem no colégio. 4ª) Oportunidade de estabele-
cer uma pensão para cada menino. 5ª) Necessidade de pensar seriamente no
modo de buscar trabalho para as oficinas.
Estabelecidos estes pontos fundamentais, padre Miguel Rua prometeu
que, em Turim, o assunto seria apresentado ao Capítulo Superior e que,
sendo aceita a proposta, seria redigido e remetido um projeto de convênio
ao senhor Silvela ou ao senhor Lastres, para que o examinassem e fizessem
suas observações a respeito. Ao mesmo tempo, porém, teve o cuidado de
insistir que não seria possível enviar imediatamente os salesianos a Madri
[...]. O Capítulo Superior só pôde ocupar-se do tema em 25 de junho.
Dom Bosco presidia a sessão. Ouvido o relatório do padre Miguel Rua,

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Dom Bosco: história e carisma 3

os capitulares votaram em princípio pela aceitação da casa, desde que se


salvasse, antes de tudo, a independência dos salesianos na direção e admi-
nistração da entidade.
Passou-se, depois, a examinar o projeto apresentado em suas linhas ge-
rais. A discussão centrou-se no caráter de verdadeiro reformatório que, da
parte da comissão madrilena, seria dada à obra toda. Enfim, decidiu-se apre-
sentar as seguintes condições preliminares: 1ª) impedir que a casa tivesse o
nome e o aspecto de correcional, para que os meninos não se sentissem me-
nosprezados. 2ª) Limitar-se, no momento, somente a jovens abandonados ou
em perigo. 3ª) Não receber, no momento, jovens provindos do comissariado
de polícia. 4ª) Que os candidatos não tivessem mais de catorze anos nem
menos de nove. 5ª) Que os meninos considerados aptos pelos salesianos pu-
dessem dedicar-se aos estudos. 6ª) Que fosse enviado a Madri, com algumas
modificações, o programa redigido anteriormente para Trento. Padre Miguel
Rua, quando suas muitas ocupações lhe permitiram, enviou o projeto de con-
vênio, elaborado pelo padre Celestino Durando sobre o de Trento, unindo a
ele uma carta muito expressiva para o senador Silvela [...] que Dom Bosco fez
sua, apondo a sua própria assinatura.

Excelência [...]. Ao regressar de minha longa viagem, senti-me pressionado


por tantas preocupações que não me foi possível até hoje realizar o meu dese-
jo. Anexamos o projeto que V.E., com a mencionada comissão, fará por bem
examinar e fazer-nos as observações que lhes pareçam oportunas. O texto está
incompleto; falta, por exemplo, indicar a data em que o colégio deveria ser
aberto [...]. Encontrarão nele algo que, por certo, causará alguma dificuldade
à comissão, por exemplo, o que se estabelece no artigo segundo de não admi-
tir ninguém que esteja pendente de sentença condenatória. A esse respeito,
lhe darei algumas explicações: nosso desejo é que os jovens que saíssem do
novo colégio, destinado à sua educação civil e cristã, não precisassem sofrer
com qualquer marca infamante. Caso se dissesse que saem de uma casa de
correção, de um reformatório, seria uma mancha para toda a sua vida. Dese-
jamos que seja abolida qualquer identificação que possa induzir o público a
crer que se trata de uma [casa] correcional. Para obter esse intento, somos do
parecer que o centro se denomine residência ou instituto e não reformatório
ou patronato etc.; também desejamos que, ao menos por cinco anos, não seja
admitido ninguém sujeito a condenação, precisamente para acostumar o pú-
blico a não considerá-lo como correcional. Isso também é desejado em vista
de uma maior facilidade de proporcionar ao novo instituto um bom número
de jovens bem preparados, a fim de se poder encaminhar mais facilmente ao

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

trabalho e à virtude os que entrarão posteriormente. Após o primeiro quinquênio,


esperamos poder admitir também, poucos de cada vez, os muitos que já sofreram
condenação; contudo, convirá que também então se faça o possível para que isso
não se propague ao público. É assim que se atua em diversos colégios de outros
países [...]. Espero que também V. E. e a comissão saibam apreciar estas razões.
Em relação à pensão diária a fixar para os meninos e a quantia anual para o pessoal
dirigente etc., deixamos em branco, aguardando a proposta que a comissão nos
possa fazer. Talvez deva levar em consideração a distância da viagem. Resta-nos
ainda um detalhe a notar que é, tratando-se de um instituto para meninos,
que nos pareceria mais oportuno dar-lhe o título de um santo, melhor do que
de uma santa. Poder-se-ia, por exemplo, colocá-lo sob a proteção e o título de
Santo Isidoro. Ainda devo dizer algo mais, com grande pesar de minha parte,
que, dada a escassez do meu pessoal, ainda não me será possível aceder ao de-
sejo seu e meu antes de algum tempo. Deverá esperar provavelmente até 1888
ou 1889 [...]. À espera das considerações que V. E. e a comissão façam a este
projeto, peço ao Senhor juntamente com meus filhos, que encha de seus dons
a V. E. e a todos os honrados membros da comissão e, com toda estima, tenho
o prazer de professar-me, de V. E. Ilma.
Turim, 8 de julho de 1886
Sinceramente seu, João Bosco, Presbítero.

Após esta comunicação, passaram-se os meses e não havia resposta. Dom


Bosco, ao apresentar seus cumprimentos natalícios ao Núncio Apostólico,
aludiu ao inexplicável silêncio [...].
Na conferência de 12 de março de 1888, o senhor Lastres reconheceu
muito implicitamente as razões dos salesianos. Dom Bosco escolhera o siste-
ma da prevenção primária depois de sua experiência como jovem sacerdote
nas prisões de Turim. Ali aprendera que era muito mais vantajoso impedir as
quedas do que remediá-las com meios repressivos. Era natural que, solicitado
a assumir a Escola de Reforma de Santa Rita, de caráter correcional, e, por-
tanto, onde era indispensável a coação, não quisera afastar-se do sistema ado-
tado em suas instituições, nas quais os jovens se sujeitavam espontaneamente
a uma disciplina que, embora séria, não era incompatível com a bondade.67
Não faltariam esclarecimentos orais ou escritos, mas o fato é que aqui
terminam os dados de arquivo. Como os terciários regulares franciscanos que
foram chamados para dirigir o colégio, mantiveram integralmente o estilo de

67
Cf. Don Bosco y la caridad en las prisiones. Conferencia pronunciada en el Ateneo de Madrid
el día 12 de marzo de 1888, por Francisco Lastres. Madri: Tipografía de M. G. Hernández, 1888.

73

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Dom Bosco: história e carisma 3

reformatório, não é ousada a hipótese de que a comissão se negasse a acei-


tar a exigência fundamental de Dom Bosco sobre este ponto. Os salesianos
chegaram mais tarde a Madri, com seu modo genuíno, onze anos depois da
morte do santo.68

DOCUMENTOS SOBRE A CESSÃO E


PRIMEIRA CAPELA DO MONTE TIBIDABO

Carta de cessão do Tibidabo


Reverendíssimo Sr. Padre João Bosco, Superior Geral da Congregação
Salesiana. Os abaixo-assinados proprietários da parte mais elevada da mon-
tanha denominada Tibidabo, seguindo o exemplo de Nosso Santíssimo Pai
Leão XIII que confiou a Vossa Reverendíssima o honroso encargo de edi-
ficar na Cidade Eterna um templo dedicado ao Sagrado Coração de Jesus,
oferecem-vos, prostrados aos pés da Santíssima Virgem das Mercês, Patrona
desta Cidade e Diocese, o cume do Tibidabo para que vos sirvais também
para elevar nele uma ermida que, consagrada ao Sacratíssimo Coração de
Jesus, detenha o Braço da Justiça divina e atraia as Divinas Misericórdias
sobre nossa querida Cidade e sobre toda a Espanha Católica. Recebei, Reve-
rendíssimo Padre, nossa oferta e dignai-vos confortar-nos com a vossa Santa
Bênção. Barcelona, no presbitério da paróquia de Nossa Senhora das Mercês,
dia 5 de maio de 1886.
Delfín Artos, Álvaro M. Camin, Felipe Camps, Gme. More Y Bosch,
Manuel M. Pascual, Mauricio Serrahima, Manuel Torrebadella, Felipe Vives,
Álvaro Verdaguer, Carmen Garrigolas Vda. De Torrent, por D.a Carmen Font
viúva de Calafell José Xirivell.

A primitiva capela no Tibidabo


“Com a devida autorização e bênção de nosso Prelado, iniciei os tra-
balhos para a criação de uma capela em estilo gótico, dedicada ao Sagrado
Coração de Jesus, no cume do monte Tibidabo. A montanha, que até agora
servia de estímulo à curiosidade pela bela paisagem que domina, servirá
também de agora em diante para render homenagem de adoração ao Sagra-
do Coração do Criador de tantas maravilhas, como desde ali se descobrem.

68
Cf. MB XVII, 597s.

74

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Fundação e desenvolvimento inicial da obra salesiana na França, Itália e Espanha...

Os piedosos barcelonenses, que durante a permanência do venerável Dom


Bosco nesta cidade quiseram honrá-lo doando-lhe o citado monte, verão
com alegria elevar-se o pequeno monumento, graças, em grande parte, à ini-
ciativa e ao generoso desprendimento de algumas pessoas devotas do Divino
Coração. Bem fariam os Padres Salesianos sob cuja direção a capela vai ser
erguida, poder dar andamento pelo seu próprio esforço à iniciada constru-
ção; contudo, as prementes e diárias necessidades, difíceis de preencher, de
seu benéfico instituto, obrigam-nos a confiar para levá-la a feliz termo na
proverbial e nunca desmentida generosidade dos habitantes da capital do
Principado. Queira Deus que a modesta obra que hoje se inicia, possa ser
concluída em breve prazo e seja o início de outra mais grandiosa digna do
objeto a que se dedica e do povo que a levanta” (Diário de Barcelona, 30 de
maio de 1886).69

69
MB XVIII, 653s.

75

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Capítulo III

PRESENÇA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL.


1. ORIGEM E PRIMEIRO
DESENVOLVIMENTO

1. A emigração italiana no século XIX


A emigração italiana do século XIX e dos inícios do XX pode ser con-
siderada um dos acontecimentos históricos mais significativos na sociedade
italiana após a unificação. Não era apenas uma questão de gente que buscava
trabalho no exterior como consequência do processo de industrialização. Foi,
na verdade, um movimento populacional de grande escala resultante da com-
binação de questões políticas, econômicas e sociais. Este movimento, similar
ao de outras nações europeias, voltou-se especialmente à América do Norte, à
América do Sul, à Oceania e a algumas partes da África. Foi um movimento
massivo: 60 milhões de europeus entre 1830 e 1930.
De 1876, ano em que começou a elaboração dos registros oficiais na
Itália, até 1914, cerca de 14 milhões de italianos emigraram, principalmen-
te para o continente americano.1 Os imigrantes provinham, sobretudo, das
regiões montanhosas e das zonas agrícolas mais sofridas. O Piemonte (11%)
era a segunda região, depois do Vêneto (13%), com umas 710 mil pessoas
entre os anos 1876-1900.
A emigração italiana para a Argentina fora grande, mesmo antes do iní-
cio da conservação dos registros oficiais em 1876. Estima-se em mais de 210
mil os emigrantes italianos àquele país, entre 1857 e 1875, ano da fundação
ali da primeira casa salesiana. O recenseamento dos italianos no exterior em

Em 1876, foram cerca de 100 mil os italianos emigrantes, porém as cotas anuais aumentaram
1

paulatinamente até a Primeira Guerra Mundial: 1,3 milhão na década 1876-1885; 2,4 milhões entre
1886 e 1895; 4,3 milhões entre 1896 e 1905; 6 milhões entre 1906 e 1914.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

janeiro de 1871 projeta um total de meio milhão, dos quais uns 50 mil em
Buenos Aires. Entre os anos 1876 e 1914, a Ligúria e o Piemonte foram as
regiões que mais emigrantes enviaram à Argentina, num total de 321.800.2
Em 1900, a população da arquidiocese de Buenos Aires era composta
ao redor de 265 mil pessoas de ascendência italiana, 122 mil de proce-
dência espanhola e outras 30 mil de origem francesa. Poucos milhares de
outras nacionalidades e pequenos grupos da população indígena marcavam
a diferença.

Familiaridade de Dom Bosco com o problema


Dom Bosco conhecia esta questão muito antes de o governo italiano
apresentar as estatísticas oficiais. Estava a par da situação econômica dos ita-
lianos na Argentina, que era melhor do que desfrutaram em sua antiga pátria,
e que a situação religiosa não era boa. Em 1865, por solidariedade, tornara-se
membro da Sociedade de Auxílio Mútuo de Rosário (Argentina), embora sua
participação terminasse em 1870, aparentemente pela falta de pagamento
das cotas, mas provavelmente por razões político-religiosas. Ele teve a opor-
tunidade de visitar com certa frequência, no Piemonte e na Ligúria, alguns
ambientes que sofreram intensa emigração para a Argentina ou outros países.
Mantinha-se em contato com antigos alunos do Oratório que foram para
a Argentina. Enfim, nos inícios dos anos setenta do século XIX, o cônsul
argentino João Gazzolo, que morava em Savona e conhecia a obra salesiana
nessa região, colocara-o em contato com a importante confraria de Nossa
Senhora das Mercês, de Buenos Aires.
Familiares de alguns dos primeiros salesianos missionários também emi-
graram para a Argentina. Padre Domingos Tomatis encontrou seu pai, que
fora dado por morto; padre José Fagnano tinha dois irmãos na região de
Buenos Aires e, mais tarde, levaria também sua mãe. Padre Francisco Bodrato
tinha um cunhado na cidade; padre João Batista Baccino, tinha dois irmãos
em Montevidéu (Uruguai).
A emigração era, portanto, um sério problema já durante a vida de
Dom Bosco e assumirá maiores dimensões no reitorado do padre Rua.
Entende-se, então, que, tanto um quanto o outro, depois do insistente es-
tímulo de Pio IX e Leão XIII, embarcaram rapidamente no ministério do
cuidado dos imigrantes.

2
Assim distribuídos: 39 mil na década 1876-1885; 92 mil entre 1886 e 1895; 81 mil entre 1896
e 1905; e mais de 108 mil entre 1906 e 1914, década da grande onda migratória.

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Dom Bosco: história e carisma 3

O compromisso de Dom Bosco e dos salesianos com os imigrantes


A opção de Dom Bosco pela Argentina era motivada, sem dúvida, por
verdadeiros ideais apostólicos e missionários. Ele experimentara uma autênti-
ca vocação missionária e sonhou com as missões em sentido estrito, in parti-
bus infidelium. O carisma que inspirara a sua opção pelos “pobres e abando-
nados”, unido ao fermento missionário que reinava na Igreja na década dos
anos setenta, encontrou um novo objetivo na atividade evangelizadora em
terras de missão. No sonho de 1871/1872, ele entrevira claramente uma mis-
são entre os selvagens. Mesmo assim, entre as muitas propostas que lhe foram
feitas, aceitou a da Argentina, que não era na verdade uma missão in partibus
infidelium, mas tratava-se de um trabalho como o que fazia em Turim e em
outros lugares, ou seja, educar os jovens das classes trabalhadoras e realizar
outros ministérios em favor da gente pobre.
A escola e a igreja de San Nicolás de los Arroyos eram o destino originá-
rio do grupo de 10 salesianos que chegaram à Argentina em 1875. Entretan-
to, o arcebispo Aneyros decidiu que 3 deles ficariam em Buenos Aires para
trabalhar entre a comunidade mais numerosa de imigrantes, a mais abando-
nada e mais difícil da Argentina, a comunidade dos imigrantes italianos.
As dificuldades surgidas da situação religiosa e moral imperante nas co-
munidades de imigrantes italianos na região do rio da Prata eram, de fato,
de enormes dimensões. Os salesianos encontraram uma cultura familiar que
lhes dava tempo e espaço para poder programar com calma alguma estratégia
com relação às missões propriamente ditas. Embora o apostolado entre os
imigrantes não fosse uma opção programada em vista da missão, mas um
projeto bona fide, serviu, sem dúvida, como ponto de partida para um verda-
deiro compromisso missionário. Ou, mais ainda, a Congregação concebeu-o
de fato como parte do compromisso total com as missões. Assim Dom Bosco
o reconhecia na cerimônia de envio, em 11 de novembro de 1875:

Apresentavam-se diante de nós várias missões na China, Índia, Austrália e


na mesma América, mas, por vários motivos, especialmente por estar nossa
Congregação em seus inícios, preferiu-se uma missão na América do Sul, na
República Argentina...
Recomendo-vos [...] com especial insistência [...] a dolorosa situação de mui-
tas famílias italianas, que vivem disseminadas por aquelas cidades e povoados
e até nos campos. Vivem distantes das escolas e das igrejas; nem pais nem
filhos, pouco conhecedores da língua e dos costumes daquelas terras, parti-
cipam das práticas religiosas [...]. Ide, buscai esses nossos irmãos, aos quais a

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

miséria ou a aventura levou a terras distantes; tende imaginação para fazê-los


reconhecer quão grande é a misericórdia de Deus, que vos envia para o bem
de suas almas...
Além disso, nas regiões que rodeiam a parte civilizada, vivem grandes hordas
de selvagens, para os quais ainda não chegou a religião de Jesus Cristo, nem
a civilização, nem o comércio [...]. Peçamos ao dono da vinha que mande
operários para sua colheita.3

Falando aos jovens alguns dias antes, ele dissera:

Convém que também pensemos no pessoal da América. [...] Há também


uma igreja pública para atender ao culto, e as escolas da cidade estarão em
nossas mãos. É preciso ainda dar aulas de italiano, francês e inglês. Os habi-
tantes são bons por natureza e muito religiosos, mas carecem de instrução e
de sacerdotes que os instruam... Deveis saber também que não muito distante
de San Nicolás começam as regiões habitadas pelos indígenas selvagens, que
são muitos naquele lugar. Eles já aceitam a religião cristã e pedem para serem
instruídos.4

Dessa forma, o trabalho entre os imigrantes italianos, possivelmente os


mais necessitados e abandonados, mas também relacionados culturalmente
com os missionários, converteu-se em parte do compromisso missionário. De
fato, padre Cagliero, com percepção estratégica, escreveu: “A missão parece
mais necessária entre os italianos (imigrantes) do que entre os nativos”.5
Dom Bosco e os salesianos consagraram-se ao serviço dos imigrantes.
Alguns meses antes de sua morte, o Boletim Salesiano sublinhava este dado.
A atenção aos imigrantes era uma missão assumida por Dom Bosco “não só
como boa obra ou ato de caridade movido pelo amor, mas como um estrito
dever. Era uma missão recomendada pelo Supremo Pastor da Igreja, portan-
to, uma tarefa que não se podia deixar de lado, e pela qual deveria prestar
contas ao Senhor”.6

Situação da comunidade italiana de Buenos Aires


Onde quer que se fixassem, os imigrantes formavam comunidades in-
tensamente unidas por laços culturais. A concentração mais numerosa de

3
MB XI, 385s.
4
MB XI, 296s.
5
Carta de Cagliero a Dom Bosco, 4 de março de 1876, ASC A131.
6
BS 11, 10 de outubro de 1887, 122.

79

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Dom Bosco: história e carisma 3

italianos em Buenos Aires era a “pequena Itália”, cerca de 30 mil pessoas, do


bairro de La Boca, localizado, na época, fora da cidade, na foz do Riachuelo,
curso d’água que nesse ponto une-se ao rio da Prata. Havia outros grupos
italianos na cidade. Um deles estava perto do centro e reunia-se ao redor da
confraria de Nossa Senhora das Mercês e de sua capela, Mater Misericordiae,
conhecida como igreja italiana.
A comunidade italiana de Buenos Aires era formada inicialmente por
genoveses e piemonteses, italianos do norte. Mais tarde, os imigrantes do sul
da Itália seriam mais numerosos. Os líderes da comunidade formavam um
grupo de gente instruída, em geral republicanos da linha Mazzini-Garibaldi
ou anarquistas seguidores de Bakunin. Eles começaram a imigrar depois da
queda da república de Roma (1849); o fluxo continuou durante e depois da
unificação da Itália sob a monarquia dos Saboia (1861 e 1870). Seus líderes
uniam-se pela causa comum da oposição à religião tradicional, à Igreja, e
por um profundo anticlericalismo. Dominavam, naturalmente, o grosso da
população, analfabeta em sua maioria. A comunidade em geral, e a “pequena
Itália” de La Boca em particular, era praticamente governada como uma es-
pécie de república independente, de inspiração mazziniana.7 Apesar de algum
ar de superioridade, que favorecia certo separatismo, a ideologia da elite ma-
zziniana vivia em sintonia com a dos políticos argentinos, que também eram
republicanos e anticlericais. Situação semelhante era encontrada em muitas
comunidades de imigrantes italianos em outras cidades da América, das quais
Buenos Aires era o exemplo mais relevante.8
A Sociedade Italiana de Mútuo Socorro e Beneficência de Buenos Aires
foi monoliticamente mazziniana até 1861, quando dela se separou um ramo
de orientação monárquica. Entretanto, a influência mazziniana continuou.
Quando os salesianos chegaram em 1875, os mazzinianos ainda controlavam
as instituições italianas mais importantes e também os jornais impressos em
italiano. Quanto à fé e a prática religiosa, as comunidades italianas do Rio da
Prata eram as mais assediadas e, por isso, as que estavam em maior perigo e
“maior necessidade”.
A imigração – deve-se recordar – aconteceu de tal modo e em tão gran-
de escala que não se lhe podia dar uma adequada assistência religiosa, nem
pelos padres locais nem pelos padres italianos que acompanhavam as ondas

7
Em 1874, alguns destes “revolucionários” incendiaram o colégio dos jesuítas da cidade enquanto
os líderes do barrio recusaram receber os encarregados do recenseamento enviados pelo cônsul italiano.
8
Ver G. Rosoli, “Impegno missionario e assistenza religiosa agli emigranti nella visione e nell’opera
di Don Bosco e dei Salesiani”. In: F. Traniello, Don Bosco, 289-329, especialmente, 301ss. 317ss.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

migratórias. Com notáveis exceções, os poucos padres italianos que acom-


panharam os imigrantes estavam mais preocupados com seus próprios inte-
resses do que com as necessidades espirituais de seus compatriotas. Foi essa
a razão pela qual o arcebispo de Buenos Aires desejava obter os serviços de
uma congregação religiosa para poder atender a essa demanda. Os salesianos
foram os primeiros a surgir em cena.

2. A obra salesiana na bacia do Prata


Até fins de 1874, enquanto chegavam convites de todas as partes, Dom
Bosco recebeu um convite formal para que os salesianos fossem à Argentina.
“As primeiras cartas”, ele mesmo declarava, “chegaram-me durante a novena
do Natal; eu as li ao Capítulo Superior na tarde de 22 de dezembro de 1874”.
Outros pedidos, por exemplo, dos Estados Unidos e de Hong Kong não ti-
veram qualquer consequência. No caso da Argentina, porém, as negociações
foram concluídas rapidamente e a proposta foi aceita. Como se deu?

Iniciativa do cônsul Gazzolo, resposta inicial de dom Aneyros e


consentimento de Dom Bosco
A opção, quase repentina, de Dom Bosco pela Argentina, veio das mãos
de um leigo de destaque, chamado João Batista Gazzolo, no momento cônsul
argentino com sede em Savona.9

João Batista Gazzolo nasceu em 22 de dezembro de 1827 em Camogli (Gênova) e morreu


9

em 23 de fevereiro de 1895 em Savona. Serviu como marinheiro na armada do Reino da Sardenha e


chegou ao grau de capitão. Casou-se e teve 4 filhos. Em 1858, aos 31 anos de idade, emigrou para a
Argentina, que se converteu em seu país de adoção. Durante algum tempo ensinou italiano em Rojas,
pequena cidade a sudoeste de Buenos Aires. Depois, graças ao apoio de Domingos Faustino Sarmien-
to (1811-1888), ministro da Educação Pública, obteve o posto de bibliotecário da Universidade de
Buenos Aires. Nesse posto, ampliou as dependências da biblioteca e fundou filiais locais em várias
regiões da cidade, dando atenção especial às necessidades da comunidade italiana. Em 1866, Gazzolo
participou provavelmente da compra do terreno em que se construiu a igreja italiana de Nossa Senhora
das Mercês. A colocação da primeira pedra deu-se no ano seguinte, acontecimento para o qual Gazzolo
editou um folheto comemorativo. Quando Domingos Sarmiento chegou à presidência (1868-1874),
Gazzolo foi nomeado vice-cônsul argentino e depois cônsul em Savona, sua cidade de origem. Padre
Frederico Aneyros, futuro arcebispo de Buenos Aires, estava entre os 20 professores da Universidade
de Buenos Aires que assinaram a carta de felicitações. Em 7 de março de 1870, Gazzolo apresentou
suas credenciais e foi reconhecido oficialmente pelo governo italiano como representante argentino em
Savona. Começou imediatamente sua atividade de promover a emigração para a Argentina. Escreveu
folhetos e cartazes para distribuir nas zonas rurais, nos quais se falava das oportunidades oferecidas pela
Argentina. Tanto fez que o governo o advertiu para abandonar essa atividade, pois povoações inteiras
estavam ficando vazias por causa da emigração. Ver F. Desramaut, Don Bosco, 949 e 972, n. 56.

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Dom Bosco: história e carisma 3

João Batista Gazzolo emigrara para a Argentina ainda jovem, obten-


do algum sucesso social; nomeado cônsul, conseguiu criar uma boa rede de
relações em seu país de adoção. De volta à Itália, converteu-se numa figura
popular, por causa das suas atividades em favor dos emigrantes.
Quase imediatamente depois de ser nomeado cônsul em 1870, co-
nheceu a obra dos salesianos na Ligúria, aonde Dom Bosco ia com fre-
quência para visitar as escolas de Alassio (1870) e Varazze, não muito
distante de Savona (1872). Dom Bosco e o cônsul mantiveram várias
conversações.10 Gazzolo colocava-o ao corrente da evolução da comuni-
dade italiana, de sua situação religiosa e seus problemas. Falavam sobre
as oportunidades para a obra salesiana, uma vez que a igreja de Nossa
Senhora das Mercês, inaugurada em 1870,11 estava aberta ao culto, mas
precisava de padres.
Em algum momento do verão de 1874, deixando desatendidas, entre
outras, as ofertas de Hong Kong e Savannah (Estados Unidos), Dom Bosco
começou a pensar seriamente na Argentina, embora, como fez saber ao côn-
sul, não podia tomar qualquer decisão sem o convite expresso do arcebispo
de Buenos Aires.
O cônsul Gazzolo, provavelmente com a ajuda do próprio Dom Bosco
e do padre Francésia, redigiu um relatório sobre a Sociedade Salesiana, que
enviou ao arcebispo de Buenos Aires, dom Leão Frederico Aneyros, com
um exemplar das Constituições Salesianas.12 A carta, de 30 de agosto de
1874, era “perfeita: direta, informativa, discreta, respeitosa, carinhosa, mas
sem adulação, prudente e clara”.13 Sua importância, contudo, está no fato
de expor a concepção de Dom Bosco e era sua primeira declaração sobre
o que seria conhecido como “o projeto missionário salesiano”, embora em
10
Numa carta datada em 25 de dezembro de 1874, dirigida ao comitê de San Nicolás, Argen-
tina, Dom Bosco escreve: “Faz quatro anos que o honrado João Batista Gazzolo e eu mantemos uma
relação cordial”. Desta familiaridade dá fé uma carta de 22 de dezembro de 1874, em que Dom Bosco
se dirige a Gazzolo como “queridíssimo amigo no Senhor”.
11
R. A. Entraigas, Los salesianos, I, 40.
12
Leão Frederico Aneyros (1826-1894) nasceu em Buenos Aires em 28 de junho de 1826.
Obteve o doutorado em Teologia na universidade de Buenos Aires em 26 de fevereiro de 1846; orde-
nado sacerdote em 1848, obteve o doutorado em Direito Canônico e Civil na universidade, em 16
de setembro de 1848. Envolvido em política por ser editor de um jornal, serviu, desde 1855, como
secretário do bispo de Buenos Aires, dom Mariano José de Escalada, e como vigário-geral desde 1865,
quando a diocese foi elevada a arquidiocese. Foi, ao mesmo tempo, professor de Direito Canônico
na universidade (1854-1870). Nomeado bispo titular de Aulón em 21 de março de 1870, tornou-se
arcebispo de Buenos Aires depois da morte de dom Escalada em 1873. Faleceu em 3 de setembro de
1894. Cf. Epistolario IV Motto, 368.
13
F. Desramaut, Don Bosco, 951-952.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

suas primeira cartas às autoridade eclesiais argentinas, Dom Bosco nunca


mencionasse objetivos missionários.14 Este é um resumo dessa carta:

O cônsul escreve que, desejando contribuir para o bem do povo argentino,


manteve conversações com um santo sacerdote, o padre João Batista (sic)
Bosco, fundador da recentemente aprovada Sociedade Salesiana, empenhado
na educação dos jovens mais pobres. O cônsul visitou as escolas salesianas, e
está convencido de que “esta sociedade faria um grande bem na Argentina”.
Dom Bosco garantiu-lhe que o Papa e o prefeito da Congregação para a Pro-
pagação da Fé estão a favor de que os salesianos fundem “algumas missões
na Argentina”.
Como muitos sacerdotes italianos emigrados na Argentina não viveram con-
forme deles se esperava, o cônsul fez o possível para explicar com detalhes o
que ele chama de “o espírito do Instituto”, sobre o qual faz um resumo do
capítulo Fim desta Sociedade, das Constituições. Depois, garante ao arcebispo
que Dom Bosco “já tem alguns sacerdotes disponíveis, que, pelo seu espírito
eclesiástico, prometem muitíssimo”.
O que fariam os salesianos na Argentina? O cônsul sugere ao arcebispo
Aneyros que convide os salesianos para Buenos Aires e lhes ofereça algum
lugar onde residir ou uma igreja a atender. A igreja italiana de Nossa Senhora
das Mercês seria ideal, tanto mais que ele, o cônsul, era proprietário de duas
casas próximas à igreja, nas quais poderiam residir.
Após fazer esta discreta sugestão, Gazzolo retorna ao tema das imensas vanta-
gens que a arquidiocese poderia receber da obra dos salesianos com a juventude
em perigo. Estes religiosos, “vivendo no Espírito do Senhor”, proporcionariam
a estes jovens o refúgio e o cuidado que as Conferências de São Vicente de Pau-
lo não lhes podem dar. Seriam “soldados fiéis, trabalhando na vanguarda para
a realização dos planos que monsenhor [o arcebispo] levou a cabo pelo bem de
milhares de almas”. O arcebispo poderia obter mais informações do próprio
Papa, que está muito familiarizado com a obra de Dom Bosco e o Oratório.
O cônsul conclui a carta pedindo desculpas ao arcebispo por assumir essa li-
berdade, e acrescenta: “As palavras e o exemplo de Sua Excelência ensinaram-
-me, quando vivia na Argentina, que todo cristão é chamado a contribuir para
a grande obra da salvação das almas”.

A carta original foi perdida num incêndio nas revoltas de Buenos Aires, em junho de 1955.
14

Felizmente, a carta fora publicada no número de abril de 1934, da Revista Eclesiástica do Arcebispado de
Buenos Aires. Cf. R. A. Entraigas, Los salesianos I, 32-35.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Dom Aneyros, impressionado com o relatório e a sugestão do cônsul,


respondeu em 10 de outubro de 1874, por meio de seu secretário, monse-
nhor Antônio Espinosa,15 a quem Gazzolo escrevera em 10 de setembro uma
carta pessoal sobre o assunto. Em sua resposta ao cônsul, Espinosa escreve,
em nome do arcebispo, entre outras coisas:

Sobre o assunto dos salesianos, o senhor arcebispo o verá com muito pra-
zer. Conheço bem Dom Bosco e considero-o um santo vivo. Dessa forma,
portanto, monsenhor [o arcebispo] me disse que V. S. pode escrever ao
conselho da confraria e, se esta aceitar, ele lhes dará de todo coração a
posse da igreja16 e os protegerá. Quanto à sua sugestão, em relação aos sa-
lesianos, monsenhor Aneyros ficaria contente de vê-los estabelecidos nesta
arquidiocese. O senhor arcebispo não recebeu os exemplares que V. S. diz
ter-lhe enviado...17

A proposta do cônsul Gazzolo e a resposta favorável do arcebispo


Aneyros só contemplavam uma fundação salesiana em Buenos Aires, a igreja
de Nossa Senhora das Mercês. Contudo aparece em cena nesse momento um
novo personagem, que alarga o projeto inicial, o padre Pedro Ceccarelli e o
colégio de San Nicolás de los Arroyos.18

15
Mariano Antônio Espinosa (1844-1923) nasceu em Buenos Aires em 2 de julho de 1844.
Estudou teologia no Colégio Latino-Americano de Roma (1865-1869), onde foi ordenado no dia 11
de abril de 1868. Obteve o doutorado em Teologia pela Universidade Gregoriana em 1869. De volta a
Buenos Aires, foi nomeado secretário-geral da arquidiocese pelo arcebispo Aneyros e, em 1879, vigário-
-geral. Nesse mesmo ano, acompanhou como capelão, com dois salesianos, a expedição militar argen-
tina que abriu a fronteira sul além de Rio Negro, escrevendo um diário sobre isso. Em 15 de junho de
1893 foi nomeado bispo titular de Tiberiópolis; em 8 de fevereiro de 1898, primeiro bispo de La Plata;
e, em 31 de agosto de 1900, arcebispo de Buenos Aires, sucedendo o arcebispo Aneyros. Construiu a
basílica de Nossa Senhora de Luján e faleceu em 8 de fevereiro de 1923. Cf. Epistolario IV Motto, 368;
F. Desramaut, Don Bosco, 971, n. 45.
16
A igreja de Nossa Senhora das Mercês, Mater Misericordiae, era sede da confraria do mesmo
nome, que a construíra. O cônsul Gazzolo participara da compra do terreno. Para saber mais sobre a
história da confraria e sua relação com os salesianos, ver mais adiante.
17
Ver o extrato de Entraigas editado por F. Desramaut, Don Bosco, 952.
18
Pedro Ceccarelli (1842-1893) nasceu em Módena (Itália) em 1842. Depois de ordenado e
tendo recebido os graus de Doutor em Teologia e em Direito Canônico, emigrou para a Argentina em
1871 acompanhando a Buenos Aires o corpo do arcebispo Mariano de Escalada, que falecera em Roma
em 1870, durante o Concílio Vaticano I. Foi logo nomeado pároco (1873-1893) de San Nicolás de los
Arroyos, pequena cidade junto ao rio Paraná, a 250 quilômetros a noroeste de Buenos Aires. Durante o
seu exercício impulsionou várias obras, como o hospital de São Felipe, a escola infantil de São José e o
colégio do qual os salesianos iriam se encarregar. Em 1893, regressou a Roma em peregrinação; morreu
em sua cidade natal, Módena, nesse mesmo ano. Dom Bosco o conhecera em Roma. Cf. Epistolario
IV Motto, 368.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Padre Pedro Ceccarelli (1842-1893),


pároco de San Nicolás de los Arroyos.

San Nicolás de los Arroyos


Uma comissão de cidadãos, presidida pelo octogenário e católico intran-
sigente José Francisco Benítez, construíra um internato para meninos numa
pequena cidade situada a 250 quilômetros a noroeste de Buenos Aires na
margem direita do rio Paraná. O pároco, padre Pedro Ceccarelli, presidira a
cerimônia de colocação da primeira pedra em 12 de outubro de 1873 e ben-
zera o edifício depois da conclusão das obras, no outono de 1874. Ele buscara
uma congregação religiosa para dirigir a escola e a comissão fez um pedido
aos padres escolápios [Congregação religiosa das Escolas Pias, fundada por
São José de Calazans], que recusaram a oferta por falta de pessoal.
Em vez de continuar a procurar quem assumisse a escola, Benítez es-
creveu diretamente ao arcebispo Aneyros, que acabava de receber a carta de
Gazzolo recomendando os salesianos. O arcebispo mostrou a carta ao senhor
Benítez, comunicando-a imediatamente ao padre Ceccarelli, que conhecia
Dom Bosco e era amigo próximo do cônsul. Padre Ceccarelli foi em seguida
a Buenos Aires e reuniu-se com o arcebispo. Em 26 de outubro de 1874, da
capital, ele escreveu uma carta esperançosa ao cônsul Gazzolo louvando a
resposta de Espinosa e do arcebispo, e acrescentava um novo componente ao
projeto. Aqui está um resumo dessa carta:

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre Ceccarelli escreveu que mantivera uma longa conversa com o arcebispo
“sobre o famoso Dom Bosco e sobre o espírito que infundira na Congregação
fundada por ele”. O arcebispo “estava ansioso por dispor de alguns trabalha-
dores tão capazes e tão santos” em sua vasta arquidiocese, e pedira [a Cecca-
relli] que se encarregasse do assunto para que chegasse a bom porto.

Padre Ceccarelli, porém, dizia ao cônsul que “a cidade de Buenos Ai-


res é grande, comercial, porto de mar; nela se alojam quase todas as sei-
tas e dominam todas as religiões; por isso, em minha opinião, os padres
do Instituto terão sérias dificuldades. San Nicolás de los Arroyos, diversa-
mente, parece-me que seria o ponto onde o Instituto poderia ser fundado
e de onde propagar-se maravilhosamente, por ser uma cidade pequena e
eminentemente católica, situada à margem direita do belíssimo rio Paraná,
com clima excelente, ar salubérrimo, comércio próspero, moral sadia e com
a religião católica triunfante [...]. Podem estabelecer colégios de qualquer
tipo e dedicar-se às aldeias próximas e a toda a arquidiocese, como também
a todas as dioceses”.19
Padre Ceccarelli não perdeu tempo. Retornando a San Nicolás movi-
mentou logo uma comissão, para que cedesse o novo internato aos salesianos.
A comissão reagiu positivamente e o padre Ceccarelli apressou-se a informar
o cônsul sobre a decisão.

San Nicolás, 11 de novembro de 1874


Excelentíssimo Senhor:
Tenho a elevada honra de manifestar a V. E. que o grande assunto que me foi
confiado pelo senhor arcebispo de Buenos Aires, chegou ao final com resul-
tado satisfatório.
Tive primeiramente a alegria de ser escolhido por Deus para informar ao
senhor arcebispo sobre a nova Congregação de São Francisco de Sales, o que
me foi muito fácil por ter admirado o zelo verdadeiramente excelso do ótimo,
mais ainda, incomparável sacerdote Padre João Batista (sic) Bosco em Roma
nos anos 1867, 1868 ou 1869, se bem me recordo. Depois, fui escolhido
pela clemência divina como instrumento para realizar a grande empreitada
da aceitação da Congregação Salesiana nesta cidade, onde terá um belíssimo
colégio, um magnífico oratório público na parte mais saudável da mesma ci-
dade [...]. Também posso garantir a V. E. que o senhor arcebispo e os vigários-
-gerais desta arquidiocese desejam ardentemente esta nova congregação [...].

19
P. Ceccarelli a J. B. Gazzolo, Buenos Aires, 26 de outubro de 1874, ver MB X, 1294s.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Há aqui, também, um homem verdadeiramente de Deus, José Francisco Be-


nítez, homem octogenário, pai dos pobres, sumamente católico e muito rico;
ele é o presidente da tal comissão; também é presidente da Conferência de
São Vicente de Paulo e presidente da administração dos bens da Igreja, total-
mente afeiçoado ao papa Pio IX [...]. Pois bem, este homem está entusiasma-
do com os padres salesianos e disse-me que se compromete a dar do seu bolso
tudo o que os mencionados padres precisarem.
Que benefícios redundariam em favor desta minha paróquia! Estou certo de
que a renovarão e as pessoas que serão educadas louvarão ao Senhor como diz
o Espírito Santo [...].
O colégio será entregue aos padres salesianos nas melhores condições; [o se-
nhor] receberá os documentos pelo correio nesta mesma semana, assinados
pelo próprio presidente e pelo secretário; espero que sejam aceitáveis [...].
Em meu modo de entender, Dom Bosco, se puder, deveria estabelecer sua
abençoada e santa Congregação em San Nicolás, escolher os jovens mais aptos
para aprender a língua espanhola, os quais, desde o momento em que rece-
bam a notícia da aceitação, teriam que se dedicar plenamente ao estudo dessa
língua. Eu mesmo os alojarei a todos em minha casa, informar-lhes-ei sobre
os costumes, serei um deles para ajudá-los durante os primeiros meses no
ensino e depois promoverei a estima, o afeto das famílias aos recém-chegados
e concluirei a obra que Deus me confiou [...].
Concluo esta carta pedindo que V. E. dê conhecimento do conteúdo da mes-
ma ao padre João Bosco e se interesse para que os mencionados padres acei-
tem de bom grado a oferta do colégio San Nicolás, que lhes será entregue o
quanto antes e, enfim, que me mantenha informado sobre o assunto.
Minhas saudações a sua respeitável família.
Reitero-me, como sempre de V. E.
Seu afeiçoadíssimo,
Padre Pedro B. Ceccarelli.
P.S.: Quase a selar a carta, a comissão comunica-me oficialmente que a Congre-
gação foi aceita com todas as condições propostas por mim; pede-me que envie
a V. E., senhor Gazzolo, o convite formal sobre o mesmo assunto aos reverendos
padres. Concordo com a honrosa comissão. Logo terá todos os documentos.
Padre Pedro B. Ceccarelli.20

20
P. Ceccarelli a J. B. Gazzolo, San Nicolás de los Arroyos, 11 de novembro de 1874, em MB X, 1296s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre Ceccarelli entra em contato com Dom Bosco


Algum tempo depois, padre Ceccarelli enviou ao cônsul os documen-
tos prometidos. Junto com os documentos, iam duas cartas para Dom
Bosco, uma do padre Ceccarelli e outra do presidente da comissão, senhor
José Francisco Benítez. As cartas do padre Ceccarelli não podiam ter sido
mais entusiastas:

San Nicolás, 30 de novembro de 1874


Ao Il.mo e Rev.mo padre João Batista (sic) Bosco,
geral da congregação de São Francisco de Sales em Turim.
Embora V. R. não me conheça, atrevo-me não obstante a dirigir-me a V. S.
com a presente para pedir-lhe vivamente que aceite o convite, que a comis-
são do colégio de San Nicolás desta cidade lhe faz, para que a benemérita
Congregação de São Francisco de Sales dirija tal colégio, segundo as normas
já estabelecidas pela mencionada Congregação para os colégios abastados. O
senhor cônsul argentino em Savona informará a V. R. não apenas sobre a
minha humilíssima pessoa, mas também sobre San Nicolás e as muitíssimo
vantajosas condições que lhe são oferecidas.
A mim é sumamente grato garantir a V. R. que S. E. R. o senhor arcebispo de
Buenos Aires aceita com muito gosto a nova Congregação Salesiana em sua
arquidiocese e faz ardentes votos para que se dilate e prospere para o bem das
almas e a maior glória de Deus, constituindo-se desde este momento como
pai e protetor nesta sua arquidiocese.
Nada lhe digo sobre mim, mas ardo de desejo de também ser útil a sua be-
nemérita e santa Congregação que, segundo meu pobre parecer, aumentará
extraordinariamente nestas intermináveis planícies, escassas em sumo grau
da água salutar da vida eterna, que brota do costado ensanguentado de nosso
amorosíssimo Pai celestial.
Permita-me V. R. que lhe ofereça de todo o coração meus humildes serviços
para tudo o que eu puder servir e quero esperar que V. R. os aceite com o
mesmo espírito com que os ofereço.
A casa em que moro, com seus móveis e utensílios, as relações que contraí,
tudo, absolutamente tudo, eu ponho aos pés de V. R. e de todos os reveren-
dos padres salesianos aos quais, amando-os desde este momento como meus
queridos irmãos, obedeço como filho de V. R.
Com os sentimentos de minha mais ilimitada consideração e devoção, beijo
sua mão e me professo seu,

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

De V. P. R. afeiçoadíssimo e filho em Jesus Cristo.


Pedro B. Ceccarelli.21

O senhor José Francisco Benítez, presidente da comissão, encantado


com a ideia de ter ali prontamente os salesianos, também escreveu a Dom
Bosco em 30 de novembro de 1874, prometendo as passagens da viagem a
Buenos Aires aos 5 padres que ele esperava receber e, também, assumir os
demais gastos da viagem.22
Estas cartas e documentos estavam com Gazzolo. Dom Bosco precisava
tê-las em mãos, para assim poder responder oficialmente ao convite. Como
viajava pela Ligúria nessa época, recebeu todo o material diretamente das
mãos do cônsul, com quem se encontrou em Varazze entre 15 e 19 de de-
zembro.23 Retornando a Turim, Dom Bosco leu a carta e os documentos aos
membros do Capítulo Superior no dia 22 de dezembro de 1874.

Aceitação formal da oferta da parte de Dom Bosco


Nessa mesma noite, Dom Bosco redigiu uma carta para monsenhor
Antônio Espinosa, secretário-geral da arquidiocese de Buenos Aires, na qual
apresentava sua conformidade à proposta argentina e especificava os termos
da mesma.
Depois de referir-se à correspondência anterior e acrescentar os cumpri-
mentos pertinentes, agradecendo ao arcebispo Aneyros, a monsenhor Espi-
nosa e ao cônsul Gazzolo, Dom Bosco continua:

Estou preparado para aceitar formalmente a oferta e tratar com o senhor


como representante do Ordinário da diocese [...].
1o Desejo enviar alguns sacerdotes a Buenos Aires e fundar uma casa (ospizio
= internato) que sirva de base. Para isso, seria útil dispor de uma igreja para
celebrar o culto e, especialmente, para ensinar o catecismo aos meninos mais
abandonados da cidade. O cônsul Gazzolo sugeriu que a igreja de Nossa Se-
nhora das Mercês seria muito apropriada para esta finalidade. Contudo, se
não houver nenhuma igreja pública disponível, poderemos dispor de alguma
casa para reunir e dar acolhida aos meninos indigentes.
2o Em segundo lugar, mandaria a San Nicolás salesianos clérigos e leigos suficien-
tes para atender aos serviços religiosos, o coral e, se fosse necessário, dar aulas.

21
P. Ceccarelli a J. Bosco, San Nicolás, 30 de novembro de 1874, em MB X, 1300s.
22
J. F. Benítez a J. Bosco, 30 de novembro de 1874, em MB X, 1301s.
23
F. Desramaut, Don Bosco, 953-954 e 972, nota 53.

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Dom Bosco: história e carisma 3

3o A partir destes dois lugares, os salesianos poderiam ser enviados aonde o


Ordinário acreditar que sejam necessários [...].
Gostaria de acrescentar, para sua informação, que nossa Congregação obteve
a aprovação definitiva da Santa Sé; e, embora sua finalidade principal seja a
educação dos jovens pobres, sua atividade estende-se a qualquer aspecto do
sagrado ministério.
Além disso, já que o Santo Padre aceitou ser nosso protetor, é desejo dele ver
este acordo antes de ter efeito definitivo. Consta-me, porém, que sua atitude
é muito favorável ao mesmo, por ter um afeto especial [pelo seu país]...24

No dia de Natal de 1874, Dom Bosco também escrevia ao padre Cecca-


relli. Depois de agradecer-lhe a oferta e dedicar algumas palavras de elogio ao
cônsul Gazzolo, continua:

Tudo o que nós [os salesianos] desejamos é dedicar-nos ao sagrado ministério


especialmente em prol da juventude pobre e abandonada. Nosso principal
campo de apostolado é dar instrução religiosa, ensinar nas escolas, pregar e
dirigir oratórios festivos, casas e internatos.
Escrevi a sua eminência o arcebispo [ao secretário monsenhor Espinosa] co-
municando-lhe minha aceitação do projeto básico e assinalei-lhe que seria
de grande ajuda ter uma casa em Buenos Aires, que servisse como ponto de
referência para os salesianos que cheguem ou estejam esperando que se lhes
indique a destinação.
Confiando em sua boa vontade, mandarei [a San Nicolás] tantos sacerdotes,
clérigos, leigos salesianos, músicos e aprendizes como o senhor crer necessá-
rio. E, por favor, permaneça [em San Nicolás] ao menos até que os recém-
-chegados tenham adquirido o conhecimento suficiente do idioma e dos cos-
tumes locais como para promover a maior glória de Deus.
Quem sabe com seu exemplo, zelo e conselho possa também chegar a ser na
prática o superior de nossos salesianos...25

Dom Bosco escreveu, na mesma ocasião, à comissão fundadora e ao seu


presidente, senhor José Francisco Benítez, em San Nicolás. Depois de referir-se
à sua grande amizade com o cônsul, fala da generosa oferta da comissão de “um
edifício, igreja e terreno para um internato...” e continua:

24
J. Bosco a M. A. Espinosa, 22 de dezembro de 1874, em Epistolario IV Motto, 366-369.
25
J. Bosco a P. Ceccarelli, 25 de dezembro de 1874, em Epistolario IV Motto, 372-374.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

O internato será confiado aos salesianos sem qualquer limitação no tempo


[...]. Com estas condições, aceito a oferta de bom grado. Para o próximo
mês de outubro [1875] terei preparado todo o pessoal necessário para a
direção material e espiritual da escola, assim como professores para a ins-
trução e assistência dos alunos, e pessoal para atender à igreja e ao edifício
da escola.
Seguirei um programa apropriado para atender um internato de classe mé-
dia. Contudo, como a finalidade principal da Congregação Salesiana é cui-
dar dos jovens pobres em situação de risco, espero que os salesianos sejam
livres de dar aulas noturnas para estes meninos e reuni-los aos domingos e
dias festivos em algum lugar para seu entretenimento, bem como instruí-los
nas verdades da fé.26

Dessa forma, em pouco tempo foi decidido abrir as primeiras casas


na Argentina. O projeto original era que alguns salesianos se instalassem
em Buenos Aires, encarregando-se do culto de algum templo, que resul-
tou ser a “igreja dos italianos”, com a possibilidade de criar uma casa para
meninos pobres. O projeto ampliado incluía o colégio e a igreja de San
Nicolás, com a possibilidade de criar um oratório. As duas tarefas deste
projeto eram tipicamente salesianas. Ao longo de todas as negociações,
incluindo as cartas de aceitação de Dom Bosco, não se faz menção nem
dos nativos que iriam ser evangelizados, nem dos imigrantes que seriam
atendidos embora, como veremos, as duas missões estivessem claramente
no pensamento de Dom Bosco.27

Anúncio de Dom Bosco aos diretores salesianos


As respostas da Argentina com a aceitação das condições de Dom Bosco
e insistindo que ele enviasse prontamente seus salesianos chegaram pouco
mais de um mês depois, em 27 de janeiro de 1875, dois dias antes da festa de
São Francisco de Sales. As cartas eram endereçadas ao cônsul Gazzolo para
que o comunicasse oficialmente, e, com essa finalidade, ele foi a Turim.
As conferências de São Francisco de Sales, ou seja, o encontro anual
dos diretores salesianos acontecia nesses dias, de 26 a 28 de janeiro. Na sexta
sessão das conferências, Dom Bosco fez o anúncio aos diretores e falou de
evangelização, ou seja, de missões entre a população nativa.

J. Bosco à comissão de San Nicolás, 25 de dezembro de 1874, em Epistolario IV Motto, 374-375.


26

Gazzolo enviara-lhe alguns livros que informavam sobre os selvagens da Patagônia. Dom Bosco
27

também conhecia a situação dos imigrantes italianos em Buenos Aires.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Chegaram-nos nestes dias cartas da América, pedindo-nos para irmos àque-


les distantes países a fim de evangelizar as populações. Colocamos algumas
condições que foram aceitas. Agora, faremos as tramitações do caso para de-
terminar o que se há de fazer. Enquanto isso, esperam-nos em dois lugares.
Na cidade de Buenos Aires e na de San Nicolás de los Arroyos, a um dia de
viagem da capital. Já se falara de missões em outras ocasiões, tanto para a
América quanto para a Ásia, África e Oceania. Entretanto, tenho a impressão
de que esta de Buenos Aires é a que mais nos convém, seja pelas condições es-
peciais, seja pela língua espanhola, mais fácil para nós do que o inglês, idioma
que domina em quase todos os outros lugares.28

Ao fazer este anúncio ao seu conselho e aos diretores que participavam das
conferências, Dom Bosco declarou que a iniciativa viera da Argentina, e que
ele pusera condições para aceitá-la. Os fatos históricos descritos anteriormente
dão uma nova visão do tema. Fora Dom Bosco que, com a mediação do cônsul
Gazzolo, iniciou as conversações, e aceitara a oferta “sem condições”. Mais de-
cisivo ainda é o fato de que Dom Bosco chame todo o empreendimento de mis-
são. E o faz dirigindo-se quer aos seus salesianos quer às autoridades de Roma,
enquanto ao escrever às autoridades da Igreja argentina ele fala simplesmente
nos termos do serviço salesiano: oratório, casa, colégio, paróquia etc.

Anúncio aos salesianos e aos meninos do Oratório


O anúncio feito aos salesianos que participavam das conferências era ofi-
cial, embora de natureza privada. Depois dele, Dom Bosco decidira fazer um
anúncio público oficial, e fazê-lo com grande solenidade. Deu ordens para
que na festa de São Francisco de Sales, 29 de janeiro de 1875, à tarde, todos
os salesianos e meninos do Oratório se reunissem no grande salão de estudo.
Os membros do Conselho Superior e os diretores que se reuniram para as
conferências colocaram-se na plataforma elevada ao redor de Dom Bosco e
do cônsul Gazzolo, que apareceu vestido com seu uniforme de gala, com o
peito coberto de medalhas.29 Ao sinal de Dom Bosco, o cônsul pôs-se em pé
em meio a um profundo silêncio e leu em voz alta as cartas de monsenhor
Espinosa e do padre Ceccarelli.

Ver Documenti XV, 54, FDB 1027 D9.


28

A cena fora orquestrada e organizada por Dom Bosco e o cônsul para causar efeito. R. Entrai-
29

gas, no perfil biográfico do cônsul, diz que lhe agradava articular esses números (ver F. Desramaut,
Don Bosco, 973, nota 67). Ceria acrescenta: “Alguns superiores, diante do que viam, foram reticentes
em sentar-se no estrado. Temiam que, quando chegasse o momento de concretizar o projeto, este viria
abaixo por falta de pessoal ou falta de meios” (MB XI, 143).

92

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Dom Bosco, em pé, tomou a palavra. Segundo narra o padre Barberis,


disse que para dar uma resposta definitiva ao pedido argentino precisava
do consentimento do Santo Padre e que iria a Roma para obtê-lo. Caso
o Papa não aceitasse, ele o recusaria. Parece que, à luz da história das ne-
gociações, quando o arcebispo Aneyros, através do secretário Espinosa,
respondeu favoravelmente à proposta, Dom Bosco aceitara de imediato,
sem impor condições.
Em todo caso, Dom Bosco sabia que o Papa seria bastante favorável.
Dom Bosco não quis apresentar o assunto ao Papa e obter sua bênção antes
de assegurar-se de que a proposta argentina era concreta.30

Apresentação da “missão”
A reação à apresentação e às palavras do cônsul e de Dom Bosco foi en-
tusiasta e emotiva. Os salesianos e os meninos do Oratório estavam cheios
de espírito missionário. O mundo todo percebeu que se abriam novos hori-
zontes para a jovem congregação. Dom Bosco agiu imediatamente, mesmo
antes de pôr-se a caminho de Roma, para dar a conhecer a nova realidade
a todos os salesianos. Ao fazer um apelo para que se apresentassem volun-
tários para as missões entre os selvagens, enviou instruções a todas as casas
nesta circular:

Aos sócios salesianos:


Dentre as muitas propostas que nos chegaram para abrir uma missão no exte-
rior, parece que se deva aceitar com preferência a da República Argentina. Há
ali, além da região já civilizada, extensões de superfície interminável habitadas
por povos selvagens, com os quais os salesianos podem exercer seu apostolado
com a graça do Senhor.
Começaremos, no momento, abrindo uma casa em Buenos Aires, capital da
vasta República, e um colégio com igreja pública em San Nicolás de los Ar-
royos, não distante da capital.
Pois bem, tratando-se de preparar o pessoal que se deverá enviar para esta
primeira experiência, desejo que a escolha dos sócios que partirão não seja por
obediência, mas por sua própria opção completamente livre. Por isso, os que
se sintam inclinados para ir às missões estrangeiras, deverão:
1o Apresentar pedido por escrito, no qual manifestem sua boa vontade de ir
àquelas terras como sócios de nossa Congregação.

30
MB XI, 143.

93

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Dom Bosco: história e carisma 3

2o Em seguida, o Capítulo Superior se reunirá e, uma vez invocadas as luzes


do Espírito Santo, examinará a saúde, a ciência e as forças físicas e morais de
cada um. E serão escolhidos somente aqueles que fundadamente se considere
que a expedição resultará vantajosa para sua própria alma e que, ao mesmo
tempo, servirá para maior glória de Deus.
3o Feita a escolha, todos se reunirão, o tempo que for necessário, para instruir-
-se na língua e nos costumes dos lugares aos quais se deseja levar a palavra de
vida eterna.
4o Salvo algum grave motivo, que obrigasse a mudar de parecer, a partida fica
estabelecida para o próximo mês de outubro.
Demos graças com todo o nosso coração à bondade de Deus que, com tan-
ta largueza, concede a cada dia novos favores à nossa humilde Congregação
e procuremos ser dignos deles com a observância exata de nossas Consti-
tuições, especialmente em relação aos votos com os quais nos consagramos
ao Senhor.
Entretanto, não nos cansemos de elevar orações frequentes ao trono do Se-
nhor para que possamos praticar as virtudes da paciência e da mansidão. As-
sim seja.
Crede-me sempre em Jesus Cristo, vosso afeiçoadíssimo amigo.
João Bosco, presbítero.
Turim, 5 de fevereiro de 1875.
P.S.: O senhor diretor leia e explique esta carta aos salesianos que pertencem
a essa casa.31

Viagem de Dom Bosco a Roma com o padre Berto32


A permanência de Dom Bosco em Roma durou quase um mês, de 18 de
fevereiro a 16 de março de 1875, durante a qual obteve três audiências com
o Papa: em 22 de fevereiro, muito longa, e 2 de março e 12 de março. As
atividades de Dom Bosco em Roma, assim como suas conversas com o Papa,

31
João Bosco aos salesianos, circular, Turim, 5 de fevereiro de 1875, em Epistolario IV Motto,
408-409; MB XI, 128-143s. Alguns dias antes, Dom Bosco escrevera pessoalmente a José Francisco
Benítez, presidente da comissão de San Nicolás de los Arroyos, a quem padre Ceccarelli elogiara viva-
mente. Nessa carta, de 2 de fevereiro de 1875, Dom Bosco enaltece o ancião pela sua caridade e “amor
pela Santa Sé”; pede-lhe que tome os salesianos sob sua proteção. Ver João Bosco a J. E. Benítez, Turim,
2 de fevereiro de 1875, em Epistolario IV Motto, 406-407; MB XI, 143s.
32
Para a crônica do padre Berto sobre a viagem de 1875 a Roma, ver ASC A004, Cronachette,
Berto, Memorie del viaggio a Roma nel 18 febbraio 1875, FDB 911 A9-D3.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

centraram-se no assunto dos privilégios, especialmente no privilégio de emi-


tir cartas dimissórias para a ordenação dos candidatos salesianos. Ele também
tentava explicar sua atitude em relação a dom Gastaldi, com quem enfrentava
naquela época um amargo conflito. Mas não se esqueceu do tema de “sua
empresa missionária” e obteve a bênção e o patrocínio do Papa para o projeto.
Nos dois distintos pedidos de privilégios, escritos em latim e apresentados ao
Papa pouco antes de 26 de fevereiro, “as missões” são a razão dada para pedir
os privilégios. Ele escreve:

2o Os privilégios são uma necessidade nestes tempos, nos quais escasseiam os


sacerdotes em nossas regiões e muito mais naquelas nas quais nos propomos
estabelecer nossas missões...
3o As missões [salesianas] que foram fundadas em diversas partes do globo
e as casas que ali se planeja construir tornam extremamente difícil recorrer
constantemente ao romano Pontífice.33

Durante os primeiros dias em Roma, de 19 a 21 de fevereiro, antes


de ver Pio IX, Dom Bosco conversara com o cardeal Alexandre Franchi e
com o arcebispo João Simeoni, o primeiro, prefeito, e o outro, secretário da
Congregação para a Propagação da Fé, sobre o tema da “missão”. Quando se
dispunha a deixar Roma, os decretos já estavam sendo redigidos.

Um para o ordinário do lugar da missão, com a finalidade de comunicar-


-lhe oficialmente que os salesianos se incorporavam à sua diocese com
licença da Santa Sé, e que iam investidos de todos os privilégios e facul-
dades que se costumam conceder em casos semelhantes; e outro para o
superior-geral no qual lhe eram concedidas as autorizações necessárias
para aquelas circunstâncias.34

Como se deduz do que foi exposto, Dom Bosco conseguiu apresen-


tar a proposta argentina como “uma empresa de missões no exterior”.
Assim o entenderam tanto os salesianos como as autoridades romanas,
inclusive o Papa, que deu seu beneplácito. Dom Bosco não falou com os
mesmos termos quando se dirigiu às autoridades eclesiásticas argentinas
ou ao cônsul Gazzolo.

33
João Bosco a Pio IX, Roma, anterior a 26 de fevereiro de 1875, em Epistolario IV Motto,
224-226.
34
MB XI, 145s.

95

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Dom Bosco: história e carisma 3

Dom Bosco, o cônsul João Gazzolo e os primeiros missionários salesianos.

No início de abril, em carta ao cônsul, Dom Bosco pergunta-lhe se os


motins que aconteciam em Buenos Aires poderiam impedir ou atrasar a par-
tida dos salesianos.35 Dom Bosco refere-se à situação de Buenos Aires no
final do mandato do presidente Domingos Faustino Sarmiento (1868-1874).
A violência que acompanhou a batalha eleitoral para a sucessão degenerou
numa autêntica guerra civil. Nicolau Avellaneda (1874-1880) foi eleito pre-
sidente, mas a intranquilidade prolongou-se até 1875. O palácio do bispo foi
saqueado e o colégio jesuíta de El Salvador incendiado. Aos poucos, as coisas
foram-se acalmando, embora não diminuíssem as políticas anticlericais do
governo de Avellaneda.36

Os salesianos coadjutores associam-se ao “projeto”


A proposta argentina, como atuada em Buenos Aires e San Nicolás de
los Arroyos, previa apenas padres para dirigir a igreja e o colégio. Contudo, no
mês de maio, à medida que a euforia missionária fomentada por Dom Bosco
aumentava entre salesianos e jovens, Dom Bosco decidiu associar o “compo-
nente leigo” ao seu empreendimento missionário. No boa-noite de 12 de maio
de 1875, ele anunciou esse passo ao dar andamento ao seu projeto missionário.
35
João Bosco a J. B. Gazzolo, Turim, 10 de abril de 1875, em Epistolario IV Motto, 449.
36
Estes episódios de distúrbios são referidos em MB XI, 145s.

96

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Muitos me perguntam se já não se pensava em ir à América; faço-vos saber que


hoje chegou a resposta definitiva. Quem quiser ir, que se prepare [...]. [O prefeito
de San Nicolás] respondeu-me estar de acordo com todas as condições colocadas
e que, desde aquele momento, punha à nossa disposição o colégio, mais um ter-
reno capaz de pastorear 8 mil ovelhas, com plantações e campos de esportes etc.
Vede, então, que naquele país haverá trabalho para todo tipo de pessoas. São
necessários pregadores, porque há igrejas públicas a administrar; faltam pro-
fessores para as escolas; exigem-se músicos e cantores porque lá gostam muito
de música; é preciso quem conduza as ovelhas aos pastos, as tosquie, as orde-
nhe e faça o queijo, e, por fim, faltam pessoas para todos os afazeres da casa.
E o mais importante, queridos jovens, é que começam não longe de San
Nicolás as terras onde habitam as tribos selvagens que são, sem dúvida, de
muito boa índole e muitos deles estão dispostos a abraçar o cristianismo, des-
de que alguém lhes vá ensiná-lo. Contudo, neste momento, não encontram
ninguém a quem enviar; por isso, vivem na idolatria. Carreguemo-nos, então,
de valores e busquemos todas as formas possíveis de nos prepararmos para
fazer o bem naquelas terras. Enquanto isso, serão escolhidos nestes dias os que
deverão ir, que se dedicarão à aprendizagem da língua espanhola, que é a que
se fala na República Argentina.37

Como suas palavras revelam, Dom Bosco desejava não só fundar a obra
salesiana de igreja e colégio, mas também a obra missionária propriamente
dita, que chamava de “conversão dos selvagens”. Mais ainda, a mão de obra
para esta dupla finalidade seria desde o início tanto de leigos como de sacer-
dotes. Padre Ceccarelli queria apenas 5 padres para San Nicolás. Dom Bosco
incluiu salesianos leigos no grupo e, quase imediatamente em 1877, viu a
necessidade de incluir as Filhas de Maria Auxiliadora.
Dom Bosco tinha obsessão pela ideia da missão, obsessão que com o
tempo se tornou mais intensa. Em 20 de maio de 1875, conversando com
padre Barberis, falou longamente sobre a necessidade de converter as massas
de infiéis que ainda existiam no mundo.38

3. Projeto missionário de Dom Bosco


Em 6 de julho de 1875, Dom Bosco falou aos seminaristas e noviços
salesianos sobre como passar as férias de modo proveitoso. Aceita a proposta

37
G. Barberis, Cronachetta autografa, caderno 1, 11, em ASC A000: FDB 833 B9; MB XI, 145s.
38
G. Barberis, Cronachetta autografa, caderno 1, 16-18: FDB 833 C2-4.

97

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Dom Bosco: história e carisma 3

argentina, o pessoal deveria ser escolhido e preparar-se para partir em outu-


bro ou novembro. Como a situação em Buenos Aires continuava incerta, ele
falou de San Nicolás dando a primeira descrição do que se pode chamar de
“estratégia missionária”.

Há um colégio construído que é posto à nossa disposição. Há também uma


igreja pública na qual atender ao culto, e as escolas da cidade estarão em
nossas mãos [...]. Os habitantes são bons por natureza e muito religiosos, mas
carecem de instrução e de sacerdotes que os instruam.
San Nicolás, que é a cidade aonde iremos, tem cerca de 50 mil habitan-
tes, todos católicos, e não possui mais do que 3 sacerdotes. O que são
3 sacerdotes para uma cidade [dessa dimensão] [...] para administrar os
sacramentos, sepultar, levar o viático, celebrar a missa, confessar, pregar e
ensinar o catecismo?
Deveis saber também que não muito distante de San Nicolás começam as re-
giões habitadas pelos selvagens indígenas, que são muitos naquele lugar. Eles
já admitem a religião cristã e pedem para ser instruídos; mas não há ninguém
que possa atendê-los deixando-os viver e morrer fora da religião católica sem
que cheguem a conhecer quem é Deus. Essas necessidades determinantes são
as que nos fizeram aceitar o colégio, e espero que mais adiante possamos
ocupar-nos também dos selvagens, instruí-los, educá-los e torná-los cristãos.39

Mais tarde, Dom Bosco daria corpo à sua estratégia missionária fazen-
do notar que os missionários anteriores, tentando chegar imediatamente a
essas tribos selvagens, quase sempre encontraram a morte. Os salesianos, ini-
cialmente, fundariam escolas e internatos na zona fronteiriça com as tribos
indígenas. As escolas estariam abertas aos filhos dos selvagens, estratégia que
facilitaria a aprendizagem do idioma, dos hábitos e costumes. Depois, gra-
dualmente, por meio da educação dos meninos seria possível chegar às tribos
propriamente ditas, para sua transformação social e religiosa. Buenos Aires
seria o quartel-general e San Nicolás, o trampolim que facilitaria o contato
religioso e social com os selvagens.
Como se verá em seguida, Dom Bosco estava muito preocupado pelo
bem-estar do grande e crescente número de imigrantes italianos que partiram
para a Argentina, mas estavam concentrados especialmente em Buenos Aires.
Chegaram ao país em busca de fortuna, mas, em parte por própria culpa e em
parte pela escassez de padres, estavam privados de assistência religiosa.

39
MB X, 274s.

98

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

O primeiro grupo de missionários


Em fins de julho de 1875, Dom Bosco escrevia ao padre Ceccarelli
para contar-lhe como estavam os preparativos. Falando do pessoal, padres
e coadjutores salesianos, estes incluídos “de acordo com nossas Constitui-
ções”, escreve:

A fim de conformar-me às Constituições de nossa Congregação, modifico um


pouco o pessoal que me haviam indicado. Ele será composto por 5 sacerdotes,
todos eles professores com títulos e providos de diploma conferido por nossa
nação. Irá com eles um mestre de música [...]. Dos dois salesianos coadjuto-
res, um se encarregará de atender à igreja e o outro ao colégio. Eu desejaria
que o pessoal de serviço fosse todo da Congregação Salesiana [...].
O reverendo doutor João Cagliero, inspetor e vice-reitor da Congregação,
guiará os salesianos com plenos poderes para tratar e resolver todos os assun-
tos necessários com as autoridades civis e eclesiásticas. Uma vez instalados os
salesianos em suas respectivas ocupações, ele deixará como diretor o professor
padre João Bonetti; [...] então o padre João Cagliero votará à Europa para
estar em condições de resolver e prover o que seja necessário [...].40
E como esta é a primeira viagem que os salesianos fazem através dos mares,
desejo vivamente que sejam acompanhados pelo insigne João Gazzolo, cônsul
argentino em Savona [...].
Os salesianos sairiam de aqui em meados de novembro próximo; notificarei o
dia exato, assim que se possa determinar.41

Em outra carta, de 12 de agosto, Dom Bosco apresenta alguns pequenos


detalhes sobre o que será necessário para a igreja e o colégio de San Nicolás.
Entre outras coisas, pergunta, por exemplo, se poderão dispor de um piano
e de partituras. Quanto às normas do colégio, manda cópias dos regulamen-
tos vigentes nas escolas salesianas, e acrescenta: “Entretanto, o verdadeiro
regulamento está na atitude de quem ensina”. Concluindo, escreve ao padre
Ceccarelli: “Desejo que V. S. tenha um bom papel e que ninguém possa dizer:
é uma mesquinhez. Porque como está empenhada a honra de uma Congrega-
ção nascente, é minha intenção não economizar pessoal ou gastos que possam
contribuir para o sucesso do nosso empreendimento”.42

40
Dom Bosco precisou mudar o plano que envolvia João Bonetti. João Cagliero, embora devesse
ir e retornar, ficou no comando de todo o empreendimento.
41
João Bosco a P. Ceccarelli, Turim, 28 de julho de 1875, em Epistolario IV Motto, 490-493.
42
João Bosco a P. Ceccarelli, Turim, 12 de agosto de 1875, em Epistolario IV Motto, 502-504.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Nos últimos meses de 1875, Dom Bosco escolheu dentre os muitos


voluntários dez missionários que seriam os fundadores da obra salesiana na
América do Sul. A lista oficial preparada de próprio punho e caligrafia para o
arcebispo de Buenos Aires e para a Congregação para a Propagação da Fé traz
o título, em latim: “Nomes e títulos dos salesianos que vão para a arquidio-
cese de Buenos Aires”. Ao ser publicada para o público em geral, em italiano,
no periódico turinense L’Unità Cattolica, o título foi alterado para “Nomes
dos salesianos missionários”. A lista é esta:

1o João Cagliero, sacerdote, doutor em Sagrada Escritura, professor de Moral,


autor de várias composições musicais. (Ao arcebispo Aneyros acrescenta: é
dotado para todos os assuntos de ordem civil e eclesiástica.)43
2o José Fagnano, sacerdote, doutor em Belas Letras. (Acrescenta para o ar-
cebispo Aneyros: aprovado regularmente para ensinar grego, latim, italiano,
história, geografia e o que se refere ao ciclo humanístico.)44
3o Domingos Tomatis, sacerdote, doutor em Belas Letras, como o anterior.45
4o Valentim Cassini, sacerdote, professor de bacharelado. (Traduz para o arce-
bispo Aneyros: professor de métodos didáticos.)46

43
Padre João Cagliero (1838-1926) tinha 37 anos no momento da partida. Era diretor espiritual ge-
ral da Sociedade Salesiana e das Filhas de Maria Auxiliadora. Posteriormente, seria o inspetor provincial dos
salesianos na América do Sul, vigário apostólico da Patagônia central e do norte (1883), sendo ordenado
bispo (1884). Mais tarde, foi nomeado bispo titular de Sebaste (1904); será, depois, delegado apostólico na
América Central (1908) e, por último, cardeal-bispo da diocese suburbicária de Túsculo (Frascati) (1915).
44
Padre José Fagnano (1844-1916) tinha 51 anos de idade e sete de sacerdócio no momento
da partida. No dia anterior à partida, um padre da primeira lista (Riccardi, cf. a carta de Dom Bosco
ao padre Ceccarelli citada anteriormente) precisou ser substituído. Dom Bosco recorreu ao padre Fag-
nano, que respondeu com generosidade. Foi diretor do colégio de San Nicolás durante seis anos que,
diversamente do prometido, precisou construir. Depois de recobrar-se de uma longa enfermidade, em
1879 foi nomeado pároco da missão de Carmen de Patagones. Em 1883, foi nomeado prefeito apos-
tólico da missão da Patagônia do Sul e da Terra do Fogo, que fundou e expandiu nos anos 1887-1916.
45
Padre Domingos Tomatis (1849-1912), de 26 anos de idade, fora aluno do Oratório. Em 1866,
estava pensando em unir-se aos jesuítas, mas seguiu o conselho de Dom Bosco e professou como salesiano
em 1867. Depois de ordenado em 1872, foi coordenador de estudos no colégio salesiano de Varazze até
quando Dom Bosco o escolheu para fazer parte da expedição missionária. É o autor da crônica da viagem
de Gênova a Buenos Aires. Em San Nicolás de los Arroyos foi coordenador de estudos e diretor. Em 1887,
fundou a obra salesiana no Chile, em Talca e Santiago, onde morreu de ataque cardíaco.
46
Padre Valentim Cassini (1851-1922), depois de trabalhar por oito anos com os aprendizes
do Oratório, foi escolhido para a missão após ser ordenado padre em 25 de outubro de 1875. (Sobre
a história de sua ordenação, ver MB XI, 373s.) Na Argentina, trabalhou como professor em San Ni-
colás de los Arroyos, em San Carlos de Almagro (Buenos Aires) e como diretor da escola agrícola de
Uribelarrea. Posteriormente, participou do grupo que iniciou a obra salesiana em São Francisco (EUA)
(1897-1901); regressou depois à Argentina e trabalhou em Carmen de Patagones e Almagro (Buenos
Aires), onde morreu.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

5o João Batista Baccino, sacerdote, professor de bacharelado superior.47


6o Tiago Allavena, sacerdote, professor elementar. (Para o arcebispo Aneyros,
Dom Bosco corrige o nome: João Batista, seu verdadeiro nome.)48
7o Bartolomeu Scavini, mestre carpinteiro.49
8o Bartolomeu Molinari, professor de música instrumental e vocal. (Dom
Bosco acrescenta para dom Aneyros: professor elementar.)50
9o Vicente Gioia, mestre sapateiro.51
10o Estêvão Belmonte, administrador da casa. (Dom Bosco acrescentou: pro-
fessor elementar, músico e cantor reconhecido.)52

Dom Bosco pedira expressamente ao cônsul Gazzolo que acompanhasse


os salesianos em sua viagem e constatasse que estavam bem instalados na Ar-
gentina. Mostrou-se sempre muito grato por tudo quanto o cônsul fizera para
concretizar o grande projeto; de fato, considerava-o como o décimo primeiro
missionário da expedição.
Por fim, tendo Dom Bosco reunido o grupo, acompanhou os missio-
nários, incluindo o cônsul, até Roma, de 31 de outubro a 4 de novembro de
1875, onde recebeu as cartas de apresentação para o arcebispo Aneyros das
mãos do cardeal Antonelli, a bênção do Santo Padre e um decreto do cardeal
47
Padre João Batista Baccino (1843-1877) chegou ao Oratório em 1867 aos 24 anos de idade;
professou em 1869 sendo ordenado em 1874. Durante seus dois breves, mas laboriosos, anos de ser-
viço na igreja de Nossa Senhora das Mercês, ficou conhecido como “o padre dos imigrantes”. Morreu
prematuramente em 1877.
48
Padre Tiago Allavena (1855-1887) era um estudante de 20 anos no colégio salesiano de Alassio
em 1875. Pediu para ser salesiano e ir para as missões; como estava na idade do serviço militar, foi-lhe
negado o passaporte. Dom Bosco mandou-o com Vicente Gioia até Marselha, de navio, previsivelmen-
te porque ali poderiam embarcar simplesmente apresentando a passagem. O estratagema funcionou e
os dois viajaram com o restante do grupo. Foi ordenado em Buenos Aires em 1878. Mais tarde, foi o
primeiro salesiano no Uruguai, onde trabalhou como pároco em Las Piedras, Assunção e Villa Rica.
Sofreu muitos ataques dos anticlericais, que incendiaram a igreja e a residência. Morreu em Villa Colón
(Uruguai) aos 32 anos.
49
O coadjutor Bartolomeu Scavini (1839-1918) apresentou-se como voluntário para as missões aos
36 anos. Durante vários anos trabalhou como carpinteiro e marceneiro nas casas salesianas de San Nicolás
e Buenos Aires. Foi chamado novamente à Itália, onde continuou a exercer o seu ofício nas casas salesianas.
50
Coadjutor, ainda noviço, Bartolomeu Molinari (1854-?), de 21 anos, foi diretor de música
em San Nicolás de los Arroyos. É mencionado sempre como noviço. Deixou a Congregação em 1877.
51
Coadjutor, ainda noviço, Vicente Gioia (1854-1890), mestre sapateiro de 21 anos. Acompa-
nhou Allavena e juntos embarcaram em Marselha. Começou seus estudos para o sacerdócio (1878 c.)
e deu aulas em Buenos Aires e Montevidéu (Uruguai), sendo ordenado em 1886. Em 1887, foi para o
Chile com o padre Tomatis a fim de fundar a obra de La Talca, ali falecendo em 1890.
52
Coadjutor Estêvão Belmonte (1846-1905) trabalhou por trinta anos como administrador nas
casas, professor, músico e cantor na igreja de Nossa Senhora das Mercês, em San Nicolás e no colégio
Pio IX de Buenos Aires.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Franchi, prefeito da Congregação para a Propagação da Fé, em que se decla-


rava o grupo como missionários apostólicos.53
Retornando a Turim, enquanto os preparativos para a partida entravam na
reta final, tentou um encontro com o arcebispo Gastaldi para que abençoasse
os missionários – uma ideia de última hora? –. Não conseguiu.54
A emotiva cerimônia de despedida, precedida pelo exercício da boa
morte, aconteceu na basílica de Maria Auxiliadora em 11 de novembro. Dom
Bosco falou longamente; entregou a cada um dos missionários um memo-
rando de 20 pontos para lhes servisse de guia no apostolado. As Memórias
Biográficas explicam-no detalhadamente.55

Viagem de Gênova a Buenos Aires56


Na mesma noite, em 11 de novembro de 1875, o grupo de oito, acom-
panhados por Dom Bosco e o cônsul Gazzolo, foi de trem a Gênova, enquan-
to Allavena e Gioia partiam para Marselha.
Na manhã de sábado, 14 de novembro, embarcaram no navio Savoie,
com Dom Bosco e os salesianos do lugar que quiseram acompanhá-los. Che-
gou, então, o momento do último adeus e as pontes foram levantadas. Entre
os passageiros estavam 15 irmãs de Nossa Senhora das Mercês, de Savona,
“agradáveis companheiras de viagem e de missão”.57 O cônsul Gazzolo obteve
que viajassem com os salesianos.
O Savoie era um navio a vapor francês, um dos 4 pequenos navios a
carvão da Societé Génerale de Transports Maritimes à Vapeur, que cobria a rota
do Atlântico Sul, de Gênova a Buenos Aires.58 Os alojamentos de primeira e

53
Cf. MB XI, 376s; para ver as cartas, o decreto e o breve papal MB XI, 584s.
54
Cf. MB XI, 380s.
55
Cf. MB XI, 380s. Todo o capítulo (“A partida dos missionários”, 318-333), em particular o
discurso de despedida de Dom Bosco e os 20 memorandos (325-333), merece ser estudado cuidadosa-
mente para entender melhor as intenções de Dom Bosco.
56
Os detalhes sobre o navio e a viagem são da obra do padre Tomatis na edição crítica e comen-
tada de J. Borrego, “De Génova a Buenos Aires: itinerario de los primeros misioneros salesianos, por
don Domingo Tomatis”, RSS 2:1 (1983), 54-96.
57
A congregação das irmãs de Nossa Senhora das Mercês foi fundada em 1837, por Santa Maria
Josefa Rossello, para dedicar-se à caridade entre os pobres. Em Buenos Aires, trabalhariam entre os
imigrantes italianos.
58
O Savoie era um barco de 2.588 toneladas que media 102,86 por 11,46 metros. Lançado em
1854, em 1875 teve acrescentado um novo motor de dois cilindros que proporcionava a força de 350
cavalos com uma só hélice. “O Savoie tinha só dois mastros com a função mais de equilibrar o barco do
que aumentar sua velocidade [...]. Mesmo com vento favorável, com todas as velas enfunadas, o barco
não ganhava mais do que uma ou uma milha e meia por hora”. O barco podia transportar uns 700 pas-
sageiros, a maior parte na terceira classe. Com exceção do refeitório, os passageiros de primeira e segunda

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

segunda classe consistiam em pequenas cabinas individuais, dispostas ao lon-


go de uma sala de estar grande e suntuosa com poltronas forradas de veludo
e candelabros de cristal. As refeições e merendas diárias eram um momento
festivo, embora o mar não ajudasse muito. Se o tempo e a condição do mar o
permitiam, a maior parte dos passageiros ia às celebrações da missa dominical
que aconteciam no salão.
Saíram de Gênova pontualmente às duas da tarde do domingo, 14 de
novembro de 1875, em direção a Marselha, a primeira parada; ali, Allavena e
Gioia, os dois salesianos dispersos, subiram a bordo, completando o grupo dos
missionários. A partir desse momento, os salesianos, com o cônsul e as irmãs
de Nossa Senhora das Mercês, formaram uma comunidade que rezava junto
pela manhã, à tarde e ao anoitecer, e fazia as refeições em comum. Alguns
passageiros uniam-se ao grupo na missa diária e os salesianos organizaram
catequese para as muitas crianças que estavam a bordo.
Fizeram uma breve parada no porto de Barcelona e outra mais longa em
Gibraltar, onde o navio se reabasteceu de carvão. Depois, rodeando as ilhas
Canárias, o navio dirigiu-se a Cabo Verde, ao porto de São Vicente, onde
novamente se abasteceu de carvão para enfrentar a travessia do sudoeste do
Atlântico. Os passageiros foram testemunhas da pobreza absoluta do lugar e
de sua gente, ao contemplar “escravos negros e portugueses de pele amarelada”
e “pequenos negros nus de uns 15 ou 16 anos”. Acrescenta o cronista: “Fica-
ríamos ali com prazer, para ajudar tantos pobres meninos em sua ignorância e
pobreza, se não fosse o destino e o dever que nos chamavam para outro lugar”.
A travessia de Cabo Verde ao Rio de Janeiro durou onze dias, de 27
de novembro a 6 de dezembro, a maior parte marcada pelo calor sufocante,
o mar raivoso e o desalento. Certa noite, um jovem foi confessar-se com o
delírio de que seria condenado à morte por tentar atravessar uma espada na
equipagem. Nessa noite, o pobre transtornado lançou-se pela balaustrada. O
navio parou, foram baixadas duas lanchas, mas não o encontraram.
As atividades, o canto, o baile e os refrescos marcaram a passagem dos
trópicos e do equador. Eram celebrações como de carnaval, organizadas pelo
pessoal do navio.
Enfim, surgiu o Rio de Janeiro. O porto, situado numa baía natural, ofe-
recia um espetáculo magnífico, assim como os edifícios e vilas que salpicavam

classe compartilhavam as mesmas instalações. “Um grande toldo preso a umas grades e sustentado por
escoras arqueadas que se estendia por todo o espaço do navio serve de cobertura e protege os passageiros
da fumaça do motor e do sol. Até o último dos oficiais do barco e dos membros do pessoal de serviço
são sumamente profissionais. A limpeza e a higiene são mantidas com rigor por todo o barco” (Tomatis,
Diário da viagem). O navio transportava, também, animais vivos sob a ponte, com um matadouro anexo.

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Dom Bosco: história e carisma 3

as colinas que o rodeavam. Mas, quando os passageiros desceram para visitar


a cidade, perceberam as condições miseráveis em que viviam os pobres e a
maioria dos escravos negros.
Os salesianos visitaram o bispo, que foi muito afável. No dia seguinte,
8 de dezembro, era a festa da Imaculada Conceição. Não se pôde celebrar a
missa solene porque os marinheiros estavam ocupados carregando carvão e a
maioria dos passageiros descera à terra.
Às 2 da tarde em ponto, o Savoie partia novamente. Em 12 de dezem-
bro, em meio a uma terrível tormenta, o navio entrou no estuário do rio da
Prata e lançou âncoras em Montevidéu (Uruguai). No dia seguinte, à tarde,
o navio continuou sua travessia pelo rio e, ao amanhecer de 14 de dezembro,
entrou no porto de Buenos Aires. “Tínhamos percorrido 11,5 mil quilôme-
tros em 30 dias; não está mal!”, escreveria o padre Tomatis.

Fundação da obra salesiana em Buenos Aires


Logo que o navio lançou âncora, uma lancha aproximou-se dele. Pa-
dre Ceccarelli, que viera receber os salesianos, subiu a bordo rapidamente.
Escoltou-os até a mole, onde um grupo de imigrantes italianos, alguns deles
antigos alunos do Oratório, deu-lhes as boas-vindas. Quando chegaram à
residência temporária, foram gratamente surpreendidos ao encontrar o arce-
bispo, dom Aneyros, para recebê-los. No mesmo dia, mais tarde, retribuíram
a visita ao palácio episcopal, tendo sido convidado o vigário-geral e todo o
pessoal. Os superiores das comunidades religiosas, os párocos da região e o
senhor José Francisco Benítez, de San Nicolás, aproximaram-se para cumpri-
mentá-los e oferecer-lhes apoio.
Padre Cagliero e os salesianos começaram imediatamente um intercâm-
bio de cartas com Dom Bosco, que continuou com regularidade durante
muitos anos. Outros também escreveram cartas expressando suas grandes es-
peranças para o futuro da obra salesiana: padre Ceccarelli, monsenhor Espi-
nosa, o arcebispo Aneyros e o senhor Benítez (em latim!).
Os missionários acreditavam que Buenos Aires seria apenas uma para-
da no caminho para San Nicolás, o destino definitivo. O arcebispo, porém,
decidiu que alguns deles deviam ficar na capital para atenderem à igreja e aos
muitos imigrantes italianos que não tinham assistência pastoral. Fora essa a
proposta inicial! Assim, dividiram-se em dois grupos. Cagliero, Baccino e o
coadjutor Belmonte ficaram em Buenos Aires, enquanto o restante do grupo
partiu para San Nicolás, tendo o padre Fagnano à frente. O arcebispo explicou
a Dom Bosco os motivos dessa decisão numa carta de 18 de dezembro de 1875.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Primeira residência salesiana construída no bairro La Boca,


junto à igreja de São João Evangelista.

[Seus filhos] certamente farão muito bem não só em San Nicolás, como tam-
bém nesta capital, onde é muitíssimo conveniente que tenham uma casa, não
só para facilitar a comunicação com V. R., mas também porque poderiam
fazer aqui um bem imensamente maior do que farão em San Nicolás. Só aqui
há uns 30 mil italianos e a maioria dos sacerdotes italianos que aqui vêm,
oprime-me o coração dizê-lo, vêm para ganhar dinheiro e nada mais. Creio,
pois, muitíssimo conveniente que seus filhos assumam a direção da igreja
italiana que aqueles bons irmãos lhes oferecem. Prestarão, assim, um serviço
imenso não só aos italianos, mas também aos nossos.59

A confraria e a igreja de Nossa Senhora das Mercês


O arcebispo concedeu aos três salesianos a igreja de Nossa Senhora das
Mercês, onde tinha sua sede a confraria do mesmo nome. Ali fixaram residên-
cia. A história do apostolado salesiano em prol da comunidade italiana em
Buenos Aires está ligada a esta igreja e confraria.60

MB XII, 97s.
59

A confraria fora fundada em 1855 ao redor da imagem de Nossa Senhora das Mercês, de
60

Savona, que um grupo de imigrantes tinha trazido consigo. Originalmente, sua sede foi na igreja
de São Domingos. Foi erigida canonicamente em 1867. A igreja fora construída, pouco maior do

105

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em 1875, a igreja não tinha um padre titular. Devido às circunstâncias,


o arcebispo designou padre Cagliero como capelão e nomeou padre Baccino
diretor espiritual da confraria. Padre Baccino, em 1876, negociou um acordo
com a chancelaria, que repassaria a Dom Bosco, com a finalidade de tornar
essas designações permanentes.61
Os salesianos não perderam tempo. Dois dias depois de desembarcar,
padre Cagliero iniciou seu ministério pregando a novena do Natal na igreja
de Nossa Senhora das Mercês, com a participação de muita gente. Com a
ajuda do padre Baccino e do senhor Belmonte, fez com que aquela primeira
celebração de Natal fosse algo memorável.
Alguns meses depois, em 1876, inaugurou-se um oratório para meni-
nos e, com a ajuda das conferências de São Vicente de Paulo, fundou-se não
muito distante de Nossa Senhora das Mercês uma escola vocacional capaz de
acolher uns 50 órfãos e meninos pobres.62
Não se creia que a colônia italiana foi conquistada para a causa num só
dia. O grupo anticlerical, francos-maçons e velhos republicanos mazzinianos,
que lutava pelo controle da comunidade italiana, infiltrara-se também na
confraria de Nossa Senhora das Mercês. Padre Cagliero precisou intervir de
forma rápida e drástica. Trabalhando lado a lado com padre Baccino, deu
passos para depurar a confraria dos indesejáveis; cerca de 500! Todavia, foi
padre Baccino que, em menos de dois anos, pois faleceria em junho de 1877,
conseguiu mudar radicalmente a situação, graças ao seu zelo sacerdotal, con-
seguindo que a confraria voltasse à sua finalidade religiosa original.

San Nicolás de los Arroyos: escola e capela


Os 7 salesianos destinados a San Nicolás de los Arroyos, encabeçados
pelo padre Fagnano, despediram-se de seus companheiros em 21 de dezembro
de 1875, acompanhados pelo padre Ceccarelli e o senhor Benítez. Foram cor-
dialmente recebidos em San Nicolás, especialmente por um grupo de famílias

que uma capela, em 1870; a construção foi obra de uma comissão com contribuições dos imigrantes
italianos. Era e é conhecida simplesmente como a “igreja italiana”; foi dedicada em 1871, momento
em que o arcebispo a converteu em sede da confraria de Nossa Senhora das Mercês, transferindo-a de
São Domingos. A “igreja italiana” foi então dedicada a Nossa Senhora das Mercês. Muito cedo, por
vários motivos, surgiram problemas na confraria. Entre eles, os políticos, que tornaram necessária a
intervenção do arcebispo. Um dos capelães foi destituído; o outro, depois de trabalhar durante certo
tempo, foi embora.
61
Falhas legais no contrato destas designações fizeram com que, com o passar dos anos, a pro-
priedade dos salesianos fosse impugnada. Em 1939, foi confirmado oficialmente o direito dos salesia-
nos tanto à igreja como à confraria.
62
MB XII, 264.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

italianas dedicadas à agricultura e pecuária. Estas famílias são lembradas com


carinho pela ajuda que deram aos salesianos e pelas vocações religiosas e sacer-
dotais que nelas surgiram.
Quando os salesianos chegaram a San Nicolás, ficaram desagradavelmen-
te surpresos ao ver que o colégio que lhes fora prometido consistia em apenas
3 ou 4 cômodos vazios, num prédio de um só andar. A pequena igreja, porém,
construída e equipada pelo senhor Benítez, estava em bom estado; a ela iam os
imigrantes italianos da região aos domingos e dias de trabalho. Padre Fagnano
pediu ajuda aos colonos e ao padre Ceccarelli para cobrir as necessidades bási-
cas dos salesianos enquanto preparavam a escola para sua abertura.
A escola não dispunha de instalações para organizar um internato; como
fora prometido um internato para seus filhos, os pais ofereciam-se para aju-
dar economicamente. Padre Fagnano, bom administrador e hábil construtor,
começou a levantar um conjunto de pórticos da mesma altura do prédio
existente. Sobre ele ergueu um grande dormitório comum. Infelizmente, as
frágeis fundações e as intensas chuvas fizeram que o novo acréscimo desabas-
se. Padre Fagnano não perdeu a coragem; teve o edifício pronto para o ano
escolar 1877-1878. As atividades juvenis realizadas pelos salesianos – jogos,
música, excursões etc. – contribuíram para que a escola fosse um sucesso.
Contudo, se não fosse a ajuda contínua do senhor Benítez, do padre Cec-
carelli e do grupo de cooperadores que rapidamente se formou ao redor dos
salesianos, o empreendimento teria fracassado. Não havia nem vestígio do
terreno, dos edifícios, dos rebanhos de ovelhas e outros bens que a comissão
prometera. Os 30 mil metros quadrados de terreno pertenciam ao governo,
que só permitiu o seu uso. Mais: quando posteriormente a comissão se desfez,
os supostos direitos sobre a escola passaram a autoridades municipais hostis.

La Boca e a paróquia de São João Evangelista


Após os difíceis e prometedores inícios, parecia natural que padre Ca-
gliero tentasse conquistar a praça forte dos italianos em La Boca. O arcebis-
po avisara-o para não se aventurar num lugar em que os padres não eram
bem-vindos e onde até o momento não fora possível ter serviços religiosos.
Padre Cagliero, porém, foi a La Boca, na primeira vez, distribuindo medalhas
aqui e ali, e detendo-se nas visitas seguintes para conversar com os jovens,
prometendo-lhes criar um pátio para seus jogos. O arcebispo confiou, então,
a Paróquia de São João Evangelista aos salesianos. Padre Cagliero, em meados
de 1877, aceitou-a com gratidão em nome de Dom Bosco.63
63
MB XII, 265s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Os salesianos, então, puderam penetrar na comunidade italiana e deixar


sua marca. Dom Bosco oferecera alguns de seus melhores homens a este pro-
jeto, que via como um teste para a Congregação, a ponto de enfraquecer a
liderança em seu centro. Ali havia um grupo de jovens padres e coadjutores e,
pouco depois, de irmãs, todos eles zelosos, dinâmicos e, sobretudo, audacio-
sos e preparados para qualquer coisa. Sua educação e preparação intelectual
eram, em geral, das mais elevadas na comunidade, e podiam enfrentar qual-
quer movimento de oposição. Conquistaram quase de imediato a simpatia
da comunidade pela sua atividade em benefício dos jovens. Seu empenho
incondicional marcou o início do fim do radicalismo e anticlericalismo na
comunidade italiana. A aliança entre a elite secular e os salesianos deu-se em
muitas frentes: as associações, especialmente de mútuo socorro, a imprensa e,
particularmente, a educação.

Procissão para celebrar as primeiras comunhões, em 18 de dezembro de 1900,


na paróquia de São João Evangelista, La Boca (Buenos Aires).

Apesar dos desafios desencorajadores que os dois pequenos grupos de


salesianos precisaram enfrentar, Dom Bosco continuava a receber boas no-
tícias da Argentina: de monsenhor Espinosa, sobre o trabalho dos salesianos
em Buenos Aires, e do padre Ceccarelli, exaltando o trabalho dos salesianos
em San Nicolás.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Segunda expedição missionária: novembro de 1876


Dom Bosco percebeu que faltavam forças adicionais. Em resposta aos
urgentes pedidos do padre Cagliero, começou a reunir pessoal em vista da
segunda expedição para novembro de 1876. A expedição era formada por 23
salesianos: 6 padres, 7 seminaristas e 10 coadjutores. Depois de uma emotiva
cerimônia na basílica de Maria Auxiliadora, em 7 de novembro de 1876,
foram com Dom Bosco a Roma para receberem a bênção do Santo Padre.
Em seguida, os destinados a Buenos Aires embarcaram em Gênova sob
a direção do padre Francisco Bodrato;64 os que se destinavam ao Uruguai,
encabeçados pelo padre Luís Lasagna, partiram de Bordeaux, França.65
Padre Cagliero preparava uma nova fundação em Villa Colón, próxima
a Montevidéu (Uruguai) depois de receber uma oferta do delegado apostóli-
co, único bispo do Uruguai na época, para dirigir a igreja de Santa Rosa de
Lima e um grande edifício com terras anexas, graças à generosa doação de
certo mister Fynn. A cessão exigia que os salesianos se encarregassem da igre-
ja pública e estabelecessem uma escola secundária. Padre Lasagna, nomeado
diretor, dirigiu a restauração da igreja, que estava há tempos abandonada, do
edifício e da preparação das terras. Um mês depois de sua chegada, a igreja e
a escola estavam em funcionamento, incluindo ensino primário e secundário
e um programa preparatório para a universidade, com internato para cerca

64
Francisco Bodrato (1823-1880) nasceu em Mornese e tornou-se professor na cidade. Viúvo
e com dois filhos, conheceu Dom Bosco em 1864, ingressou no Oratório e fez a profissão perpétua
em 1865 aos 41 anos. Trabalhou como professor e administrador; em 1875, Dom Bosco nomeou-o
ecônomo-geral. Em 1876, foi escolhido para liderar o contingente da segunda expedição a Buenos Ai-
res. Ali trabalhou como pároco de La Boca, o hostil distrito em que o padre Cagliero acabava de fazer-se
presente. Em 1877, quando Cagliero deixou Buenos Aires para participar do I Capítulo Geral, Dom
Bosco nomeou-o administrador de todas as obras salesianas. Fundou uma escola de artes e ofícios que
foi logo transferida à escola Pio IX, de San Carlos de Almagro (Buenos Aires). Em 1878, foi nomeado
provincial da recém-criada Inspetoria Americana. Ao mesmo tempo, porém, que uma sangrenta guerra
civil arrasava a cidade, padre Bodrato, não podendo obter a assistência necessária para uma doença
crônica que sofria, faleceu em meio a dores intensas em 4 de agosto de 1880.
65
O contingente uruguaio partiu de Bordeaux porque as autoridades contrataram a passagem
dos missionários com uma companhia com sede nessa cidade. Luís Lasagna (1850-1895), órfão aos 9
anos de idade, salesiano em 1866, fora ordenado em 1873. Em 1876, foi escolhido por Dom Bosco
para liderar o grupo uruguaio da segunda expedição missionária. Foi o primeiro diretor do colégio
de Villa Colón e depois Inspetor; estava profundamente envolvido e era muito influente em temas
educacionais e sociais, como também no cuidado dos imigrantes. Promoveu a agricultura, a viticultura
e a imprensa católica. Em 1881, fundou um observatório meteorológico em Villa Colón. Trabalhou
para fundar a Universidade Católica de Montevidéu e uma escola superior de agricultura. Em 1893,
Leão XIII nomeou-o bispo entre os nativos da bacia amazônica. Nesse cargo, desenvolveu a missão do
Mato Grosso. Quando organizava uma missão ao norte do Brasil, morreu tragicamente em 1895 numa
colisão de trens em Juiz de Fora (MG), juntamente com seu secretário e 4 irmãs salesianas.

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Dom Bosco: história e carisma 3

de 100 meninos. O povo, desde o início, acolheu os salesianos sem qual-


quer reserva, apesar de os ataques das forças anticlericais, que controlavam a
imprensa, serem desapiedados e constantes, embora não tivessem êxito; e o
colégio, chamado Pio IX, prosperou.
O contingente de Buenos Aires da segunda expedição dividiu-se em dois
grupos, destinados a San Nicolás e Buenos Aires, respectivamente.
A escola de San Nicolás, depois de superar as dificuldades iniciais, pro-
gredia com passos firmes sob a direção do padre Fagnano; com a incorpora-
ção dos reforços, converteu-se numa obra salesiana grande e complexa.
A comunidade salesiana de Buenos Aires sofreu duas sérias perdas em rá-
pida sucessão. Padre João Baccino, o principal pilar do apostolado na igreja de
Nossa Senhora das Mercês, morreu repentinamente em junho de 1877 de uma
doença não identificada. Padre Cagliero, o guia carismático, foi chamado a
Turim no outono de 1877 para o I Capítulo Geral, depois do qual continuou
o seu serviço como diretor espiritual da Congregação. Manteria esse posto até
sua consagração como bispo em dezembro de 1884, após a nomeação como
vigário apostólico da Patagônia. Na ausência do padre Cagliero, padre Bodrato
assumiu a direção da obra salesiana na região do Prata. Em 1878, Dom Bosco
nomeou-o provincial da recém-criada Inspetoria argentina.

Terceira expedição missionária: novembro de 1877


Com base nos relatórios do padre Cagliero, Dom Bosco preparou a ter-
ceira expedição missionária em novembro de 1877. O grupo era formado
por 18 salesianos: quatro padres, oito clérigos e seis coadjutores. Também se
uniram ao grupo seis irmãs salesianas. Padre Tiago Costamagna, no momen-
to diretor das salesianas em Mornese, liderava a expedição.66 Padre Cagliero
e Madre Mazzarello acompanharam o grupo até Roma. Depois de receber
a bênção do Santo Padre, os missionários embarcaram em diversos portos:
alguns em Lisboa, outros em Le Havre, e o grupo mais numeroso, que in-
cluía as salesianas, em Gênova, com o padre Costamagna. Madre Mazzarello,
depois de um emocionante adeus, despediu-se pessoalmente de suas filhas.
Dom Bosco foi criticado por escolher salesianos e salesianas muito jo-
vens para a missão. Dentre os padres, Domingos Milanésio tinha 34 anos;
Tiago Costamagna, 31; José Vespignani, 27; Bartolomeu Panaro, 26; os cléri-
gos José Gamba, 17, e Pedro Rota, 16. Das 6 irmãs, Ângela Cassulo tinha 25;

Tiago Costamagna (1846-1921) professou como salesiano em 1867. Foi ordenado sacer­dote
66

em 1868 e nomeado bispo em 1895 como vigário apostólico de Méndez y Gualaquiza (Equador).
Faleceu em Bernal (Argentina) em 1921.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Teresa Gedda, 24; Ângela Valiese, 23; Teresa Mazzarello Baroni, 18; Ângela
Negris, 18; e Joana Borgna, 17. Todos deixaram marca extraordinária.
Os missionários da terceira expedição dividiram-se assim: cinco salesia-
nos foram indicados para a obra de Buenos Aires e quatro para San Nicolás.
Os oito restantes, que desembarcaram em Montevidéu, foram destinados ao
colégio de Villa Colón. As seis irmãs também permaneceram em Villa Colón,
onde fundaram sua primeira casa no Novo Mundo.

Almagro (Buenos Aires): igreja de São Carlos e instituto Pio IX


Os padres Cagliero e Baccino, com o coadjutor Belmonte, fundaram
uma pequena escola em locais arrendados, não muito distante da igreja de
Nossa Senhora das Mercês, a primeira residência em Buenos Aires. Em 1878,
com a chegada de novos salesianos, os internos chegaram a uma centena; havia
aprendizes em quatro oficinas. O local, porém, era pequeno e incômodo. Em
1878, com a ajuda das conferências de São Vicente de Paulo e de doadores
anônimos, começou-se a construir um edifício maior. Situava-se num subúr-
bio de Buenos Aires chamado Almagro, perto de uma bonita igreja dedicada
a São Carlos, que o arcebispo confiou aos salesianos. Logo que uma parte
do edifício ficou pronta, em agosto de 1878, transferiram-se para Almagro a
antiga escola e as oficinas. Às oficinas de alfaiataria, sapataria, carpintaria e en-
cadernação acrescentou-se uma tipografia. O instituto foi chamado de Escola
de Artes e Ofícios e foi dedicada a Pio IX, falecido em fevereiro de 1878.
O arcebispo e o ministro da Instrução Pública assistiram à inauguração.
A imprensa, mesmo a anticlerical, deu informação completa do evento. Em
outubro teve início o curso escolar com a matrícula de 115 alunos: 60 estu-
dantes e 55 aprendizes. Sob a direção dos padres Costamagna e Vespignani,
com a incorporação de novos salesianos e salesianas da quarta expedição de
dezembro de 1878, o instituto estava a caminho de converter-se na “Valdoc-
co da Argentina” sendo escolhido também como sede inspetorial e noviciado.

Quarta expedição: 8 de dezembro de 1878


Dom Bosco já estava decidido a fundar obras salesianas na região do
Prata (Argentina e Uruguai) sobre bons alicerces, e os relatórios do padre
Cagliero insistiam nessa necessidade. Não tirara da mente a “missão entre
os selvagens”. Sabia que chegaria o momento, mas também percebia que só
reforçando a base de Buenos Aires conseguiria que isso se tornasse realidade.
A quarta expedição era formada por 11 salesianos e 10 salesianas. Duas
delas desembarcaram em Montevidéu com destino a Villa Colón (Uruguai);

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Dom Bosco: história e carisma 3

as oito restantes seguiram para Buenos Aires e fundaram uma residência em


Almagro, bairro de Buenos Aires, onde os salesianos concretizavam uma im-
portante obra. Ali, as salesianas iniciaram aquela que se converteria numa
espécie de “casa-mãe” para a América do Sul. Muitos dos salesianos desta
expedição também foram encaminhados para Almagro.

Expansão do trabalho entre os imigrantes italianos


Padre Cagliero preparara uma evangelização sistemática dos italianos da
região ao redor de Buenos Aires. Com esse fim, e com a ajuda dos membros
da confraria, foi feito um recenseamento da população italiana para verificar
em que estado se encontravam e quais eram suas necessidades. Os resultados
eram às vezes desencorajadores: analfabetismo, ignorância, prática religiosa
mínima por causa do isolamento etc. Foi organizada uma série de missões
entre o povo do campo, que continuaram periodicamente com bons resul-
tados, mesmo depois da partida do padre Cagliero em 1877. A vantagem de
visitar as zonas periféricas foi o encontro com nativos dos Pampas em vários
assentamentos e a possibilidade de estudar as perspectivas para uma missão
propriamente dita.
Nas três igrejas salesianas de Buenos Aires, Nossa Senhora das Mercês,
São João Evangelista e São Carlos, assim como em 6 igrejas não salesianas
com paróquia etnicamente mista, funcionavam paróquias missionárias, ins-
trução religiosa e várias atividades da vida católica.

4. Comentário final
O apostolado em prol dos imigrantes italianos logo deu fruto de muitas
maneiras. Em primeiro lugar, as conversões e renovações religiosas obtidas
pareciam quase milagrosas; em pouco mais de dez anos, depois da morte de
Dom Bosco, as comunidades italianas em Buenos Aires, incluindo La Boca,
voltaram à prática católica. Em segundo lugar, foi-se criando um forte grupo
local de cooperadores e este grupo tornou possível a continuidade da obra
salesiana. Em terceiro lugar, as vocações para a Congregação Salesiana e o Ins-
tituto das Filhas de Maria Auxiliadora entre o povo do lugar eram promessa
de um futuro brilhante.

112

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Apêndice

POPULAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL:


ORIGENS ÉTNICAS E IMIGRAÇÃO67

São quatro os principais componentes da atual população da América do


Sul: 1o Os índios sul-americanos, nativos ameríndios, ou seja, os habitantes
pré-colombianos. 2o Os ibéricos, espanhóis e portugueses que conquistaram
e dominaram o continente, do século XVI aos inícios do século XIX. 3o Os
africanos importados como escravos pelos colonizadores. 4o Finalmente, uma
onda de imigrantes de além-mar, europeus em sua maior parte, que chegaram
depois da independência, a partir de 1820 aproximadamente.

Indígenas sul-americanos
Na época do descobrimento e da conquista, nos inícios do século XVI,
as sociedades ameríndias apresentam três níveis culturais diversos; isso de-
terminou em grande parte a composição da população durante e depois do
período colonial.

Sociedade e cultura andinas


A sociedade andina era uma civilização arcaica, comparável à egípcia,
mesopotâmica e outras sociedades do mundo antigo pré-helênico. Habitava
a costa do Pacífico e tinha seu centro no Peru. Estima-se que a agricultura,
baseada no cultivo do milho, tenha-se desenvolvido na região ao menos des-
de o ano 2500 a.C. O início do período de formação da civilização andina é
datado ao redor do primeiro milênio antes de Cristo. Nessa época, a comu-
nidade básica era a aldeia dedicada à agricultura. Desenvolveram-se diversas
artes e diversos ofícios e, pelo final do período, começaram a aparecer os
edifícios religiosos.

67
Cf. “South America”, Encyclopaedia Britannica, Macropoedia (1987). Vol. XXIII, 683.

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A cultura do período andino clássico, aproximadamente do ano 1 ao


1000 de nossa era, alcançou grande refinamento na arquitetura, construindo-
-se palácios e habitações com vários aposentos. Desenvolveu-se a metalurgia,
obtendo-se a fundição de ligas de cobre e ouro; e revolucionaram-se as técni-
cas agrícolas como a irrigação e o cultivo em terraços. A urbanização, ou seja,
o surgimento de cidades habitadas distintas dos centros religiosos e cerimo-
niais, também se deu no período clássico. Com organização política e militar
de nível relativamente elevado, essas civilizações estabeleceram vários reinos.
As civilizações andinas, porém, não conheceram a linguagem escrita nem no
período clássico nem no pós-clássico.
O período pós-clássico, a partir do ano 1000 d.C., foi marcado por uma
grande expansão e centralização. O império inca do Peru, por exemplo, expan-
diu-se desde sua base em Cuzco até o norte, à área ocupada hoje pela Colôm-
bia, com suas relativamente avançadas culturas chibchas. Expandiu-se também
para o sul, até o atual território do Chile, com suas primitivas tribos indígenas
araucanas. Os incas começaram sua conquista pelo ano 1200 d.C., mas a ex-
pansão de seu império acelerou-se consideravelmente depois de 1400, enquan-
to o processo não foi interrompido pela chegada dos espanhóis em 1536.

Outras sociedades sul-americanas


Entre as outras sociedades sul-americanas podem-se distinguir níveis
médios e baixos que não evoluíram além das primeiras fases do desenvolvi-
mento social.
O nível mais baixo deu-se na região de El Guanaco, habitada por tribos
nômades caçadoras. Viviam no território dos atuais Uruguai e Argentina, e
incluíam o extremo sul, concretamente, a Terra do Fogo e o Cabo de Hornos.
O nível intermédio localizava-se na região de Manioca, que cobria da ba-
cia amazônica à costa atlântica, ocupando parte do atual território do Brasil.
A caça era a principal ocupação dessa população, mas também se praticava a
agricultura de queimadas, limpando a terra para cultivá-la temporariamente
cortando e queimando a vegetação.

Origem dos indígenas sul-americanos


O número de indígenas na época da conquista (século XVI) é incerto.
Estima-se que na América do Norte, do Sul e Central houvesse de 8 a 100 mi-
lhões de pessoas. Só para os incas, a estimativa é de 3 a 32 milhões de pessoas.
Alguns pesquisadores estabelecem para toda a América do Sul uma população
de 6,8 milhões de pessoas, das quais pouco mais da metade pertenciam ao

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império inca ou estavam sob a sua influência. Avaliações mais recentes, que
situam a cifra de habitantes pré-colombianos ao redor dos 14 milhões de pes-
soas, parecem mais realistas. A civilização andina e os povos dominados ou in-
fluenciados por ela incluem talvez a metade da população indígena e também
as áreas mais povoadas do continente. Em outras regiões, a população era mais
escassa e havia também amplas zonas desabitadas.
Ainda hoje, é objeto de controvérsia a procedência dos indígenas sul-
-americanos. Muitos antropólogos acreditam que chegaram à América, vin-
dos da Ásia, em ondas sucessivas, a partir de 2500 a.C. Provavelmente, che-
garam cruzando o estreito de Bering, que separa os extremos do nordeste da
Ásia e o noroeste da América do Norte.

Ibéricos
Após a conquista e ao longo do período de dominação, só os espanhóis
e portugueses eram admitidos nas colônias sul-americanas. A exclusão rígida
de outros estrangeiros contou com poucas exceções embora um pequeno nú-
mero de europeus de outras nacionalidades tenha se assentado nas colônias
como consequência de uma imigração tolerada ou ilegal. O substrato étnico
dos povos da península ibérica também foi muito diverso. A maioria dos es-
panhóis provinha de Castela e das regiões do sul. Sabe-se muito pouco sobre
a procedência dos principais contingentes de portugueses.

Escravos africanos
Os serviçais africanos que acompanhavam seus senhores espanhóis ou
portugueses foram os primeiros escravos que chegaram ao continente. A im-
portação africana de escravos em grande escala aconteceu duas ou três déca-
das depois. A Espanha autorizou o comércio de escravos pela primeira vez em
1518, embora faltem informações confiáveis.
Uma opinião sobre a sua contribuição demográfica em números esti-
maria em 4 milhões para o Brasil e 3 milhões para o conjunto da América
hispânica, da qual só uma minoria foi à região andina e um número ainda
menor ao cone sul, os atuais Uruguai, Chile e Argentina.
Paradoxalmente, o comércio de escravos foi apoiado por aqueles que esta-
vam preocupados com o respeito pelos indígenas. Os escravos africanos eram
tidos por mais eficientes do que os indígenas americanos, particularmente no
trabalho das plantações tropicais. A maioria dos escravos importados vinha da
África ocidental, incluindo Angola. O comércio de escravos, mas não a escra-
vidão, deixou de existir nos inícios do século XIX.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Imigrantes depois da independência


Com a independência da maior parte das colônias sul-americanas, no
início do século XIX, simultânea e posterior ao período napoleônico, a exclu-
são legal dos estrangeiros chegou ao seu fim. Contudo, a imigração em massa
para o continente só teve início no final do século XIX, chegando ao apogeu
nas três últimas décadas do século e continuando até 1930, ano em que caiu
repentinamente.
Entre 11 e 12 milhões de pessoas chegaram à América do Sul. A grande
maioria foi para a Argentina (mais de 50%) e para o Brasil (uns 37%). Em-
bora muitos tenham ido mais tarde, o impacto demográfico e sociocultural
da entrada na Argentina e, em menor medida, no sul do Brasil, foi tremen-
do. A imigração para outros países foi numericamente menos significativa,
embora social e culturalmente relevante. No Uruguai, por exemplo, onde a
população preexistente não era muito numerosa, o percentual de nascidos no
estrangeiro era alto, 18% em 1908, e ainda maior durante o século XIX. Na
Argentina, a proporção chegou a quase um terço do total e permaneceu nesse
nível durante muitos anos. Em ambos os casos, a contribuição da imigração
posterior à independência foi proporcionalmente mais importante do que a
conhecida pelos Estados Unidos no ponto mais alto da imigração em massa.
Os imigrantes eram europeus em sua maioria. Os italianos formavam
quase a metade dos imigrantes na Argentina, um terço no Brasil e provavel-
mente a maioria no Uruguai. Os espanhóis eram um terço na Argentina e os
portugueses ao redor de 30% no Brasil.
Outras correntes menos numerosas, mas socialmente relevantes, chegaram
da Europa central e oriental. Esta fonte de imigração tornou-se mais importante
a partir da mudança do século, quando era formada mais por pessoas de classe
média e intelectuais. Entre estes havia judeus e outros refugiados.
Após a Segunda Guerra Mundial, outra pequena onda de imigração
chegou da Europa, dirigida principalmente à Venezuela e Argentina.

MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA NA
AMÉRICA LATINA68

Espanha e Portugal conquistaram a América do Sul e Central, exceto as


Guianas (Guiana Francesa, Suriname e Guiana) e governaram suas colônias

68
Cf. W. L. Langer, An Encyclopedia of World History. Versão revisada e atualizada da obra de
Ploetz. Boston, Houghton Mifflin Co., 1949.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

por 300 anos. O isolamento em relação à Europa e outros fatores levaram


muitos colonos a desejar a total independência. A oportunidade chegou quan-
do precisaram agir por conta própria durante a breve conquista da Espanha
por Napoleão, a chamada Guerra da Independência.
As guerras de independência começaram na região do Rio da Prata em
1806. O general que sobressaiu nesta campanha, José de San Martín, libertou
o Chile em 1818. A região então conhecida como Las Charcas foi libertada
por Simón Bolívar e rebatizada como Bolívia. Bolívar já ajudara a libertar a
Venezuela em 1811. Paraguai e Uruguai também proclamaram sua indepen-
dência em 1811, enquanto a Colômbia e o Equador foram libertados por San
Martín e Bolívar em 1822. O México começou sua campanha pela indepen-
dência em 1808, e finalmente a conseguiu em 1821.
O Brasil serviu de refúgio para a família real portuguesa durante a con-
quista napoleônica. Em 1822, diante da demanda portuguesa de que o Brasil
retornasse à situação de colônia subordinada, os brasileiros proclamaram a
independência instaurando dom Pedro, filho do rei português, como seu pri-
meiro imperador, Pedro I.
Esta é a sequência histórica da independência das antigas colônias:
1810 – Independência da Argentina (San Martín).
1811 – Independência da Venezuela (Bolívar).
1811 – O Paraguai declara-se independente.
1811 – O Uruguai declara-se independente.
1818 – O Chile é libertado (San Martín).
1819 – A grande Colômbia (Equador e Colômbia) torna-se indepen-
dente (San Martín e Bolívar).
1821 – O Peru é libertado (San Martín).
1821 – O México obtém a independência.
1822 – O Brasil declara-se independente.
1825 – Independência da Bolívia (Bolívar).
Em 1825, a América do Sul e o México já eram independentes. Mas
o movimento pela independência nas colônias espanholas só produziu uma
cooperação efêmera entre os novos estados da América do Sul e entre México
e América Central, apesar de existir o ideal de união, um dos objetivos de
Bolívar. Muitas causas explicam essa dificuldade. A influência da divisão ad-
ministrativa durante o período colonial interpôs-se no caminho da unidade,
embora se tenha criado um nacionalismo rudimentar e, em alguns casos, uma
entidade cultural entre as classes elevadas. Igualmente, os fatos geográficos e

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Dom Bosco: história e carisma 3

climáticos e a ambição pessoal de líderes individuais impediram a união e a


cooperação entre os Estados.
O progresso organizado nessas nações foi difícil devido aos mesmos fa-
tores: diferenças étnicas, diversidade de classes e interesses pessoais não eli-
minados pela independência. A Igreja estava decidida a manter sua grande
influência, interesses e posição privilegiada. A riqueza e o poder político per-
maneceram nas mãos de uma minoria.
Quanto às diferenças étnicas dos povos da América do Sul, mais ou
menos 19% eram brancos, 31% mestiços (pessoas mescladas com sangue
europeu e ameríndio), 45% nativos ameríndios e 4% negros.
A imensa maioria da população era completamente analfabeta. As clas-
ses mais elevadas com cultura não tinham qualquer experiência de governo
além dos cabidos, ou conselhos, e das organizações governamentais criadas
durante o período de libertação. A influência militar resultante do longo pe-
ríodo de guerras era muito forte.
Não existiam interesses comuns. Como consequência, as dissensões
políticas, econômicas, sociais e religiosas eram frequentes. A divisão entre
grupos conservadores e reformistas, intensamente opostos, foi inevitável. A
situação depois da independência exigia um governo firme e administradores
capazes. San Martín apoiou formas de governo monárquicas. Bolívar, teórico
da democracia e de convicções republicanas, mas que compreendia os proble-
mas em jogo, pedia um acordo entre monarquia e republicanismo.69 A maior
parte dos líderes intelectuais do movimento de independência era de republi-
canos idealistas, doutrinários e pouco práticos. Como resultado, adotaram-se
principalmente as estruturas republicanas, para as quais o povo estava menos
preparado. Os líderes republicanos debatiam-se entre um sistema unitário ou
federativo. O conflito de forças entre os novos Estados tornou inevitável um
longo período de instabilidade social e política.

ARGENTINA, CHILE, BRASIL E URUGUAI NO


SÉCULO XIX. PERSPECTIVA HISTÓRICA70

Com a finalidade de enquadrar melhor as origens da presença salesiana na


América do Sul, apresentamos alguns acontecimentos históricos da Argentina,
69
Os termos democrático e republicano devem ser entendidos no sentido dado pela Revolução
Francesa.
70
Estes apêndices históricos foram revistos com a ajuda do salesiano argentino padre Horácio López.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Chile, Brasil e Uruguai, países nos quais a obra salesiana se estabeleceu durante
a vida de Dom Bosco.

Argentina
Após a conquista da independência, o sentimento de unidade era
frágil na Argentina, emergindo logo um importante problema político:
a adoção do sistema de governo republicano federativo ou centralizado.
Buenos Aires preferia o sistema unitário, mas as províncias, controladas
por líderes locais (caudillos) que temiam a preponderância da capital, pre-
feriam o sistema federativo. As províncias também queriam incluir o Pa-
raguai e o Uruguai no interior da nova nação, o que serviu de base para
complicações externas.
Em 1828, com a intervenção da Grã-Bretanha e o final da Guerra do
Brasil (entre o Império do Brasil e as Províncias do Prata), o Uruguai torna-se
um país independente. Separado da Espanha em 1811, era reclamado pelo
Brasil e considerado pela Argentina como parte das Províncias Unidas do Rio
da Prata (de fato, com várias províncias argentinas, participou da Liga Federal
ou Liga dos Povos Livres).
Em 1835, João Manuel Rosas assume a autoridade total de Buenos Aires;
12 províncias reconhecem o seu poder executivo na Confederação Argentina,
que se torna realidade. Rosas governa com poder absoluto na Província de
Buenos Aires, com grande ascendência sobre a Confederação, conservando
também sua representação exterior. Procurava levantar o prestígio argentino
no exterior e unir o Uruguai e o Paraguai à Federação.
Na década 1831-1841 surgem controvérsias com os Estados Unidos e a
Grã-Bretanha pelas ilhas Malvinas, cuja soberania reclamava e, com a França,
por causa do tratamento que os súditos franceses recebiam. Houve um blo-
queio francês no Rio da Prata (1838).
Em 1853, Justo José de Urquiza torna-se presidente da Argentina e em
1º de maio promulga a constituição federal, que a Província de Buenos Ai-
res recusou-se a aceitar. Ela estabelecia o mandato presidencial de seis anos,
o parlamento de duas câmaras e a independência do poder Judiciário. Em
1859, Buenos Aires é derrotada e em 10 de novembro une-se à confederação,
depois de se introduzir uma emenda constitucional.
Em 1o de maio de 1865, a Argentina assina uma aliança com o Uru-
guai e o Brasil. Enquanto isso, o Paraguai declara a guerra depois de a
Argentina recusar a permissão da passagem de tropas paraguaias pelo seu
território. A guerra termina em 1870, quando o ditador Francisco Solano

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Dom Bosco: história e carisma 3

López é assassinado e o Paraguai praticamente aniquilado. Sua população


reduziu-se a uns 28 mil homens e pouco mais de 20 mil mulheres.
Durante os governos de Domingos Sarmiento (1868-1874) e Nico-
lau Avellaneda (1874-1880) foram potenciados a educação, o comércio e
a imigração; as fronteiras do país alargaram-se ao sul pela submissão dos
povos indígenas. O primeiro censo, em 1869, projetou uma população
de 1,7 milhão de pessoas. Os salesianos chegam pela primeira vez a Bue-
nos Aires e San Nicolás de los Arroyos em 1875, durante a presidência
de Avellaneda.
A influência de Buenos Aires, em cuja província viviam 30% da po-
pulação, fomentou a insatisfação em outras províncias, que formaram a
Liga de Córdoba, apoiando Júlio Roca para a presidência. Buenos Aires re-
correu à guerra civil para manter sua posição, mas foi derrotada. Em 1880,
a cidade de Buenos Aires, até o momento capital da Província homônima,
tornou-se distrito federal e foi nomeada capital permanente da nação. A
província de Buenos Aires foi reduzida ao mesmo status das outras provín-
cias e foi preciso erigir uma nova capital. Para tanto se fundou a cidade de
La Plata, aonde os salesianos chegaram em 1886, quando a cidade tinha
apenas quatro anos. Roca tornou-se presidente. Dessa forma, ficou resol-
vida a espinhosa questão da relação entre a província e a cidade de Buenos
Aires e o resto do país.
Sob o comando de Roca, continua o progresso econômico e as frontei-
ras com os índios vão mais para o sul. Em 1880, os salesianos fundam sua
primeira missão em Río Negro depois de acompanhar a expedição de Roca
até o sul em 1879. Em 1883, a Santa Sé cria o Vicariato da Patagônia e a
Prefeitura da Patagônia do Sul e Terra do Fogo, entregando-as a dom João
Cagliero e padre José Fagnano, ambos salesianos.
A especulação excessiva e a corrupção, em grande parte por culpa do
presidente Miguel Juárez Celman, provocam uma demanda de reformas.
Funda-se em 1890 um novo partido, a Unión Cívica, para garantir as refor-
mas e ampliar o direito ao voto.
Em julho de 1890 acontece uma revolta infrutuosa. Celman demite-se
e o vice-presidente Carlos Pellegrini assume o cargo.
Os governos sucessivos de Pellegrini (1890-1892), Luís Sáenz Peña
(1892­-1895), José Uriburu (1895-1898) e, novamente, Júlio Roca (1898-
1904) completam a ação de reabilitação econômica. Disputas fronteiriças
com o Brasil, em 1895, e com o Chile, em 1899 e 1902, esta última a ponto
de levar os dois países à guerra, foram dirimidas mediante arbitragem.

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Com Celman como presidente, em 1887, e enquanto Dom Bosco ago-


nizava, os salesianos fundam a primeira missão na Terra do Fogo, na cidade
de Punta Arenas, Chile.

Chile
Após a independência em 1818, o chefe supremo, Bernardo O’Higgins, es-
tabelece as bases do Estado chileno e funda um governo altamente centralizado.
Em 1826, sob o governo de Ramón Freire, adota-se um modelo de go-
verno federalista, mas Freire se vê obrigado a renunciar, e seu sucessor, Fran-
cisco Antônio Pinto, promulga no ano seguinte uma segunda constituição fe-
deral. Crescem os partidos políticos: o liberal, que advoga pela democracia e a
autonomia local, e o conservador, apoiado pelas classes mais altas e pelo clero,
que propugna um sistema centralizado com uma autoridade executiva forte.
Em 1829, estala a guerra civil. Os conservadores, sob a liderança de
Diego José Víctor Portales, vencem e permanecerão no poder até 1861. Em
1833, é adotada uma constituição decididamente centralista, que concede
grandes poderes ao presidente. O catolicismo mantém o status de religião
de Estado. Em 1836, o Chile opõe-se à formação da temida confederação
peruano-boliviana e em 11 de novembro declara guerra. Mais tarde, em
1839, as tropas chilenas, sob o comando de Manuel Bulnes, derrotam a
confederação na decisiva batalha de Yungay.
Durante os dois mandatos de Bulnes acontece um grande desenvolvi-
mento interno e dão-se passos para estender a soberania chilena sobre a re-
gião do estreito de Magalhães. Cria-se um novo partido liberal enfrentando
o controle oligárquico conservador e que defende o corte dos poderes presi-
denciais. Em 1851, Manuel Montt (1809-1880) sucede a Bulnes e desfruta
de dois mandatos. Continua o progresso material, promove-se a educação e
adotam-se algumas reformas liberais.
Com o apoio de Montt, em 1861 é eleito José Joaquim Pérez, aceitável
para os liberais, marcando uma mudança para maior democracia e mudança
no poder a favor de elementos intelectuais e comerciais. Pérez governou em
duas ocasiões, durante as quais aumentou o desenvolvimento interno e inves-
tiu-se capital no Peru e na Bolívia pela exploração do guano e do nitrato. As
terras dos ameríndios araucanos converteram-se parcialmente em território
nacional como raiz da sua submissão total.
Durante o mandato do liberal Frederico Errázuris, em 1871, promove-
-se a educação, adotam-se reformas anticlericais, introduzem-se reformas que
levam a maior democratização enquanto continua o progresso econômico.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em 1876, estala a “guerra do Pacífico”, do Chile contra o Peru e a


Bolívia. O Chile sai vitorioso em vista da sua superior eficiência governa-
mental, militar e naval, e emerge como potência inquestionável na América
do Sul ocidental.
Em 20 de outubro de 1883, pelo tratado de Ancón, o Peru cede a pro-
víncia de Tarapacá e o Chile ocupa as regiões fronteiriças de Tacna e Arica
durante dez anos, depois dos quais se realiza um plebiscito.
Em 1884, pelo tratado de Valparaíso, o Chile mantém a posse das regiões
costeiras da Bolívia. Obtém, assim, territórios ricos em nitrato, de grande im-
portância para a estrutura econômica nacional. Depois de terminar a guerra,
adotam-se reformas religiosas e administrativas, mas fracassam as tentativas de
separar o Estado da Igreja. As reformas do presidente Santa Maria levantam
muita oposição do lado conservador e o partido liberal se divide.
Em 1877, os salesianos estabelecem-se em Concepción, durante a pre-
sidência de Balmaceda. A missão da Terra do Fogo é fundada em 1887 em
Punta Arenas, Chile.

Brasil
O Brasil, que fora refúgio da família real portuguesa durante a ocupação
de Napoleão (1880-1814), proclamou sua independência de Portugal, ele-
gendo dom Pedro, filho do rei português, como imperador.
O descontentamento com as atuações do imperador leva algumas
províncias do norte à formação, em 2 de julho de 1824, da Confederação
do Equador, de orientação republicana; o movimento foi sufocado em 17
de setembro.
A província Cisplatina, também chamada Banda Oriental do Uruguai,
anexada ao Império em 1816, opõe-se a participar do Brasil e aspira pela in-
dependência. Por sua vez, as Províncias Unidas do Rio da Prata (Argentina) a
reclamava como parte da confederação.
Em 1825, estala a guerra entre Brasil e Argentina pela Banda Oriental
ou Uruguai, na qual o Brasil foi derrotado na batalha de Ituzaingo, em 20 de
fevereiro de 1827. Com a intervenção da Grã-Bretanha, o Uruguai tornou-
-se independente em 27 de agosto de 1828. A perda do Uruguai aumentou
a impopularidade do imperador. A oposição a Pedro I surge por causa das
tendências autocráticas, sua preferência por conselheiros portugueses e, so-
bretudo, pelo interesse mantido pelos assuntos de Portugal, querendo garan-
tir o trono português para sua filha Maria da Glória. Em 7 de abril de 1831,
enfrentando a oposição, Pedro I vê-se forçado a abdicar em favor de seu filho

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

de 5 anos, Pedro de Alcântara (Pedro II, 1825-1891). Durante o período de


regência domina a anarquia provocada pelas lutas entre facções e as revoltas
provincianas, sendo a mais perigosa o movimento separatista do Rio Grande
do Sul (1835-1845). Para antecipar o governo direto do monarca, Pedro II
recebeu a maioridade aos 15 anos, em 1840.
As revoltas provincianas cessaram e começou um período de ordem e
progresso, alternando-se o controle constitucional entre os partidos liberal
e conservador. Após 1850, deu-se grande avanço econômico. A agricultu-
ra, o comércio e a indústria desenvolveram-se; a ferrovia, impulsionada pelo
governo, aumentou de mil quilômetros em 1870 para 10 mil em 1889. A
produção de açúcar e café e a pecuária foram decisivas em várias províncias
brasileiras. A produção de borracha teve o seu auge na bacia do Amazonas de-
pois de 1880. Em 1850, estimava-se uma população de 8 milhões de pessoas,
incluindo 2,5 milhões de escravos. Em 1872, eram mais de 10 milhões, com
1,5 milhão de escravos. Em 1889, mais de 14 milhões. O movimento para a
emancipação dos escravos cresceu rapidamente a partir de 1850.
Em política exterior, o Brasil procurou estender sua influência a oeste
e sudoeste, intervindo nos assuntos do Uruguai e opondo-se à política do
presidente argentino, Rosas, ajudando a derrubá-lo.
Por volta de 1870, o republicanismo começa a crescer, originariamente
como movimento de intelectuais. Forma-se um partido republicano. A mo-
narquia foi-se enfraquecendo aos poucos por vários fatores: o descontenta-
mento do exército com a política pacificadora de Pedro II depois de 1870,
os atritos com o clero, a rápida expansão do sentimento republicano entre o
povo, a alienação dos aristocratas proprietários de terras por causa da eman-
cipação dos escravos, o desaparecimento virtual da autonomia das províncias
e a impopularidade do francês, Gastão de Orleans, conde d’Eu, esposo da
princesa Isabel, filha de Pedro II.
Em 1889, o exército, às ordens do general Manoel Deodoro da Fonseca,
levantou-se e depôs o Imperador em 15 de novembro. Imediatamente é pro-
clama a república e estabelece-se um governo provisório. Em 24 de fevereiro
1891, é proclamada uma nova constituição, estabelecendo uma república fe-
derativa, os Estados Unidos do Brasil, e uma dupla câmara de representantes.
O presidente seria eleito a cada quatro anos. A separação entre Igreja e Estado
é definitiva. Deodoro da Fonseca foi eleito presidente.
O funcionamento do governo da nação durante a república foi muito
difícil desde o início, por causa da grande taxa de analfabetismo (estimada
em 80% em 1910!). A inexperiência política e a intolerância, a ausência de

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Dom Bosco: história e carisma 3

autênticos partidos políticos e a tendência para um governo militar aumen-


taram as dificuldades.
Os salesianos fundaram sua primeira obra no Brasil, em Niterói, à frente
do Rio de Janeiro, em 1883.

Uruguai
Uruguai é o nome do grande rio que nasce no Brasil, corre de norte a
sul e une-se ao rio Paraná para formar o rio da Prata. A leste do rio Uruguai
e ao sul do Brasil há um território relativamente pequeno, a chamada Banda
ou margem Oriental. Esse território, atual Uruguai, ficou independente da
Espanha juntamente com o Paraguai e a Venezuela em 1811, mas continuou
a ser motivo de disputa entre Argentina e Brasil, até se tornar Estado inde-
pendente.
Em 27 de agosto de 1828, o Uruguai converte-se em Estado soberano
com o tratado que dá fim à guerra entre Brasil e Argentina sobre o status da
Banda Oriental. Redige-se uma constituição para a Banda Oriental do Uru-
guai, aprovada pelo Brasil e Argentina em 26 de maio de 1830.
Surgem algumas lutas entre facções e criam-se dois partidos, blancos e
colorados, encabeçados respectivamente por Manuel Oribe e Frutuoso Rivera.
Rosas, governador da Província de Buenos Aires e responsável pelas relações
exteriores das Províncias Unidas do Rio da Prata, para favorecer sua política,
apoia Oribe, enquanto Rivera recebe ajuda de forças francesas. Após a reti-
rada dos franceses em 1843, seguiu-se um acordo entre o cônsul francês e
Rosas. Oribe iniciou um assédio de oito anos à capital Montevidéu. Durante
o período do cerco do Rio da Prata, tropas francesas e inglesas ocupam terri-
tório uruguaio para controlar o argentino Rosas.
As contínuas desordens internas levam a uma prolongada guerra civil
entre o partido dos blancos com seu presidente Anastácio Aguirre e o governo
dos colorados, de Flores. Os blancos prevalecem. Quando o Brasil reclama pe-
las vexações sofridas por cidadãos brasileiros e Aguirre mostra-se intransigen-
te, chega-se a um acordo com Flores, e as forças brasileiras ocupam cidades
fronteiriças do Uruguai (1864-1865).
Em 1865, Flores ocupa Montevidéu e assume o governo. Dado que
Francisco Solano López, ditador do Paraguai, tinha relações com Aguirre,
estalou a guerra do Paraguai, em que o Uruguai, sob o governo colorado,
aliou-se ao Brasil e Argentina para aniquilar o Paraguai.
A guerra é seguida, nos anos 1870 a 1872, de um prolongado conflito
civil entre blancos e colorados, do qual estes últimos saem vitoriosos. Mas

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

as excessivas alternâncias de governo, embora estando sempre os colorados


no poder, demonstram a instabilidade política. Entretanto, dá-se um grande
avanço econômico. A agricultura desenvolveu-se enormemente, o comércio
cresceu e foi construída uma grande rede ferroviária. Puseram-se as bases do
sistema público de educação. A população, estimada em 70 mil pessoas em
1830 chegou a 224 mil em 1860 e a quase um milhão em 1900.
Em 1877, é fundada a primeira casa salesiana do Uruguai, na Villa Co-
lón (Montevidéu) e, no ano seguinte, nova fundação em Las Piedras, a noro-
este de Montevidéu.

O CATOLICISMO NA AMÉRICA LATINA NO


SÉCULO XIX71

Coexistiam no século XIX duas concepções opostas de Igreja e Socieda-


de. Uma propunha o absolutismo político; a outra defendia a soberania popular.
No final do século XVIII, o clérigo peruano Vicente Amil y Feijoo re-
compilou uma série de argumentos teológicos em defesa do absolutismo po-
lítico, convertendo-se assim no novo porta-voz de um dos aspectos mais tra-
dicionais do variado catolicismo da América hispânica: se o príncipe usa bem
ou mal o seu poder, esse poder é sempre dado por Deus... Mesmo quando o
seu governo é tão tirânico que deixa de ser príncipe e se converte em demô-
nio, mesmo assim... devemos ser fiéis, sem nos permitimos outro recurso que
pedir a Deus, Rei dos Reis, que nos ajude em nossas tribulações.
Grande parte do clero estava em desacordo com a doutrina autoritá-
ria, convencida de que a Igreja deveria ser um instrumento para proteger
os cidadãos contra os abusos políticos, sociais e econômicos. Os que defen-
diam esta ideia enfatizavam a importância da lei natural e sustentavam que
o verdadeiro papel da religião não era reforçar a autoridade política, mas
garantir os direitos dados por Deus a todos os indivíduos da sociedade. O
padre peruano Turíbio Rodríguez de Mendoza, na década de 1790, reformou
sub-repticiamente o currículo de um dos principais colégios de Lima, o Real
Convictorio de San Carlos, para que se insistisse na soberania popular e nos
direitos naturais da pessoa.
Desde os inícios do século XIX, encontram-se exemplos do conflito en-
tre as ideias dos padres Amil y Feijoo e Rodríguez de Mendoza em toda a

71
Cf. R. Aubert (ed.), The christian centuries. Vol. V. Nova York-Londres: Darton, Longman &
Todd, 1978, 321-329, 333-335.

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Dom Bosco: história e carisma 3

América do Sul. De fato, não é fácil determinar qual era a verdadeira natureza
do catolicismo na América hispânica.
Não se tratava de uma situação nova. Na América espanhola, como na
Pátria-Mãe, sempre houvera disputas sobre se o catolicismo devia servir como
instrumento de repressão, recalcando interpretações reducionistas do posi-
tivismo da lei divina em favor de uma elite privilegiada, ou como meio de
defender os direitos dos mais humildes, de acordo com os princípios da lei
natural e dos conceitos mais humanitários e liberais, que sempre foram asso-
ciados à fé. De modo que, nos inícios do período independentista, a Igreja
estava enfraquecida por uma séria dissensão interna.
Além disso, devia mover-se num contexto social e político que se tornara
decididamente hostil por causa do predomínio de sentimentos anticlericais.
A essência do anticlericalismo era uma atitude de desconfiança e também ani-
mosidade pela organização administrativa da Igreja e até do clero em geral.
Sugeriu-se que existisse na mentalidade crioula uma tendência a certas
crenças heréticas relacionadas com o quietismo, ou seja, a identificar a vonta-
de própria com a divina e questionar o valor da prática sacramental da Igreja
institucional e de seus ministros.
Aos problemas surgidos das divisões internas e do sentimento anticle-
rical imperante, logo se acrescentaram outros. A questão do favorecimento:
enquanto a independência era concretizada, surgia uma acalorada disputa
entre os capelães militares e os oficiais sobre o direito de conceder ou reco-
mendar alguém para um determinado cargo. A questão dos impostos: o clero
e os líderes políticos começaram a discutir sobre se os governos nacionais
deviam continuar com a tradição colonial de recolher dízimos para a Igreja. A
questão dos tribunais da Igreja e do privilégio de isenção judicial; autorizados
pelo foro eclesiástico dos tempos coloniais, eram atacados agora tanto por in-
telectuais como pelos burocratas do governo. Além disso, os vastos territórios
e riquezas da Igreja levantavam uma crescente crítica dos leigos e também de
alguns clérigos.
Os temas do favorecimento, dos impostos, dos tribunais eclesiásticos e
da propriedade da Igreja foram contestados intensamente em várias nações
europeias há séculos e, iniciado o século XIX, foram, em grande parte, re-
solvidos. No Brasil e na América hispânica, estas questões incômodas apare-
ceram pela primeira vez em 1800 e foram resolvidas no transcurso de várias
décadas violentas.
Depois de obter a independência, os políticos latino-americanos come-
çaram a olhar para a Europa a fim de inspirar-se em suas ideias. Encantados,

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

em geral, com os preceitos liberais do século XIX, foram particularmente


permeáveis aos aspectos anticlericais do liberalismo. Algum tempo depois,
particularmente no México, Chile, Brasil e em grau considerável na Argen-
tina, Venezuela e Peru, os intelectuais e os líderes políticos porfiaram-se com
as ideias positivas de Augusto Comte e, em nome do positivismo, atacaram
muitas das práticas e crenças do catolicismo.72
Em seguida, na medida em que o nacionalismo se fazia sempre mais re-
levante na América Latina, alguns de seus porta-vozes, que viam a necessida-
de de defender as tradições do passado colonial, denunciaram a Igreja como
instituição extranacional que, embora lhe fosse permitido existir nos novos
Estados nacionais, devia despojar-se de todo poder temporal. Além disso, nos
inícios do período independentista, a Igreja viu-se envolvida no problema de
identidade que assolava as novas repúblicas.
Muitos dos principais líderes intelectuais e políticos estavam preocu-
pados com o progresso e o desenvolvimento econômico; identificavam-se
com os valores que, segundo eles, os levariam a um rápido desenvolvimento.
Parecia-lhes primordial inculcar nos cidadãos os incentivos econômicos, os
instintos competitivos e as diretrizes capitalistas associadas à busca indivi-
dualista da riqueza. Outros, ao contrário, desejavam conservar a orientação
essencialmente medieval dos valores culturais, que foram uma característica
da era colonial. Questionavam a importância do desenvolvimento material
e procuravam mudar os incentivos do capitalismo individualista, mantendo
a primazia das recompensas espirituais, não as materiais, o coletivismo da
organização artesanal, os sistemas rurais e o latifúndio. Em grande parte,
embora não exclusivamente, os homens de Igreja pertenciam a este segundo
grupo. Os clérigos, em muitos casos, também garantiam que o individualis-
mo capitalista devia ser refutado, porque, numa análise de fundo, era fruto
do protestantismo, que exagerava a importância da consciência individual em
temas de religião.
No final do século, por toda a América Latina, com a sugestiva exceção da
Colômbia e parcialmente do Peru, a Igreja perdera a maioria das batalhas que
mantivera com os governos civis. Seu poder econômico e político, como tam-
bém sua influência nos âmbitos culturais e intelectuais, viram-se seriamente

72
Augusto Comte (1798-1857), filósofo e sociólogo, criador do positivismo, teoria que consi-
derava a teologia e a metafísica como formas imaturas e imperfeitas de conhecimento; o saber positivo
seria baseado nos fenômenos naturais, suas leis e relações como verificadas pelas ciências empíricas. Na
esfera sociopolítica, o positivismo afirmava que as leis são normas sociais, válidas quando promulgadas
pelo soberano ou quando derivadas logicamente de decisões preexistentes; a avaliação ideal ou moral,
ou seja, se uma lei é injusta, não deveria limitar sua finalidade ou sua aplicação.

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Dom Bosco: história e carisma 3

enfraquecidos; como instituição temporal, tinha mínima influência. Desalen-


tados diante da situação, os homens de Igreja costumavam atribuir o declínio
do poder e do prestígio da Igreja à instabilidade crônica e ao fermento revolu-
cionário que atormentavam as novas repúblicas.
Ainda em meados do século, boa parte das autoridades eclesiais e seus
partidários leigos insistiram que o catolicismo da era colonial constituía a
única tradição comum sobre a qual os latino-americanos poderiam construir
uma sociedade disciplinada, reiterando o aspecto autoritário do catolicismo
tradicional. Alguns, inclusive, arguiam que a função das classes inferiores era
servir às classes superiores, sem questionamentos.
Os que sustentavam tal postura jamais foram capazes de obter consenso
amplo que apoiasse sua visão da verdadeira tradição católica. Não foram nem
sequer capazes de tranquilizar os que, dentro da própria Igreja, como padre
Rodríguez de Mendoza, associavam a tradição católica à defesa dos direitos
de todas as pessoas e, especialmente, das que eram menos capacitadas para
defender seus próprios direitos. Os partidários dessa tradição eram herdeiros
espirituais de Bartolomeu de Las Casas, o dominicano espanhol protetor dos
índios, que sustentava a igualdade de todos.
Se os eclesiásticos que identificavam o aspecto autoritário e jerárquico
do catolicismo com a verdadeira tradição nacional se impuseram por longo
tempo sobre seus opositores na Igreja foi, sobretudo, porque sua visão refle-
tia a dos leigos que estavam no poder, embora estes fossem anticlericais e se
negassem a associar-se à Igreja como aliado político. A classe dirigente latino-
-americana atuava em geral para defender uma ordem política que insistia
na importância da autoridade e dos direitos das classes altas, assim como os
deveres e obrigações das classes baixas. Dada a rígida estrutura classista man-
tida durante séculos, os líderes políticos eram quase incapazes de imaginar
um tipo diferente de ordem social.
Apenas no final da década de 1850, começou a ganhar adeptos entre as
autoridades eclesiásticas a tendência do catolicismo que se referia à tradição
de Las Casas e que insistia na responsabilidade das classes altas e nos direitos
do povo. Isso aconteceu, em parte, porque os líderes civis, diante de novas
demandas sociais e econômicas, começaram então a descartar os valores aris-
tocráticos do século anterior. Viram-se obrigados a reconhecer a necessidade
de uma sociedade mais aberta e plural, ao mesmo tempo em que lutavam
pelo maior desenvolvimento político, pela modernização e a estabilidade.
A rivalidade entre as duas tradições católicas, a interação entre elas e os
valores predominantes na sociedade temporal determinaram enormemente o

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

curso do catolicismo latino-americano, tanto em seu desenvolvimento como


em sua relação com os órgãos políticos. O fato de os líderes eclesiásticos não
terem encontrado, no início de 1870, um termo médio entre as duas tradi-
ções, dificultou seriamente a tentativa de a Igreja aproveitar um ambiente
político que se tornara mais favorável.

A IGREJA E AS SOCIEDADES LATINO-AMERICANAS


NO FINAL DO SÉCULO XIX

Tendências conservadoras e liberais


Por aproximadamente vinte anos, depois da efetivação da indepen-
dência a partir de 1810, os liberais latino-americanos estavam preocupados
principalmente com considerações políticas. Opunham-se aos esquemas
monárquicos e favoreceram a extensão da participação política e a amplia-
ção do voto. Em geral, apoiavam o federalismo ao mesmo tempo em que
atacavam os males da autoridade centralizada; sustentavam, também, que
os grandes exércitos eram uma ameaça para as liberdades individuais. Os
liberais também acreditavam que a supremacia parlamentar poderia resolver
os problemas.
Entre a primeira geração de liberais podem-se contar muitos membros
do clero nativo; em alguns países eram, inclusive, a maioria. Estes sacerdotes
assimilaram as ideias do iluminismo durante seus anos de seminário, sem
ignorar por completo os temas teológicos. Alguns deles mantinham posições
jansenistas em questões como a interpretação da graça, ou favoreciam posi-
ções deístas, que não deixavam lugar à Providência nos assuntos humanos.
Além disso, muitos liberais acreditavam que seus respectivos países deviam
imitar o modelo dos Estados Unidos e adotar a tolerância religiosa e a sepa-
ração entre Igreja e Estado. Mesmo assim, a grande maioria dos primeiros
liberais latino-americanos, tanto clérigos quanto leigos, dava uma importân-
cia capital aos problemas políticos e econômicos, deixando de lado os temas
meramente religiosos.
Os conservadores latino-americanos, iniciado o período da indepen-
dência, estavam preocupados principalmente com os temas políticos e eco-
nômicos. Segundo seu modo de ver, conservadorismo significava essencial-
mente centralismo autoritário. O que implicava o governo de uma pequena
elite respaldada por um exército poderoso, o predomínio do poder executivo
sobre o legislativo e a proteção dos grupos privilegiados. No momento de
lutar para obter esse tipo de estrutura político-econômica, os conservadores

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Dom Bosco: história e carisma 3

não acreditavam ter qualquer afinidade com a Igreja; ao contrário, incomo-


davam-se por existirem líderes do clero com visão política liberal.
Nos primeiros anos depois da independência, os conservadores latino-
-americanos conseguiram, em geral, conter os principais ataques dos liberais.
Estes só conseguiram evitar o estabelecimento de governos monárquicos nos
novos Estados, exceto no Brasil, onde também fracassou a experiência imperial.

Os neoliberais e conservadores em conflito e a postura do clero


No final da década de 1830, surgira uma nova geração de liberais,
que ganhou força nos anos sucessivos. Animados pela Revolução Liberal na
Europa em 1848, serviram-se da convicção crescente entre os intelectuais
latino-americanos de que a corrente do futuro era o liberalismo. Em mea-
dos do século, os liberais puseram seus opositores na defensiva em muitas
repúblicas, exceto na América Central, onde os conservadores foram em
geral vencedores.
Nos dez ou vinte anos depois de 1848, o domínio político-social alternou
entre liberais e conservadores, com a consequente instabilidade política. Ainda
em meados da década de 1830, a alternativa liberal-conservadora assumira
um novo aspecto em muitos lugares. O clero começava a desertar das fileiras
liberais, desiludido em parte pelo contínuo caos político, que atribuíam a um
suposto relaxamento moral. Esperavam solucioná-lo com o governo autoritário
de líderes políticos dispostos a aceitar a orientação da Igreja.
Além disso, desde 1840, a América Latina começara a receber uma onda
de imigração clerical, devido à escassez de padres. Os clérigos estrangeiros
eram em geral mais bem formados; também devido às experiências vividas
na Europa, eram mais conservadores do que seus colegas nativos. Os padres
estrangeiros souberam ganhar sempre mais para a causa conservadora os na-
tivos, anteriormente liberais.
A postura conservadora adotada pelos homens de Igreja na América La-
tina pode ser entendida como reação às mudanças que uma nova geração de
intelectuais estava introduzindo no movimento liberal. Esses jovens começa-
vam a considerar como requisito prévio para a implantação de seu programa
a transformação da organização tradicional da Igreja e de seus ritos. Pareciam
convencidos de que os costumes democráticos nunca poderiam ser introduzi-
dos na política enquanto a poderosa e influente Igreja não tivesse liberalizado
sua própria estrutura. Em nome da igualdade de todos os cidadãos, os liberais
insistiam na abolição dos privilégios e imunidades da Igreja, que era a marca da
sua estrutura tradicional corporativista. Em nome da liberdade de pensamento

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

demandavam a liberação do exercício do ensino que a Igreja reclamava para si,


tanto em temas religiosos como profanos. Os neoliberais procuravam comple-
tar o controle absoluto da Igreja por parte do Estado. Até mesmo os liberais
afirmavam frequentemente que a riqueza e o poder temporal da Igreja eram
contrários aos primeiros ideais cristãos e, por isso, desejavam despojá-la de sua
riqueza para que não pudesse realizar suas tarefas benéfico-sociais. Segundo
a visão liberal, a beneficência encorajava a preguiça, impedia a expansão dos
valores competitivos do capitalismo entre as massas e, por isso, retardava o pro-
gresso econômico. Enfim, em nome do federalismo e da autonomia local, os
liberais exigiam que a Igreja se libertasse do controle centralizado exercido pelo
Vaticano. Alcançado este objetivo final, poderiam estimular o individualismo
no âmbito religioso e igualá-lo ao individualismo que procuravam introduzir
no âmbito temporal.
Os padres conservadores reagiram energicamente ao neoliberalismo,
que exigia reformas da estrutura interna da Igreja. Queriam que a sociedade
refletisse a organização tradicional da instituição eclesiástica, sublinhando a
ordem, a autoridade e a jerarquia. Enfrentavam os liberais, que percebiam
não poder existir uma nova sociedade enquanto a Igreja mantivesse sua posi-
ção rígida. Temiam, também, que a vida da Igreja fosse ameaçada.
Antes do final da década de 1840, o clero, em sua maioria, adotara uma
posição aceitável aos olhos da classe governante conservadora, que conside-
rava a geração anterior dos padres liberais como seus inimigos. Como con-
sequência, forjou-se uma aliança entre os líderes políticos conservadores e o
clero católico conservador. Ambos temiam e opunham-se às pretensões de
igualdade no âmbito político e por isso desconfiavam da classe média emer-
gente e enérgica.
Unidos, em meados do século XIX, na causa conservadora, os sacerdotes
e seus aliados civis defenderam a filosofia social do paternalismo. Sua crença
fundamental era que a ordem natural da sociedade consistia na existência
de uma classe baixa imóvel, permanentemente ocupada nas tarefas mais hu-
mildes. Essas pessoas não podiam aspirar à ascensão social, pois qualquer
tentativa sua ameaçaria a ordem jerárquica providencialmente estabelecida.
Opostamente, o sucesso social dos liberais latino-americanos foi dar às
classes baixas a possibilidade de ascender no status social. Na medida em que
o sistema desenhado por eles começasse a funcionar, já não seria necessário
que as classes altas precisassem tomar medidas especiais para proporcionar
conforto e segurança às massas; pois bem, as massas deveriam resolver seus
próprios problemas graças às medidas de desenvolvimento proporcionadas
pelos governos liberais.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Que um grande número de pessoas das classes baixas conseguisse me-


lhorar suas condições de vida convenceu os liberais de que já existiam opor-
tunidades suficientes. Conceder às classes baixas mais oportunidades seria,
em sua opinião, economicamente desaconselhado e moralmente injustifi-
cado. Os liberais, principalmente na medida em que iam aderindo a uma
das escolas do positivismo que floresciam na América Latina, sentiram-se
atraídos pela conveniência proporcionada por uma sociedade estratificada.
Começaram por negar às classes baixas a possibilidade de melhorar e, aos
poucos, tornaram-se indiferentes à hora de proporcionar-lhes oportunidades
de prosperidade. Os líderes políticos, do México à Argentina, consideravam
a população indígena de raça inferior e incapaz de melhorar a si mesma e
contribuir para o desenvolvimento de seus países.
Por outro lado, os conservadores começaram a questionar a viabilidade
da proteção paternalista a grupos que não conseguiam trazer benefícios eco-
nômicos. No final do século, parecia que a única diferença entre conservado-
res e liberais estava no poder temporal que se podia permitir à Igreja.
Como resultado da situação, o problema social começou a adquirir pro-
porções perigosas no final do século. Iniciado o século XX, as classes go-
vernantes, tanto conservadoras quanto liberais, precisaram ou buscar uma
solução ou enfrentar-se numa revolução inevitável.73

A Igreja católica e o Estado liberal na Argentina e Chile


No final do século XIX, a Igreja, no México e na América Central, fora
excluída da estrutura de poder de forma determinante. A situação na Argentina
e no Chile resultara de um processo mais pacífico do que em outras repúblicas.
A disputa entre liberais e conservadores surgira na Argentina durante a
década de 1820 quando Bernardino Rivadavia, governador da província de
Buenos Aires e futuro presidente da Argentina unificada, procurou abolir
os tribunais eclesiásticos, fundou uma sociedade beneficente para neutra-
lizar o monopólio exercido pela Igreja sobre essa atividade e esforçou-se
por criar um sistema educativo público estatal; e, ainda mais, chegou a
confiscar os bens eclesiásticos no estilo do que fora feito no tempo de Dom
Bosco no Piemonte.
73
Deve-se notar este aspecto porque é sintomático para entender muitas coisas que passaram
e passam na América ibérica, e não só ali, onde as classes populares continuaram a ser submetidas e
utilizadas de um lado e de outro. Assim, no século XX, as manifestações populares e politicamente
populistas voltaram a servir-se das classes populares, às quais se supõe deviam defender, até o ponto de
o melhor capital para os políticos liberais, conservadores, de direita ou de esquerda, serem os pobres e,
como capital, são manipulados politicamente. [Nota dos responsáveis da edição castelhana.]

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

Os esforços de Rivadavia foram, em grande medida, inúteis. Entre os


anos 1829 e 1851, a Igreja foi beneficiada com a atitude favorável de João
Manuel de Rosas, considerado pelos católicos conservadores da Argentina
como o continuador da idade de ouro que existira na época colonial, quando
a sociedade era estruturada sobre modelos jerárquicos e imbuída de princí-
pios católicos.
No início da década de 1860, cerca de dez anos depois da deposição de
Rosas, o liberalismo, com orientação claramente positivista, subiu ao poder
na Argentina. Estabeleceu-se um sistema educativo público que proibia o
ensino religioso. O anticlericalismo converteu-se em um dos poucos pontos
que uniam o aristocrático Partido Autonomista Nacional, dominante entre
1874 e 1916, com outros grupos políticos. Havia o consenso generalizado de
que se devia negar à Igreja um poder que impedia o progresso ao impor ao
poder temporal os seus valores supostamente arcaicos.
A supressão do poder temporal da Igreja contribuiu, sem dúvida, para
criar um clima intelectual que facilitou o extraordinário avanço econômico
da Argentina na década de 1880. Os líderes da nação, porém, não se preocu-
param em fazer reformas sociais; em parte, por causa do menosprezo racista
pela população mestiça das províncias do interior.
Como na Argentina, também no Chile, a Igreja católica, que fora insti-
tuição comparativamente fraca na época colonial, sofreu uma perda de poder
na segunda metade do século XIX. A confrontação entre a Igreja e o Estado
começou em 1845, quando Rafael Valentim Valdivieso y Zanartu tornou-
-se arcebispo de Santiago. Ele estava convencido de que não podia haver
acordo com o novo espírito secular e liberal de seu tempo. Com suas ações,
o arcebispo parecia indicar que buscava uma estrutura teocrática e que não
era partidário do equilibro de poder entre a Igreja e o Estado em relação aos
assuntos temporais. À medida que a situação política evoluía, o arcebispo
encontrava apoio numa nova força política, o incondicionalmente católico e
pró-clerical Partido Conservador; este partido proclamava que ser seu mem-
bro aproximava mais de Deus...
O arcebispo encontrou um rival implacável no presidente Manuel
Montt (1851-1861), que estava absolutamente decidido de que o Estado
era supremo em assuntos temporais e não devia, sob qualquer pretexto, ce-
der qualquer prerrogativa à Igreja. Com sua oposição ao arcebispo, Montt
afastou-se de muitos chilenos tradicionalistas e, indiretamente, deu asas aos
ideólogos do Partido Liberal, que aspiravam eliminar qualquer vestígio de
poder político da Igreja e alterar sua estrutura interna.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Na década de 1870, os liberais chilenos, aliados ao ainda mais anticleri-


cal Partido Radical, reduziram o Partido Conservador praticamente à impo-
tência política. Apesar de a Igreja recorrer à excomunhão em massa, a maioria
dos privilégios da Igreja foi eliminada. Já não havia tribunais exclusivamente
eclesiásticos, e o Estado já não recolhia dízimos para a Igreja; esta tampouco
exercia o monopólio dos cemitérios, da educação e do matrimônio. Os ecle-
siásticos protestaram em vão pelas influências heréticas e ímpias que, segundo
diziam, estavam destruindo as únicas tradições verdadeiras do país.
Como no restante da América Latina, o triunfo dos valores seculares e
anticlericais no Chile pode ter contribuído para criar um ambiente de opi-
nião que o levou a grande desenvolvimento econômico. Entretanto, durante
o processo, exacerbaram-se os problemas sociais. Milhares de camponeses
amontoaram-se nas principais cidades do país, durante a grande transforma-
ção demográfica do final do século XIX; viram-se privados das práticas pa-
ternalistas que, por vezes, mitigaram os rigores de suas vidas no campo. Nas
cidades, estavam sujeitos à exploração sem controle por parte do capitalismo
emergente que, levado pelos valores do liberalismo do laissez-faire, abdicava
de qualquer responsabilidade social.

Porto de La Boca (Buenos Aires), em 1879.

RECOMENDAÇÕES DE DOM BOSO AOS PRIMEIROS


MISSIONÁRIOS

Ao término da cerimônia de partida na igreja de Maria Auxiliadora em


11 de novembro de 1875, cada missionário que partia recebeu de Dom Bos-
co uma pequena lembrança com vinte conselhos:

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Presença salesiana na América do Sul. 1. Origem e primeiro desenvolvimento

1. Procurai almas e não dinheiro, honras, dignidades.


2. Usai de caridade e suma cortesia para com todos, mas evitai as conversas
e a familiaridade com pessoas de outro sexo ou de procedimento suspeito.
3. Não façais visitas a não ser por motivo de caridade e necessidade.
4. Nunca aceiteis convites para refeições senão por gravíssimos motivos. Nes-
ses casos, procurai ter um companheiro.
5. Cuidai de modo especial dos doentes, meninos, velhos e pobres, e ganhareis
as bênçãos de Deus e a benevolência dos homens.
6. Sede obsequiosos com todas as autoridades civis, religiosas, municipais e
governativas.
7. Encontrando na rua alguma pessoa de autoridade, cumprimentai-a res-
peitosamente.
8. O mesmo fareis com os eclesiásticos ou membros de institutos religiosos.
9. Fugi do ócio e das discussões. Grande sobriedade nos alimentos, nas bebi-
das e no repouso.
10. Amai, reverenciai, respeitai as outras ordens religiosas e falai sempre bem delas. É
esse o meio de vos fazerdes estimar por todos e promover o bem da Congregação.
11. Tende cuidado da vossa saúde. Trabalhai, mas não além do que comportam
as vossas forças.
12. Fazei que o mundo conheça que sois pobres, no vestuário, no alimento, na
habitação e sereis ricos diante de Deus, e conquistareis o coração dos homens.
13. Amai-vos, aconselhai-vos e corrigi-vos mutuamente, mas não haja nunca
entre vós inveja nem rancor; antes, o bem de um seja o bem de todos; as
penas e os sofrimentos de um considerem-se como penas e sofrimentos de
todos, e procure cada um afastá-los ou ao menos minorá-los.
14. Observai as vossas Regras e nunca vos esqueçais, do exercício mensal da
boa morte.
15. Cada manhã recomendai a Deus as ocupações do dia, especialmente as con-
fissões, aulas, catecismos e pregações.
16. Recomendai constantemente a devoção a Nossa Senhora Auxiliadora e a
Jesus Sacramentado.
17. Aos meninos recomendai a confissão e a comunhão frequentes.
18. Para cultivar as vocações eclesiásticas, inculcai: 1) amor à castidade; 2) hor-
ror ao vício oposto; 3) fuga dos maus; 4) comunhão frequente; 5) caridade
com sinais de bondade e especial benevolência.
19. Nas coisas contenciosas, antes de julgar, ouçam-se ambas as partes.
20. Nas fadigas e sofrimentos não nos esqueçamos de que nos aguarda um gran-
de prêmio no céu. Amém.

135

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Capítulo IV

PRESENÇA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL.


2. VOCAÇÃO MISSIONÁRIA DE DOM
BOSCO, TOMADA DE CONSCIÊNCIA E
OPÇÃO PELAS MISSÕES

Depois de narrar como Dom Bosco chegou à decisão de ir para a Amé-


rica do Sul e fundar a obra salesiana na Argentina e Uruguai, tendo como
destinatários prioritários os imigrantes italianos, ficou evidenciado que as
obras estabelecidas em Buenos Aires, Montevidéu e, depois, em Niterói
(Brasil) e Concepción (Chile) não eram diferentes das de Turim ou Gênova.
Em todas elas, com escolas ou paróquias, atendiam-se os pobres, imigrantes
em sua maioria.
Agora, para abordar a história dos inícios das missões salesianas propria-
mente ditas, ou seja, entre as tribos nativas de ameríndios, descreve-se o com-
promisso crescente de Dom Bosco com a ideia das missões e o início histórico
das missões salesianas, no contexto da fundação da obra salesiana (1880).

1. Vocação missionária de Dom Bosco e opção pelas


missões1
Em 1876, Dom Bosco contou a Pio IX um sonho que ele recordava
ter tido em 1871 ou 1872, no qual viu um grupo de salesianos missioná-
rios aproximando-se de alguns nativos e conquistando-os. Os sonhos não
acontecem num contexto psicológico ou social vazio; são expressões de uma
experiência pessoal e estimulada, com frequência, pelas preocupações de uma

1
A. Favale, Missioni cattoliche, 13-48; A. Martín, Origen de las misiones, 47-81.

136

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

pessoa num contexto específico. Os sonhos de Dom Bosco, com as necessida-


des, desejos e possibilidades que expressam, ocorrem também num contexto
determinado pela situação da sociedade e da Igreja. E, embora a consciência
missionária de Dom Bosco tivesse uma longa pré-história, chegou ao seu
clímax quando as mudanças na Igreja e na sociedade fizeram com que a par-
ticipação da Congregação Salesiana na atividade missionária se convertesse
em vocação.
A vocação missionária de Dom Bosco tem suas raízes em sua edu-
cação cristã; cresceu sem cessar e desenvolveu-se em profundidade até
frutificar no momento em que o espírito missionário ressurgia com força
na Igreja.

Contexto histórico
A tomada de consciência e a preocupação de Dom Bosco com as mis-
sões devem ser entendidas no contexto de ressurgimento na época em que
se despertava o interesse geral pela atividade missionária na Igreja. Depois
do revés na Revolução Francesa e como reação a ela, a Europa experimentou
um renascimento espiritual e religioso, favorecido também por ideais român-
ticos. O espírito liberal e anticlerical também estava se consolidando, espe-
cialmente entre a sempre mais numerosa classe média, e a Igreja conseguiu
reorganizar as estruturas para o cuidado pastoral dos fiéis e reabrir seminários.
A pregação e a instrução religiosa, meios de renovação espiritual, como os
Exercícios Espirituais e a imprensa católica reavivaram o espírito cristão com
sua poderosa inspiração missionária.
A contribuição das ordens e congregações religiosas, masculinas e femi-
ninas, de vida ativa e contemplativa, foi considerável; era inspirada na espi-
ritualidade missionária característica do século XIX e no fervor missionário
que frutificou no crescente número de pessoas que se somavam às fileiras dos
missionários que já estavam em ação.
É óbvio que o renovado interesse da Igreja não teria sido possível, se
os papas do período posterior a Napoleão e da época seguinte não tivessem
tomado a iniciativa. No século XIX, os passos mais decisivos foram dados
no pontificado de Leão XIII (1878-1903). Mas o movimento missionário já
tivera progressos significativos sob os papas Gregório XVI (1831-1846) e Pio
IX (1846-1878).
Entre outras conquistas, Gregório XVI atuou com firmeza para fazer a
transição entre a velha estrutura missionária do padroado e o novo sistema de
Igrejas locais e missões. Denunciou a escravidão e promoveu ativamente a sua

137

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Dom Bosco: história e carisma 3

abolição. Deu novas orientações à Congregação para a Propagação da Fé em


vista do governo das missões, a organização das igrejas locais, o recrutamento
de missionários e a fundação de seminários específicos para a formação de
missionários.2
Embora de maneira menos sistemática, Pio IX continuou o programa de
seu predecessor, acrescentando seu apoio incondicional a todas as iniciativas
missionárias. A estruturação oficial da Igreja nos países de missão durante seu
pontificado produziu muitos frutos. Apenas nos países não católicos, Pio IX
criou 33 vicariatos apostólicos, 15 prefeituras e 3 delegações.3

Comunidades religiosas e missões


Uma das mais fascinantes manifestações do ressurgimento missionário
na Igreja durante o século XIX foi a nova orientação missionária das ordens e
congregações religiosas, recentes e antigas. Comunidades religiosas já assenta-
das, como os padres da Missão de Paris, os padres da Missão (de São Vicente
de Paulo), os jesuítas, reestabelecidos recentemente, as ordens mendicantes e
os clérigos regulares enquanto muitas outras, umas 55, voltaram a assumir a
obra missionária com renovado vigor.
Contudo, durante os primeiros três quartos do século XIX, foram as
novas congregações que fizeram a diferença. As estatísticas, embora prova-
velmente incompletas, dão uma ideia do fenômeno. Nelas aparecem umas
90 congregações de homens, das quais dois terços eram clericais e um terço,
laicais, que tinham o apostolado missionário como fim principal ou secun-
dário. Nesse mesmo período foram fundadas, ao menos quatro vezes mais,
novas congregações de mulheres de vida apostólica, associadas a congregações
masculinas ou independentes delas.
Entre as congregações que mais puderam ter influenciado o pensamento
de Dom Bosco e suas decisões sobre as missões, devem-se mencionar estas:

Padres e Irmãos dos Sagrados Corações de Jesus e Maria (Picpus), fundados entre
1792 e 1817 por Pedro Maria José Coudrin (1768-1837) com a ajuda de
Henriqueta Aymer de la Chevalerie (1767-1837).

2
As declarações oficiais de Gregório XVI estão na encíclica Sollicitudo Omnium Ecclesiarum (18
de setembro de 1835), no breve Commissi Nobis (4 de agosto de 1835), na carta apostólica In Supremo
Apostolatus Fastigio (3 de dezembro de 1839) e na instrução à Congregação para a Propagação da Fé
Neminem Profecto (23 de novembro de 1845).
3
Pio IX também procurou reorganizar a Igreja em países católicos e não católicos considerados
como jurisdições missionárias naquele tempo. Nos Estados Unidos, erigiu 38 novas dioceses e 11 pro-
víncias eclesiásticas. Na Austrália, fundou uma província eclesiástica e 9 dioceses. Em 1850, organizou
a jerarquia católica na Inglaterra, com um arcebispo e 12 bispos.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Oblatos de Maria Imaculada, fundados em 1817-1826 por Carlos Eugênio


Mazenod (1772-1861).
Sociedade do Imaculado Coração de Maria, fundada por Francisco Maria Paulo
Libermann (1802-1852) em 1839-1840, unida em 1848 aos Padres Missioná-
rios do Espírito Santo.
Instituto para as Missões Estrangeiras de Milão, fundado em 1850 e unido em 1871
ao Pontifício Seminário de São Pedro e São Paulo para as missões estrangeiras, do
qual nasceu o Pontifício Instituto das Missões Estran­geiras (PIME, 1926).
Sociedade para as Missões Africanas, fundada em 1856 pelo bispo Melquior Maria
José de Marion-Brésillac (1813-1859).
Congregação do Imaculado Coração de Maria (Scheut), fundada em 1862 por Teó-
filo Verbist (1823-1868).
Padres Missionários e Irmãs Missionárias de Verona, fundados em 1867 pelo bispo
Daniel Comboni (1831-1881).
Sociedade de Missionários da África (padres brancos) e Irmãs Missionárias de Nossa
Senhora da África (irmãs brancas) fundados em 1868 e 1869, respectivamente,
pelo cardeal Carlos Marcial Allemand Lavigerie (1825-1892).

Visto o notável grupo de congregações de orientação missionária, com-


preende-se por que Dom Bosco decidiu lançar sua própria congregação, que
não fora fundada para as missões, na ação missionária. Além de estar vincu-
lado ao carisma salesiano de Dom Bosco e ser uma extensão natural do seu
apostolado específico, envolver-se no apostolado das missões estrangeiras era
o que devia fazer uma congregação religiosa no século XIX.

Primitiva consciência missionária de Dom Bosco


Ainda em 1844, quando estava para deixar o Colégio Eclesiástico,
depois de completar os cursos de moral e de teologia pastoral, Dom Bos-
co pensou em unir-se aos oblatos da Virgem Maria e ir para as missões.4
Foi padre Cafasso, seu diretor espiritual, quem tomou a decisão e tran-
quilizou-o.

As Memórias do Oratório não mencionam essa crise vocacional, mas as Memórias Biográficas
4

dão-lhe espaço considerável (MB I, 328s, 415s). A Congregação dos Oblatos de Maria foi fundada
pelo padre Pio Bruno Lanteri (1759-1830) junto com outros padres. Foi aprovada pela Igreja em 1825
e 1826. Em 1834, os oblatos tinham sede na igreja da Consolata, em Turim. Entre outros serviços,
ocupavam-se das missões em Burma (atual Mianmar), onde foi criado um vicariato apostólico em
1842. Dom Bosco estava familiarizado com os oblatos, cujo fundador fora um dos iniciadores do
Colégio Eclesiástico. Por isso, é lógico pensar que Dom Bosco estivesse sob a influência oblata durante
seus anos no Colégio Eclesiástico (1841-1844).

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Dom Bosco: história e carisma 3

As Memórias Biográficas documentam em várias passagens a crescente


consciência missionária de Dom Bosco. Sendo jovem sacerdote leu os Anais e
as Cartas edificantes.5 Segundo Lemoyne, em 1848, Dom Bosco falava sobre
a ideia de mandar missionários a regiões distantes, indicando a Patagônia e
a Terra do Fogo. Um dos meninos do Oratório, Tiago Bellia, trazia de sua
casa cópias dos Anais e os lia para Dom Bosco na hora da refeição. Certa vez,
Dom Bosco disse: “Oh! Se eu tivesse muitos padres e clérigos, eu os enviaria
para evangelizar a Patagônia e a Terra do Fogo! Sabes por que, amigo Bellia?
Advinha-o!”. “Talvez por ser onde há mais necessidade de missionários”,
responde Bellia. “Adivinhaste; porque esses povos foram até agora os mais
abandonados”.6 Em 1854, Dom Bosco teve uma premonição sobre a voca-
ção missionária do jovem João Cagliero, ao ver descer uma pomba sobre o
menino que, enfermo em sua cama, estava rodeado de um grupo de nativos.7
Dom Bosco estava em contato com pessoas consagradas e atividades
missionárias e com congregações religiosas, masculinas e femininas, que se
dedicavam às missões. A canonização por Pio IX dos primeiros mártires do
Japão, em 8 de junho de 1862, e a beatificação de outro grupo de 205 pes-
soas, em 29 de junho de 1867, em relação com o décimo oitavo centenário
do martírio de São Pedro, foi ocasião para promover o espírito missionário
no Oratório.
Nessa época, além do seu interesse pessoal e do compromisso com a
causa missionária, ele já estivera considerando a possibilidade de envolver a
Congregação Salesiana na obra missionária.

Influências decisivas
Combonianos e Padres Brancos foram, possivelmente, os grupos religiosos
mais inovadores entre as novas forças no campo da missão na África. Seus
fundadores, respectivamente, o bispo dom Comboni e o cardeal Lavigerie,
foram sem dúvida os missionários mais eminentes do século.8 Eles também
5
Os Anais e as Cartas edificantes eram publicações da Sociedade para a Propagação da Fé e da
Pontifícia Obra da Santa Infância, ambas fundadas em Lyon; a primeira, por Pauline Jaricot (1799-
1862) com o bispo Charles de Forbin-Janson (1785-1844), em 1822; a segunda, pelo mesmo Forbin-
-Janson, em 1842. Cf. New Catholic Encyclopedia, “The Catholic University of America”. McGrill,
1967, V, 1001-1003; VII, 857-858.
6
MB III, 362s.
7
Cf. MB V, 105.
8
São Daniel Comboni (1831-1881) estudou línguas, medicina e teologia com a finalidade de
trabalhar pela evangelização da África. Uma vez ordenado padre, trabalhou como missionário no Nilo
Branco (1857); para essa missão, fundou os padres e as irmãs missionários de Verona (1867). Fun-
daram-se missões no Sudão e um seminário para a formação do clero nativo no Cairo, Egito (1867).

140

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

foram os inspiradores mais diretos de Dom Bosco em sua opção missionária,


mesmo se esta não se voltasse para a África.
Em 4 de dezembro de 1864, padre Daniel Comboni visitou o Orató-
rio para conversar com Dom Bosco sobre as missões. Estivera há pouco em
Roma, tendo apresentado ao Papa um projeto para a evangelização da África,
segundo o princípio de que a África devia ser evangelizada pelos africanos.
Sem dúvida, a conversa durante a visita tratou desse projeto; os dois, prova-
velmente, trocaram opiniões sobre estratégias missionárias. Dom Bosco, mais
adiante, estabeleceria uma estratégia semelhante para suas missões; estratégia,
porém, em que os jovens ocupavam um papel preponderante. Dom Bosco
pediu a Comboni que falasse sobre as missões para os meninos, o que foi
feito com grande sucesso.9 Em cartas datadas em setembro de 1869 e julho
de 1870, Comboni expôs a Dom Bosco um esquema audacioso para estabe-
lecer a obra salesiana na África.10 A segunda carta indica que, de fato, tinham
falado sobre a estratégia. Suas ideias coincidiam em muitos aspectos, embora
em ocasião posterior, Dom Bosco tenha se mostrado crítico com o estilo
missionário comboniano.11
Carlos Lavigerie também estava familiarizado com Dom Bosco e seu
trabalho. Nos anos 1868-1870 pediu-lhe repetidamente missionários salesia-
nos para colaborar no norte da África e no Sudão, onde era delegado apostó-
lico; pedido que Dom Bosco não pode atender naquele momento. Pediu-lhe,
também, que aceitasse alguns órfãos argelinos, o que Dom Bosco fez de bom
grado.12 O cardeal e Dom Bosco encontraram-se novamente em Paris em
1883. Nessa ocasião, numa breve menção, referiu-se a Dom Bosco como “o
São Vicente de Paulo da Itália”.13 O cardeal Lavigerie visitou novamente o

Comboni foi nomeado pró-vigário apostólico da África Central (1872) e, mais tarde, vigário (1877).
Foi pioneiro na introdução de novos métodos de evangelização; escreveu contra a escravidão, traba-
lhando ativamente pela sua abolição. Como linguista, geógrafo e etnólogo, trabalhou no campo das
línguas e das culturas africanas. Foi canonizado em 1996.
Carlos Lavigerie (1825-1892), catedrático de História da Igreja na Sorbona em 1857, tornou-
-se auditor da Rota Romana em 1861. Em 1863, foi nomeado bispo de Nancy e, em 1867, de Argel.
Depois de ser designado delegado apostólico para o Saara Ocidental e o Sudão em 1868, fundou duas
congregações missionárias para a África. Em 1882, foi nomeado cardeal arcebispo de Cartago. A partir
desse posto, converteu-se em importante força na implantação das diretrizes missionárias do papa Leão
XIII, especialmente no que se refere a potenciar o desenvolvimento dos povos nativos, com ênfase
especial na proteção da gente de raça negra e na abolição da escravidão.
9
Cf. MB XIV, 498.
10
Cf. MB IX, 711s, 889.
11
Cf. MB XII, 221s.
12
Cf. MB IX, 939; 656; XI, 423.
13
Cf. MB XVI, 252s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Oratório em 1885, com outro pedido de missionários salesianos para a Áfri-


ca, mas também desta vez o seu apelo não pôde ser satisfeito.14

A atmosfera missionária que rodeou o Vaticano I


Apesar de Pio IX não dar novos passos em sua estratégia missionária, mas
ter continuado fielmente a política de seu predecessor, o movimento missio-
nário alcançou grande impulso na época do Concílio Vaticano I (1869-1870).
O concílio foi obrigado a abordar esta questão decisiva. Durante sua prepa-
ração foi debatida a participação dos vigários apostólicos, que acabou por se-
rem aceitos, caso contrário, a África, Ásia e Oceania não seriam representadas.
Além dos temas jurídicos da vocação missionária da Igreja e seu fundamento
teológico, era preciso rever a atividade missionária. Os bispos missionários
submeteram várias propostas à consideração. Dom Comboni, alinhado com
seu projeto de evangelização, elaborou uma proposta sobre a defesa e pro-
moção do povo de raça negra em sua região missionária, que foi apresentada
em junho de 1870 e confirmada pela assinatura de 70 padres conciliares. Foi
quando escreveu a segunda carta a Dom Bosco, acima mencionada.

Dom Daniel Comboni (1831-1881), bispo e fundador.

14
Cf. MB XVII, 473s.

142

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

O Schema Constitutionis Super Missionibus Apostolicis, é certo, não con-


seguiu abordar em muitos aspectos novas estratégias teológicas relativas às
missões.15 Todavia, os numerosos bispos “missionários” participantes, cerca
de 180, fizeram muito, apenas com sua presença, para o avanço da causa
missionária. Eles reforçaram a consciência missionária do clero e do laicato,
mobilizaram apoios financeiros e espirituais e recrutaram pessoal, especial-
mente das congregações religiosas.
Durante as primeiras etapas do Concílio e depois da sua interrupção,
Dom Bosco pôde conhecer muitos bispos missionários e ouvir seus pedidos.
No período de sua permanência em Roma, entre 24 de janeiro e 22 de feve-
reiro, quando fez campanha ativa em favor da infalibilidade do Papa, con-
versou com alguns bispos que ouviram falar elogiosamente da Congregação
Salesiana nas sessões conciliares. Depois do Concílio, alguns bispos visitaram
o Oratório, entre outros, dois da China, para solicitar missionários.16 Come-
çaram a chegar pedidos de várias partes do mundo.17

O (primeiro) sonho missionário (1871-1872)


O primeiro sonho missionário de Dom Bosco enquadra-se neste ambien-
te geral. Mas os contatos com os missionários e os apelos dos bispos missioná-
rios, durante e depois do Vaticano I, proporcionaram um estímulo imediato.

Fontes e notícias
Segundo o próprio Dom Bosco, como aparece nas fontes, este sonho
missionário, conhecido a posteriori como Sonho das missões da Patagônia, se
deu em 1871 ou 1872. Dom Bosco tentara identificar no sonho a terra e
o povo que via, mas não foi capaz de fazê-lo. Só depois de receber a oferta

15
Para uma breve, mas detalhada, apresentação de como o Vaticano I tratou do tema missioná-
rio, ver A. Favale, Missioni cattoliche, 29-44. O esquema nunca foi discutido por causa da interrupção
do Concílio provocada pela ocupação de Roma pelo Exército italiano. Visto com o olhar de hoje, pare-
ce retrógrado tanto em teoria missionária, quanto em estratégia, especialmente em sua atitude negativa
em relação à formação do clero nativo.
16
Cf. MB IX, 890s. Foi então, que o bispo José Sadoc Alemany, de São Francisco (EUA), so-
licitou salesianos para cuidar do orfanato de São Vicente em San Rafael, Califórnia, com uma carta
datada em 20 de julho de 1870; mais tarde, em sua visita a Turim, Dom Bosco aceitou o apelo. Mas as
negociações posteriores não levaram a qualquer resultado prático. Para mais detalhes, cf. M. Ribotta,
“The road not taken”, JSS 1:2 (1990), 45-67, principalmente 54-60. Para a história da presença dos
salesianos em São Francisco, cf. F. Motto, Vita e azione della parrocchia nazionale salesiana dei SS.
Pietro e Paolo a San Francisco. Roma: LAS, 2010.
17
Cf. P. Stella, Vita, 167-186.

143

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Dom Bosco: história e carisma 3

argentina em 1874, ele interpretou como referência à Patagônia. Em feve-


reiro-março de 1875, Dom Bosco, que estava em Roma, foi recebido por
Pio IX. Nessa ocasião deve ter falado com o Papa sobre a missão argentina,
embora não haja registro disso; o certo é que não falou do sonho,18 que
contou pela primeira vez em março do ano seguinte, 1876, e mais tarde fez
o mesmo com alguns salesianos. Ou seja, isso aconteceu ao menos quatro
anos depois de ter tido o sonho e alguns meses depois da ida dos primeiros
missionários à Argentina.
O relato do sonho chegou até nós, segundo a narração de primeira mão
do padre Júlio Barberis, que a introduz da seguinte forma:

Eis o sonho que fez Dom Bosco decidir o início do apostolado missionário
na Patagônia. Contou-o pela primeira vez a Pio IX na recente viagem feita a
Roma [antes de 31 de julho de 1876] e, depois, [contou-o] a alguns de nós. Em
30 de julho [falou dele] ao padre Bodrato. Eu também o ouvi dele na noite
desse mesmo dia em Lanzo, onde fora passar uns vinte dias de férias com
metade dos noviços clérigos. Três dias depois, já de volta a Turim, Dom Bosco
contou-o para mim, enquanto caminhávamos pela biblioteca. Tive o cuidado
de não mencionar que já o tinha ouvido, porque Dom Bosco normalmente
omitia um detalhe ou outro [na primeira narração]; e também porque, ou-
vido de seus próprios lábios, causava maior impressão sobre mim. Disse-nos
que éramos os primeiros a escutá-lo.19

Oferecemos, em seguida, uma breve descrição das crônicas e da tradição


do texto do relato: as crônicas de Barberis e de Lemoyne, e sua edição nos
Documenti e nas Memórias Biográficas.

O relato de Barberis
A crônica de Barberis é a fonte primária; assim o considerava padre
Lemoyne. Em ASC está na coleção de sonhos do padre Lemoyne. O ma-
nuscrito não se apresenta nem com a caligrafia de Barberis nem com a de
Lemoyne; parece ser uma cópia feita do rascunho original de Barberis e
inserida por Lemoyne em seu arquivo pessoal. Lemoyne começou sua edi-
ção tendo por base este manuscrito. Manteve a data original e a referência a

Não se faz qualquer menção a missões ou sonhos em MB XI, 99s.


18

Padre Barberis estava sozinho com Dom Bosco. Mas a afirmação de Dom Bosco pode fazer
19

referência também ao padre Bodrato, que fora o primeiro a ouvir o sonho, e talvez a Lemoyne, que nos
Documenti afirma ter ouvido o sonho do próprio Dom Bosco.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Barberis, mas omitiu o título original. Fez algumas correções no texto e in-
troduziu algumas notas marginais apenas no primeiro e segundo parágrafo.
Mais adiante inseriu simplesmente barras de edição ( // ) nos lugares onde
pensava fazer mais correções.20

O relato de Lemoyne
Lemoyne afirma nos Documenti ter feito um rascunho da narração di-
reta que Dom Bosco lhe fizera em momento não especificado. O relato de
Lemoyne apresenta-se com sua caligrafia. A única adição marginal, também
de Lemoyne, está no início. As barras de edição em diversos pontos do texto
indicam os lugares correspondentes no relato de Barberis, onde se deveria
elaborar a impressão para que resultasse um texto unificado para os Docu-
menti.21 Diversamente do texto de Barberis, Lemoyne não faz uma introdu-
ção e tampouco afirma que seja narração de primeira mão. Foi redigida em
terceira pessoa.22

Textos nos Documenti e nas Memórias Biográficas


Lemoyne, enfim, seguindo seu método habitual, edita as duas crônicas
nos Documenti convertendo-as numa única narração com alguns acréscimos.
É o texto transcrito por Amadei nas Memórias Biográficas,23 com algumas
modificações secundárias.

20
A crônica Barberis está em ASC A017: Sogni, Lemoyne, “31 de julho de 1876, sonho”: FDB
1314 D1-4. Não se detecta a caligrafia de Barberis; não está onde se esperaria encontrá-la, principal-
mente em ASC A000: Cronachette, Barberis, caderno 8, onde faltam páginas, embora o sonho figure
no Índice desse caderno (cf. FDB 843 E9 e 844 A3 e 5).
21
A crônica Lemoyne está em ASC A017: Sogni, Lemoyne, “1874? Le missioni: sogno”: FDB
1314 A8-11.
22
É a única vez nos Documenti que Lemoyne alega ter escutado o sonho e escrito uma crônica
de primeira mão. No final da introdução de Barberis, que transcreve nos Documentos, Lemoyne insere
estas palavras: “Padre Lemoyne também foi confidente deste segredo: ele e o padre Barberis escreveram
crônicas diferentes deste sonho”. Conclui adaptando as palavras finais de Barberis: “Dom Bosco disse
que nós éramos os primeiros a conhecer esta espécie de visão” (Documenti XIV, 140: FDB 1024 B8).
23
Documenti XIV (c. 28), 140-143 em ASC A063: Cronachette, Lemoyne: FDB 1024 B8-11.
A. Amadei em MB X, 53s (texto do sonho); 1267s (tentativas de Dom Bosco para identificar o povo
e a região do sonho).

145

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Dom Bosco: história e carisma 3

Texto do sonho24
Crônica de Barberis Crônica de Lemoyne Documenti de Lemoyne

31 de julho de 1876 1874 ? Capítulo XVIII

Sonho de Dom Bosco sobre as As missões: um sonho de Sonho de Dom Bosco sobre as
missões na Patagônia Dom Bosco missões na Patagônia

[Introdução do cronista]
[Introdução de Barberis]
Eis aqui o sonho pelo qual Dom
Eis aqui o sonho que levou Dom Bosco decidiu ir às missões na
Bosco a iniciar o apostolado mis- Patagônia. Primeiro, contou-
sionário na Patagônia. Contou-o -o ao Papa numa viagem que
pela primeira vez a Pio IX na re- fez a Roma (em 1876). Depois
cente viagem que fez a Roma (antes [contou-o] a alguns de seus pa-
de 31 de julho de 1876) e, depois, dres. Em 30 de julho de 1876
[contou-o] a alguns de nós. Em 30 [contou-o] ao padre Bodrato.
de julho [contou-o] ao padre Bo- Padre Júlio Barberis escutou-o
drato. Eu também o ouvi dele na de sua boca na noite desse mes-
noite do mesmo dia em Lanzo, mo dia em Lanzo, onde estivera
onde fora passar uns 20 dias de fé- de férias durante vinte dias com
rias com metade dos noviços cléri- metade dos noviços clérigos.
gos. Três dias depois, Dom Bosco Três dias mais tarde, em Turim,
contou-o a mim, já de volta a Tu- padre Barberis escutou o mesmo
rim, enquanto caminhávamos pela sonho dos lábios de Dom Bos-
biblioteca. Cuidei de não mencio- co enquanto caminhavam pela
nar que já o ouvira, porque Dom biblioteca; padre Barberis pro-
Bosco normalmente omitia um curou não mencionar que já o
detalhe ou outro [numa primeira tinha escutado, porque algumas
narração]; e também porque, ou- vezes Dom Bosco acrescentava
vido de seus próprios lábios, fazia detalhes omitidos em narrações
maior impressão em mim. Disse- anteriores. Padre Lemoyne tam-
-nos que éramos os primeiros a bém foi confidente deste segredo
escutá-lo. e ele e o padre Barberis fizeram
crônicas diferentes deste sonho.
Dom Bosco disse que éramos os
primeiros a conhecer esta “espé-
cie de visão”. Transcrevemos suas
palavras quase ao pé da letra.

24
As notas marginais de Lemoyne estão no texto em cursivo. As barras do editor Lemoyne (//) que apa-
recem em vários pontos indicam os lugares onde devia fazer o trabalho editorial. As palavras introduzidas no
relato de Barberis fazem parte do trabalho editorial de Lemoyne. Onde a fonte diz selvaggi, traduz-se por selva-
gens; onde diz indigeni, traduz-se por indígenas e onde diz barbari, por bárbaros. Estes termos, porém, devem
ser lidos no sentido que se lhes dá na literatura romântica, especialmente nas revistas missionárias da época.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

[Cenário do sonho] [Cenário do sonho] [Cenário do sonho]

Parecia-me estar numa região sel- Parecia estar numa imensa Pareceu-me encontrar-me
vagem e completamente desco- planície em que não se viam numa região selvagem e com-
nhecida [para mim]. // Era uma nem colinas nem montanhas. pletamente desconhecida [para
imensa e deserta planície em que Não era cultivada. Hordas de mim]. Era uma imensa e erma
não se viam nem colinas nem homens vagavam por ali [por planície em que não se viam
montanhas. Em seu extremo mais essa planície]. Estavam quase nem colinas nem montanhas.
distante, quase fora do alcance do nus; seus cabelos eram lon- Em seu extremo mais distan-
olho humano, [a planície] era to- gos e de seus ombros caíam te, porém, podiam-se ver picos
talmente rodeada de montanhas longas capas feitas de peles escarpados que a rodeavam
escarpadas que formavam uma co- de animais. Estavam armados completamente, formando uma
roa de cada lado dela. Na planície com lanças. // coroa de cada lado. Errando
vi dois grupos hordas de homens Esses vários grupos de ho- por essa planície, vi hordas de
// errantes. Estavam quase nus, e mens apresentavam várias homens. Estavam quase nus, de
eram de altura e compleição extra- cenas para o observador: altura e compleição extraordi-
ordinárias, olhar feroz, com cabe- alguns caçavam animais sel- nárias, com olhar feroz, com ca-
los longos e descuidados, // bron- vagens; alguns [outros] cami- belo longo e descuidado, bron-
zeados e de compleição escura, e nhavam com pedaços de car- zeados e de pele escura, como
vestidos tão somente suas únicas ne sangrando espetados nas única roupa umas longas capas
roupas eram grandes capas que ca- pontas de suas lanças; outros que caíam de seus ombros. Por
íam de seus ombros e eram feitas lutavam entre si; [mas] ou- armas, tinham uma espécie de
de peles de animais. Por armas, le- tros estavam lutando contra longa lança e uma funda (la-
vavam uma espécie de lança longa soldados vestidos à maneira ços). Estas hordas dispersas
e uma funda. // europeia; o chão estava cheio apresentavam várias cenas ao es-
de cadáveres. pectador. Alguns corriam atrás
de animais selvagens, enquanto
outros caminhavam com pe-
daços de carne sangrando nas
pontas de suas lanças. De um
lado, alguns lutavam entre si,
enquanto de outro, outros es-
tavam envolvidos num comba-
te corpo a corpo com soldados
vestidos à maneira europeia; o
chão estava cheio de cadáveres.

[Cena I] [Cena I] Cena I]

Apareceu, então, à vista, um gran- Dom Bosco tremeu diante Tremi diante desta visão quan-
de número de indivíduos cuja ma- dessa visão quando, de re- do, no outro extremo da pla-
neira de agir os apontava como pente, alguns missionários nície, apareceram numerosas
missionários de várias ordens [reli- apareceram do outro extremo pessoas cujas roupas e modo
giosas]. Aproximaram-se [dos indí- da planície. // Olhou-os fixa- de atuar os identificava como
genas] para pregar-lhes a fé de Jesus mente, mas não reconheceu missionários pertencentes a vá-
Cristo. ninguém. rias ordens [religiosas]. Aproxi-
mavam-se desses bárbaros para
pregar a religião de Jesus Cristo.

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Dom Bosco: história e carisma 3

[os indígenas] com fúria diabólica Caminharam até os selva- [Olhei-os atentamente, mas não
e com cruel exultação mataram to- gens, mas tão logo estes bár- reconheci nenhum deles. Ca-
dos eles, partindo-os em pedaços baros os viram, lançaram- minharam até os selvagens, mas
que espetaram em suas longas afia- -se sobre eles e os mataram tão logo os bárbaros os viram,
das lanças. De tempos em tempos cruelmente cortando-os em lançaram-se sobre eles e, com
volta a estalar a luta entre eles, e pedaços. fúria diabólica e cruel exultação,
entre eles e as tribos vizinhas. // Em seguida, a luta continuou mataram todos eles. Sacrifica-
como antes. // ram-nos com crueldade, par-
tindo-os em pedaços e espetan-
do pedaços de carne com suas
longas e afiadas lanças. Algum
tempo depois, retomaram a luta
entre si e com os povos vizinhos.
[Cena II] [Cena II] [Cena II]

Depois de observar essas horríveis Então, ao longe, apareceram, Depois de ter observado a terrí-
matanças durante algum tempo, outros missionários. Dom vel carnificina por algum tempo,
perguntei-me: “Como será possí- Bosco olhou-os com atenção perguntei-me: “Como é possível
vel converter esta gente tão agres- e reconheceu-os. Eram pa- converter essa gente tão agressi-
siva?”. Nesse momento, vi um dres e clérigos de nossa Con- va?”. Nesse momento, vi à distân-
pequeno grupo de missionários, gregação. Conhecia os que cia um pequeno grupo de missio-
diferentes dos anteriores, avançan- iam à frente, mas a muitos nários, diferentes dos anteriores,
do com semblante alegre até eles, outros que vinham depois, avançando com semblante alegre
com uma banda de jovenzinhos à obviamente não os conhe- até os selvagens, precedidos por
sua frente. Mas comecei a tremer cia em absoluto. Avançavam uma banda de jovenzinhos. Mas
diante do simples pensamento de até as hordas de selvagens. comecei a tremer enquanto pen-
que iriam matá-los. Caminhei // Dom Bosco estava assustado. sava: “Irão matá-los”. Aproximei-
até eles. Não reconheci ninguém, Queria detê-los. Temia que -me deles; eram clérigos e padres.
mas sabia que eram salesianos mis- a qualquer momento encon- Olhei-os atentamente e reconheci
sionários, os nossos. “Como pode trassem o mesmo destino que nossos salesianos. Identifiquei os
ser isso?” [perguntei-me]. Não os missionários anteriores. // que caminhavam à frente, e em-
bora não sabendo quem eram os
queria que fossem mais adiante, e Os salesianos avançavam até
muitos que os seguiam, percebi
estava a ponto de detê-los e forçá- à multidão de selvagens re-
que também eles eram salesianos
-los a voltar, quando percebi que zando o rosário em voz alta.
missionários. “Como pode ser
sua chegada causava alegria geral Enquanto isso, os selvagens
isso?”, perguntei-me. Não queria
entre os bárbaros. Baixaram suas tinham-se reunido de todas que avançassem mais, e estive a
armas, abandonaram o seu com- as partes, rodeando os mis- ponto de detê-los. Temia que en-
portamento selvagem e receberam sionários à medida que avan- contrassem a qualquer momento
nossos missionários muito amavel- çavam. // o mesmo destino dos primeiros
mente. missionários. Tentava fazê-los re-
troceder quando percebi que sua
chegada estava causando alegria
geral entre os bárbaros. Baixaram
suas armas, abandonaram seu
comportamento selvagem e rece-
beram nossos missionários muito
amavelmente.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

[Cena III] [Cena III] [Cena III]

Murmurei com total assombro: Os salesianos estavam em pé Murmurei com total assombro:
“Vejamos como isso vai acabar”. em meio à multidão que os “Vejamos como isso vai acabar”.
Vi depois que nossos missionários rodeava, e se ajoelharam. Os Vi depois que nossos missioná-
ensinavam a [os indígenas], e que selvagens deixaram suas ar- rios avançavam até as hordas de
estes prestavam muita atenção e mas aos pés dos missionários selvagens. [Nossos missionários]
aprendiam. [Os missionários] re- e também se ajoelharam. ensinavam [aos indígenas] que
preendiam-nos, e eles punham as lhes prestavam toda atenção e
normas em prática. // Observei-os aprendiam diligentemente. [Os
missionários] admoestavam-
por algum tempo, e depois perce-
-nos, e aceitavam as repreensões
bi que estavam recitando o rosário,
e as punham em prática. Vi-os e
missionários e selvagens, em paz, percebi que os missionários esta-
todos juntos. // vam rezando o santo rosário. Os
selvagens, contudo, chegaram
de todas as direções e, rodeando
os missionários enquanto estes
passavam, respondiam todos
juntos à oração.
[Conclusão do sonho] [Conclusão do sonho] [Conclusão do sonho]

Depois de algum tempo, um dos Então, selvagens e missioná- Depois de algum tempo, os sa-
missionários entoou [o hino] Lou- rios uniram-se num canto sa- lesianos puseram-se em meio à
vor a Maria, e todos esses homens grado: “Louvor a Maria”. multidão e ajoelharam-se. Os
cantaram a canção em uníssono e selvagens deixaram suas armas
com tal força, que despertei em so- aos pés dos missionários e tam-
bém se ajoelharam. De repente,
bressalto.
um dos salesianos entoou [o
hino] Louvor a Maria, e todas
essas gargantas entoaram a can-
ção em uníssono com tanta for-
ça, que despertei em sobressalto.
[Conclusão e comentário de Dom [Conclusão] [Conclusão e comentário de
Bosco] Dom Bosco]

Tive esse sonho há quatro ou cinco Este sonho deixou uma pro- Tive este sonho há quatro ou
anos, // mas não dei muita atenção funda impressão em Dom cinco anos (disse estas palavras
[nesse momento], especialmente Bosco, que o considerou em 1876), que deixou uma forte
porque fui incapaz de averiguar como uma mensagem do céu. impressão em mim, pois o con-
que povos eram os indicados a par- É verdade que lhe escapava sidero uma mensagem do céu. É
tir das características que observara seu significado específico, mas verdade, seu significado concre-
nesses selvagens. sabia que tinha a ver com as to me escapa, mas entendo que
missões estrangeiras que, nesse tenha algo a ver com as missões
tempo todo, foram o seu so- estrangeiras, um projeto que é,
nho mais querido. desde há algum tempo, meu so-
nho mais querido.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Primeiro, pensei que eram africa- // Não tomara qualquer de- Ao despertar deste sonho, senti
nos // da região das missões de dom cisão a respeito porque, ao como meu velho coração batia
Comboni.25 Depois, como estava em abordar o tema com Pio IX, o de novo e voltava à vida. Mas
negociações com dom Raimondi, papa da Imaculada Conceição não pude fazer muito, especial-
para as missões em Hong Kong,26 // lhe dissera: “Ainda não. Espe- mente porque era incapaz de
pensei que podiam ser esses indíge- ra primeiro que tua obra este- averiguar que povos eram os in-
nas; mas depois de investigar, soube ja suficientemente assentada dicados a partir das característi-
que nem a região nem os habitantes cas que observara nos selvagens.
na Itália; quando chegar a tua
se encaixavam com o que eu vira [no
sonho]. Algum tempo depois tivemos hora, far-te-ei saber”.
a visita do arcebispo Quinn, da Aus-
trália [sic],27 e fiz-lhe perguntas sobre Ao despertar deste sonho,
a condição e o caráter dos selvagens Dom Bosco sentiu seu velho
dali; mas, novamente, disse-me que coração renascer para a vida.
não coincidiam com o que eu vira. As missões são agora uma
E mesmo assim, a impressão que o prioridade em sua mente.28
sonho causara em mim e o pressenti-
mento que me deixara eram tais que
não podia deixá-los passar; especial-
mente desde que, como a experiência
me ensinara o que tinha visto poderia
muito bem ocorrer. Enquanto isso,
começamos a falar da República da
Argentina e [a discutir] as propostas
para [fundar] obras em Buenos Aires
e San Nicolás através do cônsul ar-
gentino. Reuni dados, fiz as pesqui-
sas adequadas e solicitei informação.
Cheguei rapidamente à conclusão de
que o povo que eu vira eram os in-
dígenas da Patagônia, que viviam nas
regiões mais ao sul dessa República.
Desde então, não tive qualquer dúvi-
da sobre para onde devia dirigir meus
esforços e preocupações.

________________
25
Cf. acima, nota 8 deste capítulo.
26
Em 6 de outubro de 1873, o bispo Timoleonte Raimondi buscou a mediação do cardeal Barnabò
para obter salesianos missionários para Hong Kong. Em carta ao padre Rua, de 5 de janeiro de 1874 (Epistolario
IV Motto, 194-195), Dom Bosco escreve que falara com Pio IX sobre o projeto. Em 12 de março de 1874,
apresenta um pedido ao Papa no qual afirma que está para abrir uma “casa para meninos pobres na ilha de
Hong Kong, China” e “um internato e escola em Savannah, Geórgia, na América [do Norte]” (Epistolario IV
Motto, 251-252). Numa de suas crônicas, entrada de dezembro de 1875, Barberis nomeia a China, a América
do Norte, a África e a Austrália como países que solicitam salesianos (F. Desramaut, Don Bosco, 970, nota 31).
27
Dom Mateo Quinn, arcebispo de Sidney (Austrália).
28
Segue imediatamente (cf. FDB 1314 A10f) um extenso comentário de Dom Bosco, com caligrafia
de Lemoyne, que descreve as tentativas de Dom Bosco para identificar as pessoas e a região do sonho. Por
isso, retoma e amplia a crônica de Barberis sobre o mesmo tema (conclusão da narração de Dom Bosco).
Este material foi editado posteriormente. Ver Do­cumenti XIV, 141-143: FDB 1024 B9-11; MB X, 1267s.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...
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Comentários sobre as crônicas de Barberis e de Lemoyne


26
Embora os dois relatos geralmente coincidam, é notável a diferença nos
detalhes.
27
Barberis é mais extenso e oferece variantes significativas: 1o A região es-
tava “totalmente rodeada por serras”. 2o Os indígenas eram “gente de altura
28
e compleição extraordinárias”. 3o Suas armas eram lanças e fundas (Lemoyne:
somente lanças). 4o Os salesianos missionários caminhavam “precedidos por
um grupo de jovenzinhos” (diferente de Lemoyne). 5o. Descrevem-se as ações 25
evangelizadoras dos missionários (diferente de Lemoyne). 26
27
Lemoyne, por sua vez, detém-se na descrição das atividades dos indí-
28
genas, acrescentando que “alguns estavam engajados em combates contra
soldados vestidos à maneira europeia”. Afirma que Dom Bosco conside-
rou seu sonho como “uma mensagem do céu” e que só o conselho de Pio
IX, sem especificar quando, retardara sua decisão de fazer algo em relação
às missões.

Comentário sobre o texto dos Documenti e sua edição final


nas Memórias Biográficas
A narração do sonho nos Documenti é uma compilação de relatos; bom
exemplo do método de redigir de Lemoyne. Ele entrelaça escrupulosamente,
com a mínima literatura necessária, todos os elementos disponíveis das fontes
e tenta, nem sempre com êxito, obter uma narração coerente. É uma anoma-
lia, por exemplo, que o trabalho de evangelização dos missionários seja des-
crito antes de ganharem o favor dos indígenas; ou a “funda”, uma das armas
dos indígenas na crônica Barberis, é confundida com “laços”. Padre Lemoyne
começou a trabalhar nos Documenti depois de 1885.
Em relação às Memórias Biográficas, Amadei, no volume X, transcreve
quase literalmente o texto dos Documenti; sua edição limita-se à pontuação
e alguma coisa de ortografia. Mas faz uma nova descrição das montanhas
distantes que circundam a planície, talvez porque a primeira descrição tenha
sido obscura ou porque não parecia encaixar com a topografia da Patagônia,
como se demonstrou mais tarde. Também transformou a funda original e os
laços dos Documenti como laço, segundo informação posterior.
Amadei, porém, tem uma descrição mais completa das especulações de
Dom Bosco sobre a identidade dos indígenas e da terra vista no sonho.29

29
MB X, 52s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Repercussões do sonho
A história da proposta argentina e sua aceitação por Dom Bosco já é
bem conhecida.30 Deve-se notar, porém, que Dom Bosco não esperou que
o Papa lhe dissesse que chegara o momento.31 “As missões da América do
Sul que ele já aceitara e outras que a Santa Sé lhe propusera” faziam parte de
um “empreendimento de natureza espiritual” que levou Dom Bosco a Roma
em fevereiro de 1875.32 Não há qualquer registro detalhado do que se disse
nessas audiências com Pio IX, entre 22 de fevereiro e 12 de março de 1875;
mas as missões, com as quais Dom Bosco se comprometera, deveriam estar
na agenda.
Além disso, não é claro em que momento, depois de receber a oferta
argentina, os dados e a informação pertinente, Dom Bosco interpretou seu
sonho como referência à Patagônia. Além de qualquer descrição verbal, o
cônsul Gazzolo parece ter mostrado a Dom Bosco algumas imagens de indí-
genas da Patagônia. Contudo, os que são descritos no sonho não se parecem
com nenhuma dessas etnias. Em todo caso, a identificação é uma conclusão
a posteriori.
João Belza, salesiano estudioso argentino, escreve que, ao fazer essa iden-
tificação, Dom Bosco

[...] fazia uma operação intuitiva e providencial. Porque, embora desconhe-


çamos as gravuras [dos indígenas] exibidas por Gazzolo, as imagens de Dom
Bosco se parecem mais com as dos selvaggi [selvagens] das enciclopédias
do que com qualquer índio do mosaico patagônico [...]. Por outro lado, é
psicologicamente certo que as figuras dos sonhos, sempre confusas, se iden-
tificam apenas por elementos internos do sonhador; e também é facilmen-
te comprovável que as representações indígenas patagônicas da época não
brilham pela fidelidade fotográfica [...]. É ainda muito claro que os sonhos
geográficos [de Dom Bosco], como tantos outros, mesmo em sua origem,
são motivados por acontecimentos da vida diária, inflamados pela tensão
missionária que o possuía.33

30
Cf. MB X, 603s; XI, 142s.
31
Ver o último parágrafo da Crônica do padre Lemoyne (coluna do meio, mais acima).
32
MB XI, 109.
33
Estes são os “comentários adequados” de J. E. Belza, citados por J. Borrego, Proyec­to, 47, nota 157.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Atividade missionária na Patagônia e Terra do Fogo antes da


chegada dos salesianos
O que Dom Bosco dissera a Bellia sobre serem a Patagônia e a Ter-
ra do Fogo os lugares onde mais necessidade havia de missionários era
só relativamente verdade. Os araucanos dos Pampas, a oeste e sudoeste
de Buenos Aires, tiveram a fortuna de contar entre eles com francisca-
nos, dominicanos e outros missionários. Diversamente dos patagônios
(tehuelches) e dos fueguinos (onas,yamanas e alakalufes). Dom Bosco pro-
vavelmente se referia a estes povos indígenas; era a eles que os salesianos
iriam evangelizar.

A atividade missionária católica de forma esporádica


No século XVII, os missionários jesuítas tiveram muito pouco êxito na
Patagônia.34 No século XVIII, sob o governo do vice-rei espanhol João José de
Vértiz, algumas cidades foram fundadas no sul, ao longo da costa atlântica.
Na Terra do Fogo, a mais importante era Punta Arenas (Chile). O padre T.
Falkner chegou ao lago Nahuel Haupí, nos Andes, província de Neuquén
(1778); posteriormente, escreveu a sua Descripción de la Patagonia; mas por
Patagônia, ele entendia pouco mais do que a parte sul da província de Buenos
Aires. Igualmente, os padres jesuítas Cardiel, Quiroga e Strobel, viajando de
barco, exploraram algumas partes costeiras da Patagônia. Cardiel também se
aventurou terra adentro durante cinco dias, partindo de San Julián, mas não
manteve contato com os indígenas.
Os jesuítas regressaram à região no século XIX. Todavia, desde o as-
sassinato do padre Nicolás Mastardi em 1873, perto do lago de Puyrredón,
província de Santa Cruz, na fronteira chilena, nenhum missionário católico
visitara os patagônios; muito menos convivera com eles. Havia capelães em
Puerto San José (Península de Valdés, Chubut), mas estes, como os que vi-
viam em Carmen de Patagones, na foz do rio Negro, cuidavam exclusivamen-
te das tropas militares e dos colonos argentinos.

A Igreja anglicana e a atividade protestante na Terra do Fogo


No século XIX, C. Darwin e F. Fitzroy exploraram o rio Santa Cruz
(1830-1834). Fitzroy levou com ele para a Inglaterra quatro jovens fueguinos

34
G. Furlong Cardiff, “Los jesuitas en la Patagonia”, em J. E. Belza, Argentina sale­siana,
128-134.

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Dom Bosco: história e carisma 3

e retornou com três, pois um falecera, e com o catequista Ricardo Mathews


da Sociedade Missionária da Igreja. Fixaram-se em Wulaia, mas foram obri-
gados a se retirar.
Em 1833, Guilherme Arms e Titus Coan, missionários dos Estados
Unidos, fixaram-se na baía de San Gregorio, na margem norte do estrei-
to de Magalhães. Permaneceram apenas dois meses e não puderam realizar
nenhum tipo de atividade missionária. Em 1841, o missionário anglicano
Allen Gardiner fez a travessia a partir das ilhas Malvinas e fixou-se na baía
de San Gregorio. Regressou às ilhas e fundou a Sociedade Missionária da
Patagônia. Depois, em 1845, voltou ao estreito de Magalhães e permaneceu
no porto de Oazi. Mais tarde, ao saber que Domingos Pasolini, padre jesuíta
estava realizando atividade missionária em Punta Arenas, preferiu não inter-
ferir e foi para a Bolívia.
O sucessor de Gardiner, pastor Jorge Packenham Despard, viajando
com a escuna da missão, The Allen Gardiner, chegou à ilha Keppel, onde
fundou um assentamento. O lugar foi atacado e muitos colonos foram
mortos pelos yamanas da Terra do Fogo. Um dos sobreviventes foi um
jovem clérigo chamado Tomás Bridge. Tornou-se amigo dos indígenas,
aprendeu sua língua e ensinou alguns grupos a viverem de modo civiliza-
do. Quando padre José Fagnano e seus sucessores fundaram missões cató-
licas na região, estes “grupos protestantes” foram aos poucos absorvidos,
embora não totalmente.

Atividade missionária protestante no sul da Patagônia


Os missionários protestantes precederam os salesianos também na
Patagônia. Teófilo Schmid, que acompanhara Despard às Malvinas como
linguista, foi à Patagônia em 1859. Ali, fez-se amigo do cacique tehuelche
Casimiro e de sua tribo. Adentrou pela província de Santa Cruz e, por terra,
chegou a Valparaíso (Chile), de onde regressou à Inglaterra. Pouco tempo
depois, voltou à ilha Keppel com o catequista João Frederico Hunziger e,
juntos, organizaram a missão. Em 27 de julho de 1861, passado o inverno,
partiram de Punta Arenas e chegaram ao cabo Coig, ao sul de Santa Cruz.
Regressaram a Punta Arenas em novembro; em junho de 1862, voltaram
para fundar uma missão permanente na foz do rio Santa Cruz. Os tehuelches
vieram em grande número. Mas foram embora, porque lhes foram negadas
bebidas alcoólicas além de a missão ficar distante de suas casas. Enquanto
Hunziger permanecia na missão, Schmid atravessou as terras geladas do
sul da Patagônia tentando entrar em contato com os indígenas. Quando

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

retornou em 28 de novembro de 1862, encontrou Hunziger mentalmente


enfermo; perdera o juízo, talvez devido à solidão ou ao medo. Abandona-
ram o lugar e foram para Carmen de Patagones, ali chegando em outubro
de 1863. A região de Santa Cruz onde se localizava a missão ainda traz o
nome de Canyon de los Misionários.
Enquanto isso, missionários galeses fundaram algumas missões no Chu-
but, Patagônia central, onde tiveram bastante êxito. Foi esse um dos motivos
pelos quais, por sugestão de Dom Bosco, Roma criou territórios missionários
no norte da Patagônia e no sul, Terra do Fogo, mas, inicialmente, nenhum
na Patagônia central.
Carmen de Patagones, situada na foz do rio Negro no norte da Patagô-
nia, iria testemunhar os inícios da atividade missionária salesiana, quando em
1880 o arcebispo Aneyros, de Buenos Aires, confiou a enorme paróquia aos
salesianos. Com padre Fagnano, converteu-se em base para a missão salesiana
rio acima do Rio Negro. Seguindo o plano traçado pelo padre Cagliero um
grupo de salesianos e salesianas fundou missões ao longo do rio Negro, desde
Patagones até a província de Neuquén, nos Andes.

2. Estratégia missionária de Dom Bosco


Dom Bosco tinha suas próprias ideias sobre o modo de conduzir a mis-
são entre os indígenas patagônios.35 Citando a crônica de Barberis, entrada de
12 de agosto de 1876, padre Ceria escreve: “Faz quinze dias que Dom Bosco
não sabe falar senão das missões e da Patagônia”.36 E acrescenta, resumindo:
Dom Bosco tentava resolver a questão missionária em todos os seus aspectos.
Embora estivesse apenas nos inícios da atividade missionária, ele já resolvera
colocar como prioritária a criação de clero nativo, e pensava que poderia
consegui-lo num período de sete anos.

Evangelização através das vocações nativas. O papel dos jovens


Abrir escolas ao longo da fronteira da Patagônia, para formar as voca-
ções nativas, parecia-lhe o melhor modo de alcançar o objetivo de, sem mais,
lançar os missionários entre os indígenas. Pensava que San Nicolás serviria
de experiência piloto. Certamente, nenhum padre privadamente estaria em
condições de consegui-lo, mas uma congregação religiosa teria os meios.

35
MB XII, 278s.
36
MB XII, 278s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

E dava o exemplo de dom Comboni, que se esforçava em vão para formar o


clero nativo sem qualquer ajuda no coração da África. Dom Bosco opinava
que, para conseguir alguma vocação sacerdotal, seria preciso criar um semi-
nário menor com muitos jovens; se necessário, ele haveria de prover a todas
as necessidades.
As mais fundadas esperanças de um futuro feliz para suas missões esta-
vam na preferência dos salesianos pela juventude pobre: “Quem caminha por
esta estrada, jamais falhará”. Ele referia-se a algumas congregações religiosas,
que fizeram muito bem nas missões, mas precisaram deixá-las. Ele estava
convencido de que, se tivessem dado um passo a mais, ou seja, se tivessem
se dirigido ao povo mediante a educação da juventude pobre, nunca precisa-
riam retirar-se.
Nas missões, como em qualquer outro empreendimento, Dom Bos-
co unia todos os meios humanos à mais absoluta confiança no auxílio
divino. Naqueles dias, como testemunha o padre Barberis, Dom Bosco
chegou a dizer:

Confiemos no Senhor. Façamos neste empreendimento o mesmo que em


todos os outros. Ponhamos a nossa confiança em Deus e d’Ele tudo espere-
mos; mas, ao mesmo tempo, demos o melhor de nós mesmos. Não se deve
descuidar de qualquer meio, não se deve poupar qualquer esforço, não se
devem omitir santos estratagemas, não se deve poupar despesas para chegar ao
sucesso. Deve-se fazer tudo o que a prudência humana sugerir.
Há de se tomar as medidas possíveis de segurança para não colocar a vida
em perigo nas mãos dos selvagens. É verdade que, para quem morre már-
tir, a morte é uma fortuna, porque voa diretamente para o paraíso; entre-
tanto, arruína a conversão de milhares de almas, que poderiam se salvar
tendo maior precaução. É também verdade que o sangue dos mártires é
semente de novos cristãos; isso, porém, quer dizer que, se não se puder
fazer de outro modo, antes de renegar a fé, precisamos estar dispostos a
dar a vida e mil vidas, sem medo de que, com a nossa falta, a boa causa
deva sofrer por causa disso. Neste caso, o Senhor suprirá. Não deveríamos
voltar atrás por isso.37

37
Citado por Ceria em MB XII, 279s.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Dois indígenas tehuelche chegam à missão salesiana


de Río Gallegos para negócios.

Originalidade do empreendimento missionário de Dom Bosco


na Patagônia38
Poucos meses depois da chegada dos salesianos à Argentina, Dom Bosco
escrevia ao prefeito da Congregação para a Propagação da Fé: “Tendo expli-
cado meu humilde projeto [para a evangelização da Patagônia], [...] desejo
unicamente dedicar os últimos dias de minha vida a esta missão, que me
parece da maior glória de Deus e proveito das almas”. Ao padre Fagnano,
escreveu: “A missão da Patagônia é o maior empreendimento assumido por
nossa Congregação”.39
A primeira prioridade missionária dos salesianos está fixada em seu tes-
tamento espiritual:
38
Edição e adaptação de J. Borrego, “La originalidad de las misiones patagónicas en Don Bos-
co”. In: J. M. Prelezzo, Don Bosco en la historia, 457-472.
39
Dom Bosco ao cardeal Franchi, 10 de maio de 1876 (Epistolario III Ceria, 60-61); Dom Bosco
ao padre Fagnano, 31 de janeiro de 1881 (Epistolario IV Ceria, 14).

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Dom Bosco: história e carisma 3

Enquanto nos concentrarmos em converter pagãos (selvagens) e salvar as


crianças mais pobres, o mundo sempre nos dará boas-vindas agradecidas
[...]. Quando fundarmos uma missão em terra estrangeira, ela deve ser apoia-
da zelosamente, mesmo fazendo sacrifícios. Nossos esforços devem dirigir-se
a fundar escolas e animar vocações para o sacerdócio ou a vida comunitária
[...]. No dia em que um salesiano perder sua vida enquanto estiver traba-
lhando pela salvação das almas, podeis dizer que a Congregação obteve um
grande triunfo.40

O empreendimento missionário de Dom Bosco foi concebido e encami-


nhado como extensão de sua obra educativa. Como assinala padre Caviglia, o
conceito de Dom Bosco sobre missão não é mais do que um componente do
seu apostolado multifacetado, ou seja, a salvação das almas mediante a edu-
cação cristã dos jovens, especialmente os pobres. Por isso, ele adota o estilo e
os meios que desenvolvera para sua obra educativa; este enfoque determinará
a estratégia missionária, sua e de seus salesianos.41

Projeto missionário de Dom Bosco para a Patagônia


Dom Bosco falou sobre seu compromisso missionário na Patagônia
como de um “novo projeto” e “uma série de projetos que pareceriam ao
mundo como contos de fada ou sonhos de um louco, mas que são aben-
çoados por Deus tão logo assumidos”. Está falando não de um projeto
detalhado e estruturado que aguardava para ser levado à prática, mas de
uma série de iniciativas surgidas de experiências já realizadas: sua e dos
salesianos.42
O projeto Patagônia foi concebido e desenvolvido por Dom Bosco entre
1876 e 1879; baseava-se no conhecimento acumulado nos anos a partir de
várias fontes, sem esquecer a inspiração divina.43
Inicialmente, a única coisa clara era o duplo objetivo: a evangelização
e implantação da Igreja entre os indígenas dos Pampas e da Patagônia, e o
ministério em prol dos imigrantes italianos, um esforço operativo combi-
nado em favor das populações nativa e imigrante. Este segundo objetivo,
40
F. Motto, Testamento spirituale, 127; MB XVII, 257.
41
A. Caviglia, “La concezione missionaria di Don Bosco e le sue attuazioni salesiane”. Omnis
Terra Adoret Te, 24 (1932), 5. Ver também P. Stella, Vita, 174-175; P. Braido, Progetto operativo, 24-28.
42
Dom Bosco ao padre Cagliero, 27 de abril e 3 de julho de 1876, em Epistolario III Ceria, 52
e 72; P. Braido, Progetto operativo, 5.
43
Epistolario III Ceria, 275: Memorandum de Dom Bosco ao cardeal Franchi, 31 de dezembro
de 1877; P. Stella, Vita, 171ss.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

que proporcionava um trampolim para a missão patagônica, serviria como


ponto de apoio para os salesianos em meio à população da Argentina.44
Dom Bosco possuía apenas uma experiência limitada das missões. O Va-
ticano I (1869-1870) ampliou seus horizontes missionários, pois, apesar de a
interrupção do Concílio não possibilitar a discussão do esquema preparado
sobre as missões, Dom Bosco teve ocasião de entrar em contato com alguns
bispos de vários continentes e terras de missão.
Um deles foi o bispo de Concepción, Chile, a quem Dom Bosco es-
creveu em 1876 pedindo permissão para tentar evangelizar os “patagônios
[indígenas] e os bárbaros, ou seja, os Pampas (patagones et barbaros sive
Pampas)”.45
Dom Bosco mantinha contatos epistolares e pessoais com grandes mis-
sionários como Massaia, Lavigerie e, especialmente, Daniel Comboni, que
era visitante assíduo do Oratório de Turim e compartilhou com Dom Bosco
seu plano para a regeneração da África. Este plano pretendia criar, para toda a
África, uma cadeia de instituições educativas dirigidas por missionários na-
tivos e europeus em vista da formação de meninos e meninas de raça negra
como religiosos, catequistas e professores. Estes seriam enviados ao interior
da África como missionários para fundar centros e formar comunidades cris-
tãs.46 Dom Bosco adotou um plano semelhante, afirmando, como diz Bar-
beris, que seu método para a evangelização da Patagônia era desenhado de
acordo com o plano que “o bispo Comboni está tentando realizar no coração
da África”.47 Barberis cita as palavras de Dom Bosco:

Parece que a única ação efetiva é adotar o sistema de colonização, estabe-


lecendo nos limites da civilização uma série de pequenas aldeias cercadas,
onde podemos começar por estabelecer internatos, colégios, pensionatos e
orfanatos para os filhos dos selvagens, que estão muito abandonados; de-

44
Cf. G. Rosoli, “Impegno missionario e assistenza religiosa agli emigrati nella visione e
nell’opera di Don Bosco e dei Salesiani”. In: F. Traniello, Don Bosco, 289-329; P. Stella, Vita, 175ss.
Até 1888, ano da morte de Dom Bosco, os salesianos, além dos centros missionários na Patagônia,
mantinham 19 casas na Argentina, Uruguai, Brasil, Chile e Equador, incluindo internatos e escolas
para estudantes e aprendizes, gráficas e livrarias.
45
Dom Bosco a dom José Hipólito Salas, bispo de Concepción, 29 de julho de 1876, ver
Epistolario Ceria III, 79-80.
46
Sobre os contatos com o cardeal Lavigerie, cf. MB IX, 471, 500, 889, 939s. Sobre dom Comboni,
cf. MB IX, 887s: carta de Comboni a Dom Bosco, 30 de julho de 1870, em que Comboni diz ter-lhe en-
viado pelo correio o Postulatum sobre as missões africanas apresentado no Vaticano I. Cf. P. Chiocchetta,
Daniele Comboni: carte per l’evangelizzazione dell’Africa. Bolonha: EMI, 1978, 215-233, 235-247.
47
ASC A000: Cronichetta. Barberis, caderno 8, 87.

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Dom Bosco: história e carisma 3

pois, por meio desses meninos, tentaremos evangelizar, no devido tempo, os


patagônios por meio dos mesmos patagônios. Se soubermos atrair os jovens,
será possível educar as crianças e, por meio delas, estender a religião cristã
aos seus pais.48

Em carta a Leão XIII, Dom Bosco expressa a ligação estreita que via
entre o trabalho de educação nas escolas e a evangelização missionária:

Tão logo chegaram os salesianos à Patagônia, sua primeira preocupação foi


erigir igrejas, lugares onde morar e escolas para meninos e meninas. Enquanto
alguns se ocupavam em ensinar artes e ofícios e agricultura às pequenas colô-
nias que fundaram, outros adentravam entre os selvagens para catequizá-los
e, se fosse possível, fundar colônias nas mais remotas regiões dos Pampas.49

Além de seu otimismo utópico, o plano refletia, sobretudo, a estratégia


missionária de Dom Bosco.

Opção pela Patagônia e pesquisa de Dom Bosco


No contexto do Vaticano I, Dom Bosco recebeu muitos pedidos de mis-
são, especialmente de Comboni. Entre todas, ele escolheu a oferta argentina
por ser a mais prometedora e atraente. O fato de os seus salesianos irem para
estar entre amigos e compatriotas, que precisavam ser evangelizados e assisti-
dos religiosamente, foi um incentivo a mais.

Os sonhos e pensamentos [de Dom Bosco] referem-se às missões em sentido


estrito (in partibus infidelium); [...] ou seja (seguindo a interpretação própria
do romantismo), entre povos cruéis e selvagens [que precisavam de evan-
gelização e civilização]. O mandato do Evangelho [aos apóstolos] “ide pelo
mundo e ensinai às nações” deixou de ser mero objeto de conhecimento [his-
tórico] e fé para os salesianos; foi visto como um mandato do qual foram en-
carregados [...]. Dessa forma, de [simples] crentes e espectadores do trabalho
de outros, os salesianos compreenderam agora que eram chamados a ser parte
ativa no trabalho de estender a fé católica [...]. Ao envolver-se a congregação
no trabalho missionário, a visão que os salesianos tinham de Igreja ganhou

48
Dom Bosco ao cardeal Franchi, 10 de maio de 1876, em Epistolario III Ceria, 58-60; 31 de
dezembro de 1877, em Epistolario III Ceria, 257-261. G. Barberis, “La Repubblica Argen­tina e la
Patagonia”, Letture Cattoliche, 291-292 (1877), 93-94.
49
Dom Bosco a Leão XIII, 13 de abril de 1881: Memoriale intorno alle missione salesiane, em
Epistolario III Ceria, 569, 573-574.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

nova perspectiva. Para Dom Bosco, o mandato parecia também uma missão
jurídica, buscada e obtida do próprio Papa, pai da família dos crentes.50

No discurso feito à primeira expedição de missionários da Argentina,


Dom Bosco dizia:

Além disso, nas regiões que rodeiam a parte civilizada vivem grandes hordas
de selvagens, aos quais ainda não chegou a religião de Jesus Cristo, nem a civi-
lização, nem o comércio, e aonde os pés dos europeus até agora não puderam
deixar suas marcas. Estes países são os Pampas, a Patagônia e algumas ilhas
próximas, que formam, talvez, um continente superior a toda a Europa.51

Depois de “rigorosa pesquisa” parece que identificara estes selvagens pa-


tagônios com os indígenas que vira no sonho de 1871-1872.
Em maio de 1876, apresentou à Congregação para a Propagação
da Fé seu plano para a Patagônia que incluía “a criação de uma prefeitura
apostólica”.52 Em sua resposta, a Congregação, que aparentemente não tinha
conhecimento dessas regiões, pediu-lhe um relatório detalhado da região.53
Depois de contar seu sonho a Pio IX, e mais tarde a alguns salesianos em
1876, Dom Bosco fez este comentário ao padre Barberis: “Cheguei à idade de
60 anos sem ter ouvido nada sobre a Patagônia. Quem teria imaginado que
chegaria o momento em que precisaria estudá-la tão detalhadamente!”.54
Nessas circunstâncias, Dom Bosco, com a ajuda do padre Barberis, pes-
quisou e redigiu um relatório sobre A Patagônia e as terras austrais do conti-
nente americano.55 O documento de 164 páginas é o mais extenso que pos-
50
P. Stella, Vita, 170-171.
51
MB XI, 386.
52
Memorandum de Dom Bosco ao cardeal Franchi, 10 de maio de 1876, em Epistolario III
Ceria, 58-60.
53
ASC A000, Cronichetta, Barberis, 15 de maio de 1876, 49; G. Barberis, La Repubblica Argen-
tina e la Patagonia en Lecturas católicas, 291-292 (1877), 93-94.
54
ASC A000, Cronichetta, Barberis, 17 de maio de 1876, 55-56.
55
Cf. G. Bosco, La Patagonia e le terre australi del continente americano. Turim, 1876. Trata-se
de um manuscrito de 164 páginas, datado e assinado por Dom Bosco. Foi descoberto em 1983 na
biblioteca da Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma pelo salesiano padre E. Szanto, que publicou
um fac-símile com tradução em castelhano: E. Szanto, La Pata­gonia y las tierras australes del continente
americano. Apresentação, tradução e notas do “Pro­yecto Patagonia Don Bosco”, Bahía Blanca, Arquivo
Histórico Salesiano da Patagônia Norte, 1986. Hoje, há a edição crítica, cf. J. Borrego, “La Patago-
nia e le terre australi del continente americano [pel] sac. Giovanni Bosco”, RSS 13 (1988), 255-418.
Como se afirma no relatório, os dados sobre a Patagônia procediam dos “autores mais renomados que
trabalharam sobre o tema”. Dom Bosco (Barberis) cita D’Orbigny, Lacroix, Guinnard, Dally, V. Que-
sada, Ferrario, como também as Cartas edificantes, a resenha Museo delle Missioni Cattoliche e “cartas

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Dom Bosco: história e carisma 3

suímos, no qual é exposto com clareza o conceito que Dom Bosco tinha
de missão. Quanto à informação que dá sobre a Patagônia, o relatório, sem
dúvida, reflete o conhecimento imperfeito que se tinha sobre essa região na
Europa de 1876. Contudo, alguns geógrafos consideram que esse trabalho de
Dom Bosco é o primeiro estudo científico geográfico de uma missão.56

Salesianos com indígenas, adultos e jovens, da missão de Candelara, na ilha Dawson.

Dom Bosco foi infatigável em sua busca de informação sobre a Patagô-


nia. Isso se torna evidente nos detalhes que aparecem em suas cartas e relató-
rios à Santa Sé e à Congregação para a Propagação da Fé,57 como também na
correspondência com missionários da região. Os artigos publicados no Bole-
tim Salesiano entre 1881 e 1884 também mantinham o leitor atualizado so-
bre os progressos do “projeto” missionário e de suas explicações mais recentes.

que nossos missionários nos escreveram sobre essa região”. O relatório apresentava detalhes históricos
e antropológicos e informação religiosa sobre a Patagônia, e indicava como se fizera muito pouco do
ponto de vista missionário. Concluindo, oferece uma descrição de sua “condição atual”, com detalhes
confiáveis sobre as péssimas condições sociais e religiosas. O documento apresenta o “novo plano” que
Dom Bosco propunha para iniciar a tarefa de evangelização.
56
Por exemplo, as homenagens feitas a Dom Bosco pela Sociedade geográfica de Lyon por uma
conferência feita em 1883, em MB XVIII, 637s. Para uma discussão dos méritos científicos do ensaio,
ver D. Gribaudi, em Bollettino della Società Geografica Italiana. Roma, 1961, 312; P. Scotti, “Missio-
ni Salesiane: contributi geografici”, Missioni Salesiane 1875-1975. Estudos para o primeiro centenário.
Roma: LAS, 1977, 267.
57
Cf. Memorandum de Dom Bosco à Congregação para a Propagação da Fé, 10 de maio de
1876, em Epistolario III Ceria, 58-60. Memorandum de 31 de dezembro de 1877, em Epistolario III
Ceria, 275. Relatório para Leão XIII, 13 de abril de 1881, em Epistolario III Ceria, 569-574.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Missões ou escolas? Educação e evangelização


“Não há missões salesianas no sul [da Argentina e Chile], mas colégios,
escolas de agricultura e igrejas”; esta afirmação foi feita como crítica à estra-
tégia missionária de Dom Bosco, mas, na verdade, insiste na originalidade de
sua finalidade.58
Realmente, ao falar da originalidade da obra de Dom Bosco, o cardeal
Baggio dizia que “o mais significativo é o tipo de gente que ele escolheu servir,
a dupla condição de jovens e pobres [...]; esta opção é clara como o dia nos
territórios missionários salesianos”.59 Dom Bosco nunca se desviou de sua
opção original. O quinto, dos 20 conselhos dados aos missionários que parti-
ram em 1875, diz: “Cuidai de modo especial dos doentes, meninos, velhos e
pobres, e ganhareis as bênçãos de Deus e a benevolência dos homens”.60 Dez
anos depois, em seu Testamento Espiritual, ele escreve:

O mundo nos acolherá sempre com prazer enquanto nossas solicitudes se


dirigirem aos indígenas, aos meninos mais pobres, mais periclitantes da so-
ciedade [...]. Uma vez iniciada um missão no estrangeiro, [...] o empenho
tenha sempre em mira criar e organizar escolas e tirar delas alguma vocação
[...]. Nossas missões, no seu devido tempo, chegarão à China e precisamente
a Pequim. Mas não se esqueçam de que nós vamos para atender aos meninos
pobres e abandonados. Ali, entre povos desconhecidos e ignorantes do ver-
dadeiro Deus, ver-se-ão maravilhas até agora desconhecidas e que ninguém
acreditaria, mas que Deus poderoso manifestará ao mundo.61

A evangelização que tem por fim “a implantação da Igreja” é o objetivo es-


pecífico de toda atividade missionária; também o foi para Dom Bosco! De fato,
a “genuína evangelização” foi o tema dominante em seus discursos de despedida

58
João B. Francesia, Francesco Ramello, chierico salesiano, missionario nell’America del Sud. San
Benigno Canavese: Tip. e Libr. Salesiana, 1888, 117: “Alguns protestam que as missões de Dom Bosco
na América consistem apenas em abrir escolas e internatos...”. Um dos que fizeram um comentário assim
foi o padre Colbachini, escalabriniano, que escreveu a outro padre amigo, em 28 de fevereiro de 1887:
“Os salesianos no Rio [de Janeiro], São Paulo, Montevidéu, Buenos Aires, com outros salesianos que
estão espalhados pelo mundo, não se preocupam com as missões, exceto por algumas poucas na Patagô-
nia... Só se preocupam em serem professores e diretores das escolas de artes e ofícios que dirigem nesta
parte do mundo. É um bom trabalho, mas muito longe do que a maioria das pessoas acredita ser...”.
Cf. M. Francesconi, Inizi della Congregazione Scalabriniana (1886-1888). Roma: CSE, 1969, 104.
59
S. Baggio, “La formula missionaria salesiana”. In: Centenario delle Missione Salesiane: discorsi
commemorativi. Roma: LAS, 1980, 43; L. Ricceri, “Il progetto missionario di Don Bos­co”, idem, 14.
60
MB XI, 388: vinte lembranças aos primeiros missionários.
61
MB XVII, 274: testamento espiritual.

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Dom Bosco: história e carisma 3

aos missionários que partiam e nas cartas que lhes enviava. Seus salesianos, pa-
dres, coadjutores e irmãs eram enviados “para anunciar a palavra de Deus”, para
“alargar a fé”, para “levar [...], proclamar [e] difundir a luz do Evangelho entre
os habitantes dos Pampas e da Patagônia”.62 Sobre isso, anota padre Caviglia:

O princípio fundamental da atividade missionária salesiana e do seu método


é [...] a conversão dos não crentes dedicando-se a atender às necessidades
educativas dos jovens [...]. Em toda missão salesiana, junto com o trabalho
sacerdotal [específico], sempre deve existir o serviço escolar [...]. Não importa
qual seja seu campo de ação, todas as casas salesianas são “colégios” – este é o
método específico com que os salesianos introduzem o cristianismo. 63

A escola não era apenas um meio útil de evangelização. Para Dom Bos-
co, a educação era “um componente orgânico da atividade missionária”. De
aqui que pedisse aos seus missionários que, uma vez iniciada uma missão, di-
rigissem seus esforços para criar escolas e tirar vocações. Estava convencido de
que, na prática, o melhor método, o mais seguro, para civilizar e cristianizar a
Patagônia era dirigir-se aos jovens, como os de Turim, Nice ou Buenos Aires,
e convertê-los em “cidadãos honestos e bons cristãos”.
O binômio “cidadãos honestos e bons cristãos” converteu-se em sua fór-
mula missionária, como já o fora para a ação entre os pobres e abandonados.
Repete-o constantemente em termos equivalentes durante a década de 1880:
“evangelização e civilização”, “o bem da sociedade e da religião”; “religião e
verdadeira civilização”. É claro que se tratava de civilização cristã, pois estava
convencido de que “não há verdadeira civilização fora do catolicismo, a única
religião verdadeira que santifica, une e civiliza as nações”. Aderia-se, assim, à
posição muito comum naquela época de que uma sociedade seria civilizada
desde que fosse cristã (católica) e, no caso da Patagônia, estaria civilizada
quando fosse evangelizada.64 Dom Bosco garante a um cooperador que os
salesianos missionários “ofereciam suas vidas com prazer em se tratando de
salvar almas e propagar o Reino de Deus para levar a religião e a civilização a
esses povos que não conhecem nenhuma das duas”.65

62
MB XI, 383s: discurso de Dom Bosco aos primeiros missionários.
63
A. Caviglia, La concezione missionaria di Don Bosco e le attuazioni salesiane (Discorso). Roma:
Unione Missionaria del Clero in Italia, 1932, 8-10, 12, 20, 24-26.
64
Dom Bosco ao padre Bodrato, 15 de abril de 1880, em Epistolario III Ceria, 576-577: “civili-
zação e religião”, “civilização e evangelização”. Discurso de Dom Bosco aos cooperadores de Turim, 20
de janeiro de 1881, BS 5 (fevereiro de 1881), 3. Cf. P. Braido, Progetto operativo, 24-26.
65
Dom Bosco a um cooperador desconhecido, 1º de novembro de 1886, em Epistolario IV
Ceria, 363-364.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Um empreendimento missionário em colaboração


A fim de apoiar e desenvolver a missão patagônica, Dom Bosco recorreu
a todos os recursos disponíveis na Família Salesiana. Os cooperadores, que ele
descreve como “apóstolos associados da Patagônia”, formavam um exército
externo de homens e mulheres que, tanto no novo como no velho mundo,
proporcionavam apoio moral, espiritual e material para este grande empre-
endimento.66
Quanto ao pessoal, ele uniu salesianos, padres e leigos, e salesianas
como coparticipantes da missão. Toda expedição missionária incluía sale-
sianos coadjutores aos quais Dom Bosco dava o nome de “catequistas”. A
partir da terceira expedição, em 1877, contou-se com as salesianas. Dos 8
pioneiros que iniciaram a missão patagônica de Rio Negro, em janeiro de
1880, 4 eram salesianas, 3 salesianos padres e 1 coadjutor, cujo trabalho,
além de ser catequista, era de “ensinar como administrar uma fazenda e os
ofícios mais comuns”.67
Dessa forma, uma característica da estratégia missionária de Dom Bosco
foi a participação na missão, quase desde o início, de numerosas Filhas de
Maria Auxiliadora, uma opção não comum porque “antes, jamais se viram
monjas nestes remotos climas austrais”. Sua presença na Patagônia foi logo
verdadeiramente providencial, pois, sem sua ajuda, “teria sido impossível fa-
zer tanto a favor das mulheres e das meninas”.
Um jornal de Buenos Aires, em artigo sobre os inícios da missão salesia-
na na Patagônia em 1880, comentava:

Os missionários salesianos compartilham o trabalho com as dignas filhas de


Dom Bosco, as irmãs do Instituto de Maria Auxiliadora [...]. É a primeira
vez que veem monjas naquelas remotas regiões; e sua doçura e proverbial

66
Carta circular de Dom Bosco aos cooperadores salesianos, 15 de outubro de 1886, em Epis-
tolario IV Ceria, 360-363.
67
C. Chiala, Da Torino alla Repubblica Argentina: lettere dei missionari salesiani. Turim: Ti-
pografia e Libreria Salesiana, 1877, 28, 30, 36-37: Dom Bosco deu aos coadjutores o título oficial
de catequistas; Bolettino Salesiano 9 (novembro de 1885), 165. Ele prometeu ao arcebispo Aneyros,
de Buenos Aires, que “em curto espaço de tempo, os centros missionários de Rio Negro, Carmen de
Patagones e Viedma teria seu próprio padre e professor. Em Carmen de Patagones será construído um
internato para meninos índios e outro para meninas sob a direção de nossas irmãs, as Filhas de Maria
Auxiliadora. Posteriormente, os coadjutores salesianos embarcariam para Patagones com a finalidade
de ensinar agricultura e os ofícios mais comuns” (Dom Bosco ao arcebispo Aneyros, 13 de setembro de
1879, em R. Entraigas, Los salesianos, III, 85). Quando Dom Bosco falece em 1888, 19 coadjutores
trabalham nas missões da Patagônia. L. Carbajal, Missioni salesiane, 41, 61, 71-72).

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Dom Bosco: história e carisma 3

amabilidade contribuíram grandemente, sem dúvida, para a conversão dos


índios à fé católica, a única religião verdadeira.68

Formação do clero nativo


As palavras com que Dom Bosco conclui a narração de terceiro sonho
missionário expressam um aspecto fundamental de sua estratégia. “Dar a
dom Cagliero e a meus queridos missionários um aviso de suma importância
relacionado com a sorte futura de nossas missões: todas as solicitudes dos
salesianos e das salesianas haverão de se dirigir à promoção de vocações ecle-
siásticas e religiosas”.69
Dom Bosco notara há muito que “a Igreja não pode estabelecer-se
permanentemente em terras de missão se não incentivar a criação de um
clero indígena estável”. Na parte final do Testamento espiritual, Dom Bos-
co recomenda a abertura de escolas para os pobres e o cultivo de vocações
autóctones. Como resultado de sua longa experiência de educador cristão,
estava convencido de que, também nas missões, os jovens que receberam
“educação cristã e científica” seriam “o instrumento mais adequado para
atrair os adultos à fé, dando assim à Patagônia um novo aspecto cristão
e civilizado” e afirmando que “os patagônios deveriam ser evangelizados
pelos patagônios”.70
Dom Bosco não veria o seu sonho realizado. Mas em 1900, no aspiran-
tado de Bernal, Buenos Aires, já havia “12 noviços da região de Rio Negro
[...] dois dos quais são filhos de pais índios”. Em Viedma e Patagones, as sa-
lesianas também tinham bastantes jovens índias professas. Bastantes meninas
da Patagônia eram professoras e missionárias em lugares diferentes daqueles
em que tinham nascido.71

68
“Los verdaderos héroes del desierto”, La América del Sur (jornal de Buenos Aires), 4 (1880),
1152. In: C. Bruno, Los Salesianos y las Hijas de María Auxiliadora en la Argentina. Vol. I. Buenos
Aires: Inst. Salesiano de Artes Gráficas, 1981, 201-202.
69
MB XVII, 306.
70
P. Scoppola, Commemorazione civile di Don Giovanni Bosco nel centenario della sua morte,
Turim, 30 de janeiro de 1988, Roma: Tip. Don Bosco, 1988, 22. Carta circular de Dom Bos­co, 25 de
agosto de 1876, em Epistolario III Ceria, 90: projeto para a formação de missionários nativos. Dom
Bosco ao cardeal Franchi, 31 de dezembro de 1877, em Epistolario III Ceria, 257: selvagens que se
convertem em evangelizados de selvagens. Relatório de Dom Bosco à Congregação para a Propagação
da Fé, Lyon, março de 1882, em Epistolario IV Ceria, 124: “abrir caminho até os indígenas através de
seus filhos”.
71
L. Carbajal, Missioni salesiane, 104.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Envolvimento das Filhas de Maria Auxiliadora na atividade


missionária
Algumas comunidades de religiosas estabeleceram-se desde o século XVI
na América do Sul. Apesar da clausura estrita, dirigiam escolas conventuais
onde eram educadas meninas indígenas e mestiças. Dentre elas, saíam voca-
ções para suas ordens, de acordo com uma permissão concedida por Gregório
XIII (1572-1585). Assim, as trinitárias, as clarissas descalças e as francisca-
nas, entre outras, trabalharam em prol da evangelização da América do Sul
a partir de seus claustros, apesar de não poderem envolver-se diretamente na
atividade missionária.
O Concílio de Trento estabeleceu que a clausura fosse um elemento
essencial da vida religiosa feminina.72 Em consonância com esse princípio, a
Congregação para a Propagação da Fé proibiu que as religiosas se dedicassem
diretamente às tarefas de evangelização, mas permitiu-lhes ensinar a doutrina
cristã em seus conventos.73 Apesar das restrições, as ursulinas tinham, desde
1639, atividade missionária em Quebec (Canadá), desde 1682 em Martinica
e desde 1738 em Pondichery (Índia).
Entende-se, por isso, que em 1633, São Vicente de Paulo, seguindo o
conselho de São Francisco de Sales, quis que suas Filhas da Caridade fos-
sem leigas, sem hábito religioso, e não estivessem sujeitas à regra do claus-
tro. Eram, assim, livres para servir em hospitais e outros lugares, em contato
direto com o povo. São Francisco de Sales foi o pioneiro da ideia de que as
religiosas se envolvessem no apostolado. Não quis que suas filhas da Visita-
ção vivessem enclausuradas, mas as circunstâncias obrigaram-no a aceitar a
decisão de Roma.

Novo papel das religiosas no século XIX


O movimento pela libertação da mulher iniciado com a Revolução
Francesa e ajudado pelo Romantismo, também fez avançar a libertação das
religiosas, sendo-lhes permitido participar na ação missionária direta, “com

Sessão XXV, novembro de 1563.


72

Collectanea SCPF I, 352, resposta (1784). O caso de Maria Ward é instrutivo. Esta inglesa
73

dinâmica ingressou entre as clarissas descalças na Bélgica; mais tarde, fundou o Instituto da Bem-
-Aventurada Virgem Maria com regra jesuíta. Queria uma comunidade de monjas não enclausuradas,
sem qualquer hábito distintivo, envolvidas em tarefas de caridade e evangelização. Apresentou o plano
a Paulo V (1605-1621) em 1616 e recebeu sua aprovação extraoficial. Posteriormente, sob Urbano VIII
(1623-1643), a Congregação para a Propagação da Fé suspendeu as “jesuitinas”, monjas que não vivam
no claustro. A própria Maria Ward foi “encarcerada” por algum tempo num claustro da Alemanha,
porque trabalhava fora do convento, em contato com o povo. O Instituto seria, finalmente, aprovado
em 1877 e sua fundadora, oficialmente reabilitada.

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Dom Bosco: história e carisma 3

os limites marcados pela prudência”. A ascensão da mulher no século XIX foi


de tal grandeza que os papas, ao se verem livres da dominação de Napoleão,
modificaram a lei do claustro. Muitos institutos masculinos possuíam insti-
tutos femininos associados. Nas missões, religiosos e religiosas trabalhavam
lado a lado na mesma tarefa. Até 1880, uns 30 institutos religiosos femininos
e cerca de 10 mil irmãs participavam do trabalho missionário. Em 1924, as
congregações femininas envolvidas estavam ao redor de 200.
As ordens femininas contemplativas também participaram do esforço
missionário da Igreja. Por exemplo, as carmelitas de Lisieux liam na clausura
os Anuários da Propagação da Fé, correspondiam-se com missionários e ofe-
reciam orações especiais pelas missões. Em 1861, um grupo dessas carmelitas
fundou um convento em Saigon, atual Ho Chi Minh, Vietnã. A partir desse
centro carmelita foram fundados na China, no Japão, nas Filipinas e em
outros países do extremo oriente não menos de 40 conventos. Outras ordens
contemplativas fizeram o mesmo. É verdade que não se envolviam direta-
mente na ação missionária, entretanto sua contribuição foi significativa.
O fervor missionário resultou não só de uma euforia momentânea, mas
de uma espiritualidade que se pode considerar típica do século XIX. Padre Li-
bermann, cardeal Lavigerie e, em menor grau, dom Comboni contribuíram
muito para a espiritualidade missionária, que influiu não só na vida apos-
tólica dos missionários, como também na vida das comunidades religiosas
masculinas e femininas, e dos católicos em geral. A espiritualidade salesiana
também adquiriu forte orientação missionária.

A atividade das Filhas de Maria Auxiliadora nas missões


Entende-se, neste contexto, por que Dom Bosco decidiu fundar um
instituto feminino paralelo à Sociedade de São Francisco de Sales e por que
as salesianas foram, desde o início, companheiras no trabalho missionário
salesiano. Em 6 de novembro de 1877, apenas cinco anos depois da fundação
do Instituto, seis jovens irmãs salesianas saíram de Mornese com a terceira
expedição missionária; o grupo era formado por jovens entre 17 e 25 anos.
Dois meses depois, em seu relatório à Sagrada Congregação para a Pro-
pagação da Fé, Dom Bosco escrevia: “Não distante de Villa Colón [Uruguai]
fundamos um internato e um colégio para meninas abandonadas sob a dire-
ção das Filhas de Maria Auxiliadora, um ramo da Congregação Salesiana”.74
Em 20 de janeiro de 1880, as salesianas estabeleceram-se em Carmen
de Patagones, tornando-se as primeiras religiosas a assumirem atividade

74
Relatório de 31 de dezembro de 1877, em MB XIII, 768.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

missionária ao sul de Buenos Aires. Em 1888, outras irmãs uniram-se ao


padre Fagnano na missão da Terra do Fogo.
Além do entusiasmo missionário, estas jovens viviam profundamente a
espiritualidade missionária inculcada por Madre Mazzarello e Dom Bosco,
no espírito de São Francisco de Sales. Com total dedicação a Cristo e confian-
ça na Divina Providência, aceitaram o desafio da missão.

Punta Arenas (Chile, 1899): indígenas e autoridades civis diante do


“Colégio para meninas”, dirigido pelas Filhas de Maria Auxiliadora.

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Apêndice

OS POVOS INDÍGENAS DO SUL DA AMÉRICA DO


SUL E A PRIMEIRA AÇÃO MISSIONÁRIA SALESIANA

Anotações de etnografia
Povos indígenas da Patagônia e Terra do Fogo: tribos e características
São duas as características que distinguem os povos indígenas da Argen-
tina, do Chile e do Uruguai: de um lado, uma grande variedade de grupos,
às vezes, de poucos indivíduos, cada um com suas características constitutivas
(polimorfismo); de outro, a ausência de diferenças extremas, por exemplo,
nenhum desses povos apresenta pigmentação escura da pele, cabelo crespo ou
encaracolado, estatura muito pequena, extremidades inferiores muito gran-
des, semblante bem delineado ou formas suaves.
Não há motivo para supor que o ameríndio tenha uma tipologia inde-
terminada, isto é, que seja um tipo básico com potencial para desenvolver-se
tanto para a espécie europeia (austral-caucasiana) como para a mongólica. É
provável que o ameríndio seja uma mescla de tipos básicos. Se assim fosse,
seria possível tirar duas conclusões: 1o) A mescla se deu num momento em
que os tipos básicos estavam na fase inicial de diferenciação. 2o) Para produzir
o grande número de tipos diferentes, a mescla deve ter acontecido numa etapa
muito precoce de diferenciação. As duas conclusões opõem-se à teoria de que
a América foi habitada em época relativamente recente, ou seja, ao final ou
depois do Plistoceno, entre 20 mil e 10 mil anos atrás.
Os primeiros habitantes da América teriam chegado da Ásia através do
estreito de Bering. A passagem deve ter acontecido em tempos muito remotos.
Por causa da falta de uma diferenciação extrema, e por outras razões, a
sistematização dos tipos humanos destes povos indígenas nunca foi feita de
modo conclusivo.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Grupos e tipos
Concretamente, na Argentina e no Chile, entre os graus 30 e 53 de latitude
sul, dos Pampas ao Estreito de Magalhães, predominam os seguintes grupos:

1o Araucanos, principalmente nos Pampas argentinos e no centro-sul


do Chile.
2o Puelches, no norte da Patagônia (Argentina).
3o Tehuelches, no centro e no sul da Patagônia (Argentina).
Ao sul do Estreito de Magalhães, no arquipélago da Terra do Fogo, pre-
dominam três pequenos grupos:

1o Onas, assentados em terra firme, dividem-se em Shelknam (norte)


e Haus (sul).
2o Yamanas, que vivem em canoas (ou Yahagans).
3o Alakalufes, que vivem em canoas.
Estes grupos podem ser divididos em duas etnias básicas e uma intermédia.

Caçador da tribo Alakaluf com arco e flechas, diante de sua canoa.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Etnia fueguina
A parte mais ao sul do arquipélago era habitada por grupos étnicos que
entram principalmente sob a denominação de fueguinos. A ela pertencem
principalmente os Yamanas (Yahgans) e os Alakalufes. Sua feição tem pouco
de selvagem ou primitiva. É verdade que possuem arcos ciliares pronunciados
e arqueados, mas esta evolução, provavelmente por causa das severas condi-
ções climáticas da região, não afeta significativamente a posição do olho nem
lhes dá um aspecto primitivo como na etnia australoide. Os olhos, porém,
possuem um ligeiro aspecto mongólico. Eles têm ainda outros aspectos, além
desse, que negam a conexão australiana. A face é pouco proeminente, o na-
riz é bem formado, a cabeça ligeiramente alargada (dólico-meso-cefálica);
o cabelo é escuro, liso e duro na maioria dos casos; quase não têm pelos, a
pigmentação da pele é clara, a estatura é baixa, a parte inferior do corpo,
bastante curta.

Etnia patagônia
Os melhores representantes desta etnia são os tehuelches da Patagônia
central e do sul. Os puelches do norte da Patagônia e os araucanos dos Pam-
pas, com seus subgrupos, também pertencem a esta etnia. Em tempos remo-
tos esta etnia era relacionada com os fueguinos. O cabelo e a pele asseme-
lham-se, mas têm características especiais. Sua estrutura corporal e delicadeza
fazem-nos uma das melhores etnias existentes. Os patagônios são gente alta,
embora, às vezes, se tenha exagerado muito a sua estatura. O corpo tem apa-
rência tosca, mas possuem grande energia e elegância. A face é proeminente, a
testa, ampla e reta, o nariz bem formado, grande e fino, mas não pontiagudo,
e a cabeça arredondada.

Etnia intermédia
Os onas (assentados, sobretudo na Ilha Grande e nas ilhas maiores do ar-
quipélago da Terra do Fogo) representam um grupo intermédio. São mais al-
tos que os fueguinos, embora se pareçam mais a estes do que aos patagônios.
Os povos indígenas dos Andes ocidentais (Chile) assemelham-se muito
aos do lado oriental.

Os “selvagens”, segundo Dom Bosco


Em circular de 5 de fevereiro de 1875, escrita para anunciar aos sale-
sianos que se tinha aceitado a oferta argentina, Dom Bosco escrevia: “Há

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

ali [na Argentina], mais além da região já civilizada, extensões de superfície


interminável habitadas por povos selvagens, com os quais os salesianos po-
dem realizar seu apostolado com a graça do Senhor”.75
A expressão povos selvagens fazia parte do vocabulário habitual da época
para designar os povos “que vivem em estado primitivo e incivilizado; sel-
vagens e ferozes; cruéis e hostis; brutais e bárbaros; membros de uma tribo
selvagem”.76
Na circular, Dom Bosco coloca em oposição “a região já civilizada” e as
“extensões de superfície interminável habitadas por povos selvagens”. Nos
livros e enciclopédias do século XIX, que representam o contexto cultural
de Dom Bosco, esta última expressão evocava um povo nômade, guerreiro,
simples, que vivia sem religião, leis ou moral. Gente assim tinha a pele escura
e com pelos, vivia nua ou coberta apenas com peles de animais e eram, em
sua maior parte, canibais.
Falando do “Progresso do Evangelho no Novo Mundo” em sua História
Eclesiástica (edição de 1870), Dom Bosco insistia na condição de não evange-
lizados dos indígenas, e escreve:

Os missionários que foram por primeiro àquele imenso hemisfério encon-


traram todo tipo de dificuldades para pregar o santo Evangelho e conver-
ter aqueles selvagens. Porém, quando estes selvagens em sua ferocidade
massacraram grande número de missionários e o sangue dos mártires co-
meçou a ser derramado, então, como na Igreja primitiva, o sangue der-
ramado converteu-se em semente fecunda de novos cristãos. Esses povos
que foram durante anos escravos do álcool, da impureza, do roubo e do
que é mais horrível, o consumo de carne humana, na medida em que
foram caindo sob a influência da luz do Evangelho abandonaram seus cos-
tumes selvagens e se tornaram castos, comedidos, fervorosos e dispostos a
derramar seu sangue por Jesus Cristo. (Do Golfo do México às terras de
Magalhães etc.) 77

Este modo de falar aparece no primeiro sonho missionário de Dom


Bosco. Mais tarde, as informações vindas da Argentina, especialmente do
padre Cagliero, obrigou Dom Bosco a suavizar suas expressões, como por

Dom Bosco aos salesianos, Turim, 5 de fevereiro de 1875, em Epistolario IV Motto, 408;
75

MB XI, 143.
76
Oxford Reference Dictionary. Oxford University Press, 1980, s.v., 736. Nova edição em 2000.
77
G. Bosco, Storia ecclesiastica ad uso delle scuole: nuova edizione migliorata ed accresciu­ta. Turim:
Tip. Oratorio di San Francesco di Sales, 1870, 309-310.

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Dom Bosco: história e carisma 3

exemplo, no Boa-Noite de 12 de maio de 1875.78 Entretanto, ele manteve o


termo selvagens para designar os indígenas não civilizados e não evangeliza-
dos, assim como algumas expressões que caracterizavam esse termo.
Os dados antropológicos e etnográficos de que dispunha para referir-
-se às populações indígenas são, em sua maior parte, incorretos, fruto da
sua bagagem cultural genérica. Assim, no primeiro sonho missionário, os
selvagens são descritos como “gente bruta” que “assassina brutalmente e es-
quarteja [os missionários]”. No ensaio sobre a Patagônia, escrito e preparado
pelo padre Barberis para Dom Bosco em 1876, descreve-se os patagônios de
modo parecido:

Esta numerosa população ainda vive na escuridão e nas sombras da morte,


num estado completamente selvagem [...]. Até agora a voz dos missionários
não pôde ser ouvida em toda essa imensa região, apesar das numerosas ten-
tativas de evangelização através dos séculos. O fracasso se deve à ferocidade
com que os indígenas frustraram cada tentativa, visto que assassinaram com
selvageria todos os missionários que ousaram aproximar-se deles, e também
comeram sua carne.79

As descrições dos indígenas feitas por Dom Bosco em seus sonhos não
refletem a realidade, mas as imagens habituais de seu contexto cultural. As-
sim, os selvagens que vê no primeiro sonho missionário (1871-1872) são
descritos como “quase nus, de altura e compleição extraordinárias..., bronzea-
dos”. Esta descrição é mais apropriada para os indígenas da literatura român-
tica e das enciclopédias do século XIX do que de qualquer espécie real, tanto
fueguina como patagônia.

A altura dos patagônios foi tremendamente exagerada na literatura român-


tica. A ideia de que eram gigantescos tem sua origem no relatório de Antô-
nio Pigafetta, cronista da viagem de Fernando de Magalhães na expedição
de 1519-1520. Escreve que os patagônios (tehuelches) eram tão altos que
os europeus da expedição não lhes chegavam mais do que à cintura. Estes
indígenas extinguiram-se, mas se aceita que, de fato, eram de uma raça alta e
atlética. A altura média dos homens é estimada em um metro e setenta e cin-
co centímetros. Era frequente ver indivíduos de mais de um metro e oitenta,
também alguns de dois metros.80

78
MB XI, 146s.
79
J. Borrego, Patagonia, 255-418.
80
S. Kuzmanich, Cuatro pueblos, 30-31.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

Quantidade de povos indígenas do sul da América do Sul


Em relação à quantidade e distribuição das populações indígenas, Dom
Bosco menciona grande número de indivíduos, tanto nos sonhos como no
ensaio já mencionado. O autor, padre Barberis para Dom Bosco, apresenta
vários cálculos, fixa o número da população indígena na Patagônia e Terra
do Fogo no momento em que escrevia (1876), em não menos de quatro
milhões. Manteve esse número, apesar da informação recebida dos salesianos
na América do Sul. A ideia de Dom Bosco sobre o número de indígenas, em
especial sua fixação de que ainda havia muita população a descobrir, foram
ridicularizadas em Roma.
O número de indígenas nessas regiões no século XIX era, na verdade,
bastante escasso. Borrego, em sua edição crítica do ensaio sobre a Patagônia,
cita estimativas na época de Dom Bosco, em 1876:

1o Padre Cagliero informa que há 30 mil nos Pampas e 40 mil na


Patagônia.
2o A. D’Orbigny, cujas obras foram fonte para o ensaio de Barberis-
-Bosco sobre a Patagônia, apresenta estas cifras: araucanos (pam-
pas), 30 mil; fueguinos (onas, norte e sul, yahgans e alakalufes), 4
mil; patagônios (te­huelches, puelches etc.), 32,5 mil.
3 F. Lacroix e N. Dailly apresentam quantidades menores para a
o

região do rio Negro até o Cabo de Hornos, a totalidade da Pata-
gônia: 8 mil a 10 mil.
4 J. Moroni: dos Pampas ao Cabo de Hornos: 319,6 mil. É a maior
o

estimativa de todas, considerada normalmente como improvável.


5 R. Napp, V. Martin de Moussy: cerca de 30 mil no total.
o

6o O padre salesiano Lino Carbajal apresenta as seguintes estimativas
para os indígenas, em estado selvagem, ou seja, não civilizados: [I]
No início do século XIX, do rio Colorado até o cabo Hornos: uns
50 mil. [II] Em 1880, quando os salesianos iniciaram sua primeira
missão com os indígenas: na Patagônia, 23 mil; na Terra do Fogo,
8 mil. [III] Em 1900, momento em que ele escreve: na Patagônia,
5,5 mil; na Terra do Fogo, 4,2 mil.81
7o Padre Lourenço Massa (SDB) cita várias estimativas: [I] A. Cañas
Pinochet: em 1886, os onas-shelkmam somavam uns cinco mil.

81
MB XVIII, 388s; Annali I, 587f.

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Dom Bosco: história e carisma 3

[II] Tomás Bridge, apóstolo anglicano dos yamanas, em 1883, so-


mavam uns três mil. Numa pesquisa francesa de 1882, chegavam
a dois mil e oitocentos. [III] Registros oficiais chilenos: em 1887,
os alakalufes somavam uns 900 e os tehuelches, apenas dois mil.82
Na verdade, não existe um estudo plausível sobre o número de indígenas.
Como acontece nos povos nômades, eram poucos e deviam vagar por amplos
territórios para subsistirem. As condições climáticas extremas e outras durezas
do meio físico (como a dieta pobre) mantiveram essa quantidade baixa; além
disso, havia elevada taxa de mortalidade, especialmente entre as crianças.

Grupos de mulheres ona com seus filhos.

Os povos descritos acima se moviam pelos seus territórios em peque-


nos grupos tribais, cada um com não mais de 100-150 indivíduos (homens,
mulheres e crianças); em apenas alguns poucos casos está documentado que
chegassem a 500. Quando a Argentina e o Chile começaram a expansão siste-
mática de suas fronteiras para o sul, na década de 1870, o número de nativos
decresceu rapidamente. Quatro fatores contribuíram para isso:

L. Massa, Monografía de Magallanes. Punta Arenas (Chile): Tip. Salesiana, 1945; A. CaÑas
82

Pinochet, La geografía de la Tierra del Fuego y noticias de antropología y etnografía de sus habitantes” .
In: S. Kuzmanich, Cuatro Pueblos, 113-120.

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Presença salesiana na América do Sul. 2. Vocação missionária de Dom Bosco...

1o Perda do habitat natural e, como consequência, da caça e da pesca,


seu meio de subsistência.
2o Enfrentamento armado com os colonos em que os pequenos gru-
pos sofreram grandes perdas, do que poucos se recobraram.
3 Doenças transmitidas pelos colonos brancos.
o

4o Absorção gradual através dos casamentos mistos.


O último salesiano missionário, no sentido mais estrito do termo, padre
Frederico Torre, visitou pequenos grupos de indígenas em 1945; não pôde
contar mais do que 400 indivíduos, a saber: tehuelches, 180 na Argentina,
nenhum no Chile; alakalufes, uns 130, com seu centro em Puerto Edén,
costa oeste da ilha de Wellington, e nos canais do norte; onas, na missão Can-
delara, ilha Gran­de, na Terra do Fogo, 25 indivíduos; yamanas, que viviam
na ilha de Nava­rino, Chile, e arredores, menos de 40. Em 1976, este grupo
reduziu-se a 6-10 pessoas. A bela raça dos onas desaparecera com a morte de
seu último representante, uma mulher.

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Capítulo V

PRESENÇA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL.


3. MISSÕES SALESIANAS

A proposta oficial argentina, aceita por Dom Bosco, não fazia qualquer
referência à evangelização das tribos indígenas da Patagônia e Terra do Fogo.
Reduzia-se à igreja italiana de Nossa Senhora das Mercês, em Buenos Aires,
e a uma escola em San Nicolás de los Arroyos, mais ou menos a 160 quilô-
metros a noroeste.

1. Objetivo missionário de Dom Bosco ao aceitar a


oferta argentina
Dom Bosco, contudo, não tardou a ver as possibilidades especifica-
mente missionárias da proposta, que correspondia aos planos missionários
que fora cultivando e às sugestões do sonho de 1871-1872. Em suas tra-
tativas com as instâncias argentinas, falou apenas da obra salesiana típica
para os jovens da paróquia, da escola e do Oratório etc.1 Diferentemente,
quando tratava com os salesianos ou a Santa Sé, falava de missões reais.
Como escreve numa carta circular em que convidava os salesianos a se apre-
sentarem como voluntários:
Entre as numerosas propostas recebidas para o estabelecimento de uma mis-
são estrangeira, parece preferível aquela apresentada pela República Argenti-
na. Na Argentina, além das regiões já civilizadas, há imensos territórios ha-
bitados por populações selvagens. É nesse setor que, pela graça de Deus, os
salesianos são chamados a manifestar o seu zelo.2

1
Por exemplo, em cartas ao padre Ceccarelli, 25 de dezembro de 1874, em Epistolario IV Motto,
372-373, e, em latim, a dom Aneyros, 15 de novembro de 1875, em Epistolario IV Motto, 552-553.
2
Carta circular, 5 de fevereiro de 1875, em Epistolario IV Motto, 407-409.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Dom Bosco esboçou um plano para a evangelização das tribos nativas


num memorando ao cardeal Alexandre Franchi, prefeito da Congregação
para a Propagação da Fé; nele, fala da escola de San Nicolás como seminário
e campo de treinamento para a missão.

A estratégia que parecia ter mais probabilidades de sucesso era a de estabe-


lecer abrigos, escolas, internatos e centros de ensino nas regiões fronteiriças
dos nativos. Entretanto, em contato com as crianças, o fácil passo seguinte
seria pôr-se em contato com suas famílias, e assim fazer uma ponte com as
tribos dos indígenas. Esta cidade [San Nicolás] está a apenas 60 quilômetros
de onde vivem os indígenas. A partir desta [situação vantajosa], os salesianos
poderiam estudar o idioma, a história e os costumes desses povos. Seria tam-
bém possível desenvolver vocações de missionários nativos entre os alunos...
Chama-se escola de San Nicolás, com a finalidade de não ofender as sensibi-
lidades nacionais. Mas, na realidade, é um seminário, ou seja, uma escola em
que se formam as vocações missionárias para o trabalho entre os indígenas.3

A não possível atividade missionária salesiana imediata entre


os nativos
Esta estratégia de evangelizar indígenas por meio de vocações nativas
era muito idealista para ser concretizada. Os salesianos não podiam realizar
missões entre os indígenas, devido à escassez de pessoal, às dificuldades lin-
guísticas e culturais, à organização eclesiástica e pelo fato de que, aos olhos
das autoridades eclesiásticas de Buenos Aires, eles estavam ali para cuidar dos
pobres nos bairros da cidade. Não eram vistos como missionários. Além disso,
os enfrentamentos armados na fronteira sul entre o governo argentino e os
indígenas complicavam as coisas.
Dom Bosco, contudo, não deixava de falar e escrever em termos entu-
siasmados e otimistas sobre a conversão dos nativos e a estratégia que pensara
há muito tempo: os internatos previstos para os jovens indígenas que ser-
vissem também como seminários menores para as vocações nativas. E o fez
escrevendo aos salesianos e às autoridades romanas. Dessa forma, manteve
vivo o espírito missionário entre os salesianos e jovens, e favoreceu a ideia de
possíveis territórios de missão perante as autoridades romanas.
As perspectivas, porém, para a atividade dos missionários entre os indíge-
nas não eram boas. É certo que houve alguma ação missionária nos Pampas, ao
3
Dom Bosco ao cardeal Franchi, 10 de maio de 1876: FDB 23 A3-6 (autógrafo), em Episto­lario
III Ceria, 58-61.

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Dom Bosco: história e carisma 3

sul e sudoeste das regiões de Buenos Aires. Ali, os Padres da Missão [de São Vi-
cente de Paulo] estabeleceram uma missão em Los Toldos e uma base na foz do
rio Negro, onde estavam os postos militares de Carmen de Patagones e Viedma.
A partir dessa base, atendiam aos colonos ou gaúchos; ocasionalmente, também
se puseram em contato com os nativos dos arredores. Em 1872, os franciscanos
evangelizaram as tribos ranqueles dos Pampas. Entretanto, as constantes hostili-
dades na fronteira tornavam impossível uma atividade missionária continuada.
Dom Bosco persistiu em suas ideias e sonhos sobre as missões; para ele, a
proposta da Argentina dava oportunidades que iam além das igrejas e escolas
em Buenos Aires e San Nicolás. Era só uma questão de tempo; a hora das
missões haveria de ecoar.

Solução de Dom Bosco para a questão dos imigrantes italianos


Segundo informa padre Barberis em sua crônica, em fevereiro de 1876,
Dom Bosco falou de um plano audacioso que apresentaria ao primeiro-mi-
nistro da Itália numa próxima visita a Roma.

Dom Bosco esteve a considerar seriamente uma ideia que, de início, podia
parecer absurda, mas que, apesar disso, apresentará ao [primeiro-ministro]
Minghetti. A proposta é estabelecer uma [colônia de imigrantes italianos]
na América do Sul, especificamente na Patagônia. O primeiro passo seria
estabelecer um forte ou paliçada; depois, aos poucos, em sucessivas incursões,
poder-se-ia dominar toda a região; e, ao mesmo tempo, os indígenas [selvag-
gi] poderiam ser civilizados. Os missionários salesianos estariam à disposição
para facilitar o processo neste último aspecto.
Dom Bosco propôs seu plano pela primeira vez na noite de sábado 5 [de
fevereiro de 1876]. Nesse ínterim, chegaram cartas do padre Cagliero, porta-
doras de excelentes notícias das missões [ou seja, da obra salesiana em Buenos
Aires]. Dessa forma, no dia seguinte, à noite, Dom Bosco voltou a falar de
seu plano com mais detalhes e de uma maneira que o fez parecer factível. E
acrescentou: “A primeira coisa que farei ao chegar a Roma será apresentá-lo
ao [primeiro-ministro] Minghetti”.4

Enquanto isso, apesar de muitos compromissos e preocupações, Dom


Bosco continuava obcecado com seus “projetos patagônicos”; dedicou muito
tempo e energia a articulá-los para si e para as autoridades. Escreveu ao padre
4
Crônica autógrafa de Barberis, caderno IV, 46-47, entrada de 5-6 de fevereiro de 1876: FDB
837 D6-7.

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Cagliero que trabalhava numa “série de projetos que aos olhos do mundo
pareceriam sonhos de um louco”.5 Provavelmente, ele se referia ao plano que
preparara para solucionar a questão dos imigrantes.
Dias antes desta carta, em abril de 1876, ele apresentara ao ministro ita-
liano de Assuntos Exteriores um plano para o estabelecimento de uma colô-
nia de imigrantes italianos. Essa colônia, “completamente italiana no idioma,
nos costumes e no governo”, daria as boas-vindas aos imigrantes italianos da
Argentina, do Chile, do Uruguai e do Paraguai e se estabeleceria na região
costeira, entre Rio Negro e o estreito de Magalhães. Dom Bosco acreditou
erroneamente que a região era uma espécie de terra de ninguém, “sem hospe-
darias, sem portos e nenhum governo estabelecido”.6
Um mês depois, escrevendo ao prefeito da Congregação para a Propaga-
ção da Fé, sugeria que se devia criar uma prefeitura apostólica “que exercesse
a autoridade eclesiástica sobre os habitantes dos Pampas e da Patagônia”, por-
que (assim acreditava) “nenhuma autoridade civil ou eclesiástica tinha influ-
ência nem poder algum... sobre essa vasta região”, pois carecia de qualquer
administração diocesana ou civil”.7
As cartas de Buenos Aires dos padres Fagnano e Cagliero indicaram-lhe
respeitosamente que o projeto não era factível. Padre Cagliero escrevia:

É temerário até mesmo mencionar [tal] coisa por aqui. Não estamos entre os in-
fiéis! Nem sequer podemos falar de nós mesmos como missionários apostólicos!
Depois de contatarmos os nativos e termos trabalhado entre eles durante alguns
anos, veremos... Em relação à Patagônia, é uma empresa para a qual os salesianos
ainda não estão preparados... É fácil fantasiar sobre ela, mas difícil de realizá-la na
prática... Temos de trabalhar para isso com zelo e paciência, sem fazer ruído. Não
podemos pretender, nós que acabamos de chegar, conquistar uma terra que nos é
desconhecida, com uma língua que não podemos falar... O senhor, porém, reve-
rendo pai, se o senhor pensa que é o correto, não dê importância ao raciocínio de
minha prudência demasiado humana, para não interferir nos planos de Deus!8

A resposta do ministro Melegari, através de seu secretário, Tiago Malva-


no, chegou três meses depois. Ele escreveu cortesmente:

Dom Bosco ao padre Cagliero, 27 de abril de 1876, em Epistolario III Ceria, 52. Para um
5

comentário destes projetos e sobre o conhecimento geográfico de Dom Bosco destas regiões do sul da
Argentina em 1876, cf. J. Borrego, Primer proyecto, 21-72.
6
Dom Bosco ao ministro Melegari, Memorandum, 16 de abril de 1876, em Epistolario III Ceria, 44-45.
7
Dom Bosco ao cardeal Franchi, Memorandum, 10 de maio de 1876, em Epistolario III Ceria, 60.
8
Padre Cagliero a Dom Bosco, 5-6 de março de 1876, em ASC A131.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Quanto ao projeto para a colonização da Patagônia, o ministro se reserva o


direito de examinar suas repercussões... Em vista do recente retorno da velha
disputa entre Chile e Argentina pela divisão de suas regiões, parece mais pru-
dente adiar qualquer ação até uma ocasião mais adequada.9

Dom Bosco reconheceu o seu erro, mas continuou a sustentar que “um
sistema de colonização” era “o meio mais conveniente para cristianizar e civi-
lizar os povos [da Patagônia]”. Ele nunca renunciou ao plano de erigir cano-
nicamente um ou mais vicariatos, pois os considerava como essenciais para
consolidar a ação de difundir o Evangelho, que culminaria na plantatio Ecclesiae
e na “criação de uma forma estável de civilização entre esses povos”. O vicariato
apostólico seria “o centro das colônias estabelecidas e das que, com a ajuda do
Senhor, esperava que fossem criadas”.

Carta de Tiago Malvano, secretário do ministro de


Assuntos Exteriores, a Dom Bosco, 18 de agosto de 1876.

9
Tiago Malvano a Dom Bosco, 18 de agosto de 1876: FDB 1543 A5, citado em J. Borrego,
Originality, 479, nota 41.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

2. Dom Bosco, impaciente para iniciar a atividade


missionária
Entretanto, Dom Bosco não duvidava em falar e dar publicidade aos
seus planos de missão entre os selvagens. Contudo, seriam precisos mais
alguns anos, antes que os salesianos pudessem estabelecer uma base em
Carmen de Patagones, em 1880, e começar a atividade missionária entre
os indígenas.10

De Buenos Aires, conselhos prudentes


Padre Cagliero escreveu ao padre Rua: “O senhor vive num mundo de
fantasia: ‘Ide e pregai aos nativos, convertei e civilizai os nativos!’. Não po-
demos nem sequer encontrar um caminho... Todo mundo, a começar pelo
arcebispo, aconselha-nos a esperar o nosso momento”.11
Essas motivações foram decisivas. Dom Bosco respondia simplesmente:
“Aquilo que escreves sobre a Patagônia está em pleno acordo com meus pró-
prios sentimentos sobre a questão”.12 Os projetos utópicos de Dom Bosco
deviam aceitar, forçosamente, a dura realidade enfrentada por seus salesianos
no campo concreto. Seu fervor missionário e a impaciência haveriam de
suavizar-se pelo doloroso processo de estabelecer as bases e conseguir uma
abertura. Dom Bosco, porém, considerava que o trabalho missionário ob-
teria o reconhecimento oficial dos salesianos na Igreja como “missionários
apostólicos”, através da criação de vicariatos ou prefeituras.
Enquanto isso, dom Aneyros aconselhava aos salesianos a consolidarem
sua posição em Buenos Aires e em toda a região do Prata, que lhes serviria
de base e centro. Deveriam ampliar sua ação em paróquias e escolas e nas es-
truturas de formação já constituídas. E, para preparar-se ao eventual contato
com os nativos, os salesianos deveriam desenvolver uma estratégia pastoral
adequada. Padre Cagliero estava totalmente de acordo.

Atividade militar do governo argentino para alargar a fronteira ao sul


Na década de 1870, a fronteira sul da Argentina não se estendia além
do limite próximo dos Pampas e do rio Colorado. Os soldados construíram
uma série de fortes ou paliçadas na fronteira para proteger os assentamentos e

10
Cf. J. Borrego, Proyecto, 61-67.
11
Padre Cagliero ao padre Rua, 20 de dezembro de 1876.
12
Epistolario III Ceria, 170.

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Dom Bosco: história e carisma 3

procuravam empurrar os nativos para o sul. Os indígenas, porém, voltavam;


embora saíssem vencidos das escaramuças, na prática só se tratava de um
afastamento temporário. O catalisador da resistência era o chefe araucano
Calcufurá, que morreu em junho de 1873. A resistência, todavia, continuou
com seu filho Manoel Namuncurá; os enfrentamentos continuaram com
crescente frequência e violência.
Em 1875, o ministro da Defesa, general Alsina, propôs a construção
de um grande canal ou fosso na divisa dos Pampas, para manter os nativos
afastados. O plano foi abandonado, mas ainda em 1875, o governo argentino
iniciou um esforço contínuo e organizado para estabelecer o controle perma-
nente da Patagônia pela Argentina.
O plano era exigido não só pelas ameaças dos nativos, mas também por
outros fatores. Um deles era o temor de que a Grã-Bretanha, que mantinha
o controle das Malvinas (Falkland), tentasse penetrar até a Patagônia. Outra
razão, e mais grave, era a tentativa do governo chileno de controlar parte
desse território.
Em abril de 1879, o general Júlio Roca, sucessor de Alsina como
ministro da Defesa, organizou uma grande expedição militar com a fi-
nalidade de ampliar a fronteira mais ao sul e fazer com que os indígenas
retrocedessem além dos rios Negro e Neuquén. Com isso, a Argentina
garantiria o controle indiscutível da Patagônia. Monsenhor Mariano
Antônio Espinosa, vigário de Buenos Aires, e os salesianos, padre Tiago
Costamagna e clérigo Luís Botta, uniram-se à expedição como capelães.
Sempre ciente dos acontecimentos, Dom Bosco escreveu à Santa Sé uma
nota de triunfo:

No dia de hoje, 20 de abril de 1879, três missionários salesianos, acompa-


nhando uma expedição encabeçada pelo ministro da Guerra, partiram para
o território dos índios dos Pampas. Seu propósito é resgatar o maior número
possível daquelas crianças que, parece, estão condenadas ao massacre pela
política do governo argentino.13

Em 27 de abril de 1879, contataram pacificamente os indígenas em


Carhué e, mais a sudoeste, em Choele-Choel, no rio Negro, porta de entrada
para a Patagônia. E ali foi celebrada a santa missa perante os olhares dos nati-
vos. A viagem terminou em Carmen de Patagones na foz do rio Negro, onde
padre Costamagna pregou uma missão aos colonos.

13
Dom Bosco à Santa Sé (Leão XIII), 20 de abril de 1879, em Epistolario III Ceria, 468-470.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Os salesianos estabelecem-se em Carmen de Pagones e em Viedma


Dom Aneyros previra entregar aos salesianos as paróquias de Carmen de
Patagones e Viedma, na foz do rio Negro, de onde se poderia iniciar a conta-
tar os nativos que viviam ao longo do rio. Entretanto sentiu-se na obrigação
de confiar as paróquias aos Padres da Missão, que tiveram de abandonar Los
Toldos (Pampas).

Terra do Fogo: Missão de São Sebastião, primeira fundação salesiana entre nativos (1893).

Mediante uma carta dirigida ao arcebispo Aneyros, em 15 de agosto


de 1879, os Padres da Missão renunciaram a Patagones, por causa da falta
de pessoal. Então, o arcebispo confiou a paróquia aos salesianos. Em 2 de
fevereiro de 1880, padre Fagnano foi nomeado pároco. Alguns meses depois,
padre Emílio Rizzo foi designado pároco de Nossa Senhora das Mercês, em
Viedma, futura sede do vicariato na margem sul do rio.14 Foi assim que, a
partir das duas bases, o trabalho propriamente missionário salesiano estende-
ria seus ramos, nos próximos anos, ao longo do rio Negro.
Enquanto isso, a campanha do general Roca para controlar o terri-
tório defrontou-se com a feroz resistência de muitos grupos de indígenas
mapuches liderados pelo cacique Manoel Namuncurá. As escaramuças

14
J. Borrego, Primo iter, 78-85.

185

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Dom Bosco: história e carisma 3

continuaram por alguns anos, com resultados, em geral, indefinidos; mas


com considerável perda de vidas dos nativos. Alguns foram para o Chile,
enquanto outros se renderam e foram aprisionados ou recrutados para
o exército argentino. Em fins de 1882 e em 1883, o general Conrado
Villegas, a quem o general Roca entregara o comando da fronteira do rio
Negro, iniciou outra campanha que obrigou Namuncurá a se render. Pa-
dre Domingos Milanésio atuou como intermediário nas negociações que
pacificaram a região sob o controle argentino. Essas operações militares
impediram em grande parte a atividade salesiana. Após 1883, cessando
a ação militar, a atividade missionária salesiana entre os restantes grupos
tribais recobrou impulso ao longo do vale do rio Negro, até chegar aos An-
des. O relatório do padre Fagnano, de 1883, descreve o primeiro sucesso
missionário dos salesianos.15
A fundação em Carmen de Patagones e no rio Negro marcou a fase
inicial da atividade missionária salesiana. Fique claro que os salesianos come-
çaram a sua ação missionária entre os indígenas sob o patrocínio da arquidio-
cese de Buenos Aires, não como missionários apostólicos. A obra missionária
salesiana só passou à jurisdição da Congregação para a Propagação da Fé
quando foi criado o vicariato (1883-1885); desde então, os salesianos se con-
verteram em missionários de “direito apostólico”. Dom Bosco celebrou essa
conquista como o maior triunfo da Congregação e como profecia da futura
expansão da obra salesiana na América do Sul.

3. Dom Bosco busca o reconhecimento oficial das


missões salesianas
Na verdade, ainda antes da efetivação da primeira etapa do projeto
missionário, quando os salesianos da primeira expedição estavam inician-
do a obra em Buenos Aires e San Nicolás, Dom Bosco pedira à Santa Sé o
reconhecimento oficial da atividade missionária da Congregação Salesia-
na mediante a criação de vicariatos ou prefeituras. O reconhecimento da
Santa Sé concederia o status apostólico à atividade das missões salesianas
na Patagônia.
15
A história da pacificação da província do Rio Negro é contada em MB XVI, 370s. Padre Do-
mingos Milanésio (1843-1922) fez-se salesiano em 1869, foi ordenado padre em 1873 e participou da
terceira expedição missionária de 1877. Em 1880 uniu-se ao pequeno grupo que fundou a missão em
Rio Negro e distinguiu-se como missionário atuante. Em 1883, atuou como intermediário na rendição
do chefe Namuncurá, a quem converteu; em 1888, batizou Zeferino, filho de Namuncurá; e veio a
falecer em Bernal, Argentina, em 1922.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Importância do reconhecimento da Santa Sé


Dom Bosco dava a maior importância a esse ato oficial de aprovação, a
ponto de esta nova etapa do projeto converter-se na preocupação absorvente
de todos. Ele chegou praticamente a considerar sua concretização como uma
reivindicação da Congregação Salesiana e sua missão na Igreja. E escreveu ao
padre Costamagna que, nessa época, sucedera como provincial ao falecido
padre Bodrato (1880):

A obtenção da ereção de uma prefeitura ou de um vicariato apostólico da


Patagônia é de suma importância. O Santo Padre o quer e o está urgindo. É
vantajoso também para nós, porque, sem ela [confirmação oficial] não con-
taremos com o apoio da Congregação para a Propagação da Fé, nem com o
da sociedade da Propagação da Fé, de Lyon, nem com o da Santa Infância.
Parece que nem o padre Bodrato nem tu mesmo estais conscientes da impor-
tância desse projeto.16

Ao padre Fagnano, escreveu em 1881:

A missão da Patagônia é o maior empreendimento de nossa Congregação.


Tudo te será contado no devido tempo. Mas devo logo avisar-te, que te estão
impondo grandes responsabilidades. A ajuda de Deus, porém, não faltará.17

Desde 1876, Dom Bosco solicitara esse reconhecimento à Congregação


Romana.

Ensaio de Dom Bosco sobre a Patagônia, pesquisado pelo padre


Barberis (1876)
Patagônia não era uma palavra comum em Roma. As autoridades da
Igreja queriam informação mais detalhada sobre a terra e a população indí-
gena. Por isso, a pedido do prefeito da Congregação para a Propagação da
Fé, foi solicitado a Dom Bosco que apresentasse um memorando a respeito.
Tinha à disposição a pesquisa do padre Barberis, A Patagônia e as regiões mais
austrais do continente americano. O resultado constituiu uma importante mo-
nografia que, assinada por Dom Bosco, em 20 de agosto de 1876, foi apre-
sentada à sagrada Congregação.18

16
Dom Bosco ao padre Costamagna, 31 de janeiro de 1881, em Epistolario IV Ceria, 7.
17
Dom Bosco ao padre Fagnano, 31 de janeiro de 1881, em Epistolario IV Ceria, 13-14.
18
G. Bosco, La Patagonia e le terre australi del continente americano. Turim, 1876.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Na conclusão da obra, descreviam-se os possíveis novos projetos para a


evangelização da Patagônia, baseados nas propostas que os salesianos estavam
apresentando e o padre Cagliero estava avaliando como possíveis pontos de
partida para a missão.
Por exemplo, como já se mencionou, a paróquia de Patagones era uma
possibilidade; mas foi concedida aos Padres da Missão. Falou-se de muitas
outras possibilidades. Oferecia-se uma capelania em Carhué, onde o exército
argentino estabelecera uma nova fronteira ao sul. Padre Cagliero e outros
dois salesianos receberam um convite para ir e permanecer com duas tribos
indígenas de Chubut, na Patagônia central. O governo argentino estava para
fundar uma colônia em Santa Cruz, na Patagônia austral onde os salesianos
poderiam ser capelães. Lamentavelmente, porém, por diversas razões, esses
planos não se materializaram. As capelanias de Carhué e de Santa Cruz, por
exemplo, estariam a serviço dos militares; padre Cagliero pensou que essa
ligação seria imprópria. A oferta de Chubut teve de ser recusada pela forte
presença de missionários protestantes galeses no local.

Propostas apresentadas por Dom Bosco à Congregação para a


Propagação da Fé
Logo que os primeiros salesianos estabeleceram-se em Buenos Aires e
San Nicolás, Dom Bosco começou a trabalhar sobre o seu projeto missioná-
rio perante as autoridades romanas. O ensaio sobre a Patagônia (1876) é um
exemplo disso. Parece, também, que concebesse e falasse do empreendimento
em termos de missão. Entre 1876 e 1883 concretizaram-se neste sentido nu-
merosos intercâmbios e negociações.
No memorando ao cardeal Franchi, depois de expor sua estratégia para a
evangelização das tribos indígenas fora de San Nicolás, acrescenta:
Peço humildemente a Vossa Eminência:

3o A criação de uma prefeitura apostólica, que pudesse exercer autoridade


eclesiástica sobre os indígenas dos Pampas e da Patagônia, que até agora
não foram sujeitos a nenhum ordinário diocesano nem a qualquer gover-
no civilizado.19

Em nota posterior ao mesmo prefeito, ao falar da criação da obra salesia-


na na Argentina e no Uruguai como missão e dos movimentos militares do

19
Dom Bosco ao cardeal Franchi, 10 de maio de 1876, em Epistolario III Ceria, 58-61.

188

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

governo para ampliar a fronteira sul, Dom Bosco sugeria-lhe a ereção de uma
Prefeitura Apostólica em Carhué e de um Vicariato em Santa Cruz.20
Pouco depois, em carta ao cardeal João Simeoni, recém-nomeado pre-
feito da Congregação para a Propagação da Fé, propunha a criação de um
vicariato ou de uma prefeitura em Carmen de Patagones na foz do rio Negro.
Aqui “dois conhecidos chefes [nativos] pedem nossos missionários, com ga-
rantias de ajuda e proteção”.21
O cardeal Caetano Alimonda, arcebispo de Turim, e monsenhor Do-
mingos Jacobini foram nomeados delegados para estudar a proposta. Du-
rante essa fase das negociações, Dom Bosco escreveu a Leão XIII em 1880,
quando os salesianos, embora já estabelecidos na Patagônia, ainda não tives-
sem iniciado nenhuma atividade missionária.

Por obediência ao mandato de Sua Santidade, tive uma longa entrevista com
Sua Eminência o cardeal Alimonda e com o reverendíssimo monsenhor Ja-
cobini... Nós três concordamos que se deve erigir um vicariato apostólico
para as colônias [missões] estabelecidas no rio Negro e que se deve fundar na
Europa um seminário para preparar os operários evangélicos.

No detalhado “Relatório sobre as missões salesianas”, ou melhor, sobre


o trabalho salesiano na Argentina e no Uruguai, acrescentado à carta, Dom
Bosco assinalava que o governo argentino acabava de criar a província da
Patagônia. Sugeria que o vicariato pudesse ter o mesmo nome e abranger o
mesmo território, incluindo todas as terras a leste da cordilheira dos Andes
“até que se erija outro vicariato em Santa Cruz”.22
Ele formulou a proposta definitiva depois de novas consultas e negocia-
ções, num memorando ao cardeal Simeoni, redigido laboriosamente em 29 de
julho de 1883. A proposta contemplava três vicariatos e/ou prefeituras. Dom
Bosco propunha a criação imediata do vicariato da Patagônia (Rio Negro)
com sede em Carmen de Patagones e a prefeitura da Patagônia austral (Santa
Cruz). A Patagônia central (Chubut), ainda sem desenvolvimento e “com-
pletamente sob o controle protestante”, estaria sob o patrocínio do vicariato
20
Dom Bosco ao cardeal Franchi, 31 de dezembro de 1877, em Epistolario III Ceria, 256­-261. Cf.
MB XIII, 768s. Em Carhué, nos Pampas a sudoeste de Buenos Aires, e em Santa Cruz, na costa atlântica
na Patagônia, havia postos militares. Padre Cagliero recusou a oferta de os salesianos serem capelães ali.
21
Dom Bosco ao cardeal Simeoni, março de 1878, em Epistolario III Ceria, 320-321. Nessa car-
ta, Don Bosco também declara sua disposição de preparar missionários “para o vicariato de Mangalore,
Índia, ou para alguma outra missão”.
22
Epistolario III Ceria, 567-575; MB XIV, 623s: carta e relatório de Dom Bosco a Leão XIII,
1º de abril de 1880.

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Dom Bosco: história e carisma 3

norte, enquanto não se pudesse estabelecer ali outro vicariato. Igualmente, a


prefeitura do sul se manteria sob o patrocínio geral do vicariato norte, a menos
que o Santo Padre decidisse que houvesse um vicariato independente.
Quando lhe pediram para apresentar candidatos para esses postos,
Dom Bosco encaminhou os nomes dos padres Cagliero ou Costamagna para
o vicariato norte (e central), e o do padre Fagnano, para o sul da Patagônia.
Dom Bosco elogiou os três como “homens fortes e muito trabalhadores,
bons pregadores, acostumados ao trabalho e de condição moral inatacável”.
Elogiava padre Fagnano como o mais adequado para o sul da Patagônia,
porque era “um homem de físico poderoso e imperturbável diante dos tra-
balhos e perigos”.23
Nessa época, fim de julho de 1883, Dom Bosco parou com as gestões
e esperou a decisão de Roma. Dias antes, a obra salesiana estabelecera-se em
Niterói (Brasil).24
Um mês depois, reunia-se o III Capítulo Geral da Congregação. As mis-
sões eram representadas pelos padres Cagliero e Costamagna.25 Embora as mis-
sões não fossem um tema da agenda do Capítulo, deram seguramente ocasião
de animada conversação.26 Padre Costamagna mantivera o primeiro contato
com os indígenas mapuches durante a expedição de 1879 e celebrara uma
missa memorável diante deles, em Choele Choel. Os dois missionários cria-
ram um verdadeiro rebuliço com seus relatórios. O próprio Dom Bosco, sem
dúvida, atiçaria as chamas, dando explicações sobre o grande projeto e seus
planos futuros. Eram as próprias pessoas que Dom Bosco nomeara para o car-
go de vigário apostólico em sua proposta à Santa Sé. Isso talvez ainda não fosse
de conhecimento público, mas certamente Dom Bosco lhes abriu o coração e
eles puderam compartilhar os sucessos, decepções e projetos futuros.
Nesse clima, no último dia dos Exercícios, Dom Bosco, que esperava a
iminente decisão da Santa Sé com ansiedade e grandes expectativas, teve um
sonho, o segundo sonho missionário.27

23
Dom Bosco ao cardeal Simeoni, 29 de julho de 1883, em Epistolario IV Ceria, 225-227. Cf.
MB XVI, 375s.
24
MB XVI, 366s; Annali I, 457-460.
25
Cf. ASC D579, Capitoli Generali presieduti da Don Bosco: FDB 1863 E7, onde aparece a
lista oficial dos participantes, 35 no total.
26
Nem a carta de convocação de Dom Bosco de 20 de junho de 1883, nem os oito temas indi-
cados na mesma data, nem as minutas do Capítulo, nem suas atas, publicadas conjuntamente com as
do CG IV em 1887, dão a entender que se falasse das missões. Cf. Epistolario IV Ceria, 221-222; ASC
D578: Capitoli Generali: FDB 1863 E7 - 1864 B6; OE XXVI, 249-280.
27
Cf. o capítulo seguinte.

190

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Aprovação oficial da atividade missionária salesiana


Padre Costamagna já estava em alto-mar com destino às missões à frente
de um grupo de 20 salesianos e 10 Filhas de Maria Auxiliadora, quando a
Congregação para a Propagação da Fé tomou a decisão.28 Lamentavelmen-
te, pelos decretos de 16 e de 20 de novembro de 1883, erigiu-se apenas o
pró-Vicariato da Patagônia norte e uma prefeitura para a Patagônia austral
e Terra do Fogo, nomeando respectivamente os padres Cagliero e Fagnano
para esses postos. A decisão da Santa Sé, pela qual estabelecia territórios de
missão sob o patrocínio da Congregação para a Propagação da Fé convertia os
salesianos em missionários apostólicos. A disposição concedia menos do que
Dom Bosco esperara, pois nem o padre Fagnano como prefeito, nem o padre
Cagliero como pró-vigário seriam nomeados bispos.
Em uma reunião do Capítulo Superior, celebrado em Alassio em 5 de
abril de 1884 e presidida por Dom Bosco, foi comentada a decisão da Santa
Sé. Dom Bosco insistiu que era importante para a Congregação Salesiana
ter um vicariato pleno e um bispo. Anotou-se que o delegado apostólico
na Argentina, dom Luís Matera, se opunha a erigir um pró-Vicariato, por
motivações políticas, eclesiásticas e pessoais.29 Dom Bosco comentou que “a
nomeação de um pró-vigário poderia não ser ofensivo para a Argentina”. Ele
mesmo tinha “escrito ao arcebispo de Buenos Aires e ao presidente da Repú-
blica, apresentando o plano à sua consideração”.30
De Alassio, Dom Bosco, acompanhado pelo padre Lemoyne, foi a Roma
com a principal intenção de apresentar pessoalmente a Leão XIII o pedido
de privilégios e, possivelmente também, falar sobre o vicariato. Sua perma-
nência em Roma foi de 14 de abril a 14 de maio de 1884 sendo para ele um
28
Carta de Dom Bosco ao padre Costamagna, 12 de novembro de 1883, em Epistolario IV
Ceria, 240-241.
29
Dom Matera conseguira como secretário particular o clérigo salesiano Bernardo Vacchina,
mas este não resistiu ao ambiente mundano do qual se via obrigado a participar. Como suas queixas
não eram atendidas, ele abandonou por sua conta o cargo e foi para a casa de Almagro. O fato desgos-
tou o arcebispo, que mudou de atitude em relação aos salesianos. Cf. MB XVI, 380s.
30
As cartas de Dom Bosco ao arcebispo e ao presidente, com data de 29 de julho e 31 de outubro
de 1883, respectivamente, tratam das propostas para a criação das jurisdições missionárias. O pró-vica-
riato e a prefeitura foram criados em novembro. O fato de ter sido Dom Bosco, e não a Congregação
Romana, a informar às autoridades, continua inexplicável. O arcebispo fala sempre de forma benévola
e favorável. Não há qualquer registro da resposta do presidente Júlio Roca. É sabido que o presidente
opunha-se à criação das jurisdições missionárias; o arcebispo Aneyros estava ciente disso. Por outro
lado, em 1883 e 1884 as autoridades argentinas pediram ao padre Costamagna alguns salesianos como
capelães ou missionários em vários assentamentos nos territórios do sul, fato que revela uma atitude
favorável por parte de algumas autoridades.

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Dom Bosco: história e carisma 3

período de apreensão e dor. Quando, enfim, foi-lhe concedida a audiência,


em 9 de maio, o Papa garantiu ao venerável ancião enfermo que concederia
os privilégios, que o amava, sim, ele e os salesianos. O tema do vicariato apa-
rentemente não foi levantado na audiência. 31
Em todo caso, de volta a Turim, Dom Bosco buscou a mediação do
arcebispo, cardeal Alimonda. Grande amigo dos salesianos, também acredi-
tava que, tendo em consideração o grande desenvolvimento das missões no
rio Negro, teria sido mais adequado contar com um vicariato pleno estabe-
lecido ali, com um bispo à frente. Como consequência, em 26 de setembro,
ele apresentou um pedido nesse sentido a Leão XIII. O Papa não estava
bem a par da situação na Argentina nem da situação das missões salesianas
em particular, apesar de Dom Bosco, no mencionado memorando de 13 de
abril de 1880, e em relatório detalhado sobre as missões, apresentado nos
inícios de 1883, ter explicado à Santa Sé o que se conseguira e o que estava
em andamento ou em projeto.32 Leão XIII, contudo, acolheu o pedido de
Dom Bosco e, por decreto de 30 de outubro de 1884, elevou a Patagônia a
vicariato, nomeando padre Cagliero vigário de pleno direito e bispo. A Pa-
tagônia austral com a Terra do Fogo, tendo padre Fagnano como prefeito,
conservou o status de Prefeitura.

4. Vicariato apostólico da Patagônia norte


As medidas da Santa Sé, a modernização da missão e a nomeação do pa-
dre Cagliero como bispo-vigário, representaram para Dom Bosco uma gran-
de vitória, assim como um grande incentivo material e moral. Eram, tam-
bém, um sinal claro da benevolência do Papa por Dom Bosco e os salesianos.
Mais significativo, porém, foi o reconhecimento da Igreja da homologação
e convalidação da vocação missionária da Congregação Salesiana e de seus
projetos missionários. Ceria escreve acertadamente:
A elevação deste filho de Dom Bosco ao episcopado foi, para toda a Famí-
lia Salesiana, um acontecimento de importância sem igual. As gerações sale-
sianas posteriores não poderão nem sequer imaginar o júbilo triunfante dos
salesianos de então. Quem se teria atrevido a manter tal esperança? Para os

31
A permanência de um mês em Roma é descrita com detalhes em MB XVII, 66s. Para uma
discussão, a partir de fontes primárias, dos eventos desta permanência romana: saúde de Dom Bosco,
privilégios, audiência papal, Carta de 1884, nomeação de um sucessor etc., cf. F. Desramaut, Don
Bosco, 1256-1262. Os privilégios foram enfim concedidos por decreto de 28 de junho de 1884.
32
Carta e memorando de Dom Bosco a Leão XIII, 13 de abril de 1880, em Epistolario IV Ceria,
567-575; MB XIV 624s. O relatório de 1883 do padre Fagnano sobre a missão de Rio Negro, em MB
XVI, 370s, foi utilizado por Dom Bosco para dar a conhecer às autoridades romanas o progresso da missão.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

cooperadores também foi motivo de alegria, pois nessa eleição reconheceram


a consagração, por parte da Igreja, do apostolado missionário salesiano.33

A ordenação do padre Cagliero como bispo titular de Magida pelo


cardeal Alimonda deu-se em 7 de dezembro de 1884. Em 1º de fevereiro
de 1885, o bispo estava pronto para partir para a missão à frente de um
grupo de 18 salesianos, padres e coadjutores, e seis irmãs. Dom Bosco
passou os dias anteriores num doloroso, quase angustioso, estado de espí-
rito. Estava também confinado doente em seu quarto. Cagliero, seu amado
filho, ia deixá-lo. Podia ser que não o visse mais. Nesse contexto e estado
de espírito, na noite de 31 de janeiro de 1885, dia anterior à saída dos mis-
sionários, teve um sonho, o terceiro sonho missionário, sobre a América
do Sul.34

Dificuldade da tomada de posse. Missões de jure e de facto


Quando o bispo Cagliero e os missionários chegaram a Montevidéu
(Uruguai) havia uma crise em gestação na Argentina. A oposição aos sale-
sianos e à sua obra na região de Rio Negro e em outros lugares, já amarga
em 1884, acabou em verdadeira perseguição. O instigador foi o governa-
dor da província de Rio Negro, general Winter, que também comandava
os destacamentos militares que custodiavam a fronteira. As acusações, di-
rigidas principalmente contra o padre Fagnano, foram recolhidas e reedi-
tadas com sucesso pela imprensa anticlerical. Em seguida, para complicar
a situação, o mandato do general Roca estava para terminar, provocando
agitação e perturbações. Temia-se que as novas forças políticas que com-
petiam pelo controle fosse ainda mais radicais. Nessas circunstâncias, seja
por dobrar-se aos ventos dominantes seja por evidente maldade, o governo
negara-se a aceitar o novo vigário, porque não houvera nenhuma consulta
prévia em relação à criação de um vicariato.35 Dom Cagliero, depois de

33
Annali I, 504-505.
34
Dom Bosco acompanha os missionários à América [do Sul]. É o título dado a este sonho no proje-
to modificado de Lemoyne e nos Documenti. Resta apenas o testemunho de Lemoyne. Encontrando-se
numa grande planície, Dom Bosco vê todas as obras interligadas por uma rede fantástica de estradas.
Então, depois de um voo de volta a Turim, e de novo à América do Sul, vê a planície transformada
numa esplêndida sala em que se reúnem cheios de alegria os missionários e todos os que foram salvos
através deles (rascunhos de Lemoyne A e B, em ASC A017, Sogni: FDB 1321 C11-D8 e B7-C10;
Docu­menti XXIX, 43-48 em ASC A078, Cronachette: FDB 1106 D12-E5). Cf. MB XVII, 299s.
35
Em carta a Dom Bosco, de 2 de janeiro de 1885, dom Aneyros comentara o mal-estar do go-
verno ao ver-se diante de fatos consumados sobre o vicariato. Cf. Epistolario IV Ceria, 314, nota 1; MB
XVII, 311s: comentário do prefeito da Congregação para a Propagação da Fé, escrevendo a Dom Bosco.

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Dom Bosco: história e carisma 3

breve permanência no Uruguai, entrou sem ruídos na Argentina e fixou


sua residência na escola salesiana de Almagro, Buenos Aires, esperando o
momento oportuno para fazer sua aparição oficial e que lhe fosse permiti-
do entrar em sua sede.
Como o padre Fagnano era o principal alvo das acusações do governa-
dor e da imprensa, ao mesmo tempo em que procurava pacificar-se com o
governador de Patagones, apresentou o assunto perante o arcebispo, expondo
os fatos detalhadamente. O arcebispo, então, levou o caso ao ministro do In-
terior que, aparentemente, aceitou a explicação e se absteve de pronunciar-se
sobre a ordem do governador.
Estando assim as coisas, e aproveitando a pausa da imprensa, dom Ca-
gliero pediu para ser recebido pelo general Roca. Acompanhado pelo padre
Costamagna, que participara da expedição do general em 1879, apresentou-
-lhe as cartas credenciais. A audiência começou mal; melhorou quando padre
Costamagna começou a recordar os acontecimentos da expedição e dom Ca-
gliero garantiu-lhe que, como salesiano e vigário, trabalharia pelo desenvol-
vimento de todo o povo da região. Assim tranquilizado, Roca entregou-lhe
uma carta de apresentação para o governador. Finalmente, em 9 de julho de
1885, dom Cagliero obteve permissão para entrar em sua sede em Patagones.
As missões salesianas poderiam considerar-se então estabelecidas tanto de fac-
to como de jure.36
A saúde de Dom Bosco piorara nessa época. Estava perdendo a visão,
como consequência da rápida degeneração de seu físico e premonição de
seu fim próximo. Parecia, porém, que aumentavam sua força moral e sua
visão espiritual. Estava certo de que ninguém poderia deter a difusão da obra
salesiana na América do Sul e no mundo todo. Com dificuldade, escrevia
aos seus generais de campo. Essas cartas são guias preciosas para a estratégia
missionária salesiana, como também uma espécie de testamento espiritual.37
E continuava a sonhar. Agora, porém, seus sonhos transcendiam a Amé-
rica do Sul e tinham alcance mais amplo. Projetavam a expansão mundial da
obra salesiana.

36
Para a história da perseguição do governador de Rio Ne­gro aos salesianos e sobre a entrada de
dom Cagliero em seu vicariato, ver MB XVII, 314s.
37
Cartas de Dom Bosco: a dom Cagliero, 6 de agosto de 1885; ao padre Costamagna, inspetor,
e ao padre Fagnano, prefeito apostólico, 10 de agosto; ao padre Tomatis, diretor de San Nicolás, 14
de agosto; ao padre Lasagna, diretor de Villa Colón e inspetor do Uruguai e Brasil, 30 de setembro,
em Epistolario IV Ceria, 327-329, 332-337, 340-341; [San] Juan Bosco, “Cinco últi­mas cartas a jefes
misioneros, em Escritos espirituales. Introducción, selección de textos y no­tas por J. Aubry. Guatemala:
Instituto Teológico Salesiano, 1980, 309-319.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Monsenhor José Fagnano (1844-1916), após sua nomeação


como prefeito apostólico da Patagônia austral e da Terra do Fogo.

5. Prefeitura Apostólica da Patagônia austral e Terra do


Fogo com as ilhas Malvinas38
A Prefeitura Apostólica da Patagônia austral e Terra do Fogo foi cria-
da em 1883, ao mesmo tempo em que se erigia o Vicariato Apostólico da
Patagônia norte (Rio Negro). Pelo mesmo decreto, padre José Fagnano
fora nomeado prefeito apostólico. A missão era integrada pela província
de Santa Cruz (Patagônia Austral, Argentina), Terra do Fogo (Chile e Ar-
gentina) e ilhas Malvinas (Falkland, britânicas desde 1833). A missão não
pôde desenvolver-se imediatamente, por várias razões, principalmente de-
vido à natureza inóspita e ao subdesenvolvimento da região, especialmente
da Terra do Fogo.

38
MB XVIII, 742s, 390s, 408, 745s; Annali II, 61-73.

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Dom Bosco: história e carisma 3

A atividade missionária salesiana em sentido estrito teve início na Terra


do Fogo em 1888; seu primeiro desenvolvimento e consolidação deram-se nos
inícios de 1890. Entre os muitos missionários dedicados, salesianos e salesia-
nas, que trabalharam dura e longamente na criação e desenvolvimento da mis-
são destacam-se, acima de todos, monsenhor Fagnano e padre José Beauvoir.39

Patagônia sul e ilhas Malvinas


Em 1885, padre Fagnano, com a ajuda do padre Beauvoir, estabelecera
a missão de Santa Cruz (Patagônia sul). Mais tarde, em 1888, estabeleceram
uma missão em Rio Gallegos, mais ao sul na mesma província. Consolidados
os assentamentos, estes poderiam servir também de base para a missão na
Terra do Fogo.
Padre Beauvoir, companheiro do padre Fagnano e sua mão direita, de-
veria ser considerado um dos pilares da missão do sul, tanto na Patagônia
austral como na Terra do Fogo. Foi quem trabalhou mais tempo como mis-
sionário em contato com os indígenas. Compilou um dicionário da língua
fueguina ona e um estudo sobre as tribos shelknam.
Em 1888, os padres Fagnano e Patrício Diamond (1863-1937) visita-
ram Port Stanley (ilhas Malvinas) e estabeleceram um centro católico, depois
de ponderar sobre sua necessidade. O pastor anglicano da Igreja da Inglaterra
contava com uma bela igreja e escola. Como muitos católicos participavam
dessa igreja e enviavam seus filhos à escola, padre Diamond, encarregado do
centro, pôs logo em funcionamento uma pequena escola (1889).

Terra do Fogo
Em 1886, os padres Fagnano e Beauvoir acompanharam uma expe-
dição militar argentina ao sul, além do estreito de Magalhães, quando se
puseram em contato com os nativos e avaliaram as possibilidades de uma
missão na região.

39
José Beauvoir (1850-1930), nascido em Turim, fez-se salesiano em 1870 e foi ordenado padre
em 1875. Em 1878, Dom Bosco perguntou-lhe se iria como voluntário para as missões da América
do Sul; aceitou e partiu no mesmo ano. Depois de breve permanência no Uruguai e em Buenos Aires,
ofereceu-se como voluntário para a missão da Patagônia e Terra do Fogo. Foi o missionário que traba-
lhou mais duramente e durante mais tempo entre os indígenas. Participou em 1882-1883 da expedição
do general Villegas aos Andes como capelão militar e foi condecorado com a medalha de prata pelo
seu zelo sacerdotal. Com monsenhor Fagnano pôs as bases da missão de Santa Cruz e Rio Gallegos;
em seguida, passou vinte e cinco anos evangelizando os nativos da Patagônia central e Terra do Fogo.
Compilou um pequeno dicionário da língua ona, que mais tarde se fundiu com sua obra maior, Los
indíge­nas Selknam de la Tierra del Fuego. Faleceu em Buenos Aires em 1930.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Punta Arenas (Chile), centro da missão na Terra do Fogo


Em 1887, Punta Arenas foi escolhida como sede da Prefeitura. Situada no
continente, na costa norte ocidental do estreito de Magalhães, a ilha Dawson,
situada a sudeste de Punta Arenas no cotovelo do estreito, e o resto do arquipé-
lago, exceto a metade oriental da ilha Grande, eram territórios chilenos.
De Punta Arenas, em 1887-1888, padre Fagnano e o coadjutor Carlos
Audisio, com a ajuda de três leigos, organizaram uma expedição à ilha Da-
wson, de navio, levando com eles cavalos, ovelhas e o equipamento neces-
sário. Dom Bosco morreu enquanto os missionários faziam essa excursão.
Desembarcaram na baía de Willis e foram para o interior. No segundo dia,
puseram-se em contato com alguns índios e convidaram-nos a irem até
Punta Arenas.
O grupo continuou de navio, para o sul, até a baía de Almirantaz­go,
com a esperança de avistar os nativos na margem. Uma tormenta obrigou-
-os a desembarcar na ilha Grande e caminhar um pouco terra adentro, en-
contrando-se com pequenos grupos de nativos. Os missionários só puderam
comunicar-se com eles para convidá-los a Punta Arenas. Os nativos da ilha
Grande eram hostis aos brancos, por terem sido expulsos pelos ingleses ga-
rimpeiros de ouro e pastores de ovelhas, que se estabeleceram nos campos e
matavam guanacos, alimento básico dos nativos. Os missionários tiveram a
sorte de escapar sem danos pessoais.
Depois de regressar a Punta Arenas e inteirar-se da morte de Dom Bos-
co, padre Fagnano foi à Itália em busca de ajuda. Padre Rua dispôs o envio
de 10 Salesianos e 5 Filhas de Maria Auxiliadora à Terra do Fogo. O grupo
foi diretamente a Punta Arenas e iniciou a organização sistemática da vida
religiosa daquela missão.

A missão de San Rafael na ilha Dawson


Padre Fagnano fez uma segunda expedição (de navio) à ilha Dawson
com o material essencial para fundar um pequeno povoado. A missão foi
criada na baía de Willis, em Dawson, com o padre Antônio Ferrero, o coad-
jutor João Silvestro e 10 leigos, pastores e construtores. Aos poucos, os índios
passaram a ir à missão e ali ficar. Iniciou-se assim a missão de San Rafael. Em
seguida, contudo, a missão foi transferida para um local mais adequado na
baía de Harris (Dawson). Um grupo de construtores uniu-se ao padre Barto-
lomeu Pistone, fazendo a missão crescer.
Em setembro de 1889, quando os trabalhadores, os pastores e o padre
Ferrero foram a Punta Arenas em busca de víveres, os indígenas atacaram

197

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Dom Bosco: história e carisma 3

com facas, ferindo não gravemente, o padre Pistone e o coadjutor Silvestro.


Os nativos fugiram, mas os dois missionários viviam amedrontados. Mais tar-
de, comunicaram o ataque a Punta Arenas e ao padre Fagnano. Este contra-
tou e enviou um bote para recolher o coadjutor, ferido com mais gravidade; o
barco, porém naufragou e o coadjutor Silvestro perdeu-se no mar. Padre Fag-
nano e o coadjutor Antônio Bergese retornaram à ilha Dawson e puseram-se
imediatamente a recomeçar a missão de San Rafael. Os índios foram atraídos
aos poucos e reconstruíram-se 60 casas e uma igreja. Salesianos e salesianas
instalaram uma escola, alguns barracões e um hospital.
Com certas condições padre Fagnano obteve do governo do Chile o
uso da ilha Dawson durante vinte anos, com o fim explícito da evange-
lização e fixação dos nativos. Em 8 de dezembro de 1890, 33 indígenas
foram batizados.
Embora Punta Arenas continuasse a ser a residência da Prefeitura Apos-
tólica e base para o fornecimento de víveres, o ponto central da atividade
missionária foi, depois de 1890, a ilha Dawson, localizada no centro do es-
treito além de ser local de trânsito da migração dos nativos da parte ocidental
do arquipélago à ilha Grande e vice-versa. A missão de San Rafael na baía
de Harris desfrutava de uma situação favorável, com bons pastos e grandes
bosques. A pecuária prosperou, mas a maior parte dos alimentos devia ser
enviada todos os meses de Punta Arenas.
Os nativos, quando passavam em seus barcos, iam até a missão. Alguns
chegavam atraídos pelas notícias de outros nativos que visitaram a missão;
com maior frequência, porém, eram os missionários que saíam à busca dos
nativos ao longo dos muitos canais e ilhas.
Os indígenas homens ajudavam nos trabalhos pesados, como a limpeza
dos bosques e o pastoreio do gado. As mulheres aprendiam economia do-
méstica. Às crianças, uns 50 meninos e 40 meninas, ensinavam-se noções
práticas. Ao chegarem à missão, todos eram lavados e desinfetados; em segui-
da, recebiam roupa e alojamento, mas negavam-se a usar sapatos. A vida era
muito bem regulamentada: levantar-se cedo, orações, trabalho, alimentação,
aulas etc.
Em fevereiro de 1892, dom Cagliero, acompanhado pelo governador
local e outras autoridades, visitou a missão num navio colocado à disposição
pelo governo chileno. Ficaram muito impressionados com a recepção e o
que viram do trabalho da missão. Cruzando até Punta Arenas, foram teste-
munhas das atividades do centro missionário. Nessa ocasião, benzeu-se uma
nova igreja.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Há muito tempo o padre Fagnano queria um barco para a missão, que


poderia servir para transportar provisões e pessoal de forma segura e rápida.
Pediu ao padre Beauvoir que conseguisse um, mas não lhe pôde dar dinheiro,
nem sequer para viajar. Padre Beauvoir conseguiu a passagem para Santiago
(Chile) como capelão num navio militar, com a intenção de buscar ajuda
das autoridades governamentais. Não pôde reunir-se com o presidente, mas
conseguiu falar com o primeiro-ministro, que ouviu o relato sobre a missão
e ofereceu-lhe “armas de fogo e munição”. Padre Beauvoir pediu um barco
e foi enviado ao ministro da Defesa. Em vez do barco, o ministro ofereceu-
-lhe uma subvenção de 6 mil pesos por ano para a missão. Padre Beauvoir,
audaciosamente, pediu também os mapas militares de observação e as cartas
náuticas da região, que lhe foram concedidas. Depois de alguns meses de mi-
nistério sacerdotal na capital, com a ajuda de benfeitores, encontrou e com-
prou um barco a vapor de 35 toneladas, que chamou de Maria Auxiliadora.
Carregou-o de víveres, encontrou uma tripulação improvisada e embarcou
para o estreito. Depois de sobreviver a uma tormenta, próximo de Punta
Arenas, o barco chocou-se com um banco de areia e, como os marinhei-
ros ameaçavam abandoná-lo, padre Beauvoir ordenou que descarregassem a
embarcação e a carregassem novamente. Dessa forma, a missão contou com
uma embarcação.

A missão Candelária da ilha Grande


Os indígenas que viviam na missão de San Rafael na ilha Dawson ou va-
gavam pelos arredores eram predominantemente yaganes e uns poucos onas.
Os yaganes contagiavam-se com diversas doenças pelo contato com os euro-
peus. Padre Fagnano deu-se conta de que seria melhor manter separados os
onas que vivam na ilha Grande e planejou uma missão para eles.
Em fevereiro de 1893, padre Fagnano, padre Beauvoir, dois coadjutores,
um jovem operário e dois índios ona, como intérpretes, embarcaram para
uma expedição exploratória à ilha Grande. As provisões incluíam 9 cavalos,
vários cães, arroz, massas, açúcar, café e uma barraca de campanha. Carrega-
ram também uma provisão de mantas de lã e objetos religiosos como presen-
tes para os nativos que encontrassem. Após a viagem de uma semana para o
interior chegaram à cabeceira do rio Bravo, que flui da cadeia montanhosa
da ilha até o Atlântico. Descendo para o Atlântico, chegaram a um acampa-
mento ona. Os onas desconfiavam dos europeus por causa da perseguição
que sofreram dos mineradores de ouro e dos pastores ingleses. Os intérpretes
deram segurança ao chefe, que se apresentou com alguns homens para cum-
primentar os missionários. Cada um recebeu uma manta e uma medalha

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Dom Bosco: história e carisma 3

de Maria Auxiliadora, que puseram no pescoço. Em seguida, conduziram


ao acampamento os missionários, que deram a todos os mesmos presentes.
Depois de prometerem que voltariam, começaram outro dia de caminhada
costa abaixo, encontrando-se com uma tribo ainda maior e mais guerreira.
Os intérpretes e os presentes aquietaram-nos. Sem muitos preâmbulos, os
missionários decidiram o lugar da nova missão: devia situar-se junto à mar-
gem do rio Grande, a cerca de 3 quilômetros da foz. O lugar era acessível e
tinha abastecimento de água e terras de pastoreio. Depois disso, retornaram
a Dawson pelo mesmo itinerário.
Em junho de 1893, em barco alugado, padre Beauvoir, um outro padre,
3 coadjutores e 4 operários contratados, foram até o rio Grande. Devido às
águas agitadas e as escarpas perigosas da foz do rio, o capitão negou-se a na-
vegar, a não ser que o padre Beauvoir fizesse um seguro para o barco, sendo
fiador das eventuais perdas ou danos. Ao negar-se, o capitão deu a volta para
regressar a Punta Arenas. Padre Beauvoir rogou-lhe que deixasse os homens e
as provisões na baía de San Sebastián, situada mais ao norte. Nesse processo,
perdeu-se grande quantidade de material de construção e provisões além de
alguns animais.
Padre Beauvoir e seus companheiros desembarcaram, enquanto os de-
mais regressaram a Punta Arenas para informar ao padre Fagnano e obter
ajuda. Impaciente pelo atraso, padre Beauvoir decidiu ir pessoalmente a
Punta Arenas. Cruzou a ilha Grande a cavalo e tomou um barco para atra-
vessar o estreito.
Em Punta Arenas, carregaram alimentos frescos no barco da missão,
Maria Auxiliadora, e outro barco contratado, e navegaram até o rio Grande.
Desafiando os penhascos, navegaram pelo rio com a maré alta e encontraram
um pequeno ancoradouro natural. A missão foi erguida no local indicado
anteriormente e foi chamada de Candelária, festa da Purificação de Maria. A
missão está em terreno argentino da ilha Grande, tendo o governo concedido
gratuitamente os direitos de missão das terras de pastoreio extensivo. Durante
meses, enquanto se construía o edifício, não se viram nativos. Com o tempo,
porém, foram aproximando-se em pequenos grupos. Em maio de 1894, uns
350 índios ona estavam acampados ao redor da missão.
Como o abastecimento de víveres devia ser contínuo de Punta Arenas e
o barco da missão era muito pequeno, padre Fagnano comprou um navio de
200 toneladas, chamando-o de Torino, e trouxe novos missionários e, entre
outras provisões, madeira suficiente para construir uma centena de pequenas
casas, escolas para meninos e meninas, barracões, um hospital e a igreja, na
verdade, um povoado inteiro.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Padre Tiago Costamagna evangelizando um grupo


de indígenas durante uma expedição missionária.

6. Conclusão
A coragem e a perseverança de missionários e de missionárias tornaram
realidade o sonho original de Dom Bosco sobre as missões entre os indígenas.
De Turim, padre Rua, com grande investimento de pessoal e dinheiro e seu
contínuo apoio pessoal, respaldou os esforços dos missionários. A ajuda e o
apoio dos salesianos cooperadores foram decisivos. Em 1900, toda a parte
inferior da América do Sul, desde os Pampas até a Terra do Fogo, era reco-
nhecida como campo de missão confiado aos salesianos e, por eles, à Família
Salesiana de Dom Bosco.

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Apêndice

CRONOLOGIA DA FUNDAÇÃO E PRIMEIRA


ORGANIZAÇÃO DA OBRA SALESIANA NA AMÉRICA
DO SUL (1871-1888)

1871-1872
Primeiro sonho missionário de Dom Bosco, narrado ao papa Pio IX em
1876, e aos padres Lemoyne e Barberis.

1874
Agosto: o cônsul João Gazzolo escreve ao arcebispo de Buenos Aires,
dom Aneyros, propondo que os salesianos estabeleçam uma obra na Ar-
gentina e comecem assumindo a igreja Mater Misericordiae, dos italianos,
em Buenos Aires.
24 de setembro: Dom Bosco recebe o pedido de enviar missionários
à Austrália.
10 de outubro: dom Aneyros escreve ao cônsul Gazzolo e envia a Dom
Bosco a proposta de uma fundação salesiana na Argentina.
Novembro: intercâmbio de cartas sobre uma escola em San Nicolás de
los Arroyos (padre Ceccarelli, senhor Benítez).

1875
28 de janeiro: Dom Bosco comunica aos diretores que as missões serão
estabelecidas na América do Sul.
5 de fevereiro: circular de Dom Bosco sobre a futura missão.
12 de maio: nos boas-noites, Dom Bosco dá por certo os planos de
estabelecer fundações salesianas na Argentina. Aceitou a proposta argentina.

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

28 de julho: carta de Dom Bosco ao padre Ceccarelli, de San Nico-


lás de los Arroyos, em que descreve a preparação dos missionários para
a viagem.
1º de novembro: audiência papal e primeira expedição missionária.
11 de novembro: cerimônia de despedida e saída da primeira expedição
missionária; as 20 “lembranças”.
14 de dezembro: os missionários chegam a Buenos Aires, via Rio de
Janeiro. São recebidos por dom Frederico Aneyros e uns 200 imigrantes ita-
lianos, entre eles alguns ex-alunos do Oratório.

Estabelecimento da obra salesiana na região do Prata


(Argentina e Uruguai)

1875
Os salesianos, de imediato, assumem a igreja de Nossa Senhora das
Mercês e atendem à comunidade de imigrantes italianos em Buenos Aires
(Argentina).
21 de dezembro: 7 dos 10 salesianos continuam em San Nicolás de los
Arroyos a fim de encarregar-se da escola.
Provável pedido feito a Dom Bosco para uma fundação na Índia.

1876
5 de abril-15 de maio: viagem de Dom Bosco a Roma com padre Berto;
na audiência, Dom Bosco fala das missões ao Papa e relata-lhe o sonho de
1871-1872.
Julho: o bispo de Concepción (Chile) solicita salesianos.
29 de julho: resposta de Dom Bosco: uma fundação no Chile só será
possível mais tarde, não antes de 1887.
Agosto: Dom Bosco faz um apelo público para financiar a segunda ex-
pedição missionária e informa ao governo italiano sobre o trabalho dos mis-
sionários em favor dos imigrantes italianos.
Dom Bosco também recebe o pedido de uma obra salesiana no Ceilão
(Sri Lanka), e pensa em enviar padre Cagliero. O plano é cancelado [a pri-
meira fundação deverá esperar até 1956].

203

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Dom Bosco: história e carisma 3

29 de outubro: Pio IX manda 5 mil liras a Dom Bosco para a segunda


expedição missionária.
7 de novembro: segunda expedição com 24 missionários salesianos, pre-
cedida da audiência papal a Dom Bosco e aos missionários: 14 deles vão à
Argentina partindo de Gênova; 10 viajam de trem para partirem de Bordéus
em direção ao Uruguai, mas retardam até 2 de dezembro.

De 1876 a 1883
Dom Bosco pressiona pelo reconhecimento de Roma para as missões
apostólicas salesianas.

1877
Os salesianos encarregam-se da igreja e da escola Santa Rosa de Lima,
em Villa Colón, próxima de Montevidéu (Uruguai): os edifícios foram trans-
feridos ao padre Cagliero em 24 de maio de 1876.
1o a 24 de junho: Dom Bosco, em Roma com o arcebispo Aneyros, de
Buenos Aires, a serviço das missões, e, de volta a Turim com o arcebispo.
6 de novembro: em Mornese, cerimônia de despedida da primeira
expedição missionária de 6 irmãs salesianas.
7 de novembro: em Turim, cerimônia de despedida da terceira expedi-
ção de 18 missionários salesianos, com os padres Costamagna e Vespignani
entre eles.
Paróquia e escola de São João Evangelista fundadas no bairro de La
Boca, Buenos Aires.
1o de setembro: é aceita a paróquia de Maria Auxiliadora e tem início a
escola Pio IX no bairro de Almagro, Buenos Aires, que em seguida se conver-
teria em centro de formação profissional.

1878
18 de setembro: breve de Leão XIII apoiando as missões salesianas.
Dezembro: quarta expedição missionária com alocução de Dom Bosco.

1879
Os salesianos estabelecem sua obra em Las Piedras (Uruguai)

204

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

Padre José Beauvoir (1850-1930), capelão militar na expedição


do general Villegas às montanhas andinas (1882-1883).

Missões salesianas realmente estabelecidas


1879
Abril: expedição militar argentina, sob o comando do general Júlio
Roca. Monsenhor Espinosa, padre Costamagna e clérigo Luís Botto unem-se
à expedição e entram em contato com os nativos.
Junho: a paróquia e a missão de Carmen de Patagones, na desemboca-
dura do rio Negro, são confiadas aos salesianos.
18 de dezembro: padre Rua anuncia numa circular que, em junho, os
salesianos entraram na Patagônia.

1880
A paróquia, a missão e o internato de Viedma, na foz do rio Negro, são
confiados aos salesianos.

1881
Os salesianos estabelecem uma obra em Paysandú, Rosário (Uruguai).

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Dom Bosco: história e carisma 3

1882
A obra salesiana é estabelecida em Neuquén (Argentina).

1883
Os salesianos estabelecem uma obra em Niterói (Brasil).
29 de julho: por solicitação da Santa Sé, Dom Bosco apresenta uma proposta
para a formação de três territórios de missão de direito apostólico (vicariatos, pre-
feituras) e os nomes de Cagliero, Costamagna e Fagnano como possíveis prelados.
30 de agosto: segundo sonho missionário de Dom Bosco sobre a Amé-
rica do Sul.

Missões salesianas de direito apostólico

1883
Novembro: a Santa Sé cria dois territórios de missão: o pró-vicariato da
Patagônia norte e central e a prefeitura da Patagônia austral e Terra do Fogo.

1884
30 de outubro: solicitado por Dom Bosco, com o apoio do cardeal Ali-
monda, a Santa Sé eleva as missões a pleno vicariato e prefeitura, nomeando pa-
dre Cagliero e padre Fagnano, respectivamente, vigário e prefeito apostólicos.
7 de dezembro: Cagliero, vigário apostólico, é ordenado bispo.

1885
31 de janeiro: terceiro sonho missionário de Dom Bosco sobre a Amé-
rica do Sul.
9 de julho: dom Cagliero entra em sua sede em Carmen de Patagones,
na foz do rio Negro.
Estabelecem-se em Buenos Aires a escola de Santa Catarina e um centro
da juventude.
Os salesianos estabelecem-se em São Paulo (Brasil).

1887
21 de julho: padre Fagnano e 3 salesianos situam-se em Punta Arenas
(Terra do Fogo, Chile).
São criadas escola e paróquia salesianas em Concepción (Chile).

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Presença salesiana na América do Sul. 3. Missões salesianas

1887-1888
Expedição à ilha Dawson.

Negociadas por Dom Bosco, criadas pelo padre Rua


1888
Os salesianos começam uma obra em Talca (Chile).
Os salesianos encarregam-se de um orfanato em Quito (Equador).
O vicariato apostólico de Méndez y Gualaquiza (Equador) é confiado
aos salesianos.

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Capítulo VI

PRESENÇA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL.


4. SEGUNDO SONHO MISSIONÁRIO:
SAN BENIGNO, 30 DE AGOSTO DE 1883

O segundo sonho missionário, relativo às missões na América do Sul,


deu-se em San Benigno, ao final dos exercícios espirituais de preparação ao
III Capítulo Geral, na noite de 30 de agosto de 1883, véspera da festa de
Santa Rosa de Lima.1 Dom Bosco narrou o sonho cinco dias depois aos
membros do Capítulo Superior, reunido em Valsálice, durante a sessão da
manhã de 4 de setembro.

1. Fontes e tradição textual do sonho


Em alguns manuscritos, traz o título de As missões da América ou Gran-
de reunião no Equador. A crônica, extensa, do sonho fala de uma reunião
numa grande sala situada na região equatorial da América do Sul. O sonho
tem início com o tema das missões e uma série de cenas alegóricas. Em se-
guida, continua com uma viagem de trem para o sul, pela vertente oriental
dos Andes ao longo de toda a extensão da América do Sul, até o estreito de
Magalhães. Durante a viagem vai sendo mostrado a Dom Bosco, acompa-
nhado de um intérprete, “a messe confiada aos salesianos”. Segundo uma
versão do sonho, há uma viagem de volta ao ponto de partida, embora por
outro caminho.
Uma série de documentos de arquivo permite reconstruir a história do
texto do sonho, ou seja, a crônica Viglietti, as atas do III Capítulo Geral e os
relatos de Lemoyne, um dos quais foi revisto por Dom Bosco. Lemoyne é,
por isso, a nossa fonte principal.
1
A festa de Santa Rosa de Lima era, então, em 31 de agosto. Agora, é celebrada em 23 de agosto.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

Rascunho presumido de Viglietti


Numa breve introdução biográfica à sua crônica, Carlos Viglietti afirma que
na manhã de 31 de agosto, em San Benigno, Dom Bosco chama-o ao seu
quarto e pede-lhe para redigir o sonho ditado por ele. Tinha a intenção de lê-
-lo aos membros do Capítulo Geral. O texto de Viglietti não foi encontrado.2

Atas do III Capítulo Geral


Os apontamentos do III Capítulo Geral, como se conservam em ASC, con-
têm uma narração do sonho de Dom Bosco na sessão da manhã de 4 de
setembro. Este rascunho, muito superficial, revela a estrutura e a forma da
narração original. O relato do sonho de Dom Bosco termina em Punta Are-
nas e não há qualquer descrição do trajeto de volta.3

Lemoyne A
Padre Lemoyne, que participava do Capítulo,4 elaborou um relato de pri-
meira mão (Lemoyne A). Trata-se de uma longa narração autógrafa com
algumas notas suas à margem. Fala da reunião na grande sala no Equador
e relata a viagem para o sul, que termina em Punta Arenas, com uma con-
clusão do sonho e do despertar. Não fala de uma viagem de volta ao ponto
de partida.5

Lemoyne B
Posteriormente, padre Lemoyne redigiu um segundo relato, a partir do pri-
meiro, que apresentou a Dom Bosco para sua revisão (Lemoyne B). Como na
primeira redação, temos uma longa redação autógrafa que descreve a reunião

2
Carlos Maria Viglietti (1864-1915) foi secretário de Dom Bosco de 1884 até a morte do
santo. Em relação ao sonho, ele escreve: “Certa manhã de 1883, dia [da festa] de Santa Rosa de
Lima, Dom Bosco, assim que se levantou da cama, chamou-me ao seu quarto. Ditou-me um belo
sonho que tivera nessa noite e que tratava de nossas missões na América [do Sul]. O sonho foi lido
alguns dias mais tarde no Capítulo Geral, reunido em Valsálice” (ASC A010: Cronachette, Viglietti,
Memorie: FDB 1232. C6).
3
O relato das Atas do III Capítulo Geral está em ASC D579: Capitoli Generali presieduti da
Don Bosco, III CG (1883): FDB 1863 E12-1864 A1. Recorde-se que no III Capítulo Geral (1-7 de
setembro de 1883), padre Lemoyne, embora presente no Capítulo, ainda não fora nomeado secretário
geral. As atas, que deixam muito a desejar, eram obra do padre João Marenco (cf. MB XVI, 412s). Em
seu conjunto, a cópia de arquivo das atas parece ser transcrição das notas originais. Contudo, a narração
do sonho, que se conserva (à mão, com caligrafia diferente?), apresenta todas as características de um
rascunho original, não publicado.
4
O nome do padre Lemoyne aparece entre os 35 membros do CG III anotados nas atas. Cf.
ASC D579: Capitoli Generali presieduti da Don Bosco: FDB 1863 E7.
5
Lemoyne A está em ASC A017: Autografi-Sogni: FDB 1347 B10-C9.

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Dom Bosco: história e carisma 3

na sala, a viagem de trem para o sul, que termina em Punta Arenas com uma
conclusão sobre o sonho e o despertar. Também aqui não há qualquer refe-
rência a uma viagem de volta.
Ao longo da primeira parte deste texto, aparece uma série de adições e cor-
reções da mão de Dom Bosco. Um grande acréscimo marginal, com mais de
160 palavras, quase no início, informa sobre a conversa que Dom Bosco escu-
tou na sala. Também Lemoyne redige outras notas marginais, provavelmente
acrescentadas mais tarde.

Apêndice X
Ao Lemoyne B, com sua conclusão, segue imediatamente um apêndice
bastante longo da mão de Lemoyne, com notas marginais, mas nenhu-
ma é de Dom Bosco. Nele se descreve uma viagem de volta ao ponto
de partida, por outro caminho. Esse apêndice está marcado com um X,
que corresponde a um X anterior colocado antes da conclusão do sonho
em Lemoyne B. 6
Lemoyne B, depois de ser autenticado por Dom Bosco, deve ser considerado o
texto legítimo do sonho. O valor do Apêndice X é incerto. Não fazia parte da
narração original; foi acrescentado à narração depois da conclusão do sonho e
do despertar e não tem sinais de ter sido revisado por Dom Bosco.

Lemoyne C
Posteriormente, Lemoyne elaborou o texto definitivo. Editou Lemoyne B me-
diante a inserção do Apêndice X em sua sequência lógica, antes da conclusão
e do despertar, integrando no texto todas as notas marginais e outros detalhes,
colhidos presumivelmente de Dom Bosco. Dessa forma, ele conseguiu uma
narração “completa e coerente”.7

Memórias Biográficas e Documenti


A edição completa de Lemoyne C é o texto que o próprio Lemoyne transcre-
veu em seus Documenti, e que, com alguma adição do padre Ceria, aparece
nas Memórias Biográficas.8

Lemoyne B está em ASC A017: Autografi-Sogni: FDB 1347 A6-B5; seguido do Apêndice X:
6

FDB 1347 B6-9.


7
Lemoyne C está em ASC A017: Sogni: FDB 1318 D7-E12+1319 A1-9.
8
Documenti XXVI, 525-534, em ASC A075: Cronachette, Lemoyne-Doc: FDB 1089 E11
-1090 A8; MB XVI, 384s.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

2. A narração do sonho (Lemoyne B)9


[Introdução do narrador]
Na noite anterior à festa de Santa Rosa de Lima, tive um sonho. De
alguma maneira, eu estava ciente de estar dormindo. Ao mesmo tempo, pa-
recia-me estar correndo tão velozmente, que fiquei esgotado, a ponto de ser
incapaz de falar, escrever e trabalhar em minhas ocupações habituais.

[Lugar do sonho: na sala de recepção]


Enquanto me perguntava se isso era sonho ou realidade, pareceu-me
entrar numa sala de recepção, onde muitas pessoas conversavam sobre di-
versos assuntos.
Entabulou-se uma conversa prolongada sobre o grande número de sel-
vagens que na Austrália, na Índia, na China, na África e, particularmente, na
América, ainda vivem envolvidos nas sombras da morte.
Um orador disse: “A Europa, a Europa cristã, a grande mestra da ci-
vilização e da fé católica, parece que vai se tornando apática em relação às
missões estrangeiras. Poucos têm a coragem de desafiar longas viagens ou
[terras] desconhecidas para salvar as almas desses milhões de almas [sic], que
não obstante foram redimidas pelo Filho de Deus, Jesus Cristo”.10
Outro orador acrescentou: “Quantos idólatras, só na América, levam vida infe-
liz fora da Igreja, privados do conhecimento do Evangelho! A gente pensa (e há geó-
grafos que cometem o mesmo erro) que as cordilheiras da América são uma muralha
que nos separa daquela parte do mundo. Mas não é assim. Essas elevadas e longas
cadeias montanhosas são atravessadas por vales que têm mais de mil quilômetros de
comprimento. Nelas há selvas inexploradas, plantas (raras), animais, pedras (precio-
sas) que (também) escasseiam ali (sic). Carvão, petróleo, chumbo, cobre, ferro, prata
e ouro são encontrados enterrados nas montanhas, onde a mão poderosa do Criador
os colocou em benefício das pessoas. Ó cordilheiras, quão rica é vossa região oriental!”.
Nesse momento, senti a necessidade de buscar explicação para uma série de
assuntos e averiguar quem eram essas pessoas e onde me encontrava. Mas pensei:
Antes de falar, devo observar que tipo de gente é essa!”.
9
As adições e correções marginais, autógrafas de Dom Bosco, estão inseridas em cursivo no
corpo principal do texto. Os acréscimos de Lemoyne são deixados à margem, no lugar onde estão no
manuscrito. Foram incluídos alguns títulos e outros acréscimos entre colchetes para facilitar a leitura.
10
A parte do texto contínuo em cursivo a seguir é o grande acréscimo marginal de Dom Bosco, que
já mencionamos. Nos sonhos, as escutas e as conversas são usuais, mas esta conversa é pouco usual pela sua
grandeza e complexidade lógica. As demais correções marginais e interlineares ou adições de Dom Bosco
(inseridas em cursivo) referem-se a pequenos detalhes. O decisivo é que Dom Bosco reviu este texto.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Olhei, então, ao meu redor para averiguar, mas não reconheci ninguém.
Enquanto isso, como se só nesse momento percebessem a minha presença, convi-
daram-me para ir adiante e receberam-me amavelmente.
Perguntei, então: “Onde estamos? Estamos em Turim, Londres, Madri
ou Paris? E quem são os senhores?”. Mas aqueles homens ignoraram a minha
pergunta e continuaram o discurso sobre as missões.

[Ato I: Ações alegóricas na sala de recepção]


Nesse momento, um jovem de extraordinária beleza, irradiando luz mais
brilhante do que o sol, que parecia ter uns 16 anos de idade, aproximou-se
de mim. Suas roupas eram bordadas esplendidamente, trazia um ornamento
em forma de coroa na cabeça, recamado de pedras brilhantes. Olhou-me
com amabilidade e parecia estar interessado em mim de maneira especial. Seu
sorriso expressava um afeto extremamente atraente. Chamou-me pelo nome,
tomou-me pelas mãos e começou a falar da Congregação Salesiana.
Em dado momento, interrompi-o: “Com quem tenho a honra de falar?
Por favor, dize-me teu nome”.
O jovem respondeu: “Não tenhas medo! Fala com liberdade, porque
estás com um amigo”.
“Mas, como te chamas?”
“Gostaria de dizer-te meu nome, mas não é necessário. O senhor deve
saber quem eu sou.”
Olhei, então, com mais atenção para aquele rosto radiante. Como era
belo! Imediatamente o reconheci como o filho do conde Colle, o ilustre ben-
feitor de todas as nossas casas e, em especial, de nossas missões da América
[do Sul].11 “Ó, és tu”, disse, chamando-o pelo nome.

11
Em vários sonhos, Dom Bosco é guiado por um intérprete. Domingos Sávio, por exemplo, faz
esse papel no sonho de Lanzo, de 1876. Aqui o intérprete é Luís Colle, filho do conde Luís Antônio
Fleury Colle, de Toulon, França. Em março de 1882, Dom Bosco visitou o jovem quando estava para
morrer de tuberculose. Morreu em 3 de abril aos 17 anos. Dom Bosco tinha uma tão elevada estima por
Luís e por seus pais, grandes benfeitores, que pouco tempo depois, com a ajuda do padre de Barruel,
escreveu e publicou uma biografia do jovem Luís Antonio Fleury Colle dedicada “A monsieur e madame
Colle” (Montevidéu: Editora Dom Bosco, 1954). Cf. MB XV, 74s, 91s. Luís iria ser o novo Domingos
Sávio? Seja como for, a identidade do intérprete-guia, segundo se apresenta nas fontes deste sonho, é
problemática. Nas atas do CG III o guia é simplesmente um “leigo”. Em Lemoyne A, e até a quarta
página do texto principal, o intérprete é descrito como “um personagem”, “aquele homem”. Todavia,
nas notas marginais posteriores de Lemoyne, desde a segunda página, já se especifica que era um jovem
identificado como “o filho dos condes Colli” (sic). Depois, da quarta página em diante, Lemoyne elimina
sistematicamente as denominações originais (“esse homem” etc.), que são substituídas com expressões

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

“E quem são todos estes senhores?”


“São amigos dos salesianos; eu, como teu amigo e de teus salesianos e em
nome de Deus, quisera que realizasses uma pequena tarefa”.

Padre Mayorino Borgatello (1857-1929) e alguns salesianos com um grupo de meninos


indígenas da escola primária diante da missão Candelaria, ilha Dawson.

[Cena 1. Alegoria da ação: a corda numerada]


“Que tipo de tarefa? Do que se trata?”
“Senta-te aqui, nesta mesa, e depois puxa a corda”. No meio daquela
grande sala havia uma mesa sobre a qual havia uma corda enrolada, e vi tam-
bém que a sala se situava na América do Sul, precisamente sobre a linha do
Equador e que os números gravados na corda correspondiam aos graus geo-

como “aquele jovem”, “aquele jovem querido”. Parece, então, que na narração original, Dom Bosco não
tenha identificado o intérprete com o jovem Luís Colle. Em Lemoyne B, a reelaboração do texto de Le-
moyne, revisto por Dom Bosco, o intérprete identifica-se com o jovem Colle desde o início. Sobre isso,
é significativo que, em outras ocasiões, Dom Bosco tenha falado de Luís Colle, que aparece com ele nos
sonhos missionários e em outros contextos (cf. MB XV, 85s). Concretamente, em relação a este segundo
sonho missionário, na carta ao conde Colle, de 11 de fevereiro de 1884, ele fala de Luís como seu guia:
“A viagem que fiz em companhia de nosso querido Luís é cada vez mais clara à medida que passam os
dias” (Epistolario IV Ceria, 501). Faz o mesmo em relação ao quarto sonho missionário nas cartas ao
conde e à condessa Colle, em 10 de agosto de 1885 e 15 de janeiro de 1886 (Epistolario IV Ceria, 516 e
521), onde se menciona um “passeio” que fiz em segredo com Luís à África central e China. Assinale-se,
porém, que como sustentam nossos documentos, no quarto sonho missionário, Luís Colle só aparece
entre os que exortam Dom Bosco, não como guia ou intérprete. No terceiro sonho missionário, há um
intérprete não identificado, mas Luís Colle só aparece no final entre os bem-aventurados.

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Dom Bosco: história e carisma 3

gráficos de latitude. Peguei, então, uma ponta da corda, examinei-a e vi que no


começo estava assinalado o número 0. Eu comecei a rir.
O jovem angelical me disse:
– “Não é tempo de rir. Observa! O que está escrito na corda?”.
– “O número zero”.
– “Puxa um pouco”. Puxei um pouco da corda e apareceu o número 1.
– “Puxa ainda mais um pouco e faze um grande rolo com a corda”. As-
sim o fiz e apareceram os números 2, 3, 4, até o 20.
– “Basta?”, perguntei.
– “Não; mais, mais. Continua a puxar até encontrares um nó”, respon-
deu-me o jovenzinho.
Continuei a puxar até o 47, onde encontrei um grande nó. A partir dali
a corda continuava dividida em numerosas cordinhas que se dirigiam para o
Oriente, Ocidente e Sul.
– “Já basta?”, perguntei.
– “Que número é?”, perguntou por sua vez o jovenzinho.
– “O número 47”.12
– “Quanto somam 47 mais 3?”.
– “Cinquenta!”.
– “Mais 5?”.
– “Cinquenta e cinco!”.
– “Não o esqueças: Cinquenta e cinco!”.
[Nota marginal de Lemoyne]
Depois me disse: “Continua a puxar”.
Parece que o nó colocado
– “Já chegou ao fim”, disse-lhe.
sobre o número ou grau
47 representasse o local de – “Volta, então, para trás e puxa a cor-
partida, o centro salesiano, da pelo outro lado”. Puxei a corda pela parte
a missão principal de onde oposta até chegar ao número 10.
os missionários, depois de
concentrados, sairiam para
O jovem, então, me disse: – “Puxa mais!”.
as ilhas Malvinas, Terra do – “Já não é possível. Não há mais”.
Fogo e outras ilhas daquelas – “Como, não há mais? Observa bem! O
terras [sic] regiões da Améri-
que há?”.
ca [do Sul].
– “Há água”, respondi.

A nota de Lemoyne, que segue, localiza um centro salesiano no grau 47 de latitude sul. Na
12

verdade, não há um centro salesiano nesse lugar. Santa Cruz, que historicamente se pode considerar
como a base de partida da futura missão de monsenhor Fagnano está quase no grau 50 de latitude sul.
Ushuaia, a futura fundação salesiana mais ao sul, está ao redor dos 55 graus.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

Com efeito, naquele momento operou-se um fenômeno extraordinário,


que seria impossível descrever. Eu me encontrava naquela sala e, ao puxar a
corda, diante de meus olhos, oferecia-se a perspectiva de um país imenso que
eu dominava com a visão de um pássaro e que se estendia sempre mais, na
medida em que a corda ia se estendendo.
Desde o primeiro zero até o número 55, era uma extensão imensa de terra
que, depois de um mar estreito, se dividia ao fundo em centenas de ilhas, das
quais uma era muito maior do que as outras. Essas ilhas pareciam aludir às cor-
dinhas estendidas que partiam do grande nó. Cada cordinha ia dar numa ilha.
Algumas delas eram habitadas por indígenas bastante numerosos; outras, esté-
reis, despojadas, rochosas, desabitadas; outras, completamente cobertas de gelo
e neve. A ocidente, numerosos grupos de ilhas, habitadas por muitos selvagens.
Da parte oposta, isto é, do zero ao 10, continuava a mesma terra, termi-
nando naquela água que já vira anteriormente. Pareceu-me que aquela água
era o Mar das Antilhas, que contemplava então de maneira tão surpreendente
que não seria possível expressar tal visão com palavras.13

Nota marginal de Lemoyne Quando eu disse: “Há água!”,


Há de se notar que eu via tudo em seu con-
o jovenzinho respondeu-me:
junto, como em miniatura, o mesmo que
“Agora, soma 55 mais 10. Quan-
depois, como direi, vi em sua grandiosa re- tos somam?”.
alidade e em toda sua extensão, e os graus E eu: “Somam 65”.
assinalados na corda e que correspondiam – “Agora, coloca tudo junto e
com exatidão aos graus geográficos de la- farás uma [só] corda”.
titude, foram os que me permitiram reter
na memória durante vários anos os pontos
– “E depois?”.
sucessivos que visitei, ao fazer a viagem na – “Até aqui, o que é que há?”.
segunda parte do sonho. E indicava-me um ponto no
panorama.

– “A Ocidente, vejo montanhas altíssimas, e a Oriente, o mar”.


Meu jovem amigo continuou: – “Pois bem, essas montanhas são como
uma margem, como um limite. De aqui até lá se estende a messe oferecida
aos salesianos. São milhares e milhões de habitantes que esperam vosso auxí-
lio, que aguardam a fé”.
Essas montanhas eram as cordilheiras dos Andes da América do Sul e o
mar, o Oceano Atlântico.

Em nota mais tardia, no final do sonho, Lemoyne afirma que o bispo de São José da Costa
13

Rica, em carta de 15 de setembro de 1883, pedira salesianos. Essa cidade está no grau 10 de latitude
norte. A obra salesiana em São José seria iniciada em 1933.

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Dom Bosco: história e carisma 3

[Cena 2. A alegoria de figos verdes]


– “E como fazer?”, respondi. “Como conseguir conduzir tantos povos
ao redil de Jesus Cristo?”.
– “Como fazer? Olha!”. A esta altura chega o padre Ângelo Lago14 tra-
zendo um cesto de figos pequeninos e verdes, que me disse:
– “Toma, Dom Bosco!”.
– “O que me trazes?”, perguntei, enquanto me fixava no conteúdo do cesto.
– “Disseram-me para trazer (estes figos) ao senhor”.
– “Mas estes figos não são comestíveis; não estão maduros”.
Então, meu jovem amigo pegou o cesto, que era muito grande, mas pouco
profundo e apresentou-o a mim, dizendo: – “Eis aqui o presente que te faço!”.
– “E o que devo fazer com estes figos?”.
– “Estes figos não estão maduros, mas pertencem à grande figueira da
vida. Deves procurar o modo de fazê-los amadurecer”.
– “E de que modo? Se fossem maiores… poderiam amadurecer com
palha, como se costuma fazer com os outros frutos; mas tão pequenos... tão
verdes... É impossível”.
– “Muito ao contrário; deves saber que para fazer amadurecer estes figos
é preciso que todos eles se unam novamente à planta”.
– “Isso é incrível! Como fazer?”.
– “Olha!”, e tomando um daqueles frutos introduziu-o num vaso cheio de
sangue; depois em outro vaso de água, e disse: – “Com o suor e o sangue os sel-
vagens ficarão novamente unidos à planta e serão agradecidos ao senhor da vida”.
Eu pensava: “Mas, para conseguir isso, é preciso muito tempo”. E em
seguida disse em alta voz: – “Não sei o que dizer”.
O jovem, porém, para mim tão querido, lendo meus pensamentos, con-
tinuou: – “Isso será obtido antes que se cumpra a segunda geração”.
– “E qual será a segunda geração?”
– “A presente [geração] não se conta. Haverá uma e depois outra”. Eu
falava confusamente, aturdido e como que balbuciando ao escutar os magní-
ficos destinos reservados à nossa congregação e perguntei:
– “Mas, cada uma dessas gerações, quantos anos compreende?”.
– “Sessenta anos!”.
– “E depois, o que [sucederá]?”.
– “Queres ver o que sucederá depois? Vem!”.

14
Padre Ângelo Lago, secretário particular do padre Miguel Rua, morreu em odor de santidade
em 1914. [Nota dos editores]
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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

Início do texto transcrito pelo padre Lemoyne do sonho


de Dom Bosco sobre a evangelização da América do Sul.

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Dom Bosco: história e carisma 3

[Ato II. A viagem para o sul pela ferrovia]


E sem saber como, encontrei-me numa estação ferroviária. Nela estava
reunida muita gente. Subimos no trem. Eu perguntei onde estávamos. O jo-
vem respondeu-me: – “Observa. Olha! Estamos em viagem ao longo da Cor-
dilheira. Tens o caminho aberto também para o Oriente até o mar.15 Trata-se
de outro presente do Senhor”.
– “E a Boston, onde nos aguardam, quando iremos?”.16
– “Cada coisa no seu tempo”. E assim dizendo pegou um mapa onde se
destacava a diocese de Cartagena (Colômbia). (Seria esse o ponto de partida?)17

[Cena 1. Primeira etapa da viagem]


Enquanto eu examinava o mapa, a máquina rangeu e o trem pôs-se em
movimento. Durante a viagem meu amigo falava muito, mas eu não o podia
ouvir por causa do barulho do trem. Contudo, aprendi coisas belíssimas e
novas sobre astronomia, náutica, meteorologia, sobre a fauna e a flora, sobre a
topografia daquelas regiões, que ele me explicava com admirável precisão. En-
tretanto, suas palavras brotavam com digna e, ao mesmo tempo, terna familia-
ridade, demonstrando o afeto que tinha por mim. Desde o início, ele tomara-
-me pela mão e assim me manteve dócil até o fim do sonho. Eu colocava, às
vezes, a outra mão que me ficava livre sobre a sua, mas esta parecia escapar da
minha como se evaporasse e somente sua esquerda estreitava a minha direita.
O jovenzinho sorria diante da minha tentativa inútil.18 Ao mesmo tempo, eu
olhava através das janelas do vagão e via desfilar diante de mim diversas e mag-
níficas regiões. Bosques, montanhas, planícies, rios larguíssimos e majestosos
que jamais pensei existirem em regiões tão distantes de suas fontes. Por um
espaço de mais de mil milhas, costeamos a borda de uma floresta virgem, ain-
da hoje sem explorar. Meu olhar adquiria uma visibilidade assombrosa. Não
encontrava obstáculos para chegar ao limite daquelas regiões. Não sei explicar
como se dava fenômeno tão extraordinário em minha visão. Podia penetrar
15
Uns dois meses antes do sonho, Dom Bosco, em resposta a repetidos pedidos, decidiu abrir
uma casa no Brasil e pediu ao padre Luís Lasagna que iniciasse as negociações. A primeira fundação
salesiana foi em Niterói, próxima ao Rio de Janeiro, em meados de 1883.
16
A proposta para fundar uma obra salesiana em Boston foi recebida através de intermediários,
no final de 1882. A primeira obra salesiana nessa cidade, a Don Bosco Technical High School, seria es-
tabelecida em 1945.
17
A cidade de Cartagena, Colômbia, como São José da Costa Rica, está situada a uns 10 graus de
latitude norte. No início da narração do sonho, diz-se que a sala de recepção está situada no Equador.
18
Experiência transcendente semelhante de aparições celestes é comentada em relação a Domin-
gos Sávio, com explicações apropriadas no sonho de Lanzo em 1876; cf. MB XII, 586s.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

não só no interior das cordilheiras, mas também ver através das solitárias cris-
tas das montanhas aquelas planícies intermináveis (Brasil?).
Tinha diante do meu olhar as riquezas incomparáveis daqueles países,
riquezas que seriam descobertas um dia. Vi inumeráveis minas de metais
preciosos, galerias intermináveis de carvão mineral, depósitos de petróleo tão
abundantes como até agora não encontraram em outros lugares.19

[Nota marginal de Lemoyne] Isso, porém, não era tudo.


Entre os graus 15 e 20 havia uma O que mais me surpreendeu foi ver que
sinuosidade tão longa e tão estrei- em vários lugares nos quais as cordilheiras,
ta que partia de um ponto onde se dobrando-se sobre si mesmas, formavam
formava um lago. Então, uma voz vales, dos quais os atuais geógrafos nem se-
disse repetidas vezes: – “Quando quer suspeitam a existência, imaginando-se
começarem a explorar as minas es- que naquelas partes as encostas das monta-
condidas naqueles montes aparece-
rá aqui a terra prometida de onde
nhas são cortadas a pico. Nesses vales e nes-
brota leite e mel. Será uma riqueza sas sinuosidades que, talvez, se estendessem
inconcebível”. por milhares e milhares de quilômetros, ha-
bitam densas populações que ainda não en-
traram em contato com os europeus, povos
que são completamente desconhecidos.20

O trem, todavia, continuava a toda velocidade e depois de circular de


um lado para outro, deteve-se. Ali desceu grande parte dos passageiros que,
passando sob as cordilheiras, dirigiu-se a Ocidente. [Dom Bosco referia-se à
Bolívia. A estação talvez fosse La Paz, onde um túnel, abrindo passagem para
o litoral do Pacífico, pode pôr em comunicação o Brasil com Lima por meio
de outra ferrovia.]21

19
A nota marginal da mão de Lemoyne foi interpretada como indicação geográfica da futura
capital do Brasil, Brasília; apesar de não se mencionar qualquer cidade, e a descrição geográfica do lugar
ser muito geral para qualquer identificação. Neste momento, Dom Bosco tinha em mente o Brasil, mas
também Boston (Estados Unidos) e São José (Costa Rica).
20
Estas ideias foram ridicularizadas em Roma. Informando sobre as palavras de Dom Bosco, nos
Documenti, Lemoyne escreve: “Em Roma, eu o apresentei por completo ao cardeal Barnabò [prefeito
da Propaganda Fidei], que ridicularizou o projeto como fantasia infantil, especialmente a minha afir-
mação de que na América do Sul há grandes populações ainda por descobrir. Por isso, recusou-se a falar
com o Papa sobre isso. Então, o próprio Dom Bosco disse-o ao Papa, que, em seguida, levou a coisa
a sério, e pediu ao cardeal Franchi [próximo prefeito da Congregação] que fizesse um relatório. Sua
Eminência, porém, o foi postergando e, quando Pio IX insistiu, ele respondeu: ‘São delírios de uma
mente doentia!’. Pio IX, porém, ordenou, recebeu o relatório e respaldou plenamente a nova missão”.
(Documenti XIV, 143, ASC A063: Cronachette Lemoyne-Doc: FDB 1024 C4). Cabe assinalar que Pio
IX estivera como auditor nas delegações apostólicas do Chile e Peru de 1823 a 1825.
21
As palavras entre parêntesis deste e dos seguintes parágrafos são comentários de Lemoyne.

219

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Dom Bosco: história e carisma 3

[Cena 2. Segunda parada da viagem]

[Nota marginal de Lemoyne] O trem pôs-se novamente em movi-


+ Será preciso indicar qual seria o mento. Rodeamos o Uruguai. Creio que
nome do rio (creio que o Paraná). era um rio pouco caudaloso, mas extre-
++ Dom Bosco também poria mamente amplo. Em certo momento vi
aqui o nome do rio (Uruguai) o rio que se aproxima do Uruguai como
que, como antes, escorre por pon- se viesse oferecer-lhe o tributo de suas
tes, túneis, lagos, rios e florestas.
águas; mas, depois de correr durante um
bom trecho paralelamente, se afastam
fazendo uma ampla curva. Os dois rios
eram caudalosos.

O trem continuava a marcha, e circulando de um lado para outro, de-


pois de longo espaço de tempo, deteve-se pela segunda vez. Aqui também
desceu do comboio muita gente que, passando sob as cordilheiras, dirigiu-se
para Ocidente.
[Dom Bosco indicou na República Argentina a província de Mendoza.
Por isso, a estação era, talvez, a de Mendoza e o túnel, aquele que punha em
comunicação com Santiago, capital da República do Chile.]

[Cena 3. Terceira parada da viagem]


O trem retomou a marcha através dos Pampas e da Patagônia. Os cam-
pos cultivados e as casas espalhadas de um lado e de outro indicavam que a
civilização tomava posse daqueles desertos. Finalmente, chegamos ao Estrei-
to de Magalhães. Eu olhava. Descemos. Diante de mim, via Punta Arenas.

[Nota marginal de Lemoyne] A terra, por várias milhas, era reco-


Imensos montes de metal, em par- berta de minas de carvão, tábuas, vigas de
te bruto, em parte depurado. madeira, imensos montes de metal, em
parte bruto, em parte trabalhado.
Longas filas de carrinhos com mercadorias ocupavam as ruas.
Meu amigo indicou-me todas essas coisas. Perguntei-lhe, então: – “O
que isso tudo quer dizer?”.
Ele respondeu-me: – “O que agora é apenas um projeto, será um dia
realidade. Os selvagens serão tão dóceis no futuro, que eles mesmos irão se
instruir prestando seu tributo à religião, à civilização e ao comércio. O que é

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

motivo de admiração em outras partes, aqui o será a ponto de superar o que


causa estupor entre outros povos (sic)”.
– “Já vi bastante”, repliquei; “agora, leva-me a ver meus salesianos da
Patagônia”.
Ele o fez e os vi. Eram muitos, mas não os conhecia; e entre eles não vi
nenhum dos meus primeiros filhos. Todos me contemplavam admirados. E
quando lhes perguntei:
[Nota marginal de Lemoyne] – “Não me conheceis? Não conheceis
Desci do trem e encontrei-me Dom Bosco?”.
imediatamente com os salesianos. (Responderam) – “Ó, Dom Bosco!
Havia ali muitas casas e grande Nós o conhecemos de fama, mas o vimos
número de habitantes; várias igre- apenas nas fotografias. Em pessoa, não o
jas, escolas, vários colégios para
jovenzinhos, internatos para adul-
conhecemos!”
tos, aprendizes e agricultores e um “E padre Fagnano, padre Costamag-
dispensário de religiosas (Filhas de na, padre Lasagna, padre Milanésio, onde
Maria Auxiliadora), que se dedi- estão?”22
cavam a vários trabalhos. Nossos
missionários encarregavam-se ao “Não os conhecemos pessoalmente.
mesmo tempo dos jovenzinhos e São os que vieram aqui em tempos passa-
dos adultos. Eu misturei-me entre dos: os primeiros salesianos que chegaram
eles. Eram muitos, mas não os co- da Europa a estes países. Mas já se passa-
nhecia e entre eles não vi nenhum ram muitos anos desde a sua morte!”.
de meus primeiros filhos. Todos
me olhavam admirados, como se Ao ouvir esta resposta, pensei admirado:
fosse uma pessoa desconhecida. – “Isto, todavia, é sonho ou realida-
de?”. E batia as mãos uma contra a outra,
tocava-me nos braços e movia-me ouvin-
do as palmas, e sentia-me a mim mesmo e
persuadia-me de que não estava dormindo.

[Conclusão e despertar]
Enquanto contemplava aquele mapa à espera que o jovenzinho
acrescentasse alguma explicação, emocionado pela surpresa do que ti-
nha diante dos olhos, pareceu-me que Quirino tocasse a Ave-Maria do

22
Luís Lasagna (1850-1895), ordenado padre em 1873, foi para as missões com o segundo
grupo, em 1876. Como diretor e, depois, como inspetor, desenvolveu a obra salesiana no Uruguai e
iniciou projetos científicos e culturais. Ele estabeleceu a obra salesiana no Brasil. Foi ordenado bispo
em 1893 e encarregado por Leão XIII da missão de proteger e evangelizar os nativos. Contudo, pouco
depois, morreu em uma trágica colisão de trens.

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Dom Bosco: história e carisma 3

alvorecer; despertei-me, porém, e percebi que eram os sinos da paróquia


de San Benigno.23
O sonho durara a noite toda.24

[Conclusão moralista]
Dom Bosco concluiu seu relato com estas palavras: – “Com a doçura de
São Francisco de Sales, os salesianos atrairão para Cristo os povos da América
[do Sul]. Será empresa dificilíssima moralizar os selvagens, mas seus filhos
obedecerão com toda facilidade as instruções dos missionários e se fundarão
colônias e a civilização suplantará a barbárie, e assim muitos selvagens entra-
rão no redil de Cristo”.
N.B.: Como confirmação dessas visões extraordinárias, passaram-se ape-
nas alguns dias, até que o bispo de São José da Costa Rica, dom Bernardo Au-
gusto Thiel, e alguns senhores da missão, escreviam uma carta a Dom Bosco
pedindo-lhe alguns missionários salesianos. Pois bem, essa cidade encontra-se
precisamente sob o grau 10, mencionado no sonho.25

Comentário
O relato do sonho não apresenta outras observações nas fontes, exceto a con-
clusão anterior moralista de Dom Bosco. Entretanto, nas Memórias Biográficas,
Ceria tece extensos comentários sobre o caráter revelador do sonho e a precisão
de suas predições, além de ter previsto o futuro da obra salesiana. Ele afirma que
o conhecimento de Dom Bosco expresso no sonho relativo à geografia andina,
ao desenvolvimento da futura ferrovia, às riquezas materiais das cordilheiras e à
geografia e demografia da Terra do Fogo, não poderiam ser de origem humana.26
Igualmente na tradição salesiana, todas as referências geográficas,
como a Boston e São José da Costa Rica, neste e em outros sonhos, são
23
Dom Bosco estava em San Benigno Canavese, casa de noviciado nesse momento, para os Exer-
cícios Espirituais com os membros do CG III; foi despertado pelos sinos do Ângelus da igreja local de
San Benigno. Em seu estado de semivigília em que estava no início, pensou que era o sino do Ângelus
da igreja de Maria Auxiliadora em Turim, que era tocado pelo coadjutor Camilo Quirino (1847-1892),
“aquele santo coadjutor matemático, poliglota e sineiro” (MB XVI, 393s; MB XV, 564).
24
Os sonhos não duram a noite toda, embora possa parecê-lo. Duram apenas 15 ou 20 minu-
tos em tempo real, durante o sonho REM até o final de um ciclo de sonho. O sonho REM é sonhar
dormindo, que se relaciona com emoções frequentes, recordações vivas e preocupações importantes.
Enquanto se dorme, pode-se ter de três a cinco momentos de sonho REM; costuma começar depois
de 70 ou 90 minutos.
25
Nota de pé de página, acrescentada pelo editor Lemoyne.
26
Cf. MB XVI, 393s.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

interpretadas como predições proféticas sobre o estabelecimento da obra


salesiana nesses lugares. Quando, talvez, meio século depois, chegava-se a
fundar a obra, pensava-se que a predição profética se cumprira. O mesmo
acontece com o “mito Brasília”, construído baseando-se numa passagem da
narração do segundo sonho missionário.27

Dom Bosco com os salesianos, padres e coadjutores,


da segunda expedição missionária (1876).

3. Algumas questões sobre o sonho28


Falou-se que Dom Bosco evidencia em alguns de seus sonhos um conhe-
cimento que não poderia ter obtido por meios humanos. A afirmação não se
refere especialmente às características geográficas e físicas das regiões que viu
e das populações que contemplou.
O conhecimento de Dom Bosco sobre coisas ocultas comunicadas atra-
vés dos sonhos é reivindicado pelos hagiógrafos do santo, sobretudo em rela-
ção às referências que o sonho de 1883 faz sobre a Patagônia e a Terra do Fogo.
Padre Ceria escreve sobre isso: “Dom Bosco oferece-nos uma série de
notícias positivas das quais ele não podia ter conhecimento nem por geógrafos

27
Para um comentário sobre essas questões e a “interpretação Brasília”, em particular,
ver p. 232-234 deste volume.
28
MB XVI, 393s, cf. A. Lenti, “Mission dreams II”, JSS 4:1 (1993), 1-60.

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Dom Bosco: história e carisma 3

nem por viajantes, pois aquelas latitudes estavam ainda por explorar e eram
desconhecidas pelo turismo e pelas expedições científicas”.29 E falando, depois,
das explorações do salesiano padre Alberto de Agostini na Patagônia austral e
Terra do Fogo, Ceria enumera quatro âmbitos nos quais Dom Bosco demons-
tra esse conhecimento misterioso:30
1. A estrutura das cordilheiras andinas: Dom Bosco assinala que es-
tas montanhas não se elevam como uma muralha divisória, ou
seja, como uma cadeia homogênea (como comumente se acre-
ditava), mas que elas formam um complexo sistema de elevações
intercaladas e divididas por grandes depressões, “canais” ou vales;
e cita como exemplo desta última característica o “canal de Baker”,
no sul do Chile, “o mais extenso dos fiordes patagônicos, cujas ra-
mificações continentais formadas por profundas depressões, vales
e bacias lacustres, cortam a cordilheira patagônica entre os graus
45 e 52 de latitude sul”.
2. As redes ferroviárias: Dom Bosco fala das ferrovias onde então
reinavam o deserto e a solidão (e que, quando Ceria escreve, já
estavam em construção ou em planejamento, o que seria uma de-
monstração do conhecimento prévio e da realização das profecias).
3. A riqueza mineral ainda por descobrir, como o petróleo e o carvão:
Dom Bosco fala de grandes recursos minerais [nas] cordilheiras;
Ceria cita poços de petróleo em Comodoro Rivadavia31 e outras
partes da América do Sul.
4. O caráter geofísico do arquipélago fueguino e a distribuição da po-
pulação nativa nas ilhas: Dom Bosco descreve com exatidão as ilhas
e suas populações.

A visão da América do Sul nos sonhos


No sonho missionário de 1883, Dom Bosco fala das diversas característi-
cas da cordilheira andina, das florestas virgens, dos rios, da extensão da Patagô-
nia inferior etc. Esta era, com maior ou menor exatidão, a tradição geográfica
recolhida pelos mapas e livros da época e que aparece no sonho com imagens
fantásticas. Seria um erro tomar essas imagens como se fossem a descrição de
lugares reais por conhecimento revelado. O mesmo se diga da ideia, expressa

29
MB XVI, 394.
30
Parece não ser necessário recorrer a meios extraordinários de conhecimento para explicar o que
foi “visto” por Dom Bosco em seus sonhos missionários, pois podem ter uma explicação mais natural.
(Nota dos editores)
31
Cidade na costa argentina (não na cordilheira dos Andes) a 46 graus de latitude sul.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

reiteradamente por Dom Bosco neste e em outros sonhos e escritos, de que a


Patagônia era uma terra completamente desconhecida, uma terra de ninguém,
ou seja, uma terra de selvagens, não pertencente à República Argentina.32

Características geofísicas e recursos minerais


O sonho apresenta os dados ora pela narração do próprio Dom Bosco,
ora por meio das notas de Lemoyne.
Dom Bosco escreve: “A gente pensa, e há geógrafos que cometem o
mesmo erro, que as cordilheiras da América são como uma muralha que nos
separa daquela parte do mundo. Mas não é assim. Estas altas e longas cadeias
montanhosas são atravessadas por vales que têm mais de mil quilômetros de
extensão. Nelas há florestas inexploradas... Carvão, petróleo, chumbo, cobre,
ferro, prata e outros [minerais] estão enterrados nas montanhas, onde a mão
poderosa do Criador os colocou para o bem das pessoas. Ó, cordilheiras,
cordilheiras (sic), quão rica é a vossa região oriental!”.33
Por sua vez, Lemoyne, em nota marginal, acrescenta: “Entre os graus
15 e 20 [de latitude sul] havia uma ‘sinuosidade’ tão longa e tão estreita
que partia de um ponto onde se formava um lago”.34 A região, não iden-
tificada com precisão, deve ser relacionada, aparentemente, com a parte
norte das cordilheiras.
Num primeiro momento, nada se diz da Patagônia ou da Terra do Fogo
em particular, mas quando finalmente chega ao estreito de Magalhães, Dom
Bosco vê que “o solo pelo espaço de várias milhas estava todo coberto de mi-
nas de carvão, de tábuas, de vigas de madeira”. Lemoyne acrescenta que tam-
bém havia “imensos montes de metal, em parte bruto, em parte depurado”.35
Não se menciona o petróleo; chama a atenção, por isso, que Ceria fale das
reservas de petróleo. Quanto à madeira, embora as florestas abundem nessas
regiões do sul, elas se encontram principalmente nas costas do Pacífico e nas
ilhas. A estepe pedregosa e os arbustos improdutivos são as principais carac-
terísticas da província de Santa Cruz no lado argentino. Sabe-se, porém, que
há carvão.36
A fim de avaliar essas afirmações em sua justa medida, é preciso levar
em consideração que, por razões históricas, Dom Bosco dispunha de grande

32
Para um comentário mais detalhado, ver J. Borrego, Proyecto, 21-72, esp. 28-33.
33
MB XVI, 384s.
34
Ver o texto do sonho, na página 219 deste volume.
35
Ver o texto do sonho, na página 220 deste volume.
36
Cf. Hammond Citation World Atlas, Maplewood, NJ, Hammond Inc., 1977, 141.

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Dom Bosco: história e carisma 3

quantidade de informação confiável em relação às antigas colônias espanholas


nas regiões andinas superiores.
Já dissemos que em 1876, Dom Bosco reunira grande quantidade de in-
formação sobre a Patagônia e a Terra do Fogo, terras que até pouco antes não
tinham suscitado particularmente a sua atenção. Nessa época, porém, inves-
tigou detalhadamente todos os seus aspectos e utilizou essa informação para
apresentar em Roma o importante estudo intitulado A Patagônia e as regiões
mais austrais do continente americano37 que, embora escrito por Barberis, foi
abonado pela assinatura de Dom Bosco, que o tornou seu. Em sua crônica,
padre Barberis reconhece a pesquisa febril, tanto sua como de Dom Bosco,
para escrever este ensaio de 164 grandes páginas.
Nesse ensaio, como introdução, enumeram-se as fontes utilizadas: dez
títulos. Em seguida, Barberis continua: “Eu levei dois mapas, um da Patagônia
e outro da América (do Sul). Começamos a estudar a geografia [da Patagônia]
detalhadamente. Passamos muito tempo estudando suas características, como
os golfos, o estreito de Magalhães e o contorno das ilhas”.38 Dom Bosco con-
tinuou a pesquisar aquele que, com determinação irredutível, se converteu
rapidamente em seu campo missionário; de modo que, no momento do sonho
(1883), além de seus conhecimentos gerais geográficos históricos e culturais,
tinha armazenado abundante informação específica sobre o tema.39
No ensaio sobre a Patagônia, na seção relativa à geografia física da região,
descrevem-se as ilhas do arquipélago, mais ou menos como descritas no relato
do sonho.40 Embora seja certo que o ensaio não traz qualquer informação
sobre os recursos minerais da região,41 deve-se levar em consideração, como se
disse anteriormente, que Dom Bosco tinha informação disponível sobre a re-
gião das antigas colônias espanholas. Além do mais, os espanhóis exploraram

37
Como já mencionamos, esta obra foi editada criticamente, com extensa introdução, notas e
apêndices, Cf. J. Borrego, Patagonia. Borrego assinala que Ceria sabia que Barberis preparara algum
tipo de relatório (cf. MB XII, 261; 542-544), mas que não chegou a conhecer esse relatório (J. Bor-
rego, Patagonia, 3-4).
38
ASC A001 Cronachette-Barberis; cf. J. Borrego, Patagonia, 8. Também sabemos que, em
1876, ou seja, desde que a Argentina foi oferecida em 1874 até a redação do ensaio sobre a Patagônia
em 1876, Dom Bosco acumulara grande informação, exata ou não, sobre as regiões do sul da Argentina
e do Chile. O cônsul Gazzolo foi uma de suas fontes (cf. J. Borrego, Proyecto, 42-50).
39
Cf. J. Borrego, Patagonia, 40-42.
40
Cf. J. Borrego, Patagonia, 46-47.
41
Em um parágrafo de seis linhas sobre “Recursos minerais”, o autor escreve: “As altas montanhas
da cordilheira andina [na Patagônia] são formadas sobretudo por rochas duras. A planície, por outro lado,
é um aglomerado de rocha calcária, com grandes porções cobertas de areia e massas salinas...” (J. Borrego,
Patagonia, 51).

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

os recursos minerais e humanos das regiões andinas desde o século XVI. Com
essa base, Dom Bosco podia extrapolar facilmente e tirar deduções aplicáveis
ou não a outras regiões. Contudo, ainda assim, o relato do sonho demonstra
que, embora descreva com fidelidade os enormes recursos das regiões andi-
nas do norte, não é tão explícito ao falar da Patagônia e Terra do Fogo. O
único mineral mencionado neste território é o carvão, e é citado em relação
ao desenvolvimento cultural e econômico da região. Por outro lado, fala de
petróleo entre os recursos das cordilheiras, onde não foi encontrado.
Quanto aos países andinos do Peru, Equador e Colômbia, há algo de
petróleo nas regiões costeiras do Pacífico e em alguns vales baixos interiores.
Contudo, todas estas considerações não nos devem fazer perder de vista o
fato de que é muito provável que todas as ideias sobre os recursos minerais
proviessem da própria experiência cultural de Dom Bosco.42

Os nativos
Em relação à situação demográfica, no sonho de 1883 e em outros lu-
gares, Dom Bosco fala do grande número, inclusive de milhões de “selva-
gens”, que vivem em muitos lugares e particularmente na América. Falando
da Europa, diz: “Poucos têm a coragem de desafiar longas viagens ou [terras]
desconhecidas para salvar as almas desses milhões de almas”. Ele também alu-
de à “elevada densidade de população” que habita os grandes vales andinos.
Concluindo a alegoria da corda no sonho, o intérprete diz a Dom Bosco:
“Pois bem, essas montanhas são como uma encosta, como um limite. De
aqui até lá, estende-se a messe oferecida aos salesianos. São milhares e milhões
de habitantes que esperam o vosso auxílio, que aguardam a fé.”
Ao referir-se às ilhas do sul, Dom Bosco diz: “Algumas delas eram habita-
das por indígenas muito numerosos; outras, estéreis, nuas, rochosas, desabitadas,
outras completamente cobertas de gelo e neve. A ocidente, numerosos grupos
de ilhas, habitadas por muitos selvagens”.43

42
A mineração do carvão, em particular, fazia parte da experiência cultural de Dom Bosco. O
carvão, em suas diversas formas, fora utilizado como energia antes dos tempos de Dom Bosco. Em
meados do século XIX, a necessidade de aumentar a produção de coque e gás para a calefação e ilumi-
nação deu novo impulso à indústria do carvão. Igualmente, em meados do século XIX, a introdução da
dinamite (em substituição da pólvora nas explosões) e de brocas rotatórias ampliou muito a produção
de carvão. Pode-se dizer o mesmo sobre o petróleo. O primeiro poço foi perfurado em Titusville, Pen-
silvânia (Estados Unidos), em 1859. Em algumas décadas, a exploração petrolífera estendera-se não só
nos Estados Unidos, como também na Europa, no Oriente Médio e na Ásia oriental (cf. Enciclopedia
Britanica, Micropedia, 15ª ed., 1987, 3408; 8158; 9344). Sobre o petróleo nos países andinos, cf.
Hammond Citation World Atlas, Maplewood, NJ, Hammond Inc., 1977, 127 e 130.
43
Para todas as cifras deste parágrafo, ver sonho no capítulo IV, p. 146-150.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em seu ensaio sobre a Patagônia, depois de vários cálculos, fixa o núme-


ro mínimo da população nativa da Patagônia e Terra do Fogo em 4 milhões,44
e o faz, apesar da informação contrária recebida dos missionários da América
do Sul.45
Igualmente, as ideias e descrições feitas por Dom Bosco sobre os indígenas,
e que viu em seus sonhos, aproximam mais os nativos da literatura romântica
e das enciclopédias do século XIX, do que a qualquer tipo real da Patagônia.
Outros dados antropológicos e etnográficos relativos às populações na-
tivas, por exemplo, seu caráter, cultura etc., são bastante imprecisos e pro-
vêm do acervo cultural geral e específico de Dom Bosco. No primeiro sonho
missionário (1871-1872), os selvagens são descritos como gente feroz, que
“sacrificam e esquartejam [os missionários] em pedaços”.46
Além dos sonhos, Dom Bosco escreve que os numerosos indígenas pata-
gônios ainda se encontram nas trevas e sombras da morte, e vivem em estado
completamente selvagem; e que, até o momento, a voz do missionário não
pôde ser ouvida em toda essa imensa região, apesar das muitas tentativas de
evangelização através dos séculos. Deve-se o fracasso à ferocidade com que
os nativos frustraram todos os esforços em seu favor, pois sacrificavam de
maneira selvagem todos os missionários que tentavam aproximar-se deles e,
também, comiam sua carne.47
Estas ideias, bem inexatas, faziam parte da cultura geral do tempo e de
Dom Bosco, que as fizera suas.48

As ferrovias
Pode-se dizer o mesmo sobre as ferrovias do sonho. Primeiramente, a
experiência cultural imediata de Dom Bosco reflete-se no fato de ser o trem
o meio de transporte escolhido para a viagem em seus sonhos. Por isso, se a
viagem devia percorrer todo o continente, de norte a sul, pela lógica, a uma
pessoa que está diante do mapa da América do Sul ocorreria seguir o caminho
que passa pela encosta dos Andes. Do mesmo modo, se o trem, como era de
44
J. Borrego, Patagonia, 22 e 159.
45
Ver, por exemplo, carta de Cagliero a Chiala, de 4 de abril de 1876, em J. Borrego, Pata­gonia,
22, nota 80. Para outros detalhes, ver dados estatísticos nas p. 175-177 deste volume.
46
Ver o relato do sonho, de 1871-1872, feito por Barberis, apresentado no capítulo 2. No sonho
missionário de Barcelona, de 1886, relatado por Carlos Viglietti, Dom Bosco fala de populações nati-
vas dos lugares que vê (com menção específica de Hong Kong, Calcutá e Madagascar) como “selvagens
que se alimentam de carne humana” (MB XVIII 73s).
47
J. Borrego, Patagonia, 159.
48
J. Borrego, Patagonia, 20-21.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

esperar, devia deter-se para que os passageiros saíssem, escolheria certamen-


te os bem conhecidos centros da La Paz (Bolívia) e Mendoza (Argentina).
Olhando para um mapa, seria fácil para ele saber como chegar desses lugares
às importantes cidades do Pacífico no Peru e no Chile.49
Portanto, não parece necessário recorrer à teoria da ciência infusa através
dos sonhos para possuir os conhecimentos que Dom Bosco demonstra ter.
Esses elementos derivam da experiência cultural do sonhador. Alguns podem
ser acertados e apropriados, enquanto outros, inexatos, como assinalamos
anteriormente.
Acreditamos que se possa compartilhar, como conclusão deste tema, a
opinião de João Belza que, do ponto de vista psicológico, as imagens do so-
nho, sempre imprecisas, só podem ser interpretadas a partir dos conteúdos do
mundo interior do sonhador... Pode-se demonstrar também que os sonhos
geográficos [missionários] de Dom Bosco, como muitos de seus outros so-
nhos, inclusive em relação à sua origem, procedem das experiências da vida
diária, aumentadas pelo fervor missionário que o possuía.50

Caráter premonitório dos sonhos


Os sonhos missionários de Dom Bosco são reveladores ou proféticos
no sentido de serem expressões de suas esperanças e projetos para a ex-
pansão mundial da obra salesiana. Contudo, além do que já se comentou
sobre a misteriosa sabedoria de Dom Bosco, parece oportuno abordar aqui
a questão do caráter pré-cognitivo ou inspirado destes sonhos, quando se
referem a certos casos particulares, nos quais alguns biógrafos quiseram ver
revelações proféticas.
Já aludimos ao caso da localização de um futuro sistema ferroviário da
América do Sul. Além dele, há quem tenha afirmado que Dom Bosco previu
profeticamente a criação da obra salesiana em determinados lugares quando,
na verdade, não são nomeados e indicados de modo algum nesses sonhos.
Assim mesmo, ouvem-se muitas vezes salesianos que afirmam, com orgulho
compreensível, que esta ou aquela fundação é a realização de uma das pre-
dições de Dom Bosco. Na verdade, a maioria dos lugares geográficos men-
cionados nestes sonhos teve, ou possivelmente poderia ter no futuro, uma
fundação salesiana; e, por conseguinte, poderiam ser escolhidos para essa in-
terpretação. Vejamos em seguida alguns dos casos que têm sido assinalados.

Estas cidades são sugestões próprias de Dom Bosco, segundo comentários do narrador.
49

Juan E. Belza, Sueños patagónicos. Buenos Aires: Instituto de Investigación Histórica Tierra
50

del Fuego, 1982, 24-26, em J. Borrego, Proyecto, 47, nota 157.

229

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Dom Bosco: história e carisma 3

Igreja em construção em Rio Gallegos, sul da Patagônia.

Um centro salesiano da Patagônia nos 47 graus de latitude sul?


A alegoria da corda, no sonho de 1883, apresenta os números 47, 50
e 55 graus de latitude sul que se tornaram referência para as fundações sale-
sianas nesses lugares. No ponto 47, a corda divide-se em muitas linhas que
unem os lugares mais ao sul. Nenhuma cidade é mencionada, mas uma nota
marginal da mão de Lemoyne interpreta expressamente o número 47 como
representando “o centro salesiano do qual se poderia chegar às ilhas Malvinas,
à Terra do Fogo e a outras ilhas, [as] mais almejadas da América [do Sul]”.51
Realmente, nenhum centro que realize historicamente essas condições está
situado nos 47 graus na Patagônia austral. Santa Cruz, situada aproximadamen-
te nos 50 graus, embora nunca tenha sido um centro salesiano importante, ser-
viu historicamente como ponto de ligação com as missões na Terra do Fogo.

51
Cf. nota 12 deste capítulo.

230

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

Ushuaia, situada a uns 55 graus na margem sul da Ilha Grande, é a fundação


salesiana mais meridional, assim como a cidade mais austral do mundo.

No grau 10 de latitude norte: São José (da Costa Rica)?


Na mesma alegoria da corda, o número 10 representava os 10 graus de
latitude norte; todavia, tampouco se menciona alguma cidade. Numa nota
de pé de página, Lemoyne escreve: “O bispo de São José, capital da Costa
Rica, mediante carta datada em 15 de setembro de 1883, pediu a Dom Bos-
co alguns missionários salesianos. Esta cidade está situada no grau 10, como
indicado no sonho de Dom Bosco”.52
Entretanto, isso também coincide, por exemplo, com Valência, locali-
zada no grau 10, e com Caracas (Venezuela), pouco mais ao norte. As duas
cidades da Venezuela possuem fundações salesianas e realizam o requisito de
estar “no mar das Antilhas” (Caribe). Cartagena (Colômbia), mencionada
expressamente no mesmo sonho, está na mesma posição mais a oeste, mas
não teve fundação salesiana (SDB) anterior a 1939.53

Boston, Massachusetts (Estados Unidos)


Mais adiante no sonho, quando Dom Bosco está para iniciar a viagem
de trem para o sul, ele perguntou ao guia: “E quando iremos a Boston? Es-
tão nos esperando ali”. A resposta, que significava uma recusa, foi “No seu
devido tempo”.54
O motivo que origina esta pergunta no sonho deve ser buscado no fato
de, como mostram os documentos de arquivo, em 1882-1883, fora feita uma
proposta a Dom Bosco, através de um intermediário, J. Moigno, SS, cônego
de Saint-Denis (Paris), para abrir uma “escola para sacerdotes missionários”
sob o título de Confrérie de Notre Dame des Victoires et de Saint Pierre, anexa
à igreja francesa do mesmo nome, em Boston. Depois de receber várias cartas
do cônego Moigno, Dom Bosco orienta o padre Bonetti, por meio de seu se-
cretário francês, padre Camille de Barruel, que recuse a oferta: “Os compro-
missos já assumidos para a fundação de obras muito importantes na Europa e
na América do Sul impedem-me de aceitar imediatamente a obra de Boston,
que nos propõe com tanta bondade”.

Cf. nota 13 deste capítulo. O pedido de São José foi feito duas semanas depois do sonho, mas
52

as primeiras fundações foram criadas ali em 1907; em Valência (Venezuela), em 1895; em Caracas
(Venezuela), em 1894.
53
Cf. p. 214 deste volume.
54
Cf. p. 218 deste volume.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Segundo a nota do padre Bonetti, que transmitia as orientações de Dom


Bosco, pedia-se um tempo de espera: três ou quatro anos. Tudo isso se deu como
resposta a uma carta do cônego Moigno, datada em 13 de julho de 1883. A cor-
respondência, todavia, continuou em agosto. Dessa forma, até praticamente o
momento do sonho (31 de agosto de 1883), Dom Bosco estivera interessado na
oferta de Boston e não descartara a possibilidade de um compromisso futuro.55
Isso explicaria por que o assunto apareceu no sonho. Finalmente, resul-
tou que a obra salesiana só se estabeleceu em Boston em 1945, com a abertu-
ra da Don Bosco Technical High School.

Entre os graus 15 e 20 de latitude sul, Brasília?


Deu-se considerável atenção à passagem do sonho de Dom Bosco em
sua fantástica viagem de trem até o sul das cordilheiras, no qual, com enorme
capacidade de visão, penetra nas montanhas e planícies mais distantes e des-
cobre os recursos minerais escondidos na região.
Padre Lemoyne conjectura que essas planícies eram o Brasil; na nota escri-
ta à mão por ele, alude a uma “enseada” (vale?), que começa num lago e se situa
entre os graus 15 e 20 de latitude sul. Embora não se mencione qualquer cidade,
nem se dê a posição longitudinal, o texto foi interpretado como uma referência a
Brasília, a moderna capital do Brasil, localizada junto a um grande lago artificial
ao redor dos 16 graus de latitude. Antes de formular qualquer juízo ou fazer
qualquer comentário, deve-se recordar que Lemoyne, provavelmente refletindo
o pensamento de Dom Bosco, renova esta paisagem em várias revisões.
Pode-se vê-lo no manuscrito Lemoyne C e, igualmente, nos Documenti,
que representam a elaboração final do texto de Lemoyne e que é também, na
edição posterior de Ceria, o texto das Memórias Biográficas.56 Na edição do
novo texto (Lemoyne C e Documenti), além de inserir a nota marginal, Le-
moyne acrescentou outros elementos mais amplos, que assinalamos no texto
como acréscimos I e II e ressaltamos redigindo-os em cursivo.
No sonho, Dom Bosco viaja para o sul, ao longo das cordilheiras; pode
ver não só as montanhas à sua direita, mas também as que se elevam “sobre
aquelas planícies intermináveis” (Brasil?). Isso significa que esteja contem-
plando através da floresta tropical e sua visão dirija-se à região do planalto
brasileiro, onde Brasília se localiza? Conjecturar que se fale de “Brasil”, in-
cluindo todas as nações da metade setentrional da América do Sul, mostra

55
Para a história do pedido de Boston, ver MB XVI, 408s. Ver também a carta de Moigno em
MB XVI, 410. A correspondência está em FDB 135 A11-E12 e 136 A2-5.
56
Cf. MB XVI, 384s; para a passagem em questão, MB XVI 390s.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

que a visão do editor, e provavelmente também de Dom Bosco, não indica o


Brasil nem outra região em particular.
Além do mais, lendo a versão dos Documenti-Lemoyne C, percebe-se que
a atenção é colocada realmente nas cordilheiras. Porque, diz ele, deste modo,
estava em condições de verificar a verdade das palavras que ouvira sobre seus
grandes recursos minerais na grande sala: “Ó, cordilheiras, cordilheiras, quão
ricas são vossas encostas orientais!”.
A atenção dirige-se também às cordilheiras no parágrafo em que se in-
sere a nota marginal de Lemoyne B, depois da observação sobre as riquezas
incomparáveis dos Andes e entre a frase repetida: “E isso não era tudo”. Dom
Bosco surpreendeu-se, não só pelas riquezas das cordilheiras, mas também
pelas imensas “enseadas” (estuários) ou vales57 e pelas grandes populações que
vivam ali, ainda por descobrir.
A nota marginal diz exatamente: “Entre os graus 15 e 20 havia uma
sinuosidade tão longa e tão estreita que partia do ponto onde se formava um
lago. Então, uma voz disse repetidas vezes: Quando começarem a explorar as
minas escondidas naqueles montes aparecerá aqui a terra prometida de onde
brotam leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.
Esta nota marginal de Lemoyne deu azo para a afirmação de que Dom
Bosco predisse a futura localização da capital do Brasil. Interpretação que foi
recebida com grande interesse e afeto por Dom Bosco pelas autoridades da ca-
pital e que foi defendida por alguns salesianos em vários meios à disposição.58
57
O termo geográfico “enseada” (estuário) usualmente significa, em português, “pequena baía
ou recôncavo na costa de mar, lago ou rio, que serve de porto a embarcações” (Cf. Dicionário Ele-
trônico Houaiss da língua portuguesa 3.0, 2009). O mesmo significado tem em italiano (“seno”, ver
Rigutini-Fanfani, Vo­cabolario della Lingua Italiana, Firenze: G. Barbera, 1893, 1114). Dom Bosco
usa várias vezes a palavra em relação com as montanhas, talvez não no sentido de enseada marítima ou
fiorde, mas no sentido de vale.
58
A edição de 1988, de Don Bosco nel mondo, diz: “Dom Bosco chegou ao Brasil muito antes de
qualquer de seus salesianos, e o fez à maneira incrível dos profetas. Se hoje ele é invocado como santo
patrono da capital do Brasil, Brasília, é porque sonhou com ela e profetizou sua existência um século
antes de ser realidade... Viu o lugar ainda em 1883, e quando se tornou realidade, os construtores
surpreenderam-se muito ao ver que se cumprira a profecia de um santo. Em 1883, Dom Bosco relatou
aos seus mais íntimos colaboradores que, em seu sonho, vira a si mesmo sobrevoando as altas florestas
da Amazônia. Falou ter visto ali as aldeias dos nativos e de ser testemunha do assassinato de dois missio-
nários salesianos. [Para ser exato, isso se tornou verdade em 1934, quando padre Sacilotti e padre Fuchs
foram mortos pelos xavantes.] Ele também detectou entre os graus 15 e 20 de latitude, ricas minas de
[metais] preciosos e depósitos de petróleo, mais abundantes dos que os descobertos em qualquer outra
parte. E, num lugar situado ao redor dos 50 graus de longitude e onde havia um lago, viu uma terra
prometida de incomparável beleza, que se descobriria nas duas gerações posteriores (60 mais 60 anos...)
(MB XVI, 384s.)”. Cf. M. Bongioanni (ed.), Don Bosco nel mondo. Roma: Direzione Generale Opere
Don Bosco, 1988. Vol. II, 244-245. Essa é, obviamente, uma versão jornalística, distorcida, do segun-

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Dom Bosco: história e carisma 3

Essa interpretação, todavia, não deixa de ser uma especulação mais ou


menos plausível. É certo que Brasília se localiza nessa latitude a uns 1,5 mil
quilômetros a leste das cordilheiras, no lago de Brasília [lago Paranoá]. Tam-
bém é certo que o Brasil é muito rico em recursos minerais, mas, em primeiro
lugar, a região aludida não apresenta qualquer característica que possa ser
descrita como “uma enseada muito grande”. Além disso, os recursos minerais
estão predominantemente fora do Distrito Federal e mesmo fora do Estado
de Goiás, onde se localiza a capital.59 É muito mais provável que Dom Bosco
se referisse a algum lugar situado nessa latitude, na cordilheira andina; decor-
reria disso que ele não acreditasse como necessário indicar a longitude, mas
que lhe bastava assinalar a latitude. Por fim, nas grandes cordilheiras ao longo
dos 16 graus de latitude sul, entre Peru e Bolívia, estende-se o grande lago
Titicaca com a cidade de La Paz a seu lado. Esse lago está também no extremo
norte do imenso vale, ou planalto, que se estende por uns 500 quilômetros
entre as altas montanhas, ao sul, até a Argentina.60 A região é muito rica em
recursos minerais, embora nela não se encontrem carvão e petróleo.61
Estas observações são lógicas e não pretendem opor-se a qualquer pre-
tensão diferente, pois qualquer alegação a favor de uma ou outra seria im-
própria, buscando apenas sugerir que as imagens oníricas geográficas podem
ter uma explicação totalmente natural. A informação que Dom Bosco tinha
sobre essa parte do mundo explica de modo bastante satisfatório as imagens
do sonho. A menção de carvão e petróleo, onde ainda não foram encontra-
dos, também se explica facilmente pela cultura do sonhador. Por que, então,
recorrer a predições proféticas e à sua realização?

do sonho missionário de Dom Bosco. Dom Bosco nunca disse ter sonhado que sobrevoara as florestas
do Amazonas, nem que viu povos, nem que fora testemunha da morte de dois missionários salesianos;
e tampouco indiciou algum grau de longitude do lugar nem o lago que se estendia entre os graus 15 e
20 de latitude sul. Falou de “duas gerações de 60 anos sem contar a atual”, não em relação com a terra
prometida que seria descoberta, mas em relação com a conversão dos nativos (sobre a alegoria dos figos,
na sala). Apesar disso, a “opção Brasília” ainda continua a ser popular.
59
Brasília situa-se a 15,47o de latitude sul e a 47,55o de longitude oeste. Quanto à localização
de recursos minerais no Brasil, petróleo e gás natural, por exemplo, estão principalmente no Recônca-
vo (Bahia) e Alagoas (Sergipe) [e, descoberto mais recentemente, no litoral que vai de Santa Catarina
ao Espírito Santo]; depósitos de carvão, em geral de baixo valor, estão no Rio Grande do Sul e Santa
Catarina; o ferro é elaborado principalmente em Minas Gerais e em menores quantidades no Mato
Grosso do Sul; o manganês é abundante no Mato Grosso e menos no Amapá e Minas Gerais. Os metais
preciosos, diamantes e outras pedras preciosas são abundantes no Brasil, mas não significativamente na
região de Brasília. Cf. Encyclopedia Britannica, Micropedia, 1987, XV, 192 e 197-198.
60
Cf. Encyclopedia Britannica. Atlas, 1986, 242-243. O lago Titicaca está situado entre os graus
15,30 e 16,30 de latitude sul, e entre os graus 69 e 70 de longitude oeste.
61
Cf. Hannond Citation World Atlas (1977), 137. Os minerais que se indicam nesta região são:
estanho, tungstênio, prata, ouro, cobre, chumbo, antimônio e zinco, mas não carvão. Também não se
encontra petróleo nessas altitudes.

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Apêndice

ZEFERINO NAMUNCURÁ
(26 de agosto de 1886-11 de maio de 1905)

A obra salesiana foi estabelecida na Argentina em 1875. À medida que


foi progressivamente crescendo, como Dom Bosco planejara, os salesianos
voltaram seu olhar para o sul, aos Pampas e às regiões de Rio Negro, a fim de
tomar contato com as tribos nativas, para estabelecer entre eles uma missão.
Os indígenas dessa região eram os araucanos pampas, de língua mapuche.
Essa região era, na verdade, a fronteira sul da República Argentina e, nesse
momento, pela ação do exército argentino, estava quase “pacificada”.
Os nativos resistiram ferozmente, encabeçados por seus caciques João
Calcufurá (desde 1850) e seu filho Manoel Namuncurá (a partir da década
de 1870). Em 1879, dois salesianos acompanharam como capelães uma das
expedições militares, com a esperança de entrar em contato com os nativos
do rio Negro. Tiveram sucesso, embora o contato tenha sido breve. Em 1880,
o arcebispo entregou duas paróquias aos cuidados dos salesianos na foz do
rio, nos assentamentos chamados Carmen de Patagones e Viedma. Esse acon-
tecimento pode ser considerado o início das missões salesianas em seu sentido
verdadeiro, pois, a partir daí, começaram a fazer excursões pelo rio e, final-
mente, estabeleceram missões ao longo do mesmo, de Viedma aos Andes.
Enquanto isso, continuavam os combates entre o exército argentino e os
indígenas mapuches-pampas, dirigidos por Manoel Namuncurá. Contudo,
em 5 de maio de 1883, este “rei dos Pampas”, foi obrigado a render-se ao ge-
neral Manoel Rojas. O general permitiu-lhe conservar uma grande extensão
de terras em Chimpay, no Vale do rio Negro. Anos mais tarde, o cacique foi
desalojado pelos colonos e buscou refúgio nos Andes, de onde seu povo, em
épocas remotas, desceu para a planície.
Zeferino Namuncurá nasceu em Chimpay, Rio Negro, em 26 de agosto de
1866; era o sexto de doze filhos de Manoel Namuncurá. Nessa época, os missio-
nários salesianos já tinham estabelecido missões ao longo do rio. Uma delas estava

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Dom Bosco: história e carisma 3

em Choele-Choel, ilha do rio Negro, não distante de Chimpay; era a partir dessa
missão que o salesiano padre Domingos Milanésio catequizava os nativos.
Zeferino foi batizado em Choele-Choel no dia 24 de dezembro de
1888. Da infância de Zeferino, praticamente, nada se sabe. Em 1894, a
família com outros indígenas emigraram para o noroeste dos Andes. De
ali, em 1897, quando Zeferino tinha 11 anos de idade, seu pai levou-o para
Buenos Aires matriculando-o numa escola pública. Todavia, pouco tempo
depois, por recomendação do presidente da república, passou à escola sa-
lesiana Pio IX, de Almagro, Buenos Aires. Nessa ocasião, o pai e o filho
estiveram com o bispo Cagliero que, nesse momento, visitava a escola. Uma
fotografia feita nesse dia mostra Zeferino e seu pai (nomeado coronel pelo
governo) à direita, e à esquerda do bispo. Por causa da liberdade da vida
indígena e da sua cultura e idioma, o início de vida na escola foi bastante
difícil. Logo, porém, Zeferino tornou-se exemplo para seus companheiros
de classe pela diligência e espírito religioso. Foi admitido à primeira comu-
nhão ao final dos exercícios espirituais daquele ano; e, desde então, sua vida
tomou uma forte orientação para a santidade.

Zeferino Namuncurá com dom Cagliero.

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Presença salesiana na América do Sul. 4. Segundo sonho missionário: San Benigno...

Os testemunhos coincidem quando afirmam que, sob a sábia direção de


seu diretor espiritual, fez grandes progressos na vida cristã. Começou logo a
afagar a ideia do sacerdócio e de fazer-se salesiano e missionário de sua tri-
bo. Pouco depois, porém, sua saúde começou a declinar, a ponto de o bispo
Cagliero ter decidido afastá-lo do clima inadequado da grande cidade e levá-
-lo para Viedma, centro da missão. Isso foi em 1903, depois de cinco anos
de estudo na escola Pio IX. Seu pai, o cacique Manoel, porém, insistiu que
passasse algum tempo em casa, na montanha, para descansar e recuperar-se.
Dom Cagliero, temendo pela sua saúde, incentivou-o a seguir a orientação
do pai. Ele foi e retornou depois de um mês, descansado, mas não realmente
melhor. Zeferino continuou sua educação na escola São Francisco de Sales,
em Viedma, e começou o estudo de latim em vista do sacerdócio. Aqui, ainda
mais do que em Buenos Aires, viveu uma vida de profunda espiritualidade,
ocupando seus dias no estudo, na oração e na diversão. Servia a Deus e ao
próximo com alegria.

Zeferino Namuncurá, fotografia feita durante


sua permanência em Frascati (Itália).

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Dom Bosco: história e carisma 3

Zeferino não completou seu primeiro ano escolar em Viedma, porque


seu cansaço crônico degenerou rapidamente numa verdadeira doença, pro-
vavelmente tuberculose. Em 24 de setembro de 1903, entrou no hospital de
São José, fundado por dom Cagliero em Viedma. Em 18 de abril de 1904,
Pio X nomeou dom Cagliero arcebispo titular de Sebaste, chamando-o a
Roma. Esperando que uma mudança radical de clima fosse benéfica para Ze-
ferino, o bispo decidiu levá-lo para a Itália. Em meados de agosto, chegaram a
Turim, onde foram recebidos com grande entusiasmo. Zeferino permaneceu
ali algum tempo visitando todos os lugares salesianos. Padre Rua distinguiu-o
com sua amizade e apresentou-o à rainha Margarida, da Itália, quando esta
inaugurou a segunda exposição das escolas profissionais salesianas de Turim.
Em setembro, dom Cagliero levou-o para Roma, onde o papa Pio XI lhe
concedeu uma audiência particular.
Zeferino regressou a Turim para iniciar o novo ano escolar no outono de
1904. Foi distinguido com a maior medalha no Oratório. Entretanto, com o
clima frio e o úmido de Turim, sua saúde deteriorou-se rapidamente. O arce-
bispo Cagliero levou-o então para o sul, à escola salesiana de Frascati, perto
de Roma, lugar muito agradável. Viveu ali de 15 de novembro de 1904 a 28
de abril de 1905. Sentiu-se suficientemente forte para retomar os estudos.
Contudo, em março e abril sofreu uma recaída repentina. Foi transferido a
um hospital de Roma, onde morreu de tuberculose em 11 de maio de 1905,
aos 18 anos, 9 meses e 15 dias. Foi sepultado no cemitério geral de Roma.
Em 1915, os restos mortais de Zeferino foram exumados e sepultados
com mais segurança. Em 1924, foram levados à Argentina e sepultados na
histórica capela salesiana de Fortín Mercedes. Após sua beatificação, o corpo
foi transladado para San Ignacio, província de Neuquén, onde reside a famí-
lia dos Namuncurá.
Em 24 de setembro de 1944, foi introduzido o processo de beatificação.
Em 22 de junho de 1972, Paulo VI assinou o decreto sobre a prática heroica
das virtudes, declarando-o venerável, abrindo caminho para sua beatificação
em 11 de novembro de 2007, e, assim, se espera, para sua canonização. O
grupo escultural de Dom Bosco, Domingos Sávio e Zeferino, vestido como
jovem indígena, obra do escultor Canonica, foi colocado em 1936 em um
nicho da basílica de São Pedro, em Roma.

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Capítulo VII

OS SALESIANOS COOPERADORES.
A OBRA DE MARIA AUXILIADORA.
O BOLETIM SALESIANO

A atividade de Dom Bosco como fundador começou, primeiramente,


com o Oratório, empreendimento realizado em colaboração (1841-1852).
Imediatamente depois, Dom Bosco entregou-se ao trabalho da fundação
(1854-1859) e aprovação pontifícia da Congregação Salesiana e de suas
Constituições (1860-1874). Nesse ínterim, ele também fundou o Instituto
das Filhas de Maria Auxiliadora (1864-1872), com o apoio do padre Pestari-
no e do grupo das Filhas de Maria Imaculada de Mornese. Por último, criou
a Associação dos Salesianos Cooperadores e o Boletim Salesiano, com a Obra
de Maria Auxiliadora (1875-1877).

1. Os Salesianos cooperadores
Sempre se quis ver os salesianos cooperadores como a realização da
ideia dos membros externos, descrita nas Constituições de 1860 a 1873, e
suprimida no texto final ao ser recusada por Roma. Contudo, examinando
em profundidade o pensamento e os escritos de Dom Bosco, considera-
-se que os cooperadores são os continuadores, de forma nova e criativa,
dos colaboradores que, desde o início, o ajudaram na obra do Oratório.
Tratar-se-ia, pois, de uma realidade existente desde os primeiros anos da
atividade de Dom Bosco com os jovens. Ele mesmo o confirma num me-
morando de 1877.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Memorando de Dom Bosco (1877)1


A origem dos cooperadores salesianos remonta a 1841, quando se começou a
reunir os meninos pobres e abandonados na cidade de Turim. Reuniam-se em
alguns locais e igrejas, entretinham-se em passatempos agradáveis e honestos
e se lhes ensinava e preparava para receber dignamente os santos sacramentos
da confirmação, da confissão e da comunhão. Para o desempenho das muitas
e variadas funções, uniram-se vários senhores que, com seu auxílio pessoal e
sua beneficência, sustentavam a chamada obra dos oratórios festivos.2 Eles
eram conhecidos pelo título dos ofícios que desempenhavam; mas, em geral,
eram chamados [simplesmente] de benfeitores, promotores e também coope-
radores da Congregação de São Francisco de Sales.
Superior dos oratórios era o sacerdote [João] Bosco que, atuando em tudo
sob a imediata direção e autoridade do arcebispo, exercia seu ministério rece-
bendo [dele], oralmente e por escrito, as oportunas faculdades. Sempre que
surgia alguma dificuldade, o ordinário [o arcebispo] aplainava-a mediante o
sacerdote [João] Bosco.
As primeiras concessões do senhor arcebispo Fransoni foram para administrar
os santos sacramentos da confissão e comunhão, [realizar] o cumprimento do
preceito pascal, admitir os meninos à primeira comunhão, pregar, celebrar
tríduos, novenas, dirigir exercícios espirituais, dar a bênção com o Santíssimo
Sacramento e cantar a missa.
Os assim chamados promotores e cooperadores salesianos, que eram como
uma verdadeira congregação sob o título de São Francisco de Sales, também
começaram a obter da Santa Sé alguns favores espirituais com rescrito de
18 de abril de 1845, assinado por L. Averardi, substituto do senhor cardeal A.
del Drago. Nesse rescrito concediam-se algumas faculdades ao superior, entre

1
O documento intitulado Cooperatori salesiani é um manuscrito autógrafo de Dom Bosco,
escrito em 1877 ou pelo final de 1876. É provável que se pensasse publicá-lo no Boletim Salesiano, mas
nunca o foi. Está em ASC A230 Cooperatori 3 (1), 2-3: FDB E8 1886-1887 A2. Aparentemente, o do-
cumento foi substituído por outro mais suave que apareceu no Boletim Salesiano (Bibliofilo Cattolico), 3
(setembro de 1877), 6. O manuscrito foi publicado em 1930 por Ceria, MB XI, 84s. Segundo Ceria,
Dom Bosco teria escrito esses memorandos para demonstrar que seu pedido de indulgências a Pio IX
para uma associação já estabelecida (e aprovada) baseava-se na realidade. O decreto de Pio IX concedeu
apenas indulgências a uma associação da qual foi informado que existia e que fora aprovada. Aquilo
que ele chama de decreto de aprovação foi, na realidade, um decreto de louvor através da concessão
de indulgências. Quando se lê o documento Cooperatori Salesiani no contexto do decreto de Pio IX
sobre os cooperadores, parece que a opinião de Ceria é consistente. Os sublinhados (em cursivo) que
aparecem no memorando estão no original.
2
A expressão italiana “oratorio festivo” é traduzido aqui literalmente como “oratório festivo”,
significando “reunião do Oratório nos dias festivos”, ou seja, nos domingos e dias santos.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

outras, transmitir a bênção apostólica e a indulgência plenária a cinquenta


promotores a serem escolhidos ao arbítrio do diretor. Com data de 11 de
abril de 1847, dom Fransoni aprovava a companhia de São Luís, fundada na
Congregação Salesiana, com indulgências concedidas por ele e pela Santa Sé.
Em 1850, o sacerdote Dom Bosco expunha à Santa Sé que fora legitimamente
erigida naquela cidade uma congregação, sob o título e proteção de São Fran-
cisco de Sales e se solicitavam favores mais amplos para os agregados e outros
não agregados. Esses favores foram concedidos com rescrito de 28 de setem-
bro de 1850, assinado por Domingos Fioramonti, secretário, encarregado dos
documentos latinos perante o Santo Padre.
Estando assim estabelecida de fato a congregação dos promotores salesianos
perante as autoridades eclesiásticas locais e também perante a Santa Sé, em
vista da multidão de meninos pobres que assistia, foi necessário abrir outras
escolas e outros oratórios festivos em diversas partes da cidade. E [por conse-
guinte] para que se conservasse a unidade de espírito, disciplina e comando,
e se estabelecesse definitivamente a obra dos oratórios, o superior eclesiástico,
com decreto ou diploma de 31 de março de 1852, nomeava o sacerdote [João]
Bosco diretor e superior com todas as faculdades que fossem necessárias ou
simplesmente oportunas para tal fim. Após essa declaração, a congregação de
promotores salesianos sempre se considerou canonicamente erigida e as rela-
ções com a Santa Sé foram sempre feitas pelo seu superior. De 1852 a 1858,
foram-lhe concedidos vários favores [adicionais] e graças espirituais; naquele
ano, porém, a Congregação dividiu-se em duas categorias ou, melhor, em duas
famílias. Os que eram livres e sentiam a vocação reuniram-se em vida comum,
com domicílio [permanente] no edifício que sempre foi considerado como
casa-mãe e centro da associação. Esta é a associação que, a conselho do Sumo
Pontífice, foi chamada “Pia Sociedade de São Francisco de Sales”, como ainda
se denomina. Os demais, ou seja, os externos continuaram a viver no mundo
no seio de suas próprias famílias, mas continuaram a promover a obra dos
oratórios. Eles sempre conservaram o nome de União ou Congregação de São
Francisco de Sales, de promotores ou cooperadores, embora sempre dependendo
dos sócios que vivem em comunidade como religiosos, e unidos a eles para
trabalhar pela juventude pobre.
Em 1864, a Santa Sé concedia o voto de louvor à Pia Sociedade Salesiana e no-
meava um superior para ela.3 Os membros externos, não religiosos, que sempre

Em 1864, Dom Bosco solicitou à Santa Sé a aprovação da Congregação Salesiana e de suas


3

Constituições. Só obteve um decreto de louvor (decretum laudis), mas foi pessoalmente confirmado
superior vitalício.

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Dom Bosco: história e carisma 3

receberam o nome de promotores ou benfeitores e, ultimamente, cooperadores


salesianos, figuravam como parte do documento de aprovação.4
Em 1874, as Constituições foram aprovadas definitivamente, sempre com
o nome de Pia Sociedade. Entretanto, considerando sempre os membros da
antiga Congregação Salesiana como promotores e cooperadores das obras que
os sócios [religiosos] empreendiam. Os cooperadores davam sua ajuda [como
professores] nas escolas, [como líderes] nas funções de igreja, [como assisten-
tes] nos jogos dominicais [do Oratório], e [participando] na atividade [dos
membros religiosos] entre os fiéis. Por esse motivo, em 30 de julho de 1875, a
Sagrada Congregação dos Breves concedia ao superior da Sociedade Salesiana
que pudesse conceder in­dulgentias et gratias spirituales societatis ipsi a S. Sede
concessas insignibus benefactoribus communicandi perinde ac si tertiarii essent, iis
exceptis quae ad vitam communem pertinent. [As indulgências e graças espiri-
tuais concedida pela Santa Sé à mesma (Pia Sociedade Salesiana) aos insignes
cooperadores, como se fossem terciários, excetuando as que se referissem à
vida comunitária.] Esses benfeitores são os que sempre se chamaram pro-
motores ou cooperadores e que nas Constituições Salesianas antigas têm um
capítulo à parte no qual são chamados membros externos.
Por isso, quando por benigna concessão da Santa Sé foram concedidos no-
vos e mais amplos favores aos cooperadores salesianos e se fazia referência
à Pia Christifidelium Sodalitas, canonice instituta, cuius sodales praesertim
pauperum ac derelictorum puerorum curam suscipere sibi propo­nent [à Pia
Sociedade de cristãos canonicamente instituída, cujos sócios se dedicam
especialmente ao cuidado dos meninos pobres e abandonados], se [deve
entender] como referida:

1o Aos antigos promotores, aprovados e reconhecidos realmente por dez anos


como verdadeiros cooperadores de facto da obra dos oratórios, formalmente
constituída com o decreto de 1852 e que continuaram a formar uma asso-
ciação (para serem agregados), vivendo no mundo, mesmo em 1858, quando
alguns deles começaram a fazer vida comum com regras próprias.

4
A frase é ambígua. As palavras iniciais parecem referir-se ao capítulo dos “membros externos”, que
figurava nas primeiras Constituições, mas uma das observações críticas recebidas por Dom Bosco em 1864
exigia a eliminação do capítulo relativo aos “membros externos”. Por isso, esta disposição não foi nem apro-
vada nem digna de louvor. Contudo, na segunda parte da frase, Dom Bosco diz que os “membros externos”
eram os mesmos cooperadores salesianos ou promotores. Isso ele o faz ainda mais claramente no parágrafo
seguinte. Talvez tivesse a intenção de manter a figura dos cooperadores salesianos como uma disposição
das Constituições Salesianas, e pode querer indicar que, pelo decreto de louvor da Sociedade Salesiana, que
ele chama de “aprovação”, também se louvava (“se aprovavam”) os cooperadores salesianos. Historiadores
salesianos debateram a identidade desses “membros externos” nas primeiras Constituições Salesianas.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

2o Aos associados, ou seja, à Pia Sociedade Salesiana, que sempre foi a diretora
daqueles benfeitores, que, segundo as regras propostas para eles, se prestavam
com zelo e caridade a ajudar moral e materialmente os membros religiosos.

Estatutos, quarta redação (1876)5


Entre 1874 e 1876, Dom Bosco aperfeiçoou, à margem das Constitui-
ções, a própria concepção de cooperadores externos e escreveu regulamentos
apropriados para eles. Possuímos várias redações sucessivas desses regulamen-
tos ou estatutos da associação. A primeira é de 1873; no ano seguinte, fez a
segunda; a terceira e a quarta são de 1875 e 1876 respectivamente. Reprodu-
zimos em seguida apenas o texto desta última.6

Cooperadores salesianos, um modo prático de ajudar em vista


dos bons costumes e o bem da sociedade civil

1. União cristã para as boas obras


Sempre se julgou necessário aos bons [cristãos] unir-se para se ajuda-
rem mutuamente a fazer o bem, mantendo o mal afastado. Assim faziam os
cristãos da Igreja primitiva que, à vista dos perigos que os ameaçavam todos
os dias, sem perder o ânimo, unidos num só coração e numa só alma, ani-
mavam-se mutuamente a permanecerem firmes na fé e dispostos a superar as
lutas incessantes que os ameaçavam. Foi essa a advertência do Senhor quando
disse: “As forças frágeis, quando se unem tornam-se resistentes; e, se um cor-
dão se rompe facilmente, é muito mais difícil romper três deles unidos. Vis
unita fortior, funiculus triplex difficile rumpitum”.7 Os homens do mundo em
seus empreendimentos temporais também costumam fazer o mesmo. Deve-
rão, por acaso, os filhos da luz ser menos prudentes do que os das trevas? Não,
certamente. Nós cristãos devemos nos unir nestes tempos difíceis e promover,
concordemente, o espírito de oração e caridade com todos os meios que a
religião fornece para acabar ou ao menos mitigar os males que a cada instante
podem pôr em perigo os bons costumes, sem os quais se arruína a sociedade.

5
Ver texto em MB XI, 540s. As notas são de A. Lenti. Cf. J. Aubry, Cooperador salesiano: una
vocacion concreta en la Iglesia. Madri: Editorial CCS, 1973.
6
Sobre o texto das outras redações: o manuscrito, autógrafo de Dom Bosco da primeira redação,
está em ASC, A228ss, FDB 1886 B7-C2 e pode ser lido em MB X, 1310s. O folheto com o texto
original da segunda foi publicado na tipografia do Oratório de São Francisco de Sales em 1874, e está
reproduzido em MB X, 1315s. O texto da terceira redação pode ser visto em MB XI, 535s.
7
“Vis unita fortior (forças unidas se tornam mais fortes)” é um provérbio clássico: “Fu­niculus
triplex difficile rumpitur” (uma corda de três fios não se rompe facilmente) é dito bíblico (Ecl 4,12.
Vulgata). Atribuindo-o “ao Senhor”, Dom Bosco quer indicar aqui “Deus ou a Bíblia”, genericamente.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Primeira página da revista Bibliofilo Cattolico ou


Boletim Salesiano mensal (setembro de 1877).

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

2. A Congregação Salesiana
Esta Congregação, que foi aprovada pela Igreja, pode servir de união se-
gura e estável para os cooperadores salesianos. De fato, ela tem como fim pri-
mário trabalhar em prol da juventude, na qual se fundamenta o futuro favo-
rável ou catastrófico da sociedade. Não pretendemos dizer com esta proposta
que este seja o único meio para remediar essa necessidade, porque existem
milhares, mas nós mesmos recomendamos vivamente que cada um empregue
os meios que julgar oportuno para alcançar esse grande fim. De nossa parte,
propomos um que é a obra dos cooperadores salesianos. Convidamos os bons
católicos que vivem no século a unirem seus esforços aos dos sócios desta nos-
sa Congregação. É verdade que o número deles cresceu notavelmente, mas
ainda estamos muito longe de poder responder aos pedidos que todos os dias
nos chegam de vários lugares da Itália, da Europa, da China, da Austrália, da
América e principalmente da República Argentina. Pedidos contínuos são-
-nos feitos para enviarmos ministros sagrados que se encarreguem da juven-
tude em perigo, que abram casas ou colégios, iniciem ou ao menos apoiem
as missões, que anseiam pela chegada de novos operários evangélicos. E, para
atender a tão grande necessidade, buscam-se cooperadores.

3. Finalidade dos cooperadores salesianos


Finalidade fundamental dos cooperadores salesianos é fazer o bem a si
mesmos realizando um projeto de vida o mais possível semelhante ao que se
realiza na vida de comunidade. Porque muitos se retirariam de bom grado ao
claustro, mas, outros pela idade, pela saúde ou condição de vida, muitíssimos
por falta de oportunidade, não podem fazê-lo de modo algum. Estes, mesmo
em meio a suas ocupações ordinárias, no seio da própria família, podem ser
cooperadores e viver como se de fato estivessem na congregação. Por isso, esta
associação é considerada pelo Sumo Pontífice como uma das antigas ordens
terceiras, com a diferença de que naquelas a perfeição cristã era proposta no
exercício da piedade; e aqui se tem como fim principal a caridade para com o
próximo e, especialmente, com a juventude em perigo.

4. Maneiras de cooperar
Propõe-se aos cooperadores salesianos a mesma messe [apostólica] da
Congregação de São Francisco de Sales à qual pretendem associar-se:

1. Promover novenas, tríduos, exercícios espirituais e catequese, es-


pecialmente nos lugares onde faltam meios materiais e morais.

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Dom Bosco: história e carisma 3

2. Como se faz sentir gravemente nestes tempos a penúria de vo-


cações para o estado eclesiástico, os que têm condições cuidem
especialmente dos jovenzinhos e também dos mais velhos que,
dotados das necessárias qualidades morais e de aptidão para os es-
tudos, deem indícios de serem chamados, ajudando-os com bons
conselhos, encaminhando-os às escolas e colégios nos quais pos-
sam ser atendidos e dirigidos para esse fim.
3. [Há grande necessidade de] opor a boa imprensa à antirreligiosa:
[os associados ajudarão] com a difusão de bons livros, folhetos, bro-
churas, impressos de todo gênero, nos lugares e entre as famílias que
considere prudente fazê-lo.8
4. Enfim, a caridade para com os jovens em perigo: recolhê-los, ins-
truí-los na fé, orientá-los para as funções sagradas, aconselhá-los nos
perigos, levá-los aonde possam ser instruídos na religião são coisas
próprias da missão dos cooperadores salesianos [para exercitar seu
zelo]. Quem não pode prestar estas obras por si mesmo, poderia
fazê-lo através de outros, como animar um parente ou um amigo
para que o ajude. Pode-se cooperar com a oração ou proporcio-
nando meios materiais, onde fosse preciso; segundo o exemplo dos
cristãos da primeira hora que colocavam os próprios bens aos pés
dos apóstolos para se servirem deles em favor das viúvas, dos órfãos
e de outras graves necessidades.9

5. Constituição e governo da associação


1. Todos os que completaram 16 anos podem ser cooperadores, desde
que tenham a firme vontade de conformar-se com as regras que
aqui são propostas.
2. A associação está confiada humildemente à benevolência e prote-
ção do Sumo Pontífice, dos bispos e dos párocos, dos quais depen-
derá sem reservas (absolutamente) em tudo que refere à religião.10
3. O superior da Congregação Salesiana também é superior desta
associação.

8
Em uma das redações do projeto, Dom Bosco anota: a Congregação Salesiana dedica-se a difun-
dir os bons livros de muitas maneiras, especialmente com suas publicações mensais, uma delas conhecida
com o título de Leituras Católicas e, outra, com o de Biblioteca de clássicos italianos para a juventude.
9
At 4,32-37.
10
O cursivo é de Dom Bosco.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

4. O diretor de cada casa da Congregação está autorizado a inscrever


os associados, remetendo depois o nome, sobrenome e domicílio
ao superior, que anotará tudo num registro comum.
5. Nos povoados e cidades onde não haja uma dessas casas e os asso-
ciados cheguem a 10, será nomeado um chefe de grupo ou decurião
que será, preferivelmente, um sacerdote ou algum secular exemplar.
Este estará em comunicação com o superior e com o diretor da casa
[salesiana] mais próxima.
6. Todos os cooperadores podem expor ao superior as coisas que
acreditarem dignas de consideração.
7. A cada três meses e com mais frequência, através de um boletim
ou folheto impresso, os sócios serão informados das coisas propos-
tas realizadas ou que se deseja executar. No final de cada ano, o su-
perior comunicará aos sócios as obras que, durante o ano seguinte,
deverão ser promovidas com preferência; e dará notícia, ao mesmo
tempo, daqueles que durante o ano anterior foram chamados por
Deus à vida eterna e os encomendará às orações de todos.11
8. No dia de São Francisco de Sales e na festa de Maria Auxiliadora,
cada chefe de grupo reunirá os membros do próprio grupo para se
animarem reciprocamente na devoção por estes celestiais proteto-
res, invocando seu patrocínio para perseverar nas obras iniciadas,
conforme a finalidade da associação.

6. Obrigações particulares
1. Os membros da Congregação Salesiana consideram todos os co-
operadores como outros tantos irmãos em Jesus Cristo e a eles se
dirigirão sempre que seu trabalho puder ajudar em algo que seja
para a maior glória de Deus e o bem das almas. Com a máxi-
ma liberdade, quando for o caso, os cooperadores se dirigirão aos
membros da Congregação Salesiana.
2. Por conseguinte, cada sócio fará o quanto puder com seus pró-
prios meios ou com as esmolas recebidas de pessoas caridosas para
promover e apoiar as obras da associação.
3. Os cooperadores não têm qualquer obrigação pecuniária, mas fa-
rão mensalmente, ou ao menos anualmente, a esmola que lhes
dite seu bom coração. Essas esmolas serão entregues ao superior
para sustentar as obras promovidas pela associação.

11
A orientação contemplada neste artigo foi realizada com a fundação do Boletim Salesiano.

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Dom Bosco: história e carisma 3

4. Far-se-á também regularmente uma coleta por ocasião das confe-


rências na festa de Maria Auxiliadora e na festa de São Francisco de
Sales. Nos lugares em que não se pudesse criar um grupo, e quando
alguém não pudesse participar da conferência, fará chegar ao des-
tino a sua oferta por algum meio que lhe seja mais fácil e seguro.

7. Benefícios
1. Sua Santidade, o reinante Pio IX concedeu aos promotores desta
obra, por decreto de 30 de julho de 1875, todos os favores, graças
espirituais e indulgências das quais possam gozar os religiosos sa-
lesianos, à exceção dos que se referem à vida comum. Será enviada
uma lista de todos [esses favores].
2. Participarão de todas as missas, orações, novenas, tríduos, exercícios
espirituais, pregações, catequeses e demais obras de caridade que os
salesianos realizem no sagrado ministério, em qualquer lugar e em
todas as partes do mundo.
3. Participarão de todas as missas e orações feitas todos os dias na igre-
ja de Maria Auxiliadora de Turim para invocar as bênçãos do céu
sobre seus benfeitores, suas famílias e, especialmente, sobre os que
moral e materialmente fazem algum benefício a nossa congregação.
4. No dia seguinte à festa de São Francisco de Sales, todos os sacerdo-
tes da Congregação e os sacerdotes cooperadores celebrarão a mis-
sa pelos irmãos defuntos. Os não sacerdotes procurarão receber a
sagrada comunhão e rezar a terceira parte do rosário.
5. Quando um irmão cair enfermo, avisará logo o superior, para que faça
rezar por ele. Faça-se o mesmo no caso da morte de algum cooperador.

8. Práticas religiosas
1. Não há qualquer obra exterior prescrita para os cooperadores sale-
sianos, mas, para que sua vida possa assemelhar-se de algum modo
à dos que vivem em comunidade religiosa, se lhes recomenda mo-
déstia no vestir, frugalidade à mesa, simplicidade no mobiliário
da casa, delicadeza nas conversas, exatidão no cumprimento dos
deveres do próprio estado; procurando que as pessoas que deles
dependem guardem e santifiquem o dia festivo.
2. Eles são aconselhados a fazer todos os anos ao menos alguns dias
de exercícios espirituais. No último dia de cada mês, ou em ou-
tro que lhes seja mais apropriado, farão o exercício da boa-morte,

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

confessando-se e comungando, como se realmente fosse o último


de sua vida.
3. Rezarão todos os dias um Pai-nosso e uma Ave-Maria em honra
de São Francisco de Sales, segundo a intenção do Sumo Pontífice.
Os sacerdotes e os que rezam as horas canônicas ou o ofício da
Virgem Maria estão dispensados destas orações. A estes, basta-
-lhes acrescentar ao ofício divino a intenção especial para essa
finalidade.
4. Procurem aproximar-se com a maior frequência possível dos san-
tos sacramentos da confissão e comunhão.
Nota: recomenda-se vivamente também o cumprimento destas regras
pelas muitas vantagens que lhes podem trazer, contudo, para cancelar qual-
quer dúvida de consciência, declara-se que a observância das mesmas não
obriga sob pena de culpa mortal nem venial, salvo se fossem mandadas ou
proibidas pelos mandamentos de Deus e da Santa Mãe Igreja.

FICHA DE INSCRIÇÃO
Cada associado preencherá a ficha anexa e, devidamente assinada, fará com
que chegue às mãos do superior:

Aquele que assina, com domicílio em ......................................, rua .............


........................., nº .........., leu as regras dos cooperadores salesianos e, com
a graça divina, espera observá-las fielmente para proveito de sua alma.

Turim, ou o nome da cidade.


Data: mês/dia/ano.
Nome ............................................, sobrenomes .................................,
profissão............................

Assinatura do Cooperador

Benfeitores ou cooperadores?12
Ao ler este regulamento de 1876, poder-se-ia pensar que Dom Bosco
teve, desde o início, uma ideia clara e coerente do que eram os salesianos
cooperadores. Não parece que foi assim. De fato, estudando o contexto his-
tórico em que surgiram e a documentação que se possui, observa-se que a
fundação da pia união dos cooperadores esteve sujeita a uma evolução, na
12
Nota dos responsáveis da edição castelhana.

249

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Dom Bosco: história e carisma 3

qual se misturam diversas concepções. Inicialmente, é necessário situar-se no


contexto histórico da unidade de ação dos católicos italianos, que naqueles
anos estavam tomando sempre mais uma clara consciência da força que po-
diam ter se chegassem a se organizar e trabalhar unidos em favor da Igreja.
Chegara o momento da ação e coordenação de forças. Só unidas, as forças
do bem poderiam neutralizar com eficácia as forças do mal. A demanda de
unidade no bem já estava há algum tempo na mente de Dom Bosco. De aí o
seu chamado à coalizão de leigos sob a chamada “União Cristã” com o lema
“vis unita fortior” (as forças frágeis unidas tornam-se mais fortes).
Nesse contexto, porém, Dom Bosco teve em mente ao menos três pro-
jetos diferentes:

1. O projeto do religioso leigo, no estilo do terciário das antigas or-


dens religiosas. A esse conceito, diz Stella,13 associava-se a ideia [de
Frassinetti] do religioso no mundo, vinculado por votos e com-
prometido na prática da perfeição cristã e nas obras apostólicas.
Em Roma, este projeto de religioso no mundo não era apreciado
e, por isso, Dom Bosco precisou tirar das Constituições Salesianas
o artigo sobre os salesianos externos.
2. O projeto dos colaboradores no trabalho salesiano no interior da
Igreja, mediante obras como o ensino do catecismo, a promoção
de obras em favor dos jovens carentes, a difusão de bons livros, a
propagação da devoção de Maria Auxiliadora, a ajuda nos orató-
rios ou paróquias, a preparação de festas, novenas e funções litúr-
gicas, a ajuda aos bispos e párocos sob a direção dos salesianos etc.
Sobre isso se referem tanto o citado memorando como os estatu-
tos preparados para a associação.
3. O projeto do benfeitor, que ajuda de alguma maneira as obras de
Dom Bosco, principalmente nos aspectos materiais, em particular
no sustento das vocações, na abertura de novas casas e nas missões.
Embora se insista nos documentos oficiais sobre a realidade histórica efe-
tiva, sobretudo no projeto dos cooperadores colaboradores no trabalho salesia-
no a serviço da Igreja, o conceito de cooperador benfeitor é muito claro e não
convém esquecê-lo, inclusive para fazer ver que o conceito de cooperador que
Dom Bosco teve, e tiveram seus sucessores imediatos, era bastante genérico e
impreciso.14 Foram necessários muitos anos antes de se esclarecerem bem as
ideias do que é realmente o cooperador salesiano.
13
P. Stella, Vita, 213.
14
Cf. P. Braido, Don Bosco, II, 185-209.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

O cooperador “benfeitor”
Cooperadores benfeitores existiam aos milhares no mundo todo e, entre
eles, havia sacerdotes e leigos de todas as categorias sociais: nobres, gente da
classe média, operários, comerciantes, simples cidadãos, homens e mulheres.
Eram a longa manus num momento em que Dom Bosco, e depois seus suces-
sores, tinham muita necessidade de dinheiro e de outras ajudas para manter
e multiplicar as obras.
Dom Bosco falava com frequência da cooperação material, às vezes tam-
bém de modo imperioso. Assim, por exemplo, no Boletim Salesiano de dezem-
bro de 1878, diz: “As orações não bastam, a elas devem estar unidas as ações.
Nem os credores nem tampouco nossos jovens contentam-se com orações.
Eles comem pão, e muito, e por mais que se faça ou se diga com a finalidade
de convencê-los a deixar este costume, não querem saber senão disso, nem por
apenas um dia. Não pedem guloseimas, não, mas pão e sopa à saciedade, essa
é a comida que exigem e que nós lhes devemos proporcionar”.15 Por isso, pedia
ajuda para alimentar os muitos jovens que eram acolhidos nas casas salesianas.
Ele também pensava nos cooperadores como aval que lhe servia de
garantia em seus assuntos financeiros: “Mas com tantas obras que tem nas
mãos, Dom Bosco irá à bancarrota! Não senhor, não fomos à bancarrota, não
fomos até agora e não iremos no futuro. Temos como garantidores a divina
Providência e a caridade de nossos cooperadores”.16
Para Dom Bosco, a caridade material dos cooperadores era um requi-
sito essencial para serem bons cristãos. Numa sociedade em que, segundo a
mentalidade da época, era formada “por desígnio divino” entre ricos e pobres,
havia uma relação de salvação recíproca para uns e outros, igualmente obri-
gados à observância do amor no interior da diferença da própria condição.
“Deus fez o rico para se salvar com a caridade e com a esmola”. Ceria observa:
“Nenhum santo gastou tanto de suas forças e de seu tempo em convencer os
homens, em público e em privado, de que a esmola é um dever, um grave
dever: e não uma esmola feita segundo a medida do egoísmo, mas [a esmola
feita] no limite determinado pelos próprios meios”.17 A esmola não é, portan-
to, só um ato de generosidade caridosa, mas também uma rigorosa obrigação
de justiça distributiva com evidente impacto social.18
15
Bollettino Salesiano, dezembro, 1878, 8.
16
Conferência aos cooperadores em Casale Monferrato, 21 de novembro de 1883. Bolletti­no
Salesiano, dezembro, 1883, 202.
17
MB XV, 515s.
18
Cf. Bollettino Salesiano, dezembro de 1881, 5-7.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em contrapartida, Dom Bosco falava aos cooperadores da salvação da


própria alma. A salvação é a única coisa necessária. O senhor haverá de re-
compensá-los pela generosidade, como Ele mesmo disse ao considerar como
feito a ele o que se faz ao próximo. Além do mais, se a caridade é feita com
finalidade espiritual, tem um merecimento muito maior. E recordava o pen-
samento de São Dionísio: “Entre as coisas divinas, o mais divino é cooperar
com Deus na salvação das almas”; e explicava recorrendo a Santo Agostinho
quando dizia que esta obra divina é uma garantia da própria salvação: “Sal-
vaste uma alma, predestinaste a tua própria”.
Também não deixava de falar dos bens temporais que a Providência costu-
ma conceder aos que são generosos com os pobres e fracos: “O Senhor garante
o cêntuplo também na vida presente”.19 Mas recordava ainda os males e os
perigos que viriam sobre a sociedade e os próprios ricos, se não se remediasse a
injustiça social ou não se oferecesse educação aos meninos pobres que um dia
exigiriam, com violência, o que agora lhes era negado por caridade.
Dom Bosco também estava convencido de que a Associação de coo-
peradores e a manutenção dos benfeitores não se podiam fazer apenas com
doutrinas e regulamentos, por muito convenientes ou necessários que pu-
dessem ser. A fraternidade salesiana era feita principalmente de relações
pessoais, de atenções, de gestos de gratidão, de participação na fé, na oração
e nas obras. O vínculo da caridade sentida, demonstrada, cheia de afeto
unia os salesianos e os benfeitores-cooperadores. Assim, por exemplo, Ele
escrevia aos cooperadores da América: “As palavras de afeto, de estima, de
gratidão e de agradecimento que vos digo, quero que sejam comunicadas
também aos vossos companheiros e a todos os que, de alguma maneira fa-
zem o bem aos salesianos”.20
Ele devia estar muito próximo dos cooperadores. E o esteve até os últi-
mos anos de sua vida. Interessava-se por eles, por suas famílias, por seus as-
suntos; e prometia orações e afeto paterno a todos. “Garanto-vos que rezarei
todos os dias e farei com que os nossos jovens rezem diante do altar de Maria
Auxiliadora, para que Ela vos acolha sob o seu manto, a vós e a todas as vossas
famílias, vos proteja e abençoe no corpo e na alma nesta vida e vos obtenha
de seu divino Filho Jesus a graça de ir receber no céu, no seu devido tempo,
o prêmio de vossa caridade”.21

19
Cf. Epistolario Ceria, IV, 286-287.
20
Epistolario Ceria, III, 224-225.
21
Epistolario Ceria, IV, 310-311.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

Sem os benfeitores, Dom Bosco não poderia levar adiante a sua obra;
por isso, podem ser chamados, com razão, com todo direito, de cooperadores
das obras salesianas.

2. Instituição canônica da Associação dos Cooperadores


Salesianos e da Obra de Maria Auxiliadora22
A descoberta da Associação dos cooperadores por Dom Bosco correu
paralelamente à da Obra de Maria Auxiliadora ou Filhos de Maria.
Dom Bosco falou a Pio IX sobre essas associações pela primeira vez na
audiência de 22 de fevereiro de 1875. Por sugestão do Papa, ele solicitou
cartas de recomendação aos bispos para os dois projetos. Uma vez obtidas
as cartas comendatícias de vários bispos, dirigiu-se diretamente ao Papa,
em 4 de março de 1876, pedindo-lhe que se dignasse examinar o projeto e
conceder favores espirituais para as associações dos cooperadores salesianos
e da Obra de Maria Auxiliadora. Em resposta, o Papa, com dois decretos
formulados de modo semelhante, concedia as indulgências solicitadas.23
Estes documentos papais não aprovavam as novas associações, mas se limi-
tavam a conceder favores espirituais às duas associações, que o Papa acredi-
tava já serem existentes. Cabe, porém, perguntar-se se na realidade tinham
ou não existência canônica. Para Dom Bosco, certamente, a concessão de
indulgências supunha o seu reconhecimento de fato. Contudo, nem todos
o viam assim.
Seguem os textos dos dois decretos papais para sua comparação.

Cf. MB XI, 71.


22

Para os Filhos de Maria, cf. pedido e decreto em MB XI, 531s. Para os cooperadores, cf. pedido
23

em MB XI, 75, e o decreto em MB XI, 546s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

1. Decreto de Pio IX 2. Decreto de Pio IX


com o qual se concedem favores espiri- com o qual se concedem favores espi-
tuais aos cooperadores salesianos24 rituais à Obra de Maria Auxiliadora25
Papa Pio IX Papa Pio IX
Para perpétua memória Para perpétua memória
Conforme nos comunicaram, foi instituí- Tendo-se instituído canonicamente, se-
da canonicamente uma Pia Sociedade de gundo nos foi informado, uma Associa-
fiéis cristãos com o nome de Sociedade ou ção de fiéis ou obra piedosa, sob o título
União de Cooperadores Salesianos cujos da Bem-aventurada Virgem Maria Au-
sócios, além de se dedicarem a muitas xiliadora, cujos membros se propõem a
obras de piedade e caridade, propõem-se reunir os jovens de bons costumes e in-
a atender especialmente os meninos po- clinados a abraçar a vida eclesiástica para
bres e abandonados. Nós, para que esta confirmá-los nesta vocação e inscrevê-
Sociedade cresça a cada dia, confiados na -los nos estudos eclesiásticos: Nós, para
misericórdia de Deus Onipotente e com que cresça cada dia mais essa associação,
a autoridade dos Bem-aventurados Pedro pela Misericórdia de Deus Onipotente e
e Paulo, a todos os fiéis cristãos de ambos com a autoridade dos Bem-aventurados
os sexos inscritos nesta Sociedade ou com Apóstolos Pedro e Paulo, concedemos a
o tempo nela se inscreverem, quando lhes todos os fiéis de ambos os sexos, inscritos
chegue o momento da morte, se estiverem ou que se inscreverem nesta associação,
realmente arrependidos e tendo-se confes- indulgência plenária in articulo mortis se
sado e recebido a sagrada comunhão, ou se arrependidos, tendo confessado e fortale-
isso lhes fosse impossível, se contritos, ao cidos com a sagrada comunhão e, se não
menos invocarem de viva voz o nome de o puderem fazer, ao menos contritos in-
Jesus ou se não puderem ao menos com o vocarem o nome de Jesus com o coração,
coração, e aceitarem a morte com espírito aceitando da mão de Deus, com ânimo
resignado, recebendo-a das mãos de Deus paciente, a morte como compensação do
como reparação do pecado, concedemos- pecado. E também concedemos miseri-
-lhes Indulgência Plenária; além disso, aos cordiosamente no Senhor aos mesmos
mesmos sócios, verdadeiramente arrepen- sócios que, arrependidos e confessados no
didos e confessados, que num dos dias de dia que escolherem de qualquer mês, re-
cada mês, escolhido por eles, receberem a ceberem o Santíssimo Sacramento numa
sagrada comunhão numa igreja ou orató-
igreja ou oratório público, e visitarem
rio público e visitarem a igreja ou o mesmo
devotamente e rezarem ali pela concór-
oratório e ali orarem pela concórdia entre
dia dos príncipes cristãos, a eliminação
os príncipes cristãos, a eliminação das he-
resias, a conversão dos pecadores e a glori- das heresias, a conversão dos pecadores
ficação da Santa Mãe Igreja, também lhes e a glorificação da Santa Mãe Igreja, in-
concedemos Indulgência Plenária para a dulgência plenária e remissão de todos os
remissão de todos os pecados, aplicável às pecados, na forma de sufrágio, aplicável
almas dos fiéis defuntos que deixaram este aos fiéis cristãos que, unidos a Deus pela
mundo unidos a Deus pela caridade. caridade, deixaram este mundo.
________________
24
MB XI, 545s.
25
MB XI, 533s.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

Também querendo usar de especial bene- Também, querendo dar a estes sócios um
volência para com estes sócios concede- sinal de nossa benevolência, concedemos-
mos-lhes todas as Indulgências, tanto Ple- -lhes todas as indulgências, tanto plenárias
nárias como Parciais, que os Terciários de como parciais, que por concessão apos-
São Francisco de Assis possam obter por tólica podem lucrar os terciários de São
concessão apostólica e todas as indulgên- Francisco de Assis; e ainda concedemos 2425

cias que os Terciários podem lucrar nos com nossa Autoridade Apostólica, que as
dias de festa e nas igrejas de São Francisco indulgências que os Terciários podem lu-
de Assis, na festa de São Francisco de Sa- crar nos dias festivos e nas igrejas de São 24
les e nas igrejas da Congregação de pres- Francisco de Assis, possam-nas lícita e li- 25
bíteros salesianos, desde que cumpram vremente obter na festa de São Francisco
devidamente no Senhor as obras determi- de Sales e na igreja da Congregação Sale-
nadas para tais indulgências; assim o con- siana de presbíteros; desde que cumpram
cedemos com Nossa Autoridade Apostóli- devidamente diante do Senhor as obras de
ca. Sem que possam impedi-lo quaisquer piedade prescritas para lucrar estas indul-
outras faculdades que lhes forem opostas. gências. Sem que nada obste em contrá-
Queremos, também, que a transcrição da rio. E isso com validade para os tempos
presente Concessão ou as cópias impres- presentes e futuros. Também desejamos
sas da mesma, com a firma de um Notário que as presentes letras, subscritas por al-
público e o selo de uma pessoa constitu- gum notário público, referendadas com o
ída em Dignidade Eclesiástica, deem-lhe selo de pessoa eclesiástica constituída em
a mesma fé que a autêntica, se fosse apre- dignidade, lhe dê a mesma fé que as pre-
sentada [em público]. sentes se forem exibidas em público.
Dado em Roma, junto a São Pedro sob Dado em Roma, junto a São Pedro sob
o anel do Pescador, no dia 9 de maio de o anel do Pescador, no dia 9 de maio de
1876, ano trigésimo do nosso Pontificado. 1876, ano trigésimo do nosso Pontifica-
[Selo] do. [Selo]
Pelo Card. Asquinio, D. Iacobini, substituto. Pelo Card. Asquinio, D. Iacobini, subs-
tituto.

Um mês depois, aproximadamente, Dom Bosco publicou um folheto


em que descreve os objetivos dos cooperadores salesianos,26 incluindo a bên-
ção do Papa à Associação. Dom Bosco também queria incluir em seu folheto
a aprovação e a bênção do arcebispo; por isso, escreveu na apresentação: “Es-
tes cooperadores são uma espécie de ordem terceira pela qual o Santo Padre
concede alguns favores espirituais a nosso benfeitor [sic]. Agora que o Santo
Padre concedeu sua bênção, suplico humildemente a vossa excelência...”.27
Diante de fatos consumados, o arcebispo Gastaldi, cujas relações com Dom
Bosco estavam quase a ponto de ruptura, reagiu imediatamente. Através do

Esta foi a quarta e última elaboração dos estatutos intitulados Cooperadores salesianos. Uma associa-
26

ção dedicada a alargar os costumes cristãos e o bem da sociedade. Este documento está em MB XI, 540s.
27
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 11 de julho de 1876, em MB XI, 78. Cf. A. Lenti, “The
Bosco-Gastaldi conflict. II”, JSS 5:1 (1994), 55-59.

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Dom Bosco: história e carisma 3

seu porta-voz, cônego Tomás Chiuso, fazia saber que o imprimatur eclesiástico
do folheto deveria ter sido solicitado de antemão e que, além disso, o decreto
de ereção canônica da associação deveria ter sido apresentado ao ordinário
antes de “tais indulgências” serem dadas a conhecer.28
As explicações dadas por Dom Bosco, ou seja, que o folheto ainda es-
tava na gráfica, que os cooperadores formavam uma associação geral e não
diocesana, que se viu obrigado a passar por cima da cúria, porque não lhe
foi concedida audiência etc. estavam destinadas a cair em ouvidos moucos.29
Entretanto, como o arcebispo estava fora da cidade devido ao verão,
Dom Bosco não esperou resposta. Imprimiu o material na diocese de Alben-
ga, com a aprovação do bispo amigo, dom Anacleto Pedro Siboni. Alguns
meses depois, com o desejo de publicar o decreto, Dom Bosco apresentou
uma cópia à chancelaria. O arcebispo, através do cônego Chiuso, insistia em
ver o texto original, antes de aprovar qualquer publicação. Mais importante,
ainda, assinalava que o documento só estabelecia “indulgências e favores espi-
rituais” baseando-se numa suposta aprovação canônica anterior. Quem dera
tal aprovação canônica? De fato, o decreto de Pio IX, tanto o que se referia
aos cooperadores como o dirigido à Obra de Maria Auxiliadora, era redigido
de forma clara nesse sentido:

Conforme nos comunicaram foi instituída canonicamente uma Pia Socie-


dade de fiéis leigos com o nome de Sociedade ou União de Cooperadores
Salesianos [...].
Tendo-se instituído canonicamente, segundo Nos foi informado, uma Asso-
ciação de fiéis ou obra piedosa, sob o título da Bem-aventurada Virgem Maria
Auxiliadora [...]. Nós, para que essa associação cresça sempre mais [...] conce-
demos a todos os fiéis de ambos os sexos, inscritos ou que se inscreverem no
futuro na associação [as seguintes indulgências].30

É certo que Pio IX apoiou de todo coração a criação dos salesianos coopera-
dores, assim como a Obra de Maria Auxiliadora. Antes do decreto de 9 de maio
de 1876, ele expressara sua aprovação, concedendo favores espirituais tanto oral-
mente como por escrito. Não é menos certo que o decreto em questão só conce-
dia indulgências. E o fez supondo que já tivesse obtido anteriormente a aprovação
canônica. Se não fora recebida da Santa Sé, de quem a recebera?
28
O cônego Chiuso a Dom Bosco, 16 de julho de 1876, em Documenti XVII, 413-414: ASC
A066: FDB 1041 A1-2. MB XI, 78.
29
Dom Bosco ao cônego Chiuso, 1º de agosto de 1876, em MB XI, 78.
30
Ver os textos dos decretos citados anteriormente.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

Pelo que se sabe Dom Bosco não respondeu à carta do cônego Chiuso,
nem tinha qualquer necessidade disso. Nunca solicitara a aprovação da Santa
Sé para uma nova associação. Pedira apenas favores espirituais para uma asso-
ciação já existente e, para ele, já erigida canonicamente.
Dom Bosco argumentava sobre este ponto no memorando reproduzido
anteriormente, no qual sustentava que os salesianos cooperadores existiam
desde 1841, se identificavam com o trabalho em colaboração dos oratórios e
eram conhecidos como “Congregação de São Francisco de Sales”, que ele pre-
sidia como “superior”. A “Congregação” recebera o estímulo, as faculdades e
os favores espirituais, em várias ocasiões, da Santa Sé e de dom Luís Fransoni
por um decreto de 1852.31 Em 1858, a Congregação dividiu-se em duas fa-
mílias: uma fez votos religiosos e vivia em comunidade; a outra, conhecida
também como “União ou Congregação de São Francisco de Sales, promotores
ou cooperadores” continuava “a viver no mundo, enquanto trabalhava em fa-
vor dos oratórios”. Por isso, quando o recente decreto fala de uma associação
já erigida canonicamente, refere-se aos primeiros promotores que ao longo
de dez anos foram aprovados e reconhecidos de facto como autênticos co-
operadores na obra dos oratórios, obra formalmente criada pelo decreto de
1852. Continuam como uma associação [aprovada] de leigos que vivem no
mundo, mesmo depois de 1858, quando alguns deles começaram a viver em
comunidade com regras próprias.32
Podemos, porém, perguntar-nos: se a afirmação de Dom Bosco era
válida para os cooperadores, seria também válida para a Obra de Maria
Auxiliadora, para a qual o decreto de 1876, emitido com o dos coopera-
dores, usa a mesma fórmula, concedendo indulgências a uma associação já
erigida canonicamente?

A Obra de Maria Auxiliadora33


É provável que a Obra de Maria Auxiliadora, considerada por Dom
Bosco como associação estável, devesse ser identificada com os cooperadores.
Sua tarefa era, entre outras, recrutar vocações de jovens adultos, conhecidos
como “Filhos de Maria” que, por isso, estão relacionados com os cooperado-
res desde sua fundação.
31
Trata-se do documento de 31 de março de 1852, pelo qual o arcebispo Fransoni nomeava Dom
Bosco como diretor espiritual dos Oratórios de São Francisco de Sales, de São Luís e do Anjo da Guarda.
32
Ver o texto do memorando de 1877 citado anteriormente.
33
Para a Obra de Maria Auxiliadora ou Filhos de Maria, ver MB XI, 34s, notando especialmente
o intercâmbio epistolar. Para a documentação (descrição, pedidos, programa, pedido e decreto), ver MB
XI, 530.

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Dom Bosco: história e carisma 3

A experiência tinha ensinado a Dom Bosco que o nível de perseveran-


ça nesse grupo de idade entre 16 e 30 anos, era muito maior do que entre
os de idade mais jovem. Como informou numa reunião de seu conselho
e diretores em 14 de abril de 1875, a ideia ocorreu-lhe refletindo sobre a
escassez de vocações ao sacerdócio e a maneira de aumentar seu número e
acelerar sua formação.34
Pio IX aprovou o projeto com entusiasmo. Dom Bosco elaborou um fo-
lheto no qual, depois de expor a filosofia do programa e sua finalidade, estabele-
cia cuidadosamente as normas de admissão e financiamento além de descrever
suas vantagens espirituais. Antecipando-se às objeções, acrescentava que a obra
não interferia no recrutamento nem nos planos de formação existentes, mas os
complementava. Em uma carta de apresentação, de 30 de agosto de 1875, dava
maiores esclarecimentos sobre o programa em relação à forma de admissão, aos
cursos de estudos, ao guarda-roupa. Enviou o material a uns 10 bispos amigos,
mas não ao arcebispo Gastaldi, nem a dom Luís Moreno, de Ivrea.35
Dom Gastaldi reagiu de imediato. Fez um apelo aos bispos das provín-
cias eclesiásticas de Turim, Vercelli e Gênova para assinarem um protesto
conjunto ao Papa; em vão.36 Os bispos ou apoiavam o projeto de Dom Bosco
ou não tinham qualquer objeção a respeito. Dom Moreno e dom Gastaldi
ficaram surpresos, mas não cederam; os dois escreveram ao cardeal Bizzarri
apresentando seu protesto contra Dom Bosco. Através de seu secretário, cô-
nego Chiuso, o arcebispo proibiu a Dom Bosco de tomar qualquer iniciativa
relacionada com o projeto. Para evitar uma colisão com Turim, Dom Bosco
mandou imprimir o material publicitário em Fossano, onde seu amigo, dom
Emiliano Manacorda, apoiava o projeto. Em seguida, por sugestão do arce-
bispo Vitteleschi e do cardeal Antonelli, Dom Bosco estabeleceu os Filhos de
Maria em Sampierdarena, diocese de Gênova, onde também contava com o
apoio do arcebispo Magnasco. Em 10 de setembro de 1875, o diário L’Unità
Cattolica anunciava a criação dos Filhos de Maria na cidade.37
34
Cf. MB XI, 31s.
35
Para o folheto e a carta, ver MB XI, 530s. Dom Moreno e Dom Bosco mantinham-se afas-
tados permanentemente desde 1860, devido à questão da propriedade das Leituras Católicas, cf. MB
VII, 149s, 528s.
36
Dom Gastaldi aos bispos, circular de 24 de julho de 1875, referida em MB XI, 40s. Ver uma
parte do texto em Documenti XV, 207 em ASC A064: FDB 1039 B2.
37
Entretanto, enquanto o alojamento era preparado em Sapierdarena, o projeto teve início em Val-
docco, tendo o padre [São] Luís Guanella como diretor. E mesmo quando o projeto se fixou em Sampierda-
rena, sob a direção do padre Paulo Albera, um contingente de estudantes das classes superiores foi mantido
no Oratório sob a supervisão de Dom Bosco. O projeto foi transferido mais tarde, em 1883, para Mathi,
Turim e, finalmente, para os novos edifícios do Oratório de São Luís Gonzaga (São João Evangelista, 1884).

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

Página inicial da carta circular com que se dá a conhecer a


“Obra de Maria Auxiliadora para as vocações tardias” (1875).

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Dom Bosco: história e carisma 3

A principal objeção de dom Gastaldi, expressada em suas cartas, era


que uma obra, ou seminário, como ele o chamava, poderia competir com
o recrutamento diocesano e os programas do seminário. Era, sem dúvida,
uma preocupação verdadeira, pois levantava mais uma vez a antiga questão
sobre o controle da formação sacerdotal. Mas os bispos que responderam ao
pedido de Gastaldi pensavam de maneira diferente, uma vez que os Filhos
de Maria eram jovens adultos e, além disso, tinham a opção de retornar às
suas dioceses e serem aceitos pelos próprios bispos. Dom Gastaldi também
se opunha à iniciativa de Dom Bosco porque, dizia, não era necessária,
pois já havia outras instituições que promoviam as vocações. Contudo, as
instituições mencionadas, escolas apostólicas e a obra do Cottolengo, só
funcionavam como pequenos seminários menores. Por fim, o fato de Dom
Bosco pedir apoio econômico para a difusão do projeto reacendia as caute-
las do arcebispo.
Por estranho que pareça, dom Gastaldi não retomou a questão do cur-
so abreviado de estudos.38 Era de esperar que o fizesse, tendo em conta sua
preocupação com os estudos sacerdotais e a formação. Talvez esse aspecto do
programa não fosse de conhecimento público.39
No início de 1876, Dom Bosco, segundo informa padre Barberis em sua
crônica, começou a falar de um “novo grande projeto destinado a aumentar
completa e rapidamente o número de clérigos salesianos”. Selecionaria os jo-
vens mais velhos das classes superiores da escola do Oratório, que se uniriam
aos jovens adultos da Obra de Maria Auxiliadora, e poria todos eles num curso
intensivo especialmente organizado, de março a outubro, que chamava “escola
de fogo”. Ao final dessa maratona, os alunos estariam preparados para vestir o
hábito clerical. Barberis conta como Dom Bosco anunciou o novo programa.

Já falei do assunto com padre Durando, de quem eu esperava a oposição


mais dura; mas ele está de acordo e não põe objeções.40 É o que tenho
em mente. Em meados de março, uma vez terminados os exames semes-
trais, [tenho o plano de] estabelecer uma nova escola. Reunirei nesse
programa todos os jovens de idade avançada e que desejam vestir logo o

38
Cf. A. Lenti, “Saint with a human face”, JSS 8:2 (1997), 188-190.
39
O curso rápido de estudos, denominado “escola de fogo”, suscitou críticas de salesianos no
Oratório, onde os estudantes das classes superiores uniram-se aos Filhos de Maria, que ali residiam (MB
XI, 59s). Para os comentários sobre o curso rápido (“escola de fogo”) ver as p. 261-262 deste volume.
40
Padre Celestino Durando (1840-1907) era o conselheiro geral para as escolas salesianas; estava
especialmente preocupado com a qualidade da escola do Oratório. Às vezes, não coincidia com Dom
Bosco nos assuntos escolares.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

hábito clerical, embora estejam apenas no terceiro ano [de gimnasio]. 41


Colocarei [nele] também o maior número possível de Filhos de Maria.
Será designado um professor especialmente para eles. Ele lhes daria ape-
nas um curso intensivo de latim e italiano, de modo que pela festa de
Todos os Santos [1º de novembro] possam vestir o hábito clerical.42

Dom Bosco falou com entusiasmo do projeto dos Filhos de Maria, ex-
pressando grandes esperanças de sucesso:

Quando os bispos virem o sucesso desta experiência, apressar-se-ão em imitar


o nosso exemplo... Abrigo a mais elevada esperança nestes nossos filhos. Eles
são o recurso mais confiável da Igreja de hoje. Imagino que dentro de cinco
anos teremos mais de 500 neste programa; claro que não contando apenas
com nossas casas, mas também com outros locais onde o programa possa ser
estabelecido.43

Ao falar deste e de outros projetos aos diretores reunidos para a confe-


rência de São Francisco de Sales, Dom Bosco manifestou a certeza de estar
atuando por inspiração divina:

A razão pela qual devemos seguir adiante e nunca olhar para trás é que esta-
mos caminhando com segurança. Antes de iniciar qualquer obra, comprova-
mos que é a vontade de Deus. Tão logo temos essa segurança, devemos seguir
adiante. A partir daí, não importam as dificuldades que possam surgir pelo
caminho. Se Deus o quer, não temos nada a temer.44

Dois dias depois, no Boa-Noite, ele anunciava seu plano aos meninos,
dando detalhes para explicar o curso rápido de estudo.

Queridos meninos, gostaria de conversarmos nesta noite sobre um assunto


que não é muito conhecido... Em poucas palavras, estou atrás de uma grande
pescaria... Em vista da grande necessidade de sacerdotes e missionários, decidi
criar um curso especial de estudos.
Eu o chamo de “escola de fogo”, porque o plano de estudos incluirá apenas
as matérias necessárias, de modo que os estudos sejam completados em breve

41
A escola, ou melhor, a seção de estudantes, do Oratório era uma escola secundária de cinco
anos, com um currículo de humanidades muito semelhante ao bacharelado.
42
G. Barberis, Crônica original, entrada de 31 de janeiro de 1876, caderno IV, 32: FDB 837 C4.
43
G. Barberis, Crônica original, entrada de 5 de fevereiro de 1876, caderno IV, 52: FDB 837 D12.
44
G. Barberis, Crônica original, entrada de 6 de fevereiro de 1876, caderno IV, 52-53: FDB
837 D12-E1.

261

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Dom Bosco: história e carisma 3

tempo, sem maiores complicações. Poderão participar desta escola os que o


desejem do quarto e do terceiro ano e, talvez, algum do segundo do gimnasio,
que já tenha entrado nos anos, ou seja, com mais de 16.
Ao combinar estudo intenso, grande ardor, bons professores, e contando com a
vontade de triunfar, espero que, pela festa de Todos os Santos, possamos impor
a batina aos estudantes. A primeira condição requerida é a grande vontade e o
esforço perseverante. Alguém poderá perguntar: como poderemos completar o
curso em tão pouco tempo? É possível com certas condições, com bons profes-
sores, boa vontade e, além disso, contando com a vossa grande inteligência e
talento... [Sussurros, sorrisos gerais e satisfação de muitos ao escutar o elogio.]

Ouvi, agora, as outras condições:

1. Será preciso que quem aceitar se decida a entrar aqui no noviciado ou ir às


missões.45 Os que entrarem no noviciado não pertenceriam à diocese de Tu-
rim, porque, para entrar no seminário desta diocese, exige-se o certificado
de aprovação no quinto ano (de gimnasio).46
2. Será preciso renunciar a qualquer exame público para obter um diploma.47
O motivo é que nestes exames deve-se ir preparado em todas as matérias
exigidas pelos programas, enquanto, para adiantar as matérias principais,
como o latim e o italiano, nós exigimos apenas temas básicos... Por isso,
quem quiser obter o título de bacharel, não pode participar desta escola
especial que projetamos.
3. Será preciso renunciar às férias normais. Poder-se-á, talvez, conceder alguns
dias de descanso ou fazer os exercícios espirituais em Lanzo; mas nada mais,
porque nosso tempo é escasso. Começando nos primeiros dias de março,
como prefixei, há ainda oito meses até novembro, e em oito meses, estudan-
do com afinco, podem-se fazer muitas coisas.

Além disso, devereis levar em conta que... as matérias que não entram
neste programa deverão ser estudadas mais adiante.48

45
O primeiro grupo de salesianos “missionários” fora para a América do Sul há apenas alguns me-
ses, em novembro de 1875. A necessidade de abastecer as missões, assim como o crescente trabalho que
os padres salesianos realizavam foi a razão pela qual Dom Bosco criou o programa de Filhos de Maria.
46
Algumas dioceses não exigiam um currículo de cinco anos para receber o hábito clerical e a
admissão ao seminário, mas Turim sim. Talvez, contudo, a verdadeira razão desta condição fosse que o
arcebispo de Turim, dom Gastaldi, era contrário ao projeto; e já se opusera energicamente à Obra de
Maria Auxiliadora.
47
Ao fazer os estudos de cinco anos da escola secundária (gimnasio), o estudante podia fazer um
exame geral e receber um diploma, que lhe dava acesso aos estudos superiores.
48
J. Barberis, Discorsetti, caderno, 25-28, entrada de 8 de fevereiro de 1876: FDB 838 E4-7.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

Dom Bosco não perdeu tempo; fez o projeto caminhar. A “escola de


fogo” teve início quase na data prevista, em 13 de março de 1876, com cerca
de 30 alunos e um professor capaz, o clérigo salesiano chamado Bodrati [não
conhecido em outro lugar]. Vale a pena citar a passagem de Barberis.
Hoje [13 de março de 1876], o novo programa de estudos, chamado “escola
de fogo”, começou bem no Oratório. Já falei desta nova obra nas entradas
anteriores desta crônica. Limitar-me-ei a acrescentar que este curso está unido
ou afiliado à Obra de Maria Auxiliadora... Começou durante a novena pre-
paratória à festa de São José, e foi colocado sob a proteção de nosso grande
patriarca. O professor do curso é o clérigo [salesiano] Bodrati, homem de
grande inteligência e talento, que veio conosco depois de uma experiência de
vida [profissional] no mundo. Parece estar plenamente ciente da importância
da missão que lhe foi confiada. Está muito entregue [a ela].
O programa conta com uns 30 estudantes; o número, porém, pode aumentar
nos próximos dias com a adição de alguns que, por diversas razões, não pu-
deram entrar imediatamente no grupo. Cinco dos jovens estão [apenas] no
segundo ano de gimnasio, mas, além de já terem idade um tanto avançada, são
realmente bons. Rivalizam com São Luís na piedade e são iguais a Domingos
Sávio. Dois ou três estão no quarto ano de gimnasio e são material muito
bom, mas não iam muito bem nos estudos. Neste curso, irão muito bem, pois
não terão que se preocupar com os cursos suplementares, como as matemá-
ticas, o grego etc. A maioria dos estudantes é do terceiro ano de gimnasio; e
destes, alguns são da Obra de Maria Auxiliadora.
Este novo programa dá-nos boas razões para esperar que a maioria destes
jovens possa receber o hábito clerical e chegar a serem bons seminaristas... Es-
tudam duramente e aproveitam ao máximo o próprio tempo. Além do mais,
não têm qualquer necessidade real de cursos complementares.49

Comentário conclusivo
O decreto sobre os cooperadores demonstra que o Papa acreditava que
os cooperadores fossem uma associação preexistente, já aprovada, que atuava
nas obras de piedade e caridade, especialmente em favor dos jovens. Era esse
também o entendimento de Dom Bosco.
O certo é que Dom Bosco não manifesta essa ideia em seu pedido,50
mas é evidente que era isso que tinha em mente.51 Por isso, solicitava favores
49
J. Barberis, Crônica original, entrada de 13 de março de 1876, caderno V, 9-11: FDB 839 A7-9.
50
Cf. MB XI, 76s.
51
Ver Memorando de 1877, p. 240-243 deste volume.

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Dom Bosco: história e carisma 3

especiais e não a aprovação. Assim o entende também Ceria, quando defende


as declarações de Dom Bosco.52
É legítimo perguntar-se sobre a origem e a natureza dessa associação
já existente. Em nossa mentalidade moderna, “canônica”, não cremos que
a concessão de graças espirituais às pessoas envolvidas na obra dos oratórios
equivalha à aprovação canônica de uma associação, nem que o decreto do
arcebispo Fransoni ou o documento de 1852 no qual se nomeia Dom Bosco
superior dos três oratórios significasse a aprovação canônica de uma associa-
ção de agentes do Oratório (Congregação de São Francisco de Sales). Toda-
via, é o que Dom Bosco afirma no memorando de 1877.
O decreto sobre a Obra de Maria Auxiliadora evidencia a mesma reali-
dade. Qual é, pois, a origem e o caráter dessa associação preexistente, canoni-
camente estabelecida? Deve-se assinalar:
1. Os dois pedidos de Dom Bosco para benefícios espirituais em fa-
vor dos salesianos cooperadores e da Obra de Maria Auxiliadora
foram apresentados juntos em 1876. Os dois decretos foram emi-
tidos juntos, com a mesma data e quase com as mesmas palavras,
concedendo favores espirituais aos membros de associações esta-
belecidas canonicamente.
2. No caso da Obra de Maria Auxiliadora, é importante assinalar
também que os benefícios espirituais não são concedidos aos jo-
vens adultos, entre 16 e 30 anos, que formavam o grupo de Filhas
de Maria, mas à Congregação, ou seja, a um “grupo” de homens
e mulheres, que se supõe, já existem como associação aprovada
canonicamente. O trabalho da associação é recrutar e educar vo-
cações sacerdotais. É justo perguntar-se, então: de qual associação
existente Dom Bosco está falando? Qual autoridade da Igreja deu
sua aprovação canônica à Pia Obra? É verdade que Dom Bosco
poderia apresentar a existência “canônica” anterior dos coopera-
dores, invocando o decreto do arcebispo Fransoni de 1852. Mas,
poderia invocar o mesmo para a Obra de Maria Auxiliadora?
Parece, então, que ao falar dos Filhos de Maria como de uma associação
já existente, que atua para buscar e educar vocações sacerdotais, Dom Bosco
se refira aos cooperadores salesianos. A associação dos salesianos cooperadores
era a associação já existente e “canonicamente aprovada”. Como esclarecem
os “Estatutos”, apresentados anteriormente, os cooperadores comprometiam-
-se a trabalhar pelas vocações.
52
Para o ponto de vista de Ceria, ver MB XI, 84s.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

3. Boletim Salesiano. Ideia e objetivo de Dom Bosco


(1877-1886)
O Boletim Salesiano, como Dom Bosco o concebia, era um elemento
da “fundação” ou reorganização dos cooperadores. Foi pensado como meio
oficial de união e de governo.
O Boletim Salesiano sucede uma publicação anterior, iniciada em 1875
por Dom Bosco, com ajuda do coadjutor Pedro Barale (1846-1934), com
o título de Bibliófilo Católico. Embora não se tenha conservado um único
exemplar desse folheto, sabe-se que seu objetivo era fomentar as boas leituras,
fazer publicidade de livros salesianos e oferecer ideias morais e religiosas.
Em 1877, Dom Bosco transformou o folheto numa publicação oficial
para criar e manter comunicação com os recentemente organizados salesianos
cooperadores. O novo título era O Bibliófilo Católico ou Boletim Salesiano
Mensal. Em 1879, o título passou a ter o título mais simples de Boletim Sa-
lesiano.
Mais tarde, com a expansão da congregação fora da Itália, sentiu-se a
necessidade de publicar o periódico oficial em outros idiomas. Durante a
vida do Fundador, em abril de 1879, o Boletim começou a ser publicado
em francês e, em outubro de 1886, em espanhol. Isso levantou a questão do
conteúdo do Boletim. O Boletim continuaria a ser uma publicação central de
união, de conteúdo idêntico, independente da língua? Seu conteúdo deveria
ser nacional ou local? A discussão não podia deixar de envolver a natureza e
os objetivos, tanto do Boletim como da associação de salesianos cooperado-
res, para servir àqueles para os quais fora criado. Dom Bosco expressou seus
pontos de vista com clareza e firmeza em várias ocasiões.
Os textos transcritos a seguir expressam o pensamento de Dom Bosco a
respeito, como se informa nas fontes do arquivo original. O objetivo é com-
pletar e esclarecer os relatos editados nas Memórias Biográficas.53

Deliberações do I Capítulo Geral (1877)


Entre as associações que deveriam ser incentivadas em relação à obra
salesiana, há de ser dar lugar de honra à dos salesianos cooperadores. Sobre
a natureza e o objetivo dos cooperadores, e do Boletim, as Deliberações do
capítulo declaram o seguinte:

53
MB XI, 71s: cooperadores; MB XIII, 259s: cooperadores e Boletim Salesiano no I CG; MB
XIII, 606: organização dos cooperadores; MB XIV, 530s, 671s: cooperadores.

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Dom Bosco: história e carisma 3

4o Os cooperadores salesianos, tanto homens quanto mulheres, não são mais


do que cristãos comprometidos que, embora vivam com suas famílias, tor-
nam o espírito salesiano presente na sociedade. Também dão à Congrega-
ção de São Francisco de Sales ajuda moral e material, com a finalidade de
avançar de maneira especial na educação cristã dos jovens. São uma espécie
de ordem terceira, mas seu objetivo é o exercício concreto da caridade para
com o próximo, em particular para com os jovens em situação de risco.
6 O Boletim Salesiano proporciona o vínculo de unidade com e entre os coo-
o

peradores. Quando um membro não viver como digno cooperador, ele/ela


dará baixa simplesmente cancelando sua inscrição no Boletim, sem qualquer
outra formalidade.
9 Todos os salesianos, os diretores em particular, deveriam esforçar-se por
o

aumentar o número de cooperadores. Com esse fim, devem sempre falar


bem da associação, acrescentando que o Santo Padre deseja ser o primeiro
[a inscrever-se como] cooperador. Saiba-se que a associação se mantém afas-
tada da política e que seu objetivo é simplesmente trabalhar pelo bem da so-
ciedade, especialmente prevenindo que os jovens em perigo se percam. Por
isso, qualquer pessoa está apta a ser membro. Contudo, só serão convidadas
a se associarem as pessoas que soubermos, ou outras de confiança souberem
serem religiosas e dignas.
10 O Capítulo Geral aprovou e enalteceu o Regulamento [da associação de
o

cooperadores salesianos], que se publicou à parte.54

Atas do II Capítulo Geral (1880)


As atas do II Capítulo Geral, redigidas pelo padre Barberis, registram
um debate sobre o Boletim Salesiano e, paralelamente, sobre os cooperadores,
com uma intervenção de Dom Bosco. Após o debate sobre as qualidades
necessárias para ser membro dos cooperadores, começou-se a debater sobre
o Boletim. Dom Bosco disse desejar que o Boletim fosse editado e publicado
de forma centralizada, apesar dos custos e dos problemas relativos. Numa
passagem notável, começa afirmando suas bem pensadas razões pelas quais
deseja que a publicação do Boletim seja centralizada. Em seguida, continua
comentando a natureza e a finalidade dos cooperadores.
54
Deliberazioni del Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in Lanzo Torinese nel
Settembre 1877. Turim: Tipografia e Libreria Salesiana, 1878, 92-93, em OE, 29, 468-469. As mesmas
disposições foram reeditadas pelo II CG, cf. Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale della Pia
Società Salesiana tenuto in Lanzo Torinese nel Settembre 1880. Turim: Tipo­grafia Salesiana, 1882,
62-64, em OE, 33, 70-72.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

[Dom Bosco:] “Há uma vantagem na publicação e distribuição do Boletim


a partir de um [lugar] central. Isso manterá a perfeita unidade de ação entre
os cooperadores e nossa congregação. Os associados ganharão com isso valor
espiritual aumentado.”55
“A congregação também se beneficiará, pois, caso se encontrasse numa
situação desesperada, poderia dispor de um grande número de pessoas
capazes e dispostas a ajudar.”56
[Apresenta-se uma objeção:] “O Boletim é distribuído de forma gratuita. Isso
nos custa muito dinheiro e nos traz uma porção de problemas”.
[Dom Bosco responde:] “Quanto aos gastos de publicação e distribuição,
eles nos devolvem nosso dinheiro e muito mais. A maioria das pessoas que
recebem o Boletim pergunta sobre o custo da assinatura. Quando se inteiram
de que não há um valor fixo para a assinatura fazem, em geral, uma oferta
mais generosa do que vale. Outros que não podem contribuir com nada no
momento haverão de fazê-lo em outra ocasião durante o ano ou ajudarão o
Oratório de alguma outra maneira.”57
“Quanto aos problemas [relacionados com o trabalho de edição, impressão e
distribuição] aqui em Turim, deve-se admitir que são consideráveis, pois [o
Oratório] é o único centro [de produção e distribuição] para uma associação
muito grande. Por outro lado, não se criam problemas para nenhuma outra
casa em qualquer lugar [da] Congregação. Além do mais, logo que a operação
se encontre em situação [econômica] normal, haverá muito menos proble-
mas. Teremos de colocar alguém para cuidar dele, com tempo integral. Isso
é tudo”.
[Dom Bosco continuou:] “Poderia facilmente ter adotado a alternativa menos
exigente em termos de trabalho, mas então a associação não chegaria à sua
finalidade. A maneira mais fácil faria com que tivéssemos muitos centros au-
tônomos, livres para aceitar ou recusar membros na associação. Os terciários
franciscanos são organizados dessa forma. Todas as casas franciscanas podem

55
“Os associados”. Como no caso das Leituras Católicas, Dom Bosco considerava os que rece-
biam e aceitavam o Boletim não como “assinantes”, mas como “associados”, ou seja, faziam parte da
associação para ajudar de algum modo a obra salesiana.
56
Esta frase é uma nota marginal preliminar acrescentada no início da passagem seguinte. Colo-
ca os pontos iniciais para a discussão seguinte.
57
Em 1886, o Boletim difundia 40 mil exemplares em cada edição mensal ao custo de 25 mil
liras para o ano todo. Mas os custos de publicação foram recuperados com acréscimos desde o início,
por meio de donativos. Está confirmado que nos primeiros nove anos da publicação do Boletim, as
ofertas e os donativos chegaram a 900 mil liras, a ponto de Dom Bosco ser acusado de ter iniciado o
Boletim com a finalidade de arrecadar fundos.

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Dom Bosco: história e carisma 3

inscrever [terciários] sócios à vontade. Como consequência, seu número é


sempre muito grande. Contudo, esta disposição não permite a ação centrali-
zada e unificada. O melhor que fiz a estes [meus] colaboradores foi encontrar
os meios para que todos pudessem estar unidos ao seu líder, e o líder possa
relacionar-se com todos eles e compartilhar suas ideias. Estudei a questão
durante muitos anos e creio que, com algum sucesso, encontrei a solução.
Atualmente, não podemos nem sequer imaginar a amplidão que esta obra
alcançará e a influência moral que exercerá quando for estabelecida em todos
os lugares. Quando o número [de colaboradores] for contado por milhares (e
estou convencido de que chegarão muito logo aos 5 mil), então veremos re-
sultados espetaculares. O próprio Santo Padre, ao ouvir-me falar dessa união,
que reúne todos os membros sob um líder e vice-versa, exclamou, impressio-
nado: ‘Essa é a maçonaria católica!’”.
“Outro dos objetivos que queremos alcançar é difundir as boas ideias [cristãs],
e ajudar espiritualmente as famílias que recebem o Boletim”.58
“Assim, portanto, do ponto de vista prático, suponhamos que dentro de um
ano a partir de agora, a Congregação se encontre em grave necessidade eco-
nômica. Se fizermos um apelo por meio do Boletim, creio que a resposta supe-
raria as expectativas. Creio que existam famílias [de fora] que estão dispostas
a desprender-se de algum de seus [confortáveis] modos de vida e de dinheiro
com o fim de ajudar”.
“É essencial que cada diretor conheça com precisão quem e o que são estes
cooperadores, e trabalhe em consequência. Quando lhe for perguntado qual
é o objetivo da associação, deve dar sem mais, a seguinte resposta: “Seu ver-
dadeiro objetivo é ajudar os jovens espiritual e materialmente com todos os
meios à sua disposição; preferivelmente aqueles que são mais pobres e estão
mais abandonados”. Pode-se acrescentar [para maior estímulo] que o próprio
Santo Padre quis ser o primeiro a inscrever-se como cooperador”.59
Continuando, Dom Bosco convida a todos a estudarem a forma prática de
aumentar o número de cooperadores. Uma das propostas foi que a lista dos
assinantes das Leituras Católicas fosse utilizada como ponto de partida e que
o diploma de cooperador fosse enviado a todas as pessoas da lista que se sou-
besse ser bons cristãos e candidatos adequados.60

58
Aqui, Dom Bosco dá alguns exemplos. O Boletim pode animar e ensinar o catecismo às crian-
ças e explica como se faz, ou a fazer o exercício da boa morte, os exercícios espirituais etc.
59
Aqui se dão outras razões para inscrever-se na associação.
60
Segue-se uma discussão sobre se os institutos religiosos podem ser indicados como cooperado-
res. Aparentemente não houve nada em contrário.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

[Dom Bosco continuou:] “Em termos gerais, a associação de cooperadores sale-


sianos é aceitável para o povo, porque não está envolvida de maneira alguma na
política. É minha convicção de que a razão pela qual ficaremos tranquilos para
fazer nosso trabalho é precisamente porque nossa Congregação se mantém com-
pletamente afastada da política. De fato, eu quis pôr em nossas Constituições
um artigo que proibia [aos membros] qualquer participação em política...”.61

Atas do III Capítulo Geral (1883)


As atas do III Capítulo Geral, redigidas pelo padre João Marenco, são
simples resumos dos debates e intervenções de Dom Bosco. Entretanto, con-
têm algumas declarações importantes sobre a natureza do Boletim, como
Dom Bosco o concebeu, e a finalidade dos cooperadores, por exemplo, a ata
da sessão da manhã de 7 de setembro.
2. Apresenta-se e lê-se o projeto de regulamento da Pia Sociedade dos coope-
radores salesianos. Dom Bosco intervém:
“Os cooperadores salesianos, que são nossos benfeitores, formam um grupo à
parte daqueles que assinam o Boletim Salesiano como [assinam] uma revista.
O Boletim Salesiano é um meio de fazer com que a obra salesiana seja conhe-
cida e de unir em espírito os bons cristãos como uma [entidade] e com um
objetivo. Não se deve considerá-lo apenas como uma publicação periódica
para a difusão da verdade religiosa etc., e muito menos como uma revista. Pa-
rece que atualmente a gente caridosa, dada a situação política, não é capaz de
reconhecer os objetivos de sua caridade, que poderia ajudar com seu dinheiro.
De aí que o objetivo do Boletim seja chamar sua atenção para as obras dos
salesianos; de modo que, se Deus quiser, se movam para ajudar estas obras. O
Boletim só não deve ser promovido como uma revista igual a qualquer outra”.
[Especificamente em relação aos cooperadores, Dom Bosco acrescentou:]

1o “As duas conferências [prescritas] sejam celebradas fielmente. Deve-se fazer


uma coleta nessas ocasiões, e o dinheiro deve ser enviado [a Turim]”.62

61
ASC D578, Capitoli Generali, GC I: FDB 1849 B12-05. Dom Bosco descreve que Roma re-
tirou o artigo sobre a política em 1864 e como ele procurara recolocá-lo em 1870 e 1874. Deram-lhe as
seguintes razões para sua remoção: “Este artigo está sendo eliminado pela terceira vez. Apesar de que em
si mesmo poderia ser admitido, nestes tempos e momentos, pode acontecer que alguém se sinta obriga-
do em consciência a participar na política. Com frequência, as questões políticas estão inseparavelmente
unidas às crenças religiosas, casos nos quais os bons católicos não devem permanecer à margem”.
62
As duas conferências anuais eram prescritas no Regulamento para os cooperadores salesianos,
cap. VI, art. 4. Dom Bosco presidiu a primeira conferência em Roma, em 27 de janeiro de 1878,
criando o modelo. Seguiu-se a ela uma conferência semelhante em Turim, em 16 de maio de 1878.

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Dom Bosco: história e carisma 3

2o É preciso explicar a finalidade dos cooperadores, que é “ajudar na catequese,


promover os bons livros, enviar os jovens a boas escolas católicas. Quanto a
nós, receber 100 liras a mais ou a menos na coleta é o de menos. A glória de
Deus, isso é o importante”.

“Se os governos não colocarem obstáculos no caminho, o Boletim será uma


potência com a qual terá que contar; não por si mesmo, mas pela gente que
se unirá [para a ação].”
[Dom Bosco] em seguida, exorta a todos, especialmente os diretores, a conhe-
cerem os cooperadores e sua finalidade, e que façam conhecer e incentivem
a associação...63

Atas do Capítulo Superior (sessão de 17 de setembro de 1885)


A questão da orientação a ser dada ao Boletim Salesiano, tendo em con-
ta a expansão da Congregação a outras nações, fora da Itália, foi tratada na
reunião do Capítulo Superior em 17 de setembro de 1885. Deve-se a ata ao
padre Lemoyne. Dom Bosco detalhou três questões principais 1ª O Boletim
não deve ser um folheto nacional ou local, mas o órgão oficial da obra salesia-
na no mundo todo. 2ª Seu conteúdo deve ser o mesmo, sem levar em conta
o idioma. 3ª Deve estar sob o controle direto do Reitor-Mor, e deverá ser
publicado na casa-mãe nas edições em vários idiomas. Fizeram-se objeções,
mas Dom Bosco manteve-se firme. Em seguida, falou sobre o Boletim:

O Boletim não deve ser um folheto local que se dirige a regiões linguísticas lo-
cais, como França, Espanha, Itália etc. Deve ser e continuar a ser o órgão ofi-
cial geral da obra salesiana que atenda a todas as regiões. Deverá ser uniforme
na edição das notícias, com a finalidade de representar as diversas regiões; mas
todas as edições, sem importar o idioma, devem ser idênticas. Para garantir a
unidade no conteúdo e a orientação, o Boletim, em todas as edições, deve ser
impresso na casa-mãe. Esta arma, tão poderosa, não deve ser tirada das mãos
do Reitor-Mor; pois o Boletim, em outras mãos, pode adotar uma orientação
que não se ajuste aos objetivos do Reitor-Mor. [Se o Boletim fosse editado
localmente] até um inspetor poderia utilizá-lo para seus interesses pessoais ou
os de sua inspetoria contra os da congregação.

Desde então, as conferências eram feitas regularmente na língua de cada região (MB XIII, 614s). Eram
conhecidas como conferências salesianas porque, entre outras razões óbvias, começavam com a leitura
de um capítulo da vida de São Francisco de Sales.
63
ASC D579, Capitoli Generali, III CG: FDB 1864 A10-11.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

Eu falei com os diretores da obra da Congregação [sic: leia-se “propagação”] da


Fé sobre o tema. Quando os urgi a não ceder às pressões, mas que continuas-
sem a publicar os Anais centralizados em Lyon, sua resposta confirmou plena-
mente minhas opiniões sobre o assunto.64 Deve-se ter em conta que a pessoa
que controla a gráfica pode influir nas ideias em qualquer direção. [Seja o caso
dos Anais ou do Boletim], essa pessoa pode dar uma orientação para a caridade
ou originar a dispersão das contribuições de caridade [para seus próprios fins].
Na teoria, pode-se defender o enfoque local [como mais produtivo], mas não
é assim na prática. A experiência bem comprovada de outras pessoas haverá de
nos ajudar a tomar a decisão adequada sobre a matéria.
Para consolidar o Boletim, deveremos criar um conselho de redação. Um edi-
tor poderia encarregar-se das missões, da compilação do material, da delibe-
ração sobre as necessidades e fazer o acompanhamento da localização e das
atividades dos missionários etc.; outro editor poderia atender à correspondên-
cia etc.; outro pode encarregar-se da edição [como editor-chefe]. Do mesmo
modo, precisamos racionalizar o funcionamento: quem tem uma responsabi-
lidade não deve ser encarregado de outras tarefas.
Para consolidar o Boletim, precisamos criar um conselho de redação. Um
editor poderia se encarregar das missões, recompilação de material, deter-
minação de necessidades e de fazer o acompanhamento local das atividades
dos missionários etc.; outro editor poderia se responsabilizar pela correspon-
dência etc.; outro poderia se encarregar da edição (como editor-chefe). Do
mesmo modo, precisamos racionalizar o funcionamento: aquele que tem um
encargo não deve ser sobrecarregado com outras tarefas.
Padre Rua [diz que, pessoalmente] aceita o princípio, um Boletim em vários
idiomas, mas [vê] dificuldades. Assinala que os Anais da [Congregação para]
a Propagação da Fé só publicam cartas que são sempre de interesse geral, e
não têm outra finalidade. Nosso Boletim, diferentemente, tem por finalidade
pedir esmola; e, com o fim de motivar o povo a dá-la, é preciso falar de coi-
sas de interesse local. [Padre Rua acrescenta que] esteve em contato com os
salesianos da França e da América do Sul, e deram-lhe garantias de que cum-
prirão a palavra de Dom Bosco, e farão o possível para realizar esse objetivo.
Contudo, determinados assuntos, que são convenientes para a Itália, podem
não ser adequados para difundi-los na América do Sul. As comunicações de

A Obra (ou Congregação) para a Propagação da Fé, sem relação com a congregação romana
64

de Propaganda Fide, foi fundada em Lyon em 1822 por Paulina Jéricot com a finalidade de ajudar as
missões estrangeiras. Aos poucos, foi-se estendendo a outras nações. Seus boletins, chamados Anais da
propagação da fé, publicavam cartas e relatos de missionários em seu trabalho.

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Dom Bosco: história e carisma 3

conferências ou os relatórios de festas celebradas ali teriam que ser enviadas


à Itália para sua impressão, e depois devolvê-las novamente, com o resultado
que seus colaboradores na América do Sul os lerão quatro meses depois. As
comunicações para os cooperadores daquelas regiões só chegariam depois de
sua celebração.
Padre Durando aconselha que, ao menos ocasionalmente, o Boletim deveria
ser reduzido em algumas páginas, para dar espaço a um suplemento que in-
forme sobre as necessidades locais.
Padre Rua propõe que o Boletim seja impresso em duas seções: uma de inte-
resse geral, a serviço de toda a obra salesiana; e uma segunda seção de interes-
se local, semelhante aos periódicos locais, que contêm seções de notícias de
interesse local.
Dom Bosco recusa todas as sugestões e acrescenta:
“Eu mantenho a necessidade de um Boletim indiviso. Tenho minhas razões:
em primeiro lugar, devo manter esta poderosíssima ferramenta, toda ela, sob
o meu controle, para meus próprios fins; em segundo lugar, [se estiver fora
do meu controle] pode acontecer que o Boletim se desvie da finalidade para
a qual eu o criei. Estas razões me confirmam em minha crença e justificam
minha posição. [Deixai que vos pergunte:] “Quais os aspectos do Boletim que
os cooperadores mais demandam? A história do Oratório e as cartas de nossos
missionários”.65 A maior parte do Boletim deve ser feita com esse material.
Os relatórios dos acontecimentos, como conferências e festas de cada nação,
entre elas a Itália, devem ser colocadas numa coluna de resumo de notícias.
Pode-se organizar um espaço para os acontecimentos locais de significado
extraordinário, na medida em que sejam de interesse geral. Quando houver
necessidade urgente no âmbito local de dar a conhecer alguma coisa ao públi-
co, os salesianos devem recorrer aos serviços da imprensa católica, com a qual
sempre se deve manter boa relação. Se isso não servir para o que se pretende,
faça-se uso das cartas circulares. É o que eu penso. Por favor, considerai que o
Boletim é o principal apoio da obra salesiana, de tudo que tem em andamen-
to: as vocações, as escolas [etc.]”.66

Deliberações do IV Capítulo Geral (1886)


Após o IV Capítulo Geral foram publicadas, num mesmo volume, as
Deliberações desse capítulo e as do anterior, incluindo também o material

65
Padre Bonetti publicara em capítulos no Boletim, desde 1879, a Storia dell’Oratorio di San
Francesco di Sales.
66
ASC D869, Atas do Capítulo Superior, 17 de setembro de 1885: FDB 1880 A5-12.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

dos dois primeiros capítulos gerais em sua forma definitiva. As disposições


relativas ao Boletim Salesiano mantiveram-se vigentes durante muito tempo.

V. Boletim Salesiano

O fim do Boletim Salesiano é incentivar um vivo espírito de caridade entre os


cooperadores, para atrair a atenção sobre o apostolado ao qual a Congregação
se dedica ou sobre os futuros projetos nos quais se compromete; para motivá-
-los a ajudar a Congregação em seu trabalho. Como consequência, o Boletim
deve ser considerado como o órgão oficial da Congregação em seu conjunto.
Para que esta revista periódica mantenha sem alteração a finalidade para a
qual foi fundada, o Capítulo Geral estabelece as seguintes normas:
1o O Boletim será editado e publicado sob a supervisão imediata do Capítulo
Superior. O Capítulo Superior cuidará para que seja traduzido nos diversos
idiomas. Será nomeado um editor-chefe, cujo dever será: revisar e editar
todos os artigos de fundo e as notícias enviadas dos vários países, cuidar dos
prazos de publicação e organizar sua distribuição.
2 Para que o Boletim também possa atender às necessidades locais, algumas de
o

suas páginas serão reservadas para informar as notícias das casas de cada país.
Contudo, o texto principal, em suas diversas edições, não será alterado.
3 Na América, quando for preciso fazer algum tipo de comunicação urgente,
o

os inspetores podem fazer com que se imprima um suplemento especial.


Mandarão em seguida um resumo do mesmo [ao escritório central] para
sua publicação no próximo número [do Boletim].
4 O inspetor designará uma pessoa de sua Inspetoria, que tenha ao mesmo
o

tempo as qualidades e tempo para fazer um relatório resumido dos aconte-


cimentos de interesse jornalístico na Inspetoria. Enviará seus relatórios ao
redator do Boletim antes do dia quinze de cada mês, para sua inclusão no
número seguinte.
5 As ofertas enviadas pelos cooperadores para a obra salesiana, em resposta
o

aos apelos do Boletim, entrarão numa conta especial e serão enviadas ao


Reitor-Mor. As ofertas destinadas a uma casa em particular poderão ser
retidas, embora se deva notificar ao Reitor-Mor. As intenções dos doadores
sejam respeitadas em cada caso.67

Deliberazioni del Terzo e Quarto Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuti in Val-
67

salice nel settembre 1883-1886. San Benigno Canavese: Tipografia Salesiana, 1887, 24-25, em OE
XXXVI, 276-277.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Primeira página da edição definitiva do folheto “Cooperadores salesianos.


Um modo prático de contribuir para a moralidade pública e o bem-estar
da sociedade civil” (1877).

Emerge com muita clareza, do que foi dito, a ideia de Dom Bosco so-
bre o Boletim Salesiano. Note-se, sobretudo, a sua insistência na publicação
centralizada e no controle pessoal do Boletim e de seus conteúdos. Só assim,
pensa Dom Bosco, seria obtido o objetivo de unir a cabeça com os membros
e os membros com a cabeça, para a unidade de ação.
Apesar de sua convicção de que a obra salesiana experimentaria uma
expansão mundial, Dom Bosco não pôde prever o colossal crescimento e a
diversificação da Congregação, nem os problemas que isso poderia criar para
manter o Boletim dentro dessas premissas.
Mesmo assim, a ideia de Dom Bosco sobre o que deveria ser e os objeti-
vos para os quais o Boletim Salesiano deveria servir devem ser cuidadosamente
ponderados.

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Apêndice

DOS NOVOS ESTATUTOS DOS SALESIANOS


COOPERADORES

Depois de Dom Bosco, a Pia União de Cooperadores Salesianos continuou


a se desenvolver progressivamente. Nos anos do padre Rua, começou-se a celebrar
grandes congressos de cooperadores. O primeiro, de 1895, em Bolonha, foi um
marco na história da associação. A evolução foi se transformando aos poucos em
movimento mundial de leigos católicos, que vivem seu compromisso cristão no
ambiente de suas atividades.
Os novos estatutos dos Salesianos Cooperadores, aprovados ad experimentum
pela CIVCVSA (Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades
de Vida Apostólica) em 15 de março de 2007, mesclam elementos dos primeiros
projetos de Dom Bosco: o de leigos consagrados no mundo e o de um grande grupo
de católicos unidos para a santificação pessoal e o serviço da Igreja, segundo o espí-
rito salesiano. Entretanto, o terceiro projeto de Dom Bosco, do cooperador-benfeitor,
ficou, embora não excluído, um tanto à margem. A ajuda às obras salesianas é agora
canalizada através de outros meios: associações beneficentes, obra de Dom Bosco no
mundo, ONG, procuradorias missionárias, voluntariado etc.
Estes estatutos, resultado final da transformação da associação, convertem-
-na em movimento laical, unido pelo espírito de Dom Bosco. A nova denomina-
ção – nem sempre bem vista ou entendida por alguns, tanto cooperadores como
salesianos – corresponde a um novo conceito, no qual se acentua o aspecto reli-
gioso de ser salesiano, enquanto o título de cooperador é reduzido à especificação
concreta de viver o carisma salesiano na sempre mais ampla Família Salesiana.68

Proêmio
Diversos são os caminhos oferecidos aos cristãos para viverem a fé do
seu Batismo. Alguns, sob o impulso do Espírito Santo, atraídos pela figura

68
Nota dos responsáveis da edição em castelhano.

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Dom Bosco: história e carisma 3

de Dom Bosco, realizam o ideal de “trabalhar com ele”, vivendo na condição


secular o mesmo carisma da Sociedade de São Francisco de Sales. Desde o iní-
cio, Dom Bosco pensou em organizar os colaboradores da sua obra: convidou
leigos, homens e mulheres, e membros do clero diocesano, a “cooperar” na
sua missão de salvação dos jovens, sobretudo dos pobres e abandonados. Em
1876, definiu claramente seu projeto de vida com o Regulamento dos Coope-
radores Salesianos, escrito por ele e, em seguida, aprovado pela Igreja. Hoje, os
salesianos cooperadores e as salesianas cooperadoras estão espalhados e atuam
em nível mundial. O presente texto descreve seu Projeto de Vida Apostóli-
ca. Oferece um autêntico caminho de santificação, segundo as exigências da
Igreja e do mundo de hoje. Para realizá-lo, os salesianos cooperadores e as
salesianas cooperadoras confiam na fidelidade de Deus Pai, que os chamou.

CAPÍTULO I
O salesiano cooperador e a salesiana cooperadora na Igreja e no mundo
Art. 1. O fundador, um homem enviado por Deus
Para colaborar na salvação da juventude, “a porção mais delicada e pre-
ciosa da sociedade humana”, o Espírito Santo, com a maternal intervenção
de Maria, suscitou São João Bosco, que fundou a Sociedade de São Francisco
de Sales (1859); junto com Santa Maria Domingas Mazzarello, o Instituto
das Filhas de Maria Auxiliadora (1872); e estendeu a energia apostólica do
carisma salesiano com a constituição oficial da “Pia União dos Cooperado-
res Salesianos”, como terceiro ramo da Família (1876), unido à Sociedade
de São Francisco de Sales, denominada também Sociedade Salesiana de São
João Bosco ou Congregação Salesiana. O Espírito Santo formou em São João
Bosco um coração de pai e mestre, capaz de doação total, e inspirou-lhe um
método educativo impregnado pela caridade do Bom Pastor.

Art. 2. Os salesianos cooperadores, uma vocação específica na Igreja


1o Comprometer-se como salesianos cooperadores é responder à vocação sa-
lesiana, assumindo um modo específico de viver o Evangelho e de participar da
missão da Igreja. É um dom e opção livre, que qualifica a existência. 2o Cristãos
de qualquer condição cultural e social podem trilhar esse caminho. Eles se sentem
chamados a um tipo peculiar de vida de fé, impregnada no cotidiano, que se carac-
teriza por duas atitudes: a) sentir a Deus como Pai e Amor que salva; encontrar em
Jesus Cristo o Filho Unigênito, apóstolo perfeito do Pai; viver em intimidade com
o Espírito Santo, animador do Povo de Deus no mundo; b) sentir-se chamados
e convidados para uma missão concreta: contribuir para a salvação da juventude,
empenhando-se na mesma missão juvenil e popular de Dom Bosco.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

Art. 3. Os salesianos cooperadores, salesianos no mundo


Os salesianos cooperadores vivem a sua fé dentro da própria realidade
secular. Inspirando-se no projeto apostólico de Dom Bosco, sentem viva a
comunhão com os outros membros da Família Salesiana. Empenham-se na
mesma missão juvenil e popular, de maneira fraterna e associada. Trabalham
para o bem da Igreja e da sociedade, de maneira adequada à própria condição
e às suas possibilidades concretas.

Art. 4. Única vocação, dois modos de vivê-la


1o Dom Bosco concebeu a Associação dos Salesianos Cooperadores
aberta quer aos leigos, quer ao clero secular. 2o Os salesianos cooperadores
leigos concretizam seu compromisso e vivem o espírito salesiano nas situações
ordinárias de vida e de trabalho, com sensibilidade e características laicais, di-
fundindo seus valores no próprio ambiente. 3o O salesiano cooperador bispo,
sacerdote ou diácono secular desempenha o próprio ministério inspirando-se
em Dom Bosco, modelo eminente de vida sacerdotal. Nas opções pastorais
dá preferência aos jovens e aos ambientes populares.

Art. 5. A Associação na Família Salesiana


A Associação dos salesianos cooperadores é um dos Grupos da Família Sa-
lesiana. Juntamente com a Sociedade de São Francisco de Sales, com o Instituto
das Filhas de Maria Auxiliadora e outros Grupos oficialmente reconhecidos, é
portador da comum vocação salesiana e corresponsável pela vitalidade do pro-
jeto de Dom Bosco na Igreja e no mundo. A Associação traz para a Família Sa-
lesiana os valores específicos da sua condição secular, respeitando a identidade e
autonomia próprias de cada grupo. Vive uma particular relação de comunhão
com a Sociedade de São Francisco de Sales que, por vontade do Fundador, tem
na Família um papel específico de responsabilidade.

Art. 6. A Associação na Igreja


1o A Associação dos Salesianos Cooperadores é aprovada pela Sé Apostó-
lica como Associação pública de fiéis e participa do patrimônio espiritual da
Sociedade de São Francisco de Sales. Os membros colaboram ativamente na
sua missão em nome da Igreja, sob a autoridade do Reitor-Mor, como Sucessor
de Dom Bosco, em espírito de fidelidade aos Pastores e em colaboração com
outras forças eclesiais. 2o Os salesianos cooperadores manifestam uma filial de-
voção ao Sumo Pontífice. 3º A Associação dos Salesianos Cooperadores goza
de personalidade jurídica eclesiástica pública. Tem sua sede central em Roma.

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Dom Bosco: história e carisma 3

CAPÍTULO II
Compromisso apostólico do salesiano cooperador e da salesiana cooperadora
Art. 7. Testemunho das Bem-aventuranças
O estilo de vida pessoal do salesiano cooperador, marcado pelo espírito
das Bem-Aventuranças, o compromete a evangelizar a cultura e a vida social.
Por isso ele vive e testemunha: o primado do espírito, a fecundidade do sofri-
mento e a não violência como fermento de paz e de perdão; a liberdade em
obediência ao plano de Deus, que o leva a apreciar o valor e a autonomia pró-
prios das realidades seculares, empenhando-se em orientá-las, sobretudo para
o serviço das pessoas; a pobreza evangélica, administrando os bens que lhe são
confiados com critérios de sobriedade e partilha, à luz do bem comum; a se-
xualidade segundo uma visão evangélica de castidade, marcada pela delicadeza
e por uma vida matrimonial ou celibatária íntegra, alegre, centrada no amor.

Art. 8. Empenho apostólico


1o Os salesianos cooperadores realizam o seu apostolado, em primeiro lugar,
através dos empenhos diários. Seguem Jesus Cristo, Homem perfeito, enviado
pelo Pai para servir aos homens no mundo. Para isso, se empenham em reali-
zar, nas condições ordinárias de vida, o ideal evangélico do amor a Deus e ao
próximo. 2o Animados pelo espírito salesiano, dão especial atenção aos jovens,
especialmente aos mais pobres, ou vítimas de qualquer forma de marginalização,
exploração e violência, aos que se encaminham para o mundo do trabalho e a
quantos dão sinais de uma vocação específica. 3o Promovem e defendem o valor
da família, como núcleo fundamental da sociedade e da Igreja e se empenham em
construí-la como “Igreja doméstica”. Os cooperadores casados vivem no matri-
mônio a sua missão de cônjuges e pais: “cooperadores do amor de Deus criador”,
“primeiros e principais educadores dos filhos”, segundo a pedagogia da bondade
própria do Sistema Preventivo. 4o Aplicam a Doutrina Social da Igreja e estão
atentos aos meios de comunicação social, a fim de favorecer o seu uso correto e
educativo. 5o Sustentam a atividade missionária da Igreja e se empenham pela
educação para a mundialidade, como abertura ao diálogo entre as culturas.

Art. 9. Tarefa de educação cristã


1o Os salesianos cooperadores têm, em qualquer parte, o compromisso
de educar e evangelizar, como fazia Dom Bosco, a fim de formar “honestos
cidadãos, bons cristãos e, um dia, felizes habitantes do céu”, convencidos
de estarem sempre a caminho de uma maior maturidade humana e cristã.

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Os salesianos cooperadores. A obra de Maria Auxiliadora. O Boletim Salesiano

2o Partilham com os jovens o gosto de viver com autenticidade os valores da


verdade, liberdade, justiça, sentido do bem comum e do serviço. 3o Educam
os jovens para o encontro – na fé e nos sacramentos – com o Cristo Ressus-
citado, para que descubram nele o significado da vida e cresçam como ho-
mens e mulheres novos. 4o Empenham-se em ajudar os jovens a amadurecer
projetos de vida capazes de estimulá-los a testemunhar sua presença cristã e
salesiana na Igreja e na sociedade.

Art. 10. A pedagogia da bondade


No seu empenho educativo, os Salesianos Cooperadores: 1o adotam o “Siste-
ma Preventivo” de Dom Bosco, que “se apoia na razão, na religião e na bondade”;
buscam a persuasão e não a imposição, a prevenção em vez da punição, através do
diálogo constante; 2o criam um ambiente familiar no qual a presença animadora,
o acompanhamento pessoal e a experiência de grupo ajudem a perceber a presença
de Deus; 3o promovem o bem e educam ao amor pela vida, à responsabilidade,
à solidariedade, à partilha e à comunhão; 4o apelam para as fontes interiores da
pessoa e acreditam na ação invisível da graça. Contemplam cada jovem com oti-
mismo realista, convencidos do valor educativo da experiência de fé. Sua relação
com os jovens é inspirada por um amor maduro e acolhedor.

Art. 11. Atividades típicas


Os salesianos cooperadores estão abertos a múltiplas formas de aposto-
lado. Entre elas, além do próprio trabalho e da própria profissionalidade, são
preferíveis: a catequese e a formação cristã; a animação de grupos e movimen-
tos juvenis e familiares; a colaboração em centros educativos e escolares; o ser-
viço social entre os pobres; o empenho na comunicação social; a cooperação
na pastoral vocacional; o trabalho missionário; a colaboração para o diálogo
ecumênico e inter-religioso; o empenho de caridade no serviço sociopolítico;
o desenvolvimento da Associação.

Art. 12. Modalidades e estruturas nas quais operar


1o Os salesianos cooperadores sustentam o próprio apostolado com a
oração, com a colaboração de outras pessoas e com meios materiais. 2o Em
espírito de colaboração e cooperação, boa parte das atividades dos Salesianos
Cooperadores se desenvolve nas estruturas nas quais a sua condição secular
lhes oferece maiores possibilidades de inserção significativa: civis, culturais,
socioeconômicas, políticas, eclesiais e salesianas. 3o Além disso, os salesianos
cooperadores podem realizar seu empenho apostólico em obras gerenciadas
autonomamente pela Associação e mediante iniciativas capazes de responder
às urgências do território.

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Capítulo VIII

O CONFLITO DE DOM BOSCO COM SEU


ARCEBISPO, DOM GASTALDI.
1. DA APROVAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES
SALESIANAS ATÉ A APARIÇÃO DOS LIBELOS
DIFAMATÓRIOS (1874-1877)

O conflito entre Dom Bosco e o arcebispo Lourenço Gastaldi começou


quando este foi chamado a ocupar a sede de Turim em 1871 e terminou, oficial-
mente, com a “reconciliação” imposta por Leão XIII em 1882. Como a primeira
fase do confronto já foi apresentada ao falar do longo e complicado processo da
aprovação pontifícia das Constituições Salesianas (1871-1874),1 cabe agora nar-
rar a segunda longa etapa de desencontros ocorridos de 1874 a 1882.
Este capítulo situa-se nos anos 1874-1877.2 Aos problemas e divergên-
cias que se foram acumulando durante o período da aprovação das Consti-
tuições, seguiu-se uma série de episódios e desavenças, sempre mais amargas,
que duraram uns dez meses, de maio de 1874 a fevereiro de 1875, e termi-
naram com a mediação – falida – de dom Celestino Fissore, arcebispo de
Vercelli. A hostilidade, em vez de cessar, reforçou-se com uma sucessão de
choques sempre mais sérios. Esta segunda etapa durou quase três anos, até
o final de 1877; chegou a um ponto de não retorno com o surgimento do
primeiro de cinco folhetos anônimos contra dom Gastaldi.3
1
Cf. volume 2, capítulo XIII, p. 358-378.
2
Segue-se, como orientação, F. Desramaut, Chronologie e idem, Don Bosco 890ss e, como cri­tério
de garantia, G. Tuninetti em Gastaldi II. Onde for possível serão mencionados os documentos transcri-
tos nas Memórias Biográficas. Quando estas não forem suficientes ou não confiáveis, far-se-á referência ao
Epistolario Ceria, ao Epistolario Motto, aos Documenti de Lemoyne e a documentos de arquivo.
3
Por causa da natureza do conflito, sua exposição deve ser necessariamente seletiva; os episódios
em que se cristalizou são incontáveis e neles se cruzam e ocultam questões de vários tipos, geram-se in-
tercâmbios epistolares enormes e documentação abundante. Procurou-se fazer, aqui, uma apresentação
clara e completa do caso.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Litografia de dom Lourenço Gastaldi distribuída no dia


de sua tomada de posse como arcebispo de Turim.

1. Primeiros episódios: maio de 1874 a fevereiro de 1875


A aprovação pontifícia das Constituições Salesianas não significou o fim
dos desencontros, nem se obteve a reconciliação. Dom Gastaldi continuava a
manter suas críticas sobre o tema da formação religiosa e sacerdotal. As Cons-
tituições, como foram corrigidas e aprovadas em Roma, refletem sua posição.
Dom Bosco, porém, na prática, seguia o próprio critério, apoiando-se nas
concessões que conseguira, de viva voz, de Pio IX.
A convicção de dom Gastaldi de que a forma religiosa e sacerdotal dos
salesianos era fundamentalmente defeituosa, continuou a ser um importante
motivo de atrito. Ele via essa deficiência não só como nociva para os candidatos
salesianos, mas também a considerava prejudicial para o seu projeto de seminá-
rio, em decorrência da competência desleal que se criara.

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Dom Bosco: história e carisma 3

O motivo mais importante do conflito era a convicção de Gastaldi em


relação às exigências de seu ofício episcopal e de suas políticas pastorais. Estas
incluíam todos os âmbitos da vida, da disciplina e do ministério dos padres
seculares e regulares, como, por exemplo, a celebração da missa, a adminis-
tração dos sacramentos e a pregação.

Política pastoral de dom Gastaldi


Logo após a nomeação, dom Gastaldi expusera os objetivos da sua ad-
ministração. E explicitou com toda clareza sua política pastoral no sínodo de
1873, nos estatutos emanados por ele. Suas Cartas ao clero e outras diretrizes
publicadas no calendário litúrgico anual especificavam ainda mais os critérios
do arcebispo. Para ele, eram prioridade absoluta a santidade e a vida moral
exemplar do clero, em conformidade com as notáveis normas estabelecidas
pelo Concílio de Trento e exemplificadas na vida e na ação pastoral de São
Carlos Borromeu. Contudo, ele também tinha outras prioridades importan-
tes, como a regulamentação da disciplina do clero, o culto litúrgico, a ad-
ministração dos sacramentos, a pregação, as práticas religiosas e as questões
relacionadas com elas. Para obter essas metas, ele não duvidava de ameaçar
com duras medidas disciplinares, incluindo a suspensio a divinis [suspensão
do ministério sacerdotal] que às vezes impunha.
O arcebispo acreditava que o modo de alcançar seus objetivos era a pro-
funda reforma de todo o processo de formação sacerdotal; de aí sua determi-
nação de controlar completamente esses processos, desde o recrutamento das
vocações até a ordenação. O seminário seria o meio e o lugar para a reforma.
O regulamento do seminário, concluído e programado para entrar em vigor
em 1874, foi uma expressão explícita dos princípios do arcebispo relativos à
formação no seminário.4
Dom Gastaldi, obviamente, esperava o mesmo, se não mais, dos insti-
tutos religiosos. Tinha grande reverência pela vida religiosa e pelos conselhos
evangélicos. Para entender a relação instável do arcebispo com algumas co-
munidades religiosas da diocese, deve-se levar em conta seu conceito de vida
religiosa e situar suas exigências e ações dentro de uma concepção eclesiológi-
ca em que o bispo era o ponto de referência da vida e da atividade diocesana,
incluindo aí os institutos religiosos.
Tuninetti cita o relatório (Relatio ad limina) de 1874, de dom Gastaldi
à Santa Sé, no qual essa concepção é exposta de maneira muito eloquente.

4
Ver descrição do projeto de reformas do arcebispo Gastaldi em A. Lenti, “The Bosco-Gastaldi
conflict (1872-1882)”. Part I, JSS 4:2 (1993), 21-28.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Depois de criticar os salesianos pela formação inadequada, o arcebispo ex-


pressava a esperança de que o Vaticano I, quando voltasse a se reunir, es-
tabelecesse novas normas sobre o noviciado, a formação e os programas de
estudo das congregações religiosas. Ele também sugeria que a Santa Sé deve-
ria reconhecer oficialmente o direito do Ordinário de verificar a vocação e
idoneidade dos religiosos de votos perpétuos para a ordenação e examiná-los
em profundidade.5
O arcebispo expusera com clareza a Dom Bosco a sua linha de ação so-
bre essas matérias. Em concreto, ele manteve sistematicamente o seu direito
e dever de examinar os religiosos candidatos à ordenação, em conformidade
com a decisão do Concílio de Trento e segundo o exemplo de São Carlos Bor-
romeu.6 Ele não queria afastar-se dessa linha de ação, apesar das concessões
obtidas por Dom Bosco em Roma. Dom Bosco parecia acreditar que os anti-
gos favores e decretos obtidos dos ordinários locais, assim como as concessões
mais recentes obtidas em Roma e, mais genericamente, o estatuto de sua
Sociedade como congregação religiosa aprovada, lhe dava direito à isenção da
política diocesana geral estabelecida pelo arcebispo.
Essa concepção e essas atitudes podem ajudar-nos a entender, primei-
ramente, a forte oposição do arcebispo às Constituições Salesianas e, depois,
as duras medidas que se sentia obrigado a adotar, por exemplo, contra os
salesianos candidatos à ordenação.

Ação inicial dos protagonistas: um contínuo recurso a Roma


Nos meses seguintes à aprovação das Constituições (3 de abril de 1874),
os dois protagonistas procuraram estabelecer oficialmente suas respectivas
posições com cartas e memorandos dirigidos às autoridades romanas.
Dom Bosco acreditou que era necessário apresentar novamente o seu
caso ao secretário da Congregação dos Bispos e Regulares, dom Salvador No-
bili Vitelleschi, em carta de 21 de maio de 1874.7 Centrando-se na questão
das ordenações, Dom Bosco relatava a exigência opressiva à qual se submetera
durante os anos anteriores e, mais recentemente, a negativa do arcebispo a
conferir as ordens aos candidatos salesianos. Descrevia, também, os problemas

5
G. Tuninetti, Gastaldi II, 248-249.
6
“O bispo, com a ajuda de sacerdotes e outras pessoas prudentes, bem versadas no conhecimen-
to da lei de Deus e da disciplina da Igreja, deverá investigar cuidadosamente os antecedentes familiares,
a vida pessoal, a idade, a educação, a conduta moral, a doutrina e a fé dos candidatos que desejam ser
ordenados, e os examinarão nestes temas precisos” (cânon citado em F. Desramaut, Don Bosco, 895).
7
Epistolario IV Motto, 287-290; MB X, 822s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

que sofrera quando apresentou as Constituições aprovadas e o decreto relativo


às dimissórias, pois dom Gastaldi adotara uma “atitude negativa” em relação
a tudo que tivesse a ver com a Congregação. Concluía sua exposição pedindo
que suas queixas fossem levadas ao Santo Padre; e perguntava timidamente:
“Seria um passo demasiado ousado solicitar a faculdade de emitir cartas dimis-
sórias ad quem­cumque episcopum (a qualquer bispo)?”.8
De modo semelhante, dom Gastaldi apresentou o seu caso por carta um
pouco mais tarde, em apelação direta ao máximo tribunal, o Papa. Em 15
de julho, enquanto estava de férias em Santa Margherita Ligure, depois do
sínodo diocesano de 30 de junho de 1874, enviou uma longa carta a Pio IX,9
como resposta àquela que recebera pouco antes, em que o Papa acreditava ser
conveniente pedir sua atenção para as graves acusações formuladas contra ele
e oferecer-lhe conselhos paternais. Agora, o arcebispo apresentava sua defesa,
dedicando a Dom Bosco as três últimas de um manuscrito de vinte páginas.
Não ocultava o fato de que a pessoa não identificada, de que era acusado
tratar injustamente, não podia ser outra senão Dom Bosco. Tratava de três
pontos principais:
1o Não é verdade que se opusesse às instituições de Dom Bosco. Ele
sempre ajudara a obra e até eximira o Oratório da jurisdição paro-
quial. Também demonstrara pessoalmente seu apreço permanente
por Dom Bosco, nomeando-o confessor no sínodo de 1873 e, ao
mesmo tempo, um dos testes synodales.
2 O arcebispo insistira em examinar os salesianos candidatos antes
o

da ordenação sacerdotal, pois o Concílio de Trento e o Pontifical


Romano exortavam expressamente o ordinário a exercer esse direi-
to. Sua ação obteve a aprovação de outros bispos piemonteses.
3 Para justificar este último ponto, citava a grande dor que causa-
o

ra a permissiva ordenação de dois candidatos salesianos: um fora


expulso da congregação por alcoolismo e fora parar na diocese de
Saluzzo, onde continuou a provocar conflitos; o outro fora decla-
rado culpado de conduta imoral e fugira para os Estados Unidos
para evitar um processo.10

8
“A qualquer bispo”, não só ao ordinário da diocese onde se situava a casa-mãe. O rescrito de
3 de abril de 1874 concedia por dez anos, ao Reitor-Mor, a faculdade de emitir cartas dimissórias,
cf. MB X, 803s.
9
Arcebispo Gastaldi a Pio IX, 15 de julho de 1874. F. Desramaut, Don Bosco, 901-903, 914, nota
47. A carta está no Arquivo Secreto Vaticano, Epistolae latinae. Positiones et minutae, 126 (20-p. Ms.).
10
O primeiro padre pode ser Luís Chiapale. Não há informação disponível sobre o segundo.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

O retiro espiritual programado para professores


A questão do exame e da ordenação dos candidatos salesianos ao sacer-
dócio não era a única causa dos conflitos. Alguns episódios, interpretados
pelo arcebispo como burla à pastoral diocesana, tornaram a relação sempre
mais complexa. Diante desses incidentes, os protagonistas renovaram seus
esforços para que suas queixas fossem ouvidas em Roma, pois ali, enfim, se
deveria decidir o caso.
Em agosto de 1874, um folheto, escrito por Dom Bosco e impresso
pela tipografia do Oratório, anunciava um retiro espiritual “para professores
e mestres”, que se faria no colégio salesiano de Lanzo, de 7 a 12 de setem-
bro. L’Unità Cattolica, jornal católico, elogiou a iniciativa, organizada “pe-
los esforços do nosso incansável Dom Bosco”, respondendo aos pedidos dos
professores da escola.11 Dado que os estatutos do sínodo diocesano de 1873
proibiam qualquer pregação na arquidiocese sem licença escrita do arcebispo,
parecia que Dom Bosco passasse por cima da orientação. Em nota breve,
mas cortês, o secretário do arcebispo cônego Tomás Chiuso, notificou a Dom
Bosco a posição do arcebispo. Este permitia que o retiro fosse realizado, mas
queria que lhe fossem apresentados os nomes dos pregadores. Dom Bosco
simplesmente cancelou o retiro, mas, como indica numa carta ao bispo de
Vigevano, dom Pedro de Gaudenzi,12 continuou com os exercícios espirituais
habituais para salesianos.
Além de cancelar o retiro e enviar uma carta a dom Gaudenzi, queixan-
do-se da atuação de Gastaldi, Dom Bosco cometeu a imprudência de escrever
ao próprio arcebispo, questionando sua política. O tom da carta enfureceu
ainda mais o arcebispo. Dom Bosco declarava que o anúncio do retiro, publi-
cado em L’Unità Cattolica, aparecera sem o seu conhecimento prévio e quando
já fora cancelado. O simples fato manifestava que não pretendia opor-se à au-
toridade da Igreja. Dom Bosco, contudo, chegava a questionar a afirmação de
que era necessário o consentimento da autoridade eclesiástica para esse retiro.
Dizia que, de acordo com a prescrição do Concílio de Trento, da Congregação
dos Bispos e Regulares e dos próprios estatutos diocesanos, só se exigia esse
consentimento para a pregação em igrejas públicas. Apelava, depois, às facul-
dades outorgadas anteriormente pela autoridade eclesiástica, em 1852 (!) e ao
fato de já se terem organizado retiros durante muito tempo, sem precisar obter
a permissão da autoridade da Igreja. Em seguida, recordava ao arcebispo que

11
Ver as duas notícias em MB X, 827s. L’Unità Cattolica, 24 [23] de agosto de 1874, ver F.
Desramaut, Don Bosco, 903-905, notas 51, 52.
12
Dom Bosco ao bispo Gaudenzi, 30 de agosto de 1874, em Epistolario IV Motto, 313.

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Dom Bosco: história e carisma 3

ambos teriam de comparecer perante o tribunal de Deus. E, antes de concluir,


recordava-lhe os velhos tempos quando “o que Dom Bosco queria Dom Bos-
co o conseguia”. Concluindo, pedia humildemente perdão ao arcebispo por
“qualquer expressão da carta que, sem querer, pudesse ofendê-lo”.13
O tom da carta como também seu conteúdo eram, sem dúvida, ofensi-
vos. O arcebispo acusou Dom Bosco de desobediência. Enviou uma cópia da
carta a dom Eugênio Galletti, bispo de Alba, que também via o tom da carta
“um tanto contundente”.14 Mais tarde, o arcebispo enviaria a carta a Roma
como prova da insubordinação de Dom Bosco.
A preocupação imediata de dom Gastaldi foi pedir informação sobre os
retiros espirituais que se realizavam em Lanzo. Pediu ao pároco local, padre
[beato] Frederico Albert, que investigasse e o informasse sobre os partici-
pantes, se entre eles havia não salesianos, sobre o programa do retiro e os
pregadores. Os retiros eram feitos sob a direção conjunta de Dom Bosco e
do padre Albert. Não satisfeito com a primeira resposta, o arcebispo escreveu
novamente ao pároco. Quando chegou ao seu conhecimento o programa im-
presso distribuído no início para anunciar o retiro, escreveu-lhe uma terceira
áspera carta. Expressava suas suspeitas e recriminações e acusava Dom Bosco
de agir por despeito ao cancelar o retiro e escrever-lhe de maneira desrespei-
tosa. A percepção dos fatos pelo arcebispo é reveladora.

Com sua assinatura, e sem avisar-me, fez circular o anúncio impresso de um


retiro que está programado para professores de escola, leigos e sacerdotes,
a maioria dos quais resulta serem sacerdotes da minha diocese. Envia este
anúncio aos párocos, sem enviar uma cópia ao seu arcebispo. E isso é feito
enquanto eu estou procurando organizar três retiros em Bra para meus pró-
prios sacerdotes [...]. Inteirei-me pela primeira vez deste retiro quando o li
em L’Unità Cattolica. Escrevi, então, ao superior, que eu estava muito contente
e disposto a dar-lhe total permissão para celebrar o retiro, solicitando apenas

13
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 10 de setembro de 1874, em Epistolario IV Motto, 316-
318, MB X, 830s. Deve-se assinalar que o retiro foi cancelado depois da nota no jornal e depois da ad-
vertência do arcebispo. Por outro lado, pense-se o que se quiser sobre a política do arcebispo em relação
à pregação, como se expressava nos estatutos da diocese, a orientação certamente deveria ser aplicada
a um retiro para professores não salesianos de escola. Gastaldi não interferiu nos retiros dos salesianos.
14
Dom Galletti ao arcebispo Gastaldi, 14 de setembro de 1874, em MB X, 830. Dom Gastaldi
acreditava que Dom Bosco imprimira algumas de suas cartas provavelmente para usá-las contra ele.
Dom Galletti, em carta anterior ao arcebispo, de 3 de setembro de 1874 (MB X, 832s), garantia que
as únicas cartas que possuía de Dom Bosco eram as duas que foram impressas pela Congregação dos
Bispos e Regulares, incluídas na Positio para a aprovação das Constituições Salesianas. Sobre a crença do
arcebispo de que as cartas foram impressas para serem usadas contra ele, ver MB X, 825.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

que me enviasse os nomes dos sacerdotes que iam dirigi-lo; e que, no futuro,
me notificasse [sobre os retiros] antecipadamente. Poucos dias depois alguém
(não ele) informa-me que o retiro fora cancelado. Por que cancelar uma boa
coisa por uma simples advertência? Não seria meu dever admoestar? Poderia
ter admoestado mais caridosamente? Não sou obrigado a velar para que não
se inflija a autoridade do meu ministério? [...] Além disso, este superior não
deveria ter-me notificado que outros dois retiros estavam programados exclu-
sivamente para os salesianos? Por outro lado, a carta desrespeitosa (palavras
irreverentes) está completamente fora de lugar [...]. Enquanto se promova o
bem das almas, não há motivo para perturbar minha administração, exigi-lo
faz parte de meu dever. Em todo este assunto, o arcebispo é o juiz competente
e não o sacerdote em questão. Se pensa que foi maltratado, que escreva ao
Papa. Mas, quem ele acredita ser para erigir-se em juiz neste assunto?15

A passagem revela a frustração do arcebispo por não ter sido capaz de fa-
zer-se entender por Dom Bosco. Contudo, lendo a correspondência relativa ao
episódio, chama a atenção esta, aparentemente, excessiva reação neurótica do
arcebispo.16 Fica também evidente algo pior, a sua suspeição em relação a Dom
Bosco. Padre Albert, homem santo, fez esforços heroicos para apresentar-lhe o
pesar de Dom Bosco e “explicar-lhe” como era Dom Bosco, sem sucesso.17

Incidente pela tomada do hábito clerical


As repetidas alusões de Dom Bosco às faculdades que lhe foram concedi-
das nos velhos tempos contribuíram ainda mais para o mal-estar do arcebispo.
Deu-se outro incidente, enquanto ainda se estavam celebrando os retiros. Dom
Bosco pedira a um pároco da diocese que impusesse o hábito clerical a um
jovem de sua paróquia, que tinha a intenção de ser salesiano, o que provocou
imediatamente as críticas da cúria. Dom Bosco, ao mesmo tempo em que dava
uma explicação de sua ação (“por total deferência ao superior eclesiástico”, se-
gundo as Memórias Biográficas), apelava novamente às antigas faculdades que
lhe foram concedidas pelo arcebispo Fransoni, então no exílio; os então vigá-
rios, padre Felipe Ravina e Celestino Fissore, entenderam que incluíam a impo-
sição do hábito clerical.18 O cônego Chiuso respondeu em nome do arcebispo:

Arcebispo Gastaldi ao padre Albert, 19 de setembro de 1874, em MB X, 839.


15

Cf. MB X, 836.
16

17
Padre Albert ao arcebispo Gastaldi, 22 de setembro de 1874, em MB X, 840s.
18
Cônego Chiuso a Dom Bosco, 21 de setembro de 1874, em MB X, 844; Dom Bosco ao cône-
go Chiuso, 27 de setembro de 1874, em MB X, 845s; Dom Bosco ao cônego Chiuso, 27 de setembro
de 1874, em MB X, 845.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Quanto à faculdade de impor o hábito clerical aos jovens desta arquidiocese,


sua excelência o arcebispo deseja pontuar-lhe que a situação atual é mui-
to diferente da existente nos tempos dos vigários Ravina e Fissore. Naquela
época, a casa de Dom Bosco funcionava como seminário diocesano, do qual
o senhor era o respectivo reitor... Agora, porém, sua casa não pode ser consi-
derada como seminário; e, por isso, a faculdade de vestir os jovens da diocese
com o hábito clerical cessou por sua própria natureza... A fim de salvaguardar
a disciplina na formação do clero, o senhor arcebispo não reconhecerá outros
seminários senão os que estão sob a sua jurisdição.19

Aceitação de seminaristas diocesanos e novos recursos a Roma


A aceitação por Dom Bosco de dois ex-seminaristas diocesanos foi outra
causa de atrito, e dos mais graves, em fins de 1874.
Segundo o critério das autoridades diocesanas, acolhendo jovens que
deixavam o seminário diocesano ou eram expulsos, quer tivessem a intenção
de entrar na Congregação Salesiana quer simplesmente procurassem “uma
mudança de sede”, Dom Bosco estava interferindo no programa diocesano
de formação dos sacerdotes. Isso alarmou o arcebispo. Sua preocupação era
provavelmente justificada.
Não restam estatísticas sobre a questão. A correspondência existen-
te especifica poucos casos. Contudo, o número de seminaristas que com
prazer trocaram a rígida disciplina do seminário diocesano, sob a reitoria
do padre José Maria Soldati, pela casa de Dom Bosco era provavelmente
bastante elevado.20

A carta de dom Gastaldi


O arcebispo apelou novamente a Roma. E o fez primeiro em carta à
Congregação dos Bispos e Regulares. Depois de indagar novamente sobre
a situação jurídica da Congregação Salesiana, especialmente sobre se já fora
aprovada definitivamente e se, de algum modo, estava isenta da jurisdição
do ordinário, perguntava concretamente: podia o Reitor-Mor salesiano acei-
tar seminaristas diocesanos sem o consentimento do ordinário? Essa prática,
acrescentava, “interfere seriamente na formação de meus seminaristas”.21

Cônego Chiuso a Dom Bosco, 28 de setembro de 1874, em MB X, 846.


19

Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 269, nota 47; 270, nota 50.
20

21
Arcebispo Gastaldi à Congregação dos Bispos e Regulares, 23 de setembro de 1874, em
MB X, 842.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Dom Gastaldi não esperou a resposta do arcebispo Vitelleschi.22 Em 4


de outubro, dirigiu uma veemente carta ao próprio Pio IX, expressando suas
queixas e ilustrando-as com detalhes. O texto deixa ver uma propensão quase
neurótica; é inquietante a força com que o arcebispo se empenha em esclare-
cer suas políticas e motivações, ao mesmo tempo em que acusa Dom Bosco
de criar irregularidades e colocar obstáculos no caminho de seu programa de
formação do clero.23
A primeira parte da carta é uma defesa de seu governo e sua maneira
de agir. Pedira ao cônego Luís Anglesio, reitor das obras de Cottolengo, que
examinasse sua conduta pessoal e sua administração; o santo e sábio sacer-
dote não encontrou nada digno de culpa. Ele, o arcebispo, estava disposto a
submeter-se ao julgamento de um investigador independente, caso o Santo
Padre assim o desejasse. Este conselheiro particular poderia ser o arcebispo
Vercelli, dom Celestino Fissore ou outro bispo familiarizado com a situação
de Turim. Continua garantindo ao Papa que, ao longo de sua administração,
não teve outro objetivo senão a glória de Deus e a salvação das almas, toman-
do São Carlos Borromeu como modelo. Contudo, assim como São Carlos
teve problemas com os jesuítas, que recrutavam seus melhores seminaristas,
também ele tem problemas com Dom Bosco que, tendo em consideração
apenas os interesses da sua congregação, interfere no programa diocesano de
formação sacerdotal.
Afirma que a Congregação Salesiana, aprovada para continuar o vasto
empreendimento educativo de Dom Bosco, tem recebido sempre seu apoio;
mas que não pode ficar em silêncio diante da falta de estruturas de formação
na nova congregação, especialmente diante da falta de um noviciado adequa-
do e do estilo de vida informal de seus membros.
Isso, junto com o fácil sistema de financiamento, torna a congregação de
Dom Bosco atrativa para os jovens que se sentem tentados pela perspectiva
de uma “vida fácil” e um “fácil caminhar”. Acrescenta que Dom Bosco aceita
também seminaristas diocesanos, inclusive aqueles que, por qualquer razão
que seja, são afastados do seminário. Tal situação constitui uma concorrência
desleal e prejudica o programa de formação da diocese. Diz que ele foi adver-
tido, mas apela ao direito canônico, ao direito de a pessoa escolher livremente
a própria vocação e a aprovação da autoridade que afirma ter recebido.

A resposta de dom Vitelleschi traz a data de 5 de outubro. Além de garantir a dom Gastaldi
22

que as Constituições Salesianas foram aprovadas definitivamente, afirmava que as demais questões
seriam tratadas pela Congregação dos Bispos e Regulares em novembro, cf. MB X, 843.
23
Arcebispo Gastaldi ao papa Pio IX, 4 de outubro de 1874, em MB X, 847s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Depois de indicar três casos de seminaristas diocesanos aceitos por Dom


Bosco, com resultados não desejados, pede que lhe seja permitido expor os
princípios que até agora o guiaram em matéria de formação do clero:
1o O bem da Igreja requer que as paróquias sejam compostas por
sacerdotes “sábios, santos, trabalhadores, e que estejam dispostos
a qualquer sacrifício”. O bispo tem o dever de proporcionar esses
sacerdotes, pois não se pode esperar que os religiosos supram essa
necessidade.
2o Os seminários são o meio para isso, como o Concílio de Trento
afirma sabiamente. São Carlos Borromeu, em suas regulamenta-
ções, insistia que o seminário deve ser um lugar de santa disci-
plina, uma casa religiosa de oração, onde Cristo forma os seus
apóstolos e onde se cultivam todas as virtudes necessárias.
3 O seminário também deve ser viável do ponto de vista financeiro.
o

E como não há entradas no quadro da ordem jurídica atual, ao


menos, se devem cobrar taxas moderadas pelo alojamento, pela
manutenção e a matrícula.
Continuando, fala do problema que teve com Dom Bosco: as casas salesianas
são uma ameaça ao programa do seminário diocesano. Pois, talvez sob o pretexto
de comprovar sua vocação religiosa, os seminaristas diocesanos podem encontrar
refúgio nelas e escapar, dessa forma, do programa de formação, que é mais exigente
em termos de disciplina, estudo e obrigações econômicas. Depois, há o atrativo
adicional de serem ordenados titulo mensae communis, sem dote eclesiástico; e, ain-
da, o candidato salesiano deveria fazer os votos perpétuos antes de ser aceito para a
ordenação; “Dom Bosco, inclusive, pode dispensar desse requisito”.
Repetindo com crescente ênfase que Dom Bosco está interferindo em
seu programa de seminário, conclui:
O procedimento de Dom Bosco que expus até agora, evidentemente me in-
comoda, e muito. Por isso, peço de todo o coração a Sua Santidade que diga
a palavra decisiva. Rogo que proíba explicitamente ao reitor da Congregação
de São Francisco de Sales em Turim receber em suas casas qualquer um de meus
seminaristas como noviço, estudante ou em qualquer outra condição, sem meu
consentimento por escrito; e que tampouco receba, sem meu consentimento, qual-
quer de meus seminaristas a quem eu tenha dado ordem de depor o hábito clerical.
E isso o quanto antes [...]. Se algum deles demonstrar verdadeira vocação por
essa congregação, não será impedido de ir; mas parece-me muito justo que
seja eu mesmo a examinar essa vocação e dar meu juízo sobre ela.24

24
MB X, 853.

290

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Dom Gastaldi conclui a extensa queixa relatando o nefasto retiro para


professores, mencionado acima, e inclui a “pouco respeitosa” carta escrita por
Dom Bosco nessa ocasião.

Defesa de Dom Bosco


Enquanto isso, o arcebispo Vitelleschi advertira Dom Bosco sobre o
questionamento de dom Gastaldi à Congregação dos Bispos e Regulares.25
Mais significativo ainda, Pio IX, em vez de pronunciar a “palavra decisiva”,
solicitada pelo arcebispo com tanto fervor, passou a carta do arcebispo a Dom
Bosco, presumivelmente para que este pudesse responder melhor às acusa-
ções.26 Algum tempo depois, o cardeal José Berardi, subsecretário de Estado,
“com a mais estrita confidência” também avisou Dom Bosco sobre a queixa
apresentada por dom Gastaldi contra ele na mesma congregação, ou seja, que
Dom Bosco “roubava” seus seminaristas.27
Dom Bosco encarregou-se da própria defesa. E o fez, primeiramente,
numa carta de 12 de outubro de 1874, ao cardeal José André Bizzarri, prefeito
da Congregação dos Bispos e Regulares.28 Em seguida, depois de receber a carta
de dom Gastaldi a Pio IX e a comunicação confidencial do cardeal Berardi,
escreveu uma segunda carta ao mesmo cardeal, em 7 de novembro de 1874,
incluindo um memorando para que o cardeal o utilizasse segundo seu critério.29
Na primeira carta, a mais significativa das duas, Dom Bosco, resumin-
do, anota o seguinte:
1o O arcebispo exige que, quarenta dias antes da ordenação, nossos can-
didatos se submetam a um exaustivo exame sobre seus antecedentes,
seus estudos anteriores, suas razões para deixar a diocese, a profissão
religiosa, o trabalho na congregação, a vocação. Tenho cumprido [essa
exigência], pro bono pacis; contudo, tem o ordinário o direito de exa-
minar os candidatos religiosos sobre sua vida religiosa e sua vocação?
2o O arcebispo negou-se a ordenar os candidatos salesianos, a não ser
que eu lhe prometesse por escrito que não aceitaria nenhum de
seus seminaristas na congregação. Fiz-lhe a promessa por escrito,

25
Arcebispo Vitelleschi a Dom Bosco, 1º de outubro de 1874, em MB X, 855.
26
Isso se deu em 18 de outubro, segundo nota do padre Berto numa cópia da carta de dom
Gastaldi, em Documenti XIV, 271-281 em ASC A063: FDB 1026 C9-D7.
27
Cardeal Berardi a Dom Bosco, 26 de outubro de 1874, em MB X, 859.
28
Dom Bosco ao cardeal Bizzarri, 12 de outubro de 1874, em Epistolario IV Motto, 333-337;
MB X, 856s.
29
Dom Bosco ao cardeal Berardi, 7 de novembro de 1874, com o memorando de 7 pontos, em
Epistolario IV Motto, 344-346; MB X, 859s.

291

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Dom Bosco: história e carisma 3

como exigido, embora com uma cláusula destinada a proteger a


liberdade de uma pessoa em relação à sua vocação; contudo, tem
o ordinário o direito de interferir na vocação de um seminarista e
exigir tal promessa a um superior religioso?
3o Recentemente, o arcebispo opôs-se a um retiro espiritual para profes-
sores e leigos como o temos realizado desde 1844 [!] com a autorização
do arcebispo Fransoni, argumentando que eu não pedira sua permis-
são. Cancelei o retiro, mas [ele] continuou a acusar-nos com cartas e
reclamações. Contudo, não pode um superior religioso fazer um retiro
para professores e leigos numa das casas de sua congregação? Pode o
ordinário investigar os retiros organizados para religiosos?

A segunda carta aborda a questão dos seminaristas que abandonaram o


seminário ou foram expulsos, e critica as políticas do seminário. Dom Bosco
esclarece que muitos ex-alunos salesianos inscreveram-se no seminário dioce-
sano, mas os que não conseguiram obter a aprovação do jovem reitor foram
expulsos, apesar de suas boas qualidades. Nós os recebemos e ajudamos, por-
que seria cruel abandoná-los depois de cuidar tanto deles. Contudo, o arce-
bispo nega-se a dar-lhes a carta testemunhal quando manifestam a intenção
de entrar entre os salesianos.30
Percebe-se nestas cartas certa ambiguidade de Dom Bosco na apresenta-
ção dos fatos. O memorando anexo à segunda carta é ainda mais problemá-
tico. Além de explorar “os fatos” dos nefastos exercícios espirituais já men-
cionados, e de negar com razão suficiente que ele nunca tentou imprimir e
distribuir cartas privadas do arcebispo, Dom Bosco decide fazer uma lista dos
pontos nos quais “o arcebispo foi mal-informado”:

1o Não é verdade, como se alega, que “padre [Luís] Chiapale e padre


Pignolo foram alguma vez membros desta congregação”.
2o Não é verdade, como se alega, que os seminaristas que se com-
portaram mal, enquanto ensinavam ou assistiam no Instituto de
surdos-mudos, tivessem sido alguma vez salesianos.

O “jovem reitor” era padre José Maria Soldati, de 35 anos, principal agente da reforma do
30

seminário de Gastaldi. Em carta de 10 de novembro de 1874, dirigida ao arcebispo, Dom Bosco afirma
que nenhum seminarista diocesano foi aceito na congregação sem o consentimento do arcebispo; não
obstante tenha dado o devido refúgio temporário aos que precisavam. Isso se fez “para mitigar o res-
sentimento de suas famílias e amigos, que continuavam a reclamar contra o abuso [do arcebispo] como
se quisesse que os ex-seminaristas fossem abandonados por todos”. Em parágrafo anterior recordara ao
arcebispo sobre seu dever de ordenar os candidatos que não fossem indignos, argumentando sobre o
assunto, seguindo as decisões romanas (Epistola­rio IV Motto, 350-352; MB X, 863).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

3o Não é verdade, como se alega, que os salesianos que deixaram a


congregação causaram problemas nas dioceses, porque nenhum
salesiano, até 1874, deixou a congregação, exceto o coadjutor Fre-
derico Oreglia, atualmente sacerdote jesuíta.31
Algumas afirmações feitas na carta por Dom Bosco, concretamente, as
relativas à situação do padre Chiapale e às defecções da congregação, são fa-
cilmente impugnáveis, tendo em conta a documentação disponível.32
O ano de 1874 chegava ao fim e a exasperação crescia dos dois lados.
A impaciência de Dom Bosco é evidente nos primeiros parágrafos da carta a
dom Gastaldi, de 10 de novembro de 1874. Ele atreve-se a dizer ao arcebispo:
“Certamente, deve saber quais condições devem existir para que um ordiná-
rio se negue a ordenar um candidato”.
Dom Bosco, finalmente, decidiu recorrer a Roma para solicitar que
qualquer bispo tivesse a faculdade de emitir dimissórias. A concessão possi-
bilitaria que ele evitasse dom Gastaldi e recorresse a outro bispo. Incluindo
seu pedido numa carta ao cardeal Berardi, de 18 de novembro de 1874, diz:
“Não me atrevo a pedi-lo pessoalmente”; escreve, “mas confio o assunto à sua
prudência... Sua eminência está em condições de falar sobre o tema com o
Santo Padre”.33

31
Ver em MB X, 861 pontos 1, 2 e 3 do memorando.
32
Quanto às reclamações de Dom Bosco, podemos observar: 1o Luís Chiapale foi salesiano pro-
fesso. Está catalogado no grupo de 18 ou 19 que “fundaram” a Sociedade Salesiana em 18 de dezembro
de 1859 (MB VI, 335, onde é denominado como “leigo” porque, nesse momento, era apenas um
estudante de 16 anos e ainda não recebera o hábito clerical). Segundo consta no registro das profissões,
Luís Chiapale foi um dos 23 que fizeram a primeira profissão em 14 de maio de 1862. Fez os votos per-
pétuos em 10 de agosto de 1867. 2o Dos 23 que professaram em 1862, 5 deixaram a congregação antes
de 1870. Chiapale não figura entre eles, mas saiu da congregação antes de 1874. E, segundo consta, 13
salesianos deixaram a congregação entre 1862 e 1874 (P. Stella, Economia, 295, 297, 301, 313-315).
Dom Bosco, em carta de 11 de outubro de 1874, escreveu ao vigário-geral, cônego José Zappata: “Diz-
-lhe [ao arcebispo] que aqueles [sacerdotes] que pertenceram alguma vez à Congregação Salesiana, não
lhe deram motivo de queixa por sua conduta censurável e que espero nunca o darão. De fato, cerca de
50 estão trabalhando com toda energia em sua arquidiocese” (Epistolario IV Motto, 331-332; MB X,
854). Quanto ao padre Pignolo e os seminar­istas que trabalharam no Instituto de surdos-mudos não
existe informação disponível.
33
Para a carta com o pedido, em latim, cf. Epistolario IV Motto, 353-356; para a carta, MB
X, 864s; para o pedido, cf. MB X, 1003. Das razões expostas para pedir o favor, a última é a mais
imperiosa: “Assim se poderiam eliminar, finalmente, as objeções, baseando-se em que determinado
ordinário se negou a ordenar candidatos salesianos nos últimos três anos”. O cardeal Berardi pôde ou
não tramitar a seu tempo o pedido de Dom Bosco. Em todo caso, em 26 de fevereiro de 1875, Dom
Bosco apresentou a dupla solicitação: faculdade de expedir dimissórias e os privilégios tradicionais. Pio
IX criou uma comissão de cardeais para estudar a questão (MB XI, 181). Em 22 de setembro de 1875,
a Congregação dos Bispos e Regulares negou os dois pedidos.

293

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Dom Bosco: história e carisma 3

Novos episódios e o apelo de Dom Bosco a Roma


Enquanto isso, dom Gastaldi recorreu a represálias. Ao ter conhecimen-
to de que o padre [São] Luís Guanella, da diocese de Como, considerava
entrar na Congregação Salesiana, enviou uma nota ao bispo dessa diocese,
advertindo que não seria permitido ao sacerdote celebrar a missa, confessar
ou residir na diocese, caso fosse para Turim.34 Era o início de dezembro. Dom
Bosco aceitara com entusiasmo o pedido do padre Guanella e dissera-lhe
que, em todo caso, viesse.35 Padre Guanella, alarmado e desconcertado pela
advertência recebida, comunicou-a a Dom Bosco e sugeriu-lhe que talvez
pudesse ficar numa casa salesiana fora de Turim. Pouco depois, foi-se com
Dom Bosco para Turim.36
O arcebispo Gastaldi emitiu imediatamente um decreto revogando todos os
favores, faculdades e privilégios concedidos aos salesianos por ele e seus predeces-
sores. O decreto foi comunicado a Dom Bosco em 24 de dezembro de 1874.37
As pressões levaram Dom Bosco à decisão de apelar novamente a Pio IX.
E o fez em carta de 30 de dezembro de 1874. Após se referir à aprovação das
Constituições pela qual “a Congregação Salesiana e todos os seus membros
encontravam-se sob a alta proteção e tutela da Santa Sé”, apresentava seis
queixas contra dom Gastaldi:

1o Reclamava o direito de examinar os salesianos candidatos para a


ordenação sobre a vocação, e exigia que nenhum ex-seminarista
fosse aceito na Congregação Salesiana.
2 Negara-se, com uma única exceção, a ordenar os candidatos sale-
o

sianos nos últimos três anos.

34
Ver MB X, 864s.
35
Dom Bosco ao padre Guanella, 12 de dezembro de 1874, Epistolario IV Motto, 362; MB XI, 12.
36
Padre Guanella a Dom Bosco, 14 de dezembro de 1874, em MB XI, 12. São Luís Guanella
(1842-1915), ordenado padre em 1866 para a diocese de Como, distinguiu-se no ministério sacerdotal
pelo zelo e preocupação com os pobres. Tendo entrado em contato com os salesianos, quis ser um deles
e estabeleceu a obra salesiana em sua diocese. Foi salesiano de 1875 a 1878. Nesse período, associou-
-se ao desenvolvimento da Obra de Maria Auxiliadora (Filhos de Maria) em suas primeiras etapas (cf.
MB XI, 59s), exercendo o cargo de diretor, entre outros (cf. MB XI, 124, 130, 203, 230, 341, 309;
XII, 130, 580). Após retornar à sua diocese em 1878 (cf. MB XIII, 812s), fundou um internato para
meninos órfãos e abandonados e, depois, a casa da Divina Providência, em Como (1886), e outras
instituições semelhantes em outras cidades. Para perpetuar sua obra, fundou as Filhas de Santa Maria
da Providência e os Servos da Caridade (1904). Trabalhou no apostolado da imprensa, escrevendo
umas 50 obras. Associado a vários leigos católicos, foi pioneiro e muito ativo na questão social. Foi
canonizado em 23 de outubro de 2011.
37
MB X, 866s.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

3o Negava-se a deixar que os padres diocesanos entrassem na Con-


gregação Salesiana, por exemplo, padre Ascânio Sávio, padre João
Olivero e, recentemente, padre Luís Guanella.
4 Recusava admitir padres salesianos aos exames da faculdade de
o

ouvir confissões, por exemplo, padre Francisco Paglia.


5 Retirou as faculdades e privilégios necessários às casas salesianas,
o

concedidos para o bem das almas, como a permissão para admi-


nistrar o viático, a extrema-unção etc.
6 Consequentemente, punha obstáculos à obra salesiana em favor
o

dos pobres e dos meninos abandonados, como a abertura de


novas escolas.38

Mediação de dom Fissore, arcebispo de Vercelli39


Pio IX não podia ficar indiferente diante de tantas alegações recebidas
pelas duas partes; deve ter-se sentido muito pressionado no momento de to-
mar decisões. Pessoalmente, era a favor de Dom Bosco, mas sabia que alguns
setores de Roma favoreciam dom Gastaldi, entre outros, a Congregação dos
Bispos e Regulares. Além disso, não podia ignorar o arcebispo. Pensou, então,
em submeter a controvérsia a uma arbitragem. Seguindo a sugestão do próprio
Gastaldi, escolheu o arcebispo de Vercelli, dom Celestino Fissore, amigo do
arcebispo e aceito por Dom Bosco, para que atuasse como mediador. Uma
carta do cardeal Berardi ao arcebispo Fissore solicitando sua mediação em
nome do Papa foi seguida de um intercâmbio epistolar destinado a esclarecer
as questões apresentadas.40
A pedido de dom Fissore, Dom Bosco inicialmente expôs seu caso me-
diante uma carta em que enumerava todas as suas queixas.41 Também acrescen-
tou uma cópia do memorando já citado. Além disso, teve a oportunidade de
detalhar pessoalmente suas razões, motivado pela visita do arcebispo Fissore.
Em 4 de fevereiro, no palácio do arcebispo, os adversários enfrentaram-se
reciprocamente, na presença do mediador. Foi o que nos círculos diplomáticos
se denomina de intercâmbio franco, sem compromissos e sem acordos. Segundo o

Dom Bosco a Pio IX, 31 de dezembro de 1874, em Epistolario IV Motto, 376-379; MB X, 866s.
38

Cf. MB XI, 89s.


39

40
Cardeal Berardi ao arcebispo Fissore, 9 de janeiro de 1875, em Documenti XV, 23-24, em ASC
A064: FDB 1027 A 10-11.
41
Dom Bosco ao arcebispo Fissore, 12 de janeiro de 1875, em Epistolario IV Motto, 391-393;
MB XI, 73s, com data de 16 de janeiro.

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Dom Bosco: história e carisma 3

relato de Dom Bosco, despediram-se cordialmente. Entretanto, sem dúvidas, os


três ficaram profundamente humilhados pelas inevitáveis revelações.42
Em seu relatório oficial ao cardeal Berardi, dom Fissore informa sobre
as queixas de Gastaldi e as respostas de Dom Bosco, em sua maioria desmen-
tidas nas notas marginais que, sem dúvida, apresentou depois de lhe mos-
trar o relatório. Como nos memorandos, Dom Bosco nega ter recebido na
Congregação padres ou seminaristas diocesanos, especialmente seminaristas,
julgados inadequados e afastados do seminário. Nega ter imposto o hábito a
seminaristas expulsos e ter-se servido deles como professores e assistentes nas
casas salesianas situadas em outras dioceses. Dom Fissore, porém, pelo que
disse, tinha informação de que Dom Bosco recebera alguns seminaristas que
não o mereciam.
Depreende-se do relatório que o arcebispo Gastaldi aceitava ordenar os
candidatos salesianos, desde que fossem professos de votos perpétuos e fizes-
sem os exames necessários. Dom Bosco discutia a necessidade da profissão
perpétua no caso de candidatos pertencentes a uma congregação em que os
votos trienais eram a norma.43 Dom Fissore não tomou qualquer decisão,
nem formulou qualquer recomendação, embora tenha dado motivos para
uma pequena esperança: “Confio que no futuro haverá compreensão recípro-
ca e, se surgirem dificuldades, será possível convencer as partes”, acrescentan-
do como conclusão: “Gostaria que as partes se pusessem de acordo por escrito
sobre alguns pontos, mas Dom Bosco preferiu que tudo ficasse na palavra”.44
A recusa explícita de Dom Bosco é um tanto desconcertante. Em outro
“memorando objetivo” (Promemoria sicuro), de 12 de março de 1875, apre-
sentado em Roma para contrastar as acusações de dom Gastaldi, Dom Bosco
negava com veemência que “essas pessoas, seminaristas, sacerdotes ou leigos
tivessem pertencido alguma vez à Congregação Salesiana”.45
Com golpes e contragolpes, a disputa se manteve. A mediação do arce-
bispo Fissore fracassara.
Vale repetir que, embora as Memórias Biográficas o apresentem como um
tanto irracional e neurótico, o arcebispo de Turim estava seguindo normas
claramente definidas. Preocupava-lhe realmente a reforma e a formação do

42
Dom Bosco ao cardeal Berardi, 7 de fevereiro de 1875, em Epistolario IV Motto, 411-414;
MB XI, 97s.
43
O rescrito pontifício que concedia a faculdade de emitir dimissórias exigia claramen­te a neces-
sidade da profissão perpétua (MB X, 892). Talvez Dom Bosco tivesse obtido uma concessão vivae vocis
oraculo [oralmente] de Pio IX.
44
Arcebispo Fissore ao cardeal Berardi, 12 de fevereiro de 1875, em MB XI, 548.
45
Documenti XV, 77, em ASC A064: FDB 1028 A4. MB XI, 102s.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

clero; era particularmente sensível e defensor do programa do seu seminário,


e considerava como ameaça a seleção de candidatos e as práticas formativas
de Dom Bosco. Acrescente-se a sua convicção de que era seu direito e dever,
como ordinário, determinar a idoneidade e os méritos dos candidatos à orde-
nação, tanto seculares como religiosos.46
Sem dúvida, ao longo dos lamentáveis acontecimentos de enfrentamen-
to que se seguiram, deram-se mal-entendidos, frustração, ira, rancor e, inclu-
sive, algum motivo não muito digno. Mas o conflito não pode ser explicado
nem entendido simplesmente nesses termos. Problemas concretos e pontos
de vista reais tiveram maior incidência do que o caráter dos protagonistas.
Em todo caso, seria seguramente injusto limitar-se a culpar totalmente
o temperamento autoritário e despótico de dom Gastaldi e, menos ainda,
uma petulante e irracional hostilidade instalada em relação a Dom Bosco e
os salesianos.

2. A caminho da ruptura (1875-1877)


Tentando esclarecer os motivos reais do conflito, descrevemos alguns
episódios que parecem reforçar de modo significativo o contraste entre os
dois protagonistas. Para descrever a segunda fase do conflito, e posto que as
questões e posições permanecessem inalteradas, na verdade se reafirmaram
com mais força, centramos a atenção, de forma seletiva, em alguns fatos que
levaram gradualmente os dois opositores à ruptura.

Pedido de Dom Bosco de mais privilégios47


Dom Bosco foi a Roma em fevereiro de 1875 com o propósito expres-
so, entre outros, de apresentar o pedido do privilégio das dimissórias para
qualquer bispo e a todos os bispos (ad quemcumque episcopum) e outros
46
De fato, como acertadamente observa F. Desramaut, Don Bosco, 898, os candidatos salesianos
não viviam numa comunidade de seminário fechado, nem residiam em mosteiros afastados do mundo,
declaravam que se preparavam intelectual e espiritualmente enquanto se entregavam plenamente às
atividades de caráter majoritariamente secular. E era solicitado ao ordinário que conferisse as ordens
a esses candidatos, sem a possibilidade de determinar sua idoneidade. Por outro lado, não se podia
descartar a possibilidade real de que, uma vez ordenados, pudessem optar por regressar à diocese. Em
consciência, portanto, e também em virtude da lei da Igreja em vigor, o arcebispo sentia-se obrigado a
examinar os candidatos salesianos sobre o tema da própria vocação, ou seja, sobre sua formação religio-
sa e real aptidão ao ministério sacerdotal. Tampouco desejava que se apresentassem como candidatos
salesianos para a ordenação seus ex-seminaristas que, depois de irem embora, ou terem sido expulsos
do seminário, fossem aceitos por Dom Bosco.
47
Ver uma crônica detalhada em MB XI, 174s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

privilégios de isenção em nível mundial. Ele desejara essas concessões desde


1864, solicitara-as novamente em 1873 e, mais recentemente, apresentara
um memorando no mesmo sentido ao cardeal Berardi, esperando que fosse
apresentado ao Papa.48 Agora, porém, sentia-se impelido a pedi-las por pura
exasperação. Compilou uma lista impressionante, com a esperança de obter
a isenção por “semelhança” com alguma congregação que já possuísse um
conjunto de privilégios tradicionais, como os redentoristas ou os padres de
São Vicente de Paulo.
Pio IX, que ordenara a redução de privilégios, pessoalmente, era favorá-
vel a Dom Bosco; de fato, em 16 de fevereiro de 1875, ou não muito depois,
nomeou uma comissão de quatro cardeais para examinar o pedido. Dom
Bosco sabia que os cardeais teriam algum tempo antes de chegar a uma de-
cisão. Retornou a Turim com a garantia do apoio do Papa e com um decreto
que concedia vários favores espirituais à congregação. Pouco depois, no final
de março, voltava a Roma a fim de estar à disposição para responder às obje-
ções e dar as explicações oportunas.49
A Congregação dos Bispos e Regulares precisou de cerca de seis meses
para tomar alguma decisão. A congregação não estava disposta a fazer con-
cessões num momento em que Roma procurava frear esse costume, por mais
que o Papa fosse favorável. Pode ser que as razões de dom Gastaldi tivessem
sido levadas em consideração. O prefeito, cardeal Bizzarri, e o próprio secre-
tário, dom Vitelleschi, que apoiaram Dom Bosco no processo de aprovação
das Constituições, não eram a favor de conceder tais privilégios.
À espera da decisão, em 16 de junho de 1875, Dom Bosco apresentou
um pedido a Pio IX para que outros bispos pudessem ordenar alguns sacerdo-
tes fora do tempo canônico e dispensasse outros da idade canônica, invocando
uma urgente necessidade. Para sua decepção, e grande consternação, a Con-
gregação dos Bispos e Regulares, à qual o pedido fora submetido, só concedia
uma mínima parte do que ele pedira. Talvez fosse a prova de que o clima
romano estava passando por uma mudança, e não exatamente a seu favor.50
Em todo caso, o advogado Carlos Menghini, que Dom Bosco contratara
para representar seus interesses em Roma, preparou um breve anexo para o
48
Dom Bosco ao cardeal Berardi, 18 de novembro de 1874, em Epistolario IV Motto, 353-­356;
MB X, 864s.
49
MB XI, 177s. À pergunta de um dos cardeais: “Qual o progresso feito pela Congregação Sale-
siana em um ano, desde a aprovação de suas Constituições?”, Dom Bosco respondeu como de costume,
sem evitar alguns exageros (MB XI, 191). Referindo-se às queixas de Gastaldi, as negociações de Dom
Bosco também foram enfáticas: “Nenhum salesiano professo jamais abandonou [a Congregação]. Ne-
nhum, portanto, pode ser acusado de ter causado problema em alguma diocese” (MB XI, 193).
50
Sobre a desilusão e as consequentes ações de Dom Bosco, ver MB XI, 181s.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

secretário Vitelleschi, bem argumentado, sobre o tema das dimissórias e os


privilégios que seriam apresentados aos cardeais.51 Seguiu-se uma carta pes-
soal de Dom Bosco aos mesmos cardeais.52 Em 16 de setembro, quando o
arcebispo Vitelleschi já fora elevado ao cardinalato, os cardeais reuniram-se e
a decisão foi negativa nos dois casos, dimissórias e privilégios.53
Lemoyne e Ceria consideram a derrota da causa justa de Dom Bosco como
consequência da “tendência legalista” desses prelados e de seus temores de “uma
separação entre o ordinário de Turim e a Santa Sé”. Apontam, também, motivos
menos nobres. Mas observam, não sem uma nota de triunfo, que a causa de
Dom Bosco foi vingada quando a Providência derrubou o principal responsável,
o secretário Vitelleschi, falecido de tifo apenas um mês depois de sua elevação
ao colégio dos cardeais. Em sua opinião, a causa de Dom Bosco sempre prevale-
ceu, mesmo quando supunha a eliminação de seus adversários, porque o direito
estava infalivelmente do seu lado. As cartas do suposto amigo e conselheiro de
Dom Bosco em Roma, monsenhor João Batista Fratejacci, cartas cheias de in-
terpretações maliciosas, pareciam confirmá-lo.54 Não obstante, Ceria introduziu
a narração dos fatos com uma análise erudita sobre a tradição de privilégios,
indicando claramente que a proliferação dos mesmos era um abuso que a Santa
Sé, na segunda metade do século XIX, procurava novamente eliminar.

A suposta suspensão de Dom Bosco


Para piorar a situação, o ano de 1875 iria terminar com um incidente
surpreendente: a suspensão de Dom Bosco de ouvir confissões. Foi o que pen-
saram os salesianos. A cúria arquidiocesana, porém, sustentava que não se
dera nenhuma suspensão. O que aconteceu na verdade?

51
MB XI, 187s.
52
Dom Bosco ao cardeal Bizzarri (e aos cardeais Martinelli, Patrizi e De Luca), 11 de setembro
de 1875, em Epistolario IV Motto, 517-520. MB XI, 195s.
53
MB XI, 199.
54
Monsenhor Fratejacci a Dom Bosco, 17 de setembro e 17 de outubro de 1875; a primeira,
transcrita apenas parcialmente em Documenti XV, 259-262, em ASC A064: FDB 1031 A6-9; MB
XI, 568s. Estas cartas destilam malícia. Na segunda carta, o autor regozija-se pelo desaparecimento de
Vitelleschi: “Ele ditou seu último decreto!”. Como conclusão da história dos privilégios, Ceria cita as
“palavras de consolo” de outra carta de Fratejacci a Dom Bosco: “Isso confirmará que [a Congregação
Salesiana] não é obra dos homens, mas de Deus... A hostilidade gratuita e o ódio de que fala o sal-
mista... são os sinais distintivos de todas as obras desejadas por Deus... Seus inimigos têm muito pelo
que ter medo” (carta de 5 de dezembro de 1875, Documenti XV, 344-348, em ASC A064: FDB 1032
C6-10. MB XI, 477). O arcebispo Sbarretti sucedeu a Vitelleschi como secretário da Congregação
dos Bispos e Regulares. Pouco depois, o cardeal Inocêncio Ferrieri foi designado sucessor do cardeal
Bizzarri como prefeito da congregação. Na percepção dos salesianos, o cardeal Ferrieri herdou o manto
de “inimigo” por excelência de Dom Bosco em Roma.

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Dom Bosco: história e carisma 3

As faculdades de ouvir confissões renovavam-se rotineiramente todos os


anos ou a cada seis meses; o documento era normalmente retirado na cúria
ou entregue em domicílio. As faculdades de Dom Bosco foram renovadas por
seis meses em março; mas, por alguma razão, o documento foi devolvido à
cúria e, até outubro, não fora entregue em Valdocco. Suas faculdades tinham,
então, expirado. Os padres Cagliero e Rua, que receberam o documento de
um mensageiro, não querendo incomodar Dom Bosco, retiveram a infor-
mação. Na ausência do arcebispo, o vigário geral cônego José Zappata, com
quem o padre Rua entrou em contato, concedeu a renovação temporária. Pa-
dre Rua, contudo, por alguma razão, não pôde novamente dar ciência do fato
a Dom Bosco, que não se inteirou até a noite de Natal de que as suas facul-
dades para confessar haviam expirado. Servindo-se de uma concessão especial
obtida de Pio IX, ele escutou nessa noite as confissões de muitos penitentes.
Contudo, acreditando que estava suspenso, em 26 de dezembro, solicitou a
renovação ao arcebispo, antes de retirar-se com grande preocupação a Borgo
San Martino, diocese de Casale.
Dom Bosco acreditou realmente que fora objeto de tão grave pena canô-
nica.55 Entretanto, não houve suspensão canônica e a resposta do arcebispo,
através do cônego Chiuso, é uma prova a mais disso.56
O incidente, contudo, provocou a ira e a consternação em ambientes sa-
lesianos. O fogoso padre João Bonetti, ao inteirar-se do acontecido pela boca
de Dom Bosco em Borgo San Martino, queixou-se diretamente ao Papa,
denunciando “a medida injustificável de suspender tão digno sacerdote de
confessar...; um castigo que normalmente se aplica somente aos sacerdotes
de conduta escandalosa”. E, referindo-se à conduta hostil de dom Gastaldi,
atreveu-se a pedir ao Papa que “tomasse medidas mais eficazes para pôr fim a
este grande mal”.57
É difícil ver claro neste caso tenebroso. A falha do padre Rua, ao não dar
conhecimento a Dom Bosco, é desconcertante; mas também o é a gestão do
assunto por parte da chancelaria. Foi um simples descuido? Ou foi um gesto
rancoroso, preparado para fazer saber ao fundador “rebelde” quem exercia a
autoridade na diocese? Se assim fosse, enquanto se fez Dom Bosco sofrer uma

55
Ver MB XI, 478s. A carta de Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 26 de dezembro de 1875, re-
flete a convicção de Dom Bosco de que teria havido uma suspensão: “Respeitosamente lhe suplico que
me diga as razões [...], para que me possa corrigir da falta que pudesse ter cometido” (MB XI, 493s).
56
Cônego Chiuso a Dom Bosco, 27 de dezembro de 1875, em MB XI, 485: “Suas faculdades
para confessar continuam válidas... Estas faculdades jamais lhe teriam faltado, se o senhor tivesse feito
no devido tempo o que é costume nestas circunstâncias”.
57
Padre Bonetti a Pio IX, 28 de dezembro de 1875, em MB XI, 482s.

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humilhação, a chancelaria e o próprio arcebispo deveriam ser considerados


responsáveis do que só se pode considerar como uma manobra indigna.
Dom Bosco temia que, caso se desse publicidade à suspensão, surgiria
uma questão contra ele relativa à sua conduta. Afortunadamente, passaram-
-se vários meses antes que a imprensa anticlerical se inteirasse do fato. E,
mais uma vez, afortunadamente, só a Lanterna do Ficcanaso [Lanterna do in-
trometido] foi o tabloide que informou sobre “a suspensão de Dom Bosco”,
louvando o arcebispo por ter posto Dom Bosco no seu lugar.58
Talvez a “suspensão” fosse uma questão muito pessoal para que chegasse
ao público em geral. Contudo, no final de 1875, as relações tornaram-se
amargas a ponto de a ruptura ser de domínio público. O diário L’Opinione,
de Roma, publicou uma nota do seu correspondente em Turim, que falava
de Dom Bosco como o único sacerdote de Turim com coragem para enfren-
tar o autoritário arcebispo.59 A folha satírica Il Fischietto [O Assobio] foi mais
audacioso ainda em seu sarcasmo com os dois protagonistas:

Ruídos de batalha são ouvidos a partir das sacristias... Dois formidáveis opo-
nentes, armados até os dentes, estão a ponto de entrar em combate. Um
responde pelo nome de dom Revalenta, e é especialista em chifradas. O outro
se faz passar por um grande fazedor de milagres, e é popularmente conhecido
como Dom Bosco, ou seja, Dominus Lignus [Senhor Bosque]. A luta entre
os dois gigantes é séria. Dom Bosco, que conta com o apoio total do Vatica-
no, nega-se a submeter-se à autoridade de dom Revalenta. Como a Itália em
1848, declara sua independência. Dom Revalenta, ao contrário, procura sub-
meter com valentia o rebelde fazedor de milagres e jurou ir adiante até que o

58
“O trem da meia-noite. Dom Bosco em Roma”, La Lanterna del Ficcanaso, 6 de maio de
1876: “Os jornais deixaram até agora de publicar uma parte interessante da notícia. O assim chamado
homem santo de Valdocco, caçador hipócrita e sem medo de legados, conhecido por pessoas iludidas
com o nome de Dom João Bosco, foi suspenso a divinis pelo arcebispo Gastaldi. É verdade! Por uma
vez, o arcebispo é digno de elogio: cumpriu com o seu dever”. Segundo este jornal, Dom Bosco viajara
a Roma para que levantassem a sua suspensão! (G. Tuninetti, Gastaldi II, 271, nota 57). O mesmo
jornal retornou ao tema em 9-10 de outubro de 1876, “Dom Bosco e o arcebispo”: “A razão oficial por
trás da suspensão é a seguinte: como sem-vergonha que é, Dom Bosco utiliza o confessionário para
assustar e intimidar os retardados mentais e os velhos grupos de cérebro apodrecido que se confessam
com ele. O que ele busca são suas propriedades; tudo ou parte [...]. Mas a razão real é que o poder que
Dom Bosco conquistou em Turim é, talvez, maior que o do arcebispo Gastaldi, um simples caso de
ciúmes profissionais” (G. Tuninetti, “L’immagine”, 230).
59
“Intrigas clericais, do nosso correspondente, Turim, 1º de outubro de 1875”: “O arcebispo
governa o império diocesano com normas duras, absolutas. Como era de esperar, seus padres deixam-se
dobrar à sua vontade e a todos os seus caprichos. Contudo, um sacerdote, um só, declarou com sucesso
a sua independência: o reverendo Dom Bosco” (G. Tuninetti, Gastaldi II, 270, nota 55; cf. Documenti
XV, 282-284, em ASC A064: FDB 1032 C4-6).

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Dom Bosco: história e carisma 3

consiga. O choque é iminente. Vamos ver quem será o primeiro a cair. Ambos
são fortes, ao menos extorquindo heranças em leito de morte.60

Ameaças de demissão de dom Gastaldi61


Dom Gastaldi era favorito dos periódicos anticlericais desde sua entro-
nização em fins de 1871. Jamais cessaram os ataques e a difamação nos anos
seguintes. Tal situação exercia grande pressão sobre ele, que se adicionava às
crescentes preocupações, produto de seu temperamento e suas políticas. Sua
rigidez e suas formas despóticas levaram parte do clero a opor-se a ele.
No centro de seu pensamento, estava a profunda convicção da dignidade e
autoridade do cargo episcopal e dos direitos e deveres do ordinário, como espe-
cificado no Concílio de Trento e nas tendências recentes da prática canônica. O
principal dever do bispo era garantir a formação do clero, regulamentar a disciplina
eclesiástica e prover uma excelente assistência pastoral para a diocese e as paróquias.
Grande parte do desgosto de dom Gastaldi em relação a Dom Bosco
nasceu da sensação de que as ideias e a ação do santo conflitavam com esses
objetivos ou neles interferiam. Os recursos contínuos de Dom Bosco a Roma
para obter concessões foram vistos por ele como desafio ao seu cargo e à sua
autoridade. Aparentemente, dom Gastaldi via a atuação de Dom Bosco em
desacordo com a sua política, como atos de desobediência e rebeldia.
Outra velha questão, a do status da Sociedade Salesiana e de suas Cons-
tituições, continuaram a incomodar e aumentar a irritação do arcebispo. As
perguntas que fizera a Roma sobre o assunto ainda não tinham sido respon-
didas. Inteirara-se recentemente de que as Constituições publicadas por Dom
Bosco diferiam do texto aprovado por Roma. Foi o procurador Carlos Men-
ghini quem por primeiro advertiu-o desta discrepância no final de 1875.62

60
“Sobre a cidade” II Fischietto (O assobio), 14 de outubro de 1875, n. 123, 1 (G. Tuninetti,
“L’immagine”, 228. Cf. Documenti XV, 284f, em ASC A064: FDB 1032 C6f; MB XI, 490s). “Revalen-
ta” é o apelido que este periódico satírico usava para referir-se ao arcebispo Gastaldi. Em outros artigos,
explica o apelido: “l’uomo del bosco” (o homem dos bosques, homem selvagem). As caricaturas mostra-
vam-no com aspecto simiesco. Esses epítetos não se referem a nenhum personagem do acervo popular
ou do carnaval. Foram cunhados com toda probabilidade pelo próprio periódico. “Dominus Lignus”
é a tradução latina de “Dom Bosco”. Lignus, em latim, e Bosco, em piemontês significam “bosque”.
61
Para esta seção, ver especialmente G. Tuninetti, Gastaldi II, 271-274.
62
Procurador Menghini ao arcebispo Gastaldi, 22 de novembro de 1875 (ASC A109, Perso­ne,
Franchetti: FDB 601 A2-4). Carlos Menghini, advogado da Congregação dos Bispos e Regulares,
prestava serviços legais perante as congregações romanas, para dom Gastaldi e para Dom Bosco.
Atuava como “contato” e “informante” para os dois, uma espécie de “agente duplo”, embora, até ser
substituído, tenha demonstrado grande generosidade para com Dom Bosco. Seu papel no conflito
seria mais bem definido como ambíguo.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Em dezembro, ainda quando o assunto da suspensão de Dom Bosco estava


chegando à solução, dom Gastaldi acusou-o perante a Congregação dos Bis-
pos e Regulares de tentar suavizar as Constituições. Menghini, por sua vez,
informou a Dom Bosco sobre a acusação de dom Gastaldi. Menghini acres-
centava que o Santo Padre esperava tratar do assunto com o arcebispo em sua
próxima visita a Roma.63
Para piorar as coisas, apesar das inúmeras cartas e memorandos diri-
gidos às autoridades romanas contra Dom Bosco, o arcebispo teve muito
pouca acolhida. Em sua opinião, as congregações romanas, e o próprio
Santo Padre, não o apoiavam como esperara. Levado por uma crescente
exasperação, o arcebispo tomou uma decisão drástica e ameaçou renun-
ciar. Insinuou essa possibilidade numa carta de 20 de março de 1876, di-
rigida ao cardeal Bizzarri, na qual se opunha energicamente aos contínuos
esforços de Dom Bosco para obter “privilégios que chocam com os direitos
da autoridade episcopal”. Apresentou denúncias contra Dom Bosco pelo
seu “espírito de independência, ou mais ainda, de superioridade..., que lan-
çara raízes também entre seus seguidores; uma situação que aumenta ainda
mais as preocupações e problemas que já me assaltam diariamente nesta
imensa arquidiocese”.
O arcebispo fazia um apaixonado, quase desesperado pedido de ajuda
à Santa Sé, um arcebispo que já está “totalmente despojado de toda digni-
dade civil..., caluniado, ridicularizado, escarnecido e insultado diariamente
por quase todos os jornais de Turim, por sua total lealdade à Santa Sé”. E
concluía com as palavras:

63
Procurador Menghini a Dom Bosco, 7 de fevereiro de 1876 (Documenti XVI, 135-136, ASC
A065: FDB 1036 B10-11). Como já se mencionou no volume 2, na preparação das edições “oficiais”
impressas em latim e italiano das Constituições para os irmãos, Dom Bosco não fora fiel ao texto origi-
nal aprovado em 1874. Tanto as provas tipográficas como o texto latino publicado em meados ou final
de 1874 apresentam variantes consideráveis, que se referem não só ao uso do latim e ao estilo, mas tam-
bém aos conteúdos. A variante mais importante deste último tipo foi a nota introdutória no capítulo
sobre o noviciado, no sentido de que Pio IX vivae vocis oraculo teria permitido que os noviços pudessem
participar dos trabalhos da Congregação, não levando em conta o que a congregação romana aprovara.
O texto oficial italiano, impresso em algum momento de 1875, não traduzia nem o texto impresso em
latim, nem o texto manuscrito aprovado. Quanto ao estilo e uso, retorna à tradição anterior do texto
italiano (1864). Também introduz variantes em relação aos conteúdos. A principal delas é a redução do
capítulo sobre o noviciado, de 17 a 7 artigos. Estes são os fatos; por diversas razões, o assunto não foi
contemplado por Roma. Até 1900, os salesianos continuaram a ler as Constituições como Dom Bosco
as tinha editado em 1875. No Capítulo Geral VIII (1898), padre Joaquim Berto notou a discrepância
entre o texto em uso e o texto aprovado em 1874 em relação às maiorias necessárias para a eleição dos
superiores maiores. Como consequência desta “revelação” e da pesquisa que se seguiu, padre Rua apre-
sentou o texto das Constituições em 1900, à qual seguiu, em 1903, a tradução italiana.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Se vão conceder mais privilégios à Congregação Salesiana de Turim, em detri-


mento de minha jurisdição, então [Roma] deveria ao menos esperar a minha
morte..., ou dar-me tempo para demitir-me deste cargo.64

Em 3 de abril, o arcebispo declarou ao Papa sua “intenção e desejo de


renunciar”. Apresentava como principais razões a conduta de Dom Bosco em
relação a ele e a decisão da Santa Sé de apoiá-lo.

Devo tratar sobre um sacerdote que fez muito bem em minha diocese, mas
que também causou, e está causando, muito dano ao meu governo, desau-
torizando-me perante os sacerdotes e pessoas de minha diocese e perante os
bispos das dioceses vizinhas. Agora está a ponto de obter novos privilégios;
não quero nunca mais envolver-me com ele... Percebo que a autoridade cen-
tral da Igreja não confia em mim; o que é um requisito prévio essencial para
o cumprimento de meus deveres.65

Em 5 de abril de 1876, Dom Bosco chegou em Roma para ali per-


manecer mais de um mês; inteirou-se da ameaça de renúncia do arcebispo.
Uma das razões da viagem era obter mais privilégios de Pio IX. Conseguiu-
-o, provocando os protestos de dom Gastaldi. As concessões, confirmadas
posteriormente e até ampliadas, referiam-se às ordenações extra tempora [fora
do tempo canônico], à dispensa de cartas testemunhais para os alunos sale-
sianos que solicitassem o ingresso na congregação, à criação e utilização de
capelas particulares nas casas salesianas e aos privilégios paroquiais para todos
os institutos salesianos.66 Dom Gastaldi apresentou intensas objeções contra
esta última concessão, porque considerava básico para o seu programa de
restauração da disciplina eclesiástica o princípio de que a vida sacramental
dos fiéis devia estar centralizada na paróquia local e ser regulamentada pelo
bispo e pelo pároco.67

64
Arcebispo Gastaldi ao cardeal Ferrieri, 24 [20] de março de 1876 (MB XI, 472). Aqui, a data
que se dá é 24 de março; 20 de março é a data apresentada nos Documenti XVI, 186-187, ASC A065:
FDB 1037 B1-2.
65
Arcebispo Gastaldi a Pio IX, 3 de abril de 1876, MB XII, 642.
66
Para as atividades de Dom Bosco em Roma, cf. MB XII, 160s. “Ao perceber que a Santa Sé não
lhe concederia todos os privilégios ao mesmo tempo, precisou solicitá-los aos poucos, por partes” (MB
XII, 160). Para diversos decretos papais e a ampliação dos privilégios, cf. MB XII, 675. Ver também
Dom Bosco ao padre Cagliero, Roma, 27 de abril de 1876, em Epistolario III Ceria, 51.
67
“A autoridade episcopal”, assim escrevia dom Gastaldi ao procurador Menghini, “sofrerá gran-
demente, e com essa concessão se verá distorcida a vida da Igreja. Se for permitido aos jovens ir ao
catecismo, cumprir seus deveres de Páscoa, receber a confirmação etc. nas igrejas salesianas, então, uma
porção do rebanho estará separada da legítima atenção pastoral da paróquia, com grandes consequên-
cias” (arcebispo Gastaldi ao procurador Menghini, 5 de maio de 1876, em MB XI, 600).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

O arcebispo continuou a refletir ao longo de todo o ano de 1876 sobre


os prós e os contras de renunciar; sua renúncia continuava a ser uma pos-
sibilidade real em 1877. A imprensa anticlerical inteirou-se de que alguma
coisa grandiosa estava para acontecer. O jornal satírico Il Fischietto (O asso-
bio) acreditou que fosse de Dom Bosco a intenção “de se demitir”, ou seja,
ceder, parar de perder e deixar Turim, um indício sobre o qual a imprensa e
o público em geral procuravam captar rumores e averiguar quem afinal sairia
vencedor.68
Em fins de janeiro de 1877, o arcebispo Gastaldi, acompanhado pelo
padre José Soldati, reitor do seminário, foi a Roma para a visita ad limina
e, obviamente, para tratar das questões relativas à sua renúncia, e falar sobre
Dom Bosco. O jornal La Libertà, de Roma comentou a demissão, dando
como razões o rosminianismo de dom Gastaldi e sua luta com Dom Bosco:

O arcebispo Gastaldi está em Roma e considera seriamente renunciar à sua


sede. As razões são a sua posição rosminiana e as acusações feitas por Dom
Bosco contra ele perante as congregações romanas. Este sacerdote goza da
proteção de alguns cardeais e do próprio Pio IX; e o arcebispo o vê como
concorrente e rival em sua diocese.69

Dando sequência à nota romana, a Gazzetta del Popolo, de Turim, dava


por certa a renúncia do arcebispo, e acrescentava:

Gastaldi... pensou que podia atingir Dom Bosco, mas errou. Durante sua
permanência em Roma, apresentou seu ultimato ao Vaticano. Ou é reconhe-
cido como mestre em sua casa, ou seja, em sua diocese, e lhe é permitido deter

68
“Uma perda irreparável”, Il Fischietto, 23 de maio de 1876, 72, em G. Tuninetti, Gas­taldi
II, 272 e nota 61. O extrato é digno de nota: “Ouvem-se rumores maliciosos em toda a cidade, nestes
dias de mau tempo. Um rumor diz que dom Revalenta [Gastaldi], muito mais irritado pela atitude
onipotente de Dom Bosco, tem-no perseguido com tão desapiedada determinação que o homem pode
ver-se obrigado a abandonar as plácidas margens do Dora e do Pó, talvez para sempre. O conflito [...]
adquiriu proporções tão alarmantes que a Santa Barraca [Santa Baracca] de Roma precisou intervir
[...]. Não nos enganemos a nós mesmos; parece que Dominus Lignus [Dom Bosco] sofreu perseguição
suficiente da parte de dom Revalenta e há uma possibilidade real desta vez, de que nos deixe para sem-
pre. Que perda irreparável seria para nós! Quem fará os milagres se o fazedor de milagres voou? [...].
Contudo, não se lhe pode lançar a culpa. Se dom Revalenta não descansa até vê-lo morto, é inevitável
que, cedo ou tarde, o homem terá que fugir”.
69
“Um bispo renuncia”, La Libertà, 30 de janeiro de 1877 (G. Tuninetti, Gastaldi II, 272; em
MB XIII, 26s, nota 1). Dom Gastaldi defendia fortemente as opiniões de Rosmini, deu orientação
rosminiana aos estudos de seu seminário na arquidiocese e defendeu o filósofo dos ataques dos jesuítas
e da censura romana. Seu bem conhecido rosminianismo era, é claro, “uma mancha contra ele” em
Roma. De fato, foi admoestado por isso; ver G. Tuninetti, Gastaldi II, 307-329.

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Dom Bosco: história e carisma 3

as tentativas de usurpação de Dom Bosco ou renuncia. O Vaticano aceitou


sua renúncia.70

Il Fischietto, que não perdia a oportunidade de denegrir a Igreja, não


ficou atrás. Perguntava-se ironicamente: “Se dom Revalenta [Gastaldi] nos
deixar (Deus não o queira!), o que será de nós? A gente estremece apenas
diante da ideia!”. E explica que o verdadeiro motivo do desgosto do Vaticano
não são as inclinações rosminianas do arcebispo, mas sua batalha com Dom
Bosco: “Uma guerra santa para eliminar a oposição”.71
O que aconteceu entre Pio IX e dom Gastaldi na audiência ad limina,
porém, não se pode saber. Aparentemente, o arcebispo retirou a ameaça
da renúncia. Entretanto, em vista das circunstâncias, a viagem do arcebis-
po a Roma alimentou todo tipo de rumores. O assunto era de domínio
público; a tensão aumentou de grau na diocese, tanto entre o clero como
entre os leigos. Evidentemente, para dissipar os temores e as expectativas
infundadas, em 4 de fevereiro, dom Gastaldi dirigiu uma carta pastoral à
sua diocese sobre a viagem Roma. Soube-se, então, que o arcebispo mu-
dara de ideia.72
Não passou muito tempo antes que La Gazzetta del Popolo oferecesse a
seus leitores uma versão dos fatos:

Lourenço Gastaldi, como os senhores sabem, decidiu aceitar o martírio


de continuar como arcebispo. Ele lembrou ao Papa as palavras escritas na
cruz, INRI, e interpretou o sentido das siglas “Eu não renunciarei jamais”
(Io Non Rinunzierò Ineterno). O Papa ficou admirado. Mas não se surpre-
endeu em absoluto. Não temos informação, no momento, da reação de

70
“O arcebispo de Turim”, La Gazzetta del Popolo, 31 de janeiro de 1877 (Documenti XVIII,
50; MB XIII, 28, nota 1). La Gazzetta continuou a contar a história e a escavar no conflito. O padre
exclaustrado Antônio Bertetti escrevia: “Aqui há dois santos, ambos especialistas em subtrair dinheiro
do povo para a maior glória de Deus. Por essa mesma glória, Gastaldi quer impor sua autoridade com
o báculo..., enquanto o outro, bom amante do próprio direito, professa piamente sua independência”
(“As tribulações do arcebispo Gastaldi”, em La Gazzetta del Popolo, 4 de fevereiro de 1877, # 35, 1, em
G. Tuninetti, Gastaldi II, 272, nota 64.)
71
“Nossa diocese está em perigo”, Il Fischietto, 3 de fevereiro de 1877, # 15 (G. Tuninetti,
Gastaldi II, 273, nota 65). Uma caricatura que o acompanhava mostrava dom Gastaldi e Dom Bosco
numa luta livre. Interpretado com feições simiescas, com o torso nu e mostrando bíceps fortes, dom
Gastaldi deitado no tapete, aparentemente derrubado por Dom Bosco. A legenda diz: “Apesar da nu-
trição de Revalenta [Gastaldi] e de seus músculos poderosos, proeminentes, sofreu uma queda em sua
luta sem quartel com o fazedor de milagres de Valdocco, o homem dos bosques”.
72
“Relatório sobre a viagem a Roma, de janeiro de 1877”, Lettere Pastorali, 353s., em G. Tuni-
netti, Gastaldi II, 273, nota 67.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Dom Bosco. Enquanto isso, sua Falsa Excelência está de volta e justifica
seu regresso afirmando convenientemente que foi obrigado pela demanda
popular.73

A demanda “popular” foi em forma de cartas de felicitações e solidarie-


dade da parte de diversos organismos eclesiásticos (capítulo metropolitano,
faculdade de teologia, colégio de párocos etc.) e de sacerdotes pessoalmente.
Foram publicadas e La Gazzetta del Popolo apressou-se a notar a ausência do
nome de Dom Bosco da lista oficial.

Repassamos as diversas expressões de apoio dirigidas a Gastaldi pelos institu-


tos do clero turinense. Buscamos em vão uma de Dom Bosco e de sua família
religiosa. E, sem dúvida, ela teria sido um importante documento, em vista
da conhecida relação deste sacerdote com o Papa... Enquanto o próprio Dom
Bosco não desmentir os rumores de que está no exterior, as demais expressões
de apoio são motivo de riso.74

Na verdade, Dom Bosco respondeu com uma carta amistosa, da qual


o arcebispo teve conhecimento, mas que não se tornou pública. Escrevia:
“Em meu nome e de todos os salesianos, estou feliz unindo-me [ao clero]
para expressar nossa profunda estima e veneração... Por favor, aceite nossos
sinceros sentimentos; podem ajudar a desmentir rumores difundidos pela
imprensa hostil”.75
Em sua Carta ao Clero, publicada no calendário litúrgico de 1878, o
arcebispo dizia, em latim:

Primeiramente, queremos agradecer de coração aos senhores pela manifesta-


ção unânime e solene de respeito e de amor. Refiro-me ao apoio moral que
nos deram nos meses de março e abril passados, quando chegaram de Roma
angustiantes relatos. Algumas pessoas na Cidade Eterna pensaram que o clero
e o povo da diocese de Turim estavam descontentes com seu arcebispo, e que
o arcebispo, por isso, estava pensando em renunciar.76

73
“Os bolsos do arcebispo”, La Gazzetta del Popolo, 25 de fevereiro de 1877, # 56 (G. Tuninet-
ti, Gastaldi II, 272, nota 64). O jornal continuou novamente com o tema em seus artigos de março; di-
rigindo-se ao Papa num parágrafo diz: “Pio, se te resta algum amor-próprio, faze-nos um grande favor:
retira o nosso Gastaldi e faze-o cardeal. Tu és o único que o pode fazer; e cala-o para sempre” (Ibid.).
74
“O silêncio de Dom Bosco...”, La Gazzetta del Popolo, 29 de abril de 1877, # 118 (G. Tuni-
netti, Gastaldi II, 273, nota 69).
75
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 28 de março de 1877, em Epistolario III Ceria, 161.
76
G. Tuninetti, Gastaldi II, 272, nota 67.

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Dom Bosco: história e carisma 3

E acrescenta a lista das diversas expressões de apoio recebidas dos diocesa-


nos e de religiosos. Não menciona os salesianos nem os jesuítas. E conclui, ci-
tando Santo Tomás de Aquino: “O ofício de bispo é uma espécie de martírio”.
As expressões de solidariedade que acabamos de mencionar não foram
realmente um plebiscito espontâneo. Acredita-se que foram orquestradas pelo
próprio arcebispo desde Roma e solicitadas em Turim pelo vigário-geral, cô-
nego José Zappata.
Assim o afirma um relato de monsenhor João Tortone, encarregado dos
negócios do Vaticano em Turim, ao secretário de Estado, cardeal João Simeoni,
em 19 de março de 1877. Foi-lhe pedido que investigasse as acusações feitas
anonimamente em Roma contra dom Gastaldi. Ele era acusado de impor po-
líticas que tendiam a afastar da doutrina de Santo Afonso e voltar a introduzir
o velho cesaropapismo da universidade, de defender a filosofia de Rosmini,
de ações públicas hostis a Dom Bosco e à Congregação Salesiana. Tudo isso
estava em desacordo com as posturas romanas e cheirava a jansenismo. Essa
foi a acusação contra Gastaldi. Em carta de 19 de março, monsenhor Tor-
tone informou que, depois de consultas discretas, ficara sabendo que as ma-
nifestações de apoio tinham sido solicitadas através da iniciativa do próprio
arcebispo. Dom Gastaldi inteirou-se por um cardeal da profunda insatisfação
de seu clero e procurou assim dissipar o juízo em Roma, fazendo com que o
vigário-geral organizasse as demonstrações de apoio. Isso pode ter sido idea-
lizado como reconhecimento público da dignidade do cargo arquiepiscopal,
mas não era, como as autoridades tinham temido em Roma, um sinal de
aprovação das teorias, das políticas e ações do arcebispo. Monsenhor Tortone
concluía, dizendo:

Se não adotar formas mais objetivas e prudentes de governar a arquidiocese,


estas manifestações exteriores de apoio não lhe servirão para aquietar as quei-
xas procedentes de todas as categorias do clero. Estas provêm de decisões arbi-
trárias, de ações precipitadas, de sua inexperiência no governo desta diocese e,
especialmente, de sua imprudente inovação em relação ao ensino da teologia
moral, que todos criticaram.77

O representante Tortone perante a Santa Sé, 19 de março de 1877 (G. Tuninetti, Gastaldi
77

II, 273-274, nota 69, que cita o documento dos Arquivos Secretos Vaticanos). Em carta anterior, 2 de
fevereiro de 1877, monsenhor Tortone declarava que dom Gastaldi dissera a um amigo de confiança
que tinha a intenção de renunciar e que a principal razão era a oposição de Dom Bosco. E acrescentou:
“O arcebispo Gastaldi possui profunda sabedoria, é animado pela piedade autêntica e impelido por um
zelo incansável. Com essas qualidades, poderia ser um grande bispo, desde que isso fosse acompanhado
de igual prudência, paciência e mansidão”. Mencionou também que o clero se queixava de seu “recurso
demasiadamente frequente à suspensão a divinis” (Ibid.).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Em fevereiro de 1877, desaparecera a ameaça de renúncia de dom Gas-


taldi. Ele, porém, e todos os que consideravam o assunto, amigos ou ini-
migos, reconheciam que continuavam a existir as causas profundas que o
levaram a considerar essa medida. A principal delas era o conflito com Dom
Bosco. No final de fevereiro, o arcebispo Gastaldi imprimira e distribuíra aos
cardeais de Roma um pequeno folheto intitulado “O arcebispo de Turim e
a Congregação de São Francisco de Sales em Turim”.78 O arcebispo esperava
responder às acusações formuladas contra ele de que tinha intenções malévo-
las contra os salesianos. No folheto, enumeravam-se as muitas manifestações
de benevolência demonstradas pelo arcebispo a Dom Bosco e à sua congre-
gação de 1848 a 1877. Dom Bosco não viu necessidade de responder. A
apologia, porém, não significou qualquer trégua na luta. O restante de 1877
continuou cheio de conflitos, que provinham de feridas mais profundas.

Uma publicação, de Dom Bosco, sobre as graças de Maria


Auxiliadora
O ulterior desencontro deu-se por causa de dois folhetos escritos por
Dom Bosco para tornar conhecidas as graças obtidas por intercessão de Maria
Auxiliadora: Maria Auxiliadora, reedição da primeira publicação de 1875, e A
nuvenzinha do Carmelo, ou seja, a devoção a Maria Auxiliadora premiada com
novas graças.79 O primeiro folheto foi publicado em Turim com aprovação
eclesiástica. O outro, porém, fora impresso na tipografia criada recentemente
em Sampierdarena, diocese de Gênova, com o imprimatur daquela cúria, pois
Dom Bosco tivera problemas para obter o imprimatur em Turim. O arcebis-
po opôs-se especialmente à publicação destes folhetos fora da arquidiocese,
pois reclamava para si e sua chancelaria o direito de julgar a autenticidade dos
milagres relatados, acontecidos numa igreja de sua diocese.80 Dom Bosco res-
pondeu sem demora, assinalando que apenas transcrevera os relatos, evitando
cuidadosamente as etiquetas “milagre” e “sobrenatural”; usara apenas o estilo

78
“L’arcivescovo di Torino e la Congregazione di San Francesco di Sales in Torino”, em Docu­
menti XVIII, 86-88, ASC A067: FDB 1046 A9-11; MB XIII, 330s.
79
Maria Ausiliatrice col racconto di alcune grazie ottenute nel primo settennio dalla Consacrazione
della Chiesa a Lei dedicata in Torino, aos cuidados do sacerdote João Bosco. Turim: Tipo­grafia e Libreria
dell’Oratorio di San Francesco di Sales, 1875. Foi publicada nas Letture Cattoliche 23: 9 de setembro
de 1875 e reimpressa em 1877. Ver texto em OE XXVI, 304-623. La nuvoletta del Carmelo ossia la
divozione a Maria Ausiliatrice premiata di nuove grazie, aos cuidados do sacerdote João Bosco, San Pier
D’Arena: Tipografia e Libreria di San Vincenzo de’ Paoli, 1877. Foi publi­cada nas Letture Cattoliche,
25:5, maio de 1877. Ver texto em OE XXVIII, 449-565.
80
O arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 17 de maio de 1877, em Documenti XVIII, 142, ASC
A067: FDB 1047 A5.

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Dom Bosco: história e carisma 3

das vidas de santos e que estava fazendo o que se fazia em outros santuários
e em suas publicações, por exemplo, La Salette, Lourdes. Ceria observa que
o arcebispo não ficou satisfeito com a explicação e a discussão continuou
durante algum tempo.

Primeira página do folheto “A nuvenzinha do Carmelo”,


na edição de Sampierdarena (1877).

O arcebispo publicou no guia para compradores de livros populares,


Emporio Popolare, uma nota no sentido de que esta publicação, A nuvenzi-
nha, trazia um imprimatur “estrangeiro”. Nos Monita (Lembretes) do calen-
dário litúrgico de 1878, estabelecia disposições mais estritas em relação e esta
e outras questões relativas.81
Também estava em disputa a diferença subjacente à atitude dos dois
homens em relação ao “milagroso”. O arcebispo Gastaldi procurava elimi-
nar a hagiografia e religiosidade popular difundidas em publicações como as
Leituras Católicas. Sua formação universitária tornava-o mais crítico, como

81
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 18 de maio de 1877, em Epistolario III Ceria, 175-176,
MB XI, 450s.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

também mais sensível às provocações que os liberais lançavam sobre “a cre-


dulidade religiosa”. Dom Bosco, porém, considerava estas “graças” com a fé
imperturbada de uma época anterior.

Visita de dom Frederico Aneyros82


A visita do arcebispo de Buenos Aires criou outro incidente desagradá-
vel. Ele chegou à Itália com um séquito de 15 pessoas no dia 1o de junho para
uma longa visita; Dom Bosco serviu-lhe de anfitrião e guia até 17 de julho,
quando o prelado embarcou em Marselha para a Argentina.
Depois de passar por Roma e outras cidades, dom Aneyros ficou alguns
dias em Turim, convidado de honra dos salesianos. Há que se considerar
como lamentável a forma com que Gastaldi e sua cúria trataram o distinto vi-
sitante. Gastaldi, a pedido de Dom Bosco, permitiu que o visitante celebrasse
uma missa pontifical na igreja de Maria Auxiliadora, mas revogou a licença
no dia seguinte, devido ao conflito com o pontifical que ele mesmo oficia-
va na catedral. O arcebispo Aneyros foi ao palácio arquiepiscopal em duas
ocasiões para apresentar seus respeitos. Na primeira vez, dom Gastaldi não
estava disponível; na segunda vez, tinha ido à sua casa de campo. Para reparar
o dano, dom Gastaldi convidou dom Aneyros, somente ele, para o almoço.
O secretário do arcebispo entregou o convite, não diretamente, mas deu-o
a um menino do Oratório para que lhe entregasse, e foi embora. Diante da
falta de cortesia, o arcebispo Aneyros, alegando “compromissos anteriores”,
declinou do convite. A situação era embaraçosa. Em cartas dirigidas aos pa-
dres Cagliero e Lasagna, Dom Bosco falou aos missionários sobre essa visita,
um sucesso em tudo o mais. Não deixou, todavia, de expressar sua decepção
diante do comportamento inexplicável, ou talvez demasiadamente explicável,
do arcebispo Gastaldi.83

Padre Ângelo Maria Rocca, ex-seminarista diocesano


Aconteceu outro incidente lamentável nessa ocasião, abrindo velhas
feridas. Em 1873, Ângelo Maria Rocca ganhou a inimizade do arcebis-
po por deixar o seminário diocesano – ou ser expulso dele. Dom Bosco
também provocou a irritação do arcebispo acolhendo o “fugitivo” na casa
salesiana de Lanzo.

82
Pode-se ler uma crônica da visita em MB XIII, 133s, 139s.
83
Dom Bosco ao padre Cagliero, 30 de junho, e ao padre Lasagna, 16 de julho de 1877, em
Episto­lario III Ceria, 194-195, 198-200. Ao padre Cagliero, em MB XIII, 152.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Há testemunhos contraditórios sobre a forma com que Rocca deixou o


seminário. Inicialmente, a chancelaria afirmou que Rocca deixara o seminário
“contra a vontade do arcebispo”; mais tarde, que fora expulso do seminário,
como afirmou o cônego Francisco Maffei, o secretário que cuidou do assunto
Rocca em nome do arcebispo.84 Dom Bosco, porém, sustentava que Rocca
deixara o seminário por estar doente, estivera convalescendo algumas semanas
em Lanzo, depois regressou à sua família e, mais tarde, fez-se salesiano.85 Além
disso, como Dom Bosco teve a oportunidade de sustentar com certa ênfase,
em várias ocasiões foram pedidas as cartas testemunhais, que foram negadas;
afirmação essa que o arcebispo rejeitou.86 O próprio Rocca esclareceu esse
ponto numa carta ao padre Ceria.87 Ângelo Rocca fez-se salesiano, sem obter
as cartas testemunhais, e foi ordenado por dom Salvaj, bispo de Alessandria,
em 1876, em virtude do decreto de 25 de janeiro de 1848.
O recém-ordenado sacerdote quis celebrar a missa em sua localidade
natal de Rivara, paróquia da arquidiocese de Turim, na festa de São João
Batista, patrono da cidade, 24 de junho de 1877. Quando o pároco pediu
a permissão ao arcebispo, como explica o próprio Rocca,88 a cúria solicitou
informações sobre seus estudos de teologia, profissão religiosa, ordenação etc.
A resposta foi pouco satisfatória, e ele foi proibido de celebrar missa na dio-
cese. Contudo, mais tarde, ele decidiu celebrar a missa por conta própria
num oratório criado por Dom Bosco na casa da família Rocca, parte da qual
fora passada aos salesianos [!]; Dom Bosco apoiara-se no privilégio da capela
privada para as casas salesianas. A questão surgiu no início de novembro; a
cúria não demorou em reagir e assinalar a irregularidade da celebração e da
situação de Rocca como padre salesiano.89 Dadas as circunstâncias, as explica-
ções de Dom Bosco, que não foram aceitas, se é que fossem possíveis, foram
apresentadas na dura carta já citada de 22 de novembro. O arcebispo, ao res-
ponder, escreveu: “O melhor que pode fazer é apresentar-se ao seu arcebispo,
movido apenas pela humildade e a caridade”.90 Mais tarde, o cônego Maffei
encarregou-se de escrever a Dom Bosco em termos mais severos:
84
Cônego Maffei ao padre Rua, 9 de novembro de 1877, em MB XIII, 355. Cônego Maffei a
Dom Bosco, 4 de dezembro de 1877, em Documenti XVIII, 396-397, ASC A067: FDB 1051 B7-8.
85
MB XIII, 359.
86
Padre Rocca ao padre Ceria, 4 de março de 1931, em MB XIII, 375, nota 2, data corrigida.
87
Padre Rocca ao padre Rua, 7 de novembro de 1877, em Documenti XVIII, 363 em ASC A067:
FDB 1050 D10.
88
Cônego Maffei ao padre Rua, 9 de novembro de 1877, em MB XIII, 359s.
89
Arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 23 de novembro de 1877, em MB XIII, 366.
90
Carta de 4 de dezembro de 1877, em Documenti XVIII, 396-397, em ASC A067: FDB 1051
B7-8; MB XIII, 373s. Para a carta de 9 de novembro, ver MB XIII, 359s.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Em sua carta de 29 de maio de 1873, o senhor escreveu sobre Rocca:


“O seminarista Rocca não foi admitido na escola de Lanzo nem como
membro de nossa congregação nem como seminarista diocesano, mas uni-
camente como um paciente para a convalescência de algumas semanas.
Foi-lhe concedido com a condição explícita de que obtivesse a permissão
escrita de seu superior eclesiástico [caso quisesse entrar na congregação]”.
Obviamente, quando um seminarista merece ser expulso do seminário é,
sem dúvida, não adequado para uma congregação religiosa... Sua afirma-
ção fez supor a sua excelência que Rocca deixara a Congregação Salesiana.
Só recentemente [o arcebispo] descobriu, para sua surpresa, que Rocca já
é sacerdote, ordenado sabe-se lá por quem. Por outro lado, padre Rocca
acredita ter o privilégio não só de uma capela particular, como também
de um altar portátil.91

O assunto Rocca e os argumentos, amargos e tortuosos que evocava, de-


monstram claramente que, no final de 1877, já não era possível a coincidên-
cia dos pontos de vista. O indício mais claro de que se chegara a um ponto
sem retorno talvez fosse o fato de uma das partes estar disposta a adulterar a
verdade, embora fosse apenas para defender sua própria posição.

Padre João Perenchio e padre José Lazzero92


Ao mesmo tempo, acontecia um choque ainda mais grave. Referia-se ao
padre João Perenchio, sacerdote da diocese de Ivrea, cujo bispo era dom Luís
Moreno, e, por associação, ao vice-diretor do Oratório, padre José Lazzero e,
também, ao próprio Dom Bosco.
Padre João Perenchio chegou a Turim em 3 de agosto de 1877, com a
intenção de entrar na Congregação; foi admitido rapidamente como aspiran-
te (ou noviço?). Dom Moreno, não mais amigo de Dom Bosco pela questão
da propriedade das Leituras Católicas, suspendeu-o a divinis e enviou o do-
cumento à cúria de Turim, pedindo que lhe fosse entregue pessoalmente. A
entrega do decreto, porém, foi adiada. Seguiu-se um intercâmbio de cartas
entre o cônego Jacinto Chiaverotti, que agia em nome do arcebispo, e o padre
91
A história, com a do padre Rocca, é contada com detalhes em MB XIII, 331s.
92
Ao escrever ao cônego Chiaverotti, padre Lazzero fala do padre Perenchio como noviço (carta
de 25 de agosto de 1877, em MB XIII, 334). Numa declaração apresentada à chancelaria em nome de
Dom Bosco, padre Rua afirma que o padre Perenchio “foi admitido como aspirante na congregação”
(7 de setembro de 1877, em MB XIII, 341). Escrevendo ao cardeal Ferrieri, Dom Bosco, sobre ele, diz
“ter sido recebido na Congregação Salesiana” (carta de 14 de setembro de 1877, em MB XIII, 337). Na
prática, dadas as circunstâncias, não havia diferença.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Lazzero.93 Em resposta às repreensões da cúria, Lazzero admitiu que Peren-


chio estivesse no Oratório por algum tempo e lhe fora permitido celebrar
missa, confiando na palavra de um padre da paróquia que o acompanhava.
Ele pedira para ser salesiano e estava-se providenciando para obter as cartas
testemunhais de seu bispo.
A carta ao padre Rua, de 24 de agosto de 1877, ditada segundo declara-
ção posterior do padre Chiaverotti pelo próprio arcebispo,94 marcou o curso
das disputas que se seguiram. A carta continha três elementos: 1o Proibia que
o padre Perenchio celebrasse missa. 2o Punha em dúvida a validade de sua ad-
missão na Congregação sem as cartas testemunhais de seu bispo. 3o Afirmava
que nem o padre Perenchio nem qualquer membro professo, “sem licença do
ordinário, podia celebrar a missa em igrejas que não sejam da sociedade”.95
Ressurgiu, assim, o longo conflito relacionado com a aceitação de clérigos
estrangeiros por Dom Bosco e sua admissão na Congregação sem o consenti-
mento do ordinário; a proibição, de redação não usual, relativa a “qualquer
membro professo”, levou os opositores praticamente à beira da ruptura.
Padre Perenchio recebeu a ordem restritiva que o proibia de celebrar
missa, embora, como diria mais tarde,96 nunca lhe fosse entregue o decreto de
suspensão. Não obstante, padre Lazzero pediu-lhe que se abstivesse de cele-
brar. Em seguida, foi rapidamente transferido de Turim para Sampierdarena,
diocese de Gênova.97
A carta voltou a levantar a espinhosa questão das cartas testemunhais re-
queridas para a admissão de um noviço numa congregação religiosa. Padre Pe-
renchio foi catalogado como noviço irregular por não ter obtido as necessárias
cartas testemunhais do seu ordinário, o bispo de Ivrea. Como no caso do semi-
narista Rocca, também aqui Dom Bosco garantiu mais tarde ao cardeal Ferrieri
que solicitara as cartas testemunhais e que estas lhe foram negadas. Escreveu:
93
Afirmação do Cônego Chiaverotti, recolhida em MB XIII, 340.
94
Cônego Chiaverotti ao padre Rua, 24 de agosto de 1877, em Documenti XVIII, 211, em ASC
A067: FDB 1048 B2; MB XIII, 331s.
95
Afirmação do padre Perenchio, em MB XIII, 362.
96
MB XIII, 334.
97
Dom Bosco ao cardeal Ferrieri, 12 de outubro de 1877, em Epistolario III Ceria, 227­-229; MB
XIII, 350s. A declaração de 7 de setembro (MB XIII, 157s) é quase idêntica: “Em conformidade com
as prescrições da Santa Sé, acreditou-se conveniente solicitar uma carta testemunhal ao bispo do padre
Perenchio, que não considerou oportuno concedê-la. Esta é para notificá-lo a vossa excelência, em con-
formidade com o decreto Regularis Disciplinae de 25 de janeiro de 1848”. A oposição permanente de
dom Moreno a Dom Bosco pode explicar sua negativa para expedir cartas testemunhais de um padre
que, em sua opinião, desertara e unira-se ao inimigo. Padre Perenchio, não obstante, já fora suspenso
a divinis, o que obviamente iria contra a entrega de testemunhos. Por que ele foi suspenso? Por que
queria ser salesiano ou, como o decreto parece esclarecer, “era culpável de delitos?” (MB XIII, 333).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Foram solicitadas as cartas testemunhais ao ordinário [do padre Perenchio];


mas [ele] houve por bem não concedê-las, [e] nem sequer enviar uma respos-
ta. Então [informei] à sagrada congregação dos bispos e regulares, em confor-
midade com o decreto papal de 25 de janeiro de 1848.98

Sobre esta matéria, deve-se recordar que Dom Bosco obtivera uma dis-
pensa, vivae voci oraculo, de Pio IX. A afirmação de Dom Bosco ao cardeal
Ferrieri é inequívoca: Pio IX concedera, primeiramente, uma dispensa limi-
tada aos alunos salesianos que desejassem entrar na congregação e, depois,
generalizou o privilégio. As duas concessões foram registradas na Congrega-
ção dos Bispos e Regulares.99 Aparentemente, porém, apesar das concessões,
o arcebispo Gastaldi e, neste caso, o prefeito da congregação romana, cardeal
Ferrieri, exigiram que a prescrição canônica fosse respeitada sem exceções. Te-
mos aqui mais um exemplo de duas posições em conflito: o privilégio papal
a favor de Dom Bosco contra a prática canônica da congregação romana em
apoio à autoridade episcopal. É neste contexto que, parece, deve ser interpre-
tada a resposta do cardeal Ferrieri a Dom Bosco:
Somente esta sagrada congregação pode eximir da observância estrita dos decretos
papais [do direito canônico em vigor] relativas à admissão dos candidatos à Con-
gregação Salesiana. Perceba-se a importância que tem para seu instituto que o so-
licitante apresente as cartas testemunhais de seus respectivos ordinários, pois elas
informam sobre a boa ou má conduta de tais solicitantes. Ao mesmo tempo em
que se solicita o seu escrupuloso respeito aos decretos papais sobre este assunto,
entende-se que não se lhe proíbe a apresentação dos documentos pertinentes, nos
quais parece basear sua convicção de que estão dispensados de tal observância.100

No caso do seminarista Rocca e do padre Perenchio, contudo, Dom


Bosco não apelara para este privilégio; mas, talvez, para evitar uma irritação
maior, pedira as cartas testemunhais, embora fosse apenas por mera formali-
dade. Em todo caso, tivesse ou não obtido as dimissórias, estaria garantido.
Muito mais grave foi a carta de 24 de agosto, contendo uma proibição
que, interpretada de modo errôneo, provocou um verdadeiro bate-boca101 e
grande sofrimento para todos os interessados.

98
Para a afirmação de Dom Bosco ao cardeal Ferrieri, ver MB XIII, 337.
99
MB XIII, 350. Essas concessões não lhe foram dadas por escrito, mas oralmente (vivae vocis
oraculo). Foram notificadas (e arquivadas?) à congregação romana, ver MB XIII, 386.
100
Para a história e a relativa correspondência, ver MB XIII, 332s.
101
Dom Bosco entendeu, também, que era uma proibição clara. Ao apresentar ao Papa o memorando
que enviara anteriormente ao cardeal, fazia notar: “O arcebispo... afirmava... que sua carta fora mal-interpre-
tada. Apesar disso, quem a lê, eu acredito, só pode entendê-la como uma real proibição” (MB XIII, 353s).

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Dom Bosco: história e carisma 3

A carta dizia: “Nem [o padre Perenchio] nem qualquer membro professo


pode celebrar missa, sem a licença do ordinário, nas igrejas que não pertençam
em sentido estrito à ordem religiosa”. Padre Lazzero atuando, sem dúvida, de
boa fé, entendeu a frase como uma proibição geral,102 ou seja, interpretou que
no futuro, os padres salesianos não poderiam celebrar a missa nas paróquias
e comunidades religiosas da arquidiocese, sem uma permissão explícita do
arcebispo. Tratava-se de uma medida de represália cruel e não usual da parte
do arcebispo, que os salesianos acataram. Escrevendo nesse sentido ao cônego
Chiaverotti, padre Lazzero acrescentava: “Então vou informar em seguida...
aos párocos que disponham de outro modo”.103 Era à tarde de sábado. Esperou
até a manhã de domingo uma resposta da chancelaria; ao nada receber, avisou
às diversas igrejas de comunidades paroquiais ou religiosas, que o padre sale-
siano habitual não estaria disponível para a missa, a menos que “se conseguisse
uma licença por escrito das autoridades eclesiásticas”.104 O resultado foi que
grande número de fiéis se viram privados da missa naquele domingo. Mais
tarde, o arcebispo descreveria como “caos nas sacristias” a confusão criada em
numerosas igrejas nas quais os salesianos costumavam celebrar.105
Obviamente, o arcebispo Gastaldi jamais imaginou que a sua declaração
fosse interpretada dessa forma e fez o padre Lazzero plenamente responsável e
partícipe “do desastre de 26 de agosto”, do escândalo provocado e do dano es-
piritual causado aos fiéis. Como consequência, suspendia-o de ouvir confissões
durante dezoito dias. Aos salesianos que solicitaram permissão para celebrar,
em conformidade com a leitura literal da carta, foi dito que o arcebispo não
proibira nesses termos. Foi dito também a algumas comunidades religiosas que

102
Padre Lazzero ao cônego Chiaverotti, 25 de agosto de 1877, em MB XIII, 334s.
103
MB XIII, 336. Padre Lazzero especificava que a permissão seria por escrito, como cautela
adicional.
104
Ver mais adiante o Memorando de 15 de outubro de 1877, nota 114.
105
A redação da proibição estabelecida na carta é, sem dúvida, obscura. De fato, prestar-se-ia a
uma interpretação generalizada entendida à margem do específico contexto diocesano. Nenhum sacer-
dote proveniente de outra diocese, por qualquer motivo, poderia celebrar a missa em qualquer igreja
ou oratório sem apresentar suas credenciais ao arcebispo e obter a licença. Por outro lado, o arcebispo
estabelecera a rigorosa política no recente calendário litúrgico: nenhum sacerdote, diocesano ou religio-
so, poderia celebrar a missa ou administrar os sacramentos nas igrejas da arquidiocese sem a sua licença
explícita, não necessariamente por escrito. Assim, dom Gastaldi explicou a proibição ao cardeal Ferrieri:
“As palavras ‘nem ele nem qualquer membro professso etc.’ foram acrescentadas unicamente para indi-
car que, embora o padre Perenchio fosse verdadeiro noviço ou membro professo..., o arcebispo poderia
proibir de celebrar a missa nas igrejas da diocese... Mas o decreto não cancelava qualquer autorização
explícita emitida anteriormente, em força da qual havia exercido o ministério um considerável número
de sacerdotes ao longo dos anos” (dom Gastaldi ao cardeal Ferrieri, 19-28 de setembro de 1877, em
Documenti XVIII, 236 -243, em ASC A067: FDB 1048 D3-10; em MB XIII, 339).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

os salesianos tinham licença para celebrar a missa se assim o desejassem. O ar-


cebispo, por meio do vigário-geral, cônego José Zappata, pediu que a carta de
24 de agosto fosse devolvida para, possivelmente, examinar a sua exata redação.
Posteriormente, ela foi novamente devolvida ao padre Lazzero, acompanhada
de um decreto que o suspendia por um período indefinido de tempo.106
O arcebispo exigiu uma desculpa pelo “enorme erro” de 26 de agosto,
fosse do padre Lazzero, do padre Rua ou de Dom Bosco. O ultimato para uma
desculpa por escrito chegou no dia 9 de setembro de 1877. Se os salesianos
se desculpassem “o arcebispo considerará encerrada a desagradável questão de
modo satisfatório; caso contrário, ele ver-se-á obrigado a recorrer a todos os
meios necessários para salvaguardar a sua discrição e autoridade”. Na carta,
dom Gastaldi reconhecia que Lazzero não agira de má-fé, mas acrescentava
que “se cometeram erros flagrantes, que, embora não intencionados, foram
sem dúvida o resultado da falta de critério e de pensamento pouco sensato;
com isso, comprometeu-se a autoridade divina do bispo e da santa Igreja”.
Apesar da retórica da “autoridade divina” e sua aparente arrogância, o arcebis-
po oferecia, segundo nosso parecer, uma maneira realista de sair do atoleiro, admi-
tindo que tudo não passara de um erro honesto, embora tolo.107 Os superiores sa-
lesianos não pediram qualquer desculpa por irregularidades que, em seu modo de
ver, nenhuma era aceitável. Em carta de 4 de novembro de 1877, o amável padre
Rua garantia ao cônego Francisco Maffei, da cúria, que os salesianos “sentiam-se
profundamente entristecidos ao tomar conhecimento do desgosto de sua exce-
lência, causado pelo desagradável incidente das missas de agosto passado”. Esta
confissão, porém, não foi aceita, porque não pedia a desculpa formal solicitada.108
Em todo caso, um pedido de desculpa poderia ter encerrado o episódio
e deixar o arcebispo satisfeito; contudo, havia assuntos sem resolver e dema-
siadas situações de conflito, para que qualquer desculpa tivesse relevância.
O litígio manteve-se sem esperança de solução.

Apelações e contra-apelações
Este episódio, somado aos demais que o precederam e acompanharam, pro-
duziu um intenso intercâmbio epistolar ao longo da segunda metade de 1877.

Arcebispo Gastaldi ao padre Rua, 9 de setembro de 1877, em MB XIII, 353.


106

Padre Rua ao cônego Maffei, 4 de novembro de 1877, em MB XIII, 356s. A resposta, cônego
107

Maffei ao padre Rua, 23 de novembro de 1877, em MB XIII, 370s.


108
Arcebispo Gastaldi ao cardeal Ferrieri: [1, 2], 26-31 de agosto de 1877, em ASC A114
Gastaldi e i salesiani: FDB 659 B5-8 e 9-11; em MB XIII, 336; [3], 19-28 de setembro de 1877, em
Documenti XVIII, 236-243, em ASC A067: FDB 1050 B8-C7, MB XIII, 335s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

São de particular interesse as cartas dirigidas pelos protagonistas ao car-


deal Ferrieri, prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares: acusações e
apelações de dom Gastaldi, contra-acusações e contra-apelações de Dom
Bosco. Era evidente que, tendo chegado a esse ponto, o ato final do drama
seria julgado em Roma, embora ninguém pudesse prever nesse momento o
caráter trágico da sua solução.

Frontispício da circular de dom Gastaldi sobre a


formação dos seminaristas (2 de janeiro de 1873).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi.1. Da aprovação das ...

Gastaldi apresentou suas queixas ao cardeal em três longas e detalhadas


cartas, nas quais, sem piedade, maltratava Dom Bosco e os salesianos. Além
de narrar os recentes desconcertantes episódios, acusava Dom Bosco e os
salesianos de recrutarem fraudulentamente vocações de jovens, de dar abrigo
a clérigos “fugitivos”, de solapar a autoridade episcopal, de criar uma diocese
dentro da diocese, de enfrentar o arcebispo com o clero e o povo.109
Avisado duas vezes pelo cardeal Luís Oreglia sobre esses ataques que, em
seguida, seria o protetor da Congregação, Dom Bosco respondeu com cartas
sobre suas queixas. Suaves no tom, eram uma tentativa de “esclarecer as coi-
sas” sobre os recentes desacordos.110 Respondendo-lhe, longe de dar satisfação
a Dom Bosco, o cardeal Ferrieri exortava-o unicamente a agir em conformi-
dade com os procedimentos canônicos.111 Como Dom Bosco continuou a
citar privilégios especiais recebidos de Pio IX, uma das constantes queixas
de dom Gastaldi, o cardeal Ferrieri solicitou-lhe que apresentasse uma lista
completa desses privilégios, “para assim ajudar aos eminentíssimos cardeais
no exame das queixas”.112 Provavelmente não é justo ver esse pedido como
atitude hostil, como fazem os biógrafos de Dom Bosco. Entretanto, é fato
que, entre os cardeais, Ferrieri era, talvez, o que mais simpatizava com a causa
do arcebispo Gastaldi e menos com a de Dom Bosco. As acusações contra
Dom Bosco, com ênfase especial no assunto Perenchio-Lazzero, foram objeto
de um segundo folheto escrito e publicado de forma anônima pelo arcebispo
em 15 de outubro de 1877, para circular exclusivamente entre os cardeais ro-
manos e um seleto número de bispos. Intitulava-se “O arcebispo de Turim e a
Congregação de São Francisco de Sales”.113 A extensa resposta de Dom Bosco,
que continha 32 observações, não se fez esperar.114 Mediante carta de 25 de
novembro, o arcebispo solicitou a Dom Bosco que não escrevesse nem fizesse
escrever qualquer coisa contra ele, a menos que fosse dirigido à autoridade
suprema em Roma, e isso, sob a ameaça de suspensão de ouvir confissões.115

109
Dom Bosco ao cardeal Ferrieri, 14 de setembro e 12 de outubro de 1877, em MB XIII, 337s.
110
Cardeal Ferrieri a Dom Bosco, 10 de outubro de 1877, em MB XIII, 349.
111
Cardeal Ferrieri a Dom Bosco, 14 de novembro de 1877, em MB XIII, 360.
112
L’arcivescovo di Torino e la Congregazione di San Francesco di Sales (detta perciò salesia­na).
Stampato riservato per gli eminentissimi cardinali ed alcuni arcivescovi e vescovi [O arcebispo de
Turim e a Congregação de São Francisco de Sales (por isso, chamada comumente salesiana). Impresso
exclusivo para os eminentíssimos cardeais e alguns arcebispos e bispos]. Turim: Marietti, 1877, em
Documenti XVIII, 337-348, em ASC A067: FDB 1052 A5-B4; MB XIII, 353. O folheto de 11 páginas
tratava principalmente das queixas relacionadas ao ano de 1877.
113
Dom Bosco como em Documenti XVIII, 349-354, em ASC A067, FDB 1052 B5-10.
114
MB XIII, 371.
115
Padre Murialdo ao arcebispo Gastaldi, 18 de setembro; padre Testa a Dom Bosco, 29 de
setembro de 1877, em MB XIII, 345s.

319

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Dom Bosco: história e carisma 3

Enquanto eram feitos estes intercâmbios, padre [São] Roberto Murial-


do, em carta ao arcebispo Gastaldi, ofereceu-se como mediador no conflito.
Pouco mais tarde, o teólogo jesuíta, padre Luís Testa, comentou sobre a
possibilidade de uma mediação com o assessor de confiança de Gastaldi,
padre Félix Carpignano, da Congregação do Oratório. Nenhuma destas
iniciativas prosperou.116
No início de 1878, dom Gastaldi e Dom Bosco estavam em Roma no
momento da morte de Pio IX e da sucessão de Leão XIII, procurando solu-
cionar seus assuntos com a Congregação dos Bispos e Regulares. De volta a
Turim, assessorado pelo procurador Menghini, o arcebispo escreveu ao domi-
nicano padre Tomás Tosa, advogado da mesma congregação, para perguntar
sobre o status da Congregação Salesiana e indagar sobre vários outros temas.
A resposta de Tosa foi específica:
1o A Congregação Salesiana, desde sua aprovação definitiva em 1874,
gozava do privilégio de imunidade da jurisdição episcopal em relação ao seu
regime interno, apesar de ainda não lhe ter sido concedida a totalidade dos
privilégios tradicionais.
2o Sem um privilégio especial, era preciso obter as cartas testemunhais
para entrar na vida religiosa; mas o ordinário não as podia negar a um solici-
tante digno, leigo ou sacerdote, pois a Igreja defende a liberdade pessoal em
relação à vocação religiosa.
3o A “formulação expressa” da carta que levou às desordens de 26 de agos-
to, “à primeira vista”, justificava a interpretação dada pelos salesianos. Con-
cluindo, padre Tosa exortava o arcebispo a agir segundo suas sugestões (parece
que ele esboçara as condições para a reconciliação) e que fizessem as pazes.
Criara-se enquanto isso outro incidente, dando novo impulso ao confli-
to. No início de dezembro de 1877, como resposta ao memorando de dom
Gastaldi aos cardeais e a suas ameaças de suspensão, apareceu o primeiro pan-
fleto anônimo contra o arcebispo, a chamada “Carta do cooperador salesia-
no”, da qual naturalmente os salesianos foram responsabilizados. Era apenas
o primeiro de uma série de libelos anônimos escritos contra o arcebispo. Esses
folhetos e os duros enfrentamentos que se seguiram a respeito de sua autoria,
fecharam todas as possibilidades de acordo, se é que ainda restasse alguma, e
marcaram o ponto do não retorno.

Procurador Menghini ao arcebispo Gastaldi, 29 de dezembro de 1877, em MB XIII, 468,


116

resumo dos papéis de Gastaldi e do padre Domingos Franchetti; padre Tosa ao arcebispo Gastal­di, 28
de março de 1878, em MB XIII, 508s.

320

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Apêndice

CRONOLOGIA DO CONFLITO SEGUNDO AS


MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

1874
Dom Gastaldi acusa Dom Bosco de insubordinação. Dificuldades com
o retiro espiritual em Lanzo (MB X, 828s).

1875
A Santa Sé submete a querela entre dom Gastaldi e Dom Bosco à arbi-
tragem do arcebispo Celestino Fissore, de Vercelli (MB XI, 89s).

1875-1876
Dificuldades de Dom Bosco com dom Gastaldi em relação ao projeto
dos Filhos de Maria e os Salesianos Cooperadores (MB XI, 36s, 53s, 69s).
Dom Bosco suspenso de ouvir confissões (MB XI, 479s).

1877
Dificuldades de Dom Bosco com dom Gastaldi em relação à publicação
das graças de Maria Auxiliadora (MB XIII, 367s; Epistolario Ceria III, 175).
Problemas dos padres Rocca, Perenchio e Lazzero com dom Gastaldi
(XIII MB, 331s).
Conflito entre dom Gastaldi e Dom Bosco pela publicação de uma carta
anônima crítica contra Gastaldi (MB XIII, 376s; XIV, 256s). Problemas rela-
tivos ao libelo (MB XIII, 353s).
Dificuldades de Dom Bosco e padre Bonetti com dom Gastaldi em
relação à igreja de São João Evangelista como monumento a Pio IX (MB
XIII, 574s).

321

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Dom Bosco: história e carisma 3

1878-1879
Conflito de Dom Bosco e padre Bonetti com dom Gastaldi em relação ao
Oratório Santa Teresa, para meninas, das Filhas de Maria Auxiliadora em Chieri;
padre Bonetti é suspenso de ouvir confissões (MB XIII, 703s; XIV, 231s).

1880-1881
A questão Bonetti é levada perante a Congregação do Concílio (MB
XV, 188s).

1878-1882
O conflito entre Dom Bosco e dom Gastaldi sobre outros sete panfletos
anônimos; processo de dom Gastaldi contra Dom Bosco por difamação e o
julgamento perante o Santo Ofício (MB XV, 227s; 282s).

1882
Leão XIII ordena a reconciliação entre dom Gastaldi e Dom Bosco-pa-
dre Bonetti, segundo os termos do documento (Concordia) desfavorável aos
salesianos (MB XV, 263s).
O documento é assinado com relutância [julho] pelo procurador salesia-
no, padre Dalmazzo (MB XV, 264s).
Consagração da igreja de São João Evangelista, feita por dom Gastaldi
(MB XV, 378s).

1883
Morte repentina de dom Gastaldi (1o de abril, domingo de Páscoa). Pa-
dre Bonetti retorna a Chieri; avaliação de Ceria (MB XVI, 78s).

322

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Capítulo IX

O CONFLITO DE DOM BOSCO COM SEU


ARCEBISPO, DOM GASTALDI.
2. DO SURGIMENTO DOS FOLHETOS
ANTI-GASTALDI À RECONCILIAÇÃO
FORÇADA POR LEÃO XIII (1877-1882)

1. Terceira fase do conflito (1877-1880)


A “troca de guarda” em Roma e as consequentes inovações produziram
um novo cenário no conflito entre dom Gastaldi e Dom Bosco. Em 1876
dera-se a mudança dos dirigentes na Congregação dos Bispos e Regulares: o
arcebispo, depois cardeal, Eneas Sbarretti, sucedeu a dom Vitelleschi como
secretário, e o cardeal Inocêncio Ferrieri, ao cardeal Bizzarri como prefeito da
Congregação. Foi, talvez por isso, e não pela ambiguidade demonstrada pelo
seu procurador em Roma, Carlos Menghini, que levou Dom Bosco, em fins
de dezembro de 1877, a contratar um novo advogado, Constantino Leonori,
como seu novo conselheiro em Roma.1 O fator mais decisivo foi, sem dúvida,
a sucessão no trono papal: Pio IX morrera em 7 de fevereiro de 1878 e, no dia
20 seguinte, era eleito o papa Leão XIII.

Campanha anônima contra dom Gastaldi


As reformas aprovadas por dom Gastaldi na arquidiocese de Turim
obtiveram, certamente, bons resultados. Contudo, as medidas utilizadas,
especialmente pela sua dureza, nos sínodos e decretos, suas discutíveis
nomeações e destituições e seu frequente recurso à suspensão canônica

1
MB XIII, 507. Dom Bosco, parece, dispensou o advogado Menghini que desponta, desde
então, como conselheiro de dom Gastaldi em Roma.

323

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Dom Bosco: história e carisma 3

criaram-lhe muitos inimigos. Como consequência, alguns buscaram alívio


recorrendo a escritos anônimos.

Carta do cooperador salesiano


Essa carta foi o primeiro opúsculo que apareceu. O arcebispo, natural-
mente, supôs que os salesianos estavam envolvidos. Seguiu-se uma disputa
acirrada, que durou todo o mês de dezembro de 1877 e a primeira parte de
1878, uma contenda que aumentaria depois com o surgimento de novos
escritos anônimos.2

Folhetos difamatórios contra dom Gastaldi, publicados em 1879: 1o A questão


rosminiana e o arcebispo de Turim. 2o O arcebispo de Turim, Dom Bosco e
padre Oddenino. 3o Breve ensaio sobre o ensinamento de dom Gastaldi.

Dom Bosco e os salesianos entendiam que os fatos relatados na carta


eram exatos. Confirma-o uma declaração na crônica de Barberis, que reflete a
opinião de Dom Bosco.3 O arcebispo, porém, através do cônego Maffei, em
15 de dezembro, exigiu que Dom Bosco publicasse sua desaprovação à carta

2
Para a controvérsia sobre a anônima Carta do salesiano cooperador e a relativa correspondência,
ver MB XIII, 376s.
3
“Contudo, um autor anônimo, que se identificava como “cooperador salesiano”, publicou
uma carta [aberta] em defesa de Dom Bosco. Seu conteúdo é verídico, mas se apresenta com certo tom
hostil e desdenhoso. O arcebispo tomou-o como grande ofensa” (Barberis, Cronichetta, caderno 13,
17-18, em ASC A000: FDB 845 C2-3).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

ofensiva num dos principais jornais católicos. Dom Bosco já escrevera ao


arcebispo, garantindo-lhe que nem ele nem qualquer salesiano participaram
de modo algum nessa publicação e expressando-lhe sua repulsa pelo tom
ofensivo. Já que lhe exigia agora uma desautorização pública, queria saber
exatamente o que deveria impugnar além do tom insolente.4
Depois de o conde César Trabucco de Castangnetto tentar uma falida
mediação na disputa, em 18 de dezembro, Dom Bosco foi a Roma, de onde
se mantinha informado sobre o que se passava em Turim. O capítulo dos cô-
negos numa declaração de apoio dirigida ao arcebispo condenou a carta, mas
prudentemente absteve-se de mencionar Dom Bosco ou os salesianos. Os 14
párocos da cidade, contudo, estavam divididos sobre a questão e não dirigiram
qualquer carta coletiva ao arcebispo.5 Entretanto, dom Gastaldi não respon-
deu a Dom Bosco; em vez disso, publicou uma réplica à carta, em 20 pontos
enviando-a ao cardeal Oreglia.6 Este a mostrou a Dom Bosco em Roma no dia
26 de dezembro.7 Em resposta aos pedidos recebidos, o cardeal Ferrieri proibiu
que os salesianos cooperadores publicassem qualquer escrito que tivesse a ver
com uma controvérsia que agora estava perante a congregação romana.
Dado que a carta já era de domínio público, Dom Bosco redigiu uma
advertência, escrita com cuidado e destinada à imprensa, na qual, pessoal-
mente e em nome dos salesianos, condenava “a linguagem ofensiva e o estilo
irreverente” da mesma. Seria esta a declaração que consta nas Memórias Bio-
gráficas, como supostamente publicada no número do Boletim Salesiano de
janeiro de 1878 e elogiada pelo padre Maximiliano Bardessono.8 Entretanto,
a advertência, tal como foi publicada no Boletim Salesiano, é consideravel-
mente diferente. Antes de condenar a linguagem e o estilo da carta, a declara-
ção, já não mais de Dom Bosco pessoalmente, talvez do editor padre Bonetti,

4
Cônego Maffei a Dom Bosco, 5 de dezembro; Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 9 de dezem-
bro; cônego Maffei a Dom Bosco, 10 de dezembro; Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 12 de dezembro
de 1877, em MB XIII, 376s; Epistolario III Ceria, 248-250.
5
Documenti XVIII, 426f, em ASC A067: FDB 1051 D11f.
6
“Risposte alle accuse della lettera stampata a Torino coi tipi di Camilla e Bartolero “[Réplicas
às acusações contidas na carta publicada em Turim pela Tipografia de Camilla e Bartole­ro]. Turim, 21
de dezembro de 1877, em Documenti XVIII, 430-433, em ASC A067: FDB 1051 E3-6.
7
A data, segundo as notas do padre Berto, em FDB 662 C4.
8
Para a declaração supostamente publicada no Boletim Salesiano, ver MB XIII, 384. Carta do padre
Bardessono a Dom Bosco, 20 de janeiro de 1878, em Documenti XIX, 52 [51-54], em ASC A068: FDB
1053 D2 [1-4]; extrato em MB XIII, 342. Padre Maximiliano Bardessono, estimado sacerdote conser-
vador da arquidiocese, era uma das “vítimas ilustres de Gastaldi”; na longa carta, marcada por amargas
palavras contra o arcebispo e sua cúria, elogiava a declaração de Dom Bosco pela sua calma, prudência e
discrição. Para um juízo negativo sobre Bardessono e sua carta, ver G. Tuninetti, Gastaldi II, 61.

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Dom Bosco: história e carisma 3

expressa a gratidão dos salesianos pelo escritor anônimo por levantar-se em


defesa da congregação e não nega nenhuma das acusações da carta.9

Cinco panfletos contra dom Gastaldi


A Carta do cooperador não foi, em absoluto, a pior das publicações anô-
nimas contra o arcebispo no período 1877-1879. Para clareza, enumeram-se
e descrevem-se, em seguida, os cinco folhetos difamatórios:10
1. Carta do cooperador, dos inícios de dezembro de 1877.11 Trata-se
de uma breve exposição, de três páginas, sobre a perseguição de
dom Gastaldi à Sociedade Salesiana, de 1873 até o momento de
sua redação.
2. Primeiro Presente do capelão, 2 de abril de 1878.12 Primeira “oferta
literária” do “capelão” ao clero, que consistia numa “revisão” do
calendário litúrgico diocesano para esse ano. O calendário era o
veículo normal utilizado por dom Gastaldi para dirigir-se ao cle-
ro sobre diversos temas. O capelão fustiga as políticas pastorais e
diretrizes do arcebispo, com referência especial à sua oposição à
Congregação Salesiana.
3. Segundo Presente do capelão, março de 1879.13 Sob o título A ques-
tão rosminiana, este segundo presente ao clero era uma coleção de
artigos escritos por dom Gastaldi em defesa de Antônio Rosmini e
publicados por ele em seu próprio jornal, Il Conciliatore, no final dos
anos quarenta. A finalidade dessa antologia, cheia de comentários
9
Bollettino Salesiano 2:1 (1878), 12: FDB 107 B2: “Nós, de nossa parte, estamos agradecidos a
este escritor não identificado e agradecemos sua disposição de falar em nossa defesa... Por outro lado,
reprovamos sem reservas o tipo de linguagem que usou ao falar do arcebispo de Turim”. Como mais
tarde foi revelado pelo padre João Turchi, o misterioso autor não era outro senão o padre João Batista
Anfossi, ex-aluno do oratório e amigo íntimo dos salesianos.
10
MB XV, 228s; F. Desramaut, Don Bosco, 1145-1149.
11
Lettera sull’Arcivescovo di Torino e sulla Congregazione di San Francesco di Sales. Un po’ di luce
[Carta sobre o arcebispo de Turim e sobre a Congregação de São Francisco de Sales. Um pouco de luz]. Turim,
Tip. Camilla e Bartolero [s/d], 3. É dirigida a um “vigário” que enviara ao autor uma cópia do folheto
de dom Gastaldi, L’Arcivescovo di Torino, no qual o arcebispo relatava suas obras de beneficência para
com a Sociedade Salesiana. O escritor assina como “um ex-aluno do Oratório, que se honra de ser um
salesiano cooperador”, em Documenti XVIII, 405-407, ASC A067: FDB 1051 C3-5; MB XIII, 376.
12
Strenna pel Clero, ossia Rivista sul Calendario liturgico dell’arcivescovo di Torino, scritta da un
cappellano [Presente para o Clero, ou seja, uma revista sobre o calendário litúrgico do arcebispo de Turim,
escrita por um capelão]. Turim, Tip. G. Bruno e C., 1878, 88p.
13
La questione rosminiana e l’arcivescovo di Torino. Strenna pel Clero, compilata dal cappe­llano,
anno II [A questão rosminiana e o arcebispo de Turim. Presente para o clero, pelo capelão, ano II]. Turim,
Tip. G. Bruno e C., 1879, 144p.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

injuriosos, era difamar o nome do arcebispo e apresentá-lo como


pouco ortodoxo.14
4. O Breve ensaio, março de 1879.15 Talvez o folheto mais importan-
te, era um ataque sistemático a Gastaldi por sustentar e defender a
doutrina de Rosmini, “contra o ensinamento da Igreja”.
5. A História de Chieri, maio de 1879.16 Era uma defesa detalhada
do padre Bonetti e do Oratório das Filhas de Maria Auxiliadora,
de Chieri, atacando o arcebispo e o pároco, padre Oddenino, por
sua oposição e suas atitudes punitivas. Este assunto, que levou à
suspensão do padre Bonetti, converter-se-ia na célebre causa do
conflito Bosco-Gastaldi.
Globalmente considerados, os folhetos, em particular o Breve ensaio,
não eram mais do que uma maliciosa miscelânea, injuriosa e difamatória,
destinada a envenenar a mente das pessoas contra o arcebispo, que tendia,
também, a corromper os clérigos:
Excelência, suas ações demonstraram ser indigno do posto que ocupa. Sua
luta com a Santa Sé... fê-lo objeto de desprezo diante do clero e diante do
povo... Renuncie!

Ele era acusado de ser um rebelde:


É do conhecimento de todos que Gastaldi extrapolou. Suas ideias rosminia-
nas, rigoristas, perturbadoras manifestaram-se plenamente... Gastaldi apoia
Rosmini; louva as obras de Rosmini, sem exceção; prediz que a Igreja vai
remover as censuras das quais Rosmini é objeto. Tratou seus padres como lixo:
perseguiu o padre Bertagna, “nosso mais douto moralista”; Dom Bosco, “o
padre mais manso, mais humilde e mais zeloso de Turim”; o padre Margotti,
“o jornalista mais capaz da Itália”; o padre Bardessono, “o mais qualificado,
ativo e honrado pregador de Turim”.17

14
Para o jornal de Gastaldi, Il Conciliatore, ver G. Tuninetti, Gastaldi I, 53-88. Duran­te os anos
da Revolução Liberal no Piemonte (1848), padre Lourenço Gastaldi participou do diálogo político e
sentiu-se muito atraído pelas ideias do grande filósofo e teólogo Antônio Rosmini-Serbati, cujos escri-
tos foram condenados mais tarde.
15
Piccolo saggio sulle dottrine di mons. Gastaldi, arcivescovo di Torino, preceduto da una introdu-
zione e seguito da alcune appendici [Breve ensaio sobre a doutrina de dom Gastaldi, arcebispo de Turim,
precedido de uma introdução e seguido de alguns apêndices]. Turim: Tip. Alessandro Fina, 1899, 155p.
16
L’arcivescovo di Torino, D. Bosco e D. Oddenino, ossia fatti buffi, seri e dolorosi, racconta­ti da
un chierese [O arcebispo de Turim, Dom Bosco e o padre Oddenino. Incidentes curiosos, sérios e dolorosos,
narrados por um habitante de Chieri]. Turim: Tip. G. Bruno e C., 1879, 52p. O prólogo deste texto é
assinado por “um pai de família”.
17
Breve ensaio, 27, 38-39, em G. Tuninetti, Gastaldi II, 280-281. Tiago Margotti (1823­-1887)
foi o editor do importante periódico católico conservador L’Unità Cattolica.

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Dom Bosco: história e carisma 3

A História de Chieri, que se referia ao caso Bonetti, era, provavelmente, o


menos insultante desses escritos. Apesar disso, contém umas boas farpas. Em
relação à suspensão de Bonetti, o autor escreve:

[O texto de suspensão] é muito digno de um arcebispo em cuja lápide seriam


inscritos os nomes dos muitos sacerdotes dignos, caprichosamente arruinados
por suas suspensões. O epitáfio deveria ser: “Aqui jaz o arcebispo que merece-
ria ter presa ao pescoço uma corda, não uma cruz”.18

Um dos temas recorrentes nesses escritos, não o único, era a perseguição


que os salesianos sofriam do arcebispo. Os folhetos, que se dizia terem sido
redigidos em defesa de Dom Bosco e de outras vítimas do arcebispo, compli-
caram o relacionamento já deteriorado. Dom Bosco viu-se entre duas alterna-
tivas: de um lado, devia repudiar e condenar esse tipo de escritos, para não ser
considerado cúmplice; de outro, sentia o dever de denunciar às autoridades
como verdadeiros alguns dos erros atribuídos ao arcebispo.
Dom Bosco ficou sob suspeita, porque condenava apenas a maneira
ofensiva e a má-intenção desses escritos, não o conteúdo em seu conjunto.
Contudo, nunca foi indicado diretamente como responsável do segundo Pre-
sente do capelão e do Breve ensaio. O estilo e os temas envolvidos pareciam
indicar outros autores. Nem foi, aparentemente, culpado de modo específico,
pelo primeiro Presente do capelão. Sobre este folheto, padre Barberis, falando
sobre Dom Bosco e sua atitude, incluiu alguns parágrafos interessantes em
sua crônica de maio de 1878. Pode ser que Dom Bosco não tivesse lido o
livro, nem soubesse quem fosse o seu autor, mas tinha sérias desconfianças.
Barberis parecia admirar o Presente do capelão. Também se refere a uma mis-
teriosa reunião de Dom Bosco com dom Gastaldi. Barberis escreve:

Dom Bosco não leu o livro; conversando, disse-nos que não tinha tempo e que
não o leria. Disse-lhe que seria bom saber o que continha e respondeu-me que,
nesse momento, não podia perder tempo. [E acrescentou:] “Algumas pessoas
falaram-me a respeito e informaram-me de algumas coisas que contém. Isso é
tudo”. Quando lhe perguntaram se sabia quem era o autor e ou se tinha alguma
suspeição nesse sentido, respondeu que realmente não tinha nem ideia. O fato é
que aquilo que o livro diz é, em grande parte, em louvor de Dom Bosco e serve
para fazer com seu nome seja sempre mais conhecido entre o clero. O reverso da
medalha, porém, é que criou problemas para Dom Bosco. O livro (ou alguma

18
Citação livre de: “Qui giace monsignor tale / Cui stava meglio il laccio che il pastorale”, cf.
História de Chieri, 38, em F. Desramaut, Don Bosco, 1146, nota 54.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

outra coisa) atingiu consideravelmente o arcebispo, pois ele pediu a Dom Bosco
que fosse vê-lo. Tiveram uma longa conversa; sobre o quê, ninguém sabe. Mais
tarde, o próprio arcebispo escreveu para dizer que manteria firmes as ordena-
ções no domingo da Trindade e que, se houvesse alguns salesianos para serem
ordenados, as adiaria. Esperemos o melhor.19

A Carta do cooperador e a História de Chieri abordavam “mais de perto”


os salesianos. Mais tarde, o advogado de dom Gastaldi procurou um modo de
relacioná-las também com os outros folhetos. Depois da agitação que rodeou
a publicação da Carta do cooperador, o fogo da discórdia pareceu extinguir-se
por algum tempo. Isso se deveu principalmente ao fato que, depois da che-
gada de Leão XIII, a Congregação dos Bispos e Regulares assumiu o assunto,
sem dúvida por sua orientação.

Intervenção de Leão XIII e da Congregação dos Bispos e Regulares


Pouco depois da eleição de Leão XIII e do consistório celebrado em
3 de março, Dom Bosco e o arcebispo Gastaldi retornaram a Roma. Em 5
de março, o arcebispo teve uma longa audiência com o Papa. Na audiência
concedida a Dom Bosco, em 16 de março de 1878, ao vir à luz o motivo da
controvérsia com dom Gastaldi, Leão XIII disse a Dom Bosco que estava es-
perando um relatório da Congregação dos Bispos e Regulares e que tinha um
plano para encontrar uma solução que fosse aceitável para ambas as partes.
Dom Bosco redigiu imediatamente um relatório da audiência e acrescentou-
-o à carta que escreveu ao cardeal Oreglia, designado recentemente como
protetor da Sociedade Salesiana.20
Enquanto isso, a Congregação dos Bispos e Regulares examinara os pri-
vilégios, cujas provas documentadas foram entregues por Dom Bosco, por
ordem do cardeal Ferrieri. A nova lista aprovada evidenciava que muitas con-
cessões foram suprimidas, inclusive as relacionadas com as cartas testemu-
nhais para a admissão dos candidatos à Congregação Salesiana. A congrega-
ção romana também tratou, em 22 de março de 1878, de um requerimento
com seis pontos apresentado por dom Gastaldi em 27 de dezembro de 1877.
O requerimento do arcebispo é revelador: “Eu não peço outra coisa e peço

G. Barberis, Cronichetta, caderno 13, 38-39, em ASC A000: FDB 845 D11-12.
19

Dom Bosco ao cardeal Oreglia, 25 de março de 1878, em Epistolario III Ceria, 327-332. Os
20

temas tratados na audiência foram: a igreja de São João Evangelista e outras obras; a “adesão” do Papa
como salesiano cooperador; a necessidade de trabalhar pelos jovens em perigo; nomeação de um cardeal
protetor (cardeal Oreglia); a “inacabada questão” relativa à Congregação Salesiana e as dificuldades com
o arcebispo Gastaldi; favores, conselhos e bênçãos.

329

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Dom Bosco: história e carisma 3

encarecidamente à sagrada Congregação dos Bispos e Regulares que se abs-


tenha de qualquer investigação de incidentes anteriores, uma vez que com
prazer eu perdoo Dom Bosco..., para que as coisas caminhem de maneira
pacífica a partir de agora”. Dom Gastaldi pedia o reconhecimento oficial de
sua autoridade episcopal.
A decisão da congregação romana foi a favor do arcebispo. Dom Bosco e
a Congregação Salesiana precisaram acatar a lei da Igreja e praticar e respeitar
o direito do ordinário no assunto das testemunhais, da pregação e da admi-
nistração dos sacramentos, da publicação de milagres, da celebração da missa
e em todas as demais áreas da jurisdição episcopal. O procurador de Dom
Bosco, advogado Leonori, informou-o sobre essas decisões, solicitando que as
cumprisse e buscasse um entendimento com o arcebispo Gastaldi. O cardeal
Ferrieri comunicou a Dom Bosco e incluiu uma cópia de sua resposta ao re-
querimento do arcebispo Gastaldi, expressando a esperança de que as decisões
da congregação romana pusessem fim ao conflito.

Leão XIII (1878).

330

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Dom Bosco conversou com o arcebispo e este parecia bastante próximo,


bem disposto e desejoso da reconciliação. Parecia que as coisas estivessem
melhorando.21
Mas voltaram a estalar as hostilidades devido ao chamado “caso Bonetti”.

Origem e desenvolvimento inicial do conflito Bonetti-Gastaldi


(1878-1879)22
Em 1878, aos 40 anos de idade, padre João Bonetti era um dos colabora-
dores de maior confiança de Dom Bosco.23 Perspicaz e inteligente, embora um
tanto simplista em suas percepções, era emotivo e audacioso até a temeridade e
escritor claro e incisivo de inegáveis convicções católicas e de tendência ultra-
montana. Dom Bosco não temia tais temperamentos; ao contrário, admirava
Bonetti e o tinha incentivado em sua inclinação para a ação. Em 1877, nome-
ara-o editor-chefe do nascente Boletim Salesiano. Nesse cargo, padre Bonetti
chegou a partilhar com padre Tiago Margotti, editor do diário conservador
L’Unità Cattolica, a reputação de ser o flagelo da dominante ala liberal.
Como outros salesianos, ele chegara a considerar dom Gastaldi e sua
cúria como “o inimigo”. No conflito, tudo devia ser branco ou preto, bom ou
mau, sem meios-termos. Tinha a firme convicção de que a Sociedade Salesia-
na era obra de Deus, e, por isso, todos os seus opositores deviam vir do diabo.
Padre Bonetti foi o instrumento pelo qual o conflito se situou numa
nova dimensão: primeiro como editor do Boletim Salesiano e, depois, como
diretor do Oratório das meninas dirigido em Chieri pelas salesianas.

Padre Bonetti, o Boletim Salesiano e um monumento em memória


de Pio IX
No número de abril de 1878, do Boletim Salesiano, a pedido expresso
de Dom Bosco, padre Bonetti publicou um artigo sobre a igreja de São João
Evangelista, que naquele momento estava em sua etapa inicial, descrevendo-
-a “como um monumento à memória de Pio IX”. Isso fez dele merecedor da
oposição de dom Gastaldi, que apoiava o padre Leão Prato, ocupado então na
construção da igreja de São Segundo, com o propósito de ser o monumento
diocesano ao “glorioso Pio IX”. Pode ser que, em algum momento, dom

MB XIII, 559s: carta do cardeal Ferrieri e descrição da mudança de atitude.


21

Acompanho nesta parte F. Desramaut, Don Bosco, 1137ss. e Chronologie.


22

23
João Bonetti era um dos primeiros seguidores de Dom Bosco, ainda aos 17 anos de idade, um
pouco mais velho que o colega Domingos Sávio. Na fundação da Sociedade em 18 de dezembro de
1859, Bonetti, ainda não ordenado, foi eleito membro do Conselho.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Gastaldi acreditasse, como parecem indicar algumas cartas de Dom Bosco a


Roma, que os salesianos optariam por dar tal honra a São Segundo.24 Entre-
tanto, ele se enganou. A edição de junho do Boletim Salesiano publicava um
artigo mais claro, com o título: “Em defesa da igreja [de São João Evangelista]
como monumento a Pio IX”.25 Tratava-se de um evidente ataque ao padre
Prato e ao arcebispo. Dom Bosco não apreciava os debates através da impren-
sa e, segundo consta na crônica de Barberis, deu a conhecer ao padre Bonetti
os seus sentimentos sobre o assunto.26 Mas a opinião já acertara o alvo. Uma
primeira carta, enérgica, do arcebispo pôs Dom Bosco de sobreaviso de que
considerava os artigos do padre Bonetti insolentes. Primeiramente, ele pediu
que lhe desse uma informação exata sobre a colocação da primeira pedra da
igreja de São João Evangelista, cerimônia que desejava presidir pessoalmente.
Depois, proibiu o editor do Boletim Salesiano de chamar a igreja de São João
Evangelista “monumento a Pio IX”. Recordava a Dom Bosco que, como
bispo, era o mestre em sua igreja e que os jornalistas católicos não deveriam
usurpar esse papel:

Peço-lhe de novo, e insisto que diga ao editor do Boletim Salesiano para


deixar em paz o arcebispo de Turim e os demais bispos. A arrogância com
que alguns jornalistas, autodenominados católicos, usurpam o papel de
docentes, censores, juízes e castigadores dos bispos é escandalosa e muito
prejudicial para nossa santa religião. A missão, Docete omnes gentes, foi dada
aos bispos. Portanto, considero tal arrogância um ato contra a religião e que
leva ao cisma. Condeno-o com todas as minhas forças. Informe, também,
ao seu editor que não volte a publicar qualquer notícia, anúncio, convite ou
exortação que faça referência à igreja acima mencionada como monumento
a Pio IX.27

24
Veja, por exemplo, Dom Bosco ao cardeal Alexandre Franchi [secretário de Estado], 28 de
maio de 1878 (Epistolario III Ceria, 348-349). Esta carta foi escrita como resposta a uma do cardeal,
para compensar as cartas de Gastaldi a Roma queixando-se sobre a igreja de São João Evangelista e
sobre o Boletim Salesiano. Depois de afirmar que o Boletim Salesiano era uma publicação do orfanato
de São Vicente, de Sampierdarena (Gênova), não estando, portanto sob a jurisdição de Gastaldi, Dom
Bosco escreve: “Eu não estou competindo com ninguém; os outros é que estão competindo comigo
[...]. Contudo, o arcebispo garantiu que [...] no futuro não se fará menção da igreja como monumento
a Pio IX. Prometemos isso apesar de os salesianos cooperadores considerarem injusta a proibição de
construir um monumento em memória do fundador de sua associação”.
25
Bollettino Salesiano, junho de 1878, 4-5, em MB XIII, 585s.
26
G. Barberis, Cronichetta, 18 de maio de 1878, caderno 13, 61-64 em ASC A000: FDB 846 A10-B1.
27
Arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 20 de julho de 1878, Documenti XIX, 202-203, em ASC
A0068: FDB 1056 A8-9; MB XIII, 587.

332

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Em vez de obedecer, padre Bonetti respondeu escrevendo e publicando


no Boletim Salesiano uma carta (aberta) a Dom Bosco, questionando, não
sem certa ironia mordaz, a afirmação do arcebispo de que Bonetti escrevera
alguma vez algo irreverente ou que tivesse a pretensão de ser mestre, censor
etc. dos bispos.28
Cinco dias mais tarde, Dom Bosco enviou a carta a dom Gastaldi, fa-
zendo-o notar que o fazia não porque aprovara a carta, mas “unicamente
para obter informação do arcebispo”.29 Dadas as circunstâncias, não se pode
ignorar que Dom Bosco, com o risco de provocar o arcebispo, estava toman-
do partido do seu homem. Padre Bonetti, de fato, escrevera em resposta à
advertência recebida pelo próprio Dom Bosco. Além do mais, Dom Bosco,
devido à bênção da primeira pedra da igreja de São João Evangelista, em 14
de agosto de 1878, na presença do arcebispo apresentou como “memorial
de amor e agradecimento ao grande Pio IX [...], a igreja que agora erguemos
em honra do apóstolo amado e à memória de Pio IX, que possuía o nome de
João”.30 Com isso, ele não fez outra coisa que acrescentar lenha à fogueira.
Quatro dias depois da colocação da primeira pedra, L’Unità Cattolica
publicou um artigo intitulado: “A igreja de São Segundo em Turim”, no qual
apresentava esta igreja como “um monumento à memória de Pio IX”.31

Padre Bonetti e o Oratório de Santa Teresa, das salesianas, em Chieri


Em 24 de setembro de 1878, Dom Bosco nomeava padre Bonetti como
diretor espiritual do oratório de meninas dirigido pelas salesianas, em Chieri;
uma decisão que iria ter graves consequências.32
O oratório de Santa Teresa, estabelecido na casa da família Bertinetti,
em Chieri, fora aprovado pelo arcebispo Gastaldi em 18 de junho de 1876.
O pároco da catedral, padre André Oddenino, expressara suas dúvidas sobre
a obra, mas o arcebispo garantiu-lhe que estaria ao seu lado, caso surgisse al-
gum problema, e que seriam mantidos todos os direitos da paróquia. Ao criar
a obra, o arcebispo inclinava-se a favor de Dom Bosco. Depois, por delegação
do arcebispo, padre Oddenino procedeu à bênção da capela em 20 de julho
de 1878. Dom Bosco, todavia, pensou que era direito seu benzer a capela em

28
A “equipe editorial do Boletim Salesiano” a Dom Bosco, Sampierdarena, 1º de agosto de 1878,
em MB XIII, 592s.
29
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 6 de agosto de 1878, em Epistolario III Ceria, 373-374.
30
MB XIII, 597s.
31
Unità Cattolica, 18 de agosto de 1878, Documenti XIX, 225-226, em ASC A0068: FDB 1056 C7-8.
32
Para a história do Oratório de Santa Teresa e seus problemas, ver MB XIII, 700s.

333

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Dom Bosco: história e carisma 3

sua própria casa, uma vez que as salesianas pertenciam à Congregação Sale-
siana. Por isso, sentiu muito pela decisão do arcebispo. Refere a sua decepção
ao bispo Pedro de Gaudenzi: “Uma boa sonora bofetada no rosto teria sido
menos humilhante para mim do que ter negado a permissão para benzer a
capela”.33 Além disso, como era de esperar, as instruções do arcebispo especi-
ficavam que os serviços religiosos na capela seriam celebrados apenas ocasio-
nalmente e que nunca entrariam em conflito com as atividades da paróquia.
O Oratório obteve grande sucesso, devido também ao fato de a paróquia
carecer de todo tipo de atividades juvenis para as meninas. As Filhas de Maria
Auxiliadora, jovens e dinâmicas, apoiadas pelo entusiasmo incontido e pelo
zelo do padre Bonetti, criaram um concorrido centro de atividades para as
meninas da região. Além de proporcionar as atividades tradicionais de um
oratório salesiano, as irmãs acrescentaram a dimensão educativa. Iniciaram-
-se as aulas dominicais para ensinar as meninas a ler e escrever, especialmente
as mais pobres que trabalhavam em muitas pequenas fábricas de Chieri. As
aulas foram popularizadas em seguida. Em dezembro, as jovens que partici-
pavam das atividades do Oratório chegavam a 400 e tornava-se evidente que
a paróquia, em grande parte, saía perdendo.
O clero de Chieri estava dividido sobre as atividades do Oratório. Um
grupo, entre os quais se destacava o cônego Mateus Sona, apoiava firme-
mente o trabalho. Distinguindo-se na crista da popularidade, padre Bonetti,
um pouco ingenuamente, pensou ter ganhado o combate. A reclamação do
padre Oddenino, contudo, não demorou muito, inicialmente a viva voz e,
em seguida, por escrito. No início de dezembro, escreveu a Dom Bosco e ao
arcebispo.34 A queixa era que os serviços religiosos em Santa Teresa eram
celebrados “ao mesmo tempo” dos da paróquia. Isso era um desafio ao acordo
feito anteriormente.
Respondendo por Dom Bosco, padre Bonetti explicou ao pároco que
os serviços no Oratório em Chieri eram os comuns a todos os oratórios e
que ninguém jamais se queixara. Além disso, o número do Boletim Salesiano
de 1º de janeiro de 1879 publicava um artigo do padre Bonetti intitulado:
“Uma esperança realizada: o Oratório de Santa Teresa de Chieri”. Depois de
descrever a caminhada venturosa do Oratório, concluía: “Para dar uma visão
completa, talvez devesse falar também de alguém que recentemente liderou
a oposição contra o Oratório. Posso fazê-lo num próximo número, caso seja

Dom Bosco ao bispo Gaudenzi, 6 de outubro de 1878, em Epistolario III Ceria, 392.
33

Padre Oddenino a Dom Bosco, 3 de dezembro de 1878, Documenti XLV, 6, em ASC A094:
34

FDB 1194 C6; MB XIII, 703.

334

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

considerado apropriado”.35 Esse alguém, padre Oddenino, cancelou imedia-


tamente a sua assinatura.36
Sem publicidade e tendo padre Rua a atuar com suavidade, Dom Bosco
deu seu total apoio a Bonetti. Padre Rua escreveu ao arcebispo acrescentando
uma cópia do decreto com que Pio IX dera a faculdade aos salesianos de ce-
lebrar a missa, fazer catequese e dar a bênção com o Santíssimo Sacramento
em todas as igrejas e oratório.37 Por mais respeitosa que fosse, a carta não era
uma “obra mestra de fineza diplomática”, como diz Ceria; a só menção dos
privilégios concedidos a Dom Bosco por Pio IX, em circunstâncias que dom
Gastaldi considerava duvidosas, enfureceu sensivelmente o arcebispo, espe-
cialmente quando tais concessões eram causa ou motivo de desordem.
Em meados de janeiro de 1879, o arcebispo procurou arbitrar pessoal-
mente a controvérsia. Foi a Chieri e reuniu-se com o pároco e os cônegos.
Entretanto, padre Bonetti, inclinado a provocar confrontos, iria promover
a própria ruína. Alguns dias mais tarde, sempre mais seguro de si, enviou
uma carta ao padre Oddenino, pedindo que desistisse de sua atitude hostil
contra o Oratório de Santa Teresa para o bem das almas e que não acalorasse
a gente maliciosa.38 Padre Oddenino, surpreendido e ofendido, denunciou
a carta ao arcebispo.
Foi assim que em 12 de fevereiro de 1879, o arcebispo Gastaldi, como
costumava fazer em circunstâncias semelhantes, suspendeu padre Bonetti de
ouvir confissões, ao menos como medida provisória. Foi o início de amargo
conflito, no qual o espírito polêmico do padre Bonetti levou o próprio Dom
Bosco a extremos que não podia prever em 1879.

Participação de Dom Bosco no conflito (1879-1880)39


Com a suspensão do padre Bonetti, a situação do próprio Dom Bosco
com o arcebispo tornou-se mais complexa e precária. Pensassem o que pensas-
sem os salesianos, não faltava boa vontade ao arcebispo. Padre Bonetti “preci-
sou ser defendido”, colocando Dom Bosco na oposição. A batalha se deu tanto
em Turim como em Roma; afetava os protagonistas e também os que apoia-
vam e os que se opunham, por motivos diversos, ao arcebispo-reformador,

Bollettino Salesiano, janeiro de 1879, 8-9.


35

Padre Oddenino a Dom Bosco, 28 de dezembro de 1878, Documenti XLV, 7f, em ASC A094:
36

FDB 1194 C7-8.


37
Padre Rua ao arcebispo Gastaldi, janeiro de 1879, em MB XIV, 237.
38
Padre Bonetti ao padre Oddenino, 20 de janeiro de 1879, Riabilitazione, Sommario, 14-15,
em ASC B516: Persone, Gastaldi e i salesiani: FDB 635 D11-12; MB XIV, 237s.
39
Também para esta seção, sigo F. Desramaut, Don Bosco, 1087ss, e Chronologie.

335

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Dom Bosco: história e carisma 3

cujas intensas atitudes disciplinares afastaram um bom número de padres de


Turim e do Piemonte.
Em fevereiro de 1879, Dom Bosco, que estava fora de Turim por algum
tempo, foi a Roma “a pedido do Santo Padre”.40 Chegou acompanhado do
padre Bonetti, que precisava afastar-se da diocese. Uma carta do padre Berto
a um cardeal parece indicar que Dom Bosco já iniciara a defesa do padre
Bonetti, embora isso não seja acertado.41
Cinco cônegos de Chieri, que provavelmente não mantinham boa rela-
ção com padre Oddenino, escreveram uma carta de apoio ao padre Bonetti.42
Em 6 de março de 1879, padre Bonetti pediu a Leão XIII que o liberasse da
suspensão.43 No dia seguinte, sem dizê-lo ao padre Bonetti, Dom Bosco pe-
diu dois favores a Leão XIII: que os sacerdotes salesianos já aprovados numa
diocese para as confissões dos fiéis pudessem ouvir as confissões na casa sale-
siana onde vivessem, pela simples designação do seu superior; e que fossem
renovadas as faculdades paroquiais concedidas por Pio IX aos superiores das
casas salesianas.44 Estes privilégios ajudariam a resolver a questão do padre
Bonetti em Chieri, porque era ao mesmo tempo confessor e superior numa
casa salesiana.
Enquanto isso, em Turim, o arcebispo Gastaldi dava demonstrações de
sua boa vontade para com os salesianos. Em 20 de fevereiro, ele e dois cône-
gos, para satisfação geral, aparecem sem aviso prévio para um teatrinho que
se apresentava no Oratório.45 Em meados de março, o arcebispo declarava sua
vontade de restaurar as faculdades ao padre Bonetti, embora considerasse não
apropriado seu retorno a Chieri. Padre Rua escreveu ao padre Bonetti que
estava em Roma:

Tenho algumas notícias para orientação tua e de Dom Bosco. O arcebispo


pediu-me para notificar-te que podes ouvir confissões no momento em que
o desejares. Quanto a pegar o documento, deves esperar até depois da Se-
mana Santa, como é habitual. Durante a entrevista, o arcebispo disse: “Pa-
dre Bonetti é um bom sacerdote, mas não é prudente que retorne a Chieri.

40
Dom Bosco ao professor Pedro Vallauri, 9 de fevereiro de 1879, em Epistolario III Ceria, 444.
41
Dom Bosco ao cardeal Ferrieri, s/d, mas escrita pelo padre Berto em fevereiro de 1879, em
Epistolario III Ceria, 445-446; MB XIV, 235s.
42
Carta em Riabilitazione, Sommario, 20-21, em ASC A118: Persone, Gastaldi e i salesiani: FDB
635 E5-6; MB XIV, 271.
43
Pedido em Riabilitazione, Sommario, 23-25, em ASC A118: Persone, Gastaldi e i salesiani:
FDB 635 E8-10.
44
Pedidos em MB XIV, 704s.
45
Carlos Cays a Dom Bosco, 21 de fevereiro de 1879, em MB XIV, 699s.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

O que posso dizer? Simplesmente que não pode fazer nada com aquele clero.
Fiz uma visita ali e convoquei o clero para uma reunião. O vigário forâneo,
o pároco e vários cônegos concordaram que não seria prudente que padre
Bonetti voltasse para Chieri”.46

Quatro semanas depois, o cônego Chiaverotti escreveu ao padre Bonetti


confirmando que o arcebispo lhe devolvera suas faculdades, desde que não
voltasse para Chieri.47
Tratava-se, sem dúvida, de um compromisso, mas padre Bonetti não
aceitou a condição.48 Em 24 de março, de Roma, ele escreveu uma longa
carta pública aos “jovens do Oratório de Santa Teresa”, de Chieri, na qual
relatava os incidentes que levaram à sua suspensão e falava da injustiça
cometida contra ele: “Seja de boa ou má-fé, por esta ação [a suspensão],
o arcebispo fez-me uma injustiça: primeiramente, porque em minha carta
ao pároco não pode existir qualquer culpa; em segundo lugar, porque não
nos avisou previamente nem a mim nem ao meu superior, Dom Bosco”.
Em nota, também envolve Dom Bosco: “Só vou dizer que [Dom Bosco]
está muito pesaroso; se não fosse pelo amor que tem à cidade de Chieri,
onde estudou em sua juventude e como seminarista, haveria de fechar este
instituto há muito tempo”.49
Cônego Sona aconselhava ao padre Bonetti que resistisse.50 Padre Bo-
netti, por sua vez, iniciou uma série de ações que só podem ser interpretadas
como desafio. Em 30 de abril foi a Chieri para iniciar o mês de maio com
um sermão público. De volta a Turim, depois de receber faculdades com a
mesma limitação, em 2 de maio, escreveu ao arcebispo protestando pela con-
dição imposta e, em 4 de maio de 1879, voltou a apelar diretamente a Leão
XIII.51 Ele já fizera um primeiro pedido em março. O Papa passou a questão

46
Padre Rua ao padre Bonetti, 22 de março de 1879, Documenti XLV, 20, em ASC A094: FDB 1194
D8; MB XIV, 237. Durante todo o conflito, padre Rua atuou discretamente para pôr as partes de acordo.
47
Cônego Chiaverotti ao padre Bonetti, 18 de abril de 1879, em ASC A113: Persone, Gastaldi
e i salesiani: FDB 644 D11.
48
Cf. MB XIV, 226, onde Ceria defende padre Bonetti por recusar as condições.
49
Original da carta do padre Bonetti, em ASC A115: Persone, Gastaldi e i salesiani: FDB 633
B11-C2, transcrita em Documenti XLV, 2122, em ASC A094: FDB 1194 D9-10. Padre Ceria afirma
em MB XIV, 237, que a carta era confidencial a um amigo, que a tornara pública. Contudo, o original
das mãos do padre Bonetti não o avaliza; a carta começa assim: “Roma, 24 de abril de 1879. – Às
meninas do Oratório de Santa Teresa”.
50
Cartas de 28 de março e 20 e 28 de abril de 1879, Documenti XLV, 23-24, em ASC A094:
FDB 1194 D11-E3. O cônego Sona, de Chieri, posicionou-se do lado do padre Bonetti.
51
Padre Bonetti ao arcebispo Gastaldi, 2 de maio de 1879, em Documenti XLV, 28, ASC A094:
FDB 1194 E4; MB XIV, 228s.; padre Bonetti a Leão XIII, 4 de maio de 1879, em Riabilitazione, Somma-

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Dom Bosco: história e carisma 3

à Congregação do Concílio. Esta ação marca o início do recurso de Bonetti vs.


Gastaldi nessa congregação.
O arcebispo, irascível e temperamental por natureza, só pôde impacien-
tar-se diante do que parecia ser uma provocação deliberada. O surgimento
nessa época do quinto folheto calunioso, a História de Chieri, piorou a si-
tuação. O panfleto ridicularizava o clero local e o arcebispo, relatando as
desventuras do “pobre padre Bonetti”. Os subtítulos demonstravam que o
folheto fora pensado como uma diatribe contra o arcebispo pela suspensão
injusta de um sacerdote, “uma sentença inaudita”, “a nobreza e a dignidade
humilhadas”, “ignorância ou má-fé”, “Roma pode fazer justiça”, “mentiras e
mais mentiras” etc. Suspeitou-se imediatamente que o padre Bonetti tinha
algo a ver com a campanha de difamação.
O surgimento do folheto, com a suspeita apontando para Bonetti, lan-
çaria luz sobre a atuação do arcebispo, que os salesianos sempre interpretaram
como dolosa e errônea. Depois de receber, em 26 de maio, uma cópia do
apelo de Bonetti ao Papa, dom Gastaldi chamou Dom Bosco e, sem condi-
ções, devolveu as faculdades ao padre Bonetti, deixando a questão do retorno
do padre Bonetti a Chieri à discrição de Dom Bosco. No dia seguinte, 27
de maio, sem qualquer explicação, revogou as faculdades, enquanto “realiza-
va pessoalmente uma nova investigação” em Chieri. Os salesianos ajuizaram
que essa inversão incompreensível era também escandalosa, como se vê na
informação dada pelas Memórias Biográficas e pelo imediato recurso do padre
Bonetti ao Papa. Seria compreensível, porém, supondo-se que na manhã de
27 de maio, o arcebispo encontrou o panfleto difamatório sobre a mesa no
café da manhã. Essa suposição é reforçada pelo fato de que, segundo a crônica
de Valdocco, citada por Lemoyne em Documenti, Dom Bosco e seu conselho
tiveram conhecimento do folheto na reunião de 29 de maio de 1879, apenas
dois dias depois da repentina volta atrás de dom Gastaldi.52
Nessa época, Dom Bosco perdera qualquer esperança de o arcebispo
voltar a demonstrar-se bem disposto para com ele. Acreditava que dom
Gastaldi era aliado do cardeal Ferrieri em sua oposição à Congregação. Este
fizera extensas objeções ao Relatório de Dom Bosco à Santa Sé em 1879
sobre o estado da Congregação. Algumas de suas acusações relacionavam-
-se com “os institutos para mulher” e com as Filhas de Maria Auxiliadora

rio, 34-43, ASC A115: Persone, Gastaldi e i salesiani: FDB 636 A7-B4. Para a descrição de Ceria sobre as
atitudes do arcebispo relativas às faculdades de Bonetti, ver MB XIV, 240.
52
MB XIV, 240s; o arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 27 de maio de 1879, em Documen­ti XX,
203-204, ASC A069: FDB 1061 D5-6. Para o apelo do padre Bonetti a Leão XIII, ver MB XIV, 239.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

e sua direção espiritual por parte dos salesianos. Não fazia referência nem
a Chieri nem ao padre Bonetti, mas sua declaração pode dar a entender
que essas instituições e sua direção espiritual estavam sob o controle do
ordinário, e que o ministério dos salesianos em relação a elas “limita-se à
administração dos sacramentos e à pregação da Palavra de Deus e só como
o especifiquem os ordinários”.53
O verão de 1879 foi difícil para Dom Bosco também por outros mo-
tivos. Entre outras coisas, foi o verão em que o governo fechou a escola
do Oratório.
Padre Bonetti estava ansioso para que fosse levantada sua suspensão; ao
não encontrar audiência em Turim, apelou para Roma. Em julho e agosto,
expôs o caso por carta a dom Isidoro Verga, secretário da Congregação do
Concílio, e ao procurador Leonori, que se comprometeu a apresentar sua
questão.54 No entanto, apesar do arcebispo Verga e dos esforços do procura-
dor, em outubro ainda não se tivera qualquer progresso.
Padre Bonetti decidiu então fazer um quarto apelo ao Papa, por meio
do cardeal Nina, prefeito da Congregação do Concílio, recentemente no-
meado protetor da Sociedade Salesiana. O pedido seria tramitado pelo arce-
bispo Verga, secretário da mesma congregação e pelo procurador Leonori.55
Dom Bosco escreveu uma defesa em favor do padre Bonetti; elogiava-o sem
reservas como “um religioso louvável e exemplar”, “um zeloso e abnegado
sacerdote” em seu ministério em Chieri.56 Entretanto, o arcebispo Verga e o
procurador Leonori pensaram que, nesse momento, seria melhor não recor-
rer a Leão XIII.
Dom Bosco deu um passo a mais; em janeiro de 1880, nomeou padre
Francisco Dalmazzo seu procurador permanente em Roma.57 A primeira mis-
são do padre Dalmazzo foi avivar o caso Bonetti perante a Congregação do
Concílio. Atuou como representante de Dom Bosco até o final do conflito e

Para a resposta de Dom Bosco às observações críticas do cardeal Ferrieri ao Relatório (3 de


53

agosto de 1879 e 12 de janeiro de 1880), ver MB XIV, 220s, esp. 181 e 224s.
54
Padre Bonetti ao arcebispo Isidoro Verga, 16 de julho e 20 de agosto de 1879; padre Bonetti
ao procurador Leonori, 27 de julho de 1879, em Documenti XLIV, 33-34, ASC A093: FDB 1194
E9-10; MB XIV, 246s.
55
Padre Bonetti ao cardeal Nina; padre Bonetti ao procurador Leonori, 24 de outubro de 1879,
em Documenti XLIV, 39 e 42, ASC A093: FDB 1190 E7 e E10. A comunicação de Dom Bosco sobre
a conduta do padre Bonetti confirma o que este escrevera a Leonori em 27 de julho: “Minha censura
levantou a grave suspeita de que eu pudesse ser culpado de conduta imoral”.
56
Cf. a afirmação de Dom Bosco de 28 de outubro, em Epistolario III Ceria, 528-­529; MB XIV, 252s.
57
Dom Bosco ao cardeal Nina, 12 de janeiro de 1880, em Epistolario III Ceria, 539-540; MB
XIV, 224s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

a assinatura do documento de conciliação. Também ele considerava o cardeal


Ferrieri como inimigo.58
Seguiu-se à nomeação uma visita pessoal de Dom Bosco a Roma, de 12
de março a 23 de abril de 1880, com o padre Berto como secretário, com a
finalidade de pressionar sobre os privilégios e indiretamente também resolver o
caso Bonetti. Quando, enfim, depois de longa espera, em 5 de abril de 1880,
foi recebido por Leão XIII, o Papa disse-lhe que era “sistematicamente contra os
privilégios dos religiosos”. Dom Bosco conformou-se com obter que se renovas-
sem apenas alguns poucos privilégios menores.59 Dom Bosco sentiu-se menos-
prezado por causa das dificuldades para obter uma audiência, pelas demoras e
as poucas concessões obtidas. Estava especialmente irritado e decepcionado pela
indiferença e hostilidade do cardeal Ferrieri e deu vazão aos seus sentimentos:

Se tivesse podido, nos últimos três anos ou mesmo neste ano, obter uma
audiência com o cardeal Ferrieri, teria podido dar-lhe alguma explicação que
pedisse. Isso teria evitado muitos problemas e muito prejuízo à nossa con-
gregação. Contudo, não pude fazê-lo. Não posso ocultar minha amarga e
dolorosa decepção por não poder apresentar minhas explicações. Eu e todos
os salesianos nos comprometemos a trabalhar pela Igreja até nosso último
alento. Não peço ajuda material. Eu só peço a consideração e a caridade, que
[acredito] é compatível com a autoridade na Igreja.

Foi nestas circunstâncias e para ser entendido, talvez, como um gesto


para com as autoridades romanas, que, em 28 de março de 1880, Dom Bosco
aceitou a proposta do cardeal vigário, Rafael Mônaco La Valleta, de encarre-
gar-se da construção da igreja do Sagrado Coração, com o internato anexo,
tudo “como um monumento à veneranda memória de Pio IX”.60

58
Padre Dalmazzo ao padre Rua, janeiro? de 1880, em Documenti XXII, 69, ASC A071: FDB
1069 C1, menção da audiência e hostilidade de Ferrieri; MB XIV, 447s, relato da primeira audiência
de Dalmazzo com o cardeal Ferrieri.
59
Padre Berto ao padre Rua, 18 de abril de 1880 e as recompilações do padre Berto, em MB
XIV, 462s.
60
Notas do padre Berto, em Documenti XXII, 87-88; MB XIV, 451. Diz-se tradicionalmente que
Leão XIII pediu a Dom Bosco que se encarregasse da construção da igreja do Sagrado Coração, quando
o projeto parou, e este exclamou: “Considero o desejo do Papa como uma ordem; eu obedeço!” (MB
XIV, 577; cf. Documenti XXII, 90-92, em ASC A071: FDB 1069 D10-12). Parece, contudo, que em
sua audiência com Leão XIII, 5 de abril de 1880, a igreja não foi mencionada (MB XIV, 572s). Antes de
deixar Roma, porém, ele escreveu uma proposta bem pensada ao cardeal vigário, pedindo-lhe que fosse
apresentada ao Papa para sua aprovação e bênção (Memorando de 10 de abril de 1880, MB XIV, 577s.).
Leão XIII parece ter ficado satisfeito e Dom Bosco deu andamento ao projeto (F. Desramaut, Don Bosco,
1141-1142). Ver mais detalhes sobre a igreja do Sagrado Coração nas p. 55-58.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

2. Conclusão do conflito (1880-1882)


O embate Bonetti-Gastaldi progredira, desde 1878, em concomitância
com o conflito Bosco-Gastaldi. As antigas questões relacionadas com episó-
dios recorrentes continuavam a ser causa de irritação e frustração de ambas
as partes. Todavia, com a decisão de Dom Bosco de apoiar padre Bonetti até
o fim, os dois aspectos se fundiram. Apareceu, depois, a série de panfletos
difamatórios, publicados ao longo de quase dois anos e imputados depois
aos salesianos pela cúria de Turim, especialmente pelo seu advogado, cônego
Manoel Colomiatti, e pelo próprio arcebispo. Os panfletos foram respon-
sáveis pela ruptura definitiva. Em 1880, todas as questões se uniram e se
fundiram numa só, que será finalmente julgada perante o máximo tribunal
de Roma.61

Ruptura definitiva de Dom Bosco e o arcebispo Gastaldi


Psicologicamente, a ruptura de Dom Bosco em relação a Gastaldi já fora
produzida. Ao escrever ao bispo de Vigevano, dom Gaudenzi, em 6 de outubro
de 1878, Dom Bosco, ainda pesaroso pelo golpe recebido ao não obter a per-
missão de benzer a capela do Oratório de Chieri, expressava-se com palavras
que bem poderiam ter saído do primeiro Presente do capelão: “Como o senhor
mesmo disse, pobre e infeliz [arcebispo]; mas também e mais ainda, pobre,
infeliz diocese; e infelizes os que devem continuar nesta diocese e estar em suas
mãos. Oremos!”.62 Algum tempo depois, novembro de 1878, numa conversa
que versava sobre o sínodo diocesano e a alocução do arcebispo à assembleia,
Dom Bosco perguntou aos salesianos que estavam com ele, se pensavam que
suas críticas ao discurso do arcebispo eram pecaminosas. Alguém respondeu
que eram culpáveis por serem “palavras ociosas”. Dom Bosco replicou:

Palavras ociosas? Não; quando alguém [Dom Bosco?] passa por uma monta-
nha de problemas para advertir o responsável [Gastaldi?]: “Atenção; esta erva
com que vos alimentais e dais em pasto ao vosso (rebanho) é venenosa”. Para
apresentar a própria defesa, não será preciso valorizar os perigos, contemplar
o terreno, descobrir as possíveis armas usadas pelo atacante?63

Para a parte final do conflito até sua conclusão, ver o tratamento detalhado de Ceria em MB
61

XV, 188s. Para toda esta seção, para a apresentação, interpretação e algumas referências, acompanho F.
Desramaut, Don Bosco, 1137ss, e Chronologie.
62
Dom Bosco ao bispo Gaudenzi, 6 de outubro de 1878, em Epistolario III Ceria, 391-392.
63
Documenti XIX, 255, em ASC A068: FDB 1057 A1 (fonte desconhecida). Conversa atenuada
em MB XIII, 885.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Parece que Dom Bosco dissesse que as várias ações do arcebispo foram
ruinosas para a Igreja e nocivas para a Congregação Salesiana e que ele devia
encontrar a maneira de defender-se a si mesmo e à Congregação contra os
inimigos. Se assim fosse, seria preciso concluir que, enquanto em 1878 e par-
te de 1879, Gastaldi continuava a fazer propostas formais, agora, para Dom
Bosco, acabara qualquer possibilidade de acordo.
Pode-se entender, então, o desgosto de Dom Bosco quando, em 22 de
outubro de 1880, recebeu uma carta do arcebispo repreendendo-o pela falta
de respeito que lhe demonstraram alguns meninos de San Benigno. Sem se
anunciar, visitara a escola salesiana com dois cônegos. Nas oficinas, alguns
meninos não o cumprimentaram corretamente e alguns clérigos salesianos
que estavam no pátio, ao vê-lo, “saíram correndo”. Ele queria que Dom Bos-
co recordasse a todos que estivessem sob a sua direção, “o caráter excelso e
divino do episcopado e a obrigação que tinham... de prestar-lhe as honras
que lhe eram devidas. Pois o bispo participa das ações do mesmo caráter de
nosso Salvador Jesus Cristo; o caráter de Cristo continua na terra na pessoa
dos bispos, que partilham com Cristo a plenitude do sacerdócio”.64 Isso fez
Dom Bosco rir ou chorar?
A ruptura definitiva do arcebispo com Dom Bosco deu-se em dezembro
de 1880, e por uma razão muito mais grave do que o incidente de falta de
respeito em San Benigno. Foi provocada por uma sentença desfavorável ao
arcebispo, emitida contra ele pela Congregação do Concílio no caso da sus-
pensão do padre Bonetti. A humilhação da derrota foi agravada pela maneira
como a decisão lhe foi transmitida.
Depois de longa espera, a questão do padre Bonetti foi apresentada antes
da reunião geral da Congregação do Concílio em meados de novembro de
1880, talvez por causa do novo apelo feito por ele diretamente ao Papa.65 O
procurador Leonori foi devidamente avisado sobre o processo; sem demo-
ra, ele informou a Dom Bosco em Turim. Inexplicavelmente, ele também
anexava uma carta com o carimbo da Congregação do Concílio dirigida ao
arcebispo para comunicar-lhe sobre o andamento do processo.66
Em 3 de dezembro, Dom Bosco, que estava em San Benigno nesse mo-
mento, encarregou padre Luís Deppert de entregar a carta. Este procurou
64
Arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 22 de outubro de 1880, em MB XIV, 801.
65
MB XIV, 250: “Cansado de estar à espera durante vinte e dois meses, padre Bonetti, em 17
de novembro de 1880, enviou diretamente ao Papa a súplica de 24 de outubro de 1879, mostrada pelo
arcebispo Verga”. F. Desramaut, Chronologie, 121, coloca a data de 10 de outubro.
66
Procurador Leonori a Dom Bosco, 29 de novembro de 1880, em Documenti XLV, 47, ASC
A094: FDB 1195 A11. Descrição em MB XIV, 250s.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

fazê-lo, mas foi rejeitado. No dia seguinte, padre Deppert, acompanhado


de um irmão como testemunha, tentou novamente entregar a carta pesso-
almente ao arcebispo. Como este se negou a recebê-los, a carta foi deixada
com o secretário. A carta, porém, foi devolvida a Dom Bosco sem notifica-
ção de recebimento.67
Em 5 de dezembro, o arcebispo Gastaldi escreveu ao cardeal Caterini,
prefeito da Congregação do Concílio, para protestar nos termos mais enér-
gicos pela forma com que a congregação tramitara a notificação: “Fui pro-
fundamente humilhado e ferido pela forma com que me trataram”. Repetiu
novamente suas acusações contra Dom Bosco, insistindo na sua ingratidão,
apesar de tudo que fizera pela Congregação nascente: “Esquecendo minha
cooperação entusiasta e incansável..., continua a perseguir-me e aproveita
toda oportunidade para desacreditar-me e ferir-me”.68

Queixa de dom Gastaldi por difamação contra Dom Bosco e o


padre Bonetti
Em 11 de dezembro (?) de 1880, o arcebispo Gastaldi recebeu um relató-
rio sobre os processos da congregação romana no caso de suspensão do padre
Bonetti. Em 24 de dezembro, o arcebispo, por sua vez, deu-os a conhecer ao
padre Bonetti através do cônego Chiuso.69 Ao receber a nota de Roma, dom
Gastaldi decidiu, com todos os recursos à sua disposição, devolver o golpe ao
padre Bonetti, a Dom Bosco e aos salesianos: apresentaria seu próprio caso
contra eles e os processaria pelos libelos difamatórios. E pôs-se a construir o
caso mediante a compilação de declarações de pessoas dispostas a testemu-
nhar que os salesianos eram os responsáveis pelos panfletos anônimos.
1. No início de dezembro, cônego Estêvão Lione, vigário forâneo, e
padre André Oddenino, pároco da catedral de Chieri, acusaram
Bonetti de ser o autor da História de Chieri.70
2. Na mesma época, padre Antônio Musso, interrogado na chan-
celaria, relacionou Dom Bosco a um dos folhetos, ao afirmar

67
Padre Deppert ao padre Dalmazzo, 18 de dezembro de 1880, em Documenti XLV, 52-53, ASC
A094: FDB 1195 B4-5. Descrição em MB XIV, 250s.
68
Arcebispo Gastaldi ao cardeal Caterini, 5 de dezembro de 1880, em Documenti XLV, 49-­50,
ASC A094: FDB 1195 B1-2; MB XIV, 252.
69
Cônego Chiuso ao padre Bonetti, 24 de dezembro de 1880, em Documenti XLV, 54, ASC
A094: FDB 1195 B6; MB XV, 190.
70
Cônego Lione ao arcebispo Gastaldi, 5 de dezembro de 1880; o pároco Oddenino ao arcebispo
Gastaldi, 13 de dezembro de 1880, em Reabilitazione, Summarium, Addendum, 1-2 e 5-8, ASC A118:
Persone, Gastaldi e i salesiani, FDB 636 C5-6 e 7-12, com anotações marginais ultrajantes à mão.

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Dom Bosco: história e carisma 3

que descobrira uma passagem sobre o fechamento do Colé-


gio Eclesiástico pelo arcebispo, informação que o padre Musso
transmitira confidencialmente a Dom Bosco.71
3. Muito mais danoso para Dom Bosco foi o testemunho dado pelo
escolápio, padre Luís Leoncini. Ele afirmava que as conversas man-
tidas com o ex-jesuíta Antônio Pellicani demonstravam: a) que
Dom Bosco incentivara Pellicani a escrever contra Gastaldi; b) que
Pellicani negara ter aceitado a “proposta” de Dom Bosco; c) mas
que, depois de comparar um livro escrito por Pellicani com o pri-
meiro Presente do capelão, estava convencido de que Pellicani era
seu autor e, portanto, o autor também do segundo Presente. O que
envolvia Dom Bosco.72
Armado com estes “testemunhos”, em 29 de dezembro, dom Gastaldi res-
pondeu à nota de Roma e ao cardeal Caterini com uma longa carta. Depois de
recordar novamente sua benevolência e generosidade para com Dom Bosco e
sua Congregação, acusava formalmente Dom Bosco e padre Bonetti de cumpli-
cidade na elaboração dos folhetos.73 Dessa forma, o conflito sobre os folhetos,
ao qual se unia o caso de Bonetti, converteu-se oficialmente em juízo criminal.
Ao mesmo tempo, o representante da Santa Sé em Turim, monsenhor
Caetano Tortone, enviou um relatório, em geral, desfavorável a padre Bonet-
ti, sobre a questão Chieri e a suspensão. Criticava os salesianos, entre outras
coisas, por agirem sem contar devidamente com a “autoridade eclesiástica”.74
Isso tornava, logicamente, mais críveis as acusações de dom Gastaldi.
Em janeiro de 1881, para concluir o processo perante a Congregação
do Concílio, o arcebispo nomeou como advogado judicial o cônego Manoel
Colomiatti, de 34 anos.75

71
Deposição de José Corno, secretário do arcebispo, no Processiculus de 28 de junho de 1917 (F.
Desramaut, Don Bosco, 1151, nota 80). Os Processiculi, pequenos processos, eram investigações secre-
tas realizadas durante o processo de beatificação de Dom Bosco entre 1915 e 1922. Foram necessárias
as deposições apresentadas contra Dom Bosco pelo advogado de dom Gastaldi, cônego Colomiatti.
72
Para a história, ver MB XV, 233s. Seria esta a posição de dom Gastaldi, defendida por Leoncini,
retratada finalmente por Pellicani. Em todo caso, a dedução de Leoncini era falsa; padre Turchi, que também
foi interrogado na época, confessou-se mais tarde autor do primeiro Presente e colaborador do segundo.
73
Arcebispo Gastaldi ao cardeal Caterini, 29 de dezembro de 1880, em Documenti XLV, 55-64,
ASC A094: FDB 1195 B7-C4; MB XV, 233.
74
Monsenhor Tortone à Santa Sé, 30 de dezembro de 1880, em Documenti XLV, 65-68, ASC
A094, em FDB 1195 C5-8, onde também podem ser lidos, impressos no interior do texto, alguns
parágrafos entre parêntesis de comentários díspares sobre a autoria (Tortone).
75
Apesar de os salesianos o terem considerado como um dos mais acérrimos inimigos, segundo Tu-
ninetti, o cônego Colomiatti “era uma pessoa honesta e competente”; “constata-se uma pessoa competente

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Proposta de um acordo fora dos tribunais, no caso Bonetti


Em 4 de fevereiro de 1881, cônego Colomiatti chegou a Roma para
encarregar-se da defesa no caso da suspensão (processo promovido pelo padre
Bonetti contra dom Gastaldi), e da acusação contra Dom Bosco e o padre
Bonetti pelos panfletos (a ação interposta contra eles por dom Gastaldi). Co-
lomiatti pôs-se a trabalhar imediatamente com energia ilimitada e consuma-
da habilidade. Teve acesso imediato ao recurso do padre Bonetti à Congrega-
ção do Concílio; em 8 de fevereiro já obtivera uma audiência com Leão XIII,
graças ao mordomo papal, dom Luís Macchi, o mesmo que, no ano anterior,
recusou-se a receber Dom Bosco durante semanas. Depois de falar do caso
com Leão XIII, Colomiatti comunicou-o imediatamente ao arcebispo Gas-
taldi. Dois dias depois, em 10 de fevereiro, visitou o cardeal Nina, protetor
da Sociedade Salesiana. Na entrevista, Colomiatti propôs uma solução ex-
trajudicial no caso da suspensão, que já tinha sugerido em seu relatório ao
arcebispo Gastaldi.76 Inicialmente, o cardeal estava mais inclinado a deixar
que o processo prosseguisse na Congregação do Concílio. Mas, pensando
bem, aceitou a proposta do cônego e escreveu em seguida a Dom Bosco
aconselhando-o a buscar uma solução extrajudicial para o caso Bonetti.77
Dom Bosco, nesse momento, em visita à França, não se mostrava mui-
to convencido; sua resposta ao cardeal Nina revela suas dúvidas.78 Escreveu
também ao padre Rua no mesmo dia, dando-lhe instruções para apresentar

e honrada pela sua carreira subsequente”. Tuninetti menciona em seguida as honras que lhe concederam
os sucessores de Gastaldi, o cardeal Alimonda e o arcebispo Davi Riccardi. G. Tuninetti, Gastaldi II,
64. [Aos autores da edição em castelhano parece que o juízo de Tuninetti é excessivamente generoso. Da
atuação do cônego, tanto no caso do conflito entre dom Gastaldi e Dom Bosco, como durante o processo
de canonização de Dom Bosco, pode-se deduzir que não foi tão objetivo nem tão honesto. No conflito,
mostrou-se certamente hábil, soube jogar suas cartas com sabedoria, manejou muito bem seus apoios no
Vaticano, convencido de que o arcebispo tinha razão. No caso dos opúsculos, porém, não acreditou na
palavra de Dom Bosco que, como se demonstrou mais tarde, dizia a verdade, mas baseou-se em aparentes
e frágeis indícios, e em opiniões de terceiros, que mais tarde foram desmentidas pelos considerados autores
das mesmas. Foi, sem dúvida, um fiel servidor do seu senhor, o arcebispo, e mais do que buscar a verdade,
procurou resolver a questão a seu favor. Também no processo de canonização, agarrou-se às suas opiniões
e não cedeu, mesmo quando a evidência demonstrava que não tinha razão ou quando suas próprias teste-
munhas desautorizavam-lhe as acusações que lhes atribuíra.]
76
Cônego Colomiatti ao arcebispo Gastaldi, 8, 9 e 10 de fevereiro de 1881, em ASC A113:
Gastaldi e i salesiani: FDB 645 D4-E4.
77
Cardeal Nina a Dom Bosco, 10 de fevereiro de 1881, em MB XV, 707. Sobre a atuação do
cônego Colomiatti em Roma, informa MB XV, 192s. Pode ser que Ceria esteja equivocado quando
acredita que Colomiatti fez esta proposta porque tinha um caso pouco firme (MB XV, 173). Colo-
miatti poderia ter preferido um acordo extrajudicial, também acreditando que poderia ganhar o caso.
78
Dom Bosco ao cardeal Nina, 27 de fevereiro de 1881, em MB XV, 194s. Data, em Do­cumenti
XLV, 74, ASC A094: FDB 1195 D2.

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Dom Bosco: história e carisma 3

ao cônego Colomiatti suas razões para recusar a oferta, uma posição que per-
maneceu sem alterações até que Leão XIII ordenou a reconciliação.

Nunca desejei outra coisa senão virar página a este e a outros infelizes as-
suntos. E não vejo modo mais simples de fazê-lo do que o esboçado no ano
passado, ou seja, que o arcebispo remova a suspensão que já suprimiu uma
vez e depois voltou a aplicar. Agora, porém, existe mais um grave obstáculo:
a ação com que o doutor Colomiatti nos ameaça, ou seja, se Dom Bosco
não se comprometer em negociar um acordo, o arcebispo o processará por
difamação baseando-se nos folhetos publicados contra ele. Rejeito a ameaça
com suas insinuações, isto é, não somos de modo algum responsáveis por
essas publicações. Não participei delas direta ou indiretamente. Sinto-me
ainda mais obrigado a assumir esta posição pelo fato de já ter sofrido amea-
ça semelhante contra mim da parte do arcebispo em repetidas ocasiões; ou
seja, que, se Dom Bosco, pessoalmente ou através de terceiros, tanto por
meios impressos como por documentos escritos à mão (exceto se dirigidos
ao Papa, à Congregação dos Bispos e Regulares) sempre que falasse contra
o arcebispo incorreria em suspensão. Podes comunicar minhas ideias ao
doutor padre Colomiatti.79

Mais tarde, ao retornar da França, respondendo a uma carta urgente do


padre Colomiatti, Dom Bosco renovou seu parecer por escrito.80

Acordo verbal, falido, para retirar o processo dos tribunais


Enquanto isso, padre Rua trabalhava em silêncio e com cautela para
levar as partes à reconciliação. Como as cartas e reuniões se sucediam uma
após outra, o objetivo parecia ser conseguir que os adversários abandonassem
todas as ações legais, não só o processo do padre Bonetti, e pedir à congre-
gação romana a devolução dos documentos. Isso aplainaria o caminho para
uma solução negociada.81 Em dado momento, padre Rua pôde pensar que
se tinha avançado. Depois, em 27 de maio, após uma carta animadora do
arcebispo,82 Dom Bosco teve uma longa reunião com Colomiatti; na reunião,
assim ele acreditava, seria possível chegar a um acordo verbal de que seriam

79
Dom Bosco ao padre Rua, 27 de fevereiro de 1881, em Epistolario IV Ceria, 28.
80
Dom Bosco ao cônego Colomiatti, Alassio, 5 de abril de 1881, em MB XV, 198s.
81
Para algumas atuações do padre Rua nesse momento, ver MB XV, 160s. F. Desramaut, Chro-
nologie, 126-128, enumera ao menos 10.
82
Arcebispo Gastaldi ao padre Rua, 10 de maio de 1881, em Documenti XLV, 82, ASC A094:
FDB 1195 D10; MB XV, 201.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

abandonadas as ações legais. Em vista disso, entregou uma declaração, escrita


à mão, ao cônego Colomiatti, relativa ao processo Bonetti, entendida como
um texto de trabalho ao qual o arcebispo responderia. Isso serviria de base
para apresentar apelos à Congregação do Concílio para que se abandonassem
todas as ações legais. O texto de trabalho dizia o seguinte:

Eu, abaixo assinado, em minha qualidade de reitor da pia Sociedade Salesia-


na, convencido de que o assunto pendente entre o padre João Bonetti e sua
excelência o arcebispo deva ser resolvido de maneira amistosa, pede à sua emi-
nência, o cardeal prefeito da sagrada Congregação do Concílio, que devolva
os documentos relativos à ação legal.83

O conteúdo do acordo oral consistia em que Dom Bosco retiraria sua


carta contra o arcebispo, desde que: 1o, o arcebispo também se abstivesse
de qualquer ação legal contra padre Bonetti, Dom Bosco e a Sociedade
Salesiana; 2o, padre Bonetti seria liberado da suspensão e de todas as ou-
tras vexações. Estas cláusulas, verbalmente concordadas, faziam parte do
acordo total? Trata-se de um ponto crucial, permanente maçã da discór-
dia. Os salesianos sempre pensaram que sim; parece que o arcebispo não
pensou dessa forma ou não aceitou o que o cônego Colomiatti concordara
verbalmente em seu nome. Tomou a declaração de trabalho de Dom Bos-
co como caráter definitivo e enviou-a ao arcebispo Verga, secretário da
Congregação do Concílio, em vez de devolvê-la a Dom Bosco, com um
comunicado pessoal. Em sua carta de apresentação à congregação romana,
correspondeu à declaração de Dom Bosco, retirando o recurso contra o
padre Bonetti, mas só no que se referia à suspensão e pedindo que fossem
devolvidos os documentos pertinentes.
Uma semana depois, Dom Bosco recebeu da cúria, pelo correio, a noti-
ficação da medida que o arcebispo tomara em Roma, ou seja, que só retirara
as ações legais contra padre Bonetti. Os salesianos pensaram imediatamente
que o arcebispo agira de má-fé; as negociações com o cônego Colomiatti
pareciam agora uma armadilha, dado que com a resolução do caso Bonetti
os salesianos deviam abandonar todas as ações legais contra o arcebispo, pois
essa era sua única ação legal pendente. Entretanto, o arcebispo ao não se
comprometer em abandonar todas as ações legais contra os salesianos, estes
continuavam a ser processados pelos panfletos. Essa é a versão tradicional
dos salesianos, mas poderia ter-se tratado simplesmente de um mal-enten-
dido. Em todo caso, como as condições concordadas oralmente não foram
83
Epistolario IV Ceria, 58, nota 1; MB XV, 201s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

cumpridas, primeiramente por telegrama e, depois, por uma carta de 2 de


junho, Dom Bosco revogou sua decisão de retirar a questão.84
“A começar do zero.” O conflito intensificou-se na segunda metade de
1881 e no primeiro semestre de 1882. Todos os esforços concentraram-se no
próximo julgamento.

Ações e reações preparatórias à ação legal


As ações da parte do arcebispo podem ser assim resumidas:

1. Padre Luís Leoncini testemunhou por escrito ao arcebispo Gastaldi que, se-
gundo a declaração que padre Pellicani lhe fez, Dom Bosco era responsável
não só dos Presentes do capelão, mas de todos os panfletos difamatórios em
seu conjunto, e que o padre Pellicani confirmara essa afirmação.85
2. O arcebispo denunciou o padre Bonetti perante a Congregação do Concílio
como coautor, senão o autor, dos panfletos difamatórios; também pedia que
as Filhas de Maria Auxiliadora fossem colocadas sob a autoridade diocesana.86
3. O cônego Colomiatti escreveu ao cardeal protetor Nina para informar-lhe
que, como as tentativas de reconciliação tinham fracassado, o arcebispo
Gastaldi continuava pressionando com o caso.87

Dom Bosco também tomou algumas medidas decisivas:

1. Encarregou o procurador Leonori de preparar e fazer a defesa dos salesianos


perante a Congregação do Concílio, dando prioridade ao caso da suspensão
do padre Bonetti.88
2. Leonori pôs-se imediatamente a trabalhar. Entre outras coisas, preparou
um folheto sobre a Sociedade Salesiana para dar informação dos ante-
cedentes do caso. Em setembro, notificou ao padre Bonetti que o tinha

84
Dom Bosco ao arcebispo Verga; Dom Bosco ao cônego Colomiatti, 2 de junho de 1881; Dom
Bosco ao cônego Colomiatti, 11 de junho de 1881, em Epistolario IV Ceria, 57-59; padre Bonetti ao
arcebispo Verga, 7 de junho de 1881, em MB XV, 708. Para a história e sua interpretação, ver MB
XV, 201s.
85
Padre Leoncini ao arcebispo Gastaldi, 18 de junho de 1881, em Documenti XLV, 90-91, ASC
A094, FDB 1195 E6-7. Para a história, ver MB XV, 234s.
86
Arcebispo Gastaldi à Congregação do Concílio, 21 de junho de 1881 (F. Desramaut, Chro-
nologie, 131). Na mesma data, o procurador Leonori urgiu que Dom Bosco solicitasse em Roma a
aprovação das constituições das Filhas de Maria Auxiliadora (MB XV, 238). Sua situação canônica não
era clara no momento.
87
Cônego Colomiatti ao cardeal Nina, 25 junho de 1881, em MB XV, 712.
88
Dom Bosco ao procurador Leonori, 8 de julho de 1881, em Epistolario IV Ceria, 68-69.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

quase completado.89 Pouco depois, porém, comunicou a Dom Bosco os


seus temores de que o capítulo sobre o qual estava trabalhando, inti-
tulado “Perseguição e ações rancorosas da parte do arcebispo de Turim
contra Dom Bosco e sua congregação”, poderia ser interpretado como
uma transgressão da ordem de restringir os escritos ao caso ou como um
panfleto difamatório adicional.90
3. Dom Bosco estava bem ciente de que o testemunho de Leoncini, re-
cordando a conversa de Pellicani, ia ser prejudicial, a menos que este
negasse a acusação. Por isso, em 14 de outubro, Dom Bosco escreveu a
Pellicani recordando-lhe, pelo que podia recordar-se, o que se passara
entre eles na visita deste último ao Oratório. Quando a conversa deri-
vara para o tema dos problemas de Dom Bosco com Gastaldi, Pellicani
se perguntara: “O Papa, talvez, não deveria ser informado?” Dom Bos-
co respondera: “O senhor poderia fazê-lo, pois tem tempo e capacida-
de”. Isso foi tudo. Dom Bosco nunca lhe pedira que escrevesse alguma
coisa contra o arcebispo.91

Surgiram novas medidas. No mesmo dia 14 de outubro, o cônego Co-


lomiatti notificou ao arcebispo Gastaldi que iniciara ações legais relativas às
Filhas de Maria Auxiliadora perante o cardeal Ferrieri e a Congregação dos
Bispos e Regulares. Informou também ao procurador Aquiles Carcani, que
se surpreendeu ao ver por escrito as alegações de “cumplicidade de Dom
Bosco” no assunto dos panfletos; sua posição, porém, impedia-lhe de dar
conselhos.92 No dia seguinte, padre Colomiatti pediu a opinião do cardeal
Ferrieri. Quando lhe mostrou o testemunho de Leoncini envolvendo Dom
Bosco, o cardeal dissera, como Colomiatti informou mais tarde:

89
Procurador Leonori ao padre Bonetti, 25 de setembro de 1881, em Documenti XLV, 94, ASC
A094: FDB 1195 E10.
90
Procurador Leonori a Dom Bosco, outubro de 1881, em Documenti XLV, 100-101, ASC
A094: FDB 1196 A4-5. O pequeno opúsculo foi apresentado a Dom Bosco e publicado pouco depois.
C. Leonori, Notizia sulla Società di San Francesco di Sales fondata da don Giovanni Bo­sco. Roma, Tip.
Tiberina, 1881.
91
Dom Bosco ao padre Pellicani, 14 de outubro de 1881, em Epistolario IV Ceria, 87-88; MB
XV, 235. Mais tarde, chegou uma retratação do padre Pellicani; talvez, demasiado tarde para a solução.
Ceria apresenta o texto da retratação de Pellicani (MB XV, 23, nota 1).
92
Cônego Colomiatti ao arcebispo Gastaldi, 14 de outubro de 1881, em ASC A113: Gastaldi
e i salesiani, Colomiatti, FDB 646 A 8-9; em MB XV, 235s. Breve texto de Colomiatti sobre o status
canônico, referido em especial à exceção das Filhas de Maria Auxiliadora e de outros conventos e ora-
tórios, problemas reais que existiam no assunto de Chieri (MB XV, 209).

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Dom Bosco: história e carisma 3

Numa série de questões relativas a Dom Bosco assumidas pela Congregação


dos Bispos e Regulares, este demonstrou-se uma pessoa impossível de tratar.
Foi bom que se tenha feito uma investigação dos fatos na chancelaria com a
finalidade de desmascará-lo [...], e apresentá-lo como o impostor que é.93

Retrato de Dom Bosco, fotografia de Miguel Shemboche (Turim, junho de 1880).

F. Desramaut, Chronologie, 134. Este é testemunho de Colomiatti dado em 1921, no Proces-


93

siculus no interior do processo de beatificação de Dom Bosco. Ceria (MB XV, 236s) informa sobre as
impressões dessa época, de outras várias pessoas em Roma, que parecia ter Colomiatti um caso prima
facie contra Dom Bosco e padre Bonetti.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Padre Bonetti também publicou um memorando sobre os detalhes do


seu caso pessoal, com data de 15 de outubro, e enviou-o “registrado e me-
diante entrega especial” a Leão XIII.94
Dom Bosco insistiu em manter o caso da suspensão do padre Bonetti
separado dos libelos difamatórios e deu instruções a Leonori sobre isso. O
arcebispo devia demonstrar a legalidade da ação disciplinar que tomara con-
tra o padre Bonetti. Contudo, da parte do arcebispo, o caso contra Bonetti
e Dom Bosco sobre os folhetos teve prioridade sobre o caso da suspensão do
padre Bonetti. De fato, o procurador Menghini reunira os dois assuntos na
redação da defesa do arcebispo.
Leonori, depois de ver o volumoso documento de Menghini, enviou
uma cópia a Dom Bosco.95 Dom Bosco, em seguida, escreveu uma longa
carta ao cardeal Nina, nessa época prefeito da Congregação do Concílio, pe-
dindo que “a próxima reunião da sagrada congregação considerasse apenas a
questão da suspensão do padre Bonetti imposta há uns três anos e não outros
assuntos irrelevantes”.96

“Solução” do caso da suspensão do padre Bonetti em Roma e


acusações contra Dom Bosco e o padre Bonetti em Turim por
causa dos libelos
Os últimos meses de 1881 foram de atividade febril nas duas frentes a
fim de preparar-se à próxima audiência do caso da parte dos cardeais da Con-
gregação do Concílio. O arcebispo Gastaldi parecia estar na posição mais for-
te. Entretanto, ocorreram mudanças na Congregação do Concílio, destinadas
a influir no caso. O prefeito, cardeal Próspero Caterini, morreu em 28 de
outubro; sucedeu-lhe em 7 de novembro o cardeal Lourenço Nina que, como
cardeal protetor da Sociedade Salesiana seria, obviamente, favorável à causa
de Dom Bosco. Acreditando nisso, Dom Bosco dirigiu-lhe uma quase deses-
perada súplica na carta mencionada anteriormente. E foi nessa nova situação
que os dois textos volumosos para o julgamento de Bonetti, ambos com data
de 17 de dezembro, foram apresentados à Congregação do Concílio. Tratava-
-se da apresentação de Leonori para a defesa, ou seja, a reabilitação do padre
Bonetti, intitulada Rehabilitationis...,97 e a apresentação das circunstâncias da
94
G. Bonetti, Promemoria. Turim: Tipografia Salesiana, 1881, 16 páginas, em Documenti XLV,
103-118, ASC A094: FDB 1196 A6-B8. Ver referência em MB XV, 242.
95
MB XV, 242.
96
Dom Bosco ao cardeal Nina, 10 de dezembro de 1881, em MB XV, 243s.
97
S. Congregatione Concilii, Taurin. Rehabilitationis ad audiendas confessiones, pro Johan­ne Bo-
netti Societatis Salesianae cum Illma. et Rma. Curia Taurinensi. Restrictus facti et juris, cum Summario

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Dom Bosco: história e carisma 3

suspensão do padre Bonetti a cargo de Menghini e do cônego Colomiatti,


por conta do arcebispo, intitulada Interdicti...98
A controvérsia que durara uns sete meses, agora estava em Roma a ponto
de ser decidida por arbitragem da Santa Sé. Em 17 de dezembro de 1881, os
cardeais da Congregação do Concílio reuniram-se para ouvir os argumentos
no caso da suspensão do padre Bonetti; o cardeal protetor Nina, apesar do
apoio majoritário a dom Gastaldi, conseguiu evitar uma sentença. Em seu lu-
gar, chegou-se a um “acordo” favorável ao padre Bonetti: ele devia apresentar
uma desculpa por escrito, que Dom Bosco entregaria ao arcebispo pessoal-
mente. O cardeal Nina comunicou a Dom Bosco e ao arcebispo Gastaldi a
decisão da congregação.99
A reação do arcebispo Gastaldi foi imediata e feroz. Numa carta irada
ao cardeal Nina exigiu a suspensão; sustentava que “o retorno imediato do
padre Bonetti a Chieri” em troca de uma desculpa era absolutamente injusto;
considerava que a decisão imposta pelo cardeal prefeito, que também era
cardeal protetor, contra a opinião majoritária, era algo “sem precedentes na
prática da congregação”.100 O arcebispo, portanto, rejeitou o acordo e agiu
em consequência. Em 2 de janeiro, quando Dom Bosco foi à chancelaria
para transmitir as oportunas desculpas, o arcebispo negou-se a recebê-lo.101
O triunfo de Bonetti foi de curta duração.
Gastaldi deu um passo a mais: decidiu apresentar acusações criminais
em Turim contra o padre Bonetti e contra Dom Bosco por cumplicidade
ao permitir e publicar os folhetos contra ele. Com essa finalidade, estabele-
ceu um tribunal em sua cúria e nomeou padre Colomiatti juiz substituto.
Em 20 de dezembro de 1881, por ordem do arcebispo, Colomiatti fez o
padre Bonetti comparecer perante o tribunal eclesiástico para ser julgado

pro Congregatione Generali diei 17 Decembris 1881, Romae, Ex Typ. Tiberina, 1881, 50: apresenta-
ção de Leonori; 55: sumário; 11: sumário adicional, ASC A118: Persone, Gastaldi e i salesiani, Bonetti-
-Gastaldi: FDB 634 D7-636 D3.
98
S. Congregatione Concilii, Taurin. Interdicti localis super facultate audiendi confessiones, pro
Rma. Curia seu Rmo. Laurentio Gastaldi Archiepiscopo cum R. D. Johanne Bonetti Sacerdo­te Instituti
Salesiani. Memoriale facti et juris cum Summario pro Congregatione ... diei Mensis Decembris 1881.
Romae, Ex Typ. Mugnoz, 1881, 48, em ASC A118: Persone, Gastaldi e i Salesia­ni, Bonetti-Gastaldi:
FDB 636 D4-637 D4.
99
Para a apresentação detalhada dos acontecimentos sucessivos, cf. MB XV, 217 e 247s. Tam-
bém as Memórias Biográficas trazem um relato do resultado ligeiramente diferente.
100
Arcebispo Gastaldi ao cardeal Nina, 31 de dezembro de 1881, em MB XV, 224.
101
Relatório de Dom Bosco ao cardeal Nina, 2 de janeiro de 1882, em Epistolario IV Ceria, 109-
110; MB XV, 224. Para o texto da carta de desculpas recusada, ver Documenti XLV, 151-152, ASC
A094: FDB 1196 E5-6.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

pela autoria da História de Chieri. Em 5 de janeiro de 1881, Colomiatti


fez Dom Bosco comparecer pela sua cumplicidade na redação do primeiro
Presente do capelão e da História de Chieri, assim como do segundo Presente
do capelão e do Breve ensaio.102
Ao receber a citação, em 7 de janeiro, Dom Bosco escreveu ao cardeal
Nina, qualificando o acontecido como uma manobra “para retardar as coisas
e fazer-me perder tempo e dinheiro”. Também temia que a controvérsia retar-
dasse, excitando ao mesmo tempo o ambiente sobre as doutrinas de Rosmini
e sua ortodoxia, das quais dom Gastaldi sempre fora um esforçado defensor.
Dom Bosco concluía:

Estas novas acusações surgiram porque não alterarei o meu critério. Sou con-
trário a Rosmini; por isso, estou sendo acusado falsamente dos folhetos. Eu
não sou o seu autor. Minha posição [teológica] sempre foi professar as ver-
dades de nossa fé católica e seguir todas as diretrizes, todo conselho e todo
desejo do Sumo Pontífice.103

Dom Bosco não pode ser o autor dos folhetos que tratavam da questão
rosminiana, simplesmente porque ele não estava interessado na filosofia ou
teologia de Rosmini. Contudo, sua profissão de fé ultramontana não reforça-
va sua defesa.
Enquanto isso, o cardeal Ferrieri, respondendo à pergunta, já mencio-
nada, do cônego Colomiatti, relativa à situação jurídica das salesianas, punha
uma arma adicional na mão de dom Gastaldi. O cardeal Ferrieri confirmava
que o instituto devia ser diocesano, pois não havia qualquer registro nos ar-
quivos, nem sequer de ter recebido o Decretum laudis de Roma.104 Portanto,
a comunidade de Chieri estava sujeita à jurisdição do ordinário.
Pouco mais tarde, em 18 de janeiro de 1881, a Congregação do Concí-
lio, cujos cardeais já estavam com a Exposição de Dom Bosco, confirmou o
acordo em relação ao padre Bonetti e, nos termos mais enérgicos pela inso-
lente carta de 31 de dezembro, ordenou que dom Gastaldi o tornasse efetivo.
Ao mesmo tempo ordenava-se a dom Gastaldi e sua cúria que se abstivessem
de proceder contra Dom Bosco e/ou o padre Bonetti em Turim no assunto
102
MB XV, 731s, Apêndice 30 e 32: texto das citações da chancelaria ao padre Bonetti e a Dom
Bosco, em MB XV, 731s. Para a história detalhada e a maior parte da correspondência relacionada,
MB XV, 228s.
103
Dom Bosco ao cardeal Nina, 7 de janeiro de 1882, em Epistolario Ceria IV, 113-114; MB
XV, 251.
104
Cardeal Ferrieri ao arcebispo Gastaldi, 18 de janeiro de 1882, em Documenti XXIV, 278,
ASC A073, FDB 1198 E10, omitida nas Memórias Biográficas.

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Dom Bosco: história e carisma 3

dos panfletos. Estava-se a organizar uma investigação especial e a transferên-


cia do julgamento para Vercelli, encarregando-se dele o arcebispo, dom Ce-
lestino Fissore.105 O veredito da congregação romana a favor do padre Bonetti
parecia definitivo. O procurador Leonori apressou-se a enviar um telegrama
de vitória ao padre Bonetti e, no dia seguinte, descreveu por carta como se
conquistara a vitória na assembleia plenária.106 Entretanto, esse não era o final
da história. O arcebispo Gastaldi apelou imediatamente, o que suspendia o
veredito por três meses antes de o caso voltar novamente.
Leão XIII interveio em seguida, mas manteve-se pendente a decisão dos
dois assuntos em causa, ou seja, a suspensão do padre Bonetti e o caso dos
panfletos difamatórios.

A Exposição de Dom Bosco aos cardeais


Durante a primeira sessão do julgamento no caso Bonetti, Dom Bosco
compilara, com a ajuda do secretário padre Berto e do próprio padre Bonetti,
uma exposição detalhada dos vários atos de injustiça sofridos pela Sociedade
Salesiana do arcebispo Gastaldi ao longo dos anos. A longa apresentação, des-
tinada aos cardeais da Congregação do Concílio e de outras autoridades ro-
manas, fora datada e assinada por Dom Bosco em 20 de dezembro de 1881,
mas só entregue em 26 de janeiro de 1882, alguns dias antes de o segundo
julgamento ser convocado.107 Tratava-se de um catálogo, documentado ponto
por ponto, de queixas contra Gastaldi pela perseguição à Sociedade Salesiana
de 1872 a 1881.

A lista de acusações, que abrange 66 densas páginas, era precedida de um


prólogo, “Razões desta apresentação”, e um breve preâmbulo que descrevia
a mudança de dom Gastaldi, de colaborador a perseguidor. Seguiam-se três
parágrafos finais que diminuíam progressivamente em extensão, intitulados
Consequências, Uma súplica e Declaração. Era o texto mais sério deste tipo
saído da pena de Dom Bosco, um ataque desapiedado, que mais tarde se
voltaria contra ele e contra os salesianos. Ele não fora seu único autor; pro-
vavelmente grande parte do documento, o catálogo das queixas, expressava

105
Cardeal Nina ao arcebispo Gastaldi, 31 de janeiro de 1882, em MB XV, 731.
106
Procurador Leonori ao padre Bonetti: telegrama, em Documenti XLV, 179, ASC A094: FDB
1197 B9; cartas, 29 de janeiro e 3 de fevereiro de 1882, em Documenti XLV, 205-206, ASC A094:
FDB 1197 D9f. Cf. MB XV, 727.
107
Esposizione del sacerdote Giovanni Bosco agli Eminentissimi Cardinali della Sacra Con­gregazione
del Concilio. S. Pier d’Arena: Tipografia di San Vincenzo de’ Paoli, 1881, 76, em OE XXXII, 49-124.
A data da entrega é aquela aduzida pelo procurador Menghini, em Una adducta (anexo) [Processo de
beatificação de Dom Bosco, 1921], 23-24. Cf. F. Desramaut, Don Bosco, 1155, 1169, nota 109.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

os sentimentos de seus cansados secretários, mais do que os seus. Contudo,


ao ter Dom Bosco assinado e assumido, deve-se aceitar que nesse momento
expressava também seus próprios pensamentos e sentimentos.
O prólogo,108 apesar do estilo tranquilo e de estar piedosamente datado “na
oitava da festa de Maria Imaculada”, faz algumas acusações ousadas: a per-
seguição do arcebispo à Congregação Salesiana dificultou seu trabalho “pela
salvação das almas”; “todas estas [más] ações [contra os salesianos] parecem
ter sido instigadas pelo inimigo de todo bem, com o objetivo de asfixiar e
destruir nossa pobre congregação ou, ao menos, contrapor obstáculo sobre
obstáculo em seu caminho; para que, assim, não pudesse alcançar o fim para
o qual foi estabelecida e aprovada pela Santa Sé”.109 Em outras palavras, Sata-
nás esteve fazendo suas travessuras durante o período de dez anos, através das
ações de um bispo, que se supõe dotado da plenitude do Espírito de Deus!
Depois de um elenco de 10 ásperos capítulos, vem o primeiro dos parágrafos
finais Consequências. Nele se acusa brevemente o arcebispo de ofender com
suas ações, não só a Sociedade Salesiana, como também todas as congregações
religiosas. Em seguida, resumem-se as declarações específicas: 1o O arcebispo
Gastaldi demonstrou-se sistematicamente hostil aos salesianos. 2o Agiu vio-
lando as prescrições do direito canônico. 3o Interferiu nos assuntos internos
da Congregação Salesiana contra as disposições da Igreja. 4o Caluniou a Con-
gregação Salesiana por meio da palavra falada e escrita e de publicações. 5o
Por último, pelas suas exigências, obrigou os superiores salesianos ao doloroso
dilema de ter de desobedecer a ele ou à Santa Sé.110
O documento, do princípio ao fim, é uma denúncia implacável do agir erra-
do do arcebispo. Por último, na Súplica, em expressões cheias de zelo e sem
rancor, parece que emerge o verdadeiro Dom Bosco. Roga aos cardeais e ao
próprio Papa que evitem a recorrência de tais abusos, que consomem tempo,
esforço e dinheiro, que estariam mais bem investidos na glória de Deus e no
bem das almas. Pede-lhes ajuda e proteção para sua jovem congregação, pro-
teção tanto mais necessária “agora que, com a ajuda misericordiosa de Deus,
os salesianos foram capazes de estabelecer 140 casas, nas quais mais de 80 mil
meninos recebem educação cristã [...] para a propagação do Evangelho e a
salvação das almas”.111

108
O prólogo (“Razões desta declaração”) está em MB XV, 213s acompanhado de comentários.
109
MB XV, 213, cf. OE XXXII, 52.
110
OE XXXII, 121-123.
111
OE XXXII, 123-124.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em meados de janeiro, quando já estava em andamento a primeira audi-


ência do caso Bonetti, Dom Bosco, como de costume, foi à França visitar os
irmãos e benfeitores.112 Retornou à Itália no final de março e chegou a Roma
por etapas em 12 de abril com seu secretário, padre Berto. Nessa época, já
era história passada o primeiro e o segundo julgamento do padre Bonetti, a
apelação de Gastaldi, a leitura das acusações de Dom Bosco e do padre Bo-
netti em Turim pelos folhetos difamatórios e a ordem de restrição de Roma à
cúria de Turim. Dom Fissore, arcebispo de Vercelli, ocupava-se em recolher
provas sobre os folhetos; o caso, portanto, continuava pendente, tanto em
Turim como em Roma. Este mediador, no qual os salesianos aparentemente
já não confiavam, pedira a Dom Bosco que apresentasse declarações oficiais
sobre o assunto.
Dom Gastaldi tampouco estava inativo. Em 14 de março, apresentou
um apelo a Leão XIII para que o ouvisse pessoalmente em relação à decisão
da Congregação do Concílio, que considerava inválida, pois o principal juiz
no assunto também era cardeal protetor dos salesianos. Ao mesmo tempo,
apresentou o mais intenso protesto contra a mudança da sede judicial para
Vercelli, no julgamento de difamação; e criticava Dom Bosco pela Expo-
sição.113 Durante muito tempo, esteve a instruir o seu procurador, cônego
Colomiatti, sobre as ações que se deviam realizar em Roma.

Dom Bosco, desamparado, em Roma


Em Roma, Leão XIII não pôde receber Dom Bosco antes de 25 de
abril. Como sempre, demonstrou-se muito amável. Ceria, acompanhan-
do o testemunho do padre Berto e do padre Lemoyne, informa que ao
lhe perguntar o Papa se tinha inimigos, Dom Bosco teria respondido:
“O cardeal Ferrieri em Roma e o arcebispo Gastaldi em Turim”.114 Ainda
em Roma, padre Berto escreveu ao padre Bonetti comunicando-lhe afir-
mações atribuídas ao cardeal Nina sobre o mesmo tema: “Deste homem
[Gastaldi], e também do cardeal Ferrieri, só se pode dizer que os dois são
diabos disfarçados de cordeiros. É possível que atuem de boa fé, mas o
diabo está servindo-se deles. Assim que, te agradaria fazer as pazes com

Dom Bosco ao cardeal Nina, 7 de janeiro de 1881, em MB XV, 251.


112

Arcebispo Gastaldi a Leão XIII, em Documenti XLV, 223-226, ASC A094: FDB 1198 A3-6.
113

114
MB XV, 532s. Nessa audiência, Dom Bosco atreveu-se a pedir novamente os privilégios, em
Documenti XXIV, 148-149, ASC A073: FDB 1079 D6-7. O Papa parecia inclinado a concedê-los, o
que não aconteceu na audiência de 1880. De fato, pouco depois, em 5 de maio, Leão XIII nomeou uma
comissão de cardeais para estudar o assunto, em Documenti XXIV, 147, ASC A073: FDB 1079 A8.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Satanás?”.115 Seja como for, nesse momento não se vislumbrava uma so-
lução para o conflito.
Padre Berto informou que Leão XIII teria dito a Dom Bosco que, de acor-
do com as garantias recebidas, o arcebispo Gastaldi (“essa raposa”, acrescenta
padre Berto) buscasse um ponto comum para conseguir um acordo com Dom
Bosco.116 Dom Bosco já não acreditava nessa possibilidade. Não lhe restava mais
do que tentar no momento, uma audiência com os cardeais; caso contrário, o
caminho seria aberto como pudesse. Com o cardeal Nina, o mais próximo,
ele reafirmou a sua posição em 8 de maio: padre Bonetti devia ser plenamente
reintegrado sem condições; quanto aos folhetos, não tiveram participação dos
salesianos. Em uma declaração anexa adicional apresenta a sua dor:

Há alguns dias o próprio arcebispo de Turim está propalando, e me fez saber


através de nossos próprios religiosos, que Dom Bosco é o homem mais per-
verso, um impostor, que inventa milagres, administra-os e os faz imprimir
em honra da Virgem. Diz que Roma faz mal o que faz, que tudo se consegue
por amizades etc. Tudo isso resulta pouco oportuno para chegar a um acordo
amistoso. Tanto mais, depois da sentença dada pela autorizada Congregação
do Concílio.117

Dom Bosco partiu de Roma na tarde de 9 de maio. Não se sentia bem.


Lendo os documentos, tem-se a sensação de que ele, de fato, estava doente
e totalmente esgotado. Chegou a Turim por etapas no dia 15 de maio, em
tempo para a novena de Maria Auxiliadora.

Reconciliação forçada, por iniciativa de Leão XIII


Dom Bosco não tinha ideia de que o conflito chegaria logo a uma con-
clusão forçada. Enquanto ele deixava Roma, o cônego Colomiatti, enviado de
dom Gastaldi, negociador arguto, saía de Turim para Roma, onde em 12 de
maio começou uma campanha para neutralizar a Exposição de Dom Bosco. Ele
recusou as acusações e contra-atacou com as críticas da chancelaria, tratando do
caso com cada um dos cardeais relacionados com a questão. Em 13 de maio,

115
Padre Berto ao padre Bonetti, 2 de maio de 1882, em Documenti XLV, 260-261, ASC A094:
FDB 1198 D4-5.
116
Padre Berto ao padre Bonetti, 25 de abril de 1882, em Documenti XLV, 249-250, ASC A09:
FDB 1198 C5-6.
117
Dom Bosco ao cardeal Nina, Roma, 8 de maio de 1882, em MB XV, 255s, carta de Dom
Bosco e declaração anexa. Nesta carta, Dom Bosco refere-se a outras tentativas anteriores fracassadas
de reconciliação e acusa o arcebispo.

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Dom Bosco: história e carisma 3

estava feliz por saber que o cardeal Jacobini, secretário de Estado, que Leão XIII
colocara em contato com o cardeal Nina, anulara o veredicto da Congregação
do Concílio sobre o padre Bonetti e que o próprio Papa estava preparando uma
reconciliação adequada.118
A posição salesiana em Roma ficou ainda mais enfraquecida devido a
um caso não relacionado com a questão. Em abril, um professor da escola
salesiana de Cremona, padre Ermenegildo Musso, recebera uma condenação
de três meses por abuso de menores e a escola fora fechada. Dizia-se que o
cardeal Ferrieri pensava numa visita apostólica às escolas salesianas. Leão XIII
vetou o plano, mas ficou surpreso com o relatório sobre a imoralidade numa
escola salesiana.119
A ausência de Dom Bosco de Roma, nesse momento crucial, foi perce-
bida por alguns como fuga de seus acusadores. Logo que se assegurou “de que
o arcebispo Gastaldi buscava realmente uma solução”, o Papa, que assumira o
comando na questão, queria que Dom Bosco estivesse disponível em Roma.
O cardeal Nina disse ao cônego Colomiatti que Leão XIII decidira dizer pes-
soalmente a Dom Bosco o que desejava fazer.120
A ausência prematura parece ter sido a última responsável pela sua der-
rota. Dom Bosco, de volta a Turim, ali estivera menos de três dias, quando
um telegrama do procurador salesiano, padre Francisco Dalmazzo, avisou-o
que sua presença em Roma era exigida com urgência por ordem do Papa.121
Dias antes, Dalmazzo escrevera a Dom Bosco para informar-lhe com detalhes
sobre diversos aspectos da posição salesiana. Em particular, ele assinalava que
a “fuga” de Roma de Dom Bosco dera má impressão, que o Papa levara muito
a sério o testemunho Pellicani-Leoncini e que a desautorização de Pellicani,
segundo o qual nunca fora subornado por Dom Bosco para atacar o arcebis-
po, como se alegava, era considerada “insuficiente”.122

118
Um adducta, 10-11 [processo de beatificação de Dom Bosco, 1921], testemunho de Colo­
miatti, em ASC A280: Documenti ufficiali: FDB 2243 E7-8.
119
Padre Dalmazzo a Dom Bosco, 15 de maio de 1882, em Documenti XLV, 265-267, ASC
A094: FDB 1198 D9-11. MB XV, 578s.
120
Um adducta, 11 [processo de beatificação de Dom Bosco, 1921], testemunho de Colomiat­ti,
em ASC A280: Documenti ufficiali: FDB 2243 E8.
121
Telegramas e mensagens trocadas, 18-19 de maio de 1882, em Documenti XLV, 271, ASC
A094: FDB 1198 E3. MB XV, 258s.
122
Padre Dalmazzo a Dom Bosco, 15 de maio de 1882, em Documenti XLV, 265-267, ASC
A094: FDB 1198 D9-11. Aparentemente, Pellicani esperara um longo tempo antes de responder ao
pedido de Dom Bosco de 14 de outubro de 1881, mencionado anteriormente. O original da retratação
de Pellicani não foi encontrado. Imprimiram-se cópias em 1o de junho para distribuição em Roma pelo
padre Dalmazzo.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Dom Bosco estava totalmente esgotado, sofrendo de dores que o inca-


pacitavam realmente, e não “produzidas diplomaticamente”. Uma viagem de
trem estava fora de qualquer perspectiva.123 Como consequência, chamou seu
procurador a Turim e deu-lhe instruções, e todos os poderes para representá-
-lo em Roma.124
Quando o padre Dalmazzo retornou a Roma, levava consigo cópias impres-
sas do testemunho do padre Pellicani.125 Aparentemente, sua desautorização foi
inútil para mudar o curso dos acontecimentos, mas ajudou a dissipar a nuvem
de suspeitas que pesavam sobre Dom Bosco. Por outro lado, mal-aconselhado,
padre Bonetti, em 6 de junho, enviou uma longa carta ao Papa em que repetia
suas acusações contra o arcebispo e reprovava sua simpatia por Rosmini.126
As duas partes prepararam e apresentaram os rascunhos de uma propos-
ta de sete pontos para um acordo. Diferiam consideravelmente, sobretudo
no tipo de satisfação e de garantias que contemplavam.127 O Papa estava a
ponto de decidir sobre a forma definitiva do documento de reconciliação e
como aproximar as partes. Nesse momento, o cônego Colomiatti conheceu
os detalhes da proposta de reconciliação do Papa e teve uma longa audiência
com Leão XIII. Ocultaram-se ao representante de Dom Bosco os conteúdos
do acordo que o Papa, contudo, tinha concluído.128
Em 15 de junho, o cardeal Nina convocou o padre Dalmazzo e o cônego
Colomiatti e apresentou-lhes o documento do acordo, em 7 pontos (Concordia),

123
Dom Bosco ao padre Dalmazzo e ao cardeal Nina, 20 de maio de 1882, em MB XV, 258s.
Sofria de pés chatos e feridas abertas nos pés inchados e de um doloroso abscesso de hemorroidas que
não lhe permitia permanecer sentado. Num testemunho durante o processo de beatificação de Dom
Bosco, o cônego Colomiatti citará diversas testemunhas para afirmar que Dom Bosco não queria apa-
recer em Roma por motivos diversos da doença (um adducta, 11 em ASC A280: Documenti ufficiali:
FDB 2243 E8-9). Ver telegramas e car­tas trocadas, em F. Desramaut, Chronologie, 130-132.
124
Dom Bosco a Leão XIII e ao cardeal Nina, 30 de maio de 1882, em MB XV, 263s; Epistolario
IV Ceria, 140.
125
Um folheto intitulado Smentita di un’accusa contro Don Bosco [Refutação de uma acusação
feita contra Dom Bosco], San Pier d’Arena: Tip. dell’Oratorio di S. Vincenzo de’ Paoli, 1o de junho de
1882, 4, impressa com data de 30 de maio de 1882, reproduz uma declaração feita pelo padre Antônio
Pellicani: “Afirmo diante de Deus que a única proposta que me foi feita por Dom Bosco foi de escrever
um memorando ao Papa”. Pellicani acrescenta que isso foi a única coisa que disse ao cônego Colomiatti
quando lhe pediu que testemunhasse; ver o texto em MB XV 255s.
126
Padre Bonetti ao papa Leão XIII, 6 de junho de 1882, em Documenti XLV, 290-298, ASC
A094: FDB 1199 A9-B5. Sobre o efeito danoso da carta e o sentimento do padre Bonetti, ver MB XV
269, nota 1.
127
Os dois rascunhos de 7 pontos são comparados em MB XV, 246s. A proposta salesiana foi
escrita pelo padre Bonetti e aprovada por Dom Bosco.
128
Padre Dalmazzo a Dom Bosco, 18 de junho de 1882, em Documenti XLV, 301-303, ASC
A094: FDB 1199 B8-10; MB XV, 270.

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Dom Bosco: história e carisma 3

para a assinatura. Colomiatti assinou com demasiada pressa, enquanto o padre


Dalmazzo demorou ao ler pela primeira vez os termos do acordo. Mas foi-lhe
ordenado que assinasse.129
Os salesianos ficaram com a pior parte, especialmente por estas dispo-
sições: Dom Bosco precisou pedir desculpas ao arcebispo (artigo 1o). Padre
Bonetti foi só parcialmente restabelecido (artigo 3). Dom Bosco teve que
denunciar o estilo e o conteúdo de alguns dos folhetos, enquanto sua autoria
continuava a ser questão aberta (artigo 6).
Depois de apelar em vão ao cardeal Nina, padre Dalmazzo informou a
Dom Bosco. Além de descrever o cônego Colomiatti como hipócrita e men-
tiroso, procurou explicar que, com o acordo favorável a Gastaldi, Leão XIII
esperava conquistar o arcebispo em relação ao ensinamento sobre Rosmini.
Também se referiu aos danos causados à causa pelo padre Bonetti, concreta-
mente com sua carta de 6 de junho.130
Ao inteirar-se dos detalhes, Dom Bosco entendeu que fora derrotado.
Depois de um silêncio de quase uma semana, em 21 de junho, fez com que
o padre Rua enviasse um telegrama ao padre Dalmazzo para exigir que expli-
casse ao “seu superior” o que acontecera. E ao receber a carta oficial do car-
deal Nina, em 23 de junho, insistindo que respeitasse plenamente os termos
do acordo, especialmente em relação à desculpa especificada no artigo 1o, ele
resistiu. Dom Bosco respondeu pedindo ao cardeal Nina que lhe concedesse
“alguns dias para oferecer alguns esclarecimentos” e escreveu ao padre Dal-
mazzo dizendo que estava preparando uma resposta. Perguntava-se por que
o padre Dalmazzo assinara o documento e expressara sua convicção de que o
cardeal Nina o tinha ridicularizado. (Dom Bosco teria percebido a situação?)
Padre Dalmazzo garantiu-lhe que os termos da Concordia foram ditados pelo
Papa, e não negociados por Colomiatti, e que a surpreendente e penosa res-
posta do cardeal Nina se limitava a confirmar o que Dom Bosco já sabia: a
solução que lhe fora comunicada seria definitiva. Tudo o que restava a fazer
era cumprir os seus termos, pois era a vontade do Santo Padre e que, por
favor, segurasse o padre Bonetti.131

Para o texto da Concordia, ver MB XV, 269s.


129

Padre Dalmazzo ao cardeal Nina, 15 de junho de 1882, em Documenti XLV, 300f., ASC
130

A094: FDB 1199 B7f. Padre Dalmazzo a Dom Bosco, em Documenti XLV, 301-303, ASC A094: FDB
1199 B8-10; MB XV, 269s.
131
Telegrama, padre Rua (no lugar de Dom Bosco) ao padre Dalmazzo, 21 de junho de 1882,
em Docu­menti XLV, 303, ASC A094: FDB 1199 B10. Cardeal Nina a Dom Bosco, 23 de junho de
1882, em Documenti XLV, 305-306; MB XV, 272. Dom Bosco ao cardeal Nina, 27 de junho de 1882,
em MB XV, 272. Dom Bosco ao padre Dalmazzo, 28 de junho de 1882, em Epistolario IV Ceria, 147.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Em 7 de julho, Dom Bosco leu o documento ao seu Conselho. Padre


Bonetti ficou furioso, enquanto outros começaram a discutir formas de re-
correr. Só padre Cagliero, de regresso da América do Sul para assuntos das
missões, defendeu que se obedecesse imediatamente ao Papa. Foi o que Dom
Bosco decidiu fazer. Em 8 de julho, Dom Bosco começou a aplicar os termos
do acordo escrevendo a carta imposta de desculpa ao arcebispo. Os contatos
prolongaram-se até 18 de julho.132
Dom Bosco considerou a derrota como uma injustiça, amarga e de-
sonrosa, cometida não contra ele pessoalmente, mas contra a Congregação.
Como escreveu ao cardeal Nina, os salesianos sentiram-se humilhados, a cú-
ria diocesana fazia alarde de sua vitória e, em alguns lugares, a Congregação
convertera-se em motivo de chacota das autoridades. Tanto era assim que
alguns diretores salesianos pediram para ir embora.133
A imprensa anticlerical, como vinha fazendo, regozijou-se ao tornar pú-
blico o acordo. O tema favorito era: quando Pio IX estava no poder, Dom
Bosco fazia o que queria; agora que Leão XIII está a favor do arcebispo, pu-
seram Dom Bosco no seu lugar.134
Os salesianos, padre Dalmazzo em especial, estavam convencidos de que
não se manteria a paz ou trégua e que o arcebispo persistiria em sua hostili-
dade. O que não aconteceu. O arcebispo não participou de qualquer outra
questão. Ao contrário, em 28 de outubro de 1882, insistiu em presidir a
consagração da igreja de São João Evangelista, apesar de não ter ficado para a
missa de Dom Bosco.135
Com a morte do arcebispo Gastaldi, de derrame cerebral, na manhã
do domingo de Páscoa, 25 de março de 1883, resolveu-se finalmente o con-
flito em relação ao que se refere aos dois protagonistas. Alguns dos homens
da chancelaria de Gastaldi, especialmente o cônego Chiuso, seu secretário
pessoal, e o cônego Colomiatti, seu procurador, porém, voltariam a aparecer
mais tarde como os principais opositores da beatificação de Dom Bosco. Isso
demonstra que as facções formadas ao redor e em nome dos protagonistas
não se reconciliaram, e que não se curaram tão facilmente as memórias e as

Padre Dalmazzo a Dom Bosco, 30 de junho de 1882, em Documenti XLV, 326-328, ASC A094: FDB
1199 D8-11. Cardeal Nina a Dom Bosco, 5 de julho de 1882, em MB XV, 275s.
132
Correspondência em MB XV, 274s.
133
Dom Bosco ao cardeal Nina, 25 de julho de 1882 e 4 de agosto de 1882, em Epistolario IV
Ceria, 155,159-160. Na carta de 4 de agosto, Dom Bosco fala de maledicências e de artigos de jornais.
134
Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 286; MB XV, 275s.
135
Padre Bonetti em sua carta ao padre Dalmazzo oferece uma maliciosa interpretação do ato, 12
de novembro de 1882, em Documenti XLV, 363f, ASC A094: FDB 1200 10-11.

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Dom Bosco: história e carisma 3

cicatrizes daquela década de luta entre os dois mais importantes eclesiásticos


da igreja de Turim e seus seguidores.

3. Questões não resolvidas


Após a crônica do conflito, ainda resta um bom número de questões
não resolvidas. Por mais efêmeras que sejam, é conveniente oferecer aqui
algumas respostas.

Os folhetos
Quem foi o autor dos panfletos difamatórios que tiveram um papel tão
notável na longa guerra e foram responsáveis pela ampliação do “teatro de
operações”?
O que se sabe hoje provém de uma confissão escrita pelo padre João Tur-
chi, dirigida ao cardeal prefeito da Congregação dos Ritos em 25 de outubro
de 1895, em relação ao processo de beatificação de Dom Bosco.136
O longo e comprometedor documento começa afirmando que ele (pa-
dre Turchi), testemunha sob juramento no processo de beatificação de Dom
Bosco, dera previamente aos juízes uma declaração confidencial lacrada para
uso exclusivo e secreto da Congregação dos Ritos, para eliminar qualquer
suspeita sobre a cumplicidade de Dom Bosco no assunto dos libelos difama-
tórios. Sua carta (do padre Turchi, de 1895), que também devia ser secreta e
confidencial, foi escrita com o mesmo propósito.
Depois de tratar da gestão do arcebispo Gastaldi e de sua chancelaria,
continua a falar dos folhetos oferecendo a seguinte informação:

1. A Carta do cooperador, de 1877, foi escrita pelo padre João Batista Anfossi,
sacerdote da diocese de Turim, próximo aos salesianos.137

136
Padre Turchi ao cardeal prefeito da Congregação dos Ritos, Bra (Cuneo) 25 de outubro de 1895, em
MB XIX, 402s. F. Desramaut, Don Bosco, 1162, nota 147, e G. Tuninetti, Gastaldi II, 275-282, comentam
o testemunho de Turchi. Ver o texto integral da carta nas p. 733-740 deste volume.
137
João Batista Anfossi (1840-1913), de Vigone, Turim, foi aluno salesiano e seminarista no
Oratório nos anos cinquenta e sessenta. Como padre diocesano e cônego da igreja da Santíssima Trin-
dade, em Turim, manteve um vínculo permanente com Dom Bosco e os salesianos. É frequentemente
citado como fonte nas Memórias Biográficas. Pôs-se ao lado Dom Bosco durante o conflito, mas sua
queixa perante o arcebispo transcendeu o conflito particular. Com referência à polarização do clero
a favor ou contra Gastaldi, seu biógrafo escreve: “Alguns apoiavam Dom Bosco como um modo de
vingar-se do arcebispo por outras razões. Foi esse o caso... de sacerdotes como João Batista Anfossi e
João Turchi. Conhecidos intrigantes e intrometidos, eles foram os autores dos panfletos anônimos”
(G. Tuninetti, Gastaldi II, 277).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

2. O primeiro Presente do capelão, de 1878, era obra do mesmo padre Turchi


em sua totalidade. Estava em Roma nesse momento e em contato com
Anfossi. A ideia de escrever o folheto consolidou-se em sua mente quando
revisou o Calendário Litúrgico, de Gastaldi, de 1878, e depois de receber
uma cópia da Carta do cooperador.138
3. O Breve ensaio, de 1879, foi escrito pelo padre jesuíta, Antônio Ballerini,
com quem padre Turchi comentara diversos assuntos em Roma, inclusive
quando se devia imprimir o ensaio. Padre Turchi escrevera o preâmbulo, o
prólogo e os apêndices. Outro jesuíta de Turim, padre João Batista Rostag-
no, incentivou padre Turchi em sua atitude contra Gastaldi.139
4. O segundo Presente do capelão, de 1879, que tratava exclusivamente da
questão rosminiana, foi compilado também pelo padre Anfossi, que se ser-
viu dos artigos do diário de Gastaldi (Il Conciliatore). Padre Turchi colabo-
rara apenas com algumas notas de rodapé.
5. O autor da História de Chieri, de 1879, continua a ser desconhecido. Ini-
cialmente, padre Turchi pensou que fosse obra do padre Bonetti. Mas uma
pessoa “totalmente digna de confiança”, disse-lhe que o autor não fora o
padre Bonetti, mas alguém não relacionado com os salesianos.

138
João Turchi (1838-1909), de Castelnuovo (Asti), também foi aluno salesiano e seminarista
no Oratório. Companheiro e amigo por toda a vida de Anfossi permaneceu fiel a Dom Bosco e aos
salesianos. Como padre diocesano, atuou como professor em várias escolas. Ao escrever ao cavalheiro
Oreglia, em Roma, em meados de dezembro de 1867, Dom Bosco fala da possibilidade de recomendar
o padre Turchi como tutor na casa da duquesa de Sora, em Roma (Epistolario I Ceria, 517). Ele viveu
em Roma nos anos 1877-1878, época dos panfletos, onde foi secretário de Dom Bosco (Dom Bosco
ao padre Rua, Roma, 3 de janeiro de 1878, em Epistolario III Ceria, 263). Em carta datada em 10 de
fevereiro de 1878 e dirigida ao padre Berto, em Roma com Dom Bosco, padre Anfossi escreve: “Cum-
primentos ao padre Turchi, permita-lhe ler esta carta e diga-lhe que estou esperando com impaciência
a publicação da sua” (ASC A116: Persone, Gastaldi: FDB 619 C2-5). É provável que “esta publicação”
refira-se ao Presente. Então, padre Berto teria sabido o que se passava. E... poderia Dom Bosco ter
sabido alguma coisa pelo padre Berto?
139
Antônio Ballerini (1805-1881) foi um dos jesuítas que ainda em 1841 chamara a atenção e se
opusera a um jovem Gastaldi naquilo que mais tarde se converteria na “questão rosminiana”. Autor de
tratados teológicos, Ballerini foi o líder dos jesuítas romanos na luta antirrosminiana (G. Tuninetti,
Gastaldi II, 254, nota 49; 256; 282, nota 104).
João Batista Rostagno, também jesuíta, ex-professor de direito canônico na Bélgica, com domi-
cílio em Turim, colaborou com Ballerini e padre Turchi nos folhetos (G. Tuninetti, Gastaldi II, 256,
280, nota 94). Participou como perito do CG I (1877). Como amigo e conselheiro, ajudou Dom Bosco
estudando diversas questões que surgiram durante o conflito, por exemplo, a matéria da publicação das
graças de Maria Auxiliadora, o assunto de Perenchio, a suspensão do padre Bonetti e outras controvér-
sias. Dom Gastaldi suspeitava de sua cumplicidade nos folhetos (MB XI, 453; MB XIII, 252s; 288ss.;
MB XIV, 228s; MB XV, 282s).

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Dom Bosco: história e carisma 3

Segundo o testemunho do padre Turchi, portanto, Dom Bosco nada


teve a ver com os panfletos, direta ou indiretamente. Não se pode descartar
a existência de um “canal de informação” salesiano entre os envolvidos, ao
menos no caso de alguns dos folhetos. Assim, escreve Desramaut:

O autor de [A história de Chieri] é ainda incerto, mas parece que Bonetti deu
uma boa mão nela. Pode ser possível pronunciar-se a respeito no futuro, base-
ando-se em evidência interna, especialmente por meio de um estudo do estilo
do texto. Pode-se considerar como certo que padre Anfossi e padre Turchi eram
informados pelos salesianos, padre Joaquim Berto e padre João Bonetti, ambos
muito próximos de Dom Bosco. As duas partes mantiveram uma relação [inin-
terrupta através dos] anos e com frequente intercâmbio de correspondência. De
aí se depreende que os salesianos tiveram um papel auxiliar na produção desses
escritos. Contudo, também é certo que o fizeram sem o conhecimento de Dom
Bosco. Nunca, nem os ex-alunos nem os salesianos o teriam comprometido de
algum modo [envolvendo-o] em seu propósito obscuro.140

Por que a solução final foi desfavorável aos salesianos?


É fácil responder que o Papa sabia que podia confiar na santidade de
Dom Bosco, que aceitaria qualquer condição, mas não igualmente em Gas-
taldi, dado o seu caráter e a sua concepção da autoridade episcopal. Outra
opinião, não tão satisfatória, defende que salvaguardar a autoridade episcopal
parecia mais importante ao Papa do que fazer justiça. Solução parecida apon-
ta que o Papa esperava conquistar dom Gastaldi com um acordo que lhe fosse
favorável, e afastá-lo assim de posições rosminianas. Estas razões, contudo,
não deveriam ser supervalorizadas; seria preciso ter em conta o que segue:
1. A chancelaria de Turim tinha na questão dos panfletos um argu-
mento contra padre Bonetti e contra Dom Bosco, que parecia ser
seguro, pois se baseava em testemunhos colhidos sob juramento.
Leão XIII não estava disposto a iniciar uma investigação pessoal
antes de atuar para pôr fim ao escândalo. Isso pode explicar por
que a questão tenha ficado aberta no artigo 6º da Concordia.
2. O descumprimento da parte de Dom Bosco ao não responder a
alguns pontos cruciais quando o arcebispo parecia disposto a fazer
concessões ou buscar um compromisso recíproco, não foi bem ava-
liado em Roma. Esse erro pode ter sido provocado por um destes

140
F. Desramaut, Don Bosco, 1162; G. Tuninetti, Gastaldi II, 282, nota 104.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

fatores ou a combinação de vários deles: a) a crença de que o arce-


bispo estava abusando do seu poder, ou seja, que tratava injusta-
mente ou era contrário à lei, como no caso Bonetti em Chieri; b)
a crença de que as gestões do arcebispo em alguns momentos eram
“falsas” e desenhadas para enganar e obter vantagem; c) uma per-
cepção, ao menos a partir de certo momento, de que o arcebispo
se convertera em inimigo que procurava destruir a Congregação; e
que, por isso, devia ser combatido com todos os meios legítimos;
d) o total convencimento de Dom Bosco de que a fidelidade ao seu
juramento no cargo de superior geral exigia defender a “honra” e
salvaguardar sem concessões o bem da Congregação; e) a absoluta
fidelidade pessoal de Dom Bosco aos seus homens em resposta à
fidelidade que recebia deles, levou-o a apoiá-los até o extremo.
3. Padre Bonetti, embora não fosse autor da História de Chieri, por
sua maneira áspera de falar e escrever passou dos limites da decên-
cia em várias ocasiões, sem controle de Dom Bosco. A forma em
que os termos da Concordia foram propostos corrobora que o Papa
pensasse assim, pois durante sua redação foi concedida audiência à
parte que representava dom Gastaldi, o cônego Colomiatti, o que
foi negado à parte salesiana.
4. A Exposição de Dom Bosco, impressa exclusivamente para os carde-
ais e não publicada, fora escrita com a colaboração dos padres Ber-
to e Bonetti, mas assinada por Dom Bosco; foi considerada uma
diatribe excessiva contra o arcebispo. Além da linguagem pesada
usada, todos os fatos relatados podem ter sido substancialmente
verdadeiros de um determinado ponto de vista; mas também con-
tinha alguns “pontos fracos” de caráter mais geral que se devesse
considerar. Se acreditarmos no cônego Colomiatti, Dom Bosco,
ao perceber que fora demasiadamente longe, em algum momento,
procurou fazer crer ao cardeal Nina que a Exposição fora obra do
seu advogado Leonori.141
Deve-se assinalar, porém, que a Exposição foi submetida a um exame de-
talhado pelo funcionário da Congregação dos Ritos que examinaria os escritos
de Dom Bosco durante o processo de beatificação. Apesar dos memorandos
do cônego Colomiatti, o juízo ditado pelo examinador foi fundamentalmente

Testemunho do cônego Colomiatti no processo de beatificação de Dom Bosco, em 1926.


141

O cardeal Nina confirma-o numa entrevista de 13 de maio de 1882. O procurador Leonori negou a
alegação com veemência, em Positio, Summarium ex officio, 10, em ASC A280: Documenti ufficiali:
FDB 2244 A6-8.

365

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Dom Bosco: história e carisma 3

positivo. Como diz Stella, isso era indicado, também nos títulos que figuram
em cada seção do relatório; por exemplo, “Dom Bosco não é responsável” [do
início da] controvérsia; [durante o conflito] “as ações e atitudes do Servo de
Deus estiveram sempre livres de culpa”. Depois de observar que Dom Bosco
compusera a Exposição com a ajuda do padre Bonetti, o examinador mani-
festou que a apresentação dos fatos poderia requerer alguma correção e que o
tom era um tanto emocional. E acrescenta:
Pelo que posso ver, tudo isso não altera na mínima parte a natureza dos fatos
expostos. Sem dizer que estas alterações acidentais são explicadas pelo fato de
o autor do opúsculo, escrevendo sob a pressão de prover à defesa do próprio
Instituto, podia facilmente acontecer-lhe acentuar não raramente ou atenuar
sob determinados aspectos alguns acréscimos dos fatos que narrava, não com
a deliberada intenção de alterar conscientemente a verdade dos mesmos, mas
porque assim o sentia em seu espírito, que naturalmente não pode deixar de
estar preocupado, ansioso e desassossegado diante da espera do resultado do
julgamento iminente.

Fazia notar, também, em favor da prudência de Dom Bosco:


A Exposição foi considerada, no mínimo, inoportuna. Em minha opinião,
esta acusação não é nem fundada nem merecida. A Exposição, de fato, é devi-
da justamente à necessidade que o Servo de Deus sentia de correr em defesa e
tutela do próprio Instituto religioso, contra o qual o arcebispo de Turim não
menos de seis vezes apresentara requerimento e publicado outros escritos.142

O caso Bonetti em Chieri


Quanto ao assunto de Chieri, seria bom saber “quem tinha razão”. Tal-
vez se entenda melhor a disputa no contexto da prática pastoral em uso.
1. Certamente, do nosso ponto de vista, teria sido benéfico para to-
dos que se tivesse dado espaço livre ao zelo do padre Bonetti e das
salesianas, pois aquilo que faziam era orientado claramente para o
bem das almas. Mas as objeções do pároco, padre Oddenino, devem
ser vistas à luz de uma teologia pastoral e prática, centrada na res-
tauração e na reforma das estruturas da Igreja local, tanto no plano
diocesano, como no paroquial. Como no caso de Dom Bosco em
Turim, no do padre Bonetti em Chieri, a divisão do clero, a favor ou
142
P. Stella, Canonizzazione, 128-129, citando a Positio super revisione scriptorum, 24-25 [pro-
cesso de beatificação de Dom Bosco, 1906], em ASC A280: Documenti stampati: FDB 2210 E 1-3.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

contra, apontava mais do que às pessoas envolvidas na controvérsia,


às políticas pastorais do próprio arcebispo.
2. Do ponto de vista salesiano, as Filhas de Maria Auxiliadora, por
suas constituições, faziam parte da Sociedade Salesiana. Portan-
to, a casa das irmãs em Chieri era considerada logicamente casa
salesiana; seu diretor espiritual era o superior salesiano; a capela
do Oratório era um oratório público (gozava dos direitos paro-
quiais?). Entretanto, o arcebispo e o padre Oddenino não consi-
deravam desse modo; dom Gastaldi perguntara através do cônego
Colomiatti sobre o estatuto jurídico das salesianas e a resposta do
cardeal Ferrieri não apoiava o ponto de vista salesiano.
3. Quanto à suspensão, sabe-se que dom Gastaldi, como os bispos
reformadores antes dele, não só governava através de sínodos e de-
cretos, como também recorria com certa facilidade à suspensão e
outras restrições, como apoio de sua política pastoral e medida dis-
ciplinar. Do nosso ponto de vista, tais sanções eram frequentemen-
te injustas e, provavelmente, também ilícitas. O decreto de 1615,
da Congregação dos Bispos e Regulares, descoberto pelo jesuíta
Rostagno,143 vincula a suspensão a um ato sacramental próprio, no
caso dos religiosos; esse decreto não era considerado pertinente por
dom Gastaldi. Ele nunca reconheceu que a suspensão estivesse de
alguma forma relacionada com o ato sacramental próprio; as moti-
vações, boas ou más, eram de caráter pastoral e disciplinar. No caso
do padre Bonetti, além disso, suas palavras e atuações, mesmo ante-
riores à suspensão, eram tais, na opinião do arcebispo, que exigiam
medidas severas. Mais tarde, o comportamento do padre Bonetti e
o surgimento do folheto que lhe era imputado (História de Chieri)
fizeram com que a suspensão parecesse ainda mais merecida. Deve-
-se recordar, contudo, que sua reabilitação, em dezembro de 1881 e
janeiro de 1882, embora aprovada pelo cardeal Nina, considerado
parcial por ser o protetor dos salesianos, e que logo seria retirada,
prova que se pensava que a suspensão fora improcedente.

4. Comentário final
Tentamos fazer a crônica do conflito de Dom Bosco com seu arcebis-
po de maneira coerente, embora seletiva, ressaltando os temas que emergiram.
A documentação original produzida pelo conflito, recolhida em vários arqui-
vos, é abundante. Biógrafos e historiadores procuraram chegar a certa compre-
ensão deste longo assunto, amplamente conhecido e escandaloso, que envolvia

143
MB XIV, 233s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

as duas personalidades mais importantes da Igreja de Turim. O clima polêmico


em que surgiu essa documentação afetou naquela época a sua forma e, agora,
torna problemática sua confiabilidade. Apesar disso, é possível, e necessário,
fazer algum esclarecimento como avaliação geral.
Não é plausível a opinião de que os verdadeiros responsáveis no conflito
fossem homens do arcebispo e de Dom Bosco e não eles mesmos. É claro que
não foi um combate pessoal, mas que se deu principalmente entre os dois pro-
tagonistas: “Eles tinham a última palavra”. Contudo, é legítimo perguntar-se
pela função e responsabilidade dos subordinados, pessoas que aconselharam,
falaram, escreveram e combateram pelos seus líderes, apesar de ainda não ter-
mos, em grande medida, uma resposta segura. Aqui nos interessam a natureza
e as motivações do conflito como tal.
À primeira vista, poder-se-ia cair na tentação de definir o conflito como
um caso clássico da autoridade versus carisma; em seu aspecto externo, foi mais
um caso em que a instituição, com todas as implicações estruturais, legais e os
meios da própria conservação, impediria a ação do Espírito e a salvação das
almas. Embora tenha sido assim interpretado, essa visão é superficial. Porque,
além da dificuldade de definir onde está o “carisma” num determinado caso,
isso supõe que a própria autoridade institucional carece do Espírito.
Deve-se aprofundar, portanto, mais alguma coisa. De um lado, é preciso
reconhecer a existência de uma questão eclesiológica, sem que isso suponha
considerar os combatentes como representantes de eclesiologias contrárias, ul-
tramontana e centrada no Papa, de um lado, e pró-galicana e episcopaliana,
de outro; mesmo servindo-se dessa terminologia em sentido lato, não são apli-
cáveis sem reservas. Seria melhor dizer que a eclesiologia de Dom Bosco era
radicalmente ultramontana; a de dom Gastaldi, apenas em alguns aspectos.
A eclesiologia de Dom Bosco é centrada, por princípio, no ministério
petrino; ele concebia o bispo como subsidiário. Houve, também, uma razão
prática que modificou a sua orientação papal, assim como um dado de exce-
ção, isto é, a relação especial de confiança recíproca entre Pio IX e Dom Bosco,
surgida em 1858 e que chegou ao seu auge em meados dos anos setenta. Isso
deu certa preferência à relação de Dom Bosco com as autoridades da Igreja.
Mais difícil de etiquetar é a eclesiologia de dom Gastaldi. Depois de ter
apoiado em suas declarações oficiais o primado papal e a infalibilidade no
Concílio Vaticano I, não por razões pragmáticas, dom Gastaldi confirmou
a autoridade papal em conformidade com as linhas da constituição Aeterni
Patris (Vaticano I). Contudo, no exercício de seu serviço pastoral e, portan-
to, em sua relação com Dom Bosco, afirmou sua autonomia e defendeu-a

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

intensamente. Tal atitude não era mero autoritarismo, ao qual se sentia pro-
fundamente inclinado, mas baseava-se mais na firme convicção de que, como
bispo, possuía autoridade apostólica.144
Embora a sensibilidade eclesiológica de cada um afetasse o conflito, o con-
traste apresentou-se na pastoral e não no aspecto teórico. Os dois grandes, impor-
tantes, líderes da Igreja governavam e administravam com estilo muito diferente,
seguramente também com estilos pastorais em contraste. Desramaut escreve:

Gastaldi estava alinhado com os bispos reformadores tridentinos do norte da


Itália, cujo modelo era São Carlos Borromeu. Como o arcebispo Borromeu,
assim também o arcebispo Gastaldi governava através de sínodos e decretos,
e comprometeu-se num programa profundo de reforma do clero diocesano
e religioso, e de todas as estruturas da Igreja. Ele assumira os princípios da
Contrarreforma: a vontade do líder religioso legítimo é a vontade de Deus e,
por isso, vinculante para todos; a autoridade jerárquica, como representação
de Jesus Cristo, é, por analogia, onisciente e onipotente e, portanto, pode
exigir a obediência do súdito em vista da fé religiosa. Nesse sistema, a força do
corpo está na cabeça e é garantida pela obediência dos membros. Gastaldi não
visava destruir a Congregação Salesiana, mas acreditava que para o sucesso de
suas reformas a Sociedade Salesiana e todas as outras instituições da diocese,
deviam submeter-se à sua linha pastoral. Esse tipo de autoridade expõe-se a
dois obstáculos perigosos: o recurso à violência e à prevaricação. Na busca
de seu objetivo, o arcebispo Gastaldi nunca recorreu à mentira, mas não lhe
foram alheias algumas formas de autoritarismo violento.
O estilo pastoral de Dom Bosco era muito diferente; como seu estilo educati-
vo, ele também decorria do seu Sistema Preventivo, com o resultado de uma
pastoral imbuída e guiada pela caridade. Este modo era, sem dúvida, mais
democrático e, provavelmente, também mais evangélico do que o seguido por
Gastaldi. Como Jesus, Dom Bosco aceitava as pessoas como elas eram, ape-
lando para suas inclinações pessoais e seus dons, embora pequenos, a serviço
da Igreja. Servia-se do carisma de cada um para o bem das almas. Para ele, a
força do corpo estava nos membros que trabalham em união com a cabeça. A
grande virtude para ele não era a obediência, mas o zelo pela causa de Deus,
ou dizendo melhor, a caridade, o amor prático pelo próximo, através do qual
se conseguiria a “maior glória de Deus”. O defeito possível desta conduta
humana é a cultura de certo grau de anarquismo.145

144
Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 288.
145
F. Desramaut, Don Bosco, 1163-1164.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Pode-se perguntar se estes diferentes estilos pastorais poderiam ser


conciliados.
Como fatores constitutivos, a personalidade e o caráter dos protagonistas
influenciaram consideravelmente durante o conflito. Diferiam como o dia da
noite no substrato social, na educação, na filosofia e na política. Chegaram até
aqui por caminhos espirituais diferentes; diferiam pelo estilo de oração, pela
devoção e a prática ascética. Dom Gastaldi tendia à austeridade rigorista con-
sigo mesmo e com os outros. Era perfeccionista, carente da flexibilidade indis-
pensável para o bom governo. Dom Bosco, ao contrário, era um probabilista
prático, que governava intuitiva e convincentemente as pessoas. Foi acusado,
também, não sem motivos, de servir-se de certa elasticidade para alcançar uma
finalidade boa, o seu trabalho pela juventude, a salvação das almas.
Enfim, eram semelhantes numa única coisa: no intenso e obstinado
compromisso, sem concessões, por aquilo que eles percebiam como seu de-
ver. Seus amigos e inimigos deram testemunho disso. Não se tem conheci-
mento de que o arcebispo cedesse em alguma coisa que, a seu juízo, estivesse,
mesmo distante, relacionado com seus direitos e deveres episcopais. Não se
tem conhecimento de que Dom Bosco se rendesse quando estivesse em jogo
o “bem da Sociedade Salesiana” ou quando se tratasse da “maior glória de
Deus e a salvação das almas”. Encontrando um obstáculo, esquivava-se dele.
Como o arcebispo era o obstáculo, ele o evitou recorrendo à “autoridade
superior”, o papa Pio IX. Nesse aspecto, Dom Bosco era muito diferente de
Leonardo Murialdo, mais jovem do que ele e santo como ele, para quem “a
obediência ao ordinário” (dom Gastaldi) era um dogma.
Dessa forma, portanto, o conflito evidencia os aspectos mais humanos
e as fragilidades do caráter dos protagonistas. Não economizaram queixas e
duras acusações, um contra o outro, mesmo na presença de terceiros, fos-
sem súditos ou estranhos. Dom Gastaldi era de temperamento impulsivo
e violento. Carecia de prudência e moderação e, sem piedade, repreendeu
Dom Bosco e os salesianos em numerosas ocasiões. Dom Bosco não era nem
impulsivo nem violento; suas palavras e escritos não foram abertamente des-
respeitosos, mas em alguns casos também não foram um magnífico exemplo
de prudência e respeito.146
A volumosa correspondência durante todo o conflito revela a atitude infle-
xível das duas partes e a falta de comprometimento na hora de um acordo que,
talvez, pudesse ter resolvido o conflito. Hoje, pode-se perguntar se a defesa desses
valores ou prerrogativas como os sacrossantos “direitos episcopais” ou a “honra do
Instituto” justificassem uma década de hostilidade tão escandalosa e destrutiva.

146
G. Tuninetti, Gastaldi II, 288-289.

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Apêndice

CONCORDIA. TEXTO DO DOCUMENTO DE


RECONCILIAÇÃO (Roma, 16 de junho de 1882)147

Sua Santidade está ciente da controvérsia sobre uma variedade de temas


existente durante algum tempo entre o arcebispo de Turim e a Congregação
Salesiana. Esses desacordos constituem fonte de mal-entendidos e atritos que
prejudicam a autoridade e perturbam os fiéis. Por conseguinte, notificou as
partes em litígio a sua vontade de que todos deixem a contenda e se chegue
a uma reconciliação autêntica e duradoura. Para tanto, estabelecem-se os se-
guintes termos do acordo:
I. Dom Bosco escreverá uma carta de desculpa a sua excelência o
arcebispo. Nela, expresse seu pesar pelos incidentes que romperam
nos últimos anos a boa relação que existia anteriormente entre
eles, e que causaram possivelmente dor a sua excelência. Se sua
excelência tem razões para crer que tanto Dom Bosco ou algum
membro de sua congregação sejam de algum modo, responsáveis
desta situação, Dom Bosco peça perdão a sua excelência e peça-lhe
que esqueça o passado.
II. Correspondentemente, sua excelência o arcebispo reconhecerá a sin-
ceridade dos sentimentos expressados por Dom Bosco e a satisfação
que lhe dão. Por isso, deverá esquecer o passado e restabelecer suas
boas relações com Dom Bosco.
III. Três dias depois deste intercâmbio, sua excelência dará novas fa-
culdades ao padre Bonetti para ouvir confissões sem restrições e
enviará o documento a Dom Bosco. Dom Bosco, por sua vez,
compromete-se a esperar um ano antes de permitir que o padre
Bonetti retorne a Chieri. Passado um ano, a chancelaria não poderá

147
O texto final da Concordia encontra-se em MB XV, 266s. Foi assinado em 15 de junho; a data
oficial é 16 de junho de 1882.

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Dom Bosco: história e carisma 3

impedir o retorno do padre Bonetti a Chieri em ocasiões especiais,


com a finalidade de pregar ou confessar.
IV. Embora o memorando impresso de Dom Bosco, que descreve as
ações do arcebispo em sua relação com ele, não tenha sido pen-
sado para o público, mas exclusivamente para os cardeais da con-
gregação, Dom Bosco, apesar disso, procure recuperar e destruir
todas as cópias distribuídas.
V. A fim de evitar a repetição de conflitos, sua excelência o arcebispo
procederá à retirada e destruição das duas cartas ameaçadoras com
data de 25 de novembro e 1º de dezembro de 1877. Dessa forma,
deverá ser eliminada para sempre a ameaça de suspensão automá-
tica (ipso facto incurrenda), emitida contra Dom Bosco, caso este
escreva, publique ou distribua material prejudicial a sua excelência
o arcebispo.
VI. Quanto aos folhetos citados pela chancelaria na acusação penal,
Dom Bosco declara que sempre condenou e continua a condenar
a forma indecorosa e a linguagem utilizada ao falar da autoridade
eclesiástica e que, se for necessário, está disposto a emitir uma
declaração formal sobre a questão. Ele também está plenamente
disposto a denunciar o conteúdo dos folhetos que citem a Igreja,
cujos aspectos concretos ou declarações sejam censuráveis.
VII. Como resultado desta declaração, será retirada a ação legal ini-
ciada pela chancelaria da arquidiocese.

Pelas faculdades que me concedeu meu muito estimado superior, sua


excelência dom Lourenço Gastaldi, estou de acordo e aceito, pela presente,
todas as disposições do acordo acima.
[Assinado] Cônego Manuel Colomiatti
Pelas faculdades concedidas por meu superior-geral, mui reverendo João Bos-
co, estou de acordo e aceito, pela presente, todas as disposições do acordo acima.
[Assinado] Padre Francisco Dalmazzo, procurador-geral.

ELENCO DAS PESSOAS ENVOLVIDAS NO CONFLITO

Pela Chancelaria da arquidiocese de Turim,


sendo Gastaldi o arcebispo:
Francisco Maffei: cônego (1848-1926), secretário da chancelaria. Ocu-
pou-se da correspondência do arcebispo na questão Rocca (1879-1880).

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Jacinto Chiaverotti: cônego, secretário da chancelaria (1877-1879);


ocupou-se da correspondência do arcebispo, especialmente no assunto Pe-
renchio-Lazzero.
José Corno: cônego (n. 1856), secretário da chancelaria desde 1880,
chanceler (1885). Apresentou-se como testemunha ex officio no processo de
beatificação de Dom Bosco.
Manoel Colomiatti: cônego (1846-1928): teólogo, canonista, professor,
autor, advogado fiscal do arcebispo Gastaldi desde 1872, formalmente desig-
nado em 1882. Encaminhou a ação legal em Roma e Turim no julgamento
Bosco-Bonetti; considerado “não amigo dos salesianos”, também testemu-
nhou contra Dom Bosco no processo de beatificação (1917-1925).
Tomás Chiuso: chanceler (1840-1904): cônego, teólogo, historiador,
secretário pessoal do arcebispo até 1878. A partir de então, secretário; atuou
como correspondente para o arcebispo em diversas instâncias.

Outras pessoas simpatizantes da causa do arcebispo


André Oddenino: pároco da catedral de Chieri (1829-1890). Participou
como demandante no processo Bonetti, de Chieri (1878-1882).
Estêvão Fabio: vigário forâneo em Chieri (1804-1886), acusou o padre
Bonetti de ser autor da História de Chieri.

Salesianos
Ângelo Maria Rocca: ex-seminarista diocesano (1853-1943). Salesiano
(1873), recém-ordenado sacerdote (1877), foi-lhe impedido de celebrar a
santa missa na cidade natal: foi censurado pelo arcebispo Gastaldi por cele-
brar, apesar disso, em seu oratório privado (1877).
Francisco Dalmazzo: salesiano (1845-1895); diretor de Valsálice (1872-
1880); procurador-geral da Sociedade Salesiana (1880-1887), representante de
Dom Bosco em Roma no caso Bonetti e na reconciliação final (1880-1882).
João Bonetti: diretor do Boletim Salesiano (1838-1891) desde 1878,
eleito diretor espiritual da Sociedade Salesiana (1886). Como diretor do Ora-
tório das salesianas em Chieri foi envolvido diretamente no conflito.
João Perenchio: sacerdote de Ivrea, censurado por dom Moreno por re-
correr aos salesianos, suspenso pelo arcebispo Gastaldi por celebrar em Turim
sem licença (1877). Causa involuntária da suspensão do padre Lazzero.
Joaquim Berto: secretário de Dom Bosco (1847-1914), esteve ao lado
de Dom Bosco e de todos os salesianos no conflito (1870-1888).

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Dom Bosco: história e carisma 3

José Lazzero: sacerdote salesiano (1837-1910), vice-diretor do Oratório,


envolvido na questão Perenchio (1877), suspenso pela má interpretação de uma
carta do arcebispo Gastaldi sobre as ofertas de missas de sacerdotes salesianos.
Luís Guanella [santo]: sacerdote de Como (1842-1915). Durante al-
gum tempo salesiano, encontrou a oposição de dom Gastaldi quando quis
se fazer salesiano (1875); envolvido no desenvolvimento inicial dos Filhos de
Maria. Ao retonar à sua diocese (1877), fundou institutos religiosos.

Simpatizantes da causa salesiana


Frederico Albert [beato]: sacerdote de Turim (1820-1876), teólogo, pá-
roco de Lanzo. Amigo de Dom Bosco e dos salesianos; envolvido na questão
dos retiros espirituais em Lanzo (1874).
João Batista Anfossi: ex-aluno do Oratório (1840-1913) e amigo a vida
toda dos salesianos; como sacerdote diocesano de Turim se opôs às políticas
pastorais do arcebispo; foi o autor da Carta do cooperador anti Gastaldi e do
segundo Presente do capelão.
João Batista Fratejacci: monsenhor romano (m. 1877), amigo de Dom
Bosco, manteve os salesianos informados sobre os acontecimentos em Roma.
João Turchi: ex-aluno do Oratório (1838-1909). Sacerdote diocesano
de Turim, professor em Roma (1877-1878), autor confesso do primeiro Pre-
sente do capelão e colaborador em outros folhetos.
Mateus Sona: cônego de Chieri (1831-1893), partidário do padre Bo-
netti na questão de Chieri (1878-1881).

Autoridades romanas
Caetano Tortone: encarregado dos negócios da Santa Sé em Turim
(1814­-1891); fez investigações e informou a Santa Sé em diversas ocasiões,
especialmente no momento da ameaçadora renúncia de dom Gastaldi (1876-
1877) e da questão do padre Bonetti em Chieri (1878-1879).
Carlos Menghini: monsenhor (m. 1896), advogado que trabalhava nas
congregações romanas, assessor legal de Dom Bosco (1874-1879), assessor legal
de dom Gastaldi no processo perante a Congregação do Concílio (1879-1882).
Constantino Leonori: monsenhor, advogado que trabalhou nas congre-
gações romanas, advogado de Dom Bosco e do padre Bonetti (1879-1883).
Eneas Sbarretti: arcebispo (1808-1884), secretário da Congregação dos
Bispos e Regulares, que sucedeu a dom Vitelleschi (1875), nomeado cardeal
em 1877.

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O conflito de Dom Bosco com seu arcebispo, dom Gastaldi. 2. Do surgimento dos...

Inocêncio Ferrieri: cardeal (1813-1887), prefeito da Congregação dos


Bispos e Regulares (1876). Para os salesianos, um inimigo.
Isidoro Verga: arcebispo (1832-1899), secretário da Congregação do
Concílio no momento do processo do padre Bonetti (1879-1882). Car-
deal (1884).
José André Bizzarri: cardeal (1802-1877), prefeito da Congregação dos
Bispos e Regulares, antecessor do cardeal Ferrieri.
José Berardi: cardeal (1810-1878), amigo de Dom Bosco e solidário
com a causa salesiana.
Lourenço Nina: cardeal (1812-1885), secretário de Estado (1878-
1880), prote­tor da Sociedade Salesiana (1879) e prefeito da Congregação do
Concílio (1880).
Luís Jacobini: cardeal (1832-1887), secretário de Estado (1879).
Luís Macchi: mordomo papal (1832-1907), mais tarde cardeal. Opôs-se a
Dom Bosco; como mordomo, retardou a audiência de Dom Bosco com o Papa.
Próspero Caterini: cardeal (1795-1881), prefeito da Congregação do
Concílio, que foi sucedido à sua morte, pelo cardeal Nina.
Rafael Mônaco La Valletta: cardeal (1827-1896), vigário de Roma. Tra-
tou com Dom Bosco sobre a construção da igreja do Sagrado Coração (1880).
Salvador Nobili Vitelleschi: arcebispo (1818-1875), secretário da Con-
gregação dos Bispos e Regulares sendo Bizzari o cardeal prefeito. Em geral,
favorável à causa de Dom Bosco, embora não na questão do pedido de pri-
vilégios, em 1875.

Outros envolvidos
Antônio Ballerini: sacerdote jesuíta e teólogo em Roma (1805-1881),
líder da campanha anti Rosmini, autor do Breve ensaio contra a posição ros-
miniana de dom Gastaldi.
Antônio Pellicani: sacerdote de Savona, ex-jesuíta; foi citado por Leon-
cini co­mo se Dom Bosco lhe tivesse solicitado que escrevesse contra o arce-
bispo (1879-1882). Sua desautorização do fato chegou muito tarde.
Celestino Fissore: cônego (1814-1889), vigário-geral de Turim nos anos
cinquenta, arcebispo de Vercelli (1871); foi chamado a mediar o conflito
(1875) e investigar a autoria dos panfletos.
Luís Leoncini: sacerdote escolápio. Testemunhou na chancelaria contra
Dom Bosco em relação à autoria dos panfletos (1879-1880).

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Capítulo X

ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL DA
SOCIEDADE SALESIANA

As primeiras Constituições Salesianas, como também o texto aprovado


em 1874, não contêm disposições para a criação de inspetorias, ou circuns-
crições regionais sob a autoridade de um superior canônico principal.1 Ape-
sar disso, para estabelecer as Inspetorias, Dom Bosco invocou um artigo das
Constituições, “Sobre os demais superiores”, capítulo que ele introduziu pela
primeira vez em 1873 e foi aprovado em 1874.

1. Estabelecimento e desenvolvimento das Inspetorias


(1877-1888)
Em seu primeiro relatório trienal à Santa Sé (Parte 1a: Situação mate-
rial da Pia Sociedade Salesiana em março de 1879), Dom Bosco apresentou a
sociedade dividida em quatro inspetorias: Piemonte, Ligúria, Roma e Amé-
rica [do Sul]. A Congregação dos Bispos e Regulares fez vários comentários
críticos sobre o relatório. O segundo comentário assinala: “A Pia Sociedade
Salesiana não pode ser dividida nas assim chamadas inspetorias, uma prática
não frequente, mas em províncias, que só poderão ser estabelecidas com a
permissão da Santa Sé”. Dom Bosco respondeu à congregação romana:

A Pia Sociedade foi dividida em inspetorias em conformidade com o capítu-


lo IX, artigo 17 de nossas Constituições, que diz: “Caso fosse necessário, o
Reitor-Mor, com o consentimento do Capítulo superior, nomeará visitadores
aos quais confiará algumas responsabilidades sobre determinado número de

T. Valsecchi, “Origine e sviluppo delle ispettorie salesiane: serie cronologica fino all’anno
1

1903”, RSS 2 (1983), 252-273. É o primeiro de três artigos que descrevem a criação das Inspetorias
de 1877 a 1983.

376

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

casas, quando sua distância ou seu número o requeresse. Os visitadores ou


inspetores fazem as vezes do Reitor-Mor nas casas e nos assuntos que lhes
forem confiados”.2

O texto constitucional sobre os visitadores não fala exatamente nem defi-


ne o cargo de inspetor, tal como é conhecido hoje. É possível que Dom Bosco,
na realidade, concebesse o inspetor como um visitador ou um representante
local que atuasse em nome do Reitor-Mor.

Ideia de Dom Bosco sobre os termos inspetor e inspetoria


Em sua resposta à sagrada congregação e comentando a expressão inspe-
tor, Dom Bosco acrescenta:

Pio IX, de sempre venerada memória, recomendava, diante do primeiro regu-


lamento da humilde Sociedade Salesiana, que se eliminassem as denomina-
ções que pudessem chocar contra o espírito do século. Por isso, propunha que
se dissesse casa, colégio, internato, orfanato em lugar de convento; o nome
de prior ou guardião fosse substituído pelo de diretor; o de provincial ou pro-
víncia por outro vocábulo equivalente. Será oportuno dizer que a divisão em
inspetorias ainda não foi feita, mas que se propõe como experiência e, quan-
do for reconhecido o seu possível funcionamento, se fará o devido recurso à
Santa Sé. Mas a malícia de nossos tempos e as contínuas e graves dificuldades,
que devemos enfrentar todos os dias, não permitirá encontrar outra divisão
tolerável no século, pelo que se pede a sua admissão temporária.3

Dois anos antes, o Capítulo Geral I (1877), em sua décima sexta sessão,
dera as mesmas razões para a decisão de se evitar o termo provincial e usar em
seu lugar o de inspetor.

Primeiramente, decidiu-se evitar o termo “província” e “provincial” especial-


mente, porque já não parecem apropriados neste momento e tempo. Nossa
Congregação seria apresentada ao mundo com a imagem de ordem monás-
tica. Santo Inácio já eliminara uma série de termos que foram utilizados em

2
Ver as Constituições como foram aprovadas em 1874 (Q) em G. Bosco, Costituzioni, 155; MB
XIV, 221. Leve-se em conta que, em vez de “visitadores ou inspetores (visitatores, sive inspectores)”, a
edição impressa latina de 1875 (T) coloca “visitatores, sive cognitores” e a edição impressa italiana de
1875 oferece “visitatori o riconoscitori”. [Recorde-se que as siglas Ns, Q, T etc., correspondem às diversas
redações resenhadas por Motto na edição crítica do texto das Constituições, já citada anteriormente,
cf. vol. 2, p. 315-317.]
3
MB XIV, 221.

377

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Dom Bosco: história e carisma 3

épocas anteriores. Por exemplo, recusou o termo “padre guardião”, substituin-


do-o por “reitor”. Nós também deveríamos evitar o uso dos termos e sinais
exteriores [que possam] ofender a sensibilidade moderna. Em consequência,
decidiu-se que o superior que está à frente de um grupo de casas deveria
chamar-se inspetor; que o conjunto das casas sobre as quais o inspetor exerce
sua autoridade deve ser chamado inspetoria. Estes termos transmitem exata-
mente o que desejamos dizer e, além disso, seriam aceitáveis para todos hoje
em dia, e são de uso comum também nos ambientes da administração [civil]
e da educação.4

Intenção de Dom Bosco


Com a criação de “inspetorias”, Dom Bosco não tinha intenção de des-
centralizar, mas só procurava facilitar o governo e a administração. Manteve
um conceito rigorosamente unificado e centralizado, piramidal da Congrega-
ção Salesiana, não só em relação ao governo e à administração. No relatório
de 1879, na introdução intitulada Breves notícias sobre a Congregação de São
Francisco de Sales, de 1874 a 1879, ele escrevia:

Os irmãos, distribuídos pelas várias casas da Congregação, dependem do di-


retor da respectiva comunidade. Os diretores estão submetidos a um inspetor
que governa determinado número de casas, que formam sua inspetoria ou
província. Os inspetores dependem do Reitor-Mor. Este, com seu Capítulo
superior, administra toda a Congregação na dependência direta e absoluta da
Santa Sé.5

Dom Bosco empregou palavras semelhantes no Capítulo Geral II


(1880);

Para o bom funcionamento da Congregação, é importante que [em cada casa]


tudo e todos vivam centralizados no diretor; que cada diretor entenda-se com
seu inspetor em tudo; e igualmente, cada inspetor com o Reitor-Mor. Se con-
seguirmos trabalhar com este princípio, poderemos estar certos de ter posto o
funcionamento de nossa Congregação numa base sólida.6

4
ASC D578 I CG (1877), sessão 16, Barberis Minutas, em cópia definitiva, 251-252: FDB
1851 E5-6; correspondem ao primeiro rascunho, 202-203: FDB 1845 E8-9.
5
OE XXXI, 241; MB XIV, 217.
6
CG II, nona conferência, 9 de setembro de 1880, atas de Barberis, caderno I, 74: FDB 1858 C5.

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

Divisão e organização da Sociedade Salesiana em inspetorias


Capítulo Geral I (1877)
A divisão da sociedade em inspetorias, no pensamento de Dom Bos-
co, tem sua base jurídica no texto constitucional. Entretanto, a decisão de
criá-las foi tomada no Capítulo Geral I, três anos depois da aprovação das
Constituições.
O tema 15 da agenda, proposto por Dom Bosco na preparação para o
Capítulo, tratava das inspetorias; sublinhou-se sua necessidade bem como a
base constitucional:

Nossas casas estão aumentando em número nos países próximos e distantes.


Por isso [a divisão da sociedade em] inspetorias (ispettorati) ou províncias,
segundo o disposto no Cap. I [sic, mas quer dizer IX], art. 17 de nossas Cons-
tituições, é uma necessidade absoluta.7

A sexta comissão capitular, composta pelos padres João Cagliero, Miguel


Rua e Paulo Albera, tinha por objetivo estudar e informar sobre “províncias
e deveres dos provinciais”.8
Conforme a ata de Barberis, o assunto foi submetido à discussão na
sessão décima sexta (14 de setembro de 1877) e, depois da pausa de uma
semana, na décima sétima (21 de setembro). A sessão décima sexta tratou dos
termos que seriam utilizados, inspetor..., e outros assuntos.9 Na sessão seguin-
te “foi apresentado o tema a ser tratado. Referia-se à divisão da Congregação
em inspetorias e o regulamento para o inspetor”.10
A partir das minutas tem-se a impressão de que a divisão da Congre-
gação em inspetorias fora planejada já há algum tempo. Mas não se tinha
feito qualquer divisão, nem fora anunciado durante o CG I. Contudo, o
esforço centrou-se todo em elaborar um conjunto preliminar de regula-
mentos para as inspetorias e os inspetores, cujos artigos constam das atas.
A comissão dedicou-se ao estudo da questão, baseando-se no que outras
congregações estavam fazendo. Dom Bosco advertiu: “Neste trabalho, de-
vem ter sempre em conta que a linha pela qual a autoridade se transmite
juridicamente não pode ter obstáculos; concretamente, desde o Papa até
7
G. Bosco, Capitolo Generale della Congregazione Salesiana da convocarsi in Lanzo nel prossimo
settembre 1877. Turim: Tip. Salesiana, 1877, em OE XXVIII, 327.
8
Cf. MB XIII, 245s.
9
Cf. MB XIII, 248.
10
ASC D578 CG I, sessão décima sétima, 21 de setembro de 1877, 10 AM, atas de Barberis,
rascunho, 210: FDB 1846 A5.

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Dom Bosco: história e carisma 3

o Reitor-Mor, os inspetores e, finalmente, os diretores de cada uma das


casas locais”.11
Dom Bosco e o seu conselho iriam estudar o modo de completar e cum-
prir melhor as decisões do Capítulo.

Primeira lista não oficial das quatro inspetorias (1878)


Dom Bosco apressou-se em elaborar uma divisão, que já devia ter em
mente há algum tempo, e incluí-la, não de forma oficial, no elenco salesiano
de 1878, em que se enumeram quatro províncias: piemontesa, lígure, ameri-
cana [do sul) e romana. Para a província americana, ele também apresenta o
nome do inspetor, padre Francisco Bodrato.12

Criação de três inspetorias na conferência de Alassio (1879)


A primeira ação oficial para estabelecer as províncias em conformidade
com o mandato do Capítulo Geral foi tomada nas Conferências de São Fran-
cisco de Sales, celebradas em Alassio, no início de fevereiro de 1879.13 Padre
Barberis recorda:

Alassio, 6 de fevereiro de 1879


Devido à ausência de Dom Bosco, a conferência que se celebra habitual-
mente por ocasião da festa de São Francisco de Sales não pôde ser cele-
brada este ano. Nesse momento, Dom Bosco estava em Marselha, França.
Contudo, dispôs-se de modo que ele estivesse em Alassio no dia 6 de feve-
reiro; ali se deu a conferência. Os membros do Capítulo superior vieram
de Turim e os diretores locais, das casas da Ligúria. Assim, portanto, às
4 p. m. [de 6 de fevereiro], reuniram-se em Capítulo os seguintes: Dom
Bosco, padre Rua, padre Cagliero, padre Lazzero, padre Durando, padre
Ghivarello, padre Cerruti, padre Francésia, padre Albera, padre Ronchail
[de Nice], padre Cibrario, padre Barberis, padre Rocca e padre [Carlos]
Cays, 14 no total. [...]

11
ASC D578, CG I, sessão décima sexta; atas de Barberis, exemplar passado a limpo, 254: FDB
1851 E8.
12
Elenco Generale della Società di San Francesco di Sales. Turim: Tipografia Salesiana, 1878, 10-
16; 17-20; 21-23; 23-24.
13
Cf. MB XIV, 40s. Esta conferência foi, na verdade, uma reunião ampliada do Capítulo su-
perior, em vez da conferência geral, que não se pôde fazer em Turim porque Dom Bosco estava na
França. Dever-se-ia perguntar por que se celebraram conferências deste tipo, com capacidade de tomar
decisões, sendo que o Capítulo Geral devia reunir-se a cada três anos para esse fim, de acordo com as
Constituições. Em todo caso, esta foi a última Conferência.

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

7 de fevereiro de 1879
Pela manhã, fizeram-se reuniões em pequenos grupos. [...] Pela tarde, muito
antes das 5, foi convocada uma assembleia geral. Seu objetivo era chegar
a uma decisão prática sobre as províncias, [para assim cumprir] o que, em
princípio, fora recomendado pelo Capítulo Geral [I]. A decisão foi de es-
tabelecer, no momento, as seguintes províncias: a piemontesa, a lígure e a
[província] sul-americana. As casas situadas fora destas áreas serão anexa-
das a uma delas. As residências provinciais seriam: Turim para a provín-
cia piemontesa; Alassio para a província da Ligúria, e Buenos Aires para
a província [sul] americana. Padre Francésia, atual diretor de Varazze, foi
nomeado provincial da província piemontesa; mas continuará em seu posto
atual até o outono. Padre Cerruti foi nomeado provincial da província da
Ligúria enquanto continua como diretor da escola de Alassio. Padre Rocca,
no momento professor do liceu em Alassio, foi nomeado vice-diretor, a fim
de deixar o padre Cerruti livre para visitar as casas da província. Quanto à
província americana [do sul], padre Bodrato, que foi provincial nos últimos
dois anos, permanecerá no cargo. Estas decisões não são definitivas, mas à
moda de experiência.
Creio que se deva acrescentar aqui um comentário. No que se refere
tanto à pessoa que será designada como aos provinciais e à residência
provincial, Dom Bosco já tomara uma decisão. Limitou-se a apresentar
sua decisão aos membros do capítulo [conferência, na verdade], em vez
de abrir um debate sobre o tema. Quando este sistema de províncias esti-
ver em funcionamento, então se tirará uma grande carga dos ombros dos
membros do Capítulo superior. Os diretores locais também receberão
grande ajuda.14

As atas da reunião de Alassio não mencionam uma província romana.


A razão pode ser que, em fevereiro de 1879, a Obra Salesiana ainda não se
tinha estabelecido na Cidade Eterna e o compromisso salesiano com Arícia,
Albano e Magliano Sabino, nos arredores de Roma, ainda não estava firme.
No diretório de 1878, no relatório trienal à Santa Sé, de março de 1879, e
na carta circular aos irmãos, também de março de 1879, Dom Bosco fala de
uma província romana, antecipando claramente que a obra salesiana seria
estabelecida no centro e no sul da Itália.15

ASC D868, atas do Capítulo superior, pasta II, caderno 2 (1879), 61, 72-73: FDB 1878 C7 e D5-6.
14

No relatório de 1879, Dom Bosco fala de fundações iminentes, Bríndisi (Apúlia), Catânia e
15

Randazzo (Sicília), que pertenceriam à inspetoria romana.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Carta comunicando aos irmãos a criação de 4 inspetorias


(10 de março de 1879)
Quando esta carta foi redigida e enviada aos irmãos, Dom Bosco estava
em Roma, de 1o a 18 de março, tratando de assuntos muito urgentes, escre-
vendo, entre outras coisas, o Relatório.16 Precisou, portanto, deixar instruções
sobre esta carta, que reflete claramente o seu pensamento em cada detalhe. O
rascunho, muito corrigido, é do padre Bonetti. Padre Rua tinha uma cópia
definitiva, preparada para cada casa.17

10 de março de 1879
Aos diretores de nossas casas:
Vemos com grande satisfação como a nossa humilde Congregação, com a aju-
da de Deus, adquire todos os dias maior crescimento e se dilata mais e mais.
Por isso, para corresponder à bondade divina, não devemos descuidar de nada
que possa contribuir para a sua consolidação. Com esse fim, o Capítulo su-
perior e alguns diretores de nossas casas reuniram-se no colégio de Alassio
no dia 6 de fevereiro do corrente ano e criaram as inspetorias, das quais dou
comunicação a todos os diretores de nossas casas.

I. Inspetoria piemontesa, com sede na casa-mãe de Turim. O inspetor é padre


João Batista Francésia, que continuará como diretor do colégio de Varazze.
Esta inspetoria compreende todas as casas do Piemonte, incluindo a de Este.
II. Inspetoria da Ligúria, com sede em Alassio, e que compreende todas as
casas da Riviera, de Lucca até Marselha.
III. Inspetoria romana. As casas desta inspetoria são as de Magliano, Albano e
Ariccia. Será dirigida pelo padre José Monateri, que fará as vezes de inspe-
tor, até novas disposições.
IV. Inspetoria [Sul] Americana. Para todas as Casas da América Meridional,
que formam esta inspetoria, continuará em seu cargo padre Francisco Bo-
drato, pároco da paróquia de La Boca, em Buenos Aires.

Todos os diretores procurem ativar as necessárias relações com o próprio ins-


petor e ter, assim, uma ajuda para a direção moral e material e a solução das
dificuldades que possam apresentar-se.

Cf. MB XIV 41s.


16

Dom Bosco aos diretores salesianos, 10 de março de 1879, em ASC A175: Circolari, 1879:
17

FDB 1367 D5-8 (cópia caligráfica imitando – padre Berto? – a assinatura, Sac. Gio Bosco), em Epistolario
III Ceria, 451-452.

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

[Justifica em seguida, o atraso da eleição dos membros do Capítulo superior.]


[Encarece a leitura, explicação e prática das deliberações tomadas pelo Capí-
tulo Geral celebrado em Lanzo, em setembro de 1877.]
[Promete uma cópia do relatório apresentado à Santa Sé.]
Não devo concluir minha carta sem vos recomendar uma virtude que abrange
todas as outras, a santa obediência. Amai-a vós mesmos e, com o exemplo e o
conselho, fazei com que a amem os vossos subordinados. Obedientia est quae
caeteras virtutes inserit, insertasque conservat [A obediência integra as demais
virtudes, e, integradas, as conserva].
A graça de N. S. J. C. esteja sempre convosco. Rogai por mim, que sempre
serei para vós em J. C.
Afeiçoadíssimo amigo JOÃO BOSCO, sacerdote.
P.S.: Comunique-se aos sócios de cada casa o que possa interessar.

Depois deste anúncio oficial de março, pode-se perguntar por que na


resposta às observações críticas feitas pela congregação romana ao seu relató-
rio, Dom Bosco afirma que a divisão ainda não tivera efeito; talvez a consi-
derasse como provisória?

Desenvolvimento posterior das inspetorias durante a vida de Dom Bosco


No outono de 1879, Dom Bosco nomeou padre Celestino Durando
como delegado provincial da inspetoria romana, em substituição ao padre
José Monateri, nomeado diretor de Varazze.
Em 4 de agosto de 1880, padre Francisco Bodrato morreu em Buenos
Aires, sendo nomeado em seu lugar padre Tiago Costamagna, que continua-
ria a ser pároco da igreja de São Carlos e diretor da escola Pio IX, de Almagro
(Buenos Aires).
No outono de 1881, Dom Bosco criou novas inspetorias: a francesa,
com sede em Marselha, cujo superior foi padre Paulo Albera, e a uruguaia,
separada da americana, com sede em Montevidéu-Villa Colón; padre Luís
Lasagna, continuando como diretor foi o primeiro provincial, tendo sido,
em 1883, o fundador da obra salesiana no Brasil. A inspetoria americana
originária passou a chamar-se inspetoria argentina.
As seis províncias resultantes aparecem no elenco salesiano de 1882:

Inspetoria piemontesa (1878)


Superior padre João Batista Francésia, com domicílio em Turim (Valsálice).
Casas: Turim, Oratório de Valdocco (1846), San Benigno Canavese (1879),

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Dom Bosco: história e carisma 3

Borgo San Martino (fundada em 1863 em Mirabello Monferrato), Lanzo


Torinese (1864), Turim (Valsálice) (1872), Mathi (1877), Nizza Monferrato-
-Madonna delle Grazie (fundada em 1872, em Mornese), Este (1878), Cre-
mona (1879), Penango (1880).

Inspetoria Lígure (1878)


Superior: padre Francisco Cerruti, com domicílio em Alassio.
Casas: Varazze (1872), Alassio (1870), Gênova (Sampierdarena, 1872), Valle-
crosia (Bordighera) (1876), La Spezia (1877), Lucca (1878), Florença (1881).

Inspetoria romana (1881)


Delegado: padre Celestino Durando, membro do Capítulo superior.
Casas: Magliano Sabino (1877), Randazzo (1879), Roma, Sacro Cuore
(1880), Faenza (1881), Utrera (Espanha, 1881).

Inspetoria francesa (1881)


Superior: padre Paulo Albera, com domicílio em Marselha.
Casas: Nice (1875), La Crau, La Navarre (1878), Marselha (1878), Saint Cyr
(1878).

Inspetoria argentina (1877)


Superior: padre Tiago Costamagna, com domicílio em Buenos Aires.
Casas: San Nicolás de los Arroyos (1875), Buenos Aires: igreja Mater Miseri-
cordiae (1875), San Carlos de Almagro (1877), La Boca (1877); Carmen de
Patagones (1880), Viedma (1880).

Inspetoria uruguaia (1881)


Superior: padre Luís Lasagna, com domicílio em Montevidéu (Villa Colón).
Casas: Montevidéu: Villa Colón (1877), San Vicente de Paúl, Escola (1878);
Las Piedras, San Isidro (1879), Paysandú (1881).

Separação das casas “centrais” de formação


Em 1886, em resposta ao desejo de Dom Bosco expresso no CG I
(1877), foi criado em Foglizzo um noviciado para candidatos ao sacerdócio.
Foi um passo importante para o estabelecimento do noviciado canônico. Ao
mesmo tempo, foram reestruturadas outras casas de formação: Valdocco, San

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

Benigno, para os noviços leigos, e o estudantado filosófico da Imaculada Con-


ceição em Valsálice, também chamado seminário para as Missões Estrangei-
ras. As quatro casas foram separadas da província piemontesa e colocadas sob
a direção do padre Júlio Barberis, com o objetivo de dar unidade de direção
na formação dos salesianos jovens.
No elenco de 1888, e nos sucessivos, essas casas de formação aparecem
sob o controle direto do Capítulo superior. Foi o início do que logo se con-
verteria em inspetoria central, que incluirá as casas de formação em diversas
partes da Itália.

2. Primeiro relatório trienal de Dom Bosco à Santa Sé


sobre o estado da Congregação (março de 1879)
Após breve Apresentação de introdução, o relatório18 começa com um
Resumo histórico da Congregação Salesiana (Breve Cenno); segue-se uma longa
primeira parte sobre o estado material da sociedade e outra, mais breve, sobre
sua situação moral.

Texto
[Apresentação introdutória do relatório]
Nossas Constituições, cap. VI, estabelecem que a cada três anos apre-
sente-se à Santa Sé um relatório sobre o estado moral e material, assim como
sobre o desenvolvimento desta sociedade. Apresentamos alguns relatórios
no passado, mas não muito detalhados, pois a abertura de novas casas e as
adaptações às circunstâncias concretas de tempo e lugar, que a Congregação
nascente precisou fazer, nos tornou impossível uma apresentação completa e
detalhada como se requeria. O Reitor-Mor desta Congregação, desejoso de
prestar em tudo o devido respeito à Santa Sé, com a plena confiança de rece-
ber as observações e os conselhos que possam contribuir para a maior glória
de Deus, cumpre agora este dever, expondo humildemente o estado em que
se encontra esta pia sociedade nos diversos países nos quais exerce alguma
atividade do sagrado ministério ou atende à educação científica ou artística
da juventude.

18
Esposizione alla S. Sede dello stato moral e materiale della Pia Società di S. Francesco di Sales nel
marzo del 1879. Sampierdarena: Tip. Salesiana, 1879. Os dados estatísticos oferecidos nas notas de
rodapé são citados seguindo M. Wirth, Don Bosco et la famille salésienne. Paris: Éditions Don Bosco,
2002, 535-536, e P. Braido, Don Bosco fondatore: “Ai Soci Salesiani” (1875-1885). Introduzione e testi
critici. Roma: LAS, 1995. [As estatísticas são aproximadas e não devem ser tomadas como absolutas.]

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Dom Bosco: história e carisma 3

[Resumo histórico]
Nossa Congregação, em 1841, não era mais do que um catecismo, um
lugar de recreação festiva.19 Em 1846, acrescentou-se uma residência para
aprendizes pobres,20 criando um instituto privado, à moda de uma família
numerosa.21 Vários sacerdotes e alguns senhores deram sua ajuda como co-
operadores externos do piedoso empreendimento. Em 1852, o arcebispo de
Turim aprovou o instituto, concedendo por iniciativa pessoal todas as faculda-
des necessárias e oportunas ao reverendo João Bosco, constituindo-o superior
e diretor da obra dos oratórios.22 A partir daquele ano até 1858, teve início
a vida comum; escola, educação de clérigos, alguns dos quais, ao chegar ao
sacerdócio, ficaram no instituto. Em 1858, Pio IX, de santa memória, acon-
selhava ao reverendo Bosco que criasse uma pia sociedade com a finalidade de
conservar o espírito da obra dos oratórios. Ele mesmo, benevolamente, traçava
as Constituições desta sociedade,23 que foram levadas à prática mediante a vida
comum, à moda de congregação eclesiástica de votos simples.24
Seis anos depois, a Santa Sé emitia um decreto no qual louvava, reco-
mendava o instituto e suas Constituições e nomeava um superior.
Em 1870, era definitivamente aprovado o instituto com suas Constitui-
ções com a faculdade de expedir as dimissórias aos clérigos salesianos que
25

tivessem entrado nas casas da Congregação antes dos 14 anos de idade.


Em 1874, eram aprovadas definitivamente as Constituições e todos os
seus artigos, com a faculdade de expedir indistintamente as dimissórias ad
decennium [por dez anos]. Depois, a Santa Sé, em várias ocasiões enriqueceu
esta pia sociedade com os privilégios mais necessários para uma congrega-
ção eclesiástica de votos simples. Enquanto isso, fundaram-se algumas casas,
19
Quando define a congregação em seus inícios como um “catecismo” (un catechismo), Dom
Bosco provavelmente queria dizer que iniciou dando instrução religiosa ou que a instrução religiosa era
sua prioridade. “Pátio de recreio” é um termo do século XIX, que indica um lugar onde os jovens se
entretinham com brincadeiras variadas.
20
O internato, ou casa anexa ao Oratório, foi criado em 1847. Dom Bosco, talvez, estivesse
pensando nele como lugar permanente do Oratório em 1846.
21
O que Dom Bosco quer dizer com o termo instituto não é claro. Em seu sentido legal ou canô-
nico, o uso deste termo aqui seria anacrônico e não apropriado para descrever o Oratório.
22
O decreto do arcebispo Fransoni de 1852 não aprova um instituto, nem faz de Dom Bosco
“superior e chefe da obra dos oratórios”, mas somente de três oratórios.
23
Ao dizer que Pio IX desejava pôr as bases das Constituições, Dom Bosco quer dizer que o Papa
sugeria que adotasse dois princípios básicos: os direitos civis e os votos canônicos simples, não que ele
escrevera o rascunho das Constituições.
24
Por “congregação eclesiástica”, Dom Bosco, provavelmente quer dizer “uma congregação apro-
vada pela Igreja” e não, mais tecnicamente, “uma congregação clerical”.
25
A Congregação Salesiana, não suas Constituições, foi aprovada em 1869.

386

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

à medida que a Providência Divina oferecia a oportunidade e os meios; e,


quando aumentou notavelmente o número delas, dividiram-se em inspeto-
rias ou províncias.
Os irmãos divididos entre as várias casas da Congregação dependem do
diretor da respectiva comunidade; os diretores estão submetidos a um inspe-
tor que governa determinado número de casas, que formam sua inspetoria ou
província. Os inspetores dependem do Reitor-Mor. Este, com seu Capítulo
superior, administra toda a Congregação sob a dependência direta e absoluta
da Santa Sé.26
Embora esta Congregação tenha por finalidade dedicar-se de maneira
especial à juventude que vive em perigo, contudo, seus membros se prestam
de bom grado a ajudar as paróquias e as instituições beneficentes, com a pre-
gação de tríduos e novenas, exercícios espirituais, missões, dando conforto
com a celebração da santa missa e atendendo as confissões dos fiéis. Além do
mais, dedicam-se a escrever, publicar, propagar bons livros, expedindo mais
de um milhão ao final de um ano.27

[Parte I: Estado material da Pia Sociedade Salesiana, a partir de março


de 1879]

Inspetoria piemontesa

A Casa-mãe chama-se Oratório de São Francisco de Sales. Compreende:

1. A igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos à qual acorrem milhares de pessoas.


Nela, os fiéis recebem a instrução catequética, assistem à santa missa e à prega-
ção, recebem os santos sacramentos e participam de outros serviços religiosos.
2. Uma escola secundária, que oferece um currículo completo de cinco anos
de estudos.
3. Estudantado [filosófico e teológico] para seminaristas [salesianos].
4. Casa de noviciado.
5. Casa e oficinas para capacitar jovens aprendizes nos ofícios que mais se pra-
ticam na sociedade civil de hoje.

26
Esta passagem descreve a organização monolítica e a estrutura piramidal da congregação. A
frase “sob a dependência direta e absoluta da Santa Sé”, elimina a autoridade dos bispos; muitos acre-
ditaram que se referia ao arcebispo Gastaldi, que se atribuía o controle de alguns aspectos da Congre-
gação. A frase pode expressar a ideia de Dom Bosco de isenção, que a congregação ainda não obtivera,
mas não tem apoio em qualquer norma das Constituições Salesianas, como a congregação romana se
apressou a notar em suas observações críticas.
27
“Um milhão de cópias por ano” é, certamente, um exagero.

387

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Dom Bosco: história e carisma 3

6. Uma igreja dedicada a São Francisco de Sales e um pátio adjacente para a re-
creação nos domingos e dias festivos. Atendem aos jovens da cidade de Turim.
7. Aulas diurnas e noturnas para meninos pobres e abandonados da cidade
de Turim.
8. Situados na cidade, uma igreja dedicada a São Luís e um pátio para a re-
creação. Aqui os jovens assistem aos serviços religiosos e recebem instrução
religiosa. Aqui também estão em construção uma monumental igreja em
homenagem a Pio IX e um internato.
9. Anexo ao mesmo Oratório há uma escola diurna para meninos pobres e
abandonados. A finalidade deste Oratório e escola é manter os jovens longe
dos protestantes [valdenses], que estabeleceram na região uma igreja, um
internato, uma escola e um hospital.
10. Situado na paróquia dos santos Pedro e Paulo, um oratório dedicado a São
José, com a igreja anexa e espaço de jogos para a recreação.
11. Os salesianos também oferecem o serviço de capelão para a oficina de São
José, criada para jovens solteiras que precisam de emprego e ajuda especial.
12. Serviço semelhante é proporcionado à família de São Pedro, fundada para
acolher jovens mulheres rebeldes que, depois de passar algum tempo na
prisão, desejam aprender algum ofício e levar vida cristã.
13. Serviço semelhante é proporcionado no instituto do Bom Pastor, fundado
para acolher e ajudar as meninas em situação de risco ou que precisam de
reabilitação moral.
14. Situada perto da cidade de Turim, em Valsálice, uma escola para filhos de
famílias ricas, oferece um completo plano de estudos primários, secundários
e de bacharelado.
15. Serviços de capelão são oferecidos ao que restou da casa dos irmãos [das
Escolas Cristãs], que se encontra nas imediações [de Valsálice].
16. Fora da cidade de Turim, junto ao povoado de Caselle, os salesianos condu-
zem um oratório e uma escola para meninos, e prestam assistência religiosa
à população local. Aqui também os noviços da Congregação passam as fé-
rias de verão.
17. Na cidade de Mathi, próxima a Lanzo, temos uma fábrica de papel na qual
os jovens trabalham [como] aprendizes. Produz-se o papel necessário para as
nossas gráficas de Turim, Sampierdarena, Nice, Montevidéu e Buenos Aires.
18. Na localidade de Lanzo, a escola de São Felipe Neri oferece um programa
completo de escola primária e secundária para 250 estudantes internos e
externos. Anexa a ela, uma igreja pública está aberta à população local.

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

19. Os salesianos atendem [à capela da] Santa Cruz, localizada próxima à


mesma cidade de Lanzo.
20. Na cidade de San Benigno, diocese de Ivrea, um grande edifício acolhe o
estudantado para clérigos e sacerdotes da Congregação [salesiana]. Os sale-
sianos atendem uma igreja anexa ao instituto e dirigem uma escola para os
jovens da cidade.
21. Na localidade de Borgo San Martino, diocese de Casale, o seminário menor
São Carlos é um internato salesiano, no qual mais de 200 jovens recebem
sua educação primária e secundária.
22. A mesma escola também oferece educação primária e secundária para todas
as crianças do lugar.
23. Em Mornese, diocese de Acqui, uma escola pública atende aos jovens locais.
24. Na cidade de Trinitá, diocese de Mondovì, o instituto Maria Imaculada
conta com uma igreja pública, um oratório e um pátio para a recreação aos
domingos, e uma escola noturna e diurna.

Inspetoria lígure
A casa central desta inspetoria encontra-se na cidade de Alassio, diocese
de Albenga. Compõe-se de uma série de obras:

25. Uma igreja pública dedicada a Nossa Senhora dos Anjos, que atende a po-
pulação local, tanto jovem quanto adulta.
26. Uma escola com mais de 200 internos e 400 estudantes externos, que ofe-
rece um programa completo de estudos primários, secundários e técnicos.28
27. Os salesianos da escola de Alassio também dirigem a escola pública na loca-
lidade de Laigueglia. Cabe assinalar que o ordinário da diocese designou o
diretor da escola de Alassio, [padre] Francisco Cerruti, doutor em filosofia,
diretor espiritual de todos os institutos religiosos de mulheres da diocese.
28. Na cidade de Vallecrosia, diocese de Ventimiglia, a casa salesiana é dedicada a
Maria Auxiliadora. Ali se fundaram uma igreja e uma escola pública primária
com o propósito expresso de afastar os jovens dos protestantes [valdenses]
que abriram uma escola própria, um templo e um internato na região.
29. Na cidade de Varazze, diocese de Savona, os salesianos dirigem a escola de
São João Batista, com uns 150 estudantes residentes da escola primária, do
ensino “técnico” e da secundária.

28
Entenda-se técnico no sentido de escola técnica, segundo a reforma escolar de Casati (1859).

389

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Dom Bosco: história e carisma 3

30. Uns 500 estudantes estão matriculados como externos nos mesmos programas.
31. Na mesma cidade, uma igreja pública oferece instrução religiosa e os santos
sacramentos ao maior número possível de jovens.
32. Na cidade de Sampierdarena, diocese de Gênova, há o internato de São Vi-
cente de Paulo, com igreja pública anexa. A igreja atende a vários milhares
de pessoas com a celebração da santa missa, o sacramento da penitência, a
pregação e a catequese.
33. Aqui se encontra a escola dos assim chamados “Filhos de Maria Auxilia-
dora”, na qual estão matriculados uns 200 [jovens] adultos que aspiram ao
estado eclesiástico.
34. Há também aqui oficinas nas quais os jovens aprendizes aprendem um ofício.
35. Criaram-se escolas diurnas e noturnas para estudantes residentes e externos.
36. [Aqui também] o arcebispo confiou aos salesianos a igreja de Nossa Senhora
das Graças, como missão paroquial.
37. Na cidade de [La] Spezia, diocese de Sarzana, temos o internato de São Pau-
lo, com uma igreja pública para os fiéis em geral, escola diurna e noturna,
e uma escola, de tempo parcial, para residentes. O fim principal da escola
é manter os jovens longe da escola protestante situada nas proximidades.
Esta instituição foi fundada a pedido e pela caridade de Pio IX, de feliz
memória,29 e ajudada pela generosidade de Sua Santidade Leão XIII, feliz-
mente reinante.
38. Na cidade e diocese de Lucca, o pessoal salesiano dirige um internato, uma
igreja pública e um pátio de recreação, aberto aos meninos do bairro, aos
domingos e dias festivos.

Inspetoria romana
39. Em Magliano, capital do distrito de Sabina, os salesianos dirigem os semi-
nários menor e maior de filosofia e teologia, assim como uma escola primá-
ria e secundária, da qual participam os jovens do lugar. Há também uma
residência para estudantes.
40. Na cidade e diocese de Albano, os salesianos dirigem a escola secundária
municipal pública e um seminário menor.
41. Aqui também atendem uma igreja pública para os fiéis em geral.
42. Na cidade de Ariccia, os salesianos dirigem a escola primária pública local e
atendem uma igreja pública tanto para jovens como para adultos.

29
Pio IX morreu em 1878.

390

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

43. Um salesiano atua como professor de literatura na faculdade do seminário


de Montefiascone.

Addendum à inspetoria piemontesa


44. Na cidade de Este, diocese de Pádua, a escola Manfredini é uma escola-
-internato que tem ensino primário e secundário.

Addendum à inspetoria lígure: casas na França


45. A Congregação estabeleceu-se pela primeira vez na França em 1875, quan-
do foi inaugurada na cidade e diocese de Nice, a primeira casa, chamada
Patronato de São Pedro. Além de uns 120 jovens em programas de artes e
ofícios, ela acolhe vários jovens que estudam para o sacerdócio.
46. Em outro distrito da mesma cidade, funcionam um oratório e um pátio
esportivo. Dos exercícios religiosos e dos jogos, participam uns 100 jovens
pobres nos domingos e dias festivos.
47. Na região de La Navarre, diocese de Fréjus, temos uma escola agrícola, em
que um número de jovens está aprendendo a agricultura ou estudando para
o sacerdócio.
48. Em Saint-Cyr, próxima de Toulon, foi aberta uma segunda escola agrícola
na qual um número bastante elevado de jovens está aprendendo agricultura.
49. Na cidade e diocese de Marselha, foi aberto o Oratoire de Saint-Leon.
Aqui, uma série de jovens pobres em situação de risco aprende diversas
artes e ofícios.
50. Ainda em Marselha, anexa à paróquia de São José, foi estabelecida a assim
chamada Mattrise. Trata-se de uma escola que oferece aulas de língua, mú-
sica e liturgia, destinada a fomentar as vocações ao sacerdócio.

Inspetoria Sul-americana
[Argentina]
Com o respaldo e o apoio material de Pio IX, os salesianos estabeleceram sua
obra na América do Sul. Sua Santidade desejava realizar um tríplice objetivo
com a missão: 1o atender os imigrantes italianos que se encontram dispersos
em grande número pela América do Sul, os adultos e, especialmente, os jo-
vens; 2o abrir escolas fronteiriças ao território dos selvagens que servissem de
seminários menores e de internato para os mais pobres e mais abandonados
entre eles; 3o por este meio, abrir caminho para a evangelização dos Pampas
e das tribos da Patagônia. Nossa primeira expedição [missionária] aconteceu

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Dom Bosco: história e carisma 3

em 1875, quando 10 salesianos, respondendo ao pedido do Papa, e depois


de receber a bênção e a missão do vigário de Cristo, partiram de navio de
Gênova no dia 14 de novembro chegando no dia 14 de dezembro em Buenos
Aires, capital da República Argentina. Atualmente, os salesianos na América
chegam a mais de 100 e dedicam-se às seguintes obras de caridade:

Na cidade e diocese de Buenos Aires:

51. A casa central localiza-se na paróquia recém-criada de São Carlos, em


Almagro, com umas 6 mil almas. [Conta com as seguintes obras:]
52. O internato Pio IX, no qual uns 130 jovens estão aprendendo um ofício.
53. Uma escola pública, oratório e entretenimento para os jovens do lugar que
se reúnem nos domingos e dias festivos.
54. O noviciado e estudantado da Congregação.
55. A paróquia de São João Evangelista, localizada no distrito de Boca, atende
umas 27 mil pessoas; a maioria delas, imigrantes italianos.
56. Junto dela, os salesianos dirigem uma escola pública para jovens pobres.
57. A igreja Mater Misericordiae ou “dos italianos”, serve de igreja [nacional]
dos imigrantes italianos, adultos e crianças, que vêm de todos os distritos da
cidade e das cidades vizinhas para assistir aos serviços religiosos.
58. Na cidade de San Nicolás de los Arroyos, perto do território dos selvagens, te-
mos uma escola ou seminário menor para as missões. Já deu várias vocações.30
59. Na mesma cidade, cuidamos de uma igreja pública para o povo em geral.
60. Em Ramallo, localidade de umas quatro mil almas, nós salesianos atende-
mos a igreja paroquial. Aqui, o povo das casas espalhadas pelos bem esta-
belecidos arredores assiste aos serviços religiosos ao menos nos domingos
e dias festivos, e vêm especialmente para os sacramentos do batismo e do
matrimônio.

República do Uruguai

61. Em Villa Colón, os salesianos abriram a escola Pio [IX] e o seminário [me-
nor] para as missões. Serve também de seminário menor da diocese e é
credenciada pela Universidade do Estado.
62. No mesmo lugar, [os salesianos] dirigem uma igreja pública que atende a
população local.

30
Se Dom Bosco estivesse aludindo a vocações indígenas, estaria expressando uma expectativa
que não se realizaria.

392

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

63. Em Montevidéu, a capital, abriram-se um oratório e uma escola para os


jovens pobres em situação de risco.
64. Na cidade de Las Piedras, temos uma paróquia com umas 6 mil almas e
[unida a ela] uma escola pública e um oratório nos domingos e dias festivos.

Fundações salesianas em fase de negociação


[Estão sendo oferecidas aos salesianos as seguintes fundações:]

[1] Na cidade e diocese de Milão, uma escola na paróquia da Coroação de


Nossa Senhora.
[2] Na cidade e diocese de Cremona, um internato e oratório com campo de
jogos para a recreação nos domingos e dias festivos.
[3] Na cidade de Lugo, diocese de Faenza, um internato e um oratório.
[4] Obras semelhantes nas cidades de Bríndisi, Catânia e Randazzo.
[5] Em Chalonge, perto de Annecy, e em Paris-Auteuil; em Santo Domingo,
no Brasil, no Paraguai etc.

Observações gerais
1. As casas da Congregação são propriedade dos próprios membros. As dívidas
existentes são compensadas com a venda futura de propriedades de valor igual.
2. Os jovens que recebem uma educação cristã com instrução profissional ou aca-
dêmica nas casas salesianas são uns 40 mil. Deles, a cada ano, uns 300 optam
pelo estado eclesiástico; a maioria entra no seminário de sua diocese, mas al-
guns optam pela vida religiosa e outros, pelas missões estrangeiras. Desde sua
aprovação pela Santa Sé (3 de abril de 1874), a Congregação experimentou
um aumento muito consolador. Os 250 salesianos de então, chegaram ao atual
número de 700; e as casas, de 17 a 64.31

O Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora


[Fundações na Europa]
O elenco de nossa Pia Sociedade, que se apresentou, também enumera
o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, fundado em Mornese, diocese
de Acqui, em 1873.32 Sua finalidade é realizar obras de caridade em favor das
31
Os números neste parágrafo, assim como também alguns dos dados estatísticos em todo o
relatório, foram aumentados.
32
A data oficial da fundação do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora é 5 de agosto de 1872,
dia da primeira profissão religiosa.

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Dom Bosco: história e carisma 3

meninas pobres, como os salesianos fazem pelos meninos pobres. Com a aju-
da do bom Deus, a partir de uma única casa originária, este humilde instituto
experimentou um notável desenvolvimento:

1. Em Mornese, as irmãs têm uma casa para as irmãs professas, noviças e


postulantes.
2. Na mesma cidade, dirigem uma casa para a educação das meninas pobres,
uma escola pública e, nos domingos e dias festivos, reuniões para as mulhe-
res adultas (congregação).33
3. Em Nizza Monferrato, o instituto Nossa Senhora das Graças inclui uma
casa para a educação das meninas residentes, escola e oficinas para alunas
externas e um estudantado para as irmãs.
4. Na cidade e diocese de Turim, as irmãs dirigem o instituto São Carlos,
com escola para meninas pobres, oratório, aulas dominicais e reuniões para
mulheres adultas.
5. Anexo ao mesmo instituto há um estudantado para as irmãs que estudam
para obter o diploma de professoras.
6. Na cidade de Chieri, as irmãs dirigem a escola de Santa Teresa, que inclui
um programa educativo para residentes e uma escola diurna para meninas.
7. Na mesma cidade, conduzem um oratório e aulas aos domingos e dias de
festa para mulheres adultas, das quais participam mais de 400.
8. Na localidade de Lanzo Torinese, as irmãs encarregam-se da cozinha e do
serviço de lavanderia no colégio salesiano de São Felipe Neri.
9. Na cidade e diocese de Biella, as irmãs encarregam-se da cozinha e do servi-
ço de lavanderia no seminário diocesano.
10. Na localidade de Borgo San Martino, diocese de Casale, as irmãs cuidam da
cozinha e do serviço de lavanderia [no colégio salesiano], e fazem reuniões
aos domingos e dias festivos para as jovens mais velhas.
11. Na cidade de Lu [diocese de Casale], as irmãs dirigem a escola e a oficina
para meninas pobres e aulas e reunião aos domingos e dias festivos para
meninas mais velhas.
12. Na cidade de Quargnento, diocese de Alessandria, as irmãs conduzem o
jardim de infância e dão aulas e têm reuniões aos domingos e dias festivos
com as meninas mais velhas.

33
O conceito congregação, que provém das escolas da Restauração, referia-se às reuniões de estu-
dantes nos domingos e dias festivos para atividades religiosas ao longo do dia.

394

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

13. Na cidade de Sampierdarena, diocese de Gênova, as irmãs cuidam da co-


zinha e do serviço de lavanderia no internato [salesiano] de São Vicente, e
fazem reuniões aos domingos e dias festivos para meninas mais velhas.
14. Na escola [salesiana] de Alassio, diocese de Albenga, as irmãs prestam os
mesmos serviços.
15. Na cidade de Vallecrosia, diocese de Ventimiglia, as irmãs dirigem uma es-
cola e uma oficina para meninas. Fazem reuniões com mulheres adultas aos
domingos e dias festivos, com a finalidade de mantê-las longe dos protes-
tantes que estabeleceram uma escola e um internato na região, e procuram
atraí-las com prêmios e promessas.
16. Na cidade e diocese de Nice [França], as irmãs atendem à cozinha e ao ser-
viço de lavanderia no internato [salesiano] de São Pedro.
17. Na região de La Navarre, diocese de Fréjus, as irmãs atendem à cozinha e ao
serviço de lavanderia na escola [salesiana] agrícola.
18. Em Saint-Cyr, as irmãs prestam os mesmos serviços.

Fundações na América [do Sul]


19. Recentemente, foi aberta uma escola pública para meninas pobres, dirigida
pelas irmãs, junto à paróquia [salesiana] de Las Piedras, diocese de Monte-
vidéu [Uruguai].
20. Em Villa Colón [Uruguai], as irmãs conduzem uma escola diurna e ofici-
nas, e fazem reuniões com meninas pobres aos domingos e dias festivos.
21. Recentemente, foi aberta uma obra na cidade e diocese de Buenos Aires
[distrito de Almagro]; ali funcionam uma escola e oficinas. As irmãs tam-
bém atendem grupos para as meninas pobres e abandonadas aos domingos
e dias festivos.

Comentário [relativo às irmãs]


A Congregação [salesiana] é proprietária das casas em que vivem as ir-
mãs, embora [legalmente] estejam em nome de salesianos individuais.
Quanto à situação espiritual do Instituto, o espírito de piedade e a ob-
servância das regras são mais do que satisfatórios. Por isso damos graças ao
bom Deus.
Quanto à situação financeira do Instituto, há algumas dívidas, mas os
meios também estão garantidos, pois os pagamentos poderão ser satisfeitos
no vencimento.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Como se pode deduzir do anterior, o Instituto de Maria Auxiliadora


expandiu-se a partir de uma só casa [de Mornese] em 1874 até as atuais 21
casas. O número das irmãs passou de 10 ou 15 a mais de 300.34 Os pedidos
para entrar no instituto são numerosos. As irmãs recebem [pedidos frequen-
tes] de várias partes para abrir novas obras ou para encarregar-se de obras
existentes que precisam se renovar.

[Parte II: Estado moral da Congregação Salesiana]


Exposto o estado e o crescimento material, que a Divina Bondade con-
cedeu à humilde Congregação Salesiana, apresenta-se uma breve resenha do
estado moral da mesma.
1. A observância das Constituições, graças a Deus, é mantida em
todas as casas e, até agora, não houve nenhum salesiano que, es-
quecendo-se de si mesmo, tenha dado algum escândalo. O traba-
lho é superior às forças e ao número dos sócios; mas ninguém se
acovarda, e parece que o cansaço é um segundo alimento depois
do material. É verdade que alguns foram vítimas de seu zelo, tanto
na Europa como nas missões estrangeiras; mas isso não fez senão
aumentar nos demais religiosos salesianos o entusiasmo ardoroso
pelo trabalho. Contudo, tomaram-se precauções para que nin-
guém trabalhe mais do que lhe permitam suas forças em detri-
mento da saúde.
2. Os pedidos para aspirantes a salesianos são muito numerosos, mas
viu-se que muitos têm vocação para outras ordens religiosas ou
para o estado sacerdotal secular e não para se inscreverem na Pia
Sociedade de São Francisco de Sales. Há uns 300 pedidos anuais,
dos quais 150 são admitidos ao noviciado; e os que professam ao
concluí-lo, são em média, uns 120.35
3. Com os párocos e com os ordinários diocesanos, estamos em óti-
ma relação e podemos afirmar que nos fazem de pais e benfeitores.
Têm-se dificuldades com apenas um ordinário, cuja verdadeira
causa nunca se pôde saber. Com a paciência, com a ajuda do Se-
nhor e trabalhando submissos em sua diocese, espera-se alcançar
a benevolência de que desfrutamos em todas as outras dioceses.36

34
Em 1879, segundo os registros, as irmãs professas eram 146 e as noviças 49, que viviam em 18 casas.
35
Em 1877, os noviços eram 120, dos quais 59 professaram; em 1878, os noviços eram 142, dos
quais 47 professaram; em 1879, os noviços eram 147, dos quais 58 fizeram a profissão.
36
Dom Bosco refere-se ao arcebispo Gastaldi, de Turim. Em 1879, o conflito estivera a ponto de ruptura.

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

Capa do folheto “Exposição à Santa Sé do estado moral e material


da Pia Sociedade de São Francisco de Sales, em março de 1879”.

4. Outra grande dificuldade encontrada foi em relação à concessão


dos privilégios. É opinião comum que os salesianos tenham os
privilégios de que gozam normalmente todas as ordens religiosas
e demais congregações eclesiásticas, que a Santa Sé, até agora, não
julgou conceder-nos. O progresso material e moral teria sido bem
mais fácil com a comunicação dos privilégios dos quais se faz hu-
milde, mas ardente súplica.
5. O Capítulo Geral I foi celebrado em setembro de 1877. Foram
tratadas muitas coisas importantes para a prática de nossas Cons-
tituições; antes de apresentar à Santa Sé as deliberações tomadas,
julgou-se oportuno colocá-las em prática por algum tempo, e

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Dom Bosco: história e carisma 3

introduzir nelas as modificações para julgar as correções oportu-


nas, e submetê-las a outro capítulo geral que, se Deus quiser, será
celebrado em setembro de 1880.
6. Todos os sócios da Congregação unem-se ao seu Reitor-Mor para
oferecer sua homenagem à Santa Sé e professar-lhe constante
adesão e suplicam à suprema autoridade da Igreja que continue
a prestar-lhe sua paternal assistência, enquanto eles, com todo es-
forço possível, não deixarão de alimentar a fé e a obediência ao
vigário de Jesus Cristo em todos os países nos quais possuem casas,
tanto na Europa como na América.
Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam [Sal 113:9,
Vulgata: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória”].
João Bosco, Sac., Reitor-Mor.

Observações críticas ao relatório


O relatório recebeu duas séries de observações críticas do cardeal Ino-
cêncio Ferrieri, prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares. Transcreve-
mos as duas séries, com a resposta de Dom Bosco.37 Cada observação crítica é
citada em cursivo, e o esclarecimento de Dom Bosco em caracteres normais.

Primeira série de observações e respostas de Dom Bosco


A Congregação dos Bispos e Regulares fez sete observações críticas ao
relatório, que seu prefeito, cardeal Ferrieri, enviou a Dom Bosco em 5 de abril.
Dom Bosco demorou uns quatro meses para formular suas respostas; apresen-
taram-se nesse tempo muitos problemas e preocupações, a atenção às missões,
a tensão do conflito com o arcebispo Gastaldi e outros mais. Ele elaborou um
rascunho que passara a limpo, no qual fazia alguns acréscimos e modificações
importantes, provavelmente depois de consultar pessoas competentes. Em 3
de agosto de 1879, ele enviava a resposta completa ao cardeal Ferrieri.

Eminência Reverendíssima:
Recebi cópia das observações que a autorizada Congregação dos Bispos e Re-
gulares se dignou fazer sobre a exposição do estado moral e material da Pia
Sociedade de São Francisco de Sales.
Antes de tudo, agradeço humildemente a V. E., garantindo-lhe que conserva-
rei estas observações como um tesouro para proveito dos sócios salesianos, e

37
Ver o texto em MB XIV, 220s.

398

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

que servirão de norma para os futuros relatórios, que se devem prestar à Santa
Sé a cada triênio.
Entretanto, considero-me obrigado a apresentar os esclarecimentos pedidos
na mesma ordem numérica com que foram feitas as observações.
1. Nada se diz na citada exposição sobre o estado econômico do Instituto, nem so-
bre o noviciado, que deve ser feito segundo a norma do que prescrevem os sagrados
cânones e as constituições apostólicas.
R.) A Pia Sociedade não existe legalmente, pelo que não pode possuir, nem
contrair dívidas, nem créditos. As casas da Congregação (como se diz na pági-
na 13 da mencionada exposição) são de propriedade dos membros da mesma;
há dívidas, mas um dos sócios tem à venda um imóvel de valor suficiente para
pagá-las. A Congregação, como ente moral e legal, não possui e não pode
possuir coisa alguma.
Há uma casa de noviciado aqui em Turim, aprovada e regulamentada pela
mesma sagrada Congregação dos Bispos e Regulares, e seguem-se todas as
mesmas normas estabelecidas e aprovadas, segundo o cap. XIV de nossas
Constituições; com as mesmas normas, e com o decreto de aprovação da
Congregação da Propagação da Fé, foi aberta outra casa de noviciado em
Buenos Aires, capital da República Argentina. Com autorização da anterior-
mente mencionada Congregação dos Bispos e Regulares, vai-se dando vida ao
de Marselha, onde já está adiantada a construção de um edifício adequado e
oportuno para dar cumprimento a todas as observações prescritas para esse
fim. Logo será preciso abrir outro noviciado na Espanha, na diocese de Se-
vilha, para o que se fará a seu tempo o pedido formal à Santa Sé com o fim
de obter a devida autorização. Foi também apresentado o pedido para abrir
um noviciado em Paris, mas algumas dificuldades surgidas tornam difícil sua
realização, pelo que fica suspensa qualquer gestão relacionada a esse assunto.
O diretor dos noviços é um sacerdote de ciência e piedade comprovadas.
Ajudam-no outros dois sacerdotes. Fazem com regularidade, todos os dias,
meditação, leitura espiritual, visita ao santíssimo sacramento, rezam o rosário
da bem-aventurada Virgem Maria. Reúnem-se todas as tardes para receberem
a bênção eucarística. Confessam-se todas as semanas e comungam quase dia-
riamente. Têm todas as semanas duas conferências e uma instrução sobre as
Constituições. Até agora, foi mantida a observância religiosa.
2. A Pia Sociedade não pode ser dividida em inspetorias, que é coisa insólita, mas em
províncias, para cuja criação, em cada caso, deve-se obter a faculdade da Santa Sé.
R.) A Pia Sociedade foi dividida em inspetorias de acordo com o artigo 17, cap.
IX, de nossas Constituições, que diz assim: “Se for necessário, o Reitor-Mor,

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Dom Bosco: história e carisma 3

com o consentimento do Capítulo superior, nomeará visitadores, aos quais se


dará (demandabit) certa responsabilidade (curam quondam) sobre determinado
número de casas, quando sua distância e número o exigirem. Esses visitadores
ou inspetores fazem as vezes (vices gerent) do Reitor-Mor nas casas e nos assun-
tos que lhes forem confiados”.
Sua Santidade Pio IX, de sempre venerada memória, recomendava diante do
primeiro regulamento da humilde Sociedade Salesiana que se eliminassem
as denominações que pudessem chocar-se com o espírito do século. Por isso,
propunha que se dissesse casa, colégio, residência, orfanato em vez de con-
vento; o nome do prior ou guardião fosse substituído pelo de diretor; o de
provincial ou província, por outro vocábulo equivalente. Será oportuno dizer
que a divisão em inspetorias não foi realizada (attivata) ainda, mas proposta
como experiência e, quando se veja sua viabilidade, far-se-á o devido recurso
à Santa Sé. Contudo, a malícia de nossos tempos e as contínuas e graves
dificuldades que precisamos remediar todos os dias não permitem encon-
trar outra divisão tolerável em meio ao século, pelo que se roga ter por bem
admiti-la temporariamente.
3. No artigo inspetoria piemontesa diz-se que alguns internatos de mulheres são
confiados ao sagrado ministério dos salesianos. Essa incumbência só pode ser dada
pela respectiva autoridade episcopal e devia ser manifestado se esta interveio e em
que consiste este sagrado ministério.
R.) Quando se tratou de abrir institutos femininos e assumir sua direção
espiritual, observaram-se as normas estabelecidas no cap. X de nossas Cons-
tituições. Esses institutos carecem completamente de meios materiais e os
salesianos, a pedido dos ordinários, prestam-lhes caridosamente o serviço re-
ligioso. O ministério mencionado é sempre concordado e limitado pelo ordi-
nário diocesano, em tudo o que se refere aos santos sacramentos da confissão,
da comunhão, à celebração da santa missa, à Palavra de Deus, ao catecismo e
outras coisas semelhantes.
4. Pela exposição, resulta que os salesianos têm colégios, escolas etc. e nada se diz
sobre a permissão dos respectivos ordinários e, se no ensino (nessas escolas), depen-
dem deles em conformidade com os sagrados cânones, e especialmente do sagrado
Concílio de Trento.
R.) Foram observadas as regras aprovadas pela Santa Sé, tal como são descritas
no cap. X de nossas constituições para a abertura de novas casas; por conse-
guinte, fizeram-se de antemão as necessárias gestões com os ordinários dioce-
sanos, como prescrevem os sagrados cânones e o sagrado Concílio de Trento.
5. Na mesma exposição acrescenta-se uma relação sobre um instituto de mulheres
sob a denominação de Maria Auxiliadora, e nada se diz se esse instituto tem um

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

superior-geral do qual as irmãs dependem, e se é totalmente independente do ins-


tituto dos salesianos, como deve sê-lo.
R.) Quando foram aprovadas as Constituições Salesianas, tratou-se e discu-
tiu-se tudo que se refere ao instituto das Filhas de Maria Auxiliadora.
O Instituto de Maria Auxiliadora depende do superior-geral da Pia Sociedade
Salesiana nos assuntos temporais, mas no que se refere ao exercício do culto
religioso e da administração dos sacramentos, está totalmente submetido à
jurisdição do ordinário. O superior dos salesianos proporciona os meios ma-
teriais às irmãs e, com o consentimento do bispo, nomeia um sacerdote com
o título de diretor espiritual para cada casa de irmãs.
Alguns bispos já aprovaram este instituto feminino, e agora se está fazendo a
devida experiência para conhecer praticamente as modificações que se devem
introduzir, antes de apresentá-las à Santa Sé para a oportuna aprovação.
E, como em alguns pontos de suas regras, está fixado o limite da dependência
das irmãs em relação ao superior dos salesianos, inclui-se um exemplar de
suas regras para quem desejar maior conhecimento das mesmas. Adverte-se,
ainda, que a Casa-mãe destas irmãs está em Mornese, diocese de Acqui, cujo
ordinário sempre supervisionou a origem, o desenvolvimento e a expansão
do Instituto.
6. Acrescenta-se que estas irmãs atendem à cozinha e cuidam da lavanderia e
rouparia nos seminários e nos internatos dos meninos, o que sempre foi reprovado
pela Santa Sé.
R.) Para tudo isso foram feitos os prévios acordos com os ordinários diocesa-
nos; e, ainda mais, eles mesmos se anteciparam e são seguidas todas as normas
prescritas pelos sagrados cânones e aconselhados pela prudência.
7. Esta sagrada congregação não pode deixar de reconhecer como coisa singular e
inoportuna, que se tenha imprimido a referida exposição, quando a relação trie-
nal, que deve ser apresentada pelos superiores gerais dos institutos não tem outra
finalidade que dar a conhecer à Santa Sé o estado disciplinar, pessoal, material,
econômico de cada pio instituto e o andamento do noviciado.
R.) Mandei imprimir esta exposição com a única finalidade de facilitar sua
leitura. Sendo esta a primeira vez que enviava uma relação desta índole à San-
ta Sé, segui o conselho do superior de outro instituto, que me disse: a Santa
Sé prefere a exposição impressa. Na outra vez, ver-me-ei obrigado a enviá-la
manuscrita.
Dados assim os esclarecimentos pedidos, rogo a V. E. que continue a ter esta
pobre sociedade em benigna consideração.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Os tempos, as autoridades, as leis civis, os esforços que se fazem para acabar


com os institutos eclesiásticos, movem-me a pedir a V. E. todo apoio e toda
indulgência compatíveis com as prescrições da Santa Igreja.
Estes esclarecimentos deviam ser enviados a V. E. no mês de maio passado,
mas, devido a graves dificuldades às quais esta casa se viu submetida, tive que
adiá-los até esta data.
Com a maior veneração, considero sempre como muito elevada glória poder
subscrever-me,
de V. E. Revma., Turim, 3 de agosto de 1879.
João Bosco, sac.

Os esclarecimentos dados por Dom Bosco deram lugar a novas obser-


vações, com data de 3 de outubro. O procurador Leonori enviou-as a Dom
Bosco em 6 de outubro, com uma nota: “É preciso, desculpe meu atrevimen-
to, dar uma resposta completa, conclusiva e satisfatória, de modo que não
possa haver réplica da parte da sagrada congregação”.

Segunda série de observações com a réplica de Dom Bosco


Só em 12 de fevereiro de 1880 Dom Bosco encontrou tempo para res-
ponder. Deu-se quando estava para ir à França e enviar a Roma o padre Dal-
mazzo como procurador-geral da Congregação Salesiana.

Turim, 12 de fevereiro de 1880


Eminência Reverendíssima:
Sinto muitíssimo, apesar de minha boa vontade, não ter conseguido apresen-
tar os esclarecimentos pedidos sobre a exposição trienal à Santa Sé a respeito
da nossa humilde Congregação. A fim de que este e qualquer outro assunto
possam ser explicados no sentido compatível com esta Congregação e, ao
mesmo tempo, no sentido desejado pelos sagrados cânones, envio o reveren-
do doutor padre Francisco Dalmazzo como nosso procurador, com o com-
promisso de se pôr às ordens de V. E. ou de quem julgar indicar-lhe.
Aqui exponho, enquanto isso, alguns pensamentos como resposta respeitosa
à carta que V. E. se dignou enviar-me em 3 de outubro de 1879. O mencio-
nado sacerdote padre Dalmazzo pode dar esclarecimentos oportunos, quando
for necessário.
[Outras observações e esclarecimentos]
1o [Observação crítica sobre o estado legal] Com o esclarecimento dado sobre a
observação 1, V. S. diz que a Pia Sociedade não existe legalmente e, portanto,

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

não pode possuir nem contrair dívidas. Prossegue depois dizendo que as casas da
Congregação são propriedade de alguns sócios; existem dívidas, mas um sócio
pôs à venda um imóvel para pagá-las. Conclui que a Congregação, como ente
moral ou como ente legal, não possui, nem pode possuir.
Pensa esta sagrada congregação que todas estas expressões de existência não legal,
quer V. S. entendê-las em relação à lei civil, hostil aos pios institutos; posto que
em relação às leis da Igreja, perante a qual não tem qualquer vigor as leis civis,
todos os pios institutos, e também o dos salesianos, têm sua existência legal, se-
gundo os sagrados cânones. Por isso, estão submetidos à Santa Sé, em relação aos
bens que possuem por qualquer título e em qualquer nome os tenham adquirido
e os possuam. Todos os pios institutos, em sua relação trienal, sem atender às leis
civis de qualquer governo, fazem sua exposição sobre o estado econômico, expondo
resumidamente os bens que possuem sob qualquer nome; as rendas, de qualquer
procedência recebam, e como são distribuídos; e, se devem vender bens, mesmo
mantidos em nome de terceiras pessoas, contrair dívidas, esta sagrada congregação
sempre lhes inculcou a necessidade do beneplácito apostólico e têm-se mostrado
obedientes; somente V. S. alegou a lei civil para eximir-se dessas obrigações. Reflita
que as Constituições Salesianas foram aprovadas pela Santa Sé com as obrigações
que resultam do art. 2 do cap. VI e do art. 3 do cap. VII, ainda quando foram
impostas tais leis civis na época indicada da aprovação.
R.) Em relação à propriedade. Esta nossa pia sociedade não é um ente moral
que possa possuir perante a sociedade civil nem perante a Igreja.
No cap. IV de nossas Constituições lê-se: “Portanto, os professos nesta socie-
dade podem conservar o que chamam de domínio radical de seus bens”. No
mesmo cap. II diz-se: “Podem, em contrapartida, os sócios dispor livremente
sobre o domínio, seja por testamento, seja (com permissão do Reitor-Mor)
por atos inter vivos”.
Devido à aflição dos tempos presentes, este ponto era fundamental para nós,
e eu pedia na aprovação de nossas Constituições como deviam ser entendidas
as palavras do cap. VII, art. 3, que assim se expressa: “Nas alienações dos bens
da sociedade e de dinheiro alheio, faça-se de acordo com o direito, segundo
os sagrados cânones e constituições apostólicas”.
Por meio do arcebispo, mais tarde cardeal Vitelleschi e então secretário da
sagrada Congregação dos Bispos e Regulares, os eminentíssimos declararam:
a resposta está no próprio artigo, ou seja, in alienationibus bonorum Societatis,
e isso deverá ser entendido que, quando os tempos e os lugares permitirem
possuir algo em comum ou em nome da Pia Sociedade Salesiana, terá que
se observar este artigo como o observam todas as congregações religiosas e

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Dom Bosco: história e carisma 3

eclesiásticas. Isso parece conforme o art. 2 do dito cap. VII, onde se diz que
o Reitor-Mor “Não tem faculdade para comprar ou vender nada do que per-
tence aos imóveis, sem consentimento do Capítulo superior”.
Este foi o sentido que eu sempre dei a nossas Constituições, desde o princípio
da existência desta Pia Sociedade Salesiana. Assim sempre as entendeu o sumo
pontífice Pio IX, de sempre gloriosa memória, como também os eminentís-
simos cardeais eleitos para o exame e a aprovação de nossas Constituições.
Considerar submetidos às prescrições dos sagrados cânones os imóveis
possuídos pessoalmente pelos sócios como bens eclesiásticos, introduziria
confusão no encaminhamento de nossas coisas, posto que todos os sale-
sianos fizeram sua profissão religiosa apoiados no primeiro artigo do cap.
IV, De voto paupertatis, que começa assim: “O voto de pobreza, do qual
se trata aqui, só se refere à administração de qualquer bem, não à posse”.
2o [Observação crítica sobre o noviciado em Marselha] No mesmo esclareci-
mento sobre a Observação número I, V. S. afirma que, com autorização da sa-
grada Congregação dos Bispos e Regulares, está sendo preparado o noviciado
de Marselha. Não constando à mencionada Sagrada Congregação ter dado tal
autorização, vê-se na necessidade de solicitar a V. S. o envio de cópia do corres-
pondente rescrito, do qual resulte a faculdade de abrir o noviciado em Marselha.
R.) Noviciado de Marselha. Em relação à autorização do noviciado de Marse-
lha, que se deseja erigir, eu interpretei mal, posto que a sagrada Congregação
dos Bispos e Regulares tendo pedido, com data de 5 de fevereiro de 1879, o
parecer ao bispo daquela cidade, ele respondeu favoravelmente com data de
23 de fevereiro de 1879; pelo que se acreditava que já era gestão concluída,
enquanto esta todavia está em curso. Anexam-se os correspondentes docu-
mentos e renova-se o pedido para a concessão do favor.
3o [Observação crítica sobre as inspetorias] Na resposta que V. S. dá à Observa-
ção número 2, diz que a Pia Sociedade foi dividida em inspetorias de acordo
com o art. 17 do cap. IX das constituições. Agora, pelo Reitor-Mor si opus
fuerit, capitulo superiore approbante, e não de inspectore. Todos os institutos, em
qualquer parte do mundo que se encontrem, estão divididos em províncias, prévia
aprovação da Santa Sé, que nunca admitiu que a divisão fosse feita com outro
nome. V. S. terá que ater-se à regra geral.
R.) Para a divisão em inspetorias em vez de províncias, julguei que esta era
a aplicação prática do art. 17, cap. IX de nossas Constituições: “Se necessá-
rio, o Reitor-Mor, com o consentimento do Capítulo superior, estabelecerá
alguns visitadores, aos quais encarregará de visitar um determinado número
de casas”. O nome de província ou provincial, nestes tempos calamitosos, nos

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

poria entre os lobos que nos devorariam ou nos dispersariam. Esta termino-
logia foi proposta pelo próprio Pio IX, de sempre cara e grata memória. No
caso de que se quisesse absolutamente instaurar os nomes antigos, suplico
que esta obrigação fique limitada ao relacionamento com a Santa Sé, dando
liberdade de empregar no mundo os modos e vocábulos que são possíveis
nestes tempos.
4o [Observação crítica sobre os institutos femininos] No esclarecimento dado
por V. S. à observação número 3, assim se expressa: Ao abrir institutos femi-
ninos e assumir sua direção espiritual seguir-se-ão todas as normas descritas
no cap. X das constituições. Neste capítulo, fala-se da abertura de casas para
clérigos, para jovens e para meninos, cuja educação se confia aos salesianos; não se
fala em absoluto da abertura de casas de mulheres para serem dirigidas por eles.
Nem se pode dizer ter sido intenção da Santa Sé permitir a abertura e direção de
casas deste tipo pelos salesianos ao aprovar as Constituições, por ser isso contrário às
suas máximas fundamentadas em motivos muito razoáveis. Os salesianos poderão
conduzir a direção espiritual nas casas de mulheres, quando lhes seja confiada pe-
los respectivos ordinários, e esta direção espiritual deve consistir na administração
dos sacramentos e na pregação da Palavra de Deus, tal e como lhes seja confiado
por tais ordinários.
R.) Quanto às irmãs de Maria Auxiliadora, os salesianos não têm em suas
casas mais ingerência do que a espiritual, dentro dos limites e modos que
permitam e prescrevam os ordinários em cujas dioceses existe alguma casa
das mesmas.
5o [Observação crítica sobre as irmãs salesianas] V. S. responde assim: Quando
as Constituições Salesianas foram aprovadas, tratou-se e discutiu-se quanto ao
que se refere ao instituto das Filhas de Maria Auxiliadora. O Instituto de Maria
Auxiliadora depende do superior-geral da Sociedade Salesiana. Examinada a
volumosa documentação dos salesianos, e especialmente a parte relativa à aprova-
ção das Constituições, observou-se que nunca se tratou e menos ainda se discutiu
sobre o que se refere às Filhas de Maria Auxiliadora. Se isso fosse verdade, segu-
ramente esta sagrada congregação teria ordenado a separação dos dois institutos.
Nunca acostumou aprovar, especialmente nos tempos mais próximos de nós, que os
institutos femininos dependam dos institutos masculinos; e, se talvez tenha ocorrido
algum caso desta dependência, sempre ordenou que cessasse de imediato. V. S. quer
introduzir um costume contrário, que esta congregação não pode senão reprovar.
R.) Quanto ao Instituto de Maria Auxiliadora, se foi ou não proposto na
aprovação de nossas Constituições, posso afirmar quanto segue: quando
nossas Constituições foram apresentadas [em 1873] para sua aprovação

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Dom Bosco: história e carisma 3

definitiva, a sagrada congregação publicou um sumário [para os cardeais].


Na página 10, pode-se encontrar uma lista das casas já abertas naquele
tempo; e na página 10, lê-se o seguinte: “À Congregação Salesiana acres-
centa-se, dependendo dela, a casa de Maria Auxiliadora, fundada com a
aprovação da autoridade eclesiástica em Mornese, diocese de Acqui. A fi-
nalidade desta casa é fazer pelas meninas pobres, o que os salesianos fazem
pelos meninos. As irmãs somam cerca de 40 e cuidam de 200 meninas”.
Os eminentíssimos cardeais anteriormente mencionados fizeram algumas
perguntas sobre a natureza e a finalidade desta instituição e, mostrando-
-se satisfeitos com minhas declarações orais, concluíram que se trataria
depois do assunto mais cuidadosamente, quando se apresentassem suas
Constituições à Santa Sé (em 1873) para a oportuna aprovação.
6o [Observação crítica sobre o governo das Filhas de Maria Auxiliadora]
Quando esta sagrada congregação, na observação número 5 sobre a relação trienal
de V. S., escreveu sobre o regime do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora,
perguntou se este possuía uma superiora-geral e não um superior-geral, como V. S.
escreve erroneamente, ao se referir à observação indicada acima.
R.) Nos esclarecimentos, pedidos em 5 de abril de 1879, perguntava-se: “Se
este instituto tem um superior-geral (superiore generale) ao qual as irmãs estão
submetidas, e se é totalmente independente, como deveria ser, da Congre-
gação Salesiana”. Respondeu-se afirmativamente, acrescentando qual era sua
autoridade conforme as Constituições destas religiosas.38
Agora, V. E. pergunta se as mencionadas irmãs possuem uma superiora-geral.
Respondo afirmativamente que possuem sua superiora-geral e o próprio Ca-
pítulo superior, conforme o título III de suas Constituições.39

38
No texto italiano (MB XIV, 222 [Ceria]), observação quinta, primeira série, diz-se: superiore
generale (masculino), não superiora generale (feminino). A resposta de Dom Bosco foi afirmativa: ele
era o superior-geral do instituto. Deve-se ter em conta que, de acordo com as primeiras Constituições
FMA, o Reitor-Mor, Dom Bosco, e depois o padre Rua, era o superior-geral do Instituto.
39
Na observação sexta, segunda série, o cardeal pergunta se o Instituto conta com uma madre
geral e se é totalmente independente da Congregação Salesiana. Novamente, a resposta de Dom Bosco
é afirmativa em ambos os casos. Nas eleições de 29 de janeiro de 1872, Maria Mazzarello foi eleita
para dirigir o Instituto. Ela recusou, mas em seguida determinou-se que fosse vigária. Dom Bosco,
porém, em 1874 ordenou que Maria Mazzarello fosse a superiora do Instituto. Maria Mazzarello era a
superiora-geral em termos práticos e o Instituto era independente da Congregação Salesiana para todos
os efeitos práticos. Contudo, é um fato que, juridicamente, ou seja, de acordo com as Constituições
FMA, Dom Bosco, Reitor-Mor dos salesianos, era o superior-geral do Instituto das Filhas de Maria
Auxiliadora. Esta situação prevaleceu até 1905, quando Roma interveio para separar juridicamente as
duas congregações, as Constituições FMA foram revistas e aprovadas sem o devido processo. O Insti-
tuto converteu-se numa congregação autônoma de direito pontifício.

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Organização institucional da Sociedade Salesiana

Exposto isso tudo, peço a V. E. que bem considere com paternal bondade que
a Pia Sociedade Salesiana teve início sem meios materiais, em tempos cala-
mitosos e sustentou-se em meio a crescentes dificuldades e combatida de mil
maneiras. Por isso, precisa de toda a benevolência e indulgência compatíveis
com a autoridade da santa mãe Igreja. Chegam já a 100 as casas abertas, nas
quais se oferece educação cristã a quase 50 mil meninos dos quais mais de 600
entram todos os anos como seminaristas.40 Por outro lado, creio que posso ga-
rantir a V. E. que os salesianos não têm outro fim que trabalhar para a maior
glória de Deus, para o bem da santa Igreja e levar o evangelho de Jesus Cristo
aos índios dos Pampas e da Patagônia.
Prostrado diante de V. E., peço perdão se, involuntariamente, tivesse escrito algu-
ma palavra menos conveniente, enquanto tenho a honra de poder professar-me
De V. E. Rev.ma
Seu inegável servidor João Bosco, sac.

A carta enviada pela sagrada congregação a Dom Bosco, que acompanha-


va o segundo conjunto de observações críticas, trazia também esta passagem:

“Em resposta à observação 6”, sobre as irmãs de Maria Auxiliadora, se cuidam


da lavanderia e rouparia nos seminários e atendem neles à cozinha, o que a
Santa Sé sempre proibiu, responde-se que em tudo isso sempre tive acordos com
os ordinários diocesanos; e mais, os pedidos foram feitos por eles mesmos”.
“Esta sagrada congregação, quando chegou ao conhecimento de que os ins-
titutos femininos prestam tais serviços nos seminários e nos colégios para
meninos, embora houvesse o consentimento dos respectivos bispos e tenham
eles mesmos chamado as irmãs para prestá-los, sempre o proibiu.”

Dom Bosco não respondeu a esta crítica, provavelmente porque não


era a única pessoa a quem era dirigida; vários bispos, os de Casale e Biella,
estavam envolvidos mais do que ele. Sua resposta mereceu novas observações
da congregação.

Anotações conclusivas
1o Deve-se advertir que no resumo histórico do relatório, como em outras partes,
a Congregação é apresentada como existente desde 1841. Uma convicção
ou reivindicação constante de Dom Bosco.

40
Novamente, as estatísticas são aqui muito exageradas. Em 1880, por exemplo, quando Dom
Bosco respondeu à segunda série de observações, as casas eram 32.

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Dom Bosco: história e carisma 3

2o As declarações relativas ao decreto do arcebispo Fransoni, de março de


1852, neste e em outros resumos históricos, devem ser avaliadas devida-
mente de modo crítico.
3 A afirmação de que “o Reitor-Mor e seu conselho [...] são os únicos res-
o

ponsáveis direta e absolutamente perante a Santa Sé” não tem qualquer


base nas Constituições e não se mantém em sentido canônico. Pode-se en-
tender como uma referência indireta aos problemas de Dom Bosco com o
arcebispo Gastaldi. Não se deve esquecer que o relatório foi impresso em
Sampierdarena, diocese de Gênova, não em Turim.
4o A maioria dos dados estatísticos apresentados no relatório (número de casas,
dos alunos nas escolas, dos salesianos, o milhão de livros etc.) está inflada.
5 Em suas respostas às observações críticas feitas por Roma, Dom Bosco é, às
o

vezes, evasivo. Por isso, o cardeal Ferrieri opinava que não se podia confiar
nele. Contudo, também se deve leva em conta que Ferrieri era um dos
maiores adversários de Dom Bosco e que algumas de suas perguntas refle-
tem aquelas que Dom Bosco já tivera de responder no processo de aprova-
ção das Constituições, das quais vários artigos não eram vistos com bons olhos
por alguns círculos vaticanos.

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Capítulo XI

FORMAS DE GOVERNO DA CONGREGAÇÃO:


AS CONFERÊNCIAS DE SÃO FRANCISCO
DE SALES E OS CAPÍTULOS GERAIS

A Congregação fora aprovada, mas ainda restava muito a Dom Bosco


para dotá-la de uma estrutura forte, formar seus membros, reforçar a unidade
e salvaguardar o projeto inicial em sua integralidade e em seu espírito. A fim
de realizar esse importante trabalho e garantir sua continuidade no futuro,
eram necessários alguns órgãos de governo que promovessem e sustentassem
a união necessária, tanto no pensamento como na ação, e favorecessem a
confluência das diversas correntes que, com a expansão da obra no tempo
e no espaço, podiam tender à dispersão. Além de seus escritos e contatos
pessoais com os salesianos e as comunidades, Dom Bosco serviu-se de outros
meios, entre eles os encontros com os diretores das diversas comunidades,
aos quais ele podia comunicar seus projetos e confrontá-los com aqueles que
deviam levá-los à prática nas diversas casas. Era o melhor meio de garantir
eficazmente a unidade em toda a Congregação. Primeiro, foram as chamadas
Conferências de São Francisco de Sales e, depois, cumprindo o estabelecido
pelas Constituições, os Capítulos Gerais (CG).

1. As Conferências de São Francisco de Sales (1865-1879)


Nos primeiros anos da história da Congregação, por ocasião da festa do
santo patrono São Francisco de Sales, que, nessa época, era celebrada em 29
de janeiro, Dom Bosco costumava reunir os salesianos do Oratório e os di-
retores das casas para fazer-lhes uma ou várias conferências. Nasceram assim
as chamadas Conferências de São Francisco de Sales. Se a festa fosse transferi-
da, o mesmo acontecia com as conferências. Em algumas ocasiões, também
foram adiadas por meses para permitir que Dom Bosco estivesse presente e

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Dom Bosco: história e carisma 3

as presidisse, embora algumas vezes, quando a sua presença foi totalmente


impossível, o padre Rua o substituiu.
A primeira Conferência de São Francisco de Sales aconteceu em 1865.
A Congregação só contava então com duas escolas fora de Turim. Obvia-
mente, à medida que as casas foram se multiplicando, especialmente a par-
tir de 1875, nem todos os diretores podiam estar presentes, sobretudo os
da América.
Além das Conferências de São Francisco de Sales, Dom Bosco também
celebrou conferências gerais no outono, por ocasião dos retiros ou exercícios
espirituais, ou em outros momentos durante o ano. Entretanto, conservam-
-se pouca memória destas últimas.
Aos poucos, na realização das conferências, foram adquirindo grande
importância os relatórios dos diretores e os debates feitos sobre questões de
administração, disciplina etc., a ponto de, com o passar dos anos, adquiri-
rem praticamente a importância de Capítulos Gerais. Graças a elas, deram-se
grandes avanços na Congregação e elaboraram-se os regulamentos gerais. De
fato, as conferências de 1874 estabeleceram que os Capítulos Gerais fossem
celebrados a cada três anos.
O CG I foi celebrado em 1877. Contudo, embora pudesse parecer ló-
gico, não se sentiu a imediata necessidade de abandonar as conferências para
dar sequência aos Capítulos Gerais. Com efeito, as conferências foram ce-
lebradas em 1877, mas não se repetiram em 1878 porque a permanência
de Dom Bosco em Roma tornou-as impossíveis.1 Em fevereiro de 1879,
voltaram a ser realizadas em Alassio, embora se possa duvidar que, neste caso,
tivesse caráter geral, posto que só foram convocados os membros do Capítulo
superior e os diretores do Piemonte e Ligúria.2
A partir de 1879, não se efetuaram novas conferências desse tipo.
Contudo, nos Capítulos Gerais, especialmente nos presididos por Dom
Bosco e pelo padre Rua, percebe-se claramente seu vestígio, posto que
tanto Dom Bosco como o padre Rua aproveitaram profusamente os ca-
pítulos para dar aos capitulares lições importantes de espiritualidade e
de vida religiosa ou para expor-lhes suas ideias sobre os diversos aspectos
da Congregação.

Cf. MB XIV, 40.


1

As atas das conferências de Alassio, a cargo do padre Barberis, não estão na seção correspon-
2

dente (ASC D577: Conferenze Generali, E6: FDB 1869-1873 D8), mas entre as minutas do Capítulo
superior (ASC D868: Consiglio Superiore Verbali: FDB 1878 A1-D8).

410

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Capa do “Regulamento para as casas da Sociedade de


São Francisco de Sales” (1877).

2. Os Capítulos Gerais na vida de Dom Bosco3


Em uma intervenção no I Capítulo Geral, de 1877, Dom Bosco afir-
mou que os Capítulos marcariam época na história da Congregação, pois
deles dependeria em grande parte a sua boa orientação futura e eles seriam
uma base segura para o seu bom desenvolvimento.

3
Os Capítulos Gerais aparecem nas Memórias Biográficas, como segue: I CG: MB XIII, 243s;
II CG: MB XIV, 518s; III GC: MB XVI, 243s; IV CG: MB XVIII, 174s. Cf. J. Rasor, The spiritual
identity of the salesian brother in the light official salesian documents. Tese de doutoramento. Roma: UPS,
1995. Embora centrado no salesiano coadjutor, este estudo apresenta descrições sucintas dos trabalhos
dos Capítulos Gerais I a XXII. Também em J. Rasor, “Early salesian regulations: formation in the
Preventive System”, JSS 8: 2 (1997), 206-268. G. Bosco, Costituzioni della Società di San Francesco di
Sales [1858]-1875. Edição crítica de Francesco Motto. Roma: LAS, 1982.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Normativa sobre a celebração


As primeiras Constituições são muito parcimoniosas ao falar dos Capí-
tulos Gerais. No texto latino, aprovado em 1874, há três artigos do capítulo
VI (“Governo da sociedade”), dedicados ao tema:

Art. 3o - O Capítulo Geral se reunirá ordinariamente a cada três anos para


tratar das coisas de maior importância e prover a tudo que for exigido pelas
necessidades da sociedade, dos tempos e dos lugares.
Art. 4o - O Capítulo Geral, assim reunido, também poderá propor os acrés-
cimos às Constituições e as mudanças que acreditar oportunos, mas sempre
em conformidade com a finalidade e as razões pelas quais as Regras foram
aprovadas. Todos os acréscimos e alterações, porém, mesmo quando tenham
sido aprovados por maioria de votos, não poderão obrigar a ninguém, sem
antes ter obtido o consentimento da Santa Sé.
Art. 5o - As atas dos Capítulos Gerais serão enviadas à sagrada Congregação
dos Bispos e Regulares para sua aprovação.4

Nada se diz sobre a composição do Capítulo Geral. Na edição italiana de


1875, porém, após o artigo 3o, aparece uma nota, provavelmente acrescentada
pelo próprio Dom Bosco, que especifica quem são os membros que devem
compor o Capítulo Geral:

Os membros que compõem o Capítulo Geral são os membros do Capítulo


superior e os diretores das casas locais. Cada diretor reunirá seu capítulo local
[conselho da casa] e com ele tratará das coisas que julgarem de maior necessi-
dade para serem apresentadas ao futuro Capítulo Geral.5

Mais adiante, o artigo 5º do capítulo VIII, sobre a “eleição do Reitor-


-Mor”, fala sobre ela sem estabelecer, embora esteja implícito, que o Capítulo
Geral deve ser convocado com essa finalidade.

Art. 5o - O Reitor-Mor é eleito por votação pelo Capítulo superior, pelo di-
retor de cada casa local e por um membro professo de cada casa local, eleito
pelos membros professos perpétuos dessa casa. Se, por alguma razão, alguém
não puder participar e emitir seu voto, a eleição realizada pelos assistentes
será válida.6

4
G. Bosco, Costituzioni, 115 [texto aprovado em 1874].
5
G. Bosco, Costituzioni, 115.
6
G. Bosco, Costituzioni, 131.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Igualmente, o capítulo IX, sobre “os outros superiores”, determina a


eleição dos membros do Capítulo superior, sem fazer menção explícita de um
Capítulo Geral convocado para esse fim, mas está implícito:
Art. 1o - O prefeito, o diretor espiritual, o administrador e os três conselheiros
acima mencionados serão eleitos em votação pelo reitor[-mor] e pelos demais
membros professos perpétuos que podem participar na eleição do Reitor-Mor...7

Acrescenta, também, no artigo 3o, que a eleição se dará na festa de São


Francisco de Sales, ou seja, quando se realizavam as conferências anuais.8 Ao in-
terromperem-se estas conferências, os Capítulos Gerais assumiram essa função.
A convocação do Capítulo Geral com a finalidade de substituir um
membro titular do Capítulo superior que terminasse o mandato, renunciasse
ou morresse, seria um problema, a menos que pudesse combinar com um
Capítulo Geral já programado.9
Dom Bosco, por sua conta, foi explicitando mais alguns temas sobre a
participação dos membros do Capítulo Geral, os convidados e os eleitores.
Assim, na convocação do I Capítulo Geral, acrescentou um apêndice, que era
o Regulamento para o Capítulo Geral. Escrevia:
O Capítulo Geral é celebrado a cada três anos, e dele participam os membros
do Capítulo superior, os diretores e os prefeitos das casas da congregação.
Outros membros, clérigos ou leigos, poderão ser convidados quando forem
discutidos temas de sua competência; contudo, terão apenas voto consultivo.

E no Prólogo às deliberações do I CG (1877), impresso para os irmãos


em novembro de 1878, Dom Bosco introduziu alguns apêndices. No se-
gundo, oferece o Regulamento para o Capítulo Geral, no qual se redefinem os
membros participantes.
O Capítulo Geral é celebrado a cada três anos com a participação do Ca-
pítulo superior, dos provinciais e dos diretores das casas da congregação.
Das missões estrangeiras, participarão os inspetores ou seus delegados, assim

7
G. Bosco, Costituzioni, 143.
8
Art. 3o: Sua eleição acontecerá na festa de São Francisco de Sales, quando é costume que se reúnam
todos os diretores das casas locais [para a Conferência Geral de São Francisco de Sales]. Três meses antes da
festa, o reitor[-mor] notificará a todas as casas a data em que será feita a eleição. G. Bosco, Costituzioni, 143.
Art. 4o: Para tal fim, cada diretor deverá convocar os membros professos perpétuos de sua casa
para escolher o irmão que o acompanhará nas próximas eleições. G. Bosco, Costituzioni, 145.
9
A questão foi levantada em relação com o Capítulo Geral Extraordinário convocado para ele-
ger padre Pedro Ricaldone, sucessor do padre Felipe Rinaldi, em 1932. Contudo, nessa época, regia o
regulamento dos Capítulos Gerais aprovado em 1904.

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Dom Bosco: história e carisma 3

como um dos diretores escolhidos pelo inspetor, com o conhecimento do


Reitor-Mor. Também poderão ser convidados membros leigos ou clérigos
professos da sociedade quando os temas tratados estiverem no âmbito de
suas competências. Contudo, terão voto apenas consultivo.10

As deliberações do II CG (1880), impresso em 1882, ao tratarem do


tema da participação, só atualizaram as determinações do I CG.

De acordo com o capítulo VI, artigo 3o de nossas Constituições, o Capítulo


Geral é celebrado a cada três anos com a participação do Capítulo superior, dos
inspetores (ou seja, dos visitadores), do procurador-geral, dos diretores das casas
da congregação e dos mestres de noviços.
Também poderão ser convidados membros professos leigos ou eclesiásticos
da sociedade quando os temas tratados estiverem dentro do âmbito de suas
competências. Contudo, terão voto apenas consultivo.
Das missões estrangeiras, participarão todos os inspetores ou seus delegados,
assim como um dos diretores de suas inspetorias ou províncias escolhido pelo
inspetor com o conhecimento do Reitor-Mor.11

Chama a atenção que tanto o regulamento como as deliberações não se


ativeram ao que foi acrescentado em nota às Constituições, que fixava uni-
camente “os membros do Capítulo superior e os diretores das casas locais”.
A nova regulamentação modificava dois elementos importantes: primeiro, a
inclusão dos inspetores e, segundo, a exclusão da maior parte dos diretores
das missões estrangeiras, das quais viria apenas um dos diretores, escolhido
pelo próprio inspetor. Enquanto Dom Bosco viveu, ninguém deu impor-
tância a essas alterações, contudo mais tarde fez-se notar essa irregularidade
e colocou-se em dúvida a validade dos Capítulos Gerais e, por conseguinte,
suas deliberações e até a legitimidade da eleição dos membros do Capítulo
superior. Padre Rua precisou recorrer a Roma para que fossem sanadas as
possíveis irregularidades. Ao fazê-lo, a Santa Sé exigiu que no próximo Capí-
tulo Geral a ser realizado fosse redigido um novo Regulamento dos Capítulos
Gerais, esclarecendo bem todos os termos, entre eles, quais eram os sócios
de direito a participar num capítulo geral. Quando tal Regulamento fosse
aprovado pela Santa Sé, o capítulo ficaria legalmente constituído como órgão
supremo legislativo da Sociedade Salesiana.

10
[G. Bosco] Deliberazioni del Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in Lanzo Torinese
nel settembre 1877. Turim: Tipografia e Libreria Salesiana, 1878, em OE XXIX, 377-472.
11
[G. Bosco] Deliberazioni del secondo Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in
Lanzo Torinese nel settembre 1880. Turim: Tipografia Salesiana, 1882, em OE XXXIII, 1-96.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

O regulamento foi redigido no IX CG (1901) e, em seguida, aprovado


pela Santa Sé de tal modo que o X CG (1904), reunido de acordo com o
novo regulamento, foi um verdadeiro capítulo constituinte.
Como membros com direito de participação estavam determinados no
novo regulamento: “a) o Reitor-Mor; b) os membros do Capítulo superior; c)
o secretário do Capítulo superior; d) o procurador-geral; e) os bispos não resi-
denciais, os vigários e prefeitos apostólicos da sociedade; f) os inspetores; g) um
delegado de cada inspetoria eleito no capítulo inspetorial, segundo as normas
dos capítulos inspetoriais; h) o diretor do Oratório salesiano de Turim. Os rei-
tores-mores eméritos teriam direito ad vitam de participar do Capítulo Geral”.12
Determinou-se também que a partir desse ano (1904), os Capítulos Gerais
fossem realizados a cada seis anos e não a cada três anos, como fora até então.

Os quatro primeiros Capítulos Gerais


Como consequência da aprovação das Constituições em 1874 e depois
da primeira expansão, a Congregação Salesiana entrou no que se poderia
chamar de período de estabilização ou consolidação institucional. Os quatro
Capítulos Gerais no reitorado de Dom Bosco e os seis seguintes no do padre
Rua, enfrentaram essa tarefa imprescindível. De fato, o objetivo principal
desses dez Capítulos foi codificar as normas já vigentes na Congregação e
continuar a propor e desenvolver outras novas para satisfazer as necessidades
práticas derivadas da expansão da obra e do número sempre maior dos ir-
mãos. Isso deu lugar a uma série de regulamentos para as diversas estruturas,
cargos e áreas de vida da Congregação, regulamentos, de certa forma, parale-
los, embora melhorados em relação aos já publicados para as casas em 1877.
Os Capítulos reuniram-se a cada três anos desde o primeiro, de 1877,
até o décimo, em 1904, no qual foi aumentado o prazo de três a seis anos.
Os quatro primeiros (1877, 1880, 1883 e 1886) foram presididos por Dom
Bosco e realizados segundo as linhas tradicionais das conferências gerais que
aconteciam anteriormente.

I Capítulo Geral (1877)


Convocação
Os preparativos de Dom Bosco e do seu conselho para o I Capítulo
Geral, que seria celebrado em setembro de 1877 na escola salesiana de Lanzo,
12
Cf. Deliberazioni dei Capitoli Generali della Pia Società Salesiana. Turim, 1905, cap. VI, parte
II, artigos 1 e 2. Sobre a história dos capítulos V a X, cf. Jesús-Graciliano González, Sei Capitoli Ge-
nerali presieduti da don Michele Rua. Roma: Pisana, 2010.

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Dom Bosco: história e carisma 3

começaram em abril. Um folheto de 23 páginas serviu de convocação e pro-


grama do Capítulo.13
O folheto fora pensado para servir de preparação em todas as comuni-
dades. Não foram criadas comissões preparatórias antes do Capítulo com a
finalidade de estudar os vários temas e apresentá-los à assembleia geral; elas,
porém, foram criadas no primeiro dia.
Note-se que Dom Bosco não se contentou em propor os temas e dar-
-lhes certo desenvolvimento, mas, em muitos casos, determinou os pontos
que deviam ser tratados de forma taxativa, quase como uma norma de re-
gulamento. É de se supor que os temas assim especificados já tivessem sido
praticamente regulamentados.

Capa do folheto “Deliberações do Capítulo Geral da Pia Sociedade Salesiana,


celebrado em Lanzo Torinese em setembro de 1877”.

13
[G. Bosco] Capitolo Generale della Congregazione Salesiana da convocarsi in Lanzo nel prossimo
settembre 1877. Turim: Tipografia Salesiana, 1877, em OE XXVIII, 313-336.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Contexto histórico14
O I CG aconteceu no momento em que o conflito entre Dom Bosco
e dom Gastaldi adquiria dimensões importantes. As críticas do arcebispo à
Congregação Salesiana abrangiam todos os aspectos da prática da formação
religiosa e sacerdotal. Esta preocupação esteve claramente presente no traba-
lho do primeiro Capítulo.
Quanto ao contexto político e eclesiástico, devemos assinalar que tanto
na Itália como na França, onde a obra salesiana se estabelecera, estavam no
poder os partidos da esquerda liberal, hostis à Igreja. Nesses países, as forças
conservadoras católicas uniram-se à oposição. Dom Bosco acabava de or-
ganizar os salesianos cooperadores como uma união católica independente,
não política, para o apostolado salesiano. A obra salesiana estabelecera-se na
Argentina e no Uruguai. Em 1877, os salesianos eram 241, dos quais 162
com votos perpétuos e 79 com votos temporários, e os noviços eram 120. As
casas somavam 21. O instituto das Filhas de Maria Auxiliadora (1872) tam-
bém crescia e trabalhava em associação com os salesianos. Por isso, tornava-se
necessário aperfeiçoar as estruturas da Congregação, tanto para garantir sua
sobrevivência na Igreja como para realizar um apostolado mais eficaz.

Data, membros, objetivo


O I CG foi celebrado em Lanzo, de 5 de setembro a 5 de outubro de
1877. Os membros que participavam de direito eram 23, incluindo Dom
Bosco.15 Alguns salesianos e não salesianos participaram como assessores; al-
guns diretores também levaram um assessor pessoal de sua casa.
O capítulo tinha em mira codificar as normas ou regulamentos que
deveriam servir de guia prático para a observância das Constituições. Dom
Bosco deixou-o claro em seu relatório: “Todos expressaram seu vivo desejo
de obter a informação de [como] as Constituições [devem ser postas em prá-
tica]. O que deveria ser feito na forma de regulamentos definitivos, de artigos

14
Cf. ASC D578: Capitoli Generali, I Capitolo generale: FDB C10 1831-1853 A5. Esta co­leção
contém principalmente manuscritos e cópias impressas dos seguintes elementos: a convocação de Dom
Bosco e os schemata precapitulares, uma quantidade de propostas apresentadas por salesianos com
notas manuscritas de Dom Bosco, exemplares em rascunho e editado das atas feitas pelos secretários
eleitos, padres Barberis e Berto, várias cópias manuscritas das Deliberações e uma cópia impressa das
mesmas. Cf. [G. Bosco], Deliberazioni del Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in Lanzo
Torinese nel settembre 1877. Turim: Tipografia e Livraria Salesiana, 1878, em OE XXIX, 377-472.
Sobre o I CG, ver MB XIII, 243s, e o estudo de M. Verhulst, “Note storiche sul Capitolo Generale
1° della Società Sale­siana (1877)”, Sal 43 (1981), 849-882.
15
Ver a lista dos membros em MB XIII, 252s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

orgânicos que facilitassem uma interpretação prática [...]. Esse foi o objetivo
do I Capítulo Geral celebrado em 1877”.16

Realização e temática17
O Capítulo trabalhou debaixo de certa pressão, pois todos os partici-
pantes, Dom Bosco e seu conselho em especial, tinham muito trabalho à
frente. De fato, foram necessárias duas interrupções. Os temas foram dis-
cutidos nas sessões plenárias, chamadas “conferências”, realizadas em geral
duas vezes por dia.
Na sessão de abertura foram nomeadas 5 comissões para estudar e apre-
sentar os temas das sessões gerais. Mais tarde, seriam nomeadas outras 3 co-
missões adicionais.18 Em cada sessão geral, as comissões apresentavam por
escrito seus relatórios para discussão, antes da votação das deliberações.
Por causa das duas pausas de grande duração, de 14 a 20 de setembro
e de 22 de setembro a 2 de outubro, o Capítulo foi realizado em três etapas.

Ia etapa: de 5 a 14 de setembro. As sessões da primeira à décima sexta trataram


da organização do Capítulo Geral e dos primeiros temas: comunidade de
vida, a vida da comunidade; a moralidade (castidade); a economia (a admi-
nistração do dinheiro e da economia); a saúde e seu cuidado; os estudos e a
formação dos salesianos e dos alunos; os livros de texto.
IIa etapa: de 21 a 22 de setembro. As sessões da décima sétima à vigésima
estudaram a criação das inspetorias e o papel do inspetor. Tratou-se também
das relações com as Filhas de Maria Auxiliadora.
IIIa etapa: de 2 a 5 de outubro. Durante as sessões vigésima primeira à vi-
gésima sexta foram selecionadas as deliberações mais importantes aprovadas
em anos anteriores, especialmente nas conferências gerais, e preparou-se a
conclusão do Capítulo.

As cinco comissões nomeadas na primeira reunião e suas tarefas:


Primeira comissão, presidida pelo padre João Batista Francésia. Noviciado,
estudos e formação sacerdotal, a pregação. Foram destacados os seguintes
pontos: reforçar os aspectos ascéticos do noviciado, separado da vida dos
professos; elevar o nível dos estudos filosóficos e teológicos dos candidatos

16
Relatório de Dom Bosco, Deliberazioni, 1878, 3.
17
Para mais detalhes sobre o trabalho capitular, ver MB XIII, 243s.
18
Sobre a formação das oito comissões, ver MB XIII, 251s.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

ao sacerdócio; animar os estudantes sacerdotes e clérigos a obterem o títu-


lo oficial de professor; criar um programa mais adequado para a formação
dos coadjutores.
Segunda comissão, presidida pelo padre Celestino Durando. Plano de estudos
na escola salesiana e as publicações. Deu-se notável atenção aos programas de
estudo e aos livros de texto. Devem-se adotar os livros de texto preparados
por salesianos ou por autores confiáveis. Se os textos forem escritos por auto-
ridades escolares, o prefeito de estudo deverá examinar cuidadosamente esses
livros de texto.
Terceira comissão, tendo padre Rua como presidente. Vida comunitária. Com
a ajuda de dois jesuítas, que participavam na qualidade de especialistas, o
Capítulo estudou o modo de adequar as normas para a vida comunitária, de
uso geral nas congregações religiosas, para obter maior regularidade na comu-
nidade salesiana. Os seguintes temas provocaram longo debate: vida comum
em geral, saúde, vestuário, hospitalidade etc.
Quarta comissão, presidida pelo padre João Cagliero. A moralidade na Con-
gregação, irmãos e alunos, e temas relacionados. Deu-se mais tempo a este
tema do que a qualquer outro. A discussão centrou-se principalmente nas
precauções que se devem ter, enfatizando sua insuficiência sem a ajuda da ora-
ção e dos sacramentos etc.
Podemos inferir da discussão que a preocupação central de Dom Bosco na
matéria era estabelecer em suas casas e escolas um clima moral que pudesse
resistir a qualquer exame. Em vista da tendência anticlerical da sociedade em
que os salesianos viviam, queria evitar qualquer coisa que pudesse dar motivos
ou pretextos para incriminar o seu comportamento.19
Quinta comissão, tendo padre João Bonetti como presidente. Finanças, admi-
nistração do dinheiro e economia. A discussão centrou-se nos meios práticos
e concretos de economizar dinheiro: economia na manutenção e construção;
economia nas viagens; economia na cozinha e no refeitório; economia na ilu-
minação; economia na compra de material etc. mediante uma administração
atualizada e centralizada.

As três comissões adicionais criadas para informar sobre temas especiais:


Sexta comissão: formada pelos padres Cagliero, Rua e Albera. O tema era so-
bre as inspetorias e os inspetores. Num primeiro momento, não havia uma

19
Cf. MB XIII, 269.

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Dom Bosco: história e carisma 3

comissão ad hoc, mas o tema se fez presente em várias sessões. Nomeou-se,


então, uma comissão para estudar o que se fazia em outras congregações; o
tema foi discutido na décima sétima sessão.
Em termos gerais, o Capítulo falou do Inspetor como de uma autoridade
paterna, para apoiar e não para inspecionar, como normalmente se fazia em
outras congregações. Insistiu-se no papel do inspetor como representante do
Reitor-Mor e vínculo de mediação entre ele e os irmãos em cada casa. Foram
também definidas suas funções administrativas e jurídicas.
Sétima comissão: composta pelos padres Costamagna, Bonetti, Cerruti e
Albera. O tema referia-se às Filhas de Maria Auxiliadora. Não se tratou
das relações jurídicas, mas da relação com as irmãs nas casas onde elas cui-
davam da lavanderia, cozinha etc. O tema já fora apresentado quando se
falou de “moralidade”, na décima sessão, mas foi novamente apresentado
pelo padre Cerruti, durante a décima nona sessão, numa série de artigos
que a comissão elaborara. Dom Bosco acrescentou outros artigos, sobretu-
do um que proibia a comunicação entre a residência das irmãs e seu lugar
de trabalho.
Oitava sessão. Não se dispõe dos nomes que a compunham, embora se possa
supor que algum membro do conselho participasse sob a direção do padre
Rua. O tema desta comissão era a recompilação, organização e apresenta-
ção de deliberações anteriores. O trabalho foi apresentado na terceira fase
do Capítulo, de 2 a 5 de outubro, mas continuou nos anos seguintes e foi
publicado no VI CG, segundo do reitorado do padre Rua, para que fosse
uma espécie de seleção de artigos orgânicos e gerais, diversos dos meramente
locais e facultativos.20

Resultados
Dado o caráter eminentemente prático do Capítulo, não se podiam
esperar grandes novidades. E, de fato, elas não aconteceram. As coisas mais
interessantes foram as intervenções complementares de Dom Bosco, em
que ele revelava alguns aspectos proeminentes do seu pensamento e da sua
mentalidade sobre os temas tratados ou sobre outros que não integravam
o programa.
As Constituições, capítulo VI, artigo 5o, prescreviam que as normas apro-
vadas por um Capítulo Geral deviam ser editadas e impressas e apresentadas à
20
Deliberazioni dei sei primi Capitoli Generali della Pia Società Salesiana, precedute delle Regole o
Costituzioni della medesima. San Benigno Canavese: Tipografia e Libreria Salesiana, 1894.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Santa Sé. Por voto, os membros do Capítulo decidiram confiar a tarefa editorial
a Dom Bosco e seu conselho. Dom Bosco trabalhou mais de um ano para dar
forma ao material do Capítulo, e as Deliberações foram publicadas em novem-
bro de 1878.
Apesar de seu início solene e da esperança de elaborar diretrizes defini-
tivas, o Capítulo teve êxito moderado. Foi um Capítulo “prático”, no qual
se pretendia criar normas concretas de aplicação direta na vida das casas e
escolas salesianas.
Dom Bosco nunca apresentou as atas à Santa Sé, pela aparente razão
de que os resultados foram menos significativos dos esperados. De fato, ele
exprimiu sua decepção ao padre Barberis, quando lhe disse que as atas talvez
devessem ser reeditadas somente para a publicação dos artigos. Não gostara
do debate prolongado e inconclusivo sobre minúcias.21 Dom Bosco escrevia
no prólogo aos irmãos:

Os diretores, prefeitos e outros […] irmãos reuniram-se para estudar e dialo-


gar durante mais de um mês. Apesar do tempo e esforço empregados, ainda
resta muito por fazer. E mesmo agora, depois de um ano de trabalho adicio-
nal, não posso apresentar-vos um resultado acabado e definitivo.

E na introdução ao Relatório à Santa Sé, de 1879, falava do Capítulo


Geral celebrado há dois anos, acrescentando que o relatório trienal prescrito
não podia ser feito porque as coisas ainda não tinham sido concluídas.
Contudo, em seus comentários finais às atas, padre Barberis expressa
sua satisfação pelo espírito de colaboração e caridade nas discussões e pelos
resultados obtidos.

Intervenções mais significativas de Dom Bosco


Dom Bosco, tanto nas discussões dos artigos propostos, como, sobretu-
do em intervenções marginais e complementares, comportava-se como um
mestre diante de seus alunos mais destacados para que conhecessem clara-
mente suas ideias sobre temas que ele acreditava de suma importância para o
bom andamento da Congregação. Entre outras coisas, ele falou neste Capí-
tulo da centralização da direção dos cooperadores e do Boletim Salesiano no
Oratório; da posição apolítica dos salesianos; da moralidade nos colégios; da
distinção entre colégio pago e internato gratuito, tema em que Dom Bosco
pronuncia frases muito duras sobre os que não pagam a cota estabelecida.
21
Barberis, Croniche, caderno 13, 42 (maio de 1878).

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Dom Bosco: história e carisma 3

A maior parte dessas ideias será exposta mais adiante. Pela sua importância,
reproduzimos no apêndice a intervenção sobre a denominação salesiano, sem-
pre mais difundida.22

II Capítulo Geral (1880)


Contexto histórico23
Durante os três anos que vão do primeiro Capítulo (1877) ao segundo
(1880), a situação histórica pouco mudou, mas houve alguns acontecimentos
que afetaram a Congregação Salesiana.
Em março de 1879, os salesianos conseguiram ter o seu primeiro car-
deal protetor, o então Secretário de Estado, cardeal Lourenço Nina. Em 7 de
novembro desse mesmo ano, e apesar das críticas recebidas pelo seu primeiro
relatório à Santa Sé, Dom Bosco criou oficialmente três inspetorias, nomean-
do os responsáveis e um vice-inspetor.24
Em 1880, padre Francisco Dalmazzo foi estabelecido em Roma como
primeiro procurador-geral, e Dom Bosco comprometeu-se com a construção da
igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Roma, apesar de já estar empenhado na
construção da igreja de São João Evangelista, em Turim, e em outros edifícios.
Em 29 de março de 1880, fora aprovada na França a lei contra as con-
gregações religiosas. Dom Bosco tivera, em sonhos, uma premonição que lhe
garantia que as casas salesianas não seriam afetadas.

22
Cf. Barberis, Verbali, em três cadernos, conservados em ASC D 578. MB XIII, 243s.
23
Cf. ASC: Capitolo Generale II, D579: FDB A6 1853-1859 B3. As atas foram escritas sepa-
radamente pelos padres Barberis e Marenco, secretários eleitos pelo Capítulo. Estes registros aparecem
em ASC e em FDB da seguinte maneira: um caderno contém o relatório da sessão de abertura (3 de
setembro) de várias mãos, seguido do rascunho incompleto do padre Barberis, informando apenas os
debates de 4 a 11 de setembro (ASC D578: FDB 1856 A11-C6); outro caderno semelhante contém as
atas do padre Marenco, também incompletas, que registram as sessões desde a tarde de 5 de setembro
até o final de 15 de setembro, dia da conclusão do Capítulo (FDB 1857 D2-1857 A1), dois cadernos
com as atas do padre Barberis, que contêm as atas do Capítulo desde seu início na noite de 3 de setem-
bro até sua conclusão, na noite de 15 de setembro (FDB 1857 B7-1859 A9).
A carta de convocação de Dom Bosco e a carta pós-capitular podem ser encontradas em Lettere
circolari di D. Bosco e di D. Rua ed altri loro Scritti ai Salesiani. Turim: Tipografia Salesiana, 1896, 13-
15; Epistolario Ceria III, 637-638.
Um relatório tardio de Dom Bosco: [G. Bosco], Deliberazioni del secondo Capitolo Generale della
Pia Società Salesiana tenuto en Lanzo Torinese nel settembre 1880. Turim: Tipografia Sale­siana, 1882, em
OE XXXIII, 1-96. Para uma breve crônica, ver MB XIV, 518s, e Annali I, 465-468. Padre Ceria não
conheceu as atas deste II CG, que aparecerão mais tarde, por isso dá poucas notícias e muito genéricas
sobre ele. Esteve, contudo, com o único sobrevivente que ainda restava daquele Capítulo e recebeu dele
a carta que reproduzimos no apêndice.
24
Ver acima.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

O conflito entre Dom Bosco e o arcebispo Gastaldi chegara quase à rup-


tura, depois dos cinco panfletos difamatórios (1877-1880), que fizeram com
que padre Bonetti e Dom Bosco fossem acusados de cumplicidade e levados
perante o Santo Ofício.

Desenvolvimento
O II CG reuniu-se em Lanzo, de 3 a 15 de setembro de 1880, ou
seja, durante treze dias. Os membros presentes por direito eram 27. Nesse
momento, os salesianos somavam 405, dos quais 325 com votos perpétuos
e 80 com votos temporários. O que indicava um aumento de 184 salesia-
nos desde o Capítulo anterior, todos trabalhando em 32 casas. Os noviços
chegavam a 146.
Dom Bosco pensou que não era necessária uma longa preparação.25 Na
carta de convocação aos diretores, de 27 de junho de 1880, ele pediu que
todos participassem, salvo se estivessem impossibilitados por sérias dificul-
dades. Participaria, também, um irmão de profissão perpétua de cada casa,
eleito pelos professos perpétuos da casa, pois o Capítulo Geral iria escolher
os membros do Conselho Geral, exceto o Reitor-Mor. Os diretores deviam
convocar uma reunião dos irmãos e recolher suas propostas para serem leva-
das ao Capítulo.26

Na primeira sessão, de 3 de setembro, Dom Bosco declarou que este Capítulo


era continuação e complemento do primeiro.
Antes da eleição dos superiores, foi levantada a questão se podiam ser eleitos
os salesianos coadjutores. Foi aceita sem debate a opinião negativa de Dom
Bosco, segundo a qual os clérigos não podem estar à frente dos sacerdotes e
muito menos os coadjutores e, portanto, os coadjutores não podem ser eleitos
membros do Capítulo superior.27
Foram eleitos: padre Rua, como prefeito geral; padre Cagliero, como diretor
espiritual ou catequista; padre Ghivarello, como administrador, e os três con-
selheiros: padre Durando, conselheiro escolar, padre Lazzero e padre Sala.28

25
Cf. MB XIV, 519s.
26
Dom Bosco aos diretores, 27 de junho de 1880, em Epistolario Ceria III, 593-594. Para as
eleições, o eleitorado compreendia os membros do capítulo e um irmão professo perpétuo de cada casa
(Constituições, cap. IX, arts. 1 e 4).
27
Barberis, Verbali, caderno I, 10-11.
28
No final do ano, Dom Bosco nomeou padre Sala como ecônomo, substituindo padre Ghiva-
rello, e padre Bonetti, como conselheiro no lugar do padre Sala.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Na sessão de 4 de setembro, aconteceu um longo e importante discurso de


Dom Bosco, que expressava alguma preocupação destacando especialmente
a obediência.
Em outras sessões, discutiram-se alguns temas como os estudos filosóficos e
teológicos, nos quais trabalharam duas comissões; foi constatada a falta de
cumprimento do que era prescrito sobre os estudos eclesiásticos, deixando
mal os sacerdotes salesianos em relação aos demais. O maior abuso era que,
por falta de pessoal, alguns eram ordenados sacerdotes sem terem terminado
os estudos. Pedia-se maior controle e melhores professores nas casas. Quanto
aos estudos eclesiásticos, Dom Bosco propôs que fossem seguidas as orienta-
ções do Papa sobre o magistério de Santo Tomás.29
Tratou-se do tema dos coadjutores, mas não parece que os membros da co-
missão que deveria estudá-lo tivessem clareza sobre ele e, menos ainda, os
outros membros do Capítulo. Tudo ficou num rascunho para ser estudado
mais longamente, quando o assunto estivesse mais maduro.
Ao tratar da figura do diretor salesiano, Dom Bosco fez uma longa reflexão
sobre a unidade de direção e de espírito, essenciais numa Congregação em
rápida expansão. A autoridade estava centrada no diretor, que devia ser o
laço de união de coração e ação de todos os irmãos. Os irmãos deviam ver
o diretor como pai afetuoso e irmão mais velho, abrindo-se a ele com toda
confiança. O diretor, por sua vez, deve estar unido ao inspetor e este aos
superiores maiores.
Tratou-se [também] do tema do noviciado. Dom Bosco interveio sobre a
necessidade de seguir a normativa da Santa Sé e estabelecer comissões para
proceder à admissão, à tomada de hábito, à profissão etc.
Uma sessão foi dedicada a aperfeiçoar as funções do governo central, com
a acentuada concentração da autoridade no superior-geral e sua derivação
progressiva nos graus inferiores da jerarquia. Dom Bosco criou uma comis-
são para tratar da forma de distribuir as tarefas adequadas a cada membro
do Capítulo superior, baseando-se no princípio de “estender a autoridade
do Reitor-Mor aos diversos membros do Capítulo superior em relação aos
inspetores e deles aos diretores”.30

29
Cf. a encíclica Aeterni Patris, 4 de agosto de 1879.
30
Cf. Marenco, Verbali, 17; Barberis, Verbali, caderno 2, 14.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Capa do folheto “Deliberações do II Capítulo Geral da Pia Sociedade


Salesiana, realizado em Lanzo Torinese em setembro de 1880”.

Padre Barberis assinala que, no final, o Capítulo Geral votou a favor de dar
“plenos poderes e ampla autoridade ao Reitor-Mor, com seu conselho, para
organizar e esclarecer o que eles acreditem para o bem e o progresso da Con-
gregação, especialmente em relação às missões estrangeiras”.

Resultados
O II CG foi principalmente uma revisão e complementação do primei-
ro. Muitos dos participantes eram jovens e não podiam contribuir de forma
significativa na discussão dos temas.31 Todavia, Dom Bosco fez declarações
importantes, especialmente na segunda sessão.
31
Cf. MB XIV, 520s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Como Dom Bosco previa uma longa espera antes que as deliberações do
Capítulo estivessem prontas para publicação, decidiu apresentar aos irmãos
“alguns pontos que considerou importante observar”. A circular traz a data de
8 de dezembro de 1880, uns três meses depois do Capítulo.32

No passado mês de setembro, aconteceu o Capítulo Geral em nosso colégio


de Lanzo e foram tomadas muitas deliberações de grande utilidade para nossa
Congregação. Contudo, antes de enviar tais decretos à gráfica, para comuni-
cá-los aos nossos sócios, como ainda são necessários tempo e muito trabalho,
pareceu-nos por bem manifestar-vos algumas normas, que consideramos da
máxima necessidade para a prática de cada dia, e cuja observância vos reco-
mendamos encarecidamente no Senhor. Aqui estão elas:

1. Das deliberações tomadas no Capítulo Geral anterior, leiam-se principalmen-


te as que se referem à moralidade e à economia, e sejam tidas muito presentes.
2. Os diretores coloquem a máxima diligência para que cada sócio lhes abra
livre e espontaneamente, todos os meses, o seu coração. Além disso, procure
cada um fazer o exercício da Boa-Morte, no dia estabelecido, todos juntos,
comunitária ou individualmente, e, nesse dia, seja lido um dos capítulos
de nossas Constituições ou a carta de São Vicente de Paulo, que precede as
Constituições.
3. Há muitas e graves razões que desaconselham a ida aos balneários, a não ser
por prescrição médica.
4. Nossa obediência aos superiores seja uma realidade, conforme as Consti-
tuições, segundo o cargo confiado a cada um. Expliquem-se claramente as
palavras de São Paulo apóstolo: “Obedecei a vossos superiores” etc. Portan-
to, ninguém se ausente da casa em que reside, para onde foi destinado por
seus superiores, nem mesmo por pouco tempo, sem permissão do superior,
e por motivo razoável.
5. Além disso, ninguém conserve dinheiro, nem o gaste, a não ser pelo motivo
e a quantia que o superior indicou.
6. Cuidem os superiores que se elimine por completo a causa de todos os ma-
les, que é o passar as férias com parentes e amigos.
7. Cada um faça de si mesmo um exemplo de boas obras e, cuidadosamente,
procure fugir de todo tipo de escândalo.

A carta foi escrita pelo padre Rua e assinada por Dom Bosco, que escreveu pessoalmente: “PS:
32

Nosso atual diretório enumera todos os membros do Capítulo superior e determina os irmãos professos
que têm o direito de serem candidatos à eleição”. Esta circular foi enviada pelo correio a todos os diretores.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

8. Resplandeçam nossa consciência, caridade e mansidão em obras e palavras,


de modo que se realizem em nós as palavras de Cristo: “Vós sois o sal da
terra, vós sois a luz do mundo”.
9. Nos meses de fevereiro e março de cada ano, os sócios escrevam uma carta
ao Reitor-Mor, expondo confiantemente a situação de sua saúde e de sua
vocação, para satisfazer a tranquilidade e o bem-estar de sua alma. Ninguém
deve ler ou abrir essa carta, que deve ser dirigida diretamente ao superior.

Meus queridos filhos em Cristo, permaneçamos na vocação à qual o Senhor


nos chamou, e façamos o possível para que, por meio de nossas boas obras,
torne-se sempre mais forte a nossa vocação e eleição, pois, o que Deus não
permita, se, tendo posto a mão no arado, voltássemos o olhar para trás, não
seríamos aptos para o Reino de Deus.
Cada diretor leia a todos os sócios de sua casa esta nossa carta e explique
frequentemente cada um dos parágrafos numerados, dedicando aos mesmos
um breve comentário.
A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre conosco. Amém.
Dado em Turim, no primeiro dia da Novena da Solenidade da Imaculada
Conceição da Santíssima Virgem, 29 de novembro de 1880.33
João Bosco, presbítero.

Dois anos mais tarde, ao se publicarem as Deliberações, Dom Bosco es-


crevia na introdução:

Queridos filhos em Jesus Cristo


Com a ajuda da Divina Providência, já foram celebrados dois Capítulos Ge-
rais da nossa Pia Sociedade de São Francisco de Sales; o primeiro no outono
de 1877 e o segundo, mais recentemente, em 1880.
Boa parte dos assuntos tratados no I Capítulo Geral foi publicada sob o título
Deliberações. Creio que cada comunidade estará bastante familiarizada com esse
material. Entretanto, uma série de questões examinadas no I Capítulo precisava
de um tratamento mais detalhado, para que contribuíssem ao bom funciona-
mento de nossas casas. Isso foi feito no II Capítulo Geral. Nesta última ocasião,
examinaram-se novamente as propostas de 1877, foram introduzidas algumas
modificações apoiando-se na experiência e foram feitas outras sugestões que,
espera-se, contribuam ainda mais para a glória de Deus e o bem das almas.

33
A carta, datada oficialmente em 8 de dezembro de 1880, foi escrita e assinada alguns dias
antes, em 29 de novembro.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Apresento-vos, portanto, neste folheto, as decisões dos Capítulos Gerais, jun-


tas e coordenadas para servirem de norma comum. Queríamos apresentar
principalmente uma descrição detalhada das funções do Conselho Geral, que
estão apenas esboçadas nas Constituições. Isso permitirá a cada irmão e prin-
cipalmente a cada diretor tratar de qualquer questão que possa surgir num
determinado setor.
Tanto o progresso exterior como o interior de nossa Pia Sociedade e de seus
membros depende da observância exata das Constituições e destas delibera-
ções, que podem ser consideradas como [a aplicação prática das] Constitui-
ções. Portanto, como eu recomendo a cada irmão o estudo e a prática das
Constituições, igualmente recomendo este livro das deliberações para seu es-
tudo e aplicação prática. Isso servirá para seu benefício espiritual, assim como
de toda a Congregação.
Por outro lado, os diretores encontrarão aqui um guia prático para suas deci-
sões administrativas, como também um apoio para sua autoridade. Sua preo-
cupação será não só se familiarizar, eles mesmos, com estas Deliberações, mas
que também sirvam de objeto de conferências, nas quais se possa comentar
algum ponto que careça de esclarecimento.
O crescimento de nossa Pia Sociedade na Europa e América do Sul é um sinal
seguro de que Deus a abençoa muito especialmente. Portanto, cada salesiano
tenha em vista o modo de ser sempre mais digno da graça de Deus pelo seu
espírito de oração, obediência e sacrifício.
A observância exata de nossas Constituições e destas deliberações tornará isso
possível [...].
Com afeto de amigo no Senhor,
João Bosco, presbítero.

Quando Dom Bosco afirma que no II CG “examinaram-se novamente


as propostas de 1877, foram introduzidas algumas modificações apoiando-se
na experiência e foram feitas outras sugestões...” e que no presente folhe-
to apresentava as decisões dos Capítulos Gerais, juntas e coordenadas para
servirem de norma comum, não significa que as deliberações do primeiro
Capítulo fossem reimpressas com as do segundo, mas que, as Deliberações
do segundo atualizavam e ampliavam as do anterior. As alterações mais sig-
nificativas centravam-se na formação intelectual dos salesianos (quarta parte)
e na descrição do cargo dos membros do Conselho Geral (primeira parte).34

34
Ver a apresentação e avaliação do padre Ceria sobre o II CG, em MB XIV, 519s.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

III Capítulo Geral (1883)


Contexto histórico35
A igreja de São João Evangelista fora consagrada em 28 de outubro de
1882 por dom Gastaldi. A concórdia acontecera anteriormente. O edifício
da igreja do Sagrado Coração, em Roma, estava sendo construído com
grande dificuldade. Dom Bosco, de fevereiro a maio de 1883, fez uma
viagem triunfal ao norte da França, que levou à criação da obra salesiana
em Paris e Lille.
O arcebispo Gastaldi morreu repentinamente em 1º de abril de 1883.36
Em 7 de julho o cardeal Alimonda foi nomeado arcebispo de Turim. De 13
a 17 de julho de 1883, Dom Bosco, com o padre Rua, visitara o conde de
Chambord, pretendente ao trono da França, enfermo em Frohsdorf (Áus-
tria). Após a bênção de Dom Bosco, pareceu que a saúde do conde tivesse
melhorado, mas veio a falecer em 24 de agosto.37
Em 30 de agosto de 1883, Dom Bosco teve o sonho sobre a América do
Sul, que ditou a Viglietti e, mais tarde, relatou ao Capítulo Geral.
Em 16 de novembro de 1883, um decreto da Santa Sé erigiu o
(pró) vicariato apostólico e a prefeitura da Patagônia e Terra do Fogo, ao
mesmo tempo em que navegava para a Argentina uma expedição de 20
missionários salesianos e 12 Filhas de Maria Auxiliadora presidida pelo
padre Costamagna.
Nessa época, a obra salesiana já se estabelecera na Itália, França, Es-
panha, Argentina, no Uruguai e Brasil. Os salesianos chegavam a 520, dos
quais 484 eram professos perpétuos e 36 temporários, que trabalhavam em
39 casas. Os noviços eram 173.

Desenvolvimento
O Capítulo reuniu-se durante seis dias, em Valsálice, de 2 a 7 de setem-
bro. Os membros de direito eram 35.

35
ASC: D579 Capitolo Generale III: FDB 1859 D4-1864 D9. Breves anotações do padre Ma-
renco, algumas notas do padre Barberis, em FDB 1863-1864 D9 E7. Diversamente do que diz Ceria,
as páginas iniciais das atas de Marenco não estão faltando; elas estão fora de lugar. Por elas, tomamos
conhecimento de que o Capítulo teve início em 2 de setembro, não em 1º de setembro, como garante
Ceria. O ASC conserva outros materiais, por exemplo, a carta de convocação de Dom Bosco (FDB 1859
B4; veja-se Epistolario Ceria IV, 221-222) e muitas propostas dos irmãos (C1 FDB 1859-1862 A 12).
A apresentação resumida de Ceria do III CG encontra-se em MB XVI, 400s e em Annali I, 468-472.
36
Domingo da Ressurreição, MB XVI, 78s.
37
O modo como morreu foi objeto de controvérsia, ver MB XVI, 357s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em carta aos diretores, de 20 de junho de 1883, Dom Bosco pedia-lhes


que convocassem uma reunião do conselho da casa, recolhessem as propostas
que deviam ser enviadas ao padre Bonetti, moderador, antes do mês de agosto.
Dom Bosco acrescentava na carta os oito temas ou esquemas que seriam
tratados:38

1. Regulamento para os exercícios espirituais.


2. Regulamento para os noviços e seus currículos de estudos.
3. Regulamento para as paróquias salesianas.
4. Formação dos irmãos coadjutores.
5. Orientação a dar à seção operária das casas salesianas e meios para
desenvolver a vocação dos jovens aprendizes.
6. Normas para a dispensa dos sócios.
7. Criação e desenvolvimento dos oratórios festivos nas casas salesianas.
8. Revisão e modificação do regulamento das casas.
Eram muitos temas, e não foram bem preparados anteriormente. Além
disso, chegaram umas 45 propostas dos irmãos, em sua maioria assinadas.
Muito depressa os capitulares perceberam que o material à disposição era tão
abundante que seria impossível tratá-lo satisfatoriamente. Pelo bem da Con-
gregação far-se-ia tudo que se pudesse, contudo mais tarde seria necessário
revisá-lo e finalizá-lo com mais calma.
Com efeito, a quantidade de problemas que deviam ser tratados e re-
solvidos era desproporcional tanto em razão do tempo como pela falta de
preparação dos capitulares.
Dom Bosco propôs que no futuro, para economizar tempo, seria preciso
nomear as comissões para trabalharem antes do Capítulo. Até aquele momen-
to, as comissões eram nomeadas na primeira sessão do Capítulo. Advertiu aos
capitulares para levarem em consideração que as normas aprovadas para o Ca-
pítulo, talvez, estivessem em vigor durante os próximos 10, 20 ou 100 anos.
Os temas tratados, a partir do dia 3 de setembro, foram os seguintes:
1o) Finalidade e natureza do Boletim Salesiano. 2o) Exortação para manter a
crônica da casa. 3o) Normas para os exercícios espirituais. 4o) Noviciado para
candidatos clérigos e coadjutores. 5o) A “moralidade”. 6o) Discurso de encer-
ramento de Dom Bosco.39

MB XVI, 412.
38

As anotações feitas pelo padre Marenco são, em geral, muito sucintas para entender as reuniões.
39

Delas, Ceria tira diversos temas interessantes, porque refletem o pensamento de Dom Bosco sobre o tema
em questão. Apesar disso, não representam o trabalho do Capítulo como tal, embora façam parte dele.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Como nos dois primeiros Capítulos Gerais, também neste Dom Bosco
fez intervenções importantes. Uma das sessões, inclusive, foi quase toda dedi-
cada à narração do segundo sonho missionário.
Quanto ao noviciado, Dom Bosco, como sabia que alguns artigos da
versão latina aprovada foram suprimidos na tradução italiana, que os salesia-
nos tinham à mão, explicou que o termo noviciado não devia ser utilizado,
e em seu lugar dever-se-ia usar segunda prova, e seria preciso referir-se aos
noviços como inscritos. Reafirmou que Pio IX lhe dissera várias vezes que
na formação dos salesianos se procurasse fazer com que os noviços fossem
bons, tal como deveria ser um sacerdote exemplar no meio do mundo; para
tanto, requerem-se as obras de piedade que levam a esse fim e, ao mesmo
tempo, que seria bom exercerem seus ofícios para assim conhecer quais são
suas disposições, sem, porém, que isso impeça os exercícios de piedade. Leão
XIII, quando foi perguntado [sobre o tema] não mudou nada do que Pio
IX ordenara.
Padre Albera falou da conveniência de que os noviços franceses fizessem
o noviciado na França e não na Itália. A diversidade da língua, da educação
e, especialmente, de sensibilidade tornavam-no aconselhável. Foi aprovada a
moção para estabelecer o noviciado na França que, de fato, seria aberto em
Sainte Marguerite, próximo de Marselha, imediatamente depois do Capítulo.
Foi aprovada também a moção de criar um noviciado separado para
os coadjutores. Em 22 de outubro de 1883, os aspirantes coadjutores
que aprendiam algum ofício, começariam o noviciado só para eles em
San Benigno.40
No tema da moralidade entre os salesianos, Dom Bosco não podia ser
mais claro: falou da separação entre os religiosos salesianos e os externos,
homens e mulheres. “A Congregação precisa ser purificada”, dizia. Nenhum
estranho seja admitido à mesa comum, mas haja um refeitório apropriado
[para os hóspedes]. Em vista da moralidade pessoal e da boa fama da Con-
gregação, nenhuma mulher deveria alojar-se numa casa salesiana; e dever-
-se-ia cumprir o estabelecido sobre a separação física do lugar de trabalho
das irmãs (lavanderia, cozinha). Para reforçar esta recomendação, Dom
Bosco referia que existira o perigo de uma visita apostólica à Congregação
promovida por alguns altos escalões vaticanos (especialmente pelo cardeal
Ferrieri, bem conhecido pela oposição a Dom Bosco no conflito com Gas-
taldi), embora, afortunadamente, não tenha sido realizada por intervenção
direta do Papa.

40
Ver as palavras de Dom Bosco sobre o noviciado para os estudantes clérigos em MB XVI, 414.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Na sessão da manhã de 6 de setembro, quando se tratou da cultura


dos coadjutores, perguntava-se se seria preciso mudar o título de “coadjutor”
para “irmão”. Dom Bosco fez notar que era conveniente conservar os nomes
consagrados pela Congregação dos Bispos e Regulares, neste caso, o nome de
“irmãos coadjutores”. É conveniente, porém, não chamar de coadjutores os
empregados domésticos e outras pessoas de serviço.41
Sobre o Boletim Salesiano, Dom Bosco disse que não devia ser “apenas
uma revista para difundir a verdade e as notícias”. Devia ser “um meio para
tornar conhecidas as nossas obras e unir os bons cristãos [os cooperadores]
num mesmo espírito e objetivo”. “A finalidade dos cooperadores é ajudar na
instrução catequética, na difusão de bons livros, colocando os jovens em boas
escolas”. “O Boletim converter-se-á numa poderosa força, não por si mesmo,
mas pela gente que ele unirá”.
Ao discutir sobre o tema “oficinas e aprendizes”, colocou-se a questão da
“demissão dos candidatos”. Dom Bosco respondeu com uma “parábola” so-
bre as várias fases da debulha do trigo [separar a casca do grão], um processo
longo e complexo.
Na sessão de encerramento, Dom Bosco fez várias e longas recomendações:

1. “Discernir nossos tempos e adaptar-se”. Disse-o referindo-se ao modo de


falar das autoridades civis e eclesiásticas e de tratar com elas.
2. “Moralidade”. Até agora, nosso bom nome foi inatacável. Recentemente tivemos
alguns problemas devido ao comportamento imprudente de alguns (acusação
lamentável e a ameaça de visita apostólica). Os diretores são responsáveis. Nin-
guém chega a ser bom ou mau de repente: o cumprimento das regras e regula-
mentos, a disciplina religiosa, as práticas de piedade são a chave da moralidade.
3. Insistir no Sistema Preventivo, especialmente em relação aos castigos.
4. Não esperar a perfeição. Ajudar os irmãos com atenção pessoal.
5. Em resposta à pergunta sobre as votações nas eleições administrativas, Dom
Bosco respondeu: “Sempre me abstive, de forma sistemática. Ordinaria-
mente não se vá votar. Fazendo falta ou acreditando-se como conveniente,
vote-se; mas privadamente. Nunca se vote, porém, nas casas que, de algum
modo, dependem da municipalidade”.

41
Chegaram ao Capítulo algumas queixas sobre isso: “Entre os coadjutores corre a voz [dizia al-
guém] que eles são mantidos na Congregação como pessoas desconsideradas, e há quem vá além ao dizer
que os salesianos coadjutores são tidos como simples empregados”; “O nome de coadjutor soa pouco bem
entre nós; por exemplo, um pobre saído da prisão é aceito em nossa casa e se lhe dá o nome de coadjutor”;
“Soa-lhes mal o nome de coadjutor, porque com o mesmo nome são chamadas as pessoas de serviço”. Cf. P.
Braido, Don Bosco, sacerdote, II, 572-576; A. Lenti, Dom Bosco: história e carisma, volume 2, p. 743-791.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Resultados
O decreto com que o Capítulo facultava a Dom Bosco e seu conselho a
reelaboração, conclusão e publicação das Deliberações foi redigido e aprova-
do. A brevidade do Capítulo não permitiu que os temas fossem amplamente
trabalhados; de aí que o trabalho das comissões foi arquivado para continuar
o debate no Capítulo seguinte. Não se fez, portanto, uma publicação espe-
cial; as resoluções finalmente foram publicadas incorporadas às do Capítulo
seguinte, de 1887.
Do ponto de vista histórico, “o III Capítulo Geral assume um significa-
do notável para a biografia de Dom Bosco, graças ao papel ativo que ainda
pôde ter nele e as ideias que transmitiu aos salesianos, como fundador e su-
perior, sobre temas considerados essenciais para o espírito da Congregação”.42

IV Capítulo Geral (1886)


Contexto histórico
O IV Capítulo Geral foi o último dos presididos por Dom Bosco.43 Em
28 de janeiro de 1884, com intervenção pessoal de Leão XIII, foram conce-
didos à Congregação Salesiana todos os privilégios dos redentoristas.
O ano de 1884 marcou o início da grave deterioração física de Dom
Bosco, na verdade uma quase “aposentadoria”, e a nomeação do padre Rua
como vigário com direito de sucessão.
Em 30 de outubro de 1883, padre Cagliero fora nomeado bispo, vigário
apostólico da Patagônia setentrional e central. Ordenado bispo em 7 de de-
zembro de 1884, entrou no vicariato no início de 1885. Mantivera o cargo de
diretor espiritual geral até este Capítulo. Padre Barberis, o mestre de noviços,
substituiu-o em todos os assuntos relativos ao cargo.
Os anos 1883-1886 foram o período dos sonhos da projeção missio-
nária da América do Sul e da expansão da obra salesiana no mundo todo; o
sonho de Barcelona, em 4 de abril de 1886, seria o último.44

42
Cf. P. Braido, Don Bosco, sacerdote, II, 568.
43
Cf. ASC: D579 Capitolo Generale IV: FDB 1864 D11-1868 D11. Ver as atas, bem deta-
lhadas, do padre Lemoyne, em D9: FDB 1867-1868 A6. A carta de convocação de Dom Bosco, 31
de maio de 1886, em Lettere circolari di D. Bosco e di D. Rua ed altri loro scritti ai Salesiani. Turim:
Tipografia Salesiana, 1896, 33-35. Breve “relatório” de Dom Bosco, ibid., 40-43. Normas publicadas:
[G. BOSCO] Deliberazioni del terzo e del quarto Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuti en
Valsálice nel settembre 1883-1886. S. Benigno Canavese: Tipografia Salesiana, 1887, em OE XXXVI,
253-280. Uma crônica detalhada, em MB XVIII, 174s; Annali I, 560-566.
44
MB XVIII, 72s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em 24 de setembro de 1885, Dom Bosco comunicou ao seu conselho que


o padre Rua fora nomeado vigário-geral com direito de sucessão.45 Na verdade,
padre Rua fora nomeado por Leão XIII em dezembro de 1884. Dom Bosco
nomeou padre Celestino Durando como prefeito geral para substituir padre
Rua e, para o lugar do padre Durando, nomeou padre Francisco Cerruti, con-
selheiro para os estudos, cargo que ocupará por trinta e um anos. As nomeações
eram temporárias até as eleições, que seriam feitas durante o Capítulo.

Capa do volume “Deliberações do III e IV Capítulos Gerais da


Pia Sociedade Salesiana, celebrados em Valsálice, 1883-1886”.

Dom Bosco comunicou aos salesianos a nomeação do padre Rua e dos


demais numa carta circular de 8 de dezembro de 1885,46 cujo timbre trazia,
pela primeira vez, o escudo oficial da Congregação. Nesta carta, Dom Bosco

MB XVII, 258s.
45

MB XVII, 259s; Epistolario IV Ceria, 347-349. Não está claro por que Dom Bosco esperou
46

quase um ano antes de fazer o anúncio oficial.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

também nomeava oficialmente dom Cagliero seu vigário para toda a América
do Sul; não se esqueceria de que Cagliero já atuara como tal ao se estabelecer
ali a obra salesiana em 1875.
A construção da igreja e residência do Sagrado Coração, em Roma, ca-
minhava em bom ritmo.
Naqueles dias, os salesianos chegavam a 636, dos quais 576 eram professos
perpétuos e 60 temporários, trabalhando em 48 casas. Os noviços eram 254.

Desenvolvimento
O Capítulo reuniu-se em Valsálice, de 1o a 7 de setembro de 1886. Os
membros participantes por direito eram 37; da América, apenas dom Lasag-
na esteve presente.47 Moderador era o padre Francisco Cerruti, que continua-
ria como tal em muitos outros Capítulos Gerais. Padre Lemoyne atuou como
secretário; fora nomeado secretário do Capítulo superior no final de 1883.
A carta de convocação, de 31 de maio de 1886, traz a assinatura de
Dom Bosco.48 Dado que chegava ao fim o período de seis anos dos membros
do conselho geral e seria preciso fazer eleições, “cada diretor – escrevia – será
acompanhado por um membro de votos perpétuos, eleito pelos irmãos de
sua casa”. Esses eleitores adicionais não eram membros do Capítulo. Na
mesma carta, Dom Bosco convida os diretores e os eleitores para os exercí-
cios espirituais de preparação, que seriam celebrados em San Benigno, de 25
a 31 de agosto.
A carta traz os temas ou esquemas, alguns do terceiro Capítulo, total ou
parcialmente.

1. Regulamento para as paróquias salesianas, correspondente ao tema terceiro


do III CG.
2. Diretriz a ser dada à seção profissional das casas salesianas e meios para
fomentar as vocações entre os alunos aprendizes (correspondente ao tema
5o do III CG).49

47
Ver a lista dos membros em MB XVIII, 679s (apêndice 34).
48
Lettere Circolari di D. Bosco e di D. Rua ed altri loro scritti ai Salesiani, Turim: Tipografia Sa-
lesiana, 1896, 33-35.
49
Em MB XVIII, 174, apresenta-se o esquema como “Diretrizes para a seção técnica das casas
salesianas...”. O que foi tratado nos Capítulos III e IV era sobre o modo de criar um programa apro-
priado de instrução e aprendizagem para os aprendizes, pelo que a oficina de antigo estilo converteu-se
numa autêntica escola profissional. Como demonstram as diretrizes publicadas, não tinham o sentido
de escola técnica, nem assumiam a reforma Casati (1859) nem qualquer forma moderna. Ver o texto
destes Regulamentos em MB XVIII, 700s (apêndice 39).

435

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Dom Bosco: história e carisma 3

3. Como levar à prática o decreto de Pio IX Regulari disciplinae, que tratava da


admissão ao noviciado e à profissão.
4. Critérios para admitir candidatos às ordens sacras.
5. Modo e meios para estabelecer e equipar as casas de estudo para os clérigos
nas várias inspetorias.
6. Como obter a isenção do serviço militar.
7. Modificações a introduzir-se no diretório geral de nossa sociedade. Enfim,
propostas feitas pelos irmãos.

Tratava-se de um programa desproporcional ao tempo disponível, mas


neste caso o regulador padre Cerruti era um homem muito organizado e
dispôs a assembleia para que chegasse a decisões definitivas sobre os pontos
amadurecidos nos Capítulos anteriores.

Sessão primeira: 2 de setembro


As eleições foram feitas pela manhã. Padre Domingos Belmonte foi eleito
prefeito-geral, substituindo padre Durando, nomeado temporariamente por
Dom Bosco. Padre João Bonetti foi eleito diretor espiritual, substituindo
dom Cagliero. Padre Antônio Sala foi reeleito administrador. Padre Francis-
co Cerruti, nomeado temporariamente por Dom Bosco, foi eleito conselhei-
ro dos estudos para substituir padre Durando. Padre José Lazzero foi eleito
conselheiro para a Formação Profissional, novo cargo proposto no Capítulo
anterior, levando em consideração a nova orientação “que se devia dar ao
componente operário” ou aprendizes, ou seja, a primeira organização da esco-
la de artes e ofícios. Padre Durando foi eleito conselheiro. Dom Cagliero foi
proclamado “diretor espiritual honorário”. O secretário padre Lemoyne foi
eleito membro do capítulo com voto.
À tarde, foram estudados os temas quinto e sétimo, por sua afinidade. To-
mou-se a decisão de enviar alguns salesianos às universidades pontifícias de
Roma para seus estudos em vista da preparação de professores para os estu-
dantados. Os dois primeiros matricularam-se na Universidade Gregoriana no
outono de 1888.

Sessão segunda: 3 de setembro


Pela manhã, estudou-se o modo de obter a isenção dos salesianos do serviço
militar50 e os critérios para a admissão dos candidatos às ordens sacras.51

50
Ver as deliberações e sugestões sobre o serviço militar em MB XVIII, 611s (apêndice 36).
51
Ver as normas para a admissão às ordens em MB XVIII, 692s (apêndice 37).

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Na sessão da tarde, o regulamento para as paróquias salesianas: padre Lasagna,


como relator, aconselhou cautela na aceitação de paróquias e falou da experi-
ência dos salesianos nas paróquias da América do Sul.52
Debate inicial de um programa de estudos e formação para a educação dos
aprendizes nas escolas de artes e ofícios, tema que seria abordado também
durante todo o dia seguinte. O coadjutor José Rossi, sem ser membro do
Capítulo, participou da discussão.

Sessão terceira: 4 de setembro


Numa trabalhosa discussão, longa e animada, foi elaborado o primeiro rascu-
nho do Regulamento para as escolas profissionais salesianas de artes e ofícios.

Sessão quarta: 5 de setembro


Como era domingo e muitos estavam ocupados no ministério pastoral, a ses-
são foi à tarde. Foram estudados os decretos da Santa Sé, que regulamentam
a admissão ao noviciado e à profissão.53

Sessão quinta: 6 de setembro


Debateram-se diversas propostas apresentadas pelos irmãos; a mais impor-
tante, porém, estava centrada no Boletim Salesiano. Foi reforçado o princípio
geral já estabelecido: “O objetivo do Boletim é fomentar o espírito de caridade
entre os cooperadores, a fim de familiarizá-los com as obras estabelecidas ou
que serão estabelecidas em nossa Congregação, como também animá-los na
participação e apoio da obra. Deve ser considerado como o órgão oficial da
própria Congregação”. Foi aprovada uma resolução de quatro pontos sobre
o Boletim.54

Sessão sexta: 7 de setembro


A reunião foi só pela manhã. Falou-se da relação com as Filhas de Maria Au-
xiliadora. O relator, padre Bonetti, informou sobre 5 pontos interessantes em
relação ao tema.55 Em seguida, padre Rua fez algumas recomendações sobre
12 pontos das Constituições, dirigidas principalmente aos diretores.56 Houve
uma moção de encerramento do Capítulo com agradecimento a Dom Bosco,
confiando a ele e ao seu conselho a edição e publicação das atas do Capítulo.

52
Ver MB XVIII, 694s (apêndice 38) para o Regulamento das paróquias salesianas. Entenda-se que
estes complexos Regulamentos tinham caráter indicativo e seriam submetidos a modificações posteriores.
53
Ver os comentários de Ceria sobre estes decretos em MB XVIII, 192s.
54
Sobre o Boletim Salesiano, ver MB XVIII, 185s e A. Lenti, acima.
55
MB XVIII, 188.
56
MB XVIII, 188s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Dom Bosco, já muito debilitado fisicamente, manteve uma presença vi-


gilante e interveio frequentemente na discussão dos temas, esclarecendo com
precisão alguns conceitos, embora sem grandes novidades, pois se tratava de
ideias já expostas em outras ocasiões.
Em carta circular, de 21 de dezembro de 1886, Dom Bosco informava
aos salesianos sobre as eleições e dava algumas recomendações.
Em 2 de junho de 1887, reelaboradas por Dom Bosco e seu conselho,
foram publicadas as resoluções com um prólogo do Fundador. As delibera-
ções capitulares foram distribuídas em seis capítulos: paróquias, ordenações,
coadjutores e aprendizes, oratórios festivos, Boletim Salesiano e isenção do
serviço militar.

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Apêndice

O APELATIVO “SALESIANO”.
DAR A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR

A denominação de salesiano, dada aos sócios e a suas coisas, ressoava repeti-


damente nos ouvidos durante a leitura das atas; isso obrigou Dom Bosco a tocar
num tema sempre delicado, mas extremamente delicado na época.57

- Deveríamos empregar esse termo muito comedidamente. Durante al-


guns anos, ainda não fora introduzido e quase não se sabia o que significasse.
Por ocasião da primeira expedição de nossos missionários, há dois anos, foi
introduzido e estabelecido. Começou-se a falar e falar novamente dos mis-
sionários salesianos pela Europa e pela América, a imprimir e reimprimir, em
livros e jornais, acontecimentos e coisas dos missionários salesianos, e assim
esse nome foi introduzido. Era necessário nos anos passados; fazia falta que
a Congregação assumisse um nome fixo. O de São Francisco de Sales é um
nome querido para a Igreja e para as instituições civis; é o santo da mansi-
dão, virtude que mesmo os maus apreciam sumamente; é o santo que toma-
mos como patrono principal. Como também a palavra soa bem, acreditou-se
como oportuno adotá-lo. O que temos de fazer agora é não lhe dar demasiada
importância. É preciso que tomemos alguma precaução a respeito. E, antes
de tudo, quando se manda imprimir um livro, não se acrescente sacerdo-
te salesiano ou Congregação Salesiana. Assim se fez até agora e isso não é
nada; isso poderia continuar em determinadas circunstâncias especiais; mas
em geral não se faça assim. Se o autor do livro for um diretor de colégio pode
colocar muito oportunamente: diretor do colégio salesiano, porque essa atri-
buição é pessoal e serve para dar a conhecer o colégio e aumentar a sua fama;
fazer mais [do que isso] atrairia inveja, hostilidade e até perseguições públicas
e privadas. Agora, porém, deu-se um passo muito audacioso ao fixar o nome
57
O cursivo é dos editores

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Dom Bosco: história e carisma 3

do Boletim, que se envia aos nossos cooperadores. É um passo audacioso, de-


vemos dizê-lo, mas estudado. Era necessário dar-nos a conhecer, e em nosso
verdadeiro sentido. Até agora, graças a Deus, tudo o que se publicou a nosso
respeito, foi publicado corretamente. O pouco que os inclinados a fazer o mal
publicaram contra nós consistiu em acusações ou fatos particulares, que ain-
da não arruinaram de modo algum o caminho geral da nossa Congregação.
Essa é uma grande coisa, que não sejamos mal-interpretados, mas possamos
ser conhecidos exatamente pelo que somos. Quero esperar que o Boletim,
impresso precisamente para dar a conhecer a nossa finalidade, ajudará muito
para obter esse efeito e apresentará, sob o verdadeiro ponto de vista, as princi-
pais coisas que sucessivamente acontecem na Congregação. Nossa finalidade
é dar a conhecer que se pode dar a César o que é de César, sem jamais com-
prometer alguém; e isso não nos impede minimamente de dar a Deus o que
é de Deus. Diz-se, em nossos tempos, que isso é um problema, e eu, assim
querendo, acrescentarei que, talvez, seja o maior dos problemas, mas que já
foi resolvido pelo nosso divino Salvador Jesus Cristo. Na prática, apresentam-
-se sérias dificuldades, é verdade; procure-se, pois, o modo de vencê-las, não
só deixando intacto o princípio, mas com razões e provas e demonstrações
dependentes do princípio e de tal modo que expliquem o mesmo princípio.
Meu grande pensamento é este: estudar um modo prático de dar a César o
que é de César, ao mesmo tempo em que se dá a Deus o que é de Deus.
- Contudo, diz-se, que o governo apoia os maiores perversos, e, às vezes,
difundem-se doutrinas falsas e princípios errôneos.
- Pois bem, nós diremos que o Senhor nos manda obedecer e respeitar
os superiores etiam discolis (até os maus), enquanto não mandem coisas clara-
mente ruins. E mesmo no caso de que mandassem coisas ruins, nós os respei-
taremos. Não se fará o que é ruim, mas se continuará a respeitar a autoridade
de César, exatamente como diz São Paulo, que se obedeça à autoridade por-
que traz a espada. Não há ninguém que não veja as más condições em que se
encontram a Igreja e a Religião nestes tempos. Eu creio que desde São Pedro
até nós jamais houve tempos tão difíceis. A técnica é refinada e os meios são
imensos. Nem as perseguições de Juliano, o apóstata, eram tão hipócritas e
danosas. E com isso? Com isso, nós buscaremos em tudo a legalidade. Se nos
forem impostos tributos, nós os pagaremos; se já não se admitem as proprie-
dades coletivas, nós as teremos individuais; se pedem exames, nós cedemos;
se títulos ou diplomas, far-se-á o possível para obtê-los. E assim por diante.
- Isso, porém, requer trabalhos e gastos: cria desordens!
- Nenhum de vós pode vê-lo como eu o vejo. Antes, a maior parte das
confusões nem sequer vos menciono, para não vos assustardes. Suo e trabalho

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

todos os dias para ver o modo de corrigi-las e sair dos prejuízos. Entretanto,
deve-se ter paciência, saber suportar e, em vez de encher o ar de queixas e
lamentos, trabalhar mais do que se possa imaginar, para que as coisas conti-
nuem a caminhar bem. Tendes aí o que se entende por sermos, aos poucos,
conhecidos e praticamente com o Boletim Salesiano. Faremos prevalecer este
princípio; com a graça de Deus, e sem dizer muitas palavras diretamente, [o
Boletim] será fonte de imensos bens para a sociedade civil e eclesiástica.58

O II CAPÍTULO GERAL NAS PALAVRAS DO PADRE CERIA

Padre Ceria não chegou a ler as atas do II CG, mas parece-nos interessante
conhecer o que ele escreveu sobre o Capítulo, baseando-se na documentação que
tinha, e, sobretudo, nas declarações de um dos participantes desse Capítulo. Re-
produzimos os comentários do padre Ceria e a carta do padre Rocca.

“Ao II Capítulo Geral – escrevia o padre Ceria – cuja convocação cor-


respondia precisamente ao ano 1880, não podemos dedicar muitas páginas
como ao primeiro, pois até agora não nos foi possível ter em mãos as atas do
mesmo, que ou não foram redigidas formalmente ou se extraviaram”. “Da-
queles que dele participaram só um sobrevive, padre Ângelo Maria Rocca,
na ocasião diretor da casa de La Spezia. Das vagas recordações que, a duras
penas, conserva do remoto acontecimento, parece que se pode deduzir que
as coisas foram feitas um tanto improvisadamente. Os capitulares reuniram-
-se em Lanzo, como na vez anterior, no mês de setembro, mas Dom Bosco,
diversamente da outra vez, não acreditou de modo algum que fosse neces-
sário antepor uma grande preparação. Acrescenta-se a isso que muitos dos
novos diretores e delegados, por serem muito jovens, ainda não estavam
capacitados para alguma colaboração importante nas discussões, segundo
escreve padre Ângelo Rocca; os mais velhos, também, observa o mesmo, de-
monstravam o aspecto de pessoas cansadas e carentes de repouso. Tampouco
se vê que nos temas tratados houvesse novidades apropriadas para suscitar
interesse especial ou que requeressem estudos sérios. A conclusão mais im-
portante foi que, no final, de comum acordo, todos os assuntos foram con-
fiados ao Capítulo superior para que este continuasse o trabalho e redigisse
as deliberações definitivamente”.
A carta do padre Rocca não lança nenhuma luz sobre a informalidade
deste Capítulo. Padre Ceria serve-se muito seletivamente das informações ali
58
Cf. MB XIII, 287s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

contidas. Os primeiros Capítulos Gerais confiavam a elaboração dos materiais


tratados a Dom Bosco e seu conselho.
Padre Ceria continua: “Restaram apenas três documentos deste Capítu-
lo Geral”; e os enumera com comentários.
O primeiro é a carta de convocação, em que também se notifica que, es-
tando para cessar o tempo do próprio cargo, todos os membros do Conselho
Superior, exceto o Reitor-Mor, se procederia a novas eleições.
O segundo documento é a circular escrita em latim por Dom Bosco aos
diretores e demais superiores de cada casa.
O terceiro, o mais importante, é o folheto intitulado Deliberações, publi-
cado dois anos depois. Sobre o folheto, escreve padre Ceria:
“Da análise e do cotejo [com o I CG], salta facilmente aos olhos que o
II Capítulo Geral não foi senão uma revisão e um complemento do primeiro.
A revisão levou a modificar ligeiramente alguns pontos ditados pela expe-
riência; o complemento introduziu poucos acréscimos, que anteriormente
ficaram em suspenso. As quatro cláusulas provisórias de 1877, que formavam
o pequeno capítulo do estudo dos salesianos, deram lugar a dois belos capí-
tulos: estudos eclesiásticos e estudos filosóficos e literários. Além dos regula-
mentos anteriores, retocados ou ampliados para o inspetor, para os diretores,
para os Capítulos Gerais e para a direção das irmãs, acrescentaram-se outros
dois, cuja matéria já era objeto de estudo desde 1877, ou seja, o regulamento
para a eleição dos membros do Capítulo superior e dos ofícios de cada mem-
bro. Eis aqui, portanto, como tudo nos explica a razão pela qual, diante dos
próprios capitulares e dos sócios, o II Capítulo Geral não tenha revestido a
solenidade do primeiro”.
Note-se, novamente, que Dom Bosco considerava o II CG como con-
clusão do primeiro, considerado por ele incompleto; e o quadro comparativo
das Deliberações indica que foi assim. Contudo, por causa da sua brevidade –
e estado de espírito? – II CG não conseguiu muito. Entretanto, a elaboração
posterior de Dom Bosco e seu conselho durante os dois anos seguintes pro-
duziu uma série de normas revistas e atualizadas sobre a vida e as estruturas
da Congregação.
Na apresentação aos salesianos do novo manual das Deliberações, Dom
Bosco escreveu: “O crescimento da nossa Pia Sociedade na Europa e América
do Sul é um sinal seguro de que Deus a abençoa de modo muito especial. Por-
tanto, cada salesiano veja como ser sempre mais digno da graça de Deus pelo
espírito de oração, pela obediência e pelo sacrifício. Podemos alcançar este es-
pírito com a observância exata de nossas Constituições e destas deliberações”.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Carta do padre Ângelo Maria Rocca ao padre Eugênio Ceria59

Cuorgnè, 16 de maio [18?] de 1932.


Querido padre Ceria:
Respondo com muito gosto à sua nota de boas-vindas do [dia] 15. Procurarei
relatar, depois de tantos anos, o pouco que posso recordar do Capítulo Geral
de 1880.
O Capítulo foi celebrado em Lanzo, no início de setembro. Por causa do
pequeno número de participantes, se reuniram no segundo andar do novo
edifício escolar, num local situado sobre o pórtico, local que depois foi dividi-
do: uma parte para o salão e outra como capela das irmãs.
Sua percepção de que esse Capítulo foi realizado um tanto improvisadamen-
te, em comparação com a seriedade do I CG, é absolutamente correta. Foi
muito informal.
Muitos de nós, os diretores, éramos muito jovens e inexperientes para poder
opinar e ajuizar sobre assuntos dos quais não estávamos muito bem infor-
mados. Consequentemente, quase sempre nos sentávamos em silêncio, sem
nos atrevermos a falar sobre o que se estava discutindo. Recordo que tive a
sensação de que, também os diretores de mais idade estavam mal preparados
ou cansados, pois estavam como que irritados.
Recordo que no dia 8 de setembro, festa da Natividade de Maria (na época,
festa obrigatória) e tanto no domingo anterior como no posterior, alguns sacer-
dotes foram a Turim para dizer missa. Nosso Venerável [fundador] desgostou-se
muito com essas ausências e, mais tarde, com suavidade, expressou sua decep-
ção, porque o trabalho que o Capítulo realizara não caminhara nesses dias.
Em sua nota, o senhor especula sobre as ausências prolongadas do nosso Ve-
nerável no Capítulo. Não tenho qualquer lembrança disso. Creio que uma
vez, talvez duas vezes, ele não pôde assistir a uma sessão, porque nesse mo-
mento fora chamado por alguma pessoa importante.

59
ASC D578: FDB 1859 A12-B2. Padre Ângelo Maria Rocca (1853-1943) entrou no Orató-
rio em 1875 e foi ordenado no ano seguinte. De 1877 a 1901, foi diretor em várias casas salesianas.
Devido a uma enfermidade, retirou-se para Cuorgnè, de onde escreveu a carta. Quando participou
do II CG (1880), tinha 27 anos e era diretor da casa de La Spezia. Padre Ceria, enquanto trabalhava
nas Memórias Biográficas, em 1932, escreveu-lhe, sendo o único membro do Capítulo ainda vivo, para
solicitar suas lembranças. A presente carta foi sua resposta, à qual o padre Ceria se refere em MB XIV,
519, como as recordações do padre Rocca.

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Dom Bosco: história e carisma 3

O que me surpreende é que esta minha cabeça não conservou nenhuma lem-
brança da presença do reverendo padre Rua. Contudo, estou certo de que ele
participou ativamente em todos os debates em andamento.
Em minha opinião, a falta de interesse e o tipo de indiferença que marcaram
as sessões e os debates do Capítulo se devem principalmente a uma só pessoa:
padre Barberis. Certamente, o pobre homem agiu e falou pensando no bem
da Congregação e o êxito do Capítulo, mas o fez de uma maneira que desin-
teressou os demais. Queria ser protagonista o tempo todo, insistia até que
prevalecesse seu ponto de vista; encontrava falhas no que as outras pessoas
propunham; intervinha sempre quando outros estavam falando; interrompeu
o próprio Dom Bosco. Afinal, Dom Bosco, aborrecido com seus modos tão
grosseiros, precisou dirigir algumas palavras adequadas ao padre Barberis em
idioma piemontês. Todos riram e creio que ele tomou nota.
O Capítulo, todavia, já estava chegando ao seu fim. Várias propostas nem
sequer chegaram a ser apresentadas. Outras questões foram tratadas apressa-
damente, sem chegar a qualquer conclusão. Terminamos (e todos estiveram
de acordo) confiando tudo ao Capítulo superior. Nosso Venerável alegrou-se
muito por isso. Creio que as decisões deste Capítulo não foram publicadas
separadamente, até que foram publicadas mais tarde com os demais Capítu-
los. Recordo que, quando surgiu a decisão de entregar todas as matérias do
Capítulo ao Capítulo superior, alguns membros não estavam muito de acor-
do com isso. Contudo, o debate terminou de forma pacífica e com perfeita
caridade.
Assim, pois, nos despedimos de nosso pai comum e do padre Rua, levando
conosco as mais gratas recordações de suas palavras, exortações e bênçãos.
Não posso recordar mais nada. Sinta-se livre e utilize esta memória como
melhor lhe parecer. Decidi-me a escrevê-la para merecer, como o senhor me
garantiu que aconteceria, a bênção de nosso Beato Dom Bosco. Tudo o que
escrevi é verdade; nada é exagerado.
Por favor, aceite meus mais respeitosos bons desejos. Memento mei.
Seu querido irmão.
Padre Ângelo Maria Rocca
PS: Gostaria de acrescentar outra lembrança. Às vezes, enquanto padre
Barberis falava, alguns dos membros mais jovens (incluindo-me, confesso)
continuavam a falar de coisas irrelevantes, fazendo piadas e rindo. Tanto era
assim que fomos chamados à ordem para que voltássemos ao trabalho, não
me recordo por quem.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

O ESCUDO SALESIANO

História e conteúdos
Antes do IV Capítulo Geral, em 24 de setembro de 1885, Dom Bosco
fez várias nomeações em seu conselho para cobrir os encargos vacantes cria-
dos pela nomeação do padre Rua como vigário. Com uma circular, de 8 de
dezembro de 1885, ele comunicou essas nomeações aos salesianos. Para isso
utilizou um papel de carta que trazia pela primeira vez o escudo salesiano.
Qual a sua origem e o seu desenvolvimento histórico?

O carimbo
Até 1884, a Congregação Salesiana, diversamente de outras famílias re-
ligiosas, não tinha um escudo oficial próprio. Antes de aparecer na carta de
Dom Bosco, em 1885, utilizava-se um carimbo nos documentos oficiais e
nas cartas.
O carimbo era um objeto redondo de uma polegada e um quarto de
diâmetro. No centro, havia a imagem de São Francisco de Sales, com o busto
de frente, enquadrado por dois ramos de louro na parte inferior. Acima da
imagem, ao redor da borda, figuravam as palavras “Societas Salesiana”. Embai-
xo da figura, também ao redor do círculo, um texto dizia: “Discite a me quia
mitis sum” (Mt 11,29: “Aprendei de mim que sou manso”), aplicado neste
caso a São Francisco de Sales.

Primeiro desenho
Em 1884, foi preparado um escudo adequado. Padre Antônio Sala apre-
sentou o esboço preliminar ao Capítulo superior em 12 de setembro de 1884.
Ele era o ecônomo geral da Congregação e, no momento, encarregava-se em
Roma da construção da igreja do Sagrado Coração e do colégio anexo para
internos. A ideia surgiu da sugestão de uma autoridade eclesiástica de Roma.
Considerava-se oportuno e importante que aparecesse entre os escudos de
Pio IX e Leão XIII, na basílica do Sagrado Coração.
O desenho original foi obra do professor Boidi. Mostrava um broquel
no qual o escudo ou campo se dividia verticalmente por uma âncora de gran-
de dimensão. À direita da âncora (esquerda do leitor) estava o busto de São
Francisco de Sales, iluminado por uns raios que vinham do alto, e do outro
lado um coração em chamas. Sob a âncora havia um bosque com montanhas
cobertas de neve, visível ao fundo. Dois ramos de palmeira e o laurel com

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Dom Bosco: história e carisma 3

ramos entrelaçados na parte inferior marcavam o escudo oval. Ao fundo,


uma faixa flutuante trazia a legenda: “Sinite parvulos venire ad me” (Mt 19,14:
“Deixai que as crianças venham a mim”).60

Escudo heráldico salesiano (1884-1934).

Modificações de Dom Bosco


Quando o assunto foi abordado no Capítulo superior, o lema, “Deixai
que as crianças venham a mim”, foi logo deixado de lado, pois era utilizado
por outros. Padre Barberis, catequista geral, sugeriu que se mudasse por Tem-
perança e Trabalho; padre Celestino Durando, conselheiro-geral dos estudos,
preferiria Maria, Auxilium christianorum, ora pro nobis. Dom Bosco encerrou
o debate dizendo: “Nos primeiros anos da minha obra já se adotara um lema,
quando eu ainda participava do colégio eclesiástico e visitava as prisões: “Da
mihi animas, cetera tolle!”. Todos concordaram e aplaudiram; e o histórico
lema foi adotado.
Dom Bosco não apreciava a colocação de uma estrela no alto do escudo,
porque lhe parecia semelhante ao emblema da maçonaria. Substituiu-a, en-
tão, por uma cruz radiante que saía da coroa de rosas que rematava o escudo.

Ver uma breve descrição em MB XVII, 280, 365s; Annali I, 530. O professor Boidi, amigo
60

e colaborador dos salesianos, era professor de desenho técnico na escola de São João Evangelista em
Turim. Em 1877, desenhou as portas da igreja de São João Evangelista que Dom Bosco construía em
memória de Pio IX.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

A estrela foi inserida, então, sobre o campo à esquerda da âncora e sobre o


coração em chamas, e foi-lhe dada a cauda de um cometa. Uniram-se, assim,
os símbolos das três virtudes teologais: estrela, âncora e coração.
Com essas modificações, ficou fixado de forma permanente o escudo da
Congregação Salesiana. Dom Bosco utilizou-o pela primeira vez de forma
oficial no cabeçalho da circular de 8 de dezembro de 1885, em que anunciava
a nomeação do padre Rua como vigário.61 A carta devia ser lida aos irmãos
em todas as comunidades. Padre Francésia leu-a publicamente do púlpito da
igreja de Maria Auxiliadora.

Modificações de 1934
Por ocasião da canonização de Dom Bosco, o escudo salesiano foi “reto-
cado”, sem alterações significativas.
O lema Da mihi animas, cetera tolle, numa faixa ondulante na base do
escudo, foi mantida sem alterações. As figuras simbólicas no campo também
foram mantidas, exceto em suas cores, que as tornaram mais reais, e a simpli-
ficação da cauda do cometa.
Algumas pequenas modificações interessaram o escudo e a ornamentação:
- A forma de pergaminho modelado do escudo ficou mais ornamentada.
- A forma oval original tornou-se mais arredondada.
- A cor do campo foi mudada de azul intenso com incisões horizontais
por um sólido azul celeste.
- A coroa de rosas que arremata o escudo sob a cruz radiante foi subs-
tituída por dois grandes ramos de rosas entrelaçados com folhas de carvalho
na mesma posição.
- A cruz foi duplicada de tamanho.
- Na borda do escudo foram postos adornos barrocos adicionais.
Assim modificado, o escudo salesiano foi mantido sem alterações até
nossos dias.

Significado espiritual
Mesmo depois de cem anos de seu primeiro desenho, o escudo ainda
merece atenção, não tanto pelo seu caráter heráldico, que é respeitável, mas
principalmente pela espiritualidade encarnada pelo seu lema e seus símbolos.

61
MB XVII, 257s; Epistolario IV Ceria, 347-349.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em conjunto, estes elementos refletem claramente os objetivos principais da


atividade incessante de Dom Bosco e o programa pastoral e espiritual que
desejava deixar aos seus salesianos.

Lema
Dom Bosco recusou várias vezes algumas propostas que lhe foram feitas;
ao oferecer a sua, disse que teve “um lema desde os primeiros tempos do Ora-
tório [...]: Da mihi animas, cetera tolle! Essa era, de fato, a inscrição colocada
por ele à porta de seu quarto e que chamou a atenção de Domingos Sávio:
“Agora estou entendendo: aqui se trata de almas”. Do ponto de vista pastoral,
o lema expressa a prioridade que deve dar sentido a todas as obras salesianas.

Fonte original e sentido literal


A fonte original desta oração é bíblica (Gn 14,25). O livro do Gêne-
sis, capítulo 14, relata que uma coalizão de 4 reis organizou uma expedição
contra Sodoma e outras 4 cidades junto ao Mar Morto. Levaram o butim e
os prisioneiros que viviam em Sodoma, inclusive Ló, sobrinho de Abraão.
Contudo, Bara, rei de Sodoma, escapou com alguns de seu povo e fugiu para
as colinas. Quando Abraão ouviu falar da incursão, reuniu seus homens, per-
seguiu e derrotou os invasores, e recuperou o butim e as pessoas. Ao seu re-
gresso, Melquisedec, rei de Salém, encontrou-se primeiramente com Abraão.
Então o rei Bara também desceu das colinas para reunir-se com Abraão e
pediu-lhe para devolver os prisioneiros: “Dá-me as pessoas, mas toma para ti
tudo o mais”. Abraão devolveu-lhe tanto os prisioneiros como o butim.

Interpretação espiritual
O sentido literal do texto bíblico não expressa uma prioridade pastoral,
mas devia ser interpretado em sentido espiritual. Esta é a interpretação tra-
dicional. Por exemplo, no comentário do Gênesis atribuído a São Remígio,
arcebispo de Reims (século V-VI) ou ao diácono Floro de Lyon (†860), le-
mos: Da mihi animas! Interpreta-se em sentido espiritual e místico (PL 131,
85 D). Ruperto de Deutz faz a mesma interpretação em seu In Genesim XIV
(PL 167, C 380-381 B): “Da mihi animas. Interpretado espiritualmente, a
passagem refere-se à pessoa cristã”. São Máximo, bispo de Turim (século V),
escreveu em suas Homilias: “A Palavra revelada deve ser entendida em sentido
interior e espiritual. Esta é a única maneira com que se pode iluminar o povo.
Se as Escrituras não forem entendidas espiritualmente, suas riquezas não po-
derão chegar ao coração humano”.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Adaptação ascética
O lema chegou a Dom Bosco, adaptado no sentido ascético que adquirira
nos escritos mais recentes, aos quais teve acesso. A interpretação foi atribuída
a São Francisco de Sales, mas essa adaptação não se encontra em nenhum dos
escritos conhecidos do santo. Dom João Pedro Camus, bispo de Belley, em sua
obra O espírito de São Francisco de Sales, coloca essas palavras na boca de São
Francisco. As palavras também são citadas pelo padre José Cafasso e outros
escritores ascéticos contemporâneos; encontram-se na Forma Cleri e na Regula
Cleri, de 1752, dois livros que, segundo padre Berto, Dom Bosco usava com
frequência para sua meditação diária. Lê-se na Regula Cleri: “Ó, Senhor, aman-
te das almas, dá-me uma parte desse amor, para que eu possa dizer com toda
sinceridade e fervor: ‘Da mihi animas, coetera tolle tibi’ ”.62

Os símbolos e seu significado


Se o lema expressa a prioridade espiritual, ascética e pastoral que orienta
Dom Bosco e seus salesianos, os símbolos expressam várias ideias religiosas
importantes e vários motivos espirituais.

As imagens sobre o escudo ou campo do escudo


1. A imagem de São Francisco de Sales, inspirada numa pintura con-
servada pelas monjas da Visitação, de Turim, recorda o patrono da
Congregação, principalmente a sua bondade. Acrescentaram-se ao
retrato uma pena e papel, talvez para indicar, no caso de São Fran-
cisco, a atividade do santo como escritor espiritual e apologista;
em nosso caso, a importância atribuída por Dom Bosco à palavra
escrita e ao apostolado da imprensa.
2. A âncora é símbolo da estabilidade e da fidelidade em meio ao mar
agitado. Como confiança na segurança de um navio e seus mari-
nheiros numa tormenta, é símbolo da esperança. Aparece como
símbolo na arte cristã antiga (catacumbas) e assim é entendida pelos
antigos escritores cristãos. Santo Agostinho escreve: “Esperança no
Deus vivo: é aí onde vós deveis fixar vossa esperança; é aí onde vosso
coração deve ficar firmemente ancorado; não aconteça que as tor-
mentas do mundo vos destrocem” (Sermão 177: PL 33,958).

62
Sobre o lema, sua fundamentação bíblica e sua aplicação apostólica, ver R. Vicent, “‘ Da mihi
animas, cetera tolle’: una reflexión bíblica sobre Génesis 14,21 y la figura de Abrahán”, CFP 13 (2007),
27-45; M. Wirth, “‘ Da mihi animas, cetera tolle’: notas sobre las interpretaciones exegéticas y el empleo
espiritual de Génesis 14,21”, CFP 13 (2007), 133-153; A. Giraudo, “‘Da mihi animas, cetera tolle’: del
lema a la interioridad y al estilo de vida”, CFP 13 (2007), 155-177.

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Dom Bosco: história e carisma 3

3. A estrela como fonte luminosa é, para os cristãos, símbolo da


luz, da luz da fé. Concretamente, a estrela da manhã é o símbo-
lo de Cristo: “Eu, Jesus [...] sou a estrela brilhante da manhã”
(Ap 22,16). Vêm também à mente alguns textos proféticos: “Uma
estrela sairá de Jacó” (Nm 24,17, profecia de Balaão); “De pé!
Deixa-te iluminar! Chegou a tua luz! [...] Sobre ti brilha o Senhor,
sobre ti aparece sua glória” (Is 60,1-2). Esta simbologia também
está representada na arte cristã primitiva. No escudo salesiano, a
estrela com cauda de cometa pode ter a intenção de referir-se à
estrela que conduziu os reis Magos à luz da fé (Mt 2,2.10).
4. O coração inflamado representa a caridade ardente. Na tradição
bíblica, o coração é símbolo do homem interior, a sede da vida
afetiva de uma pessoa, da inteligência e da sabedoria. No escudo
salesiano, seria o símbolo da ardente caridade pastoral.
5. Portanto, estrela, âncora e coração representam as três virtudes teo-
logais da fé, esperança e caridade. Contudo, deve-se assinalar que
a estrela e o coração também podem indicar a intenção de repre-
sentar Maria e Cristo. Não se deve esquecer que, no momento da
adoção do escudo, Dom Bosco estava construindo a igreja do Sa-
grado Coração em Roma, do mesmo modo que construíra a igreja
de Maria Auxiliadora dos cristãos uns vinte anos antes.
Os bosques na parte inferior do campo trazem à mente o sobreno-
me Bosco do fundador.
6. As montanhas coroadas de neve são um símbolo da transcendên-
cia. Na Bíblia, as montanhas são lugares de teofania. Como sím-
bolos de um ascetismo prático, significam os cumes da perfeição
aos quais os membros da Congregação devem tender.

A ornamentação
1. O ramo de palmeira, antigo símbolo cristão, documentado na lite-
ratura e na arte, representa a recompensa reservada a uma vida sa-
crificada e virtuosa. Também representa o martírio. São Gregório
Magno (século VI) escreve: “Assim como a palma era oferecida ao
‘campeão dos jogos’, também será dada ao cristão que em sua vida
terrena alcançar a vitória sobre Satanás e suas próprias paixões”
(Diálogos 3,26).
2. O ramo de louro também simboliza a vitória, assim como a sabedoria.
3. As rosas sob a cruz podem ter a intenção de recordar o sonho de
Dom Bosco do caramanchão de rosas (rosas e espinhos), sonho
que representa a situação real da vida do salesiano.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

4. Enfim, a cruz radiante trifoliada domina sobre o escudo. A espi-


ritualidade salesiana e o trabalho como consequência da caridade
são colocados, portanto, sob o sinal da cruz vitoriosa de Cristo.

CAPÍTULOS GERAIS DA CONGREGAÇÃO SALESIANA.


VISÃO PANORÂMICA

Sob o reitorado de Dom Bosco


I CG: 1877
Lanzo Torinese, de 5 de setembro a 5 de outubro. Sessão efetiva de
trabalho: uns 13 dias. 23 participantes; 240 salesianos.

II CG: 1880
Lanzo Torinese, de 3 a 15 de setembro: 13 dias. 27 participantes;
405 salesianos.
Regulamento especial.

III CG: 1883


Valsálice (Turim), de 2 a 7 de setembro: 5 dias. 35 participantes;
520 salesianos.
Regulamentos e normas. Começa o trabalho sobre a formação dos
irmãos e as escolas profissionais. Cria-se o cargo de conselheiro para
as escolas de Formação Profissional.

IV CG: 1866
Valsálice (Turim), de 1o a 7 de setembro: 6 dias. 37 participantes;
635 salesianos.
Regulamentos e normas. Legisla-se sobre a formação dos irmãos e as
escolas de Formação Profissional.

Sob o reitorado do padre Rua


V CG: 1889
Valsálice (Turim), de 2 a 6 de setembro: 4 dias. 44 participantes;
881 salesianos.
Formação dos salesianos.

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Dom Bosco: história e carisma 3

VI CG: 1892
Valsálice (Turim), de 29 de agosto a 6 de setembro. 8 dias. 69 par-
ticipantes; 1.225 salesianos.
Estudo e piedade.

VII CG: 1895


Valsálice (Turim), de 4 a 7 de setembro; 4 dias. 93 participantes;
1.735 salesianos.
Recompilação de regulamentos e a educação.

VIII CG: 1898


Valsálice (Turim), de 29 de agosto (meio-dia) a 3 de setembro: 5
dias. 146 participantes de direito, mais 71 delegados, só para as
eleições; 2.322 salesianos.
Padre Rua é eleito Reitor-Mor para um segundo período em 30 de
agosto de 1898.
Irregularidade descoberta. Ordena-se a nova edição das Constitui-
ções. Padre Rua deve buscar a sanatio da Santa Sé.

IX CG: 1901
Valsálice (Turim), de 1o a 5 de setembro: 4 dias. 154 participantes;
2.916 salesianos.
Noviciados e casas de formação. Sanatio obtida da Santa Sé, “uma
vez por todas” para todos os atos irregulares anteriores (1902).

X CG: 1904
Valsálice (Turim), de 23 de agosto a 13 de setembro: 21 dias. 75
participantes, entre eles, pela primeira vez, um coadjutor; 3.223
salesianos.
De acordo com as Constituições, reduz-se o número de participantes.
As Constituições são atualizadas com 109 artigos adicionais
orgânicos e os regulamentos; publica-se uma edição impressa
(1907). Os Capítulos Gerais, desde então, serão celebrados a
cada seis anos.
[Padre Rua faleceu em 6 de abril de 1910.]

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Sob o reitorado do padre Albera


IX CG: 1910
Valsálice (Turim), de 15 a 31 de agosto: 16 dias. 73 participantes;
4.001 salesianos.
Padre Paulo Albera, diretor espiritual geral, é eleito Reitor-Mor em
16 de agosto de 1910, aos 65 anos. Revisão dos Regulamentos.
[Por causa da Primeira Guerra Mundial em curso, a celebração do
capítulo é adiada. Padre Albera falece em 29 de outubro de 1921.]

Sob o reitorado do padre Rinaldi


XII CG: 1922
Valdocco (Turim), de 23 de abril a 9 de maio: 16 dias. 64 partici-
pantes; 4.733 salesianos.
Padre Felipe Rinaldi, prefeito geral, é eleito Reitor-Mor em 24 de abril
de 1922, aos 65 anos. Revisão das Constituições e Regulamentos.

XIII CG: 1929


O Capítulo foi adiado em vista da beatificação de Dom Bosco.
Valsálice (Turim), de 8 a 20 de julho: 12 dias. 88 participantes;
7.170 salesianos.
Estudam-se e regulamentam-se os estudos, as escolas e as missões.
[Padre Felipe Rinaldi falece em 5 de dezembro de 1931.]

Sob o reitorado do padre Ricaldone


XIV CG: 1932
Oratório de Valdocco (Turim, igreja de São Francisco de Sales), de
16 a 18 de maio: 2 dias. 87 participantes; 8.350 salesianos.
Padre Pedro Ricaldone, prefeito geral, foi eleito Reitor-Mor em 17
de maio de 1932, aos 61 anos. Baseando-se numa possível inter-
pretação de alguns artigos das Constituições, padre Ricaldone, logo
após sua eleição, dissolveu o Capítulo.

XV CG: 1938
Instituto Conde Rebaudengo (Turim), de 23 de junho a 6 de julho:
13 dias. 105 participantes; 11.401 salesianos.
Eleições de conselheiros. Trata-se e legisla-se sobre as casas de formação.

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Dom Bosco: história e carisma 3

XVI CG: 1947


Fora adiado por causa da Segunda Guerra Mundial e suas sequelas.
Valsálice (Turim), de 24 de agosto a 11 de setembro: 18 dias. 111
participantes; 13.583 salesianos.
Eleições: padre Ricaldone é reeleito Reitor-Mor aos 76 anos. O Ca-
pítulo superior, ampliado com o acréscimo de dois conselheiros, de
3 a 5. As obras de caridade.
[Padre Ricaldone falece em 25 de novembro de 1951.]

Sob o reitorado do padre Ziggiotti


XVII CG: 1952
Valdocco (Turim), de 31 de julho a 14 de agosto: 14 dias. 102 par-
ticipantes; 15.732 salesianos.
Padre Renato Ziggiotti, prefeito geral, eleito Reitor-Mor em 2 de
julho de 1952, aos 60 anos. As escolas profissionais e as missões são
os principais temas.
O transporte aéreo permite ao padre Ziggiotti visitar os salesianos
do mundo inteiro.

XVIII CG: 1958


Oratório de Valdocco (Turim), de 27 de julho a 9 de agosto: 13
dias. 119 participantes; 18.378 salesianos.
O tema principal são os Exercícios espirituais e as práticas de piedade.

Sob o reitorado do padre Ricceri


XIX CG: 1965
Por solicitação do padre Ziggiotti, o Capítulo fora adiado para que
a construção do PAS (Pontifício Ateneu Salesiano) pudesse ser con-
cluída. Foi celebrado entre a terceira e quarta, última, sessão geral
do Concílio Vaticano II.
Foi realizado no PAS (Roma), de 19 de abril a 10 de junho: 53 dias.
151 participantes; 21.185 salesianos.
Padre Luís Ricceri, conselheiro para os salesianos cooperadores, elei-
to Reitor-Mor, em 24 de abril de 1965, aos 64 anos, depois que
padre Ziggiotti não se apresentou para a reeleição. A partir de então,

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

o Reitor-Mor é eleito por um período de seis anos; primeira revisão


das Constituições como parte da adaptação e renovação.
Foram criados os conselheiros regionais.

XX CG Especial: 1971-1972
Casa Geral, recém-construída (Roma), para onde oficialmente se
transferirá de Turim a direção geral, em 1o de junho de 1972.
De 10 de junho de 1971 a 5 de janeiro de 1972: 206 dias; o
Capítulo mais longo da história salesiana. 202 participantes;
19.737 salesianos.
Padre Luís Ricceri, reeleito Reitor-Mor aos 70 anos.
Tema principal: a identidade salesiana. Novas Constituições e Re-
gulamentos vigentes ad experimentum. Reestrutura-se o governo
central da Congregação, segundo o que foi disposto pelo Capítulo.

Sob o reitorado do padre Viganò


XXI CG: 1977-1978
Casa Geral (Roma), de 31 de outubro de 1977 a 12 de fevereiro de
1978: 103 dias. 184 participantes; 16.928 salesianos.
Padre Egídio Viganò, conselheiro para a formação, eleito Reitor-Mor
em 24 de outubro de 1977, aos 57 anos; padre Ricceri retirara-se.
Tema principal: avaliação e possibilidades futuras da obra salesiana.
Missões e Projeto África I (1975). Família Salesiana (1977).
As Constituições e os Regulamentos são revistos pela segunda vez.

XXII CG: 1984


Casa Geral (Roma), de 14 de janeiro a 12 de maio: 120 dias. 186
participantes; 16.921 salesianos.
Padre Egídio Viganò é reeleito Reitor-Mor aos 63 anos.
Texto definitivo das novas Constituições e Regulamentos. Projeto
África II.

XXIII CG: 1990


Casa Geral (Roma), de 9 de março a 5 de maio: 58 dias. 205 parti-
cipantes; 16.984 salesianos.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre Egídio Viganò, reeleito Reitor-Mor aos 69 anos.


Tema principal: educar os jovens na fé.
[Padre Egídio Viganò falece em 23 de junho de 1995.]

Sob o reitorado do padre Vecchi


XXIV CG: 1996
Casa Geral (Roma), de 19 de fevereiro a 20 de abril: 62 dias. 208
participantes; 16.919 salesianos.
Padre João Edmundo Vecchi, vigário-geral, eleito Reitor-Mor em
20 de março de 1996, aos 64 anos.
Tema principal: salesianos e leigos; comunhão e participação no es-
pírito e na missão de Dom Bosco.
[Padre João Edmundo Vecchi falece em 23 de janeiro de 2002.]

Sob o reitorado do padre Chávez


XXV CG: 2002
Casa Geral (Roma), de 24 de fevereiro a 20 de abril, com uma in-
terrupção de quatro dias durante o Tríduo Sagrado: 51 dias. 224
participantes de direito, 7 convidados; 16.422 salesianos, entre os
quais 108 bispos.
Padre Pascual Chávez Villanueva, conselheiro para a região intera-
mérica, é eleito Reitor-Mor em 3 de abril de 2002, aos 54 anos.
Faz-se uma reestruturação no governo central: 1o) o vigário do Reitor-
-Mor, padre Luc van Looy, assume o encargo da Família Salesiana. 2o)
Separa-se o setor da Comunicação Social do setor da Família Salesia-
na. 3o) Divide-se a região Australásia em duas, Ásia Sul e Ásia Leste.
Tema principal: a comunidade salesiana. Documento capitular: A
Comunidade Salesiana hoje. A documentação do CG 25 é publicada
em ACG 378 (2002).

XXVI CG: 2008


Casa Geral (Roma), de 23 de fevereiro a 12 de abril, com uma inter-
rupção de quatro dias durante o Tríduo Sagrado: 49 dias. 222 par-
ticipantes de direito, 11 convidados; 15.893 salesianos, sem contar
114 bispos; 492 noviços.

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Formas de governo da Congregação: as Conferências de São Francisco de Sales e os Capítulos Gerais

Padre Pascual Chávez Villanueva, reeleito Reitor-Mor em 5 de mar-


ço de 2008, aos 60 anos.
Tema: Da mihi animas, cetera tolle, desenvolvido em cinco áreas: 1o)
Partir de Dom Bosco. 2o) Urgência de evangelizar. 3o) Necessidade
de convocar. 4o) Pobreza evangélica. 5o) Novas fronteiras.
Relatório publicado: Capítulo Geral 26, Da mihi animas, cetera tol-
le. Documentos do CG 26 publicados em ACG 401 (2008).

XXVII CG: 201463


Casa Geral (Roma), de 22 de fevereiro a 12 de abril: 50 dias. 207
participantes de direito, 13 convidados; 15.298 salesianos, sem
contar 112 bispos; 445 noviços.
Padre Ángel Fernández Artime, Inspetor da Inspetoria de Buenos
Aires, Argentina, é eleito Reitor-Mor em 25 de abril de 2014, aos
54 anos.
Tema: Testemunhas da radicalidade evangélica. Trabalho e temperança,
desenvolvido em três núcleos: “Místicos no Espírito”, “Profetas da
Fraternidade”, “Servos dos Jovens”.
Relatório publicado: Capítulo Geral 27, Testemunhas da radicalidade
evangélica. Trabalho e temperança. Documentos do CG 27, publicados
em ACG 418 (2014).

63
Acréscimo do tradutor.

457

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Capítulo XII

IDEIAS, INQUIETAÇÕES E TEMORES DO


FUNDADOR

Enquanto orientava a Congregação e seu desenvolvimento, presidindo


as reuniões do Capítulo superior e dirigindo os quatro primeiros Capítulos
Gerais, Dom Bosco não ocultava suas preocupações de fundador, nem os
temores com a boa caminhada da Congregação e de seus membros. Eram
muitas e graves as dificuldades de todo gênero que lhe eram apresentadas,
e era preciso enfrentá-las com a máxima seriedade para dar-lhes a melhor
solução possível.
Nas reuniões do Capítulo superior, as questões eram debatidas com li-
berdade. Dom Bosco expressava suas ideias com clareza e propunha as nor-
mas que acreditava se devessem seguir; os conselheiros manifestavam aber-
tamente seus próprios pontos de vista, que nem sempre coincidiam com os
de Dom Bosco, embora, depois, em geral, prevalecesse sua opinião; pois,
apesar da franqueza com que cada um podia expressar a própria opinião nas
reuniões do Capítulo superior ou nas sessões dos Capítulos Gerais, o debate
e a votação final não costumavam contradizer a vontade de Dom Bosco que,
além de manter a autoridade do superior e a sabedoria do fundador, gozava
da mais elevada estima e era venerado como um pai, a quem todos olhavam
com verdadeiro amor filial.

1. A admissão de candidatos e outras questões afins


Ainda em vida do fundador, os membros da Congregação aumentavam
a largos passos. Em 1877, ano do I Capítulo Geral, os salesianos eram 241;
em 1880, o número aumentara para 405; em 1883, eram 520; em 1886,
636. À morte de Dom Bosco, em janeiro de 1888, os religiosos professos che-
gavam a 773 e os noviços, a 276. Crescimento tão rápido não estava isento
de problemas.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

Quando as Constituições Salesianas foram submetidas à aprovação, al-


gumas das acusações do arcebispo Gastaldi eram motivadas, justamente, pela
forma de recrutar os candidatos, pelos critérios de admissão, pela falta de
um noviciado ascético e pela inconsistência da formação e dos programas de
estudos que preparavam para a ordenação. Dom Gastaldi não cedeu em suas
acusações mesmo depois da aprovação das Constituições, atitude que Dom
Bosco e os salesianos interpretaram como ilógica e persecutória.
Durante alguns anos, Dom Bosco apoiou-se nas concessões outorgadas
por Pio IX de forma reservada, de viva voz. Aos poucos, também o Papa pro-
curou impor critérios mais rigorosos. O próprio Dom Bosco o reconhece em
1886, ao falar sobre a separação entre noviços e professos:

Quando se estava negociando a aprovação das Constituições, com a participa-


ção ativa de sua santidade Pio IX e do secretário da Congregação dos Bispos
e Regulares, as questões que mais suscitaram discussão foram a separação dos
noviços do restante dos estudantes, e de ambos, dos irmãos professos. Ele
disse então [ao Papa]: “Todas as minhas casas estão cheias de todo tipo de pes-
soas, noviços e outros, todos juntos. Não tenho [casa] de nenhum outro tipo”.
O Papa respondeu: “Vá adiante e trabalhe o melhor que puder”. Contudo, na
medida do possível devemos fazer essa separação, pois é louvável e eficaz; na
verdade, é necessária.1

Admissão ao noviciado
A admissão dos candidatos ao noviciado (“segunda prova” ou “prática da
regra”) e a profissão foi um tema permanente na ordem do dia do Capítulo
superior durante anos.
Quanto ao noviciado, com as admissões, que podemos chamar de ordi-
nárias, de jovens que passaram pelos canais normais da escola salesiana (aspi-
rantado), encontram-se relatos de admissões que não eram tão normais. Do-
cumentam, em parte, a necessidade de vocações sacerdotais e os problemas de
recrutamento. Alguns exemplos serão suficientes.
Dois padres diocesanos do seminário de Magliano Sabino, atendido
em parte pelos salesianos, pediram para unir-se a eles e queriam ir a Turim
imediatamente. Dom Bosco pensou que era melhor permanecerem onde es-
tavam para não irritar as autoridades, mas que já eram considerados como
noviços sob a direção do diretor salesiano, padre José Daghero. Mais tarde,
1
IV CG, sessão terceira, 2 de setembro de 1886, Marenco, Atas, 5: FDB 1867 E1.

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Dom Bosco: história e carisma 3

durante as férias de verão, eles poderiam ir a Turim, terminar o noviciado e


fazer a profissão nos exercícios espirituais de Lanzo.2 E assim aconteceu.
Outro padre, de sobrenome Peretto, que fora aluno na escola do Orató-
rio, e depois de ter entrado na Congregação dos Padres do Oratório de São
Felipe Neri, queria fazer-se salesiano. Dom Bosco comentou:

Se ele tivesse de manifestar abertamente essa intenção a seus superiores,


daria lugar a uma discussão. Dessa forma, concordamos que abandone
a sua comunidade em silêncio com algum artifício. Que peça a seus su-
periores para ir a Roma falar com o Santo Padre. Uma vez em Roma,
encontrar-se-á com o padre Scappini, superior dos concepcionistas,3 onde
há necessidade de um sacerdote. Ali faria o noviciado sob a sua direção;
depois, faria a profissão em Lanzo. Nossa necessidade de sacerdotes é tão
grande que nos vem realmente como um presente do céu. Seu talento e
santidade comprovada é tal, que ele pode ser destinado a qualquer lugar.
Apesar de ter professado no Oratório [de São Felipe Neri], sempre foi
nosso de mente e coração.4

Na mesma reunião do Capítulo superior foram admitidos como novi-


ços quatro seminaristas que, como alguns outros, estiveram em seminários
diocesanos. Um deles era um jovem adulto chamado Coccero, ex-aluno do
Oratório. Estivera no seminário diocesano de Turim, mas o tinha deixado no
quarto ano de teologia. As atas recolhem a posição de Dom Bosco:

Esteve conosco durante mais de três meses; sua conduta sempre foi satisfa-
tória. Agora, pede para vestir novamente o hábito clerical, como salesiano.
Ocorre o fato de o nosso colégio de Alassio precisar justamente de um indi-
víduo já maduro como assistente do administrador. Dado que não há mais
ninguém disponível, vamos fazê-lo feliz, admitindo-o como noviço, impor-
-lhe o hábito clerical e enviá-lo para esse cargo em Alassio.5

2
Reunião do Capítulo superior, 16 de fevereiro de 1877, Barberis, Atas, caderno I, 60: FDB
1876 B10.
3
Os Irmãos Hospitaleiros da Imaculada Conceição formavam uma pequena Congregação laical
que trabalhava em hospitais de Roma e arredores. Pio IX pediu a Dom Bosco que ajudasse essa vaci-
lante comunidade; ele supervisionou pessoalmente algumas reformas iniciais. Padre José Scappini fora
nomeado superior. Sobre o assunto, ver MB XII, 317s, 505s; MB XIII, 13s.
4
Reunião do Capítulo superior, 16 de fevereiro de 1877, Barberis, Atas, caderno I, 61: FDB
1876 B11.
5
Reunião do Capítulo superior, 16 de fevereiro de 1877, Barberis, Atas, caderno I, 61-62: FDB
1876 B11-12.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

Dom Gastaldi via com especial desgosto o costume de Dom Bosco fa-
cilitar o hábito clerical aos ex-seminaristas diocesanos, que o tinham deixado
por sua própria vontade ou porque foram demitidos. Pensava ser inevitável
que alguns deles, depois de conseguirem a ordenação em condições favorá-
veis, retornariam inadaptados à diocese. Dom Bosco, porém, baseando-se em
sua experiência com a Obra de Maria Auxiliadora (filhos de Maria), estava
ansioso para dar uma oportunidade aos jovens adultos, fossem ex-seminaris-
tas ou não. Com prazer, ele examinava o interesse de leigos adultos que da-
vam garantias. Foi esse o caso de Ângelo Piccono, viúvo de 29 anos, com uma
filha pequena, policial de carreira e estudante universitário. Foi admitido no
noviciado em maio de 1877; Dom Bosco disse-lhe que continuasse a cursar
a universidade.6 Fez a profissão um ano depois: “Foi admitido aos votos per-
pétuos e, em seguida, ordenou-se” (novembro de 1878);7 posteriormente,
trabalhou com sucesso na América do Sul e no México.
Dom Bosco expressou sua convicção sobre a validade da prática de ad-
mitir adultos, quando era estudado o interesse de certo Battolla, marinheiro
de carreira à espera de ser promovido a capitão. Alguns acreditavam que não
fora suficientemente provado, mas Dom Bosco objetou:

Gostaria muito que quando um desses jovens adultos vem até nós disposto a
continuar, que alguém o tomasse sob sua proteção e cuidasse dele. Em pouco
tempo, essa pessoa estaria preparada para o trabalho [como salesiano]. Um
menino, ao contrário, requer muitos anos de preparação; o sucesso nunca
é certo, não obstante pudesse ser muito bom. Pode acontecer todo tipo de
incidentes para se extraviarem; o mesmo não acontece com os adultos. Sendo
cuidados e inspirados por bons ideais, em poucos meses podem ser enviados
ao campo de trabalho.8

Dada por certa a validade da ideia dos filhos de Maria, as atas mostram
que foi considerada urgente a necessidade de adotar critérios mais rígidos
para a admissão dos candidatos, especialmente em relação aos jovens adul-
tos que vinham de seminários diocesanos. Os registros demonstram também
que os membros do Conselho mostravam-se, quem sabe pela gravidade da
situação, mais preocupados do que o próprio Dom Bosco. Depreende-se cla-
ramente esta percepção das atas de uma reunião do final de 1878. Seu obje-
tivo principal era a admissão de candidatos; entre eles, alguns ex-seminaristas

6
Reunião do Capítulo superior, 6 de maio de 1877, Barberis, Atas, caderno I, 78: FDB 1876 D4.
7
Reunião do Capítulo superior, 15 de maio de 1878, Barberis, Atas, caderno II, 8: FDB 1877 A9.
8
Reunião do Capítulo superior, 6 de maio de 1877, Barberis, Atas, caderno I, 79: FDB 1876 D5.

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Dom Bosco: história e carisma 3

diocesanos que passaram a viver no Oratório como postulantes. O pedido de


um jovem adulto chamado Viandolato foi rapidamente recusado. Sua condu-
ta fora aparentemente satisfatória, mas alguns incidentes de sua vida passada,
não especificados, mas que aparentemente eram do conhecimento do con-
selho, aconselhavam prudência. Padre Cagliero foi especialmente firme: “A
Congregação não existe para os que devem fazer penitência de seus pecados.
Existem ordens contemplativas com essa finalidade. A Congregação é para
aqueles que estão [moralmente] preparados para ir ao mundo e trabalhar pela
salvação das almas”. 9
Discutiu-se sobre os pedidos de outros candidatos, Martinho Quaranta
e José Baravalle, que foram recusados porque eram pouco conhecidos. Pediu-
-se ao padre Cagliero que investigasse. Barberis assinala:

Até agora a regra era admitir candidatos sem mais, desde que apresentassem as
condições mais básicas. Em todo caso, depois, solicitava-se alguma informa-
ção confidencial. Agora, contudo, a política concordada é que não se admita
um candidato que não apresente os testemunhos necessários.10

Na mesma sessão houve “uma longa e dolorosa discussão” sobre a neces-


sidade de expulsar alguns candidatos indesejáveis. Barberis escreve:

Nunca se tomara uma medida tão drástica [expulsão de candidatos], nun-


ca, desde que a Congregação existe. Até agora as coisas foram feitas de
modo informal. Acolhíamos e apoiávamos os seminaristas diocesanos cuja
vocação era, no melhor dos casos, duvidosa e cujo comportamento não
era bom. Em nosso colégio de Lanzo vão-se aplicando algumas normas

9
Reunião do Capítulo superior, 4 de novembro de 1878, Barberis, Atas, caderno II, 26: FDB
1877 C3. O princípio, expressado tão enfaticamente por Cagliero, de que a Congregação não existia
para ser refúgio de pecadores arrependidos era uma ideia exposta por Dom Bosco sempre que preci-
sou defender sua particular concepção de noviciado salesiano perante as autoridades. De fato, falou
claramente sobre o tema numa das sessões do II CG: “Na admissão dos candidatos devemos guiar-
-nos sempre por este princípio e norma: nossa Congregação não é lugar no qual se possa entrar para
converter-se e reformar-se moralmente. Uma pessoa que foi vítima de maus hábitos ou vícios e deseja
reformar-se e fazer penitência deve procurar outra das muitas ordens religiosas que foram fundadas
para esse fim. Nós não admitimos essas pessoas, pois nossa sociedade foi criada com o objetivo específi-
co de ser uma ajuda aos outros por meio de uma vida serviço eminentemente ativo [...]. Se essas pessoas
fossem admitidas em vista de sua boa disposição atual, podem fazer o bem pelo tempo que durar o seu
fervor original. Contudo, cedo ou tarde, quando se defrontarem com situações perigosas do ministério
sacerdotal ou de nosso apostolado específico, voltariam a reincidir em seus costumes anteriores” (II
CG, sessão décima primeira, 10 de setembro de 1880, Barberis, Atas, caderno II, 6: FDB 1858 D12).
10
Reunião do Capítulo superior, 4 de novembro de 1878, Barberis, Atas, caderno II, 26-27:
FDB 1877 C3-4.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

mais rígidas para a admissão de noviços. Contudo, temos em casa um


número de seminaristas que, embora não pareçam maus, falta-lhes espí-
rito sacerdotal. Devemos desfazer-nos deles, antes que possam minar a
observância religiosa. Dado que a opinião estava dividida sobre a questão,
a moção sobre a expulsão foi submetida à votação secreta. Dos 5 semina-
ristas dos quais se tratou, quatro foram considerados não aptos e tomou-se
a decisão de mandá-los embora.11

Padre Barberis informa sobre uma reunião, aparentemente bastante agi-


tada, em que foram recusados 3 dos 4 candidatos que solicitavam a admissão
ao noviciado. O quarto, um seminarista da diocese de Frosinone, chamado
Anacleto Ceccarelli, foi admitido apenas porque Dom Bosco interveio em
seu favor. Barberis, propenso como era a acrescentar comentários pessoais
nas atas, escreveu:

Justificava-se uma medida tão drástica? Chamo-a drástica, porque até ago-
ra as coisas eram feitas com mais indulgência. O motivo dessa indulgência
pode ter sido por não temos instalações independentes para essas pessoas
que partilham tudo em comum com os noviços: sala de estudo, refeitó-
rio, dormitório, recreio, capela etc. Contudo estamos muito preocupados.
Temos gente na Congregação que deixa muito a desejar e acaba causando
problemas. Temos também gente no noviciado que carece de espírito re-
ligioso, no entanto não podemos despedi-la. Isso é especialmente certo
com os seminaristas maiores. Portanto, devemos ser menos conformistas
e não devemos permitir-lhes que entrem em casa em regime de internato.
Contudo, estamos bloqueados em duas frentes: 1ª É desejo de Dom Bosco
que, nesta matéria, continuemos a nos guiar pelos conselhos de São Paulo:
“Omnia probate; quod bonum est tenete” [Provai de tudo, conservai o que
é bom]. Isso significa permitir a entrada de muitos. 2ª Antes de aceitar os
possíveis candidatos pedimos, de fato, os documentos e buscamos infor-
mação confidencial, mas, parece que quando é solicitado por um aspirante
realmente bom, os reitores de seminários retêm seus testemunhos, enquan-
to dão documentos de recomendação de boa vontade quando os candida-
tos são menos desejáveis. E nós ficamos com a palha. Padre Cagliero, que
se encarregou das entradas por alguns meses, está muito descontente e es-
teve batalhando com Dom Bosco sobre o tema [...]. De fato, pediu a Dom
Bosco que o exonere desse trabalho. Quanto a mim, sinto-me frustrado e

11
Reunião do Capítulo superior, 4 de novembro de 1878, Barberis, Atas, caderno II, 27-28:
FDB 1877 C4-5.

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Dom Bosco: história e carisma 3

irritado pelo que acontece. Nós não entregamos nossos indesejáveis a ou-
tros; não damos testemunhos sobre eles. Por que outros se aproveitam de
nós? Os indivíduos sobre os quais discutimos foram admitidos por ordem
de Dom Bosco. Tive de escrever-lhes e dizer para virem. Agora, contudo,
na medida em que está em meu poder, não vou uni-los aos demais. O as-
sunto é sério. A Congregação criou um bom nome; os pedidos para entrar
nela são numerosos e vêm de todas as partes. Contudo, muitos solicitantes
[como os descritos mais acima] são em geral pessoas desajustadas em ou-
tros lugares.12

Esta longa passagem, entre outras, enfatiza o problema das admissões e


como era percebida por alguns dos colaboradores próximos a Dom Bosco.
O caráter específico do noviciado salesiano, tal como concebido por Dom
Bosco, agravou o problema. Quando as Constituições foram aprovadas, ele,
finalmente, aceitou a ideia de um noviciado regular. O noviciado, porém,
descrito na tradução italiana das Constituições à disposição dos salesianos,
não combinava com o noviciado canônico tradicional aprovado por Roma.
Além de evitar o termo noviciado,13 Dom Bosco acreditava que os candidatos
deviam capacitar-se para o trabalho salesiano, mediante a prática da regra.
Continuou por algum tempo favorecendo a entrada e formação dos candida-
tos, apoiando-se no privilégio especial que obteve de Pio IX por comunicação
oral pessoal.
Em 1885, na reunião do Capítulo superior em que os noviços eram
admitidos, ele disse:

Quando as Constituições eram estudadas em Roma, as autoridades exigiam


que os noviços devessem passar um ano inteiro dedicando-se exclusivamente
ao estudo das regras e aos exercícios religiosos. A Congregação romana não
cedia nesse ponto. Levei o assunto perante o Papa, e Pio IX disse-me: “[...] Vá
avante, então! O diabo tem mais medo de uma casa em que todos estão ocu-
pados no trabalho do que numa em que as pessoas se dedicam exclusivamente
à oração [...]. Contudo, [...] os noviços devem ser admitidos somente depois
de cumprirem todas as formalidades prescritas pela Igreja”. E, em nosso caso,

12
Reunião do Capítulo superior, 27 de dezembro de 1878, Barberis, Atas, caderno II, 57-59:
FDB 1877 E 10-12.
13
Até 1886, Dom Bosco continuou a insistir nesse ponto. “Devemos manter – dizia – os nomes
que temos usado, como aspirantes e ano de prova; deveríamos evitar os termos noviços, noviciado, cujo
uso nem é necessário nem útil” (IV CG, sessão terceira, 2 de setembro de 1886, Marenco, Atas, 5:
FDB 1867 E1).

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Ideias, inquietações e temores do fundador

há outra consideração, a questão da moralidade [...]. Se surgirem dúvidas a


esse respeito, devemos esperar e aumentar o período de prova. Devemos ser
muito cautelosos.14

Sobre o tema da moralidade, Dom Bosco aconselha vez ou outra a má-


xima precaução. Quando foi debatido no conselho o pedido para o noviciado
de certo Manoel Gallo, seminarista da diocese, as atas informam:

Dom Bosco indica que, como regra geral, nunca se deve ceder quando a moral
está em dúvida. Nesses casos, é melhor recusar o pedido pura e simplesmente,
antes de colocar em casa uma pessoa de moralidade duvidosa. Podemos passar
por cima de sua inteligência limitada, falta de educação, maus resultados nos
estudos, mas nunca [haja] dúvidas quanto à sua moralidade. Isso é essencial.15
Ao admitir um jovem como noviço, especialmente um noviço clérigo, preci-
samos tomá-lo à parte e perguntar, com estrita confidencialidade a questão:
“Importas-te?” Ele responderá: “Não, em absoluto”. “Diz-me, então, como
foi a tua conduta moral no ano passado?”. [...] Se o jovem ainda precisa su-
perar um mau hábito, seria preciso adverti-lo para não continuar, a menos
que dê evidência clara de sua vocação e do firme propósito de utilizar todos
os meios necessários para consegui-lo [...]. Ao examinar um jovem sobre sua
vocação, nunca devemos deixar de lhe perguntar sobre esse assunto.16

Com o tempo, ao falar do exame dos candidatos, Dom Bosco começou


a insistir no cumprimento da prescrição da lei canônica e do recente decreto
papal de Pio IX Regulari Disciplinae e, em especial, o Romani Pontificis. Por
isso, ao admitir os candidatos em 1884, ele anunciou:

Admitíamos as pessoas de maneira informal, em conformidade com as con-


cessões que Pio IX nos fez, mas esta será a última vez que o fazemos. A partir
de janeiro do próximo ano (1885), as admissões serão feitas em conformidade

14
Reunião do Capítulo superior, 26 de outubro de 1885, Lemoyne, Atas, 85a: FDB 1883 A1.
Em outra ocasião, quanto à admissão de aspirantes, “Dom Bosco fez saber, em estrita confidenciali-
dade, que não se admitisse em nenhuma circunstância qualquer aspirante ao sacerdócio de quem se
soubesse ou suspeitasse que tivesse frequentado prostíbulos” (III CG, sessão nona, 6 de setembro de
1883, Marenco, Atas, 15: FDB 1864 A9).
15
Reunião do Capítulo superior, 30 de agosto de 1884, Lemoyne, Atas, 24b: FDB 1880 E12.
16
Reunião do Capítulo superior, 24 de agosto de 1885, Lemoyne, Atas, 65b: FDB 1882 B10.
Como se pode deduzir das fontes, as palavras “moralidade”, “moral” (moralità) e seu oposto “imora-
lidade”, no uso de Dom Bosco, referem-se ao âmbito da sexualidade e sua prática. No caso do jovem
em questão, a palavra normalmente se refere às experiência sexuais juvenis, como curiosidade sexual,
pensamentos, masturbação etc.

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Dom Bosco: história e carisma 3

com as muito santas normas promulgadas por Pio IX em seus decretos. Isso
inclui a criação das comissões examinadoras indicadas.17

Deviam-se criar, então, as comissões examinadoras, locais e centrais. Pa-


dre Barberis, mestre dos noviços, devia desenvolver esse projeto e informar
ao conselho.18 No IV Capítulo Geral, Dom Bosco insistiu no cumprimento
dos decretos e explicou:
Os decretos de Pio IX têm o objetivo de dar diretrizes gerais para avaliar os
candidatos ao noviciado. Contudo, o mais importante é que pretendem colo-
car à disposição das congregações religiosas o meio de eliminar os indivíduos
indignos da vida religiosa. Esta é, provavelmente, a razão pela qual estes orde-
namentos se referem apenas à Itália. Esse é o espírito dos decretos.19

Os textos citados até agora se referem principalmente aos noviços clérigos,


e quase nunca, ao menos explicitamente, aos noviços leigos e aos coadjutores.
Sabemos que nos anos entre 1870 a 1880 o recrutamento e a formação de voca-
ções leigas foi uma das principais preocupações de Dom Bosco. Entretanto, foi
mérito dos Capítulos Gerais terceiro (1883) e quarto (1886) ter-se preocupado
de maneira específica dos problemas das vocações dos leigos e da formação
do coadjutor. No III CG, no qual foi aprovada a criação de um noviciado
separado para os noviços leigos, Dom Bosco interveio sobre o tema.
Quanto aos irmãos coadjutores, continuar-se-á a tomar como base de seu
programa de noviciado o que foi estabelecido até agora. A ideia principal
é fazer deles bons cristãos. Sendo suficiente aos noviços [leigos] observar as
Constituições Salesianas e os regulamentos da casa. O que se pede, acima de
tudo, é que haja alguém que se preocupe seriamente com eles, alguém que
cuide deles e dê-lhes ajuda e orientação.20

[Na nona sessão] foi colocada a questão sobre a criação ou não de um novicia-
do separado para os noviços aprendizes. Dom Bosco quer reforçar sua posição
separando-os do restante do grupo de jovens que trabalham [no Oratório]. A
maioria dos membros do Capítulo está de acordo sobre a necessidade de um
noviciado separado, mas não se tomou a decisão final. Contudo, será criado
algum programa em San Benigno.21

Reunião do Capítulo superior, 3 de outubro de 1884, Lemoyne, Atas, 43a-b: FDB 1881 C11-12.
17

Barberis informou na reunião do Capítulo superior dos dias 23 e 24 de fevereiro de 1885,


18

Lemoyne, Atas, 54b, FDB 1881 E12 e 55a-b: FDB 1882 A1-2.
19
IV CG, sessão oitava, 5 de setembro de 1886, Lemoyne, Atas, 10: FDB 1867 E6.
20
III CG, sessão segunda, 3 de setembro de 1883, Marenco, Atas, 4: FDB 1863 E10.
21
III CG, sessão nona, 6 de setembro de 1883, Marenco, Atas, 15: FDB 1864 A9.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

Enquanto se criara em San Benigno um noviciado para os candidatos


ao sacerdócio em 1879, os noviços leigos, em sua maioria jovens aprendizes,
continuavam a fazer o noviciado ao mesmo tempo em que trabalhavam nas
oficinas de Valdocco, junto com o restante dos aprendizes. Em outubro de
1883, um contingente de noviços leigos foi reunido em San Benigno em
instalações independentes e com condições adequadas de trabalho. Foi nessa
ocasião que Dom Bosco pronunciou seu famoso discurso inaugural “Não
temas, pequeno rebanho”.22 Pelo uso insólito e, surpreendente para alguns,
de expressões como “senhores, não servos”, Dom Bosco, além do desejo de
elevar o espírito do grupo, buscava claramente ressaltar o papel de liderança
dos salesianos coadjutores em certas áreas de apostolado da Congregação,
como eram as oficinas. Propunha-se, ainda, retificar algumas falsas ideias
que circulavam na Congregação sobre a situação de inferioridade vocacional
do coadjutor. A questão seria mais tarde objeto de um acalorado debate no
XII CG (1922).
O itinerário do salesiano coadjutor até sua própria identidade foi longo
e árduo. Na época da fundação, deveu-se, em parte, às diversas condições
sociais e à idade dos primeiros candidatos. Numa reunião do Capítulo supe-
rior em 1884, discutiu-se o pedido de certo Vicente Giacomuzzi, um empre-
gado de 53 anos da escola de Lanzo. Padre Barberis inclinava-se a negar-lhe
a admissão porque causara muitos problemas como Irmão de São João de
Deus [ordem religiosa laical] e precisou abandonar aquela comunidade. A
ata continua:
Padre Rua propõe a criação de duas categorias distintas de coadjutor na Con-
gregação. Pensa que seria humilhante para um advogado, um médico e simi-
lares precisar unir-se com pessoas rudes, sem educação. Dom Bosco recusou
imediatamente a ideia de dividir os irmãos leigos em duas categorias. Insiste,
porém, que se mantenha a maior cautela no caso de indivíduos que podem
ser boas pessoas, mas carecem de educação e, talvez, também de inteligência.
Essas pessoas, apresentando-se a oportunidade, não irão pensar em outra coi-
sa senão em dar voltas pelos bares, sem outra preocupação no mundo. Esses
indivíduos poderiam ser aceitos no serviço doméstico, mas nunca como coad-
jutores. Jamais devem ser admitidos ao noviciado e, muito menos, à profissão.
Padre Rua pergunta se seria útil criar os terciários [diferentes dos coadjutores]
à maneira franciscana ou ao menos dar-lhes esse nome. Dom Bosco respon-
deu que, no momento, não era necessário.23

22
Alocução de 19 de outubro de 1883. O texto é apresentado em MB XVI, 312s.
23
Reunião do Capítulo superior, 6 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 27b: FDB 1881 A6.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Pode-se calcular a dificuldade encontrada por Dom Bosco para articu-


lar os salesianos leigos. Padre Rua voltou a falar sobre o tema na reunião do
Capítulo superior, presidido por ele mesmo na ausência de Dom Bosco. O
relatório diz o seguinte:

Padre Rua propõe um noviciado de dois anos para os coadjutores, antes de se-
rem admitidos à profissão. Suas motivações são, primeiramente, que devemos
chegar a conhecer a fundo esta classe de pessoas; e, em segundo lugar, que
eles devem adquirir um conhecimento mais profundo das obrigações que as-
sumem com a profissão dos votos. Poder-se-ia fazer alguma exceção em casos
especiais. Padre Cagliero [está de acordo, mas] é contrário a qualquer tipo de
exceção. Padre Rua faz notar que um noviciado de dois anos para os coadjuto-
res não é uma disposição das Constituições, mas [que será apresentado como]
uma prática aprovada pelo Capítulo superior por ser necessária. [...] Padre
[Paulo] Albera apresenta em seguida os pedidos de dois leigos noviços, Pelazza
e Sabaino, e fala em favor deles. Estão para terminar o noviciado de um ano.
O Capítulo superior decide prolongar o noviciado durante um segundo ano,
de acordo com a nova prática.24

Não dispomos de estatísticas sobre o nível de sucesso dos noviços, tanto de


jovens como de adultos, de clérigos ou leigos. Dom Bosco expressou sua satis-
fação qualificada desde o início, numa reunião em que surgiu a situação de dois
noviços que foram embora. Um deles fora despedido e o outro, em conivência
com a família, saíra “de modo enganoso”. Ambos conservaram ilicitamente o
hábito clerical salesiano e pediram para entrar num seminário diocesano. Foi pe-
dido ao padre Rua que tratasse do assunto. Dom Bosco comentou em seguida:

Estes casos de deserção do noviciado, embora poucos, são muito lamentáveis.


Contudo, prefiro que as deserções se deem no noviciado e não mais tarde,
como tivemos de lamentar no ano passado. É inevitável que alguns devam
abandonar o noviciado, mas, graças a Deus, nossas perdas são poucas. Os
jesuítas estão contentes com o percentual de sucesso de terça parte do novicia-
do. E, em relação aos dominicanos, nenhum dos 18 noviços [do ano passado]
foi admitido à profissão.25

Apesar do otimismo, Dom Bosco tinha algumas dúvidas sobre os re-


sultados do noviciado salesiano. O Capítulo superior interveio, em várias

Reunião do Capítulo superior, 2 de outubro de 1884, Lemoyne, Atas, 40a: FDB 1881 C7.
24

Reunião do Capítulo superior, 17 de agosto de 1877, Barberis, Atas, caderno I, 96-97: FDB
25

1876 E10-11.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

ocasiões, para dispensar os irmãos que não tinham espírito salesiano e nunca
deveriam ter sido admitidos à profissão.

Admissão à profissão religiosa


Na reunião em que se discutia a admissão de noviços aos votos, Dom
Bosco comentou que não poucos solicitantes, embora não destituídos de
bons costumes e outros requisitos básicos, careciam, contudo, de motivação,
contestavam descaradamente e davam mau exemplo. O relato continua:

Dom Bosco disse: “Talvez devêssemos perguntar ao padre [Segundo] Franco [je-
suíta] e averiguar como tratam desse assunto [na Companhia de Jesus]”. Contudo
[acrescenta Barberis], nesta reunião foram mais benévolos e a maioria dos solicitantes
foi admitida à profissão [perpétua]. Alguém pensava que só deveriam ser admitidos
aos votos trienais. “É pior”, respondeu [Dom Bosco]. “Pensariam que não estão nem
a pé nem a cavalo e sua motivação poderia enfraquecer ainda mais. Não, a maneira
de fortalecer sua resolução consiste em admiti-los de uma vez aos votos perpétuos”.26

Dom Bosco expressou várias vezes sua opinião sobre a questão dos votos
trienais; não só se opunha à prática tradicional, como também a evitou nas
Constituições que ele mesmo escrevera.27
Na conferência geral celebrada em 1875, durante o segundo turno dos
exercícios espirituais, em Lanzo, a sessão de 23 de setembro foi dedicada às
admissões. Ceria anota a “conhecida posição de Dom Bosco” sobre a matéria
e informa o que ele disse: “No que me diz respeito, só posso ver alguma dife-
rença entre os votos perpétuos e os trienais, uma vez que também posso dis-
pensar dos votos perpétuos, quando alguém já não é apto à Congregação”.28
Na conferência de Alassio, de 1879, Dom Bosco fez uma declaração
ainda mais clara sobre o tema, segundo informa Barberis:

Quando foi estudada a admissão de alguns que pediam os votos trienais, Dom
Bosco aproveitou a oportunidade para reiterar seu ponto de vista: “Os votos
trienais têm uma perspectiva demasiadamente tentadora para os jovens e muitos

26
Reunião do Capítulo superior, 2 de dezembro de 1878, Barberis, Atas, caderno II, 39: FDB
1877 D4.
27
As primeiras Constituições, do primeiro rascunho de 1858 à última redação, aprovadas em
1874, estabeleciam os votos trienais ao menos por dois períodos. Cf. G. Bosco, Costituzioni, 172-173,
capítulo sobre admissões, art. 4 (5 ou 7).
28
MB XI, 161s; 167s, com comentários de Ceria. As atas desta conferência não foram encon-
tradas. Dom Bosco, em suas Constituições, dera poder ao Reitor-Mor para dispensar dos votos, mas as
autoridades romanas recusaram essa norma antes da aprovação.

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Dom Bosco: história e carisma 3

caem na tentação. Se, ao contrário, fazem seus votos perpétuos, ficam tranquilos
e deixam de pensar [em abandonar]. Aceitei os votos trienais, porque tinha uma
ideia diferente da congregação [romana]; porque pensava estabelecer algo muito
diferente do que finalmente foi aprovado. Fomos obrigados a nos amoldarmos a
isso e basta. Contudo, como as coisas andam, os votos trienais deixam a pessoa
demasiadamente exposta à tentação. Se um candidato possui as qualidades e a
disposição necessárias, deveria fazer os votos perpétuos, não os trienais”.29

Ceria cita o que parece ser a determinação final de Dom Bosco sobre a
questão, no boa-noite de 5 de setembro de 1879:

Devo-lhes informar que esta é a última vez que se farão os votos por três anos.
A partir de agora, todos os que fazem os votos, os farão perpétuos. A expe-
riência demonstrou que os votos trienais são uma tentação demasiadamente
séria enfrentada por alguns.30

Dom Bosco, no II CG fez um comentário sobre uma situação criada pe-


los votos trienais. Um antigo seminarista salesiano, de sobrenome Calcagno,
acabava de morrer. Dom Bosco, expressando a teologia típica da retribuição,
exortou os diretores a comunicarem aos irmãos as circunstâncias da morte
para que pudessem extrair alguma lição. Dom Bosco disse:

Era uma boa pessoa, mas estava extraordinariamente apegado à sua mãe, que
era muito pobre. Ela esperava que seu filho a ajudasse economicamente, pelo
que se opunha que continuasse na Congregação. O filho, fraco como era e
com vontade de ajudar a mãe, não se atreveu a fazer os votos perpétuos e, ao
terminar os votos trienais, não pediu a renovação. O Senhor, contudo [...],
quis dar a todos nós uma lição com esta morte. Deus, que proporciona ali-
mento às aves do céu e aos animais do campo, não abandona os que deixam
tudo, incluindo a família, para segui-lo. Ao contrário, Deus frustra as espe-
ranças daqueles que confiam nas pessoas e nas coisas, e não n’Ele. Neste caso,
o filho foi castigado, morrendo sem votos, e também a mãe, que foi castigada
perdendo o filho em quem depositara suas esperanças.31

29
Conferência de Alassio, sessão 2, 7 de fevereiro de 1879, relato de Barberis nas Atas, caderno
II, 76-77: FDB 1878 B5-6. Ver um extenso comentário de Ceria em MB XIV, 43s.
30
MB XIV, 361. Ceria acrescenta, porém, que Dom Bosco não cumpriu estritamente sua regra,
e se continuou a fazer votos trienais. Não obstante, numa reunião do Capítulo superior em 1884,
admitiram-se os noviços diretamente aos votos perpétuos; ver reunião do Capítulo superior, 15 de
janeiro de 1884 em Lemoyne, Atas, 3a-b: FDB 1880 B5-6.
31
II CG, sessão sétima, 7 de setembro de 1880, Barberis, Atas, caderno I, 60-61: FDB 1858 B8-9.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

O debate sobre os candidatos à profissão fez com que Dom Bosco, às


vezes, tomasse decisões extraordinárias. No grupo de missionários que par-
tiram para a América do Sul em 1878 havia dois recém-professos salesianos,
que foram admitidos aos votos antes de completarem o ano de noviciado. O
relato diz o seguinte:

Entre os que irão [às missões] está o clérigo salesiano Calcagno, que foi ad-
mitido à profissão apesar de ainda lhe faltarem cinco meses para completar
o noviciado. É aluno nosso e tem os melhores testemunhos de vários lugares
em que viveu, em especial dos carmelitas, onde foi noviço durante quase um
ano. [...] O jovem coadjutor Grosso também foi admitido aos votos. Veio
para nós há três anos, mas foi noviço apenas três meses. É um problema, mas
lá [na Argentina] precisam de alguém para dirigir a oficina de encadernação.
Não podia ser enviado sem votos. É um bom jovem. Que vá e que o Senhor
esteja com ele.32

Numa reunião do Capítulo superior, de 1884, padre Cagliero apre-


sentou uma moção para que se aceitasse a decisão de pedir aos noviços que
desejassem fazer os votos que consultassem previamente o próprio confessor
e obtivessem sua permissão; igualmente, e com maior razão seria preciso fazer
o mesmo com os candidatos à ordenação. Citou em seu apoio uma recente
opinião teológica.33
A mesma questão já surgira no II CG; a disposição fora escrita no do-
cumento de trabalho de uma das comissões. Dom Bosco, expressando seu
desacordo qualificado, pediu que fosse eliminada:

Esta indagação pode ser boa em si mesma, mas não deve ser estabelecida
como forma de agir. Em primeiro lugar, algumas pessoas poderiam fazer má
utilização dela, e, em segundo lugar, se alguém quiser enganar, pode fazê-
-lo com impunidade, porque não se pode consultar o confessor de maneira
alguma.

Em 1884, em outra reunião do Capítulo superior, foi debatido o pedido


de alguns leigos mais velhos; entre eles, o de um ancião de 72 anos, chamado
Cattaneo, que obtivera o voto favorável do conselho da casa, o que produziu
um animado debate.

32
Reunião do Capítulo superior, 2 de dezembro de 1878, Barberis, Atas, caderno II, 41: FDB
1877 D6.
33
Reunião do Capítulo superior, 15 de janeiro de 1884, Lemoyne, Atas, 3b: FDB 1880 B6.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre Cagliero quis saber a que título se pode receber uma pessoa de 72 anos
na Congregação. Dom Bosco responde que se trata de uma exceção. Padre
Cagliero objeta que há exceções que se tomam diariamente e que esta só re-
força a ideia de que os jovens devem sustentar os mais velhos. Pensa que nesta
matéria devemos guiar-nos pelo senso comum [...]. Dom Bosco responde
que se pode acrescentar a observação de que estas pessoas sejam admitidas em
caráter excepcional. Se estas pessoas fossem sacerdotes, sua idade não seria um
assunto que preocupasse. Padre Cagliero insiste que, mesmo que estas pessoas
mais velhas fossem sacerdotes, estariam fora de lugar entre nós. Padre Rua
olha o catálogo e descobre que Cattaneo nunca foi noviço, nem sequer aspi-
rante. Dom Bosco então propõe que se diga a todos eles que podem desfrutar
de todas as vantagens espirituais sendo salesianos cooperadores.34

Admissão às ordens sacras


Vemos que Dom Bosco, uma ou outra vez, se mostra em desacordo com
seu conselho, mesmo em questões fundamentais. Numa reunião sobre três
clérigos salesianos, Novelli, Giachino e Palmieri, que solicitaram as ordens
sacras, houve uma animada discussão.

Padre Cagliero informa que o voto dos capítulos de sua casa é negativo. Dom
Bosco, porém, faz notar que Novelli lhe garantiu que quer ser sacerdote e
que pretende perseverar na Congregação. Esteve muito desanimado, porque
em sua comunidade não lhe foi demonstrada qualquer consideração. Pelo seu
desânimo perdeu a confiança em seu diretor e descuidou da sua confiança,
aproximando-se dele só quando era absolutamente necessário. Contudo, con-
fessava-se a cada dez ou onze dias e comungou com regularidade. Quanto à
conduta moral, não há acusações contra ele. Além do mais, obteve o título
para ensinar no terceiro e quarto ano da escola primária. Padre Cagliero acres-
centa que seu diretor, padre [José] Bertello, queixou-se de sua desobediência
e falta de disciplina, mas que o padre Isnardi, por sua vez, pensa que é melhor
que os outros dois, Giachino e Palmieri. Deve-se recordar também que Novelli
foi recusado no seminário de Brescia e Palmieri, no de Roma. [...] Dom Bosco
pensa que [Novelli] deve ser transferido a outra casa, mas padre Durando diz
que já foi mudado três vezes. Dom Bosco responde que se o padre Bertello
tivesse informado do menor defeito em matéria de conduta moral, ele seria
despedido da Congregação. Mas, parece, está limpo nesse aspecto. E, também,

34
Reunião do Capítulo superior, 12 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 31b: FDB 1881 B2.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

conta com o título de professor. Qualquer congregação teria prazer em tê-lo


nela. Padre Cagliero satiriza: “Podem tê-lo como um presente”. Padre Rua
observa que a saúde de Novelli é pouca. Dom Bosco conclui a discussão: “No
momento, não nos comprometamos. Vamos esperar e ver se pode continuar a
trabalhar no ensino. Se sua saúde deteriorar a ponto de não poder continuar,
então lhe diremos que já não o podemos tê-lo e deve buscar outro lugar”.35

O pedido de outro candidato sacerdote, da França, suscitou um anima-


do debate e colocou a questão da expulsão da Congregação.

Padre Barberis informa que [o clérigo salesiano] Testoris solicita a ordenação,


para que, ao completar 25 anos, possa ser isento do serviço militar obrigató-
rio, em conformidade com a legislação francesa. Estivera doente, e não podia
fazer nenhum trabalho até que ficou bom, depois de receber a bênção de
Dom Bosco. Agora pode trabalhar e já não precisa de tratamento especial à
mesa. Padre Cagliero comenta que nesses casos, a doença ou a cura são pro-
blemáticas. Uma vez ordenado, possivelmente sofrerá uma recaída.
A verdadeira pergunta que nos devemos fazer é se é melhor para todos que
seja sacerdote ou soldado. Padre Barberis informa que padre Paglia louva Tes-
toris como um erudito. Padre Cagliero pergunta por que então padre Ron-
chail sempre votou contra ele. Padre Barberis responde que foi por causa da
sua enfermidade. Padre Bonetti diz que Testoris foi expulso do Oratório pelas
suas recaídas morais (immoralità). Neste ponto, padre Rua coloca uma ques-
tão que merece atenção especial, se é possível negar a ordenação aos irmãos
professos perpétuos: “A Congregação é obrigada a manter um salesiano pro-
fesso perpétuo, ainda não ordenado, que, por doença, não pôde, nem poderá
depois trabalhar nas obras da Congregação?”. A opinião do padre Lazzero é
que a Congregação pode, mas não é obrigada a manter esse indivíduo.
Padre Sala considera que a Congregação é obrigada, se o salesiano professo
perpétuo é um sócio leigo, mas não é obrigada quando se trata de um estu-
dante clérigo. Dom Bosco acrescenta: “Poder-se-ia comparar o voto com um
contrato. Se alguém fez votos perpétuos pode sair da Congregação e nós não
podemos obrigá-lo a ficar caso insista em ir embora; por que a Congregação
não pode despedir tal pessoa quando, por alguma razão, tenha-se convertido
num peso?” [...] Dom Bosco encerra a discussão sobre o caso Testoris. Deve-
-se dizer-lhe que um par de semanas de boa saúde não o qualifica para ser
sacerdote; que deverá ser despedido. Ao mesmo tempo, deve-se dizer-lhe que

35
Reunião do Capítulo superior, 12 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 32a: FDB 1881 B3.

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Dom Bosco: história e carisma 3

não venha à Itália. Deve encontrar a maneira de evitar o serviço militar [na
França]. Essas pessoas podem colocar-nos em perigo.
Concluindo, Dom Bosco afirma um princípio importante: “Se alguém não
está preparado para a profissão no tempo indicado, deve ser despedido. Igual-
mente, quando se nega a ordenação a alguém, este deve considerar-se como
não pertencente à Congregação; portanto, deve ser despedido formalmente”.
O pedido de Testoris é recusado.36

Também foi objeto de animados debates a questão da ordenação dos


candidatos antes do término regular dos estudos teológicos. O ponto de vista
de Dom Bosco sobre o assunto contrastava com o do seu conselho. Diante
das centenas de pedidos para abertura de escolas que chegavam de diversas
partes da Itália, da Europa e do mundo, a escassez de pessoal era sentida
como dolorosa realidade.37 Parece que durante a última década de sua vida,
Dom Bosco vislumbrasse claramente a expansão mundial da obra salesiana e
sentiu-se esmagado pela urgência da missão.

Dom Bosco insiste na extraordinária necessidade de sacerdotes para as casas


salesianas presentes e futuras. Os sacerdotes são necessários para cobrir a falta
de missas nas igrejas e capelas, assim como em nossas próprias casas. Um sacer-
dote também goza de maior autoridade etc. O que devemos fazer é dar uma
boa olhada em nossos estudantes clérigos e apresentá-los para a ordenação, se
cumprirem os requisitos de idade e estiverem moralmente preparados. Dom
Bosco expôs essa ideia já há algum tempo e com grande persistência, mas viu-
-se com forte oposição. Porque há os que pensam que ninguém deve ser orde-
nado antes de completar os estudos teológicos. Já existem muitos sacerdotes na
Congregação que se veem em desvantagem nesse sentido e fazem uma pobre
figura em todos os lugares. De fato, os superiores não ousam mandar alguns
deles para determinadas casas, nem sequer para lugares de pouca responsabili-
dade, por temor de fazerem feio. Dom Bosco insiste que esses sacerdotes foram

36
Reunião do Capítulo superior, 5 de abril de 1884, Lemoyne, Atas, 10a: FDB 1880 C7. Deve-se
advertir que naqueles tempos os salesianos faziam votos perpétuos para exercer sua profissão num estado
concreto no interior da Congregação, ou seja, ou como coadjutores ou como sacerdotes. Se alguém pro-
fessava para exercer como sacerdote e não era admitido às ordens deixava de existir a razão de sua profis-
são e, portanto, devia abandonar a Congregação, na qual professara para ser sacerdote. Não era o mesmo
para os que haviam professado como coadjutores, que não podiam ser expulsos se ficavam doentes.
37
Parece que no período que estamos considerando, o mundo inteiro percebesse a existência da
Congregação Salesiana e sua obra. Pode ser de interesse ao leitor saber que, em 1884, houve pedidos
para fundações de Salesianos e Filhas de Maria Auxiliadora em São Petersburgo e Odessa [Rússia]: ver
reunião do Capítulo superior, 28 de fevereiro de 1884, Lemoyne, Atas, 8a: FDB 1880 C3).

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Ideias, inquietações e temores do fundador

ordenados apenas para que continuassem seus estudos depois da ordenação.


Mas os membros do Capítulo acreditam que, ordinariamente, é impossível
conseguir isso. Pode haver alguns que tenham o desejo e a vontade de arrumar
tempo para estudar; não obstante, a maioria preferirá trabalhar no que deve
fazer e deixará todos os estudos de lado. Dom Bosco, porém, mantém-se firme.
“Devemos seguir adiante com este projeto e promover bons candidatos à orde-
nação, mesmo que não tenham completado seus estudos teológicos. Devemos
cuidar para que continuem seus estudos depois da ordenação”.38

No II CG, no âmbito da comissão que analisava os estudos filosóficos, a


discussão centrou-se de modo especial no estudo para o sacerdócio. Observou-
-se que há sacerdotes que só completaram uma pequena parte dos estudos
teológicos. Esses sacerdotes podem causar muitos problemas à Congregação.
Padre Cagliero foi especialmente eloquente ao exigir que ninguém devesse ser
ordenado antes de completar os quatro anos de teologia. Dom Bosco, contu-
do, falou longamente e nos termos mais enérgicos contra essa ideia: “Se houver
sacerdotes que ainda não completaram o programa de estudos teológicos, que
alguém os ajude, cuide deles, corrija seus deveres. Se eles não estudaram todos
os tratados e não fizeram os exames, devem fazê-los e, como tenho insistido
muitas vezes, devem ser enviados à aula depois da ordenação e dar-lhes tempo
livre para o estudo da teologia. Mas não devemos estabelecer como norma o
que nenhuma outra congregação aceita como norma. Todas as congregações
ordenam alguns de seus sacerdotes antes do término dos estudos teológicos,
quando os consideram adequados. Os bispos também seguem essa prática,
que é ditada pela grande necessidade de sacerdotes em nossos tempos”.
Dom Bosco chegou a afirmar que todas as objeções feitas com tanta in-
sistência contra este critério baseiam-se em mal-entendidos, numa confusão
entre o que se deveria fazer como princípio e o que se deve fazer na prática. [E
acrescenta:] “Estas são algumas das razões que me motivam a acelerar o pro-
cesso: 1a [Com a ordenação] coloca-se à disposição da pessoa uma perfeição
mais eficaz. 2a Dá-se maior glória a Deus e obtêm-se mais graças para a Igreja
em seu conjunto e para a Congregação. 3a Obtém-se maior bem em nossas
casas, pois um sacerdote exerce muita influência sobre os jovens. [Acrescen-
tado à margem:] Além disso, os diretores e os principais cargos veem-se isentos
de compromissos de missas. E também o povo em geral fica mais bem servido. 4a
Somos pobres e precisamos da ajuda dos estipêndios de missas”.39

38
Reunião do Capítulo superior, 15 de maio de 1878, Barberis, Atas, caderno II, 9-10: FDB
1877 A10-11.
39
II CG, sessão quarta, 5 de setembro de 1880, Barberis, Atas, caderno I, 34-35: FDB 1857 E6-7.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em ocasiões posteriores, Dom Bosco sustentou os mesmos princípios


com idêntica firmeza, estabelecendo, porém, que ninguém deve ser orde-
nado se não dominar ou não for aprovado nos tratados de ordens sacras e
na eucaristia.40
Dom Bosco expressou em muitas ocasiões a preocupação e a ansie-
dade por outros aspectos da formação dos candidatos à ordenação, em es-
pecial pela sua conduta moral. Em seus últimos anos, insistia novamente
na vigilância.

Os candidatos promovidos às ordens sacras devem ser vigiados e examina-


dos antes do subdiaconato. Deve-se perguntar-lhes: “Tens sido diligente em
teus estudos ou perdeste tempo? E sobre a tua conduta moral?”. Em outras
palavras, devem caminhar juntos a suficiência dos estudos teológicos e os
bons costumes.41
Antes de promover alguém às ordens maiores, o superior tem o grave dever de
comprovar se o candidato está preparado. Deveria falar com ele de maneira
estritamente confidencial, perguntando-lhe e dando-lhe um conselho ade-
quado. Poderia fazer-lhe perguntas como estas: “Aos olhos de Deus, acreditas
que estás preparado para o que pedes? Em relação à conduta moral, como
te comportaste? Falhastes com ações voluntárias?”. Se a resposta for afirma-
tiva, deve-se perguntar se tem o hábito ou é simplesmente devido a uma
circunstância não usual [...]. A ordenação poderia ser adiada; neste caso deve-
-se deixar claro que tanto os superiores como os indivíduos estão igualmente
obrigados em consciência.42

Deserções e outros incidentes lamentáveis


Ao ler as atas e outros documentos da época, tem-se a impressão de que
nem tudo caminhava bem no processo de formação que preparava para os
votos e a ordenação e que, com muita frequência, se teve de lamentar deser-
ções e insucessos. Lemos, assim, sobre certo padre Bianciardi, que ia embora
e estava ameaçando Dom Bosco.

40
Reunião do Capítulo superior, 18 de setembro de 1885, Lemoyne, Atas, 79a: FDB 1882 E1;
14 de novembro de 1887, Lemoyne, Atas, 108a: FDB 1883 D11. É a última reunião presidida por
Dom Bosco.
41
Reunião do Capítulo superior, 18 de setembro de 1885, Lemoyne, Atas, 79a: FDB 1882 E1.
42
Reunião do Capítulo superior, 9 de setembro de 1885, Lemoyne, Atas, 72a: FDB 1882 C11.
Dom Bosco falou com os mesmos termos, mas com maiores detalhes, na reunião do Capítulo superior,
29 de novembro de 1885, Lemoyne, Atas, 88a: FDB 1883 A7.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

Padre Augusto Bianciardi, depois de dar problemas em todas as partes, agora


fugiu da casa de Magliano [Sabino], seu último destino. Pediu, por primeiro,
para incardinar-se em Florença, mas o arcebispo negou-se a aceitá-lo. Depois,
escreveu uma carta insultante a Dom Bosco ameaçando revelar fatos negativos
que afirmava saber sobre a Congregação. Dom Bosco fez com que soubesse
que não iria conseguir qualquer satisfação, a menos que se comportasse como
pessoa civilizada. Bianciardi, então, escreveu uma carta à Congregação dos
Bispos e Regulares lançando falsas acusações de todo tipo contra a Congrega-
ção. Entre outras acusações vergonhosas, declarava descaradamente que fize-
ra os votos religiosos e recebera as ordens sacras enganosamente, com falsos
pretextos. Não obteve nenhuma resposta de Roma. Seguiu adiante, com um
pedido feito a Dom Bosco por meio de monsenhor Martini para que fosse
dispensado devidamente dos votos e ordens. Dom Bosco respondeu-lhe que
não podia fazer nada, pois o caso estava nas mãos da congregação romana.
Hoje foi recebida outra carta de ameaça. A Congregação dos Bispos e Re-
gulares fez algumas investigações por meio do [nosso procurador em Roma]
padre Dalmazzo; quer saber dos detalhes do assunto e qual o bispo que o
ordenara. Dom Bosco está pensando em escrever à congregação romana
para assinalar que quem mentiu na profissão e na ordenação não merece
credibilidade. Em conclusão, Dom Bosco insiste que se deve exagerar na
vigilância e na cautela no assunto de ordenações.43

Em reunião posterior, Dom Bosco precisou lamentar as numerosas de-


serções e a falta generalizada de espírito salesiano, e disse:

Muitos irmãos demonstram uma total falta de espírito salesiano. Temos de


lamentar a cada ano deserções de sacerdotes, depois de tanto tempo e esforço
empregados em sua formação. Logo depois de ordenados solicitam a dispen-
sa, sem dar-se tempo para sua formação. É claro que alguns foram ordenados
[antes do tempo] nos momentos de necessidade urgente. Contudo, a partir
de agora, devemos proceder com muita cautela antes de promover candidatos
às ordens, e devemos exigir que permaneçam ao menos um ano na casa de
estudos antes da ordenação. Infelizmente, a preocupação com os interesses da
família, e as próprias famílias, conspira para afastar o irmão da Congregação.
Devemos fortalecer nossas posições.44

43
Reunião do Capítulo superior, 16 de janeiro de 1884, Lemoyne, Atas, 4b: FDB 1889 B8.
44
Reunião do Capítulo superior, 5 de novembro de 1885, Lemoyne, Atas, 87a: FDB 1883 A5.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Dom Bosco, em várias ocasiões durante o III CG, expressou seu


temor e preocupação por outra situação delicada e dolorosa, a conduta
moral dos irmãos. Mesmo antes de o Capítulo iniciar seu trabalho, de-
terminou que fosse criada uma comissão para estudar a questão e sugerir
alguns meios para promover os bons costumes entre os irmãos.45 Pouco
depois, ele declarava: “A Congregação precisa de uma profunda limpe-
za”. Em seguida, passou a examinar os aspectos nos quais as reformas
eram necessárias.

“Em primeiro lugar, nenhuma mulher deve alojar-se conosco em [nossa] casa.
A lavanderia [onde se empregam mulheres], também não deve ter comuni-
cação com o resto da casa. Em segundo lugar, o que foi estabelecido [pelo
III CG] em relação à separação dos lugares em que vivem e os locais em que
nossas irmãs trabalham, deve ser colocado em prática sem demora. Isso é
de suma importância e deve-se dar-lhe uma atenção imediata e séria”. [...]
Dom Bosco relata que a Congregação dos Bispos e Regulares, por causa de
relatórios recebidos, previra uma visita apostólica [das casas salesianas]; e teria
atuado em consequência se o Santo Padre não tivesse intervido. Isso teria
sido uma mancha vergonhosa para nosso bom nome. A Congregação romana
recebera um relatório de comportamento imoral, verossímil [um acréscimo
acima da linha, mas seguramente falso]: um salesiano tinha o costume de
visitar os locais onde as irmãs trabalhavam, criou amizade com uma delas e
juntos planejaram fugir. Contudo, por causa de circunstâncias imprevistas, o
plano frustrou-se. Foi o cardeal [Inocêncio] Ferrieri quem recebeu o relatório
e falou com o Papa sobre a possibilidade da visita.46

Na verdade, a investigação prevista das instituições salesianas mencio-


nada anteriormente era motivada por episódios mais graves de má conduta
moral, acontecidos nos três anos anteriores.47 Era de esperar que com tantos
jovens salesianos, às vezes apressadamente formados e ordenados, trabalhando
em numerosas escolas, pudesse acontecer incidentes lamentáveis. A impren-
sa de esquerda anticlerical na Itália liberal, com títulos como O poço negro,
apressou-se a publicar este tipo de incidentes escabrosos. Alguns, contudo,
puderam ser mantidos longe do público, como foi o caso, em 1880, em Nice,
do padre Davi Pirro e, em 1883, do padre Alexandre Porani. Ambos tiveram a

45
III CG, sessão segunda, 3 de setembro de 1883, Marenco, Atas, 3: FDB 1863, E9. A comis-
são nomeada incluía os padres Rua, Bertello, Notário, Belmonte e Costamagna.
46
III CG, sessão quinta, 4 de setembro de 1883, Marenco, Atas, 8-9: FDB 1864 A2-3.
47
Ver F. Desramaut, Don Bosco, 1219-1221.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

sorte de desaparecer rapidamente.48 Contudo, secretas ou públicas, estas falhas


morais eram uma grave preocupação, uma dura prova para Dom Bosco.
O incidente ocorrido em Laigueglia, Ligúria, em 1881, teve grande
repercussão na imprensa. O clérigo salesiano Venâncio Bertolo e o padre
Mateus Torazza, ambos destinados à escola salesiana de Alassio, onde o
padre Cerruti era diretor, passaram o dia dando aulas na pequena cidade
de Laigueglia e voltaram para Alassio à noite. O diário liberal de Milão Il
Secolo foi o primeiro a dar publicidade ao incidente de abuso de menores.
A publicação informou que o culpado do crime era um padre salesiano
de Alassio. O diário católico de Milão L’Osservatore Cattolico apressou-se
a fazer investigações e publicou a versão correta: os envolvidos não eram
nem um padre nem a escola de Alassio. Mas o fato era suficientemente
grave. Dom Bosco, que regressava da França e passou por ali naqueles dias,
ficou muito perturbado com os acontecimentos. O furor acalmou-se mais
rapidamente do que o esperado.49
O episódio de Cremona, em fevereiro-março de 1882, foi muito mais
grave por suas consequências. A pessoa em questão era o padre Hermenegil-
do Musso, de 27 anos, sacerdote salesiano, professor de escola primária no
Oratório de São Lourenço e na escola de Cremona, Lombardia. Era acusado
de atos estranhos, sádicos. Durante uma caminhada introduzira algumas
urtigas debaixo da camisa de um dos meninos e, em outra ocasião, na escola,
tirara a roupa de um menino e derrubara cera quente de uma vela em suas
costas. Os pais, depois de se queixarem ao diretor e serem contestados, foram
à polícia. A investigação começou e, apesar de os pais em questão desejarem
retirar a acusação, a justiça seguiu o seu curso. Padre Musso, que, contudo
refugiara-se rapidamente na França, recebeu a sentença de três meses de pri-
são e a escola foi fechada durante algum tempo por ordem do delegado de
polícia. A notícia propagou-se fora de Cremona. Os jornais anticatólicos das
principais cidades com títulos como O poço negro publicaram coisas muito

48
Sobre o padre Davi Pirro, lê-se em nota bene de uma carta de Dom Bosco ao padre José Bologna:
“Estou escrevendo ao padre Pirro para repreendê-lo por ter atraiçoado a si mesmo, à Congregação e à
Igreja. Estou advertindo-o que cavou um poço para si mesmo e que abra os olhos etc. Ele te falará do
assunto” (carta de 13 de maio de 1880, em Epistolario III Ceria, 588; cf. também MB XIV, 498). Ceria
acrescenta simplesmente: “Padre Pirro vinha de Nápoles e já se decidira a deixar a Congregação”. As
Memórias Biográficas mencionam padre Por[r]ani em ligação com outros assuntos, mas não tem nada a
ver com este, cf. Francis Desramaut, Don-Bosco a Nice: la vie d’une ecole professionnelle catholique entre
1875 et 1919. Paris: Apostolat des Editions, 1980, 367, nota 74.
49
Um relato resumido está em MB XV, 139, onde Ceria omite o nome e fala apenas de “um
professor”. Bertolo, porém, parece que era um clérigo salesiano (F. Desramaut, Don Bosco, 1219).

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Dom Bosco: história e carisma 3

desagradáveis sobre padre Musso, Dom Bosco, os salesianos e suas escolas,


acusando-os explicitamente de imoralidade.50
Ceria prefere pensar que se tratasse de atitudes de um louco fanático
religioso que impunha “penitências” e não de imoralidade.51 Entretanto, as
acusações de “vileza moral” estiveram a ponto de provocar a investigação
de todas as escolas salesianas pela Congregação dos Bispos e Regulares, cujo
prefeito era o cardeal Ferrieri. Também tiveram um efeito adverso na solução
do conflito Bosco-Gastaldi realizada por ordem de Leão XIII, uns dois meses
depois (junho de 1882). O próprio papa expressou sua dor e decepção por-
que os salesianos foram acusados da “mais imoral das condutas”.52
Incidentes tão desagradáveis foram a preocupação de Dom Bosco no III
CG. Ao final do Capítulo, Marenco informa sobre uma premente advertên-
cia de Dom Bosco:

Até há pouco tempo, podíamos estar orgulhosos de nossa história em matéria


de moralidade. Agora estamos feridos, embora talvez não seriamente, pela
má conduta de alguns salesianos descuidados. Nosso bom nome vai-se recu-
perando, mas os diretores devem estar extremamente atentos, pois eles são
responsáveis diante da sociedade pela conduta de seus irmãos [...].
Digam aos irmãos que tais falhas na conduta moral põem em perigo a casa e
a Congregação diante de Deus e da sociedade; diante de Deus, põe em perigo
nossa alma; diante da sociedade, perdemos nosso bom nome.53

Em suas notas esquemáticas, Barberis informa sobre a chamada de aten-


ção de Dom Bosco em termos ainda mais fortes:

Sejamos vigilantes [em relação à moralidade], porque quando se produzem


falhas morais entre nós, comprometemos gravemente nossos meninos, nossa

50
Desramaut dá o nome de alguns desses jornais e cita alguns extratos: o Cronaca dei Tribunali e
o Gazzetta del Popolo, de Turim, o Epoca, de Gênova, o Messaggero, de Roma. Epoca escreveu: “A gente
entra em vertigem quando contempla tal monstruoso abismo de maldade e vergonha”. E o Cronaca dei
Tribunali: “Até mesmo o sistema judicial está comovido, à medida que avança o processo desses assassi-
nos de adolescentes, que trabalham debaixo da capa do hábito religioso. [...] Respeitamos Dom Bosco
[...]. Mas seu nome não deve ser invocado para proteger estes criminosos, nem a bandeira da Caridade
deve ser usada para tapar tão inusitada vileza moral” (F. Desramaut, Don Bosco, 1220-1221.1229,
notas de referência).
51
O relato de Ceria em MB XV, 576ss. MB XV, 813s traz o decreto do fiscal C. T. Villa ao
tribunal de apelação de Brescia em favor do padre Musso.
52
O procurador-geral, padre Dalmazzo, a Dom Bosco, Roma, 15 de maio de 1882, resumido
em MB XV, 578.
53
III CG, sessão décima primeira, 7 de setembro de 1883, Marenco, Atas, 18-19: FDB 1864 B1.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

casa e toda a Congregação, assim como a nós mesmos. Ficamos expostos às


penas da lei, para não falar do castigo eterno de Deus. Ai! Ai! Ai de quem dá
escândalo neste assunto!54

Numa reunião celebrada depois do III CG, o Capítulo superior atuou,


pela primeira vez, expulsando um grupo de irmãos por mau espírito.

Dirigimos nossa atenção para um assunto muito importante que por muito
tempo esteve na mente dos superiores. Defrontamo-nos com a questão de
limpar a Congregação, eliminando alguns de seus membros que não vivem
segundo seu espírito e se converteram em mau exemplo e obstáculo para os
demais. Primeiramente, foi elaborada uma lista desses indesejáveis que apa-
rentemente tinham se recuperado. Depois de ceder com muitos deles, final-
mente foram indicados oito como expulsos. Também foram indicados outros
dois irmãos, mas não serão notificados, pois devem fazer o serviço militar
num futuro próximo e se lhes deixa seguir o seu curso. Esta é a primeira vez
que agimos para expulsar um grupo de pessoas e foi uma experiência penosa.
Todos, porém, aceitaram a medida tomada.55

As passagens anteriores descrevem suficientemente os problemas relaciona-


dos com a criação da “mão de obra” salesiana. O grande crescimento e expansão
da Congregação nos tempos da fundação não foram feitos sem dor e incertezas.
Os ideais tiveram de ser moderados por causa da dura realidade das necessidades
práticas; mas nunca foram perdidos de vista. Ao ler as atas do Capítulo superior
constata-se o esforço constante de estabelecer princípios de conduta e ação que
pareciam mais adequados para a implantação da missão salesiana. Dom Bosco
presidia a maior parte das reuniões, mesmo nos últimos dias de sua decadência
física. Era, às vezes, o espírito condutor, o catalisador e a força de coesão no
esforço conjunto para encontrar as soluções adequadas. A divergência dos pare-
ceres nunca degenerou em ressentimento pessoal; o diálogo livre e vivo jamais
se afastou do objetivo comum. A caridade fraterna, a unidade e a unicidade de
alma e coração, o estímulo paterno de um lado e o respeito filial de outro dota-
ram estes casos das qualidades únicas do espírito salesiano.

2. O espírito religioso e salesiano na Congregação


Quem consultar o material de arquivo ficará surpreso também pelos
temores de Dom Bosco em relação a determinados pontos básicos da vida
54
III CG, sessão décima primeira, 7 de setembro de 1883, Barberis, Atas, 10Ac: FDB 1864 D7.
55
Reunião do Capítulo superior, 14 de setembro de 1883, Barberis, Atas, folha solta: FDB 1879 E12.

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Dom Bosco: história e carisma 3

religiosa e da disciplina da Congregação, como a obediência, a caridade, a


cordialidade e a conduta moral. Ele sempre expressou essas preocupações
quando se oferecia uma boa ocasião. Suas declarações oferecem-nos um ma-
terial precioso para melhor compreender Dom Bosco fundador.
É óbvio que a vida religiosa e a disciplina da Congregação sempre foram
suas profundas e constantes preocupações. É interessante, contudo, constatar
que essas preocupações se manifestaram com maior insistência na década
1875-1885. Isso significa que, a partir da aprovação das Constituições, Dom
Bosco entrou num período de reflexão sobre a vida e o espírito da Congre-
gação.56 É provável que, nesses anos, tenham influenciado sobre Dom Bosco
os motivos que costumam atuar na vida de todo fundador e no processo de
consolidação de todas as congregações religiosas. Deve-se levar em conta,
contudo, que nessa década o conflito com dom Gastaldi também chegara
ao seu ponto crítico e é muito provável que, ao menos algumas das críticas
do arcebispo tenham feito com que Dom Bosco percebesse que a liberdade
inerente ao método e ao espírito salesiano estava dando ou podia chegar a dar
amargos resultados.
Dessa forma, aprovadas definitivamente a Congregação e suas Consti-
tuições, livre da premente necessidade da aprovação, Dom Bosco caminhou
para a consolidação das estruturas de sua obra e dedicou-se a colocar mais
ordem na vida e no trabalho da Congregação. Para tanto, ele tinha incentivos
suficientes, com independência de pressões externas.
Em todos esses anos, Dom Bosco aproveitou as oportunidades que lhe
eram oferecidas para expor seus pontos de vista, lamentar os abusos e inculcar
os princípios pelos quais queria que se formasse e conduzisse a Congregação.
Basta pensar, por exemplo, em seus esforços para dar uma base sólida ao es-
tudo e à formação, incluindo o noviciado regular. Na conferência de Alassio,
de 1879, ele falou da urgência desse assunto:

Nosso trabalho é aperfeiçoar [nossas instituições] tanto quanto pudermos e


tão logo seja possível. Os princípios colocados agora de comum acordo serão
as bases consistentes [da obra salesiana do futuro]. Os jovens que agora estão
em formação assimilarão facilmente estas normas. Se deixarmos que passe
uma geração, com todas as mudanças que isso implica, a dificuldade aumen-
tará notavelmente. Precisamos aprender da experiência de algumas ordens

56
Ver, mais adiante, os principais escritos doutrinais sistemáticos de Dom Bosco neste período,
1875-1885.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

religiosas do passado que, com o tempo, precisaram ser reformadas ou se


dividiram por algum cisma.57

Os Capítulos Gerais apresentavam-se como o foro mais adequado


para pronunciamentos deste tipo, sobretudo, levando-se em conta que,
segundo as Constituições e o Regulamento do Capítulo Geral, neles par-
ticipavam todos os diretores. Tratava-se de uma oportunidade ideal que
Dom Bosco não deixou de aproveitar.58 Nos quatro Capítulos Gerais, mas
especialmente no segundo, Dom Bosco falou com certa amplidão sobre
questões que o preocupavam.
O que ele afirmou nessa época servirá para esclarecer outras declarações
sobre temática semelhante, cujo comentário iluminará sua fundamentação e
seu contexto.

Obediência religiosa e assuntos relacionados


Na sessão segunda do II CG, na manhã de 4 de setembro, depois das
eleições, já com o Capítulo em andamento, Dom Bosco fez o que poderia ser
chamada de conferência importantíssima, verdadeiro relatório sobre o “esta-
do da Sociedade”, tocando uma variedade de temas, primeiro deles a obedi-
ência religiosa. Barberis informa:

Entre as muitas preocupações deste Capítulo, talvez a mais urgente, é res-


tabelecer a obediência religiosa. Não digo que a obediência esteja total-
mente ausente em nossas casas; mas, em muitos aspectos, está em declínio.
Infelizmente, e isso é certo, diria principalmente em alguns superiores. A
falha [...] neste assunto é totalmente inaceitável. Às vezes, ordena-se uma
tarefa ou se dá um cargo a um irmão que, sem dizer uma palavra, não faz
nada. O superior fica tranquilo pensando que o trabalho está sendo feito;
depois, percebe com pesar que, longe de a tarefa estar concluída, nem
sequer foi iniciada [...]. Estas faltas são muito prejudiciais à Congregação.
Todos os salesianos, especialmente os que estão em postos de comando,
devem estar dispostos a fazer sacrifícios, sacrifícios reais, para garantir o
progresso em andamento. Os membros do Capítulo superior devem ser
os primeiros a dar exemplo de absoluta e abnegada obediência. Seu bom

57
Conferência Geral de Alassio, sessão segunda, 7 de fevereiro de 1879, Barberis, Atas, caderno
II, 73: FDB 1878 B2.
58
Cf. nota no art. 3o do cap. 6 (governo religioso da Congregação) nas Constituições de 1875,
texto italiano, em G. Bosco, Costituzioni, 113. Deliberazioni del secondo Capitolo Gene­rale [...]. Turim:
Tipografia Salesiana, 1882, 1, em OE XXXIII, 9.

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Dom Bosco: história e carisma 3

exemplo será um incentivo para os diretores e os prefeitos, e para todos os


membros da Congregação.59

Dom Bosco deu sua opinião e falou sobre a obediência religiosa em


numerosas ocasiões, antes, durante e depois do II CG. Sua reflexão e suas
expressões tratavam, em primeiro lugar, do papel fundacional da obediência
religiosa na Congregação Salesiana. Ele considerava a obediência como essen-
cial para a sobrevivência da Congregação. Esperava que todos os salesianos
aceitassem este princípio em sua totalidade. Estava fora de dúvida que, em
1858, aceitou o projeto traçado por Pio IX, segundo o qual os votos religiosos
seriam um dos dois fundamentos da nova Congregação. O Papa dissera:

Não se contente com uma simples promessa, pois neste caso, o vínculo entre
[...] superiores e súditos não seria adequado. O senhor nunca poderia estar se-
guro deles, nem poderia contar com eles durante algum período de tempo.60

O voto de obediência, nas palavras do Papa, é claramente indicado como


fator básico do compromisso. Isso talvez explique a ordem em que Dom
Bosco enumera os votos na redação das Constituições: obediência, pobreza
e castidade. Como se pode demonstrar facilmente, em seu pensamento, a
caridade, e seu exato exercício, era a meta da vida religiosa, em geral, e a meta
da vida religiosa salesiana, em particular; os votos eram os meios para esse
fim. A caridade, não obstante, ultimum in executione é primum in intentione.
A castidade e a pobreza são os meios da consagração religiosa; e a obediência,
o meio pelo qual o indivíduo se torna disponível para a obra de caridade que
é, em última análise, o meio da santidade pessoal.
Já no início do II CG, Dom Bosco lamenta-se da falta de obediência de
seus salesianos. Esta falha, segundo o pensamento de Dom Bosco, punha em
perigo a meta da vida religiosa, o exercício da caridade.
No ano seguinte, Dom Bosco narrou o “sonho dos diamantes”, que teve
em San Benigno na noite entre 10 e 11 de setembro de 1881, durante os
exercícios espirituais dos irmãos. Como ele mesmo deixou por escrito,61 Dom
Bosco sonhara estar com alguns salesianos numa sala adornada magnificamen-
te, quando apareceu um nobre senhor coberto com um manto esplêndido.

59
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 14: FDB
1857 C9.
60
MB V, 860.
61
O autógrafo de Dom Bosco, reelaborado e corrigido, tudo de sua mão, está em ASC A223
Autografi-sogni: FDB 1346 C12-E2. Segue-se uma transcrição do padre Berto com correções acrescen-
tadas por Dom Bosco: FDB 1346 E3-10. Ver o texto em MB XV 183s.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

O manto era adornado com dez diamantes, cinco na frente e cinco na parte
posterior, cada um com o nome de uma virtude. Na parte mais próxima ao
pescoço trazia uma faixa atada na frente, com uma fita que caía sobre o peito.
A faixa do manto trazia a legenda em latim, “A Pia Sociedade Salesiana em
1881”. Na fita que caía sobre o peito estavam escritas as palavras: “Como deve
ser”. De repente, tudo escureceu e a cena mudou. O mesmo nobre senhor apa-
receu com ar de desgosto. O manto que trazia estava todo corroído e no lugar
dos diamantes havia traças, que devoravam o tecido, criando nele grandes bu-
racos. Novas palavras em latim: “Como a Pia Sociedade Salesiana corre perigo
de ser no ano 1900”. A cena mudou novamente e apareceu um jovem vestido
com uma túnica bordada em prata e ouro. Ao redor da túnica trazia uma fran-
ja com diamantes muito luminosos. Ele cantou uma mensagem de esperança
e um coro de vozes uniu-se ao canto. Em seguida, Dom Bosco acordou.
O sonho em seu conjunto, e especialmente em sua parte central, reflete
as preocupações de Dom Bosco e os temores com a saúde espiritual da Con-
gregação e corrobora o que dissera no II CG do ano anterior.
Quanto à sua ordem, os diamantes-virtudes (em italiano, no rascunho
original; em seguida, foi passado para o latim na correção de Dom Bosco)
aparecem como segue: fé, esperança, caridade, trabalho, temperança, obedi-
ência, [voto de] pobreza, [grande] recompensa, [voto de] castidade. Também
aqui, a obediência precede a pobreza e a castidade. Mais significativo é o lugar
que Dom Bosco, com sua letra, estabelece os diamantes da obediência no
manto. Em seu projeto original, no centro da parte posterior do manto, no
lugar de honra, portanto, ele colocara o diamante da castidade. Em seguida,
porém, corrigiu seu próprio texto e escreveu obediência no lugar da castidade.
Ao comentar o sonho, Stella assinala que, embora Dom Bosco com fre-
quência tenha exaltado a castidade como a virtude mais bela, “escreveu que a
obediência é a primeira e o fundamento de todas as outras virtudes, também
na vida religiosa”.62 É compreensível, portanto, que Dom Bosco insistisse na
prática da obediência. Sua percepção de que os diretores salesianos, e também
os sócios mais próximos, tivessem uma atitude um tanto descuidada na obe-
diência a seus superiores, a ele mesmo em especial, desagradava-lhe muito, o
que explica sua grande preocupação.
Novamente, e com maior ênfase, na nona sessão do II CG, Dom Bosco
voltou a falar da obediência principalmente em relação aos superiores.

P. Stella, Mentalità, 528. Para apoiar esta afirmação, Stella cita II giovane provveduto, 1847,
62

13, e as Memórias Biográficas: MB IV, 749; VI, 800; VII, 555; IX, 526 etc., onde Dom Bosco se
refere ao tema.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Deduz-se de suas palavras que está um tanto, ou melhor, extremamente insa-


tisfeito porque, apesar de tudo o que disse e fez sobre o tema, a resposta não
foi adequada. As tarefas são realizadas de maneira errada ou insuficiente; fica
sem ser feito o trabalho que se devia fazer. A razão por trás disso tudo é que
falta um princípio unificado de ação e cada um segue o próprio caminho.
Solicita-se, então, aos diretores, que comecem a dar bom exemplo a respeito.
Depois, com exortações, conferências e por todos os meios possíveis, devem
solicitar dos seus irmãos que façam o mesmo.63
“Que a prática da obediência seja objeto das conferências [quinzenais do di-
retor]. Estou falando dessa submissão verdadeiramente interior que é tão que-
rida pelo Senhor. Neste ponto, houve um verdadeiro retrocesso. Os mestres
e chefes de oficina querem ser independentes, e só aceitam as ordens de seus
superiores com objeções. Em outras ocasiões, as ordens são aceitas, mas não
são cumpridas. Isso não se deve tolerar. Pois bem, para eliminar essas práticas
abusivas, os diretores devem ser fiéis em prestar atenção àquilo que os irmãos
lhe manifestem e, em suas conferências, devem insistir na observância da re-
gra e na obediência”.64

Dom Bosco queria que essa manifestação fosse uma verdadeira prestação
de contas da consciência; assim o redigiu nos rascunhos das Constituições de
1858 a 1873.65 As autoridades da Igreja, contudo, não estavam de acordo
com a medida como era concebida por Dom Bosco e ordenaram que fosse
reduzida a “uma prestação de contas da vida exterior”. Dom Bosco continuou
a convidar à “plena confiança” nas relações dos irmãos com seu diretor. Na
mesma sessão, a nona, do II CG, Barberis anota: “Dom Bosco tinha coisas a
dizer”. Seus comentários referiam-se ao espírito que deve unir os irmãos ao
seu diretor e entre eles mesmos.

“Os irmãos devem considerar o próprio diretor como pai amoroso, como ir-
mão mais velho, nomeado para esse cargo com a única finalidade de ajudá-los
a realizarem bem o próprio trabalho [...]. Devem estar convencidos de que
uma escola ou uma casa só funciona bem quando os irmãos, em seus diversos
trabalhos, vivem e trabalham unidos com um só coração e uma só alma. Isso,
na prática, não é obviamente possível se os irmãos não colocam seu diretor no

II CG, sessão terceira, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 29-30:
63

FDB 1857 E1-2.


64
II CG, sessão nona, 9 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 73-74: FDB
1858 C9-10.
65
Cf. G. Bosco, Costitutioni, 96-97: “voto de obediência”, art. 7º [6].

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Ideias, inquietações e temores do fundador

centro de toda a atividade e se não lhe abrem completamente o coração [...].


O que fez do primeiro Oratório uma experiência tão grande foi, de um lado, a
doçura no estilo de mandar e, de outro, a obediência voluntária [acrescentado
à margem:] e a atitude de coração aberto ao superior”.66

Dom Bosco, em várias ocasiões também expressou sua profunda preocu-


pação com a preservação e o fortalecimento da cadeia de comando na Con-
gregação Salesiana, insistindo na necessidade de “um princípio unificado”. De
fato, ele tinha um conceito centralizado e unificado da autoridade, especial-
mente em relação a ele mesmo como Reitor-Mor. Seu conceito de autoridade
era piramidal em sua estrutura, tendo o Reitor-Mor no vértice. E incorporou-
-o nas Constituições quando descreveu o governo da Congregação.67
Ao falar no I CG (1877) sobre o plano de dividir a Congregação em ins-
petorias e a comissão nomeada para estudar o assunto, Dom Bosco estabelece
claramente o princípio:

“Neste trabalho, devem ter sempre em conta que a cadeia pela qual se comu-
nica a autoridade jurídica não pode ser manipulada; ou seja, desde o Papa ao
Reitor-Mor, às inspetorias e, finalmente, aos diretores de cada casa local”.68

Com a criação das inspetorias, Dom Bosco não tinha a intenção de


descentralizar o governo da sociedade. Manteve a estrutura piramidal, rigo-
rosamente centralizada da Congregação Salesiana. Na introdução do seu Re-
latório de 1879 à Santa Sé, ele escreve:

Os irmãos determinados para as diversas casas da Congregação dependem do


diretor de sua respectiva comunidade. Os diretores estão sujeitos a um inspe-
tor que preside um determinado número de casas que formam sua inspetoria
ou província. Os inspetores recebem ordens do Reitor-Mor. O Reitor-Mor,
com o Capítulo superior, governa toda a Congregação sob o controle direto
e absoluto da Santa Sé.69

66
II CG, sessão nona, 9 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 70-72: FDB
1858 C6-8.
67
G. Bosco, Costitutioni, 151. Sobre os artigos do voto de obediência e a forma e o estilo da
autoridade e da obediência salesiana, ver o perspicaz estudo de F. Motto, “La figura del superiore
salesiano nelle Costituzioni della Società di S. Francesco di Sales”, RSS 2 (1983), 3-53.
68
CG I, sessão décima sexta, Barberis, Atas transcritas, 254: FDB 1851 E8. A comissão nomeada
para estudar e elaborar um relatório sobre “Inspetorias e obrigações dos inspetores”, era composta pelos
padres Cagliero, Rua e Albera. Cf. MB XIII, 216.
69
Brevi notizie sulla Congregazione di San Francesco di Sales dall’anno 1841 al 1879, em OE
XXXI, 241; cf. MB XIV, 191.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre João Marenco (1853-1921).

E voltou a insistir nessa concepção na sessão de abertura do II CG e,


novamente, na nona sessão. Assim diz a ata:

Dom Bosco insistiu muito neste ponto: os diretores, e também os inspetores,


devem manter cuidadosamente o princípio de que o comando, assim como a
jurisdição, corresponde a uma única pessoa. Por isso, cada um deve esforçar-
-se para garantir a autoridade e manter tudo debaixo da direção unificada do
Reitor-Mor.70
“Para o bom funcionamento da Congregação, é importante que [em cada]
casa, tudo e todos estejam centralizados no diretor; que cada diretor se enten-
da com seu provincial em tudo; e também, cada inspetor com o Reitor-Mor.

70
II CG, sessão primeira, 3 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 8: FDB
1857 C3.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

Se conseguirmos realizar este princípio, poderemos estar certos de ter posto o


funcionamento de nossa Congregação em base sólida”.71

Pelo final do II CG, Dom Bosco propôs que se nomeasse uma comissão
para estudar “como se poderia estender a autoridade do Reitor-Mor direta-
mente a cada um dos membros do Capítulo superior e, depois, a todos os
membros da Congregação, através dos provinciais e dos diretores”. A comis-
são era composta pelos membros do Capítulo superior.72

A caridade e a amabilidade com os alunos, alma do método


educativo salesiano
O método educativo salesiano exige uma dedicação pouco comum, as-
sim como a perícia do educador. Dom Bosco lamentou a diminuição do
espírito de amabilidade de São Francisco de Sales nas casas salesianas, a rup-
tura da relação tão boa e efetiva em tempos passados entre educador e aluno.
Chegou a dizer:

“Também devemos fazer um esforço conjunto e encontrar a forma de cultivar


o espírito de caridade e doçura de São Francisco de Sales. Este espírito está
enfraquecendo entre nós e, como tive ocasião de observar em minhas visitas
às casas, sua perda é especialmente notável nas aulas. Algumas vezes, os alunos
são tratados sem cuidado, porque o professor os despreza. Em outras ocasiões
são abandonados e ficam sozinhos na sala, o professor não lhes faz perguntas
durante longos períodos de tempo e não corrige suas tarefas. Ou ainda, man-
dam-se os jovens para fora da sala. E se o superior os devolve à aula, o professor
os readmite de má vontade e os trata mal, e também guarda rancor pelo su-
perior. Então, o superior, para evitar uma discussão com esse professor o que,
depois, poderia obrigar a tomar medidas contra ele, vê-se obrigado, às vezes, a
expulsar um aluno ou tratá-lo injustamente; quando com um tratamento mais
amável, é certo que se poderia ganhar o menino para que tivesse uma conduta
mais religiosa e melhor. Peço a todos vós, portanto, que reforceis este espírito
salesiano de doçura e de caridade em vós mesmos, e que procureis avivá-lo em
vossas casas, em vossos irmãos, sobretudo se forem eles os professores”.73

II CG, sessão nona, 9 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 74: FDB
71

1858 C5.
72
II CG, sessão décima terceira, 11 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno II,
14: FDB 1858 E8.
73
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 14-15:
FDB 1857 C9-10.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Ao aceitar as escolas e elaborar convênios com as autoridades locais,


uma das exigências de Dom Bosco era que não criassem qualquer obstáculo
ao programa educativo e ao método salesiano. Considerava-o inegociável. Os
locais podiam estar sob o controle de outros, a administração financeira da
escola poderia ser concordada; mas a educação dos jovens devia ser salesiana;
devia estar somente sob o controle salesiano e de acordo com o método sale-
siano. Percebe-se esse estilo na correspondência de Dom Bosco com as partes
contratantes, assim como na discussão sobre as fundações nas reuniões do
Capítulo superior. Quando o colégio de San Michele a Ripa, em Roma, foi
oferecido aos salesianos em 1879, Dom Bosco redigiu um projeto de convê-
nio com o príncipe Gabrielli, presidente da Comissão, nos seguintes termos:

A administração [atual] terá o controle sobre as finanças e o pessoal admi-


nistrativo, a venda dos imóveis, a construção, reformas etc. Dom Bosco, por
sua vez, proverá o diretor, o administrador, os assistentes, um porteiro, os
mestres de oficina e os professores da escola, em número suficiente para ga-
rantir a disciplina, a moral e o êxito educativo dos alunos [...]. Isso permitiria
à Congregação Salesiana pôr em funcionamento os meios indispensáveis para
seus objetivos. Porque em nossas casas só se usa um único método disciplinar.
Nós o chamamos Sistema Preventivo. Esse método evita todos os castigos e
ameaças. Exige um estilo caracterizado pela mansidão, razão, amabilidade e
um tipo muito especial de assistência. São estes os meios que utilizamos para
garantir a disciplina e a moral entre os alunos.74
Nossa exigência fundamental é que nos seja permitido instaurar e praticar o
nosso método educativo sem qualquer interferência.75

A preocupação de Dom Bosco com a prática do método educativo salesiano


é compreensível. Aparentemente, na década de 1880, a inquietação chegou a ser
apreensão. A bem conhecida Carta de Roma, de 10 de maio de 1884, embora
com o estilo do padre Lemoyne, é a última ampla declaração de Dom Bosco
sobre seu sistema educativo.76 Este documento descreve a relação educador-aluno

74
Carta de Dom Bosco a Gabrielli, junho de 1879, em Epistolario III Ceria, 481-482. Note-se
que o termo “amorevolezza” (empregado aqui como componente do trinômio “razão, religião, bonda-
de”) não aparece mais no documento.
75
Carta de Dom Bosco a Gabrielli, 23 de julho de 1879, em Epistolario III Ceria, 499. A buro-
cracia romana e outras complicações impediram que as negociações fossem concluídas com êxito. Cf. o
que se disse anteriormente sobre a fundação da casa correcional de Santa Rita, em Madri.
76
J. M. Prellezo, “Valdocco (1866-1888): problemi organizzativi e tensioni ideali nelle ‘conferenze’
dei primi salesiani’, RSS, 8 (1989), 289-328 (especialmente 294-297, 308-311) descreve a “situação real”
em relação à disciplina e aos castigos usados nos primeiros tempos no Oratório e a disposição gradual ao
longo dos anos de uma verdadeira política disciplinar “dombosquiana”, que não fosse contra os princípios

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Ideias, inquietações e temores do fundador

a partir de uma variedade de pontos de vista, embora destaque, sobretudo, a


presença, o amor, o espírito de família, a confiança, e faz uma defesa em favor do
retorno ao método da amabilidade na educação salesiana.77
Como informa padre Marenco, Dom Bosco falou sobre o tema em seu
discurso de encerramento aos membros do III CG, cuja maioria era formada
por diretores de comunidades salesianas:

Em relação à aplicação de castigos, insisti o tempo todo [com vossos irmãos]


para que pratiquem o método educativo salesiano (Sistema Preventivo). Alguns
salesianos esbofeteiam os jovens ou [nas refeições] os confinam numa mesa de
castigo por uma semana inteira. Deixai claro que um professor pode repreen-
der um menino ou chamá-lo à ordem, mas não pode infligir castigos corporais
a ninguém. Pelo contrário, deve levar [os casos difíceis] perante o diretor, que
atuará de acordo com o método salesiano. A experiência demonstrou que os
jovens são frequentemente menos culpáveis do que parecem ser à primeira
vista78 [...]. O diretor deveria admoestar os irmãos que recorrem aos castigos
corporais, em particular, obviamente, nunca na presença dos meninos. Ad-
moestados em particular, de maneira amável, serão facilmente convencidos a
escutarem o diretor e usarem o método salesiano.
Os bons resultados [que se devem esperar da prática do método salesiano]:
1o Ganharemos a confiança dos meninos. 2o As vocações serão promovidas
em maior número. 3o Os meninos deixarão a escola como amigos, não como
inimigos. 4o Pode ser que não se consiga melhorá-los e comecem a dar bom
exemplo, mas, ao menos, não piorarão nem darão mau exemplo.79

fundamentais do Sistema Preventivo. Prellezo cita o uso de algumas formas “extremas” de castigo no Orató-
rio com o consentimento de Dom Bosco. Refere-se, também, a uma carta escrita por Dom Bosco ao chefe
de polícia de Turim: “A fim de controlar alguns jovens [...] nós temos permitido usar todo meio adequado e,
em casos extremos, buscar a ajuda da polícia, como fomos obrigados a fazer em várias ocasiões”. Cópia desta
carta autógrafa, sem data, mas que pode ser datada em fins dos anos sessenta do século XIX, encontra-se em
ASC A173, Lettere autografe: FDB 4 B2-4.
A Carta sobre os castigos, de 29 de janeiro de 1883, que por muito tempo foi atribuída a Dom Bosco,
não é sua, como o demonstrou repetidamente o professor Prellezo. Cf. J. M. Prellezo, “Dei castighi da infli-
ggersi nelle case salesiane: una lettera circolare attribuita a Don Bosco”, RSS 5 (1986), 263-308. Idem, “’Dei
castighi’ (1883) puntualizzazioni sull’autore e sulle fonti redazionali dello scritto”, RSS 52 (2008), 287-307.
77
Ver a edição crítica e um estudo da carta em seu contexto histórico, em P. Braido, “La Lettera
di Don Bosco da Roma del 10 maggio 1884”, RSS 3 (1884), 296-374; Idem, La Lettera di Don Bosco
da Roma del 10 maggio 1884 (Roma: LAS, 1984); Idem, “Due Lettere da Roma”, Scritti Pedagogici e
Spirituali (LAS: Roma, 1987, 269-303); J. M. Prellezo, “La(s) carta(s) de Roma (1884)”, Cuadernos
de Formación Permanente, 17, 2011, 179-202.
78
Marenco anota sobre este tema: “Aqui, Dom Bosco relata um episódio para confirmá-lo”. A
carta não foi conservada.
79
III CG, sessão de encerramento, 7 de setembro de 1883, Marenco, Atas, 20: FDB 1864 B2.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Promoção das vocações


Dom Bosco queria que a caridade e a doçura de São Francisco de Sales
não só reinassem em todas as relações entre alunos e professores; ele desejava
também que o mesmo espírito estivesse presente na comunidade de educa-
dores. Se os jovens percebessem que reinava unidade e amor na comunidade
de educadores, ver-se-iam atraídos para seguir a mesma vocação. Falou sobre
isso com certa determinação no principal discurso do II CG:

As vocações estão diminuindo em ritmo alarmante, em toda a Igreja em geral


e, infelizmente, também entre nós. Houve um tempo em que, quando um
jovem demonstrava o menor sinal de vocação de vir conosco, éramos capazes
na maioria dos casos de consegui-lo, de modelá-lo de acordo com o nosso
espírito e fazer dele um sacerdote. Já não é assim. Há provas, cada dia mais
contundentes, de que nossas escolas caminham aos poucos na direção das ou-
tras escolas. Nossos alunos de hoje já não se sentem atraídos pelo arrojo para
o bem, para a prática religiosa e para a imitação de seus educadores religiosos,
que era tão evidente nos velhos tempos. Como, então, poderemos reverter
essa tendência, de modo que se possam promover as vocações como antes?
Nossos esforços devem ser ainda mais intensos diante dos perigos sempre
maiores e do assalto implacável do mal.
Primeiramente, devemos começar a nos tratarmos uns aos outros e a todos
os irmãos com caridade e amabilidade recíproca. Os jovens sentir-se-ão forte-
mente atraídos à nossa forma de vida ao perceberem que a caridade e a doçura
reinam entre nós. Em segundo lugar, temos de estender aos alunos o mes-
mo amor com que tratamos nossos irmãos. Quando isso acontecer, os jovens
serão cativados; e logo que tenhamos conquistado o seu afeto, poderemos
influir em sua vocação. Essa foi a minha experiência. Quando um menino de-
cide abandonar a escola, eu não me oponho. Mas quando está para ir embora,
aproximo-me dele de maneira amistosa e lhe digo: “Vais para tua casa, e isso
é maravilhoso; mas me farás um grande favor se me disseres com franqueza
o que provocou a tua decisão de ir embora”. Frequentemente, suas respostas
são: “Gostaria de ser salesiano, mas vejo que os salesianos não se dão bem e
falam mal uns dos outros. Já não quero ser um deles”. Devo dizer-te que os
poucos culpados não refletem o espírito da Congregação, que a maioria dos
salesianos é formada por bons religiosos. Mais uma vez, a resposta habitual
é: “Isso é verdade; percebo que há muitos salesianos virtuosos, mas o que vi
causou-me uma impressão tão ruim, que abandonei o desejo [de ser salesia-
no]. Dadas as circunstâncias, temo que não me sirva para nada”. Outros vão
embora devido a algum defeito que notaram em seus superiores. O superior

492

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Ideias, inquietações e temores do fundador

em questão pode ser que seja um santo homem, mas pode ter a tendência de
tratar os meninos de maneira áspera ou impaciente. Todas as suas virtudes são
deixadas de lado e o defeito se converte em fator decisivo.
Permiti-me que o repita: a doçura e a caridade entre nós mesmos e para com
os meninos são os meios que melhor realizam a boa educação e a promoção de
vocações. Esta é a razão dada pelos meninos: “Se os salesianos se amam assim
uns aos outros, também haverão de me amar; serei um deles”. É certo que não
se deve entrar na Congregação com a finalidade de encontrar amor. Mas os
meninos raciocinam assim. Quando entram, começam a se comportar bem e,
aos poucos, convertem-se em autênticos [membros] ativos da Congregação e
fazem muito bem. Em outras circunstâncias, nunca teriam entrado; na maioria
dos casos, ter-se-iam desorientado completamente e acabariam mal. A mansi-
dão e a caridade, pelo contrário, haveria de lhes proporcionar sua salvação.80

Recrutar vocações para o sacerdócio e a Congregação Salesiana foi uma


das preocupações importantes de Dom Bosco. A grande expansão do seu tra-
balho educativo, iniciada na década dos anos 1860, na forma de internatos,
haveria de ser de grande ajuda para esse objetivo. Para tanto, era necessário
uma mudança: dirigir-se aos jovens moralmente sadios, nos quais se pudesse
desenvolver o ideal da vocação. Dom Bosco denuncia a corrupção da socie-
dade do seu tempo e o mal que se fazia aos jovens pela libertinagem sexual
desenfreada; deplora o fato de as escolas salesianas não poderem ficar imunes
a esse vírus. Obviamente, o internato salesiano não podia dar guarida a jo-
vens que pudessem converter-se em agentes de corrupção moral. O número
de meninos que, por esta razão, abandonaram ou foram expulsos, foi prova-
velmente muito maior do que o daqueles que foram embora por terem sido
maltratados. Levando em conta o contexto, Dom Bosco fala da importância
de uma vida moral exemplar para a promoção da vocação.

A vida moralmente sadia é o fundamento da vocação. É uma pena a vasta e


crescente generalização da imoralidade na sociedade atual. Apesar de nossos
melhores esforços, vemo-nos frequentemente obrigados a expulsar alguns jo-
vens de nossas escolas por esse motivo. Eles vêm a nós já contaminados pelo
vício. Embora não caiam nele durante algum tempo, logo voltam aos seus
maus hábitos. É fundamental mantermos uma vigilância extrema. Devemos
começar por dar bom exemplo e jamais permitir que surja entre nós nem
mesmo a menor falta moral. Temos, pois, de utilizar todos os meios à nossa

80
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880. Barberis, Atas transcritas, caderno I, 15-17:
FDB 1857 C10-12.

493

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Dom Bosco: história e carisma 3

disposição para promover os bons costumes e o espírito de piedade entre nos-


sos meninos, como também a frequente e digna recepção dos sacramentos;
deve-se afastar tudo que possa ser prejudicial aos nossos jovens a esse respeito.
Precisamos lutar muito nestes tempos em que a regra é a libertinagem sexual.
Há meninos que iniciam uma sequência de hábitos imorais quando têm apenas
4 ou 5 anos de idade; e isso acontece também nos jardins de infância. Eu jamais
acreditara que os jardins de infância, nos quais convivem meninos e meninas,81
pudessem causar tanto dano. Meninos precoces, de 8 ou 10 anos, hoje em dia,
já adquiriram a malícia de um jovem de 18 ou 20 anos de idade de outros
tempos. A decadência moral é responsável pela sua energia decadente e por
minar a boa saúde dos jovens. Estando assim as coisas, raramente é possível
a educação de um filho no estilo de vida viril e forte, capaz de iniciar tarefas
extenuantes e nelas perseverar, sem danos para a saúde. Com o fim de manter
suas escolas abertas e com a matrícula adequada, há congregações religiosas
que se veem obrigadas a adequar-se a esses tempos, cedendo no rendimento
das matérias como o restante dos estudantes, nas taxas e na quantidade dos
trabalhos exigidos. A saúde e a resistência dos jovens não são o que costuma-
vam ser. Isso se deve à decadência moral. E o pior é que onde a imoralidade se
instalou, a semente da vocação religiosa é sufocada e substituída pela aversão
a tudo o que for sagrado.82

Em seguida, vem um parágrafo sobre alguns meios práticos para a pro-


moção das vocações. O nome do padre Rua aparece no início do parágrafo
nas notas originais de Barberis,83 indicando que, provavelmente, nesse mo-
mento, o padre Rua teria perguntado sobre o que fazer na prática, e Dom
Bosco respondeu:

Sobre o modo de promover as vocações, permito-me sugerir os seguintes meios


práticos: 1o Falar sempre bem dos sacerdotes. 2o Eliminar de forma sistemática
as más companhias. 3o Eliminar os livros maus que podem não ser maus em
si mesmos, mas podem servir para excitar a imaginação ou estimular as pai-
xões. 4o Os professores, assistentes, diretores e pregadores no púlpito devem
falar com frequência sobre o tema da vocação. Devem deixar claro que a vida

81
A formulação em cursivo é um acréscimo interlinear. Os jardins de infância foram introduzi-
dos na Itália e em Turim pelo pedagogo padre Ferrante Aporti (1791-1858). Propiciava novos métodos
na educação das crianças, tendo incorrido na censura das autoridades da Igreja. Dom Bosco censurou
e foi muito crítico com este educador; ver, por exemplo, MB II, 188; 209s; 213.
82
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 17-18:
FDB 1857 C12-D1.
83
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas, 8: FDB 1856 B7.

494

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Ideias, inquietações e temores do fundador

depende da escolha da reta vocação e que, por isso, deve-se pensar muito, rezar
e pedir conselho. Evitar dizer a um menino que deve ou não ser sacerdote.
O importante é que os meninos pensem na vocação e escolham aquela que
lhes seja mais adequada. Depois, se existir a semente de uma vocação [ao sacer-
dócio ou à vida religiosa] ela não será sufocada, mas se desejará que germine. 5o
Promover a leitura de nossas publicações, como a vida de Domingos Sávio, de
[Miguel] Magone etc. Uma pessoa jovem raciocinará assim: “Uma casa, uma
escola, uma congregação que pode tornar santos estes jovens é digna do meu
apreço e admiração; e, se eu quisesse ser sacerdote, é aí que eu gostaria de sê-
-lo. Na verdade, eu até poderia tentá-lo”. 6o Trabalhemos bem duramente. Há
muitos frades e sacerdotes que se dedicam à pregação, à confissão etc.; contu-
do, não se identificam suficientemente e o povo o sabe. Os salesianos, porém,
são vistos ensinando na aula, dando instrução religiosa, pregando do púlpito;
estão um pouco por todas as partes e fazem um pouco de tudo. Esta [atividade
incansável] é o que atrai as pessoas para nós. Alguém me disse há algum tem-
po: “Enviei um salesiano a Roma e ele pôs metade da cidade em movimento.
O que teria acontecido se o senhor tivesse mandado 15 ou 16 salesianos?”.84

A promoção e o cultivo das vocações causou preocupação em Dom Bos-


co mesmo no período anterior ao II CG, pois falou sobre o tema em termos
semelhantes na conferência geral de Alassio (1879), também destacando o
papel da vida sacramental e do confessor no assunto.

Básico para o desenvolvimento da vocação é uma boa vida sacramental. Deve-


mos criar um ambiente em que essa vida possa florescer. Mas não é suficiente,
pois é apenas a base em que se deve construir. Os diretores devem falar sobre
a vocação em várias ocasiões durante o ano. Não há jamais a necessidade de
dizer a um jovem: “Deves ou não deves ser sacerdote”. Os meninos, contudo,
devem saber que há dois caminhos que levam à salvação: alguns são chamados
a entrar por um [caminho] e outros, por outro. Devemos orar e perseverar
na oração para que o Senhor nos mostre qual dos dois é o nosso, aquele pelo
qual derramará suas graças salvadoras sobre nós. Para isso, deve-se buscar o
conselho do confessor.
Meios muito eficazes, adequados à semente da vocação ao sacerdócio e à nossa
Congregação e fazê-la crescer, são: 1o O amor que demonstramos em nossas
relações com os meninos. 2o A caridade recíproca que eles veem existir na

II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 19-
84

20: FDB 1857 D2-3. Padre Francisco Dalmazzo foi o primeiro salesiano residente em Roma, como
procurador-geral (1880).

495

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Dom Bosco: história e carisma 3

comunidade de seus educadores; e como veem que seus educadores se tratam


mal uns aos outros ou vivem mal uns com os outros, nunca desejarão ser
como eles, fazer-se salesianos.85

Em comentário adicional, Dom Bosco alongou-se sobre o papel do con-


fessor, citando sua experiência pessoal.

É muito importante que nossos meninos sejam dirigidos por confessores [sa-
lesianos], porque eles estão imbuídos do espírito salesiano. É frequente que se
peça a alguns sacerdotes que estão conosco por longo período de tempo que os
ouça em confissão. Podem ser bons e santos sacerdotes, mas, não sendo salesia-
nos, não são formados no espírito da nossa Congregação. O conselho que dão
na confissão pode ser contrário àquele que um sacerdote salesiano daria. Como
consequência, o menino perde a confiança em seu confessor [salesiano] ou em
seu diretor. Não posso pensar em nada mais prejudicial para uma vocação.
Durante um retiro espiritual em Lanzo, um jovem buscou o conselho de Dom
Bosco a respeito de certa dificuldade na vocação. Em seguida, foi confessar-se
com um sacerdote visitante, não salesiano, e recebeu um conselho oposto. Esse
foi o início do deslize do jovem até a total ruína espiritual.86

Dom Bosco retornou ao tema da vocação numa sessão posterior do II


CG, sublinhando novamente a importância de uma vida moralmente boa
para preservar a vocação.

O Senhor semeia a semente da vocação no coração de muitos de nossos


jovens, de modo que se mantenham bons, amam a vocação sacerdotal e
sentem o desejo por ela. Constata-se, porém, literalmente, que o Senhor se
retira de um jovem que começa a pecar e perde o precioso dom da castidade.
Em seguida, a vocação sacerdotal perde toda a sua atração para esse jovem;
na maioria das vezes, converte-se em objeto de chacotas e de ridículo. Se
conseguirmos preservar a virtude de um jovem, veremos crescer e florescer
nele a semente da vocação.87

Pouco mais tarde, na mesma sessão, Dom Bosco é novamente citado so-
bre o tema da vocação, que desta vez, segundo a teologia do tempo, destacou
a obrigação de seguir a vocação.

Conferência de Alassio, sessão segunda, 7 de fevereiro de 1879, Barberis, Atas, com as atas do
85

Capítulo superior, caderno II, 72: FDB 1878 B1.


86
Conferência de Alassio, sessão segunda, 7 de fevereiro de 1879, Barberis, Atas, com as atas do
Capítulo superior, caderno II, 74: FDB 1878 B3.
87
II CG, sessão sexta, 6 de setembro de 1880, Barberis, Atas, caderno I, 50: FDB 1858 A10.

496

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Ideias, inquietações e temores do fundador

A boa conduta moral é fundamental no desenvolvimento de uma vocação.


Mas mesmo quando existir este requisito, não há que se dizer ao jovem: “Tu
deves ou não deves ser sacerdote; deves ou não entrar na Congregação”. Os
jovens devem ser instruídos sobre o tema da vocação. Primeiramente, deve-
-se fazê-los entender a obrigação de seguir a própria vocação. Depois disso, a
decisão é deles. Há que se lhes dizer também para não irem se aconselhar com
vários sacerdotes; caso pensem na vida religiosa, para não irem pedir conselho
a sacerdotes seculares.88

Trabalhar sem descanso pelos jovens necessitados, caminho


de espiritualidade e meio de sobrevivência para a Congregação
A vida ativa no exercício da caridade pastoral é a forma salesiana de vida
espiritual: espiritualidade ativa. Também será ela a garantir a simpatia e a
boa vontade das pessoas de todas as tendências, principalmente quando este
ministério for realizado em favor dos meninos pobres e sem lar.

Trabalhemos, pois, com tenacidade. Com todos os meios e em todos os lugares,


procuremos salvar o que é bom nas pessoas, [especialmente] nos jovens, para
aumentar o bem que já existe, embora contenha algum defeito, e para suprir as
carências. Então, teremos ganhado, falando até mesmo humanamente, o apoio
do povo, tanto bom como mau. Nunca me esquecerei do que o grande Pio IX,
de feliz memória, me disse certa vez: “Vivemos numa época materialista. Fazer
orações, realizar atos de devoção, receber os sacramentos..., estas coisas nada
significam para os materialistas. São necessárias obras exteriores. Precisamos
igualar sua atividade filantrópica com as obras de caridade [próprias nossas],
como acolher os [jovens] necessitados, visitar os presos nas prisões etc.”. Ao
mesmo tempo em que estas obras nos tornam amados de Deus, nos garantem
também a boa vontade [inclusive] da gente má. Então, não só nos darão liber-
dade de ação, como também apoiarão nossa atividade caritativa.
Tive muitas ocasiões para estar ou tratar com gente muito anticlerical, os
liberais da primeira época. A maioria das vezes, eles não sabiam quem eu era;
mas quando a conversa se voltava para nós e o nosso trabalho, sempre admi-
tiam: “Sim, Dom Bosco e os salesianos, como trabalham! Eles deram um lar a
muitos meninos pobres da rua; merecem o apreço da sociedade; fazem muito
bem. Sacerdotes deste tipo podem estar sempre conosco pelo bem do povo”.

88
II CG, sessão sexta, 6 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 51: FDB
1858 A11.

497

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Dom Bosco: história e carisma 3

Nem as orações nem os milagres serão de proveito para neutralizar este mun-
do perverso. São necessárias as obras. Precisamos dar o quanto possível um
lar a muitos jovens.89

Como exemplo, Dom Bosco relatou um episódio acontecido em Marse-


lha, em que esteve envolvido pessoalmente.
O que impressionou tanta gente em Marselha e os tocou a nosso favor?90
Tudo começou com um pequeno incidente. Era uma noite muito fria e es-
tava nevando. Quando retornava ao nosso orfanato, vejo um menino de pé
numa esquina próxima, chorando e congelado de frio. Aproximo-me e pro-
curo conversar com ele, mas não obtenho resposta. Tento novamente e, en-
fim, responde: “Estou com fome”. Levo-o comigo para casa, onde lhe dão
de comer. Depois lhe dizem: “Agora, vai para tua casa, com teus pais”. “Não
tenho pais”, diz. “Dá-nos pena, mas vai para casa defende-te do frio”. “Não
tenho casa para onde ir”. “Então, onde passas as noites?”. “Nos pórticos, em
qualquer lugar”. Nesse momento, o internato estava cheio e não havia nem
uma cama disponível. Não importou; foi acomodado para passar a noite. No
dia seguinte, foi matriculado como aluno e ainda está conosco. Algumas pes-
soas foram testemunhas do fato; depois, inteiraram-se de que o menino fora
aceito. Começaram a correr a voz e logo toda a cidade estava falando do caso.
[As pessoas ricas] vieram em carruagens para nos visitar de todas as partes
[da cidade]. Os salesianos conquistam a boa vontade de todos, bons e maus.
Numa palavra, trabalhemos arduamente e a Congregação será abençoada.91

A prioridade da caridade pastoral na espiritualidade salesiana foi uma


das convicções mais arraigadas de Dom Bosco. A pesquisa feita por ocasião
da redação da sua História da Igreja, publicada pela primeira vez em 1845,
ensinara-o que muitas ordens e congregações buscaram e ainda buscavam
a santidade nos exercícios ascéticos e religiosos. Como consequência dessa
percepção, as ordens e congregações religiosas que Dom Bosco destaca com
referência especial, desde os dominicanos até os salesianos, foram as que pro-
curaram explicitar a caridade pastoral de Cristo pelos pobres, especialmente
os jovens.
89
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 20-21:
FDB 1857 D3-4.
90
O orfanato de São Leão e o Oratório foram estabelecidos em Marselha no final de 1878,
através de um convênio com o pároco local, cônego Clément Guiol, e a sociedade Beaujour. No início,
a obra deparou-se com a oposição de grupos anticlericais, mas logo chegou a ser a fundação salesiana
mais importante no sul da França. Ver MB XIII, 730s, onde, contudo, não se menciona o “episódio”.
91
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 21: FDB
1857 D4.

498

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Ideias, inquietações e temores do fundador

Como forma de santidade ou espiritualidade, Dom Bosco propôs aos


seus salesianos a imitação da caridade pastoral de Cristo, o bom-pastor. Dei-
xou-o claro no preâmbulo das primeiras Constituições e no artigo 1o do ca-
pítulo sobre o Fim da Sociedade. Nos primeiros rascunhos, ele insistia neste
artigo na relação entre a imitação da caridade pastoral de Cristo e a perfeição
religiosa ou a santidade. A santidade é obtida mediante o exercício da cari-
dade pastoral. Por força das circunstâncias, o artigo precisou ser reelaborado
na forma mais tradicional;92 Dom Bosco, contudo, jamais se desviou da sua
convicção de que a santidade é obtida através da imitação da caridade pas-
toral de Cristo. E, por isso, mediante uma vida ativa no apostolado. Essa é a
doutrina que ele propôs, por exemplo, nas cinco edições da biografia de Sávio
(1859-1878).93 Nos comentários (Cose da notarsi) apresentados por ele com o
texto constitucional de 1864, estabelece claramente:

A finalidade desta Sociedade, no que se refere aos seus membros, é oferecer-


-lhes a oportunidade de se unirem em espírito com o fim de trabalhar para
a maior glória de Deus e a salvação das almas. Encontramos inspiração nas
palavras de Santo Agostinho: Divinorum divinissimum est in lucrum anima-
rum operari [De todas as obras divinas, a mais divina é dedicar-se a ganhar
almas para Deus]. Considerada em sua existência histórica, [esta sociedade]
tem por fim continuar o que esteve em vigor durante os últimos vinte anos
no Oratório de São Francisco de Sales.94

Junto com a imitação da caridade pastoral de Cristo, Dom Bosco enfa-


tizava, como no episódio de Marselha, a opção pelos pobres. Sua intervenção
no II CG é digna de menção. Ao revisar as negociações para uma escola,
reafirmou a opção salesiana. Assim diz a ata:
[Dom Bosco] reiterou o que dissera muitas vezes no passado, ou seja, que a
nossa principal base e, portanto, o principal objetivo de nossa ação pastoral
é receber os meninos pobres que trabalham em empresas e manter abertos
oratórios aos domingos e dias festivos95. Quanto às escolas, [devemos aceitar]

92
Ver comentário sobre as circunstâncias que determinaram a reelaboração deste artigo, em F.
Desramaut, “Lo scopo della Società nella costituzioni salesiane”. In: La missio­ne dei salesiani nella
Chiesa. Turim: LDC, 1970, 65-85; A. Lenti, “Community and mission: spiritual insights and salesian
religious life in Don Bosco’s Constitutions”, JSS 9:1 (1998), 1-57.
93
G. Bosco, [...] Savio [...] (1859), 53, em OE XI, 203.
94
G. Bosco, “Cose da notarsi [...]”, em G. Bosco, Costituzioni, 229. Dom Bosco reafirmou este
ponto de vista muitas vezes, por exemplo, no “Resumo histórico” (Cenno istorico), apresentado em Roma
com o texto constitucional em 1873-1874 (P. Braido, Don Bosco per i giovani, 125); nos Regulamentos
para os salesianos cooperadores (G. Bosco, Cooperatori salesiani, ossia... [1876] 6, em OE XXVIII, 260).
95
“E para dirigir os oratórios aos domingos e dias festivos”, aparece como acréscimo à margem.

499

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Dom Bosco: história e carisma 3

só96 aquelas com as quais se sirva o povo (pel popolo) e os jovens pobres, de-
satendidos. [Disse:] “Estas obras pastorais correspondem mais ao nosso fim,
realizam um bem enorme e atraem a simpatia e a ajuda de todas as pessoas,
boas e más. Ao mesmo tempo elas precisam de menor número de pessoal;
e, o mais importante em nossos dias, é que o pessoal não tem por que ser
academicamente qualificado. Infelizmente, temos pouco pessoal com títulos,
diplomas ou graus. Nestes lares para meninos aprendizes poderemos, depois,
estabelecer aos poucos também uma escola elementar. Esta estratégia reduzirá
o perigo de investigações por parte das autoridades escolares, que desejam
comprovar o programa de estudos e o atestado de professores”.97

Sobre a leitura de livros impróprios ou proibidos


Os temas referidos até agora são aqueles tratados por Dom Bosco na confe-
rência inaugural feita no início do II CG. Pouco mais tarde, no mesmo período
de sessões do Capítulo, parece que por sugestão de Dom Bosco, falou-se das lei-
turas profanas dos salesianos, em particular as dos jovens clérigos salesianos. Dom
Bosco pôde expressar sua opinião, lamentando o fato de que essa literatura, nor-
malmente histórias de amor cavalheiresco, era muito prejudicial. Suas palavras
poderiam ser consideradas como uma continuação da conferência de abertura.

Para salesianos
Quanto ao material de leitura adequada, Barberis informa:
Deixando outros temas menos importantes, surgiu o da leitura e dos maus
livros. Dom Bosco expressou sua preocupação com os livros que alguns de
nossos clérigos leem com prazer. [Disse:] “Essas leituras podem ser muito
prejudiciais para nossos jovens, porque é o que são na realidade os nossos
clérigos. É certo que os livros são lidos de forma rápida, simplesmente pela
novidade da trama, e no momento da leitura não fazem nenhum dano. Mais
tarde, contudo, recordam-se e detêm-se num deles, e suscitam ideias que es-
tão em desacordo com os ensinamentos doutrinais e morais da religião cristã”.
Insistiu-se com os diretores, com firmeza, para que afastassem este tipo de
literatura das mãos de seus jovens e de seus irmãos. Foram assinaladas espe-
cialmente como obras a retirar, as de Ariosto, Metastasio, D’Azeglio e Giusti.
Mas não se devia parar aqui. Deve-se desaconselhar também a leitura de no-
velas que, de fato, não são más e foram escritas com boa finalidade, mas que

“Só” está riscado.


96

II CG, sessão oitava, 7 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 62-63:
97

FDB 1858 B10-11.

500

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Ideias, inquietações e temores do fundador

terminam enchendo a cabeça de pensamentos frívolos e fantasias amorosas: I


promessi sposi [de Manzoni] e, também, os livros de Bresciani, Franco e outros
semelhantes que são citados como exemplo dessas novelas.98

Dom Bosco também fez uma séria advertência contra as leituras proi-
bidas, e mesmo contra apresentá-las favoravelmente, porque degradam ou
contradizem a doutrina católica em assuntos de fé e moral.99

Dom Bosco acrescentou: “Há uma mania entre os sacerdotes mais jovens,
como também nos mais velhos que ensinam nas escolas, de lerem livros proi-
bidos, e pedem-me licença [para isso]. Este é um assunto muito sério. Para o
verdadeiro conhecimento da fé católica em toda a sua beleza, deve-se adquirir
um profundo conhecimento da mesma em sua totalidade. Se a mente estiver
cheia de preconceitos [contra a fé católica], embora seja em apenas um ponto,
ela não será apreciada em seu conjunto. Creio, pois, que nunca se devam ler
livros maus, mesmo se alguém está certo de não sofrer qualquer dano moral
[com essa leitura]. Há muitos livros bons disponíveis sobre todos os tipos
de temas. Recorramos a essas fontes nas quais sobressai a excelência, e não
percamos tempo em buscar na lama o pouco bem que possa ter. Além disso,
ocorre raramente que mesmo esse pouco de bom esteja completamente livre
de sujeira, ou que tal leitura não produza o efeito de diminuir a própria devo-
ção ou aumentar o preconceito pessoal contra a religião”.100

98
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 22: FDB
1857 D5. Entre os escritos poéticos de Ludovico Ariosto (1474-1533) está o poema épico cavalheires-
co, Orlando furioso, considerado a melhor expressão poética do renascimento italiano. Pedro Metastasio
(1698-1792) é autor, entre outras obras, de numerosos melodramas (Didone abbandonata, La clemenza
di Tito etc.). Máximo Taparelli, Marquês d’Azeglio (1798-1866), escritor piemontês e político ativo
no Risorgimento, é autor de novelas políticas (Ettore Fieramosca etc.) e de memórias (I miei ricordi). José
Giusti (1809-1850), poeta e escritor, conhecido pelas suas sátiras políticas e sociais (Lo stivale etc.).
Alexandre Manzoni (1785-1873), novelista italiano e poeta ativo no tempo do Risorgimento, conhe-
cido especialmente pela sua obra I promessi sposi (Os noivos), novela histórica da Itália do século XVII
com ressonâncias políticas. Antônio Bresciani (1798-1862), jesuíta, novelista e polemista de La Civil­tà
Cattolica. Segundo Franco, pregador jesuíta e escritor religioso.
99
O Santo Ofício proibia alguns livros explicitamente pelo seu nome, e depois eram incluídos no Índex
Librorum prohibitorum. Contudo, muitos outros livros estavam proibidos, ipso jure; o código em vigor na épo-
ca enumerava uma dezena de categorias de livros proibidos. Basicamente, todos os livros, católicos ou não, que
contradissessem o ensinamento tradicional da Igreja nos âmbitos da Sagrada Escritura, da doutrina teológica
e filosófica e da doutrina e da prática moral, estavam proibidos por lei. Também por lei estavam proibidos os
livros que ridicularizassem a religião, defendessem práticas alheias à ética cristã, o suicídio, por exemplo, ou
fossem irreligiosos, por defender a superstição, a magia etc., ou lascivos ou obscenos. Em nosso caso, parece que
se tratasse principalmente de literatura que não respeitava a doutrina, a filosofia, a religião ou a moral católica.
100
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 22-23:
FDB 1857 D5-6.

501

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Dom Bosco: história e carisma 3

A preocupação de Dom Bosco com as leituras dos irmãos parece ter sido
motivada, primeiramente, pelo que ele esperava que fosse um compromisso
inquebrantável de seus salesianos com a fé e a vida moral católica. Contu-
do, também era motivada, sem dúvida, pela percepção do perigo espiritual
que havia nessas leituras. Pois se Dom Bosco, de um lado, queria que seus
seguidores estivessem “com o mundo” e que trabalhassem sem temor “no
mundo”, de outro, acreditava que devia defendê-los das más influências do
mundo com medidas cautelares destinadas a protegê-los. Contudo, além das
preocupações de proteção, na separação do mundo ou na renúncia a ele (fuga
mundi), também havia um componente importante de ascese salesiana.

Para jovens
A preocupação de oferecer proteção parece que foi decisiva para a pre-
mente chamada de atenção de Dom Bosco sobre o controle estrito e a su-
pervisão de todo o material de leitura dos jovens nas escolas salesianas. Sua
convicção de que pela leitura de livros, mesmo aparentemente inofensivos,
poder-se-ia produzir algum grave dano espiritual aos jovens, evidencia-se em
sua exortação final no II CG.

“Peço, também, insistentemente, aos diretores e professores, que evitem lou-


var esses livros cujo conteúdo pode ser bom em parte, mas que são passíveis
de objeção desde outro ponto de vista. Por exemplo, um autor como [Nico-
lau] Machiavelli é louvado pelo seu estilo e pelos escritos históricos, e com
razão. Mas o jovem que ouve os louvores favoráveis a este autor, deseja obter
seus livros e lê-los. Melhor seria advertir que não será de muita utilidade, ape-
sar de seus aspectos bons; há que se lamentar muito nesses escritos: Nitimur
in vetitum (Caímos pela atração do proibido)”.
Afirmou-se que vários livros descritos como inadequados, como o de Manzoni,
foram vendidos em nossas livrarias, alguns deles também a preço popular. Alguém
sugeriu que os livros deveriam ser vendidos apenas a clientes de fora, não a nossos
estudantes. Dom Bosco falou contrariamente a tal medida ambígua: “O que é
prejudicial para nossos jovens também pode causar dano aos demais. Não devemos
pôr esses livros à venda de maneira alguma. Não devemos criticar os que os ven-
dem ou os imprimem, mas não devemos favorecer sua circulação. O menos que
podemos fazer é assumir uma posição de não participação”.101

101
II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Barberis, Atas transcritas, caderno I, 23-24:
FDB 1857 D6-7. Nicolau Machiavelli (1469-1527), político e filósofo italiano, viveu em Florença; au-
tor de Il principe (O Príncipe), seu livro mais famoso, também escreveu ensaios de história e literatura.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

Manter a literatura inconveniente fora do alcance dos jovens não era


um assunto que tivesse surgido improvisamente na mente de Dom Bosco.
De fato, estava na base das muitos e urgentes empreendimentos editoriais
que concebia como parte da vocação que Deus lhe deu para o apostolado
da imprensa. Com as Leituras Católicas, que tiveram início em 1853, Dom
Bosco procurou contrabalançar a propaganda anticatólica pondo bons
livros à disposição do povo comum, tanto jovens como adultos. Com a
Coleção de clássicos latinos selecionados, desde aproximadamente 1860, e a
Biblioteca de literatura italiana para a juventude, a partir de 1869, procurou
neutralizar o uso irresponsável que se fazia dos clássicos latinos e italianos
nas aulas, pelos professores de tendência liberal. E o fez pondo nas mãos
dos jovens estudantes os clássicos, selecionados e expurgados, belamente
editados e econômicos.102
Sabemos que em 1884, Dom Bosco estava muito preocupado com a
disciplina e a moral na escola do Oratório, como também em outras escolas
da Congregação.103 A Carta de Roma, maio de 1884, demonstra que estava
pensando na maneira de melhorar a situação. Numa reunião do Capítulo
superior, em fins de 1884, disse o seguinte:

Devemos fazer o possível para afastar do alcance de nossos alunos todos os


livros proibidos, mesmo que isso signifique retirar os livros de texto prescri-
tos. Esses livros devem estar muito menos disponíveis na livraria. [...] Nunca
devemos adotar, citar e nem mesmo mencionar os autores cujos escritos estão
proibidos ou que propõem teorias anticatólicas. Pode-se fazer uma exceção
no caso dos que devem fazer exames públicos; mas, mesmo assim, devem-se
utilizar edições expurgadas. Contudo, os livros proibidos, mesmo em edições
expurgadas, nunca devem ser postos nas mãos dos alunos de graus inferiores.
Isso só faria excitar mais a sua curiosidade para ir e ver as passagens modifi-
cadas, com resultados fatais; [esses autores] devem ser mencionados somente

102
A série Selecta ex Latinis Scriptoribus (Seleção de clássicos latinos) teve início em meados de
1860 e continuou mesmo depois da morte de Dom Bosco, de uma forma mais ampla para incluir tam-
bém os clássicos gregos. A Biblioteca della Gioventù Italiana (Biblioteca da juventude italiana) começou
a ser publicada em janeiro de 1869 e acabou em 1885 com a publicação do volume 204. Dom Bosco
determinou os critérios editoriais para a Literatura italiana numa circular (MB IX, 428s). Ele também
pretendia pôr nas mãos da juventude livros que pudessem ser lidos por prazer, sem prejuízo espiritual.
No II CG, ele sugeriu e expressou essa esperança (II CG, sessão segunda, 4 de setembro de 1880, Bar-
beris, Atas transcritas, caderno I, 24: FDB 1857 D7). Uma nova série surgiu em 1886 como Leituras
amenas (Letture amene), que persistiu até 1889.
103
Ver A. Lenti, “Key-concepts, concerns and fears of a founder: Don Bosco in his declining
years”. Part II. JSS 7:1 (1996), 36-63.

503

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Dom Bosco: história e carisma 3

por necessidade e com a maior precaução. Os diretores e professores devem


manter debaixo de chave qualquer [livro proibido] que possam ter em sua
posse. Nunca pensei que chegaria o momento em que se elevaria a um nível
febril o desejo de ler livros proibidos. Pode-se dizer o mesmo do desejo insano
de ler novelas; o que, além de ser uma grande perda de tempo, pode signi-
ficar a ruína da alma. [...] As biografias de nossos alunos, todos os livros das
Leituras Católicas e os da Biblioteca da Juventude devem ser preferencialmente
sugeridos ou recomendados para a leitura.104

Ceria escreve que foi pensando nesse tipo de preocupação, que levou Dom
Bosco a pedir ao padre Lemoyne que escrevesse uma carta, que ele mesmo editou
e enviou às escolas com sua assinatura, em 1o de novembro de 1884. A carta cir-
cular de Dom Bosco sobre o controle dos livros dos alunos e o material de leitura
nas escolas salesianas é prova importante de seu constante interesse pelo tema.105
Dom Bosco começa a carta manifestando a grave preocupação que o le-
vou a escrevê-la e pede a todos os salesianos que assumam maior sentido de res-
ponsabilidade como educadores, uma responsabilidade que “deve ser compar-
tilhada conjunta e indivisivelmente, tanto por mim como por vós”. A questão
a abordar com urgência, diz, é a dos livros “utilizados pelos nossos jovens; que
livros se devem manter fora de seu alcance e quais deveriam ser permitidos para
leitura pessoal, assim como para [leitura] comunitária”. A carta refere-se à ânsia
moderna pela leitura e fala da forma com que se utilizam os livros para mode-
lar as mentes dos jovens. Passa, depois, a inculcar a vigilância para evitar que
os maus livros possam ser introduzidos na escola no início do curso e durante
o ano escolar e sugere alguns métodos, como a inspeção nos armários, baús e
pacotes. Ao mesmo tempo em que é inflexível em relação à vigilância e aos mé-
todos de controle, Dom Bosco também solicita aos interessados, especialmente
aos diretores, a se orientarem pelo espírito salesiano na matéria. Reconhecendo
não ser possível conter o desejo dos meninos pela leitura, a carta também abor-
da o tema dos bons livros que se hão de aconselhar e faz diversas sugestões para
a leitura, tanto em particular como em público.

104
Reunião do Capítulo superior, 12 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 33a-b: FDB 1881 B5-6.
105
MB XVII, 192s. Uma cópia impressa com a assinatura de Dom Bosco (autêntica?) está em
ASC A175, Lettere circolari, Una gravissima cagione: FDB 1368 C9-11. Uma nota do arquivista cita
padre Ceria: “A assinatura poderia ser própria de Dom Bosco, ao menos não se descarta”. Contudo, uma
simples comparação com a letra de Dom Bosco nesse período mostra que esta assinatura é muito firme
e caligráfica para ser autêntica. Dom Bosco estava perdendo o controle de suas mãos e acabava de so-
breviver a uma enfermidade quase fatal. A autenticidade da carta como tal, porém, não está em questão.

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Apêndice

ATAS DOS CAPÍTULOS SUPERIORES E GERAIS NO


TEMPO DE DOM BOSCO

As atas das sessões do Capítulo superior da Sociedade Salesiana e as atas


dos quatro primeiros Capítulos Gerais, celebrados sob a presidência de Dom
Bosco (1877-1886) são conservadas no ACS. Excetuando um par de entradas
de secretários não identificados, as atas das reuniões do Capítulo superior, a
partir de 1875, são obra dos padres Júlio Barberis e João Batista Lemoyne.

Padre Júlio Barberis (1847-1927).

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Dom Bosco: história e carisma 3

Como elas contêm numerosas intervenções de Dom Bosco, feitas du-


rante os debates ou deliberações, são uma excelente prova documental
para conhecer seu pensamento sobre a vida da Congregação Salesiana.
Vale a pena, portanto, fazer uma breve apresentação dessas fontes, já que
os redatores das Memórias Biográficas, Ceria em particular, serviram-se am-
plamente delas.

Atas do Capítulo superior, redigidas pelo padre Barberis


(1875-1879)106
As atas do padre Barberis, todas de sua mão, abrangem basicamente
os anos 1875-1879, com alguma lacuna. Estão recolhidas em três cadernos,
embora algumas também estejam em outros lugares.

1. Os três cadernos. O primeiro caderno abrange o período compre-


endido entre 10 de dezembro de 1875 e 17 de agosto de 1877.107
Neste caderno também se incluem as atas da conferência geral, ce-
lebrada em Alassio de 6 a 8 de fevereiro de 1879.108 O segundo,
recolhe as reuniões celebradas de 15 de maio de 1878 a 8 de fe-
vereiro de 1879.109 O terceiro inclui um período menor, de 29 de
abril a 9 de junho de 1879.110
2. Dois relatórios de reuniões. Depois do terceiro caderno, estão co-
locados em folhas soltas, dois relatórios das reuniões do Capítulo
superior, de 14 de agosto e 7 de novembro de 1875.111
3. Em outro lugar do ASC, após as atas de Barberis do II CG (1880),
há uma série mais curta de atas das reuniões do Capítulo superior
celebradas como continuação do II CG, entre 29 de setembro de
1880 e 3 de janeiro de 1881.112
4. Em ASC não se encontram atas das reuniões do Capítulo superior
entre 3 de janeiro de 1881 e 14 de setembro de 1883; um vácuo

Quase todas as atas do Capítulo superior estão em ACS D868 Consiglio Superiore: Verbali:
106

FDB 1873 D9-1883 E3.


107
ACS D868 Consiglio Superiore, Verbali: FDB 1875 B10-1876 E12.
108
FDB 1878 C7-D8.
109
FDB 1878 C7-D8.
110
FDB 1878 D9-1879 C2.
111
FDB 1879 C3-D11.
112
ACS D578 Capitoli Generali presieduti da Don Bosco, FDB 1856 C7-D1. Atenção para não
confundir Capítulo Geral (CG) com Capítulo superior (hoje: Conselho Geral).

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Ideias, inquietações e temores do fundador

de quase três anos. Com data de 4 de setembro de 1883, há um


relatório de 14 linhas do padre Barberis.113 Seguem, depois, outros
dois relatórios de outra mão, datados em 2 de outubro de 1884
e 17 de setembro de 1885.114 Os três relatórios estão colocados
imediatamente antes do livro de atas de Lemoyne, cuja primeira
entrada é de 14 de dezembro de 1883.

Atas do Capítulo superior, redigidas pelo padre Lemoyne


(1883-1888)
As atas das reuniões do Capítulo superior, de Lemoyne, em ASC,
abrangem o período compreendido entre 14 de dezembro de 1883 e 28
de fevereiro de 1888. Os relatórios, organizados por anos (1883-1884,
1885, 1886, 1887, 1888), estão num grande caderno ou livro de 220
páginas numeradas.115

Atas da Conferência Geral de Alassio (1879)


As conferências convocadas anualmente por Dom Bosco, de 1865 a
1877, ao redor da festa de São Francisco de Sales, eram concebidas por ele
como “instrumento de governo”.116 A última foi celebrada em Alassio, de 6 a
8 de setembro de 1879.117
As atas desta conferência estão no final do segundo caderno de Barberis,
que contém as atas das reuniões do Capítulo superior, no qual se registram
seus quatro períodos de sessões.118

Atas do II CG (1880)
Foram seus redatores os padres Júlio Barberis e João Marenco, secretá-
rios eleitos pelo Capítulo.

113
ACS D868 Consiglio Superiore: Verbali, FDB 1879 E12.
114
FDB 1880 A1-1.
115
FDB 1880 B1-1883 E3.
116
As atas das sessões destas conferências (de 1868 em diante) estão em ASC D577 Conferenze
Generali: FDB 1869 E6 - 1873 D8. Relatórios sucintos ou extensos estão nas Memórias Biográficas.
117
Foi especial, porque se deu depois do I CG (1877) e quase um ano antes do II CG (1880);
mais do que “conferência geral” foi, na verdade, uma reunião de alguns diretores com os membros do
Capítulo superior; sem dúvida, como instrumento regulador de governo, rivalizou com as conferências
gerais e também com alguns Capítulos gerais.
118
FDB 1878 C7-D8.

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Dom Bosco: história e carisma 3

1. Um dos cadernos contém um relatório da sessão de abertura, 3


de setembro, de várias mãos, seguido de um rascunho incom-
pleto do padre Barberis, que contém apenas as atas de 4 a 11 de
setembro.119
2. Um caderno semelhante contém as atas do padre Marenco, tam-
bém incompletas, que registram as sessões da tarde de 5 a 15 de
setembro, dia do encerramento do Capítulo.120
3. Outros dois cadernos contêm as atas completas do padre Barberis,
desde seu início na noite de 3 de setembro até a noite de 15 de
setembro.121 O primeiro caderno contém 87 páginas de texto122 e
o segundo, 43 páginas.123

Atas do III CG (1883)


Foram, novamente, eleitos como secretários os padres Marenco e Barberis,
que redigiram as atas das sessões.
1. Os relatórios do padre Marenco preenchem um caderno com 21
páginas de texto,124 iniciando com a sessão de 3 de setembro. Ao
caderno, seguem três páginas de anotações sobre a sessão inau-
gural, da mão de Marenco.125 Por elas, ficamos sabendo que o
Capítulo começou no domingo, 2 de setembro, à tarde.
2. Outro caderno contém as breves anotações do padre Barberis
sobre as diversas sessões, a partir de 3 de setembro, embora
aluda à sessão de abertura da noite anterior.126 O mais lon-
go destes relatórios conserva as palavras de encerramento de
Dom Bosco.

119
ACS D579: Capitoli Generali presieduti da Don Bosco, FDB 1856 A11-C6.
120
FDB 1856 D2-1857 A1.
121
FDB 1857 B7-1859 A9.
122
FDB 1857 B7-1858 D6; caderno I das Atas transcritas (II CG, Sessão 2, 4 de setembro de 1880).
123
FDB 1858 D7-1859 A9.
124
FDB 1863 E7-1864 B9.
125
125 FDB 1864 B10-12
126
FDB 1864 C10-D8.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

CARTA CIRCULAR DE DOM BOSCO SOBRE O


CONTROLE DA LEITURA DOS ESTUDANTES NAS
ESCOLAS SALESIANAS (1884)127

Na festa de Todos os Santos [1o de novembro de 1884]


Mui queridos filhos em J.C.:

[Preocupação e responsabilidade no controle dos livros e o tema de leitura


dos estudantes]
Um gravíssimo motivo motiva-me a escrever esta carta no início do ano
escolar. Todos vós sabeis o quanto eu amo as almas que nosso Senhor Jesus
Cristo me quis confiar em sua infinita bondade, e não deveis esquecer, por
outro lado, nem diminuir o valor da grande responsabilidade que pesa sobre
os educadores da juventude e a rigorosa conta que deverão prestar de sua
missão perante a Justiça Divina. Contudo, devo carregar esta responsabili-
dade inseparavelmente unida convosco, meus queridos filhos, e anseio que
seja para vós e para mim, origem, fonte e causa de glória e vida eterna. Por
isso, pensei em chamar a vossa atenção sobre um ponto importantíssimo, do
qual pode depender a salvação de nossos alunos. Refiro-me aos livros que
se devem afastar das mãos de nossos jovenzinhos e daqueles que devem ser
usados para as leituras individuais e para as que se fazem em comum.

[Os livros maus e sua influência perniciosa sobre as mentes dos jovens]
As primeiras impressões recebidas pelas mentes castas e os corações sen-
síveis dos jovenzinhos duram todo o tempo de sua vida; e os livros, hoje em
dia, são uma de suas principais causas. A leitura tem para eles uma atração
muito viva e excita sua curiosidade impaciente, e disso depende, muitíssimas
vezes, a escolha definitiva que fazem do bem ou do mal. Os inimigos das
almas conhecem esta poderosa arma, e a experiência ensina o quão crimi-
nosamente sabem usá-la para dano da inocência. Os títulos chamativos, a
boa qualidade do papel, a nitidez da impressão, a delicadeza das gravuras, a
economia no preço, o domínio do estilo, a variedade da trama, o ardor das
descrições, tudo é estudado com arte e esperteza diabólicas. A nós, cabe con-
trapor armas contra armas, arrancar das mãos de nossos jovens o veneno que
lhes é oferecido pela imoralidade e a impiedade; contrapor livros bons a livros
maus. Ai de nós se dormíssemos enquanto o inimigo vela continuamente
para semear a cizânia!

127
Ver texto completo em MB XVII, 197S.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Carta circular de Dom Bosco sobre a leitura nas escolas salesianas (1884).

[Controle dos livros lidos pelos alunos]


Por isso, desde o início do ano escolar, deve-se cumprir aquilo que os
regulamentos prescrevem: observe-se, pois, atentamente, quais os livros tra-
zidos pelos alunos ao entrarem no colégio, destinando, se for preciso, uma
pessoa para revistar baús e pacotes. Além disso, o diretor mande que cada
casa faça para os meninos a lista detalhada dos livros que trazem e entregá-la
ao mesmo superior. Essa medida não será supérflua, porque assim se poderá
examinar melhor se algum livro foi deixado de ver e por que, e conservando-
-se essas listas, elas poderão servir em determinadas ocasiões para agir contra
quem maliciosamente tivesse ocultado um livro ruim. Mantenha-se essa vigi-
lância o ano todo, exigindo que os alunos entreguem qualquer novo livro que
adquiram ou recebam de parentes, amigos e colegas externos; observando se,

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Ideias, inquietações e temores do fundador

por malícia ou ignorância, fizeram chegar às suas mãos pacotes embrulhados


em jornais inadequados; e fazendo inspeções prudentes no salão de estudo,
nos dormitórios e nas salas de aula. As precauções tomadas com essa finali-
dade nunca serão excessivas. O professor, o diretor de estudos e o assistente
também observem o que os meninos leem na igreja, no pátio, na sala de aula
e no estudo. Ainda, devem-se eliminar os vocabulários não expurgados. Para
muitos jovens, eles são o princípio da malícia e das ciladas dos maus compa-
nheiros. Um livro mau é uma peste, que contamina muitos jovens. O diretor
deve considerar-se afortunado quando consegue arrancar algum desses livros
das mãos de qualquer aluno.

[Exortações frequentes e o espírito de doçura]


Infelizmente, os meninos que possuem esses livros dificilmente se pres-
tam à obediência e buscam todo tipo de artimanhas para escondê-los. O di-
retor deve lutar contra a torpeza, a curiosidade, o medo do castigo, o respeito
humano e as paixões desenfreadas. Por isso, creio ser necessário conquistar o
coração dos jovens, convencendo-os com a doçura. Deve tratar do tema dos
maus livros várias vezes por ano, no púlpito, na prática após as orações da
noite, nas aulas, e fazer ver os danos que decorrem deles; convencer os jovens
de que não pretende mais do que a salvação de suas almas e que, depois de
Deus, nós a amamos mais do que a qualquer outra coisa. Proceda-se com
rigor somente quando um jovem tivesse sido de dano para os demais. Se al-
guém entregar um livro ruim já iniciado o ano escolar, dissimule-se a desobe-
diência cometida e se aceite o livro como presente precioso. Tanto mais que a
entrega pode ter sido prescrita pelo confessor, e seria imprudente fazer outras
averiguações. A notícia desta benignidade da parte dos superiores induzirá os
companheiros a denunciarem os que tivessem escondido tais livros.

[Outras orientações]
Contudo, uma vez descoberto um livro proibido pela Igreja ou por ser
imoral, seja lançado logo ao fogo. Houve livros que foram proibidos aos jo-
vens e, por conservá-los, acarretaram a ruína de sacerdotes e clérigos. Pro-
cedendo assim, espero que não entrem livros maus em nossos colégios e, se
entrarem, sejam logo destruídos. Entretanto, além dos livros maus, deve-se
estar atento a outros que, embora sendo bons ou indiferentes em si mesmos,
podem, contudo, resultar perigosos por não serem convenientes à idade, ao
lugar, aos estudos, às inclinações, às paixões nascentes, à vocação. Estes livros
também devem ser eliminados. Quanto aos livros honestos e amenos, far-se-
-ia um grande favor aos estudos se pudessem ser prescindidos; os professores

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Dom Bosco: história e carisma 3

poderiam medir, assim, os deveres escolares dos alunos na proporção do tem-


po de que dispõem. Mas, como hoje em dia é quase incontrolável a mania de
ler e como também há muitos livros bons que excitam demasiadamente as
paixões e a imaginação, pensei, se o Senhor me der vida, organizar e imprimir
uma coleção de livros amenos para a juventude.128

[Livros para a leitura em comum]


Tudo o que digo é em relação aos livros que se leem privadamente. Em
relação às leituras comunitárias nos refeitórios, dormitórios e salão de estudo,
direi, em primeiro lugar, que nunca sejam lidos livros sem aprovação prévia
do diretor, e excluam-se as novelas de todo tipo, que não tenham saído de
nossas tipografias [...].
Leiam-se no refeitório o Boletim, as Leituras Católicas, à medida que
são publicadas, e, nos intervalos, os livros de história impressos no Orató-
rio, a História da Itália, a História Eclesiástica, dos Papas, as narrações da
América e outros temas, mas preferivelmente publicados na coleção das
Leituras Católicas, e os livros de história e de contos da Biblioteca da Ju-
ventude. Estes últimos poderiam ser lidos no salão de estudo, onde ainda
houvesse o costume de uma leitura durante o último quarto de hora antes
da aula de canto.
Na leitura dos dormitórios, quero que se afaste em absoluto qualquer
leitura recreativa ou amena; desejo que se adotem livros que causem no espí-
rito do jovenzinho que vai repousar impressões adequadas para torná-lo uma
pessoa melhor [...].

[Promoção das publicações salesianas]


Portanto, será muito útil que se empreguem livros agradáveis, mas de
tema mais religioso ou ascético. Começaria pelas biografias dos nossos jo-
venzinhos Comollo, Sávio, Besucco etc.; seguiria com os livretes das Leituras
Católicas, que tratam de religião; terminaria com as vidas de santos, esco-
lhendo as mais atraentes e oportunas. Estas leituras, depois da brevíssima
prática da noite [boa-noite], feitas por um coração que deseja a salvação
das almas, estou certo de que, às vezes, farão mais efeito do que um ciclo de
exercícios espirituais.

Dom Bosco manteve a palavra, embora fosse apenas uma ideia e inspiração. As Letture dra­
128

matiche (Leituras dramáticas, ou seja, obras de teatro) começaram em 1885 e as Letture amene (Leituras
amenas), em 1886. Ambas eram publicadas a cada dois meses.

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Ideias, inquietações e temores do fundador

A fim de obter plenamente os efeitos desejados e conseguir que nossos


livros sirvam de antídoto contra os livros maus, peço-vos e suplico-vos que
vós mesmos ameis as publicações de nossos irmãos, mantendo-vos livres de
qualquer sentimento de inveja ou menosprezo. Caso encontrásseis alguma
deficiência, apresentai-a, com palavras e também com alguma ação se pu-
derdes, para que se possam fazer as correções necessárias, notificando vossas
observações ao próprio autor ou aos superiores aos quais cabe a revisão de
nossas publicações.
Se os jovenzinhos ouvirem o professor ou o assistente louvar um livro,
também eles o louvarão, apreciarão e lerão [...].

[Conclusão]
Meus queridos filhos, escutai, recordai e praticai estes avisos que vos
dou. Percebo que meus anos caminham para o seu ocaso. Também os vossos
vão passando velozmente. Trabalhemos, pois, com zelo, para que seja abun-
dante a messe das almas salvas, que possamos apresentar ao bom Pai de famí-
lia, que é Deus. E o Senhor vos abençoe e convosco os nossos jovens alunos,
aos quais cumprimentareis de minha parte, recomendando a suas orações este
pobre ancião, que tanto vos ama em Jesus Cristo.
Afeiçoadíssimo em Jesus Cristo,
João Bosco, presbítero.

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Capítulo XIII

PREOCUPAÇÃO DE DOM BOSCO COM A


VIDA ESPIRITUAL E A DISCIPLINA DAS
COMUNIDADES DO ORATÓRIO (1884-1885)

A consolidação e o futuro da Congregação não eram as únicas preo-


cupações de Dom Bosco nos últimos anos de sua vida. Dispomos de do-
cumentação suficiente que atesta, na década dos anos oitenta, uma de suas
mais constantes inquietações, que foi o bom funcionamento da casa-mãe, ou
seja, o Oratório de São Francisco de Sales de Valdocco, e das comunidades
ali abrigadas.
A preocupação de Dom Bosco com a deterioração da vida e da disci-
plina da casa do Oratório, em especial da escola, torna-se clara nas reuniões
do Capítulo superior de 19 de maio de 1884 a 16 de setembro de 1885. Os
debates registrados nas atas do Capítulo superior e nos arquivos do Oratório
de Valdocco, os pontos de vista expressados e as decisões tomadas, trazem
frequentemente debates intensos, que revelam situações problemáticas que
exigiam soluções. Tanto os assuntos debatidos como as opiniões emitidas por
Dom Bosco e as medidas tomadas são de grande interesse para conhecer a
vida real do Oratório de então, e para ilustrar a relevância que têm para a vida
e o trabalho salesiano de hoje.1

1
MB XVII, 181s, 499s. Sobre o tema, ver os excelentes estudos de J. M. Prellezo, “Valdocco
(1866-1889): problemi organizzativi e tensioni nelle ‘conferenze’ dei primi salesiani”, RSS 15 (1989),
289-328; idem, “L’Oratorio di Valdocco nel ‘Diario’ di don Chiala e don Lazzero (1875-1888.1895):
introduzione e testi critici”, RSS 15 (1990), 347-442; idem, “L’Oratorio de Valdocco nelle ‘Conferenze
capitolari’ (1866-1877): introduzione e testo critico”, RSS 18 (1991), 61-154; Idem, “L’Oratorio de
Valdocco nelle ‘adunanze del capitolo della casa’ e nelle ‘Conferenze mensili’ (1884): introduzione e testi
critici”, RSS 19 (1991), 245-294; idem, “Valdocco 1884. Problemi disciplinari e proposte di riforma:
introduzione e testi critici, RSS 20 (1992), 35-71. Recompilados e publicados em: J. M. Prellezo,
Valdocco en el XIX, entre lo real y lo ideal: documentos y testimonios sobre una expe­riencia pedagógica. Madri:
Editorial CCS, 2000.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

1. Disciplina, conduta moral e a figura do diretor


na casa do Oratório
A documentação existente, ao redor de 1884, reflete um Dom Bosco
angustiado e preocupado. A causa principal de seu sofrimento é o estado
de deterioração moral e espiritual da seção dos estudantes, especificamente
das últimas séries, quarto e quinto ano de gimnasio,2 e a dificuldade encon-
trada de promover vocações. Essa preocupação imediata torna-se evidente
com a leitura apenas superficial dos documentos. Dom Bosco pensava que
o afastamento dos meninos mais velhos do gimnasio devia-se a duas causas
intimamente relacionadas entre si; a primeira era a atitude mundana adotada
pelos meninos ao passar para a seção superior, que os levava ao abandono da
vida espiritual e a consequente deterioração da conduta moral; e a segunda,
a possibilidade que tinham de apresentar-se aos exames públicos no final do
quinto ano, que lhes oferecia a possibilidade de continuar o estudo em ou-
tros centros superiores ou incorporar-se de imediato numa profissão liberal,
abandonando assim a vocação sacerdotal ou religiosa, que era a finalidade
pela qual se fundara a seção dos estudantes do Oratório e a razão pela qual
os alunos faziam seus estudos de modo praticamente gratuito. Dom Bosco
propunha atacar o problema na origem, suprimindo o quinto ano e reduzin-
do o programa acadêmico de tal modo que dificultasse ou impedisse que os
meninos pudessem apresentar-se ao exame de Estado no final do curso.
Entretanto, os debates das reuniões revelam a existência de problemas
ainda mais fundamentais: falta de disciplina e na assistência, além de falta de
liderança, unidade e coordenação. Parecia que o diretor já não podia desem-
penhar o papel tradicional de único guia com autoridade. De fato, a comissão
designada para estudar o tema, identificava a raiz do problema como um fra-
casso de liderança. O oratório tornara-se tão complexo que o diretor não po-
dia encarregar-se de tudo. Dom Bosco decidiu colocar dois diretores, um para
os estudantes e outro para os aprendizes. Mais tarde, lamentaria essa solução.

Prellezo trabalha com fontes primárias: as atas do capítulo da casa do Oratório e outros docu-
mentos; embora faça referência explícita às atas do Capítulo superior e dos Capítulos Gerais, não as
cita com a amplidão que aqui se faz. Não obstante, é imprescindível para compreender este período do
Oratório e interpretar sua evolução, seu primeiro artigo, “Valdocco (1866-1888): problemi organizza-
tivi e tensioni nelle ‘conferenze’ dei primi salesiani”, RSS 15 (1989), 294-297, 308-311. Guiamo-nos
por suas ideias, embora nosso objetivo seja chamar a atenção sobre a dinâmica dos processos sociais
em andamento. Em particular, propusemo-nos a ressaltar as ideias de Dom Bosco com suas próprias
palavras; de aí, oferecermos extensos extratos das atas.
2
Na reforma educativa de Casati (1859), os cinco anos de estudos secundários eram chamados
de gimnasio. Era dividido em seção inferior de três anos e seção superior de dois anos, que terminavam
com o exame de Estado e a titulação (licenza).

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Dom Bosco: história e carisma 3

São estes os temas que aparecem continuamente na maioria das reuniões


em que a questão é debatida. Por amor à clareza e ordem, examinamos pri-
meiro a situação global da casa do Oratório e a questão do diretor; em segui-
da, trataremos da questão da seção de estudantes do Oratório e seu fracasso
na promoção vocacional.

A desejada unidade de direção


O problema não era novo. No início, quando a Congregação Salesiana
se reduzia ao Oratório de Valdocco, Dom Bosco e seus colaboradores mais
próximos, que seriam depois membros do seu conselho, estavam diretamente
envolvidos no funcionamento da casa e do Oratório, e de suas comunidades
e seus grupos. Chegou, porém, o momento em que os âmbitos de compe-
tência, do Capítulo superior e do governo da Congregação, de um lado, e
da casa do Oratório, de outro, deviam ser claramente definidos e separados.
A separação, porém, nunca ocorreu completamente durante a vida de Dom
Bosco. Na década de 1880, os membros do Capítulo superior ainda manti-
nham relação oficial e não oficial com a casa, e isso era causa de problemas ou
conflitos no exercício da autoridade.
Ainda em 1879, o Capítulo superior discutira a situação e esclarecera
a origem da desordem: a falta de unidade na direção e administração. Padre
Barberis, que atuava como secretário nessa época, escreve:

Enfrentamos um problema real no Oratório. Falta-nos um verdadeiro centro de


comando e administração. Dado que o pessoal da casa é insuficiente e todos es-
tão sobrecarregados de trabalho, alguns recorrem a vários membros do Capítulo
superior, quando surgem problemas. Entretanto, muitos cozinheiros estragam
a sopa. Na verdade, nunca houve nesta casa uma verdadeira e clara unidade
administrativa. Lamentavelmente, mesmo sendo tão complexa e complicada a
situação, caminhamos despreocupados; o que significa, nem mais nem menos,
que estamos fazendo um mau trabalho. Padre Leveratto, que é o prefeito e, por-
tanto, responsável último e aquele que está em estreito contato com a realidade,
tratou do assunto com vários membros do Capítulo superior e com o próprio
Dom Bosco [...]. Dom Bosco pediu um relatório detalhado por escrito [...]. O
relatório do padre Leveratto foi lido e discutido nesta reunião. Parece que a prin-
cipal causa de todos os transtornos é a falta de um centro de comando e admi-
nistração pelo qual cada departamento possa se orientar. Nos primeiros tempos,
Dom Bosco encarregou-se de tudo sozinho. O que já não pode fazer, e nem o
padre Rua, sobrecarregados como os dois estão, ocupados no trabalho mais exi-
gente de governar a Congregação. Alguém deve encarregar-se. Contudo, mesmo

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

isso não é suficiente. Deve-se encontrar a maneira de unificar e organizar todos


os departamentos debaixo de um único centro de comando e direção [...]. Foi,
então, nomeada uma comissão composta pelo padre Rua, padre Lazzero, padre
Sala e padre Leveratto, para estudar o tema, formular uma proposta e relatar na
próxima reunião dentro de cinco dias.3

A reunião seguinte, 16 de maio de 1879, foi dedicada à discussão da


proposta. A decisão final foi definir e separar as competências, inclusive a
residência e os escritórios, do Capítulo superior e da casa. Padre Lazzero foi
nomeado diretor da casa do Oratório, responsável da operação em seu con-
junto, das comunidades e dos departamentos. Padre Leveratto foi confirma-
do prefeito, sob a sua dependência. Fez-se um esforço para também definir
outros cargos e suas responsabilidades específicas.4

Complexidade crescente da obra


A situação foi-se agravando pela complexidade que, aos poucos, desde
sua criação, a casa anexa ao Oratório de Valdocco fora adquirindo. Concebi-
da como lar para os meninos que eram, realmente, os mais pobres entre os
pobres, a casa ocupava uma posição, senão igual, certamente o segundo lugar,
na obra do Oratório. Como afirma Dom Bosco nas primeiras Constituições,
ela foi a extensão lógica do Oratório.5 De fato, a criação da casa fora um passo
de grande importância no desenvolvimento da obra de Dom Bosco. Contu-
do, sua importância também estava no fato de ter-se convertido, quase desde
o início, no laboratório em que o fundador realizava sua experimentação
de educação dos jovens, aprendizes ou estudantes, incluindo aqueles que ele
acreditava permaneceriam com ele e, com o tempo, formariam a Congrega-
ção Salesiana.
Como já vimos,6 a casa fora criada para os meninos pobres, jovens ope-
rários órfãos, mas desde o princípio foram admitidos estudantes de nível se-
cundário. As duas seções cresceram constantemente em número com a am-
pliação dos locais em várias etapas.
Inicialmente, os aprendizes frequentavam oficinas externas ao Oratório,
enquanto os estudantes frequentavam escolas particulares da cidade. Logo,
3
Reunião do Capítulo superior, 8 de maio de 1879, Barberis, Atas transcritas, caderno III, 16-
18: FDB 1879 A1-3.
4
Reunião do Capítulo superior, 16 de maio de 1879, Barberis, Atas transcritas, cader­no III,
19-23: FDB 1879 A4-8.
5
G. Bosco, Costituzioni, 74. Significativamente Dom Bosco referia-se a essa residência como
“casa anexa ao Oratório”.
6
Cf. A. Lenti, Dom Bosco: história e carisma, volume 2, p. 54-55.

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Dom Bosco: história e carisma 3

porém, e como medida de proteção para manter os aprendizes longe de pe-


rigos físicos e morais encontrados na cidade e para melhor supervisionar a
educação deles, Dom Bosco criou sete oficinas na casa, entre 1853 e 1862.
Nelas, sob a orientação inicialmente de mestres contratados e, mais tarde,
de salesianos coadjutores, os meninos aprendiam algum ofício, ao mesmo
tempo em que frequentavam as aulas noturnas e dominicais para sua alfabe-
tização e educação básica.
De maneira semelhante, e pelas mesmas razões, Dom Bosco criou em
1855 os cursos da escola secundária na casa. Por volta de 1859-1860 con-
seguira-se estabelecer o programa completo de cinco anos dos estudos se-
cundários. Desde então, a comunidade estudantil adquiriu uma importância
sempre maior, não só pelo maior número de estudantes em comparação com
os aprendizes, mas também, porque através do curso regular de estudos de
nível secundário, Dom Bosco tinha por objetivo cultivar as vocações para o
sacerdócio e a Sociedade Salesiana entre os meninos pobres que dessem pro-
vas de boa conduta, vontade e inteligência.
O Oratório, contudo, era casa também de outros grupos e pessoas, além
dos estudantes e aprendizes. Segundo o Relatório de Dom Bosco, apresentado
à Santa Sé em 1879 sobre o estado da sociedade, a casa-mãe compreendia,
entre suas atividades, Oratório aos domingos e dias festivos, aulas diurnas e
noturnas, casa de estudo para clérigos salesianos e casa de noviciado.7 Mesmo
depois de ser oficialmente aberto o noviciado em San Benigno, em 1880,
bom número de noviços ainda vivia no Oratório. Os Filhos de Maria viviam
na residência do Oratório, além de, também, em Sampierdarena, desde sua
fundação em 1875. Alguns deles continuaram a residir no Oratório, mesmo
depois da transferência a Mathi, próxima de Turim, e a São João Evangelista,
em Turim, em 1883-1884. Havia ainda seminaristas diocesanos, professores
contratados e mestres de oficina, como também um número reduzido de
adultos que trabalhavam com os meninos nas oficinas.
Mesmo com alguma flutuação, o número de pensionistas, tanto na seção
de estudantes como na de aprendizes, sempre foi considerável. Amadei cita
estatísticas de 1870-1871 dos registros do Oratório, segundo as quais os estu-
dantes matriculados na escola somavam 425, no tempo em que os aprendizes
nas oficinas chegavam a 228.8 Em 1884, segundo Lemoyne, eram necessários

O relatório, em OE XXXI, 237-254, é comentado em A. Lenti, Dom Bosco: história e carisma,


7

volume 3, capítulo X, páginas 385-408.


8
“Pelo livro de registro dos resultados dos exames, ficamos sabendo que em 1870-1871 os
estudantes chegavam a 425, assim distribuídos: 36 na filosofia, 30 no quinto ano de gimnasio, 45 no
quarto ano, 94 no terceiro ano, 94 no segundo ano e 126 no primeiro ano, posteriormente divididos

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

“60 ou 70 salesianos” para o programa educativo;9 “o quarto e o quinto anos


têm uma matrícula conjunta de mais de 100”.10 “Há gente em demasia no
Oratório”; o lugar converteu-se num “vasto, ingovernável oceano”; “qualquer
oficina pode ser considerada como uma escola por si só”.11

Padre João Batista Lemoyne (1839-1916), como padre novo.

em dois, seção de maiores e de menores. Por outro lado, no ‘livro de conduta’, os aprendizes estavam
registrados pelo nome da seguinte maneira: 36 impressores, 73 encadernadores, 33 alfaiates, 39 sapa-
teiros, 22 carpinteiros, 14 mecânicos, 6 fundidores, 5 chapeleiros; um total de 228, sem contar os da
livraria” (MB X, p. VI). J. M. Prellezo, Valdocco (1866-1888), p. 299, 318, apresenta cifras um tanto
menores, procedentes do registro.
9
Reunião do Capítulo superior, 7 de julho de 1884, Lemoyne, Atas, 18a: FDB 1880 D11.
10
Reunião do Capítulo superior, 7 de julho de 1884, Lemoyne, Atas, 13a: FDB 1880 D1.
11
Reunião do Capítulo superior, 4 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 25b: FDB 1881 A2.

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Dom Bosco: história e carisma 3

As oficinas tiveram grande desenvolvimento a partir da década de 1880.


Houve uma mudança gradual do estilo medieval de aprendizagem ao de
uma escola profissional, determinada pelas mudanças sociais e econômicas.
A preocupação com a “instrução” dos aprendizes tornou-se evidente já no II
CG (1880). Contudo, apenas no seguinte, III CG (1883), foi redigido pela
primeira vez um amplo programa de estudo, capacitação e formação dos
jovens trabalhadores, completado no IV CG (1886). Este desenvolvimento,
por sua vez, era destinado a estabelecer uma base para conseguir vocações
salesianas e a inserção de bons operários cristãos na sociedade em geral.12 A
escola também teve interessantes progressos na qualidade acadêmica, como
se assinala mais adiante, assim como no número de alunos.
Estudantes e aprendizes formavam, na prática, duas comunidades; mas
tinham um único diretor e uma única administração. Um dos postulados de
Dom Bosco era a unidade de direção em toda casa particular, exigida pela sua
concepção estritamente jerarquizada da autoridade e da cadeia de comando.
Na época do III CG (1883), porém, parecia que um único diretor não podia
controlar essa multiplicidade e diversidade de programas e interesses no Ora-
tório. O problema e sua solução foram objeto de animados debates em várias
reuniões do Capítulo superior.

Em busca de uma solução


Enquanto isso, no início de 1884, contrariamente ao conselho médico,
Dom Bosco decidiu iniciar sua viagem anual à França, viagem marcada pela
doença. Saiu de Turim em 1o de março e visitou os salesianos e cooperadores
de Nice a Marselha. Em 3 de abril estava de volta em Alassio e Sampierda-
rena, onde, dois dias depois, se reuniu com os membros do Conselho. Em
seguida, foi a Roma com o padre Lemoyne, passando um mês difícil e cheio
de incidentes, de 14 de abril a 14 de maio, numa capital que parecia ter-se
voltado contra ele. Entre outras coisas, Dom Bosco pressionava pelos privilé-
gios de isenção, enquanto construía a igreja e o internato do Sagrado Coração
e organizava uma grande rifa. Quando, finalmente, em 9 de maio, foi admi-
tido numa audiência com Leão XIII, o Papa percebeu, consternado, que ao
homem frágil, enfermo e velho ajoelhado diante dele restava pouco tempo de
12
O documento “Indirizzo da darsi alla classe operaia” está em ASC D579 Capito­li Generali,
IV Cap.: FDB 1866 B3-C6. Cf. [G. Bosco], Deliberazioni del terzo e del quarto Capi­tolo Generale della
Pia Società Salesiana tenuti in Valsálice nel settembre 1883-1886. S. Benigno Canavese: Tip. Salesia-
na, 1887, em OE XXXVI, 268-274. Para mais detalhes sobre o desenvolvimento do Oratório e seus
programas, cf. P. Stella, Economia, 231-251; L. Pazzaglia, Apprendistato, 13-80; J. M. Prellezo,
Valdocco (1866-1888), 294-297, 308-311.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

vida e devia dar-lhe um vigário e sucessor. Durante a permanência em Roma,


os pensamentos de Dom Bosco não se afastaram do Oratório. Demonstra-o
a Carta de Roma, datada em 10 de maio. Após a audiência papal, um detalhe
de extrema bondade, Dom Bosco retornou a Turim, por etapas, ali chegando
à tarde de 17 de maio. Pouco depois, em 28 de julho, Leão XIII assinava o
decreto de concessão dos desejados privilégios.

A comissão e o relatório Bonetti


Lemoyne menciona pela primeira vez nas atas a preocupação do Capítulo
superior em relação à ordem e disciplina no Oratório, ao final da reunião de
19 de maio, a primeira depois do retorno de Dom Bosco e sob a sua presidên-
cia. Naquele momento já era conhecida a oportunidade da Carta de Roma. Lê-
-se na ata: “Padre Bonetti propõe que se dedique a próxima reunião para exa-
minar os meios de melhorar o funcionamento da casa. A moção foi aceita”.13
A reunião aconteceu em 5 de junho. Dom Bosco tomou a palavra: “A
tarefa que temos à frente”, disse, “é estudar e encontrar formas de velar pelos
bons costumes entre nossos jovens e promover as vocações religiosas”. Essas
palavras demonstram que a preocupação de Dom Bosco era a conduta moral
e o pequeno sucesso da escola em obter vocações. Passou, em seguida, a pro-
por uma solução drástica: reduzir o programa acadêmico da escola. Posto que
a condição insatisfatória das comunidades do Oratório e seus efeitos sobre a
vida e a disciplina eram a causa deste fracasso, houve um animado debate.
Padre Bertello, antigo prefeito dos estudos na escola do Oratório, opunha-
-se à redução do programa. Dever-se-ia começar pelo fortalecimento da dis-
ciplina, expulsando rigorosamente os corruptos, exercendo uma vigilância
maior e uma assistência mais cuidadosa em todas as partes. Propôs também
reorganizar a casa em três seções: comunidade de estudantes, comunidade de
aprendizes e comunidade de pessoas que não pertencem à Congregação. Padre
Cagliero acrescentou a necessidade de dar maior atenção também às admis-
sões, que deveriam estar sob a responsabilidade de uma única pessoa. Padre
Bonetti enfatizou a necessidade de não proceder com paliativos, mas radical
e sistematicamente. Em seguida, chamou o diretor padre Lazzero para dar
informações. Padre Lazzero opinava que: 1o as normas para as casas salesianas
devem ser aplicadas no Oratório como nas demais casas; 2o deve existir unida-
de de direção sem interferências. Também se queixou especialmente de que os
membros do Capítulo superior têm o costume de dar cartas de recomendação
aos meninos dispensados por má conduta; uma prática que minava a ordem e
a disciplina. Em seguida, passou a indicar outras causas de desordem.

13
Reunião do Capítulo superior, 19 de maio de 1884, Lemoyne, Atas, 12a: FDB 1880 C11.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Dom Bosco insistiu na urgente necessidade de salvaguardar os bons cos-


tumes da casa. Para isso, disse, “não se deve diminuir esforços ou gastos”.
Dever-se-iam colocar em prática imediatamente algumas medidas concretas:
1o Devem-se eliminar da casa os indesejáveis. 2o Devem-se unificar e regu-
lamentar as admissões. 3o Devem-se organizar os cargos e as atividades dos
jovens. Por último:

Dom Bosco decide criar uma comissão para estudar a forma de salvaguardar
e promover os bons costumes no Oratório. São escolhidos para essa comissão
padre Rua, padre Bonetti, padre Lazzero, padre Durando e padre Cagliero.
Sua finalidade é cada um estudar o assunto seriamente, depois, reunir-se na
tarde de segunda-feira e trocar ideias. Pede-se ao padre Bonetti [que preside a
comissão] que explore as opiniões de cada membro do capítulo da casa e de
cada professor e, em seguida, informe à comissão na reunião de segunda-feira
[9 de junho].14

De acordo com os documentos conservados nos arquivos e editados


criticamente por Prellezo, padre Bonetti pediu a seis irmãos, em postos de
responsabilidade na casa, que dessem sua opinião por escrito sobre o que não
andava bem e como remediá-lo: o prefeito, padre Segundo Marchisio, o vice-
-prefeito, padre Serafim Fumagalli, o diretor espiritual ou catequista, padre
Domingos Canepe, o prefeito dos estudos, padre Estêvão Febraro, um mem-
bro do conselho da casa, padre Tiago Ruffino, e um clérigo salesiano que era
assistente, Tomás Pentore. Os mestres, parece, informaram apenas oralmente.
Padre Bonetti cotejou as diversas observações e as expôs de maneira organi-
zada num documento datado em 9 de junho. Há também um memorando
mais extenso do padre Lemoyne, secretário do Capítulo superior, que parece
ter sido escrito em resposta à pergunta do padre Bonetti.15

A preocupação expressa com maior frequência centrava-se no diretor, na sua li-


derança na casa e no dano que resultava da sua incapacidade de manter essa posi-
ção e exercer a autoridade. As principais recomendações do padre Bonetti foram:
1o Ao diretor da casa deve ser permitido e ele deve ter a coragem de atuar
como diretor. Deve exercer sua autoridade de maneira que os meninos vejam
que tem esse cargo e que todos os outros, embora participem do ensino ou
da gestão, não são senão seus representantes, a longa mão de sua autoridade.

Reunião do Capítulo superior, 5 de junho de 1884, Lemoyne, Atas, 13a-14a: FDB 1880 D1-3.
14

15
Esses documentos estão em ASC 38 Fondazioni: FDB 240 B8-241 A3. Para a edição crítica,
cf. J. M. Prellezo, Voldocco en el XIX, 259-273.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

2o Como consequência, deve ser visto com frequência no recreio com os me-
ninos; fazer frequentes visitas às salas de aula e a outros locais onde seus auxi-
liares trabalham. Esta presença servirá para estabelecer sua autoridade perante
os alunos, promover a confiança recíproca e fazer com que o bom exemplo
seja seguido pelos demais salesianos. Como resultado, voltará a florescer o
método seguido por Dom Bosco e pelos primeiros salesianos nos velhos tem-
pos, e com ele o espírito de família.
3o Posto que o diretor deva ocupar-se em muitas coisas por meio do pre-
feito, do conselheiro de estudos, do diretor espiritual e dos professores,
também deverá reunir-se regularmente com eles, para trocar informação e
pontos de vista em relação à conduta dos meninos e da disciplina na escola.
Essas trocas de informação criarão compreensão recíproca e promoverão a
unidade de direção.
4o Tarefa do diretor é educar os meninos na virtude e na vida cristã, assim
como corrigi-los, quando a correção for necessária. Isso demonstrará que
ele está realmente preocupado com seu bem-estar espiritual. Por isso, deve
ser ele a dirigir os meninos nos Boas-Noites e organizar suas palavras ao
redor de temas relacionados com a conduta moral e a vida cristã. A boa
vontade será promovida, e eles se sentirão em casa; ao mesmo tempo em
que os maus entenderão que não são estimados, a não ser que mudem e
demonstrem que são dignos.
5o É preciso um diretor espiritual capaz e experiente, uma pessoa que possa
instruir e guiar os meninos com habilidade e prudência, uma pessoa que pos-
sa conquistar sua estima e confiança.
6o Por diversas razões, foi falado em expulsar os meninos que causam dano
moral aos demais. A esses jovens não se deve permitir o regresso.16

A falta de direção ou liderança era, como se pode ver, o problema bá-


sico e, claramente, apontava-se para o diretor, padre Lazzero. O relatório
moderado do padre Bonetti, ao mesmo tempo em que recolhe o resumo das
principais observações feitas, não reflete realmente o tom do estado de espí-
rito deprimido e amargo, até mesmo ressentido, de algumas das observações
originais. Há outros pontos de acordo: a influência corruptora de alguns me-
ninos mais velhos na escola, as graves deficiências na assistência etc.
Bastarão alguns exemplos.

16
Bonetti, Relazione: FDB 240 D11-E2. J. M. Prellezo, Valdocco en el XIX, 272-273.

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Dom Bosco: história e carisma 3

É preciso um diretor que tenha total autoridade, que seja o único juiz e intér-
prete do que se há de fazer; e, depois, muitas outras coisas que se acrescentarão.
Os superiores devem considerar a nomeação de um diretor (e um prefeito)
exclusivamente para a escola [Febraro].17

Há uma verdadeira falta de assistência e um grande descuido no que se refere


à conduta dos jovens estudantes [...]. Por exemplo, durante quinze dias ou
mais, os jovens da 5a [série] do gimnasio passaram o tempo de aula, de estudo
e especialmente depois da refeição, no dormitório, deixados na cama, dizendo
que estavam repassando juntos [as lições]. Não obstante nada se fez, embora
cada um dos quatro superiores do Oratório estivesse informado, e ainda mais,
tinham-no visto com seus próprios olhos [Pentore].18

Ano passado foi proposto estudar o motivo pelo qual faltava o clima de con-
fiança nas classes superiores. O que respondi na época, respondo agora e muito
mais quanto vi confirmado pela carta enviada de Roma por Dom Bosco. Não
têm confiança porque são mais heróis do que os outros no mal. Sua doença
dominante são as más conversas e más leituras etc. [...]. O Oratório é o lugar
em que um irmão se sente mais isolado. Entre tantos superiores não há um su-
perior direto, que possa dizer uma palavra imediata, de estímulo... [Canepa].19

Toleram-se demasiadamente os jovens maus, porque são recomendados por


pessoas influentes, ou porque gozam de proteções externas e também inter-
nas, em vez de afastá-los logo e suprimir assim o verme do meio dos demais;
então, não haveria de se lamentar a ruína de muitos jovens por culpa dos
superiores [Fumagalli].20

Mais debates nas reuniões seguintes


Não há registro nas atas sobre a apresentação e discussão do relatório de
Bonetti nem da resposta suscitada. Os debates que se seguiram retomaram
os temas do relatório, repetidamente e com insistência, e as medidas foram
tomadas em conformidade com as sugestões do relatório.
Na reunião do Capítulo superior, de 30 de junho, os padres Bonetti e
Lazzero mantiveram uma franca troca de ideias sobre o motivo da falha na
assistência e o conhecimento de que os dormitórios permaneciam abertos o
dia todo. Lê-se na ata:
17
Stefano Febraro: FDB 240 C2. J. M. Prellezo, Valdocco en el XlX, 289.
18
Tommaso Pentore: FDB 240 B8-9. J. M. Prellezo, Valdocco en el XIX, 259.
19
Domenico Canepa: FDB 240 C9-D2; J. M. Prellezo, Valdocco en el XIX, 263-267.
20
Serafino Fumagalli: FDB 240 D10; J. M. Prellezo, Valdocco en el XIX, 269-270.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

Dom Bosco quer saber: “Quem é responsável pela disciplina na casa? A quem
devem dirigir-se os professores e assistentes para obter apoio? É ao diretor
espiritual? [...] Já disse e repito que não se devem poupar despesas em tudo
o que for necessário para garantir a boa ordem. O trabalho do diretor não é
fazer as coisas por si mesmo, mas certificar-se de que as coisas sejam feitas pela
pessoa adequada”. Em seguida, pede que a próxima reunião de sexta-feira seja
dedicada à discussão destes assuntos.21

O Capítulo superior voltou a reunir-se na sexta-feira, 4 de julho.

Dom Bosco continua o tema das reformas que haveria de estabelecer na


casa do Oratório. Voltou a falar das normas estabelecidas nos primeiros
tempos e acredita que continuam sendo válidas para o nosso [Oratório] e
atendem a todas as nossas necessidades. “O trabalho do diretor é mandar.
Portanto, deve estar familiarizado com os regulamentos que são próprios
do seu cargo, assim como com os que são próprios de outros em seus
diversos postos de trabalho. Deve haver um único centro de comando.
Aconteceu uma ruptura gradual desta unidade de direção [...]. Que se re-
construa a unidade como antes: um homem no timão. Que o diretor não
se envolva em qualquer trabalho. Seu trabalho consiste em velar para que
os demais façam o próprio trabalho”. [...] Padre Lazzero [o diretor] disse
que o motivo pelo qual não há unidade é que os irmãos se dirigem a ou-
tros superiores. Dom Bosco responde que, se o diretor estivesse realmente
envolvido, perceberia como andam as coisas e, em pouco tempo, teria
tudo e a todos sob seu controle. “Que se encarregue uma pessoa, o diretor.
[...] Os membros do capítulo superior não devem intervir nos assuntos da
casa do Oratório mais do que intervêm nos [assuntos] de qualquer outra
casa da Congregação. O diretor da casa do Oratório deveria ter a mesma
liberdade que os demais diretores desfrutam em suas próprias casas [...].
O pessoal destinado à casa é dado como pessoal ao diretor da casa, não
a outros. [...] Que todos apoiem a pessoa que tem o comando. Peço ao
padre Rua que convoque uma conferência de todo o pessoal e explique
isso. Mas, primeiro precisamos estar de acordo entre nós mesmos e ter um
só pensamento”.22

21
Reunião do Capítulo superior, 30 de junho de 1884, Lemoyne, Atas, 14b-15a: FDB 1880 D6-7.
22
Reunião do Capítulo superior, 4 de julho de 1884, Lemoyne, Atas, 17a-b: FDB 1880 D9-10.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre José Lazzero (1837-1910).

Em 7 de julho, Dom Bosco repetiu com nova ênfase os pontos assina-


lados na sessão anterior, sobre a unidade de comando e o papel do diretor.
Às observações dos padres Cagliero, Lazzero e Barberis de que o diretor e os
membros do conselho da casa tinham muito trabalho, respondeu:

“Cada um atenda ao próprio trabalho e nada mais. Por exemplo, deixe que
o diretor espiritual cuide da instrução religiosa e da capela e vele para que os
regulamentos sejam respeitados; tenha em conta que a boa caminhada da casa
depende do seu trabalho. O diretor se for necessário também deve deixar de
pregar e confessar. Seu único trabalho é supervisionar tudo e todos”.23

As críticas dirigidas à falta de uma direção forte na casa do Oratório


eram duplas. De um lado, reconhecia-se como causa corrente a situação com-
plexa e confusa que se produzira aos poucos e também se atribuía à interfe-
rência dos superiores que não estavam envolvidos; mas, de outro, apontava-se
também, assim parece, ao diretor, padre Lazzero, pelo desempenho pouco
23
Reunião do Capítulo superior, 7 de julho de 1884, Lemoyne, Atas, 18a-b: FDB 1880 D11-12.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

satisfatório do seu cargo. Contudo, durante as cinco reuniões seguintes, ou


seja, durante a última parte de julho e agosto, não se estudou o assunto. Pode-
mos supor que, nesse tempo, se estivesse a buscar uma solução nos bastidores,
porque na reunião de 4 de setembro, da qual o padre Lazzero não participou,
presidida por Dom Bosco, foi apresentada uma proposta bem articulada.
Padre Rua abre a sessão propondo a questão de um novo diretor da
casa do Oratório. Propõe em seguida que padre Lazzero, atual diretor, seja
designado conselheiro das escolas de Formação Profissional,24 cargo criado
pelo III CG do ano anterior, e que o padre Francésia, diretor do colégio de
Valsálice, seja nomeado diretor do Oratório. Padre Rua explica que com o
novo cargo de conselheiro das Escolas de Formação Profissional, padre La-
zzero teria o encargo de todas as oficinas da Congregação, como o prefeito
geral de estudos é encarregado de todas as escolas. Padre Sala considera que
o novo cargo coincide com o de administrador geral. Enquanto isso se apre-
senta uma contraproposta:

Padre Cagliero propõe que se nomeiem dois diretores diferentes e totalmente


independentes para o Oratório; um para a comunidade dos estudantes e, ou-
tro, único responsável da comunidade dos meninos aprendizes. Acredita que
há muita gente e muitos departamentos diferentes no Oratório para que uma
[só] pessoa possa dirigi-lo.25

Mudança de posição de Dom Bosco


A ideia de dois diretores já figura na resposta do padre Febraro, embo-
ra não fosse incluída no relatório final do padre Bonetti. Agora, segundo a
proposta do padre Cagliero, encontrou-se com as objeções, muito sérias, dos
padres Durando e Rua. Além do fato de que a unidade de direção em todas
as casas era uma tradição salesiana comprovada pelo tempo, só se poderiam
prever problemas e conflitos colocando dois galos no mesmo galinheiro.
Seguiu-se um longo debate, não isento de asperezas, sobre a validade
dessas propostas; Dom Bosco, tranquilamente sentado, parecia aceitá-lo por
completo. Depois, padre Rua resumiu as três propostas, destacando os prós
e os contras: 1o Padre Lazzero seria nomeado conselheiro de artes e ofícios.

24
Este novo conselheiro do Capítulo superior seria encarregado do “componente operário” da
Congregação, ou seja, das oficinas, da comunidade de aprendizes e do pessoal, salesianos coadjutores,
relacionado com as oficinas. O termo italiano para esse cargo nas fontes é “conselheiro artístico” ou
“conselheiro profissional”. Como as oficinas se converteram gradualmente em escolas profissionais, o
termo “conselheiro para as escolas profissionais” seria o adequado.
25
Reunião do Capítulo superior, 4 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 25b: FDB 1881 A2.

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Dom Bosco: história e carisma 3

2o Padre Francésia seria transferido de Valsálice para o Oratório como dire-


tor, no lugar do padre Lazzero. Padre Rua não deixou de assinalar a objeção
formulada contra esta nomeação, pois padre Francésia era considerado muito
benévolo para um trabalho tão duro. 3o Dois diretores distintos, um para
dirigir a comunidade de estudantes e, o outro, dos aprendizes.26
Dom Bosco manteve-se firme e optou pelo padre Francésia como único
diretor:

É pouco provável que se possa alcançar um acordo sobre cada candidato;


alguém pensará que tal candidato é demasiado indulgente; outro, que é um
tanto duro; um, que é demasiado laxo, outro, que é um tanto fechado. Deve-
mos aceitar o fato de que somos humanos. Mas vamos começar a pôr as coisas
no lugar. Parece-me que o único inconveniente do padre Francésia é que é
uma pessoa demasiado boa. Mas, pela educação e espiritualidade, poucos po-
dem igualá-lo. Além do mais, tem um profundo conhecimento do Oratório,
depois de ter vivido e trabalhado aqui por muitos anos. Está muito familia-
rizado com nosso regimento e, quando a situação o requerer, não deixará de
agir em conformidade com ele.

Depois de um breve debate sobre a distribuição do pessoal, Dom Bosco


concluiu a discussão com a decisão: “Padre Francésia irá ao Oratório como
diretor e o padre José [ler: César] Cagliero o substituirá em Valsálice. A mu-
dança se dará durante as férias de verão”.27
Não temos conhecimento do que se passou durante a semana seguinte.
Na reunião de 12 de setembro, Dom Bosco aceitou a posição do padre Ca-
gliero sobre dois diretores para o Oratório. Ao nomear o padre Lazzero como
um deles e designá-lo conselheiro de artes e ofícios e membro do Capítulo
superior, expressou-se com detalhes:

Quero que o padre Francésia seja transferido para o Oratório; quero que ele e
o padre Lazzero assumam a direção desta casa. Um diretor não pode atender
a tanta gente. Padre Lazzero, mais de uma vez, pediu-me por escrito que lhe
fosse concedida uma ajuda. Proponho que se dividam as tarefas de direção
entre eles, confiando ao padre Francésia a comunidade dos estudantes e tudo
o que ela comporta; a dos aprendizes, ao padre Lazzero, dispensando-o assim
de atender aos estudantes. Refiro-me a que o padre Lazzero se encarregue dos

Reunião do Capítulo superior, 4 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 25b-26a: FDB 1881 A2-3.
26

Reunião do Capítulo superior, 4 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 26b: FDB 1881 A4.
27

Dom Bosco (ou Lemoyne) queria dizer César Cagliero não José Cagliero (1847-1874).

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

aprendizes do Oratório e de todas as outras casas da Congregação. Quanto à


Congregação em geral, assumirá o cargo de conselheiro das escolas de forma-
ção profissional; em relação ao Oratório, será o diretor da comunidade dos
meninos das oficinas. Será preciso elaborar um modus operandi satisfatório e
estável para organizar suas relações recíprocas, um acordo que deve ser tão váli-
do para nós como para aqueles que nos sucederão nos anos vindouros. Manter
toda a obra do Oratório debaixo de uma única pessoa requereria um conjunto
totalmente novo de regulamentos e não tenho qualquer intenção de mudar o
sistema que serviu tão bem no passado. Além disso, se as duas comunidades,
cada uma com seu próprio diretor, vão ser realmente autônomas, seria preciso
fazer uma divisão e distribuição adequada do pessoal ou haveria problemas.28

Aparentemente, todos, salvo talvez padre Cagliero, se surpreenderam


com a proposta de Dom Bosco. Padre Cagliero limitou-se a objetar que a
mesma pessoa não podia ser ao mesmo tempo diretor dos meninos das ofi-
cinas do Oratório e conselheiro para as escolas de Formação Profissional de
toda a Congregação. Os outros conselheiros apresentaram muitas perguntas
e objeções, relativas principalmente à divisão prática das competências e res-
ponsabilidades dos dois diretores, e não ao princípio de unidade de direção.
Padre Barberis tentou mediar, propondo que o inspetor da inspetoria
piemontesa fosse o diretor de todo o Oratório com dois vice-diretores sob
sua dependência. Dom Bosco recusou prontamente a ideia e nomeou uma
comissão integrada pelos padres Rua, Francésia e Cagliero para examinarem
sua proposta “com calma e em todos os aspectos” e apresentar soluções. A
comissão devia “centrar-se na parte principal da proposta”, que propunha
duas direções separadas. Os problemas práticos que surgissem com as novas
disposições poderiam ser abordados com boa vontade em todas as frentes, à
medida que surgissem.
Ao final da reunião, Dom Bosco fez um comentário categórico sobre uma
observação anterior do padre Lazzero a respeito dos muitos indivíduos não sale-
sianos que viviam na casa sem qualquer conexão clara com o trabalho da mesma.

[Em vez de encaminhá-los a uma das duas comunidades ou criar uma especial
para eles] precisamos livrar-nos dessas pessoas que vivem na casa e que não
pertencem à Congregação. Ao menos não devem comer conosco, nem assistir
às funções [religiosas] conosco. Eles dão palpites em tudo; veem e ouvem
tudo e depois riem de nós e espalham indiscrições sobre nós.29

28
Reunião do Capítulo superior, 12 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 33b: FDB 1881 B6.
29
Reunião do Capítulo superior, 12 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 33b-3a: FDB 1881 B6-7.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Depois, Dom Bosco ficou novamente doente. Já estivera gravemente


enfermo em fevereiro, mas tinha se recuperado o suficiente para iniciar uma
longa e cansativa viagem à França e, depois, a Roma. Regressara a Turim em
maio, muito mais debilitado, embora tenha sido capaz de presidir as reuniões
que estamos mencionando. O dia 14 de setembro de 1884 marcou o início
de outra grave crise, erisipela, que o obrigou a abandonar os exercícios espiri-
tuais e as reuniões em Valsálice, voltar ao Oratório e pôr-se de cama.

A proposta de uma “dupla direção”


As reuniões do Capítulo superior continuaram nos dias 18, 19, 20 e 29
de setembro sob a presidência do padre Rua. Embora outros assuntos rece-
bessem atenção do Capítulo superior, a questão do Oratório continuava a ser
um pesadelo na agenda e tema de debate. Padre Rua apresentou a questão
relativa aos diretores na primeira reunião, em 18 de setembro. Sobre ela, a
ata diz:

Padre Francésia opõe-se firmemente à nomeação de dois diretores na mes-


ma casa. Em sua opinião, a divisão resultante desta medida seria fatal. Padre
Durando chama este acordo de solução improvisada que agravaria, em vez de
resolver, os problemas do Oratório. Atuar sob dois diretores distintos também
exigiria uma separação total dos locais para poder trabalhar, incluindo entra-
das e portarias independentes da casa. Padre Rua declara sua disposição de
acatar a decisão de Dom Bosco, seja a que for; contudo ela não vai criar mais
do que dificuldades e conflitos. [Padre Rua] suspeita que Dom Bosco sentiu-
-se encurralado por “terceiros” e foi forçado a esta posição, pois ele sempre
defendeu o princípio de unidade de direção e comando.30

Em seguida, padre Rua renova a proposta do padre Barberis de dois


vice-diretores com atuações distintas, com um diretor para toda a casa, e
oferece-se para aceitar esse trabalho. Mais uma vez, padre Durando opõe-se.
Na reunião seguinte de 19 de setembro:

Padre Francésia volta a falar do tema dos dois diretores. Não se negaria a acei-
tar a proposta de Dom Bosco, mas tem receio de que “alguém possa colocar
uma questão de ordem”. Padre Rua fala novamente de dois vice-diretores; e
acrescenta que, de um lado, parece ser a única medida adequada para salva-
guardar a unidade de comando; e, de outro, permite atuações independentes.

30
Reunião do Capítulo superior, 18 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 34b: FDB 1881 B8.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

Surge, então, a questão de como o padre Lazzero ficaria nesse esquema, ou


seja, se deve encarregar-se de todas as oficinas da congregação como conse-
lheiro das escolas de Formação Profissional.31

A esta altura da discussão parece romper-se a lógica, porque padre Rua


propõe nomear o padre Lazzero como diretor de Lanzo, supondo que, talvez,
não desejasse permanecer em Valdocco simplesmente como um dos vice-di-
retores. O grupo aceitou logo, embora padre Cagliero se mantivesse neutro.
Quanto ao padre Lazzero, parecia estar de acordo com a proposta e acrescen-
tou que, talvez, pudesse, afinal, desfrutar da tranquilidade de consciência.
Quando o Capítulo superior se reuniu novamente no dia seguinte, 20
de setembro, a discussão continuou mais acalorada do que nunca, e não mui-
to afável. E não se chegou a qualquer solução.

Padre Rua pergunta ao padre Lazzero se ficaria satisfeito com sua nomeação
como diretor de Lanzo. Padre Lazzero responde que o consenso da reunião
do Capítulo de ontem elimina qualquer censura de sua parte; mas que não
pode evitar a sensação de que esta nomeação é uma manobra mal dissimulada
para expulsá-lo do seu posto no Oratório. Padre Rua garante-lhe que não é o
caso. Padre Cerruti insiste na necessidade de um conselheiro com dedicação
integral às escolas profissionais e que o padre Lazzero é a pessoa requerida
especificamente para o posto pelos salesianos leigos e também pelos jovens
aprendizes. Padre Lazzero mostra-se inflexível: “Trabalhei como diretor do
Oratório por muitos anos e não posso permitir que seja degradado o meu
bom nome. Além disso, tenho o apoio de Dom Bosco; tenho a intenção de
permanecer no Oratório como diretor dos aprendizes”. 32

Depois de quatro reuniões, ainda sob a presidência do padre Rua e um


novo debate, o Capítulo superior cede: prevalece o desejo de Dom Bosco.
Padre Lemoyne, o secretário, assinala concisamente: “Apresenta-se novamen-
te a questão dos dois diretores no Oratório. Dá-se um debate prolongado
e animado que termina determinando, finalmente, que se deve obedecer a
Dom Bosco”.33

31
Reunião do Capítulo superior, 19 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 35b: FDB 1881 B10.
Com a expressão “colocar uma questão de ordem” (fare questione di gabinetto), padre Francésia, longe
de ridicularizar, provavelmente queria dizer que alguém poderia desafiar a decisão de Dom Bosco com
as Constituições.
32
Reunião do Capítulo superior, 20 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 36b: FDB 1881 B12.
33
Reunião do Capítulo superior, 29 de setembro de 1884, Lemoyne, Atas, 38b: FDB 1881 C4.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Os padres Francésia e Lazzero começaram, parece, a ser diretores pouco


depois, ocupando este último também o cargo de conselheiro das escolas de
Formação Profissional, cujas atribuições continuavam não claras. Dom Bosco
voltou a presidir as reuniões em 3 de outubro, mas o tema dos “dois direto-
res” não figura na ordem do dia até a reunião de 9 de janeiro de 1885. Então,
e até outubro de 1885, segundo as atas, o debate centra-se, simplesmente, na
distribuição de competências e responsabilidades.34
Apesar das melhores intenções, a experiência dos dois diretores não foi sa-
tisfatória para Dom Bosco. De fato, em 1887, menos de três anos depois, o Ora-
tório voltou a ser dirigido por um único diretor, padre Domingos Belmonte.35

2. O ambiente ruim nos últimos anos da escola


e o problema das vocações
A condição moral e religiosa da casa do Oratório, em meados de 1880,
deixava Dom Bosco preocupado. Depois do relatório do padre Bonetti, en-
frentou-se o penoso desafio de identificar as causas e encontrar soluções. A
inquietação de Dom Bosco não era, principalmente, de tipo técnico, não era
motivada pela perda de um determinado estilo educativo, como se poderia de-
duzir superficialmente da Carta de Roma, de 10 de maio de 1884. Preocupava-
-o a deterioração da situação moral e espiritual dos estudantes do gimnasio.
Este fracasso, segundo ele, frustrava o objetivo pelo qual a escola fora criada.
Percebe-se a partir das atas que aquilo que fazia Dom Bosco sofrer e o
exasperava tanto era o fato que, quando os meninos passavam para a seção
superior, para o quarto ou quinto ano, “já não estão mais conosco”, não há
vocações. E isso acontecia depois de lhes oferecer tanta caridade material e
tanta preocupação.
Ele expressou-se claramente em sua declaração inicial, na reunião de 5
de junho: “A tarefa que temos à nossa frente é estudar e encontrar formas de

34
Reuniões do Capítulo superior, 5 de janeiro, 20 de março, 22 de junho, 2 de outubro de 1885,
Lemoyne, Atas, 54a, 56b, 62a, 84b: FDB 1881 E11, 1882 A4, B3, E12. Dom Bosco queria seriamente
que a solução funcionasse. Conservamos uma série de declarações, por exemplo: “Ganharíamos muito
se eventualmente os estudantes e os aprendizes pudessem usar capelas diferentes” (ibidem, 56b: FDB
1882 A4). “Precisamos determinar com urgência as competências e responsabilidades dos superiores
da casa”. “Confiamos na boa vontade e na prudência dos dois diretores. Já é hora de analisar os re-
gulamentos da casa e quais devem ser alterados ou corrigidos para responder às necessidades de hoje”
(ibidem, 62a: FDB 1882 B3).
35
Società di San Francesco di Sales. Anno 1887 (Elenco), citado por J. M. Prellezo, Val­docco en
el XIX, 252.

532

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cuidar dos bons costumes entre nossos jovens e promover as vocações reli-
giosas”. E depois de afirmar que o II CG já abordara a questão e publicara as
normas neste sentido,36 disse:

É triste ver a mudança que tantos jovens sofreram para pior, depois de um
começo prometedor, no momento em que chegam ao quinto ano de gimna-
sio. É um fato que a maioria do quarto ano e os meninos do quinto ano, em
vez de optar pela vocação sacerdotal, vão à universidade ou conseguem um
trabalho de colarinho branco. É verdade que alguns escolhem a vocação sacer-
dotal, mas, devido à pressão dos pais, os artifícios dos párocos ou o conselho
do bispo vão para o seminário diocesano. E, contudo, de cada 100 jovens
do quarto e quinto ano, apenas dois ou menos pagam a pensão normal. Os
demais ou são aceitos gratuitamente ou, ao menos, a casa proporciona-lhes os
livros e a roupa. Dessa forma, o dinheiro de nossos benfeitores subvenciona
nossos futuros advogados, médicos e escritores. Os jovens que se matriculam
em outras escolas salesianas [e pagam sua educação] são certamente livres de
buscar outras carreiras. Mas isso não se pode tolerar nesta nossa casa, em que
os jovens vivem da caridade pública. Minha pergunta, então, é: qual é a nossa
obrigação e o que devemos fazer?37

Estas afirmações, um tanto desconcertantes na aparência, são entendidas


melhor tendo-se em conta o objetivo original de Dom Bosco ao criar um
curso regular de estudos de nível secundário no Oratório. Ele sempre pensou
que a Escola do Oratório, sustentada principalmente pela caridade dos ben-
feitores, era um seminário preparatório para o noviciado salesiano.
Entretanto, apesar de Dom Bosco preferir descrever a escola como ins-
tituição de caridade e não como instituição acadêmica, as leis escolares do
estado liberal obrigaram-no a aceitar o modelo acadêmico. De fato, depois do
enfrentamento com as autoridades escolares em 1879,38 a qualidade acadêmi-
ca da escola do Oratório melhorou a ponto de converter-se em “competitiva”;
os estudantes do quinto ano faziam sucesso nos exames gerais públicos para
tirar o diploma. Estes sucessos, junto com a pensão barata, as deduções de
favor e as isenções diretas de taxas acadêmicas, eram uma atração e uma ten-
tação para alguns estudantes.

36
Deliberazioni del Secondo Capitolo Generale della Pia Società Salesiana tenuto in Lanzo Torinese nel
settembre 1880. Turim: Tip. Salesiana, 1882, seção III, capítulo III e IV, 53-59, em OE XXXIII, 61-67.
37
Reunião do Capítulo superior, 5 de junho de 1884, Leomoyne, Atas, 13a: FDB 1880 D1.
38
Para a história e os detalhes, ver MB XIV, 87s, especialmente o Memorandum, 87-88, 135-
190. Cf. M. Ribotta, “The day they shut down the Oratory school”, JSS 2:1 (1991), 19-44.

533

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Propostas de reforma
Na reunião de 5 de junho, na qual, como se disse anteriormente, Dom
Bosco lamentou-se do fracasso da escola em relação ao bom espírito e às vo-
cações sacerdotais e apresentou uma proposta provisória de reforma:

“Em minha opinião, deveríamos agir para reorganizar nossos programas de


estudos. Talvez, devêssemos organizar os estudos acadêmicos no estilo das
escolas apostólicas da França. Não será fácil, mas devemos tentá-lo até que o
consigamos. Feito isso, poderemos abordar o modo de levar a cabo tal pro-
grama e que passos dar para o cultivo moral dos alunos. Não teremos aquelas
admissões tão numerosas, mas isso é bom. Podemos viver com um número
menor, de 100, 50, 40, o quanto for desde que consigamos extirpar a gangre-
na moral” [...]. Em seguida, Dom Bosco, propõe que se crie uma comissão
para estudar a viabilidade da proposta. Não pode fazê-lo sozinho; sua cabeça
não pode lidar com isso. Contudo, deve-se considerar urgente e importante
um assunto que lhes havia pedido para tratar.39

Apresentam-se imediatamente algumas propostas alternativas. 1a Padre


Lazzero acredita que a reforma deve começar pela supressão do quinto ano de
gimnasio. O quinto ano e os exames públicos para o diploma que o seguiam
atuavam como chamariz, pois dava acesso a estudos superiores e a profissões.
Padre Rua, contudo, observa que é o professor encarregado quem estabelece
a pauta. Quando se tem alguém como o padre Bosio em Lanzo, como pro-
fessor do quinto ano, então, sempre se tem estudantes que optam pelo no-
viciado. 2a Padre José Scappini eliminaria o grego e as matemáticas do plano
de estudos ou, simplesmente, daria um curso elementar nestes temas. Assim,
depois do terceiro ano, os estudantes cuja intenção não é entrar no noviciado
iriam embora, enquanto, mais adiante, nossos próprios clérigos podem estu-
dar esses temas antes dos exames para obter o diploma. 3a Padre Bonetti pede
reformas mais radicais: “Cuidemos da enfermidade, não tratemos apenas dos
sintomas”. Mas não fez nenhuma proposta concreta.

39
Reunião do Capítulo superior, 5 de junho de 1884, Lemoyne, Atas, 13b: FDB 1880 D2.
“Como escola apostólica são designadas as várias formas de ‘seminários menores’ concebidos para pre-
parar os candidatos muito jovens para o noviciado ou o seminário. A fórmula adotada, por razões
históricas na segunda metade do século XIX, pelos franciscanos (seminários seráficos), estas escolas se
propagaram entre as congregações religiosas e nas dioceses. O programa de estudos desses seminários
baseava-se geralmente nos formatos seculares ordinários, mas foram modificados e reduzidos para que
se ajustassem às finalidades estritamente religiosas e eclesiásticas da escola” (P. Peano, “Seminari serafi-
ci”, em Diziona­rio degli Istituti di Perfezione, VIII. Roma: Edizioni Paoline, cols. 1264-1268).

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

Em comentário posterior, Dom Bosco assinalava que tinham saído pou-


cos noviços salesianos da escola do Oratório, “também porque os párocos re-
comendaram meninos incapazes (socló) que, uma vez aceitos, não havia como
se livrar deles. Devia-se impor maiores condições de admissão e dispensar os
indesejáveis (mettere le ossa rotte alla porta [ou, literalmente, “pôr à porta os
ossos quebrados”])”. “Contudo, nossa primeira preocupação agora deve ser
considerar a possibilidade de criar uma escola apostólica”.
Dom Bosco pergunta, em seguida, ao padre José Bertello, encarregado
dos estudos, o que ele pensa. Padre Bertello acredita que é má ideia: “Chega-
ríamos a uma verdadeira batalha com párocos, bispos, padres e autoridades
escolares”. Pela mesma razão ele se opõe à supressão do quinto ano.40

Padre João Bonetti (1838-1891).

Não possuímos os relatórios sobre as propostas da comissão, nem o que


recomendava. Dom Bosco tinha na mesa as diversas propostas e a ideia de
modificar ou reduzir o plano de estudos, a fim de eliminar os estudantes que
40
Reunião do Capítulo superior, 5 de junho de 1884, Lemoyne, Atas, 13a: FDB 1880 D1.

535

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Dom Bosco: história e carisma 3

só se matriculavam, acolhidos por beneficência, para graduar-se e ir embora.


A opinião pode ter sido que uma escola apostólica converteria praticamente
a escola do Oratório num seminário menor preparatório.

Diretrizes de Dom Bosco


Um mês mais tarde, em 4 de julho de 1884, retornou a discussão; embo-
ra não se mencionem especificamente as escolas apostólicas, Dom Bosco ti-
nha a intenção, certamente, de reduzir a amplitude do programa acadêmico.

Dom Bosco pergunta a respeito das medidas que se devem adotar em relação
ao quarto e quinto anos de gimnasio para o próximo ano, a fim de garantir um
bom clima moral na casa. Ele já decidiu: 1o só serão admitidos nos dois graus
superiores os jovens que quiserem seguir a vocação sacerdotal; 2o o Oratório
não garantirá o acesso aos exames públicos para obter o diploma.
Padre Durando, prefeito geral dos estudos, afirma que essa medida afastaria
de nós jovens de talento e só ficariam os medíocres. Além do mais, alguns dos
que gostaríamos de excluir iriam embora de qualquer forma. Por outro lado,
o estudo e a ajuda pessoal que se proporciona ao estudante para seu progresso
nos estudos demonstraram que são os melhores incentivos para a boa conduta
moral. Dom Bosco reafirma que não quer ser contrariado, mas que seja ajuda-
do a realizar seu plano, que considera o melhor para alcançar seu fim. Padre
Durando retira suas objeções.41

Dom Bosco concluiu a sessão propondo uma reunião para a segunda-


-feira seguinte, 7 de julho. Nela, ele estabeleceu algumas normas relativas à
admissão e à conduta moral:

1o Admita-se como estudante unicamente os que têm a intenção de abra-


çar o estado eclesiástico e, preferivelmente, os que dão algum indício de
serem salesianos.
2o Afastem-se, sem receio, os que disserem, insinuarem ou fizerem algo repre-
ensível contra a moralidade. Não se receie proceder nisso com rigor excessivo.
3o Dedique-se a um ofício, mas nunca ao estudo, quem não frequente os sa-
cramentos (a sagrada comunhão) e descuide das práticas de piedade.42

41
Reunião do Capítulo superior, 4 de julho de 1884, Lemoyne, Atas, 17b: FDB 1880 D10) J.
M. Prellezo, Valdocco (1866-1888), 275-276, fala desta passagem, com um breve comentário sobre
as observações do padre Durando que, parece, não eram sem fundamento. “Mas Dom Bosco preferiu
cortar a discussão.”
42
Reunião do Capítulo superior, 7 de julho de 1884, Lemoyne, Atas, 18a: FDB 1880 D11.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

Na mesma sessão de 7 de julho, padre Cagliero propõe um modo práti-


co de eliminar os indesejáveis. Quando os meninos do terceiro e quarto anos
forem para as férias no final do curso, deve-se escrever-lhes uma carta comu-
nicando que devem solicitar a readmissão e esperar até terem sido aceitos ou
não. O Capítulo superior aprova a proposta.
Em seguida, “Dom Bosco ordena que se formule e examine tal carta,
que deverá ser redigida mais ou menos nestes termos: se não receberes uma
carta de aceitação dentro de tal tempo, procura outro lugar onde concluir
teus estudos”. E acrescenta, novamente, em termos enérgicos:

Devem ser excluídos os que pudessem ser de mau exemplo para os outros
e de dano para si mesmos. Em todo caso, ninguém dos que atualmente es-
tão no quarto ano deve ser readmitido.43 Alguns indivíduos que, claramente,
não possuem vocação e cuja conduta é equívoca, deve-se tirá-los do colégio
e despedi-los. É preciso estar atentos para não passar estes estudantes para a
sessão dos aprendizes. Colocando-se um estudante que não tem vocação com
os aprendizes, fazem-se estragos entre eles à direita e à esquerda, porque estes
tais são indivíduos da pior espécie.44

O que foi proposto pelo padre Durando em 4 de julho e as diretrizes


impostas em 7 de julho indicam a orientação de Dom Bosco. Fica confirmada
na reunião posterior, de 19 de julho, em que fala com maior ênfase e deter-
minação sobre o tema.

“Ao julgar a conduta moral de um menino, não nos devemos guiar pelas suas
notas no boletim informativo mensal que, em geral, são boas. E quando en-
contrarmos um menino que é mau (malvagio), não nos enganemos, pensando
que poderá mudar profundamente”.
Dom Bosco acredita que, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, nossa
escola terá de se colocar no mesmo nível das chamadas escolas apostólicas. Na
medida do possível, sejam admitidos somente os que desejarem ser salesianos,
sobretudo se desejarem ir às missões.
[E acrescentou:] “Se estes jovens podem ou não pagar suas cotas não tem
qualquer importância; que sua casa se encarregue disso [...]. O Senhor prove-
rá todo o necessário e mais, se fizermos o possível para promover as vocações;

43
A frase, se a entendo corretamente (e assim a entende Prellezo), supõe que Dom Bosco neste
momento já tomara a decisão de eliminar o quinto ano. Contudo, como logo veremos, o debate sobre
o destino do quinto ano será novamente abordado.
44
Reunião do Capítulo superior, 7 de julho de 1884, Lemoyne, Atas, 18b: FDB 1880 D12.

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Dom Bosco: história e carisma 3

não economizemos gastos para esta obra. Entretanto, se os jovens que ingres-
sarem com essas condições mudarem de opinião, que paguem suas pensões
completas. Que seja também esta a regra em todas as nossas escolas”.45

A discussão nas últimas reuniões centrou-se nas admissões e nas expul-


sões. A proposta original de remodelação da escola do Oratório continuava
à espera de uma solução; passou-se mais de um ano sem que se tomasse uma
decisão sobre o tipo de escola que seria. Ao longo desse período, as atas guar-
dam silêncio sobre o tema.

Dom Bosco, de julho de 1884 a agosto de 1885


Um decreto papal, de 9 de julho de 1884, concedia os privilégios de
isenção à Congregação Salesiana. No pleno calor do verão e com temores de
uma epidemia de cólera, Dom Bosco, com padre Lemoyne e o clérigo Carlos
Maria Viglietti, como ajudante, passou um mês de descanso na casa de férias
do bispo de Pinerolo, retornando a Turim em 22 de agosto, para os exercícios
espirituais de Valsálice.
Adoeceu em seguida e viu-se obrigado ao leito; enquanto isso, padre
Rua presidia as reuniões do Capítulo superior. Em 30 de novembro tornou-se
pública a nomeação do padre Rua como vigário de Dom Bosco, com direito
de sucessão. E em 7 de dezembro deu-se a ordenação do padre Cagliero como
bispo e vigário apostólico na Patagônia. Em 27 de dezembro, padre Paulo
Albera anunciava a fundação da obra salesiana em Paris.
Em 3 de fevereiro de 1885, alguns jornais difundiram o rumor da morte
de Dom Bosco. Dom Bosco estava em situação delicada, mas muito vivo; não
muito depois, e contra o conselho dos médicos, iniciou sua viagem anual à
França com padre Bonetti e o clérigo Viglietti. Dividindo seu tempo de per-
manência no sul da França, de 25 de março a 28 de abril, entre Nice e Mar-
selha, visitou os benfeitores ilustres, especialmente o conde Colle em Toulon,
e presidiu as conferências dos salesianos cooperadores, até que se viu muito
cansado, até mesmo para falar. Em 6 de maio, estava de volta em Turim.
No dia 2 de junho, solenidade de Maria Auxiliadora, transferida nesse
ano pela coincidência com Pentecostes, Dom Bosco falou aos cooperadores e
assistiu à solene missa pontifical do arcebispo, cardeal Alimonda. As reuniões
do Capítulo superior presididas por Dom Bosco em maio e junho trataram
principalmente das fundações na França.

45
Reunião do Capítulo superior, 19 de julho de 1884, Lemoyne, Atas, 19a: FDB 1880 E1.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

Dom Bosco estava muito doente nos meses de julho e agosto. A coluna
vertebral encurvara, obrigando-o a caminhar vacilante e com dificuldade. Ti-
nha febre e devia submeter-se a uma pequena cirurgia. O calor era sufocante
na cidade. Dom Bosco, acompanhado por Viglietti, procurou um pouco de
alívio em Mathi, nas colinas próximas a Turim, de 15 de julho a 22 de agosto.
Ali recebeu a visita de seus colaboradores, amigos e dignitários da Igreja. Mas
não conseguiu ficar inativo. Em 22-23 de agosto, visita as salesianas em Nizza
[Monferrato], para as profissões religiosas. De ali vai a San Benigno para os
exercícios espirituais, de 24 de agosto a 4 de setembro; e a Valsálice, de 5 a
28 de setembro. A deterioração física vai-se tornando sempre mais evidente.

Surge novamente a questão da escola do Oratório


O resumo das atividades de Dom Bosco nos difíceis anos 1884 e 1885
dá uma ideia do motivo pelo qual a questão da escola do Oratório parece ter
sido relegada ao segundo plano. Mas é possível que houvesse outra razão para
a demora. De uma reunião do Capítulo superior, celebrada em 24 de agosto,
deduz-se que Dom Bosco tomara uma decisão, mas que, talvez, temesse uma
confrontação com os que se opunham no Capítulo superior. Segundo a ata:

Dom Bosco declara sua intenção de suprimir o quinto ano de gimnasio no


Oratório. É possível que haja quem esteja em desacordo, mas não mudará
sua posição. Os jovens que quiserem fazer o quinto ano deverão ir para outra
escola e pagar as respectivas cotas. “Não é correto que estes indivíduos vivam
do nosso dinheiro, ganho duramente, para seguir uma carreira que não é o
que nós pretendemos para nossos jovens”.46

As atas indicam apenas esta digressão de Dom Bosco sobre o tema. Mui-
ta atenção foi dada, porém, ao assunto ao longo das três semanas seguintes, a
julgar pelo enfrentamento que se deu em 16 de setembro.

Padre Rua apresenta o projeto proposto por Dom Bosco para a eliminação do
quinto ano de bacharelado no Oratório.
Dom Bosco explica: “Minha intenção é que esta eliminação refira-se às nossas
casas de beneficência e só a elas”.
Padre Bonetti pede que sejam apresentadas as razões a favor e contra, porque
o Capítulo deve estar ao corrente em questão tão importante.
Padre Rua faz um breve relato de suas observações. Ele examinou o resultado
nos exames dos alunos do quinto ano de bacharelado, tanto em relação à

46
Reunião do Capítulo superior, 24 de agosto 1885, Lemoyne, Atas, 66a: FDB 1882 B11.

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Dom Bosco: história e carisma 3

vocação religiosa, como em relação àqueles que, depois de serem aprovados


no exame para o diploma, não seguiram os estudos eclesiásticos. Examinou os
registros das aulas de oito anos consecutivos e percebeu que em todos aqueles
nos quais houve um bom professor no quinto ano, foi bom o exame de diplo-
ma ou revalidação e houve grande número de vocações. Ao contrário, os cur-
sos nos quais houve um professor pouco adequado ou menos hábil, faltaram
as vocações e o resultado do exame foi muito insignificante. O florescimento
das vocações depende, portanto, do professor. Quanto maior o empenho para
fazer estudar pela glória mundana, tanto menor o contingente que fica para
a congregação. Se passarmos a falar, depois, do que se ouve dizer contra o
quinto ano, repete-se que os jovens não pensam mais do que nos estudos e
no exame para o diploma ou revalidação, preocupando-se muito pouco com
a piedade e a vocação [...].
Dom Bosco: “Faz alguns anos que penso e medito no quebra-cabeça que são
para mim essa mania do exame de revalidação. Devemos considerar a ques-
tão de um ponto de vista importantíssimo. Esses jovens estão gratuitamente
ou quase no Oratório. Aonde irá parar esta caridade? Não na promoção de
vocações ou no proveito da religião, como quereriam os benfeitores. Não nos
devemos expor a merecer e incorrer em suas recriminações! Gastar tanto di-
nheiro para manter aqueles que, depois, aproveitam seus estudos para chegar
a serem jornalistas da pior imprensa, é algo intolerável. Os que conhecem a
conduta destes infelizes dirão: quem os educou? E se lhes dirá: foram educa-
dos por Dom Bosco! É uma vergonha para nós”. Mas, para abolir o quinto
ano de bacharelado, temos muitas outras razões que se referem à moralidade.
O espírito dos meninos perverte-se ao passar do quatro ao quinto ano pelas
esperanças de um futuro mais risonho, pela liberdade sonhada, pelas ambi-
ções despertadas. Corte-se, portanto, para eles, o caminho de passar ao quinto
ano. Quem quiser cursar o quinto ano, que vá aos colégios especiais, como
Alassio e Lanzo. Não podem pagar a pensão? Não nos cabe pensar nisso. Pen-
sem eles. Mas se alguém, por circunstâncias de merecimento especial, fosse
digno de atenção, poder-se-á fazer alguma exceção extraordinária [...]. Assim,
pois, ao chegarem os jovens ao quarto ano, deem por concluído [o curso].
Neste ano, apenas um do quinto ano ficou para a Congregação.
Padre Rua diz que nós escolhemos os melhores meninos do terceiro e do
quarto anos e os enviamos ao noviciado. Esta é a razão pela qual não nos fique
bom material para o quinto [ano].
Padre Francésia observa que, se o Capítulo tomar esta deliberação, os colégios
episcopais de Bra, Giaveno e o Cottolengo fariam uma concorrência fatal

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

para nós e levariam os meninos para eles, porque eles têm o quinto ano. O
Cottolengo mesmo envia seus alunos para o exame de revalidação. Se deter-
minarmos suprimir o quinto ano, os meninos virão para estar um ou dois
anos e, depois, irão a outra parte. Os próprios párocos dirão que não temos
os cursos completos. Também os padres ignorantes repetirão que nós não
temos todos os cursos e teremos falta de alunos e, como consequência, falta
de vocações.
Padre Rua responde-lhe que essa voz não poderia correr, porque os meninos te-
riam a oportunidade de ir a outros nossos colégios, onde completariam os cursos.
Padre Francésia replica que, se enviarmos a outros colégios os que fizeram o
quarto ano no Oratório, seria para eles uma grata e perigosa surpresa, não
prevista por hora. A mudança de orientação é algo que merece reflexão. Me-
ninos de outros colégios, que vieram ao Oratório com atestado de boa con-
duta, aqui deram mau resultado. Por isso, propõe elaborar um novo programa
unicamente para o Oratório. Conserve-se o quinto ano, mas suprimam-se as
matrículas acessórias de história, ciências naturais etc., exceto as matemáticas;
dedique-se tempo às três literaturas grega, italiana e latina. Para admitir ao
exame prévio para o recebimento da batina nos seminários, exigem o certifi-
cado de ter feito o quinto ano. Neste ano, os párocos fizeram uma declaração
de ter feito cursar, sob a sua direção, o quinto ano a todos os do quarto ano
que saíram do Oratório e queriam entrar no Seminário. Insista-se que os pro-
fessores ensinem bem as três literaturas e haverá grande progresso em nossos
estudos, que agora estão atrasados. Vigiem-se bem as salas de aula.
Dom Bosco: “Mantenho sempre a minha opinião. Se não se tomar esta me-
dida seremos obrigados a criar as escolas apostólicas”.
Padre Bonetti apoia a proposta do padre Francésia.
Padre Durando sustenta que, suprimindo-se o quinto ano, acabarão por ficar
conosco somente os piores alunos.
Dom Bosco: “Os que vêm de suas casas com livros maus ou princípios maus,
fora, fora, já, do Oratório!”.
Padre Bonetti observa que se poderia fazer um ano de experiência, seguindo
o programa do padre Francésia. Assim se obteria a finalidade de Dom Bosco,
porque o quinto ano não pode servir para os que não querem ser sacerdotes.
Padre Rua observa que, abolindo-se em grande parte as matrículas secundá-
rias, os professores também deixarão de ter a ocasião de falar, ao explicar as
lições do exame de revalidação e, portanto, de despertar nos alunos a avidez
de glória no mundo.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre Durando adverte que nós precisamos enviar os clérigos para o exame de
revalidação, como preparação para os títulos e diplomas universitários.
Dom Bosco: “Pois bem, aceito por um ano o que o padre Francésia propõe,
como experiência e como passo para realizar minha intenção de suprimir o
quinto ano”.
A moção aprovada no Capítulo foi assim formulada: “Conserve-se o quinto
ano do bacharelado, suprimindo as matrículas secundárias, mas mantendo as
matemáticas!”.47

Não existem outras anotações nas atas de Lemoyne sobre a disposição


final deste assunto. Em seu ensaio, Prellezo não continua a questão além da
reunião do Capítulo superior de 7 de julho de 1884. Nela, seria concordado
por unanimidade notificar os alunos do quarto e quinto anos, que já tinham
saído para as férias de verão, para não regressarem, a menos que fossem
readmitidos depois de apresentarem novo pedido. Aparentemente Prellezo
considera este acordo como definitivo.48 Dom Bosco, depois de aceitar a
experiência de um ano, finalmente, conseguiu o que queria. Padre Ceria
comenta como conclusão:

Dom Bosco aceitou a sugestão do padre Francésia, que entrou em vigor no


ano escolar seguinte, de 1885-1886. Contudo, depois da experiência de um
ano, o quinto ano de gimnasio foi eliminado da escola do Oratório e não se
voltou a colocá-lo nunca mais.49

3. Comentário conclusivo
Merecem algum comentário os textos que nos transmitiram tanto os
temores de Dom Bosco sobre a vida e o futuro da Congregação, como sua
preocupação com o clima moral do Oratório, pois são um tanto descon-
certantes e revelam uma preocupação desmesurada e, aparentemente, uma
severidade excessiva.

Profundo temor de Dom Bosco sobre a vida religiosa de


sua Congregação
O que podemos dizer sobre o temor, parece que profundo, de Dom
Bosco pela vida religiosa e a disciplina em sua jovem Sociedade, em relação

47
MB XVII, 498s.
48
J. M. Prellezo, Valdocco (1866-1888), 318.
49
MB XVII, 498s.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

à obediência, à amabilidade na vida de comunidade e nas relações educati-


vas, o compromisso apostólico salesiano, a moral etc.? Surgiram certamente
alguns motivos no caso de Dom Bosco, como também durante o processo de
consolidação de qualquer família religiosa. É possível, ainda, que a ruptura da
disciplina religiosa fosse real, consequência da liberdade de ação e da ativida-
de extrovertida dos anos anteriores.
Entretanto, a insistência, o caráter sempre mais persistente com que fala-
va sobre o tema nos últimos anos de sua vida coloca várias questões. Sabemos
que esses temores atormentavam seu sono e brotavam como pesadelos. Em sua
crônica adicional, Viglietti refere várias experiências. Os pesadelos tidos por
Dom Bosco durante quatro noites seguidas antes de 1o de dezembro de 1884,
são um exemplo disso. Viglietti escreve:

Na noite passada, fui bruscamente despertado por gritos dolorosos que vi-
nham do quarto de Dom Bosco. Pulei da cama e fiquei a escutar. Entre sufo-
cos asfixiantes, Dom Bosco estava chorando: “Ai! Ai! Socorro! Socorro!”. Sem
duvidar por um instante, entrei em seu quarto. “Dom Bosco, perguntei-lhe, o
senhor está doente?”. “Meu querido Viglietti”, respondeu-me já plenamente
acordado, “não, não estou doente, mas tu sabes, não podia respirar. Não te
preocupes, retorna ao teu quarto e volta a dormir”.
Nesta manhã, depois da missa, quando lhe levei o café como de costume,
Dom Bosco confiou-me: “Querido Viglietti, já não me restam forças; esma-
gava-me o peito a dor dos gritos da noite passada. Tive sonhos, nestas últimas
quatro noites, que me obrigavam a gritar e, agora, estou totalmente esgotado”.

Então, contou-lhe os sonhos com detalhes. Viu uma fileira de salesia-


nos carregando cartazes e símbolos numerados que indicavam sua morte;
viu demônios em conselho tramando a perdição da Sociedade, mediante a
desobediência, a intemperança e outros vícios; viu salesianos negligentes no
cumprimento das Constituições; fez a experiência de que eram atacados pelos
demônios. Por fim, viu uma manada de animais ferozes e horríveis, disfarça-
dos de cordeiros, que representavam as más intenções de alguns salesianos de
destruírem a Congregação.50
Com ou sem fundamento, era perturbador o temor de Dom Bosco pela
saúde espiritual da Sociedade.

Viglietti, Crônica adicional 1884-85, 65-70, 1o de dezembro de 1884, em ASC A012 Crona­
50

chette: FDB 1829 E1-6. Para uma descrição detalhada das crônicas de Viglietti e sua localização em
ASC/FDB, cf. A. LENTI, “Don Bosco’s last years, his last illness and saintly death from eyewitness
accounts”, JSS 5:2 (1994), 30-35.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Mais uma vez, a percepção de Dom Bosco parece compulsivamente pes-


simista em relação à situação no Oratório e à vida espiritual e a conduta moral
dos meninos da escola; suas declarações e propostas são marcadas por uma
severidade não usual. Pode-se invocar a decisão inesperada de Dom Bosco de
colocar dois diretores no Oratório e sua decisão de suprimir o quinto ano de
gimnasio. Também se pode citar sua dura forma depreciativa em relação ao pa-
dre Durando na reunião de 4 de julho de 1884 ou os severos pronunciamentos
de 7 de julho. Nem tudo, sem dúvida, caminhava bem na casa e na escola; o
relatório Bonetti o confirma. Contudo, também é certo que os mais próximos
colaboradores de Dom Bosco não viam a situação com os mesmos olhos.
Como consequência, surge como lógica a questão se o envelhecimento e os
estados de espírito que o acompanham obnubilaram a percepção de Dom Bosco.
Nas investigações especiais sobre o conflito Bosco-Gastaldi ordenadas
por Roma durante o processo de beatificação, o bispo de Alba, dom José Re,
deu o seguinte testemunho:

“Após a morte de Dom Bosco, ocorrida em 31 de janeiro de 1888, soube pelo


teólogo Júlio Barberis, salesiano, que nos últimos dez anos a direção efetiva
da Pia Sociedade Salesiana já estava nas mãos do padre Rua, a quem Dom
Bosco costumava dirigir os sacerdotes e jovens que recorriam a ele em busca
de conselho. Eu escutei do cardeal Alimonda que, segundo um relatório que
lhe foi feito pelo doutor Fissore, Dom Bosco estava afetado por uma paralisia
cerebral progressiva, causada por uma lenta ossificação do cérebro”.

Portanto, segundo dom Re, os últimos anos de Dom Bosco foram carac-
terizados por uma “paralisia cerebral progressiva”.51
Depois de se referir a outras descrições sintomáticas nas fontes sobre a
enfermidade de Dom Bosco, Stella comenta que, se as coisas eram assim, ter-
-se-iam elementos para explicar uma série de incidentes, situações ou furores
emocionais de Dom Bosco nos últimos anos, como o ardor que colocava ao
falar com os outros e certas formas de tergiversação nas questões relacionadas
com Gastaldi; ou o querer empreender viagens superiores às suas forças, à
França, Espanha, Áustria, Roma; as lágrimas repentinas e outras formas de

Positio super dubio [...], Summarium ex officio, 135, citada em P. Stella, Canonizzazione, 179.
51

Doutor José Fissore foi um dos médicos que atenderam Dom Bosco em sua última enfermidade. O
cardeal Alimonda sucedera a dom Gastaldi como arcebispo de Turim em 1883. Citando um dicionário
médico, Stella explica a progressiva paralisia como “uma enfermidade caracterizada pelo progressivo
enfraquecimento das reações musculares, com dificuldade para ouvir e alteração na fala, especialmente
extraordinária em caso de loucura. Esta situação se deve a uma desordem que afeta o sistema nervoso
central e é sempre mortal” (P. Stella, ibidem).

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

perturbação ou comoção; a pouca cautela em apresentar seus sonhos como


visões celestes. “Estas e outras manifestações podiam ser por causa das condi-
ções de um homem cujo físico e cujas faculdades psíquicas estavam reduzidas
a uma espécie de roupa gasta”.52

Insatisfação de Dom Bosco com a escola do Oratório


A segunda observação refere-se à decisão de Dom Bosco de eliminar o
quinto ano de gimnasio para que a escola do Oratório retomasse a finalidade
que se pensara originariamente para ela. Dom Bosco esperava que os meni-
nos matriculados gratuitamente, parcial ou totalmente, na escola do Oratório
optassem pelo noviciado salesiano ou, ao menos, pelo seminário. Isso estava
totalmente em consonância com sua decisão de trabalhar pelas vocações sa-
cerdotais e religiosas por meio da escola.
Essa decisão reflete-se no acréscimo de um artigo que Dom Bosco fez ao
capítulo constitucional sobre o fim da Congregação. O primeiro texto exis-
tente das Constituições (o rascunho Rua, de 1858) nada dizia sobre a escola
“seminário”. Mas, numa folha à parte, Dom Bosco escreveu o artigo que seria
incluído no texto de 1860.
Por outro lado, levando em consideração o grave perigo nos quais vivem os
jovens desejosos de abraçar a vocação sacerdotal, esta Congregação se dedicará
com atenção especial ao cultivo da piedade e da vocação daqueles que de-
monstrem uma aptidão especial para o estudo e uma elevada disposição para
a piedade. Ao admitir os jovens para seus estudos na casa, dar-se-á preferência
àqueles que são mais pobres e que, por outro lado, carecerem de meios que
lhes permitam continuar os estudos em outros lugares.

Para que ninguém pudesse entender mal seu significado, nos rascunhos
posteriores (1864 a 1874), acresceu a cláusula: “Sempre que deem uma bem
fundada esperança de êxito em [sua vocação para] o sacerdócio”.53
A expansão da Congregação além de Turim desde os primeiros anos de
1860, em sua maior parte, foi na forma de escolas: no Piemonte, na Itália,

52
P. Stella, ibidem, 180. Este autor, Lenti, não se sente em condições de emitir um juízo a respei-
to. Apenas desejaria assinalar que, a partir da forma como os sentimentos de Dom Bosco são relatados na
ata, que ele examinou em sua totalidade, tem-se a impressão de uma severidade em seus juízos e decisões,
mas não de que sofresse alguma enfermidade progressiva, como o Alzheimer ou uma esclerose fatal.
53
G. Bosco, Costituzioni, 76-77. Nos rascunhos de 1864 a 1867, Dom Bosco também espe-
cificou o número de jovens que faziam os “estudos clássicos” em vista deste fim, ou seja, o seguimento
da vocação sacerdotal: na casa de Valdocco, mais ou menos 555 (1864) e 800 (1867); na escola de
Mirabello, perto de 100 (1864) e 150 (1867); na escola de Lanzo, mais ou menos 200 (1867). Em
rascunhos posteriores não apresentou os dados estatísticos.

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Dom Bosco: história e carisma 3

França, Espanha e em alguns países da América do Sul. Conforme a nova


realidade social e política e o impulso dado à educação do povo pelo estado
laico, Dom Bosco se viu sempre mais comprometido com a educação cristã
através da escola. E, embora nunca tenha vacilado em sua opção pelos pobres,
por força das circunstâncias, entravam em suas escolas jovens da classe média,
dos quais, muitos pagavam cotas normais e não tinham a intenção de seguir a
vocação sacerdotal. Apesar disso, Dom Bosco nunca escreveu uma normativa
para a escola como tal. A única disposição dada sobre o apostolado da escola
em suas Constituições é a cláusula “escola-seminário”. Segundo ela, os meni-
nos pobres eram admitidos gratuitamente, se houvesse perspectivas prováveis
de vocação sacerdotal. E a expectativa era que os admitidos nessas condições
seguissem a vocação sacerdotal, preferencialmente na Sociedade Salesiana.
Essa expectativa aplicava-se às instituições salesianas de beneficência e
às escolas salesianas em relação aos meninos admitidos gratuitamente. Entre-
tanto, parece que Dom Bosco considerava principalmente a escola do Ora-
tório como uma escola-seminário para a Congregação Salesiana. Esperava
que a maioria dos meninos, se não todos, aceitos gratuitamente ou com taxas
muito reduzidas optassem pelo noviciado salesiano.
A busca incessante de Dom Bosco por vocações sacerdotais deve ser
entendida no contexto da necessidade de vocações, tanto na Igreja como na
Sociedade Salesiana, na época das leis de reforma liberal, quando as vocações
sacerdotais sofreram uma alarmante diminuição.54 Ao mesmo tempo, o cres-
cimento explosivo da Congregação, mesmo fora da Itália depois de 1875,
tornou indispensável intensificar o recrutamento de vocações sacerdotais e sa-
lesianas e acelerar a formação sacerdotal. Para tanto, Dom Bosco pressionou
para criar um curso abreviado de estudos e ordenar o quanto antes os candi-
datos, sempre que sua conduta moral fosse inatacável. Era esse o objetivo da
chamada escola de fogo que ele estabeleceu no Oratório, junto com a Obra de
Maria Auxiliadora (Filhos de Maria).55 Isso se deu em 1876, mas serve de ce-
nário para entender a tomada de decisões drásticas esboçadas por Dom Bosco
em meados de 1880 para reformar a seção de estudantes das escolas do Ora-
tório. Como Prellezo sugere, a disposição de Dom Bosco de converter esta
escola em escola apostólica, com um programa de estudos em escala reduzida,
deve ser considerada provavelmente a partir desta perspectiva.56

Cf. P. Stella, “Le ricerche su Don Bosco nel venticinquesimo 1960-1985: bilancio, proble­mi,
54

prospettive”. In: P. Braido (ed.), Don Bosco nella chiesa a servizio dell’umanità: studi e testi­monianze.
Roma: LAS, 1987, 395.
55
Ver capítulo VII deste volume, p. 260-263.
56
J. M. Prellezo, Valdocco (1866-1888), 316-318.

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Preocupação de Dom Bosco com a vida espiritual e a disciplina das comunidades...

Debates e decisões do Capítulo superior


Um último comentário refere-se ao estilo dos debates nas reuniões do
Capítulo superior. Revelam a liberdade, como também a deferência dos mem-
bros em relação ao fundador, sua caridade e unidade de objetivos. Contudo,
também e principalmente, põem às claras a vontade de todos os interessados de
enfrentar as situações desagradáveis e sua determinação de fazer algo a respeito.
Torna-se apropriado apresentar aqui o que padre Barberis escreve em sua
crônica, aludindo às reuniões do capítulo da casa:

Nestas reuniões, apresenta-se a verdadeira situação do Oratório. Em primeiro


lugar, assinalam-se as coisas que vão mal; depois, faz-se o possível para encon-
trar o modo de corrigi-las. As reuniões também revelam o quão vigilantes,
preocupados, incansáveis são os superiores em realizá-lo. Não ficam dormin-
do no trabalho, creiam em mim. Nunca fogem dos momentos difíceis; ao
contrário, estes são abordados em toda a sua gravidade; se também exageram,
é para poder encontrar as soluções adequadas.57

Neste contexto e sentido, as palavras de Dom Bosco e seus temores são


um testemunho precioso da sua vontade de fundador, decidido a dar forma à
sua Congregação com os melhores instrumentos para a “maior glória de Deus
e a salvação das almas”.

Padre Celestino Durando (1840-1907).

57
Barberis, Cronichetta, 23 de janeiro de 1876, ASC A000: FDB 837 B7.

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Capítulo XIV

OS ANOS DO DECLÍNIO FÍSICO


DE DOM BOSCO (1884-1887)

Dom Bosco, nem mesmo nos últimos anos, deixou sua atividade febril:
as viagens longas e extenuantes, a presidência dos Capítulos Gerais, as contí-
nuas intervenções para garantir o futuro da sua jovem Congregação e o bom
ambiente no Oratório, sua atuação como escritor e o novo impulso dado ao
apostolado da imprensa são provas evidentes de um dinamismo incansável.
Esse período também foi o do seu declínio físico, com vários episódios de
doenças que terminaram com a sua morte, período que se torna instrutivo,
porque é totalmente pessoal.1
Sua morte não foi nem repentina nem inesperada. Sofrera enfer-
midades crônicas graves ao longo de muitos anos. Seu estado piorou
progressivamente, a ponto de, em 1884, uma grave doença crítica quase
tê-lo obrigado a retirar-se, marcando o início de um declínio de três anos
até o fim.
Seus biógrafos referiram detalhadamente os últimos anos, sua última en-
fermidade e santa morte. Ao fazê-lo, detêm-se na importância histórica da
vida e da obra de Dom Bosco. Procuramos reconstruir aqui o período final
da vida de Dom Bosco, dando atenção especial à sua pessoa, ressaltando suas
palavras e atitudes.2 Contamos com relatos de testemunhas oculares, crônicas

1
Falar de declínio físico é referir-se, principalmente, ao envelhecimento natural que, no caso de
Dom Bosco, foi acompanhado de várias enfermidades. A condição física de Dom Bosco podia estar
deteriorada, mas sua liderança moral e espiritual continuou firme até o fim.
2
Cf. F. Desramaut, “Don Bosco negli ultimi anni della sua vita (1885-1887)”. In: C. Semera-
ro (ed.), Invecchiamento e vita salesiana in Europa. Leumann: LAS, 1992, 175-195; A. Lenti, “Don
Bosco’s last years, his last illness and saintly death from eyewitness accounts”, JSS 5 (1994), 23-97; F.
Desramaut, Don Bosco, 1280-1349.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

e memórias escritas por salesianos muito próximos a Dom Bosco.3 Essas fontes
servirão agora de base para um breve exame do período de sua quase retirada,
os últimos três anos e meio de vida.
A Crônica original, de Viglietti, será a principal fonte. A Memória, de
Enria, também é relevante. As demais fontes ocupam-se, sobretudo, da últi-
ma enfermidade de Dom Bosco.

1. Histórico médico anterior


Dom Bosco, ao longo da vida, esteve várias vezes, séria e gravemente,
enfermo. Numa passagem bastante longa e detalhada das Memórias Biográfi-
cas, padre Lemoyne fala da luta de Dom Bosco contra as doenças durante a
vida toda.4 Ao referir-se ao costume de ler até altas horas da noite, quando era
estudante em Chieri, o próprio Dom Bosco escreve sem dar maiores esclare-
cimentos: “Isso me arruinou de tal modo a saúde que, por vários anos, minha
vida parecia à beira da tumba”.5
Os episódios de 1846 e 1871 são bem documentados. A enfermi-
dade de 1846 culminou num longo combate contra uma doença carac-
terizada por sintomas associados ao sistema respiratório: fraqueza, dores
no peito, escarro com sangue e febres intermitentes. Eram os tempos do
Oratório itinerante. O mal-estar converteu-se numa quase fatal bron-
quite, pneumonia, que o obrigou a abandonar o trabalho no Oratório
durante vários meses.6
A enfermidade de Varazze (1871-1872), que durou quase dois meses,
foi grave sem dúvida, embora talvez não pusesse sua vida em perigo. A do-
cumentação de Enria mostra que se tratava de uma complexa conjunção de
várias doenças: crise reumática, febre miliar, furúnculos, tumores etc. Enria
identifica, com toda probabilidade, a causa fundamental desta complicada si-
tuação como broncopneumonia. Teve recaídas em 1875 e 1878, a última das
quais, de duas ou três semanas de duração, foi tão séria que exigiu novamente
a assistência de Enria.7

3
O primeiro e mais importante, os Documenti de Lemoyne, volumes XXXVI-XXXIX e XLIV,
658-739, em ASC A085-A088: Cronachette, Lemoyne-Doc; FDB 1142-1161 e 1193 E4-1194 B11.
Ceria serviu-se desta desordenada coleção de material nas Memórias Biográficas (MB XVIII, 485s), que
também inclui importantes dados impressos proporcionados pelas fontes dos arquivos.
4
MB IV, 217s.
5
MO (Brasília: Editora Dom Bosco, p. 78).
6
MB II, 491s.
7
MB XI, 397.

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Dom Bosco: história e carisma 3

2. A crise de 1884
Em 1884, teve início um inexorável e progressivo colapso físico. Todo o
seu sistema se viu afetado, de modo que a gravidade de seu estado se tornou
irreversível. A partir de 1871, e provavelmente como consequência de uma
indisposição, foi-se desenvolvendo nele uma enfermidade que comprome-
tia progressivamente suas vértebras e produzia nele um inchaço edematoso
muito doloroso nas extremidades inferiores. A situação tornava-se ainda mais
grave por causa do trabalho contínuo e das graves preocupações que não o
abandonaram até quase o final. É certo que, tendo-se resolvido o contencioso
com dom Gastaldi, ele desfrutava de um período de paz e contava com o
apoio total e a grande estima da autoridade da Igreja local, o arcebispo cardeal
Alimonda, em particular. Além disso, via-se envolvido pelo amor filial incon-
dicional de seus muitos filhos e sentia-se apoiado pela ajuda e admiração de
muitos seguidores devotos. Entretanto, continuava a trabalhar sem descanso,
pressionado constantemente por numerosas preocupações: a obra na América
do Sul, as questões econômicas, os privilégios não concedidos, o temor pelo
futuro da Congregação, para mencionar alguns.

A crise de fevereiro
O início de uma primeira e grave crise aconteceu em fevereiro. Os sale-
sianos próximos de Dom Bosco alarmaram-se enormemente; parece que ele
mesmo desconfiasse de sua recuperação. Em 8 de fevereiro, incluiu em seu
Testamento espiritual uma lista de benfeitores importantes, com mensagens
que lhes deveriam ser entregues depois de sua morte.8 Contraiu quase em
seguida uma séria bronquite. Mais uma vez, os sintomas registrados eram
fraqueza extrema, dores no peito, escarros com sangue, batimentos cardíacos
fracos e pulso fraco. Os médicos insistiram que ficasse acamado. Escrevendo a
Clara Louvet nesse momento, Dom Bosco admitia estar muito mal de saúde
e queixava-se, sobretudo, de dores no peito.9

Viagem à França e diagnóstico do doutor Combal


Dom Bosco, porém, depois do tratamento e repouso, “recuperou-se”.
Contrariamente a todos os conselhos, em 1o de março de 1884, iniciou uma

Memorie dal 1841 al 1884-5-6 [...], 17-22 e 117-127, em ASC A223: Taccuini: FDB 748 E9 -
8

749 A2 e 749 E1-12. As observações de F. Motto, em sua edição crítica, fazem notar que 8 de fevereiro
de 1884 foi a data indicada por Dom Bosco, que depois seria mudada para 1885.
9
Dom Bosco a Clara Louvet, 14 de fevereiro de 1884, em MB XVI, 656.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

viagem ao sul da França à busca de recursos financeiros. Durante sua perma-


nência em Marselha, em 25 de março, foi visitado por um médico impor-
tante, doutor P. M. Combal, chamado de Montpellier para isso, presumi-
velmente pelo padre Albera. O diagnóstico e a prescrição do médico, cujo
original em francês é conservado no Arquivo Salesiano Central,10 confirmou
as opiniões anteriores.

Os relatórios, que o reverendo Dom Bosco me apresentou sobre os antece-


dentes e o resultado das pesquisas que eu mesmo fiz, autorizam-me a dar o
seguinte diagnóstico. Ele sofre de uma condição, cuja patologia é, ao mesmo
tempo, geral e local,

A. Elementos gerais:

1. Fraqueza geral com anemia.


2. Desvio de fluxo para as áreas mucosas do aparato respiratório.11
3. Eretismo [irritabilidade excessiva] do sistema nervoso.12
4. Talvez, também um resíduo de malária.

B. Elementos locais:

1. Alguma irritação na mucosa bronquial, resultante da repetição dos movi-


mentos do fluxo.
2. Ligeiro aumento do volume do fígado. Estes diversos elementos são a base
das indicações terapêuticas principais.

Será preciso remediar com o auxílio dos seguintes meios:

1. Tomar de manhã e à tarde, imediatamente antes de cada refeição, uma co-


lher de vinho de Vial (fosfato de cal, polpa de tamarindo e quina).13
2. Beber meio copo de Vals fonte Dominique, misturada com o vinho nas
refeições.
3. Manter o ventre livre tomando em intervalos, uma vez por semana, à noite
no momento de se deitar uma colherinha de café com pó de Vichy do laxa-
tivo do doutor Soubigou em um quarto de copo de água.

10
ASC A024: Malattie: FDB 437 B9-12.
11
Esta expressão significa uma inflamação nos alvéolos bronquiais que pode ser produzido pelo
próprio processo sanguíneo. Trata-se, portanto, de um enfisema bronquial, a “irritação bronquial” de
que se fala no número 5.
12
“Eretismo” alude à excessiva irritação do sistema nervoso que afeta os órgãos vitais.
13
A “refeição” é um preparado provavelmente de pasta de tamarindo.

551

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Dom Bosco: história e carisma 3

4. Regime alimentar misto: carne com verdura cozida, ovos cozidos, laticínios.
5. Alternar a cada mês, durante dez dias, a água de Vals com a de La Bourbade,
a ser bebida durante as refeições.
6. Deixar por algum tempo os trabalhos habituais e, sobretudo, as tensões
prolongadas de espírito.
Marselha, 25 de março de 1884. Assinado, Combal.

O doutor Combal prescreveu, portanto, uma ligeira e suave dieta, com


um conjunto bastante complexo de remédios tônicos, diuréticos e laxantes.
Estes paliativos, sem dúvida, não serviriam para curar o “Desvio de fluxo para
as áreas mucosas do aparato respiratório”. Em todo caso, é pouco provável
que Dom Bosco, tendo em conta o seu ceticismo camponês tradicional em
relação aos médicos e medicamentos, tivesse seguido esse elaborado progra-
ma dietético. Além do mais, o médico recomendava-lhe especialmente que
tirasse umas férias de seu premente trabalho, conselho que ia contra a con-
cepção de Dom Bosco sobre suas responsabilidades pessoais.14

A crise de setembro
A crise de fevereiro despertara temores nas autoridades tanto salesianas
como eclesiásticas. A forma com que Dom Bosco se arrastou por Roma du-
rante sua permanência em abril e maio chamou a atenção das autoridades
romanas pelo seu declínio físico. Como ele mesmo informou mais tarde ao
seu conselho, quando se discutiu a nomeação de um vigário, Leão XIII lhe
falara: “Sua saúde vai mal, o senhor precisa de ajuda e é preciso que tenha um
assistente ao seu lado”.15 O que levou à nomeação do padre Rua como vigário
com direito de sucessão.
Enquanto isso, o dia 14 de setembro de 1884 marcou o início de uma
segunda grave crise. Dom Bosco viu-se obrigado a abandonar os Exercícios
espirituais que se realizavam em Valsálice, retornar ao Oratório e ficar acama-
do por causa de um doloroso inchaço das pernas e dos pés. As fontes falam
14
A consulta com o doutor P. M. Combal (1814-1888) em 1884 não foi a última. Na viagem
à Espanha em 1886, Dom Bosco deteve-se por alguns dias em Montpellier, aparentemente para ver o
doutor Combal, uma vez que ali não havia obra salesiana. Padre Rua, que acompanhava Dom Bosco,
pode ter sugerido essa parada. Viglietti informa que o médico, com sua família, visitou Dom Bosco nas
tardes de 7, 8 e 9 de maio. Nesta última visita, escreve Viglietti: “O doutor Combal chegou e examinou
Dom Bosco acamado; a visita durou uma hora. Mais tarde, me disse: ‘Em minha opinião, o fato de
Dom Bosco ainda estar vivo é um dos maiores milagres. Temos um homem que literalmente está morto
de esgotamento, mas continua a trabalhar todos os dias, quase sem se alimentar. Não obstante, continua
a viver’” (Viglietti, Cronaca originale, IV, 62: FDB 1225, B6).
15
Lemoyne, Atas das reuniões do Capítulo superior, 23 de outubro de 1884, I, 45: FDB 1881 D3.

552

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

de erisipela, inflamação aguda da pele.16 A causa mais provável, porém, era


a condição bronquial crônica com seus transtornos do sangue, já aludidos.
Qualquer que fosse a causa, a condição era tão grave que o Conselho Superior
colocou a questão da morte de Dom Bosco. Na sessão de 19 de setembro,
presidida pelo padre Rua, a reunião centrou-se no funeral e no posterior se-
pultamento de Dom Bosco.17

3. Pré-afastamento e declínio (1885-1887)


Após o repouso no leito e um período de convalescência, Dom Bosco
novamente “se recuperou”. Nos inícios de 1885, de 1886 e de 1887 fez três
viagens extenuantes: uma ao sul da França, outra à Espanha (Barcelona), am-
bas com a finalidade de coletar fundos e fortalecer a obra salesiana nesses paí-

16
Viglietti, Cronaca originale, 3, 14 de setembro de 1884: FDB 1222 D5. Em sua Crônica
transcrita e editada, Viglietti acrescenta que alguém sugeriu que se untasse a perna de Dom Bosco com
certo unguento; e relata um episódio que levou a retirar o padre Berto, que sofria de alguma enfermida-
de mental, como assistente de Dom Bosco. Escreveu: “Turim, 14 de setembro de 1884”, e continuou:
“Sinto que devo acrescentar o seguinte episódio para memória. Eu não o incluí na anterior [na Crônica
original] com receio de ferir o padre Berto. Isto, porém, dá muito mais crédito ao nosso querido pai
Dom Bosco. Dom Bosco chegou ao Oratório vindo de Valsálice por volta das 5 p.m. Padre Berto
não tinha coragem de falar com Dom Bosco nesse momento e estava, também, com humor de cão.
Pediu que as pernas inchadas de nosso pobre paciente fosse examinada e perguntou-me como tratar a
enfermidade. Em seguida, sem maiores preâmbulos, pegou um pouco de óleo de gautéria (giusquiamo)
e começou a esfregar fortemente a perna de Dom Bosco. Eu, que estava em pé no corredor, ouvi que
Dom Bosco dizia ao padre Berto com muita suavidade: ‘Padre Berto, isso dói; por favor, deixa disso,
faz-me mal’. Padre Berto, porém, não deu atenção e continuou o procedimento sem sentido. Pelas 6 e
meia, chegou o doutor Fissore e, quando deu uma olhada na perna, disse a Dom Bosco sem rodeios:
‘Quem, diabos, fez isso? O senhor faria melhor livrando-se desse asno… de assistente, ou o senhor
não voltará a me ver’. Dom Bosco manteve-se em silêncio, mas eu me senti obrigado a informar sobre
tudo isso ao padre Sala, ecônomo geral. Padre Sala disse-me que o Conselho Superior decidira afastar
o padre Berto de Dom Bosco, porque o pobre homem sofria de neurose. Na verdade, subira ao quarto
do padre Berto para falar com ele sobre o assunto; mas o padre Berto lhe fechara a porta no nariz. Padre
Sala, posteriormente, pediu ajuda a quatro robustos coadjutores e disse-lhes o que fazer. Esperaram até
as 7 e meia, momento do primeiro jantar, do qual padre Berto costumava participar. Então, forçaram
a fechadura da porta de seu quarto e, com cordas, baixaram as coisas do quarto ao pátio, três andares
abaixo: os armários que continham documentos de arquivo, a cama e outros pertences do padre Ber-
to. Do pátio, transferiram tudo a um quarto no edifício da tipografia. Em seguida, colocaram nova
fechadura no antigo quarto e fecharam a porta. Fizeram-no com tanta rapidez que, às 8 [da noite] já
tinham terminado o trabalho. (Mais tarde, o padre Rua transferiu-se ao antigo quarto do padre Berto
e, para mim, deram o quarto que agora serve de capela.) Quando padre Berto descobriu, correu até o
quarto de Dom Bosco e começou a gritar e bater à porta. Dom Bosco, de seu leito de dor, podia ouvir
os gritos de seu pobre amigo e sentiu muita pena dele. Disse-me: ‘O pobre padre Berto está doente.
Cuida para que lhe seja demonstrado carinho e o devido o respeito. Trabalhou muito duro por Dom
Bosco!” (Viglietti, Crônica transcrita e editada, 19-21: FDB 1232 D11-E1).
17
ASC D868: Consiglio Superiore: Verbali, Lemoyne, Atas I, 35: FDB 1881 B9.

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Dom Bosco: história e carisma 3

ses; e uma terceira a Roma, para a consagração da igreja do Sagrado Coração.


Nesse período, Viglietti, companheiro inseparável de Dom Bosco, anotava
com fidelidade e perspicácia suas palavras e atividades. Estava especialmente
atento ao estado de saúde de Dom Bosco e aos altos e baixos aos quais era
submetido. Não se pode falar de crise ou enfermidade grave, mas sofria de
um esgotamento generalizado, de um acúmulo de males e da progressiva de-
terioração física. Sustentavam-no a pura força de vontade e os objetivos que
se propusera realizar em favor de sua obra.
Ao falar do estado físico de Dom Bosco, especialmente do inchaço de
suas extremidades inferiores e doença da coluna vertebral, Albertotti escreve:

O doloroso inchaço foi-se desenvolvendo ao menos desde 1853 e sua causa


provável estava numa trombose sofrida como consequência da enfermidade
bronquial contraída alguns anos antes. O inchaço piorou constantemente e
chegou a ser crítico com a quase fatal doença de 1871 [em Varazze], que foi,
provavelmente, a causa do surgimento da nefrite. Agravou-se ainda mais pela
infecção intestinal crônica acompanhada de diarreia [...].
Pode ser que a deterioração da coluna vertebral já existisse de fato em 6 de de-
zembro de 1871. Foi a enfermidade que agravou várias doenças já existentes,
principalmente de natureza reumática e cardiopulmonar. Como resultado,
aumentou também o edema nas extremidades inferiores. Este quadro clíni-
co facilita-nos uma explicação satisfatória sobre o estado de Dom Bosco. O
sistema nervoso central e, aos poucos, os órgãos vitais, principalmente os pul-
mões, o coração e os rins, começaram a ser afetados na enfermidade de 1846
e sofreram maior deterioração com a de 1871; uma situação que foi piorando
sempre mais e pôs fim à sua vida. No início, foi uma deterioração lenta. Nos
anos oitenta, seu corpo parecia ter-se convertido num laboratório patológico
ambulante, deixando, porém, sua mente intacta e não frustrando sua vontade
e seu esforço ativo até chegar à meta gloriosa.18

Viagem ao sul da França, no início de 1885


Em fins de março, Dom Bosco foi de Turim a Sampierdarena, primeira
etapa da viagem à França. Viglietti escreve: “Dom Bosco está muito alegre e
sente-se bastante bem”.19

G. Albertotti, Chi era, 78, 82-83. Trombose é a coagulação do sangue nos vasos sanguíneos.
18

Nefrite é a inflamação dos rins.


19
Viglietti, Cronaca originale, I, 5, 24 de março de 1885, Sampierdarena: FDB 1222 D6.
[Nota dos responsáveis da edição castelhana: Pablo Marín publicou a primeira redação da crônica do

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

A viagem foi um sucesso, mas também pôs à prova, em cada etapa, a re-
sistência física de Dom Bosco. Uma entrada da crônica em Marselha, o lugar
mais distante a que chegou, resume a situação.

O que mais admiro em Dom Bosco é a extraordinária virtude com que oculta
suas dolorosas enfermidades. Às vezes, a dor é muito intensa e sofre visivel-
mente. Mas quando não pode ocultar a dor exteriormente, sorri e diz: “O
espetáculo deve continuar: Dom Bosco está sem dinheiro!”.20

Sobre a conferência dos salesianos cooperadores, em Marselha, Viglietti


escreve:

Dom Bosco foi o primeiro a falar, e suas palavras comoveram a todos até as
lágrimas. Disse que não se apresentava diante deles para pronunciar um longo
discurso. Em primeiro lugar, sua má saúde impedia-o de fazê-lo e, além do
mais, havia para isso um orador muito mais eloquente. Ele simplesmente
queria dar graças a Deus e, além de a Ele, aos cooperadores pela sua caridade
e generosidade. [...] Não podia saber, continuou, se esta seria a última visita
que lhes faria. Deus o poderia chamar em seguida para a eternidade. Se fosse
esse o caso, e se Deus na verdade o levasse com Ele para o céu, seu primeiro
pensamento seria pedir a Jesus e Maria e a todos os santos que abençoem e
protejam a todos os que contribuíram para a salvação de tantas almas.21

No final da viagem, Dom Bosco viu-se obrigado a reduzir sua atividade.


Em Nice, com os padres [José] Ronchail, [Pedro] Perrot e Viglietti ele foi con-
vidado para o jantar pela Associação de homens católicos, “a mais seleta nobre-
za de Nice”, comenta seu secretário. Por causa do seu mal-estar, Dom Bosco
não pôde aceitar convites individuais. Alegrava-os recebendo-os em grupos.22
De volta à Itália, Dom Bosco e seu secretário foram de Alassio a Sampier-
darena; chegaram atrasados para tomar o trem e o chefe da estação atrasou a
sua saída. “Dom Bosco foi correndo”, escreve o secretário; “há muito tempo
não o via tão ágil. E estava alegre! Voltou-se para mim e disse: ‘Viglietti, qual
a finalidade de eu estar aqui?’.”23

padre Viglietti (Roma: LAS, 2009) que cobre o período de 24 de março de 1885 a 31 de janeiro de
1888. A. Lenti segue outra redação e nós a respeitamos. Se alguém quiser consultar a crônica de Pablo
Marín, pode fazê-lo seguindo a ordem dos dias citados por A. Lenti].
20
Viglietti, Cronaca originale, I, 44, Marselha, 13 de abril de 1885: FDB 1223 A2.
21
Viglietti, Cronaca originale, I, 50-51, Marselha, 17 de abril de 1885: FDB 1223 A5.
22
Viglietti, Cronaca originale, I, 66, Nice, 27 de abril de 1885: FDB 1223 B1.
23
Viglietti, Cronaca originale, I, 71-72, Sampierdarena, 2 de maio de 1885: FDB 1223 B3-4.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Este surto de energia pode ter origem em sua total satisfação. A viagem
à França fora um grande sucesso. A presença de Dom Bosco teve o efeito de
mobilizar a caridade de seus cooperadores, atraindo grandes somas de di-
nheiro, a maior parte dedicada imediatamente às obras locais. Viglietti, quase
diariamente, anota as quantidades recebidas, as ofertas de gente comum e as
ofertas mais consistentes dos ricos; ninguém mais generoso do que o conde
Antoine Fleury Colle e sua família.

Verão e outono de 1885


Entretanto, de volta a Turim, seu corpo se ressentiu, mas não seu es-
pírito. O calor abrasador do verão também o consumiu. Viu-se obrigado a
buscar o clima mais fresco das colinas.

Dom Bosco transferiu-se para Mathi, acompanhado pelo padre Bonetti, por
Viglietti, seu secretário, e pelo clérigo [Ângelo] Festa. Os superiores insistiam
que deveria passar algum tempo aqui e descansar, porque estava tão fraco que
não poderia suportar o calor do verão na cidade [...]. Dom Bosco distrai-se,
recordando numerosos episódios do passado, enquanto passeia pelo jardim.
Parece que está melhorando e que recupera suas forças; seu apetite também
melhorou.24

A falta de apetite de Dom Bosco, seus frequentes males estomacais e a diar-


reia preocupavam muito os salesianos e os médicos. O doutor Albertotti comenta:

Esta situação causava grande preocupação, de modo que, apesar de sua total
indiferença pela própria saúde e contra suas objeções, os salesianos dispuse-
ram um regime especial exclusivamente para ele.25

Em seu Diário, Viglietti anotou o regime, elaborado talvez de acordo


com o conselho dos médicos, pensado para o bem-estar de Dom Bosco, so-
bretudo, para quando estivesse fora de casa. A anotação revela, também, a
ingenuidade do secretário.

11 e meia: vermute; 4 e meia da manhã: chá de camomila. Sai da cama e suas


meias [elásticas] são retiradas; manter à sua disposição uma calçadeira e um
pente; à noite, colocar um jarro de água com sal na mesa. Quando se hospe-
dar numa casa [salesiana], pedir que lhe deem sopa de verduras e alimentos

24
Viglietti, Cronaca originale, II, 83, Mathi, 15 e 16 de julho de 1885: FDB 1223 B12.
25
G. Albertotti, Chi era, 78.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

cozidos em geral. Ter à mão comprimidos de mirra [para depois das refeições].
Encomendar a gelatina que lhe será servida em água quente. (Fazer todos esses
preparativos através do diretor ou administrador da casa.) Manter sempre um
pequeno frasco de zabaione ou creme para seu uso quando não puder celebrar
a missa ou para uma emergência. Oferecer-lhe os jornais da manhã ou da noi-
te. Servir-lhe biscoitos no café da manhã.26

Em agosto, houve retrocessos. “A situação de Dom Bosco mantém-nos


a todos preocupados”, escreve Viglietti. “Sofre dores constantes de cabeça,
disenteria e uma doença nos olhos. Contudo, está sempre contente: nunca se
queixa”. Algumas atividades normais programadas precisaram ser canceladas.
“Por causa do declínio de sua saúde, Dom Bosco perdeu novamente a cele-
bração de seu aniversário e os prêmios [no Oratório]. A má saúde também o
impediu de participar dos exercícios espirituais”.27
Contudo, insistiu em participar mais tarde dos exercícios espirituais dos
noviços em San Benigno, em agosto. Viglietti, como faz em numerosas oca-
siões, anota aqui a facilidade com que Dom Bosco se comove até as lágrimas,
sinal de envelhecimento.

Padre Francisco Cerruti (1844-1917).

Viglietti, Diario, 27: FDB 1231 D8.


26

Viglietti, Cronaca originale, II, 95 e 101-102, Mathi, 7 e 15 de agosto de 1885: FDB 1223
27

C6 e 9-10.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Nesta manhã, Dom Bosco celebrou a missa da comunidade e todos se como-


veram profundamente. Como de costume, no Domine non sum dignus, pôs-se
a chorar e não pôde continuar. Às palavras Ecce Agnus Dei, durante a distri-
buição da comunhão à comunidade, continuou a soluçar abertamente. Desde
há algum tempo, Dom Bosco apresenta uma grande fragilidade de coração.
Quase nunca deixa de chorar durante a missa; chora habitualmente durante
a bênção. Quando intervém numa conversa normal, deve evitar temas sensí-
veis, caso contrário se põe a chorar.28
Após os exercícios espirituais, Dom Bosco permaneceu em San Benigno. So-
fre há algum tempo de doenças sérias que se agravam por causa da total falta
de força e pelo tempo ruim. Não me recordo de tê-lo visto com tanta dor.
Ontem, precisei ir a Turim para alguns assuntos com o padre Lemoyne e
padre Ronchail, diretor de Nice. Antes de sair, paramos em seu quarto para
vê-lo. Rompeu-se a chorar e começou a soluçar como um bebê. Disse: “Todos
vão embora, e eu fico aqui sozinho!”. Contudo, à noite estava novamente com
ânimo alegre e feliz.29

Dom Bosco passou por algumas experiências que ele interpretava como
premonições de sua morte. Viglietti escreve:

Dom Bosco contou-me que há dois ou três dias, depois da elevação na


missa, viu-se envolvido em chamas de luz brilhante que lhe tornavam
impossível continuar a missa; recordo, de fato, que, quando nesse dia eu
estava ajudando como de costume, ele parou a celebração da missa e dete-
ve-se numa atitude de confusão e assombro. Dom Bosco, depois, afirmou
que a brilhante luz ardente foi substituída pela mais espessa escuridão. Só
quando ela se dissipou, pôde continuar e terminar a missa. Dom Bosco,
então, comentou: “Ao refletir sobre esta experiência, pensei: a escuridão
que tão repentinamente substituiu a luz brilhante pode ser uma advertên-
cia de que vou morrer logo, talvez imediatamente”. Com este pensamen-
to, nessa mesma noite, mandou chamar o padre Barberis e pediu-lhe que
anotasse alguns assuntos importantes, antes que o encontrassem morto na
cama pela manhã.30

28
Viglietti, Cronaca originale, II, 108-109, San Benigno, 26 de agosto de 1885: FDB 1223 D1.
29
Viglietti, Cronaca originale, II, 110, San Benigno, 30 de agosto de 1885: FDB 1223 D2.
30
Viglietti, Cronaca originale, II, 111-112, San Benigno, 31 de agosto de 1885: FDB 1223 D2-3.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

À medida que o tempo se tornava mais frio, Dom Bosco começou a


sentir-se um pouco melhor. Participou dos exercícios espirituais de Valsálice
em setembro, retornando ao Oratório em seguida, e retomou uma atividade
limitada. Em geral, permanecia no quarto, à exceção da caminhada diária
apoiado no secretário Viglietti e no padre Lemoyne. Uma das últimas entra-
das de Viglietti em 1885 é reveladora:

Hoje é a festa da Imaculada Conceição. [...] Dom Bosco fez um ato de presen-
ça no jantar com todos [os irmãos]. Apenas muito raramente Dom Bosco dá
a bênção [do Santíssimo]; esta tarde, quis fazê-lo pessoalmente. Percebi que
o povo [que participava da cerimônia] começou a aproximar-se para vê-lo. E
não poucos se comoviam até as lágrimas ao verem como o venerável ancião
arrastava o seu corpo, completamente desgastado por uma vida de trabalho
em favor dos jovens.
À primeira hora desta tarde, Dom Bosco fez uma conferência aos irmãos.
Leu-se a circular que anunciava a nomeação oficial de um vigário para a Con-
gregação.31 Em seguida, Dom Bosco falou. Disse que devia tudo a Maria e
assinalou que todas as nossas grandes obras foram realizadas no dia da Ima-
culada. Em seguida, passou a falar de como era o Oratório há quarenta e
quatro anos, comparando-o com a nossa situação atual. Disse que todas as
graças derramadas pelo céu sobre nós através da intercessão de Maria foram o
resultado daquela primeira fervorosa Ave-Maria que ele e aquele jovem (Bar-
tolomeu Garelli) rezaram juntos na igreja de São Francisco.32

Na festa de São Francisco de Sales de 1886, celebrada então no dia 29


de janeiro, foi inaugurada a nova capela erguida no quarto anexo ao de Dom
Bosco. A capela haveria de ter um papel importante durante a última doença.
Viglietti escreve:

Preparou-se um novo altarzinho para Dom Bosco. Ele foi colocado naquele
que costumava ser o meu quarto. Hoje Dom Bosco celebrou a missa pela
primeira vez e eu o ajudei. Dom Bosco vinha dizendo a missa por muitos
anos num altar-móvel, junto à parede da sala de espera. Era apenas um ar-
mário, uma abertura estreita e mal iluminada, que não dava espaço suficiente
nem sequer para o ajudante. Sempre acreditei que os quartos de Dom Bosco

O decreto no qual o padre Rua era nomeado vigário com direito de sucessão fora emitido em
31

novembro de 1884. Dom Bosco, contudo, esperou um ano antes de fazer o anúncio oficial aos irmãos.
Na carta, apresentava o padre Rua como vigário com todos os poderes, sem mencionar qualquer direito
de sucessão, cf. Epistolario IV Ceria, 347-349.
32
Viglietti, Cronaca originale, II, 128-129, Turim, 8 de dezembro de 1885: FDB 1223 D11.

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Dom Bosco: história e carisma 3

seriam considerados como um santuário. Por isso, não deixei de pressionar,


também quando me contradisseram e criticaram para que se construísse esta
capela e altar especiais.33

Viagem a Barcelona nos inícios de 1886


Quando já se anunciava a primavera, Dom Bosco começou a falar de
uma nova viagem para arrecadar fundos.

Nestes últimos dias, Dom Bosco vem repetindo o refrão: “A fome tira o lobo
de sua toca”. Por isso, apesar de seu físico estar arruinado e de ter má saúde,
vê-se obrigado a iniciar outra viagem; uma viagem que o levará, talvez, até a
Espanha. Já estamos a falar de uma data de partida.34

Acompanhado pelo seu fiel secretário, pelo padre Cerruti e o padre Sala,
que iam visitar as casas da Ligúria para algum serviço, Dom Bosco saía de
Turim em 12 de março para Gênova. Depois, viajaria em etapas ao longo da
costa italiana e francesa até Marselha, onde o padre Rua se uniu a ele. De ali,
o trio passaria à Espanha, tendo Barcelona como destino. Em cada etapa, os
dias eram cheios de entrevistas, visitas, conferências a cooperadores, celebra-
ções religiosas, recepções, graças, bênçãos, grandes multidões e boas coletas,
com episódios e fatos de todos os tipos! Ouve-se uma ou outra vez: “Dom
Bosco está morto de cansaço, mas impávido e entusiasmado”.
Certa noite, em Sampierdarena, Dom Bosco sentou-se para conversar
com os irmãos.

Aos poucos a conversa girou ao redor do tema da sensibilidade emocional.


Dom Bosco confessou que já não podia rezar por nossos missionários durante
a santa missa sem experimentar uma enorme emoção. Começa a emocionar-
-se e chora; é incapaz de continuar a missa. Só pensando em algo divertido,
como na Gianduia, pode recuperar sua compostura.35

Na França, Viglietti dedica um longo capítulo à visita de Dom Bosco a


“sua majestade Olga Nikolajewna, rainha de Würtenberg”, em sua vila perto
de Nice. O secretário estava admirado e orgulhoso de os grandes deste mundo
renderem homenagem a Dom Bosco. E conclui com uma nota comovente.

Viglietti, Cronaca originale, II, 133-134, 29 de janeiro de 1886: FDB 1223 E1-2.
33

Viglietti, Cronaca originale, II, 149, 1o de março de 1886: FDB 1223 E9.
34

35
Viglietti, Cronaca originale, III, 60, 15 de março de 1886: FDB 1224 C6. Gianduia era um
personagem-marionete que representava a máscara típica de Turim.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Quando Dom Bosco ia embora, “as senhoras deixavam o que estavam fazendo
ou apareciam às portas e, com autêntica compaixão, olhavam para Dom Bos-
co que se arrastava penosamente pelos corredores”.36
Depois de uma permanência de dois dias em Toulon, hóspedes de hon-
ra do conde Colle e família, nossos viajantes chegaram a Marselha. “Os
jornais publicaram a notícia da chegada de Dom Bosco a Marselha, havendo
uma enorme multidão de gente que deseja vê-lo”.37 Ao fim de uma semana
cansativa, cheia de febril atividade religiosa e social, “Dom Bosco sente-se
extremamente cansado”. “Assessorados pelo padre Rua, decidimos sair para
Barcelona na quarta-feira [7 de abril] às 5 da tarde, numa cabine [de trem]
especialmente reservada. Chegaremos em dezessete horas ao nosso destino
[8 de abril]”.38

Permanência em Barcelona
Após um dia de repouso, Dom Bosco recebeu as boas-vindas oficiais dos
jovens da escola profissional salesiana de Sarriá (Barcelona).

Os jovens nos entretiveram muito bem com a banda. [...] Dom Bosco deu um
caramelo a cada um deles. Os meninos estão encantados por terem Dom Bosco
entre eles. Papai está muito bem, a dor de suas enfermidades parece ter diminuí-
do. Está muito contente.39

Dois dias depois da chegada, Dom Bosco teve o famoso sonho de Bar-
celona, o quinto e último dos grandes sonhos missionários; aquele no qual a
Senhora Pastora lhe mostrou vinte estações missionárias numa linha que se
estende de Santiago (Chile) através do centro da África, até Pequim (China).
Viglietti recolheu o sonho como o escutou de Dom Bosco.40

Viglietti, Cronaca originale, III, 68, 27 de março de 1886: FDB 1224 C10.
36

Viglietti, Cronaca originale, III, 73, 1o de abril de 1886: FDB 1224 C12.
37

38
Viglietti, Cronaca originale, III, 74, 2 de abril de 1886: FDB 1224 D1. Nessa época, só havia
duas obras na Espanha: o internato de Utrera, perto de Sevilha (1881), e a escola profissional (oficinas)
em Sarriá, perto de Barcelona (1883). O diretor era o padre João Branda que, alguns meses antes, ex-
perimentara uma visita noturna de Dom Bosco, que interpretou como bilocação. Contudo não pôde
conseguir que Dom Bosco o confirmasse, quando se encontrou com ele na estação.
39
Viglietti, Cronaca originale, III, 81, 10 de abril de 1886: FDB 1224 D4.
40
Viglietti, Cronaca originale, III, 84-87, 11 de abril de 1886: FDB 1224 D6-7. Para um co-
mentário deste sonho, cf. A. Lenti, “Don Bosco’s missionary dreams: images of a worldwide salesian
apostolate [II]”, JSS 4 (1993), 17-26.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Dom Bosco, hóspede do senhor Luís Martí-Codolar


(Barcelona, 3 de maio de 1886).

O Diário de Barcelona, como é conhecida esta seção da crônica de Vi-


glietti, apresenta um Dom Bosco totalmente disponível às multidões que o
adoram e dos amigos e benfeitores especiais. Viglietti esforça-se muito em
suas descrições da figura carismática do mestre e da popularidade de que goza.
Recepções, conferências com grandes multidões, massa sem fim de gente, que
queriam vê-lo, falar com ele e obter sua bênção; é algo que acontece todos os
dias. Dignitários eclesiásticos, superiores religiosos e autoridades civis apre-
sentam-lhe suas homenagens. As pessoas da nobreza competem pela honra
de tê-lo como convidado e de pôr suas carruagens à disposição dele. Depois,
vêm as pessoas especiais, as famílias benfeitoras que atualmente apoiam a
obra salesiana e, no futuro, garantirão sua expansão e sucesso. Primeiras entre
elas estão as famílias de dona Doroteia Chopitea e do senhor Luís Martí-
-Codolar. Eles realmente admiram Dom Bosco e seu jovem secretário.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Viglietti começa o volume quarto de sua crônica com estas palavras:


“Estou feliz de poder iniciar este novo volume de meu pequeno diário com a
descrição de um dia que permanecerá indelével em nossa memória”. Depois,
vem um relatório de seis páginas sobre a grande recepção em homenagem a
Dom Bosco feita pela Associação de Católicos em suas novas instalações.
O relato termina com este comentário: “Dom Bosco sentia-se muito
cansado. Disse que em meio às honras que lhe tributavam, seu único pen-
samento era quão pouco conhecimento era preciso para fazer o mundo dar
voltas! [Quam parva scientia regitur mundus!].41 Mas a coleta foi muito boa!
Pouco mais tarde, falando de “milhares e milhares” de pessoas que dese-
javam ver Dom Bosco, Viglietti escreve:

Hoje, vimos-nos obrigados a colocar um aviso na porta da igreja especificando


as horas em que apareceria para dar a bênção de Maria Auxiliadora. Sua saúde
não tem sido muito boa. Falta completamente a Dom Bosco a respiração, e
já não tem energia senão para fazer o esforço que supõe dar bênçãos e dizer:
Deus vos abençoe! Todas as manhãs, logo após a missa, o povo que enche a igreja
lança-se à frente. Dom Bosco os abençoa e sobe em seguida ao seu aposento.
Sua sala de espera está cheia de um novo grupo de pessoas, de oito ou dez tur-
nos. A todos ele dá a bênção e a medalha de Maria Auxiliadora.
Nesta manhã, houve uma verdadeira invasão de gente! Sete pacotes de meda-
lhas foram distribuídos em apenas uma hora. Na missa, permanecendo em pé,
o povo estava apertado como sardinhas. Dom Bosco deu a comunhão a quatro
ou cinco centenas de pessoas; depois, precisou entregar a âmbula a outros.42

Alguns dias depois, Dom Bosco participou da conferência celebrada na


igreja paroquial de Belém, um dos momentos culminantes da viagem. “Dom
Bosco afirma jamais ter visto algo assim nem na Itália, nem na França, nem
sequer em Paris”. Segundo Viglietti, mais de 20 mil pessoas se congregaram
numa igreja que, na realidade só podia conter umas 4 mil em pé! Todos con-
seguiram ver Dom Bosco, depois o venerável ancião sentou-se em silêncio e
disse apenas umas poucas palavras. Quando a programação terminou...

...uma multidão frenética lançou-se sobre Dom Bosco para vê-lo de perto
ou tocá-lo. Mas os guarda-costas logo afastavam as pessoas. Uma vez a salvo,

41
Viglietti, Cronaca originale, IV, 1 e 6, 15 de abril de 1886: FDB 1224 D11 e E2. “Com
pouco conhecimento se governa o mundo!”
42
Viglietti, Cronaca originale, IV, 8-9 e 21; 18, 20 e 26 de abril de 1886: FDB 1224 E3 e 9.

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Dom Bosco: história e carisma 3

no coche, cruzamos a praça, onde uma multidão incontável de pessoas, com


a cabeça descoberta, apesar da chuva intensa, esperava a passagem de Dom
Bosco! [...] A coleta chegou a 10 mil liras, superando as 7 mil obtidas em Paris
na Igreja da Madalena.43

Outro ponto digno de destaque na permanência em Barcelona foi a


doação feita a Dom Bosco do cimo do monte Tibidabo, como se viu ante-
riormente.44 Em uma recepção oferecida em homenagem a Dom Bosco na
vila do senhor Luís Martí-Codolar, em que também estavam presentes os me-
ninos da escola salesiana, foi feita a famosa fotografia que ficará para sempre
associada à viagem a Barcelona.45

Dom Bosco rodeado pela burguesia catalã, numa caricatura publicada pelo diário anticle-
rical La Campana de Gracia com a legenda em catalão: “Santos de outras épocas viviam
rodeados de velas e círios; os santos de hoje o estão de milhões” (8 de maio de 1886).

O Diário de Barcelona dá uma descrição impressionante do último dia de


Dom Bosco em Sarriá. A despedida prolongou-se por muito tempo. Após a
celebração da missa, ele foi assediado por multidões de pessoas, desejando uma
43
Viglietti, Cronaca originale, IV, 33-37, 30 de abril de 1886: FDB 1225 A3-5. Para a soma
coletada, cf. ibidem, 38, 1o de maio de 1886, FDB 1225 A6.
44
Cf. neste livro, A. Lenti, Dom Bosco: história e carisma. Volume 3, capítulo II, p. 62-64.
45
Viglietti, Cronaca originale, IV, 40, 45-46 e 50-51; 1, 3 e 5 de maio de 1886: FDB 1225
A7, 9-10 e 12.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

última olhadela e uma última bênção. As autoridades, a nobreza, os amigos


mais íntimos colocaram-se em intermináveis filas para despedir-se dele.46
Na viagem de volta, nossos viajantes foram de Barcelona a Gerona e a
Montpellier.47 De ali, com o trem, até Tarascón; seguiram logo uma estrada
para noroeste até Valence e Grenoble e, finalmente, a Turim, onde seriam
recebidos de forma entusiástica.

Em Turim, segunda metade de 1886


Não mais sustentado pela euforia da multidão francesa e espanhola, o
corpo de Dom Bosco cedeu. “A Dom Bosco doem os braços de tal modo que
só pode movê-los com grande dificuldade”.48
A festa pública de Maria Auxiliadora foi celebrada em 29 de maio. Ao
longo do dia...

...Dom Bosco é assediado por uma multidão, está sem fôlego e nem sequer pode
pôr-se de pé. Ele sorri e sussurra-me: “Eu me pergunto se me poderiam dispen-
sar destes espancamentos por devoção”. Esta manhã, depois da missa, ficou
realmente sem forças; não podia articular uma palavra a mais. Como respirava
com grande esforço, chamou-me e perguntou com um sorriso: “Haverá alguém
em Turim que fabrique foles? Preciso de dois que me ajudem a respirar!”.49

Suas noites eram, com frequência, inquietas, perturbadas por pesadelos:

Durante algumas noites, Dom Bosco sonhou que era atacado por monstros.
Sonha com gatos que se convertem em cães, com ursos que se convertem em
leões, serpentes que têm a forma de demônios e o atacam com ferocidade.
Ontem à noite esteve gritando por uma boa meia hora. Insistiu em chamar:
“Viglietti! Viglietti!”. De início, abstive-me de intervir por receio de estragar
alguma bela visão [que estivesse tendo]. Mas, pensando bem, sabendo como
lhe doía o peito de gritar e como estaria cansado, despertei-o. Agradeceu-me
sinceramente: “Obrigado, meu querido Viglietti”, disse, “fizeste-me um gran-
de favor. Estes sonhos incomodam-me muito!”.50

46
Viglietti, Cronaca originale, IV, 53-59, 6 de maio de 1886: FDB 1225 B1-41.
47
Em Montpellier, o doutor Combal visitou novamente Dom Bosco durante várias tardes para
exames médicos.
48
Viglietti, Cronaca originale, V, 1, 19 de maio de 1886: FDB 1225 B12.
49
Viglietti, Cronaca originale, V, 6, 29 de maio de 1886: FDB 1225 C3. A frase, em piemontês
é: Chisà se dui pugn per divusion as polu dese?
50
Viglietti, Cronaca originale, V, 11, 15 de junho de 1886: FDB 1225, C5.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Na festa de São João Batista (24 de junho), Dom Bosco celebrou seu
onomástico em família.

Esta manhã, Dom Bosco celebrou a santa missa na igreja, no altar de São
Pedro. Como na festa de Maria Auxiliadora, eu o ajudei. Após a missa, comeu
alguma coisa no refeitório dos irmãos. Não tomara ali o café da manhã nos
últimos vinte e cinco anos. Às 9 e meia, os alunos chegaram para oferecer seus
presentes. Ontem à noite [...], padre Lemoyne apresentou a Dom Bosco uma
bela obra escrita por ele, a vida de Mamãe Margarida.51

Como de costume, o calor do verão obrigou Dom Bosco a trocar Turim


por Valsálice, nas colinas, e, mais tarde, por Pinerolo, onde passou um mês na
vila de verão do bispo. Estava novamente em Turim para os exercícios em San
Benigno e Valsálice. Contudo, Viglietti comenta novamente: “Dom Bosco
tem pouca força; o calor excessivo torna-se insuportável para ele”.52
Em setembro, passou dois dias em Milão para a conferência dos coope-
radores, na qual o orador era o padre Luís Lasagna, em visita, vindo das mis-
sões. A conferência, na igreja de Nossa Senhora das Graças, foi algo realmente
esplêndido, grandioso, comovedor, outra experiência memorável.

Com a bênção do Santíssimo Sacramento, pôs-se fim aos atos [da conferên-
cia]. Depois, tivemos de atravessar a comprida igreja, maior do que qualquer
outra existente em Turim, para chegar aos coches. O arcebispo [Luís Nazari
di] Calabiana [de Milão] caminhou com Dom Bosco apoiando-o de um lado,
enquanto eu o apoiava de outro. A multidão ficou admirada vendo o arce-
bispo ajudar Dom Bosco. Diziam: “Como se amam!”. Custou-nos mais de
vinte minutos caminhar ao longo da igreja. Quando chegamos aos coches, a
multidão de pessoas já enchera a grande praça e as ruas próximas. A grande
multidão estourou em aclamações: “Viva Dom Bosco! Viva o arcebispo!”.53

51
Viglietti, Cronaca originale, V, 16, 24 de junho de 1886: FDB 1225 C8. Parece que o padre
Lemoyne estivera por algum tempo a escrever uma pequena biografia da mãe de Dom Bosco, talvez
para as Leituras Católicas. É provável que o próprio Dom Bosco tenha sido sua principal fonte. Quan-
do, em 1885, padre Lemoyne começou a reunir e editar os Documenti, esse material foi incluído. Dom
Bosco aprovou o projeto. De fato, quando passou pela França a caminho da Espanha em 1886, e foi
hóspede do conde Luís Colle, em Toulon, os dois falaram da biografia e o conde ofereceu-se para pagar
os gastos com a publicação. Padre Lemoyne reelaborou o material reunido nos Documenti e imprimiu
a popular biografia intitulada Scene morali di fami­glia esposte nella vita di Margherita Bosco. Racconto
edificante ed ameno [Cenas morais de família expostas na narração edificante e amena da vida de Mar-
garida Bosco]. Turim: Escola Tipográfica Salesiana, 1886.
52
Viglietti, Cronaca originale, V, 33, 31 de agosto de 1886: FDB 1225 D4.
53
Viglietti, Cronaca originale, V, 41, 12 de setembro de 1886: FDB 1225 D7.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Nessa época, surgiram, na imprensa, relatos contraditórios sobre a saúde


de Dom Bosco. Que era um homem doente, todos o sabiam. Alguns jornais
chegaram até mesmo a informar a sua morte.

Esta manhã chegou um telegrama do editor-chefe do jornal parisiense La


Croix que achamos muito inexplicável. Dizia assim: “Aceite nossos mais sen-
tidos pêsames por sua perda irreparável. Agradeceríamos que retornasse por
telegrama alguma informação sobre Dom Bosco”. Não era dirigido a Dom
Bosco, mas ao superior da Congregação Salesiana. Isso nos levou a crer que
os jornais na França tinham difundido a notícia da morte de Dom Bosco.
Como resposta, foi enviado o seguinte telegrama: “Estou bem e não posso
entender o motivo de suas expressões de simpatia. Agradeço-lhe pelo seu
interesse. Bosco”.
Todos os jornais deram a notícia de que Dom Bosco estava numa situação
crítica. Dom Bosco, contudo, desde há algum tempo sente-se muito melhor,
graças a Deus. Esta tarde, padre Margotti [editor-chefe de L’Unità Cattolica],
alarmado pelas notícias publicadas nos jornais, chamou Dom Bosco.54

Nos dias bons de outono, Dom Bosco desfrutou de uma viagem ao campo.

Para os dias do mês passado, quando o tempo o permitia, preparei uma ar-
madilha e levei Dom Bosco para um passeio. O cocheiro vai ao campo. Uma
vez ali, descemos, e Dom Bosco passeia comigo, conversando agradavelmente
o tempo todo. Isso lhe dá um pouco de alívio. Esta tarde, em nosso caminho
de volta, encontramos o coche do cardeal. O cardeal desceu, aproximou-se do
nosso coche, cumprimentou Dom Bosco e parou para conversar por algum
tempo; depois, voltou ao seu coche. Quando nos aproximávamos de casa não
pudemos deixar de comentar, cheios de admiração, a bondade do cardeal.55

Embora Carlos Viglietti tenha sido ordenado sacerdote em 18 de


dezembro,56 o relacionamento próximo com Dom Bosco se manteve sem
alteração. Ele continuou a ser o “fiel guardião de Dom Bosco”, “o filho pre-
dileto de papai”.
Quanto a Dom Bosco, por algum tempo, as coisas pareceram cami-
nhar bastante bem, mas no final do ano, piorou. Em 31 de dezembro,
Viglietti escreve:

54
Viglietti, Cronaca originale, V, 46, 21 e 22 de setembro de 1886: FDB 1225 D11 e 12.
55
Viglietti, Cronaca originale, V, 59, 4 de novembro de 1886: FDB 1225 E5.
56
Viglietti, Cronaca originale, V, 61, 18 de dezembro de 1886: FDB 1225 E6.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Este ano, pela primeira vez, Dom Bosco não pôde vir pessoalmente, como
fora sempre o seu costume, para apresentar a estreia (strenna) do Ano-novo
aos irmãos. Mandou o padre Rua em seu lugar. Dom Bosco sente-se muito
fraco já há alguns dias. Ontem, insistiu em atender confissões. Aconselhei-o a
não o fazer, de acordo com a recomendação dos médicos. Ele me disse: “Vejo
que tens medo de ir confessar-te; não é isso mesmo? Eu sei por que: tens feito
alguma coisa realmente ruim”. Então, sorrindo, tomou minha mão entre as
suas e disse: “Meu querido Viglietti, se não posso ouvir as confissões dos me-
ninos, o que mais posso fazer por eles? Prometi a Deus que ia trabalhar pelo
bem de meus jovens até meu último respiro”.57

Inícios de 1887
Uma das primeiras entradas da Crônica do padre Viglietti de 1887 pare-
ce pontuar a situação do que viria depois.

Alguém comentou comigo que, quando está à mesa durante as refeições, Dom
Bosco fala muito pouco e parece estar sempre absorto em seus pensamentos.
Dias atrás, quando colocava água no vinho, ouvi-o sussurrar para si mesmo.
Dizia: “Jesus também, na cruz, quis que seu sangue se misturasse com água”.58

Viglietti encerra o quinto volume de sua crônica, relatando o sonho


da Serva do Senhor, um sonho reconfortante que Dom Bosco teve em duas
noites sucessivas.59
As quinze entradas seguintes levam-nos à primavera e falam-nos de um
Dom Bosco participativo e, sem dúvida, animado, embora sempre mais fra-
co. Os sonhos e os pesadelos aterradores também persistem; provêm de seus
temores quanto ao futuro da Congregação. Teve um nos inícios de abril.

Ontem à tarde, Dom Bosco contou-nos que tivera um sonho espantoso na


noite anterior e essa era a única causa da extraordinária fraqueza e dos muito

57
Viglietti, Cronaca originale, V, 63, 31 de dezembro de 1886: FDB 1225 E7. A estreia de
Ano-novo (strenna), tradição salesiana, costuma ser em forma de lembrança ou mensagem espiritual.
58
Viglietti, Cronaca originale, V, 68, 4 de janeiro de 1887: FDB 1225 E10. Dom Bosco refere-
-se a Jo 19,34.
59
Viglietti, Cronaca originale, V, 69-71 e 72-73, 4 e 5 de janeiro de 1886: FDB 1225 E10-11
e 12. Na primeira noite, a Serva do Senhor, falando em latim, garantiu-lhe que o salesiano Luís Olive
se curaria. Na segunda noite, voltou para dar-lhe conselhos sobre a Congregação. Dom Bosco pensou
que era suficientemente importante para ele mesmo escrevê-lo. O autógrafo de Dom Bosco está em
ASC A223: Autografi-Sogni: FDB 1347 C10-D3.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

dolorosos males que está padecendo. Esta manhã tinha um olhar espantado
e disse-me que não tivera um momento de descanso durante a noite, só em
pensar na visão que teve. Acrescentou que se os meninos escutassem o seu
relato, iniciariam uma vida de santidade ou desmaiariam de puro medo.60

Em seguida, Dom Bosco teve uma recaída, sem importância, se compa-


rada com as grandes crises, mas que marcou uma nova etapa em seu declínio.
Esta noite, às 7, Dom Bosco piorou notavelmente e tive medo. Perdera a voz,
respirava com grande dificuldade e não podia mover nem os braços nem as
pernas. Precisei tirar-lhe depressa a roupa e colocá-lo na cama. Ele não parecia
perceber o que estava acontecendo.
Pela manhã, Dom Bosco não pôde celebrar a missa. Levantou-se tarde, tomou
um pouco de café e devolveu-o em seguida. Entretanto, aos poucos, recobrou
a força e, agora, sente-se melhor. Almoçou ao meio-dia com os demais. Mas
à noite foi dormir mais cedo do que de costume.
Esta manhã [quinta-feira santa] Dom Bosco celebrou a missa em sua capela.
Deu a comunhão a mim e a outros e, em seguida, guardou o Santíssimo
Sacramento no sacrário, porque amanhã [sexta-feira santa] quer receber a
comunhão de minhas mãos.61

Última viagem, a Roma


Aparentemente, a “recuperação” foi suficientemente boa para fazer a última
e provavelmente a mais difícil de todas as suas viagens, a Roma, para a consagra-
ção da igreja do Sagrado Coração. Acompanhado pelo padre Rua e pelo seu fiel
secretário, em 20 de abril, saiu de Turim e, por etapas, o grupo chegou a Florença.
Padre Rua e os demais companheiros foram à escola salesiana. Dom Bosco
e eu fomos convidados pela marquesa [Jerônima Uguccioni Gherardi]. Em
sua casa, sempre se trata a Dom Bosco magnificamente e, ao mesmo tempo,
todos o consideram como alguém da família. Ele mesmo sempre se dirige à
marquesa como “mãe”.62

Arezzo foi a etapa seguinte, onde foram hóspedes do arcebispo. “Dom


Bosco não é conhecido em Arezzo e, por isso, espera-se que este seja um dia
de real descanso para ele”.63

60
Viglietti, Cronaca originale, VI, 22-23, 3 de abril de 1887: FDB 1226 A11. Segue uma des-
crição de cinco páginas de um pesadelo terrificante sobre o inferno.
61
Viglietti, Cronaca originale, VI, 29 e 30, 5, 6 e 7 de abril de 1887: FDB 1226 B2 e 3.
62
Viglietti, Cronaca originale, VI, 43, 25 de abril de 1887: FDB 1226 B9.
63
Viglietti, Cronaca originale, VI, 49, 29 de abril de 1887: FDB 1226 12.

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Dom Bosco: história e carisma 3

O grupo chegou a Roma em 30 de abril. Em 1º de maio, Viglietti escreve:

Esta manhã, Dom Bosco celebrou a missa num quarto ao lado do seu, onde
foi colocado um belo armário-altar. Quando chegou ao último evangelho, as
toalhas do altar começaram a arder e as chamas se espalharam. Pulei sobre
o altar e tentei várias vezes apagar as chamas com as mãos, mas não conse-
gui. Finalmente, apaguei o fogo com dois jarros de água. Como resultado,
queimei-me bastante, e minhas mãos estão em mau estado.64
A atividade em Roma foi constante. Dignitários eclesiásticos e civis e bispos
de várias partes do mundo insistiam em ver Dom Bosco. Em 8 de maio, foi
celebrado um banquete de festa com numerosos hóspedes ilustres.
Dom Bosco levantou-se para falar e, entre outras coisas, elogiou [o falecido] pa-
dre [Tiago] Margotti. Outros também se levantaram para falar, improvisando
eloquentes e sinceros discursos em inglês, francês e espanhol [além de italiano].
O jantar festivo foi realizado especialmente para homenagear o padre [Miguel]
Rua, vigário de Dom Bosco, que foi objeto de elogios sinceros e bem merecidos.
Num dado momento, as portas abriram-se e os jovens do colégio cantaram be-
las canções em homenagem ao padre Rua no dia de seu onomástico.65

As páginas da crônica dos dias seguintes contêm uma longa lista de visi-
tantes ilustres. Num dado momento, Viglietti informa:

Dom Bosco está morto de cansaço, está completamente esgotado. Diz que
não pode esperar mais do que o momento de retornar a Turim. Pensa estar em
caminho no dia 17 [depois da consagração da igreja em 14 de maio], fazendo
uma única escala em Pisa.66

Em 13 de maio, véspera da consagração da igreja, Leão XIII recebeu Dom


Bosco, o padre Rua e o padre Viglietti em audiência especial aos três, uma
demonstração de afeto da parte do Papa. Para Viglietti foi certamente uma
“gloriosa e memorável experiência”. Depois de descrever em quatro páginas o
Vaticano e o protocolo preliminar, informa que o Papa recebeu Dom Bosco em
seus aposentos privados e, para que Dom Bosco estivesse mais bem acomodado
64
Viglietti, Cronaca originale, VI, 50, 1o de maio de 1887: FDB 1226 C1. Na missa em latim,
antes do Vaticano II, o “último evangelho”, sempre o prólogo do evangelho de São João, era lido após a
bênção e antes das preces finais. [Em 8 de maio, celebrava-se a festa da Aparição de São Miguel Arcanjo
que, segundo uma tradição, acontecera no tempo do papa Gelásio I; por isso, o padre Rua celebrava
seu onomástico nesse dia. [Nota dos responsáveis da edição em espanhol.]
65
Viglietti, Cronaca originale, VI, 53-54, 8 de maio de 1887: FDB 1226 C2-3. Padre Tiago
Margotti, editor-chefe do jornal L’Unità Cattolica, morreu em 6 de maio de 1887.
66
Viglietti, Cronaca originale, VI, 58, 11 de maio de 1887: FDB 1226 C5.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

e se sentisse à vontade, pegou de sua cama um tecido felpudo de arminho e


colocou-o sobre os joelhos de Dom Bosco.

Em seguida, colocou carinhosamente a mão de Dom Bosco na sua e pergun-


tou-lhe sobre sua saúde. Dom Bosco respondeu: “Eu sou um ancião de 72
anos e esta é a minha última viagem e o apogeu de toda a minha atividade”.
O Santo Padre, porém, recordou a Dom Bosco que ele era ainda muito jovem
em comparação com a sua idade de 78 anos e que tinha a esperança de ver
o seu querido Dom Bosco no futuro. “Enquanto eu estiver vivo”, garantiu
o Papa, “[o senhor] não tem nada a temer”. “Santo Padre, replicou Dom
Bosco, sua palavra é infalível e aceito seus bons augúrios”. Em seguida, Leão
XIII perguntou pelos encargos [econômicos da Congregação], pelas casas e,
especialmente, pelas missões, pelas quais demonstrou grande interesse. Por
último, perguntou a Dom Bosco se havia alguma coisa que pudesse fazer por
ele. Dom Bosco comentou isso e outros assuntos em profundidade com o
Papa; mas a conversa versou particularmente sobre a igreja do Sagrado Cora-
ção, que devia ser consagrada no dia seguinte.67

Depois de outras palavras do Papa, entraram o padre Rua e o padre Vi-


glietti, e concluiu-se a audiência.
Sábado, 14 de maio, foi o dia da consagração, Viglietti escreve:

Esta manhã, às 7 e meia, sua eminência [Lúcido] Parocchi, cardeal-vigário de


Roma, chegou para a consagração da igreja. A cerimônia durou seis horas sem
interrupção. [Terminada a cerimônia] padre [Francisco] Dalmazzo celebrou
a primeira missa [...]. À 1 da tarde, o cardeal-vigário veio da igreja e abraçou
Dom Bosco. Em seguida foi servida a refeição para grande número de convi-
dados ilustres. Dom Bosco brindou pela saúde do cardeal-vigário, agradeceu-
-lhe por tudo o que fizera pela Congregação como seu protetor e falou dele
com verdadeira comoção. Sua eminência respondeu com um bonito discurso.
Felicitou a Dom Bosco e elogiou sua decisão de abrir a igreja ao culto, embora
a obra ainda não se tenha concluído.68

67
Viglietti, Cronaca originale, VI, 68-69, 13 de maio de 1887: FDB 1226 C10-11. Uma últi-
ma entrada na crônica sobre a casa do Sagrado Coração em Roma diz: “No dia anterior à consagração
da igreja, sexta-feira, 13 de maio de 1887, o mesmo dia da audiência do Papa, Dom Bosco interveio
para que se acolhesse no internato 7 órfãos nessa mesma noite. E o fez para obter a bênção do Senhor
sobre a obra”. Padre Antíoco Deíala, que foi diretor da comunidade do Sagrado Coração de 1978 a
1981, colheu esta informação sem citar a fonte; o autor tomou conhecimento disso pela gentileza do
padre Mário Fabbian, que posteriormente foi diretor e pároco.
68
Viglietti, Cronaca originale, VI, 78-80, 14 de maio de 1887: FDB 1226 D3-4. A igreja foi con-
sagrada antes de ser terminada para permitir que Dom Bosco participasse, pois ia decaindo rapidamente.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Nos dias seguintes, vários prelados romanos celebraram missas ponti-


ficais e o coro do Oratório, vindo de Turim para esse fim, responsabilizou-
-se pela música. Na segunda-feira, depois da missa pontifical, Dom Bosco
desceu à igreja e celebrou a missa no altar dedicado a Maria Auxiliadora.
Viglietti escreve:

Pobre Dom Bosco! Mais de quinze vezes fez uma pausa, profundamente
comovido e com lágrimas, incapaz de continuar. Como de costume, eu o
ajudava, e a cada passo precisava intervir indicando-lhe que continuasse a
celebração. Depois da missa, uma multidão de pessoas ajuntou-se ao seu re-
dor para beijar-lhe a mão. Também essas pessoas se sentiram profundamente
comovidas. Ao chegar à sacristia, as pessoas que chegavam à primeira sala
pediram-lhe a bênção. “Sim, sim”, afirmou Dom Bosco; mas, ao voltar-se
para pronunciar a bênção rompeu em soluços e cobriu o rosto com as mãos.
“Sim, abençoo-vos, abençoo-vos”, murmurou com voz embargada, e saiu.
Mais tarde, perguntei a Dom Bosco por que se tinha emocionado tanto du-
rante a celebração da missa. Disse-me: “Apresentou-se vivamente diante de
meus olhos a cena [de minha infância nos Becchi] quando aos 10 anos sonhei
com a Congregação. Podia ver e escutar muito claramente os meus irmãos e
a minha mãe discutirem sobre o sonho, que nada então [parecia real (?)]”.69

Na entrada seguinte, Viglietti escreve:

Hoje, Dom Bosco escreveu a seguinte carta ao Santo Padre Leão XIII: “Bea-
tíssimo Padre: estou para partir de Roma, muitíssimo consolado e animado
pela recepção verdadeiramente carinhosa e paterna que Sua Santidade me
concedeu. A igreja e a escola do Sagrado Coração já estão em funcionamen-
to. [...] A casa dos pobres órfãos ainda não foi finalizada, mas espero que o
seja logo, se Deus me der vida. Ainda temos uma dívida pendente de 51 mil
liras pela fachada da igreja. Se Sua Santidade pudesse assumir ao menos uma
parte da soma devida, nossa situação financeira melhoraria um pouco. Todos
os nossos meninos órfãos, uns 250 mil, oferecem orações diariamente pelo
permanente bem-estar de Sua Santidade”.70

69
Viglietti, Cronaca originale, VII, 3-5, 16 de maio de 1887: FDB 1226 D7-8. A última frase
está incompleta.
70
Viglietti, Cronaca originale, VII, 6-8, 17 de maio de 1887: FDB 1226 D9-11; também no
Epistolario IV Ceria, 377. O número de “órfãos” é uma estimativa exagerada; os salesianos tinham nessa
época 60 casas no mundo todo.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Após uma escala em Pisa, onde Dom Bosco e seu séquito foram hós-
pedes do arcebispo, estavam de volta ao Oratório na tarde de 20 de maio.
“Padre Rua deu a bênção solene com o Santíssimo Sacramento, pois era o
[início do] tríduo [de preparação para] a festa de Maria Auxiliadora. Dom
Bosco insistiu em estar presente no santuário para a bênção”.

Verão e outono de 1887


O doutor Albertotti, sem dúvida, precisou intervir para fazer um exame
em Dom Bosco depois da árdua e extenuante viagem. Ele escreve:

Dom Bosco voltou a Turim em condições muito precárias. Antes da viagem,


o desvio da coluna vertebral fazia-o caminhar encurvado à frente e obrigava-o
a colocar os braços às costas para manter o equilíbrio; agora, também precisa
apoiar-se numa bengala. Já não podia caminhar sem ajuda, porque a cada
passo oscilava perigosamente. Isso se devia à piora patológica progressiva da
coluna, assim como ao inchaço edematoso na parte inferior das pernas.71

Novamente, para aliviar o inchaço, um curandeiro aconselha o uso de


“um unguento de ervas” que Viglietti identifica como “óleo de gaultéria”
(giusquiamo = meimendro), que deve ser aplicado antes de deitar-se. Embora
Viglietti fosse muito cuidadoso em sua aplicação, os médicos fizeram-no de-
sistir rapidamente da experiência.72
O calor impróprio desse tempo voltou a ser um problema, pois Dom Bosco
sofreu imediatamente a perda de apetite e teve dificuldade para respirar. Impôs-
-se ir primeiro a Valsálice, nas colinas e, mais tarde, em julho e agosto, a Lanzo,
onde o ar fresco da montanha lhe dava algum alívio. Viglietti comenta: “Dom
Bosco está melhor, mas tem constantemente pesadelos que perturbam seu sono
durante a noite”.73 Entretanto, em meados de agosto, piorara novamente:

Nestes últimos dias, Dom Bosco foi atingido por algumas dores que o abatem
tremendamente. Dá pena vê-lo sofrer. Não fala, respira fatigosamente. Não
pôde comparecer ao almoço dos ex-alunos [em Turim]. Não devia ter feito a
viagem. Hoje, um grupo de superiores salesianos e os jovens do Oratório vie-
ram cumprimentá-lo em seu aniversário. Também recebeu muitos telegramas
das casas e dos cooperadores.74

71
G. Albertotti, Chi era, 78.
72
Viglietti, Cronaca originale, VII, 17 e 20, 3 e 5 de junho de 1887: FDB 1226 E2 e 4.
73
Viglietti, Cronaca originale, VII, 29, 7 de julho de 1887: FDB 1226 E8.
74
Viglietti, Cronaca originale, VII, 34-35, Lanzo, 15 de agosto de 1887: FDB 1226 E11. Os
registros paroquiais como já se viu no primeiro volume, anotam seu nascimento em 16 de agosto.

573

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Dom Bosco: história e carisma 3

Chegou o mês de setembro; o tempo refrescou, mas não houve melho-


ra. Dom Bosco, contudo, insistiu em participar dos exercícios espirituais
de Valsálice.

Príncipe Augusto Czartoryski (1858-1893).

Parece que Dom Bosco previu algum evento importante que acontece-
ria logo, uma espécie de contrarrevolução contra o mundo anticlerical secu-
lar. Viglietti anota: “Dom Bosco disse repetidamente: ‘Estou esperando com
grande apreensão os acontecimentos importantes de 1888 e 1891’”.75 Talvez
estas premonições se baseassem em sua avaliação da situação política, ou em
seus sonhos, embora nenhum deles seja citado. Ele se expressaria com maior
clareza algum tempo depois. Viglietti escreve:

75
Viglietti, Cronaca originale, VII, 37, Valsálice, 2 de setembro de 1887: FDB 1226 E12.

574

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Esta manhã, depois de ler os jornais, Dom Bosco disse: “Espera e verás; se
não durante o jubileu do Papa, sem dúvida, em algum momento do futuro
próximo, será formada uma cruzada contra os revolucionários. Pode ser que
não haja nenhum derramamento de sangue, mas serão postos entre a espada
e o muro, e se verão obrigados a devolver ao Papa o que é dele por direito”.76

Viglietti diz-nos que padre Lemoyne apressou-se a tecer sua teia de ima-
ginação especulativa sobre o tema.

Padre Lemoyne é um homem propenso a propor grandes interpretações e,


também, fazer projeções proféticas, como eu as chamaria. Dos sonhos de
Dom Bosco e de suas palavras de explicação, pode-se concluir que as previsões
de grandes importantes acontecimentos terão início e fim nos anos 1888-
1891. Pois bem, se mal me recordo, nosso “poeta laureado” [Carlos] Gastini,
referindo-se num de seus poemas às próximas bodas de ouro de Dom Bosco
em 1891, avançou a ideia de que talvez o Papa pudesse assistir às celebrações.
Ele disse em tom de brincadeira e, claro, todos riram; inicialmente, também
fez rir ao padre Lemoyne. Logo, porém, pelo que contou, veio-lhe à mente
um pensamento sério e começou os seus cálculos: “De acordo com os sonhos
de Dom Bosco, o Papa será exilado de Roma e não retornará até 1891. Não
há como saber que itinerário fará. Talvez passe por Turim. Seu reingresso será
triunfal, pois o mundo todo quererá ver que retornou ao seu trono. Maria
Auxiliadora, que demonstrou ser grande e poderosa protetora dos papas em
Lepanto e Viena, também pode inspirar o Papa para que faça uma parada em
sua igreja, no dia consagrado a Ela (24 de maio). As bodas de ouro de Dom
Bosco caem no domingo da Trindade, precisamente em 24 de maio de 1891”.
Estas são conjecturas, Deus o sabe. Mas, e se forem realidade?77

Trata-se de pura conjectura e reflete uma determinada forma de pensar de


Dom Bosco e de seus mais próximos. Viglietti, porém, tem algumas reservas, pois
acrescenta: “Eu pus estas especulações por escrito, para o caso de chegar a se cum-
prir o que parecia ser apenas um sonho estranho. Se não, tudo será esquecido”.

76
Viglietti, Cronaca originale, VII, 54-55, 27 de novembro de 1887: FDB 1227 A9. O “jubileu
papal” seriam as bodas de ouro da ordenação sacerdotal de Leão XIII (1887-1888). Parece que Dom
Bosco estivesse pensando na restauração do poder temporal do Papa.
77
Viglietti, Cronaca originale, VII, 45-47, 18 de novembro de 1887: FDB 1227 A4-5. Carlos
Gastini (1833-1902) foi um dos primeiros meninos do Oratório que permaneceram no Oratório como
leigos. Atuava no palco e como animador artístico, era um escritor fácil em versos nos acontecimentos
festivos. As estranhas especulações de Lemoyne, que se baseiam talvez em “profecias” que circulavam
na época, parecem também mais irreais do que a “contrarrevolução” de Dom Bosco.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em fins de setembro, a saúde de Dom Bosco deteriorara-se ainda mais.


Depois de mencionar a visita de “bispos dos Estados Unidos”, Viglietti escreve:

Já há algum tempo, a saúde de Dom Bosco vai caindo lentamente a olhos


vistos. Tem frequentes dores de cabeça e febre. Durante a última semana, só
pôde celebrar a missa em três dias. Contudo, continua infalivelmente alegre,
trabalha, escreve, concede entrevistas. E, embora seja ele quem precisa de
consolo e apoio, dedica-se a confortar e apoiar os outros.78

Os sonhos continuavam; alguns deles expressavam sua preocupação


com o bem-estar da Congregação.

Há algumas noites, pelo que Dom Bosco me disse, sonhou com o padre
[José] Cafasso. No sonho, padre Cafasso acompanhou-o numa visita a todas
as nossas casas, também a mais distante na América [do Sul] [...]. Infelizmen-
te, está tão cansado que não tem forças para nos contar a história toda.79

Isso se deu em fins de outubro. A saúde de Dom Bosco não foi melhor
em novembro.

Este ano, pela primeira vez, a situação de Dom Bosco impediu-o de participar
do rosário pelos falecidos, rezado por toda a comunidade na igreja. Eu dirigi
o rosário em nossa pequena capela particular, e alguns dos nossos queridos
coadjutores uniram-se a Dom Bosco nessa récita.80

Dom Bosco, contudo, insistiu em assistir à cerimônia da tomada de há-


bito clerical do príncipe Augusto Czartoryski, em fins de novembro. Presidiu
com grande esforço, substituindo na última hora o cardeal arcebispo que
estava doente. Viglietti dedica sete páginas ao assunto, demonstrando mais
uma vez, o seu fascínio pela nobreza.81

Pressentindo o fim: de 1o a 20 de dezembro de 1887


Em dezembro, as coisas foram de mal a pior. Viglietti escreve em cada en-
trada, gráfica e sombriamente, o declínio físico de Dom Bosco até a crise final.

Dom Bosco teme que logo deva deixar de celebrar missa. O pobre esteve a
dizer missa com um esforço doloroso e com uma voz apenas audível. Estive

78
Viglietti, Cronaca originale, VII, 38, 28 de setembro de 1887: FDB 1227 A1.
79
Viglietti, Cronaca originale, VII, 43-44, 24 de outubro de 1887: FDB 1227 A3-4.
80
Viglietti, Cronaca originale, VII, 44, 1o de novembro de 1887: FDB 1227 A4.
81
Viglietti, Cronaca originale, VII, 48-54, Turim, 24 de novembro de 1887: FDB 1227 A6-9.

576

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

a ajudá-lo na celebração do santo sacrifício nos últimos três anos e agora vejo
que lhe falta força para isso. Há vários meses não se volta [para as pessoas]
para o Dominus vobiscum. E, no último mês, no momento da comunhão das
pessoas ficou sentado, deixando que eu a distribuísse. Também não tem força
para recitar a Ave-Maria e as orações [ao final da missa]. Recito essas orações
em seu lugar, enquanto segue a oração em silêncio. Entretanto, no dia em que
se sente bem, levo-o para dar um passeio. Apoiado em mim consegue cami-
nhar uma distância moderada. Esperemos que tudo caminhe bem!82
Dom Bosco passou uma noite ruim. Esta manhã não foi capaz de celebrar a
missa, e por isso assistiu à minha e recebeu a santa comunhão que lhe dei.
Quando me voltei para dizer Ecce Agnus Dei, vi que Dom Bosco estava cho-
rando como uma criança. Mas ele acompanha com bom espírito. Esta manhã,
enquanto eu lia o jornal para ele, como de costume, continuou ironizando e
fazendo piadas sobre sua doença.83

A viagem dos primeiros salesianos para o Equador e o regresso de dom


Cagliero, da Argentina, no início de dezembro, foram experiências significa-
tivas para Dom Bosco, consumido como estava em sua sempre maior inca-
pacidade física.
Dom Bosco não se sentiu bem durante os últimos quatro ou cinco dias.
Ontem, à tarde, doía-lhe a cabeça e a sua temperatura subiu. Os médicos
ordenaram-lhe que ficasse na cama até as 6. Esta manhã, levantou-se às 8 em
ponto. Não disse missa desde segunda-feira passada [28 de novembro], mas
recebeu a comunhão.
Esta tarde, apesar de estar muito mal, insistiu em ir à igreja e assistir à cerimô-
nia de despedida dos missionários. Apoiado em mim e no [clérigo salesiano
Ângelo] Festa, entrou no santuário, enquanto padre Bonetti pregava. O povo
todo se pôs de pé procurando vê-lo. O verdadeiro sermão, e o mais belo e
mais eficaz, foi feito pelo pobre Dom Bosco, enquanto caminhava quase se
arrastando. [Após o sermão] o bispo [Basílio] Leto [de Biella] deu a bênção,
depois da qual se dirigiu aos missionários e deu-lhes a bênção ritual.
Todos nós fomos, então, testemunhas de uma cena das mais comovedoras.
Os missionários, um a um, aproximaram-se para despedir-se de Dom Bosco
e beijar-lhe a mão. Eles choravam, como Dom Bosco. Na assembleia, não

82
Viglietti, Cronaca originale, VII, 56-57, 2 de dezembro de 1887: FDB 1227 A10. Na ce-
lebração da missa, antes da reforma litúrgica, o sacerdote rezava olhando para o tabernáculo e a cruz,
dando as costas ao povo. Quando devia saudar com o Dominus vobiscum, virava-se para o povo. A missa
terminava com algumas orações rezadas apenas pelo sacerdote, ajoelhado diante do altar.
83
Viglietti, Cronaca originale, VII, 58, 3 de dezembro de 1887: FDB 1227 A11.

577

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Dom Bosco: história e carisma 3

havia um só olho sem lágrimas. As numerosas pessoas que enchiam a igreja, as


mulheres em especial, comoveram-se até as lágrimas. Em seguida, os missio-
nários abraçaram seus irmãos e os superiores do Conselho Superior. Depois,
colocaram-se no corredor, enquanto o povo se ajoelhava para beijar a barra da
batina ou da mão. Quando o coro se abriu, o povo rodeou Dom Bosco. Eu
ouvia todo tipo de expressões de simpatia pelo querido ancião. Via as pessoas
aproximarem-se do homem de Deus com devoção e com lágrimas nos olhos,
e ouvi que o chamavam de santo.
Enquanto cruzava o pátio, Dom Bosco recebeu os aplausos dos jovens, antes
que se retirasse enfim aos seus aposentos, completamente esgotado.84
A aflição da partida é recompensada na alegria do regresso. Ontem se foram os
missionários de Quito [Equador]; hoje chegou ao Oratório o bispo Cagliero,
vindo da América [do Sul]. Não posso descrever a alegre recepção e a sincera
homenagem que os jovens lhe fizeram [...]. Contudo, mais comovedor foi o
espetáculo do encontro de Dom Bosco com o bispo. O querido ancião ficou
sentado em sua poltrona no quarto [quando o bispo entrou]. Dom Bosco
abraçou seu filho, mantendo-o próximo de seu coração e chorava como uma
criança. Insistiu em beijar o anel do bispo. Vieram com o bispo Cagliero três
senhores do Chile e também o padre [Antônio] Riccardi e o padre [Valentim]
Cassini. Tudo saiu bem e foi um acontecimento muito feliz.85

A entrada da crônica de Viglietti na festa da Imaculada Conceição é


bastante interessante.

Esta manhã, Dom Bosco ouviu a missa e recebeu a sagrada Comunhão, pois
não pôde celebrar. Que doloroso sacrifício foi isso para ele, na festa da Imacu-
lada Conceição! Mas está sempre alegre. Quando alguém lhe pergunta como
está, ele sempre responde que está bem. Desdenha sobre suas dores. A incli-
nação de sua coluna vertebral está aumentando dia a dia. Mas brinca sobre
isso e recita o dito popular muito conhecido no Piemonte: “Ó, minhas costas,
minhas pobres costas, acabou o teu pesado fardo”. Também suas pernas foram
durante algum tempo um fardo pesado para ele. E também compôs alguns
versos em piemontês, para rir-se com eles, e os recita com frequência: “Ó
minhas pernas, minhas inchadas pernas, retas ou retorcidas, mantenham-se
sempre fortes até o dia de minha morte”.
Louvada seja Maria Imaculada! Ontem à noite chegou ao Oratório o bispo de
Liége, Bélgica [Vítor-José Doutreloux]. A finalidade de sua visita é conseguir

84
Viglietti, Cronaca originale, VII, 58-61, 6 de dezembro de 1887: FDB 1227 A10-12.
85
Viglietti, Cronaca originale, VII, 62-63, 7 de dezembro de 1887: FDB 1227 B1.

578

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

a fundação de uma casa salesiana em sua cidade. O bispo [João] Cagliero,


o padre [Celestino] Durando e o bispo belga reuniram-se com Dom Bosco
para falar do assunto. Mas, depois de mais de uma hora, não se vislumbrava
qualquer decisão. Na verdade, a opinião dos salesianos era, em geral, negativa,
pela falta de pessoal. Esta manhã, porém, quando entrei no quarto de Dom
Bosco para ler o jornal para ele, disse-me que pegasse pena e tinta, e escrevesse
ditadas por ele, as mesmas palavras que Maria Imaculada lhe disse quando
lhe apareceu durante a noite: “É do agrado de Deus e da santíssima Virgem
Maria, que os filhos de São Francisco de Sales abram uma casa em Liége em
honra do Santíssimo Sacramento. Aqui [no Oratório] começaram [a dar a
conhecer] publicamente os louvores de Jesus e deverão estender esses mesmos
louvores em todas as suas casas, em todas as suas famílias e, em especial, entre
os muitos jovens que nas diversas partes do mundo estão ou estarão sob os
seus cuidados. No dia da Imaculada Conceição de Maria, 1887”. Isso me foi
ditado por Dom Bosco chorando… soluçando… e eu com ele. São momen-
tos solenes, extraordinários... é preciso experimentá-los para julgar... quando
é o céu quem fala! Deus meu!
Dispus-me, depois, a ler o jornal para ele e, como havia um longo artigo que
falava dos missionários que acabavam de partir para o Equador, eu comecei
[a lê-lo]... mas não o pude terminar... ali se falava da Virgem Maria, nossa
protetora... não pude continuar a ler pelo choro... e Dom Bosco também; tive
que deixá-lo e saí do quarto. Mais tarde, o bispo Cagliero subiu da igreja ao
quarto de Dom Bosco. Então [Dom Bosco] me mandou chamar e me disse
para ler ao bispo a mensagem recebida do céu. Todos nós começamos a chorar
novamente. Dom Cagliero disse: “Ontem falei contra [a fundação], agora não
tenho mais o que dizer, porque a decisão foi ditada [do alto]”. Decidiu-se nada
dizer do acontecido ao bispo de Liége, no momento, mas apenas notificar-lhe
a aceitação. Uma vez que se inicie a fundação, então, se poderá contar o que le-
vou Dom Bosco a esta decisão. Dom Bosco passou a noite insone e sem forças.
Dom Bosco dizia: “Até agora caminhamos sempre seguros. Não podemos er-
rar, porque Maria é nossa guia”. Sei positivamente que o bispo de Liége, antes
de deixar sua diocese, pediu orações especialíssimas a todos os conventos da
cidade para o sucesso de sua viagem.86

Os médicos incentivavam a Dom Bosco para que fizesse passeios ao ar


livre e ele era muito afeiçoado a esse tipo de recreação. Assim, apoiando-se em
sua bengala, com a ajuda de Viglietti e de outros, Dom Bosco fazia suas lentas
86
Viglietti, Cronaca originale, VII, 63-70, 8 de dezembro de 1887: FDB 1227 B1-5.

579

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Dom Bosco: história e carisma 3

e dolorosas caminhadas. Viglietti também o levava a passear no coche de um


só cavalo do Oratório. Um passeio desse tipo se deu em 16 de dezembro,
quando já não podia caminhar.

Hoje à noite, padre Rua e eu levamos Dom Bosco para um passeio. Em nosso
caminho de volta, vimos o cardeal caminhando pelos pórticos do bulevar
Vítor Emanuel. Sem duvidar, disse ao nosso cocheiro que fosse para aquele
lado. Então, desci, fui ao encontro do cardeal e perguntei-lhe se podia dedicar
um momento a Dom Bosco, que queria dizer-lhe algumas palavras. “Ó! É o
padre João, nosso querido padre João”, exclamou o cardeal. Subiu ao coche
e, sentando-se ao seu lado, abraçou-o e beijou-o carinhosamente. Enquanto
isso, muitas pessoas tinham-se reunido e estavam contemplando a comovente
cena. Ouvi as pessoas comentarem: “Como se querem bem!”. Os dois vene-
ráveis anciãos passearam juntos até a rua Cernaia. Ali, o cardeal desceu e nós
voltamos para o Oratório.87

A saúde de Dom Bosco deteriorou-se constantemente durante os quatro


dias seguintes. Viglietti, parece, teve a intuição de que se tratasse do início do fim.

Nos últimos dias, a saúde de Dom Bosco esteve piorando. Já não pode cami-
nhar e deve ser empurrado numa cadeira de rodas. Quase não pode respirar.
Como consequência, vai dormir às 7 da noite e levanta-se às 10 da manhã.
Ouve minha missa e recebe a sagrada Comunhão na cama.
Esta tarde, porém, insistiu em fazer um passeio. Assim, pois, padre Bonetti
e eu o colocamos numa poltrona e o levamos ao coche. Parece que se sentiu
bem na viagem. À medida que íamos, disse-me que quando chegássemos em
casa, me recordasse de transmitir em seu nome esta mensagem a todos os sa-
lesianos: “Todos os salesianos, os superiores em especial, devem tratar nossos
empregados com grande caridade”.
Esta tarde, o doutor reconheceu que o estado de Dom Bosco se deteriorou
consideravelmente. Ordenou que fosse posto na cama.88

De 20 de dezembro de 1877 até 31 de janeiro de 1888, dia de sua


morte, Dom Bosco não deixou mais o seu quarto; na verdade, não deixou
mais a cama.

Viglietti, Cronaca originale, VII, 72-73, 16 de dezembro de 1887: FDB 1227 B6.
87

Viglietti, Cronaca originale, VII, 73-75, 20 de dezembro de 1887: FDB 1227 B6-7. Deve ter
88

sido o serviço atento do cocheiro a motivá-lo a dar o conselho sobre os empregados. Viglietti encerra
esta anotação inserindo uma observação à margem: “Antes de deitar-se, Dom Bosco disse ao padre Rua:
‘Sobre Viglietti, eu o entrego a ti. Ser-te-á de grande ajuda’”.

580

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Apêndice

CRÔNICAS E OUTRAS FONTES DOS ÚLTIMOS ANOS


DE DOM BOSCO

Estes documentos não são, em geral, obras literárias; foram escritos, em


grande parte, debaixo de pressão ou por pessoas que careciam das habilida-
des ou não tinham nesse momento qualquer pretensão literária. O estilo, a
ortografia, a gramática, a pontuação e a escrita em geral deixam muito a dese-
jar. Contudo, são relatos preciosos, de testemunhas oculares! Depois de uma
apresentação das fontes, crônicas e memórias em especial, faz-se uma crônica
dos três últimos anos da vida de Dom Bosco.

Fontes
As mais importantes são, de longe, as crônicas e as memórias escritas
pelo clérigo salesiano Carlos Maria Viglietti, secretário, homem de confiança
e companheiro constante durante os últimos quatro anos da vida de Dom
Bosco. Segue-lhe em importância o livro de memórias escrito pelo salesiano
coadjutor Pedro José Enria, que foi enfermeiro de Dom Bosco a partir de
1871. Muito breve, mas de grande interesse, é a crônica episódica escrita pelo
padre Antônio Sala, nesse momento, ecônomo geral da Congregação. Padre
Francisco Cerruti, membro do Capítulo superior, também é autor de um
livro de memórias, que abrange um período muito limitado de tempo. Padre
Miguel Rua, prefeito e vigário-geral, enviou vários boletins com a intenção
de manter os salesianos informados da situação de Dom Bosco durante a
crise do final de dezembro de 1887 e início de janeiro de 1888. Enfim, temos
o ensaio póstumo intitulado Quem foi Dom Bosco?, obra do médico que o
atendeu, João Albertotti;89 trata-se de um texto de valor desigual, mas, obvia-
mente, é atendível quando fala da enfermidade de Dom Bosco.

89
G. Albertotti, Chi era Don Bosco. Biografia físico-psicopatológica escrita pelo seu médico.
Gênova: Fratelli Pala, 1929. O livro foi póstumo, publicado por um filho do médico de Dom Bosco.

581

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Dom Bosco: história e carisma 3

Outros salesianos muito próximos de Dom Bosco e com cargos impor-


tantes, como os padres Rua, Bonetti, Berto etc., não se decidiram a colocar
por escrito notícias relativas a esse período. Motivo desta aparente omissão
poderia ser que, ou não assistiam a Dom Bosco de forma regular ou delega-
ram a outros a tarefa de recolher as notícias. É o caso, em grande parte, do
padre Lemoyne que, nesse tempo, estava comprometido na recompilação do
material biográfico. Contudo, escreveu uma valiosa crônica de 1884, conhe-
cida como Ricordi di gabinetto [Memórias de escritório]. De fato, esta obra
é uma das nossas fontes principais na crise de 1884, que terminou com a
quase retirada de Dom Bosco e a nomeação de um vigário com direito de
sucessão.90

Carlos Maria Viglietti


Nascido em Susa, no seio de uma família numerosa, bastante rica, Car-
los Maria Viglietti ingressou aos 12 anos na escola salesiana de Lanzo, onde
padre Lemoyne era diretor.91 Menino bom e estudante aplicado, ele parece
não ter sido muito disciplinado, sem dúvida por causa da grande vitalidade
e não por malícia. Por um prefácio autobiográfico anexo à crônica, sabemos
que seu pai, Frederico Viglietti, e Dom Bosco eram amigos. “Quando Dom
Bosco me viu na escola de Lanzo, por volta de 1878, reconheceu-me e disse-
-me que queria que eu ficasse com ele. Isso me foi repetido com mais força
em junho de 1880; e, em 1882, explicou-me o que queria dizer com esse
‘ficar com ele’”. Viglietti continua a explicar que, depois de obter seu título
acadêmico superior e após as férias normais com a família em sua vila, em
julho desse ano entrou no noviciado em San Benigno.92 Em outra nota auto-
biográfica, Viglietti é mais concreto:

Em agosto de 1882, depois dos exercícios espirituais presididos por Dom


Bosco em San Benigno, meus companheiros noviços foram enviados à escola
salesiana de Borgo San Martino para as férias, com a finalidade de dar lugar
a outro grupo de jovens que chegariam. O bom pai, porém, pediu-me para

90
Padre Lemoyne foi capelão das salesianas em Nizza [Monferrato] desde 1877. Chamado a
Turim no outono de 1883 como secretário-geral, teve a oportunidade de, seguindo sua inclinação,
reunir material para uma futura biografia de Dom Bosco, agrupados em 45 volumes ou Documenti.
Seu Ricordi de gabinetto [Memórias de escritório] é uma pequena agenda-calendário de 1846, usada em
parte por Lemoyne durante seus dias de seminário e utilizado novamente como diário quase quarenta
nos depois! As entradas em questão referem-se ao ano 1884.
91
Ver breve nota biográfica em A. Lenti, Dom Bosco: história e carisma. Volume 1, p. 34-35.
92
C. M. Viglietti, Due parole, apêndice à Crônica transcrita e editada, caderno 5, 426­-434:
FDB 1240 D6-E2.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

ficar com ele e deu-me a tarefa de desenhar um mapa da Patagônia. Trabalhei


assiduamente nesse projeto, mas passava todos os momentos livres ao lado de
meu pai. Ele relatava-me, com total liberdade, os eventos do passado, também
os sonhos extraordinários com que o Senhor o favorecia.
Fiz o noviciado durante o ano escolar de 1882-1883. Nesse ano, Dom Bosco
quis saber de mim com regularidade e também me enviava pequenos pre-
sentes ocasionais. Nesse verão, depois do noviciado, admitiu-me aos votos
perpétuos. Depois dos Exercícios espirituais, meus companheiros foram para
Lanzo Torinese [para as férias]; Dom Bosco fez-me permanecer com ele em
San Benigno. Todas as manhãs, logo cedo, esperava que saísse de seu quarto,
acompanhava-o à igreja e ouvia sua missa. Durante o dia, meu trabalho con-
sistia em sentar-me [como recepcionista] na antessala de Dom Bosco e cuidar
para que as entrevistas caminhassem de maneira ordenada [...].

Padre Carlos Maria Viglietti (1864-1915).

No outono desse ano [1883], comecei meu segundo ano de colégio universi-
tário [em Valsálice]. Pois bem, naquele mesmo novembro, o cardeal Caetano
Alimonda foi nomeado arcebispo de Turim e Dom Bosco me chamou para
preparar o presente da Congregação ao nosso recém-nomeado pastor; deveria
ser um grande mapa da diocese de Turim. Desenhei-o a partir de detalhados
mapas militares, para que mostrasse claramente todas as ruas, os atalhos e os
cursos d’água; casas paroquiais, capelas, igrejas e vicariatos. O cardeal mos-
trou-se encantado com o presente. Dom Bosco também ficou muito satisfeito
com o trabalho, sobretudo porque o mapa mostrava seu lugar de origem e a
casa em que nascera.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Mencionei a questão aqui só porque foi nessas circunstâncias que um dia entrei
em Turim para apresentar “esta obra-prima” ao arcebispo. Foi nessa ocasião
que Dom Bosco me chamou ao seu aposento e me perguntou à queima-roupa:
“Gostaria de [deixar o colégio universitário e] vir permanentemente a Turim
como meu secretário?”. Fiquei atônito e fora de mim pela alegria causada por
essa proposta; só podia crer em minha boa sorte. Dom Bosco continuou: “Em
breve, irei a Roma. Fica aqui no meu lugar até meu regresso. Tu deverás ser o
baculus senectutis meae” [o cajado da minha velhice].93

Dom Bosco passou por um sério recrudescimento da enfermidade em


1884, superou a crise e recuperou-se o suficiente para empreender uma via-
gem ao sul da França e, de ali, a Roma, em abril e maio, para negociar os
privilégios de isenção e outros assuntos. Em 17 de maio, Dom Bosco estava
novamente em Turim, onde Viglietti, que ainda não completara 20 anos,
certamente o esperava para tomar posse de seu cargo de secretário pessoal
e auxiliar. A primeira entrada da crônica de Viglietti, de 20 de maio, diz:
“Chamaram-me a Turim como parceiro do padre Berto, a serviço de Dom
Bosco para acompanhá-lo a todas as partes aonde deva ir; padre Lemoyne
decidiu confiar-me a crônica de Dom Bosco no próximo ano”.94
Enquanto isso, Viglietti também ouvia o canto da sereia de um ideal
acariciado desde jovem, as missões. Nos anos oitenta, o fervor missionário
chegara ao auge entre os salesianos, jovens e mais velhos. O vicariato da Pa-
tagônia e a prefeitura da Patagônia Austral e Terra do Fogo foram criados em
1883; padre Cagliero preparava-se para sua ordenação episcopal, que seria em
dezembro de 1884.
Em sua Crônica original, Viglietti insere simplesmente uma breve nota
à margem: “Eu decidira ir às missões, depois de aconselhar-me. Mas Dom
Bosco disse-me: ‘Não vás, serás o cajado da minha velhice e me fecharás os
olhos’”.95 Em sua Crônica transcrita narra os fatos com mais detalhes:

Por muito tempo eu desejara dedicar minha vida às missões da América. Ob-
viamente teria sido um sacrifício muito doloroso para mim, mas pareceu-me
que fazia algo nobre: deixar tudo, pátria e família, e passar toda a minha vida
trabalhando na penumbra naquelas terras distantes. Já consultara padre Cagliero

93
C. M. Viglietti, Pequena memória autobiográfica, 1-3, FDB 1232 C5-7. Este relato
autobiográ­fico de três páginas narra como Dom Bosco escolheu Viglietti para ser seu secretário.
94
C. M. Viglietti, Crônica original, I, 1: FDB 1222 D4. Padre Berto, secretário pessoal de Dom
Bosco por muitos anos e arquivista da Congregação, ficou muito doente com uma neurose e teve de
deixar esse serviço.
95
C. M. Viglietti, Crônica original, I, 3, 4 de outubro de 1884: FDB 1222 D5.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

e outros missionários. Deram-me seu apoio unânime; aceitaram-me e considera-


vam-me um deles. Contudo, ao aproximar-me de Dom Bosco para comunicar-
-lhe o assunto com franqueza, faltou-me a coragem. Só a ideia de ter que decidir
rompeu-me o coração. Nessa situação dolorosa, busquei o conselho do padre
Cagliero. Ele tranquilizou-me dizendo-me que não me preocupasse, pois trataria
do assunto com Dom Bosco.
Naquela noite, Dom Bosco mandou chamar-me e disse-me: “Querido Viglietti,
ouvi que queres deixar-me. Isso é verdade? O que fiz para merecer tal coisa? Con-
tudo, se for essa a tua decisão, vai com a minha bênção, mas deves saber que ir às
missões não é a tua vocação”. Fiquei petrificado por algum tempo, depois rompi
num mar de lágrimas e, entre soluços sonoros, procurei explicar-lhe que quisera
fazer o certo e que o padre Cagliero me garantira que Dom Bosco o aprovava
plenamente. Acrescentei rapidamente que preferiria morrer a deixá-lo contra a
sua vontade; e isso, apesar de meu baú já estar preparado e terminando todos
os preparativos para minha partida. Caí de joelhos e supliquei-lhe que fizesse
de mim conforme a sua vontade, pois me oferecera para ir às missões somente
porque pensei que seria algo que lhe agradaria.
Então, Dom Bosco, de maneira mais doce e carinhosa, colocou sua mão so-
bre minha cabeça e olhou-me com um olhar profético penetrante, dizendo:
“Não, meu querido Viglietti, tu não me abandonarás, deverás ficar e ajudar-
-me nos poucos anos que me restam. Serás o cajado de minha velhice e, no
fim, me fecharás os olhos, quando passar à eternidade”.96

Entre maio de 1884 e janeiro de 1888, cuidou de Dom Bosco com de-
voção de servo como seu leitor, sacristão, ajudante e companheiro constante.
Embora Viglietti não tenha sido a única companhia de Dom Bosco em suas
últimas viagens, a sagacidade de secretário, a competência, as habilidades, a
personalidade e o entusiasmo incontido demonstraram que era uma valio-
síssima ajuda na França (1885),97 na Espanha (1886),98 em Milão (1886)99

C. M. Viglietti, Crônica transcrita e editada [vol. I], caderno 1, 23-25, 4 de outubro de 1844:
96

FDB 1232 E3-5. Depois da morte de Dom Bosco, padre Rua nomeou-o diretor espiritual em Lanzo
(1890-1896) e, em seguida, diretor de Bolonha (1896-1904), Savona (1904-1906) e, finalmente, de
Varazze (1906-1912), onde em 1907, coube-lhe passar pelo infame escândalo. Morreu em Valdocco
em 1915.
97
C. M. Viglietti, Crônica original, I, 5-78, 24 de março-6 de maio de 1885: FDB 1222 D6
- 1223 B7.
98
C. M. Viglietti, Crônica original, III, 57-93 + IV, 1-72, 12 de março-15 de maio de 1886:
FDB 1224 C4 - 1225 B10.
99
C. M. Viglietti, Crônica original, V, 36-45, 11-13 de setembro: FDB 1225 D6-10.

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Dom Bosco: história e carisma 3

e em Roma (1887).100 Viglietti servia como leitor para Dom Bosco, cuja vi-
são se deteriora bastante, e escrevia sob o seu ditado as cartas, os sonhos, as
recordações do passado, as comunicações oficiais etc. Depois de obter ra-
pidamente um conhecimento básico da língua espanhola, encarregou-se da
correspondência nessa língua. Dom Bosco tratava-o como filho, e Viglietti
lhe correspondia com devoção filial e afeto de criança. Dom Bosco confiava
plenamente nele.
Viglietti não diz onde e quando encontrou tempo para estudar os trata-
dos de teologia; em sua crônica, ele indica de passagem as datas em que rece-
beu as diversas ordens sacras; todas, nos últimos meses de 1886. Uma carta
dele ao padre Barberis revelaria que, possivelmente, também sofreu algum
tipo de crise vocacional.101 Não obstante, foi ordenado sacerdote em 18 de
dezembro desse ano.102
Viglietti demonstra-se, em todo momento, uma pessoa sensível e cheio
de imaginação e é, de longe, o mais original dos cronistas. Embora, à exceção
das viagens mais longas, ele não fizesse anotações diárias nem um diário, suas
crônicas contêm grande quantidade de informações sobre os últimos anos de
Dom Bosco, incluindo episódios, frases, recordações e um pouco de humor.
São cheias de relatos de sonhos, milagres e outros acontecimentos extraordi-
nários. Falam, com entusiasmo e admiração, das viagens triunfais de Dom
Bosco, da sua popularidade, tanto entre os grandes como entre os humildes.

Crônicas e Memórias
Quem lê as crônicas de Viglietti, conservadas em ASC (ASC A012),
logo perceberá repetições, reedições e várias mãos, numa palavra, todo um
processo editorial. Isso se explica porque Viglietti, ao escrever para futuros
biógrafos, redigia sua crônica original, ou seções da mesma, por etapas. Escre-
veu, também, memórias adicionais à parte. Obviamente, esta forma editorial

100
C. M. Viglietti, Crônica original, VI, 31-83 + VII, 3-10, 20 de abril-20 de maio de 1887:
FDB 1226 B3-D11.
101
A carta fala da conversa que durou até muito tarde, quando Dom Bosco lhe disse “palavras
celestes”. Viglietti continua: “O bom pai me quer muito! Eu chorava de puro afeto, enquanto ele me
apertava em seus braços. Depois, mandou-me por obediência que falasse com o senhor e com o padre
Rua sobre minha ordenação” (Viglietti a Barberis, 14 de junho de 1886, em F. Desramaut, Don Bosco,
1284, nota 31).
102
C. M. Viglietti, Crônica original, V, 61, 18 de dezembro de 1886: FDB 1225 E6: “Hoje,
com 11 companheiros, fui ordenado sacerdote pelo bispo [João Batista] Bertagna na capela do seminá-
rio”. 19 de dezembro de 1886: “Hoje celebrei minha primeira missa para a comunidade dos estudantes.
[...] Não de parece real ser sacerdote aos 22 anos e meio de idade!”.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

exige uma avaliação crítica.103 Limitar-me-ei a classificar e descrever breve-


mente o material de arquivo, baseado nas provas internas e nas indicações
dadas pelo próprio Viglietti.

Crônica original 1884-1888104


Com o título de Cronaca di Don Bosco, a crônica original, toda da mão
de Viglietti, abrange oito volumes, com paginação incompleta da mão de
um arquivista.105

Volume I. Capa: Crônica de Dom Bosco a partir de 20 de maio de


1884 até 6 de maio de 1885. Título: Crônica de Dom Bosco, pelo
clérigo Carlos Maria Viglietti, de 20 de maio de 1884 a 6 de maio
de 1885 (p. 1-78).106
Volume II. Capa: Crônica de Dom Bosco a partir de 6 de maio de
1885 até 1o de março de 1886. Título: Crônica de Dom Bosco, pelo
clérigo Carlos Maria Viglietti, de 6 de maio de 1885 a 1o de março
de 1886 (p. 79-150).107
Volume III. Capa: Crônica de Dom Bosco, de 24 de março de 1885
a 14 de abril de 1886. Página do título: Memórias de Dom Bosco,
pelo clérigo Carlos Maria Viglietti, de 24 de março de 1885 a 14 de
abril de 1886 (p. 1-56; 57-93).108

103
F. Desramaut, Memorie I, 171-175; Idem. Don Bosco, 1363-1364, tentou a descrição des-
se processo editorial. P. Marín publicou uma edição crítica apenas da primeira redação da crônica,
com introdução e notas: Carlo Maria Viglietti, Cronaca di Don Bosco: prima redazione (1885-1888).
Roma: LAS, 2009.
104
ASC A012: Cronachette-Viglietti, Cronaca di D. Bosco: FDB 1222 D2 -1237 D8.
105
Os volumes I, II, III, VII e VIII mantêm sua capa em que se indica expressamente o número
do volume. Os volumes IV, V e VI não têm capa e não há indicação do número do volume, mas só
têm a página do título. As datas de entrada e outros elementos formais, porém, indicam claramente
que correspondem à sequência.
106
As primeiras doze entradas, de 20 de maio a 31 de dezembro de 1884 (p. 1-4) foram riscadas,
porque Viglietti, assim o afirma, conservava uma memória à parte para complementar o registro diário
trazido pelos padres Berto e Lemoyne. Pode ser que esta memória à parte seja a Crônica adicional de
1884-1885, descrita em seguida.
107
A pequena entrada de 24 de maio de 1885 (p. 82-83) está riscada (FDB 1223 B12). Viglietti
explica: “O principal propósito desta crônica é anotar os acontecimentos durante as viagens de Dom
Bosco. Por isso, quando está em sua casa de Turim durante uma permanência prolongada, os aconte-
cimentos são anotados à parte”.
108
Como indica o próprio Viglietti, as entradas de 24 de março de 1885 a 25 de fevereiro de
1886 (p. 1-56) são uma repetição – para facilitar a leitura? – do mesmo período do volume anterior
(FDB 1223 E12 - 1224 C4).

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Dom Bosco: história e carisma 3

Volume IV. Título: Continuação da crônica do secretário Carlos Viglietti,


Barcelona, de 15 de abril de 1886 a 16 de maio de 1886 (p. 1-72).109
Volume V. Título: Continuação da crônica do secretário Viglietti, de
18 de maio de 1886 a 20 de janeiro de 1887 (p. 1-71).
Volume VI. Título: De 23 de janeiro de 1887 a 15 de maio de 1887,
continuação da crônica do secretário Viglietti (p. 3-83).
Volume VII. Capa: Crônica de Dom Bosco, de 16 de maio de 1887
a 23 de dezembro de 1887. Título: De 16 de maio de 1887 a 23 de
dezembro de 1887; continuação da crônica, pelo padre Carlos M.
Viglietti, secretário (p. 30-80).
Volume VIII. Capa: Crônica de Dom Bosco, de 23 de dezembro de
1887 a 31 de janeiro de 1888. Título: De 23 de dezembro de 1887
a ..., continuação da crônica de Dom Bosco pelo padre Carlos M.
Viglietti, secretário de Dom Bosco (p. 3-41).110

Crônica transcrita e editada de 1884-1888111


Com o mesmo título do original, a crônica transcrita encontra-se em
cinco cadernos, da mão de Viglietti e de outras duas mãos, com paginação
continuada, de um arquivista.112

Volume I. (?). Caderno 1, manuscrito de Viglietti: Crônica de Dom


Bosco, pelo clérigo Carlos M. Viglietti, de 20 de maio de 1884 a 1o
de março de 1886 (p. 1-160).

109
Este é o famoso Diário de Barcelona.
110
Os oito cadernos estão em FDB como segue: (1) 1222 D2 - 1223 B7; (2) 1223 B8-E10; (3)
1223 E11 - 1224 D10; (4) 1224 D11 - 1225 B11; (5) 1225 B12-E12; (6) 1226 A1-D5; (7) 1226
D7 - 1227 B10; (8) 1227 B11-D8. Devemos observar que cada quadro FDB [das microfichas] contém
duas páginas dos pequenos cadernos.
111
FDB 1232 C5 - 1240 E2.
112
O caderno III tem o que parece ser um acréscimo, sem indicação dos números de página, mas
mantendo as entradas em ordem. O acréscimo traz por título “Tomo II, de 18 de maio de 1886 a 31
de janeiro de 1888”, levando a pensar que a crônica transcrita pode ter tido a intenção de apresentar a
estrutura formal dos dois volumes, ou partes: parte I, presumivelmente, a partir de 20 de maio de 1884
até 15 de maio de 1886, ao final da viagem à Espanha; parte II, de 18 de maio de 1886 a 31 de janeiro
de 1888, morte de Dom Bosco. Portanto, a estrutura atual de cinco cadernos só pode ser seu formato
material resultante do que formava cinco cadernos inteiros. Seja como for, para efeitos práticos, pode-
-se manter o formato de cinco cadernos, com sua paginação sequencial, e o volume sem numeração da
segunda seção pode ser tratado como um acréscimo ao caderno III.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Caderno 2o, manuscrito de Viglietti: clérigo Carlos Maria Viglietti,


Crônica de Dom Bosco, de 12 de março de 1886, viagem à Espa-
nha, a 11 de abril de 1886 (p. 161-217).
Caderno 3o, de uma segunda mão, não identificada: Continuação
da crônica de Dom Bosco. De 17 de março de 1886 a 11 de abril de
1886 (p. 220-252) são uma repetição;113 seguem a 13 de abril-16 de
maio de 1886 (p. 253-315).
Volume II. Acréscimo e continuação, sem numeração de páginas, do
caderno 3o, da mesma segunda mão: Crônica de Dom Bosco, pelo
padre Carlos Maria Viglietti, de 18 de maio de 1886 a 9 de maio
de 1887.
Caderno 4o, páginas 316-320 da mesma segunda mão; da página
320 à 327, de uma terceira mão, não identificada; páginas 327-409,
novamente da segunda mão. Caderno 4, continuação da Crônica
de Dom Bosco – 9 de maio de 1887 a 28 de janeiro de 1888 (p.
316-409).
Caderno 5o, de uma segunda mão. Fim da crônica de Dom Bosco,
Caderno 5 – 29 a 31 de janeiro de 1888 (p. 410-420). Segue uma
Conclusão (p. 422-424) e um Prefácio do autor, autobiográfico, inti-
tulado Duas palavras a meus queridos superiores [...] (p. 326-334).114
A Crônica original e a posterior Crônica transcrita e editada são obras
fundamentais de Viglietti para conhecer os últimos anos de Dom Bosco. A
segunda obra mostra uma grande melhora no estilo, na ortografia, na pontu-
ação etc.; e introduz material novo. É óbvio que isso coloca algumas questões
nas quais não nos deteremos. Para o meu relato, apoio-me de preferência na
obra original pelo imediatismo do relato das testemunhas oculares. A quali-
dade do texto varia, aqui, de uma entrada a outra; compreende desde o dis-
curso coordenado e o texto cuidadosamente escrito a simples apontamentos.
De fato, em geral, é um texto apressado, se não descuidado; mas é um relato
testemunhal próximo do acontecimento. Sobre sua atividade de cronista, Vi-
glietti escreve:

FDB 1236 A8-D5.


113

Os cinco cadernos estão em FDB como segue: (1) 1232 C5 -1235 A9; (2) 1235 A10 - 1236 A7;
114

(3) 1236 D6 1237 D8 + 1237 D9 - 1238 E7; (4) 1238 E8 - 1240 C4; (5) 1240 C5-D2 + D3-5 + D6-E2.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Escrevi esta crônica da forma mais honesta que pude; […] relatei os aconte-
cimentos tal como aconteceram dia a dia. Recolho-os como eu mesmo os vi
ou como Dom Bosco me informou ou me informaram outros encarregados
desta tarefa. Se for culpado de algum equívoco, peço sua amável indulgência.
Sobretudo quando viajamos, os compromissos mantinham-nos tão ocupados
durante o dia que eu encontrava tempo para anotar algumas coisas só altas
horas da noite. [...] O que foi recolhido nesta crônica, contudo, foi escrito
por alguém que nem de dia, nem de noite, se separou de Dom Bosco, alguém
que conhecia todos os seus segredos e que, por isso, pode falar com maior
conhecimento do que muitos sobre o que se refere a este santo homem.115

Breve nota autobiográfica


Intitulado Memorie, o relato autobiográfico de três páginas, manuscrito
aparentemente de Viglietti, narra como Dom Bosco o escolheu para ser seu
secretário. Esta memória também aparece, quase palavra por palavra, como
introdução à Crônica parcial caligráfica 1884-1885 (p. 1-5), com o título:
Introdução. Como e quando padre Carlos Maria Viglietti foi escolhido pelo vene-
rável Dom Bosco como seu secretário.116

Diário
Não se trata, propriamente, de um diário, mas de um registro da atuação
diária de Dom Bosco, na realidade, uma coleção de episódios, sonhos etc.,
desde a primeira infância de Dom Bosco, que Viglietti pode ter ouvido do
mesmo Dom Bosco ou de outros. Este material foi transcrito num livro agen-
da-calendário bastante pequeno intitulado La rimembranza per l’anno 1880
[Memória para o ano 1880].
O título colocado na capa por Viglietti diz: “Diário, com índice de con-
teúdos [acréscimo], 1883, 1885”. Em outro lugar, diz: “Memórias do clérigo
Carlos Viglietti, 1885”.117
Todas as entradas são datadas a partir de 1885. A primeira entrada, sem
data, na página 27 do livro-agenda impresso, é o famoso regime feito por
Dom Bosco em vista de sua saúde.118 Segue imediatamente a única verdadeira
entrada da “crônica”, de 15 de julho de 1885.

C. M. Viglietti, Crônica transcrita e editada, “Conclusão”, caderno 5, 422-424: FDB 1240 D3-5.
115

FDB 1247 A4-8.


116

117
Diario con indice delle materie 1883-1885; Memorie per cura del ch. Viglietti Carlo 1885 FDB
1231 D5 - 1232 C4.
118
FDB 1231 D8.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Crônica adicional119
Trata-se de um caderno sem título, bastante extenso (p. 1-98 + 116-
119), manuscrito de Viglietti, com algumas entradas de outros. Uma nota
à margem de um arquivista diz no início: “Este caderno, escrito pelo padre
Carlos Viglietti, contém notícias e relatos que ele pode ter ouvido do próprio
santo. Padre Lemoyne acrescentou alguns elementos de suas mãos, cf., por
exemplo, p. 96”.
O texto de Lemoyne aparece nos acréscimos que se encontram nas pá-
ginas 49, 83-84 e 96-98.120 Há também uma pequena adição de uma terceira
mão na p. 98.121 Em seguida, há um índice do conteúdo escrito por Viglietti,
com paginação diferente, p. 116-119.122
Depois de duas entradas riscadas, de junho de 1884, esta crônica co-
meça com a entrada “Anno 1862”, recordando a profecia de Dom Bosco de
que um salesiano presente será bispo, profecia que agora [1884] verificou-
-se em Cagliero.
Segue, depois, a primeira entrada verdadeira da crônica, 26 de junho
de 1884, que narra a festa de São Luís, em Lanzo, com a presença do padre
Cagliero, já nomeado bispo. No mais, a crônica é, na verdade, uma série de
episódios que datam de diversos períodos da vida de Dom Bosco, reunidos
presumivelmente na data em que foram ouvidos.

Coleção em rascunho123
Sem qualquer título, esta coleção é composta por uma série de ar-
tigos impressos: cartas de Viglietti e artigos sobre Dom Bosco publi-
cados em vários jornais; o texto impresso da crônica de Viglietti sobre
a última enfermidade de Dom Bosco, publicado no Boletim Salesiano
com o título “Diário da enfermidade de Dom Bosco”; resenhas de livros
posteriores de Viglietti, dos quais parece estar muito orgulhoso, e outros
materiais. Os artigos têm normalmente uma introdução com data, da
mão de Viglietti. As entradas com data vão de 17 de maio de 1886 a 28
de setembro de 1896.

119
FDB 1228 E1 - 1230 C2.
120
FDB 1229 C9, FDB 1230 A7-8, FDB 1230 B8-10.
121
FDB 1230 B10.
122
FDB 1230 B11-C2.
123
FDB 1230 C12 - 1231 D4.

591

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Dom Bosco: história e carisma 3

Crônica parcial caligráfica124


Esta é uma transcrição parcial com caligrafia grande da crônica original,
com algumas modificações, dos anos 1884 e 1885. A cada entrada dá-se um
título resumido com outro estilo caligráfico. Acrescenta-se um quadro deta-
lhado dos conteúdos para facilitar a consulta. Não é imediatamente evidente
qual tenha sido a utilidade desta crônica parcial, escrita com tanto esmero.
Ao avaliar a informação de Viglietti, com frequência não testemunha-
da em outro lugar, seu caráter e sua personalidade são de certa importância
para determinar o grau de confiança que devemos dar aos seus relatos. Seu
fervor convertia-se em paixão; era todo coração e emoção. Seu amor a Dom
Bosco era ao mesmo tempo de uma criança carinhosa, de um servo fiel e de
um devoto reverente. A popularidade de Dom Bosco, os louvores que lhe
prestavam tanto os humildes como os poderosos, a experiência cotidiana do
“extraordinário” enchiam o jovem secretário de assombro e louvor. Quando
informa sobre essas experiências, especialmente nas viagens, seu entusiasmo
é, às vezes, excessivo. Pode-se demonstrar, não obstante, que Viglietti é bas-
tante fiel quando informa as palavras e as atividades do mestre. Suas crônicas
são documentos insubstituíveis sobre os últimos anos de Dom Bosco.

Pedro José Enria


O livro de memórias autobiográficas do salesiano coadjutor Pedro Enria
tem a mesma importância de Viglietti como fonte para alguns períodos da
vida de Dom Bosco, sobretudo, para seus últimos dias. Sua história come-
ça recordando as circunstâncias em que, em 1854, Pedro e seu irmão João,
jovens órfãos da epidemia de cólera, encontraram uma casa no Oratório.
Termina com um relato dos últimos dias de Dom Bosco e sua morte, como
os viu e recorda, tendo sido seu fiel enfermeiro. Esta última seção intitula-se:
1877: última enfermidade de Dom Bosco.

Breve esboço125
Pedro José Enria (1841-1898) nasceu na pequena cidade de San Benigno,
próxima a Turim. Quando tinha pouco mais de 7 anos, sua mãe morreu e seu
pai casou-se novamente. Em 1852, a família emigrou para Turim, onde prospe-
rou durante algum tempo, até que foi atingida, primeiro, por uma epidemia de
malária e, em 1854, pela cólera, que deixou órfãos Pedro e seus irmãos.

FDB 1247 A4 - 1250 D3.


124

Um pequeno esboço biográfico encontra-se em E. Ceria, Profili, 79-95. Baseado nele, ver
125

Dizionario biografico dei salesiani. Turim: Ufficcio Stampa Salesiano, 1969, 116.

592

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Coadjutor Pedro José Enria (1841-1898).

Conheceu Dom Bosco nessas circunstâncias, quando este visitou o or-


fanato temporário criado pela Sociedade de São Vicente de Paulo. Enria, co-
movido, relata como Dom Bosco tirou-o com seu irmão menor do orfanato,
levando-os para o Oratório. Jamais haveria de deixar Dom Bosco. No início,
Dom Bosco colocou-o com responsável numa das oficinas da cidade; ao se
criar uma oficina no Oratório, Enria trabalhou “em casa”.126 Com o tempo,
trabalhou no depósito salesiano de provimento [almoxarifado] sob as ordens do
coadjutor José Rossi; também se encarregou de algumas atividades do Oratório
como músico da banda, diretor de teatro, cozinheiro, pintor etc. Era requerido
em todos os lugares pela sua habilidade prática.
Deu assistência a Dom Bosco durante suas enfermidades nos anos seten-
ta e oitenta. Quando Dom Bosco ficou doente em Varazze em 1871, pediu
expressamente que Enria o atendesse nos dois meses de sua convalescência.
Numa série de cartas, escritas ao coadjutor José Buzzetti e a outros, como
também, mais tarde, em suas memórias, Enria descreve dia a dia os sintomas
de seu paciente e seu estado.127 Esses relatos permitem hoje aos médicos aven-
turar um diagnóstico.

Enria, Memoria, 1-23: FDB 932 D12.


126

Enria, Memoria, 99-169: FDB 934 C2 - 935 C12; ASC A013: Malattie, Varazze: FDB
127

especialmente, 430 D12 - 431 E12; 433 B10-12, D10-E1; 434 A1-2, A7-B2.

593

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Dom Bosco: história e carisma 3

Enria assistiu novamente a Dom Bosco em suas duas ou três semanas


doente em Sampierdarena em abril de 1878. Nesse tempo, ele vivia naquela
casa. Dom Bosco expressou-lhe sua gratidão nos termos mais carinhosos.128
No outono de 1878, Enria participou da equipe que fundou a escola
salesiana de Este, perto de Veneza. Foi ali que fez sua profissão religiosa e
converteu-se de jure no que ele sempre fora de facto, o irmão Enria.
Entretanto, o serviço mais importante de Enria a Dom Bosco foi assisti-
-lo durante sua última enfermidade. A ela dedicou a última seção de seu livro
de memórias.
A morte do pai pareceu anunciar o declínio do próprio filho. Num apên-
dice de seu livro de memórias, ele relata que, em 1890, foi destinado à assis-
tência do clérigo salesiano, príncipe Augusto Czartoryski, que estava doente
de tuberculose em Lugano, Suíça. Enria sentiu-se, então, muito deprimido;
caiu doente com dor na coluna vertebral, perdendo quase de imediato o uso
da mão direita. O pessoal do hotel levou-o para a cama. Foi então que rezou a
Dom Bosco e sentiu-se melhor por algum tempo.129 Morreu de uma infecção
cérebro-espinhal, com grande dor física e mental, em 1898. Nesse período
prestou ao seu amado mestre um último serviço: testemunhou no processo
de beatificação de Dom Bosco.130 A pedido do padre Lemoyne, escreveu suas
memórias.

Memórias
Os arquivos de Enria, na seção “crônicas” do Arquivo Salesiano Central
(A005 ASC) contêm uma série de memórias.
1. Fragmento de quatro páginas que começa com as palavras “Em
1854”.131
2. Caderno de 95 páginas, seis delas sem numeração depois da pá-
gina 89, contém o que aconteceu até a enfermidade de Varazze
(1872).132 Um primeiro – frustrado – início diz: “Eu, Pedro José
Enria [...]”; o segundo começa: “Em 1854 [...]”.
3. Memórias parciais, de 26 páginas, dos últimos dias de Dom Bosco
que começam com “1887, 20 de abril” e ficam incompletas.133

Enria, Memoria, 185-196: FDB 935 E4 - 936 A3.


128

Enria, Memoria, 289-292: FDB 937 C12-D3.


129

130
Enria, a testemunha 14 em janeiro-fevereiro de 1893 (P. Stella, Canonizzazione, 119), pre­
parou uma extensa deposição por escrito: cf. ASC A005: Cronachette, Enria: FDB 938 C6 - 939 C5.
131
FDB 931 A12-B3.
132
FDB 931 B4 - 932 D11.
133
FDB 937 D3 - 938 A4.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

4. Memória integrada, de 27 páginas numeradas com números ro-


manos, comenta a recuperação de Dom Bosco de sua enfermidade
em Varazze (1872) e de sua posterior recepção triunfal em Turim
(p. I-XVI),134 ao que segue uma descrição dos “últimos dias de
Dom Bosco” (p. XVII-XXVII).135
5. Estas memórias parciais eram rascunhos, provavelmente para a
crônica de 285 páginas, que começa com as palavras “Pedro José
Enria, nascido em [...]” e abrange os anos 1854-1888.136 Trata-
-se da Memória concluída de Enria. Não é uma crônica, nem um
diário escrito segundo o desenvolvimento dos fatos. Trata-se de
uma série de recordações escritas, entre dores, a pedido do padre
Lemoyne em 1893.137 Com estilo autobiográfico, descreve primei-
ramente como Dom Bosco o acolheu quando a cólera assolou a
cidade.138 Continua escrevendo, como testemunha ocular, sobre a
vida no Oratório; em seguida, Dom Bosco se converte no objeto
real da história. As seções mais amplas e importantes da narrativa
são dedicadas às doenças de Dom Bosco, durante as quais, a partir
de 1871, Enria foi seu assistente. A parte final, p. 234-285, é de-
dicada à última doença de Dom Bosco e sua morte.139 Segue uma
espécie de apêndice intitulado “Fatos ocorridos após a morte de
Dom Bosco” (p. 287-292), onde são recolhidas duas graças rece-
bidas; a segunda, em favor do próprio Enria.140
Ao ver as páginas destas memórias e comparando-as com os primeiros
rascunhos, fica-se impressionado com o esmero do texto e a falta quase total
de correções. Enria precisou lutar dura e longamente neste projeto; redigi-las
não deve ter sido fácil a uma pessoa com pouca formação. Quando se começa
a aprofundar, torna-se muito evidente a incapacidade literária do autor, que
se converte numa dura prova para o tradutor. Mas há força e inspiração em
todas elas. Isso é especialmente inegável na última, a narração de uma teste-
munha ocular da última doença de Dom Bosco e de sua santa morte. Estas
páginas são uma verdadeira prova de piedade filial, de terno amor, de devota

134
FDB 938 A5-B8.
135
FDB 938 B9-C5.
136
FDB 932 D12 - 937 C8.
137
E. Ceria, Profili, 94.
138
A seção inicial da Memoria de Enria, 1-24: FDB 932 D12-E12 + 933 A1-11, pode ser vista
transcrita em P. Stella, Economia, 494-506.
139
FDB 936 D8-937 C8.
140
FDB 938 C9-D2.

595

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Dom Bosco: história e carisma 3

veneração, de quase exagerada humildade e gratidão eterna. A informação de


Enria amplia e aprofunda nosso conhecimento de Dom Bosco.

Antônio Sala
Nota biográfica141
Antônio Sala (1836-1895) nasceu num lar rico. A família era proprietária
de uma fábrica têxtil, da qual Antônio foi gerente aos 20 anos. Mas em 1863,
aos 27 anos, decidiu ir embora com Dom Bosco e os salesianos. O “gigante
gentil”, como chegou a ser conhecido, enamorou-se imediatamente do estilo
de vida espartano do Oratório, dos jovens e de Dom Bosco, em particular. Foi
ordenado em 1869; em seguida, participou das aulas de Teologia Moral no Co-
légio Eclesiástico. Em 1875, Dom Bosco nomeou-o auxiliar do administrador
da Congregação, a quem sucedeu em 1880. Ao desempenhar estes cargos, su-
pervisionou os projetos importantes de construção, em especial, a construção da
igreja de São João Evangelista, em Turim (1878-1882) e a do Sagrado Coração,
em Roma (1884-1888). Foi chamado, depois, para ajudar Dom Bosco na etapa
final de sua doença, em fins de 1887. Abrindo suas memórias, Sala escreve:

Em 29 de dezembro de 1887, parti de Roma [...] em resposta a um telegrama


assim redigido: “Vem sem demora. Dom Bosco está doente”. À noite de 30
de dezembro, eu estava à cabeceira do paciente. Dom Bosco reconheceu-me
[…]. [Eu disse:] “Aqui estou, completamente à sua inteira disposição, e consi-
deraria uma grande graça se puder ser-lhe útil”. “Sim”, respondeu Dom Bos-
co. “Estou contente. Agora meu querido pobre Viglietti pode ter um pouco
de alívio”. Desde esse dia até sua morte, fiquei de guarda para atender ao seu
quarto a qualquer hora, de dia ou de noite. Poderiam precisar de mim para
ajudar a movê-lo de uma cama a outra ou, também, para fazer um turno para
vigiá-lo, o que ficaria muito feliz de fazer.142

A partir desta experiência, padre Sala escreveu seu livro de memórias.


Continuou a servir Dom Bosco, mesmo depois da sua morte. Foi o padre
Sala quem negociou com a prefeitura hostil, para que Dom Bosco fosse se-
pultado numa capela especial na escola salesiana de Valsálice. Depois da mor-
te de Dom Bosco, padre Sala retornou aos assuntos da Congregação com
vigor nunca inferior. Contudo, uma deterioração física geral, devida ao enve-
lhecimento prematuro, acabou com sua vida em 1895.
141
Dados biográficos provenientes de E. Ceria, Profili capitolari 153-162; cf. Dizionario Biogra-
fico dei Salesiani. Turim: Ufficio Stampa Salesiano, 1969, 250.
142
Sala, Memoria, 1f, em ASC A009, Sala: FDB 1222 C5-6.

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

Memórias143
Este manuscrito de nove páginas foi aparentemente escrito apressada-
mente, sem atender à correção da linguagem ou à beleza do estilo. De fato, é
muito difícil de ler.
Em nota inicial, padre Sala especifica a data em que começou suas fun-
ções de enfermeiro, em 30 de dezembro de 1887. Segue uma dúzia de epi-
sódios, alguns dos quais só estão nesta memória. Recolhe também algumas
ocorrências engenhosas de Dom Bosco e algumas de suas valiosas afirmações
não testemunhadas em outros lugares. Os defeitos literários são amplamente
compensados pelo fato de, como o padre Sala indica, tudo ter sido escrito a
partir da experiência direta e pessoal.

Padre Antônio Sala (1836-1895).

143
ASC A009, Sala: FDB 1222 C5-D1.

597

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Dom Bosco: história e carisma 3

Francisco Cerruti e seu memorial144


Francisco Cerruti (1844-1917), aluno da escola do Oratório em 1856 e
companheiro de Domingos Sávio, tornou-se salesiano em 1862. Depois de
obter títulos acadêmicos, desempenhou o serviço de diretor e provincial das
casas da Ligúria. Em 1885, foi nomeado por Dom Bosco conselheiro geral
para as escolas e continuou nesse cargo até sua morte em 1917. É recordado
por ter introduzido o programa da escola de Formação Profissional salesiana
na Itália e em outros lugares.
Sua memória, de cinco páginas, sobre a última enfermidade de Dom
Bosco contém apenas três entradas.145 A última, de 30 de dezembro de 1887,
dedicada principalmente à visita do cardeal Alimonda, arcebispo de Turim, é
de interesse especial.

Informações do padre Rua


Padre Rua, vigário de Dom Bosco com direito de sucessão desde
1884, foi talvez quem mais se preocupou com a situação de Dom Bosco;
foi visitante assíduo durante toda a sua doença. Durante a última crise,
sobretudo, esteve constantemente ao seu lado e ajudou o fundador a dar
sua última bênção.
Não deixou um livro de memórias e crônicas, mas durante a primeira
crise de fins de dezembro de 1887 e início de janeiro de 1888, enviou uma
série de boletins ou relatórios aos irmãos sobre o estado de Dom Bosco em
forma de cartas circulares. Estas oito cartas caligráficas, bem breves, são da-
tadas em dezembro, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de 1887; 2 e 5 de janeiro de
1888.146 Também é de interesse um boletim em francês, de 31 de dezembro
de 1887, sobre a situação de Dom Bosco.147
Estes boletins informam sobre a crise de fins de dezembro, quando a
situação de Dom Bosco era desesperadora, e o período de sua incrível, e ilusó-
ria, recuperação. Não se sabe se foram distribuídos aos irmãos durante a crise
final de Dom Bosco, em fins de janeiro de 1888. Os arquivos não contêm
nenhum deles.

144
Dados biográficos provenientes de E. Ceria, Profili capitolari, 232-255; ver também F. Cer-
ruti, Lettere circolari e programmi di insegnamento. Introduzione, testi critici e note di J. M. Prellezo.
Roma: LAS, 2006, 8-42; R. Ziggiotti, Don Francesco Cerruti. Turim: SEI, 1949; Dizionario Biografico
dei Salesiani, Turim: Ufficio Stampa Salesiano, 1969, 82.
145
ASC A005, Cerruti: FDB 963 A8-12.
146
ASC A024, Malattie: FDB 437 D8, 9, 10, 11, e 12; E1, 3, e 5, respectivamente.
147
ASC A024, Malattie: FDB 437 E2.

598

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Os anos do declínio físico de Dom Bosco (1884-1887)

A biografia de Dom Bosco de Albertotti


Em 1929, veio à luz uma biografia única de Dom Bosco, escrita pelo seu
médico.148 O doutor João Albertotti (1824-1906) era graduado pela Faculda-
de de Medicina da Universidade de Turim. Depois de atuar como médico e
cirurgião durante a Primeira Guerra de Independência da Itália (1848-1849)
e de muitos anos de prática geral, em 1871 foi-lhe oferecido o cargo de mé-
dico residente no hospital psiquiátrico de Turim, ou seja, o “asilo de loucos”,
que ficava perto do Oratório. Nos anos setenta, também foi professor assis-
tente de psiquiatria na universidade. Como contou ao seu filho, o trabalho
no hospital mental não era muito exigente e tinha muito tempo à disposição.
De fato, estava pensando em retornar à medicina geral. Em seguida, des-
cobriu o Oratório, começando assim seu relacionamento permanente com
Dom Bosco e os salesianos, como médico e amigo fiel. Como ele mesmo
descreve, em fins de julho de 1871, durante um passeio pela região, passou
pelo Oratório no momento do recreio dos meninos e teve a curiosidade de
perguntar sobre a instituição. Padre José Lazzero, vice-diretor nesse momen-
to, satisfez sua curiosidade. O doutor Albertotti começou a visitar o Oratório
de forma intermitente até 1875, momento em que se tornou médico familiar,
tanto para os salesianos como para as Filhas de Maria Auxiliadora, que viviam
ao lado. Começaram as visitas diárias regulares.149
Era natural que Dom Bosco, depois de recuperar-se da enfermidade em
Varazze em 1872, fosse objeto de sua especial preocupação. Albertotti foi o
médico assistente durante as enfermidades posteriores. A última delas em
particular, embora o padre Rua não deixasse de dirigir-se a outros médicos
para contínuas consultas.150

148
Chi era Don Bosco, ossia Biografia fisio-psico-patologica di Don Bosco, scritta dal suo medico
Dott. Albertotti Giovanni, pubblicata dal figlio Giuseppe Albertotti. Gênova: Poligrafica San Giorgio,
1929. 100 p., introdução do filho, p. 7-29; texto do médico de Dom Bosco, p. 33-100.
149
G. Albertotti, Chi era, 9-12, segundo o testemunho de seu filho.
150
Os médicos consultados, cuja opinião sobre o estado de Dom Bosco foi de grande impor-
tância, foram José Fissore, desde 1871, Celestino Vignolo-Lutati, durante os anos oitenta, e, em grau
menor, Tomás Bestente, em sua última enfermidade. Fissore e Vignolo, especialistas em seus campos,
parece que tiveram um papel importante durante a última enfermidade. José Fissore era “professor de
medicina interna na universidade de Turim e um dos mais estimados médicos da cidade” (G. Alber-
totti, Chi era, 79). Em 1871, quando Dom Bosco caiu gravemente enfermo em Varazze, padre Rua
fez com que consultasse um cirurgião local, o doutor Carattini. Durante a última enfermidade, Fissore
assumiu um papel sempre mais decisivo; parece, de fato, ter sido o porta-voz da equipe médica. Ce-
lestino Vignolo-Lutati (1838-1924) era muito unido aos salesianos; seu nome aparece também como
Vignola-Luzzati, mas a maioria das vezes como Vignolo. Os Vignolo tinham relação com os Viglietti.
O secretário de Dom Bosco, Carlos Maria Viglietti, era sobrinho do médico. Dom Bosco tinha grande
amizade com as duas famílias. O mais significativo é que Vignolo era um especialista no campo das

599

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Dom Bosco: história e carisma 3

Há que se desconfiar das interpretações psicológicas de Albertotti, por-


que sua formação em Psicologia e Psiquiatria fora dentro da tradição materia-
lista. Estava, também, sob a influência de seu contemporâneo, doutor César
Lombroso, professor de medicina forense, psiquiatria e antropologia criminal
em Turim. Albertotti compartilhava a teoria de Lombroso de que o compor-
tamento humano, o criminal em especial, é produto da herança, do atavismo
e da degeneração. Portanto, suas interpretações das experiências da vida e do
estado de Dom Bosco tendem a ressaltar as causas físicas.151
Outros aspectos da biografia, como a avaliação do estado de saúde de
Dom Bosco, a natureza da doença etc. ou seus comentários sobre a condição
física de Dom Bosco, são obviamente de grande interesse.

doenças bronco-pulmonares. Uma revista profissional fala dele como “o melhor especialista médico de
seu tempo e inspetor dos serviços de saúde para todos os hospitais de Turim”. Tomás Bestente (Bestenti)
fora estudante no Oratório em 1866-1867; quando entrou na faculdade de medicina, abandonou as
práticas religiosas. Em 1881, Dom Bosco encontrou-se com ele no hospital geral, onde Bestente era
médico residente, reconheceu-o, convidou-o para jantar e “o recuperou”. Durante a última enfermidade
de Dom Bosco, Bestente parece ter tido um papel menor, porque era o mais jovem da equipe médica.
Mas, como era médico do departamento de saúde pública da cidade, serviu de instrumento para obter
a permissão do sepultamento especial de Dom Bosco em Valsálice. Ver M. Molineris, Vita episodica di
Don Bosco. Castelnuovo Don Bosco, ISBS, 1974, 421-432.
151
Apenas um exemplo: “Geneticamente, Dom Bosco era dotado de uma constituição física
bastante forte. O tipo do seu crânio, preeminente na região do Piemonte, era braquicefálico. O de-
senvolvimento prematuro do sistema cérebro-espinhal, assim como o sistema muscular, que herdou
principalmente de sua mãe, [...] foi um fator determinante”. E apresenta as medidas do crânio de Dom
Bosco: “Circunferência: 550 mm; diâmetro posterior basal: 190 mm; diâmetro transversal basal: 170
mm; um grau considerável de oxicefalia” (G. Albertotti, Chi era, 80, 98). O portador de oxicefalia
possui uma deformidade parietal que produz uma espécie de efeito doloroso no alto da cabeça.

600

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Capítulo XV

ÚLTIMA ENFERMIDADE E MORTE


DE DOM BOSCO

Dom Bosco estava a morrer, deitado imóvel em sua pequena cama de


ferro, rodeado pelos seus filhos devotos. Era o dia 31 de janeiro de 1888.

Pela 1 e 45 da madrugada começou a agonia. Padre Rua e dom Cagliero


recitavam as orações rituais. O estertor da morte prolongou-se até as 4 e 45.
Então, quando soava o Ângelus dos sinos de nossa igreja [de Maria Auxilia-
dora], a respiração cansada de Dom Bosco aquietou-se. Meio minuto depois
estava morto. Foi para o paraíso!1

Com estas simples e emotivas palavras, Viglietti, principal comentarista dos


últimos anos de Dom Bosco, finaliza a crônica da última enfermidade do fun-
dador, indicando com precisão as circunstâncias da morte. Para reconstruir os
últimos dias da vida de Dom Bosco seguimos, aqui, principalmente, o seu relato.

1. Última enfermidade e santa morte


A última enfermidade de Dom Bosco mais do que uma nova doença era,
na verdade, uma recaída fatal de sua já crônica situação cardiopulmonar com
sintomas que se agravaram e com sérias complicações.
Depois de regressar de seu passeio habitual, na tarde de 20 de dezembro
de 1887, foi para a cama para nunca mais deixá-la, entrando assim no último
e fatal episódio da enfermidade que o perseguira desde 1846; talvez, mesmo
antes, em sua época de estudante.
Em 1846, quando Dom Bosco não tinha 35 anos, contraiu uma bron-
quite aguda que degenerou em broncopneumonia. Dessa forma, ainda jovem

1
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 40-41, 31 de janeiro de 1888: FDB 1227 D8.

601

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Dom Bosco: história e carisma 3

sacerdote, desenvolvera uma doença do aparelho respiratório que, ao pio-


rar progressivamente, causou as repetidas recaídas, sendo os casos de 1871 e
1884 os mais graves.
Em 1967, como conta Molineris,2 o cirurgião e professor de medicina,
doutor J. Gucci, estudou o histórico médico de Dom Bosco a partir dos rela-
tos existentes. Os sintomas registrados levaram-no à convicção de que Dom
Bosco desenvolvera um caso grave de enfisema.3
Nos anos 1887 e 1888, a oxigenação do sangue na rede alveolar dos
pulmões chegou a ser tão reduzida, que foram gravemente afetadas também
as funções de outros órgãos vitais, concretamente o coração, o fígado e os
rins. Era essa a condição de Dom Bosco quando se pôs de cama em 20 de
dezembro de 1887.
Em 1o de janeiro de 1888, depois de dez dias acamado, Dom Bosco
experimentou uma sensível diminuição dos sintomas habituais. Correu a voz
de que se recuperara. Na verdade, a diminuição dos sintomas não era mais do
que um alívio temporário por causa do repouso, desesperadamente necessita-
do. O repouso permitiu que o músculo cardíaco recuperasse força, a circula-
ção melhorasse, o pulso se estabilizasse, diminuísse a cianose e melhorasse a
dificuldade de respiração. Mas era apenas questão de tempo.
O doutor Fissore chegara quase ao mesmo diagnóstico em 30 de dezem-
bro de 1887, precisamente quando Dom Bosco estava se recuperando. Conta
M. Saint-Genest, que o entrevistara para o jornal Le Figaro, de Paris:

Acompanhei [o padre Celestino Durando] a uma sala de espera onde os mé-


dicos, o doutor Fissore e o doutor Albertotti, estavam consultando. Dirigi mi-
nha pergunta ao doutor Fissore, que me respondeu: “Dom Bosco está numa
situação desesperada; não temos qualquer esperança de que se recupere. Sofre
de uma doença cardiopulmonar e lesões no fígado, com complicações que
afetam a medula espinhal com a consequente paralisia das extremidades in-

M. Molineris, Don Bosco inédito, 312-318, 323-330, 332-337; Idem, Vita episodica, 421-445.
2

O enfisema é um tipo de doença pulmonar obstrutiva crônica, que envolve lesões nas pequenas
3

bolsas de ar dos pulmões (alvéolos). Como consequência, o corpo não recebe o oxigênio necessário. O
enfisema torna difícil a tomada de ar. Também pode produzir tosse crônica e dificuldade para respirar,
pois com o enfisema, os alvéolos são parcialmente destruídos e, por isso, diminui a ventilação pulmo-
nar e a respiração se vê gravemente afetada. A insuficiência respiratória causa os sintomas descritos
nos diversos surtos da doença: tosse profunda e dolorosa, asma, extremidades edematosas (inchaço
das pernas e dos pés), dores reumáticas, cianose (coloração azul), pulso fraco ou irregular, com outras
complicações relacionadas com o coração por causa da diminuição do fluxo do sangue no miocárdio.

602

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

feriores. Já não pode falar. Seus rins e pulmões também estão afetados. Por aí
se vê porque não há esperança”. “E a que o senhor atribui esta enfermidade?”
“Nenhuma causa imediata é responsável por isso. É, sobretudo, o resultado
de uma deterioração física geral, produzida pela vida de trabalho excessivo e
agravada por contínuas pressões.”4

Em sua biografia, doutor Albertotti se expressa com termos semelhantes.

Em novembro de 1887, a enfermidade que já afetara o coração, os pulmões


e os rins, tornou-se pior. Esta última etapa foi marcada por uma proporção
preocupantemente elevada de albumina na urina, quase todos os dias. Sua
coluna vertebral estava tão frágil que não podia sustentar-se. Por isso, ele
tinha, literalmente, que ser levantado da cama; e, apesar de um breve pe-
ríodo de recuperação ilusória, esteve em seu leito de enfermo até o dia de
sua morte.5

Os médicos, por isso, inclusive Albertotti, concordavam sobre a natu-


reza da enfermidade de Dom Bosco e a causa de sua morte. Dom Bosco, na
verdade, nunca fora vítima de uma verdadeira doença cardíaca. No histórico
médico da família não havia problemas de coração. Como explica Gucci, foi
mais um tipo de pneumonia comum em pessoas debilitadas, prostradas na
cama, pessoas de idade que sofrem de doença crônica broncopulmonar. No
caso de Dom Bosco, foi a última etapa da doença, uma pneumonia hipostáti-
ca, que se diferencia da pneumonia comum em que as causas são a congestão
causada pela má ventilação pulmonar e o músculo cardíaco debilitado. É
irreversível, mesmo tratando com antibióticos, precisamente pela condição
do músculo cardíaco, que pode chegar até a paralisia.
Sendo assim, a declaração do doutor Albertotti no momento de fechar
o caixão é certamente desconcertante; ele afirmou que Dom Bosco morrera
de “mielite progressiva”.

4
O original francês, em Documenti XLIV, 687-688: FDB 1194 A3f., foi traduzido e inserido na
edição do Boletim Salesiano da crônica de Viglietti sobre a última enfermidade de Dom Bosco (C. M.
Viglietti, Cronaca corretta 1886-1896: FDB 1230 E9-10). Saint-Genest acrescenta que Dom Bosco,
ao perceber a presença do repórter, pediu-lhe que entrasse, para agradecer-lhe pela sua anterior amabi-
lidade. Escreve: “O quarto de Dom Bosco parecia a cela de um monge. Estava deitado numa humilde
cama de ferro, pequena. A expressão de seu rosto era doce, quase angelical. Olhou-me com bondade e
tentou sorrir. Com grande esforço, pegou minha mão. Percebi que seus lábios se moviam e que estava
procurando falar comigo. Inclinei-me sobre ele e, de perto, quase inaudível, sussurrou-me ao ouvido:
Obrigado por ter-me vindo ver. Reze por mim”.
5
G. Albertotti, Chi era, 78. FDB 533 B12.

603

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Dom Bosco: história e carisma 3

Eu, abaixo-assinado, doutor João Albertotti, certifico que o mui reverendo


padre João Bosco morreu [...] de mielite progressiva; e que, com o doutor
Tomás Bestente, fui testemunha de que seu corpo foi posto no caixão [...], e
sigilado de acordo com as regulamentações do departamento de Saúde Públi-
ca. Turim, 2 de fevereiro de 1888.6

Último retrato de Dom Bosco, pelo fotógrafo


Carlos Félix Deasti (Turim, 6 de dezembro de 1887).

Esclareça-se que não foi comprovada a verdadeira natureza da paralisia


da coluna vertebral de Dom Bosco. O mesmo Albertotti, na biografia, vincu-
lou-a à enfermidade de Varazze, de 1871, que teve origem broncopulmonar,
com complicações. É possível, então, que aludisse ao estado da medula espi-
nhal de Dom Bosco, a mielite, dando-a como causa da morte, com a finalida-
de de neutralizar os rumores maliciosos difundidos pela imprensa anticlerical
de que Dom Bosco estava doente de uma doença venérea.7

“Morto [...] in seguito a mielite lenta”: FDB 754 B4. “Mielite” é a inflamação da medula espinhal.
6

7
Uma insinuação nesse sentido aparece pela primeira vez no jornal de Turim La Gazzetta del
Popolo, acolhida logo por uns cinquenta jornais italianos. Relato e comentários em MB XVI, 346s.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Lady Herbert de Lea, baseando-se na declaração de Albertotti, reali-


zada talvez numa etapa anterior à enfermidade, escrevia no The Tablet, de
Londres, um perfil de Dom Bosco com a seguinte advertência: “Dói-nos
dizer que recebemos as mais alarmantes informações sobre a saúde de Dom
Bosco, que jaz gravemente enfermo na casa-mãe dos salesianos de Turim.
Está sofrendo de tuberculose da coluna vertebral”.8

Primeira crise: de 20 a 31 de dezembro


Enria, avisado para que estivesse preparado para assistir Dom Bosco en-
fermo em seu quarto, escreve:

Um dia antes de Dom Bosco precisar acamar-se definitivamente, ele disse


ao padre Viglietti: “Vê e diz a Enria que não trabalhe muito pesado nem se
canse, caso contrário não me poderá ajudar ao longo das noites que deverá
passar junto à minha cama”. O querido pai! Estava mais preocupado com
o bem-estar de seus filhos do que consigo mesmo. Sabia muito bem que eu
não tinha outro desejo do que estar junto dele até o dia de sua morte. Deus
[sabe] que era esse o meu desejo desde o momento em que tive a sorte de vir
ao Oratório. É certo que no Oratório havia pessoas muito mais dignas do que
eu, por virtude e espírito de sacrifício. Mas Dom Bosco me escolheu e sempre
me amou, apesar de ser o mais indigno de seus filhos. Leu meu coração e sabia
que eu, de muito boa vontade, daria minha vida pela dele.9
No primeiro dia em que se viu obrigado a ficar acamado foi um dia de luto
para todos. À tarde, seu estado era muito pior. Foi assim que comecei a passar
a noite toda junto à sua cama. Foi uma noite dolorosa. O querido pai tinha
muitas dores. Não conseguia descansar, qualquer que fosse a posição tomada.
Seu sofrimento deve ter sido insuportável [...]. E, contudo, nem uma só vez
se queixava. Dizia-me: “Meu querido Enria, tem paciência comigo, porque
terás que passar muitas noites em claro; mas o Senhor te recompensará abun-
dantemente pelo serviço de caridade que me prestas”. Ao ouvir estas palavras,
pensei que meu coração arrebentasse. Respondi-lhe: “O que está a dizer, re-
verendo pai? Minha ajuda não é nada, minha vida inteira não seria suficiente
para devolver-lhe um pouco de todo o bem que o senhor me fez. Se minha
vida fosse suficiente para devolver-lhe a saúde, estou disposto a oferecê-la a
Deus pelo senhor, como muitos de meus companheiros fizeram em 1871”

8
The Tablet, sábado, 31 de dezembro de 1887, 1058.
9
Enria, Memoria, 258-259: FDB 937 A5-6.

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Dom Bosco: história e carisma 3

[...]. Apesar de estar tão mal, Dom Bosco recebia a santa comunhão todas as
manhãs. Padre Viglietti celebrava a santa missa no altar particular erguido no
quarto ao lado. A porta era aberta e, assim, Dom Bosco podia ver e ouvir o sa-
cerdote. Com que recolhimento ele assistia a santa missa e com que fé rezava
na elevação da hóstia! Quando adorava Jesus no santíssimo sacramento, Dom
Bosco parecia inflamado pelo fogo do amor sagrado. Ao receber a sagrada
comunhão, parecia já não estar neste mundo. Eu ficava ajoelhado junto à sua
cama e observava todos os seus movimentos. Posso testemunhar que nesses
momentos, Dom Bosco parecia absorto no céu.10

Enria e Viglietti estiveram vigilantes dia e noite, até o fim. A primeira


anotação de Viglietti nesse período também relata uma nota infausta.

Dom Bosco está gravemente doente. Tem frequentes períodos de vômitos.


Temos dúvidas quanto ao que lhe dar de comer. Não pode nem sequer sentar-
-se na cama. Cansa-se terrivelmente para tomar alimento e tem febre. Esta
tarde, o médico assustou a todos nós; nesta situação, não deu a Dom Bosco
mais do que quatro ou cinco dias de vida. Eu fico ao seu lado e o observo dia
e noite. Contudo, não está por nada perturbado; até brinca comigo. Como
insisto em apoiar-lhe a xícara de sopa, responde-me: “Suponho que a queres
para ti”. Só pode engolir gelatina e algum gole de líquido. Mas insistiu que
lesse o jornal para ele e olhasse o correio especial e as cartas registradas.11

Exames médicos e pedido de Dom Bosco para estar preparado


À noite de 21 de dezembro, Viglietti deu-lhe de comer com a colher
alimentos líquidos frios. Dom Bosco experimentou algum alívio.

Às 7 e 45, tranquilizou-se e pôde falar com maior facilidade; tomou um pou-


co de gelo picado, um pouco de café gelado, alguns goles de líquido. Às 8 e
meia, tomou uma xícara de sopa de purê. Parecia consideravelmente aliviado.
Disse-me: “Esta tarde, por volta das 4 da tarde, pensei que não me faltava
mais nada para morrer”. “Perdi contato com a realidade. Agora estou muito
melhor”. Depois de tomar a sopa, brincou: “Viglietti, dá-me um pouco do
café gelado e assegura-te que está bom e quente”. E pôs-se a rir.
Esta manhã, 22 de dezembro, às 11 e meia, chegou o doutor Vignolo, que fez
um exame minucioso, de uma hora de duração, de todo o corpo do paciente.

10
Enria, Memoria, 260-262: FDB 937 A7-9.
11
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VII, 75-76, 21 de dezembro de 1887: FDB 1227 B7-8.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Receitou-lhe um caldo de extrato de carne e ele mesmo o preparou. Dom


Bosco queria tomá-lo, embora com repugnância. O doutor garantiu-nos que
não havia qualquer razão para ainda ter medo. Deixou-nos muito mais tran-
quilos e, especialmente, deixou tranquilo o seu sobrinho.12

Dom Bosco, entretanto, não se deixou enganar. Sua condição agravou-


-se no dia seguinte. O enfermo sabia como estava e queria que alguém esti-
vesse preparado para administrar-lhe os últimos sacramentos.

Disse-me: “Viglietti, vê que não sejas o único sacerdote a estar aqui. Preciso
que haja alguém preparado para administrar-me os santos óleos”. Garanti-
-lhe: “Dom Bosco, o padre Rua está sempre no quarto ao lado. Em todo caso,
o senhor não está tão mal para falar dessa maneira”. Dom Bosco insistiu:
“Sabe-se na casa que estou tão gravemente enfermo?”. “Sim, Dom Bosco”,
respondi-lhe. “Todos os salesianos sabem do seu estado; não só na casa, mas
em todas as casas do mundo todo; todos estão rezando pelo senhor”. “Para
que me cure?”, murmurou Dom Bosco: “Eu vou para a eternidade”. Dito
isto, Dom Bosco comove-se e começa a chorar. Tem um aspecto distante.
Dirigiu-se novamente a mim: “Faze com que esteja tudo preparado para o
santo viático. Somos cristãos e devemos oferecer de bom grado a Deus a pró-
pria existência” [...].
E acrescentou: “Transmite minhas saudações a tua mãe e diz-lhe que se esfor-
ce por educar sua família de modo cristão. Pede-lhe, também, que reze por
ti, para que sejas sempre um bom sacerdote e instrumento para a salvação de
muitas almas”.
Padre Bonetti entrou. Dom Bosco levantou a mão em sinal de saudação e
falou-lhe carinhosamente com lágrimas nos olhos. Dom Bosco repete com
frequência o pedido para que tudo esteja preparado para a administração da
unção. Disse-o ao padre Rua e comentou: “É certo que tenho aqui esta boa
peça”, e indicou-me: “mas gostaria que houvesse mais alguém aqui comigo”.
Às 2 da tarde, piorou. Voltou-se para mim: “Viglietti, certifica-te de dizer
a teu amigo, o senhor Luís [Martí-Codolar] que não se esqueça de nossos
missionários e diz-lhe que sempre recordarei a ele e a sua maravilhosa família.
Peço a todos vós que rezeis por mim. Dize a todos os teus companheiros e
irmãos que orem por mim para que eu possa morrer na graça de Deus. Não
peço mais nada”.

12
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VII, 77-78, 21-22 de dezembro de 1887: FDB 1227 B8.
Recorde-se que Viglietti era sobrinho do doutor Vignolo.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Disse a dom Cagliero: “Entendeste o que deves dizer ao Santo Padre, a razão
pela qual deve proteger as missões? Com a proteção do Papa, irás à África,
atravessarás a África; depois, entrarás na Ásia, na Tartária etc.” [...]
Às 4 e meia, os doutores Vignolo e Fissore iniciaram um prolongado exame
médico [...]. Os médicos não encontraram nada de preocupante em seu or-
ganismo. Há esperanças, desde que o paciente possa ingerir alimentos. Neste
momento, o estado de Dom Bosco parece um pouco melhor. O doutor Vig-
nolo quis provar a força de Dom Bosco e pediu-lhe que apertasse sua mão tão
forte quanto pudesse. Dom Bosco avisou-o com um sorriso: “Veja que vou
causar-lhe algum mal; acredite”. “Aperte, aperte!”, respondeu o médico. Dom
Bosco o fez e o médico retirou logo a mão, impressionado com sua força.
Às 5 da tarde, veio o confessor de Dom Bosco, padre Giacomelli, e ficaram
sozinhos por três minutos; estava tudo em ordem.13

Enria recorda que era preciso obrigar Dom Bosco a tomar os remédios
prescritos. Se os tomava, dizia: “Quando são tomados com reta intenção pode
ser que haja algum resultado”. E, anota Enria: “Era evidente que os remédios
já não faziam qualquer efeito”. Em seguida relata um episódio interessante.

Certa noite, Dom Bosco disse-me: “Acho que gostaria de tomar um copo de
leite”. “Não tenho nada de leite aqui no quarto”, respondi-lhe, “porque o mé-
dico o proibiu e foi eliminado”. Mas, insistiu: “Realmente, acredito que beber
um pouco de leite me faria muito bem”. “Se realmente o quer”, respondi-
-lhe, “irei e trarei algo em seguida”. “Mas, como vais conseguir agora quando
todas as portas estão fechadas à chave?”. “Eu vou me preocupar com isso; já
as conseguirei”. Coloquei o remédio e um pouco de água sobre a mesa de
cabeceira e saí. Corri com toda pressa até o estábulo, despertei o encarregado
e pedi-lhe um pouco de leite para nosso querido pai. Quando Dom Bosco
me viu de volta tão depressa com um copo de leite, riu gostosamente. Depois,
me disse: “Pobre Enria, quantas preocupações tens por minha causa! Podes
estar certo de que o Senhor te recompensará generosamente. De minha parte,
recomendo-te em minhas orações ao Senhor e a Maria Auxiliadora”. Quem
não se comoveria diante de palavras tão ternas? Quão agradecido se mostrava
nosso bom pai por qualquer pequeno serviço que lhe fosse prestado! Sentia-
-me tão eufórico, que desejava dar a vida por ele.14

13
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VII, 78-80, VIII, 3-6, 23 de dezembro de 1887: FDB
1227 B9 - C3.
14
Enria, Memoria, 264-265, FDB 937 A11-12.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Santo viático e unção dos enfermos


No dia anterior ao Natal, bem cedo, Dom Bosco recebeu o santo viático
administrado solenemente por dom Cagliero. Enria escreve:

Com que fé esperava por Jesus nesta manhã. Estava tranquilo e sereno, oran-
do o tempo todo com grande confiança. Enquanto isso, na igreja de Maria
Auxiliadora, os coroinhas e o clero preparavam-se para a solene administração
do santo viático.15

Em sua entrada, Viglietti acrescenta alguns detalhes e também dá uma


informação importante.
Às 7 e meia faziam-se os preparativos para a administração do santo viático.
Dom Bosco, com lágrimas, suplicou ao padre Bonetti e a mim: “Por favor,
ajudai-me a receber Jesus dignamente. Estou confuso”. E rezou: “Em tuas
mãos, Senhor, entrego o meu espírito”. Chegou a procissão com dom Cagliero
acompanhado solenemente pelo pequeno clero e pelos sacerdotes e clérigos da
casa que puderam participar e todos os jovens. Dom Bosco começou a cho-
rar; revestido com a estola, parecia um anjo. Que cena tão comovedora e que
momento mais solene! Todos choravam abertamente; também o bispo […].
Às 10 e meia, os médicos vieram e o examinaram. O estado de Dom Bosco
parece ter melhorado [...]. Os vômitos foram diminuindo desde ontem à tar-
de. Desde esta manhã, deu-se uma notável melhora. Dom Bosco respira com
mais facilidade; não temos a preocupação de ontem. Dorme e parece descan-
sar tranquilamente. Ainda não recuperou forças e não fala. Mas às 6 [falou-
-me e disse:] “Pobre Viglietti, não tinhas ideia do que era cuidar de doentes,
verdade? Eu não sei o que dizer nem o que fazer”.
Às 10 da noite, chamou o padre Rua [e disse]: “Quisera que esta noite houvesse ao
meu lado outro sacerdote com o padre Viglietti. Temo não chegar até amanhã”.
Às 10 e meia, Dom Bosco me disse: “Padre Viglietti, vai buscar em meu es-
critório e encontrarás um pequeno livro com minhas memórias. Sabes a que
livro me refiro. Pega e entrega-o ao padre Bonetti, porque não gostaria que
caísse nas mãos de qualquer um”.
Às 11, dom Cagliero administrou-lhe a santa unção. Dom Bosco não falava
de outra coisa senão da eternidade.16

Enria, Memoria, 268-269, FDB 937 B3-4.


15

C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 6-9, 24 de dezembro de 1887: FDB 1227 C3-4. O
16

pequeno livro mencionado no último parágrafo é o chamado Testamento Espiritual.

609

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Dom Bosco: história e carisma 3

Os boletins do padre Rua aos salesianos


Em um boletim, ou carta circular, de 26 de dezembro, padre Rua infor-
mava aos irmãos:

Os jornais já publicaram a notícia de que Dom Bosco está gravemente enfer-


mo. Infelizmente, só posso confirmar a triste notícia.
A crise começou no dia 6 deste mês quando, para seu grande pesar, viu-se
obrigado a deixar de celebrar a missa. Fez uma exceção no domingo seguinte,
quando insistiu em celebrá-la. Conseguiu concluí-la com esforços extremos.
Suas doenças crônicas se agravam a cada dia que passa. Na terça-feira passada,
20 de dezembro, ainda o vimos na refeição do meio-dia, como de costume;
depois dela o levamos para um passeio no coche. Mas não podia caminhar so-
zinho; tivemos de levá-lo numa poltrona do seu quarto até o coche e o mesmo
na volta do passeio. Na quarta-feira, por ordem do médico, ficou acamado; o
médico temia que pegasse uma bronquite. Entre quinta e sexta-feira, sua con-
dição piorou a ponto de temermos pela sua vida. Este estado crítico persistiu
nos dias seguintes. Ele mesmo pediu o santo viático, que lhe foi administrado
com toda solenidade por dom Cagliero [...]. No sábado, à noite, vendo que
seu estado piorava, pediu que lhe fossem administrados os santos óleos [...].
Enquanto escrevo estas linhas, sua condição parece menos grave, mas conti-
nua a ser crítica. Os médicos ordenaram que fosse mantido em total tranqui-
lidade e proibiram as visitas de qualquer tipo, também dos irmãos desta casa,
salvo os poucos que se encarregam de cuidar dele.17

O boletim enviado no dia seguinte continua muito cauteloso:

Lamentavelmente, não posso informar sobre uma melhora do estado [de


Dom Bosco]. Pelo contrário, esta manhã os médicos descobriram que seu es-
tado se deteriorou um pouco, apesar de ter podido dormir um pouco durante
parte da noite [...].
P. S.: A enfermidade de nosso amado pai foi diagnosticada pelos médicos
como “doença cardiopulmonar”. Isso se soma à cérebro-espinhal, que foi se
desenvolvendo aos poucos com o passar dos anos.
O último exame médico acaba de ser concluído, 6 da tarde, revelando que o
desenlace final da doença ainda é incerto; mas não houve retrocesso.18

17
Rua, Queridos irmãos, 26 de dezembro de 1887: FDB 437 D8.
18
Rua, Queridos irmãos, 27 de dezembro de 1887: FDB 437 D9.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Embora o padre Rua, como era de esperar, se expressasse com cautela,


segundo Viglietti parecia que com o viático e a extrema unção começou um
período de recuperação. No dia depois do Natal, Dom Bosco sentia-se me-
lhor. Viglietti escreve:

Às 10 e meia, os médicos examinaram Dom Bosco e constataram que sua


condição melhorara. Disse-me: “Esperemos e vejamos o que o conhecimento
e a experiência de três médicos são capazes de conseguir”.
Às 4 e quarenta e cinco, chegou o cardeal para despedir-se antes de partir para
Roma. Chorava como uma criança; abraçou e beijou Dom Bosco várias vezes
e, depois, deu-lhe sua bênção.19

Na anotação de 27 de dezembro, memória de São João Evangelista, dia,


de fato, do onomástico de Dom Bosco, Viglietti descreve certa atividade não
usual ao redor do paciente.

Às 12 da noite, precisou submeter-se a certo tratamento, com a presença do


doutor Albertotti. Padre Bonetti e eu... o giramos tanto... que quase cai da
cama... sua cabeça apoiava-se sobre meu peito. Chamei o padre Rua, o padre
Leverato e o padre Belmonte. Discutia-se entre nós e o médico sobre como
nos devíamos colocar para transferi-lo para outra cama... Veja, disse Dom
Bosco, deve-se fazer assim: amarrai uma boa corda ao pescoço e puxai-me
da cama. O translado foi um desastre [...]. Dom Bosco achou-o engraçado
[…]. Quando soube que a nova cama em que estava era a minha, começou
a se preocupar de que eu ficasse sem cama. Às 4 e meia, com melhor resul-
tado e com a ajuda de Buzzetti e José Rossi, foi transferido novamente à sua
própria cama.20

Viglietti observa o grande interesse pelo estado de Dom Bosco na im-


prensa e entre o povo. Descreve principalmente as orações e os exercícios
religiosos oferecidos em todas as partes pela sua recuperação. E acrescenta:
“Apesar de ter sido pedido várias vezes a Dom Bosco para que rezasse a Deus
pela sua cura, ele sempre se negou. Respondia: Que se faça em mim a von-
tade de Deus santo”. Mais adiante, escreve: “Dom Bosco insiste para que os

C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 10, 26 de dezembro de 1887: FDB 1227 C5.
19

C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 11-12, 27 de dezembro de 1887, FDB 1227 C5-6.
20

Embora o dia de São João Evangelista fosse o dia onomástico de Dom Bosco, prevaleceu o costume de
celebrá-lo em 24 de junho, festa de São João Batista. Não está claro que tipo de tratamento ele preci-
sou naquela noite. Provavelmente foi examinado o penoso aumento ou dor na base da espinha dorsal;
talvez o mesmo que mais tarde exigiu uma intervenção cirúrgica.

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Dom Bosco: história e carisma 3

médicos lhe digam a verdade sobre seu estado. Saibam os senhores que eu não
tenho medo”, e declara. “Estou em paz e pronto para partir”.21
Em seu boletim de 28 de dezembro aos irmãos, padre Rua fala com es-
perança de sinais de recuperação. Mas se apressa a acrescentar que, segundo
os médicos, “a melhora poderia ser apenas temporária”.22 E, de fato, Viglietti
fala de uma recaída nessa mesma noite.

Esta noite, Dom Bosco passou muito mal, a ponto de temer que chegara a
sua hora. Fez-me buscar o padre Rua e dom Cagliero. Disse-lhes: “Prometei-
-me que vos amareis uns aos outros e caminhareis uns com os outros como
irmãos”. Citando, concluiu: “Carregai as cargas uns dos outros. Mostrai uns
aos outros o exemplo das boas obras. O auxílio de Deus e de Maria Santíssima
não vos faltará. Recomendai a recepção frequente da comunhão e a devoção a
Maria Santíssima. Pedi a todos que orem pela minha salvação eterna”. Às 10,
recebeu a bênção papal de dom Cagliero e fez com que o bispo recitasse por
ele o ato de contrição. Disse-lhe: “Difunde a devoção à Santíssima Virgem
na Terra do Fogo. É inimaginável o número de almas que Maria Auxiliadora
deseja ganhar para o céu através dos salesianos”.
Padre Bonetti pediu a Dom Bosco uma lembrança para as Irmãs [salesia-
nas]. Dom Bosco respondeu-lhe: “A obediência. [Diz-lhes] que pratiquem
a obediência e que a façam praticar” [...]. À 1 da madrugada pediu alguma
coisa para beber. Foi-lhe negado devido aos vômitos contínuos. E ele disse,
então: “Precisamos pagar por um gole de nossa própria água”. E acrescen-
tou: “É preciso aprender a viver e é preciso aprender a morrer. As duas coisas
são importantes”.23

O cardeal Alimonda, que o visitava com frequência, foi vê-lo no dia 26


de dezembro, antes de viajar para Roma, de onde perguntava periodicamente
pela situação de Dom Bosco. Ao regressar de Roma, foi vê-lo novamente. Pa-
dre Cerruti fala em seu pequeno livro de memórias de uma visita do cardeal
em 30 de dezembro. Dom Bosco, como muitos santos em ponto de morte,
parece ter experimentado certa ansiedade quanto à sua salvação.

21
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 13 e 15, 28 de dezembro de 1887: FDB 1227 C6 e 8.
22
Rua, Queridos irmãos, 28 de dezembro de 1887: FDB 437 D10.
23
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 17-19, 29 de dezembro de 1887: FDB 1227 C8-9.
As frases são citadas em latim: “Carregai as cargas uns dos outros” [...], “Alter alterius onera portate [...]”
[Gl 6,2]; “Mostra-te em tudo” [...], “In omnibus teipsum praebe exemplum bonorum operum” [Tt 2,7];
“Devemos pagar [...]”, “Aquam nostram praetio bibimus” [Lm 5,4].

612

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Às 4 e 15 da tarde, sua eminência o cardeal Alimonda foi levado ao quarto do


paciente. Colocou seus braços ao redor de Dom Bosco e beijou-o ternamente.
Era uma cena das mais comovedoras. Dom Bosco tirou o gorro de dormir e as
primeiras palavras que falou com o cardeal foram: “Recomendo minha alma a
suas orações”. Em seguida, acrescentou: “Recomendo-lhe a minha congrega-
ção, também”, e começou a chorar. Com palavras de consolo, sua eminência
falou-lhe da conformidade com a vontade de Deus e da confiança em Deus,
recordando a Dom Bosco que ele havia trabalhado duro e longamente a ser-
viço de Deus. Enquanto isso, o cardeal observando que Dom Bosco ainda
estava com o gorro nas mãos, pegou-o e colocou-o na cabeça de Dom Bosco.
Dom Bosco sentiu-se profundamente comovido com o gesto. E disse: “Fiz
tudo o que pude; e agora, que Deus faça sua vontade. [...] Tempos difíceis,
eminência! Passei por momentos difíceis. […] Mas a autoridade do Papa, a
autoridade do Papa! Acabo de dizer a dom Cagliero que diga ao Santo Padre
que os salesianos existem para defender a autoridade do Papa”. Havia uma
inflamada veemência em suas palavras. Dom Cagliero, que estava aos pés da
cama, respondeu: “Sim, meu querido Dom Bosco, esteja certo de que cum-
prirei seu pedido junto ao Santo Padre”. O cardeal mudou de assunto. Disse:
“Mas o senhor, padre João, não deve temer a morte. O senhor recomendou
muitas vezes aos outros para estarem preparados”. Dom Cagliero continuou:
“Falava-nos muitas vezes sobre isso! Era o seu tema favorito”. “Se preguei aos
outros”, respondeu Dom Bosco com toda humildade, “agora preciso que os
outros o recordem para mim”. Dom Bosco, em seguida, pediu a bênção do
cardeal que, ao despedir-se, profundamente comovido, o abraçou e beijou
novamente.24

Aparente recuperação: de 1o a 20 de janeiro


Viglietti, em poucas entradas, notifica sobre uma melhora constante do
estado de Dom Bosco, como também o fez o padre Rua em seus relatórios
aos irmãos. E o Boletim em língua francesa de 31 de dezembro escrevia:

Após uma consulta, os doutores Fissore, Vignolo, Bestenti e Albertotti emi-


tiram a seguinte declaração: “O perigo imediato passou; houve uma melhora
bastante considerável; a febre desapareceu como também os vômitos constan-
tes; o líquido que se encontrava na parte posterior do pulmão direito foi absor-
vido quase inteiramente; há esperança, no melhor prognóstico, que continue

24
Cerruti, Memoria, 4, 30 de dezembro de 1887: FDB 963 A11.

613

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Dom Bosco: história e carisma 3

progredindo ainda mais”. A mente de Dom Bosco está completamente lúcida


e está ansioso para retornar ao trabalho pelos seus filhos.25

O boletim do padre Rua, de 5 de janeiro de 1888, é ainda mais otimista:

Estou realmente contente e feliz de informar que o nosso querido pai melhora
a cada dia. Pode respirar com mais liberdade; pode falar com maior facilidade
e mais claramente, e pode ingerir alimentos com maior eficácia. Os médicos
começam a ter alguma esperança de que em breve possa estar convalescendo
e que, não muito tempo depois, possa levantar-se da cama.26

Entretanto e apesar de ter melhorado fisicamente, Dom Bosco não se


sentia totalmente bem. Disse ao seu secretário:

Viglietti, creio que seria uma boa ideia dizer ao padre Rua que se mantivesse
atento, porque minha cabeça já não funciona. Não sei se é manhã ou tarde,
ou que dia ou que ano é. Estou desorientado e não sei onde estou. Posso
reconhecer as pessoas, mas só ligeiramente, e não posso recordar as circuns-
tâncias. Não sei se rezo ou não, se é domingo ou outro dia da semana. Vós
deveis ajudar-me.27

Dom Bosco, na realidade, havia melhorado muito. Viglietti anota:

Esta tarde, depois de uma consulta dos médicos, começamos a dar a Dom
Bosco uma dieta de migalhas de pão, um ovo e um pouco de café. Antes de
experimentar a comida, Dom Bosco tirou o gorro, fez o sinal da cruz e rezou
com lágrimas nos olhos. Eu tinha muito medo de que a comida lhe fizesse
mal. Contudo, aceitou tudo muito bem. Depois de comer, sentia-se real-
mente bem. Perguntou sobre mil coisas, sobre os acontecimentos políticos,
sobre o Papa, Bismarck e Crispi. Queria saber como as coisas caminhavam na
casa [...]. Disse-me: “Viglietti, [...] como pode uma pessoa, depois de vinte e
um dias de cama, sem tomar qualquer alimento e nem sequer estar na posse
de suas faculdades mentais, quase de repente, recuperar a consciência e o
entendimento, sentir-se suficientemente forte até para levantar-se da cama
e experimentar o velho impulso de voltar a trabalhar?” [...]. E acrescentou:
“O que Deus pode fazer com seu divino poder, ó Virgem, tu podes obtê-lo
por tua intercessão. Há segredos que se devem levar consigo para o túmulo”.

25
Rua, Bulletin de la santé de Dom Bosco, 31 de dezembro de 1887: FDB 437 E2.
26
Rua, Queridos irmãos, 5 de janeiro de 1888: FDB 437 E5.
27
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 22, 6 de janeiro de 1888: FDB 1227 C11.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Insisti: “Mas o senhor não os dirá, verdade?”. “Não”, respondeu; “há que se
deter diante do sobrenatural e não perguntar nada. Há que se reconhecer a
intervenção de Deus, mas o porquê e o como é melhor deixá-lo a Deus. Evi-
dentemente, minha hora ainda não chegou. Pode ser logo, mas não agora”.28

O estado de Dom Bosco permaneceu estável durante os doze dias se-


guintes; talvez, tenha até melhorado um pouco mais. Recebeu visitas de pes-
soas importantes no dia 8 e 9 de janeiro. Viglietti conta:

Hoje, o duque de Norfolk pediu para ver Dom Bosco. Os jornais falavam dele
como enviado da rainha Vitória ao Papa. Ao ver Dom Bosco, ajoelhou-se ao
seu lado. A entrevista durou perto de meia hora. Falaram da situação em seu
país. O duque pediu que se estabelecesse em Londres uma casa salesiana como
o Oratório e falou das missões na China. Aceitou os encargos de Dom Bosco
para o Papa. Em seguida, recebeu a bênção de Dom Bosco e foi embora.
Esta noite, Dom Bosco me disse: “A situação é esta. Sinto muito não poder
ajudar-vos como fazia antes, indo pessoalmente em busca de caridade. Gas-
tei até o último centavo antes de minha enfermidade, mas estou carente de
meios, enquanto nossos jovenzinhos continuam a pedir pão. O que dar a eles?
É preciso que se diga a quem quiser fazer caridade a Dom Bosco e a seus or-
fãozinhos, que o façam logo, porque Dom Bosco já não poderá mendigar”.29
O estado de Dom Bosco vai melhorando lenta, mas constantemente. Só pre-
cisa recuperar um pouco de suas forças, para que possa deixar a cama. Já não
sente qualquer dor. Todas as manhãs, desde 15 de janeiro, escutou a santa
missa e recebeu a santa comunhão de minha mão.30

Viglietti ousou esperar, mas aconteceu uma recaída, embora ele esperas-
se uma completa recuperação.

C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 23-25, 7 de janeiro de 1888: FDB 1227 C11-12. “O
28

que Deus pode fazer [...]”, é citado em latim: “Quod Deus potentia tu prece, Virgo, potes” [São Bernardo].
29
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 25-27, 8 de janeiro de 1888: FDB 1227 C12-D1.
Não se diz aqui se esta observação sobre as doações caritativas foi ocasionada pela visita do rico duque.
Antes, porém, na crônica, Viglietti informa sobre o estrito modo de pensar de Dom Bosco sobre o uso
do dinheiro dos ricos. Conta que Dom Bosco quisera que alguém publicasse um folheto sobre o tema,
mas que se encontrara com tal oposição pelas consequências de sua visão estrita, que abandonou o
tema. Recentemente, porém, num sonho, a Virgem Maria o teria repreendido pelo seu silêncio sobre
o assunto. Ela recordou o mau uso do dinheiro dos ricos, acrescentando (em latim): “Se o que sobra e
não é necessário fosse dado aos pobres, seria muito maior o número dos eleitos”. Acusou de cobardia o
sacerdote que tem medo de pregar sobre o dever de dar aos pobres aquilo que sobra (C. M. Viglietti,
Cronaca originale, VII, 18-20, 4 de junho de 1887: FDB 1226 E3-4).
30
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 28-29, 20 de janeiro de 1888: FDB 1227 D2.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Crise final e morte: de 21 a 31 de janeiro


A crise final precipitou-se em seguida e, talvez, devido a uma pequena
intervenção cirúrgica. Em 22 de janeiro Viglietti escrevia:

A condição de Dom Bosco deteriorou-se ligeiramente nos últimos dias. Esta


manhã, ele ouviu missa e comungou. Às 10, recebeu a visita do arcebispo de
Colônia. Em seguida, os médicos decidiram fazer uma intervenção cirúrgica
para retirar uma excrescência de carne viva na parte inferior das costas. O
doutor Vignolo fez a operação com um só corte; saiu tudo muito bem. Dom
Bosco chorava, enquanto apertava a mão de meu tio com gratidão. Agora,
sente-se completamente aliviado.31
Padre Sala perguntou como se sentia. Dom Bosco respondeu: “Fizeram-me
um corte magistral”. “Terá sentido muita dor”, insistiu Sala. Ele respondeu:
“O pedaço de carne que me cortaram não terá sentido nada”.32

Dois dias depois, Viglietti informa sobre a visita do arcebispo Francisco


Richard, de Paris; e acrescenta: “Dom Bosco está novamente muito doente.
Os médicos veem-no como há um mês”. Sua entrada seguinte é ainda mais
sombria, como o é a de Enria:

Hoje, o estado de Dom Bosco é muito grave. Pede que lhe digam devotas
orações jaculatórias. Esta noite era doloroso ver como tentava falar. [...] Dom
Cagliero disse que tinha a intenção de ir a Roma, mas Dom Bosco lhe disse:
“Espera até depois de...”.33
A enfermidade foi avançando inexorável. A Dom Bosco custava sempre mais
respirar. Sentia dores terríveis, mas nunca se queixava. Continuava a rezar:
“Que se faça a vontade de Deus em todas as coisas” [...]. Que admirável
exemplo de abnegação e renúncia nos deixou o nosso bom pai Dom Bosco!34
Exortado pelo padre Bonetti para recordar-se de que Jesus na cruz sofreu
tortura sem poder mover-se nem à direita nem à esquerda, Dom Bosco res-
pondeu: “Sim, penso o tempo todo”.35

Contudo, nem mesmo em meio a tanta dor insuportável abandonou a


lucidez de mente e seu senso de humor. Sala conta:

31
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 29-30, 22 de janeiro de 1888: FDB 1227 D2-3.
32
Sala, Memoria, 9: FDB 1222 D1.
33
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 30 e 32, 25 e 26 de janeiro de 1888: FDB 1227 D3-4.
34
Enria, Memoria, 265-266: FDB 937 A12-13.
35
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 33, 27 de janeiro de 1888: FDB 1227 D4.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Chamaram-me certa noite à cabeceira de Dom Bosco e subi com toda pressa.
Padre Francésia foi comigo. Precisamos levantar Dom Bosco e colocar um
travesseiro por baixo e, depois, colocá-lo sobre ele para aliviar a dor que os
incômodos da cama e da ferida [da operação] recente lhe causavam. Dom
Bosco disse-me: “Não era preciso incomodar para isso uma celebridade tão
grande [padre Francésia]”. E riu gostosamente.
Outra noite sentia muita dor e, de vez em quando, mexia-se se esforçando
para encontrar uma posição mais cômoda. Nesse momento, entrou o médico
que o assistia [Albertotti]; Dom Bosco fez um gesto com a cabeça em minha
direção indicando que queria falar comigo. Aproximei meu ouvido à sua boca
e ele sussurrou-me ao ouvido com brilho nos olhos: “Diga ao médico que ele
alcançaria fama imortal, se encontrasse a maneira de mudar as costas quan-
do elas incomodam”. Quando o médico chegou, padre Sala repetiu a saída
engenhosa, enquanto Dom Bosco sorria amavelmente. Sua preocupação era
manter alegres os que estavam junto ao seu leito.36
Outro dia Dom Bosco disse-lhe [ao padre Sala]: “Procura preparar tudo para
o meu enterro, sabes? Porque, caso contrário, farei que me levem ao teu quar-
to”. Já se faziam tratativas para obter um lugar exclusivamente para o sepulta-
mento dos salesianos no cemitério de Turim. As gestões estavam sendo feitas
há vários anos. Padre Sala garantiu a Dom Bosco que se ocuparia sem demora
do assunto. De fato, foi o padre Sala que, depois de intensas negociações, con-
seguiu a permissão para que Dom Bosco fosse sepultado em Valsálice. Parece
que Dom Bosco há tempos sabia que ia deixar logo este mundo.37

Enria sublinha a preocupação de Dom Bosco pela Congregação e suas coisas.


Dom Bosco mandou buscar o padre Rua e manteve uma longa conversa com
ele. Também falou com todos os membros do seu conselho. Não tenho ideia
do que falou com o padre Rua. Deve ter-lhe dado orientações para o bem da
Congregação e de seus amados filhos; deve ter-lhe recomendado que mante-
nha sempre vivo o espírito do Oratório. Também teve uma longa conversa
com dom Cagliero, na qual deve ter-lhe recomendado seus queridos filhos e
filhas espalhados pelas missões da América.38

Padre Sala foi um membro de confiança do Conselho Superior, algo as-


sim como um confidente muito próximo e “filho predileto” de Dom Bosco.
O bom pai falava com ele com plena liberdade. Sala escreve:

36
Sala, Memoria, 4-5: FDB 1222, C8-9.
37
Enria, Memoria, 273: FDB 937 B8.
38
Enria, Memoria, 274: FDB 9937 B9.

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Dom Bosco: história e carisma 3

O pobre Dom Bosco sofre, não tanto pela dor, mas pelos incômodos que
acredita estar nos causando. Disse-me: “Conhecesses muito bem minha preo-
cupação com o asseio; agora, porém, não me é possível consegui-lo”.39
Uma noite, ao ver a terrível dor que suportava, perguntei-lhe: “Dom Bosco,
o que posso fazer para aliviar um pouco o seu sofrimento?”. “Reza!”. E acres-
centou em seguida: “Parece-me que tenho o corpo enterrado num buraco”.
Levantei-o, então, enquanto padre Viglietti colocava um pequeno travesseiro
por baixo. Esta operação exigiu que eu mantivesse o corpo de Dom Bosco
por alguns minutos no ar. Quando se sentou, disse-lhe: “Pobre Dom Bosco,
temo que o tenhamos machucado muito!”. “Devo dizer o contrário: pobre
Sala, que precisou trabalhar tão duramente! Mas quando chegar a hora, eu me
encarregarei de devolver-lhe o pagamento desta boa obra”.40
Dois dias antes da festa de São Francisco [de Sales, 27 de janeiro] (creio que
era), aconteceu que eu me encontrasse sozinho em seu quarto. Aproveitei um
momento em que sua respiração parecia menos cansada, e disse-lhe: “Dom
Bosco, sente-se mal, verdade?” “Sim”, respondeu-me; “mas tudo passa; tam-
bém isto passará”. Juntou as mãos, profundamente comovido, e pôs-se a rezar.
Eu o deixei descansar um pouco e, em seguida, voltei a falar: “Dom Bos-
co”, disse-lhe, “estará agora muito contente, pensando que depois de tantas
privações e trabalhos, conseguiu fundar casas em várias partes do mundo e
estabelecer solidamente a Congregação Salesiana”. “Sim”, respondeu, “eu de
fato, o fiz para o Senhor... Seria possível ter feito mais... Contudo meus filhos
o farão”. Depois de uma pausa, acrescentou: “Nossa congregação é dirigida
por Deus e protegida por Maria Auxiliadora”.41

Em seu estado febril, Dom Bosco, consumido, caía com frequência em


sonos profundos ou entrava em completo delírio. Sala informa:

Certa noite disse-lhes: “Vamos ver se podeis ajudar-me a descansar um pou-


co”. Nós o dispusemos tão bem quanto podíamos e parecia que dormia tran-
quilamente. Mas, de repente, deu uma palmada e exclamou: “Vinde logo, sal-
vai esses jovens. Maria, ajuda-os. Mare!” [mãe, em piemontês]. “Dom Bosco,
estamos aqui com o senhor”, disse para tranquilizá-lo.
Perguntou: “Onde estamos?”.42

39
Sala, Memoria, 5, FDB 1222 C9. Isso supunha para Dom Bosco uma vergonha e um sofri-
mento a mais, que soube suportar com grande humildade e com uma gota de sadio humor.
40
Sala, Memoria, 5-6: FDB 1222 C9-10.
41
Sala, Memoria, 6-7 FDB 1222 C10-11.
42
Sala, Memoria, 3: FDB 1222 C7.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Dom Bosco em seu leito de morte. Fotografia de


Carlos Félix Deasti (Turim, 31 de janeiro de 1888).

Enria informa sobre outros episódios semelhantes.

Uma noite, adormeceu por um momento e imediatamente começou a so-


nhar. Falava em voz alta e disse: “O que queres? A quem buscas? E o que quer
este menino?”. Ficou a olhar fixamente para o fundo da sala. […] Então lhe
disse: “Reverendo pai, não há ninguém ali”. Abriu os olhos, olhou-me com
um sorriso e disse: “Parece que há um menino ali e pensei que precisasse de
alguma coisa”. Os jovens sempre estiveram no pensamento de Dom Bosco.43
Durante a noite anterior à festa de São Francisco de Sales, gritou várias vezes:
“Mare! Mare!”. Gritava tão forte que se podia ouvi-lo de longe. Eu via todos os
seus movimentos, mas não me atrevia a intervir, pois poderia ter alguma visão
sobrenatural. Dom Bosco pode ter contemplado sua própria mãe e a chamava
ou pode ser que chamasse Maria. Estive de pé junto à sua cama, olhando-o,
durante mais de quatro horas. De repente, levantou os braços. Inclinei-me
sobre ele para saber o que queria e procurei segurar sua cabeça. Dom Bosco,
porém, pôs seus braços ao meu redor e com todas as suas forças procurou
levantar-se para mudar de posição. Mas o esforço não fez mais do que aumen-
tar a dor insuportável nas costas, fazendo-o exclamar: “Meu querido Enria,

43
Enria, Memoria, 266: FDB 937 B1.

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Dom Bosco: história e carisma 3

a dor é insuportável. Se esta situação continuar por muito tempo, creio que
não poderei suportá-lo”. Depois, lamentando (acredito) ter dito essas palavras,
levantou os olhos para o céu e exclamou com firmeza: “Que se faça a vontade
de Deus em todas as coisas!”.44

Em 28 de janeiro, Viglietti anota:

O dia todo de ontem, durante a noite e nesta manhã, esteve delirando com
frequência. Ouço-o chorar em várias ocasiões: “Estão errados!” ou “Avante,
sempre avante!”. Chamava-nos frequentemente por nossos nomes. Esta ma-
nhã exclamou até vinte vezes, “Mare! Mare!”. Nas últimas horas esteve orando
com as mãos juntas: “Ó Maria, Maria!”. A todos, ele diz: “Ver-te-ei no Pa-
raíso”. Ao padre Bonetti disse: “Dize aos meninos que os espero a todos no
Paraíso”. Esta manhã recebeu o escapulário de Nossa Senhora do Carmo. A
todos dava as últimas lembranças. “Fazei com que todos rezem por mim e que
os jovens recebam a comunhão”; pegava com frequência o crucifixo e o beija-
va. Tendo-se mostrado a ele a imagem de Maria Auxiliadora, disse: “Sempre
coloquei toda a minha confiança em Maria Auxiliadora” [...]. Voltou-se para o
padre Bonetti, dizendo-lhe: “Ouve: dirás às irmãs que se observarem as regras
terão a sua salvação garantida”.
Os médicos constataram seu estado crítico. Tinham a esperança de que
aguentasse por algum tempo, mas não falavam mais de recuperação. Dom
Bosco perguntou-lhes sobre seu estado e o doutor Fissore respondeu: “As coi-
sas podem melhorar amanhã, hoje o mau tempo está contra nós”. Dom Bosco
sorriu e, apontando com seu dedo indicador, responde: “Amanhã? Amanhã
farei uma viagem muito longa”.45

29 de janeiro foi um dia crítico. De fato, parecia que chegara o fim. É a


última anotação de Sala.

Na manhã da festa de São Francisco de Sales, anunciei-lhe que a missa co-


meçara. Abri para ele a porta do quarto [que dava] para a capela. Juntou as
mãos e começou a rezar. Depois da elevação, sussurrou-me ao ouvido: “O que
acontece se me vem o vômito depois de receber a sagrada comunhão?”; disse-
-lhe para não se preocupar e garanti-lhe que não haveria nenhum problema.
No momento da comunhão, disse-lhe que o Senhor estava para vir até ele a
consolar sua alma. Coloquei-lhe a estola por cima e dei-lhe um guardanapo

44
Enria, Memoria, 269-271: FDB 937 B4-6.
45
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 33-36, 28 de janeiro de 1888: FDB 1227 D4-6.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

novo. Recebeu a sagrada comunhão enquanto fui recitando para ele algumas
palavras de ação de graças, que repetiu com autêntica emoção. Esta foi a últi-
ma vez que nosso querido Dom Bosco recebeu nosso Senhor.46

Viglietti acrescenta alguns detalhes dignos de menção.

Esta manhã, todos pareciam estar de acordo que não se devia administrar a
comunhão a Dom Bosco, pois está inconsciente a maior parte do tempo. Mas
eu me opus. Pensava que nesse momento crítico, o Senhor o despertaria e lhe
daria força. Eu celebrava a missa e, quando lhe levei a comunhão, jazia num
torpor inconsciente. Disse em voz alta as palavras: “Que o corpo de nosso
Senhor...”, e nesse momento, ele reagiu, olhou para a hóstia, juntou as mãos
[comungou] e, em seguida, manteve-se em recolhimento. Mais tarde, voltou
ao estado de delírio, como continua até este momento, 5 da tarde [...]. Já não
responde a nada, exceto quando alguém lhe fala do paraíso ou da salvação da
alma. Então, manifesta sua aprovação concordando com a cabeça.
Esta noite, continuou a repetir textos das Escrituras com os quais estivera
familiarizado durante toda a sua vida de atividade caritativa: “Amai vossos
inimigos”; “Fazei o bem aos que vos perseguem”; “Buscai primeiro o Reino
de Deus”; “Purifica-me de meu pecado”. Padre Bonetti disse-lhe a jaculatória:
“Maria, Mãe da graça, defende-nos do inimigo”. Dom Bosco continuou: “E
recebe-nos na hora da morte” [...]. Ouvia o que lhe sussurravam repetida-
mente: “Jesus! Jesus! Maria! Jesus e Maria, eu vos entrego o [meu] coração e a
minha alma”; e acrescentou: “Em tuas mãos, Senhor, entrego meu espírito”.
Depois, mais audível: “Mare! Mare!, abre-me as portas do céu!”. Hoje, excla-
mou centenas de vezes: “Mare!”, “Mare! Amanhã! Amanhã!”.47

Enria, com sua efusão especial de carinho e piedade filial, apresenta a


nota mais triste:

Era 29 de janeiro de 1888, festa de São Francisco de Sales, patrono do Ora-


tório salesiano. A situação de nosso bom pai era sempre pior. À noite esta-
va completamente debilitado. Precisei sair momentaneamente do quarto e
encontrei com [José] Buzetti. “Que notícias tens? Perguntou-me. Disse-lhe
que [eram] más notícias. Ele respondeu: “Tenho medo que São Francisco o

Sala, Memoria, 7-8: FDB 1222 C11-12.


46

C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 36-39, 29 de janeiro de 1888: FDB 1227 D6-7. Na
47

missa em latim, antes do Vaticano II, o sacerdote dizia, ao colocar a hóstia na língua do comungante:
“Corpus Domini nostri Jesu Christi custodiat animam tuam in vitam aeternam. Amen”.

621

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Dom Bosco: história e carisma 3

leve para longe de nós, para o céu”. Essa foi uma noite dolorosa para nosso
amado pai. Quase não podia respirar, nem sequer podia engolir líquidos e
tivemos que nos limitar a umedecer seus lábios ressecados pela febre ardente.
Por volta das 2 da madrugada deu um respiro num ataque de dispneia. Tentei
levantá-lo e coloquei seus braços ao meu redor. Nesse momento, pensei que
ia morrer em meus braços. Rezei com todo o meu coração: “Senhor, leva-me
a mim, mas que nosso bom pai viva”. Aos poucos, tranquilizou-se e sussurrou:
“Maria, Auxiliadora dos cristãos, roga por mim”. Acrescentou repetidamente:
“Faça-se a vontade de Deus em todas as coisas”. Este momento penoso ficará
gravado para sempre em mina mente.48

Por alguma razão, a crônica de Viglietti termina neste momento. Sobre


os dias cruciais, ou seja, de 30 a 31 de janeiro, ele nos dá apenas algumas
anotações superficiais. Do pouco que nos diz, podemos concluir que esteve
presente apenas em parte no quarto. Aparentemente, não presenciou o que
deve ser considerado como os acontecimentos mais importantes daquela noi-
te. Pela manhã de 30 de janeiro, depois de assinalar a inconsciência de Dom
Bosco, sua condição desesperada, Viglietti limita-se a mencionar que dom
Cagliero e o padre Lazzero rezaram e deram a bênção dos moribundos. Acres-
centa que foi permitido a todos os presentes beijar a mão de Dom Bosco.

Santa morte
Nas primeiras horas de 31 de janeiro, as últimas anotações de Viglietti,
completadas com outros vários acréscimos, diziam o seguinte:

Faltando um quarto para a uma, estando também presente Buzzetti, Dom


Bosco olhou duas vezes para mim atentamente durante algum tempo e, de-
pois, colocou sua mão sobre minha cabeça. Buzzetti comentou com lágrimas
nos olhos: “Este é o último adeus, sua última bênção ao seu fiel [secretá-
rio]. Eu nunca o vi olhar para alguém desta maneira, e devia ser para ti”. Eu
sussurrei-lhe orações jaculatórias. Faltando um quarto para as quatro, Dom
Bosco entrou em agonia... O estertor durou até as 5 menos um quarto... Meio
minuto depois de os sinos de nossa igreja tocarem o Ângelus, Dom Bosco
tinha morrido.49

Parece legítimo deduzir que, exceto no episódio pessoal que acaba de


anotar, Viglietti não esteve presente nas últimas horas de Dom Bosco. Devia

48
Enria, Memoria, 274-276: FDB 937 B9-11.
49
C. M. Viglietti, Cronaca originale, VIII, 40-41, 30 de janeiro de 1888: FDB 1227 D8.

622

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

estar esgotado e, provavelmente doente por causa da tensão física e emocio-


nal; por isso, teria sido obrigado a deixar o quarto num dado momento.50
Para conhecer os detalhes do último dia e, em especial, dos acontecimen-
tos que se deram no quarto do enfermo nessas horas cruciais, pouco antes do
falecimento de Dom Bosco, é preciso apoiar-se nas lembranças de Enria.

Na segunda-feira [30 de janeiro], pela manhã, o braço direito de Dom Bosco


ficou completamente paralisado. Ainda falava ocasionalmente com o padre
Rua, o bispo Cagliero, o padre Viglietti e com alguns outros que estavam
presentes. Então sussurrava: “Que se faça a vontade de Deus em todas as
coisas”, acrescentando em várias ocasiões: “Maria, Maria! Rezai, rezai!”. Essas
foram praticamente suas últimas palavras. Ao meio-dia, perdera a fala. Todos
os superiores estavam ao redor de sua cama. Como não era capaz de mover
o braço direito, indicava o céu com o esquerdo, como a dizer: “Que se faça a
vontade de Deus; tudo para sua honra e glória”, ou: “Rezai, queridos filhos!”.
Vez ou outra levantava o braço esquerdo; à noite, não podia fazer nem mes-
mo isso. Ao longo do dia, passou pelo quarto uma procissão ininterrupta
de pessoas, salesianos e meninos, sacerdotes diocesanos, benfeitores e leigos.
Queriam beijar sua mão pela última vez, aquela mão consagrada que, através
da absolvição sacramental, salvara muitas almas, arrancando-as do demônio e
devolvendo-as a Deus. Dom [Basílio] Leto [bispo de Biella] ficou muito tem-
po junto à sua cama e, de vez em quando, dizia-lhe belas orações jaculatórias.
Seu confessor [padre Giacomelli], dom Cagliero e o padre Rua faziam o mes-
mo. O pobre padre Rua estava cheio de dor. Às 9 da noite, os membros do
Conselho superior se reuniram ao redor da cama. Todos estavam profunda-
mente comovidos e ninguém queria ir dormir. Foram para a sala ao lado onde
velavam e rezavam ao Senhor e a Maria Auxiliadora pelo nosso amado pai.
Por volta da 1 e meia da manhã [31 de janeiro], Dom Bosco fez um mo-
vimento repentino que até a cama estremeceu. Em seguida, sua respiração
tornou-se tão penosa que tememos ter chegado o fim e que sua alma bendita
voava para o céu. Padre Rua e dom Cagliero rezavam por ele, enquanto nós
outros nos ajoelhamos ao redor da cama e mantivemos o olhar fixo no rosto

50
Que tenha adoecido e precisado afastar-se para longa convalescência, está confirmado pela
sua mesma afirmação: “31 de janeiro de 1888. Depois da morte de Dom Bosco, levaram-me à casa do
doutor Celestino Vignolo Lutati. 4 de fevereiro. Retornei ao Oratório. A senhora Consuelo Pascual de
Martí-Codolar, seu filho e seu sobrinho, Joaquim, chegaram de Barcelona. Vieram para levar-me com
eles à sua casa em Barcelona. Fui com eles no dia 9 de fevereiro. Estive em Barcelona [algum tempo],
pois estava muito doente. Levaram-me à vila da família Martí-Codolar de Horta e ali permaneci até
que fiquei bom. Joaquim Martí-Pascual acompanhou-me de volta a Turim” (C. M. Viglietti, Coletâ-
nea em rascunho, 1886-1896: FDB 1230 D5-5).

623

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Dom Bosco: história e carisma 3

do nosso bom pai. Não posso descrever essa triste cena e a dor de todos nós.
Todos nós chorávamos, misturando orações e soluços. Mas o Senhor compa-
deceu-se de nosso querido pai e concedeu-lhe algum alívio, tendo diminuído
um pouco a dificuldade de respirar que nos assustava e entristecia. Aprovei-
tando a oportunidade, padre Rua voltou-se para Dom Bosco e disse: “Dom
Bosco, aqui estamos nós, seus filhos. Pedimos-lhe perdão pelos desgostos que
precisou sofrer por nossa causa. Em sinal de perdão e benevolência paterna,
dê-nos mais uma vez, a sua bênção. Eu conduzirei sua mão e pronunciarei
a fórmula. Por favor, abençoe-nos e abençoe também a todos os seus filhos
espalhados pelo mundo e nas missões”.
Seguiu-se depois uma nova crise; não há palavras para descrever a dor de
todos os que ali estavam. Deus permitiu que o santo corpo sofresse até o
fim, mas a crise passou e, aos poucos, sua respiração se acalmou novamente,
tornou-se quase normal. Todos, de novo, se retiraram para o quarto ao lado
para rezar e esperar. Eu fiquei junto à cama de Dom Bosco. Por volta das 4,
percebi que sua respiração já não era suave e brotavam gotas de suor. Entrei
no quarto ao lado e alertei os superiores. Quando todos estavam novamente
de joelhos ao redor da cama, rezaram-se as orações às quais se seguiram as
ladainhas; depois delas, o bispo leu o Profiscicere [Parte, ó alma cristã]. Em
seguida, sem que déssemos conta, enquanto todos nós mantínhamos os olhos
fixos naquele rosto querido, Dom Bosco dormiu no Senhor. Eram 4 e 45 da
manhã de terça-feira, 31 de janeiro de 1888.
Dom Bosco morreu sem violência. Nós nos mantivemos ajoelhados e olhan-
do para ele. Parecia dormir. Mas sua alma já voara para o céu a fim de receber
o belo paraíso de Deus, a recompensa preparada para ele por suas virtudes he-
roicas e seus trabalhos. Não se pode descrever a dor que todos nós experimen-
tamos nesses momentos. Ainda ajoelhados ao redor da cama, continuamos a
rezar e chorar. Não podíamos desviar nossos olhos daquele venerado rosto.
Parecia que ia despertar a qualquer momento e dizer-nos alguma palavra a
mais de alento e de conselho. Todos estavam dominados pela dor. Todavia,
padre Rua disse: “Ficamos duplamente órfãos. Mas consolemo-nos. Se per-
demos um pai (na terra), adquirimos um protetor no céu. Demonstremo-nos
dignos dele, seguindo seus santos exemplos. Ele intercederá diante do trono
de Deus e de Maria Santíssima por todos os seus amados filhos órfãos na
terra. Mantenhamos vivo o seu espírito e o transmitamos também aos nossos
jovens. Fazendo isso, Deus fará com que nosso pai Dom Bosco viva entre nós
até o fim do mundo”.51

51
Enria, Memoria, 276-282: FDB 937 B11-05.

624

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Este é o final emotivo de Enria. As 60 linhas finais de sua crônica des-


crevem a dor, a câmara ardente durante três dias, as filas sem fim de pessoas
que vieram demonstrar-lhe seu afeto e admiração, e o esplêndido funeral do
qual participaram autoridades eclesiásticas e civis e uma grande multidão de
pessoas “para homenagear o maior benfeitor da juventude do mundo”.52

Comentário final
Dom Bosco morreu santamente. Morreu como vivera, unido a Cristo
crucificado, invocando a intercessão de Maria, em oração de entrega total a
Deus. E, por mais notável que isso pareça, não surpreende.
Por outro lado, ler estas crônicas e memórias é uma experiência pro-
fundamente comovedora: revela novas facetas da irradiante vida espiritual
de Dom Bosco. Sua perseverança paciente nas insuportáveis dores é uma das
características mais notáveis da história de seus últimos anos e, mais concreta-
mente, de seus últimos dias. “Que se faça em mim a santa vontade de Deus”
foi uma das mais repetidas orações de Dom Bosco. E este homem grande e
santo não só suportou a dor; iluminou-a. Encontrou forças em si mesmo para
ocultar sua dor com sagacidade e alguma pilhéria. Contemplou a dissolução
de seu corpo com humor e graça.
O lado humano de Dom Bosco revelava-se a cada passo nas crônicas. Su-
gere um homem que conseguiu muito em sua vida e recebeu o reconhecimen-
to, até a exaltação, em todas as partes. Aqui também está um homem que, com
absoluta coerência, aceita suas limitações, reconhece humildemente sua impo-
tência e suas indigências, e entrega-se confiantemente ao cuidado dos outros.
Por outro lado, o serviço delicado e sem limites, prestado a Dom Bosco
pelos seus filhos espirituais parece absolutamente incrível. Ficaram constan-
temente ao seu lado não só os poucos que o atendiam, mas muitos outros;
desde o início, os seus mais próximos passaram horas e horas acudindo-o na
cama com admirável amor. Estas crônicas são testemunhas de um fluxo cons-
tante de amor e afeto de filhos totalmente dedicados ao pai amado. E não se
tratava de mero serviço imperioso. Era a resposta agradecida do coração ao
verdadeiro amor, à sincera devoção e à constante preocupação que o bom pai
tivera pelos seus filhos durante toda a vida.

52
Enria, Memoria, 182-185: FDB 937 C5-8. Padre Viglietti, porém, termina sua crônica de
forma mais pessoal e profundamente dolorida: “Pobre filho! a tua crônica encerrou-se. Quem te con-
solará? Pobre menino... amaste tanto aquele bom pai! Certamente tudo o que pude fazer por este
adorado pai, eu o fiz. Se alguma vez pude causar-lhe algum desgosto... espero que me tenha perdoado.
Amava-me tanto! Não tenho dificuldade em dizer com todos os superiores: sim... sim... eu era o seu
predileto”. Cronaca originale, VIII, 41: FDB 1227 D8. Cf. P. Marín, p. 241.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Dom Bosco está morto: primeiro plano.

As crônicas demonstram-nos, sem sombra de dúvidas, que Dom Bosco


manteve ativa até o fim a sua força moral e espiritual. Manteve o controle dos
assuntos da Congregação em todo o período de sua inatividade. Não hou-
ve desilusão, nem desalento, nem alienação, nem, aparentemente, senilidade
neste homem, apesar do envelhecimento físico e das doenças que o inca-
pacitavam. Permaneceram intactos até o fim o vigor de espírito, o interesse
por todos os assuntos e o desejo de continuar a trabalhar. A evidência da sua
atividade incansável, do seu interesse e preocupação foram as extenuantes
viagens que fez em favor da Congregação durante todo o período de sua
vida, a redação do Testamento Espiritual e, desde seu leito de dor, o derramar
incessante de conselhos espirituais, o alento e o estímulo moral a seus filhos e
filhas. Graças a isso, seu espírito continua vivo.

2. O sepultamento53
Na reunião do Capítulo Superior de 19 de setembro de 1884, padre
Rua, que presidia a sessão por causa da ausência de Dom Bosco, apresentara
algumas das questões a serem enfrentadas se Dom Bosco viesse a morrer:
53
Resumimos o que padre Ceria conta nas Memórias Biográficas sobre os funerais de Dom Bosco
e o translado de seus restos mortais a Valsálice. MB XVIII, 553s.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

A grave doença de Dom Bosco obriga-nos a enfrentar a triste possibilidade de


sua morte. Precisamos refletir sobre seu funeral e a forma do mesmo. Também
precisamos solicitar das autoridades da cidade a licença para sepultá-lo aqui
na igreja do Oratório. Padre Durando diz que as autoridades não permitem
esse sepultamento; e cita casos que sustentam sua declaração. Padre Rua faz
notar que, no passado, se fizeram gestões para adquirir um terreno [para a
sepultura dos salesianos] no cemitério público. Foi solicitado ao empresá-
rio Carlos Buzzetti que atuasse [em nome da Congregação] para negociar a
compra; contudo, não havia terreno disponível. Padre Lemoyne sugere que
o caixão seja mantido num nicho [provisório] até que se disponha de um
terreno no cemitério.

As tramitações para a sepultura


Não foi fácil conseguir que Dom Bosco tivesse uma sepultura digna. O
desejo dos superiores de sepultá-lo no Oratório encontrou sérias dificuldades.
A alternativa, caso falhasse este desejo, seria transladá-lo a Valsálice.
Procurou-se mover todos os círculos de influência a fim de poder sepul-
tá-lo na cripta da igreja de Maria Auxiliadora: recorreu-se ao rei, à rainha e a
outros altos personagens, mas o presidente do conselho de ministros Francis-
co Crispi dissuadiu sua majestade, alegando o perigo de que alguns aprovei-
tassem as circunstâncias para fazer manifestações anticlericais. Os superiores,
porém, insistiram. Padre Antônio Sala, ecônomo-geral, fez saber às autorida-
des da cidade que antes de sepultar o cadáver de Dom Bosco no cemitério
comum, seriam feitas todas as diligências oportunas para transladá-lo a Paris
ou Barcelona, onde certamente seria recebido como um tesouro. A ameaça
produziu efeito, porque as autoridades compreenderam o constrangimento
que seria para elas e para a cidade de Turim, e o descontentamento universal
que se daria, se isso fosse feito.
O governador perguntou por que não se queria sepultar Dom Bosco no
cemitério comum, onde certamente o município poderia conceder-lhe um lo-
cal distinto. Padre Antônio Sala comunicou-lhe que a prefeitura sempre res-
pondera negativamente ao pedido de pagar a prazo as 19 mil liras que custavam
a aquisição de um terreno no cemitério e que, finalmente, lhe havia enviado
uma carta insolente. O governador, que ignorava a existência desses motivos de
tensão entre a prefeitura e os salesianos, suspendeu qualquer tomada de decisão.
Enquanto isso, tratava-se também em Roma. O procurador, padre César
Cagliero, e padre Antônio Notário pediram para serem recebidos pelo primei-
ro-ministro Crispi. Queriam, primeiramente, comunicar-lhe pessoalmente a

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Dom Bosco: história e carisma 3

morte de Dom Bosco. O ministro ficou atentíssimo e confessou-lhes ter co-


nhecido Dom Bosco há muito tempo e que recordava o bem que lhe fizera
quando esteve desterrado em Turim. Aproveitando essas palavras, e com o tato
que o distinguia, padre César Cagliero pediu-lhe que permitisse o sepultamen-
to de Dom Bosco na cripta da igreja de Maria Auxiliadora, mas o ministro
objetou que a lei proibia e, fazer uma exceção em favor de Dom Bosco, além
de levantar muitos protestos e criar um precedente perigoso, exigiria uma lei
do Parlamento e, com os tempos que corriam quem poderia imaginar o al-
voroço que se produziria na Câmara? Em todo caso, aconselhou-os a falarem
com seu secretário para encontrar um jeito. O secretário, Pagliano, que cer-
tamente já falara com o ministro, perguntou-lhes se não tinham um colégio
nas proximidades de Turim. Ao ouvir que tinham um colégio em Valsálice,
sugeriu-lhes que o sepultassem ali. Todos seriam beneficiados: os salesianos
estariam satisfeitos, ficando com os restos mortais de Dom Bosco, e as auto-
ridades ficariam a salvo de qualquer crítica e se resguardariam de ter que dar
uma resposta negativa.
Dom Manacorda, bispo de Fossano e grande amigo dos salesianos, que
naqueles dias era hóspede na casa do Sagrado Coração de Roma, achou-a
uma ideia magnífica. Segundo ele, o colégio de Valsálice era o lugar mais
apropriado para a sepultura de Dom Bosco, mesmo se chegasse a permissão
para sepultá-lo no Oratório. Em Valsálice descansaria entre seus clérigos e
lhes infundiria o seu espírito. Padre Antônio Notário foi imediatamente a
Turim, como portador da iniciativa.
Prevendo-se que as tramitações seriam muito longas e que, como con-
sequência, seria preciso solicitar a prorrogação do tempo que a lei fixava para
o sepultamento dos mortos, convinha eliminar qualquer pretexto para uma
negativa, como seriam as eventuais emanações do cadáver. Por isso, os dou-
tores Bestenti e Albertotti derramaram sublimado corrosivo nos cantos e nos
acolchoados laterais do caixão antes de fechá-lo. Dessa forma, podia-se garan-
tir que o cadáver não exalaria mau cheiro, mesmo que permanecesse um mês
insepulto.54 Tudo já estava pronto para o translado do féretro.

Ao realizar esta operação, o doutor Bestenti deu uma prova extraordinária de seu afeto por
54

Dom Bosco. Como o tempo pressionasse e faltasse um recipiente adequado, ele mesmo, uma vez feita
a mistura do sublimado e da água num balde, impregnou com o líquido o interior do ataúde, utili-
zando uma esponja que ele empapava e espremia com suas próprias mãos. Padre Celestino Durando
advertiu-o que a sua pele se queimaria e ele respondeu que, como eles [os salesianos] tinham feito a sua
obrigação, permitissem que cumprisse com a sua, pois se sentia muito feliz de prestar aquele último
serviço de um bom filho a seu pai. E, de fato, a febre elevada que lhe adveio por causa das queimaduras
das mãos obrigou-o a ficar dez dias acamado.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

O cortejo fúnebre
Pelas três da tarde do dia dois de fevereiro, as ruas pelas quais, como
anunciaram os jornais, devia passar o cortejo fúnebre, estavam repletas de
gente. O cortejo saiu pela porta da igreja de Maria Auxiliadora, percorreu a
rua do Cottolengo, o calçadão do Príncipe Oddone, a avenida Regina Mar-
gherita, a rua de Ariosto, retornando até o outro trecho da rua do Cottolen-
go, para entrar novamente na igreja.
O féretro foi carregado nos ombros de oito padres salesianos. À sua pas-
sagem todos tiravam o chapéu; muitos se ajoelhavam e, frequentemente se
ouvia exclamar: “Era um santo!”. Atrás do ataúde, entre os padres Celestino
Durando e Antônio Sala, caminhava o padre Miguel Rua, com a cabeça in-
clinada, recolhido em sua imensa dor; na retaguarda, os demais membros do
Capítulo Superior. E, depois deles, uma grande multidão de eclesiásticos e
leigos, uns para render pessoalmente homenagem ao extinto e outros como
representantes de entidades ou personalidades da cidade. Não faltaram repre-
sentações estrangeiras. Ladeando o longo séquito, caminhavam duas filas de
criados de libré, carregando as armas das casas nobres de Turim, precedidos
dos escudeiros da Prefeitura.
Os meninos do Oratório amontoavam-se no recinto sagrado. Na igreja
entraram unicamente as Filhas de Maria Auxiliadora e o clero, muito nu-
meroso. Tão logo o féretro se dispôs a entrar, a banda do Oratório entoou
a marcha fúnebre. Os sinos rompiam o ar com seu lento repique. Pelo
portão recém-aberto, apareceu um facho luminoso de mil círios, que o
recebeu e introduziu no templo, cravejado de luzes. Os bispos dom Leto
e dom Cagliero adiantaram-se com seus respectivos sacerdotes assistentes
até o presbitério, enquanto o presidente da celebração, dom Bertagna, em
pé, esperava que se colocassem diante do féretro. Em meio ao silêncio mais
solene, o bispo deu a bênção ritual.55
Concluída a absolvição do defunto, foi permitido que o povo se aproxi-
masse. Uma grande multidão precipitou-se sobre o féretro para tocá-lo, para
beijá-lo, para levar consigo qualquer coisa que estivesse sobre ele. A condução
do cadáver fora tão solene e imponente que se pôde dizer que aquilo foi mais
um triunfo ou uma apoteose do que uma função fúnebre.
Desde tempos imemoráveis não se recordava de tão numerosa afluência
de gente para participar do enterro de um simples padre. O cálculo geral

O cardeal Alimonda telegrafara de Gênova, na tarde de 31 de janeiro, comunicando seu vivís-


55

simo desejo de ir em seguida a Turim; mas confessava, ao mesmo tempo, que a indisposição espiritual
que o angustiava pela perda de seu querido amigo não permitia que presidisse o enterro.

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Dom Bosco: história e carisma 3

estimou em 200 mil as pessoas que se apresentaram para honrar Dom Bosco
com sua presença.56
Depois que a multidão deixou o templo e as portas foram fechadas, os
salesianos, com um pequeno acompanhamento, recolocaram o féretro na igreja
de São Francisco de Sales, onde ficou oculto, à espera de serem concluídas as
tramitações para sua sepultura definitiva.

Os restos mortais de Dom Bosco em Valsálice


Embora não se tivesse perdido totalmente as esperanças de inumar Dom
Bosco no Oratório, o Capítulo Superior resolveu acelerar os preparativos em
Valsálice. A prefeitura concedera dois dias a mais para o sepultamento, que ter-
minariam em quatro de fevereiro à tarde. Caso não chegasse a permissão para
sepultá-lo na igreja de Maria Auxiliadora e o lóculo em Valsálice não estivesse
preparado, obrigado pelas disposições da saúde pública, o prefeito ordenaria que
o féretro fosse levado ao cemitério público. Portanto, não havia tempo a perder.
Existia uma grande curiosidade em saber aonde Dom Bosco seria se-
pultado, mas no Oratório não se dizia nada. A Pequena Casa da Providência
oferecera o túmulo provisório do famoso padre Verri no cemitério, e deixou-
-se que essa voz corresse, pois servia para dissimular as verdadeiras intenções,
porque, se estas fossem conhecidas, alguns jornais, com o espírito de instigar
a chamada opinião pública, levantariam gritos de protestos contra o privilé-
gio. Em Valsálice, trabalhava-se sem descanso para preparar o túmulo.
Para o sepultamento em Valsálice, bastava a autorização do governador,
conde Lovera di Maria, que, por temor dos jornais, não fazia outra coisa que
buscar evasivas. Finalmente, disse que assinaria a permissão se o engenheiro
Vigna, intermediário em favor do Oratório, fosse medir a distância entre as
casas de campo próximas e o lugar onde se efetuaria o sepultamento. Na ver-
dade, o regulamento não prescrevia distâncias além do muro que cerca um
terreno. Mas o engenheiro, cansado de tantas hesitações, fez-se levar a Valsá-
lice, calculou a distância de modo aproximativo e retornou com a resposta.
No dia 4 de fevereiro, quando terminava o prazo permitido para manter
o cadáver dentro do recinto urbano, esperava-se com ansiedade crescente o
56
“Não houve qualquer artifício para promover essa afluência, depôs o padre Rua no processo de
beatificação; dado o pouco tempo que se tinha, foi enviada apenas uma mensagem aos Cooperadores
mais próximos; e todos os jornais, sem solicitação prévia, deram a notícia da morte”. Júlio Auffray,
redator-chefe do Défense de Paris, disse então que, na Itália, tinham-no impressionado, sobretudo, duas
coisas: o jubileu do Papa em Roma e o funeral de Dom Bosco em Turim; o jornal L’Unità Cattolica, de
3 de fevereiro, pôde escrever, sem sombra de hipérbole: “A condução do cadáver de Dom Bosco não foi
menos solene do que a de um soberano”

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

bendito decreto. Padre Antônio Sala não queria de maneira alguma, nem
mesmo provisoriamente, que Dom Bosco fosse levado ao cemitério público.
Estava disposto a escondê-lo em seu próprio quarto que, por se localizar na
parte mais elevada e num setor separado da casa, prestava-se para livrá-lo das
investigações da polícia.
Enfim, às 4 e meia da tarde chegou a permissão e todos puderam respirar
com alívio. Uma hora depois, um coche fúnebre transladava o corpo de Dom
Bosco a Valsálice. No pequeno coche que Dom Bosco utilizava para seus pas-
seios vespertinos, iam atrás dele, rezando o rosário, padre Rua, dom Cagliero,
padre João Bonetti e padre Antônio Sala. Seguiam-no outros dois coches, com
o fiscal responsável e quatro coveiros. A insegurança, que durou até o último
instante e o temor de algum jornalista mal-intencionado, obrigou a ocultar o
translado aos amigos e, assim, pôde ser feito sem que ninguém o percebesse.
Às 6 da tarde, o coche fúnebre entrava no pátio de Valsálice, recebido
pelos clérigos estudantes com velas acesas, que acompanharam o féretro até a
capela; o féretro era levado nos ombros de oito deles. As ordens levadas pelo
representante da Prefeitura eram que a inumação fosse feita naquela mesma
tarde e que se redigisse uma ata; os operários, porém, ainda não tinham ter-
minado de preparar o lóculo. Por isso, procurou-se alongar o mais possível
a cerimônia na capela, de modo que, concluídas as exéquias, os clérigos co-
meçaram a cantar o ofício dos defuntos. O inspetor, alertado do problema,
não demonstrou percebê-lo. Os homens que deviam atestar o sepultamento
foram entretidos, para ganhar tempo, convidando-os para uns copos de bom
vinho; dessa forma, persuadidos de que o féretro de Dom Bosco já fora co-
locado na sepultura, assinaram o documento e foram embora. Seu chefe,
aproximando-se do padre Júlio Barberis, murmurou-lhe ao ouvido: “Sou ex-
-aluno” e, dito isso, cumprimentou-o e foi embora.
Quando as testemunhas foram embora, o féretro foi depositado num
pequeno coro, diante do qual se colocaram cortinas e tapeçarias, como enfei-
tes festivos, que dissimularam o “esconderijo”, e foi proibido falar do assunto
fora do colégio com quem quer que fosse. O féretro permaneceu ali mais dois
dias. As precauções tomadas impediram que o fato fosse conhecido fora.
Por sorte, não houve nenhuma imprudência, de modo que se pôde proce-
der tranquilamente ao sepultamento na segunda-feira, 6 de fevereiro. Tudo foi
feito sem ruídos, ao anoitecer, para que os vizinhos não tomassem conhecimen-
to. Estavam presentes os superiores do capítulo e várias superioras das Filhas
de Maria Auxiliadora, com a madre-geral. Dom Cagliero benzeu a sepultura
e, em seguida, colocaram o féretro no lóculo. Em seguida, dom Cagliero diri-
giu aos clérigos umas breves palavras dizendo-lhes que os superiores confiavam

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Dom Bosco: história e carisma 3

um preciso tesouro à casa de Valsálice, uma sepultura que um dia haveria de


ser gloriosa; que a conservassem bem; que acolhessem com amor fraterno os
salesianos de outras casas que viessem visitá-la; que fossem eles os primeiros a ir
frequentemente ali para inspirar-se e encher-se de fervor na prática das virtudes
daquele cujos restos mortais estavam encerrados naquele nicho.
Quando se espalhou a notícia pelos arredores do colégio de que ali fo-
ram sepultados os restos mortais de Dom Bosco, os proprietários das casas e
fazendas do Vale dos Salgueiros (Valsálice) escreveram cartas de agradecimen-
to ao prefeito de Turim por ter autorizado que Dom Bosco fosse sepultado
ali, perto de suas casas.
O nicho fora escavado no muro de arrimo, sobre a escada que parte do
pátio baixo do colégio. O féretro permaneceu ali por um ano, sem que nada
fosse tocado, até que foi construída uma capela sobre a sepultura, custeada
por dois ex-alunos; o féretro foi colocado, então, mais decorosamente num
nicho sobre-elevado.
A partir desse momento, 1889, não se tocou no féretro até 1904 quando
foi mostrado aos capitulares que participavam do X Capítulo Geral, por ocasião
do reconhecimento oficial do cadáver, ordenado pela Sagrada Congregação dos
Ritos para o processo de beatificação. Naquela ocasião, o caixão foi aberto por
algumas horas e exposto num grande salão, enquanto se procedia ao revestimen-
to do féretro, que novamente foi colocado em seu nicho, à espera de seu triunfal
translado para a basílica de Maria Auxiliadora em 1929, quando foi beatificado.

Túmulo de Dom Bosco em Valsálice.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

3. Ecos da personalidade de Dom Bosco após a sua morte


Os testemunhos escritos por ocasião da morte de Dom Bosco e durante
o processo de beatificação e canonização, fazem emergir com sempre maior
nitidez, as virtudes da piedade e da caridade como os aspectos mais caracte-
rísticos da sua personalidade espiritual. Dom Bosco apresenta-se como um
padre de fé, aberto ao divino, ao sobrenatural, mas, em igual medida, plena-
mente encarnado nas realidades terrenas, mediante seu incansável trabalho
educativo e social.

Na imprensa
As percepções jornalísticas são necessariamente limitadas no tempo
e no espaço, mas com frequência, pela sua espontaneidade, estão mais
próximas da realidade do que algumas construções hagiográficas posterio-
res. Jornais variados, positiva ou negativamente, acompanharam durante
vários anos as vicissitudes da vida de Dom Bosco e de suas instituições.
As resenhas jornalísticas produzidas por ocasião de sua morte acentuam o
impacto emotivo produzido neles e indicam que se estava diante de um
personagem importante, um homem, um padre, exteriormente simples,
modesto, mas de grande estatura espiritual, com aspectos de personalida-
de de grande relevo.
Precedia todas as evocações jornalísticas com um primeiro perfil tran-
quilo e equilibrado, o jornal L’Unità Cattolica, de Turim, que fora sempre
amigo de Dom Bosco e que mais do que todos os jornais estava informado
sobre o desenvolvimento da obra salesiana e o seu fundador e promotor.
Dom Bosco morrera “no ósculo do Senhor a quem servira fielmente ao lon-
go de setenta e dois anos cheios, muito cheios de boas obras, uma maior e
mais santa do que a outra” e realizadas “com rara paciência, com constância
invencível”. “Sua existência foi, de fato, entre as mais providenciais, e teve
muitos pontos de contato com as vidas mais ilustres, e especialmente com a
de São Francisco de Sales, santo a quem ele imitou, com singular devoção, na
mansidão, na doçura, na calma inalterável e no zelo contra a heresia”. Vivera,
porém, com o “caráter particular” da atualidade: ele foi “o apóstolo de nossos
tempos”, cujo “pensamento dominante” foi “a educação da juventude”, tra-
balhando nela “infatigavelmente e de todas as maneiras, com a palavra, com
os escritos, com muitas e variadíssimas instituições”. “É notório, prosseguia,
que Dom Bosco tivera o dom dos milagres e muitos se contam como solida-
mente comprovados”; “mas é certo que o milagre grande e insigne foi que ele

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Dom Bosco: história e carisma 3

fizera tanto bem com meios aparentemente frágeis”. E enumerava algumas de


suas realizações prodigiosas.57
Pobre de informações e, em compensação, rico de excessos retóricos, foi
o retrato dedicado ao educador de Turim pelo Osservatore Cattolico, de Milão,
principal expoente dos jornais intransigentes, que mais ou menos aberta-
mente pretendia celebrar em Dom Bosco o não superado campeão do “pen-
samento católico”. Iniciava assim: “Dom Bosco. Neste simples sobrenome
compendia-se todo um apostolado, talvez o maior e mais admirável do século
XIX”, um “gigante da caridade”; sua morte foi “uma desventura mundial”,
“um dos mais fatais acontecimentos de 1888”; era um homem que compen-
diava “uma verdadeira epopeia cristã”.58
La Voce della Verità, de Roma, que com o rígido dom Francisco Nardi
não acompanhara com simpatia a ação mediadora de Dom Bosco na questão
dos Exequatur, agora apresentava sua vida como uma escola de “portentos”.59
“Um verdadeiro herói cristão, definia-o Il Diritto Cattolico, de Módena, um
atleta da fé, italiano insigne que gastou sua longa carreira em obras de virtude
e de caridade, fazendo com a ajuda de Deus alguns prodígios, alguns verda-
deiros milagres”.
O Berico, de Vicenza, proclamava-o “uma das esplêndidas figuras que a
religião católica tornou gigante”. O Pensiero Cattolico, de Gênova prognosti-
cava: “Tempo virá [...] em que ele será elevado sobre os altares à semelhança
de tantos outros heróis da caridade e, especialmente, de São Vicente de Pau-
lo”. “Sobre os túmulos dos santos não se chora, invoca-se e reza-se”, senten-
ciava o Eco, de Bérgamo.60
O importante cotidiano católico turinense, Il Corriere Nazionale, es-
crevia: “Homem dotado amplamente de viva fé e firme confiança na Pro-
vidência, este sacerdote italiano é o exemplo moderno para todo o clero
e o laicato católico de como falar e agir em favor da sociedade inteira na
educação da juventude”.61
De uma “existência toda gasta em obras de religião e de caridade”, fa-
lava o leigo Corriere della Sera, desejando que também “no campo liberal se
57
L’Unità Cattolica, n. 26, quarta-feira, 1o de fevereiro de 1888, p. 105. O jornal dedicava a
Dom Bosco, e inteiramente, as duas primeiras páginas do dia seguinte, pródigo de informações tam-
bém nas semanas seguintes, citando, entre outras coisas, evocações de outros jornais.
58
L’Osservatore Cattolico, 31 de janeiro-1o de fevereiro de 1888, n. 25, citado por G. Tuninetti,
L’immagine, 240-241.
59
La Voce della Verità, 3 de fevereiro de 1888, n. 28, p. 2, ver G. Tuninetti, L’immagine, 241.
60
Ver G. Tuninetti, L’immagine, 241-242.
61
“Prodigi della carità”, II Corriere Nazionale, n. 31, 1º de fevereiro de 1888, ver G. Tuninetti,
L’immagine, 239.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

pudessem contar com muitos homens que tivessem a mente organizativa de


Dom Bosco, verdadeiramente superior e sustentada por essa força de vonta-
de, por essa perseverança, que leva a realizar as mais admiráveis empresas”.62
Igualmente, dos diários moderados e de orientação católica, de Barcelo-
na, que há vários anos se interessavam por Dom Bosco, antes e depois da ja-
mais esquecida visita de 1886, do El Correo Catalán, da Revista Popular, de La
Hormiga de Oro e do Diario de Barcelona, emergia a figura de um sacerdote
de extraordinária riqueza de intuições e atuações, com aspectos intensamen-
te marcantes: homem de Deus, “pobre e obscuro”, “virtuoso” e venerando,
firme na fé, tenaz contra obstáculos e perseguições; no exercício da própria
missão, “novo São Vicente de Paulo”, “pai dos pobres”; apóstolo da juventu-
de, “filho do povo e consagrado ao povo”, totalmente dedicado à “educação
religiosa e social dos jovens abandonados e desprezados por todos, muitas ve-
zes, até pelos próprios pais”. Dom Bosco passaria “certamente à posteridade
como uma das mais eminentes figuras do século”.63
A atividade de Dom Bosco em favor do mundo do trabalho era evi-
denciada de modo particular, não sem excessos, em Turim, cidade de Dom
Bosco, pela Voce dell’operaio, semanário das associações católicas de trabalha-
dores. “Em Turim, afirmava, nenhum homem foi mais popular do que Dom
Bosco, e especialmente a classe trabalhadora tinha uma verdadeira veneração
pelo admirável sacerdote. E com razão, pois Dom Bosco, por um período de
mais de cinquenta anos, consagrou ao bem da classe trabalhadora sua grande
alma, seu delicadíssimo coração de pai e de apóstolo”.64

Nas orações fúnebres


Aspectos não efêmeros do perfil de Dom Bosco são encontrados nas
comemorações feitas por ocasião dos ritos fúnebres celebrados em muitas
igrejas. Alguns, em particular, são devidos a personagens que tiveram contato
não casual nem superficial com Dom Bosco, que conheciam suas obras e
compartilhavam suas ideias e, às vezes, possuíam uma visão pessoal e uma
avaliação amadurecida do século. Oferecemos, como exemplo, cinco delas.
O arcebispo de Turim, cardeal Caetano Alimonda (1818-1891), pronun-
ciou, no funeral de trigésimo dia, um discurso memorável65 que, para o Boletim
62
“Don Giovanni Bosco e le istituzioni salesiane”, Il Corriere della sera, n. 32, 1-2 de fevereiro de
1888, citado e comentado por G. Tuninetti, L’immagine, 235-236.
63
Cf. R. Alberdi, “Resonancia de la muerte de Don Bosco en Barcelona”, Sal 50 (1988), 190-214.
Foi o elogio feito pelo diretor da Revista Popular 34 (1888), 100, citado por R. Alberdi, Resonancia 214.
64
“La morte di Don Bosco”, La voce dell’operaio, n. 3, 5 de fevereiro de 1888, p. 2.
65
G. Alimonda, Giovanni Bosco e il suo secolo. Turim: Tip. Salesiana, 1888.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Salesiano, ocupava o primeiro lugar “entre todos os elogios fúnebres”; foi tra-
duzido em outras línguas, com edição em Nice, Barcelona e Buenos Aires. Para
o cardeal, Dom Bosco fez uma extraordinária obra de evangelização, movido
pela caridade; mais ainda, de divinização do seu século, movido pelas quatro
grandes paixões que marcaram sua ação:

1. A educação e a pedagogia: Dom Bosco escolhera tudo o que as no-


vas “descobertas pedagógicas” exibiam e as animara de fé religiosa,
oferecendo à juventude as mais variadas instituições e modalida-
des de desenvolvimento e formação.
2. A questão operária: no século do progresso das artes, dos ofícios, das
indústrias, Dom Bosco ensinara a unir oração e trabalho, proporcio-
nando nos setores mais variados “as máquinas e os utensílios” mais
modernos. A questão operária era superada e, ainda mais, divinizada,
posto que o trabalho era entrelaçado com a verdadeira liberdade,
garantida pelo sentido religioso da vida, pela honestidade, pelo uso
alegre do tempo livre, no qual se harmonizavam “todas as coisas be-
las, mística, ciência, poesia, música, canto”.
3. A promoção do associacionismo: a sociedade moderna pensara
ter encontrado a própria segurança na organização coercitiva, que
culminava no exército e na polícia; Dom Bosco, porém, instituíra
grandes famílias de educadoras e educadores voluntários, ladeados
pela livre associação dos cooperadores, com a finalidade de criar
juntamente com as instituições juvenis uma grande família, graças
ao “método preventivo” que nelas se praticava: “Dessa forma, o
movimento que se produz na associação, caminha tranquilo e or-
denado; não se apega à violência nem à ruína; e as letras, as artes
e as indústrias no sentido da associação evoluem com desenvolvi-
mento harmonioso”.
4. A expansão civilizadora a outros povos: Dom Bosco idealizara e
realizara o grande salto dos salesianos à Argentina, fazendo partici-
pantes dos benefícios da civilização povos que vagavam nas “imen-
sas planícies” da Patagônia. Assim, diversamente dos leigos que
iam até os povos indígenas “para vender mercadorias e obter ou-
tras novas”, Dom Bosco divinizara “a obra da cultura em regiões
não civilizadas”, para levar paz, salvação e liberdade: não enviara
[seus filhos] “para submeter, mas para estender o Reino de Deus,
com amor fervoroso pela Igreja e fidelidade inabalável ao Papa”.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Na base de tudo, resplandecia claramente “a virtude íntima e divina que


dominava durante sua vida o prodígio deste Servo de Deus”, sua “virtude
animadora”, “a celestial caridade”, que tudo sofre, crê, espera, sustenta.
O bispo de Ventimiglia, dom Tomás Reggio (1818-1901),66 ousava esta-
belecer em seu discurso uma comparação entre a missão de Dom Bosco, pa-
dre dos jovens e dos trabalhadores, e a obra redentora de Cristo. “Nosso Dom
Bosco foi prefigurado desde os séculos eternos como imagem viva de Jesus
Redentor. E o foi na humildade, na mansidão, no amor ardente pelas almas,
em tudo”, especialmente ao imitar o Redentor no ato de dizer: Sinite parvulos
venire ad me, “foi a palavra saída então dos lábios de Jesus. Esta palavra tam-
bém designa Dom Bosco por inteiro”, “este é o caráter de Dom Bosco”. É o
aspecto que emerge ao percorrer os momentos que sobressaem de sua biogra-
fia, iniciando pelo primeiro apostolado nas prisões. “Este é Dom Bosco, ami-
go da juventude. Salvar nela a sociedade é sua missão”. Em seguida, sublinha
sua opção preventiva. Segundo ele, o educador piemontês não aderira à pe-
dagogia dominante, baseada no princípio de que “o mal há de ser reprimido,
não prevenido”. Dom Bosco, ao contrário, propugnava conquistar o coração
do jovenzinho com o amor ao bem. Mais do que a férrea violência da lei,
devem guiar os jovenzinhos a persuasão e a doce atração da amabilidade. As
forças do corpo, como a potência da mente, tenham desenvolvimento igual
na diversão honesta, na música e na ginástica, coordenando-as com o traba-
lho, tanto do braço como da mente. “Antes de tudo, eduque-se o coração e
infunda-se sabiamente o sentido de fé e o santo temor de Deus”.
O bispo de Fossano, dom Emiliano Manacorda (1833-1909),67 que se
relacionara com Dom Bosco ainda jovem sacerdote, afirmava em seu discur-
so que não se podia contemplar a “vida admirável de Dom Bosco” sem uma
dupla reflexão: em primeiro lugar, a reflexão “sobre os desígnios da divina
Providência que preparara o servo fiel para grandes obras”: todo o período de
sua formação aparece como “um verdadeiro laboratório” no qual todas as suas
faculdades de mente e de coração foram ativadas e harmoniosamente coor-
denadas para o fim supremo, “a glória de Deus e a salvação das almas”, antes
de tudo os jovens. Em segundo lugar, a reflexão “sobre o poder e a eficácia da
caridade que fez de Dom Bosco um objeto de admiração e veneração profun-
da em todas as classes e em todas as nações”. “Dom Bosco era pensamento
e amor, por isso não causa estranheza que exercesse tão poderosa força sobre
66
T. De’ Marchesi Reggio, Nelle solenni esequie di trigesima in suffragio del sacerdote D. Giovan-
ni Bosco. Sampierdarena: Libreria Salesiana, 1888.
67
E. Manacorda, Elogio funebre nei solenni funerali di trigesima celebrati il 1o marzo 1888 in
sufragio del compianto sacerdote D. Giovanni Bosco. Roma: Tip. A. Befani, 1888.

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Dom Bosco: história e carisma 3

o coração e o espírito de todos os que se aproximavam dele, embora alguns


fossem dos mais indisciplinados e refratários”. O orador ainda evocava os
empreendimentos, os sucessos, as “obras múltiplas, imponentes, custosas”,
engendradas pela caridade “entre obstáculos sem número”. Finalmente, dava
graças a Deus que respondera “à apostasia e perversão de uma parte de seu
povo proporcionando à humanidade o padre João Bosco, honra, apóstolo,
atleta do século XIX que, servindo-se de todas as forças recebidas da natureza
e da graça, sustentou a luta contra o mal com ardor digno dos maiores he-
róis”: “O prodígio de toda a sua vida”.
O bispo auxiliar de Florença, dom Donato Velluti Zati, dos duques de
San Clemente (1845-1927),68 apresentou um perfil mais intimista. Para ele,
Dom Bosco era “o apóstolo ilustre da juventude e da infância, êmulo em
nosso século de Vicente de Paulo, de Jerônimo Emiliani, de José de Calasanz,
de La Salle, o sacerdote santo plasmado segundo o coração de Deus, o funda-
dor do instituto posto sob o patrocínio de São Francisco de Sales”. A pessoa
sentia-se “perdida” diante do “trabalho tão duradouro e tão imenso deste ho-
mem” e diante das “obras apenas críveis de um sacerdote grande benfeitor do
gênero humano”. Passava depois a narrar biograficamente o desenvolvimento
da sua ação benéfica, detendo-se particularmente nos inícios, no apostolado
das prisões e no primeiro Oratório. Concluía tentando um perfil espiritual,
no qual apenas se aludiam aos “muitos fatos extraordinários, prodigiosos”,
sobre os quais se remetia ao juízo da Igreja. Preferia individuar os “verdadei-
ros milagres” de Dom Bosco naquilo que trabalhara e fora: “Todas as casas,
todos os oratórios, todos os milhares de meninos salvos, muito e muito di-
nheiro recolhido para fazer caridade”. Enfim, “toda a vida de Dom Bosco”
com suas qualidades e sólidas virtudes. O juízo sobre Dom Bosco educador
era inspirado em sua sábia liberdade de julgamento: “Foi incansável na arte
de educar os jovens, e, inimigo do muito e do pouco, como seu celestial pa-
trono, guiava-os por esse caminho intermédio conduzido pela virtude. Foi de
grandes ideias e de coração magnânimo e inimigo das afetações daqueles que
amam as coisas sempre reguladas pelo prumo e pelo compasso”.
O cônego Jacinto Ballesio (1842-1917),69 pároco e vigário forâneo de
Moncalieri, ex-aluno do Oratório, apelou para sua experiência salesiana no
elogio fúnebre pronunciado na igreja de Maria Auxiliadora em 8 de março
de 1888. Com intensa emotividade, ele projetou a imagem de Dom Bosco
como a do pai de família da “casa anexa” de Valdocco, na qual o orador,
68
D. Velluti San Clemente, D. Giovanni Bosco: parole dette nella Chiesa dei Padri dell’Oratorio
di Firenze. Florença: Libreria Salesiana, 1888.
69
G. Ballesio, Vita intima di D. Bosco nel suo primo oratorio di Torino. Turim: Tip. Sale­siana, 1888.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

coetâneo de São Domingos Sávio, vivera os anos felizes de sua adolescência


estudiosa. Dom Bosco fora “o homem que pensa, ama, teme e espera, que
fala e trabalha, que se cansa e se sacrifica pelos filhos que o céu lhe confiou”.
“Algo que a história não poderá narrar plenamente, o que ela não conseguirá
fazer compreender bem é a sua vida íntima, o seu sacrifício contínuo, calmo,
doce, invencível e heroico; seu estudo e o grande amor por nós seus filhos, a
confiança, a estima, a reverência, o afeto que ele nos inspirava; a grande au-
toridade, a fama de santo, de douto, no que era considerado por nós, quase
o tipo ideal de perfeição moral”. Continuava: “Assim governava Dom Bosco
o seu, ou melhor, o nosso querido Oratório. Com o santo temor de Deus,
com o amor, com a dedicação do bom exemplo” [...]. À piedade religiosa,
ao estudo, ao trabalho, unia-se entre nós a alegria. [...] Dom Bosco era sua
alma. Seu lema era Servite Domino in laetitia. Quem foi, então, Dom Bosco?
Dom Bosco foi o homem de Deus entre nós, o homem do bem para todos,
mas especialmente para os filhos do povo, e bem poderia repetir que pauperes
evangelizantur. “Foi para nós mestre e guia no amor à juventude e no conduzi-
-la para o bem”. “Foi para nós exemplo de verdadeira amabilidade cristã e,
em seu governo conosco, abandonou o formalismo artificial, o rigorismo que
cria um abismo entre quem manda e quem obedece”. “Amante e expansivo,
ele exercia a autoridade inspirando respeito, confiança e amor”.

Pio XI, uma testemunha excepcional70


Testemunha excepcional, dentre os que tiveram a sorte de conhecer
Dom Bosco e de relacionar-se com ele, sobressai o papa Pio XI que, segundo
a própria confissão, estava, “com profunda condescendência, entre os mais
antigos amigos pessoais do Venerável Dom Bosco. Vimos este vosso glorio-
so pai e benfeitor, vimos com nossos olhos; estivemos perto dele, coração
a coração. Houve entre nós uma não breve e não vulgar troca de ideias, de
pensamentos, de considerações...”.71 A partir deste conhecimento direto e
profundo, atreveu-se a expressar o entrelaçamento em Dom Bosco de “san-
tidade e trabalho” com a audaciosa fórmula qui laborat orat, fórmula que
poucas décadas antes mereceria a acusação de “americanismo” a quem tivesse
usado essas palavras ou outras semelhantes.
Obviamente, o Papa não pretendia indicar a identidade, mas a simul-
tânea presença vital de ora e de laborat, ou seja, a dimensão religiosa e o em-
penho terreno da ação de Dom Bosco. Pio XI insistia nisso, convencido de
70
Cf. P. Braido, Don Bosco, sacerdote II, 722-725.
71
Cf. Discorsi di Pio XI, 17 de junho de 1932; 8 de maio de 1934; 15 de maio de 1934.

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Dom Bosco: história e carisma 3

tê-lo captado na conduta prática de Dom Bosco durante as densas jornadas


vividas com ele em Turim. Logo que foi eleito Papa, manifestava diante de
uma nutrida comunidade educativa salesiana, que Dom Bosco era o “grande
gigante e defensor da educação cristã”.72 No cotidiano do sacerdote subalpino
havia sido revelada a perfeita união entre os dois princípios fundamentais ou
“máximas” de sua ação: o Da mihi animas, cetera tolle e o qui laborat orat. No
Oratório de Turim, ele pudera realmente ver um homem “presente em tudo,
atarefado numa abundância contínua de assuntos, entre um acúmulo de pe-
didos e de consultas” e, ao mesmo tempo, com “o espírito sempre em outro
lugar, sempre elevado, onde a serenidade era sempre imperturbável, onde a
calma era sempre dominadora, sempre soberana, de modo que realmente
se cumpria nele o grande princípio da vida cristã, qui laborat orat”.73 “Pois,
esclarecia, foi incessante a sua oração, a sua contínua conversa com Deus” e
a qualidade de seu trabalho estava com certeza na “sua constante invocação:
Da mihi animas, cetera tolle: as almas, sempre, a busca das almas, o amor das
almas”. Em Turim, ele pudera admirar “um grande, um excepcional traba-
lhador”, um “grande amigo de Deus e operário da fé”, totalmente “dedicado
a promover com seu trabalho apostólico a glória de Deus”.
Efetivamente, percorrendo a biografia de Dom Bosco, viu-se que a
densa fórmula “glória de Deus e salvação das almas” foi constantemente
o vértice de sua experiência e de seu magistério espiritual. Era a tradução
concreta do duplo e único mandamento evangélico do amor de Deus e do
próximo. Não era uma invenção sua. Aprendera-o como clérigo estudante e
como padre no seminário pastoral desejado por dom Chiaverotti, acentuado
no Colégio Eclesiástico do padre Guala e do padre Cafasso, permeado do
espírito de Santo Afonso Maria de Ligório e de Santo Inácio de Loyola, e
aperfeiçoado com toques novos no encontro ideal com Francisco de Sales,
apóstolo do Chablais.

Outros testemunhos
São muitos os estudiosos que viram em Dom Bosco um dos represen-
tantes mais eminentes deste moderno tipo de santidade. Nele, escreve o
teólogo Ceslao Pera, verificou-se “a perfeição da caridade, necessária para todo
apostolado”, capaz de induzi-lo a “deixar também a divina contemplação [...]
para servir a Deus na salvação do próximo”. Era, também, um homem de

72
Aos educadores e alunos do colégio do Sacro Cuore de Roma, em 25 de junho de 1932. Cf.
Discorsi di Pio XI, I, 33-35.
73
20 de fevereiro de 1927. Ver Discorsi di Pio XI, I, 677ss.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

“atividade prodigiosa em toda obra de bem”, um homem “de elevadíssima


contemplação”: “Homem de Deus no pleno sentido da palavra”.74 Não é um
parecer isolado. Dom Bosco, afirma A. Portaluppi, bem informado estudio-
so da história da espiritualidade, é “modelo do santo de tipo moderno”, cuja
“forma de santidade une-se às mais incontestáveis e inevitáveis urgências
da nossa existência de cada dia”. “A missão de Dom Bosco foi plenamente
social”. “Ele era um temperamento totalmente concreto, prático, segundo as
exigências da vida social”. Sua espiritualidade era “feita de impulsos ordena-
dos à ação e de estímulos voltados à realização concreta do Reino de Cristo”,
“para a glória de Deus”: Dom Bosco era “um contemplativo na ação”.75
Jean Hervé Nicolas escreve que o Espírito de Deus “pode elevar à mais
alta contemplação aqueles que, em virtude da caridade, vivem mergulhados
nos mais extenuantes compromissos da vida ativa a serviço do próximo [...].
Quem poderia duvidar do elevado grau de contemplação a que chegaram
Santa Catarina de Sena, São Vicente de Paulo, o Cura d’Ars, São João Bosco,
para citar apenas alguns?”.76
O salesiano padre Alberto Caviglia, estudioso apaixonado de Dom Bosco
e por muitos anos aluno e beneficiário de sua orientação espiritual, deixou
escrito: crente ou não crente, quem se encontra com este “poderoso e extraor-
dinário gênio do bem, não poderá separar estas duas ideias que se encarnam
em si mesmo e ocultar um de seus dois aspectos: o homem do cristão, ou seja,
o santo e o homem da ação poderosa e vastamente inovadora na educação e
na caridade”.77 Nele, “a vida interior está totalmente centrada na vida exterior
e poder-se-ia dizer que a vida interior era reforçada pela vida exterior, pois jus-
tamente os gestos desta vida, os mais variados e simples, mas realizados com a
perfeição da caridade, são outros tantos gestos de adoração, que constituem o
essencial do que poderia ser definido como a liturgia dos homens de ação”.78
“Agora, os tempos são outros, dizia o próprio Dom Bosco e, por isso, além de
rezar fervorosamente, é necessário trabalhar, e trabalhar incansavelmente, se
não quisermos assistir à ruína total da geração presente”.79

74
C. Pera, I doni dello Spirito Santo nell’anima del B. Giovanni Bosco. Turim: SEI, 1930, 57.
75
A. Portaluppi, “La spiritualità del Beato D. Bosco”, La Scuola Cattolica 58 (1930), 24-26.
76
J. H. Nicolas, Contemplazione e vita contemplativa nel cristianesimo. Cidade do Vaticano:
Editrice Vaticana, 1990, 279.
77
A. Caviglia, Don Bosco: profilo, 10.
78
P. Cras, “La spiritualité d’ un homme d’action. Saint Jean Bosco”, La Vie Spirituelle 20
(1938), 287-288.
79
Conferência aos cooperadores, BS 4 (1880), n. 7, p. 12.

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Apêndice

DO TESTAMENTO ESPIRITUAL DE Dom BOSCO80

Meus caros e amados filhos em Jesus Cristo:


Antes de partir para a minha eternidade devo cumprir alguns deveres para
convosco e assim satisfazer o grande desejo do meu coração. Antes de mais nada,
agradeço-vos com o mais vivo afeto do coração a obediência que me prestastes e
todo o trabalho que tivestes para manter e propagar a nossa Congregação.
Eu vos deixo aqui na terra, mas apenas por pouco tempo. Espero da
infinita misericórdia de Deus que um dia nos possamos encontrar todos na
feliz eternidade. Lá vos espero.
Recomendo-vos que não choreis a minha morte. É uma dívida que to-
dos havemos de pagar, mas depois será copiosamente recompensado todo
trabalho sofrido por amor de nosso Mestre, o nosso bom Jesus.
Em vez de chorar, tomai firmes e eficazes resoluções de permanecerdes
firmes na vocação até a morte. Ficai atentos e vigiai a fim de que nem o amor
do mundo, nem a afeição aos parentes, nem o desejo de vida mais cômoda
vos levem ao grande despropósito de profanar os santos votos e assim trans-
gredir a profissão religiosa, com que nos consagramos ao Senhor. Nenhum de
nós tome de novo o que ofereceu a Deus.
Se me amastes no passado, continuai a amar-me no futuro, mediante a
exata observância das nossas Constituições.
Morreu o vosso primeiro Reitor. Mas o nosso verdadeiro superior, Jesus
Cristo, não morrerá. Ele será sempre nosso mestre, nosso modelo. Não vos
esqueçais, porém, de que, a seu tempo, ele mesmo será o nosso juiz e remu-
nerador da nossa fidelidade ao seu serviço.
O vosso Reitor já não vive, mas será eleito outro que cuidará de vós e
da vossa eterna salvação. Ouvi-o, amai-o, obedecei-lhe, rezai por ele, como
fizestes para comigo.
80
F. Motto, Testamento spirituale, 73-130.

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Última enfermidade e morte de Dom Bosco

Adeus, queridos filhos, adeus. Espero-vos no céu. Lá falaremos de


Deus, de Maria, Mãe e sustentáculo da nossa Congregação; lá bendiremos
por todo o sempre esta nossa Congregação, cujas regras por nós observa-
das contribuíram poderosa e eficazmente para a nossa salvação. Sit nomen
Domini benedictum ex hoc nunc et usque in saeculum. In te, Domine, speravi
non con fundar in aeternum.
[…] Deus bondoso e sua Mãe Santíssima socorreram-nos em nossas
necessidades. O que se verificou especialmente toda vez que precisávamos
acudir aos nossos meninos pobres e abandonados, e mais ainda quando suas
almas corriam perigo.
A Santa Virgem continuará certamente a proteger a nossa Congregação
e as obras salesianas, se nela continuarmos a confiar e a promover-lhe o culto.
[...] O trabalho, o comportamento digno e exemplar de nossos irmãos
ganham e por assim dizer arrastam os alunos a seguir-lhes os exemplos. Fa-
çam-se sacrifícios pecuniários e pessoais, mas pratique-se o Sistema Preventi-
vo, e surgirão numerosas vocações.
[...] Lembrai-vos que será sempre belo para vós o dia em que conseguir-
des com vossos favores vencer um inimigo ou conquistar um amigo.
[...] A nossa Congregação tem diante de si um futuro feliz preparado
pela Divina Providência, e sua glória haverá de durar enquanto se observarem
fielmente nossas Regras.
[...] O mundo nos acolherá sempre com prazer enquanto nossas solici-
tudes se dirigem aos indígenas, aos meninos mais pobres, mais periclitantes
da sociedade. Essa é para nós a verdadeira riqueza, que ninguém haverá de
roubar.
[...] Não esqueçamos que somos destinados aos meninos pobres e aban-
donados. Entre povos desconhecidos e que ignoram o verdadeiro Deus, ver-
-se-ão maravilhas até agora inacreditáveis, mas que Deus Todo-poderoso ma-
nifestará ao mundo.
[...] Quando um salesiano tombar e vier a morrer trabalhando para as
almas, haveis então de dizer que a nossa Congregação alcançou um grande
triunfo e sobre ela descerão copiosas as bênçãos do céu.

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Capítulo XVI

A SUCESSÃO DE DOM BOSCO

A colaboração do padre Rua com Dom Bosco, como também a dos de-
mais membros do Capítulo Superior, nunca se reduziu à simples execução das
próprias funções no organograma de governo estabelecido nas Constituições;
a colaboração foi sempre uma sincera e total disposição de estar a serviço de
Dom Bosco em tudo o que ele acreditasse ser necessário para levar adiante o
bom encaminhamento da Congregação. Entre Dom Bosco e seus colaborado-
res mais próximos, todos educados por ele, o intercâmbio de ideias e ações era
tal, que não se vira a necessidade de pensar em alguém que substituísse o su-
perior enquanto ele vivesse. De fato, entre os órgãos de governo da Sociedade
Salesiana não existia o cargo de vigário substituto do superior com autoridade
constitucionalmente reconhecida. Também não consta, e nem é pensável, uma
iniciativa do Conselho Superior nesse sentido. A todos, porém, preocupava o
futuro e o que aconteceria no dia em que Dom Bosco viesse a faltar.
O próprio Dom Bosco, até fins de 1884, parece não ter pensado na even-
tualidade de nomear um substituto com autoridade jurídica. Assim, entre as
recomendações que faz em seu Testamento espiritual para serem executadas de-
pois de sua morte, escreve que o Capítulo Superior, “especialmente o vigário,
de acordo com o prefeito”, deverá informar a morte do Reitor, com uma carta
a todos os salesianos, recomendando orações por ele e pela correta eleição do
sucessor depois do sepultamento; dar conhecimento de uma carta já escrita por
ele a seus amados filhos em Jesus Cristo; e estabelecer o dia e a eleição do novo
superior. Está claro que, quando Dom Bosco escreveu estas recomendações,
não lhe passava pela mente nomear o seu sucessor. Ele pensava que este deve-
ria ser eleito por toda a Congregação, conforme as regras. Mais tarde, ao reler
o que escrevera anteriormente, corrige na nota: “Pense-se que estas páginas
foram escritas em setembro de 1884, antes que o Santo Padre nomeasse um
vigário com [direito de] sucessão, portanto, sejam modificadas como convém”.1
1
F. Motto, Testamento spirituale, 29. MB XVII, 253, 270. Os cursivos são dos autores da edição
em espanhol.

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A sucessão de Dom Bosco

Entretanto, a partir de 1883, as coisas mudaram. A saúde de Dom Bos-


co era tão precária que se tornava sempre mais oportuna, e também neces-
sária, uma suplência, ou seja, a nomeação de alguém que fizesse as vezes de
Dom Bosco quando ele faltasse ou se visse impedido de exercer suas funções.
Em Roma, pensava-se seriamente em regulamentar juridicamente o quanto
antes a questão da sucessão.
Dom Bosco mesmo se via sempre mais carente de alguém que o assistis-
se, sofria frequentes e graves achaques na saúde e via-se sempre mais frágil e,
por isso, com sempre maior frequência foram confiadas ao padre Rua algu-
mas tarefas próprias do cargo de um vigário. Eram palpáveis os sinais dessa
gradual passagem de poderes. Neste sentido, 1884 foi um marco na história
da Congregação Salesiana. Lê-se nas atas do Capítulo Superior de 28 de fe-
vereiro de 1884:
Dom Bosco anuncia que irá à França no dia 1o de março. Estabelece que
enquanto estiver ausente, o Capítulo se reúna, ao menos uma vez por mês.
Dá ao padre Rua plenos poderes para presidi-lo. Recomenda aos membros
que continuem a se amarem uns aos outros. Para fazer melhor as coisas que se
fazem requer-se a caridade.2

Mais tarde, numa carta ao padre Rua, escrita de Roma em 19 de abril de


1884, padre Lemoyne, depois de uma longa série de encargos dados pelo su-
perior, escrevia laconicamente: “Dom Bosco diz: padre Rua esteja no timão,
dom Cagliero seja o encarregado geral dos assuntos externos”.3 Dom Bosco,
portanto, definia suas relações com seus conselheiros como o faria um chefe
de Estado com o primeiro-ministro e o ministro de Assuntos Exteriores.
Decisivos, a respeito, foram os relatórios recebidos no Vaticano e a ob-
servação direta de Leão XIII na visita de Dom Bosco. O Papa constatou
pessoalmente o deplorável estado de sua saúde. Deveria ocupar-se o quanto
antes do futuro da Congregação depois da morte, previsivelmente próxima,
do fundador. Por isso, pensou que era necessário indicar-lhe um sucessor.

1. Nomeação do vigário com direito de sucessão


Em carta datada em 9 de outubro de 1884, dirigida ao cardeal Caetano
Alimonda, arcebispo de Turim, em nome do Papa, o arcebispo Domingos

Reunião do Capítulo Superior, 24 de outubro de 1884, Lemoyne, Atas, 44a, em ASC D868
2

Consiglio Superiore, Verbali: FDB 1881.


3
Cf. carta de 19 de abril de 1884, em P. Braido e R. Arenal Llata, Don Giovanni Battista
Lemoyne, 143.

645

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Dom Bosco: história e carisma 3

Jacobini, secretário da Congregação para a Propagação da Fé, expressou a


preocupação do Papa com a saúde de Dom Bosco e o futuro da Congrega-
ção Salesiana:

“Sua Santidade, nesta ocasião, pediu-me para escrever-lhe sobre outro assunto
muito importante. Ele viu que a saúde de Dom Bosco decai a cada dia e teme
pelo futuro de seu Instituto. Gostaria que sua eminência, usando a influência
que lhe dá tão bons resultados, fale com Dom Bosco e convença-o a desig-
nar a pessoa que acredite como idônea para sucedê-lo ou para nomear como
vigário com direito de sucessão. O Santo Padre, nos dois casos, se reservaria
prover como lhe parecesse mais prudente. Deseja, contudo, que sua eminên-
cia faça depois as tramitações que se referem tanto ao bem do Instituto”.4

O Papa, portanto, considerava o assunto urgente. O cardeal foi visitar


Dom Bosco, parece que no mesmo dia em que recebeu a carta, e Dom Bosco
garantiu-lhe que proporia o assunto ao seu conselho e concretizaria a vontade
do Papa.

Padre Miguel Rua.

4
Extrato da carta de dom Jacobini, citada em Epistolario IV Ceria, 347.

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A sucessão de Dom Bosco

Reuniões do Capítulo Superior: 24 e 28 de outubro de 1884


Dom Bosco tratou a questão com os membros do Capítulo Superior.
Comunicou-lhes a vontade de Leão XIII e perguntou-lhes como deveria agir.
O Capítulo Superior era da opinião de que o próprio Dom Bosco devia no-
mear o seu sucessor e enviar o nome ao Papa, que seguramente aprovaria sua
decisão. Dom Bosco perguntou se eles pensavam que o candidato deveria
ser eleito por votação de todos os irmãos. O conselho considerou que essa
medida não era necessária. A ata da reunião de 24 de outubro de 1884 diz:

Dom Bosco revela que, de acordo com uma recente carta que recebeu, o Papa
deseja que ele designe um vigário com direito de administração e de suces-
são [acréscimo entre linhas]. “Através desta ação, o Santo Padre demonstra
o grande amor que tem à nossa Congregação, assim como sua preocupação
pelo seu bem-estar”. O fato de querer que o próprio Dom Bosco nomeie o
seu sucessor é uma demonstração de estima e reconhecimento do mérito.
Dom Bosco teria preferido deixar que os irmãos exercessem livremente seu
direito e elegessem o superior depois de sua morte. Mas a carta do Papa não
lhe deixa outra opção. O Papa comentara a ideia com ele quando esteve este
ano em Roma.
Dissera a Dom Bosco: “Vossa saúde não é boa; tendes necessidade de ajuda,
de ser assistido; é conveniente ter ao vosso lado uma pessoa que recolha vossas
tradições, que possa fazer reviver muitas coisas que não estão escritas e que, se
o estão, não seriam interpretadas no justo sentido” [Dom Bosco acrescentou:]
“Meditei muito sobre isso etc.”. Dom Bosco, em seguida, pede a opinião do
Capítulo sobre a resposta que deve dar ao Santo Padre. A opinião unânime do
Capítulo é que Dom Bosco deve escolher quem ele quiser; e com isso a questão
estará concluída. Dom Bosco, porém, pergunta novamente, se antes de apresen-
tar um nome ao Papa, deve convocar uma eleição geral. A opinião do Capítulo é
negativa sobre esse ponto. Dom Bosco deve escolher seu vigário e administrador
com direito de sucessão e enviar o nome ao Papa para sua aprovação.5

Depois de pensar um pouco mais no assunto, na reunião do conselho


de 28 de outubro, Dom Bosco expressou-se mais amplamente. A ata recolhe
suas palavras:

Trata-se, agora, de nomear um vigário para Dom Bosco e que este o represen-
te em tudo: perante a Igreja nos assuntos canônicos, perante o Estado, como

5
Reunião do Capítulo Superior, 24 de outubro de 1884, Lemoyne, Atas, 44a, em ASC D868
Consiglio Superiore, Verbali: FDB 1881 D3.

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Dom Bosco: história e carisma 3

meu procurador em assuntos civis. Talvez agradasse ao Papa que Dom Bosco
se retirasse totalmente e descansasse; mas, a não ser que esteja enganado, se
continuo com a minha responsabilidade, ainda poderei ser útil à Congrega-
ção. Mesmo se fique como Reitor-Mor apenas como figura, minha simples
pessoa seria suficiente para incentivar a caridade em lugares como a França,
Espanha, Polônia. Mas preciso, de verdade, de alguém a quem recomendar
a Congregação e sobre cujos ombros poder descarregar a responsabilidade.
Neste sentido, fiz escrever ao Sumo Pontífice, declarando-me disposto, con-
tudo, a cumprir sua decisão. Gostaria de ter escrito pessoalmente, mas não
consegui acabar, senão depois de várias peripécias e, enfim, dei-me conta de
que terminara de escrever em outro papel, que estava embaixo da carta. Mi-
nha pobre cabeça já não aguentava. A carta já foi enviada. Até que chegue a
resposta pontifícia, teremos que encontrar alguém para colocar à frente da
Congregação e que assuma o governo com total responsabilidade.

A esta altura, pediu para o padre Rua ler a carta que o Papa mandara
dom Jacobini escrever com essa finalidade.6 Nela, propunha-se uma destas
duas opções: designar aquele que Dom Bosco julgasse idôneo para sucedê-lo,
ou indicar quem pudesse assumir em seguida o título de vigário com direito
de sucessão. Dom Bosco, então, continuou a dizer:

Propus ao Papa um vigário-geral com direito de sucessão, mas deixando tudo


nas mãos de Sua Santidade. Entregarei os poderes a esse vigário, com a inten-
ção de que seja plenamente responsável porque, repito, este cargo não existiu
até agora entre nós. Deixemos que este vigário nomeie para si outro prefeito.
Eu, então, me retirarei e velarei sobre tudo e dialogarei com meu vigário; mas
será ele que, ex officio, falará e dará as obediências aos irmãos.7

Fica claro que Dom Bosco ainda não contemplava sua plena retirada
do cargo, por isso optou pela segunda possibilidade projetada por Leão XIII:
nomear um vigário que não fosse imediatamente superior-geral da Congrega-
ção. Neste sentido, Dom Bosco deu sua resposta ao Papa; a carta foi remetida
ao cardeal Alimonda que, por sua vez, expediu-a ao cardeal protetor Nina,

6
Ver um extrato da carta de dom Jacobini em MB XVII, 277s.
7
Reunião do Capítulo Superior, 28 de outubro de 1884, Lemoyne, Atas, 45a-b, em ASC D868,
Consiglio Superiore, Verbali: FDB 1881 D5-6. Se o prefeito Rua chegasse a ser vigário, deveria no-
mear outro prefeito às suas ordens, até que o Capítulo Geral elegesse um prefeito, de acordo com as
Constituições. Padre Rua, desde 1876, assumira sempre mais as responsabilidades no governo da Con-
gregação e, nos anos oitenta, começou a governá-la em todos os assuntos, não ex officio. Seu título era
prefeito, não vigário. O cargo de vigário era uma novidade. Os cursivos são do autor.

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A sucessão de Dom Bosco

que a fez chegar às mãos do Papa em 27 de novembro.8 Não se conhece o seu


conteúdo, mas pode-se dar por certo que Dom Bosco apresentou ao Papa o
nome do padre Rua. Sugerem-no as seguintes razões:

1. Numa carta ao cardeal Alimonda que, talvez, acompanhava o decreto


de nomeação, o cardeal Nina escreveu: “Sua Santidade está plena-
mente satisfeito ao saber que o futuro da instituição salesiana está
garantido com a nomeação do padre Rua para suceder Dom Bosco
no caso de sua morte. Que Deus o conserve ainda por muitos anos”.
2. Embora não se mencionasse o nome do padre Rua na reunião
do conselho de 28 de outubro, a declaração de que “este vigário
nomeie para si outro prefeito” demonstra que Dom Bosco pensava
para vigário o até então prefeito padre Rua.

Nesse ínterim, Leão XIII falara de seus sentimentos com o padre João
Cagliero. Numa audiência concedida em 5 de novembro, proclamara-o bispo
e nomeara-o vigário apostólico da Patagônia central e setentrional; depois
de dar-lhe esta missão, falou de sua preocupação pela obra de Dom Bosco,
quando seu fundador morresse. Está “velho”, dizia-lhe inclinando a cabeça
de modo significativo. É preciso recolher seus ensinamentos e seu espírito
e transmiti-lo sem alterações; caso contrário, a Sociedade Salesiana logo se
verá arruinada. Não havia tempo a perder. Enquanto o fundador vivesse seria
possível saber facilmente qual era o espírito que animava a Congregação, Faz
falta “um vigário capaz disso tudo”, concluía o Soberano Pontífice.9

Demora em tornar público o decreto


Dom Bosco não comunicou logo a nomeação oficial, mas esperou
quase um ano antes de fazê-lo. Talvez, o decreto, supondo que Dom Bosco
o tenha recebido, não continha qualquer disposição nesse sentido. Talvez,
como confessou em relação à sua intenção de escrever uma resposta à carta
do cardeal Jacobini, “sua cabeça não estava para isso”. Depois da recaída
de 1884 e das viagens à França em 1884 e 1885, a saúde de Dom Bosco
deteriorara-se consideravelmente.
Mas, quem sabe, Dom Bosco pretendesse fazer uma transição gradual.
Anteriormente, no mês de outubro de 1884, padre Rua transferira-se à sala ao
lado de Dom Bosco, ocupada até então pelo padre Berto, que fora secretário

8
Explicações em MB XVII, 275s.
9
F. Desramaut, Vida de Don Miguel Rua. Madri: Editorial CCS, 2009, 138.

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Dom Bosco: história e carisma 3

de Dom Bosco e arquivista. Dom Bosco ampliava sempre mais a esfera de res-
ponsabilidade do padre Rua, dando como motivações, seu delicado estado de
saúde e a necessidade de que alguém o substituísse. Em junho de 1885, numa
reunião do Capítulo Superior, Dom Bosco insistiu:

É essencial que o padre Rua seja aliviado de todos os problemas e esteja to-
talmente disponível a Dom Bosco. Preciso dele ao meu lado, porque já não
posso continuar neste ritmo. Devo transferir toda a responsabilidade ao padre
Rua, para que eu possa estar livre de todas essas preocupações e ainda pos-
sa ser de alguma ajuda pela minha experiência. Também poderei durar um
pouco mais. Precisamos de alguém que busque dinheiro para caridade através
de cartas e presenças pessoais, não só em Turim, mas também em Gênova,
Milão, Roma. Até agora, Dom Bosco encarregou-se disso, mas já não posso
fazê-lo. Alguém mais deve fazê-lo em meu nome.10

Anúncio oficial da nomeação do padre Rua


Ao longo de 1885, padre Rua continuou a exercer o seu ofício de pre-
feito geral, com cartas mensais aos diretores das Casas; pedia aos diretores
os resultados dos exames semestrais dos clérigos, recomendava os Exercícios
Espirituais aos alunos, dava notícias sobre Dom Bosco ou as viagens dos
missionários etc. Em abril, Dom Bosco enviou-o a visitar as casas dos salesia-
nos e das Filhas de Maria Auxiliadora na Itália central e na Sicília. Foi muito
bem acolhido. Já não se apresentava com o inspetor minucioso, mas, agora,
tratava-se essencialmente de verificar se a obra cumpria sua tarefa como casa
de educação, tanto para os internos como para os externos. Nesses meses,
Dom Bosco estava muito presente, mas reconhecia que não podia cumprir
o seu cargo sozinho. Sugeria que, se o padre Rua o assumisse, ele poderia
dedicar-se à busca de fundos entre os benfeitores tanto por carta como os
visitando. Contudo, demorava em tornar oficial o título de vigário-geral ao
seu prefeito. Sem dúvida, custava-lhe imaginar a sua Congregação sem ele
próprio como o seu centro.11
Dom Bosco, finalmente, anunciou a nomeação do padre Rua como vi-
gário, primeiramente ao seu Conselho, e, depois, mediante carta circular, a
todos os irmãos. Oralmente, comunicou-o ao seu conselho na reunião de 24

10
Reunião do Capítulo Superior, 22 de junho de 1885, Lemoyne, Atas, 62a, em ASC D868
Consiglio Superiore, Verbali: FDB 1882 B3. Destaque-se que Dom Bosco, na reunião, ainda se absti-
vera de dizer que o padre Rua fora nomeado vigário.
11
Cf. P. Braido, “Don Michele Rua primo autodidatta visitatore salesiano”, RSS 9 (1990), 167-168.

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A sucessão de Dom Bosco

de setembro de 1885; reiterou, então, a necessidade de um vigário e anun-


ciou, em seguida, que o padre Rua recebera a nomeação. Como se informa
na ata, Dom Bosco disse:

Devo dizer-vos duas coisas. A primeira refere-se a Dom Bosco, que já está um
tanto cansado e precisa de alguém que faça suas vezes. A segunda refere-se
ao vigário-geral, que substitua Dom Bosco no que este fazia e se encarregue
de tudo o que for necessário para o bom andamento da Congregação; estou
certo também de que, ao tratar dos negócios, ele sempre receberá de bom
grado as sugestões de Dom Bosco e dos irmãos e, ao assumir sobre si este car-
go, somente desejará ajudar a Pia Sociedade Salesiana, de sorte que, quando
eu morrer, minha morte não altere em nada o caminho da Congregação. Por
conseguinte, o vigário deve tomar as decisões oportunas para que as tradições
que temos atualmente se mantenham intactas. Assim o recomendou encare-
cidamente o Papa. As tradições são diferentes das regras, enquanto ensinam o
modo de explicar e praticar as mesmas regras. Deve-se procurar que estas tra-
dições sejam mantidas depois de mim e sejam conservadas pelos que vierem
depois de nós. Meu vigário-geral na Congregação será o padre Miguel Rua.
Esse é o pensamento do Santo Padre, que me escreve através de dom Jacobini.
Ele desejava proporcionar a Dom Bosco toda a ajuda possível e perguntou-me
quem me parecia poder fazer minhas vezes. Eu respondi que preferia o padre
Rua, porque também é um dos primeiros na ordem do tempo na Congrega-
ção, porque há muitos anos exerce este cargo e porque esta nomeação seria
do agrado de todos os irmãos. Sua Santidade respondeu, há não muito tem-
po, por meio do eminentíssimo cardeal Alimonda: “Está bem”, aprovando
assim a minha decisão. Portanto, de hoje em diante, padre Miguel Rua fará
minhas vezes em tudo, e o que eu posso fazer, ele poderá fazer; tem os plenos
poderes do Reitor-Mor, ou seja: aceitações, imposição da batina, eleição de
secretário, delegações etc. Contudo, a nomeação do padre Rua como vigário
exige que esteja ao meu lado e, por isso, deve renunciar ao cargo de prefeito
da Congregação. Como consequência, e usando a faculdade que as Regras
me concedem, nomeio prefeito da Congregação o padre Celestino Durando,
atualmente conselheiro escolar.12

A esta altura, foi aprovada a moção para emendar o artigo correspondente


das Constituições, com a finalidade de incluir uma descrição da função do vi-
gário e uma redefinição da função do prefeito geral. Depois disso, Dom Bosco
12
Reunião do Capítulo Superior, 24 de setembro de 1885, Lemoyne, Atas, 82b-83a, em ASC
D868 Consiglio Superiore, Verbali: FDB 1882 E8-9.

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Dom Bosco: história e carisma 3

nomeou o padre Francisco Cerruti, superior da Inspetoria da Ligúria, para o


cargo de conselheiro dos estudos, sem deixar de ser inspetor. Indicou que essas
nomeações estariam em vigor só até o próximo Capítulo Geral no qual haveria
eleições, de acordo com as Constituições. Em seguida, acrescentou:

Padre Júlio Barberis, mestre de noviços, continuará como substituto tem-


porário de dom Cagliero no cargo de catequista da Congregação. Tendo ido
para a América do Sul, o bispo pediu expressamente que não se fizesse nova
nomeação, pois esperava regressar logo. Isso é muito pouco provável, mas é
justo que se lhe conceda este sinal de respeito.13

Dom Bosco, então, preparou uma carta circular para anunciá-lo ofi-
cialmente aos irmãos. Com essa finalidade, fez com que o padre Lemoyne a
redigisse e imprimiu-a com a data de Todos os Santos [1o de novembro de
1885]. Pensando melhor, porém, Dom Bosco redigiu novamente o texto e
escolheu a data de 8 de dezembro de 1885. Este segundo rascunho foi a carta
enviada aos irmãos. A carta repete o que Dom Bosco dissera ao seu conselho,
mas de uma forma ligeiramente diferente. Um assunto é novo: a nomeação
de dom Cagliero como representante de Dom Bosco para a América do Sul.
“Enquanto, para nossas missões na América do Sul, nomeio o bispo João
Cagliero para que seja meu pró-vigário com plena autoridade sobre todo o
pessoal, as casas e Inspetorias da região”.14
A nomeação foi solenizada no Oratório em 8 de dezembro. Dom Bosco
quis estar presente no refeitório, coisa que não fazia há algum tempo, porque
suas pernas se negavam a subir e descer escadas. Também não presidia, salvo
raras vezes, a bênção do Santíssimo e, nesse dia, o fez. Os presentes subiam nos
bancos para vê-lo enquanto se dirigia ao altar desde a sacristia, caminhando
muito lentamente. À tarde, fez uma conferência aos salesianos no presbitério
da igreja de Maria Auxiliadora, como o fazia todos os anos nessa data. Antes
de tomar a palavra, mandou ler a circular da nomeação. Nada comentou, mas
enalteceu a Virgem que abençoa e protege a obra salesiana. Foram recordadas
as vicissitudes do Oratório desde suas origens. A comparação entre o passado e
o presente evidenciava o longo caminho percorrido e predizia um bom futuro.

13
Ibidem.
14
Epistolario Ceria IV, 347-349; MB XVII, 620. A crônica de Viglietti, 8 de dezembro de 1885,
anota que a carta foi lida aos irmãos reunidos na Casa-mãe nessa mesma tarde (Viglietti, Cronaca ori-
ginale, II, 128-129, 8 de dezembro de 1885: FDB 1223 D11. Cf. a edição da Cronaca de Viglietti de
P. Marín, p. 82). Padre Cagliero fora representante de Dom Bosco na América desde que a obra ali
se estabelecera em 1875, justamente quando o padre Rua estava, na prática, “no comando” da casa. É
duvidoso que a nova nomeação de dom Cagliero significasse algo mais do que sempre fora.

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A sucessão de Dom Bosco

Em 9 de dezembro, enviou a circular aos três Inspetores da Europa e aos


da América. Toda a Família Salesiana soube desde então que o padre Rua era
de pleno direito o vigário-geral de Dom Bosco e, certamente, o seu sucessor.
A nomeação do padre Rua não só foi recebida favoravelmente, como
com verdadeiro entusiasmo, como o atestam as cartas da França e da América
conservadas nos arquivos. Apenas um exemplo: a reação do parisiense Carlos
Bellamy, datada em 15 de dezembro.

O dia da Imaculada Conceição sempre foi um dia de alegria para nossa Pia
Sociedade. Neste ano, nossa Mãe nos deu o presente de uma notícia que foi
recebida pelos salesianos como o mais precioso, o mais querido, o mais de-
sejado presente; refiro-me à nomeação oficial ao pesado, embora doce, cargo
de ser o pai de nossa Pia Sociedade. Quantas graças tem-nos dado a Senhora
e lhe prometemos ser para o senhor, como para o querido Dom Bosco, filhos
obedientes e cheios de zelo.15

Nada digamos em relação aos salesianos da Itália, iniciando pelos seus


antigos colegas. Os sentimentos do futuro cardeal João Cagliero expressam
os sentimentos de todos:

Fui seu colega na juventude, quando éramos clérigos; em seu sacerdócio e,


mais tarde, como diretor e membro do Capítulo Superior, e posso afirmar que
em todas as etapas da vida, foi sempre o primus inter pares (o primeiro entre
os iguais), primeiro em virtude, primeiro no trabalho, primeiro no estudo, no
sacrificar-se, como também o primeiro no amor santo e sólido a Dom Bosco
e aos jovens; para fazer-lhes o bem, ele se desdobrava em zelo, solicitude e
caridade paterna.16

Padre Rua tinha 48 anos de idade quando se deu o anúncio oficial em


1885. Estivera com Dom Bosco por quase quarenta anos e, durante trinta
anos, em estreito relacionamento com o fundador. Totalmente leal e dedica-
do, mais do que qualquer outro dos filhos de Dom Bosco, compreendera a
mente e o coração do fundador e adquirira o seu espírito. Este fato, combi-
nado com sua santidade pessoal e os dotes extraordinários para o governo e a
administração, o predispuseram como sucessor lógico de Dom Bosco. Che-
garam cartas de felicitação, aceitação e apoio de muitos setores. A lealdade e
o apoio dos irmãos nunca lhe faltaram.

Citada por F. Desramaut, Vida de Don Miguel Rua, 141.


15

Citado por A. Amadei, Il Servo di Dio Michele Rua. I. Turim: SEI, 1931, 348. Tomado quase
16

à letra do testemunho do cardeal Cagliero sobre as virtudes do padre Rua no processo de beatificação.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Comentário final
Deve-se assinalar em primeiro lugar que, ao anunciar a nomeação do
padre Rua, Dom Bosco não fez referência a qualquer decreto papal e que
nenhum decreto foi encontrado depois de sua morte. Parece que o decreto
de nomeação jamais entrou no arquivo, mas acredita-se que com sua carta ao
cardeal Alimonda, o cardeal Nina também tenha enviado o decreto oficial de
nomeação. Especula-se, também, que o cardeal Alimonda o entregou a Dom
Bosco, para que pudesse fazer as gestões posteriores, nas quais o decreto fosse
necessário. Será que Dom Bosco o extraviou? Ou o decreto foi redigido, co-
municado e arquivado em Roma, mas nunca enviado a Turim? Ceria acredita
que o documento foi perdido (leia-se: foi descartado) ao passar pela Congrega-
ção dos Bispos e Regulares, cujo prefeito, cardeal Ferrieri, não acreditava que
a Congregação Salesiana sobreviveria à morte do fundador. O decreto não
foi visto por ninguém; Dom Bosco nunca o mencionou expressamente; tam-
pouco foi encontrado quando procurado depois da sua morte. Contudo, a
existência real de um decreto oficial de nomeação foi comprovada mais tarde,
pois o segundo decreto, expedido pela Santa Sé em 11 de fevereiro de 1888,
confirmava a nomeação do padre Rua, referindo-se a um decreto anterior de
nomeação do dia 27 de novembro de 1884.
Em segundo lugar, que no anúncio oficial ao seu conselho e aos irmãos,
Dom Bosco não menciona o “direito de sucessão”, ponto muito importan-
te. Subentendia-se, certamente, pois, também a segunda opção proposta por
Roma, que ele escolheu em vez da primeira que era a aposentadoria e a nome-
ação de um sucessor imediato, falava de “um vigário com direito de sucessão”.
Na reunião de 24 de setembro de 1885, Dom Bosco falou explicitamente de
um vigário para garantir a continuidade da sociedade “depois da minha mor-
te”; e também na nota acrescentada ao anteriormente citado Testamento espi-
ritual, Dom Bosco alude a um vigário com direito de sucessão.17 Entretanto,
em seu anúncio oficial, Dom Bosco não deixou plenamente claro o direito
de sucessão. De aí que, depois de sua morte, ao não se encontrar o decreto de
nomeação, a sucessão do padre Rua suscitara dúvidas razoáveis.
Em terceiro lugar, ao ler com atenção os documentos, podem-se deduzir
os motivos da atitude pouco decidida e um tanto vaga de Dom Bosco tanto
no anúncio da nomeação, como na ambiguidade com que deixa o assunto do
direito de sucessão. Antes de tudo, aparece um motivo de ordem constitucio-
nal: o amor e respeito às Constituições. Dom Bosco preferiria que o sucessor
fosse eleito como prescreviam as Constituições. Por isso, pode ter pensado que
17
F. Motto, Testamento spirituale, 29. MB XVII, 257, 273.

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A sucessão de Dom Bosco

a nomeação de um vigário com plenos poderes era apenas temporária, ou seja,


enquanto ele vivesse, deixando para depois de sua morte a eleição do sucessor
conforme o que era prescrito pelas Constituições. Assim é manifestado aos
membros do Capítulo Superior: Dom Bosco teria preferido deixar que os irmãos
exercessem livremente seu direito e elegessem o superior depois de sua morte. E as-
sim o afirmava no Testamento espiritual, antes de escrever a nota que citamos.
Aparece, também, um motivo de caráter econômico. O nome de Dom
Bosco atraía as ajudas do povo, tão necessárias naqueles momentos. Assim,
por exemplo, o deu a entender aos membros do Capítulo Superior ao comu-
nicar-lhes as opções do Papa: “Talvez agradasse ao Papa que Dom Bosco se reti-
rasse totalmente e descansasse; mas, a não ser que esteja equivocado, se continuar
na minha responsabilidade ainda poderei ser de utilidade à Congregação. Mesmo
que continue como Reitor-Mor apenas como figura, minha simples pessoa seria su-
ficiente para incentivar a caridade em lugares como a França, Espanha, Polônia”.
Contudo, pode ter existido um motivo mais íntimo. Dom Bosco certa-
mente sentia deixar o comando da Congregação que tinha tão dentro de seu
coração e cujo bom andamento tanto o preocupava. Não havia nessa atitude
a menor suspeita de vaidade ou apego ao poder, mas senso de responsabilida-
de e de coerência: prometera dar até seu último alento para cumprir a finali-
dade da Congregação e queria continuar sempre à sua frente. Era, por outro
lado, consequência do grande amor que sentia pelos seus queridos filhos. Ele
fora o formador, o mestre, o amigo de todos os que formavam o governo da
Congregação; era seu pai e queria estar ao seu lado até o fim, preocupado para
que todos estivessem unidos e se amassem como irmãos. Assim o manifestou
explicitamente nos momentos em que se via obrigado a ceder-lhes a direção,
como em 28 de fevereiro, quando concedeu ao padre Rua plenos poderes
para presidir as reuniões do Capítulo Superior na sua ausência e pediu aos
membros do Capítulo Superior “que continuem a se amarem uns aos outros.
Para fazer melhor as coisas que se fazem é preciso a caridade”,18 ou como o
fez no leito de morte, quando mandou chamar padre Rua e dom Cagliero,
os maiores responsáveis pela Congregação naquele momento, para dizer-lhes
que promovessem sempre entre os salesianos o amor de uns para com os
outros e carregassem uns aos outros como irmãos.19 Era a preocupação de
um pai que quer que sua família se mantenha sempre unida e que sabe que,
enquanto ele viver, a unidade será mantida.

18
Reunião do Capítulo Superior, 24 de outubro de 1884, Lemoyne, Atas, 44a, em ASC D868
Consiglio Superiore, Verbali: FDB 1881 D3.
19
Cf. Viglietti, Cronaca originale, 29 de dezembro de 1887. Na edição de P. Marín, 233.

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Dom Bosco: história e carisma 3

2. A sucessão
À morte de Dom Bosco, os salesianos eram 773 e os noviços 276, reu-
nidos em 58 casas e 6 Inspetorias, todos dirigidos por homens aprovados por
Dom Bosco. As irmãs salesianas eram 415, as noviças 164, reunidas em 54
casas em 4 Inspetorias; também elas eram dirigidas por mulheres capazes,
sob a orientação dos salesianos. Mas, para além dos números, da organização
e da vitalidade, eram o espírito e a dedicação dos membros, sob a liderança
do padre Rua e de madre Daghero, que garantiam a sobrevivência das duas
Congregações. Nenhum salesiano e nem qualquer outro que conhecesse a
situação real poderia ter a menor dúvida a respeito.20

Dificuldades em Roma
Não era essa a percepção que se tinha em Roma. O cardeal Ferrieri,
para citar apenas um exemplo notável, parece ter sempre considerado a Con-
gregação Salesiana como uma experiência de entusiasmados, que carecia de
pessoal solidamente formado e sem possibilidades de sobreviver à morte do
fundador. Algumas autoridades romanas sugeriram que a Sociedade Salesiana
deveria ser dissolvida e ter seus membros e obras unidos a algum instituto
religioso mais consolidado.
O próprio Leão XIII parecia disposto a aceitar a sugestão e chegou a
considerar que os salesianos fossem unidos aos escolápios (Congregação das
Escolas Pias, fundada por São José de Calasanz). Esquecera-se o Papa de que
já havia nomeado o padre Rua como sucessor? Ou, talvez, como não conhe-
cesse as qualidades e a capacidade do padre Rua, Leão XIII fora assaltado por
dúvidas, apesar da nomeação? Na verdade, vira o padre Rua apenas umas
duas vezes e, provavelmente, seu caráter humilde e modesto pode ter levado o
Papa a considerá-lo uma pessoa carente das qualidades necessárias para dirigir
um instituto religioso.
Foi dom Emiliano Manacorda, bispo de Fossano, familiarizado com as
autoridades e as instituições romanas, grande amigo de Dom Bosco e dos
salesianos, quem defendeu a causa salesiana em Roma. Em sintonia com o
padre César Cagliero, procurador-geral salesiano na Cidade Eterna, tratou
do assunto com o cardeal Lúcido Parocchi, que além de ser vigário do Papa
em Roma e prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares, também era o
cardeal protetor da Congregação Salesiana. Dom Manacorda também entrou
em contato com outros cardeais importantes que tinham acesso ao Papa e
20
Para um estudo amplo dos resultados que levaram à confirmação, ver MB XVIII, 608s.

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A sucessão de Dom Bosco

defendeu com determinação os salesianos e o padre Rua em especial. Por sua


vez, o padre César Cagliero, procurador salesiano, depois de ter ouvido que o
cardeal Parocchi fizera referência a um “plano de incorporação”, garantiu ao
prelado que, nessa contingência, cada salesiano apelaria à própria liberdade,
como era conferida pelo direito canônico e que ele seria o primeiro a fazê-lo.
Vindo de uma pessoa que gozava da estima de todos pela sua prudência e in-
teligência, essa declaração foi levada muito a sério. Dessa forma, aos poucos, as
dúvidas se dissiparam e o plano de agregação foi abandonado definitivamente.

Dificuldades em Turim
Sem o decreto papal, após a morte de Dom Bosco, padre Rua não podia
apresentar-se legitimamente como seu sucessor. Por isso, na carta circular, em
que anunciava a morte de Dom Bosco, sua assinatura não trazia qualquer tí-
tulo. E, embora continuasse a exercer a autoridade de vigário, ele o fez com a
intenção de recorrer imediatamente a Roma. O cardeal Alimonda, que tinha
conhecimento de como caminhavam as coisas, ao ser consultado, aconselhou
o padre Rua a recorrer à Santa Sé. Assim, em 8 de fevereiro de 1888, padre
Rua apresentou ao Papa uma exposição detalhada da situação e concluía:

Beatíssimo Pai, reconhecendo minha fragilidade e incapacidade, sinto-me le-


vado a pedir humildemente que se digne colocar seu sábio olhar sobre outra
pessoa mais adequada e dispense a quem escreve da árdua tarefa de Reitor-
-Mor, garantindo-lhe, não obstante, que, com o auxílio do Senhor, não dei-
xarei de prestar com todo ardor minhas frágeis forças em favor de nossa Pia
Sociedade; qualquer que seja a ocupação que me for confiada.21

Os superiores maiores, contudo, adotaram uma atitude diferente. Em


carta coletiva ao cardeal protetor, de 9 de fevereiro de 1888, e assinada por
dom Cagliero e por todos os outros membros do Capítulo Superior, advoga-
vam a confirmação do padre Rua como sucessor, garantindo que os salesianos
estavam em total acordo e muito satisfeitos com a nomeação.

Eminência Reverendíssima: o sacerdote Miguel Rua, já vigário do nosso venerando


fundador padre João Bosco, de quem ainda choramos a irreparável perda, expôs
ao Santo Padre uma dúvida quanto ao sucessor e pede e espera a solução da parte
de Sua elevada sabedoria. De nossa parte, os humildes firmantes, ficaríamos muito
felizes se o Santo Padre confirmasse como novo Reitor-Mor, ou seja, superior-geral
da humilde Sociedade de São Francisco de Sales, o mencionado sacerdote Miguel

21
Cf. M. Rua, Lettere circolari, 19-20. Ver extratos da carta do padre Rua, em MB XVIII, 615s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Rua, já designado e proposto como vigário pelo nosso mesmo Dom Bosco, aten-
dendo a uma solicitação de Sua Santidade que, em sua paterna bondade desejava
ver assim garantido o bem-estar da Congregação Salesiana; e mais, encontrando-
-nos entre os primeiros superiores conhecemos a disposição de espírito não só
dos eleitores, como de todos os sócios e, por isso, podemos garantir com a mais
íntima convicção do coração que a notícia anunciadora de que o santo Padre
havia indicado o sacerdote Miguel Rua como nosso superior-geral seria acolhi-
da não só com profunda submissão, mas também com sincera e cordialíssima
alegria. Acrescentamos ainda que, se por acaso, fosse preciso fazer uma eleição
segundo a Regra, o sentimento comum é que o padre Rua seria escolhido com
totalidade de votos, tanto por obséquio a Dom Bosco, que sempre o teve como
seu primeiro confidente e seu braço direito, como também pela estima que todos
têm por suas exímias virtudes, pela especial habilidade no governo do Instituto e
por sua singular maestria em resolver os assuntos, do que já deu luminosas provas
sob a direção de nosso inesquecível e queridíssimo fundador e pai.22

Carta do padre Rua a um salesiano (27 de outubro de 1899)


com um pensamento manuscrito de Dom Bosco.

22
Cf. M. Rua, Lettere circolari, 20-21. Cf. MB XVIII, 617s.

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A sucessão de Dom Bosco

Confirmação e primeiros passos


A resposta afirmativa chegou quase de imediato, junto com um novo
decreto ex audientia Sanctissimi, de 11 de fevereiro de 1888, que confirmava
a nomeação anterior de 27 de novembro de 1884.23
Padre Rua foi a Roma em meados de fevereiro e, depois de visitar vários
cardeais e prelados, foi recebido pelo Papa em 21 de fevereiro. Leão XIII tratou-
-o com o mais amável e atento afeto, demonstrando assim sua mudança de
atitude. Depois de recordar o serviço e a santidade de Dom Bosco, deu ao padre
Rua alguns conselhos paternos, que este tomaria como programa inicial de seu
reitorado: 1o Concentrar-se na consolidação das obras existentes, antes de iniciar
outras novas. 2o Desenvolver um sólido programa de formação na vida religiosa.
Padre Rua informou ao Conselho Superior em 24 de fevereiro de 1888.
O Conselho, por sua vez, fez um relatório detalhado aos irmãos sobre toda a
operação numa carta circular de 7 de março de 1888, o que acalmou a ansie-
dade dos irmãos com a situação.24
Em 19 de março de 1888, padre Rua dirigia aos irmãos sua primeira car-
ta circular como Reitor-Mor. Nela, com um relatório sobre a audiência papal,
animava a todos para iniciarem sem demora a coleta de toda documentação
possível e das memórias relativas a Dom Bosco, em vista do processo canôni-
co. Esboçou também o programa de seu reitorado.

Nosso esforço deve ser consolidar e, no seu devido tempo, ampliar as obras
iniciadas por Dom Bosco; seguir fielmente os métodos praticados e ensinados
por ele; e imitar em todas as nossas palavras e ações o modelo que o Senhor
em sua bondade colocou diante de nós.25

Em seguida, colocou o seu interesse numa carta circular semelhante aos


cooperadores. Mas, antes de decidir-se a redigi-la, como o Bollettino Salesiano
anunciou em sua edição de abril, descobriu-se entre os papéis pessoais de
Dom Bosco uma sua carta aos cooperadores, com o título “Carta a ser envia-
da depois de minha morte”.
Deve-se levar em conta, contudo, que esta carta não foi escrita direta-
mente por Dom Bosco, mas, segundo Ceria, foi escrita pelo padre Bonetti,
certamente sob a orientação de Dom Bosco.26 Padre Rua tinha a carta im-

23
Para o texto latino do decreto, cf. MB XVIII, 844.
24
Cf. M. Rua, Lettere circolari, 15-24. Ver um extrato da carta em MB XVIII, 619s.
25
Cf. M. Rua, Lettere circolari, 25-31. Para a carta e o relato da audiência papal, ver MB XVIII, 846s.
26
Ver Epistolario IV Ceria, 393, diversamente do que diz em MB XVIII, 621s. Sobre a autoria,
ver F. Motto, Testamento spirituale, 16.

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Dom Bosco: história e carisma 3

pressa com data de 23 de abril de 1888 e enviou-a como anexo à edição de


maio do Bollettino Salesiano, que a apresentou com estas palavras: “Aqui está
a carta dirigida por Dom Bosco a todos os cooperadores salesianos, tanto
homens como mulheres, como última vontade e testamento, impelido pela
sua gratidão e afeto!”. Estas palavras não se referem à autoria direta de Dom
Bosco, mas à disposição incluída em seu Testamento espiritual de que se deve-
ria escrever esta carta.27

Estado da Congregação encontrado pelo padre Rua


Os homens que dirigiam a Congregação Salesiana
No ano de sua confirmação como sucessor de Dom Bosco (1888), padre Rua
viu-se rodeado por um grupo de homens qualificados, formados pelo fundador:28
Membros do Capítulo Superior
Padre Domingos Belmonte (1843-1901), prefeito geral, 45 anos.
Padre João Bonetti (1838-1891), diretor espiritual ou catequista geral, 49 anos.
Padre Antônio Sala (1836-1895), ecônomo-geral, 52 anos.
Padre Celestino Durando (1840-1907), assistente do prefeito geral e diretor
da casa-mãe, 48 anos.
Padre Francisco Cerruti (1844-1917), conselheiro-geral dos estudos, 44 anos.
Padre José Lazzero (1837-1910), conselheiro das escolas profissionais e liga-
ção com as missões, 50 anos.
Padre João Batista Lemoyne (1839-1916), secretário do Capítulo Superior,
48 anos.

Pessoas de grande relevo e influência


Dom João Cagliero (1838-1926), diretor espiritual emérito e honorário, vi-
gário apostólico da Patagônia, vigário-geral do Reitor-Mor para a América.
Mais tarde, seria cardeal da Santa Igreja, 49 anos.
Padre Júlio Barberis (1847-1927), mestre de noviços e diretor de formação,
41 anos.29

27
Para o texto da carta: F. Motto, Testamento spirituale, 60-62; MB XVIII, 621s. Para as pala-
vras de Dom Bosco dizendo que esta carta fosse escrita: F. Motto, ibid., 33; MB XVII, 259.
28
Para esboços biográficos, cf. Dizionario Biografico dei Salesiani. Turim: Ufficio Stampa, 1969.
29
Padre Barberis cuidava das casas de formação que dependiam diretamente do Capítulo Superior:
Turim-Valdocco, Valsálice (estudantado filosófico para os clérigos), San Benigno (no­viciado para os
coadjutores), Foglizzo Canavese (noviciado para os clérigos). Teoricamente, também dos outros novicia-
dos: Marselha e Buenos Aires.

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A sucessão de Dom Bosco

Membros do Capítulo Superior eleitos em 1892.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre Rua e padre Rinaldi.

Padre César Cagliero (1854-1899), procurador-geral e diretor da casa do Sa-


grado Coração em Roma, 34 anos.
Padre João Marenco (1853-1921), era diretor à morte de Dom Bosco, e seria
mais tarde procurador-geral e bispo, 35 anos.
Beato Felipe Rinaldi (1856-1931), depois de ser o primeiro inspetor da
Espanha, chegou a ser o terceiro sucessor de Dom Bosco (1922-1931).
À morte de Dom Bosco era diretor: 32 anos.

Inspetores em exercício
Padre João Batista Francésia (1838-1930), Inspetor da Inspetoria do Piemon-
te, 50 anos.
Padre Francisco Cerruti (1844-1917), Inspetor da Inspetoria da Ligúria,
44 anos.

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A sucessão de Dom Bosco

Padre Paulo Albera (1845-1921), Inspetor da Inspetoria da França. Seria mais


tarde o segundo sucessor de Dom Bosco (1910-1921), 43 anos.
Padre Celestino Durando (1840-1907), Inspetor da Inspetoria Romana, 48 anos.
Padre Tiago Costamagna (1846-1921), Inspetor da Inspetoria Argentina.
Posteriormente, foi nomeado bispo, 42 anos.
Padre Luís Lasagna (1850-1895), Inspetor da Inspetoria Uruguaio-Brasileira.
Foi o terceiro bispo salesiano, 38 anos.

Situação financeira
Na citada reunião do Conselho Superior de 19 de setembro de 1884, em
que se tratou do sepultamento de Dom Bosco, padre Cerruti considerou que
a questão do enterro tinha importância secundária.
Muito mais importante é pôr em ordem os assuntos materiais de Dom Bosco.
Os atuais imóveis que estão em seu nome devem ser redistribuídos. Indepen-
dentemente das ações desagradáveis que deveremos enfrentar com seus her-
deiros, os impostos de sucessão por si só serão enormes. Só os impostos sobre
as instalações do Oratório se elevarão a mais de 300 mil liras.30

Na verdade, Dom Bosco deixou a Congregação em consideráveis di-


ficuldades financeiras. As viagens realizadas até 1886, quando pouco podia
movimentar-se, foram necessárias, entre outros motivos, pela necessidade
urgente de dinheiro para atender às dívidas pendentes. As numerosas cons-
truções em andamento requeriam consideráveis empréstimos bancários que
deviam ser saldados no devido tempo. Além disso, deve-se considerar que
a obra na América do Sul, especialmente a obra propriamente missionária,
devia ser integralmente financiada a partir do centro. Embora não se possam
apresentar cifras exatas sobre isso, nem em termos absolutos nem relativos,
sabe-se que a dívida era enorme.
Dom Bosco conhecia a situação e deixara recomendações específicas em
seu Testamento espiritual:

1. Declarar uma moratória de todas as novas construções.


2. Não solicitar novos empréstimos nem contrair novas dívidas.
3. Fazer com que todas as casas contribuíssem, em espírito de solida-
riedade, para pagar os impostos de sucessão.31

Reunião do Capítulo Superior, 19 de setembro de 1884. Lemoyne, Atas, 35a, em ASC D868,
30

Consiglio Superiore, Verbali: FDB 1881 B9.


31
A Congregação não era uma corporação; Dom Bosco fizera do padre Rua seu único her-
deiro universal.

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Dom Bosco: história e carisma 3

4. Unir-se num esforço comum para conseguir que a Congregação saísse


dos números vermelhos, antes de iniciar novas obras. É o pedido feito
pelo padre Rua em sua primeira circular de fevereiro de 1888.
Padre Rua freou a construção de obras na Europa, embora não totalmen-
te, pois as necessidades eram grandes. Tampouco podia deixar de responder
às necessidades das missões com dinheiro e pessoal. Nos últimos dez meses
de 1888, ele organizou e financiou três expedições missionárias, lideradas por
dom Cagliero, dom Fagnano e padre Valentim Cassini, respectivamente com
46 salesianos, sacerdotes e coadjutores, e 25 irmãs.

Estado religioso e institucional


A julgar pelas manifestações insistentes de Dom Bosco e sua preocupa-
ção pela vida religiosa e a disciplina da Congregação durante a última década
de sua vida, deve-se pensar que as falhas que lamentava eram reais e o estado
da Congregação precisava de cuidado especial e contínuo. Devia-se, portan-
to, analisar com cuidado a situação para poder remediar as falhas.
A formação religiosa, intelectual e profissional dos salesianos era certa-
mente defeituosa, pois as estruturas para realizá-la não eram as mais adequa-
das; impunha-se, portanto, como ação prioritária, desenvolvê-las e atualizá-las.
Também os oratórios, obra primordial da Congregação, deveriam ser
modernizados para ampliar suas atividades. Diga-se o mesmo das escolas,
sobretudo aquelas de Formação Profissional, cuja necessidade se fazia sentir
em todos os lugares, exigiam programas e planos de estudo para o ensino
sistemático tanto no plano teórico como no prático.
A organização da obra salesiana em escala mundial começara com Dom
Bosco, mas ainda restava muito a fazer, principalmente pelas dimensões que
a Congregação estava adquirindo rapidamente.
Por outro lado, enquanto Dom Bosco vivia, garantiam-se o bom espírito e
as tradições, mas, com o passar da primeira geração salesiana, o perigo de disper-
são fazia-se sentir sempre mais palpavelmente e, por isso, impunha-se um duplo
esforço: de um lado, manter vivo o espírito de Dom Bosco e, de outro, dotá-lo
de dinamismo criativo capaz de adaptar-se às circunstâncias e aos lugares em
que a Congregação estava se implantando, mantendo a mais genuína fidelidade.
O trabalho que o padre Rua tinha à frente era grande. Substituir Dom
Bosco supunha uma enorme e empenhada responsabilidade. Padre Rua, se-
guindo as orientações dadas por Dom Bosco ao nomeá-lo vigário, e convenci-
do de que o bem da Congregação e dos irmãos lhe pedia uma fidelidade abso-
luta ao fundador e às Regras, propôs-se a cumprir plenamente as obrigações de

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A sucessão de Dom Bosco

seu cargo.32 Em síntese, a tarefa que o padre Rua precisou enfrentar nos anos
de seu reitorado pode ser assim resumida:
1. Conduzir e buscar o bem da Congregação, que é o governo or-
dinário de qualquer Reitor-Mor. Padre Rua exerceu este governo
satisfatoriamente nos vinte e dois anos de seu reitorado.
2. Garantir a continuidade da Congregação. Como vimos, ele preci-
sou dissipar, ainda no início do seu reitorado, o perigo real de que
a Congregação fosse dissolvida e agregada a outra já consolidada no
tempo. A habilidade diplomática de alguns bons amigos e, sobretu-
do, a personalidade madura do padre Rua evitaram esse risco.
3. Expandir e buscar o progresso da Congregação numa dupla di-
mensão: de um lado, a expansão numérica e geográfica das obras,
assim como a consolidação das já existentes e, de outro, a for-
mação do pessoal que permitisse não só conduzir as obras, mas
potenciá-las em todos os sentidos.
4. Seguir fielmente a metodologia ensinada e praticada por Dom Bosco
e velar para que as tradições permanecessem inalteradas, conservan-
do-as e conduzindo-as para que fossem a salvaguarda das regras. Isso
tudo supôs um intenso trabalho de regulamentação, que fixasse de
maneira clara as tradições nos diversos aspectos e setores da atividade
da Congregação. Esta foi uma das responsabilidades mais árduas e
delicadas do governo do padre Rua, dado que, de um lado, Dom
Bosco deixara muitas coisas em estado embrionário e, de outro, era
necessária a adaptação aos tempos e à legislação da Igreja em mu-
dança. Uma das preocupações e dos principais acertos do padre Rua
foi o equilíbrio entre tradição e novidade, de tal modo que tudo se
mantivesse dentro do espírito genuíno de Dom Bosco.
Durante o reitorado do padre Rua, a Congregação deu largos passos
em muitos aspectos. Seus anos como Reitor-Mor (1888-1910) foram uma
época de mudanças sociais generalizadas, produto da rápida industrializa-
ção e do desenvolvimento tecnológico. Foi também uma época de eferves-
cência teológica. A Igreja envolveu-se na questão operária. Os salesianos
o fizeram ocupando-se dos problemas dos trabalhadores, sobretudo na
prática da formação. Era sempre maior o número de católicos leigos que
trabalhavam pelo bem da Igreja; padre Rua cooperou nesse movimento,
dando grande impulso e organização aos salesianos cooperadores.

32
Já em sua primeira carta como Reitor-Mor, padre Rua expôs em síntese seu programa de ação,
seguindo sempre as pegadas de Dom Bosco. M. Rua, Lettere circolari, 25-31.

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Dom Bosco: história e carisma 3

O crescimento da Congregação durante o longo reitorado do padre Rua


foi espetacular. Basta recordar os números:

Salesianos: ........................................................de 773 a 4.001


Casas: ....................................................................de 58 a 387
Nações: .....................................................................de 9 a 38
Filhas de Maria Auxiliadora: .............................de 466 a 2.716
Casas: ....................................................................de 54 a 320
Nações: .....................................................................de 6 a 22

3. O sucessor, padre Miguel Rua (1837-1910)


Miguel Rua nasceu em Turim no dia 9 de junho de 1837. Seus avós
paternos eram pequenos agricultores do povoado de San Vito, nas colinas
próximas de Turim. Posteriormente, tornaram-se arrendatários em sítios pró-
ximos da cidade. Quando Miguel nasceu arrendavam uma propriedade cha-
mada Cascina Grossa, na região da Crocetta, hoje um bairro da cidade. Pela
propriedade passava um canal de irrigação, no qual Miguel quase se afogou
quando, em certa ocasião, em Valdocco, foi visitar os avós.

Retrato do padre Rua.

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A sucessão de Dom Bosco

Infância e primeiros contatos com Dom Bosco


Seu pai, João Batista Rua (1786-1845), casara-se em primeiras núpcias
com Maria Baratelli em 1813. Tiveram cinco filhos, dos quais apenas dois,
Pedro e João, chegaram à maioridade. Ao senhor Rua não agradava a agri-
cultura; por isso, buscou trabalho na fábrica de armas do bairro de Valdocco.
Transferiu-se ali por volta de 1820, ocupando uma casa oferecida pela empresa.
Sua primeira esposa faleceu em 1828 e ele casou-se novamente no mesmo
ano. De sua segunda esposa, Joana Maria Ferrero (1800-1876), teve quatro fi-
lhos: Batista (1830-1853), Maria, falecida ainda criança, Luís (1834-1851) e
Miguel (9 de junho de 1837-6 de abril de 1910). Quando Miguel nasceu, a
família era formada pelo pai e a mãe, seus dois meios-irmãos, Pedro de 22 anos
e João de 17 anos, e seus dois irmãos, Batista, 7 anos, e Luís, 3 anos.
Seu pai morreu em 2 de agosto de 1845. A casa da família Rua situava-
-se na paróquia dos Santos Simão e Judas, a mesma do Oratório até 1911,
quando a igreja de Maria Auxiliadora se tornou paróquia.
A primeira educação escolar de Miguel Rua foi recebida numa pequena
escola junto à igreja da fábrica, cujo capelão era pago pelo governo para ensi-
nar aos filhos dos empregados.
O ano de 1845 foi particularmente importante para ele por três aconte-
cimentos: em 25 de abril, recebeu o sacramento da confirmação das mãos de
dom Luís Fransoni, na capela do arcebispo; em 2 de agosto, seu pai morria;
e, nesse ano, teve o primeiro encontro com Dom Bosco: um menino do
Oratório deu-lhe um bilhete de um sorteio que Dom Bosco fazia para atrair
os meninos, quando o Oratório ainda funcionava no pequeno hospital da
marquesa Barolo. Rua foi com ele e ficou fascinado pelo jovem padre.
O capelão admitiu Miguel à primeira comunhão em 1847. Durante o
ano escolar de 1848-1849, Miguel começou a participar da escola primária
dirigida pelos Irmãos das Escolas Cristãs, subvencionada pelo governo. Dom
Bosco costumava ir frequentemente à escola para as confissões. Foi nessa épo-
ca, não se sabe exatamente o momento,33 quando Dom Bosco, que costuma-
va distribuir medalhas aos meninos, fez ao pequeno Rua o famoso gesto de
oferecer-lhe metade de sua mão, dando-lhe a entender, embora Miguel não
soubesse interpretar na época, que um dia se associaria a ele e dividiria com
ele a responsabilidade do Oratório.
No final do segundo ano, 1849-1850, quando estava para concluir o
curso primário superior, Dom Bosco o recruta para o Oratório, antes que
sua mãe pudesse apresentar os pedidos de rotina para conseguir um trabalho
33
Pode ter sido até mesmo antes de Miguel estudar na escola dos Irmãos das Escolas Cristãs.

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Dom Bosco: história e carisma 3

na fábrica de armas. Miguel alegrou-se muitíssimo e a senhora Rua deu com


prazer o seu consentimento.
Imediatamente depois, Miguel, com seu irmão Luís, começou a participar
com assiduidade do Oratório. Nesse ano, Dom Bosco teve o sonho do cara-
manchão de rosas e Miguel era um dos poucos que, no sonho, perseverava com
Dom Bosco até o fim. Seu irmão maior, Luís, era um dos que se destacavam no
Oratório pela conduta exemplar e Dom Bosco fez menção dele na biografia de
Domingos Sávio, considerando-o um dos meninos que merecia ser proposto
como modelo. E predisse a sua morte em 1851, aos 17 anos de idade.34
Miguel iniciou os estudos de latim no Oratório (1849-1850), primeiro
com o clérigo Félix Reviglio e, no ano seguinte, com o padre Pedro Merla.35
Dos sete jovens deste grupo, Miguel foi o único que ficou com Dom Bos-
co. Em 1851-1852, Miguel continuou os estudos de latim com o professor
Carlos Bonzanino, que possuía uma escola particular perto da igreja de São
Francisco de Assis.36 Dom Bosco encarregou Rua de cuidar do grupo do
Oratório que ia a essa escola. Mais tarde, Miguel ensinou ali por dois anos o
sistema métrico decimal.

Miguel Rua, no Oratório e salesiano


Num primeiro momento, Miguel vivia com sua mãe e ia diariamente ao
Oratório, mas desde 1852 hospedou-se ali e, no mesmo ano, em 2 de outu-
bro, ele e seu colega José Rocchietti, receberam o hábito clerical na capela do
Santo Rosário nos Becchi.37
Em 1852-1853, Miguel completou em um só ano, com o professor
Mateus Picco, as humanidades e a retórica, os dois últimos anos da escola
secundária, e obteve o diploma. Depois, continuou a estudar intensamente
latim e grego.
Em 1853, faleceu Batista, o irmão mais velho, e sua mãe foi viver no
Oratório com Dom Bosco (os meios-irmãos já se tinham estabelecido por
conta própria). A partir desse momento começou sua atividade como uma

34
Cf. o testemunho do padre Rua, em MB IV, 302.
35
Padre Merla, que fora ajudante de Dom Bosco desde 1846, fundou mais adiante a Família de
São Pedro, para reintegrar na sociedade as meninas arrependidas.
36
O professor Bonzanino abrirá sua escola para meninos de boa família no edifício que acolhera
uma escola dirigida pela mãe de Sílvio Pellico e pelo mesmo Sílvio Pellico. O professor aceitou os jovens
de Dom Bosco gratuitamente, com a convicção de que poderiam ser de bom exemplo para os meninos
ricos pela aplicação e o estilo ascético de vida.
37
No cinquentenário desse acontecimento, em 1902, a cidade de Castelnuovo concedeu a cida-
dania honorária ao padre Rua.

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A sucessão de Dom Bosco

das mães do Oratório, com Mamãe Margarida, a mãe de Dom Bosco. Quan-
do Mamãe Margarida morreu em 1856, ela passou a ser sua sucessora.38
Miguel era amigo de Domingos Sávio (1854-1857) e foi eleito presi-
dente da Companhia da Imaculada. Foi um dos quatro que se reuniram nos
aposentos de Dom Bosco em 26 de janeiro de 1854 e decidiram fazer “um
exercício prático de caridade”. “Desde então, aqueles que se comprometeram
neste exercício [de caridade] foram conhecidos pelo nome de salesianos”.39
Em 25 de março de 1855, emitiu os votos privados diante de Dom Bosco.
Em 1858, acompanhou Dom Bosco em sua primeira viagem a Roma
para administrar assuntos da Congregação e redigiu um diário da permanên-
cia em Roma.
Foi membro fundador da Sociedade Salesiana em 18 de dezembro de
1859 e, embora apenas subdiácono, foi eleito diretor espiritual da recém-
-criada Sociedade.

Ordenação sacerdotal e primeiras nomeações


Preparou-se intensamente para o sacerdócio mediante o estudo da Teo-
logia enquanto trabalhava no Oratório de São Luís Gonzaga. Foi ordenado
padre em 29 de julho de 1860.
Em 1861, foi um dos membros fundadores e presidente da comissão
histórica, organizada para recolher as palavras de Dom Bosco e conservar a
memória de suas atividades.
Em 1863, fez os exames na Universidade e obteve o título de ensino
secundário. No mesmo ano, foi nomeado diretor da primeira escola salesiana
fora de Turim, em Mirabello (1863-1865). Para ele, e para os diretores poste-
riores, Dom Bosco escreveu as Lembranças confidenciais aos diretores, um dos
documentos básicos do Sistema Preventivo. Começou então a escrever um
diário, que chamou de Livro da experiência, no qual anotava o que fazia para
que servisse de ajuda em futuras experiências.

Prefeito geral da Congregação e diretor-administrativo do


Oratório de Valdocco
À morte do padre Vitório Alasonatti em 1865, padre Rua foi chamado
ao Oratório para substituí-lo. Até 1876, quando as administrações gerais e

38
Padre Rua declarou que, nesse momento, Dom Bosco pensava em fundar uma Congregação
de religiosas que trabalhassem como donas de casa. Cf. MB V, 560s.
39
Os quatro jovens eram Rocchietti, Artiglia, Cagliero e Rua, de acordo com uma nota tardia do
padre Rua, que não se encontra em Documenti. FDB 1929 C10; MB V, 9.

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Dom Bosco: história e carisma 3

locais foram separadas e reorganizadas, ele atuou como diretor do complexo


de Valdocco, administrador do edifício e da igreja de Maria Auxiliadora, ge-
rente da empresa das Leituras Católicas e de todo o conjunto editorial. Estava
disponível, também para ajudar Dom Bosco na correspondência e para qual-
quer outra tarefa que lhe pedisse.
Sua diligência e ordem metódica, acompanhadas de uma inteligência
pouco comum e grande sentido prático, permitiram-lhe realizar tão grande
quantidade de trabalho.
Miguel Rua nunca fora robusto. Tinha frequentes achaques, mas em ju-
lho de 1868, sua saúde comprometeu-se seriamente, devido a um esgotamen-
to depois das tensões e dos trabalhos advindos da construção e inauguração
da basílica de Maria Auxiliadora.40 Nessa ocasião, Dom Bosco garantiu-lhe
que não morreria, mesmo que se atirasse pela janela.41
Em 1869, foi nomeado diretor da formação salesiana (mestre de noviços),
em cujo serviço continuou até a nomeação do padre Júlio Barberis em 1874.
A partir de 1872, como prefeito geral, padre Rua assumiu um papel
sempre mais ativo de auxiliar de Dom Bosco. Distribuía o pessoal, visitava as
casas, estudava os pedidos e buscava recomendações para as novas fundações.
Além disso, após a ida do padre João Cagliero para a América do Sul, foi no-
meado diretor geral das Filhas de Maria Auxiliadora.
Durante as frequentes e longas viagens de Dom Bosco, padre Rua atuou
como seu plenipotenciário em Valdocco. Administrou os negócios financei-
ros do Oratório e começou a visitar os benfeitores e pedir dinheiro, como
Dom Bosco costumava fazer.
Em 1876, dois anos após a aprovação definitiva das Constituições, as
atribuições gerais da Congregação foram separadas das da casa de Valdocco.
Nesse momento, padre Rua deixou de ser diretor-administrativo do Oratório
e tornou-se, com dedicação exclusiva, prefeito geral da Congregação.
Padre Rua falava e escrevia em francês, pelo que, em muitas ocasiões, assu-
miu a correspondência de Dom Bosco nessa língua. Junto com o conde Cays,
negociou a criação em 1878-1879 do orfanato de Auteuil, a primeira casa
próxima de Paris, que, depois, foi recusada por causa das condições impostas.
Também negociou a criação da casa de Marselha (1878). Em 1878, começou a
enviar cartas mensais às casas sobre a observância religiosa e a vida comunitária.
Como prefeito geral, liberava Dom Bosco de todas as ações disciplinares
desagradáveis, até a visita às casas, quando inspecionava e controlava tudo
40
Os biógrafos falam de um caso grave de peritonite aguda, mas não se tem certeza disso.
41
Cf. MB IX, 321.

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A sucessão de Dom Bosco

para que as Regras e as orientações salesianas fossem cumpridas com exatidão.


Nessa função necessária, que ele cumpriu com rigor, mas com amabilidade,
conquistou uma reputação imerecida de severidade. Por isso, alguns aconse-
lharam Dom Bosco a liberá-lo dessas funções, para não prejudicar a imagem
daquele que tudo indicava seria o seu sucessor. Em 1877, foram criadas as
Inspetorias e os inspetores foram os encarregados desse tipo de visitas às casas.
Tirado de suas funções disciplinares, embora sem jamais deixar sua forma de
vida austera e ascética que escolhera, converteu-se para todos os irmãos em
pai amoroso, demonstrando a doçura e o afeto que lhe era conatural e que lhe
havia atraído o carinho de todos, quando esteve em Mirabello como diretor.
Ao longo do período mais intenso do conflito com dom Gastaldi (1878-
1882), padre Rua atuou como força moderadora, especialmente no que se
referia à questão do padre Bonetti, e esteve com Dom Bosco em todas as
provações. Em 1881, acompanhou Dom Bosco a Roma.

Padre Rua, vigário de Dom Bosco com direito de sucessão


Em 1884, padre Rua visitou as casas da Sicília em lugar de Dom Bosco.
Já presidira as Conferências Gerais e as reuniões do Conselho Superior na
ausência de Dom Bosco e durante suas enfermidades.
Com vimos anteriormente, desde 1884, a saúde de Dom Bosco come-
çou a deteriorar-se seriamente e Leão XIII nomeou o padre Rua como vigário
de Dom Bosco “com direito de sucessão”.

Padre Rua com a expedição missionária de 1891.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Em 1866, acompanhou Dom Bosco na viagem à Espanha (Barcelona).42


Dom Bosco, em seu leito de morte, deu ao padre Rua uma lembrança final
com as palavras: “Faze-te amar”.43

Reitor-Mor (1888-1910)
O reitorado do padre Rua divide-se em dois períodos: o primeiro com-
preende os doze anos que vão desde sua designação como sucessor de Dom
Bosco (1888) até sua primeira eleição como Reitor-Mor pelo capítulo geral
de 1898;44 o segundo período vai de 1898 até sua morte em 1910.
Como discípulo fiel, padre Rua comprometeu-se seriamente a preservar
o que fora conseguido pelo mestre, mas o fez como continuador prudente
e criativo. Ao mesmo tempo em que mantinha firme o espírito essencial e
o carisma do fundador, atuou de modo dinâmico para responder às novas
necessidades dos tempos, dando demonstrações de verdadeiro talento para o
governo e a organização.
Como Reitor-Mor, considerou sua máxima responsabilidade, primei-
ramente, dar estabilidade e favorecer a maior expansão da obra salesiana, e,
em segundo lugar, formar os salesianos no autêntico espírito do fundador e
transmitir fielmente as genuínas tradições do carisma salesiano à posteridade.
Ninguém como ele possuía as qualidades e a autoridade moral para fazê-lo:
conhecera Dom Bosco intimamente; gozara da sua plena confiança e colabo-
rara com ele em todos os principais momentos da história da Congregação,
da sua origem à aprovação definitiva; ninguém como ele sabia interpretar o
pensamento e a vontade do fundador; gozava, também, da confiança e ad-
miração de todos os salesianos. Por isso, desde o princípio, a autoridade do
padre Rua foi reconhecida e apoiada. Acrescente-se ainda que o seu reitorado,
com duração de vinte e dois anos, permitiu-lhe conceber, desenvolver e apli-
car um plano de ação bem desenhado.45
42
Ao longo de todo o mês atuou como o fizera Dom Bosco. Também parece que nessa ocasião
fez um “milagre”. Cf. A. Amadei, Don Michele Rua I, 361.
43
MB XVIII, 537.
44
Segundo os termos da nomeação do padre Rua como Reitor-Mor feito pela Santa Sé em feve-
reiro de 1888, ele tinha o direito de sê-lo até 1900; e embora ele em sua humildade tenha interpretado
que seu direito de sucessão terminasse ao completar os 12 anos desde sua primeira designação, pediu,
para maior segurança, que a Santa Sé aceitasse a sua renúncia aos dois anos que lhe faltavam, para fazer
coincidir a eleição do novo Reitor-Mor com a eleição dos demais membros do Capítulo Superior. Em
30 de agosto de 1898 foi eleito quase por unanimidade (213 dos 217 votantes, incluindo ele mesmo).
Era a primeira vez que se elegia um Reitor-Mor na Congregação. Cf. J. G. González, I sei Capitoli
Generali presieduti da don Michele Rua. Roma: Casa Geral, 2010, 349-350.
45
Cf. Annali I, 7.

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A sucessão de Dom Bosco

Padre Migual Rua faleceu em 6 de abril de 1910 aos 72 anos (a mesma


idade de Dom Bosco). Os funerais foram um acontecimento em Turim, ain-
da mais grandiosos do que os de Dom Bosco. Foi sepultado ao lado de Dom
Bosco em Valsálice, onde seus restos mortais permaneceram até o translado
para a cripta da basílica de Maria Auxiliadora.
O processo de beatificação foi aberto em 1922, e ele foi beatificado por
Paulo VI em 29 de outubro de 1972. Naquela ocasião, Paulo VI pronunciou
um discurso memorável em que, entre outras coisas, disse: padre Rua “fez do
exemplo do Santo (Dom Bosco) uma escola, da sua obra pessoal, uma grande
instituição, da sua vida uma história, da sua regra um espírito, da sua santida-
de um tipo, um modelo; fez da fonte, uma torrente, um rio”.46

Padre Rua ancião, com uma nota manuscrita:


“Santa Maria Libertadora proteja os benfeitores de nossos órfãos”.

46
Ver o texto completo do discurso de Paulo VI em BS, 1o de dezembro de 1972.

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Apêndice

PADRE RUA ANUNCIA ÀS CASAS SUA ELEIÇÃO PARA


O CARGO DE REITOR-MOR47

Após a carta enviada a todas as casas salesianas pelo nosso venerando Ca-
pítulo Superior, eu vos escrevo hoje pela primeira vez em minha nova condi-
ção de Reitor-Mor, à qual, em que pese a minha indignidade, fui elevado pela
Divina Providência da maneira que nela se manifestou a todos. Apresento-me
sob os auspícios de São José, cuja festa celebramos no dia de hoje; e confio
que este grande santo, patrono da Igreja universal, também quererá ser, junto
com sua Esposa Santíssima, protetor especial de nossa humilde sociedade e
assistir-me benignamente no desempenho do meu cargo.
Teria muitas coisas a dizer-vos, mas desta vez creio que será muito agra-
dável e proveitoso para todos que vos fale da audiência que tive com Sua
Santidade Leão XIII no dia 21 de fevereiro. Encontrareis mais abaixo um
relatório detalhado. Por ele podereis perceber o elevado conceito em que o
nosso fundador era tido pelo Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Posso dizer que a mesma estima [ele] gozava perante os eminentís-
simos cardeais e outros personagens de distinção, a quem tive a honra
de visitar: todos falavam do pranteado Dom Bosco fazendo dele grandes
elogios, e alguns me exortaram a iniciar o quanto antes a causa de beatifi-
cação. De modo especial o cardeal vigário, nosso benévolo protetor, que já
me fizera escrever sobre o assunto antes que eu fosse a Roma. Ali me falou
disso nas duas audiências que me concedeu e, ao despedir-me dele, foram
estas as suas palavras: “Recomendo-lhe a causa de Dom Bosco; recomendo-lhe
a causa de Dom Bosco”.
As expressões do Sumo Pontífice e essas recomendações de seu eminen-
tíssimo vigário despertaram em mim dois pensamentos: um, é pôr mãos à
obra imediatamente para recolher as memórias de tudo que se refira à vida de

47
Cf. M. Rua, Lettere circolari, 25ss.

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A sucessão de Dom Bosco

nosso querido pai. Exorto, pois, encarecidamente a todos os irmãos a escreve-


rem tudo o que saibam sobre fatos de sua vida, sobre suas virtudes teologais,
cardeais e morais, sobre seus dons sobrenaturais, suas curas ou profecias, vi-
sões e coisas semelhantes. Estas declarações hão de se enviar ao diretor espi-
ritual, padre João Bonetti, encarregado de recolhê-las e fazer com elas a base
para o início da causa. Para norma dos redatores, advirto que a seu tempo
também poderão ser chamados a prestar juramento sobre o que referirem e,
portanto, recomendo a máxima fidelidade e exatidão.
O outro pensamento, que permanece fixo em minha mente, é que nos
devemos considerar afortunados por sermos filhos de tão grande pai. Por isso,
nossa solicitude há de ser sustentar e, ao mesmo tempo, desenvolver sempre
mais as obras iniciadas por ele, seguir fielmente os métodos praticados e ensi-
nados por ele e, em nosso modo de falar e agir, procurar imitar o modelo que
o Senhor nos deu em sua bondade. Este será, queridíssimos filhos, o progra-
ma que seguirei em meu cargo; que seja esta também a norma e o empenho
de cada um dos salesianos.

Padre Rua com a família Martí-Codolar [Barcelona, Espanha] em 1899. 1: padre Miguel
Rua. 2: padre João Marenco. 3: senhor Luís Martí-Codolar. 4: senhora Consuelo Pascual de
Bofarull. 5: senhor Narciso Pascual de Bofarull. 6: padre Antônio Aime. 7: pároco de San
Juan de Horta. 8: padre Felipe Rinaldi. 9: padre Manoel Hermida. 10: padre José Calasanz.
11: padre Rosell. 12: senhor Javier Martí- Codolar. 13: senhora Jesusa Serra de Chopitea.
14: senhora Ángeles Martí-Codolar.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Resta-me, agora, dizer-vos uma palavra de agradecimento. Depois da do-


lorosa perda sofrida, muitos de vós, alguns de modo pessoal e outros coletiva-
mente, escreveram-me cartas cheias de sentimentos de respeito e afeto, com as
mais belas promessas de obediência e subordinação. Com esta, pretendo agra-
decer cordialmente aos autores e a todos os que participaram delas ou o deseja-
ram fazer. Estes sentimentos de adesão e de religiosa submissão aliviaram muito
minha dor e infundiram em meu coração a confiança de encontrar menos áspe-
ro o meu caminho. Apesar disso, não vos posso esconder e nem a mim mesmo
o muito que preciso de vossas orações. Recomendo, pois, à vossa caridade, para
que me sustenteis com vossas valiosas orações. De minha parte, garanto-vos
que, trazendo-vos a todos em meu coração como vos trago, vos recomendarei
todos os dias ao Senhor na santa missa, para que vos assista com sua santa graça,
vos defenda de todo perigo e, sobretudo, nos conceda encontrar-nos um dia,
todos juntos, sem excluir ninguém, cantando seus louvores no paraíso, onde
nos espera, tal como o escreveu nosso amantíssimo pai Dom Bosco. Ânimo,
queridos filhos em Jesus Cristo. Com a ajuda de Deus e com a fidelidade na
perseverança à nossa vocação, triunfaremos neste assunto tão importante. Con-
tudo, duvidando de nós mesmos, recorramos, pois, à nossa celeste mãe Maria
Auxiliadora, ao seu puríssimo esposo São José e ao nosso patrono São Francisco
de Sales: eles não deixarão de acorrer em nosso auxílio. Considerai-me sempre
como me professo nos dulcíssimos corações de Jesus e de Maria.
Turim, 19 de março de 1888.
Vosso afeiçoadíssimo amigo, Miguel Rua, presbítero.

Principais escritos do padre Rua


As cartas edificantes e as circulares com que animou e governou a Con-
gregação são os mais importantes escritos do padre Rua.
Rua, Michele, Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani (San Be-
nigno Canavese: Scuola Tipografica Don Bosco, 1910). Nova edição: Turim:
Direzione Generale Opere Don Bosco, 1965.
Rua, Michele, Lettere e circolare alle figlie di Maria Ausiliatrice (1880-
1910). Roma: LAS, 2010.

Bibliografia essencial sobre o padre Rua


1. Biografias
Amadei, Angelo, Il servo di Dio Michele Rua, 3 vols. Turim: SEI, 1931-
1934. 2.388 páginas.

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A sucessão de Dom Bosco

É a mais ampla biografia do padre Rua. Padre Amadei está muito bem
informado, acumula testemunhos e fatos e é muito minucioso. A obra é dividida
por anos, o que rompe um pouco a linha da narração. Não esclarece as fontes e
não valoriza criticamente a abundante documentação, por isso nem sempre é con-
fiável. Pertence ao tipo de biografias narrativas encomiásticas, muito preocupadas
em realçar a figura do biografado e insistindo muito nos aspectos sobrenaturais e
em traçar um retrato moral do padre Rua. (Original em italiano)

Amadei, Angelo, Un altro Don Bosco, don Rua. Turim, 1934, 703 páginas.
Redução sintetizada em um único volume dos três anteriores. (Original em
italiano)

Ceria, Eugenio, Vita del Servo di Dio Don Michele Rua, primo sucessore
de San Giovanni Bosco. Turim: SEI, 1949, 600 páginas.
Padre Ceria é mais sóbrio do que o padre Amadei, sem esforçar-se para in-
cluir até os mínimos detalhes, mas resumindo ou escolhendo o mais significativo,
respeitando os documentos originais. Bem documentada, homogeneamente orga-
nizada e bem escrita. De leitura fácil e agradável, continua a ser fundamental.
(Original em italiano)

Francésia, João Batista, Vida de Don Miguel Rúa, primer sucesor de Don
Bos­co. Barcelona: Sarriá, 1911. Volume das Leituras Católicas, 382 páginas.
Mais do que uma biografia, trata-se das memórias do autor, companheiro
e confessor do padre Rua. Escrito com grande entusiasmo, é de agradável leitura.
Interessante pelo ambiente do Oratório em que o padre Rua se move, mas genéri-
ca, incompleta e criticamente frágil. (Original em italiano)

Auffray, Agustín, Un santo formado por otro santo: el primer sucesor de


Don Bosco, Don Miguel Rúa. Madri: Editorial CCS, 1957, 382 páginas.
É literária e retoma a matéria das outras biografias. Apresenta dados e ob-
servações interessantes e é lida com facilidade e agrado. (Original em francês)

L’Arco, Adolfo, Miguelín, iremos a medias. Barcelona: EDB, 1971, 128


páginas.
Breve biografia do padre Rua escrita com amenidade e leveza. A matéria é
tomada das demais biografias. (Original em italiano)

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Dom Bosco: história e carisma 3

Bosco, Terésio, Don Miguel Rúa, primer sucesor de Don Bosco. Madri:
Editorial CCS, 2010, 56 páginas.
Breve vida do bem-aventurado padre Rua, com matéria tomada de outros
autores. Divulgação. (Original em italiano)

Rodríguez de Coro, Francisco, Miguel Rúa. A medias con Don Bosco.


Madri: Editorial CCS, 2010, 92 páginas.
Com linguagem jornalística, faz com que o protagonista siga contando sua vida
e fazendo com que o leitor entre no coração do padre Rua. (Original em espanhol)

Rodríguez de Coro, Francisco, Don Rúa, el corazón de viaje. Buenos


Aires: Do-cuprint S. A., 2011.
Breves cenas da história do padre Rua, recriadas livremente pelo autor e
escritas com expressa intenção literária sem pretensões científicas. Sua leitura é
agradável, embora, para entender bem o conteúdo, se requeira um conhecimento
prévio dos fatos referidos pelo autor. (Original em espanhol)

Desramaut, Francis, Vida do Padre Miguel Rua, primeiro sucessor de


Dom Bosco (1837-1910). São Paulo: Editora Salesiana, 352 páginas.
Como o autor reconhece explicitamente, trata-se de uma ampla divulgação
atualizada na qual se narra a vida do padre Rua. Na matéria, depende mui-
to do padre Ceria, tanto de sua biografia do padre Rua, como de seus Annali,
mas acrescenta também outra documentação e aproveita seus muitos estudos sobre
Dom Bosco, especialmente no que se refere às relações com a França. No momento,
é a mais atualizada e completa das existentes. (Original em francês)

Positio: El Siervo de Dios Don Miguel Rúa, primer sucesor de san Juan
Bosco. Posiciones y artículos para el proceso del Ordinario sobre la fama de
santidad, las virtudes y milagros. Tradução do italiano por P. José M. Vidal.
Montevidéu: Imprenta Latina, 1937, 200 páginas. O original é de 1922 e
traz uma carta-prólogo do padre Felipe Rinaldi.
Síntese das declarações feitas com juramento durante o processo de beatifi-
cação pelas testemunhas que conheceram e trataram proximamente com o padre
Rua. Embora realizadas em tom eminentemente ponderativo próprio desses pro-
cessos, contém muitas e fundamentais provas para conhecer a personalidade moral
e espiritual do padre Rua. São precedidas de uma breve, mas bem ponderada,
biografia do então Servo de Deus.

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A sucessão de Dom Bosco

2. Estudos
Don Michele Rua, primo successore di Don Bosco.
Congresso Internacional da ACSSA celebrado em Turim de 28 de outu-
bro a 1o de novembro de 2009. Roma: LAS, 2010.

Don Rua nella Storia.


Congresso Internacional de Estudos da Sociedade Salesiana, realizado
em Roma de 29 a 31 de outubro de 2010. Roma: LAS, 2011.

Chávez, Pascual, A figura humana e espiritual do beato Miguel Rua, ACG


405 (2009), 3-50.

González, Jesús-Graciliano, “Don Rúa, ¿otro Don Bosco? Personali-


dad humana y espiritual de don Rúa”, CFP 16 (2010), 167-199.

Rua, Miguel, Cartas: Uruguai, Paraguai, Brasil. Introdução, tradução e


notas de Antônio da Silva Ferreira. Barbacena: Centro Salesiano de Documen-
tação e Pesquisa, 2002.

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Capítulo XVII

BEATIFICAÇÃO E CANONIZAÇÃO
DE DOM BOSCO

A história da beatificação e canonização de Dom Bosco foi contada com


detalhes pelo seu biógrafo, padre Ceria,1 servindo-se de uma documentação
abundante e fidedigna, conservada no Arquivo Salesiano Central.2 Os dois
processos também foram repetidamente narrados3 e, mais recentemente,
analisados com rigor crítico.4
Tendo por base a bibliografia existente e uma ponderada seleção de
fontes, fazemos aqui uma crônica dos processos de beatificação e canoni-
zação de Dom Bosco. Ao enfrentar as principais questões desses proces-
sos, buscamos a exatidão do conteúdo e a clareza da exposição, remetendo
1
E. Ceria, Memorias Biográficas de san Juan Bosco, XIX: La glorificación (1888-1938). Madri:
Editorial CCS, 1989. Ceria oferece uma crônica detalhada do processo de beatificação e canonização,
precedida de elogios e seguida de um inventário das festividades relativas à documentação pertinente.
2
A documentação oficial sobre o processo de beatificação e canonização de Dom Bosco pode
ser encontrada principalmente em três arquivos: no da Congregação para as Causas dos Santos, no da
arquidiocese de Turim e no Arquivo Salesiano Central: ASC A263-A299; FDB 2062-2557; as micro-
fichas 2323-2557 estão na seção Rua.
3
Cf. C. Salotti, II Beato Don Bosco. Turim: SEI, 1929, 655-681. Dom Carlos Salotti, que seria
cardeal, funcionou como advogado e, depois, como promotor da fé no processo apostólico; amigo dos
salesianos, mesmo sendo promotor da fé, foi um ardoroso promotor da causa. F. Giraudi, L’Oratorio
di Don Bosco: inizio e progressivo sviluppo edilizio della Casa Madre dei Salesiani in Torino. Turim: SEI,
1935, 244-274. Padre Fiel Giraudi, ecônomo-geral da Congregação por muitos anos, faz uma breve
apresentação dos dois processos e, mais detalhadamente, das celebrações em Roma e em Turim. São de
especial interesse as fotografias que acompanham o texto e a descrição precisa da exumação e do exame
do corpo de Dom Bosco em 1929.
4
Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia della religiosità cattolica. Vol. III: La Canonizzazione (1888-
1934). Roma: LAS, 1988. Idem, “La canonizzazione di Don Bosco tra fascismo e universalis­mo”. In:
F. Traniello (ed.), Don Bosco nella storia della cultura popolare. Turim: SEI, 1988, 350-382. Em seu
artigo, Stella apresenta a canonização de Dom Bosco no contexto social e político durante o fascismo e
ressalta o significado religioso do acontecimento. Este capítulo baseia-se no ensaio de A. Lenti, “Don
Bosco’s Beatification and Canonization”, JSS 10:1 (1999), 65-144.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

exaustivamente a estudos mais amplos, como os citados dos padres Ceria e


Stella, facilmente acessíveis.

1. O processo de beatificação
Dom Bosco foi objeto de veneração desde o momento de sua morte em
31 de janeiro de 1888. Mesmo ainda em vida, a fama de santidade e a noto-
riedade de seu poder taumaturgo estenderam-se por todas as partes e conti-
nuaram a crescer. Sobretudo a sua sepultura, no colégio salesiano de Valsálice,
atraía um número sempre crescente de devotos. Essa onda de devoção, com a
convicção pessoal que os salesianos tinham da santidade de seu fundador, le-
vou padre Rua a iniciar os preparativos para introduzir, o quanto antes, a cau-
sa de beatificação do amado pai Dom Bosco. Em sua primeira carta circular
como Reitor-Mor, de 19 de março de 1888,5 convidava os irmãos a recolher
recordações e reunir testemunhos, enviando o material à casa-mãe. Os irmãos
deviam ser totalmente sinceros em suas declarações e estar preparados para, se
fossem convocados, declarar as afirmações com juramento.
Os membros do V Capítulo Geral, reunido em setembro de 1889, es-
creveram e assinaram o pedido para a introdução da causa.6 Padre Rua, por
meio do padre Bonetti, apresentou-a ao arcebispo de Turim em 31 de janeiro
de 1890, juntamente com seu pedido pessoal.
Entre fevereiro de 1888 e dezembro de 1889, padre Bonetti, auxiliado
pelo padre Berto, redigiu os artigos, ou seja, as declarações sobre a vida, o
trabalho, as virtudes, os dons sobrenaturais etc. de Dom Bosco, que seriam
apresentados ao arcebispo com o pedido de introdução do processo ordiná-
rio. Os salesianos, em seguida, contrataram como advogado e procurador um
qualificado canonista romano, Hilário Alibrandi, que revisou os 807 artigos.
Seguindo seu conselho, foram reduzidos a 408.
Os artigos revestiam-se de grande importância, pois não tentavam ape-
nas narrar a vida de Dom Bosco ou evidenciar as intervenções divinas a seu
favor, mas pretendiam, de um lado, deixar bem clara a fama de santidade
que se formara espontaneamente ao redor de sua figura e, de outro, teste-
munhar o heroísmo na prática das virtudes, tanto as teologais (fé, esperança
e caridade), como as cardeais (prudência, justiça, fortaleza e temperança) e

Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani. San Benigno Canavese: Scuola Tipográ­fica
5

Don Bosco, 1910, 12-24.


6
Cf. MB XIX, 38s; J. Graciliano González, I sei capitoli generali presieduti da don Michele Rua.
Roma: Casa Geral, 2010, 178-179.

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Dom Bosco: história e carisma 3

as virtudes próprias da vida consagrada (pobreza, castidade e obediência).


Os artigos também tendiam a facilitar ou sugerir testemunhos sobre ações
e fatos singulares que demonstrassem que Deus dotara Dom Bosco de dons
sobrenaturais como as curas milagrosas, o conhecimento de coisas ocultas, o
dom da profecia etc.
O processo concluído por um tribunal especial em Turim e pela sagrada
Congregação dos Ritos em Roma, agora conhecida como Congregação para
as Causas dos Santos, durou quase quarenta e quatro anos. Dom Bosco foi
beatificado em 2 de junho de 1929 e canonizado no Domingo de Páscoa,
1o de abril de 1934, pelo papa Pio XI.7

Os processos de beatificação e canonização dos santos


A realização de qualquer processo de beatificação e canonização é com-
plexo e emaranhado. O de Dom Bosco encontrou também algumas dificul-
dades a mais. Parece oportuno oferecer um breve esquema do modo como se
realizavam os processos, para não se perder no intrincado dos acontecimentos.

Processo de beatificação
Consta de dois momentos:
1o. Processo ordinário ou diocesano;8 é realizado na diocese do bem-
-aventurado; no caso de Dom Bosco deu-se em Turim, de junho de 1890
a abril de 1897. A principal missão deste processo é investigar a fama de
santidade, as virtudes e os dons sobrenaturais do futuro bem-aventurado,
mediante o testemunho de pessoas escolhidas para o caso.
2o. Processo apostólico.9 Antes de ser iniciado é preciso aprovar a docu-
mentação do processo ordinário e, em caso afirmativo, é autorizado o início

7
Muitas pessoas participaram do processo, que foi realizado durante o pontificado de quatro
papas: Leão XIII (1878-1903), Pio X (1903-1914), Bento XV (1914-1922) e Pio XI (1922-1939).
Cinco arcebispos regeram a sede de Turim nesse período: o cardeal Caeta­no Alimonda (1883-1891),
o arcebispo Davi Riccardi (1891-1897), o cardeal Agostinho Richelmy (1897-1923), o cardeal José
Gamba (1923-1930) e o cardeal Maurílio Fossati (1930-1965). Quatro Reitores-Mores, sucessores
de Dom Bosco, governaram a Congregação Salesiana durante o processo: padre (agora beato) Miguel
Rua (1888-1910), padre Paulo Albera (1911-1921), padre (agora beato) Felipe Rinaldi (1922-1931) e
padre Pedro Ricaldone (1932-1951).
8
O processo diocesano chama-se oficialmente ordinário, porque acontece sob a autoridade do
bispo (ordinário) da diocese a que o servo de Deus pertencia. Também se chama informativo, porque o vo-
lume de informações sobre o candidato é recolhido, em nível diocesano, das declarações das testemunhas.
9
Esta etapa do processo se chama apostólica, porque acontece sob a autoridade da Sé Apostólica (ou
seja, do Papa) através da Sagrada Congregação dos Ritos [hoje, Congregação para as causas dos santos].

682

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

do processo perante a Congregação dos Ritos e o candidato à beatificação é


declarado venerável.10 Dom Bosco foi declarado venerável em 24 de julho de
1907 e seu processo apostólico teve início em 4 de abril de 1908, acontecen-
do em duas sedes: em Turim e em Roma.
Antes de continuar, é preciso realizar três atos importantes: reconheci-
mento do corpo, certificação de que não houve culto prévio (processo de não
culto) e exame dos escritos do futuro bem-aventurado.
No caso de Dom Bosco, na sede de Turim, a Congregação dos Ritos
examinou a documentação sobre a fama de santidade, as virtudes e os dons
sobrenaturais de Dom Bosco e fez o primeiro exame oficial do corpo de Dom
Bosco em 13 de outubro de 1917. As atas do que se fez em Turim uma vez
revistas, foram aprovadas por Bento XV em 9 de junho de 1920.
Durante esse tempo deu-se o processo breve (processiculus) para estudar as
alegações contra Dom Bosco apresentadas pelo cônego Manoel Colomiatti.
Em Roma, procede-se ao exame sobre a prática heroica das virtudes do
possível futuro bem-aventurado. Para isso, faz-se um resumo da documen-
tação (summarium). O promotor da fé apresenta suas observações críticas
(animadversiones) e a defesa redige a correspondente resposta (responsio).
Cumpridos estes requisitos preliminares, têm lugar as chamadas três
congregações ou assembleias: antepreparatória, preparatória e geral, esta na
presença de Sua Santidade (coram Sanctissimo). No caso de Dom Bosco, a
preparatória foi interrompida e foi preciso fazer uma segunda.
Superadas estas fases, passa-se ao exame dos milagres e, se forem apro-
vados, o Papa autoriza a leitura do decreto sobre os milagres. Segue o decreto
chamado de tuto (segurança para continuar) e é fixada a data da beatificação;
para Dom Bosco, foi fixada em 2 de junho de 1929.

Processo de canonização
O processo de canonização após a beatificação costuma ser simples:
reconhecimento dos milagres exigidos, decreto de tuto e fixação da data
de canonização.
No caso de Dom Bosco houve uma pequena complicação por causa do
estudo da causa de Domingos Sávio, cuja biografia, escrita por Dom Bosco,
apresentava dificuldades de ordem histórica. A data da canonização foi fixada
para 1o de abril de 1934, dia da Páscoa da Ressurreição.

10
Atualmente, o título de Venerável é concedido depois de ter sido aprovada a heroicidade das virtudes.

683

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Dom Bosco: história e carisma 3

Uma das tapeçarias feitas por ocasião da canonização.

Processo ordinário de beatificação de Dom Bosco,


de 4 de junho de 1890 a 1o de abril de 1897
Padre Rua e os membros do Capítulo Superior começaram desde o
primeiro momento a se mover para conduzir com sucesso a causa de beati-
ficação e canonização de Dom Bosco. Serviram-se para tanto da assessoria
de dom Agostinho Caprara, promotor geral da fé perante a Congregação
dos Ritos e especialista nos procedimentos dos processos de beatificação
e canonização. Como primeira iniciativa, padre Rua escreveu uma carta
aos bispos do Piemonte e Ligúria, pedindo-lhes recomendações. Mandou
escrever, depois, uma carta dirigida ao cardeal de Turim, assinada por todos
os membros do V Capítulo Geral, reunidos em Valsálice em setembro de
1889, solicitando a abertura do processo. Além disso, padre Rua, que era
o postulador da causa ex officio, nomeou o padre Bonetti como postulador

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

e o padre Belmonte como vice-postulador na fase diocesana do processo.11


Era uma tática para evitar a presença do cônego Colomiatti como promotor
da fé no processo ordinário. A aceitação da diocese do padre Bonetti como
promotor da causa é prova da boa disposição do cardeal Alimonda, arcebis-
po de Turim, a favor da causa.
O cardeal nomeou como promotor da fé o cônego Miguel Sorasio e não
o cônego Colomiatti, embora este fosse o principal canonista e advogado da
cúria e conservara este posto com o arcebispo anterior. Entretanto, como
homem de confiança de dom Gastaldi, ele atuara decididamente a seu favor
e contra Dom Bosco no conflito entre os dois. Por isso, também a partir de
Roma, foi-lhe aconselhado a não participar do processo, a menos que fosse
chamado como testemunha ex officio.
O tribunal foi empossado, constando de três juízes, um secretário e um
meirinho.12 Ao longo do processo, a equipe de juízes sofreu alterações, en-
quanto o promotor da fé, cônego Sorasio, permaneceu no cargo durante todo
o processo diocesano e mesmo depois.
A maioria dos membros do tribunal esteve envolvida no conflito entre
dom Gastaldi e Dom Bosco. Os cônegos Sorasio e Rocchietti foram respec-
tivamente promotor e notário no julgamento penal contra Dom Bosco e o
padre Bonetti, por causa dos panfletos difamatórios do arcebispo.13 Ironias da
vida, agora era o padre Bonetti quem desempenhava o cargo de postulador
da causa de Dom Bosco em nome dos salesianos! É verdade que, à exceção
do padre Colomiatti, os demais consideravam o triste enfrentamento uma
história passada. Por sorte, as coisas mudaram na Igreja de Turim.
Baseando-se nos 408 artigos recompilados pelo padre Bonetti, o promo-
tor, cônego Sorasio, redigiu o questionário de interrogações (interrogatoria),
que continha mais de cem questões sobre a fama de santidade, as virtudes,
os dons sobrenaturais de Dom Bosco etc., para apresentá-lo às testemunhas.
Enquanto isso, padre Colomiatti não ficou inativo. Entre outras coisas,
e provavelmente com a permissão do cardeal Alimonda, enviou a Roma o
arquivo com os documentos legais sobre o suspenso julgamento penal contra
Dom Bosco e o padre Bonetti, com uma carta datada em 12 de novembro de

À morte do padre Bonetti (1891), o padre João Marenco, procurador da Congregação em


11

Roma, foi nomeado postulador (1891-1897). Quando o padre Belmonte morreu (1901), o padre
Rinaldi, recém-nomeado prefeito geral, sucedeu-o como vice-postulador.
12
Os juízes eram os cônegos Bartolomeu Roetti, vigário-geral, Estanislau Gazelli e Luís Nasi.
Atuaria como notário e secretário o cônego Mauro Rocchietti e como meirinho, o senhor Pedro Aghemo.
13
Cf. neste volume, capítulo IX, p. 326-331.

685

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Dom Bosco: história e carisma 3

1890.14 Continuou a apresentar suas queixas ao longo dos anos e, mais tarde,
seus arquivos foram importantes no processo apostólico.

Sessões e testemunhas
O processo exigia dois tipos de testemunhas, as convocadas para respon-
der ao questionário e as que, por ofício [ex officio], deviam esclarecer aspectos
que carecessem de esclarecimento. Padre Bonetti apresentou 28 testemunhas
principais, homens de diversas idades e de diversos estados de vida: 13 eram
salesianos; 1 era religioso (agora santo), padre Leonardo Murialdo, funda-
dor dos josefinos; 8 eram diocesanos; os demais, leigos, alguns “amigos de
família”, de Castelnuovo. Foram chamadas pelo tribunal 17 testemunhas ex
officio: 3 para darem testemunho independente e 14 para confirmarem alguns
pontos de testemunhos alheios. O salesiano padre João Branda, por exemplo,
foi chamado para confirmar o testemunho da assim chamada bilocação de
Dom Bosco em Barcelona.15

14
Nessa carta, o cônego anotava com amargura que as nomeações do padre Bonetti como pos-
tulador, do cônego Sorasio como promotor, e do padre Rocchietti como membro do tribunal eram um
desafio à verdade e um atentado ao Senhor, Cf. P. Stella, Canonizzazione, 74.
15
As 28 testemunhas principais, chamadas pelo postulador salesiano, juraram na primeira sessão
de seu testemunho. Da quarta sessão, em 26 de julho de 1890, até a 439ª, de 23 de janeiro de 1896,
apresentaram o próprio testemunho na seguinte ordem:
Dom João Batista Bertagna (sessões 4-8), bispo auxiliar.
Padre Joaquim Berto, salesiano (sessões 10-46).
Padre Segundo Marchisio, salesiano (sessões 57-66).
Padre João Francisco Giacomelli, diocesano (sessões 68-74).
Padre Félix Reviglio, diocesano (sessões de 75-86).
Senhor Tiago Manolino, pedreiro (sessões 87-88).
Senhor José Turco, agricultor (sessões 89-90).
Senhor João Filippello, negociante (sessões 91-92).
Senhor Jorge Moglia, agricultor (sessões 93-94).
Cônego Jacinto Ballesio, diocesano (sessões 95-104).
Padre Ângelo Sávio, salesiano (sessões 105-108).
Padre Francisco Dalmazzo, salesiano (sessões 109-125).
Coadjutor Pedro Enria, salesiano (sessões 127-136).
Padre Leonardo Murialdo, OSJ (sessões 137-142).
Dom João Cagliero, salesiano (sessões 143-168).
Padre Francisco Cerruti, salesiano (sessões 169-192).
Padre João Batista Piano, diocesano (sessões 193-200).
Coadjutor José Rossi, salesiano (sessões 201-210).
Senhor João Villa, confeiteiro (sessões 211-220).
Padre João Batista Francésia, salesiano (sessões 221-248).
Padre Luís Piscetta, salesiano (sessões 250-267).
Padre Júlio Barberis, salesiano (sessões 268-308).
Padre João Batista Lemoyne, salesiano (sessões 309-347).

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Em 3 de junho de 1890, padre Bonetti apresentou o pedido por escrito,


exigido para que fosse aberto o processo, que se iniciou com a primeira sessão
no dia seguinte. O tribunal celebraria um total de 562 sessões.
Mortes, doenças e outras causas provocaram mudanças e atrasos.16 Ape-
sar dos contratempos, o processo caminhou.

Santidade e dons extraordinários17


Estava claro que Dom Bosco gozava de fama de santidade não só em Tu-
rim, como se demonstrou no imponente cortejo fúnebre que acompanhou os

Senhor João Bisio, negociante (sessões 348-357).


Padre Miguel Rua, salesiano (sessões 358-396).
Padre João Turchi, diocesano (sessões 397-410).
Padre Ascânio Sávio, diocesano (sessões 411-420).
Cônego João Batista Anfossi, diocesano (sessões 421-439).
Três testemunhas ex officio chamadas pelo promotor foram ouvidas de 27 de janeiro a 23 de
março de 1896.
Padre Domingo Bongiovanni, diocesano (sessões 440-448).
Cônego José Bernardo Corno, chanceler da diocese (sessões 449-455).
Cônego Antônio Berrone, diocesano (sessões 456-464).
O promotor chamou ainda outras 14 testemunhas ex officio para confirmar os testemunhos e
testemunhar sobre assuntos específicos, por exemplo, os milagres:
Padre Juan Branda, salesiano (sessões 126; 466-478).
Senhora Marina Della Valle (sessão 466), esposa de Carlos Mateus.
Senhor Carlos Mateus Della Valle, comerciante atacadista de alimentos (sessão 467).
Irmã Paulina Dessanti, Filha da Caridade (sessão 469).
Marquesa Azélia Ricci Des Ferres, proprietária agrícola (sessão 470).
Senhora Luísa (Fagiano) Piovano (sessão 471), esposa de Tomás.
Senhor Tomás Piovano, no lar para idosos (sessão 472).
Irmã Filomena Cravosio, dominicana (sessão 473).
Irmã Teresa Laurentoni, salesiana (sessão 474).
Irmã Rosa Ferrari, salesiana (sessão 475).
Doutor João Albertotti, médico (sessão 476).
Senhora Domingas (Ronco) Pennazio (sessão 477), mãe de João Pennazio.
Senhor João Pennazio, tipógrafo (sessão 478), filho de Tomás.
Senhor Tomás Pennazio, moleiro (sessão 478).
Duas novas testemunhas foram chamadas ex officio para dar a própria opinião sobre as curas
milagrosas dos anteriormente mencionados, senhor João Pennazio, senhoras Luísa Piovano e Marina
Della Valle.
Doutor José Fissore, médico (sessão 480).
Doutor Celestino Vignolo-Lutati, médico (sessão 481).
A lista das testemunhas e os dados relativos podem ser vistos em P. Stella, Canonizzazione,
117-124.
16
O cardeal Alimonda, por exemplo, morreu em 31 de maio de 1891; foi sucedido por dom
Davi Riccardi, que supervisionou a maior parte do processo informativo diocesano.
17
Cf. P. Stella, Canonizzazione, 86-96.

687

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Dom Bosco: história e carisma 3

restos mortais do santo, mas também em outras partes da Itália e do exterior,


como na França e na Espanha, onde fora recebido e celebrado triunfalmente
como taumaturgo. Essa fama se consolidara há algum tempo no Oratório e
nos ambientes salesianos, onde se contavam coisas extraordinárias sobre ele:
milagres, predições de morte, manifestações proféticas etc. Contudo, nos am-
bientes clericais de Turim e do Piemonte, embora se admirasse o zelo de Dom
Bosco e seu trabalho extraordinário em favor da juventude pobre, nem todos
estavam de acordo na interpretação dos fatos como se fazia nos círculos pró-
ximos a Dom Bosco e aos salesianos; atribuíam a auréola de santidade com
que o rodearam os seus devotos à fácil credibilidade dos fascinados alunos dos
oratórios ou da gente inculta do povo. Na cúria diocesana, depois dos emba-
tes entre o arcebispo e Dom Bosco, muitos resistiam a crer em sua santidade.
Havia, também, a imprensa anticlerical, que frequentemente desdenhara dos
poderes extraordinários de Dom Bosco e interpretara sua fama de santida-
de como especulação interessada em obter dinheiro ou buscar apoios sociais
para o desenvolvimento de suas obras.
O promotor da causa devia esclarecer estes elementos e discernir se
tudo correspondia à verdade ou se, ao contrário, fora tudo uma especulação
interessada de Dom Bosco e dos seus que, através do Boletim Salesiano e de
outros meios à disposição, procuraram criar uma imagem que correspondes-
se aos próprios fins, mais ou menos caritativos. Nada havia a objetar, pelo
contrário, em relação à atividade extraordinária de Dom Bosco em favor dos
jovens pobres e em situação de risco, assim como as numerosas iniciativas
apostólicas iniciadas por ele, que faziam dele um homem certamente grande,
mas não necessariamente um santo. E isso era preciso provar, pois das obras
de caridade, apesar de sua bondade intrínseca e de sua eficiência e expansão,
não se deduz necessariamente a santidade de quem as promove.
As maiores dificuldades advieram de duas frentes: uma, em relação à
santidade e à prática heroica das virtudes por causa do infeliz conflito entre
Dom Bosco e o arcebispo Gastaldi e, em especial, em relação aos panfle-
tos difamatórios; a outra, em relação ao reconhecimento dos presumidos
poderes extraordinários de Dom Bosco, ou seja, a sua capacidade de fazer
milagres e predições.

Declarações das testemunhas. O tema do conflito entre Dom Bosco


e dom Gastaldi
Quanto à controvérsia Bosco-Gastaldi, como em todas as outras
questões relativas à santidade de Dom Bosco, os salesianos que testemu-
nharam foram unânimes ao descrever a conduta inatacável de Dom Bosco.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Concordes em seus louvores, também se mostraram os leigos apresentados


pelos salesianos, embora a maioria tenha declarado não ter informação
concreta sobre o assunto.
Padre Murialdo, que trabalhara com Dom Bosco nos oratórios e tam-
bém tivera boa relação com o arcebispo Gastaldi, disse que seu conhecimento
sobre as diferenças fora apenas por ter ouvido. Nunca soubera a razão ou o
resultado do conflito.
Das testemunhas do clero diocesano, alguns, como o padre Reviglio e o
cônego Anfossi, viveram no Oratório ou se alinharam com Dom Bosco du-
rante a crise; não só deram testemunho favorável, como também insinuaram
que o culpado era o arcebispo.
Outros, contudo, expressaram-se com certa ambiguidade. Foi assim o
testemunho prestado por dom Bertagna que, sendo professor de Moral no
Colégio Eclesiástico, tivera desacordos teológicos com o arcebispo e sofrera
com isso. Sobre a relação de Dom Bosco com o predecessor de Gastaldi, dom
Riccardi di Netro, o bispo Bertagna declarou que o arcebispo criticara, pos-
sivelmente com razão, o programa de formação sacerdotal de Dom Bosco no
Oratório. Dom Bertagna também admitiu ter conhecimento do desencontro
entre dom Gastaldi e Dom Bosco: “Creio que se referia mais à Congregação
Salesiana”, mas, por não ter vivido em Turim naquele momento, não sabia
muito mais.18
Dom Bertagna continuou declarando que Dom Bosco era considera-
do um santo e que, especialmente em seus últimos anos, dera um exemplo
admirável, não obstante alguma pequena fragilidade humana (alquanto di
umanità). Acrescentou que não podia dizer se a santidade de Dom Bosco
era santidade em sentido técnico. Mas foi real e não só atribuída por seus
seguidores que o idolatravam, embora o Boletim Salesiano tenha contribuído
certamente para aumentar a sua fama.
Questionado sobre os dons sobrenaturais de Dom Bosco, dom Bertagna
confessou que, na verdade, não acreditava que Dom Bosco tivesse feito ver-
dadeiras profecias ou que tivesse tido o dom do conhecimento sobrenatural
de coisas ocultas. Tinha uma inteligência sutilíssima e sabia o que acontecia
a cada momento. Por isso, pôde fazer predições servindo-se de seus conheci-
mentos e de sua intuição. Entretanto, estava convencido de que Dom Bosco
teve o dom de curar milagrosamente e declarou que Dom Bosco, durante o

18
Nos últimos dias de mandato de dom Gastaldi em Turim, Bertagna era professor de Teologia
Moral no seminário diocesano de Casale, antes de ser nomeado bispo coadjutor do sucessor de Gas-
taldi, cardeal Alimonda.

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Dom Bosco: história e carisma 3

retiro espiritual, pedira-lhe conselho sobre se devia continuar a dar a bênção


de Maria Auxiliadora, que produzia tais resultados.
Dom Bertagna foi a primeira testemunha. Sua declaração, supostamente
secreta, mas talvez não tão secreta vinda de um bispo e de uma pessoa que
não estivera nas graças de dom Gastaldi, não deve ter agradado muito aos
salesianos. O pedido para que Cagliero, também bispo, pudesse testemunhar,
em março-maio de 1893, pode ser visto, talvez, como uma tentativa de equi-
librar, com a autoridade de um bispo, o possível dano das declarações feitas
por outro bispo.
Motivo de preocupação muito maior, porém, foi a possibilidade de um
ataque dos antigos homens da cúria de Gastaldi, especialmente do cônego
Colomiatti, em relação à crise Bosco-Gastaldi. E pode ter sido esta a razão
pela qual os salesianos persuadiram o padre João Turchi a fazer uma declaração
(1895). Como se soube mais tarde, padre Turchi teve muito a ver com a re-
dação dos panfletos difamatórios contra o arcebispo. Em sua declaração, con-
tudo, não se autoculpou, mas negou categoricamente que Dom Bosco tivesse
algo a ver com eles. Ao mesmo tempo, entregou ao tribunal uma declaração
sigilada a ser enviada à Santa Sé. O que equivalia a admitir que soubesse quem
escrevera os panfletos que Colomiatti atribuía obstinadamente a Dom Bosco.
Também neste caso, poderíamos nos perguntar por que as duas pes-
soas mais próximas a dom Gastaldi, os cônegos Chiuso e Colomiatti, não
foram chamadas pelo tribunal como testemunhas ex officio. Infelizmente, pa-
dre Chiuso, historiador eminente da Igreja, que fora secretário de Gastaldi
e ainda possuía documentos pessoais do arcebispo, viu-se envolvido numa
grande questão de malversação de fundos dos arquivos da diocese e estava
sob censura.19 Padre Sorasio, promotor da fé, pensara em chamar o padre
Colomiatti como testemunha; mas as razões do arcebispo Alimonda para
descartá-lo como promotor, serviram, talvez, ao novo arcebispo Riccardi para
eliminá-lo como testemunha.
Para compensar de certo modo a falta do testemunho de Colomiatti,
Sorasio decidiu convocar três testemunhas ex officio: padre Domingos Bon-
giovanni, cônego José Bernardo Corno, chanceler da arquidiocese, e cônego
Antônio Berrone.
A deposição do padre Corno foi cautelosa como a do padre Murialdo.
Afirmou ter ouvido que Dom Bosco se chocara com o arcebispo Gastaldi,
como também com o predecessor deste. A razão era que Dom Bosco, com
19
O cônego Tomás Chiuso, secretário do arcebispo Gastaldi, perdeu todo o seu dinheiro na
bolsa. Pretendendo saldar sua dívida, tentou vender propriedades eclesiásticas.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

frequência, atuava apoiando-se em privilégios que dizia ter recebido da Santa


Sé, o que o arcebispo via como abuso. Algumas pessoas puseram-se do lado
de Dom Bosco; outras, do arcebispo. Ele, que não dispunha de conhecimen-
to direto, também não tinha opinião a respeito.
Igualmente precavida foi sua declaração sobre o tema dos “dons extraor-
dinários” de Dom Bosco. Não tinha conhecimento de nenhum milagre ope-
rado por Dom Bosco, tanto antes como depois de sua morte. Sabia, porém,
que algumas pessoas devotas tinham recebido graças através da intercessão de
Maria Auxiliadora e das orações de Dom Bosco. O testemunho do cônego
Berrone caminhou no mesmo sentido.
A declaração de Domingos Bongiovanni, entretanto, foi mais detalhada
e menos favorável. Fora aluno no Oratório quando criança e, durante certo
tempo, clérigo salesiano, antes de entrar no clero diocesano. Posteriormente
levara Dom Bosco aos tribunais num julgamento civil, por causa de um di-
nheiro que uma sua tia deixara para Dom Bosco. O veredicto foi favorável
ao padre Bongiovanni, que continuou a ser amigo dos salesianos e elogiou a
caridade e o zelo de Dom Bosco, embora pensasse que não fora justo e since-
ro com ele. Seu testemunho provavelmente estava contaminado por essa ex-
periência. Sobre o tema dos dons sobrenaturais de Dom Bosco, declarou que
não observara nada de extraordinário na época em que vivera no Oratório.
As predições de Dom Bosco de mortes de meninos baseavam-se em cálculos
simples. Outras predições foram feitas em tom de brincadeira ou como forma
de expressar um bom pensamento. Em relação à reputação de santidade de
Dom Bosco, baseava-se em grande parte nas múltiplas obras de caridade. Pa-
dre Bongiovanni expressou a opinião de que Dom Bosco nunca seria canoni-
zado e que a sua causa seria desmontada, como muitos acreditavam, quando
se investigasse o seu embate com dom Gastaldi e com ele mesmo.
Na opinião do tribunal, segundo o que Sorasio observou na capa do
relatório, esta testemunha parecia um “bufão não confiável e polemista”.

Dons sobrenaturais: as curas milagrosas atribuídas a Dom Bosco20


A respeito do testemunho sobre os dons sobrenaturais de Dom Bosco,
várias testemunhas, em especial salesianos, mencionaram curas milagrosas ob-
tidas através de sua intercessão. O testemunho, desigual, ouvido de algumas
testemunhas sobre o tema levou o promotor a investigar cinco dessas curas.
Decidiu chamar, por isso, as pessoas envolvidas como testemunhas ex officio,
em busca de confirmação.
20
Cf. P. Stella, Canonizzazione, 96-110.

691

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Dom Bosco: história e carisma 3

Marina Cappa Della Valle21


Marina Cappa era casada com Carlos Mateus Della Valle, comerciante
atacadista de alimentos em Turim. Ambos eram católicos devotos e estavam
familiarizados com os salesianos. Tinham respectivamente 56 e 60 anos de
idade, quando se apresentaram como testemunhas em 1896. Separadamente,
cada um apresentou um atestado confirmado e assinado por dom Basílio
Leto, bispo emérito de Biella.
A dupla declaração sobre os fatos acontecidos mais de uma década an-
tes, concordava. A senhora Della Valle tivera 12 filhos sem complicações.
Contudo, a décima terceira gestação foi interrompida na primavera de 1884,
por uma doença no útero. A cirurgia danificou muito o útero, produzindo
uma infecção e uma grande úlcera hemorrágica. Depois de permanecer no
hospital, decidiu ir para casa, onde, em maio de 1885, ficou sob os cuidados
do doutor Cândido Ramello, que não aceitou declarar como testemunha.
Em vez disso, entregou uma carta escrita por ele, em 22 de maio de 1889, a
pedido dos salesianos.
Dirigida ao marido, a carta descreve o caso, pois esteve sob a sua obser-
vação de maio de 1885 a fevereiro de 1886. Confirmou que os tratamentos
só deram alívio temporário, e que a doença foi se tornando progressivamente
mais grave. Temia-se que fosse câncer cervical, mas a senhora Della Valle não
queria submeter-se a nenhum outro procedimento de biópsia. O doutor Ra-
mello alertou o marido em várias ocasiões de que havia uma real possibilidade
de morte.
Convencida de que sofria de câncer irreversível, começou a rezar por sua
cura à Virgem Maria com diversos títulos. No primeiro aniversário da morte de
Dom Bosco, duas salesianas levaram-lhe uma imagem e uma relíquia de pano
de Dom Bosco; padre Dalmazzo, salesiano, seu confessor, sugeriu-lhe iniciar
uma novena a Dom Bosco. O senhor Della Valle comprometeu-se a fazer uma
oferta e permitir que sua filha Antonieta ingressasse entre as salesianas.
Ao final da novena, depois de receber a comunhão, Marina Della Valle
sentiu-se curada. Numa segunda carta, de 19 de abril de 1896, o doutor Ra-
mello declarou que as lesões purulentas do útero tinham sido curadas, talvez
de forma permanente. Nas duas cartas, o médico ressalta que a presença de

21
Padre Lemoyne informa sobre esta cura milagrosa em sua biografia de Dom Bosco (G. B.
Lemoyne, Vita del venerabile servo di Dio Giovanni Bosco. Turim: SEI, 1913. Vol. II, 657-660). Ceria,
também informa sobre o milagre nas Memórias Biográficas, mas não menciona as reservas do doutor
Ramello. Ele acrescenta que a senhora Della Vale morreu pouco depois de testemunhar, em 1896, aos
56 anos de idade, “de uma enfermidade não especificada” (MB XVIII, 604s).

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

câncer não fora comprovada e que não era impossível a cura do útero por
processos naturais. Contudo, revelou seu agnosticismo, quando disse ao cô-
nego Sorasio, que fora vê-lo pessoalmente: “Sim, para os que acreditam nos
milagres, este é um milagre!”.

Luíza Fagiano Piovano22


Luíza Fagiano, mulher pobre, doméstica, de 31 anos de idade, casara-se
em 1877 com Tomás Piovano, um viúvo muito mais velho. Depois de três
partos bem-sucedidos, a quarta gestação foi interrompida com uma cirurgia
que lhe prejudicou o útero. Infecções graves, hemorragias, dor e depressão
iam sempre pior. Os Piovanos eram pobres, mas em 1855, pelos bons présti-
mos de irmã Paulina Dessanti, filha da Caridade, e da marquesa Azélia Ricci
de Ferres, foi hospitalizada. Depois do tratamento voltou para casa, embora
nunca se tenha recuperado. Por orientação da marquesa, em 1889, fez uma
novena a Dom Bosco, pedindo sua cura e a conversão do marido, que não era
católico praticante. Durante a novena, sonhou certa noite com Dom Bosco
e, na noite de Domingo de Páscoa, despertou de seu sonho e viu Dom Bosco
de pé junto à cama. Ele teria dito que sua confiança nele não a decepcionaria
e que ficaria bem. Curou-se.
Os médicos que cuidavam dela foram chamados para testemunhar. Um
deles, porém, o doutor Francisco Borgna, falecera; o outro, doutor Luís Co-
lomiatti, declinou do convite, porque não se lembrava do caso; só o doutor
Constantino Alvazzi Delfrate respondeu com uma carta muito detalhada.
Em breves relatórios antigos apresentados no hospital, os médicos cons-
tataram a gravidade da enfermidade. O doutor Borgna também falou de cân-
cer uterino incurável. Mas em sua carta, o doutro Alvazzi Delfrate sustentava
que a cura se deveu tanto aos tratamentos médicos como ao poder curativo
natural do organismo.

Outras curas23
Foram investigadas outras três curas milagrosas. Em 29 de abril de 1896
foi chamada para testemunhar a irmã Filomena Cravosio, religiosa domi-
nicana, que descreveu sua cura imediata de dores do estômago e do fígado,
quando Dom Bosco lhe apareceu na manhã de 31 de janeiro de 1888. Dom
Bosco acabara de morrer, embora ela não o soubesse.
22
Tanto Lemoyne como Ceria mencionam a cura da senhora Piovano quando falam da cura de
Marina Della Valle.
23
Ver uma crônica detalhada das três “curas” em P. Stella, Canonizzazione, 107-109.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Irmã Adela Marchese, salesiana, recuperou a visão quando em 2 de fe-


vereiro de 1888, colocou sua cabeça sobre a mão de Dom Bosco, quando
seu corpo estava exposto ao público na igreja de São Francisco de Sales no
Oratório. Irmã Adela já tinha falecido, mas duas Filhas de Maria Auxiliadora
testemunharam a sua cura. O doutor João Albertotti, médico do Oratório e
agnóstico declarado, qualificou a cura como “extraordinária”.
Em maio-junho de 1896, os pais de João Pennazio declararam que seu
jovem filho perdera a visão aos 9 anos. Os médicos recomendaram extirpar-
-lhe o olho enfermo, mas o menino resistiu desesperadamente. Então, os
pais levaram-no à igreja de Maria Auxiliadora para receber a bênção de Dom
Bosco. Recobrou a visão. Era o ano de 1886. No momento do testemunho,
tinha 19 anos e trabalhava como tipógrafo.
Numa última tentativa de confirmação, o cônego Sorasio chamou dois
especialistas, médicos eminentes, doutores José Fissore e Celestino Vignolo-
-Lutati, que cuidaram de Dom Bosco em sua última doença. Eles deviam
examinar e avaliar a documentação sobre a cura de João Pennazio, Luíza
Piovano e Marina Della Valle. O veredicto não foi unânime, pois a evidência
médica era insuficiente ou imperfeita.

Conclusão do processo ordinário


Vinte clérigos e noviços salesianos ocuparam-se da transcrição das atas
originais do processo.24 Um notário designado pelo tribunal revisou e com-
parou com a cópia autêntica que seria enviada à Santa Sé. As atas originais
foram registradas no arquivo da arquidiocese de Turim. A cópia autêntica,
que consta de 22 volumes, 5.178 páginas de tamanho legal, foi sigilada para
sua entrega em Roma. Os integrantes do tribunal reuniram-se na capela de
Valsálice e escolheram o padre Domingos Belmonte como portador do do-
cumento. Com isso, deu-se por concluído o processo ordinário diocesano em
1o de abril de 1897.

Processo apostólico na sagrada Congregação dos Ritos (1907-1929)


Os processos de beatificação e de canonização em Turim e Roma, sob a
autoridade da sagrada Congregação dos Ritos, envolviam muitas pessoas que
prestavam serviços em cargos oficiais: um cardeal ponente ou relator (pones ou

P. Lemoyne teve em mãos durante algum tempo uma cópia completa das Atas. Serviu-se desse
24

material na compilação do seu monumental Documenti. Acredita-se que teria obtido essas atas durante
a transcrição delas no colégio salesiano de Valsálice.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

relator);25 um promotor geral da fé (promotor fidei);26 um postulador da causa


(postulator causae);27 um advogado (advocatus).28 Para introduzir o processo
apostólico eram necessárias solicitações de apoio (litterae postulatoriae) diri-
gidas ao Papa. Ao longo de 1902 e 1903, obtiveram-se do mundo todo 341
dessas cartas, das quais 23 eram assinadas por cardeais.

Preliminares. Processo de “não culto”


Tão logo possível, o postulador padre Marenco pediu à sagrada Congre-
gação dos Ritos as cartas de autorização (litterae remissoriales) que facultassem
à cúria de Turim iniciar o processo de non culto, ou seja, a certificação de que
o servo de Deus não fora objeto de anterior veneração pública. A averiguação
foi feita em várias dioceses, mas centralizada logicamente em Turim, nos anos
1901-1902, e concluída em 4 de junho de 1904.
A admiração e devoção a Dom Bosco moviam-se em dois planos dife-
rentes: de um lado, estavam os que recorriam a ele para obter graças, dada
a fama de taumaturgo de que já gozava em vida; de outro, estavam os que
queriam promover a causa de beatificação, porque o consideravam modelo e
protetor dos que continuavam a sua obra. Era preciso muita atenção para que
essa devoção não passasse a ser culto antecipado de sua pessoa. Os salesianos
25
Seis cardeais sucederam-se no papel de relator: Lúcido Maria Parocchi, vigário de Roma e
cardeal protetor da Congregação (1897-1903); Luís Tripepi (1903-1906); José Calasanz Vives y Tuto,
capuchinho (1907-1913); Domingos Ferrata (1914-1915); Antônio Vico (1915-1929); e Alexandre
Verde (1929-1934).
26
Atuaram como promotores da fé na causa de Dom Bosco: os bispos Alexandre Verde (desde
1907); Ângelo Mariani (desde 1914); Carlos Salotti (como vice-promotor, desde 1916; como promo-
tor de 1925 a 1930); Salvador Natucci (1930-1934). Pelo seu dever de ofício, o promotor da fé é cha-
mado, também, de “advogado do diabo” (advocatus diaboli), título não oficial. De qualquer maneira,
este título não é de modo algum apropriado a dom Salotti, salesiano de coração, que embora em seu
papel de promotor da fé, procurava de todos os modos possíveis que a causa de Dom Bosco avançasse.
27
No processo apostólico, os procuradores salesianos em Roma também atuaram como postula-
dores da causa. Foram quatro: padres César Cagliero (1897-1899), desde o fim do processo diocesano
até sua morte; João Marenco (1899-1907, antes da introdução do processo apostólico; e de 1907 a 1909,
quando foi nomeado bispo); Dante Muneratti (1909-1923), até enquanto não foi nomeado bispo; e
Francisco Tomasetti (1924-1934). A partir de 1901, os postuladores tiveram a ajuda do padre Rinaldi,
que substituíra o padre Belmonte, falecido nesse ano, no cargo de prefeito geral e de vice-postulador.
28
Monsenhor Hilário Alibrandi foi contratado pelos salesianos em 1890 como advogado, para
preparar o processo diocesano. Quando faleceu em 1894, os salesianos contrataram monsenhor Ferdi-
nando Morani, para preparar o processo apostólico, mas ele faleceu em 1907. Para introduzir a causa
em Roma (1907), foi contratado dom Carlos Salotti, que atuava como advogado até ser vice-promotor
da fé em 1916. Monsenhor João Romagnoli sucedeu-o como advogado. Quando este foi excluído por
causa de um escândalo sexual em 1926, manteve-se como advogado monsenhor João Della Cioppa, que
acompanhou a causa até o seu final em 1934. O meirinho Pedro Melandri colaborou com o advogado
durante a maior parte do processo apostólico na redação da documentação e outros assuntos legais.

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Dom Bosco: história e carisma 3

fizeram o possível para manter-se no justo limite. Dois lugares eram particu-
larmente metas importantes de devoção e, por isso, deviam ser estritamente
vigiados: os aposentos de Valdocco, onde Dom Bosco vivera e morrera, e
a sepultura de Valsálice. Nos aposentos, foi criada uma forma de devoção
que teve grande repercussão e sucesso. Tratava-se da celebração de missas no
altar onde Dom Bosco celebrava durante a sua enfermidade. Ali acorriam
às terças-feiras, dia da semana em que morrera, grupos de alunos das classes
mais adiantadas para participar da santa missa e rezar pelo descanso eterno
do querido pai; pedia-se, também, pelo sucesso do processo de beatificação e
canonização. Não se tratava de culto a um santo, mas de um ato em homena-
gem a uma pessoa querida que, além do mais, servia para promover entre os
jovens a piedade e a frequência dos sacramentos.29
Mais difícil e delicado era o controle na sepultura de Dom Bosco em
Valsálice, à qual acorriam muitas pessoas e grupos, tanto para rezar por ele
e invocar sua proteção para obtenção de graças como para levar ex-votos de
agradecimento por graças alcançadas. Em algum caso, chegara-se ao exagero.30
Com autorização eclesiástica também eram distribuídas estampas e relíquias
para aumentar a devoção popular, tornar conhecida a vida ou alguns pensa-
mentos de Dom Bosco e rezar para que Deus se dignasse conceder a graça da
canonização. O juízo sobre non culto foi favorável.

Exame dos escritos


Em 1898, a Congregação dos Ritos ordenou que os escritos de Dom
Bosco fossem preparados para serem examinados. O arcebispo de Turim,
cardeal Richelmy, designou uma comissão para reunir, ordenar e revisar os
escritos em sua integridade e autenticidade. A equipe, reunida em Valdocco,
completou essa tarefa em 10 sessões. Entre 1902 e 1904 os escritos foram
preparados para serem examinados pela Congregação romana quanto à orto-
doxia, a moral e a doutrina espiritual. O veredicto foi favorável.
Contudo, as atas do processo diocesano continham grande quantidade
de material sobre o conflito entre Dom Bosco e o arcebispo Gastaldi. Consi-
derou-se que os escritos de Dom Bosco relativos a este assunto deveriam ser
29
Após a canonização e durante muito tempo, continuou-se a celebração das “terças-feiras em hon-
ra de Dom Bosco” estendida a muitos colégios salesianos, mas já como verdadeiro ato de culto ao santo.
30
Este foi o caso de um pároco da Sardenha que, afetado por grave enfermidade dos olhos, recor-
reu a Dom Bosco e envolveu toda a paróquia no pedido de cura. Cheio de entusiasmo por tê-la obtido,
colocou uma estátua de Dom Bosco sobre o altar de sua paróquia para que fosse venerada pelo povo.
O advogado da causa, embora considerando que se tratava de uma transgressão facilmente desculpável,
pois o piedoso pároco não era nem salesiano, nem aluno dos salesianos, julgou que o caso poderia obter
a devida dispensa da autoridade competente.

696

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

examinados mais detidamente num primeiro pequeno processo secreto, con-


cluído em 22 de agosto de 1906.31 O texto ao qual se deu maior atenção foi a
Exposição de Dom Bosco, de 1881, em que ele analisava o conflito como o via
e expressava suas queixas contra o arcebispo num estilo direto e emocional.32
As questões sobre a disciplina religiosa na Sociedade Salesiana e a publicação
de graças atribuídas a Maria Auxiliadora, que receberam oposição enérgica de
dom Gastaldi, também foram objeto de exame. O juízo do examinador foi
fundamentalmente positivo, inclusive em relação à Exposição.33

Animadversiones do promotor da fé
Monsenhor Alexandre Verde, como promotor da fé, examinou a agen-
da preparada para a introdução da causa e redigiu as observações críticas
(animadversiones). Ele partia da convicção, já surgida no processo do cônego
Cottolengo, de que as boas obras de caridade não garantiam a santidade de
quem as realiza; a partir disso, ele questionava as motivações de Dom Bos-
co, suas proclamadas revelações sobrenaturais ou sonhos e, sobretudo, sua
virtude ou santidade. Dom Bosco poderia ter sido apenas um pragmático
ambicioso que obteve sucesso, um competidor obstinado e batalhador, um
manipulador inteligente, um homem carente de interesse ascético e de vir-
tudes sólidas.34

31
Este pequeno processo sobre os escritos, instigado pelo cônego Colomiatti deve ser distinguido
do posterior breve processo sobre os panfletos, provocado pelo próprio cônego.
32
Esposizione del sacerdote Giovanni Bosco agli eminentissimi cardinali della sacra congregazione
del Concilio. Sampierdarena: Tip. di S. Vincenzo de’ Paoli, 1881. Este extenso e detalhado documento,
obra do combativo padre Bonetti que, no auge do conflito, respondia ao breve que Gastaldi apresentara
em Roma, traz a assinatura de Dom Bosco e, por isso, ele se tornava responsável pelo conteúdo.
33
Assim se expressava o teólogo censor: “Tal Exposição foi julgada pelo menos improcedente.
Esta imputação, no meu modo de ver, não é nem razoável, nem merecida. Tal Exposição, de fato, é
justamente devida à necessidade que o Servo de Deus sentia de buscar a defesa e a tutela de seu Insti-
tuto religioso, contra o qual o arcebispo de Turim, não menos de seis vezes, já expressara reclamações e
publicado outros escritos”. Cf. P. Stella, Canonizza­zione, 129.
34
Para entender a posição de monsenhor Verde, deve-se levar em conta que fora o promotor da
fé em duas causas anteriores à de Dom Bosco: a causa de Ana Maria Taigi (1769-1839) e a de Bernardo
Clausi (1789-1849). Em relação a Ana Maria Taigi, monsenhor Verde indicara a pouca credibilidade das
testemunhas, recrutadas no círculo restrito de seus devotos e a qualificara de pobre viúva, cuja religiosi-
dade caíra não raramente em intemperanças ingênuas. Bernado Clausi, segundo monsenhor Verde, não
podia ser apresentado como modelo de santidade por causa do seu comportamento banal e à tendência
à depressão psíquica, que o levara também a lançar-se ao mar em estado de delírio em busca de uma
espécie de anulação purificadora, que monsenhor Verde julgava como gesto semelhante ao suicídio. Por
outro lado, também tinha diante de si as animadversiones feitas pelo defensor da fé à causa do cônego
Cottolengo, nas quais se sublinhava a ambivalência de suas obras de caridade, pois de sua bondade in-
trínseca e de sua eficácia e expansão não se podia deduzir que fossem, sem mais, movidas pela virtude do
fundador. Mas que a virtude podia ter sido movida pela astúcia em manipular a religiosidade coletiva.

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Dom Bosco: história e carisma 3

As duras Animadversiones de monsenhor Verde começavam com uma


citação do padre Cafasso: “No que me diz respeito, Dom Bosco é um misté-
rio. Se não estivesse seguro de que trabalha pela glória de Deus, que é Deus
quem o guia, que só Deus é a meta de todo o seu trabalho, eu diria que é um
indivíduo perigoso, mais pelo que oculta do que pelo que demonstra”.35 O
promotor da fé partia destas palavras do padre Cafasso para perguntar-se se
a ação de Dom Bosco, desde sua infância até a maturidade, não fora movida
por uma ardente paixão de triunfo, ou seja, por um sutil orgulho e soberba
que o levavam a ser ilusionista, simulador e impostor. A partir de alguns juí-
zos sobre ele e das declarações de algumas testemunhas, deduzia-se que Dom
Bosco era um homem intransigente, belicoso, prepotente e também injusto.
Um pragmático, cuja vida carecia de mortificações pessoais, um espírito beli-
coso e manipulador habilíssimo da religiosidade coletiva.
Seguindo um conhecido estereótipo, Verde convertia as virtudes em ví-
cios. Baseava-se para tanto em algumas declarações de certa forma ambíguas
de algumas testemunhas: o cônego Bongiovanni, dom Bertagna e, é claro,
as alegações e escritos do cônego Colomiatti. Também recordava as palavras
de dom Riccardi di Netro: “Dom Bosco é um soberbo. Ele quer fundar uma
Congregação para subtrair-se à autoridade do arcebispo; se é santo, que o
demonstre sendo obediente a seu superior”. Recordava ainda alguns fatos
da vida de Dom Bosco, ou a maneira de contar os seus sonhos aos meninos
como se fossem revelações e a previsão de mortes, coisas que se explicavam
por simples cálculos estatísticos; ou de vaidade, ao deixar que se escrevessem
suas biografias ou coisas extraordinárias. Também se servia das declarações
de testemunhas favoráveis para tirar delas objeções contra a virtude de Dom
Bosco. Utilizava assim a declaração de dom Cagliero, que dissera não lhe
constar que Dom Bosco usasse cilício ou se impusesse disciplinas; ou a de
outra testemunha que declarara que Dom Bosco nem sempre comia feijão,
couve ou saladas, mas que quando lhe era permitido comia um pouco de car-
ne, para concluir que Dom Bosco não parecia possuir as qualidades essenciais
requeridas para um processo de beatificação. Ao menos, não eram claros os
argumentos de que possuísse uma santidade verdadeira.36

Resposta do advogado de defesa


Para responder à crítica tão devastadora do “advogado do diabo”, os
salesianos contrataram um advogado que substituísse o doutor Morani, fale-
cido há pouco tempo. O escolhido foi o sábio e dinâmico monsenhor Carlos
35
Citadas em francês por Charles d’Espiney, em sua biografia publicada em 1881. Lemoyne
também as cita (MB II, 266s; MB IV, 589s), omitindo a última frase.
36
P. Stella, Canonizzazione, 131-137.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Salotti, brilhante jovem professor e advogado da Congregação dos Ritos e


grande devoto de Dom Bosco desde seu tempo de seminário. Ele elaborou
uma mordaz e elegante resposta (Responsio), em excelente latim, contradizen-
do cada uma das observações de monsenhor Verde.
Baseou sua argumentação desmontando as acusações ou as dúvidas do
defensor da fé. Segundo ele, dom Verde tendia a distorcer os fatos,37 desconsi-
derar circunstâncias reveladoras importantes, privilegiar testemunhos discu-
tíveis e exagerar sua importância e credibilidade. Era verdade, por exemplo,
que Dom Bosco, desde pequeno, servia-se de suas habilidades de prestidigi-
tador e acrobata para chamar a atenção, mas o fazia animado já então por um
sentimento altamente virtuoso, como era o de obter que seus conterrâneos
rezassem ou, mais tarde, para que pudessem assistir tranquilamente à missa
sem serem aborrecidos por charlatões inoportunos. Já então surgia no jovem
Bosco o sentido da oração e da caridade pelas crianças.
Quanto aos sonhos, muitos, a começar daquele dos 9 anos, foram real-
mente revelações celestes. A cautela que teve no início revela a prudência que
tão precocemente o animava. Mesmo quando os contou para prenunciar a
morte de alguém, ele o fez com sábia prudência, conhecendo bem cada um
deles, e depois de ter-se aconselhado. O próprio Pio IX, como resultava das
provas do processo, reconhecera como revelações do céu os sonhos que Dom
Bosco confessou ter tido.
Na narração das graças recebidas não há indícios de vaidade ou ostenta-
ção, mas insistência contínua de que as graças eram fruto da fé e da interces-
são de Maria.
É verdade que não alardeou penitências corporais, mas gastou-se e con-
sumiu-se a si mesmo, ouvindo todos os dias e por muitas horas a confissão de
centenas de jovens, ou nos pedidos de ajuda, indo de um lugar a outro, em
extenuantes e cansativas viagens, sem outro objetivo que fazer o bem e pedir
esmola, nunca para si mesmo, mas para o sustento dos jovens acolhidos em
suas casas e a expansão de sua obra de beneficência ou a construção de locais
de culto. Talvez nem todas as respostas às objeções, especialmente as relativas
aos sonhos e às profecias, correspondam aos modelos exigidos por um his-
toriador crítico de hoje, mas estão dentro da mentalidade da época, como
também, por outro lado, estavam as observações de dom Verde.
37
Temos um exemplo de distorção no uso do que Dom Bosco teria dito em certa ocasião ao pa-
dre Luís Rocca; ele teria “queimado um baú cheio de papéis de cardeais, bispos, padres e outros, papéis
escritos por pessoas não todas elas certamente favoráveis à minha pessoa e que eu conservei enquanto
os julguei úteis para a Congregação”. Monsenhor Verde sugeria que se deveria perguntar se a finalidade
desta destruição não fora proteger-se a si mesmo e subordinar tudo à imagem que queria deixar de sua
pessoa e de suas instituições. Cf. P. Stella, Canonizzazione, 162.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Cardeal Carlos Salotti (1870-1947).

Segundo recurso e introdução da causa


O debate continuará por muito tempo. Enquanto isso se elaborou o
novo recurso (Positio), em vista da introdução da causa. Continha objeções
críticas e a resposta, além dos documentos anteriores.
O cardeal relator, Luís Tripepi, morrera em dezembro de 1906. O pos-
tulador salesiano contratou os serviços de um novo relator, o capuchinho
espanhol cardeal José de Calasanz Vives y Tuto, nomeado oficialmente em
23 de fevereiro de 1907. Amigo dos salesianos, com vontade de fazer a cau-
sa avançar, agiu sem demora. Em 23 de julho, obteve o voto favorável dos
cardeais da Congregação dos Ritos para introduzir a causa. Pio X assinou a
ordem de apresentação em 24 de julho; e o decreto foi emitido em 28 de
julho de 1907.38 Com isso, Dom Bosco foi declarado Venerável.

Segundo a prática antiga, o título de Venerável era concedido no momento da introdução da


38

causa em Roma. Como consequência, o lugar da sepultura em Valsálice poderia ser aberto ao público
para sua veneração. Desde 1913, o título de venerável é conferido com o decreto sobre a prática heroica
das virtudes, que Dom Bosco obteria em 1927.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Seguindo o procedimento canônico, o processo apostólico de beatifica-


ção tinha duas partes: o processo sobre as virtudes, que incluía a santidade
e os dons sobrenaturais, realizado com algumas interrupções entre 1908 e
1927; e o processo sobre os dois milagres, necessários para a beatificação,
realizado entre 1927 e 1929.
Estes assuntos foram tratados nas sedes de Turim e Roma. Em ambas
deu-se a convocação do cônego Colomiatti e o segundo pequeno processo
(processiculus) para investigar as acusações apresentadas contra Dom Bosco
(1915-1918).39

Processo sobre as virtudes em Turim (1908-1917)


A fase inicial do processo sobre a prática heroica da virtude de Dom
Bosco, que se deu em Turim, prolongou-se de 1909 a 1915, no qual foram
aprovadas as atas desta fase inicial e o Papa publicou os documentos que
autorizavam a continuação do processo sobre as virtudes. Foram ouvidas,
primeiramente, as testemunhas idosas e doentes, para evitar que se perdessem
testemunhos diretos.
Pelo pedido do padre Rinaldi, vice-procurador no processo, o cardeal
Richelmy, arcebispo de Turim, convocou novamente o tribunal, que traba-
lhou de 12 de fevereiro de 1916 a 20 de março de 1917, ouvindo 19 testemu-
nhas, incluídas algumas Filhas de Maria Auxiliadora. As atas oficiais foram
concluídas em 13 de outubro de 1917 com o simples exame do corpo de
Dom Bosco.40 Concluiu-se, assim, o processo em Turim. A Congregação dos
Ritos revisou as atas para validar o procedimento. Bento XV aprovou-as em
9 de junho de 1920.
Nesta fase do processo apostólico em Turim, deram-se vários atrasos, por
causa, em parte, da Primeira Guerra Mundial (na Itália, de 1915 a 1918) e da

39
Considere-se que o processo ordinário de beatificação de Domingos Sávio foi introduzido em
Turim em 1908 e o processo apostólico em Roma, em 1914, ao mesmo tempo em que avançava em
Turim a fase inicial do processo apostólico de Dom Bosco.
40
Os restos mortais foram exumados oficialmente na sepultura de Valsálice. O ataúde externo
de madeira estava um pouco deteriorado; o segundo aparentava bom estado e corretamente sigilado.
O caixão de zinco, interior, porém, apresentava sinais de corrosão. Algumas partes do corpo estavam
mumificadas; outras, porém, tinham-se desfeito. Deve-se levar em conta que houve uma exumação an-
terior do corpo de Dom Bosco. Em 1904, o caixão foi aberto por ocasião do X CG. Esta exumação foi
feita com a permissão das autoridades da cidade e na presença do arcebispo cardeal Richelmy. Naquela
ocasião, antes de ser novamente sigilado o caixão de zinco, um médico pulverizou o corpo com uma so-
lução desodorante. A substância química usada corroera o zinco, ao mesmo tempo em que a exposição
ao ar fez com que partes do corpo se quebrassem. Antes da beatificação em 1929, os restos mortais de
Dom Bosco seriam de novo examinados oficial e solenemente e se recolheriam amostras para relíquias.

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Dom Bosco: história e carisma 3

lentidão dos procedimentos canônicos. Contudo, a razão principal foi que os


salesianos precisaram trabalhar muito e duramente para provar a santidade,
a virtude heroica e os dons sobrenaturais de Dom Bosco. Seus embates com
o arcebispo Gastaldi foram um tema especialmente sensível desde o início e
por duas vezes a sua conduta neste infeliz assunto foi investigada. Ambas com
resultados positivos. Mas, mesmo assim, para alguns membros da Congrega-
ção dos Ritos, restavam zonas obscuras. Além do mais, o cônego Colomiatti
mantivera-se constantemente no ataque, pois pensava que o sucesso da causa
equivaleria à canonização de uma injustiça. De aí que, enquanto se realizava
o processo sobre as virtudes, a Congregação dos Ritos decidiu iniciar um pe-
queno processo secreto para investigar as denúncias de Colomiatti.

Pequeno processo (processiculus)


Ainda em 1890, na abertura do processo diocesano, padre Colomiatti
enviara à Congregação dos Ritos os arquivos do julgamento penal iniciado
pela cúria de dom Gastaldi contra Dom Bosco. Embora aquele julgamento
tenha sido suspenso, Colomiatti continuava a manter insistentemente as acu-
sações. De fato, ele enviara ao promotor da fé, monsenhor Verde, uma decla-
ração juramentada que continha os testemunhos de umas 50 pessoas que re-
cebera na cúria durante os anos 1888-1910. As declarações não apresentavam
grandes novidades, mas a partir delas foram formuladas 28 acusações contra
a santidade de Dom Bosco. Atacavam-se sua vida interior, suas virtudes, seus
supostos dons sobrenaturais, sua fama de santidade. Dom Bosco era apresen-
tado, entre outras coisas, como um pragmático obstinado e um manipulador
astuto do povo.
Como em ocasiões anteriores, as acusações mais duras e maldosas eram
as que vinham do conflito com o arcebispo Gastaldi, sobretudo em relação à
autoria dos panfletos difamatórios que, apesar da confissão do padre Turchi,
Colomiatti atribuía obstinadamente a Dom Bosco e aos salesianos. Restava,
principalmente, o testemunho do padre Antônio Pellicani que afirmava ter
Dom Bosco pedido para ele escrever contra dom Gastaldi. Colomiatti con-
siderava que a retratação posterior de Pellicani fora obtida à força por Dom
Bosco e os salesianos.41
Entre dezembro de 1914 e janeiro de 1915, o arcebispo Pedro de La Fon-
taine, secretário da sagrada Congregação dos Ritos, com o conhecimento do
arcebispo Richelmy começou a interrogar algumas testemunhas em Turim.
41
Para a discussão sobre os panfletos difamatórios e sua autoria, vejam-se os capítulos dedicados
ao tema e seus apêndices no volume 2 desta obra.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Também conversou com Colomiatti sobre o recurso de quatro cadernos que


ele apresentara perante a Congregação em 1890 e que se perdera. Perguntou-
-lhe se poderia apresentar uma segunda cópia exata dos documentos originais
e se ele mesmo testemunharia. Padre Colomiatti respondeu afirmativamente
aos dois pedidos. Dessa forma, pôde finalmente testemunhar no processo.
De fato, a tradição exigia que, nos processos de beatificação, todas as
acusações fossem investigadas e resolvidas todas as dúvidas. Por isso, a Con-
gregação dos Ritos iniciou o pequeno processo secreto. Foi concluído em
Turim e foram convocadas 16 testemunhas, inclusive as 9 pedidas por Colo-
miatti.42 Contradisseram todas e cada uma das acusações apresentadas pelo
cônego e recusaram sua interpretação dos fatos e a tentativa de denegrir Dom
Bosco. Em 16 de novembro de 1918, o tribunal sigilou e enviou as atas à
Santa Sé, que as examinou e aprovou em 8 de junho de 1920. Bento XV
ratificou-as no dia seguinte.
Seja porque ainda restava alguma dúvida sobre as denúncias de Colo-
miatti seja porque a Congregação dos Ritos quisesse dar aos salesianos a opor-
tunidade de descartá-las totalmente, foram entregues ao postulador, padre
Dante Munerati, as atas e os arquivos do pequeno processo, para que os sa-
lesianos, em segredo, “pudessem fazer novas investigações e lançar mais luzes
para a orientação dos cardeais”. Com isso, foi preparada a redação da réplica.
A réplica, embora escrita em primeira pessoa e assinada pelo “postu-
lador da causa”, no momento padre Muneratti, foi obra de uma equipe de
pesquisadores, dirigidos pelo padre Ângelo Amadei assessorado por monse-
nhor Carlos Salotti, então vice-promotor da fé. A réplica, um volume de 424
páginas, publicada em 24 de maio de 1922,43 oferecia a prova documental

42
Recorde-se que a maior parte da geração de Gastaldi, tanto bispos como sacerdotes, já falecera,
como também muitas pessoas cujo testemunho contrário a Dom Bosco fora recolhido por Colomiatti.
Outros não puderam ser chamados por diversas razões. A situação da Igreja de Turim mudara e muitos
dos clérigos, como padre José Allamano, da igreja da Consolata, afastaram-se da antiga posição da cúria.
43
Confutaziome delle accuse formulate contro la causa del ven. Giovanni Bosco. Roma: Stabilimento
Poligrafico per l’Amministrazione della Guerra, 1922. Os autores da refutação dispuseram de novos
materiais: papéis pessoais que o arcebispo Gastaldi deixara ao seu secretário, cônego e historiador Tomás
Chiuso. Assim narra o padre Tomasetti em sua crônica sobre como os papéis do arcebispo chegaram
aos salesianos: “Neste ponto, pode ser que seja interessante relatar como foram postos à disposição dos
salesianos alguns documentos muito importantes. Entre os homens do arcebispo Lourenço Gastaldi,
houve certo cônego Tomás Chiuso, que fora amigo de Dom Bosco, mas por alguma razão convertera-
-se então em inimigo acérrimo de Dom Bosco. Trabalhara tão ao gosto do arcebispo que este lhe legou
todos os seus objetos pessoais: roupa, vestes sacras, cálices, mitras, livros, documentos pessoais etc.; mas
com o sucessor de dom Gastaldi, sem dúvida devido a alguns graves erros, o cônego Chiuso foi suspenso
a divinis [das funções sacerdotais], expulso da cúria e privado de seus benefícios. [...] Ao encontrar-e
em dificuldades econômicas, viu-se obrigado a vender os objetos de valor que herdara do arcebispo.

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Dom Bosco: história e carisma 3

das principais questões apresentadas por Colomiatti. Era, pelo seu estilo, um
ataque implacável contra o cônego e dom Gastaldi.
Com a derrota de Colomiatti, a causa de beatificação de Dom Bosco
parecia encaminhar-se para uma conclusão rápida e favorável. As palavras do
recém-eleito papa Pio XI aos salesianos e alunos numa audiência geral em 25
de junho de 1922 reforçou essa impressão. Falou nos termos mais carinhosos
e otimistas sobre Dom Bosco e a sua causa:
Contamo-nos com profunda satisfação entre os mais antigos amigos pessoais
do venerável Dom Bosco. Vimos o vosso glorioso pai e benfeitor, vimo-lo
com nossos próprios olhos. Estivemos coração a coração junto dele. Entre
nós houve um breve e não vulgar intercâmbio de ideias, de pensamentos, de
considerações. Vimos este grande promotor da educação cristã, observamo-
-lo naquele modesto local que ele mantinha entre os seus, e que era, por sua
vez, tão eminente posto de comando, estendido ao mundo todo, e tão exten-
so quando benéfico. Somos, por isso, admiradores entusiasmados da obra de
Dom Bosco, e nos sentimos felizes por tê-lo conhecido e, por graça divina, ter
podido contribuir em sua obra com nossa modestíssima ajuda. Esta obra, nós a
vimos também na Itália, na Polônia, dos Cárpatos ao Báltico, e vimos os filhos
daquele Grande, totalmente consagrados à sua obra tão santa, tão grande, tão
benéfica [...]. É-nos impossível ver-vos sem contemplar o grande espetáculo
que surge e se estende atrás de vós, de milhares, centenas de milhares, milhões
de jovens, de homens feitos, em todas as posições sociais, nas mais variadas
condições de vida, que beberam das fontes do venerável Dom Bosco tesouros
da educação cristã. Este magnífico espetáculo é o monumento maior e mais
grandioso que se possa jamais elevar ao vosso pai e diante do qual qualquer
outro monumento material resulta ser pequena e pobre coisa...44

Quando em 4 de julho de 1922, os cardeais e prelados da Congregação


dos Ritos aprovaram todos os processos apostólicos anteriores e a causa podia
passar à etapa seguinte, as esperanças aumentaram ainda mais. Contudo, res-
tavam obstáculos difíceis que seriam superados nos anos seguintes.

Foi assim que os salesianos puderam adquirir a preço de barganha, entre outras coisas, uma mitra pre-
ciosa, que foi utilizada por muitos anos, e talvez ainda seja utilizada, nas funções solenes da basílica de
Maria Auxiliadora dos cristãos. Igualmente, o cônego Domingos Franchetti, desejando ajudar, comprou
de Chiuso todos os livros e documentos pessoais de Gastaldi, entre eles, alguns de caráter muito con-
fidencial. Neste lote, havia um arquivo considerável de documentos relativos à disputa de Dom Bosco
com o arcebispo. O cônego Franchetti amavelmente pôs os documentos pertinentes à disposição dos
salesianos proporcionando assim a evidência pela qual se poderiam refutar as acusações difamatórias. Ah,
os desígnios da Divina Providência!”.
44
Bollettino Salesiano, julho de 1922, 117s. Cf. Discorsi di Pio XI, 33-35.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Processo sobre as virtudes, em Roma (1922-1927)45


Em Roma, o processo apostólico sobre a prática heroica das virtudes do
possível futuro santo (neste caso, Dom Bosco) requeria três atuações prévias:
1a Fazer um resumo (summarium) dos processos anteriores, comparar os do-
cumentos e imprimi-los. Isso foi feito entre 1923 e 1925 pelo procurador
Melandri sob a direção do advogado Romagnoli. 2a Redigir as observações
críticas (animadversiones) do promotor geral da fé, monsenhor Ângelo Ma-
riani, o que foi feito em 1925. 3a Redigir a resposta às observações críticas
(responsio), feita pelo advogado Romagnoli, com a assistência do agostiniano
Miguel Ângelo Tellina.
Uma vez cumpridos estes requisitos preliminares, a causa ficou pronta
para ser apresentada nas três congregações:46 a antepreparatória, a preparató-
ria e a geral na presença de Sua Santidade (coram Sanctissimo).
A congregação antepreparatória reuniu-se em 30 de junho de 1925, na
residência do relator, cardeal Antônio Vico. A votação foi favorável. Entre-
tanto, as discussões tornaram necessária uma nova redação das observações
críticas pelo promotor da fé e, por conseguinte, a redação de uma nova res-
posta do defensor. Isto supunha, por sua vez, a compilação de outro sumário.
A congregação preparatória foi celebrada em 20 de julho de 1926 na sala
das congregações. Assim narra padre Tomasetti o que aconteceu nessa reunião:

A congregação antepreparatória foi celebrada em 30 de junho de 1925 na


residência do cardeal Antônio Vico, prefeito da sagrada Congregação dos
Ritos e relator da causa. Foi uma sessão de rotina. Diversamente, a congre-
gação preparatória (celebrada em 20 de julho de 1926), converteu-se quase
numa confusão. O protocolo exige que os assessores e oficiais leiam a pró-
pria opinião (ou voto), por turno. Quando foi concedida a palavra ao padre
[Bento] Ojetti, jesuíta, que parecia ter sido designado como porta-voz da
oposição, começou recordando a tradição de segredo e confidencialidade, e

45
O cardeal Antônio Vico, prefeito da Congregação dos Ritos, era o relator da causa desde
1915; o arcebispo Ângelo Mariani seria nomeado promotor geral em 1926. Em 1922, padre Rinaldi
foi eleito Reitor-Mor, e padre Estêvão Trione foi nomeado vice-postulador. Ao final de 1923, padre
Dante Munerati foi nomeado bispo de Volterra e padre Francisco Tomasetti, procurador e postulador
da causa. Monsenhor João Romagnoli foi defensor da causa dos salesianos, servindo-se dos serviços dos
advogados Pedro Melandri e Miguel Ângelo Tellina. Romagnoli foi censurado pelo Santo Ofício em
1926, sendo contratado monsenhor João Della Cioppa como advogado. Salotti, mesmo sendo vice-
-promotor e mais tarde promotor da fé, continuou atuando, privadamente, como estrategista da defesa
salesiana, orientando o postulador padre Tomasetti e defendendo a causa.
46
A congregação é a assembleia de cardeais, sozinhos ou com “consultores”, prelados e teólogos.

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Dom Bosco: história e carisma 3

acusou um salesiano de “posição elevada” de ter revelado o que se discutira


e decidira numa reunião anterior.47
O orador continuou a apresentar não menos do que 17 acusações contra
Dom Bosco. Depois de ouvir as opiniões (ou os votos), os assessores (teólogos
e prelados) se retiraram, deixando que os cardeais e oficiais continuassem
o debate. O cardeal Vico, relator da causa, apresentou seu relatório sobre
as virtudes de Dom Bosco e as objeções que foram apresentadas. Imediata-
mente depois dele, os cardeais Caetano Bisleti e Camilo Laurenti lançaram
seu ataque. Especialmente o último falou com tão extraordinária dureza que
o cardeal [Aurélio] Galli, entre outros, foi ouvido exclamar: “Por que todo
mundo acusa Dom Bosco dessa forma?”. O promotor da fé [Salotti] já es-
tava preparado para isso, pois todas as objeções tinham sido contestadas na
resposta [às observações críticas]. Dessa forma, para evitar o voto negativo,
comprometeu-se em apresentar as provas documentais indiscutíveis disponí-
veis em outra sessão, se fosse possível programá-la. Foi assim que os cardeais
decidiram solicitar ao Santo Padre a permissão para celebrar uma segunda
congregação preparatória.48

Das 17 acusações apresentadas pelo padre Ojetti, 4 eram importantes:

1. O fato de Dom Bosco ainda em 1858 ter solicitado e obtido a dispensa da


récita do breviário, punha em dúvida o seu espírito de oração.
2. Os métodos com que Dom Bosco obteve doações de pessoas caridosas pa-
reciam reprováveis.
3. As profecias que não se cumpriram indicavam que Dom Bosco era um ma-
nipulador e impostor.
4. Não era evidente a inocência de Dom Bosco no assunto dos panfletos difa-
matórios contra o arcebispo Gastaldi.49

Estas objeções surpreenderam a defesa salesiana. Para piorar as coisas, o


advogado Romagnoli não participou da congregação. Acabava de ser censu-
rado, despojado e banido pelo Santo Ofício por faltas morais.
Na segunda fase da congregação preparatória, da qual participavam ape-
nas os cardeais, quem dirigiu a oposição, como se soube mais tarde, foi o
47
O salesiano a quem se refere, segundo monsenhor Salotti, era o padre Trione, secretário ligado
ao escritório do procurador salesiano em Roma.
48
F. Tomasetti, Memoria confidencial, traduzida em A. Lenti, Don Bosco: history and spirit. Vol.
VII: Don Bosco’s golden years with general indexes for the series. Roma: LAS, 2010, 405-425. Citamos
sempre as páginas de A. Lenti. Para este texto, cf. p. 411-412.
49
P. Stella, Canonizzazione, 193-195.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

cardeal Caetano Bisleti, dos padres da Consolata. Nesse momento, ele era o
prefeito da Congregação dos Seminários e Universidades e fora o relator da
causa do padre Cafasso. O cardeal Camilo Laurenti, no momento prefeito
da Congregação para a Propagação da Fé, também próximo aos padres da
Consolata, o apoiou.50 As respostas da defesa foram consideradas insuficientes.
Salotti, que também falou pela defesa, viu-se numa situação incômoda, por ser
promotor da fé. O idoso cardeal Vico, relator, poderia ter argumentado con-
trariamente, mas preferiu que houvesse um adiamento da sessão. E o fez para
evitar a possibilidade de um voto negativo, que teria acabado com a causa.
A suspensão supunha que o Papa devia dar permissão para celebrar uma
segunda congregação extraordinária preparatória. Quando monsenhor Salot-
ti apresentou ao Papa o seu relatório e a sua consternação, Pio XI concedeu
facilmente a permissão, pois desejava que a causa de Dom Bosco avançasse.
A esta altura, e com o assessoramento de Salotti, os salesianos contrata-
ram um novo advogado, monsenhor Della Cioppa, pessoa muito qualificada,
bem conhecida e apreciada nos círculos romanos.
Enquanto isso, o promotor da fé, monsenhor Salotti, preparava novas
observações críticas sobre as objeções do padre Ojetti. Para melhorar a res-
posta, padre Pedro Cossu, canonista do Capítulo Superior, supervisionou a
recompilação da nova documentação. Quanto à presumida cumplicidade de
Dom Bosco na redação dos folhetos infamantes contra o arcebispo Gastaldi, a
cúria de Turim fez uma declaração juramentada, pois não conseguiu encontrar
a carta original do padre Pellicani.51 Padre Rinaldi escreveu pessoalmente uma
carta para explicar a dispensa do breviário, motivada pela visão deficiente de
Dom Bosco, e a presumida profecia relativa à participação de dom Cagliero
no Vaticano I, que fora uma interpretação do padre Bonetti. Em todo caso, foi
preparada a resposta e redigido o novo sumário.
A congregação preparatória adiada aconteceu no dia 14 de dezembro de
1926. Assim o narra o padre Tomasetti:

A segunda congregação preparatória foi convocada antes do esperado, em 18


de dezembro de 1926. Em vista da sua enfermidade, o idoso cardeal Antô-
nio Vico, prefeito da sagrada Congregação dos Ritos, e relator da causa, não
pôde participar; mas monsenhor Salotti pediu que lhe permitisse falar em seu

F. Tomasetti, Memoria, 412.


50

A declaração do padre Pellicani, que mais tarde seria retratada por ele, referia que Dom Bosco
51

lhe pedira para escrever contra Gastaldi. A defesa não apelou para o testemunho do padre Turchi, que,
na prática, resolvia o assunto da autoria dos panfletos, pois, neste caso, a acusação apresentada contra
Dom Bosco não era de autoria, mas de suborno.

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Dom Bosco: história e carisma 3

nome nos assuntos de maior importância; e o cardeal consentiu. Salotti che-


gou totalmente preparado à reunião. Igualmente, o postulador e sua equipe
tinham reunido o novo recurso e estavam prontos com toda a documenta-
ção necessária. Todos sentiam a atmosfera eletricamente carregada da sala das
congregações e esperavam o embate iminente.
Enquanto eram apresentadas as objeções e lançadas as acusações, o advoga-
do Della Cioppa expressou sua resposta calma e incisivamente. Entretanto,
alguns membros da oposição, em especial o cardeal Laurenti, continuavam
inflexíveis. O vozeirão do cardeal ressoou na sala quando entrou sem medo
numa dura diatribe contra Dom Bosco e sua obra.
Novamente, devemos louvar altamente a firmeza de monsenhor Salotti ao
garantir que a justiça prevaleceria. Com voz igualmente elevada, respondeu
ponto por ponto ao cardeal e terminou com o desafio: “Ou o senhor cardeal
apresenta provas que apoiem suas afirmações ou eu, como exigido pelo meu
cargo, informarei ao Santo Padre sobre seus comentários ofensivos”. Ao ouvir
estas palavras, o cardeal Laurenti optou pela retirada estratégica. A valentia do
promotor, contudo, surpreendeu até mesmo alguns de seus amigos. O car-
deal Verde sussurrou-lhe uma advertência: “Querido Carlos, recorde-se que
o senhor está falando com um cardeal”. Mais tarde, os partidários do cardeal
Laurenti queixaram-se de que Salotti falara e atuara mais como advogado do
que como promotor da fé. Ele simplesmente respondeu que o primeiro dever
do promotor é defender a verdade.52

A votação foi majoritariamente favorável a Dom Bosco.


A Congregação coram Sanctissimo, ou seja, a congregação geral perante
Sua Santidade, foi realizada em 8 de fevereiro de 1927. Todos os cardeais
votaram a favor, como também 23 dos 25 conselheiros; houve apenas 2
abstenções.53
Pio XI leu o decreto sobre a prática heroica da virtude de Dom Bosco
numa cerimônia semipública celebrada no palácio apostólico em 20 de fe-
vereiro de 1927, com a participação de grande multidão. Depois da leitura,
padre Tomasetti, representando padre Rinaldi, que estava enfermo, leu um
discurso expressando a gratidão de todos os salesianos. O Papa respondeu
com entusiasmo enaltecendo a santidade de Dom Bosco.

Cf. F. Tomasetti, Memoria, 415-416.


52

As abstenções foram do servita Ângelo Angelucci e de monsenhor Francisco Parillo. O pa-


53

dre Ojetti não emitiu nenhum voto, pelo que seu nome não apareceu na lista dos consultores. Cf. P.
Stella, Canonizzazione, 203.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Com a declaração da prática heroica das virtudes, foi superado o maior


impedimento no caminho da beatificação. Faltava ainda um último obstácu-
lo a superar, o exame dos milagres requeridos.

Aquiles Ratti (1857-1939), jovem sacerdote.


Seria eleito Papa com o nome de Pio XI.

Processo apostólico sobre os milagres (1927-1929)


Os postuladores salesianos, primeiramente padre Munerati e, depois, padre
Tomasetti, já tinham investigado e selecionado os dois milagres a apresentar.54
O primeiro milagre, apresentado perante a cúria de Turim, já fora inves-
tigado entre os anos 1924 e 1926. Irmã Provina Negro, salesiana, de Giaveno,
54
Cada milagre é investigado pelo bispo da diocese em que ele ocorreu; no caso de Dom Bosco,
Turim e Piacenza. Os médicos e outras testemunhas fazem parte da investigação. Elabora-se um relatório
técnico detalhado, que é enviado a Roma. A Congregação dos Ritos estuda-os e aprova o relatório, mas
realiza a sua própria investigação. Com os resultados, o advogado redige o sumário (positio). Em seguida,
encarrega-se um cardeal relator, que fará chegar o recurso sobre o milagre às três congregações seguintes.
Os especialistas comprovam a documentação, e o seu voto deve ser unânime. Outro especialista examina
novamente o trabalho e apresenta o próprio relatório. Em seguida, debate-se cada milagre, como no caso
da heroicidade das virtudes, em três congregações, antepreparatória, preparatória e a geral perante o Papa.

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Dom Bosco: história e carisma 3

enferma com uma úlcera hemorrágica de estômago, fora curada instantanea-


mente quando rezava a Dom Bosco em 26 de julho de 1906. Tinha 31 anos
naquele momento.
O segundo milagre, apresentado perante a diocese de Piacenza fora inves-
tigado entre 1925 e 1926. Teresa Callegari, de Castel San Giovanni, estava en-
ferma com artrite crônica e um conjunto de outras enfermidades que afetavam
seus órgãos vitais; devia ficar permanentemente acamada no hospital local. A
mulher, de 26 anos de idade, fizera a primeira novena a Dom Bosco em janeiro
de 1921, sem resultados. Certa manhã, durante a segunda novena, teve uma
visão de Dom Bosco, de pé junto à cama em que jazia. A enferma ficou curada.
A documentação sobre os dois milagres, muito volumosa, pois incluía
os relatórios médicos e as declarações juramentadas, foi apresentada à Con-
gregação dos Ritos.
Tendo por base o sumário, compilado pelo procurador Della Cioppa e
o conselheiro Melandri, a congregação romana aprovou em 22 de março de
1927 as atas da investigação diocesana.
Seguiu-se, depois, o exame dos dois milagres pela Congregação. Foi
principalmente um debate entre os médicos. Foram manifestadas algumas
dúvidas em relação à senhorita Callegari, que, além de estar fisicamente en-
ferma, tinha problemas psicológicos; descrevera o Dom Bosco da visão como
se tivesse “quase 40 anos, mas bem alto, de pele avermelhada e cabelos cache-
ados”. Mesmo assim, os dois milagres foram aceitos.
Baseando-se nas investigações anteriores, o promotor da fé, dom Salot-
ti, expôs as observações críticas e Della Cioppa, com a ajuda de Salotti, re-
digiu a resposta. Della Cioppa reuniu os documentos mencionados em um
novo relatório a ser apresentado nas congregações. As observações críticas e
suas respostas foram revisadas depois de cada congregação e prepararam-se
novos recursos.
Ao longo de todo o trabalho preliminar, os salesianos puderam contar
com a experiência e a ajuda do doutor Lourenço Sympa, médico residente da
Congregação dos Ritos.
A congregação antepreparatória foi celebrada em 24 de janeiro de 1928;
a parte salesiana respondeu às objeções de forma satisfatória. A congregação
preparatória aconteceu em 11 de dezembro de 1928; apesar das dúvidas em
relação ao milagre de Teresa Callegari, a votação foi favorável. Em 5 de março
de 1929, a congregação geral, na presença do Papa, debateu os dois milagres
e deu sua aprovação unânime. Pio XI leu o decreto sobre os milagres em 19
de março de 1929, seguindo-se um memorável discurso sobre a santidade e a
obra de caridade de Dom Bosco.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Quadro que representa o milagre em favor da senhora Maccolini.

Em 9 de abril de 1929, foi apresentada perante a congregação geral da


Congregação dos Ritos a questão de tuto, ou seja, se havia segurança para pro-
ceder à beatificação. O voto foi favorável. Pio XI autorizou o relativo decreto,
publicado em 21 de abril de 1929. Dias mais tarde, em 27 de abril, a con-
gregação romana ordenou o exame e reconhecimento do corpo. O arcebispo
de Turim, cardeal José Gamba, presidiu em 16 de maio de 1929 o exame
realizado por uma equipe de médicos perante numerosas testemunhas. Parti-
ciparam da cerimônia autoridades eclesiásticas e civis, numerosos salesianos e
salesianas e outros membros da Família Salesiana. Mais tarde, recolheram-se
relíquias dos restos mortais para Roma e para a Congregação Salesiana.55
55
Para uma detalhada narração do reconhecimento do corpo, ver F. Giraudi, L’Oratorio, 246-
251; MB XIX, 116s, 112-114.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Conclusão
Em 2 de junho de 1929, Pio XI proclamou Dom Bosco bem-aventura-
do. A basílica de São Pedro em Roma encheu-se completamente de dignitá-
rios, eclesiásticos e civis, e de uma multidão não normalmente grande. Em
6 de junho, a beatificação foi celebrada em Turim. Pela manhã, houve uma
solene missa pontifical na basílica de Maria Auxiliadora; à tarde, os restos
mortais de Dom Bosco, depositados numa urna de cristal e prata, foram
transladados triunfalmente de Valsálice a Valdocco.56 O tema musical da
procissão, o conhecido Giù dai colli [Da colina um dia distante... Dom Bosco
retorna], foi composto pelo músico salesiano padre Miguel Gregorio, com
letra de outro salesiano, padre Segundo Rastello.57

Tapeçaria oficial da canonização de Dom Bosco.

56
Para o relatório detalhado do translado do corpo, ver MB XIX, 167s.
57
Para o texto italiano e a música, ver MB XIX, 415s.

712

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

2. O processo de canonização
No início de 1930, passado o entusiasmo das solenes celebrações, o pro-
curador e postulador salesiano em Roma, padre Tomasetti, apresentou novo
pedido ao Santo Padre para a continuação da causa de Dom Bosco. Foram
apresentados em seu apoio cartas de pessoas insignes, eclesiásticos e leigos.
Os salesianos contaram novamente com monsenhor Della Cioppa
como advogado e com o senhor Pedro Melandri como procurador. O cardeal
Alexandre Verde era o relator, e monsenhor Salvador Natucci, promotor da
fé, em substituição a dom Salotti que, em 1927, fora nomeado secretário da
Congregação para a Propagação da Fé.
Em reunião de 17 de junho de 1930, os cardeais da Congregação dos
Ritos deram voto favorável para a continuação, que o Papa aprovou sem de-
mora. Em seguida, a Congregação, com decreto muito elogioso, ordenou a
instauração da causa de canonização. Foi nesse momento que, ao se cruzarem
as causas de Dom Bosco e de Domingos Sávio, surgiu um novo problema
para a causa de Dom Bosco.

A causa de beatificação de Domingos Sávio cruza com a de


Dom Bosco
Em 4 de abril de 1908, o cardeal Richelmy abrira o processo informati-
vo diocesano ordinário de beatificação de Domingos Sávio. Eram poucos os
artigos introdutórios, redigidos pelo padre Luís Piscetta, e poucas as testemu-
nhas convocadas. O processo diocesano durou pouco menos de dois anos.58
Em 1o de março de 1912, monsenhor Carlos Salotti apresentou os dados
ou documentos de informação e o Resumo do processo diocesano. Em 30 de
outubro de 1913, o promotor da fé, monsenhor Alexandre Verde, elaborou as
suas animadversiones, que foram respondidas por Salotti em 8 de dezembro.
Em 10 de fevereiro de 1914, a Congregação dos Ritos introduziu a causa,
decisão apoiada imediatamente pelo papa Pio X.
Apesar das objeções assinaladas nas animadversiones, a causa de Domin-
gos Sávio caminhava muito bem com o recém-eleito papa Bento XV. Entre-
tanto, estalou a guerra e a causa parou.
Em 1922, com a eleição de Pio XI, cuja simpatia por Dom Bosco era
bem conhecida, os salesianos decidiram concentrar-se na causa de Dom Bos-
co. Agora que sua beatificação já era um fato e se tinha dado andamento
58
As cartas de pedido para a introdução da causa em Roma foram mais numerosas do que as de
Dom Bosco (518); as de Dom Bosco foram apenas 341.

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Dom Bosco: história e carisma 3

à causa para sua canonização, padre Tomasetti trabalhou para que a Con-
gregação dos Ritos fixasse as datas das congregações para a beatificação de
Domingos Sávio.
Em 1o de julho de 1930, deu-se a congregação antepreparatória com
resultados positivos. Contudo, 8 dos 19 votos pediam a suspensão ou o adia-
mento, um sinal que indicava problemas futuros.
O problema real surgiu na congregação preparatória, que se reuniu em
3 de maio de 1931. A maioria dos votos foi favorável, mas não todos. Entretan-
to, padre Henrique Quentin,59 um sábio beneditino de Solesmes, chefe do de-
partamento histórico da Congregação dos Ritos, achou que a vida de Domingos
Sávio, escrita por Dom Bosco, tinha graves defeitos do ponto de vista histórico.
Pediu ao padre Tomasetti a documentação relativa ao processo de Domingos
Sávio e, em especial, a biografia como fora estudada no processo de Dom Bosco.
Em vez de dar uma simples opinião, padre Quentin redigiu um ensaio
crítico que encaminhou diretamente a Pio XI. Tornou-se, assim, necessária
uma resposta dos salesianos, também encaminhada ao Papa. Enquanto isso,
Della Cioppa e Melandri elaboraram uma crítica ao estudo do padre Quen-
tin do ponto de vista processual; os padres Amadei e Caviglia responderam
às objeções relativas à biografia de Domingos Sávio. Amadei rebateu a in-
terpretação de Quentin; Caviglia referiu-se ao importante valor histórico da
biografia, destacando também a existência de testemunhas independentes.
Padre Tomasetti acrescentou outras testemunhas: uma delas, companheiro de
Domingos Sávio, e o outro, um historiador.
Quando padre Tomasetti apresentou a resposta salesiana à Congregação dos
Ritos, esta cortou e enfraqueceu drasticamente o texto. Padre Tomasetti, contu-
do, imprimiu em separado o texto não editado e apresentou-o privadamente ao
Papa. Quando Pio XI inteirou-se dos fatos, ordenou que o texto de Quentin e a
resposta salesiana fossem retirados do recurso e se continuasse a causa.
Em 21 de fevereiro de 1933, foi celebrada uma segunda congregação
preparatória. Padre Quentin reafirmou sua posição, indicando as passagens
nas quais Dom Bosco citara suas fontes sem muita precisão. O voto, porém,
foi favorável.
Em 27 de junho de 1933, deu-se a congregação geral, na presença de Pio
XI. Padre Quentin não se deteve em seu ataque e o próprio Papa interveio
para silenciá-lo e concluir o longo debate. Obviamente, a votação foi positi-
va. O decreto sobre a prática heroica da virtude de Domingos Sávio, com o
título de venerável, chegou em 9 de julho de 1933.
59
Cf. F. Tomasetti, Memoria, 419-425; P. Stella, Canonizzazione, 213-223.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Após estas experiências, os salesianos decidiram deixar a causa de Do-


mingos Sávio em segundo plano e prosseguir com o processo de canoniza-
ção de Dom Bosco. Do ponto de vista processual, depois da beatificação,
já não se podiam interpor contra ele as supostas deficiências históricas da
biografia de Sávio. Os processos que levaram à beatificação já tinham exa-
minado seus escritos e, agora, era preciso tratar das questões-chaves relati-
vas à possível declaração da santidade de Dom Bosco, como a reputação da
santidade da vida, as virtudes heroicas etc. Restava, então, caminhar para
a canonização.
Antes de ir adiante, se apresentaram, examinaram e aprovaram dois no-
vos milagres, obtidos através da intercessão do bem-aventurado João Bosco.

Milagres para a canonização de Dom Bosco60


Padre Tomasetti, deixando outros possíveis casos, escolheu duas curas
milagrosas: de Heinrich Rudolph Hirsch, um jovem médico de Innsbruck
(Áus­tria) e da senhora Ana Maccolini, uma idosa de Rimini (Emília).
O doutor Hirsch, enquanto trabalhava com doentes de tuberculose,
também contraíra a doença e em 1929, aos 33 anos, caiu gravemente enfer-
mo. Por sugestão de alguns salesianos, que ele conhecera em Treviglio (Lom-
bardia), começou com sua família uma novena a Dom Bosco. No último
dia da novena, 24 de maio de 1929, fez a experiência de estar curado. De
fato, os raios X mostraram que as abundantes lesões de seus pulmões tinham
desaparecido.
A senhora Maccolini, de 74 anos de idade, permanecera por algum tem-
po acamada numa casa de repouso em Rimini, sob os cuidados de uma co-
munidade de religiosas. Sofria de um caso muito grave de flebite na perna di-
reita e na coxa, com complicações que afetavam, sobretudo, os pulmões. No
final de dezembro de 1930 começou um tríduo de oração ao bem-aventurado
João Bosco, no final do qual se sentiu curada. Ela pôde levantar-se da cama e,
em questão de meses, a flebite desaparecera.
Com a ajuda de Lourenço Sympa, médico residente da Congregação
dos Ritos, padre Tomasetti preparou os artigos para a investigação que seria
realizada nas cúrias de Innsbruck e Rimini. Com algum atraso, em agosto
de 1931, a Congregação dos Ritos publicou as cartas de autorização com as
quais se pede ao Papa para introduzir a causa.

60
MB XIX, 224s; cf. P. Stella, Canonizzazione, 224-233.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Padre Tomasetti pressionou a Congregação dos Ritos para que aprovasse


com prontidão os milagres propostos, com a esperança de que a canonização
coincidisse com as bodas de ouro da ordenação sacerdotal do padre Rinaldi,
que seriam celebradas em dezembro. Entretanto, padre Rinaldi faleceu em 5
de dezembro de 1931. Por outro lado, as falhas no procedimento canônico
em Rimini e a posterior elaboração dos documentos causaram novos atrasos.
Em 12 de abril de 1932, foram apresentados os documentos legais perante a
Congregação dos Ritos. Em 20 de abril, a assembleia aprovou a investigação
das duas chancelarias.
Como aconteceu para o processo de beatificação, também para a apro-
vação dos milagres era preciso celebrar três congregações: a antepreparatória,
a preparatória e a congregação geral perante o Papa.
Em 26 de julho de 1932 foi celebrada a congregação antepreparató-
ria na residência do cardeal Verde. A votação foi favorável aos dois mila-
gres. Entretanto, como um dos médicos expressou algumas dúvidas sobre
o caso do doutor Hirsch, o cardeal Verde eliminou este milagre e pediu
que fosse substituído.
O novo milagre apresentado referia-se a uma senhora da diocese de
Bérgamo (Lombardia) chamada Catarina Lanfranchi Pilenga. Esta senhora
estava confinada numa cadeira de rodas com severa artrite que afetava suas
duas pernas. Sua família era muito religiosa; uma de suas irmãs era visitante
assídua de Lourdes. Catarina decidiu peregrinar com a irmã, apesar de o
trem escolhido não ter facilidades para os doentes. A peregrinação não foi
eficaz em relação à cura esperada. Em sua viagem de volta, os peregrinos
visitaram o Oratório de Turim. Em 6 de maio de 1931, Catarina foi curada
instantaneamente na basílica de Maria Auxiliadora enquanto rezava diante
do altar-sepultura do bem-aventurado João Bosco. Cheia de alegria, come-
çou a subir e descer as escadas dos aposentos de Dom Bosco, comunicando
a todos o milagre.
Apesar de novos atrasos burocráticos, obtiveram-se da Congregação dos
Ritos as cartas de autorização; a investigação da cúria de Bérgamo foi feita
entre 31 de agosto e 3 de setembro de 1932. Foi apresentado à congregação
romana um exaustivo relatório que descrevia a doença da senhora, os pro-
cedimentos médicos, a cura instantânea, a persistente boa saúde, a ausência
dos sintomas adversos desde então e a ampla ressonância do fato milagroso;
o relatório foi aprovado.
Um sentimento autêntico de euforia apoderou-se dos salesianos, pois
parecia garantido que os milagres seriam aprovados e acreditava-se que os
cardeais da Congregação dos Ritos desejavam concluir o processo. Em 24 de

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

janeiro de 1933, o milagre de Rimini foi aprovado na congregação preparató-


ria. Em 1o de fevereiro, foi aprovada a investigação feita pela cúria diocesana
de Bérgamo e em 9 de maio, a congregação antepreparatória foi encerrada
com resultado favorável.
Em 25 de julho de 1933, deu-se uma segunda congregação preparatória
sobre os milagres. Padre Quentin tentou desesperadamente que o milagre re-
lativo à senhora Catarina Lanfranchi Pilenga fosse excluído. Num acalorado
debate com o arcebispo Salotti, ele argumentou que a senhora Pilenga havia
obtido sua cura em Lourdes e não em Turim. A votação foi favorável.
A congregação geral, na presença do Papa, foi celebrada em 14 de no-
vembro de 1933. Padre Quentin reiterou, obstinado, as suas objeções; mais
tarde, seria admoestado por isso.61 Os dois milagres foram aprovados, e Pio
XI leu o decreto em 19 de novembro.

Consistórios e canonização
Pio XI celebrou três consistórios, um secreto, outro semipúblico e ou-
tro público. Os dois primeiros aconteceram em 31 de dezembro de 1933;
o terceiro, em 15 de janeiro de 1934. Essas reuniões foram realizadas para
permitir que o Papa ouvisse as opiniões finais dos cardeais, pois a canoni-
zação é um assunto considerado estritamente ligado ao magistério infalível
do Papa. Também facilitava aos postuladores fazer a alegação final em favor
de seus candidatos à santidade, que eram quatro neste caso.62 Por último,
Pio XI fixou a data em que celebraria a solene cerimônia de canonização
dos candidatos.
Dom Bosco foi canonizado no domingo da Páscoa da Ressurreição, 1o
de abril de 1934. A cerimônia na basílica de São Pedro foi soleníssima, im-
possível de ser descrita; nela estiveram presentes as mais altas autoridades da
Igreja e do Estado. No dia seguinte, Dom Bosco foi homenageado no Ca-
pitólio, com a participação dos superiores salesianos, cardeais e membros de
posição elevada do governo fascista, inclusive Benito Mussolini. Uma semana
depois, a canonização foi celebrada em Turim com solenidade semelhante.
O salesiano padre João Pagella, músico notável, compôs o hino para a oca-
sião: Campane suonate (traduzido em português como Os sinos maviosos).63

F. Tomasetti, Memoria, 423-424.


61

Os candidatos eram: as bem-aventuradas Pompília Maria Pirrotti, Maria Micaela do Santíssi-


62

mo Sacramento e Luiza de Marillac, além do bem-aventurado João Bosco.


63
Para a letra e música do hino de João Pagella, ver MB XIX, 429s.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Fotografia da solene cerimônia de canonização de Dom Bosco (1o de abril de 1934).

3. A santidade de Dom Bosco64


Hoje, ninguém duvida de que Dom Bosco era um santo, um grande
santo; para alguns, até mesmo o maior do século XIX.65 Por isso, algumas
objeções apresentadas no processo de canonização contra sua santidade não
deixam de chamar a atenção. Para entendê-las, há de se partir da premissa de
que nem todos os santos são iguais, acontecendo que os homens, consciente
ou inconscientemente, medem a santidade de uma pessoa, comparando-a
com os clichês de santidade que possuem na própria imaginação. Nos tempos
de Dom Bosco, os clichês oficiais se ajustavam a um esquema convencional
que definia a santidade mediante algumas formas que dificilmente se encai-
xavam no modo de ser e agir de um homem tão dinâmico, tão criativo e tão
imerso no mundo como Dom Bosco que, nas palavras de Walter Nigg “o
traje convencional nunca lhe caiu bem”.66 Dom Bosco foi um homem que
viveu a vida cristã caminhando por caminhos inusitados, saindo do quadro
64
Notas dos responsáveis da edição em espanhol.
65
Chamoni escreveu: “Dom Bosco é, provavelmente, a figura mais excelsa da história da Igreja
do século passado”. O próprio ministro anticlerical Urbano Rattazzi definia-o como “o maior milagre
de seu século”. Cf. W. Nigg, Don Bosco, 137.
66
W. Nigg, Don Bosco, 13.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

habitual. O que fazia dele um grande aos olhos de todos, mas não necessaria-
mente um santo aos olhos de alguns. Hoje, as coisas mudaram e alguns não
só o veem como santo como também o veem como modelo de santidade, que
se adiantou de um século ao Concílio Vaticano II.67
Não se deve pensar, por isso, que a maioria daqueles que precisaram julgar
a vida e as obras de Dom Bosco nos processos de beatificação e canonização
tenham-no feito com má intenção. Declarar alguém como santo era, e é, algo
muito sério, que tem grande transcendência espiritual para a vida da Igreja, pois
supõe convalidar de forma oficial um modo de ser cristão e de viver autentica-
mente o Evangelho. Não o viu assim a antiga historiografia salesiana, que jul-
gou com dureza e considerou como inimigos pessoais de Dom Bosco e de seus
salesianos, os que apresentavam objeções, até mesmo razoáveis, à canonização
daquele que já haviam canonizado em seu coração. É possível que algum dos
objetores fosse pouco ou nada simpatizante de Dom Bosco e de seus salesianos,
mas a maioria era constituída de pessoas responsáveis, que acreditavam agir com
a maior boa intenção pelo bem da Igreja, aqueles que eram seus elevados repre-
sentantes, embora não deixassem de ser homens do seu tempo. Equivocaram-se,
talvez não por má vontade, mas porque não foram capazes de apreciar o novo
estilo de santidade representado por Dom Bosco. Hoje, provavelmente, modi-
ficariam seus esquemas e seus conceitos de avaliação, e entenderiam e julgariam
diferentemente a vida, as virtudes e as atitudes de Dom Bosco que, por outro
lado, como homem que era, também não deixava de ter seus defeitos.

Objeções
Ao repassar agora algumas objeções que os diversos censores, ou “advo-
gados do diabo”, apresentaram no processo, não é difícil avaliar a distância
que os separava de Dom Bosco. Vejamos as principais dessas objeções:68
1ª. Falta de formação dada aos membros de sua Congregação e o es-
tilo de vida, seu e dos salesianos, que lhes parecia muito mundana ou pouco
de acordo com a dignidade própria dos sacerdotes daquele tempo.

67
O conhecido teólogo francês Maria-Dominique Chenu, O.P., respondendo nos anos oitenta
do século passado à pergunta de um jornalista que lhe pedia para indicar os nomes de alguns santos
portadores de uma mensagem de atualidade para os novos tempos, afirmou sem duvidar: “Agrada-me
recordar, antes de tudo, aquele que antecedeu o Concílio de um século: Dom Bosco. Ele já é, profeti-
camente, um homem modelo de santidade pela sua obra, que é ruptura com o modo de pensar e crer
de seus contemporâneos”. Cf. Documentos capitulares do CG26. São Paulo: Salesiana, 2008, p. 170.
68
Para as objeções, cf. Positio super dubbio. Roma: Tip. Augustiniana, 1921. Para as declarações
do cônego Colomiatti, cf. 3-52; para as de dom Cagliero, p. 68-110; para as do padre Allamano, p.
110-116. Seguem as de outras testemunhas. A resposta da defesa às acusações estão em Confutazione
delle accuse contro la causa del V. Giovan­ni Bosco. Roma: Stabilimento Poligrafico, 1922.

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Dom Bosco: história e carisma 3

É verdade que o projeto de formação intelectual oferecido por Dom


Bosco aos membros de sua Congregação não era o mais adequado para for-
mar padres altamente qualificados do ponto de vista intelectual, e que a for-
ma de comportar-se dos salesianos entre os jovens não correspondia à decên-
cia sacerdotal, que os padres diocesanos costumavam ter. E nisso a acusação
poderia encontrar motivos para apoiar suas objeções.
Dom Bosco, porém, que não era grande teórico, mas homem prático e
grande pedagogo, não pretendia formar padres teólogos ou professores; ele
queria padres com formação intelectual suficiente, cheios de zelo pela sal-
vação das almas e excelentes educadores da juventude. Aí estava a diferença
em relação aos seus opositores. A experiência, vivida por ele nos anos de
sua formação e na prática do ministério sacerdotal, fizeram-no ver que em
tempos tão difíceis como os seus, o padre devia realizar a própria missão
de maneira mais concorde com a situação e com um novo e atualizado es-
tilo e metodologia. O padre não podia continuar a ser unicamente homem
do sagrado, mas homem comprometido com as coisas que realiza, homem
que participa e compartilha, empenhando-se na construção tanto do sagrado
como do profano. Era necessário, portanto, mudar a imagem, a formação e
o estilo de vida dos padres através de um novo tipo de educação. Eram três,
por isso, os aspectos fundamentais nos quais, segundo Dom Bosco, os novos
sacerdotes deviam formar-se: formação cultural de base, sobretudo teológica;
experiência prática no campo do trabalho pastoral; e adequada competência
profissional, conforme as diversas tarefas que cada padre deveria exercer mais
tarde. Uma formação, portanto, cultural, prática e profissional.
Para Dom Bosco, o mais importante era que o padre estivesse profun-
damente impregnado de zelo pela salvação das almas. De aí que, embora
apreciasse muito a cultura eclesiástica e desejasse que os padres estivessem na
vanguarda das expressões mais significativas do saber, sentia grande simpatia
pelo grande número de padres e religiosos menos dotados teoricamente, mas
disponíveis, generosos e competentes no plano da ação. Por detrás dessa sim-
patia, estava a hipótese de um currículo formativo em dois níveis, referidos a
dois tipos diversos de aspirantes ao sacerdócio; um, de teologia superior, para
os mais dotados e, outro, de teologia em nível mais ordinário para os aspi-
rantes destinados à atividade pastoral entre o povo ou os jovens. Esta ideia de
Dom Bosco, que não era nova na história da Igreja, nascia da situação real e
das exigências operativas, que só exigiam uma cultura normal, eficaz e ade-
quada às necessidades dos tempos.
Por outro lado, em homenagem à verdade deve-se reconhecer que, em-
bora os censores criticassem a formação que Dom Bosco dava aos seus sa-

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

lesianos, na prática, ele obteve bons resultados, pois, seguindo seu método,
chegou a formar um grupo de indivíduos muito qualificados e com diplomas
em vários campos; gente como Miguel Rua, João Batista Francésia, Celestino
Durando, Francisco Cerruti, Paulo Albera, João Garino, José Bertello, Cle-
mente Bretto, Luís Piscetta etc. Mestres competentes e autores de excelentes
livros de texto que os próprios membros da oposição, provavelmente, utiliza-
ram talvez sem saber quem fossem seus autores.
Quanto à formação religiosa e eclesiástica, é evidente que muitos salesia-
nos formados por Dom Bosco levavam uma vida autenticamente evangélica
e de firme compromisso cristão. Alguns eram considerados como pessoas
de excepcional vida de santidade, até mesmo dignas da honra dos altares:
Domingos Sávio, Miguel Rua, Augusto Czartoryski, Felipe Rinaldi e André
Beltrami. E algo muito digno de se levar em conta é que para dar a formação
religiosa, Dom Bosco não reprimia em absoluto a personalidade individual
de seus alunos, mas procurava respeitá-la e elevá-la à perfeição cristã.

Don Bosco ritorna! [Dom Bosco retorna!]: chegada da urna de São João Bosco em Valdocco.

2ª. Falta de oração: quando Dom Bosco rezava? A pergunta apontava


para os momentos de oração, ou seja, para o fato de que, pelas suas muitas
ocupações, não restava tempo suficiente para Dom Bosco dedicar-se à oração.
Pedira até mesmo dispensa de rezar o breviário. Objeção importante naquela
época, pois não se concebia um santo sem uma prolongada vida de oração.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Hoje, o importante para uma pessoa de ação não é o tempo material


dedicado à oração, mas ser homem de oração. Certamente, não faltaram mo-
mentos intensos de oração na vida de Dom Bosco: as práticas de piedade
feitas com seriedade; a preparação e a ação de graças antes e depois da missa;
o recolhimento em seu quarto, do que nos fala o padre Rinaldi na carta que
reproduzimos; os Exercícios Espirituais feitos ou dirigidos por ele etc. A dis-
pensa do breviário não foi por falta de tempo para recitá-lo, mas pela impos-
sibilidade de fazê-lo por causa da enfermidade dos olhos.
Contudo, para responder à objeção da aparente falta de oração, os defen-
sores da causa, em vez de apelarem para numerosos testemunhos sobre a ora-
ção de Dom Bosco, acertaram ao irem à raiz da questão. Examinaram a fundo
a sua experiência religiosa, à luz de alguns elementos essenciais da ascética
clássica e do ensinamento de autores bem acreditados, e chegaram à conclu-
são de que toda a sua vida, os dons sobrenaturais recebidos, os atos exteriores
realizados, sua perfeita conformidade com a vontade de Deus, a excelência da
sua caridade etc., devem-se à perfeita correspondência ao dom da contempla-
ção infusa ou passiva e à obtenção da união mística com Deus. Em resumo, a
resposta à pergunta “quando Dom Bosco rezava?” estava na alteração da per-
gunta, atribuída ao próprio Pio XI, “quando Dom Bosco não rezava?”.
A abertura de Dom Bosco à sociedade e à modernidade tinha um claro
reflexo na distribuição dos tempos da jornada. O ideal do santo clássico era
distribuir o dia em três tempos iguais: um terço para a oração, um terço para
o trabalho, um terço para o repouso. Dom Bosco não compartilhava esse
ideal. Pelo contrário, era muito sensível à acusação esgrimida pelos anticleri-
cais contra os frades, que viviam do trabalho dos outros. Dom Bosco sentia
horror de que seus filhos fossem acusados de parasitas. Por isso, não quis para
ele e para a sua Congregação nem mesmo o lema beneditino de trabalho e
oração, mas de trabalho e temperança. O espírito de oração devia impregnar
toda a jornada, mas as práticas de piedade não ocupariam mais do que uma
pequena parte. Ao trabalho, porém, que devia ser feito com intensidade res-
ponsável, seria dedicado muito mais tempo ao longo do dia. Ou seja, Dom
Bosco acreditava no valor da ação e tinha um sentido realista da caridade,
que se concretiza nos fatos. Por isso, trabalhou sem reservas. Descansaremos
no paraíso, costumava dizer. Morreu desgastado, consumido pelo trabalho.
Cumpriu estritamente o seu lema de trabalho e temperança, um binômio in-
separável, que o acompanhou durante toda a vida e que defendeu e traduziu
praticamente na vitalidade de sua caridade apostólica. Tinha-o tão claro e o
praticava tão visivelmente que podia dizer: “Entra-se na Congregação Salesia-
na para trabalhar: os preguiçosos não são para os nossos noviciados”.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Jamais existiu em Dom Bosco qualquer dicotomia: o grande amor a


Deus fazia-o amar e trabalhar incansavelmente pelos necessitados. Apesar
do enorme trabalho, Dom Bosco soube harmonizar sua vida interior com
o serviço aos jovens, a união com Deus com o compromisso educativo, a
profunda espiritualidade com o Sistema Preventivo. Não era nada de novo,
mas a mais pura ascética evangélica, embora nem todos fossem capazes de
percebê-lo. E em Roma ou Turim, muitos não aceitavam ou não entendiam
essa forma de viver a santidade.
3ª. Falta de mortificações corporais. As mortificações com jejuns, abs-
tinências, cilícios etc. entravam no esquema tradicional dos grandes santos.
Dom Bosco não usou cilício, nem mortificou o corpo, nem queria que o
fizessem os seus jovens e salesianos, nem pensou em retirar-se à vida contem-
plativa no claustro. Qualquer pensamento de fuga do mundo era alheio à sua
assombrosa atividade no mundo. Segundo seu modo de pensar, o dever e a
necessidade de mortificação, eram suficientemente satisfeitos quando se acei-
tavam o calor e o frio, a doença e as circunstâncias tristes da vida; e quando
se trabalhava sem descanso e com sacrifício, renunciando a qualquer coisa
pelo bem das almas. Em sua santidade, não havia nada de anormal ou inco-
mum, mas ela era fundamentalmente sadia e normal. Enquanto para os seus
censores, isso era uma simples vida cristã, distante da santidade heroica, para
Dom Bosco era esta a verdadeira santidade. Santidade que se caracterizava
pela alegria, pela serenidade, pelo cumprimento do dever, pela aceitação da
vida de forma positiva...
4ª. A grande preocupação com o dinheiro. Acusação mais do que eviden-
te. Dom Bosco ia à caça de esmolas, de dinheiro e de heranças. Os contrários
à causa de sua beatificação diziam que, por isso, ele era um impostor, um enga-
nador, alguém que se servia de tudo para obter dinheiro. Que tipo de santidade
é esta? Os santos despojavam-se do que lhes era próprio para dá-lo aos outros. Dom
Bosco rouba aos outros.69 Pode ser que ao pedir houvesse algum caso de exagero
ou de bom gosto duvidoso, embora os casos citados por Colomiatti apresen-
tem-se carentes de fundamento. Sem dúvida, é preciso deixar três coisas bem
claras: primeira, Dom Bosco não roubou a ninguém e nunca pediu nada para
si, nem ficou com alguma coisa do muito que recebia, nem se enriqueceu,
nem enriqueceu sua família e morreu “sem um centavo no bolso” e cheio de
dívidas. Segunda, não pedia por prazer, mas por absoluta necessidade, porque
devia alimentar os meninos pobres que acolhia, devia manter as casas e fazer
novas construções, inclusive igrejas, algumas por encargo do próprio Papa.

69
Positio super dubbio. Roma: Tip. Agustiniana, 1921, 40.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Terceira, pedir custou-lhe imensos sacrifícios e dissabores, mas ele tinha a ideia
clara de que os ricos devem compartilhar sua riqueza com os pobres. A esmola
é um dever para os ricos e é a única maneira que eles têm para se salvar. Hoje,
admiramos sua coragem, embora possamos dizer, talvez, que ficou socialmen-
te aquém. Certamente não o acusaríamos de pedir, com insistência, ajuda
material para seus meninos necessitados, ou o aconselharíamos a mudar sua
ideia de esmola como mera caridade pela da justa distribuição da riqueza e a
participação do que alguém possui com os necessitados. Mas, infelizmente, as
ideias sociais do seu tempo não iam tão longe.
Em relação aos casos concretos de que foi acusado, todos eles receberam
uma resposta cabal, porque não correspondiam à verdade, como, de um lado,
dom Cagliero deixou bem claro em suas declarações documentadas, e, de
outro, o bem-aventurado Allamano, ao desmentir plenamente o que o padre
Colomiatti afirmava sobre Dom Bosco e as relações com seu tio padre Cafas-
so, que lhe deixou importantes doações em seu testamento.
5ª. Dom Bosco não teria aspirado à perfeição no trabalho. O cônego
Colomiatti apresentou como objeção contra a santidade de Dom Bosco o
que ele dissera ao padre Cafasso e a dom Gastaldi, que o bem não precisa ser
bem feito, mas simplesmente deve ser feito. Parece que a intenção do cônego
era dizer que Dom Bosco não tendia à perfeição, mas se contentava com a
mediocridade. Algumas testemunhas explicaram o contexto em que Dom
Bosco pronunciara estas palavras, que nada tinham a ver com a insinuada in-
tenção de Colomiatti. O mesmo Pio IX afirmou que Dom Bosco lhe dissera
pessoalmente que ele queria estar sempre na vanguarda. Contudo, parece que
se possa atribuir, sim, a Dom Bosco a frase ou, ao menos a ideia, de que, às
vezes, o ótimo é inimigo do bom.
O fato é que Dom Bosco era um homem com os pés no chão, alguém
que conhecia a situação real, as dificuldades concretas, as limitações que im-
pedem passar por cima dos obstáculos. Era um realista e sabia muito bem
que só a partir de um realismo dinâmico podia lançar-se em projetos que
pareceriam utópicos, e que só caminhando por etapas seria possível chegar
ao fim. Estava certo de que o aquilo que num momento parece impossível,
depois, pode ser possível e tornar-se realidade. Por isso o sadio (e santo) realis-
mo de Dom Bosco contrastava com o idealismo perfeccionista daqueles que
defendiam que o bem ou se faz bem ou não se faz. Dom Bosco, ao contrário,
pensava que o bem sempre deve ser feito e o melhor que se possa em cada
momento, embora nem sempre se possa fazê-lo de modo perfeito. O pior
é permanecer parado à espera do momento ideal para agir. É nesse sentido
que o ótimo é mais de uma vez inimigo do bom. Se Dom Bosco, dizia dom

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Cagliero, tivesse esperado para fazer o bem ou fundar a Congregação no


momento que o pudesse fazer com perfeição, não teria feito nada, nem teria
fundado a Congregação. Essa santidade realista e dinâmica aproxima-o do
mundo de hoje e faz dele um santo do nosso tempo.
6ª. A atitude de Dom Bosco diante dos arcebispos de Turim, especial-
mente no conflito com dom Gastaldi.
Este aspecto foi suficientemente tratado neste e nos volumes anteriores.
Também duas das cartas que acrescentamos no apêndice nos dão notícias e
chaves de interpretação do conflito e de seus principais promotores. Nesse in-
feliz conflito interferiram razões psicológicas e ideológicas, além de questões
práticas e mau aconselhamento.
Eram duas personalidades muito acusadas, embora por motivos diver-
sos. Gastaldi, de arraigada mentalidade jurídica, era rigoroso; queria que se
cumprisse a norma vigente. Era, também, muito cioso de sua autoridade e
não permitia que alguém interferisse em suas decisões; mostrava-se, ainda,
muito pertinaz em suas convicções. Dom Bosco, por sua vez, colocara tal
peso num dos pratos da sua balança, enchendo-o com o zelo pela salvação das
almas, principalmente dos jovens pobres e em situação de risco, que não lhe
importava encher o outro de modo que não desequilibrasse o primeiro. Por
outro lado, a consciência de ter recebido uma missão do céu fez com que de-
cidisse por uma teologia espiritual que tendia à ação e a levar a Deus o maior
número de almas. Tudo o mais eram meios.
Esse modo de ser fazia dele um pragmático a quem, sem ceder no essen-
cial, pouco importava a transgressão do puramente acidental ou secundário.
Acima da lei estavam o bem e a carência, e quando não se podia fazer o
ótimo, era preciso conformar-se com o bom. Era, também, tão cioso de sua
Congregação e estava tão convencido de que era obra de Deus, que acreditava
ser seu dever não ceder diante de ninguém e buscar as soluções das dificul-
dades aonde podia melhor encontrá-las. Se o arcebispo se colocava em seu
caminho como uma montanha, ele a rodeava buscando apoios em jerarquias
mais elevadas. Percebia muito claramente que se quisesse que sua Congrega-
ção se estendesse e continuasse sua missão, segundo o espírito salesiano, deve-
ria gozar de plena autonomia. Caso contrário, estaria condicionada à vontade
ou ao capricho dos bispos, que poderiam dispor dos sócios salesianos a seu
bel-prazer ou para suas urgências; dessa forma, a Congregação não teria a fi-
sionomia dinâmica que deveria ter, nem a expansão que, na realidade, veio a
ter. Não se tratava como foi interpretado de desobediência, nem de rebelião,
nem de rejeição da autoridade. Tratava-se de fidelidade a uma missão, àquela
à qual se sentia chamado por Deus. O ideal para ele teria sido não existirem

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Dom Bosco: história e carisma 3

conflitos, que ele não provocava e que não desejou, mas dado que existiram,
quis manter-se fiel às suas convicções e, por isso, precisou pagar um preço
elevado em dissabores, incompreensões, calúnias e humilhações.
7ª. Milagres e falsas profecias. Objetou-se no processo que alguns dos
milagres a ele atribuídos em vida não foram realmente milagres, como a cura
do conde Chambord, e que algumas de suas profecias ou não se realizaram,
como predizer que o padre Rua chegaria aos 75 anos, tendo morrido aos 72,
ou que dom Cagliero participaria do final do Concílio Vaticano, do qual não
participou. Outras podiam ser explicadas facilmente por cálculos estatísticos,
como a predição de algumas mortes. Sobre este tema já se falou em vários
capítulos desta obra e a eles nos remetemos.
Ainda durante o processo, foi dada uma resposta cabal a estas objeções,
um tanto ridículas num assunto de tanta transcendência. Dom Bosco não
dissera ter feito esse milagre nem formulado a profecia da vida do padre Rua;
sobre dom Cagliero, simplesmente dissera que participaria de um grande
acontecimento no Vaticano, sem determinar a qual acontecimento se referia.
Alguns de seus admiradores falaram que era o encerramento do Concílio
Vaticano; outros, do conclave para a eleição do papa Pio XI. Nada disso tem
outra importância senão confirmar a fama de taumaturgo atribuída por mui-
ta gente a Dom Bosco ainda em vida.
Tem, porém, grande importância o fato de Dom Bosco atribuir o extra-
ordinário de sua vida a Deus e à proteção de Maria. Era algo que aprendera
ainda criança e que experimentara desde o sonho dos 9 anos até o fim de sua
vida, quando com grande comoção podia exclamar que tudo fora feito por
Deus pela mediação de Maria Auxiliadora e que, se tivesse tido mais fé, teria
feito muito mais coisas.
Podem faltar muitas coisas num santo, mas o que não pode faltar é a
experiência pessoal de Deus, desenvolvida primeiramente em sua própria
vida e transmitida, depois, aos outros. São muitos os detalhes da vida de
Dom Bosco que apontam nessa direção: sua natureza, seu ambiente familiar,
o tempo que lhe coube viver, as circunstâncias que rodearam sua infância
e seus estudos, o encontro providencial com pessoas de grande fé e elevada
espiritualidade. “A grande convicção de Dom Bosco sempre foi sentir-se
enviado por Deus, de não ter partido de uma sensibilidade própria, mas de
ter concebido que Deus lhe confiava os jovens e ter-se sentido chamado a
ser pai, irmão e amigo deles, e foi assim que surgiu toda a sua experiência
educativa e o seu Sistema Preventivo”.70
70
P. Chávez. Entrevista. Jornadas de Espiritualidade da Família Salesiana, 2008.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Padres João Batista Francésia e João Batista Lemoyne.


Fotografia feita em Valsálice, 1910.

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Apêndice

CARTA DO PADRE FELIPE RINALDI AO CARDEAL


PREFEITO DA CONGREGAÇÃO DOS RITOS71

Entre as animadversiones apresentadas contra Dom Bosco pelo padre Ojet-


ti, jesuíta, estavam: o fato de Dom Bosco, ainda em 1858, ter solicitado e obtido
a dispensa da récita do breviário, punha em dúvida seu espírito de oração; e as
“profecias” que nunca se realizaram, por exemplo, a de que dom Cagliero parti-
ciparia da conclusão do Concílio Vaticano, o que significava que Dom Bosco era
um manipulador e impostor. Padre Rinaldi escreve ao cardeal prefeito da Con-
gregação dos Ritos para explicar bem as coisas e rebater as acusações feitas contra
Dom Bosco.

Eminência Reverendíssima:
Nosso postulador geral comunica-me que, entre as observações que ain-
da se fazem no exame sobre o heroísmo das virtudes do venerável servo de
Deus João Bosco, nosso fundador, desejam-se mais provas sobre sua vida de
oração e seu espírito profético. Rezei e meditei sobre um e outro e, como con-
firmação das abundantes deposições a favor do que se quer demonstrar e que
se encontram nas atas processuais, sinto-me obrigado a fazer a V. E. Revma.
duas declarações, também disposto a fazê-lo sob juramento:
1ª. Objeta-se que o Servo de Deus pediu e obteve a dispensa do Breviário.
Pediu-a quando estava pelos 50 anos e acontecia-lhe não poder ler de modo
algum durante longos períodos de tempo. Ele mesmo o declarou a mim, ainda
clérigo, quando lhe comuniquei que ia fazer-me consultar por um oculista.
Olhou-me, como para dizer-me que não tiraria disso qualquer proveito e disse-
-me: “Vê, também eu sempre tive a visão fraca e agora se debilitou tanto, que
em certos períodos não posso ler nada, absolutamente nada, enquanto que em

71
MB XIX, 399s.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

outros [períodos] leio e escrevo com maior ou menor esforço”. Compreendi,


depois, que ele queria dizer que o mesmo aconteceria a mim; e assim aconteceu,
exatamente, porque também eu que no presente rezo o Breviário sem esforço,
não pude rezá-lo de modo algum por muito tempo. E, permita-me acrescentar,
Eminência, que eu tenho a íntima convicção de que o Venerável foi preci-
samente um homem de Deus, continuamente unido a Deus com a oração.
Durante os últimos anos, depois de algumas manhãs totalmente ocupadas a
receber pessoas de todo tipo e condição social, que acorriam a ele de todas as
partes em busca de conselho ou para pedir sua bênção, costumava retirar-se
em seu quarto todos os dias, das 2 às 3 da tarde, e os superiores não permitiam
que, naquela hora, fosse incomodado. Entretanto, sendo eu encarregado, de
1883 até a morte do Servo de Deus, de uma casa de formação de aspirantes
ao sacerdócio e tendo-me ele dito que fosse vê-lo sempre que precisasse, talvez
com pouca discrição, certo de que poderia chegar até ele com maior facilidade,
quebrei várias vezes a recomendação e não só no Oratório, como também em
Lanzo e em San Benigno, aonde ia com frequência, em Mathi e na casa de
São João Evangelista de Turim, aproximei-me dele várias vezes precisamente
naquela hora para lhe falar. E, em todos os lugares e sempre, surpreendi-o
recolhido, com as mãos juntas, em meditação.
2ª. O segundo [ponto] que sinto o dever de expor, refere-se à dificuldade
apresentada sobre a morte do Eminentíssimo cardeal Cagliero, que não che-
gou a participar da continuação e encerramento do Concílio Vaticano que,
falsamente foi interpretado e divulgado, que Dom Bosco teria afirmado. Há
mais de quarenta anos que, tratando ou vivendo com os mais idosos, soube
que quando dom Cagliero foi nomeado bispo, o Venerável disse que o bispo
viveria muitos anos, e entre nós opinava-se que passaria dos 85 e, de fato, su-
perou os 88; e que participaria de um grande acontecimento no Vaticano. Dom
Bosco não especificou qual seria este grande acontecimento; mas foi o padre
Carlos Viglietti, clérigo então, que, interpretando por sua conta, e com muita
ligeireza, as palavras de Dom Bosco, disse e escreveu que Dom Bosco falara a
dom Cagliero, que ele participaria do encerramento do Concílio Vaticano. Mas
é também certo que há mais de quarenta anos muitos outros e eu mesmo temos
julgado puramente arbitrária e falsa a interpretação do padre Carlos Viglietti,
e assim sempre o declarei a quem me falava disso. O próprio cardeal Cagliero,
questionado por mim e por outros sobre o particular, repetiu uma e outra vez
que Dom Bosco nunca fez tal profecia. Portanto, Dom Bosco não disse, como
correu a voz, pela interpretação do padre Carlos Viglietti, que dom Cagliero
participaria do encerramento do Concílio Vaticano, mas simplesmente de um
grande acontecimento no Vaticano; e o grande acontecimento, do qual realmente

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Dom Bosco: história e carisma 3

o cardeal Cagliero participou no Vaticano, foi o conclave em que foi eleito o


Santo Padre Pio XI. Para Dom Bosco que, durante toda a sua vida, depois de
N. S. Jesus Cristo e da Santíssima Virgem amou o Romano Pontífice com o
mais terno e ativo amor, era realmente grande esse acontecimento, no qual,
pelos piedosos desígnios da Divina Providência, devia participar e participou
um de seus pobres alunos do Oratório.
Isso é tudo o que posso e entendo jurar palavra por palavra.
Faça disso V. E. o uso que acreditar oportuno.
E, enquanto peço humildemente a V. E. perdão pelo meu atrevimento,
prostrando-me para beijar a sagrada púrpura, professo-me de Vossa Eminên-
cia Reverendíssima, muito humilde, atento, agradecido servidor,
F. Rinaldi, Reitor-Mor.
Turim, 29 de setembro de 1926.
Ao Eminentíssimo
Sr. Cardeal Antônio Vico.
Ponente da causa do ven. J. Bosco.
Roma.

CARTA DO CÔNEGO SORASIO AO CARDEAL PREFEITO


DA CONGREGAÇÃO DOS RITOS72

Chamou a atenção de alguns que os cônegos Chiuso e Colomiatti não foram


citados como testemunhas. Nesta carta, o cônego Sorasio explica os motivos pelos
quais não o fez.
Eminência Reverendíssima:
O processo apostólico do venerável Dom Bosco já está concluído; e eu,
como vigário delegado de nosso Em.mo cardeal arcebispo, me unirei a meus
companheiros para fazer o relatório do mesmo; mas, já tendo passado dos 80
anos, e por temor de ser surpreendido pela morte, permito-me expor a vossa
eminência reverendíssima um acontecimento pessoal, que poderá oferecer al-
guma luz sobre as oposições feitas ao processo, e entendo que esta exposição,
se sobrevier a minha morte, seja unida ao processo.
Quando recrudesceram as divergências entre o pranteado dom Gastaldi,
arcebispo de Turim, e Dom Bosco, foram publicados alguns opúsculos contra
o arcebispo; e alguns, sem conhecer o espírito de Dom Bosco, suspeitaram
72
MB XIX, 402s.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

que fosse ele o autor; pouco depois, soube-se que o cônego Colomiatti, advo-
gado fiscal da cúria, iniciara algumas investigações e interrogara testemunhas
em relação a isso.
Nesse momento, eu era secretário da cúria e, certo dia, o cônego Chiuso,
secretário do arcebispo, chanceler e posteriormente pró-vigário-geral, disse-
-me que, na minha qualidade de promotor da secretaria episcopal, deveria
insistir com o advogado fiscal, cônego Colomiatti, para iniciar um processo
contra Dom Bosco, como autor de tais opúsculos.
Respondi prontamente que não acreditava ser possível que Dom Bosco
tivesse caído nessa baixeza, que ele tinha muitas outras coisas a fazer, pois
devia prover de pão a muitos estudantes e aprendizes do seu Oratório, em
seus colégios e nas missões; acrescentei que também acreditava que ele fosse
incapaz de tratar de temas filosóficos como se tratavam em um dos opúsculos;
e tive a coragem e a audácia de dizer-lhe, dado que fora meu condiscípulo
durante os estudos de Moral: Vê que Dom Bosco já é um colosso tão grande
que nos vence a todos!
O cônego Chiuso, surpreso, disse-me: Então, tu sabes quem é o autor.
Não, respondi, mas suspeito de alguém, que por delicadeza não ousei nomear.
Era o padre Rostagno, SJ, com quem conversava ao encontrar a caminho do
escritório; e, embora ele soubesse muito bem quem eu era, ouvi-o exclamar
certo dia: Ah, nós daremos um jeito em vosso arcebispo! O cônego Chiuso,
ao ver que eu não falava mais nada, enviou-me ao cônego Colomiatti, que
me repetiu o mesmo convite ou ordem. Repeti-lhe as razões manifestadas ao
cônego Chiuso, mas omitindo meu juízo sobre o colosso. Ele, então, com ar
seguro, disse: E se o condenássemos? Então, respondi, inclinar-me-ei diante
da sentença, devendo supor que terão tido muitas provas, tão claras e seguras,
que se devia condená-lo. Ao chegar a este ponto, ele tomou nas mãos uma
pasta volumosa (imagino que continha as deposições das testemunhas já in-
terrogadas) e mostrando-a para mim, sentenciou: O senhor está vendo? Não
faremos o processo de Dom Bosco como o fizemos para o Cottolengo!
Assinei o pedido já preparado para proceder contra Dom Bosco... parcat
mihi Deus! Era a época do autoritarismo e do ultramontanismo, para não
dizer mais!
Desde o momento em que me atrevi a tomar a defesa de Dom Bosco,
vi-me tolerado na cúria. O arcebispo, sem aludir ao que se passara, informou-
-me pouco depois que a paróquia de Aglié (do patronato de S. A. o duque
de Gênova) estava vacante, dizendo-me que faria bem se a aceitasse; insistiu
nisso mais tarde, com fervor, e respondi que me era doloroso deixar a diocese
em que tinha nascido. Pouco tempo depois, ofereceu-me a paróquia de São

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Dom Bosco: história e carisma 3

Maurício, na diocese de Turim. Vi-me obrigado a aceitá-la, mas enquanto me


preparava para o exame, o marquês Dória, que era o patrono, foi ao arcebispo
e apresentou-lhe o sacerdote que desejava nomear.
Naquele tempo, os sacerdotes do Corpus Domini, que sabiam da minha
difícil situação, aceitaram-me em sua Congregação e, quatro anos depois, os
cônegos da catedral chamaram-me para estar com eles.
Pode ser que alguém se pergunte por que, sendo promotor fiscal, não te-
nha citado no processo informativo como testemunhas de ofício, os cônegos
Chiuso e Colomiatti. Era essa a minha intenção. E, de fato, apresentei-me
ao arcebispo Davi Riccardi e expus-lhe a questão. Ele, porém, com seu modo
rápido, respondeu-me: O cônego Chiuso está liquidado (fora privado do ca-
nonicato). “E o cônego Colomiatti? O que ele sabe sobre Dom Bosco?”. Fez
um gesto que interpretei como que podia citar outros. E citei três: o teólogo
Bongiovanni, o cônego Corno e o cônego Berrone.
Não citei o cônego Colomiatti, também, porque a Cúria fora obrigada
a retirar o pretendido processo contra Dom Bosco; além disso, a testemunha
padre Turchi, depois de sua deposição, apresentou ao Tribunal um envelope
fechado, para que fosse enviado ao cardeal Prefeito da Sagrada Congregação,
e compreendeu-se que ele se declarava autor dos referidos opúsculos; e, com
isso, ficava dissipada a acusação de que fosse Dom Bosco o autor, acusação da
qual o cônego Colomiatti fizera-se ferrenho defensor.
Tendo citado posteriormente o cônego Corno, que fora por vários anos
pró-secretário do arcebispo, dom Gastaldi, e precisamente nos tempos mais
agitados, pareceu-me ter cumprido exaustivamente o meu dever. Eu não pos-
so, ou não devo julgar que valor possam ter as deposições feitas pelo cônego
Colomiatti, mas posso testemunhar que várias e distintas pessoas, que trata-
ram com ele, sabem com que facilidade pronuncia juízos e sentenças, e que
uma vez emitido um juízo, já não é possível fazê-lo escutar observações ou
razões contrárias.
Digne-se vossa eminência reverendíssima perdoar minha liberdade, e en-
quanto me inclino reverentemente a beijar vossa sagrada púrpura, tenho mui-
ta honra em professar-me com os sentimentos da mais profunda veneração.
De vossa Em.cia Rev.ma
Turim, 8 de novembro de 1897.
Mui humilde e atento inegável servidor
Cônego Miguel Sorasio.
Vigário delegado.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

CARTA DO PADRE JOÃO TURCHI AO CARDEAL


PREFEITO DA CONGREGAÇÃO DOS RITOS73

Entre as acusações do padre Ojetti, dizia-se: Não era evidente a inocência


de Dom Bosco no assunto dos panfletos difamatórios contra o arcebispo Gastaldi.
Padre João Turchi declara quem foram realmente os autores dos opúsculos, falsa-
mente atribuídos a Dom Bosco. A carta é longa, mas acreditamos ser interessante
reproduzi-la quase em sua totalidade.

Eminência Reverendíssima:
Em minha deposição perante os reverendíssimos juízes no processo da
causa de beatificação do santo sacerdote que foi Dom Bosco, pedi e obtive
apresentar aos mesmos reverendíssimos juízes um envelope lacrado que sirva
exclusivamente e em absoluto segredo confiado à sagrada Congregação dos
Ritos; e também me pareceu bem fazê-lo assim para que a sagrada Congrega-
ção dos Ritos se convença muito mais de que Dom Bosco não escreveu, nem
mandou escrever opúsculos contra dom Lourenço Gastaldi, que foi arcebispo
de Turim; e para que os nomes dos escritores dos opúsculos impressos contra
ou melhor, sobre dom Gastaldi, não cheguem ao conhecimento do público,
nem passem à história. Ao escrever estas linhas, eu entendo fazê-lo sob os mes-
mos vínculos de juramento, com os quais estava ligado em minha deposição.
Protesto, também, que não escrevo com qualquer rancor à memória de
dom Gastaldi; e ainda, tendo a compadecer-me dele porque era homem da
primeira impressão, e porque seu cérebro devia ter algo de anormal, sobre
o que encontrei concordância comigo de um bispo piemontês ainda vivo,
muito prudente, muito douto e muito piedoso; porque também penso que,
como se costuma dizer, estava mal rodeado, e o comprova a cada dia a con-
duta do cônego Tomás Chiuso, que foi secretário e conselheiro de dom Gas-
taldi, este Chiuso que foi, há pouco, por disposição de sua santidade o papa
Leão XIII, suspenso de celebrar missa, de ser cônego da catedral como era
anteriormente, e declarado incapaz para qualquer cargo ou emprego ecle-
siástico; e também o demonstrou o padre Marcellino,74 pároco então e até
estes últimos tempos da paróquia dos Santos Mártires em Turim. Este, que
era íntimo e conselheiro de dom Gastaldi, e que obtivera a paróquia como
favor especial do arcebispo, perdera, depois, a sua reputação moral; e quando
finalmente dom Gastaldi pôde convencer-se de que só se tratava de mentiras
73
MB XIX, 403s.
74
Luís Marcellino foi um dos que participaram do ato de fundação da Sociedade Salesiana, em 1859.

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Dom Bosco: história e carisma 3

destituídas de fatos, precisou autorizar a cúria a processá-lo; mas ficou tão


pesaroso ao compreender quem era o seu confidente, que a morte improvisa
do arcebispo, acontecida poucos dias depois, foi acreditada por muitos como
ocasionada pela decepção que teve com o padre Marcellino. E quanto ao
padre Marcellino, finalmente obrigado a renunciar à paróquia, não se sabe
qual a sua conduta, nem se vive em Turim ou anda viajando, vestido com
roupas puramente mundanas e trazendo longos bigodes; certamente não se
fala muito bem dele.
Era então do conhecimento de todos, e ainda hoje se sabe, que as coisas da
arquidiocese de Turim caminhavam mal nos tempos do episcopado do pobre
dom Gastaldi, principalmente nos últimos tempos; e suponho que em Roma
se sabia e ainda se sabe mais. Eu mesmo, que estive em Roma bastante tempo
(parte de 1877 e parte de 1878), ouvi falar muitas vezes, por pessoas incapazes
de mentir, das queixas que se derramavam sobre dom Gastaldi por personagens
de elevada condição na Igreja e pela mesma Santidade do Papa atual.
Além do mais, os opúsculos acima mencionados continham muita
matéria para se ter uma ideia sobre até que ponto as coisas chegariam sob
o pobre dom Gastaldi; e aqueles opúsculos nunca foram, que eu saiba, pu-
blicamente contraditos nem refutados; e além de tudo o que se podia saber
a respeito, um bispo de uma diocese piemontesa, que antes de ser bispo
morava em Turim e conhecia por sua posição muito boa coisas e pessoas,
dizia-me, não faz muito, que aqueles opúsculos eram lidos avidamente e se
sabia que diziam a verdade.
Como se sabe, o pobre dom Gastaldi estava desgostoso com tudo e
com todos.
1º. Com a Santa Sé, recusando-se a obedecer e recebendo penas especiais,
não querendo submeter-se à sentença de seus tribunais, mas aconselhando-se
e unindo-se a altos magistrados para opor-se a Roma sem obter resultados;
2º. com indiscutíveis ditames da fé, tendo impresso, antes ainda de ser
bispo, algumas proposições nas quais concordava com chefes sectários; pro-
posições impugnadas num dos tais opúsculos, intitulado Piccolo saggio sulle
dottrine di mons. Gastaldi [Pequeno ensaio sobre as doutrinas de dom Gastal-
di], na parte que é propriamente ensaio;
3º. com a moral de Santo Afonso de Ligório, que lhe parecia demasiado
aberta e, como consequência, destruindo uma das mais belas e úteis institui-
ções do Piemonte, como era o Colégio Eclesiástico para o estudo da Moral,
que afastou os rigores do jansenismo do próprio Piemonte e era uma funda-
ção de homens insignes pela doutrina e santidade de vida, como o foram o

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

teólogo Guala e o padre José Cafasso; e, depois, o ostracismo dado ao grande


moralista teólogo João B. Bertagna, hoje bispo titular de Cafarnaum;
4º. com as ordens e congregações religiosas, especialmente contra os
jesuítas, que, dando depois ele mesmo aula de Moral aos sacerdotes jovens,
os colocava em situação de escárnio, e tendo garantido em um de seus escri-
tos impressos, que o estado religioso não era mais perfeito do que o simples
sacerdócio; em especial, também com o pobre Dom Bosco, sobre o que seria
muito longo contar o muito com que o maltratou e que tinha como culpa
não querer deixar-se destruir a ele e a sua congregação;
5º. com a sadia e católica filosofia, tendo-se convertido em guia das
teorias rosminianas, cujos seguidores, segundo li num jornal liberal, tinham
um baluarte em Gastaldi, arcebispo de Turim;
6º. com o seu clero e os melhores dele, impondo suspensões sem conta
e por motivos fúteis; e entre as vítimas das suspensões também Dom Bosco
em relação ao ministério da confissão; questão, sem dúvida, sobre a qual o
mesmo não se inteirara e outros supuseram que suas licenças de confissão
tinham sido, segundo costume, normalmente confirmadas ad annum; contu-
do, Dom Bosco recebera de Pio IX, como se soube por ele mesmo, a faculda-
de de confessar sempre e sem limitação de territórios;
7º. enfim, com os bispos limítrofes, aos quais proibia atuar em funções
de sua diocese;75
8º. diria, para concluir, que até com os santos, pois em se tratando de
reimprimir pela milésima vez o Louvor a Santo Afonso, negou-se a permitir
a reimpressão sem uma variante que ele desejava, e tendo-lhe observado o
tipógrafo ou outros que aquele Louvor já era antigo, e que ninguém vira nada
nele que não estivesse bem, ele acrescentou: Santo Afonso era bispo e eu sou
arcebispo, e quero assim;
9º. ao realizar o seu sínodo, dom Gastaldi apresentou, segundo o Di-
reito, a cópia do texto ao cabido; depois, na reunião do clero, na catedral,
mandou ler outro. Tendo ido depois à costa lígure para banhos [de mar],
redigiu um terceiro e imprimiu-o em 1873. Assim me foi contado como
certo. De fato, e infelizmente, houve e há discussões sobre seu valor, exceto
no que contém do cardeal Costa sobre o sínodo. Contudo, como distinguir
o que pertence e o que não pertence a Costa? Seria preciso um bom trabalho
sobre o texto. Foi-me garantido, entretanto, que o excelente moralista dom
Bertagna, em suas conferências ao clero jovem, manifesta que o sínodo não é
75
Dom Emiliano Manacorda, digníssimo bispo de Fossano, na arquidiocese de Turim, viu-se
obrigado, naquele tempo, a pedir à Santa Sé, e o obteve, não depender de dom Gastaldi, seu metropolita.

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Dom Bosco: história e carisma 3

válido. Se nosso mui venerado arcebispo dom Davi dei Conti Riccardi não os
cita, é porque, como certo dia me dizia dom Re, bispo de Alba, pode-se crer
num consentimento tácito do cabido metropolitano. Contudo, como supor
que o cabido não tenha protestado oportunamente? Dessa forma, enquanto
isso, o sínodo seria, às vezes, sínodo e [às vezes] não sínodo.
Além disso, dom Gastaldi tivera suas dificuldades com Margotti e o
[jornal] Unità Cattolica, perseguindo-o de tal modo que Margotti se viu obri-
gado a transferir a propriedade do jornal ao seu irmão Estêvão, para ver-se
livre dele. Ficou muito estranho que, à morte de Gastaldi, as notícias que
diria de palácio, ou seja, em relação à exposição do cadáver e ao que acontecia
no palácio episcopal e na capela externa anexa ao mesmo, como também em
relação ao cerimonial da condução do cadáver etc., todas as notícias, e muito
detalhadas, eram dadas por um jornal liberalíssimo, e o pior, depois, pela
Gazzetta del Popolo, ou seja, a Gazzetta Piemontese, de onde as tomavam as
publicações religiosas.
Dom Gastaldi também era de ideias liberais, como o demonstra de
modo singular uma sua [carta] Pastoral. Admito, porém, que dom Gastaldi
fosse mal servido pela sua cúria. Certa vez, encontrando-me num dos escri-
tórios da chancelaria em Roma disse-me um excelente canonista: Mas será
possível que em Turim não haja alguém que entenda de cânones?
De fato, querendo-se conhecer melhor as desordens e os males daquele
tempo, convém ler os diversos opúsculos publicados então por dom Gastaldi,
sem excluir a Exposição do Sacerdote João Bosco aos Eminentíssimos Cardeais da
Sagrada Congregação do Concílio, que este [Dom Bosco] escreveu com certa
repugnância em obediência à Santa Sé: opúsculo que foi preciso imprimir,
mas em edição reservadíssima e feita durante a noite e com pessoal estranho
às casas salesianas, à exceção do diretor da tipografia de São Vicente de Paulo
em San Pier d’Arena, 1881.
Que os opúsculos contivessem a verdade, podendo-se dizer que todos
o admitiam, demonstra-se também porque dom Gastaldi queria iniciar um
processo, se não contra os autores dos opúsculos, ao menos contra os edi-
tores; mas, aconselhando-se com o procurador do rei, este lhe perguntou:
Mas, são verdadeiras as coisas de que falam essas publicações? Sim... pois
é..., respondeu o arcebispo. Então, o procurador ou magistrado que fosse,
acrescentou: “Se as coisas são verdadeiras, evite iniciar processos: seria lançar
lenha na fogueira e ficaria pior do que deixar por isso mesmo...”. Disso se
falava em Turim e se dava como coisa certa. Portanto, os males existiam e
eram graves, gravíssimos. Passo agora aos opúsculos, para dizer sobre eles o
que mais importa.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Antes ainda de 1878 apareciam os calendários litúrgicos com coisas


amenas e ridículas, de tal modo que eu, o confesso, me divertia com eles entre
sacerdotes amigos e mais do que simples sacerdotes. Ouvi queixas e lamentos
sem conta por Turim. Conterrâneo como era de Dom Bosco (por conseguin-
te também do padre José Cafasso), e tendo permanecido ao seu lado por um
decênio (apesar de ter sido apenas clérigo pertencente ao seminário de Turim,
fechado e aberto apenas em parte para algumas classes), isso é, desde o ter-
ceiro ano de bacharelado, como agora se diz, até após alguns meses depois de
ter sido ordenado sacerdote e, portanto, apaixonado por Dom Bosco, sentia
ferver o sangue em meu peito ao ver como ele era maltratado e oprimido por
dom Gastaldi, Chiuso, Colomiatti (este último, mais tarde). Pode-se dizer
que todos os dias havia alguma novidade.
Estando depois em Roma por bastante tempo, como professor, sob a
direção de dom Crostarosa (1877-1878) pude saber o que se dizia entre dig-
nitários e personagens da Igreja, e também mais acima, pois tinha alguns
importantes conhecidos. Obtive que me enviassem de Turim o calendário
litúrgico para 1878; e ao ver que era mais divertido do que os anteriores, co-
mecei a dar-lhe uma olhada com reflexões que passavam pela minha cabeça.
Veio-me, então, a ideia (só para mim, em meu interior), ainda de forma vaga,
de fazer com elas uma revista ilustrada e imprimi-la. Comecei, então, a passar
ao papel minhas observações um pouco em forma de chacota. Não me recor-
do bem, se foi antes de começar a escrever ou quando já estava escrevendo,
chegou-me, não sei da parte de quem, mas deve ter sido da parte do mesmo
autor, e meu amigo, de quem falarei dentro de pouco, uma folha impressa,
não recordo se na forma de carta ou de exposição, assinada por um coopera-
dor salesiano, na qual se defendia Dom Bosco contra dom Gastaldi. Isso me
pôs na cabeça uma vontade louca de começar ou continuar a escrever e im-
primir também eu (para dizer a verdade, falha-me a memória e não recordo
bem se o primeiro ou o segundo; diria mais o segundo, ou seja, continuar a
escrever). Comecei, então, a escrever o Presente para o Clero, ou seja, Revista
sobre o Calendário litúrgico da arquidiocese de Turim para o ano 1878, escrita
por um capelão. E aquele capelão era e sou eu, o sacerdote João Turchi.
Quanto à assinatura cooperador salesiano, sobre o que acabo de falar (dis-
sera-o ele mesmo ou outros; talvez o tenha sabido por ele ou por outros) foi
agora e sempre meu amigo, isto é, o reverendo doutor em Filosofia e Letras J.
B. Anfossi, atualmente cônego honorário da SS.ma Trindade, em Turim, que
também esteve no meu tempo com Dom Bosco e saiu dali juntamente co-
migo, mas sempre se conservou muito ligado a Dom Bosco. Anfossi, a quem
informara sobre o meu projeto, enviava-me depois, de Turim, as novidades

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sobre o que acontecia por lá, que ele podia saber melhor do que eu em Roma
e assim me dava material novo para o Presente.
Enquanto isso, fiquei sabendo em Roma que também o padre jesuíta An-
tônio Ballerini (parece-me que se chamava assim) estava escrevendo sobre as
doutrinas de dom Gastaldi. Fui até ele, para que esclarecesse algo de que pre-
cisava, parece-me que sobre os milagres,76 ou seja, em relação à aprovação ou
não do ordinário em sua diocese; e falamos, eu do meu Presente e ele do seu
Ensaio sobre as doutrinas como mais acima. Em relação a Gastaldi, dizia-me
que devia ser, parece-me, desmascarado, o que exigia a imprensa, pois não havia
outro caminho para mantê-lo na raia. E o pobre dom Gastaldi apoiava-se em
seculares e tinha também um parente ministro da Guerra, o general Macé de La
Roche. Quando disse a Ballerini que, como ouvira, o Papa pensava em remover
dom Gastaldi, mas que temia que decidisse a fazer algo desagradável, e armasse
algum escândalo, o mesmo Ballerini acrescentou: mas já o fez, já o fez. [...]
Em resumo, o padre Ballerini direta ou indiretamente, com o que fazia e
com o que me disse, animou-me e convenceu-me a continuar o caminho que se-
gui. Fui eu, portanto, que escrevi o Presente, e com a firme persuasão de ter feito
algo de bom. Foi impresso em Turim, na Tipografia de G. Bruno e Cia., 1878.
[...] Eu já estava em Turim durante 1878-1879 quando o padre Balle-
rini mandou para lá o manuscrito do seu Piccolo saggio; e eu escrevi o que
antecede e o que segue ao que é propriamente o pequeno Ensaio, ou seja, o
prólogo, a introdução, quatro apêndices, acrescentando o último, O Oratório
de São Francisco de Sales em Turim, original de dom Gastaldi, quando não era
mais cônego, e antes de ir como missionário à Inglaterra; e, para encerrar,
escrevi também a advertência com que termina o fascículo [...]. Enquanto
escrevia o que antecede (e encontrava-me no instituto dos cegos de Turim)
[...], veio visitar-me certo dia o padre Rostagno, jesuíta, célebre professor
de direito canônico na Bélgica (creio que era em Lovaina), que, inteirara-se,
não sei como, de que me ocupava do Ensaio de Ballerini e que estava escre-
vendo algo para acompanhar o mesmo ensaio. Servi-me dele, então, para me
aconselhar e iluminar; deu-me sugestões especiais e alguns incentivos; até
mesmo acrescentou alguma opinião que eu remanejei segundo o meu estilo.
Por isso, se pequei, foi com a cumplicidade de dois ilustres jesuítas, o padre
Antônio Ballerini e o padre Rostagno. Outro opúsculo reproduzido por um
jornal, se não me engano o Conciliatore, cujo diretor era o teólogo colegiado
(pela Universidade) Lourenço Gastaldi, e não recordo agora o título exato do
opúsculo, foi compilado pelo citado professor Anfossi; eu só acrescentei no-
tas de pé de página. Outro opúsculo, que se refere à questão de Chieri, entre

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Digo milagres já admitidos há tempo em outras dioceses.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

o salesiano Bonetti, de um lado, e o pároco da colegiada de Chieri (padre


Oddenino) e dom Gastaldi, de outro, só tomei conhecimento quando veio
à luz. Eu pensava que podia tê-lo escrito o próprio padre João Bonetti; mais
tarde, porém, uma pessoa fidedigna com conhecimento garantiu-me que o
padre João Bonetti certamente não era o autor, mas outro, alheio ao Oratório
salesiano; não sei quem possa ser o escritor [...].
É inegável para mim que os opúsculos fizeram o seu bem; pois dom
Gastaldi freou-se, se não totalmente, ao menos em parte. Roma, onde já se
pensava, e diria que era voz comum, fazer Gastaldi cardeal e chamá-lo para
algum cargo, conheceu melhor o tipo de homem que ele era. Enquanto isso,
ele compreendeu que fizera mal em acabar com o Colégio Eclesiástico para
o estudo da Moral, e procurou um modo de revivê-lo e hoje está florescente.
O cardeal Alimonda, que o sucedeu, pôs tudo em paz; e acredito que os
opúsculos contribuíram um pouquinho para enviar como arcebispo de Tu-
rim o cardeal Alimonda, sob cujo mandato e pelo seu estímulo, começou-se
o processo de beatificação de Dom Bosco, e sob quem o que antes era uma
culpa em Dom Bosco, converteu-se em benemerência e motivo de elogios.
Voltou a paz ao clero turinense, e algum de seus membros entendeu que
fizera mal ao estimular dom Gastaldi com seus conselhos e, creio que mais
por convicção do que por oportunismo abandonou o sistema anterior e con-
verteu-se piedosamente em homem de bem. Chiuso e Marcellino, contudo
continuam [com o mesmo modo de pensar], mas são alvos de desprezo; e, ao
mesmo tempo, servem de comentário desagradável sobre o que levavam dom
Gastaldi a fazer, que infelizmente não era conhecedor de homens.
A Congregação Salesiana, tão admirável e benemérita, de detestada que era,
passou a ser objeto de singular afeto e distinção da parte do grande Leão XIII, a
quem Deus conserve ad multos annos [...]. A chegada do cardeal Alimonda em
Turim inaugurou a época da pacificação entre o clero e desapareceram os ódios,
os temores, os relatórios e os escândalos. Outra boa consequência foi que o sa-
pientíssimo papa Leão XIII acabou por dizer, falando de dom Gastaldi [ainda]
vivo: Este, ou se compõe com Dom Bosco, ou deve ser mudado [...].
Quanto aos opúsculos, houve quem se lamentou do escândalo, mas
não foram muitos; só o fizeram aqueles aos quais os opúsculos amargavam.
O que infelizmente ajudou a encerrar aqueles sentimentos de escândalo foi
a verdade dos escândalos de Chiuso e Marcellino: digo infelizmente, mas
também providencialmente! Outro dos mais enfurecidos de então era o cô-
nego Colomiatti. Pois bem: também ele visita agora os salesianos, o superior
padre Miguel Rua, pois todos a par [da situação] recompensam os seus não
tão antigos ódios e ultrajes com igual respeito e bom coração [...].

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Dom Bosco: história e carisma 3

Antes de concluir, me permitirei uma observação a respeito do questio-


nário para a causa de beatificação de Dom Bosco, ou melhor, manifestarei
uma impressão pessoal. Parece-me que esse questionário foi concebido de tal
modo que, em relação às publicações sobre dom Gastaldi, apresenta-se Dom
Bosco como um réu [...]. Isso me indignou e me fez suspeitar de que ali se
manifesta a intervenção de algum antigo adversário de Dom Bosco. Suponho
que se compreenda que esta parte do questionário tenha sido decidida em
Turim. Os opúsculos, afinal de contas, não só elevaram a voz em favor de
Dom Bosco, como também em favor de muitos outros com muitos outros
interesses, também de gravíssima importância.
Concluindo finalmente este meu escrito, já muito longo e pouco orga-
nizado, escrito com letra ruim e até com correções, peço ao eminentíssimo
cardeal Prefeito da Sagrada Congregação dos Ritos que tenha por bem com-
padecer-se de mim, considerando as minhas muitas ocupações; e, ao mesmo
tempo, reprovo e condeno in antecessum (antecipadamente) o quanto en-
contrar de muito atrevido e menos justo e conveniente nestas minhas linhas;
como também protesto que, se falei muito contra dom Gastaldi, não o fiz
com qualquer rancor por ele, por quem rezo, embora esperando já goze do
Paraíso. Por último, rogo ao Eminentíssimo senhor Prefeito da Sagrada Con-
gregação dos Ritos e a todos os reverendíssimos e venerandos membros desta
Sagrada Congregação aceitem os mais sinceros sentimentos de profundo res-
peito e altíssima veneração enquanto, declarando-me filho obedientíssimo da
Santa Igreja, tenho a honra de professar-me,
Do eminentíssimo senhor cardeal prefeito etc.
Seminário Arquiepiscopal de Bra (Província de Cuneo).
25 de outubro de 1895.
Mui atento e inegável servidor,
João Turchi, presbítero professor.

EXTRATOS DA CARTA JUVENUM PATRIS


DE JOÃO PAULO II77

[...] João Bosco sentia ter recebido especial vocação e ser assistido e
quase guiado pela mão, no modo de atuar sua missão, pelo Senhor e pela
intervenção materna da Virgem Maria. Sua resposta foi tal que a Igreja o
propôs oficialmente aos fiéis como modelo de santidade [...]. Sua estatu-
ra de Santo coloca-o, com originalidade, entre os grandes Fundadores de

77
AAS 80 (1988), 969-987.

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Beatificação e canonização de Dom Bosco

Institutos religiosos na Igreja. Sobressai por muitos aspectos: é o iniciador


de uma verdadeira escola de nova e atraente espiritualidade apostólica; é o
promotor de especial devoção a Maria, Auxiliadora dos Cristãos e Mãe da
Igreja; é a testemunha de leal e corajoso sentido eclesial, manifestado através
de mediações delicadas nas então difíceis relações entre a Igreja e o Estado;
é o apóstolo realista e prático, aberto às contribuições das novas descobertas;
é o organizador zeloso das Missões, com sensibilidade verdadeiramente ca-
tólica; é, por excelência, o exemplar de um amor preferencial pelos jovens,
especialmente pelos mais necessitados, para o bem da Igreja e da sociedade;
é o mestre de uma eficaz e genial práxis pedagógica, deixada como dom pre-
cioso a ser conservado e desenvolvido. [...].
Dom Bosco realiza sua santidade pessoal mediante o empenho educati-
vo, vivido com zelo e coração apostólico, e que sabe propor, ao mesmo tem-
po, a santidade como meta concreta da sua pedagogia. Precisamente tal inter-
câmbio entre “educação” e “santidade” é o aspecto característico da sua figura;
ele é um “educador santo”, inspira-se num “modelo santo” – Francisco de
Sales –, é discípulo de um “mestre espiritual santo” – José Cafasso –, e sabe
formar entre os seus jovens um “educando santo” – Domingos Sávio. [...].
Para São João Bosco, fundador de uma grande Família espiritual, pode-se
dizer que o traço peculiar da sua “genialidade” está ligado àquela práxis edu-
cativa que por ele mesmo foi chamada “sistema preventivo”. Este representa,
num certo modo, a síntese da sua sabedoria pedagógica e constitui a mensagem
profética, por ele deixada aos seus e à Igreja toda, recebendo atenção e reco-
nhecimento da parte de numerosos educadores e estudiosos de pedagogia [...].
O essencial do seu ensinamento permanece, as peculiaridades do seu
espírito, suas intuições, seu estilo, seu carisma não perdem valor, porque ins-
pirados na transcendente pedagogia de Deus [...].
São João Bosco é atual também por outro motivo: ele ensina a integrar
os valores permanentes da Tradição com as “novas soluções”, para enfrentar
de maneira criativa as instâncias e os problemas emergentes: neste nosso tem-
po difícil ele continua a ser mestre, propondo uma “nova educação” que ao
mesmo tempo é criativa e fiel.
Na Igreja e no mundo, a visão educativa integral, que vemos encarna-
da em João Bosco, é uma pedagogia realista da santidade. Urge recuperar o
verdadeiro conceito de “santidade”, como componente da vida de todo o
crente. A originalidade e a audácia da proposta de uma “santidade juvenil”
são intrínsecas à arte educativa deste grande Santo, que pode ser justamente
definido como “mestre de espiritualidade juvenil”. Seu particular segredo foi
o de não frustrar as aspirações profundas dos jovens (necessidade de vida, de

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amor, de expansão, de alegria, de liberdade, de futuro), e, ao mesmo tempo,


de levá-los, gradual e realisticamente, a experimentar que só na “vida de gra-
ça”, isto é, na amizade com Cristo, se realizam os ideais mais autênticos [...].
Ao lado da ação educativa da família deve-se sublinhar a da “escola”, capaz
de abrir horizontes mais vastos e universais. Na visão de João Bosco, a escola,
além de promover o desenvolvimento da dimensão cultural, social e profissio-
nal dos jovens, deve fornecer-lhes eficaz estrutura de valores e de princípios
morais. Se tal não ocorresse, resultaria impossível viver e agir de modo coerente,
positivo e honesto numa sociedade caracterizada por tensão e conflitualidade.
Faz parte, além disso, da grande herança educativa do Santo piemontês, seu
interesse preferencial pelo mundo do trabalho, para o qual os jovens devem ser
cuidadosamente preparados. Sente-se hoje esta urgência, embora nas profundas
transformações da sociedade. Compartilhamos com Dom Bosco a preocupação
de dotar as jovens gerações de uma competência profissional e técnica adequada,
tal como têm testemunhado de maneira louvável, por mais de cem anos, as es-
colas de artes e ofícios e as oficinas dirigidas pelos Cooperadores Salesianos, com
perícia digna de encômio. Compartilhamos sua preocupação de favorecer cada
vez mais uma incisiva educação para a responsabilidade social, baseada numa
crescente dignidade pessoal, à qual a fé cristã não só dá legitimidade, mas confere
também energia de alcance incalculável.
Por fim, deve-se considerar a importância dada pelo Santo às “formas
associativas” e de grupo, nas quais crescem e se desenvolvem o dinamismo e
a iniciativa juvenil. Animando múltiplas atividades, ele criava ambientes de
vida, de bom uso do tempo livre, de apostolado, de estudo, de oração, de ale-
gria, de jogo e de cultura, onde os jovens podiam reencontrar-se e crescer. As
notáveis mudanças do nosso tempo em relação ao século XIX, não eximem
o educador de rever situações e condições de vida, dando o necessário espaço
ao espírito de criatividade típico dos jovens [...].
As ideias e intuições de São João Bosco podem sugerir aos sacerdotes
formas adequadas de atuação. A importância da questão exige que, depois de
maduro exame, se tome consciência disso, pois sobre isso seremos julgados
pelo Senhor. Os jovens devem constituir a principal solicitude dos sacerdotes.
Dos jovens depende o futuro da Igreja e da sociedade [...].
Vosso e nosso santo costumava dizer que “a educação é coisa do coração”
e que devemos “conseguir que Deus entre nos coração dos jovens, não só pela
porta da Igreja, mas também pela da sala de aula e da oficina”. É justamente
no coração do homem que se faz presente o Espírito da verdade, como con-
solador e transformador: ele penetra incessantemente na história do mundo
através do coração do homem.

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TUNINETTI, Giuseppe. “L’immagine di don Bosco nella stampa torinese (e italiana)
del suo tempo”. In: F. TRANIELLO (ed.), Don Bosco nella storia della cultura
popolare. Turim: SEI, 1987, 209-251.

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Parte III

Bibliografia sobre Dom Bosco


(em castelhano)

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A nós, responsáveis da edição desta obra em língua espanhola, pareceu oportuno
acrescentar-lhe uma seção bibliográfica dos escritos de Dom Bosco publicados em caste-
lhano e das obras sobre ele escritas ou traduzidas nesta língua. Para elaborá-la, servimo-
-nos de todas as pessoas e instrumentos ao nosso alcance: salesianos de diversas nações,
catálogos de bibliotecas, lista de publicações de diversas editoras, resenhas de revistas, ci-
tações em livros etc. O resultado foi uma bibliografia ampla e o mais completa possível,
dentro do que pode sê-lo uma matéria que está sempre sujeita à incorporação de novas
obras ou à descoberta de outras que até agora eram desconhecidas.
Em nossa recompilação constatamos as lamentáveis deficiências existentes nas re-
senhas bibliográficas tanto de catálogos como de revistas ou de citações de livros. Por
isso, apesar de todo o nosso empenho e de numerosas consultas, não fomos capazes de
completar algumas entradas; faltam dados, como o local ou ano de edição, número de
páginas ou algum outro detalhe. Na dúvida de apenas resenhar as obras das quais tivésse-
mos os dados completos ou incluir também aquelas das quais não tivéssemos informação
completa, decidimos por esta última, pois pareceu-nos que a falta de algum dado não im-
pediria que se desse a conhecer a existência dessas obras e sua possível leitura ou consulta.
Estamos cientes de que é um critério mais pragmático do que científico, mas nisso,
como em tantas outras coisas, acompanhamos o sentido realista de Dom Bosco, segun-
do o qual quando não é possível fazer as coisas perfeitamente, deve-se fazê-las o melhor
que se possa para que o melhor não se converta em inimigo do bom. Acreditamos que a
maioria dos leitores saberá agradecer-nos por este realismo.
A bibliografia consta de duas seções:
1. Escritos de Dom Bosco, editados em língua espanhola e ordenados por ano
de publicação.
Como se verá, alguns são muito breves e foram publicados durante a vida do santo,
normalmente no Boletim Salesiano em língua espanhola. Outros têm caráter jurídico
ou regulamentar: são os diversos regulamentos de associações fundadas por ele. Outros,
ainda, são obras mais extensas, traduzidas para o castelhano. Introduzimos um anexo
indicando as edições das obras mais importantes: Memórias do Oratório; biografias de
jovens; sonhos etc., com a finalidade de se verem os escritos de Dom Bosco que os sale-
sianos preferiram dar a conhecer ao longo dos anos de sua história.
2. Escritos sobre Dom Bosco: livros, folhetos e artigos.
Compreende, de um lado, as narrações longas ou breves da vida de Dom Bosco.
Muitas, as mais importantes, são traduções ou adaptações de obras escritas em outras
línguas: italiano ou francês. Algumas são escritas diretamente em castelhano, tendo por
base as Memórias Biográficas (MB). Há biografias breves de divulgação para vários níveis

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Dom Bosco: história e carisma 3

de destinatários: crianças, jovens ou o público em geral. Em segundo lugar, apresentam-


-se os estudos sobre diversos aspectos da figura e da obra de Dom Bosco. Destacam-se os
estudos de alguns importantes historiadores, mas preponderam os estudos de divulgação
ou ocasionais.
O valor das obras apresentadas é muito desigual, mas em seu conjunto é importan-
te e significativo, pois nos oferece um panorama geral do conhecimento que Dom Bosco
teve nos países de língua espanhola.
A intenção dos responsáveis desta edição foi não só promover um conhecimen-
to maior da história de Dom Bosco, tendo em consideração o que dele e sobre ele foi
publicado em castelhano, como também convidar a todos a continuarem a estudar e
dar a conhecer a outros a figura poliédrica de Dom Bosco em seus múltiplos aspectos,
para que chegue ao público em geral e aos jovens e membros da Família Salesiana
em particular.
Estamos plenamente convencidos de que Dom Bosco é o melhor ativo que os sa-
lesianos possuem e que se serviram disso para dar a conhecer sua espiritualidade e atrair
vocações para a Família Salesiana. Queira Deus que saibamos continuar a descobrir e
propagar a enorme potencialidade de sua extraordinária personalidade!

1. Escritos de São João Bosco

1.1 Escritos de Dom Bosco em ordem cronológica de publicação


1879 BOSCO, Juan (san), El joven cristiano, instruido en la práctica de sus deberes y
en los ejercicios de la piedad cristiana, seguido del Oficio de la SS. Virgen, del
Oficio de Difuntos y de las Vísperas de todo el año, Turín, Imprenta y Librería
Salesiana, 1879, 480, 14 x 90.
1881 BOSCO, Juan (san), Los hijos primogénitos haciendo corona al adorado padre,
Buenos Aires, en BS octubre, 1881, a. 5, n. 10, pp. 6-7.
1881 BOSCO, Juan (san), El día de la Asunción de María SS y el 66 cumpleaños del P.
Bosco, Buenos Aires, 1881, en BS noviembre, a. 5 n. 11, pp. 1-3.
1882 BOSCO, Juan (san), Cooperadores salesianos. Modo práctico de contribuir al
bien de la juventud, Turín, Direzione Opere Don Bosco, 1882, 72.
1882 BOSCO, Juan (san), La diócesis de Casale-Monferrato y la primera conferencia de
los cooperadores (Discurso de D. Bosco), Buenos Aires, 1882, en BSE, febrero,
a. 6, n. 2, pp. 1-6.
1882 BOSCO, Juan (san), El sacerdote Juan Bosco a sus cooperadores y cooperadoras.,
Buenos Aires, 1882, en BS marzo, a. 6, n. 3, pp. 1-2.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

1882 BOSCO, Juan (san), El P. Bosco en Tolosa, Buenos Aires, 1882, en BS a. 6, n. 5,


pp. 6-8.
1882 BOSCO, Juan (san), Conferencia de los cooperadores en Luca (Discurso de D.
Bosco), Buenos Aires, 1882, en BS julio, a. 6, n. 6, pp. 6-8.
1882 BOSCO, Juan (san), Vida de sor María Mazzarello. Capítulo IV (Testimonio de
Don Bosco: invitación de Pío IX a fundar una congregación femenina), Buenos
Aires, 1882, en BS septiembre, a. 6, n. 9, p. 9.
1882 BOSCO, Juan (san), La fiesta de la gratitud, Buenos Aires, 1882, en BS Octubre,
a. 6, n. 10, pp. 7-8.
1882 BOSCO, Juan (san), Tierno espectáculo de amor filial, Buenos Aires, 1882, en BS
noviembre, a. 6, n. 11, pp. 5-8.
1882 BOSCO, Juan (san), Reglas o constituciones de la Sociedad de S. Francisco de
Sales, Turín, Imprenta Salesiana, 1882, 159.
1883 BOSCO, Juan (san), El P. Bosco a los cooperadores y cooperadoras, Buenos Aires,
1883, en BS marzo, a. 7, n. 3, pp. 86-88.
1883 BOSCO, Juan (san), Súplica del P. Bosco a S.S. Pío IX, Buenos Aires, 1883, en
BS marzo, a. 7, n. 3, pp. 8.
1883 BOSCO, Juan (san), Noticias del Padre Bosco (palabras suyas en el viaje a Fran-
cia), Buenos Aires, 1883, en BS julio, a. 7, n. 6, pp. 86-88.
1883 BOSCO, Juan (san), Carta de Don Bosco a suor María Maddalena Martini, Bue-
nos Aires, 1883, en BS julio, a. 7, n. 6, p. 90.
1883 BOSCO, Juan (san), Regreso del P. Bosco a Turín y conferencia a los cooperadores
salesianos, Buenos Aires, 1883, en BS agosto, a. 7, n. 8, pp. 100-102.
1883 BOSCO, Juan (san), El cumpleaños del Padre Bosco (palabras de Don Bosco),
Buenos Aires, 1883, en BS a. 7, n. 12, p. 145.
1884 BOSCO, Juan (san), Don Bosco (entrevista), Buenos Aires, 1884, en BS a. 8, n. 6, p. 80.
1884 BOSCO, Juan (san), Conferencia de los cooperadores salesianos y alocución del
cardenal Alimonda, Buenos Aires, 1884, en BS abril, a. 8, n. 4, pp. 37-39.
1884 BOSCO, JUAN (SAN), Carta del P. Bosco a los cooperadores salesianos, Buenos
Aires, 1884, en BS mayo, a. 8, n. 5, p. 49-52.
1884 BOSCO, Juan (san), Conferencia de los cooperadores salesianos, Buenos Aires,
1884, en BS agosto, a. 8, n. 8, p. 85-90.
1884 BOSCO, Juan (san), El P. Bosco festejado en el día de su santo por el cardenal Ali-
monda (palabras de DB), Buenos Aires, 1884, en BS agosto, a. 8, n. 8, pp. 93-94.
1884 BOSCO, Juan (san), Carta de Don Bosco al Sr. Presidente de la Asociación cató-
lica de Buenos Aires, Buenos Aires, 1884, en BS septiembre, a. 8, n. 9, p. 103.

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Dom Bosco: história e carisma 3

1884 BOSCO, Juan (san), Alocución del P. Bosco a los cooperadores y cooperadoras de
Turín, Buenos Aires, 1884, en BS octubre, a. 8, n. 10, pp. 113-116.
1884 BOSCO, Juan (san), Curiosa receta contra el cólera (palabras de DB), Buenos
Aires, 1884, en BS noviembre, a. 8, n. 11, 127.
1885 BOSCO, Juan (san), El Padre Juan Bosco a los cooperadores y cooperadoras, Bue-
nos Aires, 1885, en BS marzo, a. 9, n. 3, pp. 21-24.
1885 BOSCO, Juan (san), Cómo se aman los buenos, Buenos Aires, 1885, en BS mayo,
a. 9, n. 5, pp. 47-48.
1885 BOSCO, Juan (san), Difusión de los buenos libros. Carta circular dirigida a todos los
salesianos y sus cooperadores., Buenos Aires, 1885, en BS junio, a. 9, n. 6, pp. 62-74.
1885 BOSCO, Juan (san), Don Bosco en Niza (palabras de DB), Buenos Aires, 1885,
en BS a. 9, n. 8, pp. 86-88.
1885 BOSCO, Juan (san), Conferencia de los cooperadores de Turín, Buenos Aires,
1885, en BS septiembre, a. 9, n. 9, p. 95.
1885 BOSCO, Juan (san), Fiesta de familia (reunión de los sacerdotes ex alumnos en
Turín. Palabras de DB), Buenos Aires, 1885, en BS octubre, a. 9, n. 10, p. 113s.
1885 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Buenos Aires, Tipografía y Librería
Salesiana, 1885.
1886 BOSCO, Juan (san), Compendio de Historia Eclesiástica para la juventud, Bue-
nos Aires, Tipografía y Librería Salesiana, Colegio Pío IX, 1886.
1886 BOSCO, Juan (san), Carta del P. Bosco a los cooperadores salesianos, Buenos
Aires, 1886, en BS abril, a. 10, n. 4, pp. 37-43.
1886 BOSCO, Juan (san), Nuevas noticias de D. Bosco (palabras de DB), Buenos Aires,
1886, en BS junio, a. 10, n. 6, pp. 69-72.
1886 BOSCO, Juan (san), Carta del secretario del P. Bosco (A propósito del Tibidabo,
palabras de DB), Buenos Aires, 1886, en BS julio, a. 10, n. 7, p. 81s.
1886 BOSCO, Juan (san), Don Bosco en España y el monte Tibidabo (palabras de DB),
Buenos Aires, 1886, en BS septiembre, a. 10, n. 9, p. 97s.
1886 BOSCO, Juan (san), Don Bosco y los cooperadores salesianos de S. Nicolás, Bue-
nos Aires, 1886, en BS octubre, a. 10, n. 10, p. 111.
1886 BOSCO, Juan (san), El joven instruido en la práctica de sus deberes, San Benigno
Canavese, Imprenta Salesiana, 1886.
1886 BOSCO, Juan (san), Más noticias de Don Bosco, Buenos Aires, 1886, en BS
diciembre, a. 10, n. 12, p. 138s.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

1886 BOSCO, Juan (san), El Católico en el siglo: conversaciones familiares de un padre


con sus hijos, referentes a la religión, Buenos Aires-Almagro, Tipografía y Libre-
ría Salesiana, 1886, 540.
1887 BOSCO, Juan (san), Carta de Don Bosco a los cooperadores y cooperadoras,
Turín, 1887, en BS enero, a. 2, n. 1, pp. 1-8.
1887 BOSCO, Juan (san), Carta de D. Bosco a los cooperadores y cooperadoras salesia-
nos, Buenos Aires, 1887, en BS marzo, a. 11, n. 3, pp. 25-29.
1887 BOSCO, Juan (san), Carta de D. Bosco a los cooperadores y cooperadoras salesia-
nos, Buenos Aires, 1887, en BS marzo, a. 11, n. 3, pp. 25-29.
1887 BOSCO, Juan (san), Beneméritos cooperadores y cooperadoras, Turín, 1887, en
BS abril, a. 2, n. 4, pp. 37-38.
1887 BOSCO, Juan (san), Cooperadores salesianos o manera práctica de hacerse útil a la
sociedad favoreciendo las buenas costumbres, Turín, Tipografía Salesiana, 1887, 36.
1887 BOSCO, Juan (san), Petición de ayuda para las misiones: «Bien conozco cuánto
ama y aprecia Ud. las obras de caridad y religión, Turín, 1887, 2f.
1887 BOSCO, Juan (san), «Hállome informado de las buenas y santas intenciones…»,
Turín, Tip. Salesiana, 1887, 2f. (Petición de ayuda a favor de las misiones.)
1887 BOSCO, Juan (san), Valentín o la vocación contrariada, 1887. Publicada, por
entregas con intermitencias, en el BS desde mayo de 1887 a septiembre de 1890
y después en volumen.
1888 BOSCO, Juan (san), Carta de D. Bosco a los cooperadores y cooperadoras, Turín,
1888, en BS enero, a. 3, n. 1, pp. 1-6.
1888 BOSCO, Juan (san), El joven instruido en la práctica de sus deberes, Barcelona-
-Sarriá, Tipografía Salesiana, 1888.
1888 BOSCO, Juan (san), Novena a la Augusta Madre de Dios bajo la advocación de
MA, Sevilla, Librería Edit. de María Auxiliadora, 1888, 126.
1890 BOSCO, Juan (san), La casa de la fortuna, Turín, 1890, 76.
1895 BOSCO, Juan (san), La Iglesia católica y su Jerarquía, Tipografía y Librería
Salesiana, 1895.
1895 BOSCO, Juan (san), Reglamentos de Cooperadores salesianos, Turín, 1895, 40.
1898 BOSCO, Juan (san), El Católico en el siglo: conversaciones familiares de un padre
con sus hijos, referentes a la religión, Bogotá, Tipografía Salesiana, 1898, 540.
1907 BOSCO JUAN SAN, El siervo de Dios Domingo Savio, Rosario, Colegio San
José de Artes y Oficios, 1907, 89.
1910 BOSCO, Juan (san), El siervo de Dios Domingo Savio, alumno del Ven. Juan
Bosco, Sarriá-Barcelona, Escuela Tipográfica y Librería Salesianas, 1910, 355 p.

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Dom Bosco: história e carisma 3

1912 BOSCO, Juan (san), Valentín o la vocación contrariada. Tres lirios del Oratorio
Salesiano, Barcelona, Escuel. Tipogr. Salesianas, 1912.
1916 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, alumno del Oratorio de San Francisco de
Sales por el Vble. Juan Bosco, fundador de la Pía Sociedad Salesiana, cuarta
edición popular, Barcelona, Librería Salesiana, 1916, 144 p.
1921 BOSCO, Juan (san), Beato Domingo Savio, Bahía Blanca, Edit. Sur, 1951, 208
1922 BOSCO, Juan (san), Vida del joven Domingo Savio, alumno del Oratorio de
San Francisco de Sales, por el presbítero Juan Bosco. Traducida del italiano por
Esteban Pagliere de la P. S. de S. F. de S., Buenos Aires, Librería del Colegio Pío
IX, 1922, 83 p.
1922 BOSCO, Juan (san), Constituciones del Instituto FMA, Turín, 1922, 215.
1924 BOSCO, Juan (san), Dos sueños del Venerable J. Bosco sobre el sistema educati-
vo, Barcelona, 1924, 22.
1924 BOSCO, Juan (san), El coadjutor salesiano según la mente del Beato Don Bosco,
Buenos Aires, Tipografía y Librería del Colegio Pío IX, 1924, 38.
1925 BOSCO, Juan (san), Vida de Domingo Savio, alumno del Oratorio de San Fran-
cisco de Sales por el Vble. Don Juan Bosco. Traducida del italiano por el pres-
bítero salesiano Don Camilo Ortúzar, V edición, Santiago de Chile, Imp. «La
Gratitud Nacional», 1925, 184 p.
1925 BOSCO, Juan (san), El joven instruido en la práctica de sus deberes y en los ejer-
cicios de piedad cristiana, Barcelona, Librería Salesiana, 1925, 572, 14,5 x 9,5.
1930 BOSCO, Juan (san), Novena a Nuestra Señora Auxiliadora, Buenos Aires, Librería
del Colegio Pio IX, c. 1930, 32.
1931 BOSCO, Juan (san), La Sociedad Salesiana. Sueño tenido por el Beato Juan Bos-
co, Barcelona-Sarriá, Escuela Tipográfica Salesiana, 1931, 20.
1934 BOSCO, Juan (san), Vida de San Pancracio, Barcelona, Casa Salesiana San José,
1934, 75.
1937 BOSCO, Juan (san), Manual de la piadosa asociación de los devotos de María
Auxiliadora, Buenos Aires, Escuela Gráfica del Colegio Pío IX, 1937, 120.
1937 BOSCO, Juan (san), La Pía Unión de Cooperadores Salesianos, Turín, Dirección
General Obras Don Bosco, 1937, 48.
1940 BOSCO, Juan (san), Luis Comollo, rasgos biográficos del joven seminarista, Bue-
nos Aires, Librería del Colegio Pío IX, c. 1940, 124.
1940 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Buenos Aires, Tipografía y Librería
del Colegio Pío IX, c. 1940, 116.
1940 BOSCO, Juan (san), Pequeño manual de la piadosa asociación de María Auxilia-
dora, Rosario, Apis, 1940, 65.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

1940 BOSCO, Juan (san), El joven cristiano instruido en sus deberes y en los ejercicios
de piedad cristiana, Barcelona, Librería Salesiana, 1940, 512.
1941 BOSCO, Juan (san), Instrucciones y meditaciones para jóvenes, Buenos Aires,
Libr. Edit. Santa Catalina, 1941, 104.
1942 BOSCO, Juan (san), Vida popular del venerable Domingo Savio, alumno del
Oratorio de San Francisco de Sales, séptima edición, Barcelona, Librería Sale-
siana, 1942, 117 p.
1943 BOSCO, Juan (san), La joven cristiana instruida en sus deberes y en los ejercicios
de piedad cristiana, Barcelona, Esc. Graf. Salesianas, 1943, 512.
1943 BOSCO, Juan (san), Historia Sagrada: con un apéndice de historia de la Iglesia;
un breve diccionario de las palabras que, referentes a la geografía, ministerios
y ritos religiosos, más frecuentemente se usan en el texto; un cuadro compa-
rativo de monedas, pesas y medidas..., Barcelona, Librería Salesiana, 1943,
338, 7ª ed.
1944 BOSCO, Juan (san), Reglamento para los alumnos de las Casas de la Sociedad de
San Francisco de Sales, Barcelona, Librería Salesiana, 1944, 48.
1947 BOSCO, Juan (san), El joven cristiano instruido en sus deberes y en los ejercicios
de piedad cristiana, Barcelona, Librería Salesiana, 1947, 512.
1947 BOSCO, Juan (san), Vida popular del venerable. Domingo Savio, alumno del
Oratorio de San Francisco de Sales, octava edición, Barcelona-Sarriá, Librería
Salesiana, 1947, 124.
1950 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Sevilla, Librería Edit. María Aux., 1950, 58.
1950 BOSCO, Juan (san), Historia Sagrada: con un apéndice de historia de la Iglesia;
un breve diccionario de las palabras que, referentes a la geografía, ministerios y
ritos religiosos, más frecuentemente se usan en el texto; un cuadro comparativo
de monedas, pesas y medidas..., Barcelona, Librería Salesiana, 1950, 338.
1950 BOSCO, Juan (san), Vida popular de Venerable Domingo Savio, Pamplona, Es-
cuel. Profes. Salesianas, 1950, 90.
1950 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Buenos Aires, Difusión, 1950, 164.
1950 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Buenos Aires, 1950, 63.
1950 BOSCO, Juan (san), Vida del beato Domingo Savio. Primera versión castellana
de la quinta edición publicada por Don Juan Bosco recientemente reimpre-
sa y anotada por el P. Alberto Caviglia. Traducción del P. Jerónimo Chiacchio
Bruno. Portada de Hugo Colmán Amaro. Ilustraciones de Héctor Luis Tello,
Montevideo, Editorial Don Bosco, 1950, 133+4 pp.

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Dom Bosco: história e carisma 3

1951 BOSCO, Juan (san), Beato Domingo Savio, Bahía Blanca, Editorial del Sur, 1951, 208.
1951 BOSCO, Juan (san), Vida del beato Domingo Savio, Barcelona-Sarriá, Escuelas
Profesionales Salesianas, 1951, 228 p.
1951 BOSCO, Juan (san), Pedro o la fuerza de buena educación, Barcelona, Librería
Salesiana, 1951, 96.
1954 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Buenos Aires, Librería Don Bosco,
1954, 70.
1954 BOSCO, Juan (san), Vida popular de Domingo Savio, Buenos Aires, Librería del
Colegio Pío IX, c. 1954, 200.
1954 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio. Juventud y Gloria, Santiago de Chile, Es-
cuela Tipográfica «La Gratitud Nacional», 1954, 128.
1954 BOSCO, Juan (san), Santo Domingo Savio, Barcelona, Librería Salesiana, 1954, 266.
1954 BOSCO, Juan (san), Biografía del joven Luis Antonio Fleury Colle, Montevideo,
Edit. Don Bosco, 1954, 105.
1954 BOSCO, Juan (san), Los sueños marianos, Utrera, Estudiantado Filosófico Sale-
siano, 1954, 147 (pro manuscrito).
1955 BOSCO, Juan (san), Santo Domingo Savio, alumno del oratorio de San Francisco
de Sales. Con anotaciones y apéndices del presbítero salesiano D. Eugenio Ce-
ria, undécima edición, Barcelona, Librería Salesiana, 1955, 266 p.
1955 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Madrid, Editorial CCS, 1955, 52.
1955 BOSCO, Juan (san), Biografía y escritos de san Juan Bosco: Memorias del Oratorio.
Ideario pedagógico. Ascética al alcance de todos. Extractos de artículos y discursos.
Vidas de Domingo Savio y Miguel Magone. Epistolario, edición preparada por el
padre Rodolfo Fierro S.D.B., Madrid, BAC, 1955, XXIV- 987.
1956 BOSCO, Juan (san), Miguel Magone, Santa Cruz de Tenerife, Escuelas Profesio-
nales Salesianas, 1956, 82.
1956 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Buenos Aires, Ediciones Don Bosco, c.
1956, 128.
1957 BOSCO, Juan (san), Sueños y distracciones de Don Bosco, La Ceja, Multiplica-
dora María Auxiliadora, 1957, 660.
1958 BOSCO, Juan (san), Los sueños de Don Bosco, Madrid, SEI, 1958, 636.
1959 BOSCO, Juan (san), Novena a María Auxiliadora, Sevilla, 1959, 96.
1959 BOSCO, Juan (san), El pastorcillo de los Alpes de Argentera: Francisco Besucco,
Montevideo, Editorial Don Bosco, 1959, 138.
1960 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone (preparada por Rodolfo Fierro),
Madrid, Editorial CCS, 1960, 92, 17 x 12.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

1966 BOSCO, Juan (san), Máximas de Don Bosco, México, Editorial Don Bosco,
1966, 188 (Edit. Rafael Sánchez Vargas).
1967 BOSCO, Juan (san), Charlas de sobremesa I y II, Madrid, Publicaciones del Se-
cretariado Nacional de los AA.AA. Salesianos, 1967, 20 y 20.
1967 BOSCO, Juan (san), Biografía y escritos de san Juan Bosco: Memorias del Orato-
rio. Ideario pedagógico. Ascética al alcance de todos. Extractos de artículos y dis-
cursos. Vidas de Domingo Savio y Miguel Magone. Epistolario, segunda edición
revisada y preparada por el padre Rodolfo Fierro, S.D.B., Madrid, BAC, 1967.
1969 BOSCO, Juan (san), Carta sobre el espíritu de familia; la corrección en el método
preventivo, Córdoba, J. G. Rodríguez y Burón, 1969, 28.
1969 BOSCO, Juan (san), Ideario espiritual de Don Bosco (preparado por Nuestra
Señora de la Paz), Ávila, Edición Diario de Ávila, 1969, 82.
1978 BOSCO, Juan (san), Vida del beato Domingo Savio, Montevideo, Sampierdare-
na, Insp. Uruguay, 1978, 138.
1978 BOSCO, Juan (san), Obras fundamentales: Biografías: Luis Comollo, Domingo
Savio, Miguel Magone, Francisco Besucco; Memorias del Oratorio; Producci-
ón pedagógica: El joven cristiano, Introducción al reglamento, Recuerdos a los
directores, El sistema preventivo, Carta de Roma, Sobre los jóvenes artesanos;
Escritos como Fundador: Sociedad de San Francisco de Sales, Hijas de M.A,
Cooperadores salesianos, Devotos de María, sermón de despedida de los pri-
meros misioneros, Recuerdos a los misioneros, Circular sobre la difusión de
buenos libros, Madrid, BAC, 1978. Edición de Juan Canals y Antonio Martínez
Azcona. segunda edición, 1979.
1979 BOSCO, Juan (san), Un simpático santo: Domingo Savio (adaptado por Sálesma
Eliécer), Bogotá, Edi. Don Bosco, 1979.
1980 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio; El joven instruido; Vida de Domingo
Savio; Vida de Miguel Magone; Vida de Francisco Besucco; Cartas a jóvenes; Pro-
puesta de santidad cristiana para todos los cristianos, para los cooperadores salesia-
nos, cartas a sacerdotes, religiosas, cooperadores, amigos; Constituciones salesianas;
Cartas individuales a salesianos y salesianas; Cinco últimas cartas a jefes misioneros;
Testamento espiritual; Ultima verba, en Escritos espirituales de San Juan Bosco,
Guatemala, Publ. del Teologado Salesiano, 1980, 380 (ed. Aubry Joseph).
1984 BOSCO, Juan (san), Vida de Domingo Savio, en Biografía y escritos de san
Juan Bosco...
1984 BOSCO, Juan (san), ¡No basta amar!, Edic. Don Bosco, 1984.
1984 BOSCO, Juan (san), La carta de Roma, Madrid, Editorial CCS, 1984, 48.
1985 BOSCO, Juan (san), Compilación de algunas cartas inéditas de Don Bosco que se
conservan en el Archivo Histórico de Buenos Aires, Buenos Aires, Inspectoría
de San Francisco de Sales, 1985, 96 (ed. Baratta Humberto J.)

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Dom Bosco: história e carisma 3

1986 BOSCO, Juan (san), La Patagonia y las Tierras australes del continente americano,
(traducido y editado por Ernesto Szanto), Bahía Blanca, ISAG, 1986, 295.
1986 BOSCO, Juan (san), Carta de Don Bosco a los Salesianos sobre la difusión de los
buenos libros, Barcelona, EDBÉ, 1986, 7 p.
1986 BOSCO, Juan (san), La Patagonia y las Tierras Australes del Continente America-
no, Bahía Blanca, Archivo Histórico Salesiano, 1986, 296.
1987 BOSCO, Juan (san), Maravillas de la Madre de Dios, Madrid, Editorial CCS, 1987, 80.
1987 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales, Madrid,
Editorial CCS, 1987, 266.
1988 BOSCO, Juan (san), Autobiografía de san Juan Bosco. Memorias del Oratorio:
datos autobiográficos desde su nacimiento hasta los 40 años de edad, de 1915 a
1855, escritos de 1873 a 1875 por mandato expreso del Papa, Bogotá, Centro
Don Bosco, 1988, 317.
1988 BOSCO, Juan (san), Mensaje espiritual y pedagógico de san Juan Bosco (Anto-
logía de textos), Madrid, 1988, en «Vida religiosa», vol. 64, 2, 1 de marzo de
1988, pp. 136-142.
1989 BOSCO, Juan (san), Los sueños de Don Bosco, Madrid, Editorial CCS, 1989,
520 (ed. Jiménez Fausto).
1993 BOSCO, Juan (san), Sueño misionero americano, Rivadavia, 1993.
1993 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Molina de Segura (Murcia), Escuela de
Jóvenes Cristianos, D. L. 1993, 126 p.
1994 BOSCO, Juan (san), Apunte histórico del Oratorio de S. Francisco de Sales, en
P. Braido (ed) Juan Bosco, el arte de educar. Escritos y testimonios, Madrid,
Editorial CCS, 1994, 85-103
1994 BOSCO, Juan (san), Apuntes históricos del Oratorio de S. Francisco de Sales, en
P. Braido (ed) Juan Bosco, el arte de educar. Escritos y testimonios, Madrid,
Editorial CCS, 1994, 104-118.
1994 BOSCO, Juan (san), El arte de educar. Escritos y testimonios, Madrid, Editorial
CCS, 1994, 243 (ed. Braido Pietro).
1994 BOSCO, Juan (san), El Sistema preventivo en la educación de la juventud, Ma-
drid, Editorial CCS, 1994, en P. Braido (ed) Juan Bosco, el arte de educar.
Escritos y testimonios, Madrid, Editorial CCS, 1994, 133-208.
1994 BOSCO, Juan (san), Juan Bosco, cartas a jóvenes y educadores, Madrid, Editorial
CCS, 1994, 279 (ed. F. Motto).
1994 BOSCO, Juan (san), Introducción al plan de Reglamento, 1994, en P. Braido (ed.)
Juan Bosco, el arte de educar. Escritos y testimonios, Madrid, Editorial CCS,
1994, 82-84.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

1995 BOSCO, Juan (san), Obras fundamentales: Biografías: Luis Comollo, Domingo
Savio, Miguel Magone, Francisco Besucco; Memorias del Oratorio; Producci-
ón pedagógica: El joven cristiano, Introducción al reglamento, Recuerdos a los
directores, El sistema preventivo, Carta de Roma, Sobre los jóvenes artesanos;
Escritos como Fundador: Sociedad de San Francisco de Sales, Hijas de MA, Co-
operadores salesianos, Devotos de María sermón de despedida de los primeros
misioneros, Recuerdos a los misioneros, Circular sobre la difusión de buenos li-
bros, Madrid, BAC, 1995. Edición de Juan Canals y Antonio Martínez Azcona.
Estudio introductorio de Pedro Braido, 1ª edición en 1979.
1998 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales. Edición
crítica a cargo de F. Peraza, Quito, CSR, 1998, 234.
2001 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales (preparada
por F. Peraza Leal), Quito, Imprenta Don Bosco, 2001, 308.
2002 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio [presentación de Manolo Arnaldos, 2ª edi-
ción], Editorial EJC, 2002, 127.
2003 BOSCO, Juan (san), Vida del jovencito Domingo Savio, alumno del Oratorio de
San Francisco de Sales, en SAN JUAN BOSCO, El amor supera al reglamento.
Práctica y teoría educativa de Don Bosco. Traducción, introducciones y notas
de Fausto Jiménez, Madrid, Editorial CCS, 2003, pp. 31-131.
2004 BOSCO JUAN SAN, Vida de Domingo Savio, Córdoba (Ar), Editorial Salesiana,
2004, 144.
2004 BOSCO, Juan (san), El sistema preventivo en la educación. Memorias y ensayos,
Madrid, Biblioteca Nueva, 2004, 274. A cura de J. M. Prellezo.
2004 BOSCO, Juan (san), Escritos de Don Bosco, Buenos Aires, ISAC, 2004, 203.
2008 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales, edición
crítica de Fernando Peraza, Rosario, Ediciones Didascalia, 2008, 206.
2010 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales de 1815 a
1855, Madrid, Editorial CCS, 20107, 242. Nueva traducción. Edición a cargo
de J.M. Prellezo, con introducción de Aldo Giraudo.
2010 BOSCO, Juan (san), El devoto del Ángel Custodio, Strasburg, Trifolium, 2010,
84 (traducción de Guillermo Pons).

Sem data
BOSCO, Juan (san), Vida popular del siervo de Dios Domingo Savio, alumno del Ora-
torio de San Francisco de Sales, quinta edición, Barcelona, Librería Salesiana,
[s.d.], 108 p.
BOSCO, Juan (san), Vida popular del venerable Domingo Savio, sexta edición, Pam-
plona, Escuelas Profesionales Salesianas [s.d.], 90 p.

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Dom Bosco: história e carisma 3

BOSCO, Juan (san), Florecillas del Venerable Pío IX (Recopiladas por Modesto Salce-
do, cooperador salesiano), Roma, UPS (pro manuscrito), 66.
BOSCO, Juan (san), Miguel Magone, discípulo de san Juan Bosco, Madrid, SEI, 24.
(ed. REM).
BOSCO, Juan (san), Sueño de la familiaridad, Barcelona, Inspectoría Tarraconense, 22.
BOSCO, Juan (san), Mes de María, Buenos Aires, Librería Colegio Pío IX [s.d.], 164.
BOSCO, Juan (san), Vida de colegio (hechos edificantes entresacados de las biografías),
Rosario, Apis, 142.
BOSCO, Juan (san), Sueños de Don Bosco 1, 2, 3, 4, 5, 6, Lima, 68, 64, 52, 76, 68, 40.

1.2 Edições dos escritos mais conhecidos de Dom Bosco


Memórias do Oratório
1955 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio, en Biografía y escritos de san Juan
Bosco, edición preparada por el padre Rodolfo Fierro S.D.B., Madrid, BAC,
1955, 75-237.
1967 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio. Ideario pedagógico, en Biografía y
escritos de san Juan Bosco, segunda edición revisada y preparada por el padre
Rodolfo Fierro, S.D.B., Madrid, BAC, 1967, 67-202.
1979 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio, en San Juan Bosco, Obras funda-
mentales, Madrid, BAC, 1979, 345-395.
1980 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio (extractos), en Escritos espirituales
de san Juan Bosco, Guatemala, Publ. del Teologado Salesiano, 1980, 43-71 (ed.
Aubry Joseph).
1987 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales. Traducci-
ón al español por Basilio Bustillo, Madrid, Ediorial CCS, 1987, 266.
1988 BOSCO, Juan (san), Autobiografía de san Juan Bosco. Memorias del Oratorio:
datos autobiográficos desde su nacimiento hasta los 40 años de edad, de 1915 a
1855, escritos de 1873 a 1875 por mandato expreso del Papa, Bogotá, Centro
Don Bosco, 1988, 317.
1995 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio, en San Juan Bosco, Obras funda-
mentales, Madrid, BAC, 1995 (1ª edición en 1979).
1998 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales. Edición
crítica a cargo de F. Peraza, Quito, CSR, 1998, 234; Lima, Asociación Librería
Editorial Salesiana, 2006, páginas 332; Guadalajara (México) Salesianos, 2006,
páginas 308; 5ª ed. Quito, CSRFP, 2011, 303.
2001 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales (preparada
por F. Peraza Leal), Quito, Imprenta Don Bosco, 2001, 308.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

2003 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales de 1815 a
1855. Traducción y notas histórico-bibliográficas de José Manuel Prellezo. Estudio
introductorio de Aldo Giraudo. Con la colaboración de José Luis Moral de la Parte,
Madrid, Editorial CCS, 2003, 242. 2ª, 3ª, 4ª y 5ª ediciones en años sucesivos.
2004 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales de 1815
a 1855, en idem, El sistema preventivo en la educación. Memorias y ensayos,
edición y estudio introductorio de J. M. Prellezo, Madrid, Biblioteca Nueva,
2004, 97-248.
2008 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales, edición
crítica de Fernando Peraza, Rosario, Ediciones Didascalia, 2008, 206.
2010 BOSCO, Juan (san), Memorias del Oratorio de San Francisco de Sales de 1815 a
1855. Traducción y notas histórico-bibliográficas de José Manuel Prellezo. Estu-
dio introductorio de Aldo Giraudo. Con la colaboración de José Luis Moral de
la Parte, Madrid, Editorial CCS, 2010, 242, 6ª y 7ª ediciones.

Biografias
Domingos Sávio
1907 BOSCO, Juan (san), Siervo de Dios Domingo Savio, Rosario, Colegio San José,
1907, 89.
1910 BOSCO, Juan (san), El siervo de Dios Domingo Savio, alumno del Ven. Juan
Bosco, Sarriá-Barcelona, Escuela Tipográfica y Librería Salesianas, 1910, 355 p.
1916 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, alumno del Oratorio de San Francisco de
Sales por el Vble. Juan Bosco, fundador de la Pía Sociedad Salesiana, cuarta
edición popular, Barcelona, Librería Salesiana, 1916, 144.
1921 BOSCO, Juan (san), Beato Domingo Savio, Bahía Blanca, Edit. Sur, 1951, 208.
1922 BOSCO, Juan (san), Vida del joven Domingo Savio, alumno del Oratorio de
San Francisco de Sales, por el presbítero Juan Bosco. Traducida del italiano por
Esteban Pagliere de la P. S. de S. F. de S., Buenos Aires, Librería del Colegio Pío
IX, 1922, 83 p.
1925 BOSCO, Juan (san), Vida de Domingo Savio, alumno del Oratorio de San Fran-
cisco de Sales por el Vble. Don Juan Bosco. Traducida del italiano por el pres-
bítero salesiano Don Camilo Ortúzar, V edición, Santiago de Chile, Imp. «La
Gratitud Nacional», 1925, 184 p.
1925 BOSCO, Juan (san), Vida popular del siervo de Dios Domingo Savio, alumno del
Oratorio de San Francisco de Sales, quinta edición, Barcelona, Librería Salesia-
na [s.d.], 108 p.
1942 BOSCO, Juan (san), Vida popular del venerable Domingo Savio, alumno del
Oratorio de San Francisco de Sales, séptima edición, Barcelona, Librería Sale-
siana, 1942, 117 p.

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Dom Bosco: história e carisma 3

1947 BOSCO, Juan (san), Vida popular del venerable Domingo Savio, alumno del
Oratorio de San Francisco de Sales, octava edición, Barcelona-Sarriá, Librería
Salesiana, 1947, 124 p.
1950 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Buenos Aires, Difusión, 1950, 164.
1950 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Sevilla, Librería Edit. María Aux., 1950, 58.
1950 BOSCO, Juan (san), Vida del beato Domingo Savio, Montevideo, Editorial Don
Bosco, 1950, 140.
1950 BOSCO, Juan (san), Vida popular de venerable Domingo Savio, Pamplona, Es-
cuel. Profes. Salesianas, 1950, 90.
1950 BOSCO, Juan (san), Vida del beato Domingo Savio. Primera versión castellana
de la quinta edición publicada por Don Juan Bosco recientemente reimpre-
sa y anotada por el P. Alberto Caviglia. Traducción del P. Jerónimo Chiacchio
Bruno. Portada de Hugo Colmán Amaro. Ilustraciones de Héctor Luis Tello,
Montevideo, Editorial Don Bosco, 1950, 133+4 pp.
1951 BOSCO, Juan (san), Beato Domingo Savio, Bahía Blanca, Editorial del Sur, 1951, 208.
1951 BOSCO, Juan (san), Vida del beato Domingo Savio, Barcelona-Sarriá, Escuelas
Profesionales Salesianas, 1951, 228 p.
1954 BOSCO, Juan (san), Santo Domingo Savio, Barcelona, Librería Salesiana, 1954, 266.
1954 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Santiago de Chile, Escuela Tipográfica Salesiana
«La Gratitud Nacional», 1954, 128.
1954 BOSCO, Juan (san), Vida Popular de Domingo Savio, Buenos Aires, Libr. Cole-
gio Pío IX, 1954, 200.
1955 BOSCO, Juan (san), Santo Domingo Savio, alumno del oratorio de San Francisco
de Sales. Con anotaciones y apéndices del presbítero salesiano D. Eugenio Ce-
ria, undécima edición, Barcelona, Librería Salesiana, 1955, 266 p.
1955 BOSCO, Juan (san), Vida de Domingo Savio, en Biografía y escritos de san Juan
Bosco. Edición preparada por el padre Rodolfo Fierro S.D.B., Madrid, BAC,
1955, 771-855.
1956 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Buenos Aires, Edic. Don Bosco, 1956, 128.
1967 BOSCO, Juan (san), Vida de Domingo Savio, en Biografía y escritos de san
Juan Bosco, segunda edición revisada y preparada por el padre Rodolfo Fierro,
S.D.B., Madrid, BAC, 1967, 727-813.
1978 BOSCO, Juan (san), Vida del beato Domingo Savio, Montevideo, Sampierdare-
na, Insp. Uruguay, 1978, 138.
1979 BOSCO, Juan (san), Un simpático santo: Domingo Savio (adaptado por Sálesma
Eliécer), Bogotá, Edi. Don Bosco, 1979.
1979 BOSCO, Juan (san), Vida del joven Domingo Savio, alumno del Oratorio de San
Francisco de Sales, en San Juan Bosco. Obras fundamentales, Madrid, BAC,
1979, 128-221.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

1980 BOSCO, Juan (san), Vida de Domingo Savio, en Escritos espirituales de San Juan
Bosco, Guatemala, Publ. del Teologado Salesiano, 1980, 91-113.
1993 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio, Molina de Segura (Murcia), Escuela de
Jóvenes Cristianos, D. L. 1993, 126 p.
1995 BOSCO, Juan (san), Vida del joven Domingo Savio, alumno del Oratorio de San
Francisco de Sales, en San Juan Bosco. Obras fundamentales, Madrid, BAC,
1995 (1ª edición 1979).
2002 BOSCO, Juan (san), Domingo Savio [Presentación de Manolo Arnaldos, segunda
edición], Editorial EJC, 2002, 127 p.
2003 BOSCO, Juan (san), Vida del jovencito Domingo Savio, alumno del Oratorio de
San Francisco de Sales, en SAN JUAN BOSCO, El amor supera al reglamento.
Práctica y teoría educativa de Don Bosco. Traducción, introducciones y notas
de Fausto Jiménez, Madrid, Editorial CCS, 2003, pp. 31-131.
2004 BOSCO, Juan (san), Vida de Domingo Savio, Córdoba (Ar), Edit. Salesiana, 2004, 144.
2010 VARIOS, Vida de Domingo Savio escrita por Don Bosco con guía didáctica, Ro-
sario, Ediciones Didascalia, 2010, 208.
s.d. BOSCO, Juan (san), Vida popular del siervo de Dios Domingo Savio, alumno del
Oratorio de San Francisco de Sales, quinta edición, Barcelona, Librería Salesia-
na [s.d.], 108 p.
s.d. BOSCO, Juan (san), Vida popular del venerable Domingo Savio, sexta edición,
Pamplona, Escuelas Profesionales Salesianas [s.d.], 90 p.

Miguel Magone
1885 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Buenos Aires, Tipografía y Librería
Salesiana, 1885.
1940 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Buenos Aires, Escuela Gráfica del
Colegio Pío IX, 1940, 116.
1950 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Buenos Aires, 1950, 63.
1954 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Buenos Aires, Lib. Don Bosco,
1954, 70.
1955 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, Madrid, Editorial CCS, 1955, 52.
1955 BOSCO, Juan (san), Biografía de Miguel Magone, en Biografía y escritos de San
Juan Bosco, edición de Rodolfo Fierro S.D.B., Madrid, BAC, 1955, 863-899.
1956 BOSCO, Juan (san), Miguel Magone, Santa Cruz de Tenerife, Escuelas Profesio-
nales Salesianas, 1956, 82.
1960 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone (preparada por Rodolfo Fierro),
Madrid, Editorial CCS, 1960, 92.
1967 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone en Biografía y escritos de san
Juan Bosco, segunda edición revisada y preparada por el padre Rodolfo Fierro,
S.D.B., Madrid, BAC, 1967, 817-853.

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Dom Bosco: história e carisma 3

1979 BOSCO, Juan (san), Biografías de Miguel Magone, en Obras fundamentales,


Madrid, BAC, 1979, 223-266.
1980 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone, en Escritos espirituales de San Juan
Bosco, Guatemala, Publ. del Teologado Salesiano, 1980, 114-125.
1995 BOSCO, Juan (san), Vida de Miguel Magone en San Juan Bosco. Obras funda-
mentales, Madrid, BAC, 1995 (1ª edición en 1979).
2008 VARIOS, Vida de Miguel Magone escrita por Don Bosco con guía didáctica,
Rosario, Ediciones Didascalia, 2008, 148.
s.d. BOSCO, Juan (san), Miguel Magone, discípulo de san Juan Bosco, Madrid, SEI,
24 (ed. R.E.M.).

Francisco Besucco
1959 BOSCO, Juan (san), El pastorcillo de los Alpes de Argentera: Francisco Besucco,
Montevideo, Editorial Don Bosco, 1959, 138.
1979 BOSCO, Juan (san), Biografías de Francisco Besucco, en Obras fundamentales:
Madrid, BAC, 1979, 267-340.
1980 BOSCO, Juan (san), El pastorcillo de los Alpes o Vida del joven Francisco Besucco
de Argentera, en Escritos espirituales de san Juan Bosco, Guatemala, Publ. del
Teologado Salesiano, 1980, 126-135.

Luís Comollo e Luís A. Fleury Colle


1890 BOSCO, Juan (san), Rasgos biográficos del joven seminarista Luis Comollo, Bue-
nos Aires, 1890, traducido por P. Mario Migone.
1940 BOSCO, Juan (san), Luis Comollo, rasgos biográficos del joven seminarista, Bue-
nos Aires, Librería del Colegio Pío IX, 1940.
1954 BOSCO, Juan (san), Biografía del joven Luis Antonio Fleury Colle, Montevideo,
Edit. Don Bosco, 1954, 105.
1979 BOSCO, Juan (san), Biografía de Luis Comollo en Obras fundamentales, Madrid,
BAC, 1979, 15-111.

Biografias noveladas
1887 BOSCO, Juan (san), Valentín o la vocación contrariada, 1887.
1912 BOSCO, Juan (san), Valentín o la vocación contrariada. Tres lirios del Oratorio
Salesiano, Barcelona, Escuel. Tipogr. Salesianas, 1912.
1951 BOSCO, Juan (san), Pedro o la fuerza de buena educación, Barcelona, Librería
Salesiana, 1951, 96.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

O jovem cristão
1879 BOSCO, Juan (san), El joven cristiano, instruido en la práctica de sus deberes y
en los ejercicios de la piedad cristiana, seguido del Oficio de la SS. Virgen, del
Oficio de Difuntos y de las Vísperas de todo el año, Turín, Imprenta y Librería
Salesiana, 1879, 480.
1886 BOSCO, Juan (san), El joven instruido en la práctica de sus deberes, San Benigno
Carnavese, Imprenta Salesiana, 1886.
1888 BOSCO, Juan (san), El joven instruido en la práctica de sus deberes, Barcelona-
-Sarriá, Tipografía Salesiana, 1888.
1925 BOSCO, Juan (san), El joven instruido en la práctica de sus deberes y en los ejer-
cicios de piedad cristiana, Barcelona, Librería Salesiana, 1925, 572.
1940 BOSCO, Juan (san), El joven cristiano instruido en sus deberes y en los ejercicios
de piedad cristiana, Barcelona, Librería Salesiana, 1940, 512.
1943 BOSCO, Juan (san), La joven cristiana instruida en sus deberes y en los ejercicios
de piedad cristiana, Barcelona, Esc. Graf. Salesianas, 1943, 512.
1947 BOSCO, Juan (san), El joven cristiano instruido en sus deberes y en los ejercicios
de piedad cristiana, Barcelona, Librería Salesiana, 1947, 512.
1979 BOSCO, Juan (san), El joven cristiano, en San Juan Bosco. Obras fundamentales,
Madrid, BAC, 1979, 508-544.
1980 BOSCO, Juan (san), El joven instruido, en Escritos espirituales de san Juan Bosco,
Guatemala, Teolo. Salesiano, 1980, 79-86 (extracto).
1995 BOSCO, Juan (san), El joven cristiano, en San Juan Bosco. Obras fundamentales,
Madrid, BAC, 1995 (1ª edición 1979).

Os sonhos de Dom Bosco


1924 BOSCO, Juan (san), Dos sueños del venerable J. Bosco sobre el sistema educativo,
Barcelona, 1924, 22.
1931 BOSCO, Juan (san), La Sociedad Salesiana. Sueño tenido por el beato Juan Bosco,
Barcelona-Sarriá, Escuela Tipográfica Salesiana, 1931, 20.
1948 BOSCO, Juan (san), Sueños de Don Bosco, Montevideo, Manga, 1948, 278.
1954 BOSCO, Juan (san), Los sueños marianos de san Juan Bosco, Sevilla, Estudianta-
do Filosófico Salesiano, 1954, 146.
1957 BOSCO, Juan (san), Sueños y distracciones de Don Bosco, La Ceja, Multiplica-
dora María Auxiliadora, 1957, 660. Ed. Peraza Leal Fernando.
1958 BOSCO, Juan (san), Los sueños de Don Bosco, Madrid, SEI, 1958, 636 (ed.
Villanueva F.- Fierro Rodolfo).
1989 BOSCO, Juan (san), Los sueños de Don Bosco, Madrid, Editorial CCS, 1989,
520 (ed. Jiménez Fausto).

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Dom Bosco: história e carisma 3

1989 BOSCO, Juan (san), Sueño de la familiaridad, Barcelona, Inspectoría Tarraconense, 22.
1989 BOSCO, Juan (san), Sueños de Don Bosco 1, 2, 3, 4, 5, 6, Lima, 68, 64, 52, 76, 68, 40.

2. Estudos sobre Dom Bosco


2.1 Livros
1. ACUÑA, Luis M., San Juan Bosco y sus obras, Valparaíso, Escuela Tipográfica Sale-
siana, 1934, 29, 18.
2. ADMA, Reglamento de la Asociación de María Auxiliadora, Buenos Aires, ISAG,
1997, 31.
3. AGASSO, Domenico, Don Bosco: un sueño hecho realidad, Buenos Aires, Ediciones
Paulinas, 1989, 189.
4. AGUILERA, Abrahán, Ensayos sobre el espíritu de Don Bosco, Punta Arenas, Escue-
la Tipográfica Salesiana, 1918, 91.
5. AGUILERA, A. y ARELLANO, A., Recuerdo de las fiestas centenarias del nacimien-
to del Venerable Don Bosco. Discurso de Abrahán Aguilera y poesías de Abel
Arellano, Santiago de Chile, La Gratitud Nacional, 1915, 43, 15,5 x 23,5.
6. AIMAR, Augusto, Un proyecto de vida con la juventud popular. El sueño hecho
realidad, Bogotá, Editorial Centro Don Bosco, 1975.
7. AIME, Antonio, Don Bosco y la cuestión obrera, Bogotá, Escuela Tipográfica
Salesiana, 1908, 86.
8. ALBERA, Pablo, Don Bosco. Modelo de sacerdote. Carta del Rvdmo. D. P. Albera,
Milán, STS, 1926, 88.
9. ALBERDI, Ramón, Don Bosco en Barcelona. Guía en el Centenario de su visita
1886-1986, Barcelona, EDB, 1986, 15 + 40 fotos.
10. ALBURQUERQUE, Eugenio, Espiritualidad de Don Bosco hoy, Salamanca, Con-
fer, 1988, 43.
11. ALBURQUERQUE, Eugenio, Don Bosco y San Francisco de Sales, Madrid, Edi-
torial CCS, 2007, 72.
12. ALBURQUERQUE, Eugenio, Volver a Don Bosco, volver a los jóvenes, Madrid,
CCS, 2010, 184.
13. ALCÁNTARA, Felipe, El beato Juan Bosco. Apuntes a vuela pluma, Barcelona-
-Sarriá, Librería Salesiana, 1929, 95.
14. ALCÁNTARA, Felipe, San Juan Bosco, apuntes a vuela pluma, Madrid, SEI, 1955, 92.
15. ALFARO, Rafael, Don Bosco. Cien años en España, Madrid, Editorial CCS, 1980, 176.
16. ALFARO, Rafael, Don Bosco. Cartas a los niños de todas las edades, Madrid, Edi-
torial CCS, 1985, 162.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

17. ALFARO, Rafael, Don Bosco un Santo para los jóvenes, Madrid, PPC, 1988, 36.
18. ALFARO, Rafael, Con Don Bosco de la mano, Madrid, Editorial CCS, 1991, 152.
19. ALIMONDA, Gaetano, Don Bosco y su siglo. Discurso fúnebre, Barcelona, Tip.
Talleres Salesianos, 1988, 58.
20. ALIMONDA, Gaetano, Don Bosco y su siglo. Discurso fúnebre, Buenos Aires,
Tipografía del Colegio Pío IX, 1888, 46.
21. ÁLVAREZ MEDRANO, Jorge, Constructivismo y sistema preventivo. Una relectura
cualitativa de la obra maestra de Don Bosco, Madrid, Editorial CCS, 2010, 136.
22. AMIGO VALLEJO Carlos, Don Bosco, cien años de pastoral juvenil educativa,
Sevilla, B. Arzobispado, Febrero, 1988, 10.
23. ANDRADE PERDOMO, Roberto, Andanza de un soñador, Bogotá, Escuela de
Artes Gráficas, 71.
24. ANÓNIMO (COLOMBIA), Don Bosco. Amenos y preciosos documentos sobre su
santa vida y admirables obras compilados por un cooperador salesiano, Bogotá,
Tipografía de los Talleres Salesianos, 1892, 500.
25. ANÓNIMO, ¿Quién es Don Bosco?, Buenos Aires, Editorial del Colegio Pío IX,
1934, 30.
26. ANÓNIMO, Don Bosco y la Eucaristía, Barcelona, Tipografía Salesiana, 1986, 32.
27. ANÓNIMO, Don Bosco y su obra, Tegucigalpa (Honduras), Imprenta Alemana,
1915, 16.
28. ANÓNIMO, Don Bosco, Amigo de los jóvenes (nº 2), Buenos Aires, Colegio Pío
IX, 17, 31x 23.
29. ANÓNIMO, Don Bosco, el Apóstol de la buena prensa (nº 3), Buenos Aires, Co-
legio Pío IX, 17, 31x 23.
30. ANÓNIMO, Don Bosco, pequeño saltimbanqui (nº 1), Buenos Aires, Colegio Pío
IX, 17, 31x 23.
31. ANÓNIMO, Don Bosco, sueña el infierno... los 3 lazos (nº 5) Buenos Aires, Cole-
gio Pío IX, 17, 31x 23.
32. ANÓNIMO, El Padre de la Juventud, Buenos Aires, Ediciones Don Bosco, 1980, 29.
33. ANÓNIMO, El Pontífice y Don Bosco: publicación hecha el día del Pontífice en
1927, Buenos Aires, Tipografía del Colegio Pío IX, 1927, 104.
34. ANÓNIMO, Inauguración del monumento a Don Bosco y Ceferino Namuncurá,
Buenos Aires, ISAG, 1970, 8, 17 x 23.
35. ANÓNIMO, Juan Bosco amigo de los muchachos, 1978, 64.
36. ANÓNIMO, La Familia Salesiana de Don Bosco, 16, 11 x 15.

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Dom Bosco: história e carisma 3

37. ANÓNIMO, María Auxiliadora o la Virgen de Don Bosco, Buenos Aires, Esc. Ti-
pográfica de los Huerfanitos de Don Bosco, 40.
38. ANÓNIMO, Novena en honor de san Juan Bosco, 16.
39. ANÓNIMO, Novena en honor de san Juan Bosco, Sevilla, Escuelas Salesianas, 1934.
40. ANÓNIMO, Novena en honor de San Juan Bosco, Sevilla, ES, 1951, 74.
41. ANÓNIMO, San Juan Bosco, Chile, La Gratitud Nacional, s.a. [1934?], 20.
42. ANÓNIMO, San Juan Bosco. Brevísimo compendio de su vida y obras, Madrid, SEI, 24.
43. ANÓNIMO, San Juan Bosco. Brevísimo compendio sobre su vida y sus obras, Va-
lencia, Imprenta Nácher, 32.
44. ANÓNIMO, San Juan Bosco. Episodios de su vida, Turín, Ed. Berrutti, 1934, 32.
45. ANÓNIMO, Triduo en honor de san Juan Bosco, Tenerife, ES, 1930, 8.
46. ARAMAYO ZALLÉS, Alberto, Centenario del gran sueño de Don Bosco sobre las mi-
siones salesianas en Sudamérica, La Paz, Editorial Colegio Don Bosco, 1983, 80.
47. ARELLANO, Abel, Don Bosco y su obra. Poesías, Santiago de Chile, Impr. Chile,
1915, 20.
48. ARGENTINA. SDB, Cincuentenario de la obra de Don Bosco. Exposición salesiana
didáctico-profesional, Buenos Aires, Tipografía del Colegio Pío IX, 1924, 102.
49. ASOCIACIÓN CATÓLICOS BARCELONA (ANÓNIMO), Acta de la sesión
solemne celebrada el 15 de abril de 1886 por la Asociación de Católicos de
Barcelona, para poner la insignia de la Corporación al ilustre y venerado presbí-
tero Sr. Don Juan Bosco, Fundador de los Talleres Salesianos, Barcelona, Impr.
Católica, 1886, 24.
50. ASOCIACIÓN CATÓLICOS BARCELONA (ANÓNIMO), Recuerdo de la Sesi-
ón Necrológica celebrada por la Asociación Católicos de Barcelona, en memoria
del esclarecido miembro de honor y mérito Rvd. P. Don Juan Bosco, Barcelona,
Librería Salesiana Sarriá, 1988.
51. AUBRY Joseph, Don Bosco, el santo de los jóvenes, Córdoba, A. G. Rodríguez,
1977, 16.
52. AUBRY, Joseph, Don Bosco, padre. A los padres, primeros educadores de los hijos,
Córdoba, A. G. Rodríguez, 1977, 18.
53. AUBRY, Joseph, Don Bosco, padre de los jóvenes y siervo de Dios, Turín, 1978.
54. AUBRY, Joseph, Don Bosco servidor. El educador S. J. B. a los religiosos sacerdotes,
Córdoba, A. G. Rodríguez, 1978.
55. AUBRY, Joseph, Don Bosco, un sacerdote que se hizo santo con y para los jóvenes,
Barcelona, Martí Codolar, 1980.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

56. AUFFRAY, Agustín, Un gran educador. San Juan Bosco, Buenos Aires, Edit. Santa
Catalina, 1939, 609.
57. AUFFRAY, Agustín, Un método de educación moral, doctrinas del beato Juan Bos-
co, fundador de los salesianos y de las HMA, Montevideo, Talleres D. Bosco,
1939, 130.
58. AUFFRAY, Agustín, La pedagogía de un santo, Buenos Aires, Editorial Santa Cata-
lina, 1941, 144.
59. AUFFRAY, Agustín, Un grande santo, san Juan Bosco, Buenos Aires, 1949.
60. AUFFRAY, Agustín, Aferrados a un guía seguro, Buenos Aires, Don Bosco, 1954, 118.
61. BARCELONA. SALESIANOS, Homenaje al venerable Juan Bosco, Barcelona-Sarriá,
Escuela Tipográfica Salesiana, 1907.
62. BARCELONA. SALESIANOS, Los sueños del venerable J. Bosco sobre su sistema
educativo, Barcelona, Librería Salesiana, 1924, 22.
63. BARGELLINI, Piero, El santo del trabajo. San Juan Bosco, Madrid, Editorial CCS,
1961, 80.
64. BAS, Arturo, Don Bosco y su obra (Discurso al IX Congreso Internacional de Coo-
peradores), Buenos Aires, Talleres Gráficos, 1929, 12.
65. BASTIDAS, Rafael y PASCUAL, Eduardo, El sistema preventivo de Don Bosco,
Quito, Imprenta Don Bosco, 2003, 399.
66. BELARMINO SÁNCHEZ, A., A Don Bosco santo. Cantata juvenil, Santiago de
Chile, Producciones Musicales Salesianas, 1981.
67. BENITO-PLAZA, Constantino, Don Bosco, un amigo del alma, Madrid, Edic.
Paulinas, 1983, 184.
68. BEOBIDE, Ricardo, Vida breve del venerable Juan Bosco, Barcelona, Librería
Salesiana, 80.
69. BEOBIDE, Ricardo, Vida popular de san Juan Bosco, Barcelona, Librería Salesiana,
1934, 166.
70. BERNAL, José Francisco (ed.), Don Bosco 88. Texto de Henry Bosco. Ilustraciones
de Leonard Van Matt y aportes de la Familia Salesiana de Colombia, Bogotá,
Editorial Centro Don Bosco, 1988, 294.
71. BERNAL. SALESIANOS, Sueños y visiones del venerable Don Bosco, Bernal,
1928, 221.
72. BERTETTO, Domenico, San Juan Bosco. Meditaciones, Buenos Aires, Editorial
Don Bosco, 1957, 208.
73. BIANCO, Enzo, Don Bosco, un amigo (resumido), Caracas, Salesianos, 1971, 127.
74. BIANCO, Enzo, Don Bosco, un amigo, Buenos Aires, Ediciones Don Bosco, 1986.

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Dom Bosco: história e carisma 3

75. BIANCO, Enzo y DE AMBROGIO, C., Don Bosco, un amigo, Madrid, Centro
Nacional de Pastoral Juvenil, 1966, 219.
76. BOGGIO-GARUTI, Un amigo de los jóvenes, Madrid, Edic. Paulinas, 1974, 94.
77. BOLETÍN SALESIANO, A cien años de un sueño hecho realidad, Buenos Aires,
Boletín Salesiano, 1976, 48, 15 x 21.
78. BOLETÍN SALESIANO, Don Bosco y su obra, Turín, Tipografía Salesiana, 1902, 60.
79. BOLETÍN SALESIANO, Obra de Don Bosco en Argentina, 130 años sembrando
oportunidades, Buenos Aires, Boletín Salesiano, 2003, 29, 19 x 27.
80. BONAMÍN, Victorio Manuel, El diablo en la vida de Don Bosco, Buenos Aires,
Editorial Iction, 1980, 142.
81. BONETTI, Juan, Cinco lustros de historia del Oratorio Salesiano, Buenos Aires, 1897.
82. BONGIOANNI, Marco, Don Bosco en el mundo 1 y 2, Roma, SDB, 1988, 349 y 497.
83. BONGIOANNI, Marco, Don Bosco y el teatro, Madrid, Editorial CCS, 1991, 142.
84. BONILLA, Luis, Bienhechor de ricos y pobres, Bogotá, Tipografía Salesiana, 1944, 144.
85. BONILLA, Luis, Don Bosco, maestro de pureza, Bogotá, Escuela Tipográfica
Salesiana, 1947, 186, 17 x 12.
86. BONILLA, Luis, Él con nosotros, Mosquera, Talleres Salesianos, 1970, 123.
87. BORELLI, Pietro y CALVETTI E., 30 días con don Bosco, Madrid, Editorial CCS,
2008, 104.
88. BORREGO, Jesús, Recuerdos de Don Bosco a los primeros misioneros, Roma,
LAS, 1984.
89. BOSCO, Henri, San Juan Bosco, Barcelona-Sarriá, Librería Salesiana, 1961, 256.
90. BOSCO, Henri, Don Bosco, Madrid, Editorial CCS, 1965, 247.
91. BOSCO, Teresio, Don Bosco, Madrid, Editorial CCS, 1979, 56.
92. BOSCO, Teresio, Don Bosco, una biografía nueva, Madrid, Editorial CCS, 1979, 460.
93. BOSCO, Teresio, Ejercicios espirituales con Don Bosco, Madrid, Editorial CCS,
1983, 166.
94. BOSCO, Teresio, El niño del sueño (cómic), Madrid, Editorial CCS, 1983, 48.
95. BOSCO, Teresio, Don Bosco, una biografía nueva (edición para jóvenes), Madrid,
Editorial CCS, 1984, 454.
96. BOSCO, Teresio, Don Bosco, un sacerdote para todos los muchachos del mundo,
Buenos Aires, Ediciones Don Bosco, 1985, 79.
97. BOSCO, Teresio, Una biografía nueva, edición para la juventud, Buenos Aires,
1986, 231.
98. BOSCO, Teresio, Don Bosco, un sacerdote para todos los muchachos y las jóvenes
del mundo, Buenos Aires, Ed. Don Bosco, 1987.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

99. BOSCO, Teresio, El Oratorio de Don Bosco. El modelo de nuestro Oratorio Salesiano,
Madrid, DNPJ, 1988, 32.
100. BOSCO, Teresio, El Oratorio de Don Bosco: experiencia genial con los jóvenes,
México, EDB, 1988, 16.
101. BOSCO, Teresio, Don Bosco. Historia de un cura, Madrid, Editorial CCS, 1997, 407.
102. BOSCO, Teresio, Los pensamientos más hermosos de Don Bosco, Madrid, Edito-
rial CCS, 1999, 36.
103. BOSCO, Teresio, Don Bosco, amigo de los jóvenes, vida y pensamientos, Buenos
Aires, EDB, 2000, 62.
104. BOSCO, Teresio, Don Bosco, el santo de los jóvenes, Madrid, Editorial CCS,
2000, 276.
105. BOSCO, Teresio, El Oratorio de Don Bosco, Madrid, Editorial CCS, 2005, 76.
106. BOSCO, Teresio, Don Bosco. Una biografía nueva, Rosario, Ediciones Didascalia,
2006, 320.
107. BOSCO, Teresio, Novena a San Juan Bosco, Madrid, Editorial CCS, 2006.
108. BOSCO, Teresio, Un mes con Don Bosco, Madrid, Editorial CCS, 2006.
109. BOTTARO, José Mª Mons., Carta pastoral en ocasión de los festejos conmemo-
rativos de la beatificación de Don Bosco, Buenos Aires, Archidiócesis, 1929, 8.
110. BRAIDO, Pietro, El sistema educativo de Don Bosco, Madrid, Editorial CCS,
1984, 412.
111. BRAIDO, Pietro, Don Bosco al alcance de la mano, Madrid, Editoril CCS, 1985, 131.
112. BRAIDO, Pietro, La experiencia pedagógica de Don Bosco, Roma, LAS, 1989, 189.
113. BRAIDO, Pietro, Juan Bosco, el arte de educar. Escritos y testimonios, Madrid,
Editorial CCS, 1994, 244.
114. BRAIDO, Pietro, Prevenir no reprimir. El sistema educativo de Don Bosco, Ma-
drid, Editorial CCS, 2001, 468.
115. BRAIDO, Pietro, Don Bosco, sacerdote de los jóvenes en el siglo de las libertades,
Rosario, Editorial Didascalia, 2010, 2 vols. 676 y 802.
116. BRAMBILLA, Dante, Don Bosco y su presencia en el mundo, Buenos Aires, Edic.
Don Bosco, 1978.
117. BRAND, Susanne y NOMMENSEN, Klaus, Don Bosco y los gorriones, Madrid,
Editorial CCS, 2010, 28.
118. BRECKX, L., Las ideas pedagógicas de Don Bosco, Buenos Aires, Colegio Pío IX,
1924, 95, 28.
119. BROCARDO, Pietro, Don Bosco, te recordamos, Madrid, Editorial CCS, 1983, 100.
120. BROCARDO, Pietro, Don Bosco: profundamente hombre, profundamente san-
to, Madrid, Editorial CCS, 2001, 282.

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Dom Bosco: história e carisma 3

121. BUA OTERO, Ramón Mons., San Juan Bosco, un santo de ayer para siempre,
Madrid, Inspectoría Salesiana, 1988, 43.
122. BUSTILLO, Basilio, Un poema de amor: Don Bosco, Madrid, Editorial CCS,
1972, 40.
123. BUSTILLO, Basilio, Historia de San Juan Bosco contada a los muchachos, Ma-
drid, Editorial CCS, 1990, 306.
124. CABARGA, Gerardo, Centenario de Don Bosco, Santander, Colegio María Au-
xiliadora, 1988.
125. CABRERA, Julio, Para conocer a Don Bosco, Edic. Don Bosco, 1982.
126. CABRERA, J. C. y ROMANIN, J. C., Para conocer a Don Bosco, Buenos Aires,
Ediciones Don Bosco, 1990, 64.
127. CALEJERO, Blas, Novena a san Juan Bosco, Madrid, Escuela Gráfica Salesiana, 2001.
128. CALONGHI, Luis, El Sistema Preventivo de Don Bosco en la escuela. Proyecto
educativo cristiano, Buenos Aires, Ediciones Don Bosco, 1974.
129. CALVI, J. B., La vida del beato Don Bosco, Rosario, Librería Internacional S.A., 1926.
130. CALVI, J. B., San Juan Bosco, Madrid, SEI, 1934, 70.
131. CANALS, Joan, La amistad en las diversas ediciones de la vida de Comollo escri-
ta por san Juan Bosco. Estudio diacrónico y edición crítica del manuscrito de
1839, Roma, UPS, 1986, 72.
132. CANALS, Joan y MARTÍNEZ AZCONA, Antonio (ED.), San Juan Bosco: obras
fundamentales, Madrid, B.A.C., 1995, XXXII +831.
133. CAPETTI G., Cronohistoria I (1828-1872); II (1872-1879); III (1879-1881); IV
(1881-1884); V (1885-1888), DB, 1980, 310; 380; 396; 326; 214, 22 x 15.
134. CARDENAL FERNÁNDEZ, Teodoro, San Juan Bosco, testigo y maestro de la
piedad y de la salvación, Madrid, Inspectoría Salesiana, 1989, 44.
135. CARUZZO, Tomás, Diez años de vida oratoriana, los primeros diez años de la
capilla y el oratorio Don Bosco, Córdoba (Ar), 1984, 136.
136. CASA DE LA JUVENTUD, Don Bosco, guía de estudio, Quito, Casa de la Ju-
ventud, 2004.
137. CASAS JOSÉ, A., Oración fúnebre del P. Juan Bosco, Buenos Aires, Tipografía del
Colegio Pío IX, 1888, 26.
138. CASSANO, Juan, La juventud de un grande (Don Bosco), Buenos Aires, Escuela
Tipográfica Pío IX, c. 1950, 247.
139. CASSANO, Juan, Juanito. Infancia y adolescencia del «Padre de los niños», Pam-
plona, Librería San Juan Bosco, 1959, 228.
140. CATALÁ ALBOSA, Jaime Mons., Juan Bosco (discurso fúnebre), Barcelona, 1888.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

141. CENTO, Fernando, A la gloria de Don Bosco santo, Quito, Litografía e Imprenta
Romero, 1938, 12.
142. CENTO, Fernando, A la gloria de dos grandes apóstoles de la niñez, Quito, Ora-
torio Salesiano, 1938, 20.
143. CENTRO SALESIANO REGIONAL, Democracia y Solidaridad desde la Iglesia y
según Don Bosco, La Ceja (Ant), Publicaciones San Antonio, 1988, 80, 20 x 16.
144. CERIA, Eugenio, Don Bosco Sacerdote, Sevilla, Escuelas Profesionales de Artes y
Oficios, 1930, 30. Otras ediciones en Chile y Uruguay.
145. CERIA, Eugenio, Don Bosco con Dios, Madrid, Editorial CCS, 1984, 268. Otras
ediciones: Barcelona, Librería Salesiana, 1931, 221; México, Ediciones Don
Bosco, 1987, 268.
146. CERRATO, Natale, Os presento a Don Bosco, Madrid, Editorial CCS, 2006, 21 x 15.
147. CERRUTI, Francesco, Las ideas de Don Bosco sobre la Educación y la Enseñanza,
Montevideo, 1948, 58.
148. CIAN, Luciano, El sistema educativo de Don Bosco y las líneas maestras de su
estilo, Madrid, Editorial CCS, 1987, 282.
149. CICUÉNDEZ, Juan Manuel, Don Bosco nuestro amigo, Madrid, Editorial CCS,
2001, 32.
150. COEUR, Jacques, San Juan Bosco (cómic), Buenos Aires, Santa Catalina, 1949, 66.
151. COJAZZI, Antonio, Don Bosco decía así. A los padres y educadores. Breves palabras
acerca de la educación, Buenos Aires, Librería Editorial Santa Catalina, 1942, 76.
152. COLLI, Carlos, Don Bosco y la Madre Mazzarello, su aportación al carisma de
fundación, Barcelona, Ediciones Don Bosco, 1980, 126.
153. COOPERADORES SALESIANOS, Don Bosco y su obra en el primer centenario
de su nacimiento, La Paz, Escuela Tipográfica Salesiana, 1915, 41.
154. COOPERADORES SALESIANOS, Aproximación a la figura de Don Bosco, Ma-
drid, Asociación de Cooperadores Salesianos, 1993, 88.
155. COOPERADORES SALESIANOS, Don Bosco. Carpeta nº 0, Madrid, 1993.
156. CORBELLA MARGALEF, Juan, San Juan Bosco misionero, Madrid, Editorial
CCS, 1976, 103.
157. CORTÉS CONDE, Ramón, Senderos de gloria: estampas radiales sobre la vida
de Don Bosco Santo, Buenos Aires, Tipografía del Colegio Pío IX, 1946, 96.
158. CRESPO TORAL, Remigio, El Santo y Maestro del siglo, Cuenca (Ecuador),
Tipografía Salesiana, 1935, 22.
159. CHAVES, Gabino, Breves noticias sobre san Juan Bosco, Valencia, J. Nacher,
[1934?], 38.

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Dom Bosco: história e carisma 3

160. CHÁVEZ, Pascual, Queridos salesianos, ¡sed santos!, Roma, Dirección General
O.D.B., 2002, Actas del Consejo General, 379.
161. CHÁVEZ, Pascual, Y vosotros ¿quién decís que soy yo? Contemplar a Cristo con
la mirada de Don Bosco, Roma, Dirección General O.D.B., 2003, Actas del
Consejo General. 384.
162. CHÁVEZ, Pascual, Con el coraje de Don Bosco en las nuevas fronteras de la co-
municación social, Roma, Dirección General O.D.B, 2005, Actas del Consejo
General, 390.
163. CHÁVEZ, Pascual, Da mihi animas, cetera tolle. Identidad carismática y pasión
apostólica. Volver a partir de Don Bosco para despertar el corazón de todo sale-
siano, Roma, Dirección General O.D.B., 2006, Actas del Consejo General, 394.
164. CHÁVEZ, Pascual, Eduquemos con el corazón de Don Bosco, Roma, Dirección
General O.D.B., 2008, Actas del Consejo Superior, 400.
165. CHÁVEZ, Pascual, Misión Salesiana y Derechos humanos. Conferencia conclu-
siva del Congreso Sistema Preventivo y Derechos Humanos, Roma, Direzione
O.G. D. B., 2009, 77-85.
166. CHERUBIN, Francesco, Elogio fúnebre del sacerdote Don Giovanni Bosco, Tu-
rín, 1888.
167. CHIACCHIO, Jerónimo Bruno, Odas a Don Bosco y a Cristóbal Colón, Monte-
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168. CHIACCHIO, Jerónimo Bruno, El sueño de Juanito, Montevideo, DB, 30.
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457. VENEZUELA. SDB, Recuerdo de las fiestas celebradas en Venezuela con motivo
de la canonización de Don Bosco, Caracas, Editorial Venezuela, 1934, 40.
458. VENTURA, Roberto, Yo te daré la maestra, Buenos Aires, I. Salesiano de Artes
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459. VESPIGNANI, José, El coadjutor salesiano, según el pensamiento del beato Don
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460. VESPIGNANI, José, Un año a la escuela de Don Bosco (1876-1877), Buenos
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463. VIDELA TORRES, Alfonso, ¿Quién es Don Bosco?, Santiago de Chile, Editorial
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464. VIDELA TORRES, Alfonso, Vida de san Juan Bosco, Santiago de Chile, Editorial
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466. VIGANÓ, Egidio, La misión como testimonio y martirio, según san Juan Bosco,
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468. VIGANÓ, Egidio, María Auxiliadora. Don Bosco, un modelo de devoción, Cór-
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479. WAST, Hugo, La aventuras se Don Bosco, Buenos Aires, Thau, 1951, 275.
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482. WAST, Hugo, Don Bosco y su tiempo, Madrid, Palabra, 1987, 462.
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Chile, La Gratitud Nacional, 1919, 640. Otras ediciones: Santiago de Chile,
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2. ALBERDI, Ramón, «Don Bosco en Barcelona», en Boletín Salesiano, Madrid, 1986,
abril, 4-7; mayo, 4-9.
3. ALBERDI, Ramón, «María Auxiliadora en la visita de don Bosco a Barcelona», Barce-
lona, en III Congreso Nacional de María Auxiliadora, Barcelona, 1986, 99-124.
4. ALBERDI, Ramón, «Resonancia de la muerte de Don Bosco en Barcelona», Roma,
LAS, 1988, en Salesianum, L (1988), 1, 191-214.
5. ALBERDI, Ramón, «San Juan Bosco y las clases populare», en Misión Joven, 132-
133, 1988, 5-18.
6. ALBERDI, Ramón, «Don Bosco y las asociaciones católicas en España», en Don
Bosco en la historia. Actas del Primer Congreso Internacional de Estudios sobre
san Juan Bosco, edición castellana dirigida por José Manuel Prellezo, Roma/
Madrid, LAS/CCS, 1990, 179-206.
7. AUBRY, Joseph, «Don Bosco: el santo de los jóvenes», en Vida religiosa, Madrid, vol.
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9. BELLERATE, Bruno, «Don Bosco y la escuela humanista», en Don Bosco en la his-
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10. BOLETÍN SALESIANO, «A la gloria de san Juan Bosco», Turín, SEI, en Boletín
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Dom Bosco: história e carisma 3

11. BORREGO. Jesús, «Primer proyecto patagónico de Don Bosco», en Ricerche Sto-
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12. BORREGO, Jesús, «Estrategia misionera de Don Bosco», en Don Bosco nella Chie-
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13. BORREGO, Jesús, «Originalidad de las misiones patagónicas en D. Bosco», en Don
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140 pp. 485-488; 141 pp. 501-505.
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Don Bosco, una figura ejemplar de escritor para el pueblo», en Garoza, (SELI-
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34. GONZÁLEZ, Jesús Graciliano, «Acta de fundación de la sociedad de S. Francisco
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cisco de Sales. Los inicios de una gran historia», en Cuadernos de Formación
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Formación Permanente, nº 9, Quito, 2001, 24-26.
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nº 2, Quito, 2002, 13-17; nº 13, 16-19.
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Formación Permanente, nº 18, Quito, 2003, 27-29.
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san Juan Bosco, edición castellana dirigida por José Manuel Prellezo, Roma/
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Juan Bosco, edición castellana dirigida por José Manuel Prellezo, Roma/Ma-
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64. PRELLEZO, José Manuel, «La(s) “carta(s) de Roma” (1884)», en Cuadernos de
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68. SARDÁ Y SALVANY, Félix, «Don Bosco y los Talleres Cristianos I, II, III, IV»,
Barcelona, en Revista Popular, 517, 1880, 297-301; 519, 1880, 239-333; 521,
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Primer Congreso Internacional de Estudios sobre san Juan Bosco, edición castella-
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Juan Bosco, edición castellana dirigida por José Manuel Prellezo, Roma/Ma-
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José Manuel Prellezo, Roma/Madrid, LAS/CCS, 1990, 21-36.
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Roma/Madrid, LAS/CCS, 1990, 413-428.

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Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)

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dirigida por José Manuel Prellezo, Roma/Madrid, LAS/CCS, 1990, 135-143.
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Índice onomástico

Abrate (pároco e teólogo). II. 348. 189, 192, 193, 206, 305, 429, 538, 544,
Adão. II. 188. 550, 583, 598, 612, 613, 629, 635, 645,
648, 649, 651, 654, 657, 682, 685, 687,
Adriano, João. I. 317.
689, 690, 739, 751, 752, 767.
Adriano, Luís. I. 317.
Allamano, José. I. 312, 339, 350, 353,
Adriano, Pascoal. I. 317. 354, 365, 366, 623. II. 698.
Adriano, Silvestre. I. 317. Allavena, Tiago. III. 101, 102, 103.
Afonso XII. II. 300, 306, 287. Allemand Lavigerie, Carlos Marcial (car-
Agostini, Alberto de. III. 224. deal). III. 139.
Agostini, Antônio. II. 178. Allemand, J. I. 420.
Agostini, P. De (impressor). II. 62, 184, Allora, Alexandre. II. 166, 167.
192, 193, 196, 197, 198, 200, 794. Alsina (general). III. 184.
Aguirre, Anastásio. III. 124. Alvazzi Delfrate (doutor). III. 693.
Aimeri. I. 546. Amadei, Ângelo. I. 5, 21, 25, 28, 48, 49,
Alasia, José Antônio. I. 302, 345, 352, 52, 69, 70, 74, 75, 79, 80, 82, 88, 90,
353, 354. II. 421, 422. 92, 451, 609, 614, 615. II. 6, 85, 165,
286, 289, 294, 295, 297, 298, 367,
Alasonatti, Vitório. I. 22, 65, 450, 547. II.
372, 392, 668, 669, 670, 671, 674,
48, 76, 138, 141, 146, 211, 230, 233,
707, 711, 716, 717, 718, 734, 739,
240, 245, 246, 252, 258, 259, 260,
793, 794. III. 6, 145, 151, 518, 653,
261, 568, 584.
672, 676, 677, 703, 714, 743, 779.
Albera, Paulo. I. 49, 53, 58, 70, 71, 534. Amadeu de Saboia. II. 307, 627.
II. 5, 139, 144, 233, 260, 261, 348,
578, 585, 620, 707, 742, 779, 780, Amadeu VIII (duque de Saboia). I. 397.
782, 783, 820. III. 5, 44, 45, 63, Amil y Feijoo, Vicente. III. 125.
258, 379, 383, 419, 431, 453, 468, Anacleto (santo). II. 161, 162.
487, 538, 551, 663, 682, 721, 766. Anacleto, Pedro Siboni (bispo). II. 224,
Alberdi, Ramón. III. 61, 635, 766, 791. 369, 674, 675.
Albert, Frederico João Luís (beato). II. Andreola, F. II. 458.
436, 581. III. 286, 287, 374. Aneyros, Leão Frederico. III. 78, 81, 82,
Alberti, Pedro (jovem do Oratório). II. 566. 83, 84, 85, 89, 93, 100, 101, 104,
Alberto C. (jovem do Oratório). II. 139, 145. 155, 165, 178, 183, 185, 191, 193,
202, 203, 204, 311.
Alessio, Félix. II. 578.
Anfossi, João Batista. I. 22, 181. II. 133,
Alexandre III. II. 181, 201. 244, 259, 261, 362, 372, 566, 568. III.
Alimonda, Caetano (cardeal). I. 258, 340, 326, 362, 363, 364, 374, 687, 689,
350, 351, 401. II. 434, 449. III. 56, 737, 738.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Angelis, Felipe De (cardeal). I. 481. II. Audisio, Guilherme (cônego). I. 269. II. 203.
337, 339, 429. Audisio, Roberto (casa). I. 389, 393, 394,
Anglesio, Luís. III. 289. 609. II. 593.
Aniceto (santo). II. 161. Auffray, Agostinho. I. 42. II. 212.
Anjos, A. III. 67. Avellaneda, Nicolau. III. 96, 120.
Antonelli, João (cardeal). II. 337, 402, 432. Averardi, Lorenzo (cardeal?). II. 216.
Antonelli, Tiago (cardeal). II. 52, 176, Aymer de la Chevalerie, Henriqueta. III. 138.
197, 280, 391, 646, 650, 652, 653,
654, 655, 658, 659, 660, 661, 662, Baccino, João Batista. II. 374. III. 77,
663, 672, 673, 675, 678, 679, 681, 101, 104, 106, 110, 111.
682, 683, 684, 685, 686, 687, 688, Bachelard, Gastão. I. 75.
689, 690, 691, 692, 694, 817. III. 32,
Baggio, S. (cardeal). III. 163.
101, 258.
Baius, Miguel. I. 319.
Antonucci, Antônio (cardeal). II. 340.
Bakunin, Miguel. III. 14, 80.
Aporti, Ferrante. II. 148, 553.
Balbo, César (conde). I. 455, 485, 486,
Appendino, F. N. (editor). I. 443, 444. 487, 488, 627. II. 670.
Arborio Mella (conde). III. 50. Ballerini, Antônio. III. 363, 375, 738.
Arduíno, Inocêncio. I. 287, 291. Ballesio (senhor). I. 420.
Arenal Llata, Rogelio. I. 50, 59, 85, 611. Ballesio, Jacinto. II. 84, 85.
Arms, Guilherme. III. 154. Balma, João Antônio (arcebispo). II. 663,
Arnaldi, João Batista (arcebispo). II. 613, 675, 691.
614, 615, 616, 617, 618. Balmaceda. III. 122.
Arnaud (listado doméstico). I. 319, 322. Balmes, Jaime Luciano. I. 270, 271.
Arnauld, Antônio. I. 320, 322, 323. Banaudi, Pedro. I. 119, 228, 231, 256, 313.
Arnauld, Madre Angélique. I. 320. Barale, Pedro (coadjutor). II. 769. III. 265.
Arpino, Maurício. II. 595. Baravalle, João. II. 576.
Arquimedes de Siracusa. II. 155. Barbaglio, Lina. III. 14.
Artiglia, Santiago. II. 48, 106, 238, 245. Barbera, G. III. 233.
Asquinio, D. Iacobini. III. 255. Barberis, Júlio. I. 19, 24, 25, 26, 27, 32,
33, 34, 45, 49, 72, 74, 86, 87, 103,
Astengo, André. II. 341, 353. 104, 107, 108, 111, 112, 242, 248,
Átila. II. 155. 251, 359, 425, 426, 427, 429, 430,
Aubert, Roger. I. 334. II. 647. III. 125. 431, 432, 433, 459, 460, 461, 464,
469, 613, 614, 620, 625. II. 57, 114,
Aubineau, León. I. 36, 37.
191, 241, 242, 243, 244, 250, 306,
Aubry, Joseph. I. 18. II. 212, 539, 779, 796. 307, 308, 488, 515, 517, 531, 534,
III. 194, 243, 757, 760, 768, 791. 535, 611, 621, 623, 638, 643, 759,
Audisio, Cipriano (coadjutor). II. 790. 771, 773, 807. III. 13, 49, 50, 55,

800

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Índice onomástico

93, 97, 144, 145, 146, 150, 151, 155, Belásio, Antônio (monsenhor). I. 36.
156, 159, 160, 161, 174, 175, 180, Bellamy, Carlos. III. 44, 653.
187, 202, 226, 228, 260, 261, 262,
Bellerate, Bruno. III. 791.
263, 266, 324, 328, 329, 332, 378,
379, 380, 385, 410, 417, 421, 422, Belletrutti (conde). II. 587.
423, 424, 425, 429, 433, 444, 446, Bellezza, Maria Teresa (senhora). II. 622.
460, 461, 462, 463, 464, 466, 467, Bellia, Santiago (Tiago). I. 562. II. 46, 88,
468, 470, 471, 473, 475, 480, 481, 106, 236, 238. III. 140, 153.
483, 484, 486, 487, 488, 489, 493,
Bellingeri, Caetano. I. 534, 552.
494, 495, 496, 497, 498, 500, 501,
502, 503, 505, 506, 507, 508, 516, Bellino, Carlos. II. 566.
517, 526, 529, 530, 544, 547, 558, Bellísio, Bartolomeu. I. 555.
586, 631, 652, 660, 670, 686. Belmonte, Domingos. II. 578, 765, 768.
Bardessono dei Conti di Nigra. I. 36 Belmonte, Estêvão. III. 101,104, 106, 111,
Bardessono, Maximiliano. II. 447. III. 436, 478, 532, 611, 660, 685, 694, 695.
325, 327. Beltrami, André. III. 49, 721.
Bargetto, João Antônio. I. 414. Beltramo, Úrsula (mãe do padre Cafasso).
Baricco, Pietro. I. 392, 393, 515, 609. II. 70. I. 364.
Barnabò (cardeal). III. 150, 219. Belza, Juan E. III. 152, 153, 229, 743.
Barolo, Júlia Falletti (marquesa). I. 14, Benítez, José Francisco. III. 85, 87, 88,
102, 179, 241, 358, 366, 370, 372, 89, 90, 94, 104, 106, 107, 202.
384, 404, 419, 423, 425, 426, 427, Bento XIV. I. 283, 375b. II. 9, 410, 456.
428, 431, 434, 435, 436, 437, 439,
Bento XVI. III. 32, 33.
440, 442, 445, 446, 447, 448, 450,
451, 452, 453, 454, 456, 461, 462, Berardi, Constâncio. II. 134, 566.
465, 466, 467, 469, 470, 471, 473, Berardi, José (cardeal). II. 290, 298, 299,
476, 478, 479, 481, 520, 526, 541, 300, 307, 363, 372, 385, 386, 387,
552, 553, 554, 589, 592, 625, 626, 388, 390, 391, 402, 409, 566, 668,
627, 629. II. 54, 77, 137, 158, 246, 807. III. 291, 293, 295, 296, 298, 375.
470, 472, 478, 594, 607, 636, 638, Bérault-Bercastel, Antoine-Henri. I. 271,
643, 700, 708, 725. 272, 589, 591. II. 154.
Barone, Francisco. II. 599. Berchialla, Vicente. II. 604.
Barosso, Domingas. I. 143. Bergese, Antônio. III. 198.
Barretta (menino do Oratório). I. 532. Berizzi, Pedro. I. 371, 422, 534.
Barruel, Camille de. III. 44, 212, 231. Berruto, Mateus. I. 143.
Bartolomé, Juan José. III. 4, 9, 779. Bert, Amadeu. II. 176, 183, 184, 186,
Beauharnais, Eugênio (Virrey). I. 125. 190, 195.
Beauharnais, Hortênsia (mãe de Napoleão Bertagna, João Batista. I. 348, 350, 351,352,
III). I. 491. 353, 509. II. 361, 442. III. 327, 586,
Beauvoir, José. III. 196, 199, 200, 205. 629, 686, 689, 690, 698, 735.
Becker, Pedro. I. 334. Bertello, José. II. 88, 738.

801

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Dom Bosco: história e carisma 3

Bertetti, Antônio. III. 306. Bismarck, Otto von. I. 331. II. 271, 284,
Berteu, Agustín. I. 546. 299, 692. III. 23, 27, 28, 614.
Bertinetti. III. 333. Bizzarri, José André (cardeal arcebispo).
Bertino, Pedro. II. 566. II. 334, 335, 370, 371, 386, 387, 389,
390, 408, 409. III. 258, 291, 298,
Bertino, Ricasoli (barão). II. 53, 267, 268, 299, 303, 323, 375.
273, 367, 563, 648, 654, 655, 656,
657, 658, 659, 660, 662, 664, 670. Blanch, Francisco. II. 127.
Berto, Joaquim. I. 19, 24, 25, 26, 27, 34, Blangino, José. II. 139.
72, 74, 89, 94, 95, 107, 120, 169, Bodrati (clérigo salesiano). III. 263.
230, 427, 428, 462, 463, 613, 614. Bodrato, Francisco. II. 581. III. 77, 109,
II. 57, 133, 206, 218, 227, 286, 288, 110, 144, 146, 164, 187, 380, 381,
289, 290, 291, 294, 297, 298, 299, 382, 383.
317, 372, 377, 378, 386, 391, 398,
Boggero, João. II. 261, 315, 316, 319,
645, 646, 656, 661, 672, 681, 683,
462, 473, 616.
688, 689, 691, 692, 693, 752, 753,
793. III. 57, 94, 203, 291, 303, 325, Boggero, José. II. 576.
336, 340, 354, 356, 357, 363, 364, Bogner, senhora. I. 546.
365, 373, 382, 417, 449, 484, 553, Bolívar, Simón. III. 117, 118.
582, 584, 587, 649, 681, 686.
Bólmida, Luís (Jacó Levi). I. 232.
Bérulle, Pedro de. I. 296.
Bologna, José. III. 41, 43, 45, 479.
Besucco, Francisco. I. 42,72, 98. II. 57,
Bonaparte, I. 125, 149.
78, 80, 116, 117, 140, 165, 172, 232,
590, 605. Bonaparte, Luís Napoleão. I. 497, 499,
481, 628.
Bettandier (monsenhor). II. 736.
Bonaparte, Napoleão III. I. 500.
Beza, Teodoro de. II. 188.
Boncompagni, Carlos. I. 513. II. 9, 10,
Biancardi, José. I. 300, 301, 309, 313, 610.
22, 23, 46, 50, 120, 151, 441, 553,
Bianchi, Raimundo. II. 235, 316, 378, 379, 554, 556, 557, 558, 559, 560, 563,
387, 388, 390, 454, 530, 549, 550, 809. 565, 572, 573, 605, 797, 813.
Bianco di Barbania, Carlos (barão). I. 548, Bonetti, João. I. 5, 18, 19, 21, 22, 23, 24,
569. II. 220, 587. 27, 30, 31, 40, 44, 52, 65, 66, 72, 73,
Bianco, Enzo. II. 779. 76, 77, 83, 94, 95, 96, 98, 99, 102,
Bianco, Juva (senhora). I. 570. II. 221. 109, 111, 120, 121, 144, 205, 278,
Bíbulo, Públio. II. 255. 416, 417, 440, 450, 462, 516, 525,
532, 552, 555, 598, 609, 613, 614. II.
Biginelli, Luís. I. 36.
5, 48, 57, 65, 82, 107, 108, 109, 110,
Biglione, Jacinto Alberto. I. 140, 141, 113, 114, 115, 132, 135, 138, 167,
143, 144, 145, 146, 147, 148, 150, 176, 191, 236, 240, 246, 247, 248,
154, 155, 156, 173, 205, 206. 249, 249, 250, 252, 253, 254, 255,
Bilio, Luís M. (cardeal). II. 298. III. 54. 259, 260, 261, 435, 508, 509, 565,
Birago de Vische, Carlos E. (marquês). 578, 584, 615, 656, 769, 793, 801.
II. 203. III. 5, 50, 57, 58, 99, 231, 232, 272,

802

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Índice onomástico

300, 321, 322, 325, 327, 328, 331, Borelli, Paulo Maria. II. 374, 378.
332, 333, 334, 335, 336, 337, 338, Borgatello, Mayorino. III. 213.
339, 340, 341, 342, 343, 344, 345,
Borgatti, Francisco. II. 661, 662.
346, 347, 348, 349, 350, 351, 352,
353, 354, 356, 357, 358, 359, 360, Borgna, Francisco. III. 693.
361, 363, 364, 365, 366, 367, 371, Borgna, Joana. III. 111.
372, 373, 374, 375, 382, 419, 420, Borino, João B. I. 54, 452.
423, 430, 436, 437, 473, 521, 522,
Boroli, Paulo. II. 32, 274, 684, 794.
523, 524, 527, 532, 534, 535, 538,
539, 541, 544, 556, 577, 580, 582, Borrego, Jesus. I. 33. III. 102, 152, 157,
607, 609, 611, 612, 616, 620, 621, 161, 174, 175, 181, 182, 183, 185,
631, 659, 660, 671, 675, 681, 684, 225, 226, 228, 229, 744, 770, 792.
685, 686, 687, 697, 707, 739, 770. Borromeu, Carlos (São). I. 342, 376. II.
Bonfanti, G. II. 269. 163, 435. III. 282, 283, 289, 290,
369.
Bongioanni, José. II. 103.
Borsarelli (baronesa). I. 546.
Bongioanni, Marco. III. 233, 770.
Borsarelli [di Rifreddo], Carlos Antônio.
Bongiovanni, Carlos. I. 513. I. 446, 447, 547, 568, 256. II. 209,
Bongiovanni, Domingos. III. 687, 690, 691. 219.
Bongiovanni, José. II. 108, 109, 110, 111, Bosco (família). I. 143.
112, 165, 167, 259, 261, 604, 631. Bosco, Antônio José (meio-irmão). I. 156,
Bono, Claudio. II. 566. 205, 618.
Bonomelli, Jeremias. III. 25. Bosco, Cândida. I. 570. II. 221.
Bonzanino, Carlos. I. 513. II. 121, 565. Bosco, Felipe Antônio (avô). I. 141, 143, 151.
Borbonese (cavalheiro). I. 546 Bosco, Francisco (aluno). II. 106, 238, 566.
Bordoni, Antônio José. II. 147. Bosco, Francisco Luís (padre). I. 143, 144,
Borel, João. I. 107, 108, 112, 119, 262, 146, 148, 156, 205, 208, 617.
267, 358, 359, 369, 372, 425, 426, Bosco, João (bisavô). I. 143.
430, 435, 436, 438, 439, 440, 441, Bosco, João Francisco (tio-avô) I. 143.
442, 443, 444, 445, 446, 447, 448, Bosco, José Luís (irmão). I. 156, 173, 208,
449, 450, 451, 453, 456, 457, 458, 618.
459, 460, 461, 462, 463, 464, 465, Bosco, Lúcia Teresa (filha de José). I. 209.
466, 467, 468, 469, 470, 471, 472,
Bosco, Margarida Cagliero (primeira es-
473, 474, 476, 477, 479, 505, 506,
posa do pai de Dom Bosco). I. 144,
507, 516, 519, 520, 523, 524, 526,
156, 173, 205.
532, 539, 540, 541, 542, 546, 547,
548, 550, 553, 568, 571, 573, 581, Bosco, Margarida Zucca (avó). I. 143,
610, 621, 626, 627, 629, 630 (Bor- 144, 146, 148, 156, 161, 173, 175,
relli 119, 546, ou Borelli 267, 442, 188, 199, 203.
459, 539, 541, 542, como Dom Bosco Bosco, Paulo (irmão do avô). I. 143.
o chama). II. 88, 209, 219, 235, 245, Bosco, Teresa Maria (tia-avó). I. 144,
246, 348, 453, 472, 638. 156, 205.

803

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Dom Bosco: história e carisma 3

Bosco, Terésio. II. 87. Bruno, C. III. 166.


Bosco-Cantono (condessa). I. 570. II. 221. Bruno, G. III. 326, 327, 738.
Bosco-Riccardi (condessa). I. 570. II. 221. Buchet, Sofia Maria. III. 44.
Bosco-Riccardi, Julieta (filha). I. 570. II. 221. Buglione di Monale, Afonso (bispo). II. 679.
Bosio, Antônio (Antón). I. 422, 548, 570. Bulnes, Manuel. III. 121.
II. 220.
Burdin, Antônio. I. 546.
Bosio, João Batista. I. 184.
Burzio (jovem do Oratório). II. 132.
Bossuet, Jacques B. I. 110, 329.
Burzio, José. II. 457.
Bottino, João Batista. II. 663, 673.
Búrzio, Máximo (cônego). I. 112, 233, 260.
Botto, Luís. III. 205.
Bussi, Luís. I. 67.
Boulanger, Georges. III. 32.
Bustillo, Basílio. I. 5, 28.
Boyer (professor). II. 566.
Buzzetti, Carlos. II. 578, 594, 597, 598, 627,
Bracco, José. I. 107, 379, 380, 389, 390, 391,
392, 458, 460, 505, 511, 609, 611, 612. Buzzetti, José (Josué). I. 416, 562. II. 46,
67, 106, 131, 132, 133, 138, 236,
Braia [Braja], Paulo. I. 229.
237, 238, 578, 597, 790.
Braido, Pietro. I. 8, 18, 50, 56, 59, 85,
94, 98, 100, 105, 110, 406, 411, 412,
415, 442, 456, 457, 482, 536, 547, Cáceres, Andrés Avelino. III. 68.
578, 588, 609, 611, 612. II. 81, 86, Caetano (jovem maestro). II. 301.
91, 242, 243, 244, 245, 368, 386, Cafassi, doutor. II. 129.
398, 405, 476, 479, 485, 490, 504,
508, 523, 598, 779, 793, 794,795, Cafasso, João (pai do padre Cafasso). I. 364.
796. III. 158, 164, 250, 385, 432, Cafasso, José. I. 14, 72, 81, 82, 107,
433, 491, 499, 546, 639, 645, 650, 119, 177, 178, 202, 204, 212, 213,
743, 758, 759, 771, 792. 233, 244, 246, 249, 256, 257, 259,
Branda, João. I. 41, 43, 78. III. 60, 61, 69, 264, 269, 273, 277, 287, 303, 304,
70, 561, 686, 687. 305, 306, 311, 317, 318, 333, 334,
337, 339, 342, 345, 346, 347, 348,
Bresci, Caetano. III. 21.
349, 350, 351, 352, 353, 354, 355,
Bretto, Clemente. II. 735. 356, 357, 358, 359, 360, 364, 365,
Bridge, Tomás. III. 154, 176. 366, 367, 368, 369, 370, 371, 372,
Brocardo, Pedro. II. 535, 613, 614, 373, 406, 407, 412, 413, 414, 419,
617, 618. 422, 425, 444, 446, 448, 449, 455,
Brofferio, Ângelo. II. 12, 17. 458, 466, 471, 473, 476, 477, 479,
Broggi (irmãos). II. 628. 506, 511, 529, 532, 538, 542, 547,
548, 550, 551, 552, 553, 554, 568,
Broquier (senhora). III. 42.
571, 574, 575, 610, 619, 623, 630.
Brósio, José (bersagliere). I. 180, 533, 553, II. 52, 76, 135, 147, 177, 194, 209,
555, 556, 557, 558, 560, 561, 562, 240, 244, 245, 309, 436, 442, 453,
566, 567. II. 86, 87, 244. 477, 580, 612, 698, 719. III. 139,
Brozzolo, Casimiro di (conde). I. 569. 449, 476, 640, 698, 707, 724, 735,
II. 220. 737, 741.

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Índice onomástico

Cáffaro-Rore, Mário. II. 130, 471. Calosso, João Melquior. I. 76, 81, 119, 177,
Cagliero, João. I. 22, 31, 53, 65, 69, 77, 178, 192, 195, 196, 197, 198, 199, 201,
151, 170, 180, 182, 242, 253, 254, 202, 211, 212, 311, 313, 317, 404, 618.
511, 520, 534, 620. II. 48, 49, 57, Calosso, José. I. 119.
67, 84, 102, 104, 106, 107, 109, 119, Calosso, Maria. I. 178, 209.
133, 137, 139, 232, 233, 238, 245, Calvino, João. II. 188.
246, 258, 259, 260, 261, 348, 364,
Camburzano di, Vitório (conde). I. 569.
374, 603, 616, 620, 631, 634, 704,
II. 209.
715, 716, 728, 734, 742, 761. III. 60,
61, 67, 79, 99, 100, 104, 106, 107, Camilo de Lelis (são). II. 176.
109, 110, 111, 112, 120, 140, 155, Campagna (cooperador, banqueiro). I.
158, 166, 173, 175, 180, 181, 183, 569. II. 219.
188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, Campana, Federico. II. 578.
198, 203, 204, 206, 228, 236, 237, Campi, José. II. 704.
238, 300, 304, 311, 361, 379, 380, Campora (frei). I. 176.
419, 423, 433, 435, 436, 462, 463,
Canals Pujol, Juan. I. 277, 611. II. 90, 107,
468, 471, 472, 473, 475, 487, 555,
118, 119, 120, 121, 122, 123, 124,
521, 522, 526, 527, 528, 529, 531,
125, 126, 128, 129, 130, 131, 164,
537, 538, 577, 578, 579, 584, 585,
485, 493.
591, 608, 609, 610, 612, 613, 616,
Cañas Pinochet, A. III. 175.
617, 622, 623, 629, 631, 645, 649,
652, 653, 655, 657, 660, 662, 669, Candela, Antônio. II. 791.
670, 686, 690, 698, 707, 719, 724, Candelo, Antônio (Segundo). I. 234. II. 566.
725, 726, 728, 729, 730, 744. Canonica (escultor). III. 238.
Cagliero, José. II. 528. Canova, Antônio. II. 157.
Cagliero, Margarida. I. 144, 156, 173, 205. Canton, Carlos. II. 664, 665, 666.
Cairoli, Benito. III. 11, 13, 14, 15, 21, 26. Cappa Della Valle, Maria. III. 692.
Calabiana, Luís Nazari di. I. 335. II. 19, Cappellaro, Felipe. III. 40.
27, 48, 577, 578, 580, 797. Carbajal, Lino. III. 175.
Calcufurá, João. III. 184, 235. Carbajal, Luís. III. 165, 166, 743.
Calderón, C. III. 68. Carcani, Aquiles. III. 349.
Callagan, Lou William J. III. 36. Cardiel. III. 153.
Callori di Vignale, Carlota (condessa). II. Carlos (jovem ressuscitado). II. 132.
563, 578, 595. Carlos Alberto de Saboia. I. 107, 134, 158,
Callori di Vignale, Frederico (conde). II. 587. 159, 159, 203, 218, 348, 361, 389,
Calmet, Agostinho. I. 270. 393, 398, 399, 422, 458, 476, 485,
485, 487, 488, 490, 492, 493, 494,
Calógero, Gusmão. II. 737.
495, 496, 497, 498, 504, 522, 527,
Calosso, Carlos Vicente. I. 211. 528, 529, 542, 607, 624, 627, 628. II.
Calosso, Francisco. I. 291. 10, 11, 12, 17, 22, 29, 39, 40, 41, 44,

805

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Dom Bosco: história e carisma 3

46, 114, 132, 157, 175, 180, 185, 203, Cassini, Valentim. III. 100, 578, 664.
553, 554, 813. III. 12. Cassulo, Ângela. III. 110.
Carlos Emanuel I (duque). I. 158, 378, Castellani, Armando. I. 536, 549, 609.
398, 399.
Castellano, Luís. II. 134.
Carlos Emanuel IV. I. 125, 131, 399.
Castellano, Vicente. II. 566.
Carlos Félix. I. 116, 134, 158, 159, 203, Cataldi (barão). II. 587.
218, 219, 223, 224, 236, 285, 384,
Cataldi, José (marquês). II. 585, 586.
398, 399, 453, 513, 619. II. 10, 552,
575, 813. Cataldi, Luísa (baronesa). II. 587.
Carlos Magno. I. 83, 396. II. 155. Caterini, Próspero (cardeal). II. 369, 389.
III. 343, 344, 351, 375.
Carlos Maria Isidro (Carlos V). II. 292,
294, 295, 299, 300, 305, 306, 307, 807. Cattaneo, Carlos Ambrósio. II. 147.
Carlos VII. II. 300, 306. Cattaneo, Carlos. II. 31.
Carmagnola, José. I. 184. Cavaglià, Estêvão (aluno do Oratório).
II. 134.
Carminati, A. II. 480, 481, 486.
Cavaglià, Piera. I. 40, 43, 611. II. 697, 698.
Cárpano, Jacinto. I. 370, 423, 449, 472,
520, 523, 524, 526, 532, 533, 543, Cavallo (senhora). I. 546.
546, 547, 548, 550, 551, 552, 568, Cavallo, Bernardo. I. 150.
569, 629. II. 220. Cavallo, Miguel. I. 231.
Carpignano, Félix. II. 435. III. 320. Cavanis, Antônio Ângelo. II. 324, 331,
Cartier, Luís. I. 38, 42. 382, 458, 459.
Casalegno, Bernardo (jovem do Oratório). Cavanis, Marco Antônio. II. 324, 331,
II. 137. 382, 459.
Casalis, Godofredo. I. 340, 348, 449, Caviglia, Alberto. I. 18, 277, 279, 588,
533, 551 552 609. 594. II. 85, 103, 106, 108, 109, 119,
Casas, Bartolomé de las. III. 128. 121, 125, 127, 128, 129, 153, 160,
164, 165, 166, 600, 601, 744, 745,
Casas, José. III. 772.
749, 793, 795. III. 158,164, 641,
Casati, Gabriel. II. 22, 23, 51, 66, 71, 714, 762.
151, 554, 558, 559, 560, 561, 562,
Cavour, Camilo Benso (conde e ministro).
563, 565, 567, 572, 573, 574, 575,
579, 580, 584, 586, 797, 813. I. 386, 446, 455, 458, 459, 461, 462,
487, 492, 494, 500, 504. II. 9, 12, 13,
Casazza-Riccardi, Julieta (condessa). I. 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 27, 28,
570. II. 221.
29, 30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39,
Caselle, Segundo. I. 143, 147, 148, 155, 40, 41, 42, 43, 45, 47, 48, 49, 50, 51,
224, 225, 227, 230, 231, 232, 234, 243, 52, 53, 159, 176, 203, 238, 250, 265,
257, 259, 300, 301, 303, 313, 609. 266, 267,268, 277, 559, 560, 575,
Caselli, Luís. II. 628. 605, 645, 647, 648, 667, 694, 797,
Casimiro (cacique). III. 154. 798. III. 12, 16, 39.

806

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Índice onomástico

Cavour, Gustavo Benso (marquês e pai). I. Cerruti, Francisco. I. 22, 58, 72, 534. II.
524, 546. II. 17, 39, 203, 694. 57, 149, 259, 261, 566, 568, 578,
Cavour, Miguel Benso (marquês e vigá- 583, 584, 738. III. 70, 380, 381, 384,
rio). I. 392, 456, 457, 462, 474, 476, 389, 420, 434, 435, 436, 479, 531,
480, 485, 491, 542, 543, 565, 627. II. 557, 560, 581, 598, 612, 613, 652,
39, 399. 660, 662, 663, 686, 721, 773.
Cays, Carlos (conde). I. 569, 584. II. 24, Cerruti, João Batista (bispo). II. 369.
104, 105, 135, 219, 587. III. 40, 336, Cesari, Antônio (oratoriano). II. 158, 160.
380, 670.
Cessac, Parisina (condessa). I. 91. III. 44.
Ceccarelli, Pedro B. III. 84, 85, 86, 87,
Chantal, Joana Francisca. I. 91, 300,
88, 89, 90, 92, 94, 97, 99, 100, 104,
309, 378.
106, 107, 108, 178, 202, 203, 463.
Celman, Miguel Juarez. III. 120. Chávez, Pascual. I. 8, 10, 59. II. 628.
Ceppellini, Vicente. II. 274, 794. Chiacchio Bruno, Jerônimo. III. 755,
762, 774.
Ceretti, João Domingos (bispo). II. 204.
Chiala [Chiale], César. II. 616, 754, 755,
Ceria, Eugênio. I. 5, 6, 18, 21, 28, 32, 38,
765. III. 165, 228, 514, 745.
48, 49, 52, 55, 56, 59, 67, 68, 70, 71,
74, 75, 78, 79, 80, 82, 83, 83, 88, 89, Chiapale, Luís. II. 259, 261, 249. III.
90, 91, 92, 95, 193, 227, 242, 247, 284, 292, 293.
271, 301, 440, 448, 536, 585, 610, Chiaramonte, Luís Barnabé (Pio VII). I. 132.
614, 615. II. 5, 6, 28, 71, 81, 82, 86, Chiardi, José. I. 147.
87, 101, 122, 164, 166, 169, 212,
Chiatellino, Miguel Ângelo. I. 548, 569.
298, 341, 362, 364, 514, 515, 581,
592, 763, 766. III. 5, 6, 13, 44, 46, II. 220.
54, 56, 57, 58, 92, 155, 156, 157, Chiaveroti [Chiaverotti, Chiavaroti], Gas-
158, 159, 160, 161, 162, 164, 165, par Carlos João Columbano (arcebis-
166, 179, 181, 183, 184, 187, 188, po). I. 195, 159, 260, 264, 276, 280,
189, 190, 191, 192, 193, 194, 210, 281, 283, 284, 285, 288, 290, 300,
213, 220, 213, 222, 223, 224, 225, 337, 340, 365, 621.
226, 232, 240, 251, 252, 263, 264, Chiaverotti, Jacinto. III. 313, 314, 316,
280, 299, 304, 307, 310, 311, 312, 337, 373, 640.
314, 321, 322, 325, 329, 332, 333,
Chiaves (doutor). I. 548, 570. II. 220.
334, 335, 336, 337, 338, 339, 341,
345, 346, 347, 348, 349, 350, 352, Chicco, Ludovico. I. 353.
353, 356, 359, 360, 361, 363, 382, Chierotti, Luigi. II. 320.
406, 422, 423, 428, 429, 430, 437, Chiocchetta, P. III. 159.
441, 442, 443, 447, 469, 470, 479,
Chiodo, Jorge. I. 469.
480, 490, 504, 506, 542, 549, 559,
572, 592, 595, 596, 598, 626, 646, Chiosso, Giorgio. I. 382, 386, 387, 388, 611.
652, 654, 659, 677, 678, 680, 681, Chiuso, Luís (jovem do Oratório). II. 566.
692, 693, 756, 762, 733, 779. Chiuso, Tomás (cônego). I. 444. II. 28,
Cerrato, Natale. I. 154, 155, 234, 393, 374, 434, 451. III. 256, 257, 258,
445, 446, 610. II. 198. 285, 287, 288, 300, 343, 361, 373,

807

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Dom Bosco: história e carisma 3

690, 703, 704, 730, 731, 732, 733, Colomiatti, Luís. III. 693.
737, 739. Colomiatti, Manoel. I. 20. II. 434. III.
Chopitea, Doroteia. III. 56, 58, 535, 641. 341, 344, 345, 346, 347, 348, 349,
Ciattino. João. II. 213, 260. 350, 352, 353, 356, 357, 358, 359,
360, 361, 365, 367, 372, 373, 683,
Cibrario, Luís (conde). I. 25. II. 558, 813. 685, 690, 697, 698, 701, 702, 703,
III. 380. 704, 719, 723, 724, 730, 731, 732,
Cibrario, Nicolau Antônio (jovem do 737, 739.
Oratório). II. 566, 581. Colón, Cristóvão. III. 37, 774, 791.
Cima, Vicente. I. 225, 227. Combal, Pedro M. I. 37.
Cinzano, Pedro Antônio. I. 180, 210, Combes, Emile. III. 36.
244, 246, 256, 257, 260, 261, 264, Comboni, Daniel (bispo). III. 139, 140,
291, 293, 295, 302, 303, 314, 315, 141, 142, 150, 156, 159, 160, 168.
317, 358, 403, 425. II. 238.
Comollo, José (tio de Luís). I. 235, 244,
Cionchi, Henrique (menino de 5 anos). 248, 256, 259, 291, 358, 425.
II. 614, 615. Comollo, Luís. I. 72, 229, 233, 234, 235,
Clarac, Maria Luísa Angélica. II. 358, 447, 243, 244, 246, 247, 259, 262, 263, 265,
448, 449, 699, 700, 701, 810, 817. 266, 267, 273, 274, 275, 276, 277, 278,
Clarendon (lorde). II. 32. 279, 285, 290, 291, 292, 293, 294, 295,
296, 297, 298, 299, 300, 302, 470, 566,
Clément, Adèle. I. 78.
585, 586, 587, 603, 611, 619, 621, 630.
Clemente IX. I. 322. II. 80, 107, 116, 117, 126, 142, 147,
Clemente VII. I. 328. 148, 165. III. 512.
Clemente VIII. II. 380, 382, 384, 390, Comotti, José. I. 409, 412.
409, 410. Comte, Augusto. III. 127.
Clemente XIII. I. 331, 336. Conestabile, Carlos (conde). I. 36. II.
Clemente XIV. I. 300, 335, 336. 114, 115.
Coan, Titus. III. 154. Conrado II. I. 397.
Cocchi, João. I. 371, 381, 382, 385, 395, Consalvi, Hércules (cardeal). I. 132, 280.
420, 421, 422, 423, 424, 455, 507, Conti, Evaristo (jovem do Oratório). II. 566.
515, 525, 526, 533, 534, 545, 549, Contratto (bispo). II. 714, 722.
550, 551, 553, 554, 556, 558, 561, Coppino, Miguel. III. 25.
564, 567, 625, 628. II. 59, 595.
Corio (maestro). II. 63.
Colbachini, P. III. 163. Corno, José Bernardo (cônego). II. 681.
Colin, João Cláudio Maria. II. 459. III. 344, 373, 687, 690, 732.
Colle, Luís (conde). I. 160. Correnti, César (ministro). II. 444, 563, 813.
Colle, Luís. I. 40. Corsi, Gabriela (condessa). II. 221, 670,
Collin de Plancy, Jacques-Albin (barão). 671, 816.
II. 29. Costa, André. II. 697, 698, 772. III. 21, 735.

808

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Índice onomástico

Costamagna, Tiago. I. 66, 67. II. 581, Dacquino, G. I. 201.


716, 728. III. 110, 111, 184, 187, Dadesso, Luís. I. 82, 312.
190, 191, 194, 201, 204, 205, 206,
221, 383, 384, 420, 429, 478, 663. Daghero, Catarina. II. 729, 734, 735,
739, 740.
Cotemme, Cesare. I. 444, 445.
Dally, N. III. 161.
Cotta, Antônio. II. 628.
Cotta, José. I. 453, 569. II. 219. Dalmazzo, Francisco. I. 423. II. 132, 578,
599. III. 55, 57, 58, 322, 339, 340,
Cottino, Francisco. I. 204.
343, 358, 359, 360, 361, 372, 373,
Cottino, J. I. 444, 445.
402, 422, 477, 480, 495, 571, 686,
Cottolengo, Anglésio. I. 530 692.
Cottolengo, São José Bento. I. 371, 444, Damevino (família). I. 147.
445, 446. II. 140, 141, 436, 571, 594,
622, 624, 625, 626, 627. Darboy (arcebispo). II. 284.
Coudrin, Pedro Maria José. III. 138. Darwin, C. III. 153.
Courtney Murray, J. II. 533. Dassano, Bartolomeu (aluno do Orató-
Cravero, Pedro (aluno do Oratório). II. 566. rio). II. 567.
Crispi, Francisco (ministro). II. 89, 271. III. Dassano, Bartolomeu. I. 365.
11, 13, 14, 16, 17, 25, 27, 29, 614, 627. Dassano, Cecília. I. 143.
Croiset, João. II. 147. Dassano, José. I. 177, 178, 196, 224,
Crosetto, José. I. 317. 246, 256.
Cruz, Domingos. III. 65. Davi (rei e profeta). II. 188, 296, 520,
Cuffia, Francisco. II. 145. 524, 756.
Cugliero, José. II. 118, 121, 124, 166, 167. Davico, Modesto. II. 138.
Cumino, Tomás. I. 179, 233, 364, 365. De Boglie. I. 455.
Cybo, Maria Beatriz (duquesa). I. 130. De Cesare (historiador). II. 660.
De Luca. III. 299.
D’Agliano, Lourenço. II. 220.
De Mattei, Pascual. I. 591.
D’Angennes, Alexandre (bispo). I. 364.
De Sanctis, Luís. II. 176, 178.
D’Azeglio, Luís Taparelli (padre jesuíta).
I. 219. Deambrogio, Luís. I. 183, 610.
D’Azeglio, Máximo Taparelli (marquês e Dehaller, Carlos Luís. II. 193.
ministro). I. 219, 485, 487, 488, 529, Delehaye, Hipólito. I. 78.
627. II. 13, 20, 30, 40, 47. Delrivo, Luís. I. 446.
D’Azeglio, Roberto (marquês). I. 108.
Denina, Carlos (historiador). II. 158.
II. 489.
Denzinger, H. II. 280.
D’Espiney, Carlos (Charles). I. 20, 37, 38,
39, 41, 42, 43, 52, 417, 612, 614. III. Deppert, Luís. III. 342, 343.
59, 67, 698, 775, 840. Depretis, Agostinho. III. 11, 12, 13, 14,
D’Orbigny, Alcide. III. 161, 175. 15, 16, 18, 19, 25.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Despard, Jorge Packenham. III. 154. Du Boÿs, Alberto. I. 20, 37, 39, 40, 41,
Desramaut, Francisco. I. 5, 8, 18, 42, 42, 43, 52, 153, 611, 614.
45, 50, 56, 59, 61, 65, 67, 68, 69, Duchesne, Luís. I. 78.
71, 73, 75, 84, 87, 90, 92, 94, 100, Duggan, Christopher. II. 269, 648, 794.
109, 154, 155, 163, 189, 193, 197, III. 13, 19, 22, 743.
268, 270, 291, 308, 585, 588, 590, Duina, Antônio (jovem do Oratório). II.
591, 592, 594, 598, 610, 611. II. 5, 167.
27, 28, 29, 117, 157, 160, 162, 163,
Dupanloup (amigo da marquesa Barolo).
198, 206, 211, 222, 227, 228, 229,
I. 455.
237, 246, 258, 299, 337, 348, 349,
377, 485, 489, 536, 537, 615, 616, Dupanloup (bispo) I. 40.
645, 647, 650, 652, 658, 659, 660, Dupré, José (comandante). II. 219.
669, 670, 677, 681, 694, 697, 700, Durando, Antônio Maria. II. 354.
707, 709, 710, 711, 734, 794, 795, Durando, Celestino. II. 107, 108, 109,
804. III. 5, 40, 81, 82, 84, 89, 92, 259, 261, 303, 308, 566, 662. III.
150, 192, 280, 283, 284, 285, 297, 44, 72, 260, 272, 380, 383, 384, 419,
326, 328, 331, 335, 340, 341, 342, 423, 434, 436, 446, 472, 522, 527,
344, 346, 348, 350, 354, 359, 362, 530, 536, 537, 541, 542, 544, 547,
364, 369, 478, 479, 480, 499, 548, 579, 602, 627, 628, 629, 651, 660,
586, 587, 649, 653, 678, 743, 744, 663, 721.
775, 793.
Durando, Marco Antônio [Marcantonio].
Destefanis, João Batista. I. 350, 548, 569. II. 319, 320, 338, 341, 343, 435, 448,
II. 220. 486, 807, 808.
Dettori, João. I. 286.
Diamond, Patrício. III. 196. Echave, N. III. 62.
Diego (marquês da Casa Ulloa). III. 59, 60. Engels, Friedrich. III. 20.
Diessbach, Nikolaus von. I. 336, 337, Enria, Pedro. II. 24, 26, 27, 60, 94, 677, 712.
338, 339. Entraigas, R. A. III. 82, 83, 84, 92, 165,
Dionisi, Aníbal. II. 162, 607. 743, 775.
Dogliani, José. III. 58. Errázuris, Frederico. III. 121.
Dolan, J. I. 334. Escalada, Mariano José de. (arcebispo).
Dominici, Maria Henriqueta. I. 423. II. III. 82, 84.
698, 700, 707, 708, 709, 727, 817. Espinosa, Mariano Antônio (monse-
Doré, Pedro. II. 607. nhor). III. 84, 85, 89, 90, 92, 93,
Doria (marquês). II. 724, 730. 104, 108, 184, 205.
Doubet. I. 334. Estêvão, Fábio. III. 373.
Doutreloux, Vítor José (bispo). III. 66, 578.
Faà di Bruno, Alexandre. II. 198.
Drago, A. del (cardeal). II. 216.
Faà di Bruno, Francisco (beato). II. 198,
Dreyfus, Alfredo. III. 36.
199, 200, 358, 436, 446, 447, 449,
Druart, A. III. 66. 450, 451, 803, 810.

810

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Índice onomástico

Fagnano, José. II. 581. III. 77, 100,104, Ferrero (tipografia). I. 183, 277, 470, 588,
106, 107, 110, 120, 154, 155, 157, 591, 594, 596. II. 183, 505.
169, 181, 185, 186, 187, 190, 191, Ferrero La Marmora, Afonso. II. 268.
192, 193, 194, 195, 196, 197, 198,
Ferrero Rua, Joana Maria. I. 183, 184,
199, 200, 206, 214, 221, 664.
186. III. 667.
Falkner, T. III. 153.
Ferrero, Antônio. III. 197.
Farini, Luís Carlos (ministro). II. 268, 648.
Ferretti, G. III. 47.
Fassati, Domingos (marquês) De Maistre.
Ferrettino, Joana. II. 713.
I. 548, 569. II. 24, 219, 628.
Ferrieri, Inocêncio (cardeal). III. 55, 57,
Fassati, Maria (marquesa) De Maistre. I.
299, 304, 313, 314, 315, 316, 317,
548. II. 221.
318, 319, 323, 325, 329, 330, 331,
Fassio, Gabriel. II. 130. 336, 338, 339, 340, 349, 353, 356,
Faure, H. III. 41. 358, 367, 375, 398, 408, 431, 478,
Favale, A. III. 136, 143, 744. 480, 654, 656.
Favini, Guido. I. 50. II. 212,779. Ferry, Júlio (ministro francês). II. 211. III. 45.
Favre (chanceler francês). II. 284. Fessler, Joseph. II. 281, 806.
Febraro, Estêvão. III. 522, 524, 527. Filiberto, Manuel (duque). I. 364, 398.
Febbraro, João Agostinho. I. 152, 302. Filippello, Doroteia. I. 190.
Febbraro, José. I. 178, 205, 209, 216. Filippello, João. I. 224.
Febbraro, Maria (Maria Calosso, esposa Filippi (irmãos). I. 107, 108, 441, 448,
de José Bosco). I. 209. 456, 458, 459, 461, 463, 471, 512,
Febbraro, Rosa. I. 216. 541, 543, 626. II. 56, 101, 593, 622.
Febrônio, Justino (pseudônimo de Johann Fino, João. I. 545. II. 219.
Nikolaus von Hontheim, bispo). I. 330. Fiora, Luís. II. 449.
Felipe V (Filipe V). I. 131. Fioramonti, Domingos. III. 241.
Felloni, Cláudio. I. 389, 390, 391, 392. Fissore, Celestino (arcebispo). II. 318, 319,
Fernando I (de Nápoles). I. 130, 134, 320, 576, 673, 675, 693. III. 280, 287,
157, 158, 203. 288, 289, 295, 296, 321, 354, 356, 375.
Fernando I (imperador austríaco.) II. 22. Fissore, José. III. 544, 553, 599, 602, 608,
Fernando III (de Habsburgo). I. 130. 613, 620, 687, 694.
Fernando Maria Alberto (duque de Gêno- Fitzroy, F. III. 153.
va). II. 17, 24, 25, 27, 48, 133. Flávio, Josefo. I. 270, 594.
Fernando VII da Espanha. I. 157. II. 305. Fleury Colle, Luís Antônio (pai e conde
Ferrari, José. II. 31. Colle). III. 44, 212, 556.
Ferrario. III. 161. Fleury Colle, Luís Antônio. III. 44, 212,
Ferrata (cardeal). II. 735. 756, 764.
Ferré, Pedro Maria (bispo). I. 419, 479. II. Fleury, Claude. I. 270, 271, 272, 589.
233, 349, 368, 369, 477, 752. Foá, Elias. I. 231, 232.
Ferrer, Vicente. II. 202. Fonseca, Manuel Deodoro da. III. 123.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Fontana, Carlos. II. 790. 318, 319, 320, 321, 336, 341, 343,
Forbin-Janson, Carlos de (bispo). III. 140. 350, 351, 353, 400, 401, 416, 421,
427, 432, 434, 435, 465, 470, 476,
Fornara, Antônio (jovem do Oratório).
522, 553, 575, 576, 645, 650, 797,
II. 567.
807. III. 240, 241, 257, 264, 287,
Fornasio, Luís. II. 137. 292, 386, 408, 667.
Fossati, Maria (marquesa). I. 570. Frassinetti, José. II. 191, 193, 194, 632, 701,
Fossati, Maurílio (cardeal). II. 449. 702, 704, 719, 720, 722, 818. III. 250.
Francesconi, M. III. 163. Fratejacci, João Batista (monsenhor). III.
Francésia, João Batista. I. 22, 65, 72, 145, 299, 374.
275, 276, 309, 511, 533. II. 49, 81, Frayssinous, Denys. I. 270, 271.
87, 106, 109, 114, 125, 191, 232, 233, Frederico Guilherme. III. 24.
238, 246, 259, 261, 338, 560, 565, Freire, Ramón. III. 121.
566, 568, 584, 596, 604, 658, 659,
Frescarolo, Francisco. II. 790.
660, 661, 662, 670, 725. III. 82, 163,
380, 381, 382, 383, 418, 447, 527, Fuchs, João. III. 233.
528, 529, 530, 531, 540, 541, 542, Furlong Cardiff, G. III. 153.
617, 662, 677, 686, 721, 727. Fynn. III. 109.
Franchi, Alexandre. III. 31, 95, 102, 157, 158,
160, 161, 166, 179, 181, 188, 219, 332. Gabrielli (príncipe). III. 53, 490.
Francisco I. I. 312, 397. Gaeti. II. 674.
Francisco II de Bourbon. II. 36, 37. Gagliardi, José. II. 219.
Francisco IV. I. 130, 217. Gaia, José. II. 241, 261, 749, 757.
Francisco José I. II. 288, 289, 299, 277, Galeffi, Maria Madalena. II. 656. III. 55.
287, 778, 806. Galletti, Eugênio (bispo). I. 350, 351,
Francisco José II. II. 49, 305. 548, 570. II. 209, 220. III. 286.
Franco, Segundo S. J. II. 191. Gallizia, Pedro Jacinto. I. 309.
Franco. I. 194. Galluppi, Pascoal. I. 268.
Franqueville (marquês). III. 44. Galvagno. II. 517.
Fransoni, Luís (arcebispo). I. 14, 58, 81, Gamba, José (cardeal). III. 110, 682, 711.
103, 107, 230, 259, 260, 281, 283, Gambetta, Leão. III. 45.
287, 288, 290, 299, 300, 301, 304, Garando, João Batista. II. 66.
310, 340, 349, 358, 363, 366, 370,
Gardiner, Allen. III. 154.
372, 401, 425, 436, 458, 481, 482,
517, 518, 519, 527, 528, 529, 530, Garelli, Bartolomeu. I. 102, 117, 346,
531, 532, 542, 544, 549, 550, 551, 357, 407, 408, 409, 411, 412, 414,
563, 567, 575, 576, 577, 578, 580, 416, 417, 479, 510, 511, 538, 625.
582, 621, 629, 630. II. 13, 14, 46, 47, Garelli, Francisca. II. 709.
50, 54, 189, 190, 203, 204, 210, 213, Garga, Pedro (vigário-geral). II. 663.
217, 223, 224, 225, 227, 229, 231, Garibaldi, José. I. 136, 362, 499, 500,
232, 237, 240,244, 252, 315, 316, 502, 534. II. 17, 30, 31, 32, 33, 34,

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Índice onomástico

36, 37, 41, 43, 44, 45, 51, 52, 134, 372, 373, 374, 375, 387, 396, 398,
265, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 408, 417, 423, 429, 431, 459, 461,
311, 613, 648, 664, 797, 798, 805. 480, 482, 544, 550, 671, 685, 688,
III. 14, 16, 21, 80. 689, 690, 691, 696, 697, 702, 703,
Garigliano, Guilherme. I. 229, 262, 704, 706, 707, 724, 725, 730, 732,
263, 274. 733, 734, 735, 736, 737, 738, 739,
740, 743, 744, 797.
Garino, João. I. 72. II. 134, 138.
Gastaldi, Margarida. I. 105, 180, 530,
Gastaldi, Bartolomeu. II. 421. 548, 570. II. 88, 209, 221, 426.
Gastaldi, Lourenço (arcebispo). I. 28, 31, Gastaldi, Pedro. I. 339.
46, 90, 91, 105, 258, 283, 284, 303,
334, 335, 339, 340, 345, 350, 351, Gastini, Carlos. I. 562. II. 46, 236.
352, 353, 354, 355, 401, 432, 442, Gastão d’Orleans (conde d’Eu). III. 123.
450, 548, 550, 570, 611, 623. II. 8, Gaude, Francisco (cardeal). II. 253, 254,
88, 191, 209, 220, 223, 224, 233, 255, 401.
234, 235, 275, 310, 338, 339, 340, Gaudenzi, Pedro José (bispo). II. 197,
344, 346, 347, 351, 352, 358, 359, 369, 376, 671, 675. III. 285, 334,
360, 361, 362, 363, 364, 365, 366, 341.
367, 368, 369, 370, 371, 372, 373, Gávio, Camilo (jovem do Oratório). II.
374, 375, 376, 377, 378, 380, 386, 125, 130.
387, 388, 389, 390, 391, 392, 393, Gazzanica, Francisco Pedro. I. 301.
394, 395, 396, 398, 410, 413, 415,
Gazzelli, Estanislau (cônego). II. 674.
420, 421, 422, 423, 424, 425, 426,
427, 428, 429, 430, 431, 432, 433, Gazzolo, João Batista. I. 430. III. 77, 81,
434, 435, 436, 437, 438, 439, 440, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 89, 90, 91,
441, 442, 443, 444, 445, 446, 447, 92, 95, 96, 99, 101, 102, 151, 202,
448, 449, 450, 451, 486, 589, 594, 226, 780.
597, 598, 599, 623, 636, 641, 661, Gedda, Teresa. III. 111.
662, 674, 675, 676, 678, 679, 681, Genghini, Clelia. II. 704.
683, 687, 688, 690, 691, 692, 693, Gentile. II. 22, 560.
711, 728, 744, 795, 808, 809, 810. Germani. II. 106.
III. 7, 8, 50, 51, 52, 57, 95, 102, 255,
Germano, João. II. 238.
258, 260, 262, 280, 281, 282, 283,
284, 285, 286, 287, 288, 289, 291, Germano, Proverbio. II. 393.
292, 293, 294, 295, 296, 297, 298, Gerola, Lourenço, SJ. II. 191.
299, 300, 301, 302, 303, 304, 305, Geuna, Jorge (jovem do Oratório). II. 567.
306, 307, 308, 309, 310, 311, 312, Geymonat, Paulo. II. 176.
315, 316, 317, 318, 319, 320, 321,
Gherardesca, Ugolino della (conde). II. 155.
322, 323, 324, 325, 326, 327, 328,
329, 330, 331, 332, 333, 335, 336, Ghilardi, Tomás (bispo). II. 151, 203.
337, 338, 341, 342, 343, 344, 345, Ghivarello, Carlos. I. 22, 23, 25, 65. II.
346, 348, 349, 351, 352, 353, 354, 259, 260, 261, 567. III. 380, 423.
355, 356, 357, 358, 360, 361, 362, Giacomelli, João Francisco. I. 309, 546.
363, 364, 365, 366, 367, 368, 370, II. 144.

813

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Dom Bosco: história e carisma 3

Giacomelli, João. I. 263, 269, 274, 309, Gregório, Miguel. III. 712.
447, 548, 568, 570. II. 220, 612. Gregório VII. I. 329. II. 154, 155.
Gianinati. II. 238. Gregório XI. I. 328.
Giannatelli, R. II. 697. Gregório XIII. I. 319. III. 167.
Gianotti, João Antônio (arcebispo). I. Gregório XVI. I. 217, 272, 330, 337, 342,
230. II. 427. 361, 374, 375, 376, 489, 590, 624.
Giardino, André. II. 66. II. 10, 159, 182, 313, 330, 331, 382,
Gino, Carlos José. I. 184. 458, 459. III. 34, 137, 138.
Gioberti, Vicente. I. 269, 343, 363, 485, Grévy, Júlio (ministro). II. 211. III. 45.
486, 487, 488, 627. II. 422, 719. Gribaudi, D. III. 162.
Gioia, Vicente. II. 765. III. 101, 102, 103. Grignon Monfort de, Luís Maria. II. 605.
Giolitti, João. III. 11. Grossi, I. 346.
Giraudi, Fidel. I. 435, 459, 462, 464, Guala, João José (padre). I. 337.
469, 511, 512, 513, 610. II. 593, 789. Guala, João. I. 257.
Giraudo, Aldo. I. 4, 8, 9, 94, 95, 267, 268, Guala, Luís. I. 286, 317, 318, 333, 334,
269, 277, 285, 288, 289, 290, 300, 337, 338, 339, 340, 341, 342, 343,
301, 302, 309, 313, 342, 365, 372, 344, 345, 346, 347, 348, 349, 351,
401, 443, 445, 576, 610. II. 4, 295. 356, 357, 358, 366, 367, 368, 419,
425, 444, 446, 455, 466, 471, 473,
Giusiana, Jacinto. I. 227, 312. 539, 612, 623. II. 457, 477, 719.
Giustina, G. A. I. 382. Guanella, Luís. III. 48, 258, 294, 295, 374.
Giustiniani, Santiago (cardeal). I. 374. Guanti, Joaquim. II. 106, 238.
Gizzi, Pascual (cardeal) I. 489, 501. Guarini, Guarino. I. 398.
Gobinet, Charles. I. 593. Guéronnière, Louis-Étienne de la. II. 33, 35.
Goffi, Domingos. II. 61. Guibert, José Hipólito (cardeal). III. 43.
Gólzio, Félix. I. 351, 353, 368. Guidazio, Pedro. II. 515, 581.
Gonella, Marcos. I. 76, 448, 543, 569. Guilherme I. I. 129. II. 276, 283, 284,
II. 219. 294, 298, 299, 305. III. 23.
Guinnard, Augusto. III. 161.
González, Jesús Graciliano. I. 4, 8, 10, 12,
18, 37, 39, 193, 612. II. 4, 212, 241, Guiol, Clement (abade). II. 211. III. 41,
42, 45, 498.
259, 260, 261, 795. III. 4, 9, 67, 415,
672, 679, 681, 793, 794. Gurgo, Segundo (jovem do Oratório).
II. 133.
González, Tirso. I. 272.
Gyulai, Ferencz (general) II. 34.
Gotti (cardeal). II. 735.
Gozzi, Gaspar. I. 272, 589. Hauranne, Jean du Vergier. I. 320, 321.
Graco (irmãos). II. 199. Hearder, Harry. I. 138.
Graglia, Francisco. I. 146, 174, 206. Henrion, Matthieu-Richard Auguste
Grassino, João. I. 546, 568, 572. II. (barão). I. 270, 272, 589. II. 154.
560, 561. Henrique VIII. II. 188.

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Índice onomástico

Hohenzollern (príncipe). II. 283. Juliano (apóstata). II. 154.


Hontheim, Johann Nikolaus Von. I. 330. Júlio César. I. 396.
Humberto I. I. 397. II. 28, 307, 444.
Humberto II. I. 397. Kant, Immanuel. III. 33.
Hünermann, P. II. 280. Klein, João. I. 193, 195, 612.
Hunziger, João Frederico. III. 154, 155. Kuzmanich Buvinic, Simón. III. 65, 174,
176, 743.
Iacono, G. III. 48.
Icheri di Malabaila, Francisco (bispo). I. La Farina, José. II. 33, 36, 50.
284, 365.
La Marmora, Afonso. II. 13, 17, 31, 114,
Iglesias, Miguel. III. 67, 68.
268, 271, 648, 651, 654.
Inocêncio I. I. 319.
Lacchia, José (jovem do Oratório). II. 567.
Inocêncio X. I. 321.
Lacqua, José Antônio. I. 165, 166, 167,
Inocêncio XI. I. 325, 326. 169, 170, 175, 183, 184, 185, 187,
Isabel II. II. 305, 306. III. 123. 203, 215, 618. II. 128.
Itzaina, J. III. 44. Lacroix, F. III. 161, 175.
Ivrea, Luís Moreno de (bispo). III. 258, Lago, Ângelo. III. 216.
313, 314, 373. Laguarda y Fenollera, João José (bispo).
III. 63.
Jacobini, Domingos (cardeal). III. 34, Lalomia, Francisco. II. 162, 607.
189, 358, 646, 648, 649, 651.
Lamarque, Lúcio. II. 32, 274, 684, 794.
Jacobini, Luís (cardeal). III. 375.
Lamartine, Afonso. I. 455.
Jahn, Leopoldo. III. 778.
Lamé-Fleury, Jules-Raymond. II. 154, 155.
Jansen (Jansenio), Cornélio. I. 273, 319,
Lamennais, Hughes-Félicité-Robert de.
321, 322, 335, 622.
I. 272, 330.
Jansen, Johannes. I. 36.
Landini, Pietro. I. 141.
Jarac, Luís. II. 261.
Langer, William L. III. 116.
Jedin, Huberto. I. 334.
Lanteri, Pio Bruno. I. 286, 312, 336, 337,
Jéricot, Paulina. III. 271.
338, 339, 340, 341, 342, 344, 425, 455.
João de Bourbon. II. 300. II. 330, 384, 409, 453, 457. III. 139.
João IV. III. 28, 29. Lanza, João (ministro). II. 50, 151, 268,
João Paulo II. I. 337, 355, 503. 271, 275, 277, 432, 559, 563, 565,
João XXII. I. 327. 648, 651, 652, 653, 654, 666, 667,
João XXIII. III. 63. 668, 669, 670, 672, 673, 677, 679,
680, 681, 682, 683, 684, 685, 686,
Jonas. I. 112, 232, 612.
694, 695, 813, 816. III. 12.
Josefina (esposa de Napoleão). I. 125.
Lasagna, Luís. II. 374. III. 109, 194, 218,
Juárez Celman, Miguel. III. 120. 221, 311, 383, 384, 435, 437, 566, 663.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Lastres, Francisco. I. 41. III. 69, 71, 73, 779. 540, 542, 550, 551, 552, 553, 555,
Lazzero, José. I. 72. II. 259, 261, 765, 769, 558, 560, 561, 562, 566, 578, 597,
770. III. 313, 314, 316, 317, 319, 321, 598, 610, 611, 613, 614, 620, 625. II.
373, 374, 380, 423, 436, 473, 514, 5, 6, 24, 25, 26, 58, 59, 60, 62, 63, 64,
517, 521, 522, 523, 524, 525, 526, 66, 68, 78, 81, 86, 92, 108, 125, 133,
527, 528, 529, 531, 532, 534, 599, 136, 141, 191, 233, 236, 244, 252,
622, 660, 745. 253, 254, 255, 260, 261, 280, 288,
Le Carrérès, Y. III. 41. 289, 299, 341, 343, 348, 349, 367,
429, 457, 539, 553, 559, 563, 574,
Leão XII. I. 170, 194, 195, 204, 374. II.
581, 615, 623, 629, 630, 651, 652,
330, 331, 457.
656, 657, 659, 660, 666, 670, 671,
Leão XIII. I. 90. II. 205, 308, 313, 314, 699, 716, 726, 728, 729, 794, 805. III.
444, 451, 489, 491, 634, 644, 744. III. 5, 6, 13, 56, 140, 144, 145, 146, 150,
7, 17, 23, 24, 25, 26, 31, 32, 33, 34, 35, 151, 152, 191, 193, 202, 208, 209,
36, 37, 38, 41, 50, 56, 57, 74, 77, 109, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 217,
137, 141, 160, 162, 184, 189, 191, 219, 220, 221, 222, 225, 230, 231,
192, 204, 221, 280, 320, 322, 323, 232, 233, 270, 280, 299, 338, 356,
329, 330, 336, 337, 338, 339, 340, 433, 435, 436, 465, 466, 467, 468,
345, 346, 351, 354, 356, 357, 358, 470, 471, 472, 473, 474, 476, 477,
359, 360, 361, 364, 390, 431, 433, 490, 504, 505, 507, 518, 519, 520,
434, 445, 480, 520, 521, 552, 570,
521, 522, 525, 526, 527, 528, 529,
571, 572, 575, 645, 647, 648, 649,
530, 531, 532, 534, 535, 536, 537,
656, 659, 671, 674, 682, 733, 739.
538, 539, 542, 549, 552, 553, 558,
Leite de Vasconcellos, Sebastião. III. 67. 559, 566, 575, 582, 584, 587, 595,
Lemaître, Antônio. I. 321, 322. 627, 645, 647, 648, 650, 651, 652,
Lemoyne, João Batista. I. 5, 19, 21, 23, 24, 655, 660, 663, 686, 692, 693, 695,
25, 27, 28, 29, 30, 33, 34, 36, 43, 44, 698, 779.
45, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 55, 59, 60, Lemoyne, Luís. I. 60.
61, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 72, Lenti, Arthur J. I. 4, 8, 10, 11, 299, 612,
73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 632. II. 3, 4, 106, 116, 164, 224, 286,
83, 84, 85, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 95, 288, 421, 476, 492, 795, 821. III. 3, 4,
103, 159, 160, 163, 164, 165, 172, 8, 223, 243, 255, 260, 282, 432, 437,
173, 174, 176, 177, 181, 184, 187, 499, 503, 517, 518, 543, 545, 548, 555,
188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 561, 564, 582, 680, 706, 744, 779.
196, 197, 200, 205, 206, 209, 210,
223, 241, 242, 243, 244, 245, 246, Leoncini, Luís. III. 344, 348, 349, 358,
247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 375.
254, 256, 257, 260, 265, 276, 301, Leonori, Constantino. III. 323, 330, 339,
302, 303, 306, 308, 311, 312, 313, 342, 348, 349, 351, 352, 354, 365,
314, 315, 316, 358, 359, 372, 382, 374, 402.
385, 416, 425, 427, 428, 429, 431, Leopoldo (duque da Toscana). I. 496, 504.
432, 433, 440, 451, 462, 463, 464, III. 31.
465, 505, 508, 514, 515, 532, 536, Leopoldo II. I. 332.

816

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Índice onomástico

Levi, Jacó (Luís Bólmida). I. 232. MacMahon, Mariscal. II. 285.


Levra, Humberto. I. 380, 381, 382, 384, Maestro, Vitório (jovem do Oratório).
388, 389, 392, 393, 612. II. 137.
Limberti, Joaquim (arcebispo). II. 178, 179. Maffei, Francisco. III. 312, 317, 324,
Lione, Estêvão. III. 343. 325, 372.
Lluch y Garriga, Joaquim. III. 59. Magallanes, Fernando de. III. 176.
Locke, J. III. 33. Magallanes, SDB. III. 780.
Loparco, Gracia. II. 698, 742. Magnasco, Salvador (arcebispo). II. 369,
López, Horácio. III. 118. 372, 431, 585, 587, 674. III. 258.
Lorenzone, Tomás. II. 630. Magoia, José (jovem do Oratório). II. 567.
Loriquet, Jean-Nicolas. I. 590. II. 159. Magone, Miguel. I. 42, 72, 76, 98. II. 57,
78, 80, 116, 117, 134, 165, 194, 231,
Losana de Biella (bispo). II. 453.
590, 605.
Louvet, Claire. III. 43, 44, 58, 550.
Maini, L. II. 617.
Luca, Antonino de (arcebispo). II. 387,
Maistre, Carlos de (conde). I. 569. II.
390. III. 299.
219, 254.
Lúcio III. II. 201.
Maistre, de (marquês). I. 548.
Luís Antônio Fleury Colle (filho). III. 212,
756, 764. Maistre, de (marquesa). I. 455, 548.
Luís Antônio Fleury Colle de Toulon. III. Maistre, Eugênio de (conde). I. 569. II. 219.
44, 212. Maistre, Francisco de (conde). I. 569. II. 219.
Luís Felipe de Orleans. I. 491, 497. II. 39. Maistre, José Maria de. I. 330, 438. II. 158.
Luís II (da Baviera). II. 284. Malines, Henriqueta de. I. 211.
Luís IV (da Baviera). I. 327. Malória, José. I. 228, 229, 230, 243,
Luís XIII (da França). I. 378. 256, 313.
Luís XIV (da França). I. 330, 322, 329, Malvano, Tiago. III. 181, 182.
330, 451. Mamiani della Rovere, Terêncio (conde).
Luís Napoleão Bonaparte. II. 47. I. 496.
Lutero, Martinho. II. 185, 188, 196. Manacorda, Emiliano (bispo). I. 548, 570.
Lutzow (condessa). II. 298. II. 209, 220, 300, 303, 369, 651, 674,
675. III. 258, 628, 637, 656, 735, 780.
Mancardi, Inácio. II. 144.
Maccagno, Ângela. II. 632, 701, 703,
712, 713, 715, 722, 723. Manin, Daniel. I. 491, 500. II. 44.
Macchi (bispo de Reggio Emilia). II. 340. Manning, Henry Edward (cardeal). II. 307.
Macchi, Luís (cardeal). III. 345, 375. Manzoni, Alexandre. I. 363, 487.
Maccono, Fernando. II. 704, 707, 733. Maomé. II. 188.
Macey, Carlos. III. 65, 66. Maraccani, F. II. 779.
Mackierna, Eduardo. III. 65. Maraví, José del Carmen. III. 68.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Marcellino, Luís. II. 107, 108, 109, 167, 259. Martin de Moussy, V. III. 175.
Marchetti, Giovanni (arcebispo). I. 270, 271. Martín, A. III. 59, 136, 744.
Marchisio, Clemente. I. 355. II. 446. Martin, George. I. 128, 487, 488, 494.
Marchisio, Jaime. I. 291. Martina, Antônio (jovem do Oratório).
Marchisio, Lúcia. I. 225, 227. II. 567.
Marchisio, Luís (jovem do Oratório). II. 137. Martina, G. I. 318. II. 647, 660, 696.
Marchisio, Santiago. I. 225, 227. Martinelli, Tomás (cardeal). II. 387, 390,
644. III. 299.
Marchisio, Segundo. I. 72, 75, 145, 191,
194. II. 238. Martinengo, Francisco. II. 191.
Marenco, João. I. 89. II. 735, 737, 738, Martinho V. I. 328.
740, 818. III. 209, 269, 422, 424, Marx, Karl. II. 424. III. 20.
429, 430, 459, 464, 465, 466, 467, Maria Ward. III. 167.
478, 480, 488, 491, 507, 508, 662,
675, 685, 695. Masera, Maria. I. 143.
Marengo, Francisco. I. 546, 548, 568, Masino (condessa). I. 546.
570. II. 220, 405, 663. Massa, Lourenço. III. 175, 176.
Margarida (rainha). III. 238. Massaglia, João. II. 125, 130, 165.
Margotti, Estêvão. III. 736. Massaia. III. 159.
Margotti, Tiago. II. 199, 203, 308, 359. Massè, Lourencinha. I. 570.
III. 327, 331, 567, 570, 736. Matera, Luís (monsenhor) III. 191.
Maria Adelaide (rainha da Áustria). II. 17,
Mathews, Ricardo. III. 154.
24, 27, 28, 133.
Matta, João Batista. I. 227, 230.
Maria Clotilde, princesa. II. 28, 32.
Matta, José. I. 198, 225.
Maria da Glória. III. 122.
Matta, Lúcia Pianta. I. 178, 225.
Maria Luísa da Áustria. I. 129, 130.
Maria Teresa (rainha-mãe da Áustria). I. 158, Matteucci, Félix (ministro). II. 568.
331, 336, 451. II. 17, 24, 27, 48, 133. Mazenod, Carlos Eugênio. III. 139.
Marietti, Pedro. II. 153, 456, 614, 617. Mazzarello Baroni, Teresa. III. 111.
Marín Sánchez, Pablo. I. 35, 611. II. 795. Mazzarello, Felicina (Felicidade). II.
Marion-Brésillac, Melquior Maria José de 703, 713.
(bispo). III. 139. Mazzarello, Maria. I. 17, 62, 67, 226. II.
Marocchi, Máximo. I. 309, 612. 8, 232, 235, 278, 358, 632, 697, 702,
Marongiu Nurra, João Manoel (arcebis- 703, 704, 707, 708, 712, 713, 716,
po). II. 650, 654. 717, 718, 719, 722, 723, 724, 725,
726, 727, 728, 729, 730, 731, 732,
Marriott, J. A. R. I. 216, 486, 487, 488, 490.
733, 741, 817, 818. III. 39, 110, 169,
Marrou, Henri I. I. 77. 279, 406, 751, 773, 792.
Marsilius de Pádua. I. 327, 328. Mazzarello, Petronila. II. 702, 706, 713,
Martano, José (jovem do Oratório). II. 567. 723, 725.

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Índice onomástico

Mazzè, Lourencinha. II. 225. Milanésio, Domingos. II. 374. III. 65,
Mazzini, José. I. 136, 159, 217, 218, 361, 110, 186, 221, 236.
362, 484, 485, 486, 487, 491, 493, Minelli, João (jovem do Oratório). II. 567.
495, 496, 497, 499, 500, 501, 529, Minghetti, Marcos (primeiro-ministro). I.
619, 627. II. 17, 29, 30, 31, 32, 35, 485, 487. II. 268, 270, 648, 650, 684,
39, 43, 44, 45, 46, 176, 268, 269, 270, 685, 686, 687. III. 12, 13, 180.
275, 311, 422, 605, 648, 721, 797, Minguzzi, Domingos. I. 69.
805. III. 12, 13, 16, 80.
Miniasi [Menini], Fernando. I. 346.
Mazzucco, Jacinto (jovem do Oratório).
Miscio, A. III. 47.
II. 567.
Modrego (bispo de Barcelona). III. 63.
Medina, Bartolomeu. I. 325.
Moglia (os) I. 75, 177, 189, 190, 191,
Meille, João Pedro. II. 176.
192, 193, 194, 196, 204, 211.
Melano, João (cônego). I. 546.
Moglia, Ana (irmã de Luís). I. 190.
Melegari (ministro). III. 181.
Moglia, Ana Francisca Catarina (filha). I.
Mellica, José (jovem do Oratório). II. 567. 190, 191.
Menabrea, Luís Frederico (primeiro-mi- Moglia, Doroteia Fillipello (esposa). I. 75,
nistro). II. 268, 273, 275, 648, 664, 190, 192.
665, 666, 816.
Moglia, Gregório. I. 75.
Mendl, Michael. II. 101, 237. Moglia, João (tio de Luís). I. 75, 190.
Mendre, Luís. I. 36. Moglia, Jorge Lourenço Maria (filho). I.
Menelik II (imperador). III. 29. 190, 191.
Menghini, Carlos. II. 387, 388. III. Moglia, José (tio de Luís). I. 190.
298, 302, 303, 304, 320, 323, 351, Moglia, Luís Nicolau (proprietário). I. 75,
352, 354, 374. 177, 190.
Menotti, Ciro. I. 217. Moglia, Nicolau (tio de Luís). I. 190, 214.
Mercier, Désiré-Joseph. III. 33. Moglia, Teresa (irmã de Luís). I. 190.
Merla, Pedro. I. 371, 461, 513. Moia (senhorita). I. 546.
Mermillod, Gaspar. II. 307. Moigno, J. III. 231, 232.
Merode, Xavier (ministro). I. 502. Molina, Luís. I. 319, 546.
Messeguer i Costa. III. 63. Molinari, Bartolomeu. II. 765. III. 101.
Metternich, Klemens von. I. 134, 157, Molineris, Miguel. I. 143, 184, 189, 190,
158, 159, 217, 331, 332, 486, 489, 197, 260, 303, 314, 315, 317, 610. II.
491, 492, 493, 616, 627. 125, 164, 794.
Mezzofanti, José (cardeal). II. 158. Momo, José. II. 107.
Michel, Ernesto. III. 40. Mônaco La Valletta, Rafael (cardeal). III.
Michelotti, Ana. II. 446. 24, 57, 340, 375.
Michelotti, Bernardo (abade). II. 599. Monateri, José. III. 367, 383.
Midali, Mário. II. 206, 697, 718, 791, 796. Monsieur et à Madame Colle. III. 199.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Montalenti, Carlos José. I. 156. 377, 411, 487, 550, 642, 644, 654,
Montebruno, Francisco. II. 214, 468, 471. 659, 660,743, 758, 781, 794.
Monti, Antônio. II. 28. Mottura, José. I. 268, 287, 291.
Monti, Paolo. II. 609. Mottura, Sebastião. I. 287, 291.
Monti, Vicente. II. 158. Munerati, Dante. II. 741.
Montmasson, Rosália. III. 14. Murat, Joaquim Mariscal. I. 125.
Montt, Manuel (arcebispo). III. 121, 133. Murialdo, Ernesto. I. 534.
Moreno, Luís (bispo de Ivrea). I. 335. II. Murialdo, Leonardo (São). I. 259, 371,
47, 151, 189, 190, 194, 196, 198, 203, 421, 422, 424, 444, 520, 521, 533,
204, 205, 341, 447, 448, 450, 699, 534, 547, 548, 549, 550, 569, 609,
803, 804. III. 258, 313, 314, 373. 629. II. 70, 151, 220, 436, 445, 446.
III. 370, 686.
Moretta, João Batista. I. 437, 440, 441,
446, 471, 475, 540, 626. Murialdo, Roberto Félix. I. 371, 421, 422,
506, 526, 533, 546, 547, 548, 550,
Morglia, Henrique. II. 598. 553, 563, 569, 577. II. 59, 70, 220,
Moroni, J. III. 175. 405, 446. III. 319, 320.
Morozzo, Carlos (cônego). II. 674. Mussa, Benedito. I. 546.
Mosca, Emília. II. 716. Musso, Antônio. III. 343, 344.
Motto, Francisco. I. 5, 18, 51, 82, 98, Musso, Ermenegildo. III. 358, 479, 480.
105, 107, 110, 170, 300, 304, 305, Musso, João Batista. I. 315, 364, 548,
307, 308, 312, 395, 418, 419, 434, 570. II. 220.
435, 437, 438, 440, 442, 442, 458,
Mussolini, Benito. III. 25, 55, 717.
462, 470, 472, 475, 481, 507, 546,
559, 562, 567, 597, 610, 611, 612. II. Muzi, João (monsenhor). I. 501.
5, 25, 62, 69, 81, 82, 105, 153, 177, Muzzarelli, Afonso. II. 162, 607.
178, 179, 197, 204, 228, 254, 281,
282, 298, 300, 302, 315, 324, 337, Nalbone, José. I. 446.
347, 349, 351, 361, 362, 364, 365,
Namuncurá, Manuel. III. 184, 185, 186,
368, 371, 375, 385, 386, 388, 389,
235, 238.
392, 393, 427, 431, 432, 453, 454,
457, 485, 486, 487, 532, 533, 547, Namuncurá, Zeferino. III. 235, 236, 237,
579, 589, 594, 595, 598, 621, 645, 238, 767.
647, 649, 650, 651, 652, 653, 654, Napoleão Bonaparte (Luís) III. I. 137,
656, 658, 660, 661, 662, 663, 664, 491, 497, 499, 500, 532, 628. II. 30,
666, 668, 669, 670, 671, 672, 673, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 41, 47,
674, 675, 676, 677, 680, 683, 684, 50, 51, 53, 154, 155, 157, 203, 266,
685, 686, 687, 688, 690, 691, 692, 270, 271, 276, 280, 283, 284, 290,
693, 694, 695, 705, 708, 751, 752, 654, 667, 798. III. 39, 45, 117, 122,
753, 793, 794, 795. III. 5, 41, 82, 84, 137, 168.
90, 91, 94, 95, 96, 99, 143, 150, 158, Napoleão Bonaparte. I. 101, 125, 126,
173, 178, 280, 283, 285, 286, 291, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 134,
292, 293, 294, 295, 296, 298, 299, 157, 159, 165, 173, 206, 219, 222,

820

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Índice onomástico

223, 256, 280, 281, 282, 283, 284, Occhiena, João Miguel. I. 172.
287, 300, 318, 330, 335, 336, 337, Occhiena, Margarida (Mamãe Marga-
340, 351, 361, 362, 384, 399, 403, rida). I. 40, 45, 140, 144, 145, 146,
404, 452, 486, 491, 497, 499, 628. II. 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153,
10, 194, 580. 156, 159, 160, 161, 162, 163, 164,
Napp, R. III. 175. 165, 166, 167, 170, 172, 173, 174,
Nardi, Xavier (monsenhor). II. 691. 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181,
182, 183, 184, 185, 186, 187, 188,
Nasi, Ângelo. II. 578.
189, 190, 192, 193, 195, 196, 197,
Nasi, Fancisco (cônego). II. 663. 198, 199, 200, 203, 204, 205, 206,
Nasi, Luís (cônego). I. 532, 548, 570. II. 208, 209, 210, 213, 214, 216, 224,
220, 673. III. 41, 685. 225, 261, 276, 214, 315, 357, 472,
Nay. II. 772. 507, 511, 617, 618, 622. II. 49, 62,
88, 128, 309, 426, 625. III. 566, 669,
Negris, Ângela. III. 111.
787, 789, 793.
Negro, João Batista (jovem do Oratório).
Occhiena, Maria. I. 172.
II. 140.
Occhiena, Melquior Marcos (padrinho).
Negroni (bispo). II. 642.
I. 145, 172, 173, 185.
Newman, John Henry (cardeal). III. 32. Occhiena, Miguel. I. 172, 173, 175, 177,
Nicco, Eugênio. I. 245. 185, 188, 191, 192, 193, 196, 200,
Nicolis di Robilant, Luigi C. I. 346, 348, 204, 213, 216.
444, 446, 610. Occhiena, Segundo. I. 145.
Nicotera, João. III. 12. Occhiena, Vicentina. I. 570. II. 221.
Nina, Lourenço. III. 34, 339, 345, 348, 351, Ockham, Guilherme. I. 327, 328.
352, 353, 354, 356, 357, 358, 359, 360, Odão de Saboia. I. 397.
361, 365, 367, 375, 422, 468, 469, 654. Oddenino, André. III. 324, 327, 333, 334,
Nobili Vitelleschi, Salvador (cardeal). III. 335, 336, 343, 366, 367, 373, 739.
283, 375. Odone, José Antônio (bispo). II. 627.
Norfolk (duque de). III. 58, 615. Olier, Jean Jacques. II. 484.
Novelli, Giuseppe. I. 39. Olive, Luís. III. 49, 568.
Novo, Maria Teresa (senhora Bellezza). Olivero, João. III. 295.
II. 622.
Olivieri, Raimundo. I. 63.
Onesti, Francisco. I. 548, 570. II. 220.
O’Higgins, Bernardo. III. 121. Oreglia di Santo Stefano (marquesa). II.
Oberdan, Guilherme. III. 27. 665.
Occelletti Chevalier, Carlos. I. 429. II. Oreglia di Santo Stefano, Frederico. I. 22.
594, 595, 596. II. 52, 67, 69, 261, 616, 665, 666,
Occhiena, Francisco. I. 200. 749, 757. III. 293, 363.
Occhiena, Joana Maria (Mariana). I. 172, Oreglia di Santo Stefano, Luís (cardeal).
173, 175, 183, 184, 185, 186, 188, III. 319, 325, 329.
197, 216, 618. II. 88, 128. Oreglia, Jorge (cônego). II. 673.

821

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Dom Bosco: história e carisma 3

Oribe, Manuel. III. 124. Paulo VI. III. 238, 673.


Orsini, Félix. II. 32, 50. Pavésio, José. I. 268.
Ortalda, José (cônego). I. 550. Pavia, Bella (mãe de Jonas). I. 112.
Oudinot, Nicolau Carlos. I. 499. Pavoni, Ludovico. I. 420. II. 58, 62.
Pazzaglia, Luciano. II. 66, 69, 70, 71, 794.
Pacchiotti, Sebastião. I. 107, 436, 438, Pecci, José (cardeal). III. 33.
439, 447, 449, 456, 458, 459, 460, Pecci, Vicente Joaquim (Leão XIII). III.
473, 546, 547, 548, 570. II. 220, 472. 17, 31, 32.
Packenham Despard, Jorge. III. 154. Pederzani, E. II. 362.
Pagani, João Batista. II. 50, 254, 453. Pedrini, Arnaldo. I. 309.
Pagella, João. II. 634. Pedro I. III. 117, 122.
Paglia, Francisco. III. 295, 473. Pedro II (Pedro de Alcântara). III. 123.
Pagliere, Estêvão. III. 754, 761. Pelagaud, J. B. II. 459.
Palazzolo, Carlos (residente no Oratório). Pelágio. I. 319.
I. 509.
Pelazza, André. II. 790. III. 48, 468.
Palestrino, Domingos. II. 790. Pellegrini, Carlos. III. 120.
Palo, Pedro (jovem do Oratório). II. 141. Pellicani, Antônio. III. 344, 348, 349,
Panaro, Bartolomeu. III. 110. 358, 359, 375, 702, 707.
Papes, A. II. 779. Péllico, Sílvio. I. 452, 455, 553, 572, 574,
Papino. II. 62. 575. II. 135, 158.
Pappalardo, Rosário (jovem do Oratório). Pennaro, Lúcia. I. 150.
II. 138. Pennati, E. III. 68, 782.
Parone, Luís (residente no Oratório). I. 509. Peraza, Fernando. I. 95.
Parravicini, Luís Alexandro. II. 154. Perenchio, João. III. 313, 314, 315, 316,
Pascal, Blaise. I. 321, 322, 323. 319, 321, 363, 373, 374.
Pasolini, Domingos. III. 154. Pérez, José Joaquim. III. 121.
Pasquale, Mateus (jovem do Oratório). Perino, Inácio (jovem do Oratório). II. 567.
II. 567. Perlo, Jaime. I. 269.
Passanante, Juan. III. 20, 21. Perret, João Batista. III. 40.
Passavanti, Jacó. I. 270, 272. Perrone, João. II. 187, 181, 405.
Passerone, João. I. 317. Perrot, Pedro. III. 41, 555.
Passio, Dionísio André (bispo). II. 553. Perruca, Joaquín Esteban. III. 783.
Pastoret (madame). I. 453. Pescarmona, Alexandre (jovem do Orató-
Pastré (senhora). III. 42. rio). I. 509, 511. II. 558.
Patria, José (jovem do Oratório). II. 567. Pescarmona, Alexandre. I. 178, 209.
Patrizi, Constantino (cardeal). II. 387, Pescarmona, João Batista. I. 178, 209, 260.
390. III. 299. Pestalozzi, João Henrique. II. 553.

822

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Índice onomástico

Pestarino, Domingos. I. 62, 63, 66. II. 254, 255, 256, 267, 269, 270, 272,
213, 358, 632, 699, 701, 702, 703, 273, 274, 276, 277, 280, 281, 286,
704, 705, 706, 708, 709, 710, 711, 287, 288, 290, 292, 295, 299, 302,
712, 713, 714, 715, 716, 719, 720, 308, 310, 311, 313, 314, 316, 317,
721, 722, 723, 724, 725, 726, 727, 318, 322, 325, 327, 330, 335, 337,
728, 731, 732, 733, 748, 817, 818. 338, 339, 343, 347, 351, 358, 359,
III. 239. 360, 365, 366, 367, 371, 375, 385,
Petiti, João (jovem do Oratório). II. 138. 386, 387, 388, 390, 391, 392, 393,
Petitti di Roreto, Carlo Ilarione. I. 387, 393. 394, 397, 398, 400, 422, 427, 429,
Pettiva, Segundo. II. 259. 431, 438, 448, 450, 453, 463, 464,
476, 477, 489, 498, 505, 508, 509,
Peyron, Amadeu. I. 550.
511, 512, 533, 592, 597, 603, 604,
Piano, João. II. 127. 605, 612, 613, 617, 631, 636, 646,
Pianta, João. I. 179, 231. 648, 650, 651, 652, 653, 654, 655,
Pianta, Lúcia. I. 179, 225. 657, 659, 660, 662, 667, 668, 669,
Picco, Mateus. I. 513. II. 121, 127, 130, 670, 671, 673, 674, 675, 676, 679,
167, 565, 568, 801. 680, 681, 683, 684, 689, 692, 694,
711, 717, 727, 796, 797, 805, 806,
Pigafetta, Antônio. III. 174. 807, 816. III. 7, 14, 17, 22, 25, 32,
Pignolo. III. 292, 293. 34, 38, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 57,
Pilone, Catarina. I. 250. 77, 87, 95, 101, 109, 110, 111, 136,
Pinamonti, João. I. 275. 137, 138, 140, 142, 144, 146, 150,
151, 152, 156, 161, 262, 204, 219,
Pinardi, Francisco. I. 14, 103, 107, 108,
236, 237, 240, 248, 253, 254, 256,
116, 179, 180, 182, 421, 434, 435, 437,
258, 281, 284, 289, 291, 293, 294,
441, 448, 449, 450, 456, 458, 459, 460,
295, 296, 298, 300, 303, 304, 305,
461, 462, 463, 464, 465, 465, 466, 468,
306, 315, 319, 320, 321, 323, 331,
471, 472, 475, 484, 505, 506, 507, 508,
332, 333, 335, 336, 340, 361, 368,
510, 511, 512, 516, 532, 540, 543, 555,
370, 377, 383, 386, 388, 390, 391,
559, 565, 591, 596, 626, 628. II. 26,
392, 400, 404, 405, 431, 436, 445,
46, 49, 54, 55, 56, 61, 62, 76, 87, 119,
446, 459, 460, 464, 465, 466, 484,
237, 470, 448, 581, 601, 622, 624, 625,
497, 699, 724, 735, 751, 752, 754,
625, 626.
756, 760, 761, 762, 763, 764, 767,
Pio I. II. 161. 768, 771, 772, 773, 776, 780, 784,
Pio IX. I. 41, 61, 83, 97, 111, 170, 254, 785, 786, 788, 789, 790.
330, 375, 376, 419, 421, 434, 486, Pio V. I. 319. II. 610.
488, 489, 492, 494, 495, 496, 499,
Pio VI. I. 128.
501, 502, 503, 504, 524, 529, 531,
536, 550, 562, 627, 628. II. 11, 12, Pio VII. I. 101, 126, 128, 130, 132, 133,
13, 18, 21, 27, 29, 34, 35, 37, 41, 43, 134, 173, 194, 206, 280, 286, 336,
45, 46, 50, 51, 52, 53, 126, 152, 157, 337, 338, 339, 374, 376, 501, 616. II.
160, 185, 205, 210, 211, 223, 224, 147, 313, 459, 610, 612, 617.
231, 236, 240, 250, 251, 252, 253, Pio VIII. I. 195, 196, 204, 374.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Pio X. III. 17, 25, 48, 53, 238, 682, Prinotti, Lorenzo. I. 371.
700, 713. Provana de Colegno, José Maria (conde).
Pio XI. I. 373. III. 25, 238, 639, 640, 682, I. 107, 458, 475, 476.
704, 707, 708, 709, 710, 711, 712, Provana de Colegno, Luís. I. 542. II. 553.
713, 714, 717, 722, 726, 730, 778.
Provera, Francisco. I. 22, 72. II. 259, 260,
Pio XII. I. 373.
261, 565, 577, 578, 581.
Pirola. G. II. 458.
Provera, Vicente. II. 577, 578.
Pirri, P. II. 647.
Proverbio, Germano. II. 393.
Pisacane, Carlos. II. 31, 32.
Puecher, Francisco. I. 511.
Pisanelli, José. II. 577.
Pisani, Paulo. III. 44. Pugnetti [Pignetti], Valeriano. I. 225.
Pistone, Bartolomeu. III. 197, 198. Pugno, João. I. 523.
Ploetz. III. 116. Pullini, Máximo. I. 546.
Poirino, Felipe de. II. 191.
Poirino, Santiago. II. 43. Quaglia, Ângelo (cardeal). II. 326, 338, 339,
Ponte (Ponti), Pedro. I. 107, 347, 423, 340, 341, 344, 346, 353, 402, 414, 808.
447, 450, 509, 520, 533, 546, 547, Quaranta, Martinho. III. 462.
548, 550, 551, 552, 553, 554, 555,
568, 570, 571, 573, 574, 629, 630. II. Quarelli, Davi (jovem do Oratório). II. 138.
58, 59, 220. Quesada, V. III. 161.
Ponza di San Martino, Gustavo (conde). Quesnel, Pascásio. I. 322.
II. 276, 667.
Portales, Diego José Víctor. III. 121. Quinn, Mateus (arcebispo). III. 150.
Posada, Maria Esther. II. 696, 697, 699, Quirino, Camilo. III. 221, 222.
700, 701, 702, 704, 705, 707, 714, Quiroga. III. 153.
715, 716, 717.
Prasca, Ângela (condessa, mãe de Lemoy-
ne). I. 60. Rabagliati, Evásio. III. 65.
Prat-Noilly (senhora). III. 41. Racca, João (jovem do Oratório). II. 135.
Prato, Leão. III. 331, 332. Racine, João. I. 321.
Prellezo, José Manuel. I. 8, 95, 98, 547, Rademacher, Daniel. II. 25, 28.
609, 611, 612. II. 243, 697, 794, 796,
81, 105. III. 157, 490, 491, 514, 515, Rademaker (conde). I. 546.
519, 520, 522, 523, 524, 532, 536, Radetzky, José von. I. 492, 494, 495, 497.
537, 542, 546, 598, 744, 745, 759,
Raimondi, Timoleonte. III. 151.
761, 784, 791, 792, 793, 794, 795,
796, 797, 6, 147, 467, 489, 490, 493, Ralli, Plácido. II. 644.
495, 497, 498, 499, 506, 510, 515, Ramello, Cândido. III. 692.
519, 567, 720, 721, 722, 748, 749,
750, 751, 752. Ramello, Francisco. III. 163.
Prialis, Lourenço. I. 287, 291. Ramello, José. II. 566.
Priana Carpani, João. II. 178. Rampolla, Mariano. III. 25, 34, 35, 37.

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Índice onomástico

Ras Alula. III. 28. Richelieu, Armando Jean (cardeal). I. 321.


Ratazzi, Urbano. I. 121, 351. II. 15, 17, Richelmy, Agostinho (cardeal). I. 350,
19, 21, 23, 24, 27, 28, 29, 30, 40, 41, 354. II. 739.
47, 48, 50, 113, 114, 115, 132, 203, Richelmy, Carlos. I. 546.
236, 240, 246, 247, 248, 249, 250, Riccoti, Hércules. II. 154. III. 16.
257, 268, 272, 273, 302, 316, 318, Rignon, Félix. II. 594.
445, 453, 508, 509, 510, 511, 573,
Rigutini-Fanfani. III. 233.
575, 577, 605, 648, 664, 694, 797,
801, 805. Rinaldi, Felipe. I. 48, 70, 147, 206. II.
740, 742, 772, 773, 778, 779, 783,
Ravina, Felipe. I. 576, 577. III. 287, 288. 787, 788, 789, 790, 820. III. 48, 52,
Reano, José. II. 128, 167. 64, 413, 453, 662, 675, 678, 682,
Renaldi, Lourenço (bispo de Pinerolo). I. 685, 695, 701,705, 707, 708, 716,
335. II. 341. 721, 722, 728, 730, 785.
Renzi, Pedro. I. 487. Riva. III. 68.
Rivadavia, Bernardino. III. 132, 133.
Reviglio, Felipe. I. 508, 509, 511.
Rivera, Frutuoso. III 124.
Reviglio, Félix. I. 151, 155, 562. II. 46,
133, 236. Rizzo, Emílio. III. 185.
Reynaudi, João Batista. II. 457. Robert, Terésio (jovem do Oratório). II. 140.
Ribotta, Michel. II. 152, 198, 562. III. Robilant. III. 16.
143, 533, 745. Robino, André. II. 124.
Ricaldone, Pedro. I. 36, 610. II. 628, 742, Robiola [Raviola], Vicente. I. 291.
778, 779, 789, 790, 820. Roca, Júlio. III. 120, 184, 185, 186, 191,
Ricasoli, Bettino [Bertino]. II. 53, 267, 193, 194, 205.
268, 273, 563, 648, 654, 655, 656, Rocca, Ângelo Maria. II. 374, 378. III.
657, 658, 659, 660, 662, 664, 670. 311, 312, 313, 314, 315,321, 372,
Riccardi di Netro, Alexandre Otaviano 373, 380, 381, 441, 443, 444, 775.
(arcebispo). I. 283, 290, 335, 340, Rocca, Luís. III. 699.
351, 419, 481. II. 233, 320, 321, 336, Rocchietti, José. II. 47, 48, 106, 107, 108,
337, 338, 339, 341, 344, 346, 348, 238, 245, 261, 576, 577.
349, 350, 351, 352, 355, 358, 359, Roccia, R. II. 362.
368, 416, 427, 431, 432, 435, 447,
Rodríguez de Mendoza, Turíbio. III. 125, 128.
476, 498, 628, 631, 661, 662, 675,
808. Rodriguez, Afonso. II. 454, 551.
Riccardi di Netro, Davi (arcebispo). I. Rodriguez, Laura II. 731.
350. II. 434. III. 345, 682, 687, 689, Roetti, Bartolomeu. I. 351, 353, 533.
690, 698, 732, 736. Roetto. II. 167.
Riccardi, Antônio. III. 578. Rohrbacher, François-René. I. 272.
Riccardi. III. 100. Rojas, Manoel. III. 235.
Ricceri, Luís. II. 791. III. 163, 454, 455. Rollini, José. II. 628.

825

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Dom Bosco: história e carisma 3

Romagnosi, João Domingos. II. 553. 69, 70, 71, 72, 73, 103, 144, 145, 154,
Romano, Lourenço. I. 82, 312. 155, 181, 182, 183, 186, 210, 242,
Romero, Cecília. II. 285, 697, 706, 710, 252, 350, 511, 534, 547, 585, 609,
711, 712, 713, 714, 715. 611, 620. II. 5, 47, 48, 50, 52, 57, 77,
81, 88, 103, 104, 106, 107, 108, 109,
Ronchail, José. III. 39, 40, 45, 380, 473,
11, 130, 131, 132, 133, 135, 146, 167,
555, 558.
211, 212, 231, 232, 233, 237, 238,
Roppolo Musso, João Batista. I. 315.
239, 245, 246, 251, 254, 255, 256,
Roppolo Musso, José. I. 315. 259, 260, 261, 286, 316, 318, 393,
Roppolo, Alfredo (jovem do Oratório). 462, 478, 479, 499, 541, 566, 573,
II. 567. 578, 579, 580, 584, 628, 656, 661,
Rosas, João Manuel de. III. 119, 123, 664, 665, 666, 671, 698, 718, 734,
124, 133. 735, 737, 738, 739, 740, 741, 742,
Rosmini, Antônio Serbati. I. 79, 85, 269, 750, 751, 752, 759, 768, 779, 780,
352, 359, 363, 432, 496, 511, 532. II. 781, 783, 794, 818, 820. III. 5, 8, 32,
49, 62, 158, 257, 330, 331, 409, 422, 55, 64, 66, 71, 72, 77, 150, 183, 197,
423, 424, 427, 433, 444, 447, 453, 201, 205, 207, 216, 238, 271, 272,
461, 487, 512, 513, 566, 622, 642. III. 275, 300, 303, 312, 313, 314, 317,
33, 305, 308, 327, 353, 359, 360, 375. 335, 336, 337, 340, 345, 346, 360,
Rosoli, Gianfausto. III. 80, 159, 745. 363, 379, 380, 383, 406, 410, 414,
Rossaro. III. 66. 415, 419, 420, 422, 423, 426, 429,
433, 434, 435, 437, 444, 445, 447,
Rossi de Santa Rosa [Derossi de Santaro-
451, 452, 467, 468, 472, 473, 478,
sa], Pedro de. I. 510. II. 13, 46.
487, 494, 516, 517, 522, 525, 527,
Rossi, Félix. I. 553. 528, 529, 530, 531, 534, 538, 539,
Rossi, José I. 71. II. 67, 231, 260, 749, 540, 544, 545, 552, 553, 559, 560,
757, 790. III. 60, 437, 593, 611, 686. 561, 562, 566, 568, 569, 570, 571,
Rossi, Marcelo. II. 753, 790. 573, 580, 581, 582, 585, 586, 598,
Rossi, Paulo Francisco. I. 520, 546, 548, 599, 601, 607, 609, 610, 611, 612,
552, 569, 574. II. 220. 613, 614, 617, 623, 624, 626, 627,
Rossi, Pellegrino de. I. 496, 628. 629, 630, 631, 644, 645, 646, 648,
649, 650, 651, 652, 653, 654, 655,
Rosso, Ana. I. 178, 198, 205.
656, 657, 658, 659, 660, 662, 663,
Rossum, G. M. van. II. 698. 664, 665, 666, 667, 668, 669, 670,
Rota, Pedro. III. 110. 671, 672, 673, 674, 675, 676, 677,
Roussel. III. 43. 678, 679, 680, 681, 682, 684, 687,
Roussin, Luís. I. 42. 721, 726, 739, 743.
Rovere, Jerônimo Della. I. 282. Rubino, João Batista. I. 580.
Rovetto, Antônio. II. 259. Rudini, Antônio. III. 11.
Rua, Luís (jovem do Oratório). II. 130. Ruffino [Rufino], Domingos. I. 19, 21,
Rua, Miguel. I. 17, 21, 22, 24, 25, 28, 31, 22, 23, 24, 27, 30, 31, 52, 65, 66, 62,
38, 42, 44, 47, 48, 50, 52, 53, 65, 68, 73, 76, 98, 101, 111, 408, 409, 411,

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Índice onomástico

416, 613. II. 134, 260, 261, 581, 616. San Martín, José de. III. 117, 118.
Saccarelli, Gaspar. I. 371, 546. Sanmartino d’Agliè (conde). II. 597.
Sacilotti, Pedro. III. 233. Santa Ana. II. 630, 642, 698, 700, 707,
Sadoc Alemany, José. III. 143. 708, 709, 710, 727.
Sáenz Peña, Luís. III. 120. Santa Teresa. I. 455.
Sagrini, Tibério. I. 346. Santa Zita. I. 371. II. 177, 197.
Saint-Cyran, João A. I. 320, 321, 322. Santo Afonso Maria de Ligório. I. 273,
292, 294, 305, 318, 324, 326, 336,
Saint-Simon, Henri de. II. 43. 342, 343, 345, 350, 367, 375, 592,
Sala, Antônio. I. 27, 28, 72. II. 581. 593, 624. II. 147, 162, 309, 405, 421,
Salas, José Hipólito. III. 159. 421, 422, 454, 456, 551, 607, 719,
Sales Francisco São (Oratório). I. 6, 7, 14, 720, 721.
17, 23, 44, 71, 91, 94, 95, 99, 102, 103, Santo Agostinho. I. 110, 222, 283, 319,
104, 111, 114, 119, 120, 179, 300, 324, 371, 508. II. 131, 170, 173, 312,
307, 309, 320, 342, 366, 371, 373, 323, 480.
377, 395, 399, 418, 419, 422, 434, Santo Anacleto. II. 161, 162.
435, 436, 437, 438, 441, 450, 451, Santo Aniceto. II. 161.
463, 505, 506, 507, 510, 511, 512,
Santo Eleutério. II. 161.
514, 515, 516, 519, 520, 526, 533,
536, 537, 538, 543, 545, 553, 555, Santo Evaristo. II. 161.
556, 557, 559, 561, 562, 563, 565, Santo Higino. II. 161.
567, 572, 575, 576, 577, 578, 579, Santo Inácio de Loyola. I. 373. II. 138,
593, 606, 615, 624, 626, 628, 629, 147, 170, 457, 481, 580, 670, 671.
630. II. 6, 23, 47, 54, 55, 56, 61, 63, Santo Irineu. II. 162.
65, 66, 68, 76, 80, 81, 98, 103, 105,
Santo Isidoro, lavrador. II. 177, 197.
106, 111, 118, 164, 165, 168, 172,
193, 194, 207, 208, 210, 211, 214, Santo Tomás de Aquino. II. 405.
215, 216, 217, 222, 223, 224, 226, Santos mártires Solutor, Aventor e Otávio.
228, 229, 237, 238, 241, 242, 245, II. 623.
252, 253, 259, 261, 278, 282, 304, Sanzio, Rafael. III. 12.
320, 322, 323, 324, 325, 327, 341, São Caetano. II. 525.
342, 353, 355, 368, 372, 399, 405,
411, 412, 413, 414, 415, 449, 464, São Calisto. II. 161.
466, 468, 470, 473, 474, 478, 480, São Clemente Hofbauer. I. 336.
525, 528, 536, 541, 544, 570, 601, São Clemente. II. 161.
620, 622, 626, 630, 638, 706, 713, São Cleto. II. 161, 162.
716, 723, 727, 750, 800, 804, 819.
São Cosme. II. 255.
Salloti, Carlos. II. 794.
São Damião. II. 255.
Sallua. II. 370.
São Felipe Neri. I. 118, 223, 259, 267,
Salvaj Giocondo, Pedro (monsenhor). II. 287, 304, 376, 377, 506, 564, 602,
450, 663, 681. III. 312. 624. II. 163, 435.
Sanglau, Aquiles de. II. 285, 619. São Gregório Magno. III. 450.

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Dom Bosco: história e carisma 3

São Jerônimo Emiliani. II. 312, 453. 260, 261, 449, 468, 472, 568, 622,
São João Maria Vianney. II. 425. 628. III. 686.
São José. II. 51, 65, 106, 110, 111, 143, Sávio, Ascânio. I. 82, 312, 548, 570. II.
169, 211, 227, 446, 594, 595, 596, 220, 240, 453. III. 295, 687.
630, 759, 766, 800, 814. Sávio, Benedita. II. 698, 699, 700, 701, 817.
São Justino. II. 161, 162. Sávio, Carlos. II. 129.
São Leonardo de Porto Maurício. II. 162. Sávio, Domingos. I. 42, 72, 97, 98, 210,
São Lino. II. 161. 278, 586. II. 48, 49, 50, 57, 78, 80,
82, 85, 87, 88, 95, 99, 106, 107, 108,
São Luís Gonzaga. II. 111, 118, 129, 214, 109, 116, 117, 118, 119, 120, 121,
220, 466, 605. 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128,
São Marcelo. II. 193, 623. 129, 130, 131, 148, 163, 164, 165,
São Martinho de Tours. II. 160. 166, 167, 231, 238, 426, 485, 565,
590, 600, 601, 603, 604, 605, 608,
São Pancrácio. II. 160.
794, 795, 801, 802. III. 212, 218,
São Pedro. II. 160, 161, 162, 182, 187, 238, 263, 331, 448, 495, 499, 512,
188, 189, 193, 311, 351, 595, 630, 598, 639, 668, 669, 683, 701, 713,
668, 671, 802. 714, 715, 721, 741, 753, 754, 755,
São Policarpo de Esmirna. II. 162. 756, 757, 758, 759, 761, 762, 763,
São Sisto. II. 161. 786, 789.
Sávio, Estêvão. II. 106, 238.
São Sotério. II. 161.
Sávio, Evásio. I. 216.
São Telésforo. II. 161.
Sávio, Teresa Tosco, II. 127.
São Vicente de Paulo. II. 49, 104, 105, 111,
113, 198, 320, 330, 435, 448, 449, 450, Savonarola, Jerônimo. II. 155.
455, 528, 574, 585, 586, 595, 700, 800. Sbarretti, Eneas. III. 299, 323, 374.
São Zeferino. II. 161. Scaglietti, José (jovem do Oratório). II. 140.
Saracco, João Batista (jovem do Oratório). Scalabrini, João. III. 25.
II. 141. Scanagatti, Miguel. I. 569. II. 220.
Sardá, Félix. III. 58, 788, 796. Scappini, José. III. 54, 460, 534.
Sarmiento, Domingos Faustino. III. 81, Scarampi di Pruney, Fernando (marquês).
96, 120. II. 584.
Sartoris, Espírito. I. 194, 260, 317, 404. Scarampi di Pruney, Ludovico (marquês).
I. 534.
Satolli. III. 37.
Scarampi, João (marquês). I. 569. II. 219.
Savini-Svegliati, Ângelo (monsenhor). II.
Scavini (jovem do Oratório). II. 765.
232, 316, 322, 326, 339, 340, 345,
347, 373, 378, 388, 408, 475, 487, Scavini, Bartolomeu. III. 101.
526, 527, 549, 807. Scavini, Pedro. II. 405.
Sávio, Ângelo. I. 22, 77, 511. II. 24, 106, Schmid, Teófilo. III. 154.
212, 214, 231, 238, 240, 252, 259, Schoenemberger, P. II. 779.

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Índice onomástico

Sciacca, Miguel Frederico. I. 268. Sola, Pedro. I. 335. III. 40.


Scialoja, Antônio. II. 563. Solano López, Francisco. III. 119, 124.
Sciandra, José Maria. II. 431, 674, 714, Solaro della Margherita, Clemente (con-
715, 716, 728. de). I. 529. II. 17.
Scolari, Teodoro. I. 521. Soldati [Soldà], José Maria. II. 434, 442.
Scoppola, Pietro. I. 79. III. 288, 292, 305.
Scotti, P. III.162, 744, 788. Soloviev, Vladimir. III. 33.
Scotton, André (monsenhor). II. 674. Sona, Mateus. III. 334, 337, 374.
Segismundo, José. I. 145. Sora (duquesa de). III. 363.
Segneri, Paulo. I. 270, 272. Sorbone, Henriqueta. II. 716.
Sella, Quintino. II. 593. Sordi, Serafim. II. 192, 196.
Sellon Benso, Adela de (mãe de Cavour). Spezia, Antônio. II. 572, 627, 630.
II. 39.
Spínola, Marcelo (bispo). I. 39. III. 59.
Selmi, Francisco. II. 568.
Stacpoole, Georgina (condessa). III. 44, 65.
Sêneca. II. 155.
Staelens, F. III. 66.
Serra, Francisco. II. 144.
Stella, Pedro. I. 6, 18, 44, 45, 50, 51, 56,
Serra, Jesusa. III. 675.
110, 148, 167, 183, 184, 188, 189,
Serra, Mariano. III. 61. 194, 197, 205, 207, 215, 268, 270,
Shemboche, Miguel. III. 350. 273, 275, 302, 304, 306, 317, 334,
Sibilla, Pio Eusébio. I. 223, 256, 365. 335, 338, 340, 341, 348, 349, 386,
Siboni, Anacleto Pedro (bispo). II. 224, 394, 395, 405, 407, 417, 422, 435,
369, 674, 675. III. 256. 442, 472, 506, 507, 508, 509, 511,
Siccardi, José (conde). II. 10, 11, 12, 40, 513, 515, 517, 536, 543, 584, 585,
46, 203, 575, 605, 648, 797. 592, 596, 598, 609, 610, 611, 612. II.
6, 17, 22, 59, 60, 62, 66, 68, 69, 70,
Sigismundo (imperador). I. 397.
71, 86, 105, 106, 107, 116, 117, 132,
Silva Ferreira, Antônio da. I. 6, 71, 94, 95, 142, 147, 148, 151, 152, 162, 194,
102, 103, 242, 269, 301, 308, 312, 313,
198, 213, 223, 226, 227, 228, 229,
347, 351, 393, 414, 441, 442, 461, 462,
237, 241, 244, 258, 341, 366, 507,
475. II. 6, 80, 113, 131, 259. III. 6, 679.
512, 513, 536, 537, 546, 575, 578,
Silvela, Francisco. III. 69, 70, 71, 72. 579, 581, 595, 596, 613, 615, 617,
Silvestro, João. III. 197, 198. 696, 697, 699, 707, 708, 779, 791,
Silvy, Luís. I. 323. 794, 796, 804. III. 6, 143, 158, 159,
Simeoni, João (arcebispo). II. 306. III. 95, 161, 250, 293, 366, 485, 520, 544,
169, 190, 308. 545, 546, 594, 595, 680, 681, 686,
Sinistrero V. II. 556. 687, 691, 693, 697, 698, 699, 706,
708, 714, 715, 744, 788, 796.
Smedt, Charles. I. 78.
Strobel. III. 153.
Smith, Mack. III. 26, 743.
Soave, Pancrácio. I. 108, 441, 461, 462, Strossmayer, Josip Juraj (bispo). III. 33.
463, 468, 469, 505, 506, 516. Strumia. I. 291.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Stuardi, Ângelo. I. 345. Treacy, Maria Cecília. I. 265. II. 700.


Sturla, Luís. II. 719. Trione, Estêvão. III. 705, 706.
Sussolino, Margarida. I. 438. Trivero, José. I. 449, 472, 543, 547, 548,
Szanto, Ernesto. III. 161, 744. 569. II. 220.
Trona, Alexandre. II. 134.
Tubaldo, Igino. I. 354, 443. II. 698.
Tago, A. I. 447.
Tuninetti, José. I. 334, 335, 339, 345,
Tarditi, Vicente (jovem do Oratório).
351, 353, 354, 355, 611. II. 347, 359,
II. 141.
360, 365, 375, 377, 374, 395, 421,
Taroni, Paulo. III. 47. 422, 423, 424, 425, 426, 427, 428,
Tasca, Jacinto. I. 422. 429, 430, 431, 432, 434, 435, 436,
Tewodros II. III. 29. 438, 439, 441, 442, 443, 444, 445,
446, 448, 449, 450, 451, 675, 676,
Tésio, José. I. 112, 438, 440. 678, 679, 681, 683, 795. III. 280,
Testa, Luís. III. 319, 320. 282, 283, 288, 301, 302, 305, 306,
Tettoni, Leão. II. 154. 307, 308, 325, 327, 344, 345, 361,
362, 363, 364, 369, 370, 634, 635,
Tewodros II. III. 29.
744, 745, 797.
Thévenot, Xavier. I. 84.
Turchi, João. I. 22. II. 106, 133, 238, 240.
Thiel, Bernardo Augusto. III. 222. III. 326, 344, 362, 363, 364, 374, 687,
Tomatis, Domingos. III. 77, 100, 101, 690, 702, 707, 732, 733, 737, 740.
102, 103, 104, 194. Turco, Domingos. I. 189, 216, 242, 254.
Tommaseo, Nicolau. I. 491. II. 159, 802. Turco, José. I. 216, 242, 250, 251, 254, 620.
Tonelli. II. 656. Turco, Lúcia I. 242, 252, 254, 620.
Tonello, Miguel Ângelo. II. 654, 655, 656, Turletti, Felipe. II. 576.
657, 658, 659, 660, 661, 662, 663, 816.
Torchio, Fernando (jovem do Oratório). Uguccioni, Jerônima (condessa). II.
II. 567. 656, 688.
Torra, Luís. I. 39. III. 67. Uguccioni-Gherardi, Tomás (conde, mar-
Torre, Jacinto Benigno Della (arcebispo). quês?). II. 655, 656, 665, 668, 688.
I. 211, 280, 283, 284, 340. Urbano VI. I. 328.
Tortone, Caetano (monsenhor). II. 338, 339, Urbano VII. II. 455.
344, 345, 671, 672, 808. III. 344, 374. Urbano VIII. I. 319. II. 330. III. 167.
Tortone, João. III. 308. Uriburu, José. III. 120.
Tosa, Tomás. III. 320. Urquiza, Justo José de. III. 119.
Tosco-Sávio, Teresa. II. 127. Usseglio, Giuseppe. I. 334, 339, 340, 343,
Tosti, Luís (cardeal). II. 92. III. 25. 345, 348, 612.
Trabucco de Castagnetto, César. III. 325.
Traniello, Francisco. II. 794. III. 80, 680, Vacchetta, Miguel A. I. 546.
744, 745, 796. Vaglienti (senhora). I. 517.

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Índice onomástico

Valdivieso y Zanartu, Rafael Valentim. Vigliani, Paulo Honorato. II. 250, 653,
III. 133. 684, 685, 686, 687, 688, 689, 690,
Valdo (Waldo), Pedro. I. 522, 524. II. 692, 693, 817.
181, 185, 188, 201, 203. Viglietti, Carlos Maria. I. 19, 27, 29, 30,
Valenti Binelli, Felicidade. II. 598. 33, 34, 35, 67, 72, 73, 74, 91, 93,
160, 171, 611, 614. II. 82, 304, 490,
Valentini, Eugênio. I. 48, 193, 195, 432,
491, 729, 795. III. 208, 209, 228,
442, 533, 547, 612.
429, 538, 539, 543, 549, 552, 553,
Valerio, G. I. 382. 554, 555, 556, 557, 558, 559, 560,
Valfré, Sebastião (beato) I. 342. II. 163. 561, 562, 563, 564, 565, 566, 567,
Vallauri, Francisco. II. 126, 128. 568, 569, 570, 571, 572, 573, 574,
Vallauri, Pedro. III. 336. 575, 576, 577, 578, 579, 580, 581,
582, 583, 584, 585, 586, 587, 588,
Valle, Carlos Mateus della. III. 692.
589, 590, 591, 592, 596, 599, 601,
Valle, Manuel Teodoro del. III. 67. 603, 605, 606, 607, 608, 611, 612,
Valle, Marina della. III. 687, 692, 693, 694. 613, 614, 615, 616, 618, 620, 621,
Vallino, Luís (jovem do Oratório). II. 141. 622, 623, 625, 652, 655, 729, 790.
Valsecchi, T. III. 376. Vigna, José Camilo. II. 568.
Vaschetti, Francisco. II. 107, 108, 109, Villa (senhor). I. 182, 183.
167, 576, 577. Villanova, Clemente. I. 569. II. 219.
Vaucher. II. 185. Villari, Pascoal. III. 26.
Vecchi di Val Cismon, C. M. II. 653. Villefranche, Jacques-Melchior. I. 20, 41,
Vegezzi, Xavier. II. 650, 652, 653, 654, 42, 43, 52, 614.
655, 816. Villegas, Conrado. III. 186, 196, 205.
Veglio. II. 652. Villeneuve (condessa). I. 37.
Verbist, Teófilo. III. 139. Villeneuve, Pedro (conde). I. 37.
Verda, Domingos. II. 665. Vimercati (conde). II. 661.
Verga, Isidoro (arcebispo). III. 339, 342, Vincente. III. 41.
347, 348, 375.
Virano, José. I. 404.
Vergier de Hauranne (Duvergier), Jean
Virano, Manoel. I. 190, 214, 215, 365.
du. I. 320.
Vitelleschi, Salvador Nobili (arcebispo).
Vértiz, João José de. III. 153.
II. 235, 316, 372, 378, 379, 380, 385,
Vespignani, José. II. 778, 779, 783, 784, 386, 387, 388, 389, 390, 391, 394,
785, 786, 788, 790, 820. 408, 409, 530, 549, 550, 683, 809.
Veuillot, Luís Francisco. II. 307. III. 283, 289, 291, 298, 299, 323,
Viancini, Francisco (conde de Viancino). 374, 375, 403.
I. 38, 534, 569. II. 219. Vítor Amadeu de Saboia. I. 221. II. 158,
Videla, A. III. 65. 307, 627.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Vítor Emanuel I. I. 125, 129, 131, 158, Walsh, E. A. II. 484.


221, 280, 340, 399. II. 158. Whyte, A. J. II. 16.
Vítor Emanuel Leopoldo. II. 27, 29, 133. Winter (general). III. 193.
Vítor Emanuel II. I. 399, 486, 498, 500, Wirth, Morand. I. 10. II. 62, 64, 795. III.
517, 529, 624. II. 10, 13, 16, 18, 19, 385, 449, 791, 842.
20, 21, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31,
32, 34, 35, 36, 37, 41, 44, 45, 46, 47,
Zanardelli, José. III. 13, 16.
49, 50, 52, 53, 118, 133, 151, 265, 266,
269, 271, 276, 277, 358, 444, 554, 613, Zappata, José (cônego). I. 330, 351, 546.
627, 647, 650, 651, 652, 655, 667, 671, II. 321, 351, 368, 434, 576. III. 293,
300, 308, 317.
672, 816. III. 12, 14, 17.
Zimniak, Estanislau. II. 698.
Vittone, Carlos (jovem do Oratório). II. 567.
Zola, Emílio. III. 36.
Vivè de Negra, Amália (Maria Vitória).
Zucca, João (companheiro de Sávio). II.
III. 63. 164, 167.
Vives y Tutó (cardeal). II. 738, 740. Zucca, João Batista (professor de Sávio).
Vogliotti, Alexandre. I. 482. II. 351, 576. II. 166, 167.
Zucca, João (tutor legal dos 3 meninos
Vola, João Batista. I. 449, 472, 526, 533,
Bosco). I. 148, 156, 180, 182, 183,
543, 546, 547, 548, 566, 568, 569. 188, 192, 200.
II. 220. Zucca, Margarida. I. 143, 144, 146, 148,
Vola, João Inácio. I. 546, 547. II. 425. 156, 161, 173, 175, 176, 188, 199, 203.
Volpato, Margarida (mãe do arcebispo Zucconi, Ferdinando. I. 270, 271.
Gastaldi). II. 421. Zugno, G. B. I. 271.

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Índice dos principais temas

Nota: Os temas tratados são especificados nos títulos dos Capítulos e dos Apêndices. Para
facilitar a busca dos temas nos capítulos correspondentes dos três volumes assinalamos
aqui os mais importantes.

1. Fontes e bibliografia A adolescência, I. 187-243.


Fontes em geral. I. 17-19. Seminarista. I. 255-305.
Cronistas e crônicas. I. 21-35. No Colégio Eclesiástico. I. 333-360.
Biografias. I. 36-42. Fundação do Oratório. I. 406-483.
Memórias biográficas. I. 44-85. Primeiros anos do Oratório. I. 505-608.
Memórias do Oratório. I. 94-119. Ampliações da casa anexa. II. 54-71.
As fontes dos últimos anos. III. 581-600. Dom Bosco e sua obra de 1862-1874. II.
Bibliografia de Dom Bosco. III. 747-797. 277-279.
2. Contexto histórico Desenvolvimento da escola do Oratório.
Da Revolução Francesa ao Congresso de II. 565-569.
Viena. I. 125-131. Mediador entre a Santa Sé e o governo ita-
Situação dos jovens em Turim. I. 379-395. liano. II. 645-695.
A Casa de Saboia. I. 396-398. Relações com dom Gastaldi
A Revolução Liberal. I. 484-500. Biografia de dom Gastaldi. II. 420-451.
Progresso da Revolução Liberal. II. 9-23. Relações entre 1872-1874. II. 358-419.
Risorgimento e unificação da Itália. II. 29-45. Relações 1874-1877. Caso padre Bonetti.
III. 280-322.
Panorama histórico dos anos 1861-1874.
II. 265-277. Questão dos folhetos contra Gastaldi. III.
323-340.
Legislação educativa italiana. II. 552-564.
A solução final. III. 341-376.
Contexto histórico de 1876 a 1890. III.
11-38. Anos da decadência física (1884-1887).
III. 548-580.
Contexto histórico na América do Sul. III.
113-135. Grandes viagens à França e à Espanha. III.
554-565.
Povos indígenas. III. 170-177.
Última viagem a Roma: Sacro Cuore. III.
3. Vida de Dom Bosco 569-573.
A família de Dom Bosco. I. 143-165. Última enfermidade e santa morte. III.
A infância. I. 157-181. 601-626.

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Dom Bosco: história e carisma 3

Sepultamento em Valsálice. III. 526-641. Formas de governo


Processo de Beatificação e Canonização. Conferências de São Francisco de Sales.
III. 680-727. III. 409-411.
4. Dom Bosco escritor Capítulos Gerais. III. 411-508.
Primeiros escritos. I. 578-608. Problemas de formação e disciplina. III.
514-547.
Escritos pedagógicos. II. 79-83.
A sucessão. Padre Miguel Rua. III. 644-679.
Escritos históricos, educativos e piedosos.
II. 150-170. O Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora
Escritos polêmicos e apologéticos. II. A fundação do Instituto. II. 696-742.
175-191. Envolvimento das FMA na atividade mis-
As Leituras Católicas. II. 189-194. sionária. III. 167-169.
Il Galantuomo. II. 197-200. Os Cooperadores Salesianos
5. Dom Bosco educador Inícios. II. 215.
O sistema educativo de Dom Bosco. II. Regulamento dos Cooperadores. III. 239-
76-103. 257.
Criação de associações educativas. II. 104- O Boletim Salesiano e os Cooperadores.
113. III. 265-274.
Os Filhos de Maria. III. 257-263.
6. Dom Bosco mestre espiritual
Ideal de santidade e meios para alcançá-lo. 8. Devoção a Maria Auxiliadora. II. 600-
II. 116-149. 644.

7. Dom Bosco fundador 9. O salesiano coadjutor. II. 743-790.

A Congregação Salesiana 10. As missões


Origem e fundação. II. 206-258. Vocação missionária de Dom Bosco. III.
Constituições (1858-1867). II. 312-335. 136-143.
Constituições (1867-1871). II. 336-357. Projeto missionário de Dom Bosco. III. 97.
Constituições (1872-1874). II. 358-373. Primeiras expedições de missionários. III.
Análise de textos das Constituições. II. 99-112.
452-551. Primeiro sonho missionário de Dom Bos-
Expansão da Congregação na Itália. II. co. III. 143-155.
570-599. Estratégia missionária de Dom Bosco. III.
Desenvolvimento da Congregação (1875- 155-169.
1888): As missões entre os indígenas. III. 180-201.
Criação de Inspetorias. III. 376-408. Segundo sonho missionário de Dom Bos-
Relatório trienal à Santa Sé. III. 385-408. co. III. 208-234.

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Bibliografia brasileira

Nota: Os livros e artigos aqui elencados são encontrados na Biblioteca do Instituto Teo-
lógico Pio XI-Unisal, São Paulo.

Dom Bosco escritor


JOÃO BOSCO, Santo. Aventuras de São João Bosco (narradas por ele mesmo). São Pau-
lo: Artpress, 2002. 118p. (Cultura Religiosa, 14).
________. Santo. Brilhe a tua luz: Maria Anna Fontanella. Santa Maria-RS: PALLOTTI.
56p.
________. Santo. Carta aos jovens de todos os tempos. São Paulo: Artpress, 2002. 76p.
(Cultura religiosa, 13).
________. O catholico no mundo: Segunda Parte. Niterói: Escola Tipografica Salesiana,
1890. 400p. (Leituras Católicas, 7).
________. Santo. Compêndio de história eclesiástica. São Paulo: Livraria Salesiana,
1946. 265p.
________. Santo. Educar como D. Bosco. s.l.p: s.c.p, s.d.p. 41p. ; 21cm.
________. Santo. História bíblica. 6.ed. São Paulo: Escuela Tipográfica Salesiana,
1939. 328p. (P.S.S).
________. Santo. História eclesiástica para uso da juventude. 5.ed. São Paulo: Salesiana,
1954. 319p.
________. Santo. História sagrada. 14.ed. São Paulo: Salesiana, 1965. 335p. (Salesia-
na, 01).
________. Santo. O jovem instruído na prática de seus deveres religiosos. São Paulo:
Escolas Profissionais Salesianas, 1937. 480p.
________. Santo. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales de 1815 a 1855. São
Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1982. 187p.
________. Santo. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales: de 1815 a 1855.
2.ed. São Paulo: Salesiana, 1999. 187p.
________. Santo. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales: de 1815 a 1855. 3.ed.
revista e ampliada. São Paulo: Salesiana, 2005. 256p.
________. Santo. O Miguel. Frei Caneca: Escola Salesiana de Artes Gráficas, 1959. 99p.
________. Santo. O pastorzinho dos Alpes ou a vida do jovem Francisco Besucco. Niterói:
Escolas Profissionais Salesianas, 1931. 199p.
________. Santo. Regulamento das casas da Sociedade de São Francisco Sales. São Paulo:
Escolas Profissionais Salesianas, 1936. 34p.

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Dom Bosco: história e carisma 3

________. Santo. Vida do clérigo Luiz Comollo. Niterói: Escolas Profissionais Salesia-
nas, 1940. 132p. (Leituras Católicas, 602).
________. Santo. Vida do jovem Miguel Magone: aluno do oratório festivo São Francisco
de Sales. 3.ed. Niterói: Escolas Profissionais Salesianas, 1960. 96p. (Leituras
Católicas, 824).
________. Santo. Vida do venerável jovenzinho Domingos Sávio: aluno do oratório de S. Francisco
de Sales (Turim-Itália). Nitheroy, 1936. 199p. (Leituras Católicas, 554-555).
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________. Sabedoria do coração: assistência salesiana. São Paulo: Salesiana, 2000. 276p.
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________. Perfil salesiano no sonho do personagem dos dez diamantes. s.l.p: s.c.p, s.d.p.
47p. Separata dos ACS Nº 300.

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Bibliografia brasileira

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BETTENCOURT, Estêvão Tavares. “Os sonhos de São João Bosco - céu, inferno e
purgatório”. Pergunte e Responderemos, v. 48, n. 539, p.235-238, maio 2007.
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sianos - Nova série, São Paulo, Ano 2, n. 03, p.55-66, jan.-jun. 2011.
________. “A presença do sacramento da confissão nos sonhos de Dom Bosco”. Ca-
dernos Salesianos - nova série, São Paulo, Ano 2, n. 4, p. 84-96, jul./dez. 2011.
________. “Fazer como Dom Bosco faria?”. Cadernos Salesianos - nova série, São Paulo, v.
3, n. 6, p.87-94, jan./jun. 2012.
GIRAUDO, Aldo. “‘Eu os fiz conhecer-me por inteiro’: aspectos do acompanhamento
espiritual dos jovens segundo Dom Bosco”. Cadernos Salesianos - nova série, São
Paulo, v. 3, n. 6, p.39-52, jan./jun. 2012.
GRUEN, Wolfgang. “Dom Bosco e a renovação da catequese”. Revista de Catequese, n.
41, p.23-29, jan./mar. 1988.
GUIMARÃES, Fernando José. “Dom Bosco e o pobre: um pensamento original do
Padre Julio Maria C.S.S.R.”. Communio, Rio de Janeiro, v. 5, n. 28, p.325-349,
1986.
MENDONÇA FILHO, João da Silva. “Dom Bosco e a saúde”. Cadernos Salesianos,
São Paulo, v. 3, n. 6, p.83-92, jul./dez. 2012.
________. João da Silva. “Pensar Dom Bosco desde o elementar”. Cadernos Salesianos
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MOSER, Hilário. “Dom Bosco ‘comenta’ o profeta Isaías”. Cadernos Salesianos - Nova
série, São Paulo, Ano 1, v. 01, n. 1, p.70-74, jan.-jun. 2010.
MOTTO, Francesco. “Dom Bosco, ‘estadista’ do ressurgimento”. Cadernos Salesianos,
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SANDRINI, Marcos. “Dom Bosco e os jovens, um binômio inseparável”. Grande
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“SÃO João Bosco, vida e obra”. Grande Sinal, Petrópolis, v. 42, n. 4, p.449-456, 1988.
VIGANÓ, Egídio. “Experiência de Deus em São João Bosco”. Grande Sinal, Petrópo-
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VALENTINI, Eugênio. “A vocação e a direção dos seminários: à margem do III Con-
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Petrópolis, v. 12, n. 2, p.304-325, jun.1952.

842

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Índice geral

Siglas e abreviaturas............................................................................................. 5
Apresentação do Terceiro Volume........................................................................ 7
Capítulo I
CONTEXTO HISTÓRICO DOS ÚLTIMOS
ANOS DE DOM BOSCO (1876-1890)
1. A “revolução parlamentar” (1876)................................................................. 12
2. Os governos Depretis e Cairoli (1877-1881)................................................. 14
3. A era Depretis................................................................................................ 16
4. A era Crispi.................................................................................................... 16
5. A situação na Itália de 1877 a 1888............................................................... 17
As mortes do rei e do papa................................................................................. 17
A epidemia de cólera.......................................................................................... 18
Reforma da lei eleitoral e eleições gerais.............................................................. 18
O transformismo................................................................................................ 19
Os movimentos sociais....................................................................................... 19
A situação dos trabalhadores do campo.............................................................. 21
Os movimentos católicos.................................................................................... 22
A atuação da Santa Sé......................................................................................... 23
Tentativa de aproximação entre Igreja e Estado................................................... 24
Evolução das comunicações................................................................................ 25
A educação......................................................................................................... 25
A política internacional da Itália......................................................................... 26
Inícios do colonialismo italiano.......................................................................... 27
Apêndice
LEÃO XIII (1810-1903). NOTA BIOGRÁFICA............................................. 31
Bispo e diplomata............................................................................................... 31
Sumo Pontífice................................................................................................... 32
Política com os vários Estados............................................................................. 34
Itália............................................................................................................. 34
Alemanha...................................................................................................... 35

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Dom Bosco: história e carisma 3

Bélgica........................................................................................................... 35
França........................................................................................................... 35
Espanha......................................................................................................... 36
Outras nações................................................................................................. 37
Uma avaliação.................................................................................................... 37
Capítulo II
FUNDAÇÃO E DESENVOLVIMENTO INICIAL DA OBRA SALESIANA
NA FRANÇA, ITÁLIA E ESPANHA (1875-1888)
1. Fundações salesianas na França...................................................................... 39
Casas salesianas no sul da França: de Nice a Marselha......................................... 39
Fundações no norte da França: Lille e Paris........................................................ 42
As leis contra as congregações religiosas na França (1880) e os salesianos............ 45
2. Fundações salesianas na Itália........................................................................ 46
Fundações em diversas províncias italianas......................................................... 46
Turim. Igreja (1878-1882) e internato (1882-1884) de São João Evangelista...... 50
A obra salesiana em Roma.................................................................................. 52
Tentativas fracassadas de Dom Bosco para estabelecer-se em Roma...................... 52
Dom Bosco e os concepcionistas (1876-1880)................................................... 54
Procurador e Procuradoria estabelecidos pela primeira vez em Roma (1880).......... 55
A Igreja (1880-1887) e o internato (1885-1887) do Sagrado Coração.............. 55
3. Fundações salesianas na Espanha (1881 e 1884)........................................... 58
Primeira casa salesiana na Espanha: Utrera (Sevilha)........................................... 59
A casa de Sarriá (Barcelona). Fevereiro de 1884.................................................. 61
O templo do Tibidabo, em Barcelona................................................................. 62
Apêndice
ÚLTIMAS FUNDAÇÕES DE DOM BOSCO NA EUROPA E NA
AMÉRICA DO SUL......................................................................................... 65
Criadas no tempo de Dom Bosco (1887-1888).................................................. 65
Chile............................................................................................................. 65
Inglaterra....................................................................................................... 65
Equador......................................................................................................... 66
Negociações iniciadas com Dom Bosco (obras estabelecidas mais tarde)............. 66
Estatísticas à morte de Dom Bosco..................................................................... 68

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Índice geral

NOTA SOBRE A FRUSTRADA ACEITAÇÃO DO REFORMATÓRIO


DE SANTA RITA (MADRI)............................................................................ 68
DOCUMENTOS SOBRE A CESSÃO E PRIMEIRA CAPELA DO
MONTE TIBIDABO....................................................................................... 74
Carta de cessão do Tibidabo............................................................................... 74
A primitiva capela no Tibidabo.......................................................................... 74
Capítulo III
PRESENÇA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL.
1. ORIGEM E PRIMEIRO DESENVOLVIMENTO
1. A emigração italiana no século XIX.................................................................76
Familiaridade de Dom Bosco com o problema................................................... 77
O compromisso de Dom Bosco e dos salesianos com os imigrantes.................... 78
Situação da comunidade italiana de Buenos Aires............................................... 79
2. A obra salesiana na bacia do Prata................................................................. 81
Iniciativa do cônsul Gazzolo, resposta inicial de dom Aneyros
e consentimento de Dom Bosco......................................................................... 81
San Nicolás de los Arroyos.................................................................................. 85
Padre Ceccarelli entra em contato com Dom Bosco............................................ 88
Aceitação formal da oferta da parte de Dom Bosco............................................ 89
Anúncio de Dom Bosco aos diretores salesianos.................................................. 91
Anúncio aos salesianos e aos meninos do Oratório............................................. 92
Apresentação da “missão”................................................................................. 93
Viagem de Dom Bosco a Roma com o padre Berto............................................ 94
Os salesianos coadjutores associam-se ao “projeto”.............................................. 96
3. Projeto missionário de Dom Bosco............................................................... 97
O primeiro grupo de missionários...................................................................... 99
Viagem de Gênova a Buenos Aires................................................................. 102
Fundação da obra salesiana em Buenos Aires.................................................. 104
A confraria e a igreja de Nossa Senhora das Mercês......................................... 105
San Nicolás de los Arroyos: escola e capela....................................................... 106
La Boca e a paróquia de São João Evangelista................................................. 107
Segunda expedição missionária: novembro de 1876.......................................... 109
Terceira expedição missionária: novembro de 1877.......................................... 110
Almagro (Buenos Aires): igreja de São Carlos e instituto Pio IX........................ 111

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Dom Bosco: história e carisma 3

Quarta expedição: 8 de dezembro de 1878....................................................... 111


Expansão do trabalho entre os imigrantes italianos........................................... 112
4. Comentário final......................................................................................... 112
Apêndice
POPULAÇÃO DA AMÉRICA DO SUL: ORIGENS ÉTNICAS
E IMIGRAÇÃO.............................................................................................. 113
Indígenas sul-americanos.................................................................................. 113
Sociedade e cultura andinas........................................................................... 113
Outras sociedades sul-americanas................................................................... 114
Origem dos indígenas sul-americanos............................................................. 114
Ibéricos............................................................................................................ 115
Escravos africanos............................................................................................. 115
Imigrantes depois da independência................................................................. 116
MOVIMENTOS DE INDEPENDÊNCIA NA AMÉRICA LATINA.......... 116
ARGENTINA, CHILE, BRASIL E URUGUAI NO SÉCULO XIX.
PERSPECTIVA HISTÓRICA........................................................................ 118
Argentina......................................................................................................... 119
Chile................................................................................................................ 121
Brasil................................................................................................................ 122
Uruguai............................................................................................................ 124
O CATOLICISMO NA AMÉRICA LATINA NO SÉCULO XIX............... 125
A IGREJA E AS SOCIEDADES LATINO-AMERICANAS NO FINAL
DO SÉCULO XIX.......................................................................................... 129
Tendências conservadoras e liberais.................................................................. 129
Os neoliberais e conservadores em conflito e a postura do clero........................ 130
A Igreja católica e o Estado liberal na Argentina e Chile................................... 132
RECOMENDAÇÕES DE DOM BOSO AOS PRIMEIROS
MISSIONÁRIOS............................................................................................ 134
Capítulo IV
PRESENÇA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL.
2. VOCAÇÃO MISSIONÁRIA DE DOM BOSCO,
TOMADA DE CONSCIÊNCIA E OPÇÃO PELAS MISSÕES
1. Vocação missionária de Dom Bosco e opção pelas missões.......................... 136
Contexto histórico............................................................................................ 137

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Índice geral

Comunidades religiosas e missões.................................................................... 138


Primitiva consciência missionária de Dom Bosco............................................ 139
Influências decisivas...................................................................................... 140
A atmosfera missionária que rodeou o Vaticano I............................................ 142
O (primeiro) sonho missionário (1871-1872).................................................. 143
Fontes e notícias............................................................................................ 143
O relato de Barberis...................................................................................... 144
O relato de Lemoyne..................................................................................... 145
Textos nos Documenti e nas Memórias Biográficas........................................ 145
Texto do sonho.............................................................................................. 146
Comentários sobre as crônicas de Barberis e de Lemoyne.................................. 151
Comentário sobre o texto dos Documenti e sua edição final nas
Memórias Biográficas......................................................................................... 151
Repercussões do sonho..................................................................................... 152
Atividade missionária na Patagônia e Terra do Fogo antes da chegada dos
salesianos..................................................................................................... 153
A atividade missionária católica de forma esporádica...................................... 153
A Igreja anglicana e a atividade protestante na Terra do Fogo.......................... 153
Atividade missionária protestante no sul da Patagônia.................................... 154
2. Estratégia missionária de Dom Bosco.......................................................... 155
Evangelização através das vocações nativas. O papel dos jovens......................... 155
Originalidade do empreendimento missionário de Dom Bosco na Patagônia........157
Projeto missionário de Dom Bosco para a Patagônia........................................ 158
Opção pela Patagônia e pesquisa de Dom Bosco.............................................. 160
Missões ou escolas? Educação e evangelização.................................................. 163
Um empreendimento missionário em colaboração........................................... 165
Formação do clero nativo.............................................................................. 166
Envolvimento das Filhas de Maria Auxiliadora na atividade missionária........... 167
Novo papel das religiosas no século XIX.......................................................... 167
A atividade das Filhas de Maria Auxiliadora nas missões................................ 168
Apêndice
OS POVOS INDÍGENAS DO SUL DA AMÉRICA DO SUL E
A PRIMEIRA AÇÃO MISSIONÁRIA SALESIANA..................................... 170

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Dom Bosco: história e carisma 3

Anotações de etnografia.................................................................................... 170


Povos indígenas da Patagônia e Terra do Fogo: tribos e características............... 170
Grupos e tipos............................................................................................... 171
Etnia fueguina ............................................................................................ 172
Etnia patagônia............................................................................................ 172
Etnia intermédia.......................................................................................... 172
Os “selvagens”, segundo Dom Bosco................................................................ 172
Quantidade de povos indígenas do sul da América do Sul................................ 175
Capítulo V
PRESENÇA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL.
3. MISSÕES SALESIANAS
1. Objetivo missionário de Dom Bosco ao aceitar a oferta argentina.............. 178
A não possível atividade missionária salesiana imediata entre os nativos............ 179
Solução de Dom Bosco para a questão dos imigrantes italianos........................ 180
2. Dom Bosco, impaciente para iniciar a atividade missionária....................... 183
De Buenos Aires, conselhos prudentes.............................................................. 183
Atividade militar do governo argentino para alargar a fronteira ao sul............... 183
Os salesianos estabelecem-se em Carmen de Pagones e em Viedma.................. 185
3. Dom Bosco busca o reconhecimento oficial das missões salesianas............. 186
Importância do reconhecimento da Santa Sé.................................................... 187
Ensaio de Dom Bosco sobre a Patagônia, pesquisado pelo padre Barberis (1876)........187
Propostas apresentadas por Dom Bosco à Congregação para a Propagação da Fé.......188
Aprovação oficial da atividade missionária salesiana.......................................... 191
4. Vicariato apostólico da Patagônia norte....................................................... 192
Dificuldade da tomada de posse. Missões de jure e de facto............................... 193
5. Prefeitura Apostólica da Patagônia austral e Terra do Fogo com as
ilhas Malvinas.................................................................................................. 195
Patagônia sul e ilhas Malvinas........................................................................... 196
Terra do Fogo................................................................................................... 196
Punta Arenas (Chile), centro da missão na Terra do Fogo................................ 197
A missão de San Rafael na ilha Dawson......................................................... 197
A missão Candelária da ilha Grande............................................................. 199
6. Conclusão.................................................................................................... 201

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Índice geral

Apêndice
CRONOLOGIA DA FUNDAÇÃO E PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO
DA OBRA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL (1871-1888).................. 202
Estabelecimento da obra salesiana na região do Prata (Argentina e Uruguai)........ 203
Missões salesianas realmente estabelecidas ....................................................... 205
Missões salesianas de direito apostólico............................................................. 206
Negociadas por Dom Bosco, criadas pelo padre Rua......................................... 207
Capítulo VI
PRESENÇA SALESIANA NA AMÉRICA DO SUL.
4. SEGUNDO SONHO MISSIONÁRIO: SAN BENIGNO,
30 DE AGOSTO DE 1883
1. Fontes e tradição textual do sonho.............................................................. 208
2. A narração do sonho (Lemoyne B).............................................................. 211
Comentário.................................................................................................. 222
3. Algumas questões sobre o sonho.................................................................. 223
A visão da América do Sul nos sonhos.............................................................. 224
Características geofísicas e recursos minerais..................................................... 225
Os nativos........................................................................................................ 227
As ferrovias....................................................................................................... 228
Caráter premonitório dos sonhos...................................................................... 229
Um centro salesiano da Patagônia nos 47 graus de latitude sul?........................ 230
No grau 10 de latitude norte: São José (da Costa Rica)?................................... 231
Boston, Massachusetts (Estados Unidos).......................................................... 231
Entre os graus 15 e 20 de latitude sul, Brasília?................................................. 232
Apêndice
ZEFERINO NAMUNCURÁ (26 de agosto de 1886-11 de maio
de 1905)......................................................................................................... 235
Capítulo VII
OS SALESIANOS COOPERADORES.
A OBRA DE MARIA AUXILIADORA. O BOLETIM SALESIANO
1. Os Salesianos cooperadores......................................................................... 239
Memorando de Dom Bosco (1877).................................................................. 240
Estatutos, quarta redação (1876)...................................................................... 243

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Dom Bosco: história e carisma 3

Cooperadores salesianos, um modo prático de ajudar em vista dos bons


costumes e o bem da sociedade civil................................................................. 243
1. União cristã para as boas obras.................................................................. 243
2. A Congregação Salesiana........................................................................... 245
3. Finalidade dos cooperadores salesianos........................................................ 245
4. Maneiras de cooperar................................................................................ 245
5. Constituição e governo da associação.......................................................... 246
6. Obrigações particulares............................................................................. 247
7. Benefícios................................................................................................. 248
8. Práticas religiosas...................................................................................... 248
Benfeitores ou cooperadores?............................................................................ 249
O cooperador “benfeitor”................................................................................. 251
2. Instituição canônica da Associação dos Cooperadores Salesianos e da
Obra de Maria Auxiliadora.............................................................................. 253
A Obra de Maria Auxiliadora........................................................................... 257
Comentário conclusivo..................................................................................... 263
3. Boletim Salesiano. Ideia e objetivo de Dom Bosco (1877-1886)................. 265
Deliberações do I Capítulo Geral (1877).......................................................... 265
Atas do II Capítulo Geral (1880)..................................................................... 266
Atas do III Capítulo Geral (1883).................................................................... 269
Atas do Capítulo Superior (sessão de 17 de setembro de 1885)......................... 270
Deliberações do IV Capítulo Geral (1886)....................................................... 272
Apêndice
DOS NOVOS ESTATUTOS DOS SALESIANOS COOPERADORES.......275
Capítulo VIII
O CONFLITO DE DOM BOSCO COM SEU ARCEBISPO, DOM GASTALDI.
1. DA APROVAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES SALESIANAS ATÉ A
APARIÇÃO DOS LIBELOS DIFAMATÓRIOS (1874-1877)

1. Primeiros episódios: maio de 1874 a fevereiro de 1875............................... 281


Política pastoral de dom Gastaldi...................................................................... 282
Ação inicial dos protagonistas: um contínuo recurso a Roma............................ 283
O retiro espiritual programado para professores ............................................... 285
Incidente pela tomada do hábito clerical........................................................... 287

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Índice geral

Aceitação de seminaristas diocesanos e novos recursos a Roma......................... 288


A carta de dom Gastaldi............................................................................... 288
Defesa de Dom Bosco.................................................................................... 291
Novos episódios e o apelo de Dom Bosco a Roma............................................ 294
Mediação de dom Fissore, arcebispo de Vercelli................................................ 295
2. A caminho da ruptura (1875-1877)............................................................ 297
Pedido de Dom Bosco de mais privilégios........................................................ 297
A suposta suspensão de Dom Bosco................................................................... 299
Ameaças de demissão de dom Gastaldi............................................................. 302
Uma publicação, de Dom Bosco, sobre as graças de Maria Auxiliadora...............309
Visita de dom Frederico Aneyros...................................................................... 311
Padre Ângelo Maria Rocca, ex-seminarista diocesano........................................ 311
Padre João Perenchio e padre José Lazzero........................................................ 313
Apelações e contra-apelações............................................................................ 317
Apêndice
CRONOLOGIA DO CONFLITO SEGUNDO AS MEMÓRIAS
BIOGRÁFICAS............................................................................................... 321
Capítulo IX
O CONFLITO DE DOM BOSCO COM SEU ARCEBISPO, DOM GASTALDI.
2. DO SURGIMENTO DOS FOLHETOS ANTI-GASTALDI À
RECONCILIAÇÃO FORÇADA POR LEÃO XIII (1877-1882)
1. Terceira fase do conflito (1877-1880).......................................................... 323
Campanha anônima contra dom Gastaldi........................................................ 323
Carta do cooperador salesiano ....................................................................... 324
Cinco panfletos contra dom Gastaldi.............................................................. 326
Intervenção de Leão XIII e da Congregação dos Bispos e Regulares.................. 329
Origem e desenvolvimento inicial do conflito Bonetti-Gastaldi (1878-1879)..........331
Padre Bonetti, o Boletim Salesiano e um monumento em memória de Pio IX...........331
Padre Bonetti e o Oratório de Santa Teresa, das salesianas, em Chieri............... 333
Participação de Dom Bosco no conflito (1879-1880)...................................... 335
2. Conclusão do conflito (1880-1882)............................................................. 341
Ruptura definitiva de Dom Bosco e o arcebispo Gastaldi.................................. 341
Queixa de dom Gastaldi por difamação contra Dom Bosco e o padre Bonetti.........343

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Dom Bosco: história e carisma 3

Proposta de um acordo fora dos tribunais, no caso Bonetti............................... 345


Acordo verbal, falido, para retirar o processo dos tribunais............................... 346
Ações e reações preparatórias à ação legal.......................................................... 348
“Solução” do caso da suspensão do padre Bonetti em Roma e acusações contra
Dom Bosco e o padre Bonetti em Turim por causa dos libelos...............................351
A Exposição de Dom Bosco aos cardeais....................................................... 354
Dom Bosco, desamparado, em Roma............................................................... 356
Reconciliação forçada, por iniciativa de Leão XIII............................................ 357
3. Questões não resolvidas............................................................................... 362
Os folhetos....................................................................................................... 362
Por que a solução final foi desfavorável aos salesianos?...................................... 364
O caso Bonetti em Chieri................................................................................. 366
4. Comentário final......................................................................................... 367
Apêndice
CONCORDIA. TEXTO DO DOCUMENTO DE RECONCILIAÇÃO
(Roma, 16 de junho de 1882)............................................................... 371
ELENCO DAS PESSOAS ENVOLVIDAS NO CONFLITO...................... 372
Pela Chancelaria da arquidiocese de Turim....................................................... 372
Outras pessoas simpatizantes da causa do arcebispo.......................................... 373
Salesianos......................................................................................................... 373
Simpatizantes da causa salesiana....................................................................... 374
Autoridades romanas........................................................................................ 374
Outros envolvidos............................................................................................ 375
Capítulo X
ORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL DA SOCIEDADE SALESIANA
1. Estabelecimento e desenvolvimento das Inspetorias (1877-1888)............... 376
Ideia de Dom Bosco sobre os termos inspetor e inspetoria.................................. 377
Intenção de Dom Bosco................................................................................... 378
Divisão e organização da Sociedade Salesiana em inspetorias............................ 379
Capítulo Geral I (1877)............................................................................... 379
Primeira lista não oficial das quatro inspetorias (1878)................................... 380
Criação de três inspetorias na conferência de Alassio (1879)............................ 380
Carta comunicando aos irmãos a criação de 4 inspetorias (10 de março de 1879)......382

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Índice geral

Desenvolvimento posterior das inspetorias durante a vida de Dom Bosco.......... 383


Separação das casas “centrais” de formação...................................................... 384
2. Primeiro relatório trienal de Dom Bosco à Santa Sé sobre o estado da
Congregação (março de 1879)......................................................................... 385
Texto................................................................................................................ 385
Inspetoria piemontesa.................................................................................... 387
Inspetoria lígure............................................................................................ 389
Inspetoria romana........................................................................................ 390
Addendum à inspetoria piemontesa............................................................... 391
Addendum à inspetoria lígure: casas na França.............................................. 391
Inspetoria Sul-americana.............................................................................. 391
Fundações salesianas em fase de negociação..................................................... 393
Observações gerais......................................................................................... 393
O Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora.................................................. 393
Observações críticas ao relatório....................................................................... 398
Primeira série de observações e respostas de Dom Bosco.................................... 398
Segunda série de observações com a réplica de Dom Bosco................................ 402
Anotações conclusivas...................................................................................... 407
Capítulo XI
FORMAS DE GOVERNO DA CONGREGAÇÃO: AS CONFERÊNCIAS DE
SÃO FRANCISCO DE SALES E OS CAPÍTULOS GERAIS
1. As Conferências de São Francisco de Sales (1865-1879).............................. 409
2. Os Capítulos Gerais na vida de Dom Bosco................................................ 411
Normativa sobre a celebração........................................................................... 412
Os quatro primeiros Capítulos Gerais.............................................................. 415
I Capítulo Geral (1877)............................................................................... 415
II Capítulo Geral (1880).............................................................................. 422
III Capítulo Geral (1883)............................................................................. 429
IV Capítulo Geral (1886)............................................................................. 433
Apêndice
O APELATIVO “SALESIANO”. DAR A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR...........439
O II CAPÍTULO GERAL NAS PALAVRAS DO PADRE CERIA.................441
O ESCUDO SALESIANO ............................................................................ 445

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Dom Bosco: história e carisma 3

História e conteúdos......................................................................................... 445


O carimbo................................................................................................... 445
Primeiro desenho.......................................................................................... 445
Modificações de Dom Bosco........................................................................... 446
Modificações de 1934................................................................................... 447
Significado espiritual........................................................................................ 447
Lema........................................................................................................... 448
Fonte original e sentido literal....................................................................... 448
Interpretação espiritual................................................................................. 448
Adaptação ascética........................................................................................ 449
Os símbolos e seu significado........................................................................... 449
As imagens sobre o escudo ou campo do escudo................................................ 449
A ornamentação........................................................................................... 450
CAPÍTULOS GERAIS DA CONGREGAÇÃO SALESIANA.
VISÃO PANORÂMICA................................................................................. 451
Sob o reitorado de Dom Bosco......................................................................... 451
Sob o reitorado do padre Rua........................................................................... 451
Sob o reitorado do padre Albera....................................................................... 453
Sob o reitorado do padre Rinaldi...................................................................... 453
Sob o reitorado do padre Ricaldone.................................................................. 453
Sob o reitorado do padre Ziggiotti.................................................................... 454
Sob o reitorado do padre Ricceri...................................................................... 454
Sob o reitorado do padre Viganò...................................................................... 455
Sob o reitorado do padre Vecchi....................................................................... 456
Sob o reitorado do padre Chávez...................................................................... 456
Capítulo XII
IDEIAS, INQUIETAÇÕES E TEMORES DO FUNDADOR
1. A admissão de candidatos e outras questões afins........................................ 458
Admissão ao noviciado..................................................................................... 459
Admissão à profissão religiosa........................................................................... 469
Admissão às ordens sacras................................................................................. 472
Deserções e outros incidentes lamentáveis........................................................ 476
2. O espírito religioso e salesiano na Congregação.......................................... 481
Obediência religiosa e assuntos relacionados..................................................... 483

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Índice geral

A caridade e a amabilidade com os alunos, alma do método educativo salesiano........489


Promoção das vocações..................................................................................... 492
Trabalhar sem descanso pelos jovens necessitados, caminho de espiritualidade
e meio de sobrevivência para a Congregação......................................................... 497
Sobre a leitura de livros impróprios ou proibidos.............................................. 500
Para salesianos.............................................................................................. 500
Para jovens................................................................................................... 502
Apêndice
ATAS DOS CAPÍTULOS SUPERIORES E GERAIS NO TEMPO DE
DOM BOSCO................................................................................................ 505
Atas do Capítulo superior, redigidas pelo padre Barberis (1875-1879).............. 506
Atas do Capítulo superior, redigidas pelo padre Lemoyne (1883-1888)............ 507
Atas da Conferência Geral de Alassio (1879).................................................... 507
Atas do II CG (1880)....................................................................................... 507
Atas do III CG (1883)...................................................................................... 508
CARTA CIRCULAR DE DOM BOSCO SOBRE O CONTROLE DA
LEITURA DOS ESTUDANTES NAS ESCOLAS SALESIANAS (1884).... 509
Capítulo XIII
PREOCUPAÇÃO DE DOM BOSCO COM A VIDA ESPIRITUAL E
A DISCIPLINA DAS COMUNIDADES DO ORATÓRIO (1884-1885)
1. Disciplina, conduta moral e a figura do diretor na casa do Oratório........... 515
A desejada unidade de direção.......................................................................... 516
Complexidade crescente da obra....................................................................... 517
Em busca de uma solução................................................................................. 520
A comissão e o relatório Bonetti..................................................................... 521
Mais debates nas reuniões seguintes................................................................ 524
Mudança de posição de Dom Bosco................................................................. 527
A proposta de uma “dupla direção”................................................................... 530
2. O ambiente ruim nos últimos anos da escola e o problema das vocações...........532
Propostas de reforma........................................................................................ 534
Diretrizes de Dom Bosco.................................................................................. 536
Dom Bosco, de julho de 1884 a agosto de 1885............................................... 538

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Dom Bosco: história e carisma 3

Surge novamente a questão da escola do Oratório............................................ 539


3. Comentário conclusivo................................................................................ 542
Profundo temor de Dom Bosco sobre a vida religiosa de sua Congregação.............542
Insatisfação de Dom Bosco com a escola do Oratório....................................... 545
Debates e decisões do Capítulo superior........................................................... 547
Capítulo XIV
OS ANOS DO DECLÍNIO FÍSICO DE DOM BOSCO (1884-1887)
1. Histórico médico anterior............................................................................ 549
2. A crise de 1884............................................................................................ 550
A crise de fevereiro........................................................................................... 550
Viagem à França e diagnóstico do doutor Combal............................................ 550
A crise de setembro.......................................................................................... 552
3. Pré-afastamento e declínio (1885-1887)...................................................... 553
Viagem ao sul da França, no início de 1885..................................................... 554
Verão e outono de 1885................................................................................... 556
Viagem a Barcelona nos inícios de 1886........................................................... 560
Permanência em Barcelona............................................................................... 561
Em Turim, segunda metade de 1886................................................................ 565
Inícios de 1887................................................................................................. 568
Última viagem, a Roma.................................................................................... 569
Verão e outono de 1887................................................................................... 573
Pressentindo o fim: de 1o a 20 de dezembro de 1887........................................ 576
Apêndice
CRÔNICAS E OUTRAS FONTES DOS ÚLTIMOS ANOS DE
DOM BOSCO................................................................................................ 581
Fontes.............................................................................................................. 581
Carlos Maria Viglietti................................................................................... 582
Pedro José Enria........................................................................................... 592
Antônio Sala................................................................................................ 596
Francisco Cerruti e seu memorial................................................................... 598
Informações do padre Rua............................................................................. 598
A biografia de Dom Bosco de Albertotti.......................................................... 599

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Índice geral

Capítulo XV
ÚLTIMA ENFERMIDADE E MORTE DE DOM BOSCO
1. Última enfermidade e santa morte.............................................................. 601
Primeira crise: de 20 a 31 de dezembro............................................................. 605
Exames médicos e pedido de Dom Bosco para estar preparado.......................... 606
Santo viático e unção dos enfermos................................................................. 609
Os boletins do padre Rua aos salesianos.......................................................... 610
Aparente recuperação: de 1o a 20 de janeiro...................................................... 613
Crise final e morte: de 21 a 31 de janeiro......................................................... 616
Santa morte................................................................................................. 622
Comentário final.......................................................................................... 625
2. O sepultamento........................................................................................... 626
As tramitações para a sepultura......................................................................... 627
O cortejo fúnebre............................................................................................. 629
Os restos mortais de Dom Bosco em Valsálice.................................................. 630
3. Ecos da personalidade de Dom Bosco após a sua morte.............................. 633
Na imprensa..................................................................................................... 633
Nas orações fúnebres........................................................................................ 635
Pio XI, uma testemunha excepcional................................................................ 639
Outros testemunhos......................................................................................... 640
Apêndice
DO TESTAMENTO ESPIRITUAL DE Dom BOSCO ............................. 642
Capítulo XVI
A SUCESSÃO DE DOM BOSCO
1. Nomeação do vigário com direito de sucessão............................................. 645
Reuniões do Capítulo Superior: 24 e 28 de outubro de 1884........................... 647
Demora em tornar público o decreto................................................................ 649
Anúncio oficial da nomeação do padre Rua...................................................... 650
Comentário final.............................................................................................. 654
2. A sucessão.................................................................................................... 656
Dificuldades em Roma..................................................................................... 656
Dificuldades em Turim..................................................................................... 657

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Dom Bosco: história e carisma 3

Confirmação e primeiros passos........................................................................ 659


Estado da Congregação encontrado pelo padre Rua.......................................... 660
Os homens que dirigiam a Congregação Salesiana........................................... 660
Situação financeira....................................................................................... 663
Estado religioso e institucional....................................................................... 664
3. O sucessor, padre Miguel Rua (1837-1910)................................................ 666
Infância e primeiros contatos com Dom Bosco................................................. 667
Miguel Rua, no Oratório e salesiano................................................................. 668
Ordenação sacerdotal e primeiras nomeações.................................................... 669
Prefeito geral da Congregação e diretor-administrativo do Oratório de Valdocco.........669
Padre Rua, vigário de Dom Bosco com direito de sucessão............................... 671
Reitor-Mor (1888-1910).................................................................................. 672
Apêndice
PADRE RUA ANUNCIA ÀS CASAS SUA ELEIÇÃO PARA O CARGO
DE REITOR-MOR........................................................................................ 674
Principais escritos do padre Rua....................................................................... 676
Bibliografia essencial sobre o padre Rua............................................................ 676
Capítulo XVII
BEATIFICAÇÃO E CANONIZAÇÃO DE DOM BOSCO

1. O processo de beatificação........................................................................... 681


Os processos de beatificação e canonização dos santos...................................... 682
Processo de beatificação................................................................................. 682
Processo de canonização................................................................................. 683
Processo ordinário de beatificação de Dom Bosco, de 4 de junho de 1890
a 1o de abril de 1897......................................................................................... 684
Sessões e testemunhas..................................................................................... 686
Santidade e dons extraordinários................................................................... 687
Declarações das testemunhas. O tema do conflito entre Dom Bosco e
dom Gastaldi................................................................................................ 688
Dons sobrenaturais: as curas milagrosas atribuídas a Dom Bosco...................... 691
Conclusão do processo ordinário..................................................................... 694
Processo apostólico na sagrada Congregação dos Ritos (1907-1929)................. 694
Preliminares. Processo de “não culto”.............................................................. 695

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Índice geral

Exame dos escritos......................................................................................... 696


Animadversiones do promotor da fé.............................................................. 697
Resposta do advogado de defesa...................................................................... 698
Segundo recurso e introdução da causa............................................................. 700
Processo sobre as virtudes em Turim (1908-1917)........................................... 701
Pequeno processo (processiculus)..................................................................... 702
Processo sobre as virtudes, em Roma (1922-1927).......................................... 705
Processo apostólico sobre os milagres (1927-1929)........................................... 709
Conclusão ................................................................................................... 712
2. O processo de canonização.......................................................................... 713
A causa de beatificação de Domingos Sávio cruza com a de Dom Bosco........... 713
Milagres para a canonização de Dom Bosco..................................................... 715
Consistórios e canonização............................................................................... 717
3. A santidade de Dom Bosco ......................................................................... 718
Objeções.......................................................................................................... 719
Apêndice
CARTA DO PADRE FELIPE RINALDI AO CARDEAL PREFEITO
DA CONGREGAÇÃO DOS RITOS............................................................ 728
CARTA DO CÔNEGO SORASIO AO CARDEAL PREFEITO
DA CONGREGAÇÃO DOS RITOS............................................................ 730
CARTA DO PADRE JOÃO TURCHI AO CARDEAL PREFEITO
DA CONGREGAÇÃO DOS RITOS............................................................ 733
EXTRATOS DA CARTA JUVENUM PATRIS DE JOÃO PAULO II.......... 740
Bibliografia.......................................................................................................743

Parte III
Bibliografia sobre Dom Bosco (em castelhano)............................................... 749
1. Escritos de São João Bosco........................................................................... 750
2. Estudos sobre Dom Bosco............................................................................ 766
Índice onomástico........................................................................................... 799
Índice dos principais temas.............................................................................. 833
Bibliografia brasileira....................................................................................... 835

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O autor
Arthur J. Lenti publicou numerosos artigos sobre Dom Bosco e outros temas
salesianos no Journal of Salesian Studies e em Ricerche Storiche Salesiane. Formado em
Sagrada Escritura e Teologia, depois de lecionar por mais de trinta anos na cidade de
Aptos, na Califórnia, e no Josephinum, em Ohio (Estados Unidos), chegou à Don
Bosco Hall, em Berkeley, Califórnia, em 1975, onde desde 1984 desenvolve um
intenso trabalho de pesquisa e ensino no Institute of Salesian Spirituality. Seu livro
mais recente é Don Bosco and his pope and his bishop: the trials of a founder (Dom
Bosco, seus papas e seus bispos: as dificuldades de um fundador). LAS: Roma, 2006.

Responsáveis da edição espanhola


Juan José Bartolomé, sacerdote salesiano (Madri, 1944), biblista de for-
mação, há quase trinta anos ensina Novo Testamento. Atualmente é Professor
no Estudantado Teológico de Madri e na Faculdade de Teologia da Pontifícia
Universidade Salesiana de Roma.

Jesús Graciliano González, sacerdote salesiano (Salamanca, 1933), doutor


em Filologia Moderna, é professor catedrático nas Universidades de Salamanca e
Extremadura há mais de trinta anos. Atualmente é membro do Instituto Histórico
Salesiano e trabalha na Casa Geral Salesiana de Roma.

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Esta obra foi composta e impressa
na Gráfica Salesiana.

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