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Resumo: O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre o brincar no trabalho terapêutico com
pacientes oncológicos adultos, a partir do relato da experiência clínica vivenciada no estágio realizado por
uma das autoras. Um breve levantamento bibliográfico foi realizado, visando a compreender a atuação do
psicólogo no hospital, seus alcances e limites, a relação com a equipe multiprofissional e o uso de técnicas
lúdicas. Dentre as atividades realizadas, destacamos um projeto lúdico que busca, por meio do uso de
histórias e de brinquedos, permitir aos pacientes um resgate da sua individualidade, descontextualizando
momentaneamente a doença. A reflexão também considerou o adoecer e o câncer assim como o processo
de hospitalização e suas conseqüências na vida do paciente. Concluímos que o brincar é uma técnica que
contribui para o enfrentamento da doença em pacientes adultos, possibilitando que este ressignifique o seu
adoecer e viva esse momento de maneira menos sofrida. Dessa forma, acreditamos que o psicólogo, atuando
em projetos psicossociais como o citado, pode atingir seu objetivo de minimizar o sofrimento do paciente.
Palavras-chave: Brincar. Câncer. Psicólogo. Ressignificação.
Abstract: The objective of this paper is to reflect on the utilization of playing in the therapeutical work with
adult patients who have cancer, having, as a start, the clinic experience of one of the authors as a trainee.
Este artigo é uma A short research was made in order to comprehend the function of the psychologist inside the hospital, his
versão resumida competences and limits, the multiprofessional relationship and the use of playing techniques. Among the
e atualizada activities, it is the ludic project which tries, by the usage of stories and toys, to allow the patients to gain
de monografia
their individuality back, taking them momentarily out of the disease. The reflection also considered sickness
escrita em
2006, orientada and cancer as well as the process of hospitalization and its consequences to the patient’s life. We concluded
pela professora that playing is a technique that contributes for adult patients to face the disease, helping them to re-signify
Maria Elisa de sickness and to live this moment in a painless manner. In this way we believe that the psychologist can reach
Abreu Pessoa the objective of minimizing patients suffering by actuating in projects like the one we mentioned here.
Labaki, a quem Keywords: Playing. Cancer. Psychologist. Re-signification.
agradecemos
pelo apoio e Resumen: El presente trabajo tiene como objetivo reflexionar sobre el bromear en el trabajo terapéutico con
disponibilidade.
pacientes oncológicos adultos, desde el relato de la experiencia clínica vivida en el cursillo realizado por una
Para a elaboração
deste artigo, de las autoras. Un breve levantamiento bibliográfico fue realizado, pretendiendo comprender la actuación
contamos com del psicólogo en el hospital, sus alcances y límites, la relación con el equipo multiprofesional y el uso de
o auxílio da técnicas lúdicas. Entre las actividades realizadas, destacamos un proyecto lúdico que busca, por medio del
professora Ana uso de historias y de juguetes, permitir a los pacientes un rescate de su individualidad, descontextualizando
Lúcia Gatti, à momentáneamente la enfermedad. La ponderación también consideró el enfermarse y el cáncer así como
qual dedicamos el proceso de hospitalización y sus consecuencias en la vida del paciente. Concluimos que el bromear es
este trabalho e una técnica que aporta para el enfrentamiento de la enfermedad en pacientes adultos, posibilitando que
agradecemos
éste de nuevo significado a su enfermarse y viva ese momento de manera menos sufrida. De esa forma,
especialmente
pela contribuição, creemos que el psicólogo, actuando en proyectos psicosociales como el citado, puede alcanzar su objetivo
incentivo e de minimizar el sufrimiento del paciente.
amizade. Palabras clave: Bromear. Cáncer. Psicólogo. Resignificación.
Consideramos que não se deve ver a situação tão adversa, proporcionar mais
doença somente como uma produção do qualidade de vida a esse paciente a partir de
doente, estigmatizando-o; não devemos suas expectativas pessoais quanto à saúde
ser extremistas, falando da doença como se física e mental, às atividades da vida diária e
sua existência fosse culpa do doente, pois é às atividades sociais de lazer, às percepções
um processo multifatorial. Além do aspecto gerais de bem-estar e à satisfação sobre esses
psíquico, emocional, há também o ambiental aspectos, e verificar se essas expectativas
e o hereditário e tudo o que esses fatores foram ou não alcançadas.
abrangem.
Consideramos importante destacar o quanto
dificulta a inserção do psicólogo na realidade
O profissional da saúde deveria apreender
hospitalar o fato de sua formação profissional
o doente como um ser-no-mundo, e a
não abordar algumas características próprias
compreensão clínica da doença como
dessa atuação, que dariam uma sedimentação
resultado da relação entre o doente e o
teórico-prática mais condizente com a
mundo. Nesse sentido, perceber como
realidade com a qual o profissional se depara,
o doente se expressa é importante, e o
preparando-o para lidar com as dificuldades
profissional de saúde poderia se nortear
inerentes ao âmbito hospitalar.
pelo doente, com uma postura de escuta,
procurando apreender os fatores psicológicos,
No hospital, não há um setting terapêutico
sociais ou somáticos que decidem o seu mal-
tão definido e preciso. Muitas vezes, o
estar (Barbosa & Francisco, 2007; Campos,
atendimento é interrompido pela equipe, e
1995; Figueiredo, 2004).
é preciso levar em conta certas variáveis. A
opção do paciente de receber a intervenção
Nesse contexto, podemos pensar que o
psicológica ou de recusá-la deverá ser
O psicólogo, aspecto psicólogo também surge na equipe
como profissional respeitada (Angerami-Camon, 2003). Do
como um facilitador na percepção do
da saúde, deve nosso ponto de vista, sabendo-se que a
analisar e escutar paciente como um todo, ajudando a equipe
escolha delimita processos invasivos e que
com calma a estender seu olhar para além da doença.
o que é dito existe passividade na realidade hospitalar, a
O doente tem necessidade de ser escutado
e os silêncios. própria recusa pela intervenção psicológica
É preciso
e acolhido, e, quando vai solicitar subsídio
pode ser considerada psicoterápica, pois o
compreender e internação, tem vontade de melhorar a
dizer não à intervenção psicológica nesse
e saber decifrar sua saúde. O psicólogo, como profissional
também as momento poderá ser o recurso possível desse
da saúde, deve analisar e escutar com
condutas e paciente para resgatar sua individualidade
expressões, calma o que é dito e os silêncios. É preciso
e individuação, que podem estar muito
palavras e gestos compreender e saber decifrar também as
(Campos, 1995). enfraquecidas frente à realidade de
condutas e expressões, palavras e gestos
internação. Sendo assim, é necessário que o
(Campos, 1995).
psicólogo consiga perceber, no contato com o
paciente, as expressões verbais e não verbais
Romano (2001) afirma que a abordagem do
de seu comportamento, de forma a respeitar
trabalho terapêutico na doença crônica deve
essa recusa e a não se tornar parte de mais
ser baseada no modelo biopsicossocial, com
um procedimento invasivo na hospitalização.
a integração da equipe multiprofissional. O
tratamento deverá buscar a minimização
dos impactos da doença no paciente e a O adoecer, o corpo e o câncer:
prevenção de crises emocionais, o que será relações psique/soma
possível pelo controle das tensões e pela
participação do paciente no tratamento O adoecer é um momento crítico, atípico,
proposto, buscando, mesmo em uma para o ser humano, para o qual ele não está
Parestello (1984 como citado por Chiattone, O tratamento do paciente como um ser total
1992) percebe na doença uma maneira e subjetivo, e não apenas como um doente,
de o homem expressar-se em situações traz informações que contribuem com o
críticas, havendo a necessidade de se buscar tratamento e com a diminuição do sofrimento,
uma compreensão da doença, e não uma podendo também aumentar as possibilidades
explicação para ela, no próprio homem. É de cura.
importante considerar que o ser humano
adoece como uma totalidade, sendo que, Após esse apanhado teórico, caracterizaremos,
dessa forma, o câncer tem um significado a seguir, a experiência do estágio realizado.
dentro da história pessoal do paciente.
Relato de experiência clínica
A doença expressa a maneira como o ser se
coloca no mundo. O que o câncer muda na A instituição onde foi realizada a prática
vida da pessoa influenciará diretamente a cura clínica era um hospital oncológico que atendia
ou a recidiva; dessa maneira, compreendendo pacientes na maior parte mulheres com
essa forma de comunicação e expressão via câncer de mama e ginecológico, do Sistema
câncer, o processo de adoecimento pode ser Único de Saúde (SUS) (em sua maioria), de
interrompido. convênios e particulares. Além de oferecer
atendimento em várias especialidades
De acordo com Stephan (2002, p. 216), “o médicas, o hospital oferecia também serviços
problema do câncer não é a doença, é o de apoio, sendo que dentre eles destacamos
diagnóstico”. O câncer, assim como qualquer o serviço de Psicologia.
doença grave, traz, com seu diagnóstico,
o medo da perda de controle sobre a O setor de Psicologia oferecia suporte
própria vida, o medo do desconhecido, do psicoterápico ao paciente, à sua família
futuro e das mudanças no corpo, fazendo e aos demais funcionários do hospital,
com que a pessoa interrompa seus planos, atendendo os casos encaminhados pela
permanecendo estagnada, vivendo somente equipe multidisciplinar (médicos, equipe de
a doença. A ressignificação de sua vida enfermagem, nutricionistas, assistentes sociais,
atividade. Não havia papéis definidos para a imaginação de histórias. Ao escolher um dos
cada membro; participar do grupo tornava-os objetos de dentro de uma sacola, o paciente
iguais, com o objetivo comum de distração iniciava uma história, à qual outro paciente
e descontextualização do momento de dava prosseguimento depois de retirar um
internação. Qualquer participante podia novo objeto. Os mais variados assuntos
sair da atividade a qualquer momento. Era foram centrais em seus discursos. Surgiram
deixado claro que não se esperava nenhum conteúdos como afastamento do lar, período
tipo de resposta certa ou errada para o de adoecimento ou isolamento, atividades
momento de discussão que era proposto. prazerosas, companheirismo, divisão de
atividades, ajuda e sentimentos de tristeza,
Ao final de cada atividade, era pedido um medo, ansiedade e atitudes de passividade e
feedback aos pacientes, que relacionavam a até mesmo de confiança diante do enredo.
atividade com o momento de enfrentamento
da doença, os aspectos da internação, as O setor de Psicologia, com essa atividade,
expectativas, a hospitalização, as saudades objetivava proporcionar uma reflexão sobre
de casa e os familiares. Percebia-se que as diferenças individuais em relação a cada
a atividade possibilitava aos pacientes produção construída a partir de objetos
uma reflexão sobre sua vida, facilitava a aleatórios.
comunicação entre os pacientes e a destes
com a equipe de saúde, pois, após as
O que nos chamou a atenção no projeto
atividades, os pacientes se mostravam mais
foi sua singularidade no uso dos recursos
receptivos, dado que a participação de
internos dos pacientes como forma de utilizar
membros da equipe de saúde na atividade
o momento de internação para refletir sobre
reforçava o sentimento de confiança dos
outras questões que estavam presentes em
pacientes para com aqueles.
suas vidas, mas que, por vezes, ficavam
“abafadas” pela situação emergente de
Nas atividades com livros apenas ilustrados,
doença.
os pacientes descreviam o que viam e o
que pensavam estar acontecendo com a
Não abordaremos, aqui, hipóteses para os
personagem, qual o seu objetivo, sentimentos,
significados das respostas, pois nosso objetivo
sensações, dificuldades, projetando assim seus
é apresentar uma amostra de como uma
conteúdos internos na história apresentada. A
atividade que envolve o brincar gera grande
partir daí, iniciava-se a discussão sobre o que
diversidade de respostas e oferece uma
foi observado e as diferentes visões e opiniões
enorme gama de possibilidades ao profissional
sobre a história.
de Psicologia.
o impacto dessa nova realidade para a que é trabalhada, mesmo que o assunto seja
pessoa, procurando tratar o doente, e não a morte. Pensamos em formas de investir
somente a doença. Dessa forma, podemos na qualidade da existência da pessoa, seja
pensar que o psicólogo deve reconhecer que qualidade de vida, seja de morte.
o paciente hospitalizado tem uma história,
anseios e que a doença possui um lugar A Psicologia se faz presente, muitas vezes,
singular na vida de cada paciente, pois isso é sem ser solicitada pelo paciente, e se depara
o que permite ao sujeito se reconhecer como com diferentes percepções, estados físicos
pessoa novamente, cindindo o processo de e emocionais. Às vezes, vem simplificar e
despersonalização. Para isso, consideramos clarear algo nebuloso ou desconhecido:
que, além de reconhecer o paciente como tornar familiar o que é o câncer, a função dos
uma pessoa com uma história, é preciso tratamentos, ajudar o paciente a se tornar o
possibilitar que ele expresse o que está “personagem principal”, com autonomia,
sentindo e elabore esses sentimentos. O permitindo que aspectos pessoais e subjetivos
projeto lúdico busca, através do brincar, (responsabilidade, participação, parceria
resgatar essa individualidade que pode ser com a equipe) sejam usados a seu favor,
perdida na hospitalização e, assim, possibilita para lutar por sua qualidade de vida e/ou de
um tratamento mais humano ao paciente. morte. A Psicologia pode ajudar o paciente
a perceber outros aspectos de sua vida, não
A doença é uma oportunidade de ressignificar só o adoecimento mas também os diversos
a vida, de reconstruir, mas essa reconstrução elementos que envolvem os diferentes papéis
não só está ligada ao próprio paciente mas que desempenha.
também ao apoio que ele tem da família e
dos amigos e da forma como será tratado pela A presença da família, da equipe de saúde e
equipe profissional. Esse é mais um motivo do psicólogo são necessárias para o doente
para o esforço atual dos hospitais no sentido compartilhar a dor, amenizando a solidão
de humanizar o tratamento. do adoecimento. E, no meio de tudo isso,
e muito mais, a Psicologia se apresenta com
Dessa forma, em um contexto tão singular cuidados que enfatizam a vida, o desejo, a
como o hospital, (no qual estão presentes individualidade, a individuação, não só no
a dor, o sofrimento, a angústia e o medo), atendimento psicológico mas também nas
o psicólogo clínico deve que adequar atividades que focalizam esses aspectos,
suas técnicas para atender as demandas mesmo indiretamente: a participação
desse setting, focando o momento, pois em jogos, em produções artísticas e no
nem sempre é possível obter um processo envolvimento com o brincar. A Psicologia
terapêutico com o paciente. Um projeto torna visível outro lado, pois não só há
como o descrito possibilita, através do o adoecer, mas o ser cuidado, o criar, a
resgate do lúdico, a iniciação e a finalização possibilidade de cada paciente mostrar-
do trabalho terapêutico com esses pacientes se, de expor algo de si em um ambiente
internados, contribuindo para sua qualidade em que, muitas vezes, se está à mercê de
de vida e para o enfrentamento da doença. um cuidador; permite rir, contar aspectos
bons de seu passado ou presente, expor
Considerações finais preocupações e alegrias, compartilhar
pensamentos, aspectos de seu viver com
Ao trabalhar de perto com questões acerca outros que passam por situações parecidas,
da morte, estamos envolvidos com a vida, ou muito diferentes, “escutar” outras vidas e
propiciar maior proximidade com a equipe, inovadora por permitir essa flexibilidade,
quando esta participa. principalmente por ser um instrumento que
utiliza o brincar na reorganização psíquica de
Essas atividades que envolvem o ato de pacientes adultos em tratamento de câncer.
brincar contribuem até mesmo como
instrumento para o trabalho terapêutico A partir dos conteúdos internos que o brincar
da Psicologia, tornando o profissional mais mobiliza, como forma de reorganizar e res-
próximo do paciente e da equipe. Dessa significar, por meio do simbólico, os conflitos
forma, a Psicologia, com seus princípios e as dores e trazer à tona (o além do adoecer)
e propostas, pode exercer a função de os aspectos revigorantes de vida que podem
facilitadora da expressão de aspectos estar presentes mesmo no momento do
internos, íntimos, sentimentos, emoções, adoecer, essa atividade pode levar o indivíduo
pensamentos e trocas. a se tornar novamente o centro de sua
existência. Sendo assim, podemos considerar
Na experiência clínica específica abordada que o brincar, independentemente do sujeito
neste trabalho, entre uma das técnicas de participante, pode ser um dos recursos para
atuação do psicólogo, está o projeto lúdico, o indivíduo elaborar suas questões de vida
com uma abordagem que pode ser tanto e morte.
grupal como individual, e que consideramos
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