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A Arte do Cibridismo

- as novas tecnologias e o fazer artístico

no mundo contemporâneo -

Por Thiago Carrapatoso1

Resumo

As tecnologias modificaram as estruturas da sociedade. Este artigo busca analisar os


impactos que elas trouxeram para o fazer artístico contemporâneo brasileiro, além de
apresentar a pesquisa entregue para a Fundação Nacional de Artes (Funarte). Por
meio de 11 entrevistas com artistas e pesquisadores em São Paulo, Minas Gerais e Rio
de Janeiro, traçou-se um panorama do que está sendo produzido nas regiões e
apontou-se tendências para a arte digital do país. Como ponto de partida, os
conceitos de cibridismo, desenvolvido por Giselle Beiguelman, e ubiquidade
tecnológica trouxeram subsídios para desenvolver o contexto sociocultural da
produção e levantar questões que rodeiam a criação artística.

Palavras-chaves: arte digital, tecnologias, cultura digital, cibridismo, híbrido.

Abstract
The technologies changed the society structures. This article trys to analise the
impacts caused by these changes in the contemporary brazilian art production,
besides introduce the research delivered to National Arts Foundation (Funarte).
Through 11 interviews with artists and researchers in Sao Paulo, Minas Gerais and Rio
de Janeiro, designed a panorama of what has been produced in these states and
pointed trends to the digital art of the country. The start point was the concepts of

1Jornalista pela Faculdade Cásper Líbero (2006), especialista em Comunicação, Arte e Tecnologia pelo
Centro Universitário de Belas Artes (2008) e mestrando em Tecnologias da Inteligência e Design Digital
pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) . Passou pelas redações da Rádio BandNews FM (Grupo
Bandeirantes) e Planeta Sustentável (Editora Abril), para a qual ainda escreve semanalmente no blog
Paisagem Fabricada. É diretor-presidente da organização sem fins lucrativos Veredas, uma das
contempladas pelo Prêmio de Mídia Livre (2010) cedido pelo Ministério da Cultura. Foi coordenador de
produto do Conexão Cultura, uma iniciativa da Fundação Padre Anchieta para a proliferação de conteúdos
educacionais e profissionais para as classes C, D e E por meio de telecentros e lan houses. Foi
pesquisador-bolsista sobre mídias digitais e internet pela Fundação Nacional de Artes (Funarte) com o
trabalho intitulado “A Arte do Cibridismo”, que ganhou o Prêmio Estudos e Pesquisas sobre Arte e
Economia da Arte no Brasil concedido pela Fundação Bienal de São Paulo.
cybridism, created by Giselle Beiguelman, and techonology ubiquitous wich gave base
to develop the sociocultural context of the art production and raised questions that
round artistic creation.

Keywords: digital art, technologies, digital culture, cybridism, hybridism.

Artigo

Em 1999, o Instituto Itaú Cultural sediou uma exposição denominada “Imateriais 99”2,
que retomava alguns conceitos questionados e promulgados por Thierry Chaput e
Jean-François Lyotard, dois filósofos considerados pós-modernistas. Ambos foram
responsáveis por uma “manifestação” (no lugar de “exposição”, por acreditarem que
esta pré-estabelecia um percurso), em 1985, que abordava o fazer digital em uma
sociedade até então voltada ao material.

Segundo o press-release da obra à época:

Why 'Immaterials'? Research and development in the techno-sciences,


art and technology, yes even in politics, give the impression that reality,
whatever it may be, becomes increasingly intangible, that it can never be
controlled directly - they give the impression of a complexity of things.
(...) The devices themselves are also becoming more complex. One step
was set as their artificial brains started to work with digital data; with
data that have no analogy to their origin. It is as if a filter has been
placed between us and the things, a screen of numbers. (...) A colour, a
sound, a substance, a pain, or a star return to us as digits in schemes of
utmost precision. With the encoding and decoding-systems we learn that
there are realities that are in a new way intangible. The good old matter
itself comes to us in the end as something which has been dissolved and
reconstructed into complex formulas. Reality consists of elements,
organised by structural rules (matrixes) in no longer human measures of
space and time.3

2 Para mais informações, acesse: http://www.itaucultural.org.br/tecnica/imateriais/i01.htm


3 “Por que 'Imateriais'? Pesquisas e o desenvolvimento na tecno-ciência, arte e tecnologia, e sim na política, trouxe a
impressão de que a realidade, o que quer que isso seja, se tornou cada vez mais intangível, que nunca poderá ser
controlada diretamente – isto dá uma impressão de complexidade das coisas (...) Os próprios mecanismos estão se
tornando mais complexos. O primeiro passo foi dado quando seus cérebros artificiais começaram a trabalhar com
dados digitais; com dados que não possuem analogia com seus originais. É como se um filtro tivesse sido colocar
entre nós e as coisas, uma tela de números. (...) Um cor, um som, uma substância, uma dor ou uma estrela voltam
para a gente como dígitos em cenários com extrema precisão. Com os sistemas de codificação e decodificação nós
O questionamento, então, era a transformação dos dados em algo digital e a
possibilidade de que diversas pessoas pudessem interagir simultaneamente por meio
de pequenos aparelhos mecânicos, como o computador. Em 1985, os dois filósofos
disponibilizaram a 30 artistas aparelhos que mostravam 50 palavras que se
relacionavam ao tema “imateriais”. Eles estavam apenas preocupados com o método,
mas a idéia era a de que os convidados pudessem construir uma obra escrita em
conjunto, por meio desses códigos e da projeção da tela4.

A obra final não deu certo. De qualquer forma, é interessante perceber que a arte, há
30 anos, já preconizava o que hoje é realidade: a construção de uma obra por meio
da colaboração, por meio de uma rede, por meio de mecanismos eletrônicos.

Uma das vertentes de explicação sobre o que é a arte a considera como vanguarda,
ou seja, de se apoderar de novos instrumentos ou meios, experimentar e demonstrar
o que se pode fazer com aquilo que a sociedade ainda não absorveu por completo.
Como disse Lucia Santaella5, referenciando Eduardo Kac6:

(...) quando surge um novo meio de produção de linguagem e de


comunicação, observa-se uma interessante transição: primeiro o novo
meio provoca um impacto sobre as formas e meios mais antigos. Num
segundo momento, o meio e as linguagens que podem nascer dentro
dele são tomados pelos artistas como objeto de experimentação. Assim
aconteceu com o rádio, primeiro meio efetivamente de massa, capaz de
atingir remotamente milhões de pessoas a um só tempo. Numa primeira
instância, o rádio influenciou o teatro para, depois, ser explorado como
fonte autônoma para a criação7.

E isso pode ser demonstrado pelos trabalhos que a pesquisadora e artista Katia Maciel

aprendemos que existem realidades que são intangíveis de uma forma nova. A velha e boa questão chega a nós no
final como algo que foi dissolvido e reconstruído em complexas fórmulas. A realidade consiste em elementos,
organizados por leis estruturais (matrizes) não mais em medidas humanas de espaço e tempo.” (T. do A.) Extraído
de: http://www.noemalab.org/sections/ideas/ideas_articles/kluitemberg_avantgarde.html (acessado em 10 de agosto
de 2010)
4 Fonte: http://www.integral-philippedelis.com/?
page=les_immateriaux&menu=phd_references&menu_proj=phd_scenographies
5 http://pt.wikipedia.org/wiki/Lucia_Santaella
6 Para mais informações sobre sua obra, leia o artigo da Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Kac
7 SANTALLEA, Lucia. Culturas e artes do pós-humano – da cultura das mídias à cibercultura. Editora Paulus. 2003.
pág. 156
tem realizado. Sendo uma das docentes da Escola de Comunicação (ECO) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Katia organizou o livro “Transcinemas”,
o qual discute novas linguagens à produção audiovisual contemporânea, pegando
como princípio a arquitetura do cinema. Os trabalhos de Katia são demonstrativos de
outras experiências com o audiovisual além da eventual projeção de imagem em
movimento, como ela me contou em nossa conversa8.

Transcinemas foi um meio que eu criei para dar conta de um campo


contemporâneo, da Arte Contemporânea, que é esse cinema expandido
pelas instalações. Então, “trans” é de “além de”. Assim, tem uma forma
de cinema ainda – algumas instalações pegam desde a relação com a
própria imagem e movimento, com as narrativas, multiplicação das
narrativas, multiplicação das formas de interagir com essas narrativas.
(...) Mas só que o cinema, desde a sua origem, é um processo de
experimentação. Ele foi um processo de experimentação no começo, e
muitos artistas, ao longo do século inteiro – o cinema já tem mais de um
século –, experimentaram com esse formato. Por exemplo, a experiência
do Abel Gance9, nos anos 30, de tripartir a tela10, mantém o formato
clássico mas amplia, redefine esse formato numa edição que acontece de
maneira integrada em três situações de projeção. E, assim, os artistas do
início da vanguarda – por exemplo, os dadaístas11, o próprio [Marcel]
Duchamp12, o [Luis] Buñuel13… a vanguarda experimentou com o mesmo
meio, também, para não contar história. E, hoje, muitos artistas
experimentam uma coisa mais sensorial, uma característica mais
sensorial possível a partir da experimentação das imagens em
movimento. Disponibilizam essas imagens no espaço. Disponibilizam,
tecnicamente, o acesso a mudanças de perspectivas, narrativas,
cromáticas. A mudanças de toda ordem.

Cada vez mais, as experimentações no audiovisual tem sido recorrentes. A produção


por meio dos amadores fez com que os artistas extrapolassem todas as mídias para

8 http://culturadigital.br/artedocibridismo/entrevistas/katia-maciel/
9 http://pt.wikipedia.org/wiki/Abel_Gance
10 http://en.wikipedia.org/wiki/Napol%C3%A9on_%281927_film%29
11 http://pt.wikipedia.org/wiki/Dada%C3%ADsmo
12 http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcel_Duchamp
13 http://pt.wikipedia.org/wiki/Luis_Bu%C3%B1uel
novas concepções, novos métodos, como comprova a teoria de Santaella. Katia coloca
o espectador, por exemplo, dentro de um nova experimentação de projeção diferente
do tamanho padrão das telas de cinema. Em sua instalação “As Ondas”14, o espectador
fica no centro de uma projeção de quase 180º do mar carioca. A sensação é de,
realmente, estar presente naquele cenário e sentir as ondas do mar batendo nos pés,
o que vai muito além da arquitetura do cinema tradicional.

A pesquisa “A Arte do Cibridismo”, realizada com patrocíno da Fundação Nacional de


Artes (FUNARTE) por meio do Edital Bolsa Funarte de Produção Crítica sobre
Conteúdos Artísticos em Mídias Digitais/Internet, se propôs a descobrir quais eram as
experimentações artísticas que acontecem em São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro. O objetivo foi contextualizar a produção por meio de entrevistas com artistas
e pesquisadores, como Cicero Silva, Claudio Bueno, Fernando Rabelo, Fernando
Velázquez, Fred Paulino, José Carlos Silvestre, Katia Maciel, Mariana Manhães, Pedro
Veneroso, Vivian Caccuri e Giselle Beiguelman. O conteúdo, incluindo transcrições na
íntegra das entrevistas, foi publicado em http://culturadigital.br/artedocibridismo.

As gravações das entrevistas, desde a primeira, foram baseadas em uma estética de


amador, em que embora o resultado seja rústico (imagem tremida, som vazando, luz
imprópria, intereferências do entrevistador, fotografia não trabalhada e tantos outros
problemas), o conteúdo é primordial e não seria realizado se não houvesse essa
louvação ao conteúdo não profissional. O mesmo decidi para as transcrições das
entrevistas que entreguei à entidade e que foram publicadas no blog. Estamos em um
momento em que a qualidade profissional deixa de ser essencial para trabalhos
rápidos e simples, que não contam como uma linha de produção ou equipe para
ajudar. As transcrições, então, tentaram ser fiéis a como o entrevistado fala, mas
podando alguns maneirismos e fazendo pequenas edições para tornar o texto
compreensível (afinal, quando falamos, há a entonação que nos dá uma significação
não existente no texto).

A exaltação do amadorismo só surge pela democratização do uso das tecnologias. A


partir do uso do computador, o maquinário primitivo ficou muito mais conhecido e
exposto ao público leigo, não familiarizado com terminologias simples como placas,
rede e disco-rígido. Para conseguir montar, por exemplo, o computador dentro de uma
residência era preciso ter contato com placas, portas paralelas e cabos de força. Foi a
partir daí que a rede foi se incorporando ao ser humano.
A evolução exponencial do uso tecnológico culminou hoje na portabilidade de conexão.

14 http://www.katiamaciel.eco.ufrj.br/trabalhos_KatiaMaciel_2007-2006.htm
O celular está presente em 83,47 de cada 100 brasileiros (segundo dados de 2009 da
Anatel). Ele é usado para fazer ligações, tirar fotos, gravar vídeos e publicar a vida em
um mundo paralelo, porém presente, que é o virtual. Nossas vidas virtuais estão em
constante conversa com as físicas, com uma dependendo cada vez mais da outra.
Para se ter uma ideia, hoje, é cada vez mais comum não precisar memorizar um único
número de telefone, já que temos agendas tanto no celular, quanto nos computadores
portáteis (notebooks ou netbooks), além de contar com a velha e segura agenda
física.
Em um mundo assim, para que ocupar a memória com informações que são
facilmente acessáveis? O conhecimento não precisa ficar mais entre sinapses
orgânicas. Pode ser muito bem - e facilmente - convertido em códigos binários para
ser transportado e enviado sem grandes empecilhos. Conhecimento on demand, como
diz Giselle Beiguelman15 na primeirta entrevista16 que fiz para essa pesquisa.

E é graças a isso que novas mídias, estéticas, produções, relações, questionamentos e


significações surgiram quando tratamos sobre a produção audiovisual. O artista Lev
Manovich17, em seu livro “The language of new media”, descreve as alterações que a
digitalização de produtos culturais trouxe para a sociedade e para o conceito moderno
do que é uma mídia.

We should not be surprised that both trajectories - the development of


modern media and the development of computers - begin around the
same time. Both media machines and computing machines were
absolutely necessary for the functioning of modern mass societies. The
ability to disseminate the same texts, images, and sounds to millions of
citizens - thus assuring the same ideological beliefs - was as essential as
the ability to keep track of their birth records, employments records,
medical records, and police records. Photography, film, the offset printing
press, radio, and television made the former possible while computers
made possible the latter. Mass media and data processing are
complementary technologies; they appear together and develop side by
side, making modern mass society possible.18

15 http://www.desvirtual.com.br
16 http://culturadigital.br/artedocibridismo/entrevistas/giselle-beiguelman/
17 http://www.manovich.net/
18 “Nós não devemos ficar surpresos que ambas trajetórias - o desenvolvimento da mídia moderna e o
desenvolvimento dos computadores - começam quase ao mesmo tempo. Ambas máquinas de mídia e de computação
foram absolutamente necessárias para o funcionamento da sociedade de massa moderna. A habilidade em diferenciar
os mesmos textos, imagens e sons para milhões de cidadãos - e assegurando as mesmas crenças ideológicas - foi tão
Vivemos em uma sociedade de massa, na qual tudo é informação e ideologia. Estamos
andando por um pequeno muro que nos divide entre o mundo físico e o virtual. A
altura e concretude dessa parede, porém, é o questionamento que moveu toda essa
pesquisa. Até que ponto dá para saber que não estamos conectados? Até quando
aguentamos ficar sem produzir um determinado conteúdo? Quais são os grandes
produtos gerados desta realidade que, por vezes, parece fazer parte de ficções
científicas?

A pesquisadora e artista Giselle Beiguelman, que adpatou a teoria do cibridismo às


realidades das redes e do Brasil, me contou durante a nossa conversa de como hoje é
quase impossível achar alguém que não divide seu tempo entre a realidade física e
virtual:

O cibridismo é essa experiência muito contemporânea de estar entre


redes: on e offline. Faz alguns minutos, nós estávamos conversando aqui
sobre esta questão da realidade aumentada como uma comprovação de
que o século XXI é cíbrido. O cibridismo não são elementos da
virtualidade no cotidiano – são também -, mas o que caracteriza
essencialmente o cibridismo é estar entre redes. Usar o celular é uma
experiência cíbrida. Você está on e offline. [Considerando] O celular hoje,
no tempo do 3G, onde você está o tempo todo entre redes, entre
experiência on e offline. (...) O celular nos ciborguizou. Eu escrevi um
artigo e essa é a primeira frase. E nos ciborguizou porque é uma
extensão conectada ao seu corpo 24h por dia. Mesmo quando você
desliga, ele continua conectado. De uma certa maneira, esses indícios de
ciborguização já estão em nosso cotidiano. O que a realidade aumentada
tem de muito interessante é que se até pouco tempo atrás o celular tinha
se transformado em uma espécie de controle remoto do nosso cotidiano,
que gerencia tudo – é nossa agenda, nossa plataforma de contato, SMS,
voz, câmera fotográfica –, ele passou a ser, com as tecnologias de
realidade aumentada, uma lente de expansão do nosso cotidiano. Eu
aponto o celular e retiro elementos simbólicos que estão embutidos nas

essencial quanto a habilidade de rastrear seus certificados de nascimento, registros de emprego, históricos médicos e
fichas policiais. Fotografia, filme, impressora offset, rádio e televisão tornaram os primeiros possíveis enquanto
computadores fizeram os últimos. Mídia de massa e processamento de dados são tecnologias complementares; eles
aparecem juntos e se desenvolvem lado a lado, tornando a sociedade de massa possível.” (T. do A.) (MANOVICH,
Lev. The language of new media. MIT Press. 2001. Págs. 22-23.).
coisas. E isso é algo que na escala de popularização que se tem feito é
inédito no mundo, e na cultura contemporânea também.

Mesmo estando presente no cotidiano das pessoas, ainda é complicado perceber que
as máquinas interferem no nosso mundo orgânico. O que antes parecia ser apenas
ficção científica, hoje é o nosso dia-a-dia. O celular é um aparelho extremamente
importante na concepção e desenvolvimento da produção artística contemporânea. O
interessante é perceber que a parte básica de se trabalhar com vídeo, como produzir
imagens e áudio tradicionais, foi deixada ao amador. Os artistas tomaram a posição de
explorar melhor o que poderiam fazer a mais com esses mecanismos.

Na introdução da obra de Donna Haraway, “Antropologia do ciborgue - as vertigiens do


pós-humano”, Tomaz Tadeu, o organizador da edição brasileira, faz uma breve
explicação sobre esse fino limiar entre o humano e o orgânico. Se o cibridismo é um
muro entre realidades, o ciborgue é um muro entre corpos.

Pois uma das mais importantes questões de nosso tempo é justamente:


onde termina o humano e onde começa a máquina? Ou, dada a
ubiquidade das máquinas, a ordem não seria a inversa?: onde termina a
máquina e onde começa o humano? Ou ainda, dada a geral
promiscuidade entre o humano e a máquina, não seria o caso de se
considerar ambas as perguntas simplesmente sem sentido? Mais do que
a metáfora, é a realidade do ciborgue, sua inegável presença em nosso
meio (“nosso”?), que põe em xeque a ontologia do humano.
Ironicamente, a existência do ciborgue não nos intima a perguntar sobre
a natureza das máquinas, mas, muito mais perigosamente, sobre a
natureza do humano: quem somos nós?

Primeiramente, a ubiquidade do ciborgue. Uma das características mais


notáveis desta nossa era (chamem-na pelo nome que quiserem: a mim,
“pós-moderna” não me desagrada) é precisamente a indecente
interpretação, o promíscuo acoplamento, a desavergonhada conjunção
entre o humano e a máquina. Em um nível mais abstrato, em um nível
“mais alto”, essa promiscuidade generalizada traduz-se em uma
inextrincável confusão entre ciência e política, entre tecnologia e
sociedade, entre natureza e cultura. Não existe nada mais que seja
simplesmente “puro” em qualquer dos lados da linha de “divisão”: a
ciência, a tecnologia, a natureza puras; o puramente social, o puramente
político, o puramente cultural. Total e inevitável embaraço. Uma situação
embaraçosa? Mas, cheia de promessas, também: é que o negócio todo é,
todo ele, fundamentalmente ambíguo19

A ambiguidade realmente prevalece em nossa sociedade. O amador é considerado


como artista, assim como o artista tem suas qualidades subjulgadas. Hoje, os limiares
que eram tão bem separados há algumas poucas décadas atrás sumiram. O filósofo
Zygmunt Bauman já nos apontou que as mudanças sociais que aconteceram nas
últimas décadas transformaram nossa sociedade de sólida para fluída.

O que todas essas características dos fluidos mostram, em linguagem


simples, é que os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua
forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não fixam o espaço
nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais
claras, mas neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação
do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o tornam irrelevante), os
fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente
prontos (e propensos) a mudá-la; assim, para eles, o que conta é o
tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço que, afinal,
preenchem apenas ‘por um momento’. Em certo sentido, os sólidos
suprimem o tempo; para os líquidos, ao contrário, o tempo é o que
importa. Ao descrever os sólidos, podemos ignorar inteiramente o
tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um grave
erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas, que precisam ser
datadas.20

Os trabalhos apresentados nessa pesquisa são uma pequena amostra do que está
sendo produzido relacionado à arte digital no país. Não significa que esses artistas
sejam os principais ou que delimitam tendências. Eles apenas constam como
representatividade. Cada um mostrou o viés artístico tecnológico que mais lhe

19 TADEU, Tomaz. Nós, ciborgues - o corpo elétrico e a dissolução do humano. In HARAWAY, Donna. Antropologia
do ciborgue - as vertigens do pós-humano. Editora Autêntica. 2000. págs. 10-11
20 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Editora Zahar. 2000. p. 8
interessa. Percebe-se, assim, a pluraridade que a temática envolve e que não se
restringe a conceitos ou obras específicas. A arte digital passa por sons, literaturas,
cinema, software, hardware, ludismo, pintura, escultura e por aí vai. É uma vertente
que não se pode delimitar. Ela, por si só, é híbrida.

Bibliografia

Livros:

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