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A ética do cachorro - Mente e Cérebro Page 1 of 4

Reportagem

edição 208 - Maio 2010

A ética do cachorro
Quando eles se comportam mal ou acidentalmente machucam um companheiro de
brincadeiras, logo procuram se desculpar, exatamente como faria um ser humano
bem-educado

Todos que convivem com cães sabem: © SHARON MONTROSE/THE IMAGE BANK/GETTY IMAGES
eles aprendem as regras da casa que os
acolhe e quando quebram alguma norma
expressam fisicamente o arrependimento
alguns se escondem e cobrem os olhos,
outros se abaixam ou arrastam-se pelo
chão, num gesto geralmente gracioso o
bastante para garantir o rápido perdão
dos donos. Porém, poucas pessoas
param para se perguntar por que esses
animais têm um senso tão aguçado de
certo e errado. Estudos recentes
mostram que canídeos (animais da
família dos cachorros, como raposas e
lobos) seguem um código estrito de
conduta ao brincar, ensinando aos
filhotes as regras de engajamento social
que permitem a manutenção de
sociedades bem-sucedidas.

Os chimpanzés e os outros primatas que


não o ser humano são notícia nos jornais
quando os pesquisadores, usando a
lógica, procuram nesses parentes mais
próximos do homem traços semelhantes
aos nossos – e descobrem evidências de
seu senso de justiça. Nosso trabalho, entretanto, sugere que as sociedades canídeas selvagens podem
ser as melhores análogas aos grupos de hominídeos primitivos: ao estudarmos cachorros, lobos e
coiotes descobrimos comportamentos que nos remetem às raízes dos valores éticos humanos.
Podemos definir a moralidade como um conjunto de comportamentos inter-relacionados em
deferência aos outros, que tem por finalidade desenvolver e regular as interações entre os indivíduos.
Atitudes como altruísmo, tolerância, disponibilidade para o perdão e a empatia, bem como a noção de
justiça, ficam evidenciadas rapidamente na forma igualitária com que os animais da família dos
cachorros brincam entre si. Nessas situações, os lobos e os coiotes adultos, por exemplo, seguem um
código estrito de conduta.
A brincadeira também tem a função de © SHARON MONTROSE/THE IMAGE BANK/GETTY IMAGES
ajudar a construir a relação de
confiança entre os membros da matilha,
permitindo divisões de trabalho,
hierarquias de domínio e cooperação na
caça, na criação dos mais novos e na
defesa de comida e de território. Essa
estrutura lembra muito a dos homens

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primitivos, e a observação de suas


brincadeiras pode oferecer um
vislumbre do código moral que permitiu
o desenvolvimento das sociedades
ancestrais.

Quando os canídeos e os outros animais


se divertem juntos adotam
comportamentos como morder com
força, montar em cima do outro, chocar
os corpos – ações que podem ser
facilmente interpretadas de forma
equivocada pelos participantes. Porém,
anos de análises feitas por um de nós
(Bekoff) mostraram que esses
indivíduos negociam cuidadosamente a
brincadeira, seguindo quatro regras
gerais para impedir que a atividade
lúdica se transforme em briga.

1. A comunicação deve ser clara. © MARTIN VALIGURSKY/SHUTTERSTOCK


Os animais anunciam que querem brincar e
não lutar ou acasalar. Os canídeos abaixam
a cabeça para indicar essa intenção,
engatinham sobre as patas dianteiras,
apoiando-se nelas, enquanto as pernas
traseiras continuam eretas. Os acenos são
usados quase que exclusivamente durante
a brincadeira e são altamente
estereotipados, ou seja, sempre parecem
os mesmos (para que o recado “Venha
brincar comigo” ou “Ainda
quero brincar” fique bem claro). Mesmo
quando um animal sinaliza a predisposição
para brincar com uma inclinação da cabeça
e prossegue com ações aparentemente
agressivas, como mostrar os dentes, rosnar Comunicação direta e sem subterfúgios: princípio central da sociedade
ou morder, seus companheiros canídea
demonstram submissão ou fuga apenas em
15% dos casos, sugerindo que eles confiam no recado de
que qualquer coisa que se siga não será arriscada. A confiança na comunicação
honesta do outro é essencial para o bom funcionamento do grupo.

2. Cuidado com os modos.


Os animais tendem a considerar as aptidões lúdicas de seus companheiros e se engajam na tarefa de
dar vantagens ao mais fraco e na troca de papéis para criar e manter igualdade de condições durante
a interação. Por exemplo, um coiote talvez não morda seu companheiro de brincadeira tão forte
quanto seria capaz, na tentativa de equilibrar a situação para manter o jogo justo. Um membro
dominante da matilha pode desempenhar uma troca de lugar, deitando-se de costas (sinal de
submissão que nunca
seria oferecida durante uma agressão efetiva) para deixar seu companheiro de status inferior ter a
sua vez de “vencer”.

As crianças também se comportam dessa forma ao brincar, por exemplo, intercalando os papéis de
vencedores numa simulação de luta. Ao manterem as coisas justas dessa forma, todos os membros
do grupo se aproximam uns dos outros, participam de atividades descontraídas e, ao mesmo tempo,
constroem laços – o que faz com que o grupo permaneça coeso e forte.
3. Admita quando estiver errado. © WOLF MOUNTAIN IMAGES/SHUTTERSTOCK
Mesmo quando todos querem manter as
coisas certas, a brincadeira às vezes
desanda. Quando um animal se comporta
mal, exagera na animação e

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acidentalmente machuca seu companheiro,


ele se desculpa, exatamente da mesma
forma como a maioria dos seres humanos
faria em situação similar. Após uma
mordida mais forte, um aceno de cabeça
envia o “recado”, como se afirmasse:
“Desculpe pela minha atitude, mas ainda é
uma brincadeira, apesar do que fiz. Não vá
embora; vou brincar de forma mais
respeitosa”. Para a brincadeira continuar o
indivíduo que sofre a ofensa deve aceitar
as desculpas – e isso de fato ocorre na
maioria das vezes. A compreensão e a
tolerância surgem durante o “jogo”, assim
como em outras situações da vida rotineira
da matilha, como no momento da caça ou
da divisão de alimentos. LOBOS ADULTOS RE FREIAM A FOR ÇA ao brincar com os filhotes,
mantendo o jogo divertido e equilibrado para todos
4. Seja honesto.
Tanto um pedido de desculpa como um convite para brincar devem ser sinceros; os indivíduos que
continuam a brincar de forma desleal ou a enviar sinais desonestos rapidamente serão excluídos pelo
grupo. E isso traz consequências bem mais graves que a simples redução do tempo de diversão. A
extensa pesquisa de campo de um dos autores (Bekoff) mostra, por exemplo, que os coiotes jovens
que não brincam de forma adequada com frequência acabam deixando sua matilha e têm
probabilidade quatro vezes maior de morrer que os indivíduos que permanecem com os outros.

Do ponto de vista evolutivo, a violação de regras sociais estabelecidas durante as brincadeiras não faz
bem para a perpetuação dos genes. O jogo honesto e divertido para todos pode ser entendido como
uma adaptação evoluída que permite aos indivíduos formar e manter os vínculos sociais. Assim como
acontece com os humanos, os canídeos formam intrincadas redes de relacionamentos, desenvolvem
normas básicas da justiça que guiam o jogo social entre semelhantes e se apoiam em regras de
conduta capazes de manter a sociedade estável. Em última instância, o objetivo é garantir a
sobrevivência de cada indivíduo. Essa inteligência moral é evidente tanto em animais selvagens
quanto em cães domesticados. É bem possível que tal noção de certo e errado tenha permitido às
sociedades humanas florescer e se espalhar pelo mundo. Pena que o homem moderno às vezes se
esqueça de procedimentos simples e eficazes, como ser claro, cuidadoso, humilde e sincero. Talvez
seja hora de voltarmos a aprender algumas lições com nossos amigos de estimação.

No lugar do terapeuta
Ao longo dos séculos, os animais sempre estiveram próximos do homem participando de atividades de
caça, tração, locomoção, pastoreio, guarda e companhia. Esses vínculos com bichos de estimação
transformaram tanto o estilo de vida das pessoas quanto os hábitos dos bichos (embora na maior
parte das vezes eles sejam vítimas do ser humano). Nas últimas décadas, porém, surgiu um dado
novo: o crescente interesse científico pelo estudo do potencial terapêutico dessa interação. Várias
possibilidades de intervenção com a participação de animais têm aberto perspectivas de uso de
recursos terapêuticos auxiliares para os profissionais da saúde e da educação. Atualmente, muitos
reconhecem que em geral os cães reúnem características que facilitam a aproximação com pacientes,
como disponibilidade para oferecer carinho, o que desperta o afeto nos seres humanos e instiga o
desejo de cuidar do outro – ainda que esse outro seja um cão.
O primeiro relato da participação de animais em tratamento de saúde na sociedade ocidental
contemporânea é do final do século XVIII , na Inglaterra. O Retiro de York, instituição psiquiátrica que
empregava métodos terapêuticos considerados mais humanos para a época, mantinha coelhos,
gaivotas, falcões e aves domésticas nos pátios e jardins frequentados pelos pacientes. Essas criaturas
eram, geralmente, muito familiares, e acredita-se que, muito mais que um prazer inocente,
despertavam sentimentos de sociabilidade e benevolência nos internos.
No século XIX houve um grande crescimento da participação de animais nas instituições mentais de
vários países. Mais tarde, quando os primeiros textos científicos começaram a ser publicados, tal
prática já não era tão rara. Em 1944, James Bossard escreveu um artigo sobre o papel dos animais
domésticos na família, em especial para crianças pequenas. Mas foi na década de 60 que o psicólogo
americano Boris M. Levinson iniciou uma série de estudos de situações clínicas nas quais a presença
do animal era fundamental no processo terapêutico. Um cachorro, por exemplo, poderia satisfazer a
necessidade humana de lealdade, confiança e obediência. A relação da criança com o animal permite
nuances num nível intermediário, que diferem das interações estabelecidas com pessoas e objetos
inanimados.
Afinal, ainda nos primeiros anos é possível perceber que brinquedos não podem dividir sentimentos,
pois não são vivos, não crescem nem respondem. Segundo Levinson, “diferentemente da relação que

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estabelece com a boneca, a criança pode conceber o animal como parte de si mesma, de sua família,
capaz de passar pelas mesmas experiências que vive”. Esse relacionamento oferece aos pequenos a
possibilidade de se expressar com mais liberdade.
Posteriormente aos estudos de Levinson, merecem destaque as pesquisas dos psiquiatras Samuel e
Elizabeth Corson. Na década de 80, eles usaram cães na psicoterapia em instituições psiquiátricas. A
experiência foi realizada com 50 pacientes com alto grau de introversão que não respondiam ao
tratamento convencional e relutavam em estabelecer contatos. Apenas três deles não apresentaram
melhoras em seu estado clínico. Os demais desenvolveram, gradualmente, desejo de independência,
sentimentos de autoestima e senso de responsabilidade. (Por Sabine Althussen, mestre em psicologia
clínica pela USP)

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