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O Ensino de Ciências Naturais na Per-

spectiva Hostórico-crítica.

Eixos Norteadores da Prática de Ensino

LICENCIATURA PLENA EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA - UAB - UFMT

Cuiabá , 2008
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Paulo Speller - Reitor


Elias Alves de Andrade - Vice-Reitor
Adriana Rigon Weska - Pró-Reitora Administrativa e Planejamento
Tereza Cristina Cardoso de Souza Higa - Pró-Reitora de Planejamento
Marilda Calhao E. Matsubara - Pró-Reitora de Vivência Acadêmica e Social
Matilde Araki Crudo - Pró-Reitora de Ensino e Graduação
Marinez Isaac Marques - Pró-Reitora de Pós-Graduação
Paulo Teixeira de Sousa Jr. - Pró-Reitor de Pesquisa
Antonio Carlos Dornelas - Diretor do Instituto de Ciências Exatas e da Terra
Lurnio Antonio Dias Ferreira - Diretor do Instituto de Biociências

Iramaia Jorge Cabral de Paulo


Coordenadora do curso de Ciências Naturais e Matemática
Licenciatura Plena para o Ensino Fundamental (5 a 8)

Carlos Rinaldi
Coordenador da UAB – UFMT
www.uab.gov.br

Instituto de Ciências Exatas e da Terra (ICET)


Av. Fernando Correa da Costa, s/nº
Campus Universitário
Cuiabá, MT - CEP.: 78060-900
Tel.: (65) 3615-8737
www.fisica.ufmt.br/ead
O Ensino de Ciências Naturais na Per-
spectiva Hostórico-crítica.

Eixos Norteadores da Prática de Ensino

Autora

Renata Cristina Cabrera


Instituto de Biociências - IB/UFMT
C o p y ri g ht © 20 08 UAB

C o r po E d i t o r i a l

• A l c e u Vi d o t t i
• C arlos Rinaldi
• I r a m a i a J o r g e C a b r a l d e Pa u l o
• M a r i a L u c i a C ava l l i N e d e r

P r o j e t o G r á f i c o : Pau L o H . Z . A rru d a
R e v i s ã o : A lceu V i d o tti
S e c r e ta r i a : N euza M aria J o r g e C abral

C apa : © R o mer o B rit o

FICHA CATALOGRÁFICA

C117e Cabrera, Renata Cristina


O ensino de Ciências Naturais na perspectiva histórico-crítica. / Renata
Cristina Cabrera. - Cuiabá: EdUFMT/UAB, 2008.
xi, 41p. : il. ; color.- (Eixos Norteadores da Prática de Ensino; v. 1)

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-61819-08-8

1. Prática de Ensino - Educação 2.Ciências Naturais 3. Matemática 4. Ensi-
no a distância I. Título II. Série

CDU - 371.133.018.43
A p r e s e n ta ç ã o

A Licenciatura em Ciências Naturais e Matemática está organi-


zada em oito módulos. Em cada um deles, além dos fascículos
específicos para cada eixo temático, teremos dois volumes desti-
nados à Prática de Ensino, através dos quais se pretende fundamentar e discu-
tir o saber e o fazer pedagógico.
Prática de Ensino é componente integrante do currículo do curso de
Licenciatura em Ciências Naturais e Matemática. Este componente curricu-
lar está presente durante todo o curso subsidiando as discussões entre as espe-
cificidades de cada área do conhecimento das Ciências Naturais e Matemática
e o saber pedagógico. Através da Prática de Ensino, espera-se que o estudante
tenha oportunidade de vivenciar as situações concretas do ato educativo e da
educação escolar.
Este volume tem como objetivo discutir a dinâmica que será adota-
da na prática de ensino ao longo do curso. Pretende-se com ele duas coisas:
evidenciar o papel do professor no ato pedagógico e, também, apresentar a
concepção de prática educativa adotada no currículo, sempre procurando levar
em consideração os determinantes históricos e sociais da produção do conhe-
cimento, conforme já observado no fascículo da Idade Antiga e Primitiva.
Desta forma, este volume da prática de ensino tratará da discussão do
ensino de ciências naturais na perspectiva histórico-crítica.

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Sua at e n ç ã o , po r fav o r !

O fascículo de Prática de Ensino deve acompanhar sua


trajetória de formação. Daí a importância dos seus registros.
Certamente você voltará a consultá-lo em outros momentos
e, provavelmente, irá rever suas anotações e avaliar seu cres-
cimento no processo de construção dos saberes necessários
à docência. As anotações de suas reflexões serão parte inte-
grante do fascículo.
O ambiente de estudo dos alunos do curso de Licencia-
tura Ciências Naturais e Matemática, na modalidade a dis-
tância, é bastante diversificado. Sua autonomia em definir
seu tempo de estudo, em percorrer os ambientes de acesso,
em buscar a literatura, registrar suas reflexões, suas desco-
bertas, resolver todos os exercícios e anotar suas dúvidas vão
avaliar seu sucesso.
A complementação da construção do fascículo, com
suas observações, reflexões e respostas às questões propos-
tas, é parte integrante de sua avaliação.

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Sumário

U n i d a d e 1: C o r r e n t e s P e d a g ó g i c a s : E m Q u e s tã o a Pe dagog ia
T r a d i c i o n a l , N o va e a P r o g r e s s i s ta 15
1.1 P e d a g o g i a T r a d i c i o n a l 16
1. 2 P e d a g o g i a N o va 19
1. 3 P e d a g o g i a P r o g r e s s i s ta 23
1. 4 A s co r r e n t e s pe d a g ó g i c a s n o co n t e x t o d a
co n cep ç ã o c r í t i c a d a e d u c a ç ã o 25

U n i d a d e 2: P e d a g o g i a H i s t ó r i co - C r i t í c a : A l g u m a s
Co nsi d er açõ es 29

U n i d a d e 3: E n s i n o D e C i ê n c i a s N u m a P e r s pec t i va H i s t ó r i co -
Crítica 35

Referências Bibliográficas 41

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I ntro duç ão

N o primeiro volume da Prática de Ensino, A prática de ensino tratará da prática pedagógica nas
Ciências Naturais e Matemática: considerações sobre o papel do professor, você foi inserido no
contexto da educação escolar e convidado a discutir questões relativas à profissionalização do
professor. Essa discussão é de fundamental importância para o exercício da docência.
Neste volume, apresentaremos a concepção de educação que norteia o currículo do curso de Ciências
Naturais e Matemática. Faremos, também, breve exposição sobre as principais correntes que norteiam as
práticas pedagógicas, de modo geral.
É imperioso que o professor tenha conhecimentos dos pressupostos teórico-filosóficos e metodológi-
cos que embasam as práticas pedagógicas. Neste sentido, ao apresentarmos uma visão geral das correntes
pedagógicas mais difundidas no sistema de educacional brasileiro, espera-se que você tenha parâmetros
para saber identificá-las no exercício da docência.
Compreendemos que os conhecimentos são produzidos num tempo histórico e no contexto de uma
dada sociedade. Apropriar-se desses conhecimentos significa compreender a relação que os homens, ao
viverem em sociedade, estabelecem enquanto produzem sua história e cultura.
Dessa forma, a opção feita aqui é por uma corrente pedagógica que leva em consideração esse pro-
cesso de construção coletiva e histórica do homem, ao exercer sua humanidade. Ao longo do texto,
você encontrará elementos para caracterizar essa corrente que aqui, assim como Dermeval Saviani, esta-
mos denominando de pedagogia histórico-crítica.
O texto está organizado em três unidades: na primeira, há uma breve exposição das principais cor-
rentes pedagógicas que têm norteado o ato educativo; na segunda, estão postos os elementos para a carac-
terização do que estamos entendendo por pedagogia histórico-crítica e, na terceira unidade, apresentamos
a discussão sobre o ensino de Ciências Naturais e Matemática nessa perspectiva.

Boa leitura!

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U n i d a d e 1: C o r r e n t e s P e d a g ó g i c a s :
E m Q u e s tã o a P e d a g o g i a T r a d i c i o n a l ,
N o va e a P r o g r e s s i s ta

A o analisarmos a história da educação brasileira, perceberemos que várias idéias pedagógicas


permearam esse campo. No livro intitulado “Histórias das idéias pedagógicas no Brasil”, Sa-
viani coloca à disposição do leitor um acervo riquíssimo que conta, à luz dos acontecimentos
históricos e sociais, o nascimento e a veiculação das principais correntes pedagógicas no campo educacio-
nal brasileiro.

Uma corrente pedagógica é um conjunto de doutri-


nas que regem uma prática educativa, formulada
por uma teoria da educação e embasada em uma
concepção filosófica.

Entre as correntes pedagógicas mais difundidas e discutidas no sistema de ensino brasileiro temos:
a pedagogia tradicional, a nova e a progressista. Por serem as mais difundidas, serão aqui objeto de nossa
discussão.

Usualmente, o termo pedagogia tradicional tam-


bém é substituído por escola tradicional e o termo,
escola nova, é utilizado como sinônimo de pedago-
gia nova ou escolanovismo.

O q u e v oc ê s a be s ob r e e s s a s co r r e n t e s pe d a g ó g i c a s ?

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Etimologicamente o termo tradicional
refere-se ao termo tradição, que de acor-
do com o dicionário Aurélio, significa:
“ato de transmitir ou entregar; conheci-
mento ou prática resultante de transmis-
são oral ou de hábitos inveterados”, ou
1.1 P e d a g o g i a T r a d i c i o n a l
seja, de hábitos do passado. Transposto
para o campo pedagógico, o termo re-
fere-se às práticas pedagógicas centradas
na figura máxima do professor, único A pedagogia tradicional constitui-se num modelo de
detentor do saber, que deve ensino, amplamente difundido pelos ideários da burguesia,
promover a instrução dos em meados do século XIX.
alunos, com base nos Ainda que a pedagogia tradicional encontre suas ba-
grandes feitos da ses na educação jesuítica, a burguesia se apropria dos seus
humanidade. pressupostos, tentando conferir-lhe uma visão laica, ou seja,
desvinculada dos ideários da igreja.

Qual o interesse da burguesia com a divulgação dessa


corrente pedagógica?
É importante relembrarmos que a burguesia não conseguiu
o poder político no mesmo momento que adquire o poder
econômico. Por algum tempo, ela ainda teve que susten-
tar a nobreza, procurando apropriar-se do seu patrimônio
histórico e cultural. Para a tomada do poder político se fazia
necessário, então, o acesso aos meios de produção e veiculação
do conhecimento.

O regime burguês necessitava de pessoas com certo grau de instrução para desen-
volvimento e consolidação do novo modo de produção da existência humana - o capi-
talista. A relação entre os antigos súditos e a nobreza era explicada pela interferência
divina, ou seja, os súditos estavam predestinados a servir aos nobres, por orientação de
uma entidade superior, sobrenatural.
A burguesia rompe com essa relação ao impor o modo de produção de sua existên-
cia através da acumulação de capital, ou seja, pelos conjuntos dos bens produzidos pelas
suas forças, portanto, não mais explicadas pela ação de nenhuma divindade.
Para que os cidadãos se tornassem definitivamente sujeitos livres, era preciso o
rompimento da barreira da ignorância e, para a consolidação da democracia burguesa,
era necessário dar instrução às camadas populares.
Dessa forma, o Estado burguês propagou a idéia de educação como direito
de todos, já na Revolução Francesa (1789–1899). Para romper definitivamente com a
marca do regime absolutista, imperado pela nobreza, era preciso romper com a igno-
rância.

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De acordo com Saviani (2002, p.06), a escola desse período:

[...] surge como um antídoto à ignorância, como instrumento para equa-


cionar o problema da marginalidade. Seu papel é difundir a instrução,
transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistemati-
zados logicamente. O mestre-escola será o artífice dessa grande obra. A
escola organiza-se como uma agência centrada no professor, o qual trans-
mite, segundo uma gradação lógica, o acervo cultural aos alunos. A estes
cabe assimilar os conhecimentos que lhes são transmitidos.

Nessa concepção de escola, o aluno é tido como tábula rasa na qual os conheci-
mentos produzidos pela sociedade são impressos. Ao professor, centro do processo de
ensino, cabe a tarefa de “imprimir” nos aprendizes os conhecimentos universais. Por-
tanto, não se aplica a idéia de uma educação crítica, que desperte a conscientização.
Há uma ênfase no volume de conteúdos transmitidos e o ato educativo centra-se,
principalmente, na transmissão e assimilação dos conhecimentos produzidos.
Essa concepção foi chamada por muitos de autoritária e antidemocrática, pois
não considerava os conhecimentos que o aluno trazia consigo, considerando apenas o
professor como o único detentor do saber.

Tente imaginar
como seria a orga-
nização do espaço,
das turmas em uma
escola tradicional. Co-
nhece alguma escola com essas
características?

leira- Escola tradicio


unos enfi
ional – al nal – profess
or –
Escola Tradic figura do
pr ofes- único detent
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.
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aprendizag
UAB| Ciências Naturais e Matemática |Prática de Ensino |  17
Já sabemos qual o papel do professor
e do aluno numa escola tradicional.
Tente imaginar como se dá o pro-
cesso de avaliação da aprendizagem
dos alunos nesse modelo de ensino.

Com essa concepção de educação – transmissão e assimilação, enquanto atos au-


tomáticos, do capital cultural produzido pela humanidade – há uma série de implica-
ções para o ato educativo. Além do que já foi exposto, no que se refere à relação pro-
fessor-aluno, cabe ainda evidenciar o papel que os conteúdos assumem nesse processo,
pois esses devem ser, simplesmente, assimilados de forma acrítica, não interessando se
trazem alguma explicação lógica para a vida prática dos alunos. Dessa forma, os con-
teúdos transmitidos são abordados de forma que lhes são retirados os condicionantes
históricos da sua produção, o que vale mesmo é a aquisição em quantidade, o quanto
mais possível.

Nessa concepção de educação, como se dá o processo de verificação


e acompanhamento da aprendizagem dos alunos?

Como há primazia pela quantidade dos conhecimentos adquiridos, o processo de


avaliação se caracteriza como o momento de verificação de quanto conteúdo transmi-
tido foi assimilado pelos alunos. Em resumo, nessa concepção, aprender é sinônimo de
assimilar.
Aos poucos, a escola tradicional vai se mostrando ineficaz para aquilo que se
propunha: transmitir o saber elaborado aos cidadãos com o intuito de garantir-lhes a
condição de homens livres, postulado pela revolução burguesa. Nas palavras de Saviani
(2002, p.06):

a referida escola, além de não conseguir realizar seu desiderato de uni-


versalização (nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam
nem sempre eram bem-sucedidos) ainda teve de curvar-se ante o fato de
que nem todos os bem-sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se
queria consolidar.

Dessa forma, começa um movimento de crítica a esse modelo que não conseguiu
atender a demanda da sociedade. Boa parte dessas críticas centra na incapacidade desse

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modelo no que se refere à equalização social. Assim, começa a ganhar força o movi-
mento chamado de escolanovismo, centrado nos pressupostos da pedagogia nova, o
que discutiremos no próximo item.

Alunos em dia de verificação da aprendizagem – escola tradi-


cional – ênfase nas provas.

Pedagogia
Nova: corrente
pedagógica difun-
1. 2 P e d a g o g i a N o va dida no Brasil a par-
tir da década de 30, no
Diante do quadro de fracasso da escola tradicional, movimento que tinha como
anunciado no item anterior, dada sua incapacidade de intuito o rompimento com as bases da
responder aos anseios de uma educação que se propunha educação, até então instaladas no siste-
como redentora, ganha força o movimento chamado de ma de ensino brasileiro, conhecida como
escola tradicional.
pedagogia nova.
A pedagogia nova surge como modelo oposto à
pedagogia tradicional, todavia não surge como matriz completamente nova, mas sim
aproveitando o que já se tinha consolidado na escola tradicional e, na medida do pos-
sível, readequando aos pressupostos do novo modelo que se postulava.
É no movimento de 1932, no Brasil, que a crítica à chamada escola tradicio-
nal ganha força, e no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova fica evidenciado os
pressupostos da nova corrente pedagógica. O trecho abaixo, extraído desse documento,
evidencia bem esse quadro:

[...] a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, in-
tencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional,
artificial e verbalista, montada para uma concepção vencida. Despren-
dendo-se dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde

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o “sentido aristológico”, para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa
de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e so-
cial do indivíduo, para assumir um “caráter biológico”, com que ela se
organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo
o direito a ser educado até onde o permitam as suas aptidões naturais,
independente de razões de ordem econômica e social. A educação nova,
alargando a sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com
uma feição mais humana, a sua verdadeira função social, preparando-se
para formar “a hierarquia democrática” pela “ hierarquia das capacida-
des”, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas
oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver
os meios de ação durável com o fim de “ dirigir o desenvolvimento natu-
ral e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”,
de acordo com uma certa concepção do mundo.

Como pode ser notado, o foco do problema da educação deixa de ser visto pre-
dominante sob o ângulo da ignorância, deslocando-se para o âmbito das aptidões e
estrutura biopsicológicas que os indivíduos possuem.
Todo o movimento da escola nova traz contribuições do campo da biologia e
da psicologia, além de se fundar nas bases das Filosofias da Natureza, centrados no
indivíduo, sendo que a capacidade de aprender passa ser explicada pelo suporte biopsi-
cológico que cada um possui.
Assim, contra o autoritarismo da escola tradicional, ganha força a idéia de li-
berdade no ato educativo. Deixar o aluno aprender aquilo que lhe é de interesse. Cabe
ao professor oferecer atividades que vão ao encontro desses interesses.
Dessa forma, as idéias de liberdade, individualidade e atividades constituem o
tripé de sustentação da escola nova.

Como é o r g a n i z a d a u m a e s co l a co m ta i s c a r a c t e r í s t i c a s ?

Nas palavras de Saviani (2002, p.09):

...em lugar de classes confinadas a professores que dominavam as gran-


des áreas do conhecimento, revelando-se capazes de colocar os alunos em
contato com os grandes textos que eram tomados como modelos a serem
Diretividade imitados e progressivamente assimilados pelos alunos, a escola deveria
agrupar os alunos segundo áreas de interesses decorrentes de sua ati-
aqui utilizada vidade livre. O professor agiria como um estimulador e orientador da
no sentido de aprendizagem cuja iniciativa principal caberia aos próprios alunos. Tal
diretivo, ou seja, aprendizagem seria uma decorrência espontânea do ambiente estimu-
lante e da relação viva que se estabeleceria entre os alunos e entre estes
direcionado, e o professor. [...] Em suma, a feição das escolas mudaria seu aspecto
orientado, sombrio, disciplinado, silencioso e de paredes opacas, assumindo um ar
guiado à uma alegre, movimentado, barulhento e multicolorido.
determinada
Dessa forma, o ensino passa a ser centrado não mais na figura do professor, mas
direção.
sim na figura do aluno. A este cabe a escolha do seu percurso educativo, do processo de
ensino aprendizagem. A diretividade, característica da pedagogia tradicional, é subs-

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tituída pela não-diretividade. O processo de ensino-aprendizagem passa a ser guiado
não pela experiência e conteúdos dominados pelo professor, mas sim pelo interesse que
os alunos passam a manifestar.

Escola Nova – o aluno é o centro do ato educativo. O


processo de ensino aprendizagem deve ser mediado através
dos interesses que o aluno manifesta.

Na escola nova a ênfase recai sobre os métodos de ensino, deixando de lado a pri-
mazia que a escola tradicional atribuía aos conteúdos. Cabe ao professor escolher esses
métodos eficazes para estimularem, o quanto mais for possível, o interesse dos alunos.
O trecho abaixo, extraído do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, evi-
dencia a importância dada aos interesses do aluno:

Nessa nova concepção da escola, que é uma reação contra as tendências


exclusivamente passivas, intelectualistas e verbalistas da escola tradicio-
nal, a atividade que está na base de todos os seus trabalhos, é a atividade
espontânea, alegre e fecunda, dirigida à satisfação das necessidades do
próprio indivíduo. Na verdadeira educação funcional deve estar, pois,
sempre presente, como elemento essencial e inerente à sua própria natu-
reza, o problema não só da correspondência entre os graus do ensino e as
etapas da evolução intelectual fixadas sobre a base dos interesses, como
também da adaptação da atividade educativa às necessidades psicobio-
lógicas do momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova,
não é, de fato, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal,
mas a presença, em todas as suas atividades, do fator psicobiológico do
interesse, que é a primeira condição de uma atividade espontânea e o
estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar
todos os recursos ao seu alcance, “graças à força de atração das necessida-
des profundamente sentidas”.

Fica evidente que nos pressupostos da escola nova, o processo de ensino está cen-
trado no interesse dos alunos e estímulo oferecido a estes. Assim, a função do professor
desloca-se de únicos detentores do saber, do conteúdo sistematizado, para aquele que
deve encontrar as melhores maneiras para estimular o aprendiz. O foco desloca-se do
conteúdo, na escola tradicional, para a questão de método, na escola nova.
A pedagogia nova teve grande divulgação entre o pensamento educacional brasi-
leiro. Saviani (2007, p.185) aponta o período correspondente entre 1932 e 1969 como
predomínio dessa pedagogia.
Embora não tenha sido uma experiência muito ampla, tendo sido restrita a algu-
mas experiências - a escola de aplicação da Universidade de São Paulo (1957 a 1966),

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Prática de Ensino |  21


por exemplo, os ideários da pedagogia nova influenciaram bastante o pensamento dos
educadores brasileiros.
No final da década de 60 começa a discussão sobre a eficiência da escola. Entra em
crise o modelo proposto pela pedagogia nova. A corrida espacial, na qual a então União
Soviética sai vencedora e acaba por colocar mais questionamentos sobre o modelo de
ensino apregoado pelos defensores da escola nova. O trecho de Saviani (op. cit, p.336)
expressa bem essa situação:

O clima de euforia com que o movimento pedagógico renovador contagiou


a sociedade nos diferentes países ao longo da primeira metade do século
XX começou a dar sinais de esgotamento ao penetrar na segunda metade
desse mesmo século. [...] O lançamento do Sputnik pela União Soviética
em 1956, saindo à frente dos Estados Unidos na corrida espacial, pro-
vocou uma onda de questionamentos à educação nova. A propaganda
ocidental vinha empenhando-se em convencer que a educação da Rússia,
além de autoritária e antidemocrática, era de qualidade inferior à ame-
ricana. Como entender, então, o êxito científico e tecnológicos dos russos?
O fato de eles terem sido eficazes no lançamento do foguete deveria es-
tar associado a uma formação científica mais sólida do que a apregoada
como muito avançada no Ocidente. Reforçam-se, assim, os argumentos
que acusavam as escolas americanas de dar atenção excessiva às crianças
e pouca importância aos conteúdos que lhes eram ensinados.

As décadas de 60 e 70 são marcadas pelo forte


desenvolvimento industrial. Reforça-se a idéia de que
a escola deva ser um espaço para fortalecimento in-
dustrial, contribuindo, assim, para o progresso do país.
Esses ideais advindos da indústria ganham força e che-
gam até a escola.
Você percebe a relação estabelecida As transformações pelas quais a sociedade sofre
entre acontecimentos ocorridos na com a crescente industrialização, colocam em evidên-
sociedade e a forma de ver e com- cia a necessidade de um modelo de escola que atenda a
preender as funções da escola? expectativa de contribuir com o desenvolvimento desse
Reflita sobre os fatos que marcam a modelo industrial.
sociedade atual e procure perceber Dessa forma, começa a desfalecer o movimento
as implicações dos mesmos no cam- denominado de escola nova, ganhando cada vez mais
po educacional. espaço o movimento chamado de tendência tecnicista
da educação.
Esse movimento que valoriza os aspectos racio-
nais, operacionais, buscando a eficiência e produtividade da escola, assemelhando-se
essa instituição aos moldes da produção fabril, sobreviveu até final da década de 70. No
início da década de 80, com a redemocratização do país, começam a ganhar força, cada
vez mais, os movimentos de denúncia da escola como reprodutora das condições de
exploração dadas em uma sociedade de classes. É nesse contexto que surgem os debates
dos intelectuais que propunham romper com uma educação voltada a uma minoria, às
elites, e colocá-la definitivamente a serviço dos explorados, dos dominados, da camada

22  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


popular. Saviani (2007, p.411) caracteriza as propostas pedagógicas desse período de
contra-hegemônicas. A pedagogia progressista, que será discutida no próximo item, se
insere nesse movimento.

Quantos acontecimentos e que implicações eles trazem à prática edu-


cativa, não é mesmo? Tente caracterizar as décadas de 70 e 80, tentando
evidenciar as implicações que trouxeram ao campo educacional.

1. 3 P e d a g o g i a P r o g r e s s i s ta

O termo progressista está associado à idéia de progresso. Snyders ao discutir a


escola e a política em seu livro “Pedagogia Progressiva”, aponta que:

A escolha, portanto, não é entre uma escola neutra, apolítica e uma escola
policitizada. A escola é sempre política. Mas nós temos de escolher entre
uma escola conservadora e uma escola que ousa afirmar-se, definir-se,
tomar consciência dos seus objetivos e justificar-se perante os alunos e
que, assim, se torna capaz de os atingir e de os fazer progredir. (SNY-
DERS, 1974, p. 218 – grifo nosso)

Dessa forma, a definição de pedagogia progressista surge em contraposição às
chamadas pedagogias conservadoras, não-críticas, incapazes de realizem uma análise
profunda da realidade social. E, na condição de conservadoras são enquadradas as duas
correntes discutidas anteriormente: a pedagogia tradicional e a nova. Não nos impres-
sionemos, portanto, com o conceito de nova.
Ao propor a pedagogia progressista, Snyders tenta pôr em evidência uma concep-
ção de educação que levasse em consideração os determinantes sociais e históricos que
contribuem para a manutenção da sociedade de classes.
Vivemos em uma sociedade pautada pela divisão de classes. Reconhecer isso
não é somente considerar que os pobres não têm as mesmas chances que os ricos, mas
também reconhecer que toda a estrutura educacional está montada de forma a repro-
duzir essas desigualdades.
A pedagogia progressista está pautada, então, com esse compromisso – fazer o
aluno progredir, munindo-o de todo capital cultural produzido pela humanidade, a
ponto de, uma vez apropriado criticamente desses conteúdos produzidos pela socieda-
de, ele possa se libertar de toda e qualquer forma de dominação.
Libâneo traz em seu livro “Democratização da Escola Pública” uma classifica-
ção das tendências pedagógicas, tomando como base os condicionantes sóciopolíticos

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Prática de Ensino |  23


da escola. Ele ordena as tendências pedagógicas em dois grupos: o grupo da pedagogia
liberal e o grupo da pedagogia progressista. Ao definir o termo pedagogia liberal, Li-
bâneo (1984, p.21): afirma que:

O termo liberal não tem o sentido de “avançado”, “ democrático”, “aberto”,


como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificativa
do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e
dos interesses individuais na sociedade, estabeleceu uma forma de orga-
nização social baseada na propriedade privada dos meios de produção,
também denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto,
é uma manifestação própria desse tipo de sociedade. (grifo do autor)

Tomando como base essa classificação proposta por Libâneo, a pedagogia tradi-
cional e a pedagogia nova se enquadram nas características da pedagogia liberal.
Contrapondo-se a essa sociedade de classes, está
a pedagogia progressista que tem forte identidade com
A escola tem esse as camadas populares, profundamente marcadas por
poder de transfor- esse tipo de sociedade. A esse respeito Libâneo (1984,
mação? p.32) aponta que: “a pedagogia progressista não tem
como institucionalizar-se numa sociedade capitalista;
Que bases devem sus- daí ser ela um instrumento de luta dos professores ao
tentar o ato educativo de
lado de outras práticas sociais.”
modo a contribuir para que o do-
Saviani discute o tipo de sociedade para qual
minado saia dessa condição?
estão direcionadas as pedagogias chamadas de pro-
gressistas, ao dar-lhe o atributo de pedagogia contra-
hegemônica, acaba por denunciar a sociedade de classe típica do modo de produção
capitalista, acenando para um outro modelo, no qual não existem mais os explorados e
dominados.
Tentando colocar luzes a esse debate, sobre a possibilidade da escola articular-se
aos interesses dos dominados, Saviani (2002, p. 31), argumenta:

[...] o caminho é repleto de armadilhas, já que os mecanismos de adapta-


ção acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem
ser confundidos com os anseios da classe dominada. Para evitar esse risco
é necessário avançar no sentido de captar a natureza específica da edu-
cação, o que nos levará à compreensão das complexas mediações pelas
quais se dá a sua inserção contraditória na sociedade capitalista. É nessa
direção que começa a se desenvolver um promissor esforço de elaboração
teórica.

Dentre as chamadas pedagogias contra-hegemônicas, que aqui estamos con-


cebendo como característica da pedagogia progressista, se enquadram, de acordo com
Saviani (2007, p.412), duas propostas:

uma, centrada no saber do povo e na autonomia de suas organizações,


preconizava uma educação autônoma e, até certo ponto, à margem da
estrutura escolar; e, quando dirigida às escolas propriamente ditas, bus-

24  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


cava transformá-las em espaços de expressão das idéias populares e de
exercício da autonomia popular; outra, que se pautava pela centralidade
da educação escolar, valorizando o acesso das camadas populares ao co-
nhecimento sistematizado.

As pedagogias da educação popular, por sua vez, têm no nome de Paulo Frei-
re seu maior representante. Aliado à discussão da educação como prática libertadora,
Freire buscava a libertação dos oprimidos pelo capital e forças de exploração vigentes
no modo de produção capitalista.
É no livro “Pedagogia do Oprimido” que Paulo Freire evidencia a base que
sustenta seu pensamento. Para esse autor, a educação deve ser processo de libertação do
homem, processo de humanização, de desalienação.
Representando o outro grupo, que tem como ênfase a centralidade na educação
escolar, temos a pedagogia histórico-crítica, postulada por Saviani e a crítico-social dos
conteúdos, desenvolvida por Libâneo, como as principais representantes. Ainda que
pese as diferenças entre esses dois autores, boa parte das teorias desenvolvidas pelos
dois encontra respaldo numa concepção crítica da educação, tentando evidenciar as
condições de dominação nas quais a grande maioria da população se encontra.

Ao apresentarmos as correntes pedagógicas, optamos pela dis-


cussão do contexto em que elas se inserem na história da educação
brasileira. No entanto, não podemos deixar de considerar que todos os
pressupostos aqui discutidos se inserem no movimento de discussão
mundial da educação.
A pedagogia tradicional tem em Johan Herbart a base
para sustentação teórica e metodológica dos seus pressupos-
tos, assim como John Dewey traz embasamento para a
pedagogia nova e Georges Snyders para a pedagogia
progressista.

1. 4 A s co r r e n t e s pe d a g ó g i c a s n o co n t e x t o
d a co n cep ç ã o c r í t i c a d a e d u c a ç ã o

Até o momento, fizemos breve caracterização dos pressupostos que embasam a


pedagogia tradicional, a nova e a progressista.
No que se refere à leitura do processo educativo e na relação que a escola estabe-
lece com a sociedade, essas correntes foram enquadradas por Saviani (2002) em dois
blocos: as que fazem uma leitura crítica da educação e as que, não conseguindo fazer
essa leitura, são consideradas como não-críticas.

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Prática de Ensino |  25


A pedagogia tradicional e a pedagogia nova se enquadram dentro do que é cha-
mado de teorias não-críticas, que, de acordo com Saviani (2002, p.5) são assim deno-
minadas porque “[...] encaram a educação como autônoma e buscam compreendê-la
a partir dela mesma.” Dessa forma, a educação é um fenômeno neutro, dissociado da
sociedade. A escola é um ente isolado que não recebe influências e nem é influenciada
pelas contradições existentes na prática social.
Ao contrário das teorias não-críticas, as críticas compreendem a relação da escola
com a sociedade, reconhecendo sua interdependência., e aqui estamos chamando de
pedagogia progressista.
Numa posição intermediária às categorias aqui estabelecidas como críticas e não-
críticas há as teorias que reconhecem a relação da escola com a sociedade, todavia,
concebem a escola como veículo de reprodução das contradições existentes nessa so-
ciedade, por isso são chamadas de crítico-reprodutivistas. Assim, elas têm como marca
principal a discussão da reprodução do status quo da sociedade por via da escola.

As teorias chamadas de crítico-reprodutivistas não se constituem em


uma teoria pedagógica. Elas empenham-se em evidenciar o mecanismo de
funcionamento da escola, tal como está estabelecido.

Entre os representantes dos crítico-reprodutivistas temos:


• Bourdieu e Passeron- sistema de ensino como violência simbólica;
• Althusser – Escola como aparelho ideológico;

Um aprofundamento maior a respeito dos crítico-reprodutivistas poderá ser en-


contrado em:
• ALTHUSSER, Ideologia e aparelhos ideológicos.
• BOURDIEU, P. e PASSERON,J.C. A reprodução: elementos para uma te-
oria de ensino.

Uma das maiores críticas que pesa aos crítico-reprodutivos é o fato de não consi-
derarem na escola nenhuma possibilidade de rompimento com as condições de domi-
nação impostas pela hegemonia do capitalismo.
A pedagogia progressista, por sua vez, reconhece a relação da escola com a socie-
dade, evidencia as formas de reprodução da ordem estrutural social através da prática
escolar, porém, ao contrário das teorias crítico-reprodutivistas, aponta os elementos que
podem servir de ponte para a prática que supere as condições de dominação vigentes.
A pedagogia progressista considera a escola como ente social e procura realizar
a análise das condições vigentes que contribuem para a manutenção da sociedade de

26  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


classes. Por colocar em evidências as contradições postas numa sociedade de classes, é
que a pedagogia progressista foi caracterizada como uma pedagogia crítica.
Esquematicamente essa categorização aqui adotada, pode ser apresentada no
esquema abaixo:

Por opção teórica, e por compreender que a educação é um processo através do


qual o homem se atualiza histórico-culturalmente, daremos ênfase à discussão da
proposta denominada pedagogia histórico-crítica, tomando como base os estudos de
Saviani, principalmente em seus livros: Escola e Democracia e Pedagogia histórico-
crítica: primeiras aproximações. Os pressupostos que embasam tal teoria serão
discutidos na próxima unidade.

Pense a R e s pe i t o
Quais as implicações, para o exercício da docência, da com-
preensão da escola como construção histórica e produto da ação
humana?
É possível articular a escola, efetivamente, com os interesses dos do-
minados, excluídos?

[...] o caminho é repleto de armadilhas, já que os mecanismos de adap-


tação acionados periodicamente a partir dos interesses dos dominantes
podem ser confundidos com os anseios da classe dominada. Para evi-
tar esse risco é necessário avançar no sentido de captar a natureza
específica da educação, o que levará à compreensão das complexas
mediações pelas quais se dá a sua inserção contraditória na socie-
dade capitalista. (SAVIANI, 2002, p.31)

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Prática de Ensino |  27


U n i d a d e 2: P e d a g o g i a H i s t ó r i co -
Cr itíc a: Algum a s Co n si d e r açõ es

P ela classificação que adotamos aqui, apoiando-


nos em Saviani, a pedagogia histórico-crítica
se insere num movimento de compreensão do
fenômeno educativo considerando os vários fatores que o de-
O que já sabemos
sobre a pedagogia
histórico-crítica?
Em que bases
terminam. Isso porque, ao compreender a escola como parte ela se assenta?
da sociedade, recebendo as influências e sofrendo todas as
contradições de uma sociedade de classes, faz uma leitura
aprofundada das condições nas quais o ato educativo está inserido. Dessa forma, não desconsidera a escola
como espaço de veiculação das ideologias dominantes, contudo, reconhece que há na escola espaço para a
transformação, por isso se insere numa perspectiva crítica.
Para Saviani (1991, p.14), mentor dessa proposta da pedagogia histórico-crítica, “o trabalho edu-
cativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.”
Nesse sentido, uma teoria da educação pautada por essa concepção de ato educativo se assenta nos
pressupostos da educação enquanto ação intencional, direcionada e política, no sentido de comprometi-
mento com o grande contingente da população que sofre as agruras das contradições existentes em uma
sociedade de classes, na qual impera a marca da exploração dos mais fracos, vendedores de força de traba-
lho, pelos mais fortes, detentores dos meios de produção.
Essa discussão tem origem nos escritos de Karl Marx, importante intelectual do século XIX que deu
base científica ao socialismo e desvendou as formas de exploração nas relações que os homens estabelecem
ao tentarem proverem as condições da vida material.

Sociedade de classes. Exploração. Meios de produção. Força de trabalho. Capita-


lismo.Todos esses são termos muito discutidos por Karl Marx em seus títulos sobre as
bases em que se assenta a produção da vida material.

Para aprofundamento maior dos escritos de Marx, consultar os seguintes textos: O


manifesto Comunista; Contribuição à crítica da economia política e Ideologia Alemã.

UAB| Ciências Naturais e Matemática | Prática de Ensino |  29


Saviani, ao discutir a pedagogia histórico-crítica a define como uma pedagogia
contra a hegemonia da classe dominante, presente na sociedade de classes. Considera-a
como instrumento dotado de potencialidade para o rompimento da exploração em que
a maioria dos homens se encontra. Exploração essa imposta pelas bases do sistema
chamado capitalista. Dessa forma, a educação, para esse autor, “é entendida como me-
diação no seio da prática social global” (2007, p.420), ou seja, ao se apropriar dos
conhecimentos que foram produzidos historicamente e compreender criticamente as
condições vigentes no ato de produção desses conhecimentos, o homem teria elementos
para romper com as condições de dominação.
Os escritos de Marx influenciam e estão presentes na maneira de Saviani compre-
ender a educação. No entanto, como ele mesmo diz, Marx não formulou uma teoria
pedagógica, mas seus textos trazem uma visão de concepção de mundo e de homem
que estão na base dos pressupostos da sua teoria da pedagogia histórico-crítica. Isso
pode ser evidenciado no trecho abaixo:

A fundamentação teórica da pedagogia histórico-crítica nos aspectos fi-


losóficos, históricos, econômicos e político-sociais propõe-se explicitamente
seguir as trilhas abertas pelas agudas investigações desenvolvidas por
Marx sobre as condições históricas de produção da existência humana
que resultaram na forma da sociedade atual dominada pelo capital. É,
pois, no espírito de suas investigações que essa proposta pedagógica se ins-
pira. Frise-se: é de inspiração que se trata e não de extrair dos clássicos do
marxismo uma teoria pedagógica. Pois, como se sabe, nem Marx, nem
Engels, Lênin ou Gramsci desenvolveram teoria pedagógica em sentido
próprio. (SAVIANI, 2006, p.420)

No que se refere às suas bases psicológicas, a pedagogia histórico-crítica encon-


tra suas bases na psicologia histórico-cultural desenvolvida por Vygotsky.

Enfim, quais as características dessa pedagogia


chamada histórico-crítica?

Como já explicitado, a educação é entendida como mediação da prática social,


porque é entendida como a forma de produzir em cada indivíduo a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. (Saviani, 2007, p.420).
Essa concepção advém do entendimento de que para produzir a sua existência o ho-
mem necessita se relacionar com a natureza e com os outros homens. E isso ele o faz
através do trabalho. “Tudo que não é garantido pela natureza tem que ser produzido
historicamente pelos homens, e aí se incluem os próprios homens.” (Saviani, 1991,
p.21).
Portanto, o homem se faz homem e constrói sua humanidade, nas relações que

30  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


estabelece com os seus semelhantes ao produzirem sua história. “A natureza humana
não é dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a base da natureza bio-física.” (op.
cit).

Qual o papel da escola nesse contexto? Em que ela ajuda o homem


na construção da sua humanidade?

Ao compreender como objeto da educação os elementos culturais que precisam


ser assimilados pelos homens para produzirem sua humanidade, estamos considerando
a construção histórica dos conhecimentos. Nesse sentido, a escola é a entidade na qual
veicula o saber elaborado a que todos os homens devem ter acesso para produzirem
integralmente sua humanidade. Para Saviani (1991, p.23) “é a exigência de apropriação
dos conhecimentos sistematizados por parte das novas gerações que torna necessária a
existência da escola”.
A escola, nesse sentido, tem papel fundamental na socialização do saber elabo-
rado, construída por uma dada sociedade.
A forma dos homens se compreenderem como sujeitos da sua construção histó-
rica, passa, necessariamente, pela consciência e conhecimento dos saberes produzidos
pela sociedade da qual fazem parte.
A roda da história não anda para trás, já dizia Marx, dessa forma, aproveitamos
os conhecimentos produzidos no passado, aprendemos com os erros, lapidamos e damos
encaminhamento aos acertos e assim vamos produzindo o progresso da humanidade.
Para ilustrar, tomemos como exemplo os avanços conseguidos na área da engenharia
genética. Quantas conquistas desde a época do descobrimento da molécula do DNA,
em 1950 por Watson e Crick, até as atuais pesquisas com a manipulação de seres vivos
e a descoberta do potencial das células-tronco? Todos esses são conhecimentos produ-
zidos pelos homens. A socialização desses conhecimentos é ponto primordial para uma
sociedade que seja de fato democrática.
Esse saber elaborado é transformado em saber escolar – seqüência de conteúdos
organizados de maneira a garantir a instrução dos indivíduos.
Dessa forma, na escola, o saber elaborado se transforma em saber escolar. Saber
esse que deve ser apropriado pelos alunos de modo a lhe garantir as condições míni-
mas de participação na sociedade da qual fazem parte. Essa participação, na visão de
mundo e homem aqui adotada, visa a superação dessa sociedade marcada pela divisão
de classes e exploração do homem pelo homem. A esse respeito, Saviani (1991, p.87)
argumenta:

[...] na pedagogia histórico-crítica a questão educacional é sempre referi-


da ao problema do desenvolvimento social e das classes. A veiculação en-
tre interesses populares e educação é explícita. Os defensores da proposta

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Prática de Ensino |  31


desejam a transformação da sociedade. Se este marco não está presente,
não é da pedagogia histórico-crítica que se trata.

Somente quando os explorados tomarem consciência dessa exploração é que


começa nascer elementos para sua superação. Por isso, a educação não é neutra. Ela
está ligada a interesses de classes. Uma pedagogia somente pode estar a serviço dos
dominados se nascer dessa base, com esse compromisso, evidenciando todas as formas
de exploração e dotando os indivíduos para a superação.

Q ual o c a m i n ho pa r a e s s a s u pe r a ç ã o ?

Um problema complexo como esse não tem resposta simples. Uma receita pronta
e acabada. O que existe são os esforços de pessoas que lutam por uma sociedade mais
justa, livre de exploração. Uma sociedade onde todos sejam livres de fato e de direito.
Entendemos que o movimento denominado pedagogia histórico-crítica seja um dos
que se insere nessa luta, nessa caminhada.
A pedagogia histórico-crítica toma como ponto de partida e de chegada a prática
social. É a partir dela que os conteúdos da educação escolar são definidos. Através da
escola, espera-se que os alunos saiam de uma visão sincrética (confusa, parcial, frag-
mentada, sem lógica, incoerente) para uma visão sintética (elaborada, de totalidade,
articulada, com lógica, coerente) da prática social.
Essa forma de compreender o ato educativo evidencia a relação da educação
com a sociedade. Ou seja, entende que professor e aluno são sujeitos inseridos numa
prática social.
Saviani (2002, p. 71 e 72) ao traduzir os métodos de ensino propostos em a pe-
dagogia histórico-crítica, na forma de passos, semelhante ao que propuseram Herbart
e Dewey1, descreve:

1. prática social: ponto de partida do ensino;


2. problematização: trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no
âmbito da prática social e, em conseqüência, que conhecimento é necessário
dominar;
3. instrumentalização: trata-se da apropriação pelas camadas populares das fer-
ramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se
libertar das condições de exploração em que vivem;
4. catarse: efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora
em elementos ativos de transformação social;
5. ponto de chegada: a própria prática social, compreendida agora de forma sin-
tética pelos alunos.

Fazendo uma comparação entre o aporte metodológico das pedagogias tradicio-

1 Autores que serviram de sustentação teórica da metodologia adota na pedagogia tradicional e nova,
respectivamente.

32  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


nal, nova e histórico-crítica, temos:

Pedagogia 1º passo 2º passo 3º passo 4º passo 5º passo


Apresentação de
Assimilação de con-
Preparação novos conheci-
Tradicional teúdos transmitidos generalização aplicação
do aluno mentos por parte
pelo professor
do professor

Atividade: Problema: obstá-


Nova iniciativa culo que inter- Coleta de dados hipótese experimentação
do aluno rompe a atividade

Histórico- Prática
Problematização Instrumentalização: Catarse Prática social
crítica social

Fonte: Adaptado de Saviani, 2002, p. 70 a 72.

Com esses pressupostos aqui apresentados, a pedagogia histórico-crítica


aponta para uma relação de diálogo dentro do espaço escolar. Valoriza a edu-
cação escolar como via de transmissão do saber
elaborado e atribui à figura do professor, papel
importante na busca pela transformação social. Com base nos
Seu papel é de mediador na prática educativa. Ao pressupostos que sus-
contrário do que é postulado na pedagogia tradi- tentam a pedagogia his-
cional, o professor não é o único detentor do saber, tórico-crítica, qual o papel que
nem tampouco como evidenciado na pedagogia o professor assume nessa concepção?
nova, não é um mero acompanhante e criador de
situações de estímulo para os alunos, ao contrário,
nesta concepção de educação, ele assume o papel
de mediador do processo educativo. Alguém que tem contribuição na instrumentali-
zação, como aqui definida, ou seja, que desenvolve seu trabalho comprometido com a
aquisição, por parte dos alunos, das ferramentas de caráter histórico, matemático, cien-
tífico, etc, que lhes auxiliarão na luta diária contra todas as formas de exploração.
A esse respeito, da contribuição do professor no ato educativo, Saviani (2002,
p.80) aponta que:

tal contribuição será tanto mais eficaz quanto mais o professor for capaz
de compreender os vínculos da sua prática com a prática social global.
Assim, a instrumentalização desenvolver-se-á como decorrência da pro-
blematização da prática social, atingindo momento catártico que ocor-
rerá na especificidade da matemática, da literatura, etc., para alterar
qualitativamente a prática de seus alunos como agentes sociais.

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Prática de Ensino |  33


U n i d a d e 3: E n s i n o d e C i ê n c i a s N u m a
P e r s pec t i va H i s t ó r i co - C r í t i c a

D iante do que foi exposto, pode-se distinguir as principais correntes que norteiam as práticas
pedagógicas. Também é possível evidenciar as características de uma prática pautada pela
concepção dos conhecimentos como produtos históricos. Assim, como seria ensinar Ciências
Naturais nessa perspectiva? Qual a relação entre a pedagogia histórico-crítica e o ensino dessa área do
conhecimento? Que concepção de ciências está implícita nessa corrente pedagógica?
A ciência é saber sistematizado, produto da construção do homem que ao tentar compreender o
mundo que o cerca, produz e se torna produto da sua história.
Nessa mesma concepção vão os argumentos de Santos (2005, p.41) ao afirmar que: “adotamos a
visão de ciência como saber capaz de levar o homem ao conhecimento da verdade, entendendo por verdade
o conhecimento das relações fundamentais que estruturam o nosso universo.”
Em uma sociedade capitalista, a visão de ciência centra-se como atividade de resolução de pro-
blemas. Assim, há que se descobrir as melhores maneiras para se fazer avançar cada vez mais o capita l.
A ciência, portanto, por ser produto histórico não é neutra. Ela atende a interesses da classe
que detêm os meios de produção.

Mas qual a perspectiva para atuação da pedagogia histórico-


crítica nessa visão?

Santos (2005,p.41) aponta que:

A visão de ciências como atividade de resolução de problemas é a visão construída e apro-


priada a uma sociedade em que tudo se materializa através da compra e venda. Isso não
quer dizer, contudo, que os únicos aspectos relevantes da ciência sejam os que interessam ao
capital. O método científico pode auxiliar na libertação humana e na superação da alienação.
É esse aspecto que deve interessar ao professor que adota a pedagogia histórico-crítica. Ele
não ignora ser a ciência uma atividade determinada, mas entende que o saber que permite a
dominação é o mesmo que possibilita a emancipação.

Dessa forma, a ciência não se encerra em si mesma, ela é determinada por diversos fatores sociais,
econômicos, políticos, culturais, entre outros. Ou seja, ela não é determinada somente pela atividade con-

UAB| Ciências Naturais e Matemática | Prática de Ensino |  35


ceitual e genialidade dos cientistas. Ela é produto histórico.
Para se libertar de todo e qualquer tipo de opressão, o homem necessita apreen-
der o produto da ciência, dominando não só o seu conteúdo, mas as formas de inter-
venção na realidade com base nas descobertas. O conhecimento é poder. Assim, uma
pedagogia que esteja comprometida com a educação dos explorados, uma educação de
fato interessada com o avanço das camadas populares deve partir desse pressuposto da
democratização dos saberes construídos historicamente.
Santos (idem, p.56) assevera que: “só se supera a dominação quem domina os
instrumentos sob guarda dos dominadores. Enquanto apenas uma parte da sociedade
tiver acesso aos mecanismos do saber clássico, as possibilidades de superação e avanço
estarão dificultadas”.
É esse compromisso que assume a pedagogia histórico-crítica: fornecer às cama-
das populares um ensino que garanta as condições para a sua libertação.
Ciência e sociedade podem ser articuladas por uma educação que assuma
criticamente a sua tarefa, que tenha o homem como raiz concreta e objeto de
Os termos transmissão e
assimilação normalmente sua ação. A pedagogia histórico-crítica propõe essa articulação, propõe-se como
vêm imbuídos de caráter mediadora entre o homem a ser educado e o conhecimento disponível. Ela não
mecanicista, muito só está apta a preparar o cidadão para os desafios do mundo moderno como pode
criticado e utilizado na
pedagogia tradicional. transformá-lo num agente de avanço social. (idem, p.69)
Aqui ele não encerra o seu
sentido em uma atividade
mecânica, automática,
mas sim como algo muito O trabalho de transmissão-assimilação-apreensão dos conhecimentos pro-
mais complexo, que duzidos se dá na relação dialética entre professor – conhecimento – aluno.
considera os múltiplos Essa relação se dá, principalmente, no ambiente que chamamos de escola. Na
determinantes que estão
por trás de uma prática escola os conhecimentos produzidos pela humanidade são divulgados numa
educativa e social. Para seqüência pré-estabelecida pelos agentes ligados ao ensino.
dirimir qualquer dúvida,
que por ventura permaneça,
foi acrescentado o termo
apreensão por considerar Dialética:método de descrever
que dessa forma o elemento o real considerando o seu
passividade do aprendiz movimento
deixa de existir.
Saber mais: Konder, Lenadro. O
que é dialética.

Os métodos de abordagem desse conhecimento e material didático utilizado indi-


cam a concepção de educação, de ensino, de mundo, de homem, de sociedade, de ciên-
cia, etc, que se assume ali. Daí a necessidade de se ter clareza do trabalho que estamos
desenvolvendo. Cada professor precisa ter a clareza em quais bases se sustentam sua
prática pedagógica e se estas se coadunam com a sua visão de sociedade, de mundo, de
homem. Do contrário, corre-se grande risco da prática educativa se reduzir num fazer
alienante, sem qualquer perspectiva de auxílio no processo de transformação social,
contribuindo, definitivamente, para a manutenção das condições sociais vigentes.

36  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


Como desenvolver uma prática pedagógica no ensino de Ciências
Naturais e Matemática com base na discussão que desenvolvemos
sobre a pedagogia histórico-crítica?

Como bem discutido por Saviani, o ponto de partida deve ser a prática social.
Assim, o professor deve partir de um problema relevante à sociedade, que diga respeito
ao conjunto humano. Por exemplo: a questão da legalização ou não de alimentos mo-
dificados geneticamente. Essa é uma situação que se aplica ao Estado de Mato Grosso,
grande produtor de grãos, assim, como também a outras partes do Brasil e do mundo.
Quais os riscos e benefícios na utilização desses alimentos? Quais as conseqüências que
podem acarretar ao meio ambiente e à saúde humana? Que avanços podem representar
às camadas populares, na distribuição de vitaminas que podem ser inseridas nesses
alimentos? O que dizem os aspectos legais? Qual o significado prático da lei de biose-
gurança? Quem se beneficia com o cultivo dessas culturas?
Essas são algumas formas de se colocar um problema que está aí, que emerge da
prática social.
Uma vez feito o recorte do problema – como o exemplo aqui adotado – a questão
dos alimentos modificados geneticamente, é momento da instrumentalização, ou seja,
apropriação dos instrumentos teóricos e práticos que permitem compreender o proble-
ma que surgiu da prática social. Que conhecimentos são necessários para a compreen-
são do problema que se apresenta? O que envolve a questão dos alimentos modificados
geneticamente? Essa questão envolve:

a) aspectos legais: quais as instituições reguladoras no nível governamental? Que


leis, decretos, portarias, instruções normativas regulamentam a produção de
tais tipos de alimentos?

b) aspectos teóricos: os conteúdos necessários para o entendimento da questão. O


que são os alimentos modificados geneticamente? Como são produzidos? Quais
as principais alterações genéticas envolvidas?

c) aspectos teóricos correlacionados: como o problema levantado pode ser visto


sob o ponto de vista de outras disciplinas? História: como e onde surgiu a ques-
tão da modificação genética ? Como chega no Brasil? Sobre quais bases? A
serviço de quem? Geografia: como está disposta a produção desses alimentos no
mundo? E no Brasil? Em Mato Grosso? Que países têm investido nesse tipo de
produção? Biologia: como ocorre a alteração genética de um ser vivo? Que im-
pactos o meio ambiente pode sofrer com a introdução de um ser vivo modifica-

UAB| Ciências Naturais e Matemática |Prática de Ensino |  37


do artificialmente? Quais os custos para a diversidade biológica? E para a saúde
humana? Qual a relação das culturas de alimentos modificados geneticamente
e pragas da lavoura? Matemática: qual a produtividade alcançada em 1 hectare
de terra plantada com grão orgânico e a mesma quantidade de grão modificado
geneticamente? O que representa em termos de economia de defensivos agríco-
las uma plantação de grão modificado geneticamente?

d) aspectos sociais e econômicos: como se desenvolve a relação entre os produtores


– aparato tecnológico – trabalhadores da produção?

Essas são algumas das muitas questões que podem surgir do problema aqui le-
vantado – a questão dos alimentos modificados geneticamente. Cabe ao professor sele-
cionar e ordenar os pontos para desenvolver o seu trabalho de forma a propiciar que o
aluno estabeleça uma visão mais consistente da realidade.
Ao ser identificado o problema posto pela prática social, há necessidade de se
elencar questões que nortearão a coleta de dados relevantes e o estabelecimento das
relações entre os diversos determinantes do fenômeno. A esse respeito Santos (idem,
p.76) aponta que:

se usamos o método dialético, construir e estudar as relações mais signi-


ficativas são determinantes. Perceber as relações econômicas e como estas
engendram a realidade, perceber que as coisas estão relacionadas, que
decisões de governo afetam a vida de milhares de pessoas, é pensar dia-
leticamente.

Quando os alunos conseguem estabelecer as relações existentes no problema


que a prática impõe, o quadro sincrético começa a ceder espaço para a síntese. A aná-
lise caminha para a síntese. Nesse momento, da catarse, o modo de compreender a
realidade se altera qualitativamente pois se ascendeu para uma visão de totalidade, ao
se estabelecer e procurar compreender todas as relações que integram a prática social.
Nesse momento:

Alterou-se o sujeito da prática e não esta em si mesma. Modificou-se


aquele que vai agir e reagir no universo social. Se esse indivíduo estiver
preparado para pensar através de relações, se for capaz de usar o treina-
mento obtido para pensar sua realidade, teremos alcançado o primeiro
patamar de um novo sujeito. Não mais inerte instrumento de decisões
“superiores”, teremos agora um sujeito na extensão máxima do termo,
alguém capaz de operar por si com base na realidade em que está inseri-
do. (idem, p.80)

38  | Ciências Naturais e Matemática | UAB


Eis o nosso desafio. Esse deve ser o desafio de todos os que consideram a im-
portância da educação como prática emancipadora, transformadora.
Fundamentar-se teoricamente é imperioso nessa caminhada. Somente através
desse posicionamento poderemos dar sentido e significado para a nossa prática educa-
tiva enquanto prática social. Qual a função social do professor? Qual o significado da
atuação de cada um de nós nesse processo? Que métodos dão subsídios a concepção por
nós assumidos?
Os passos metodológicos propostos pela pedagogia histórico-crítica (prática so-
cial, problematização, instrumentalização, catarse e prática social) permitem estruturar
o trabalho pedagógico de modo a subsidiar o processo de construção de síntese da
realidade.
Para a superação do quadro sincrético em sintético, se faz necessário reconhe-
cer a importância do conhecimento produzido pela sociedade. Esse conhecimento é
traduzido na escola em saber escolar, em conteúdos que serão transmitidos e devem
ser assimilados pelos alunos. Essa compreensão será mais rica na medida em que for
pautada pelo entendimento de que os conteúdos não são desconectados, fragmentados,
mas sim, vinculados à análise de processos e problemas reais, o que possibilita uma
compreensão cada vez mais clara do real. Dessa forma, são conteúdos significativos
porque são produtos da história, e assim devem ser apreendidos.
Dessa maneira perguntamos: qual o papel do ensino de Ciências Naturais e
Matemática nesse processo de transformação da sociedade? No comprometimento com
a libertação das camadas populares?
Para responder a esse questionamento, recorremos mais uma vez a Saviani
(2002, p.73) que argumenta que:

[...] a alteração objetiva da prática só pode se dar a partir da nossa condi-


ção de agentes sociais ativos, reais. A educação, portanto, não transforma
de modo direto e imediato e sim de modo indireto e mediato, isto é, agin-
do sobre os sujeitos da prática.

Assim, o ensino deve pautar para discussão crítica dos conteúdos construídos his-
toricamente e propiciar que os alunos consigam fazer o salto qualitativo entre o conhe-
cimento inicial que têm da sua prática social, estado sincrético, para o conhecimento
mais profundo e mais consistente do real, da sua prática, estado sintético.
No que se refere particularmente ao ensino da física, química, da biologia e da
matemática, há que se considerar que em posse dos saberes produzidos nessas áreas do
conhecimento, cada indivíduo pode melhorar as suas condições de vida agindo melhor
nos cuidados com a sua saúde, prevenindo dessa forma muitos males que são ocasio-
nados por falta de cuidados e instrução, as verminoses por exemplo; propiciar que esse
indivíduo se relacione melhor com o meio em que vive e estabeleça relações construti-
vas com os demais seres vivos do planeta.

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Dessa forma, ensinar biologia, por exemplo, é muito mais do que evidenciar as
bases que sustentam a vida, é mostrar quais são essas bases e de que maneira elas inter-
ferem no cotidiano de cada indivíduo. É evidenciar a estreita relação entre as condições
sociais vigentes e as condições de manutenção da vida. Muitos problemas de saúde
pública ocorrem porque o povo não possui instrumental suficiente para cuidar do seu
corpo.
Cabe à escola essa discussão. Ao cabe professor munir-se de referencial teórico e
instrumentos para propiciar a explicitação dos múltiplos determinantes que interferem
e constituem a prática social. Estabelecer com os alunos as relações que constituem a
prática social é dar um passo importante para a compreensão do homem como sujeito
histórico, determinante e determinado por sua prática.
Ter clareza dos condicionantes da nossa prática social é condição imperiosa
para a efetivação de uma prática pedagógica com as características aqui defendidas.
Dessa forma, partimos do mesmo entendimento de Santos (2005, p.82) ao argumentar
que:

“Tudo começa quando sabemos exatamente qual o nosso


papel na estrutura social e educacional. Tudo se viabiliza
quando dispomos de métodos eficazes para concretizar o
que precisa ser feito”.

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