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O primeiro milagre

do menino Jesus
Quando no céu grande e escuro, cheio de estre-
las, apareceu como um raio a estrela-guia com sua
grande cauda de fogo resplandecente — derrapando
em ziguezague como uma serpente enlouquecida por
uma mordida de tarântula — e caiu como se um
morcego desarrumasse uma multidão de vagalumes
assustados — as estrelas começaram a gritar:
"Que santo baixou nela?"
Á grande estrela caminhava como se estivesse
bêbada. Voltava para trás, desaparecia ao longe,
desenhando uma grande trilha que era na verdade
o caminho para os Reis Magos. E, de fato, os Reis
Magos estavam por ali e vinham de muito longe, do
Oriente.
O mais velho dos três Magos era um rei com
muito ouro na cabeça, cabelos brancos e barba gri-
salha. Cara fechada, nariz adunco; xingava e mal-
dizia todos os santos porque tinha furúnculos no
rabo que a cada cavalgada TOC eram espremidos!
Havia outro rei, jovem, montado em um cavalo
branco, com uma coroa na cabeça; por debaixo da
coroa despontavam cachos de ouro e, mais abaixo,
olhos azuis. Mantinha sempre um sorriso nos lábios.
Havia ainda o terceiro, montado em um camelo. Era
um mago preto, mas tão preto que o camelo cinza
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que ele montava, em comparação, parecia mais São José que serra, serra,
branco que o cavalo branco do mago loiro. Com uma o menino que chora,
cara bonita e todo sorridente, ia sempre cantando os anjinhos que voam e rezam.
sobre o camelo. E cantava em continuação, sem pa- O camelo que destramela e trota
rar, a mesma cantilena: Oh que belo, que belo, que belo!
Em cima de um camelo você precisa cantar
"Oh que belo, que belo é andar de camelo mesmo para um certo ritmo dar
Oh que belo, que belo! porque andar de camelo não é como andar de cavalo!
Um pulinho, dois pulinhos na garupa do camelo O cavalo vai a galope
Ooohhh que belo, que belo com a luz das estrelas e o camelo desanca no trote —
Ir a Belém de camelo. patas unidas uma diante da outra e depois pra trás —
Se não se marcar o tempo certo,
A estrela-guia nos acompanha enrosca uma perna na outra, tropeça
até dentro da choupana: e vai rolando, rolando
Maria que nina, como uma bola, tromba
o menino que chora, eeu, debaixo, capotado,
São José que serra. achatado pelo camelo.
Os anjos voam e rezam, Dou o ritmo e faço dançar
o asno e o boi ruminam A Belém com o camelo quero chegar.
e o camelo desanca e desanda OOHHEE que belo!
Trotador, olha só como trota OOHHEE que belo!"
Oh que belo, que belo
é andar de camelo.
"Chega!", grita desesperado o velho Rei Mago.
No cavalo os testículos se incendeiam
"Te como vivo! Descasco todo o preto e como o
e isso não acontece no camelo.
branco de dentro! Te como inteiro!"
Oh que belo, que belo!"
"Chega, chega! — xingava o velho — Não dá! "Pois é, a idéia era trazer também um Rei Mago
Há quatro dias e quatro noites você canta é belo no preto para que toda a humanidade estivesse repre-
camelo!" sentada! E por que não um amarelo, um vermelho,
(O Rei negro retorna à cantilena). um de bolinhas? ... Não, um negro! E não é só isso. E
"Ê o que me resta cantar pra fazer o camelo andar os olhos brancos que ele tem?! A pupila preta no
Porque se eu não cantar meio, no escuro se torna vermelha e fica parecendo
o camelo adormece, um animal selvagem!"
adormece e acaba no chão, "Outro dia tive que ir pro mato — precisava fa-
dá uma topada e eu rolo pela estrada zer as minhas necessidades — . . . Abaixei as calças —
com o camelo sobre mim despencado me perdoem se conto assim — estava no meio, aga-
e assim acabo esmagado. chado sobre os joelhos, naquela posição mesmo,
Ê o que me resta cantar no camelo quando vi na minha frente dois olhos de animal sel-
Oh que belo, que belo! Assim chego à choupana vagem! Caguei nas calças! E era ele que cagava na
com Maria que nina, minha frente! Cagava mas não cantava. Foi a única
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vez que não cantou. Podia até grasnar: Ai que belo, "Ei... tá louco?! Quer acabar com a gente?
que belo é cagar sem o camelo!'" Você assustou as ovelhas... o leite até secou." (Imita
Naquele momento a estrela-guia faz uma curva unia outra aterrissagem em vôo rasante do anjo que
como um raio e de repente pára no meio do céu, por pouco não o atinge.)
imóvel. "Tomara que acabe dando com a cara na mon-
"O que aconteceu?" tanha, o aro enfiado até o pescoço, com as plumas
O negro lhe responde cantando: todas esparramadas por aí, seu galináceo!"
"Parou para tomar fôlego! Os pastores se põem em marcha em direção à
Quer dizer que chegamos! choupana, levando só coisas de comer. Tem quem
Quase chegamos a Belém, que belo, que belo!" leva queijo, outro um cabrito, coelho; outro galinha
e tem quem leva vinho, azeite. Outros ainda levam
Desesperado, o velho Rei Mago mete as esporas maçãs em calda, tortas de castanhas. E tem até mes-
no seu cavalo e dispara como um louco. Segue-o mo quem chega com polenta. Imagine dar polenta
logo atrás o Rei Mago negro; os dois mergulham para uma criança recém-nascida! Só pode ser mes-
na escuridão e desaparecem... Desaparecem mas se mo um imbecil!!! Mas eles dizem:
ouve cada vez mais longe: "Ê preciso fazer o presépio!" Na choupana,
Sant'Ana arrumava todos os presentes que chega-
"Oh que belo, que belo!" vam. O estábulo estava repleto de coisas de comer;
"Chega!" o asno todo coberto de pacotes e embrulhos só tinha
a cabeça de fora, meio sufocado.
"Oh que belo..."
"Chega!" A vaca tão coberta que não se via mais. Gali-
(Imita a audição de vozes cada vez mais fracas í nhas, queijos, salames, garrafas esparramadas: pa-
e longínquas) recia que se estava no mercado! Chegam os Reis
"Oh que belo!" Magos, se ajoelham. O velho entrega o seu presente,
"Chega!" depois o jovem e chega o negro...
E daí um grande silêncio. "Oh que belo, que belo, que belo!
Naquele momento, inesperadamente, aparece O Menino dentro da cesta."
no céu um anjão. O cabelo todo desarrumado, os "Pra fora, negro. Rua! Cala a boca! Não assusta
cachos soltos. Um aro de ouro pregado na cabeça. o Menino. Vai cantar lá fora!"
Por causa do vento, as bordas do vestido de seda Naquele momento, escutam-se os soldados che-
esvoaçavam como velas soltas. Atravessada no peito, gando. Os soldados passam por todas as choupanas
uma faixa de seda, onde se lia: "Anjo". (Para os para ver se o Redentor nasceu. Queriam matá-lo. O
mais lentos na compreensão.) O tal anjo — com suas anjão, com uma espada enorme, se mete na frente
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grandes asas coloridas — voava como um terrível da choupana onde estavam Maria e o Menino Jesus.
gavião pelos céus. Desceu de cabeça quase raspando Chegam os soldados. O que vinha primeiro pára:
o chão e gritando: "Parem. Olhem só que baita anjo na frente da-
"Homens de boa vontadeeeeeeeeeeeee... Ve- quela choupana. Vamos embora que aquele ali faz a
nham, nasceu o redentorrrrrrrr... vruuuummmm" gente em pedacinho! Vamos, vamos dar o fora!"
(Imita a aterrissagem em vôo rasante do anjo). Naquele momento, na cidade, PATATUM PA-
; TATUM PATATUM, um mensageiro:
Os pastores se jogavam no chão, assustados!
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"Ouçam, mães, mulheres! Quem de vocês pariu São José serrando:


nos últimos três dias um menino, pode ficar contente "Eu não sei de nada, eu não sei de nada".
porque o rei decidiu dar um prêmio ao recém-nas- "Cuidado com a serra que eu corto fora uma
cido mais bonito. Levem-no ao palácio. Levem-no coisa, e não é chifre não!" Era malvada Sant'Ana!!!
até a casa de Herodes e ao menino mais bonito será Em seguida, ela e Maria saem para buscar uns
dada uma.coroinha onde se lê: 'Oh, como é bonito ungüentos pra perfumar o menino:
este menino! É quase mais bonito que o filho de "Cuidado que nós vamos sair. Olha lá, se acon-
Deus!' A mulher que o pariu também vai ter uma tecer alguma coisa ao menino a culpa é sua!"
coroa com a inscrição: 'Esta é a mãe que deu à luz As duas mulheres tinham acabado de sair e São
este menino! Bonito como Deus!' " José não sabia o que fazer... Descobre um bichinho
Sant'Ana escutou isso e correu para Maria: sobre o muro... listado de preto e amarelo. Uma
"Tem um prêmio, vamos, leva imediatamente abelha, uma abelha grande que mais parecia um
o teu menino para o concurso." vespão. Pega um copo... TOC... Aprisiona-a com o
"Não, não quero. Não preciso de recompensas copo, contra o muro... Está presa! Uma tabuinha.
além daquelas que já recebi!" SOOMM! e fecha a boca do copo (Está presa no
"Não, não é isso. É preciso que todo mundo copo). I
saiba. Nenhum outro menino pode levar o prêmio "Me descupe, mas tenho que fazer com que
dado por Herodes! Vamos, vamos! Obedeça a sua você seja mordido na bochecha. TUM! PLOFF!
mãe!" Estão saindo quando pensa um pouco e diz: (Imediatamente aparece um inchaço na face do me-
"Espera. Vamos buscar umas fitas pra deixar nino.) Do outro lado TOC! PLOFF! TUM! (Um in-
mais bonito o nosso bebê. Você, José, dá uma olhada chaço surge na outra face.) TUM! Na frente! (Idem.)
no menino e preste atenção para que não lhe acon- A trindade dos caroços!"
teça alguma coisa". Depois, como se nada tivesse acontecido, finge
Saem. São José pára de serrar imediatamente voltar à serra. Chega Sant'Ana:
e diz: "AAAHHH, meu Deus! Olha só a que ficou re-
"Aqui tem coisa. Eu acho que é uma armadi- duzido! OOHHEE, o que aconteceu? Que monstro!
lha. Menino Jesus, o que é que você acha?" Olha ali!"
O menino Jesus, que já era inteligente, diz: "Mas não fique assim. Isso passa rápido, dois
"É, é..." e pisca um olho. Aí São José passa a meses no máximo", disse José.
mão num copo com tinta preta e com um pincel "O que é isso?" (Apontando os caroços).
TAC, TAC, TAC, enche a cara do menino de pinti- "Ê o dente do juízo!"
nhas. O menino fazia mil caretas pelas cosquinhas. "De todos os dois lados?"
"Quieto!" e em seguida recomeça a serrar. "È."
Entra Sant'Ana: "Na testa também?"
"Aiaiai! Sarampo!... O sarampo negro! Aquele "Mas se o juízo dele está na testa."
negro que esteve aqui assustou o menino". Chora Maria, chora Sant'Ana:
Pega um trapo FRU, FRU, FRU, limpa, limpa "Que desgraça! Tinham que aparecer justo
e fica tudo limpo, limpo. agora esses três dentes do juízo? Agora, com um belo
"Alguém pintou o rostinho do menino com bo- prêmio pra se ganhar? Não podemos mais levá-lo.
linhas! Quem será que foi?" Está monstruoso!''
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Dali a pouco, ouve-se choro pela rua. Ouvem-se


está ofegante, sem forças, como uma lingüiça resse-
os gritos desesperados das mulheres, das mães com
cada!"
seus filhos ensangüentados, cortados em pedaços.
E, de fato, o tal asno vinha vindo trôpego, não
"AAHHAA! Era uma armadilha! Quando aca- parava em pé. Era só começar a carregá-lo que abria
bamos de entrar na corte, Herodes mandou fechar as completamente as pernas. Carregavam todos os fras-
portas. Os soldados entraram para matar todas as cos, os odres; carregavam os queijos, embrulhos e
crianças... era uma armadilha! Todos mortos!" pacotes. E o asno: VVUUUMM! VVUUUMM! Es-
Aí então SanfAna entendeu e caiu de joelhos corregava, abria as pernas, a barriga no chão. Maria
por terra. Maria também. Todas as duas gritavam: escala o monte de coisas e senta-se com o menino
"Graças a Deus, iluminado por uma grande in- no colo.
teligência, o senhor quis salvar este menino — atra- "Maria, desce daí", dizia-lhe São José, "vai
vés dessa falsa desgraça dos caroços — para que não morrer, não pode se mexer."
caísse nas garras de Herodes. Oh! Que cabeça! Que "Mas não posso, querido. Todo mundo está
grande sacada você teve, Deus!" acostumado a me ver na Fuga para o Egito mon-
São José serrava com raiva — serrava o cavalete j tada no asno desde a partida.''
inclusive — e xingava: E aí São José se mete por debaixo do asno, car-
"É sempre assim", dizia, "quando um homem rega-o sobre a garupa e todos juntos continuam. De-
pensa com a própria cabeça, todo mundo agradece pois de dois, três dias, a sagrada família inteira
a Deus, que não fez nada!" chega a Ramá. Ramá toda branca, com torres altís-
Naquele meio tempo aparece um anjo gritando: simas, maravilhosas. Nesse momento, o anjo voa ao
céu. Um grande vôo. O asno ergue a cabeçona.
"Pra fora, pra fora com a tranqueira", dizia.
IIAAAAHHHHHHH! PFRRROOOFFF! (Imita o
"Como, com a tranqueira?"
asno resfolegante.) Solta um peido: PLUFF! A alma
"Mudança! Vamos, escapando!"
do asno vai para o céu. Abre as pernas, POM, bar-
"Pra onde?"
riga no chão. Maria de cima olha para o animal
"Fuga para o Egito!"
acabado:
"Mas já?"
"Pobrezinho! Sinal de Deus — quer dizer que
"Ê, os soldados estão todos lá fora procurando
chegamos."
por vocês."
Entram na cidade, encontram um casebre —
"Espera, vamos pegar um carrinho", disse
todo esburacado — que a choupana de Belém em
SanfAna, "pra carregar todos os presentes que nos
comparação era um palácio. José tapa os buracos.
trouxeram."
E a família vai dormir. Na manhã seguinte, logo
"Nada de presentes, não se leva nada!"
• cedo, Maria pega uma cesta e sai à procura de roupa
Diz Maria:
pra lavar — ela também precisava ajudar a família.
"Aaa não, eu quero os meus presentes sim. Os
São José rodava pelos arredores com o martelo, a
presentes pro meu menino que quando ficar gran-
serra e pregos, esperando encontrar trabalho. O me-
de..."
nino no meio da rua. Maria volta de noite, morta de
"Tira pra fora o asno!"
cansaço, com a coluna estraçalhada, quebrada. São
"Não, não", diz São José, "este asno não pode
José chega da rua enfurecido — não tinha ganho um
ser carregado. Há quatro dias e quatro noites que
t tostão. E PTUM! PTUM! PTUM! com o martelo
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começa a dar pancadas nos dedos apoiados sobre a "Fora, Palestina! Terrone!"*
mesa — única maneira que os marceneiros conhe- O menino começa a chorar. Começa a chorar
cem pra desabafar. O Menino Jesus chega com ra- e dos seus olhos grandes rolam lagrimonas. E para
nho escorrendo do nariz até a boca, todo esbaforido, ter chance de brincar, de festejar, de jogar e inven-
com as mãos sujas, calção ao contrário, sem os dois tar histórias com os outros meninos, fez um milagre.
sapatos nos pés. Sua mãe dizia sempre:
"Mãeee! Tô com fome!" "Não sai por aí fazendo milagre que se desco-
"Isso é jeito de entrar em casa, nem pergunta brem que você é filho de Deus... chegam os homens
pelo seu pai, pela sua mãe... se estão contentes ou do Herodes e toca fugir de novo".
cansados. Por que é que você faz assim, hem?" Na praça havia uma fonte. Em torno dela, só
" 0 , mãe, mas eu tô com fome!" terra. Terra tipo argila, daquela que se usa para
E Maria: fazer tijolo. O menino Jesus pega um punhado de
"Mas você devia se envergonhar! Justo você que terra e com os seus dedinhos começa a esculpi-la:
desceu do céu, que veio ao mundo justamente para aparece uma cabecinha de pássaro, depois o corpi-
ensinar os outros a serem bons, a amar, a ter uma nho com as asinhas, depois as plumas, finas, finas.
palavrinha para cada um... E os dois primeiros fi- Apanha um graveto pra fazer as patinhas...
lhos de Cristo aos quais deve ter respeito chega ao "Menino, olha que lindo passarinho de barro!
ponto de nem sequer cumprimentá-los!" De barro, hem?'
E o Menino Jesus: "Grande, Palestina. Veio de tão longe pra mos-
"Ave, Maria!" trar o passarinho de barro... Grande!"
Maria, e São José também, se tornam pálidos. "Ê, mas eu sou capaz de fazer ele voar."
Vão para a mesa. "Como?"
"Menino, vai lavar as mãos, tira o ranho do "Assoprando."
nariz, arruma um pouco o cabelo. Olha só os ca- "Quero ver!"
chos... assim. Faz o sinal da cruz! Não, espera, é "Olha só: P F F F U U U U U U U U U U U U ! " (Asso-
muito cedo ainda!" pra com força.)
Em seguida o menino vai dormir. Maria dorme, O passarinho abre as plumas e as asas, se dis-
dorme São José. De manhã, Jesus acorda e está so- tende, bate, bate as asas: CIUP, CIUP, CIUP, CIU,
zinho. Sozinho mesmo, não tem ninguém. Então VIRICIP, VIRIII, CIP! (Imita só com as mãos o
veste as calças, come um pedaço de pão, vai dar pássaro que voa pelos arredores até desaparecer no
umas voltas pela rua e vê os meninos brincando de céu.)
pula-sela, esconde-esconde, bandido e mocinho... "Porra, que demais o Palestina! Que bruxo! Fez
"Deixa eu brincar com vocês?" voar um pássaro de barro, com um soprão. Era de
"Não." barro!"
"Eu fico embaixo! Quem quer me pular?" "Não é verdade."
"Não. Fora, Palestina!" "Como não? Eu vi!"
"De pegar! Vocês me perseguem. Vamos brin-
car de ladrão. Eu sou o ladrão! ?"
"Não." (1) Termo depreciativo que se refere aos nascidos no sul da
"Mas por quê?" Itália.
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Um outro fez uma lingüiça, uma cobra, uma
"Mas é um truque tão velho quanto Deus. Ele cobra-lingüiça, com doze asas em fila, sem rabo,
pegou um passarinho aturdido porque tinha caído doze patas.
de uma árvore. Ergueu o passarinho, sacudiu-o um
"Um tipo de cão..."
pouco na água; depois deu uma esfregadinha no
barro, colocou-o na palma da sua mão, assoprou Outro fez uma massona — parecia uma torta
no cu — arrepio... VCE, VCE... o passarinhovoou!" —, a cabeça reta no meio, sem pescoço, com o bico
pra cima... as asas todas esparramadas. E sem per-
"Não, eu mesmo vi, era mesmo de barro! Mos-
nas.
tra pra ele, Palestina... Um outro pedaço de barro,
vai, mexa-se, vai que é simples... as asas... vai, "Não sei se voa, veremos..."
sopra!" Outro tinha feito uns passarinhos que pareciam
"Espera aí!" umas bostinhas. Outro, então, uma bostona. E, por
"Quem é?" último, um gato!
Aparece um garoto, um menino, com cabelos "Não dá pra fazer um gato voar!"
negros, encaracolados. "Se aquela bostona lá voar, o meu gato também
"Parem, verifiquem!" voa!"
"Quem é você?" "Não, não dá pra fazer gato voar. Um mínimo
"Tomé!" de regras!"
"Tomé? Ah! então está certo!" (Ergue as mãos, "Mãeee, o Palestina não quer fazer o meu gato
em sinal de rendição ao costume e ao personagem.) voar!" (Imita a mãe que se debruça na sacada e
Tomé apanha um prego... SUM SUM SUM... fura o grita:)
passarinho de barro: "Palestina, faça voar imediatamente o gato do *
"Confere, segue!" meu filho! Senão, eu desço e te crucifixo!" (Imita o
"Prestem atenção que vou assoprar!" (Asso- gesto do Menino Jesus que observa, preocupado, as
pra.) P P F F F U U U U U U U U . . . CIP, CIP, CIP, CIP- palmas das mãos.)
CIPCIP (Imita novamente o vôo do passarinho). "Todos os passarões em fila!"
"Voa, o passarinho voa! Muito bem, Palestina! Força que vai assoprar!" (Imita o vôo extrava-
Querido, como eu gosto de você! Um beijinho! Mas gante de vários pássaros.)
por que você esteve longe por tanto tempo? Isto sim é P F U U U U U . . . O pão: QUAC, QUIC, QUOC,
brincadeira! Agora cada um faz um pássaro. E ele, o QUA, TE, PU, QUA, TE, RA A.
Palestina, PFFUUU!, sopra e faz com que os nossos PFEEEEE... A lingüiça: PICI, PETE, QUA,
pássaros voem." TE, CE, CHE, SE, TE, PE.
"Vai lá, Palestina! Você é grande, Palestina!" PPFUUUU... A torta: PSU, PSU, PSU.
Todos começaram a fazer uns passarinhões. PFFEEEE... A bostona: PCE, PQUE, PTE,
Um fez um pão redondo com um rabo esticado, asas PCI, PCE.
quadradas, uma cabeçona que caía; depois fez duas O gato PFFUUUU GNIAAAAAOOOO GNA
perninhas, TUM... Cai... Colocou-lhe quatro, cinco GNUM GNAM! Come todos os pássaros no céu!
patas. "Oh, que bonito! É de morrer de rir!"
"Um pássaro de quatro patas não dá!..." "Uma outra passarinhada! Vamos, todos jun-
"Mas se não fica em pé... O importante é que tos!"
voe, não é?"
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Todo mundo fazendo passarinhos. Aparecem "Claro, eu te conto... Nós fazemos uns passa-
meninos até de outros bairros. A praça toda cheia de rinhões. Daí o Palestina assopra e os faz voar. Você
meninos, todos fazendo bolos de terra, estatuetas. também quer brincar?"
Passarinhos de todas as formas e cores. Brincam, "Quero sim."
riem e cantam! "Muito bem, tira pra fora o seu passarinho, as-
Mas naquele momento: TRAC! O portão da sopra e vamos ver se consegue fazer com que ele
grande praça se escancara e aparece um cavalo voe!" (Imita um coro de risadas.)
preto, todo empetecado, lindo e montado nele um O filho do patrão fica vermelho, enfurecido! Os
menino com cara sadia, olhos de malandrinho, ca- olhos lhe saltavam das órbitas! Cego de raiva, o me-
belo bem penteado... plumas no chapéu, terno de nino pegou a lança do soldado, meteu as esporas no
veludo e seda com um colete de rendas. Junto a ele cavalo. Com o cavalo no meio da praça, gritava como
vinham soldados em couraça de ferro, também com um louco.
plumas no chapéu, montados em cavalos brancos. "Se eu não brinco, vocês também não vão brin-
Aquele menino era o filho do patrão da cidade car!"
inteira. (Imita o menino que, de cima do cavalo, se ZAN, ZAN, destruindo com os cascos do cavalo
dirige aos meninos do bairro.) todas as estatuetas, todas as figuras de barro. No
"Ei, meninos, do que é que vocês estão brin- chão, o barro quebrado, esfarelado. Os meninos
cando?" choravam... atiravam bolas de barro. Os soldados
avançavam com os cavalos, gritando:
"Finge que não é com você. Aquele ali é um
chato. É o filho do patrão. Não dá bola pra ele, "Fora, vão embora, fora! Ele pode fazer o que
Palestina. Não dá bola pra ele, finge que não é com quiser porque é filho do patrão!"
você." As mães se debruçavam nas janelas:
"Malvado! Era um brinquedo tão bonito! Não
"Conta pra mim, do que é que vocês estão brin-
custava nada... nossos filhos estavam contentes, e
cando?"
você..."
"Não!"
Os soldados:
"E por que não? Assim, de graça?"
"Fora, as mães! Fora que aí vão as lanças!"
"É! Porque, filho do patrão, todas as vezes que PFIUM, PFIUM, PTUM, PTUM! Todas as
nós pedimos para brincar com você, para dar uma portas e janelas se fecham. A praça vazia. Sobrou só
voltinha nos seus cavalos, você diz não! Porque todas o menino, o filho do patrão, no seu cavalo preto e os
as vezes que vamos à sua casa — você tem brinque- soldados que riam. Mas ninguém tinha reparado no
dos incríveis — os homens nos botam para correr. Menino Jesus do lado da fonte. Com os olhos gran-
Agora somos nós que temos um brinquedo incrível, des, cheios de lágrimas... e olhava para o céu que se
o brinquedo mais incrível do mundo, mas o Pales- cobrira de nuvens. (Imita o menino que grita em
tina, que é o chefe da brincadeira, é nosso. Você é direção ao céu.)
rico mas não tem o Palestina. O Palestina é um dos
"Paiêêê! Paiêêêê!"
nossos. Não é, Palestina? PCIU, PCIU! (Imita beijar
As nuvens se abrem: BROOMM, PROOMM,
Jesus.) Não vai atrás dele, hem! Não banque o Judas,
BROOOMMM! (Imita o Padre Eterno que se de-
viu!?"
bruça entre as nuvens.)
"Mas dá pra contar que brincadeira é essa?"
"O que aconteceu?"
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(Reproduz o tom da voz do menino que retém as "Mas, querido, fiz você descer do céu justa-
lágrimas com dificuldade.) mente para ensinar a paz aos homens, para falar de
"Pai, sou eu, Jesus..." amor. E na primeira vez que alguém te faz alguma
"O que te aconteceu, menino?" coisa, você quer matá-lo? Tá começando bem na
"ÉÉÉÊÊÉÉ... aquele menino ali é ruim. Que- profissão, hem?"
brou todas as figurinhas de barro que a gente tinha "É demais? Bom, então estropia... cega! Cego e
feito para brincar. Esmagou tudo com o cavalo estropiado..."
GUDUHNTUCHETUHÚGUDUTU." (Em solu- "Mas, meu bem, não se pode fazer essas coisas.
ços.) Não se pode começar assim, com violência!"
"Mas, querido, por uma bobagem dessa dar "Não se pode! Você é que não pode! E eu, posso
tamanho susto no seu pai? Vim correndo, voando. matá-lo?"
Estava do outro lado do universo... Furei mais ou "Faz o que bem entender, já que com você não
menos doze nuvens, atropelei doze querubins e o dá pra discutir. Mas não vai sair por aí contando que
triângulo acabou se entortando todo! Vou precisar fui eu."
de uma eternidade para endireita-lo!" PRROOMM, BBRRRRAA A AM, as nuvens
"É, mas ele é ruim, é o filho do patrão, tem desaparecem... as nuvens se desfazem e o céu fica
limpo. E o tempo não passou. Estão ali novamente o
tudo! Tem todos os brinquedos, mas quando viu que
menino filho do patrão que ri, com os soldados que
a gente estava feliz, quebrou... GHIDRTUTETU-
dão gargalhadas, e o Menino Jesus do lado, que
D U U H U . . . (Soluça) tudo... EHHEEEHHHEE...
chama:
(Chora) e eu que me esforcei tanto..."
"Patrão, filho do patrão!"
"Fala alto."
"Hem?"
"E eu que tinha me esforçado tanto pra fazer o "EEEHHHHEEEHHHH" (Riso condescen-
milagre de fazer voar os passarinhos... pra ter ami- dente de quem está preparando uma brincadeira
gos, pra brincar junto... já me chamavam Palestina atroz).
querido, um beijinho... Agora estou sozinho de "Tá rindo, né? Aprontou esse alvoroço todo
novo, como antes. Os meus amigos todos fugiram... aqui ao redor, acabou com as estatuetas, com a nos-
ehhee... (Chora.) Sinto uma grande dor, uma gran- sa brincadeira. E fica aí, todo contente, tranqüilo,
de dor, pai EEEHHHEEE. achando que ninguém vai fazer nada contra você,
"Você tem razão. Devo concordar que quebrar, não é? Nem mesmo seu pai... E se eu te fulminasse
destruir sonhos e brincadeiras de fantasia das crian- agora? Ri, né? Não acredita, não é?"
ças é realmente a pior das violências... Mas, meu FFVVUUUOOOMMMM! Dos olhos do Me-
amor, ele é uma criança... O que é que eu devo nino Jesus sai um tremendo raio. (Descreve a terrível
fazer?" labareda) Uma língua de fogo como uma cobra fla-
(Jesus antes deixa escapar um suspiro de choro mejante se enrosca no menino, derruba-o, contorce-
e, em seguida, no tom mais cândido e normal o, joga o menino no chão. Transforma-se em uma
possível:) estátua de terracota como se tivesse saído do forno.
"Mata!" (Sorri, olhando dengosamente para o POEM! Fumegante!!
alto.) "Hem?" (Imita sorrisos e piscadelas para ob- As mulheres todas, nas sacadas, começam a
ter o consentimento do pai.) gritar:
DARIO FO O PRIMEIRO MILAGRE DO MENINO JESUS 145
144

"Você aprontou uma terrível!!" das janelas de tanto medo." (Indica no alto a volta
Os soldados, pálidos pelo susto, fogem a cavalo. toda da praça.)
Maria, que ouvira de longe os gritos, chega cor- "Se começam a pensar, a raciocinar, toma cui-
rendo: dado, que você vai crescer de tanto chute que vai
"O que foi que aconteceu? Menino, o que você levar. E o seu rabo cresce, cresce, cresce, cresce:
fez?" PUUUMMM! E explode! Na eternidade sem rabo!
"Nada... fiz um milagre. O meu primeiro mi- Amém!"
lagre. Olha, ainda está quente."
"Mas como... é um menino? Um menino que
você transformou em estátua!! Mas o que foi que Os evangelhos apócrifos são um conjunto de
você fez? Por quê?" histórias ligadas à vida de Jesus e dos apóstolos. Es-
"ó mãe, ele era ruim!" tão na base de toda a literatura paleocristã do se-
"Não quero saber de desculpas! Ressuscita o gundo e terceiro séculos. Existem centenas deles.
menino!" Encontram-se evangelhos dos autores mais díspares
"Não" (Com voz de choro). — de Felipe, que foi um dos apóstolos, até Roberto,
que foi supliciado pelos próprios cristãos. Caso caia
"Jesus, obedece! Pensa na coitada da mãe do
em suas mãos, leia-os com atenção. Aparece Jesus
menino... o desgosto que vai ter...! Ressuscita o
Cristo voando de lá pra cá como o super-homem,
menino!"
desaparece, reaparece, se transforma em serpente,
"Mas eu não sei, mãe. Aprendi somente a ful-
leão, cavalo.
minar. .. não aprendi ainda o RESURGIT!"
"Não minta, ressuscita e rapidinho. Você não O evangelho apócrifo que utilizamos nesta peça
entende que se chegam os soldados toca fugir de é o chamado "proto-evangelho": "proto" de antes,
novo... eu e seu pai acabamos de encontrar um tra- isto é, a parte do evangelho na qual se narra a vida de
balho!" Jesus da fuga do Egito até o momento em que ele
"É, mas... É, não se pode fazer um milagre e volta do deserto. Nos quatro evangelhos oficiais, não
desfazê-lo, assim, imediatamente! Tudo bem, res- se fala de fato desse período, mais ou menos vinte
suscito, mas com um chute..." anos da vida de Cristo.
TUM! Um chute na bunda de barro... O nosso "evangelho apócrifo" — do qual tira-
PRUMM... o menino em carne e osso fica em pé, mos o trecho para a peça — é conhecido como "Pro-
ressuscita. to Mateus".
Passa a mão na bunda; assustado, olha ao re-
dor:
"O que aconteceu? O que foi?"
O Menino Jesus lhe responde:
"Fui eu... o milagre... fulminado... ressusci-
tado! Daí chegou minha mãe... Agradece à Virgem!
Faz uma promessa pra ela, já! Mas seu rabo tá quei-
mando pelo chute que eu te dei? Presta atenção que é
uma alegoria, hem! De grande ensinamento para
todos aqueles que, assustados, se esconderam atrás

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