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"A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se
entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo conforme a livre determinação da pessoa, quando não
haja regra proibitiva para a prática do ato, ou não se institua princípio restritivo ao exercício da
atividade. " (DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, vol. III, 10a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987,
p. 84.)
2
MARIA HELENA DINIZ, Dicionário jurídico, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 121
3
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma
1
direito, conquanto esse dispositivo Constitucional abre o capítulo "dos direitos e
deveres individuais e coletivos". Destarte, a liberdade é, ao mesmo tempo, um direito e
um princípio recepcionado pelo constitucionalismo pátrio.
2
deve restringir às ciências jurídicas, mas, sim, expandir-se aos objetos da história, da
filosofia e da teologia. Assim sendo, o aprofundamento desse vastíssimo e complexo
tema não pode prescindir de algumas incursões, quando necessárias, nos referidos
campos do conhecimento humano. Além do mais, não convém ficar adstrito, no estudo
da liberdade religiosa, exclusivamente ao Direito Constitucional; há que se explorar
outras searas das ciências jurídicas, abarcando o Direito Administrativo, o Direito Penal,
o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito Tributário, o Direito Previdenciário, o
Direito Ambiental, o Direito das Gentes, o próprio Direito Constitucional Internacional
e obviamente, os Direitos Humanos. Essa polifacetariedade resulta, em parte, da colisão
do direito à liberdade religiosa com outros direitos fundamentais, como tentaremos
enfocar.
3
tempo, permitisse que esse direito fosse constantemente cerceado por indivíduos em
geral, até mesmo, por atos emanados dos três Poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário).
9
JORGE MIRANDA, Manual de direito constitucional, 3a ed., t. IV, Coimbra editora, 2000, p. 409.
10
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm acessado em 31/05/2010
11
de miranda, Comentários à Constituição de 1946, t. IV, p. 444.
4
Temos, desse modo, que a liberdade religiosa é uma especialização da liberdade de
pensamento, tomada no sentido amplo (lato sensu). A liberdade religiosa é, portanto,
uma espécie da qual a liberdade de pensamento é género. É uma vertente da liberdade
de pensamento, como dissemos em outra parte.
12
CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48
13
JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª Ed., São Paulo
5
4. CARACTERÍSTICAS DA LIBERDADE RELIGIOSA
14
As características dos direitos humanos são a universalidade, a indivisibilidade, a complementariedade
e a interdependência. Fala-se, ainda, em iraprescritibilidade, inalienabilidade, iiTenunciabilidade,
Inviolabilidade e efetivídade (ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2aed., São
Paulo: Atlas, 1998, p. 41)
15
A Declaração de Viena de 25 de junho de 1993 dispõe em seu § 5°: “Todos os direitos humanos são
universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar
os direitos humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a
mesma ênfase.”
6
seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médico-odontológica, educação,
cultura, lazer e demais condições vitais.”16
16
ALEXANDRE DE MORAIS, Direitos Humanos Fundamentais, 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1998, p.87
17
NORBERTO BOBBIO, A Era dos Direitos, 11a ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 25
7
Os fundamentos jurídicos, segundo uma corrente majoritária, consubstanciam-se
em: 1) o ser humano como uma pessoa; 2) O Estado é uma organização que deve
defender os interesses pessoais; e 3) O Estado não pode interferir nos direitos
individuais.
18
KARL LOEWENSTEIN, Teoria de Ia Constitucïón, Editorial Ariel, Barcelona, vol. II, p. 390
19
ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2a ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 46.
8
de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício
total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional de âmbito de
alcance de cada qual (contradição de princípios), sempre em busca do verdadeiro
significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades
precipuas.”20
A liberdade religiosa, como qualquer outro direito humano, não pode servir de
escudo protetivo, para dar guarida a atividades ilícitas ou atos que atentem contra a
incolumidade pública, a moral e os bons costumes. A liberdade religiosa não é um
direito absoluto. Existe uma relativização, um limite à liberdade religiosa. Dissertando
sobre a relatividade do direito à liberdade religiosa, afirmam CELSO RIBEIRO BASTOS e
IVES GANDRA MARTINS:
“O campo religioso, além de ser, por excelência, o das faculdades mais altas do ser
humano, campo de realização dos anseios mais profundos da alma humana, é também
espaço invadido por impostores, falsos profetas, que desnaturam esta atividade
movidos por toda sorte de vícios. O Estado não pode pois deixar de estar alerta para
coibir estas falsas expressões de religiosidade.”21
20
ALEXANDRE DE MORAES. Idem, pp. 46-47
21
CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, vol 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 52.
22
CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS. Idem, ibidem
9
falar sobre o direito à liberdade religiosa, compreendemos a religião num sentido geral e
amplo. Compreende todas as religiões, desde que permitidas e compatíveis com as
normas comuns do Estado. Não há necessidade de registro. Só não podem ser religiães
aéticas, imorais e incitadoras do suicídio, de maus costumes, do sacrifício de pessoas
que instiguem a violência, etc.
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11
A LIBERDADE RELIGIOSA NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
1.Antecedentes históricos
Brasil República
12
Assim dispõe o art. 19 da CF/88, in verbis:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Disto se deflui que o Estado laicista não pode favorecer uma religião, em
detrimento de outras. O tratamento dado às igrejas deve ser igual, mantendo-se a
isonomia. Não pode subvencionar as religiões e também não pode legislar sobre matéria
religiosa. Isto não impede, entretanto, que a Igreja e o Estado possam ser parceiros em
obras sociais e de interesse público.
25
PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
26
ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2a ed., São Paulo: Atlas,
1998, p. 57
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Ora, uma sociedade fraterna, justa e pluralista, nos termos do preâmbulo
Constitucional, só pode subsistir com liberdade, inclusive liberdade religiosa.
Consequentemente, essa sociedade deve ser tolerante, em relação às diferentes
confissões religiosas, senão deixa de ser pluralista, e não terá a liberdade como valor
supremo. Portanto, a tolerância é fundamental para a manutenção de uma sociedade
fraterna, justa e pluralista. É dizer, subtraindo-se a liberdade, não há que se falar em
justiça, fraternidade e pluralismo. Disto deflui, também, que a liberdade religiosa é um
componente importante da sociedade brasileira, que pretende ser fraterna, justa e
pluralista.
Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
14
A dignidade da pessoa humana apresenta-se como um princípio importante em
sede de liberdade religiosa, uma vez que o cerceamento à liberdade constitui,
indubitavelmente, um duro golpe à dignidade humana. O homem, destituído de
liberdade, tem, logicamente, sua dignidade abalada.
O Estado Democrático favorece, de uma forma geral, esta proteção aos direitos
humanos, no qual a a CF de 1988, por sua vez, representou um grande avanço na
proteção dos direitos humanos no Brasil. Neste sentido, a Constituição de 1988 constitui
o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos
no Brasil. O texto de 1988 empresta aos direitos e garantias ênfase extraordinária,
situando-se como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a
matéria, na história constitucional do pais. Obviamente a liberdade religiosa foi
grandemente favorecida, porquanto está no rol dos direitos humanos tutelados pela
Constituição Cidadã.
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nós termos seguintes:”
27
Cf. Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada
em 5 de outubro de 1988, vol, 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 4.
15
doutrina ainda enumera, como princípios gerais de direito, os princípios da justiça, da
igualdade e da dignidade da pessoa humana.
28
José Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, vol. 2, pp. 216-218
29
José Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, p. 216.
16
Em sentido contrário, propugnam CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA
MARTINS, no sentido de que, “à primeira vista, o problema da liberdade do espírito ou
do pensamento não se colocaria no plano jurídico, por ocorrer no foro íntimo de cada
um. É conhecida a frase de futuro: ‘Os pensamentos não pagam tarifas alfandegárias’.
Tal linha de raciocínio, todavia, não resiste a uma análise mais acurada"30.
É certo que essa inviolabilidade prevista no art. 5°, inciso VI, da CF/88 não é
absoluta, porquanto o direito à liberdade religiosa não é absoluto. Esse direito, portanto,
deve amoldar-se à ordem pública e aos bons costumes, como previam as Constituições
de 1946 e de 1967, quer por implicitude, conquanto é “pressuposto de todo direito não
30
Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48.
17
prejudicar igual direito de outrem”31 ou, até mesmo, por força da incorporação do trata-
do de São José da Costa Rica .
Afirma, ainda, o inciso VI do art. 5°, in fine, da CF/88, ser assegurado o livre exercício
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a protecão aos locais de culto e as suas
liturgias. O constituinte pretendeu, sem dúvida alguma, garantir a liberdade de culto.
Assim dispõe o art. 5°, inciso VII, in verbis: “é assegurada, nos termos da lei, a
prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação
coletiva;”
Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA: “É assegurada, nos termos da lei, a prestação
de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (Forças
Armadas, penitenciárias, casas de detencão, casas de internação de menores etc.)”32
31
Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 52.
32
JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª Ed., São Paulo: Malheiros,
18
Essa norma Constitucional contempla a assistência religiosa em entidades de
internação coletiva, tais como hospitais e presídios.
A Lei n. 6.923/81 regulamenta a assistência religiosa nas forças armadas. A
matéria também se encontra regulamentada no art. 124, inciso XIV, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90.33 O ECA preconiza, assim, o direito do
adolescente privado de liberdade de receber assistência religiosa, conforme a sua crença
e se assim o desejar.
Assim como no inciso VII, temos também também outrpos dispositivos que
dispoem desta assistencia, como é o caso na execução penal, onde a assistência religiosa
deve ser oferecida de forma facultativa, e não compulsória. A assistência religiosa é um
direito do condenado não atingido pela condenação penal, conforme o art. 3° da LEP e o
art. 38 do CP. O preso, portanto, continua dispondo de todos os direitos inerentes à
pessoa humana, inclusive a liberdade religiosa. Tem ele, ainda, direito à assistência
religiosa compatível com as suas convicções.
Assim dispõe o art. 24 da Lei n. 7.210/84, Lei de Execução Penal:
Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos
internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no
estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.
§ 1° No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.
§ 2° Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade
religiosa.
A Lei de Execução Penal, no dispositivo acima deixa claro que a assistência religiosa
não é obrigatória para o preso, devendo, ainda, ser compatível com a sua confissão
religiosa.
1997, p.245
33
Assim reza o art. 124, inciso XIV, do ECA, in verbis:
“Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
(...)
XIV – Receber assistência religiosa , segundo sua crença, e desde que assim o deseje:”
19
pacificar corações quebrantados, angustiados e rebeldes. Restaura-se, assim, um espírito
manso e tranquilo.
20
§ 1° O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental.
§ 2° O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada
às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem.
Além disso, não se poderá cobrar a participação dos alunos que não estiverem
dispostos a aderir à disciplina oferecida, muito menos poder-se-á aplicar qualquer tipo
de reprimenda escolar ou qualquer tipo de constrangimento, no dizer de ANNA
CÂNDIDA, como “a verificação de presença, a aferição de resultados, a impossibilidade
de mudança de opção, a permanência do aluno em sala de aula ou a sua reprovação
etc.”37
A Constituição proíbe que o Estado venha a subvencionar o ensino religioso, por
força do art. 19,1, da CF/88. Em função da liberdade religiosa, o Estado também não
poderá embaraçar o ensino das mais variadas confissões religiosas, desde que éticas e
lícitas. Veda-se também, qualquer forma de proselitismo.
35
Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Ensino religioso nas escolas públicas, in: Cadernos de direito
constitucional e ciência política, vol 5, n. 20, p. 21.
36
Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Idem, p.38
37
Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Ibidem.
21
O art 210, § 1º, é uma norma de eficácia limitada, pois depende de lei
complementar - regulamentadora -, para que esse dever do Estado de permitir o ensino
religioso seja efetivãmente satisfeito. O cidadão tem o direito de exigir do Estado o
cumprimento do dever estatal previsto na Constituição, admitindo-se ser um direito
público subjetivo. Entretanto o cumprimento desse dever depende das condições
administrativas e, até mesmo, da colaboração de religiosos, o que escapa ao controle
estatal. Em tese, o cidadão pode lançar mão do mandado de injunção, para ver o seu
direito satisfeito.
38
Hugo De Brito Machado, Curso de direito tributário, 14a ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 203.
39
Sacha Calmon Navarro, Curso de direito tributário brasileiro, 4a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999,
p. 269
22
fins mercantilistas ou meramente como especulação imobiliária. Um bem que não
estiver a serviço do culto, um prédio alugado, p. ex., pode ser tributado.40
É evidente que não há de incidir nenhum tributo sobre rituais religiosos, como,
v. g., balizados, missas e cultos 42. Quanto a essa questão, a doutrina é unânime. Mas o
que falar da casa do padre ou pastor, em que pese o IPTU? Será imune de tributação?
Segundo SACHA CALMON NAVARRO COELHO, a residência do padre ou pastor, por ser
moradia, e não templo, pode ser tributada. A imunidade também não alcança as
dependências anexas ao terreiro, da religião afro-brasileira, utilizadas como moradia
pelo pai-de-santo, de forma que apenas o barracão destinado ao culto goza do
benefício.43 Assim não se pode falar em imunidade de anexos ao templo, v.g., cristão,
judaico, maometano, budista ou kardecista. Em sentido contrário, ALIOMARA BALEEIRO
propugnava pela imunidade das dependências contíguas ou anexas ao templo, incluindo
o convento e a casa do pároco ou pastor, desde que não estivesse presente a finalidade
econômica.44
23
O instituto da imunidade não pode ser confundido com a isenção. A isenção é,
sempre, decorrente de lei infraconstitucional e exclui uma parcela da hipótese de
incidência. Em ambos os casos, o crédito tributário sequer é constituído.
QUESTÕES DIVERSAS
24
Abordaremos nesse capítulo algumas questões práticas, embora controvertidas e
complexas. Alguns conflitos de índole religiosa são facilmente detectados na sociedade
brasileira. Tais conflitos são universais, pois são os mesmos em qualquer lugar do
mundo.
As questões aqui analisadas exigiram, em alguns momentos, uma abordagem teológica.
Essas incursões, no campo religioso, são inevitáveis em face da própria natureza do
tema, e do escopo de se compreender o problema de forma ampla. As questões, assim
referidas, refletem, com efeito, os desafios de uma sociedade que precisa aprender a
conviver com uma enorme pluralidade de concepções religiosas e filosóficas.
l.TRANSFUSÃO DE SANGUE
Como se sabe, as Testemunhas de Jeová se opõem à terapia transfusional, por
motivos de convicção religiosa Justificando esta conduta com os livros bíblicos de
Levítico 17,10 e Atos 15,20 . Mesmo em situações de emergência, os fiéis dessa
orientação religiosa mantêm as suas convicções, colocando os médicos num dilema
terrível. Alguns adeptos chegam ao óbito, por se recusarem a receber essa terapia
médica.
25
A questão é muito controvertida. No entanto, imperioso se torna observar a
eterminação da CF/88 de que “ninguém será obrigado afazer ou deixar de fazer alguma
coisa, senão em virtude de lei”; art. 5°, inciso II. Por outro lado, existe o dever legal do
médico de prestar socorro.
45
Revista Jurídica, n. 246, abr./98, p. 55. Nesse sentido, assim se manifestou Luiz vicente cernicchíaro:
"0 Direito Penal brasileiro volta-se para um quadro valorativo. Nesse contexto, oferece particular
importância à vida (bem jurídico). Daí ser indisponível (o homem não pode dispor da vida)." (Luiz
vicente cernicchiaro, Transfusão de sangue, In: Júris Síntese n, 18 - jul./ago. de 1999.)
26
2. DIA DE GUARDA (DOMINGO X SÁBADO)
Existe uma grande controvérsia acerca do dia de guarda. A maioria dos cristãos,
hoje, observam o domingo enquanto que uma minoria observa o sábado. A questão do
dia de guarda pode parecer, à primeira vista, de pouca importância, entretanto, é tão
importante que mereceu, em 1998, a edição de uma carta apostólica, Dies Domini, na
qual João Paulo II recomenda a santificação do domingo como um dia santo a ser
observado por todos os cristãos.
Por um lado encontramos a Igreja Católica unida com a maioria das Igrejas
protestantes no propósito de defender a observância do domingo, e do outro lado os
judeus e algumas poucas Igrejas protestantes reivindicando a observância do sábado e o
direito de adorar a Deus segundo o que lhes recomenda uma consciência livre. Há que
se dizer, ainda, que o maior grupo de cristãos que observam o sábado é constituído
pêlos Adventistas do 7° Dia.
Existe ainda a posição do Islã (islamismo), que não pode ser olvidada, dado ao
vertiginoso crescimento dessa religião por todo o mundo. Segundo os muçulmanos, a
sexta-feira é um dia santo.
Será relatado, a seguir, a posição dos dois primeiros grupos, em relação ao dia de
guarda (Sábado x Domingo). Mas há que se ressaltar, no entanto, que as três posições
mencionadas alhures merecem a proteção estatal, uma vez que o cidadão deve ser livre,
para adorar a Deus, segundo a sua consciência. E, nesse diapasão, pouco importa quem
está com a razão, vez que todos merecem a tutela estatal.
27
não pode favorecer a uma religião, em detrimento de outras, em que pese o dia de
guarda, determinando a observância compulsória de um dia específico.
46
Amauri Mascaro Nascimento, Iniciação ao Direito do Trabalho, 23a ed., São Paulo: LTr, 1997, pp.
285-286
47
Amauri Mascaro Nascimento. Idem, pp. 286-287
48
Amauri Mascaro Nascimento. Idem, p. 287
28
“Os Estados-partes, no presente Pacto, reconhecem o direito de toda pessoa de gozar
de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:
(...)
49
A cúpula da catedral de Santa Sofia, na cidade de Constantinopla, hoje conhecida por Istambul,
reflete essa realidade. Essa estrutura arquiteíômca caracteriza-se por círculo, contido em um quadrado,
representando a união entre a igreja e o Estado.
50
José Geraldo Vidígal De Carvalho, Temas Históricos, pp. 27-29
29
Em face desse princípio, a CF/88, art. 7°, inciso XV, dispõe que o repouso
semanal remunerado será preferencialmente aos domingos. É dizer, conforme
entendimento de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, o descanso semanal é,
preferencialmente, no domingo, mas não obrigatoriamente. A Lei n. 605/49 prevê
algumas exceções à dominicalidade, embora não haja nenhuma previsão de índole
religiosa.
30
naquilo que for pertinente. Os princípios da máxima efetividade da norma constitucional
e da primazia dos direitos humanos (art. 4°, da CF) também devem ser lembrados.
Assim sendo, o princípio da dominicalidade não deve servir de pretexto, para se cercear
a liberdade de crença.
Se a consciência religiosa é um território impenetrável para o Estado (e sendo
laico esse Estado), teria este o direito de determinar o dia de guarda? Sendo uma
questão de consciência, teria o Estado o direito de determinar a observância de um
determinado dia da semana, sem que o cidadão pudesse escolher?
De uma fornia mais específica: em face do princípio da dominicalidade adotado
pelo ordenamento jurídico pátrio, os observadores do sábado teriam o direito de manter
a sua crença sem comprometer a dignidade e os outros direitos inerentes à cidadania?
Certamente, poderíamos encontrar respostas diferentes. Assim como as opiniões
divergem, em relação ao dia de repouso, certamente encontraremos opiniões opostas.
Isto reflete o pluralismo religioso existente na sociedade.
O pluralismo religioso, no que toca ao dia de guarda, pode ser salutar para a
sociedade. Com a liberdade religiosa, pessoas de opiniões diferentes podem conviver
pacificamente, num ambiente de trabalho, e, inclusive, com benefícios para os dois
lados. O observador do domingo não teria problemas em trabalhar no sábado, enquanto
o observador do sábado não teria problemas em trabalhar no domingo. Por que não
poderia haver a mútua cooperação entre essas duas classes de pessoas? A vida moderna,
a cada dia, exige, em diversas situações, que o trabalho seja realizado em todos os dias
da semana. São muitas as situações em que esse tipo de cooperação poderia ocorrer,
tanto na iniciativa privado como na pública.
Pode-se inferir que cada grupo possui as suas razões para a observância do
domingo ou para a observância do sábado como dia de guarda e descanso. Essa
discussão está no plano teológico, embora o tema tenha os seus desdobramentos
jurídicos. O Estado não deve interferir nessa questão, impedindo a liberdade de alguns.
O Estado, sendo laico, deve continuar permitindo a coexistência pacífica dos dois
grupos, consentindo que cada um observe, livremente, o seu dia de guarda, ou, adore a
Deus, segundo a sua consciência. Uma sociedade justa, fraterna e pluralista,
comprometida com o respeito à dignidade do homem, deve favorecer, através da
legislação civil, o direito de escolha, de forma que cada ser humano possa observar o
dia de descanso ou de guarda, segundo a sua consciência.
31
Provas escolares, vestibulares e concursos públicos
Não são raras as ocasiões em que se alega motivo de crença religiosa como
impedimento para a realização de provas escolares, concursos públicos e vestibulares,
coincidentes com as horas sagradas do sábado bíblico.
Como deve, então, proceder o órgão público ou particular diante dessas escusas?
Propugna-se, aqui, por uma solução pacifica da controvérsia, com fulcro no preâmbulo
da Magna Carta de 1988, a fim de assegurar o direito individual (liberdade religiosa), a
segurança, o bem-estar e a justiça, por serem “valores supremos de uma sociedade
fraterna, justa e pluralista”.
Para o deslinde do problema, a dignidade da pessoa humana não deve ser
olvidada. Embora a liberdade religiosa não seja um direito absoluto, como qualquer
outro, há que se considerar, ainda, o princípio da máxima efetividade dos direitos
fundamentais e os demais princípios da administração pública.
O art. 5°, incisos VI e VIII, consagra a liberdade religiosa e deve ser aplicado no
caso concreto. Segundo esses dispositivos, respectivamente, “é inviolável a liberdade
de consciência e de crença,” e “ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa”.
52
José Afonso Da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13a ed., São Paulo: Malheiros, 1997,
p. 221
53
Miguel Reale, Filosofia do direito, 17 ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 641. Já dizia Rui barbosa: "A
regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que
se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a
verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com
32
Essa regra deve ser observada, em relação aos observadores do sábado bíblico,
pois se trata de uma peculiaridade marcante de algumas minorias religiosas. Nesse
sentido, é perfeitamente razoável tratá-los desigualmente, o que consiste no cabal
cumprimento do princípio da isonomia.
Não obstante, marcar determinada prova - vestibular, ou concurso público - nas
horas do sábado é ato discricionário, não configurando, a princípio, nenhuma
ilegalidade da administração pública. Segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI
PIETRO “o poder da administração é discricionário, porque a adoção de uma ou
outra solução é feita segundo critério de oportunidade, conveniência, justiça, equidade,
próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador. Mesmo aí, entretanto, o
poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque,
sob alguns aspectos, em especial a competência, a forma e a finalidade, a lei impõe
limitações.”54 A discricionariedade deve ficar sujeita a certos limites previstos por lei,
que, quando ultrapassados, passam a ser arbitrários e ilegais. Note-se que a lei maior
limita a discricionariedade da administração.
33
adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade
pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto,
exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua efetivamente para que ela
seja atingida”.56
Assim sendo, sustenta-se que o órgão público deva propiciar o livre acesso aos
cargos públicos para todos, incluindo aqueles que apresentam motivo religioso, com
base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A recusa configuraria uma
arbitrariedade, uma vez que a discricionariedade da escolha de uma data propícia para o
certame depende, além da oportunidade e conveniência, da finalidade, sem esquecer,
também, a justiça e a equidade. Contra o ato denegatório e arbitrário, como abuso de
poder, cabe mandado de segurança.
Ainda segundo o princípio da razoabilidade, as escolas, públicas ou particulares,
devem propiciar uma alternativa para os alunos que não podem realizar provas no dia de
sábado, por motivo religioso. Tal proceder reveste-se de justiça e equidade, em respeito
à dignidade da pessoa humana, e cabal cumprimento dos direitos humanos consagrados
na Constituição e nos Tratados Internacionais.
É razoável admitir que o Estado deva, de alguma forma, disciplinar a questão do
repouso semanal remunerado; entretanto deve haver alguma alternativa para as minorias
que observam o sábado. A observância do sábado não restringe a liberdade de outrem e
também não atenta contra a ordem pública, por sua natureza pacífica.
De um lado está o poder estatal e, do outro a Lei de Deus. Haverá, assim, uma
ameaça à consciência, pois o poder estatal estará, p. ex., impondo a obediência a uma
norma que viola a Lei de Deus ou o direito natural.
56
Diogo De Figueiredo Moreira Neto, apud maria sylvia zanella Di pietro, Direito Administrativo, 12a
ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 81.
34
Se, em determinado momento, surgisse unia lei estatal violadora da Lei de Deus
estaríamos diante de um conflito, que, fatalmente, levaria ao cerceamento da liberdade
religiosa, se não fosse declarada inconstitucional. Muitos poderiam ficar indecisos se se
obedecerá ao Estado ou a Deus. Trata-se de uma questão de consciência.
O Antigo Testamento relata uma história ocorrida na Babilônia, onde essa situação
ocorreu. O rei daquele poderoso império determinara que, ao som de um determinado
instrumento musical, todos deveriam adorar a estátua de ouro. Não obstante os três
hebreus que se encontravam cativos se recusaram a cumprir a determinação do rei e,
como castigo, foram levados à fornalha ardente. 57 Existiu, portanto, o conflito entre a
ordem do rei e o primeiro e o segundo mandamento da Lei de Deus, que vedam a
adoração de imagens e ídolos.58 Os personagens bíblicos recusaram obediência ao rei e
se submeteram, passivamente, ao seu castigo.59 Em seguida, eles foram recompensados
de forma miraculosa. No caso da Lei divina, pode-se afirmar como Lock que não existe
na terra uma instância superior que possa julgar as infrações em face da lei de Deus. Daí
a obrigatoriedade de se obedecer a lei estatal violadora do direito natural.60
57
Capítulo 3 do livro de Daniel.
58
Não farás para ti Imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na
terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o
Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta
geração daqueles que me odeiam. (Êxodo 20. 4 e 5)
59
Responderam Sadraque, Mesaque e Abednego, e disseram ao rei: Ó
Nabucodonosor, não necessitamos de te responder sobre este negócio. Eis que o
nosso Deus a quem nós servimos pode nos livrar da fornalha de fogo ardente; e ele
nos livrará da tua mão, é rei. Mas se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a
teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste. Então
Nabucodonosor se encheu de raiva, e se lhe mudou o aspecto do semblante contra
Sadraque, Mesaque e Abednego; e deu ordem para que a fornalha se aquecesse sete
vezes mais do que se costumava aquecer; e ordenou a uns homens valentes do seu
exército, que atassem a Sadraque, Mesaque e Abednego, e os lançassem na fornalha
de fogo ardente. Então estes homens foram atados, vestidos de seus mantos, suas
túnicas, seus turbantes e demais roupas, e foram lançados na fornalha de fogo
ardente. Ora, tão urgente era a ordem do rei e a fornalha estava tão quente, que a
chama do fogo matou os homens que carregaram a Sadraque, Mesaque e Abednego.
E estes três, Sadraque, Mesaque e Abednego, caíram atados dentro da fornalha de
fogo ardente. Então o rei Nabucodonosor se espantou, e se levantou depressa; falou,
e disse aos seus conselheiros: Não lançamos nós dentro do fogo três homens atados?
Responderam ao rei: É verdade, ó rei. Disse ele; Eu, porém, vejo quatro homens
soltos, que andam passeando dentro do fogo, e nenhum dano sofrem; e o aspecto do
quarto é semelhante a um filho dos deuses, (Daniel 3.16 a 25)
60
Noberto Bobbio, Locke e o Direito Natural, Brasilia: UnB, 1997, p. 102
35
Introdução
Para se analisar esta relação jurídica é importante que não se veja as religiões
como realidades meramente especulativas como apenas um recinto íntimo da consciência, mas
vê-la como também preceitos a cumprir, práticas externas a observar. Aqui paralelamente, nasce
aos poucos o principio analogicamente competente que irá sustentar esta garantia constitucional:
a igualdade. Numa sociedade aberta e pluralista, o princípio da igualdade não está ao
serviço de um projecto de uniformização e igualitarização dos indivíduos e dos grupos,
pretendendo, ao invés, proteger a sua diversidade. Uns e outros sabem que podem
prosseguir livremente as suas distintas visões do mundo e da vida (do bem e da verdade)
com a certeza de que não serão, por esse fato, objeto de um tratamento jurídico
diferenciado, nem afetados no seu sentimento de igual dignidade como membros de
pleno direito da comunidade política.
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Uma vez cientes da extensão do tema, pode-se passar a conjulgar esta realidade
da sociedade (diversidade – religião e crenças) na inserção com a Constituição. O valor
da dignidade humana impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento
jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e
compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os
direitos e garantias fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que
incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico
ao sistema jurídico brasileiro. Os direitos e garantias passam a ser dotados de uma
especial força expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servindo
como critério imperativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional.
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