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CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ACERCA DA LIBERDADE RELIGIOSA

1. LIBERDADE: CONCEITO JURÍDICO

Antes de se adentrar, mais especificamente, na seara da liberdade religiosa,


cumpre considerar, resumidamente e de forma introdutória, a liberdade em seu sentido
mais amplo, que, diga-se de passagem, tem sido objeto de estudo dos jurisfilósofos e
uma constante preocupação para a humanidade. O homem sempre a desejou e lutou,
ardentemente, por esse bem jurídico. Mas, afinal, em que consiste?

Segundo DE PLÁCIDO E SILVA, o vocábulo liberdade vem do "latim libertas, de


líber (livre), indicando, genericamente, a condição de livre ou estado de livre, significa,
no conceito jurídico, a faculdade ou poder outorgado à pessoa, para que possa agir,
segundo sua própria determinação, respeitadas, entanto, as regras legais instituídas"1

MARIA HELENA DINÏZ conceitua a liberdade individual, no âmbito do Direito


Constitucional, como "aquela que todos os cidadãos têm de não sofrerem restrições no
exercício de seus direitos, salvo nos casos determinados por lei”2

No caput do art. 5° da CF/88, a liberdade, em sentido lato, se apresenta como


um direito fundamental inviolável. Já os incisos desse dispositivo apresentam as mais
variadas formas de liberdade ou vertentes. Assim como a luz branca, ao passar por um
prisma, é decomposta nas cores do arco-íris, a liberdade - do caputáo art. 5° - é
decomposta nas suas formas de liberdade e apresentada nos incisos que seguem.

A liberdade é, também, um princípio Constitucional inserto no preâmbulo e no


art. 3°, inciso I, da CF/88. 3 Já no art. 5°, caput, a liberdade é apresentada como um

1
"A liberdade, pois, exprime a faculdade de se fazer ou não fazer o que se quer, de pensar como se
entende, de ir e vir a qualquer atividade, tudo conforme a livre determinação da pessoa, quando não
haja regra proibitiva para a prática do ato, ou não se institua princípio restritivo ao exercício da
atividade. " (DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário jurídico, vol. III, 10a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987,
p. 84.)
2
MARIA HELENA DINIZ, Dicionário jurídico, vol. 3, São Paulo: Saraiva, 1998, p. 121
3
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma

1
direito, conquanto esse dispositivo Constitucional abre o capítulo "dos direitos e
deveres individuais e coletivos". Destarte, a liberdade é, ao mesmo tempo, um direito e
um princípio recepcionado pelo constitucionalismo pátrio.

2. CONCEITO E ORIGEM DA LIBERDADE RELIGIOSA

Segundo Pinto Ferreira, “ a liberdade Religiosa é o direito que tem o homem de


adorar a seu Deus, de acordo com a sua crença e o seu culto”. 4 Em outras palavras,
poder-se-ia dizer que esse direito confere ao homem possibilidade de adorar a Deus,
conforme a sua própria consciência.

A liberdade religiosa é um direito humano fundamental, consagrado nas


Constituições dos paises democráticos, bem como por diversos Tratados Internacionais.
Trata-se, portanto, de uma liberdade pública ou, se se preferir, de uma prerrogativa
individual, em face do poder estatal.

A doutrina espanhola concebe a liberdade religiosa como um princípio. Assim,


propugna RAMÓN SORIANO:

“Son numerosos los trabajos sobre el tema de Ia libertad religiosa: Ia libertad


religiosa - se dice - es el principio jurídico fundamental que regula las
relaciones entre el Estado y Ia Iglesia en consonância con el derecho
fundamental de los indivíduos y de los grupos a sostener, defender y propagar
sus creencias religiosas. De manera que el resto de los princípios, derechos y
libertades en matéria religiosa son coadjuvantes e solidários del principio bási-
co de Ia libertad religiosa.”5

Note-se que a liberdade religiosa se apresenta como um princípio


Constitucional, além de ser um direito fundamental do homem. Devido a sua
complexidade e ao seu caráter interdisciplinar, o estudo dessa liberdade pública não se
sociedade livre, justa e solidária;
4
PINTO FERREIRA, Curso de direito constitucional 9a ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 102
5
RAMÓN SORIANO, Las Libertades Públicas, Madri: Tecnos, 1990, p. 61

2
deve restringir às ciências jurídicas, mas, sim, expandir-se aos objetos da história, da
filosofia e da teologia. Assim sendo, o aprofundamento desse vastíssimo e complexo
tema não pode prescindir de algumas incursões, quando necessárias, nos referidos
campos do conhecimento humano. Além do mais, não convém ficar adstrito, no estudo
da liberdade religiosa, exclusivamente ao Direito Constitucional; há que se explorar
outras searas das ciências jurídicas, abarcando o Direito Administrativo, o Direito Penal,
o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito Tributário, o Direito Previdenciário, o
Direito Ambiental, o Direito das Gentes, o próprio Direito Constitucional Internacional
e obviamente, os Direitos Humanos. Essa polifacetariedade resulta, em parte, da colisão
do direito à liberdade religiosa com outros direitos fundamentais, como tentaremos
enfocar.

Segundo UADI LAMMÊGO BULOS, a liberdade religiosa é um direito de primeira


geração, com origem no final do sec. XVII.6 Desta forma, sendo um direito de primeira
geração, a liberdade Religiosa impõe, precipuamente, ao Estado, na Lição de CELSO
RIBEIRO BASTOS, “um dever de não fazer, de não-atuar, de abster-se, enfim, naquelas
áreas reservadas ao indivíduo”.7

Trata-se, portanto, de uma prerrogativa individual oponível ao Estado. É certo,


porém, que o Estado tem, ainda, em alguns casos, obrigações positivas de fazer ou de
atuar. Em que pese a liberdade religiosa, cabe ao Estado, além de uma obrigação
negativa, o dever de proteger esse direito, em face de eventuais violações por parte de
particulares, e, até mesmo, por parte de autoridades (políticas e judiciárias), servidores,
empregados ou agentes públicos (da administração direta ou indireta).8

Seria inconcebível ou até mesmo uma irrisão, se a consagração Constitucional


do direito à liberdade religiosa se restringisse a uma mera delimitação da atuação lícita
dos poderes públicos, impedindo a sua ingerência na esfera individual, e, ao mesmo
6
UADI LAMMÊGO BULOS, Constituição Federal Anotada, 2a ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 66. Sobre
as gerações de direitos fundamentais: Cf. paulo bonavides, Curso de direito constitucional, 8a ed., São
Paulo: Malheiros, 1990, pp. 516-523. Contudo, a doutrina não é unânime quanto a essa classificação.
7
CELSO RIBEIRO BASTOS, Manual de Direito Constitucional, 21a ed., São Paulo: Saraiva, p. 32.
8
"O maior problema dos direitos humanos, hoje, não é mais o de fundamentá-los, e, sim, de protegê-
los." (norberto bobbio, A Era dos Direitos, 11a ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 25.)

3
tempo, permitisse que esse direito fosse constantemente cerceado por indivíduos em
geral, até mesmo, por atos emanados dos três Poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário).

Nesse diapasão, assinala JORGE MIRANDA:

"A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor


qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinada crença.
Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir
determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em
matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis”.9

Cabe, portanto, uma obrigação positiva ao Estado de imgedir as eventuais


violações ao direito de religião. Cabe, também, ao Leviatã viabilizar o exercício das
diferentes religiões. É dizer: normalmente o Estado deve-se manter neutro, em face da
religiosidade, até mesmo em decorrência do princípio da separação entre a Igreja e o
Estado. Entretanto deve atuar, impedindo violações, através do poder de polícia e de
uma adequada e eficiente prestação jurisdicional. Essa prestação jurisdicional, no caso
em tela, se dá, através da provocação do Poder Judiciário, principalmente com o
exercício das garantias Constitucionais, como, v.g., Mandado de Segurança e Mandado
de Injunção, e, também, através do controle, concentrado e difuso, da
constitucionalidade das leis.

Crístalinamente, o art. 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos impõe


que:
Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela
observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.10
No lúcido entender de PONTES DE MIRANDA, a liberdade de religião “especializa
a liberdade de pensamento, pois que a vê somente no que concerne à religião” 11

9
JORGE MIRANDA, Manual de direito constitucional, 3a ed., t. IV, Coimbra editora, 2000, p. 409.
10
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm acessado em 31/05/2010
11
de miranda, Comentários à Constituição de 1946, t. IV, p. 444.

4
Temos, desse modo, que a liberdade religiosa é uma especialização da liberdade de
pensamento, tomada no sentido amplo (lato sensu). A liberdade religiosa é, portanto,
uma espécie da qual a liberdade de pensamento é género. É uma vertente da liberdade
de pensamento, como dissemos em outra parte.

CELSO RIBEIRO BASTOS pontua:


“A liberdade religiosa consiste na livre escolha pelo indivíduo da sua religião.
No entanto, ela não se esgota nesta fé ou crença. Ela demanda uma prática
religiosa ou culto como um de seus elementos fundamentais, do que resulta
também inclusa, na Uberdade religiosa, a possibilidade de organização desses
mesmos cultos, o que dá lugar às igrejas. Este último elemento é muito
importante, visto que da necessidade de assegurar a livre organização dos cul-
tos surge o inevitável problema da relação destes com o Estado.”12

Desta forma, a liberdade religiosa é um direito fundamental catalogado no pacto


social pátrio, e não é só, repita-se, é também um dos princípios Constitucionais
consagrados na Carta Magna e no constitucionalismo de diversos países, a exemplo dos
Estados Unidos.

Algumas vertentes surgem neste respectivo direito, no qual o constitucionalista,


JOSÉ AFONSO DA SILVA, ensina que a liberdade religiosa compreende três formas de
expressão: “a)a liberdade de crença; b)a liberdade de culto; e c) a liberdade de
organização religiosa”, ponderando que, “Na liberdade de crença entra a liberdade de
escolha de religião, a liberdade de aderir a qualquer denominação religiosa, a
liberdade (ou direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de
não aderir a crença alguma, assim como a liberdade de descrença. A liberdade de ser
ateu e de exprimir o agnosticismo.”13

12
CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48
13
JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª Ed., São Paulo

5
4. CARACTERÍSTICAS DA LIBERDADE RELIGIOSA

É importante, em sede de liberdade religiosa, não se perderem de vista as


características fundamentais relativas aos direitos humanos.14 Não seria razoável
analisar o direito à liberdade religiosa de forma isolada. Além do mais, inúmeras
considerações interessantes podem ser feitas nesse sentido, principalmente em relação à
interdependência e complementariedade dos direitos humanos.

A Declaração de Viena, de 1993, propõe em seu § 5°, que os direitos humanos


são universais, indivisíveis, independentes e inter-relacionados.15 Assim sendo,
merecem um tratamento glabalizante por parte da comunidade internacional. Ou seja, os
direitos humanos não podem ser tratados como se fossem independentes e isolados uns
dos outros. Logicamente existe uma evidente interdependência e complementariedade
entre o direito a liberdade religiosa e outros direitos igualmente importantes.
Evidentemente, o direito à religião não pode excluir outros de igual importância, como,
v.g., os direitos sociais.

O direito (valor) à vida, consagrado no caput do art. 5° da CF, não deixa de


estar relacionado com o direito à liberdade de crença, pois todo cidadão, em tese, tem
direito à vida digna, a despeito de sua fé ou crença religiosa. Nota-se uma natural
interdependência entre o direito à vida e à liberdade de religião. No passado,
especialmente no período inquisitorial, o direito à vida era subtraído, sob algumas
circunstâncias, daqueles que professavam heterodoxia, no tocante à religião oficial do
Estado.

Segundo ALEXANDRE DE MORAES, “O direito humano fundamental à vida deve


ser entendido como direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou

14
As características dos direitos humanos são a universalidade, a indivisibilidade, a complementariedade
e a interdependência. Fala-se, ainda, em iraprescritibilidade, inalienabilidade, iiTenunciabilidade,
Inviolabilidade e efetivídade (ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2aed., São
Paulo: Atlas, 1998, p. 41)
15
A Declaração de Viena de 25 de junho de 1993 dispõe em seu § 5°: “Todos os direitos humanos são
universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar
os direitos humanos globalmente, de maneira justa e equânime, com os mesmos parâmetros e com a
mesma ênfase.”

6
seja, direito à alimentação, vestuário, assistência médico-odontológica, educação,
cultura, lazer e demais condições vitais.”16

Conjugando-se o direto à vida, conforme o entendimento supra citado, com o


direito à liberdade religiosa e com o princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, espera-se do Estado a obrigação de proporcionar uma condição de vida digna a
todos, sem discriminação religiosa. Tendo em conta a complementariedade desses
direitos (vida e liberdade religiasa), é cediço que ninguém pode ser privado do direito à
vida, entendida, aqui, no sentido lato sensu; vida plena e abundante, por professar essa
ou aquela religião. Destarte, independentemente da religião, a Constituição garante ao
cidadão os direitos sociais ao trabalho, classificados pela doutrina como sendo os de
segunda geração. Significa dizer que qualquer um tem o direito de manter a sua crença
pessoal, e não ser, por isso, discriminado no campo social ou laboral.

FUNDAMENTOS JURIDICOS DA LIBERDADE RELIGIOSA

Os fundamentos da liberdade religiosa, podem ser divididos, didaticamente, em


morais (metafísicos) e jurídicos. Não é o objetivo neste trabalho nos debruçarmos em
uma linha moral e teológica, onde por este motivo, nosso foco será o mais jurídico
possível, interdiciplinando o tema na medida do necessário.

Já ficou consignado que a liberdade religiosa, concomitantemente, é um


princípio e um direito expresso nas Constituições dos Estados democráticos e
consagrado por vários tratados e convenções internacionais. Sem embargo, esse direito
prescinde de qualquer outra justificativa jurídica, ética ou moral. Cabe, nesse momento,
ressaltar a lúcida advertência de NORBERTO BOBEIO de que o maior problema dos
direitos humanos, hoje, não é mais o de fundamentá-los, e, sim, de protegê-los.17 Daí, à
guisa de uma melhor compreensão do tema, elencaremos alguns fundamentos válidos,
justificantes da tutela do direito à liberdade religiosa.

16
ALEXANDRE DE MORAIS, Direitos Humanos Fundamentais, 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1998, p.87
17
NORBERTO BOBBIO, A Era dos Direitos, 11a ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 25

7
Os fundamentos jurídicos, segundo uma corrente majoritária, consubstanciam-se
em: 1) o ser humano como uma pessoa; 2) O Estado é uma organização que deve
defender os interesses pessoais; e 3) O Estado não pode interferir nos direitos
individuais.

Sobre o último aspecto podemos mencionar KARL LOEWENSTEIN, de forma elucidativa:


"Entre todos los límites impuestos al poder del Estado se considera que el más
eficaz es el reconocimiento jurídico de determinados âmbitos de
autodetenninación individual en los que el Leviatán no puede penetrar. El
acceso a estas zonas prohibidas está cerrado a todas los detentadores del
poder, al gobierno, al parlamento y, dado que los derechos fundamentales son
inalienables, también al electorado. Estas esferas privadas, dentro de las cuales
los destinatários del poder están libres de la intervención estatal, coinciden con
lo que se ha venido a llamar desde hace trescientos anos los “derechos del
hombre” o “libertades fundamentale”18.

7. LIMITAÇÃO DO DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA

ALEXANDRE DE MORAES ensina:


“Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro
escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para
afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob
pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”, (...) “Os
direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto,
não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente
consagrados pela Carta Magna”.19

Propõe, ainda, que:


... “quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o
intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização,

18
KARL LOEWENSTEIN, Teoria de Ia Constitucïón, Editorial Ariel, Barcelona, vol. II, p. 390
19
ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2a ed., São Paulo: Atlas, 1998, p. 46.

8
de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício
total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional de âmbito de
alcance de cada qual (contradição de princípios), sempre em busca do verdadeiro
significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades
precipuas.”20

Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal endossa a relativização dos direitos


fundamentais, afirmando que um direito individual não pode servir de salvaguarda de
práticas ilícitas (RT, 709/418). De igual teor é o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça.

A liberdade religiosa, como qualquer outro direito humano, não pode servir de
escudo protetivo, para dar guarida a atividades ilícitas ou atos que atentem contra a
incolumidade pública, a moral e os bons costumes. A liberdade religiosa não é um
direito absoluto. Existe uma relativização, um limite à liberdade religiosa. Dissertando
sobre a relatividade do direito à liberdade religiosa, afirmam CELSO RIBEIRO BASTOS e
IVES GANDRA MARTINS:

“O campo religioso, além de ser, por excelência, o das faculdades mais altas do ser
humano, campo de realização dos anseios mais profundos da alma humana, é também
espaço invadido por impostores, falsos profetas, que desnaturam esta atividade
movidos por toda sorte de vícios. O Estado não pode pois deixar de estar alerta para
coibir estas falsas expressões de religiosidade.”21

Acrescentam que a inviolabilidade do direito à liberdade religiosa, prevista no


art. 5°, inciso VI, está condicionada à ordem pública, que, embora omitida nessa norma,
há de ser observada, com o fim de “não prejudicar igual direito de outrem, e não ferir
os valores ético-morais, estruturantes de uma sociedade.”22 Portanto, com razão, ao

20
ALEXANDRE DE MORAES. Idem, pp. 46-47
21
CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS, Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, vol 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 52.
22
CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA MARTINS. Idem, ibidem

9
falar sobre o direito à liberdade religiosa, compreendemos a religião num sentido geral e
amplo. Compreende todas as religiões, desde que permitidas e compatíveis com as
normas comuns do Estado. Não há necessidade de registro. Só não podem ser religiães
aéticas, imorais e incitadoras do suicídio, de maus costumes, do sacrifício de pessoas
que instiguem a violência, etc.

Frequentemente, o fanatismo religioso tem-se manifestado na forma em que se


poderia denominar de "Terrorismo Religioso". Múltiplas formas de fanatismo religioso,
que atuam de forma danosa, merecem o repúdio da sociedade, bem como a interferência
estatal, no sentido de coibi-las. A título de exemplo, poder-se-iam citar, como exemplos,
o suicídio coletivo de 913 pessoas ocorrido na Guiana sob o induzimento de Jim Jones
(1978), o confronto de Waco, entre os seguidores de David Koresh e o FBI (1993), no
qual se deu a morte de 72 adeptos, também o ataque com gás sarin, no metro de Tóquio,
ocorrido no ano de 1995e, mais recentemente o ataque as torres gêmeas em Nova York
no famoso 11 de setembro.

Resta determinar, entretanto, em que medida o direito à liberdade religiosa pode


ser limitado ou relativizado pelo Estado. Essa questão será discutida ao longo do
trabalho. Os limites no exercício desse direito são um aspecto de suma importância.
Incorre-se no risco de se errar tanto para menor como para maior. O excesso poderá
levar ao cerceamento à liberdade religiosa. Ao contrário, a lassidão - inércia estatal -
favorece os abusos. Verbi gratia, terrorismo religioso e outras práticas criminosas.
Pode-se concluir que a liberdade religiosa não é absoluta. Não é uma ilimitada liberdade
em relação ao Estado ou a Deus, porquanto todos devem respeitar o Estado
Democrático de Direito e, ao final, prestar contas a Deus.

10
11
A LIBERDADE RELIGIOSA NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
1.Antecedentes históricos

Brasil República

Rui Barbosa teve um papel fundamental na separação entre a Igreja e o Estado e


também na promoção da liberdade religiosa. O sistema republicano emergente não mais
podia conviver com as restrições à liberdade religiosa, especialmente no que se referia
ao culto religioso. Nenhuma forma de intolerância se coadunava com o novo ideal
republicano. A liberdade de pensamento ou de consciência era de pouca valia, quando
se restringia à exteriorização dessas faculdades.

No dizer de JOSÉ AFONSO DA SILVA: “A República principiou estabelecendo a


liberdade religiosa com a separação da Igreja do Estado. Isso se deu antes da
constitucionalização do novo regime, com o Decreto n. 119-A, de 1890, da lavra de
Ruy Barbosa, expedido pelo governo provisório”,23
A constitucionalização do novo regime republicano consolidou, através da Constituição
de 1891, a separação entre a Igreja e o Estado, fazendo do Brasil um Estado laico.
Doravante, todas as religiões passariam a contar com o respeito e a proteção do Estado,
havendo liberdade de crença e de culto.

Conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA: "A Constituição de 1891 consolidou essa


separação e os princípios básicos da liberdade religiosa (arts. 11, § 2°; 72, §§ 3° a 7°;
28 e 29). Assim, o Estado brasileiro se tornou laico, admitindo e respeitando todas as
vocações religiosas. O Decreto n. 119-A/1890 reconheceu a personalidade jurídica a
todas as igrejas e confissões religiosas".24

2. Liberdade Religiosa Na Constituição De 1988


A Carta Magna de 1988 consagra, como se verá, o direito à liberdade religiosa, em
consonância com os valores supremos e os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil. O princípio da separação entre a Igreja e o Estado é reafirmado.
Portanto, o Estado continua laico. As vedações constitucionais do art. 19, inciso I,
refletem o caráter laicista do Estado brasileiro.
23
JOSÉ AFONSO DA SILVA. Op, cit., p. 244.
24
JOSÉ AFONSO DA SILVA. Op, cit., p. 245

12
Assim dispõe o art. 19 da CF/88, in verbis:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

Disto se deflui que o Estado laicista não pode favorecer uma religião, em
detrimento de outras. O tratamento dado às igrejas deve ser igual, mantendo-se a
isonomia. Não pode subvencionar as religiões e também não pode legislar sobre matéria
religiosa. Isto não impede, entretanto, que a Igreja e o Estado possam ser parceiros em
obras sociais e de interesse público.

2.1. Preâmbulo da Constituição

A Constituição brasileira de 1988 consagra a liberdade como um direito e um


princípio fundamental. Já, no preâmbulo25 da Magna Carta, se encontra a liberdade entre
os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito.
ALEXANDRE MORAIS ensina que o preâmbulo constitui “um breve prólogo da
Constituição e apresenta dois objetivos básicos: explicar o fundamento da legitimidade
da nova ordem constitucional; e explicar as grandes finalidades da nova
Constituição”. Assim sendo, o preâmbulo apresenta uma linha mestra, uma fonte
interpretativa, por traçar as diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da
Constituição.26

25
PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um
Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a
proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
26
ALEXANDRE DE MORAES, Direitos Humanos Fundamentais, 2a ed., São Paulo: Atlas,
1998, p. 57
13
Ora, uma sociedade fraterna, justa e pluralista, nos termos do preâmbulo
Constitucional, só pode subsistir com liberdade, inclusive liberdade religiosa.
Consequentemente, essa sociedade deve ser tolerante, em relação às diferentes
confissões religiosas, senão deixa de ser pluralista, e não terá a liberdade como valor
supremo. Portanto, a tolerância é fundamental para a manutenção de uma sociedade
fraterna, justa e pluralista. É dizer, subtraindo-se a liberdade, não há que se falar em
justiça, fraternidade e pluralismo. Disto deflui, também, que a liberdade religiosa é um
componente importante da sociedade brasileira, que pretende ser fraterna, justa e
pluralista.

2.2 Estado democrático de direito e a liberdade religiosa


O art 1° da CF, dispõe, in verbis:

Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A liberdade religiosa, no Brasil, tem o amparo do Estado Democrático de


Direito, uma vez que a República é constituída como tal, conforme o art. 1°, caput, da
CF. Dentre os fundamentos elencados nesse dispositivo Constitucional, encontram-se a
cidadania e a dignidade da pessoa humana.

A cidadania tem um papel fundamental em sede de direitos humanos, o que não


difere especificamente, em relação à liberdade religiosa. Além disso, a relação da
cidadania com os direitos humanos pode ser facilmente compreendidapartindo da idéia
que sem cidadania, nenhum direito humano pode ser adequadamente tutelado.

14
A dignidade da pessoa humana apresenta-se como um princípio importante em
sede de liberdade religiosa, uma vez que o cerceamento à liberdade constitui,
indubitavelmente, um duro golpe à dignidade humana. O homem, destituído de
liberdade, tem, logicamente, sua dignidade abalada.

O Estado Democrático favorece, de uma forma geral, esta proteção aos direitos
humanos, no qual a a CF de 1988, por sua vez, representou um grande avanço na
proteção dos direitos humanos no Brasil. Neste sentido, a Constituição de 1988 constitui
o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos
no Brasil. O texto de 1988 empresta aos direitos e garantias ênfase extraordinária,
situando-se como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a
matéria, na história constitucional do pais. Obviamente a liberdade religiosa foi
grandemente favorecida, porquanto está no rol dos direitos humanos tutelados pela
Constituição Cidadã.

2.3. Liberdade religiosa no caput do art 5°


Dispõe o art. 5°, caput, da CF/88, in verbis:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nós termos seguintes:”

O dispositivo em tela consagra o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à


propriedade. A proteção que é dada a esses direitos é extensiva a todos aqueles que
estejam sujeitos ao ordenamento jurídico brasileiro, quer sejam nacionais ou
estrangeiros, aliás, como corolário do direito à igualdade, embutido nesse mesmo
dispositivo.27

O caput do art. 5° da CF/88 consubstancia-se em uma norma principiológica,


porquanto estão elencados, nesse dispositivo, importantes princípios; alguns deles são
verdadeiramente princípios gerais de direito, como, por exemplo, a liberdade. A

27
Cf. Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada
em 5 de outubro de 1988, vol, 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 4.

15
doutrina ainda enumera, como princípios gerais de direito, os princípios da justiça, da
igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Liberdade religiosa - inciso VI


O inciso VI do art. 5° da CF dispõe, in verbis:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
culto e a suas liturgias;

A norma Constitucional, sob comento, diz ser inviolável a liberdade de


consciência e de crença.

Vale a pena salientar o que vem a ser a liberdade de consciência e de crença,


esboçada por JOSÉ CRETELLA JÚNIOR. Segundo esse constitucionalista, a liberdade de
consciência se equipara à liberdade de crença, pois ambas se referem a questões internas
do ser humano - de foro íntimo, que não necessitam, necessariamente, de exteriorização,
na forma de culto ou rito. Segundo ele; “pode, assim, haver culto sem fé ou crença,
como pode haver crença ou fé sem culto.”28

Por outro lado, a liberdade de consciência e a de crença não se confundem entre


si, pois a consciência pode significar a inexistência de crença, como é o caso de
agnósticos e ateus, conforme a precisa lição de CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES
GANDRA Martins. Destarte, a liberdade de consciência estará a proteger aqueles que não
crêem. Para CRETELLA: “A consciência é sempre livre e a liberdade de consciência não
necessita de proteção constitucional ou legal O direito não se preocupa com os atos
internos ou intransitivos do homem, que, aliás, não perturbam nenhuma pessoa, nem a
ordem jurídica. O constituinte teria, então, segundo ele, confundido consciência com
projeção da consciência no mundo externo.”29

28
José Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, vol. 2, pp. 216-218
29
José Cretella Júnior, Comentários à Constituição de 1988, p. 216.

16
Em sentido contrário, propugnam CELSO RIBEIRO BASTOS & IVES GANDRA
MARTINS, no sentido de que, “à primeira vista, o problema da liberdade do espírito ou
do pensamento não se colocaria no plano jurídico, por ocorrer no foro íntimo de cada
um. É conhecida a frase de futuro: ‘Os pensamentos não pagam tarifas alfandegárias’.
Tal linha de raciocínio, todavia, não resiste a uma análise mais acurada"30.

Segundo os doutos professores e constitucionalistas, as condições sociais,


econômicas, históricas e culturais exercem, indubitavelmente, influência sobre o
pensamento individual.

Podemos inferir, então, que a consciência pode ser manipulada, condicionada,


ou até mesmo violada, justamente pêlos fatores externos já mencionados. Assim sendo,
a consciência religiosa ou a crença necessitam da proteção estatal e, nos termos da
CF/88, são invioláveis.
Não é difícil imaginar possíveis situações em que as liberdades de consciência e
de crença poderiam ser violadas pelo poder Estatal ou por particulares através do
condicionamento da consciência, pelo cerceamento de um direito de segunda geração,
ou, mais especificamente, de algum bem da vida, como por exemplo, um emprego
público, a educação, a saúde ou até mesmo a própria vida. Em relação à vida, já foi
demostrada na história, a existência de conversões forçadas, como as que ocorreram nas
Inquisições e na Segunda Guerra Mundial. Da mesma forma, é possível que um
emprego seja renegado, em face de um preconceito religioso, ou através da imposição
de uma condição inaceitável do ponto de vista religioso - que viole, profundamente, a
convicção pessoal.

É certo que essa inviolabilidade prevista no art. 5°, inciso VI, da CF/88 não é
absoluta, porquanto o direito à liberdade religiosa não é absoluto. Esse direito, portanto,
deve amoldar-se à ordem pública e aos bons costumes, como previam as Constituições
de 1946 e de 1967, quer por implicitude, conquanto é “pressuposto de todo direito não

30
Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 48.

17
prejudicar igual direito de outrem”31 ou, até mesmo, por força da incorporação do trata-
do de São José da Costa Rica .

Afirma, ainda, o inciso VI do art. 5°, in fine, da CF/88, ser assegurado o livre exercício
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a protecão aos locais de culto e as suas
liturgias. O constituinte pretendeu, sem dúvida alguma, garantir a liberdade de culto.

Em consonância com esse propósito, a lei infraconstitucional, a saber, o art. 208


do CP tipificou o crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele
relativo.
Assim dispõe o art. 208 do CP, in verbis:
Art. 208 Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função
religiosa; impedir ou perturbar cerimonia ou prática de culto religioso;
vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de l (um) mês a l (um) ano, ou multa.
Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço,
sem prejuízo da correspondente à violência.

Ao tipificar as três condutas elencadas no caput do art. 208 do CP, o legislador


pretendeu proteger a liberdade de crença, os cultos religiosos e suas liturgias, garantindo
a eficácia do art. 5°, inciso VI, da CF/88.0 art. 208 trata de crimes de intolerância, que
serão obordados no momento oportuno.

Assistência religiosa - inciso VII

Assim dispõe o art. 5°, inciso VII, in verbis: “é assegurada, nos termos da lei, a
prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação
coletiva;”
Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA: “É assegurada, nos termos da lei, a prestação
de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (Forças
Armadas, penitenciárias, casas de detencão, casas de internação de menores etc.)”32
31
Celso Ribeiro Bastos & Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em
5 de outubro de 1988, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 52.
32
JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª Ed., São Paulo: Malheiros,

18
Essa norma Constitucional contempla a assistência religiosa em entidades de
internação coletiva, tais como hospitais e presídios.
A Lei n. 6.923/81 regulamenta a assistência religiosa nas forças armadas. A
matéria também se encontra regulamentada no art. 124, inciso XIV, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90.33 O ECA preconiza, assim, o direito do
adolescente privado de liberdade de receber assistência religiosa, conforme a sua crença
e se assim o desejar.

Assim como no inciso VII, temos também também outrpos dispositivos que
dispoem desta assistencia, como é o caso na execução penal, onde a assistência religiosa
deve ser oferecida de forma facultativa, e não compulsória. A assistência religiosa é um
direito do condenado não atingido pela condenação penal, conforme o art. 3° da LEP e o
art. 38 do CP. O preso, portanto, continua dispondo de todos os direitos inerentes à
pessoa humana, inclusive a liberdade religiosa. Tem ele, ainda, direito à assistência
religiosa compatível com as suas convicções.
Assim dispõe o art. 24 da Lei n. 7.210/84, Lei de Execução Penal:
Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos
internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no
estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.
§ 1° No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.
§ 2° Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade
religiosa.
A Lei de Execução Penal, no dispositivo acima deixa claro que a assistência religiosa
não é obrigatória para o preso, devendo, ainda, ser compatível com a sua confissão
religiosa.

Aqui reside um ponto altamente favorável à religião, que é a transformação, para


melhor, do ser humano. Esta é uma grande evidência do poder transformador do
evangelho, porquanto, quando tudo mais fracassa, a palavra de Deus é capaz de

1997, p.245
33
Assim reza o art. 124, inciso XIV, do ECA, in verbis:
“Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
(...)
XIV – Receber assistência religiosa , segundo sua crença, e desde que assim o deseje:”

19
pacificar corações quebrantados, angustiados e rebeldes. Restaura-se, assim, um espírito
manso e tranquilo.

Escusa de consciência - prestação de serviço militar - inciso VIII

A escusa de consciência encontra amparo Constitucional no inciso VIII da


Magna Carta de 1988, a seguir transcrito in verbis:
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

CELSO RIBEIRO BASTOS assim se manifestou sobre o assunto:


“Cuida o inciso VIII da chamada escusa de consciência. É o direito reconhecido ao
objetor de não prestar serviço militar nem de engajar-se no caso de convocação para a
guerra, sob o fundamento de que a atividade marcial fere as suas convicções religiosas
ou filosóficas. É verdade que o texto fala em ‘eximir-se de obrigação legal a todos
imposta’ e não especificamente em ‘serviço militar’. É fácil verificar-se, contudo que a
hipótese ampla e genérica do texto dificilmente se concretizará em outras situações
senão naquelas relacionadas com os deveres marciais do cidadão. A experiência de
outros países também confirma esse fato”34.

2.4. Ensino religioso em escolas públicas


Assim dispõe o art. 210 da CF/88, in verbis:
Art. 270. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
nacionais e regionais.
34
Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional,.., cit., p. 192.

20
§ 1° O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental.
§ 2° O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada
às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos
próprios de aprendizagem.

É evidente que, se a matrícula do ensino religioso nas escolas públicas fosse


obrigatória, o direito à liberdade religiosa estaria sendo violado. Nenhuma atividade de
cunho religioso poderia ser ministrada, sem o consentimento do aluno ou responsável.
Como assinala a professora ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, a liberdade de religião
consiste num ponto fulcral do tema e requer a análise do princípio da separação entre a
Igreja e o Estado, Esse princípio é atenuado, no que tange ao ensino religioso, art. 210,
§ l0.35 Entretanto os demais princípios constitucionais deverão ser observados, inclusive
a liberdade de religião. Daí a facultatividade desse ensino, que é um direito do cidadão e
um dever para o Estado.
“... o aluno pode optar pelo ensino a qualquer tempo, pode modificar sua opção a
qualquer tempo, pode não optar pelo ensino religioso, pode desistir de frequentar aula
ou atividade de religião, pode mudar de religião etc.”36

Além disso, não se poderá cobrar a participação dos alunos que não estiverem
dispostos a aderir à disciplina oferecida, muito menos poder-se-á aplicar qualquer tipo
de reprimenda escolar ou qualquer tipo de constrangimento, no dizer de ANNA
CÂNDIDA, como “a verificação de presença, a aferição de resultados, a impossibilidade
de mudança de opção, a permanência do aluno em sala de aula ou a sua reprovação
etc.”37
A Constituição proíbe que o Estado venha a subvencionar o ensino religioso, por
força do art. 19,1, da CF/88. Em função da liberdade religiosa, o Estado também não
poderá embaraçar o ensino das mais variadas confissões religiosas, desde que éticas e
lícitas. Veda-se também, qualquer forma de proselitismo.

35
Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Ensino religioso nas escolas públicas, in: Cadernos de direito
constitucional e ciência política, vol 5, n. 20, p. 21.
36
Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Idem, p.38
37
Anna Cândida Da Cunha Ferraz, Ibidem.

21
O art 210, § 1º, é uma norma de eficácia limitada, pois depende de lei
complementar - regulamentadora -, para que esse dever do Estado de permitir o ensino
religioso seja efetivãmente satisfeito. O cidadão tem o direito de exigir do Estado o
cumprimento do dever estatal previsto na Constituição, admitindo-se ser um direito
público subjetivo. Entretanto o cumprimento desse dever depende das condições
administrativas e, até mesmo, da colaboração de religiosos, o que escapa ao controle
estatal. Em tese, o cidadão pode lançar mão do mandado de injunção, para ver o seu
direito satisfeito.

As escolas particulares estão livres, para promover o ensino religioso, segundo a


filosofia adotada, sem que isso implique cerceamento à liberdade religiosa. Isto, porque
a clientela, ao procurar a escola, deverá estar ciente da religião adotada pela instituição
de ensino. Com a matricula, haverá um consentimento tácito, que autorizará o ensino de
determinada religião. Entretanto, eticamente, as escolas privadas estão impedidas de
promover qualquer forma de proselitismo.

4.5. Imunidade tributária

Os templos de qualquer culto gozam de imunidade tributária. Nenhum imposto


pode incidir sobre os templos religiosos.38 Trata-se de uma limitação ao poder de
tributar, imposta pelo art. 150, inciso VI, alínea b, da CF/88. Assim, de acordo com o
texto Constitucional, é vedado aos sujeitos ativos, a saber, à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto.

A imunidade tributária dos templos tem o escopo de “assegurar a liberdade de


culto, bem como eliminar possível empecilho ao seu desenvolvimento”, preocupação
que se tem desde a separação entre a Igreja e o Estado, com o advento da proclamação
da República.

O templo é um lugar destinado ao culto.39 Desse modo, as propriedades, terrenos


e casas pertencentes à igreja podem ser tributadas, se estiverem sendo utilizadas com

38
Hugo De Brito Machado, Curso de direito tributário, 14a ed., São Paulo, Malheiros, 1998, p. 203.
39
Sacha Calmon Navarro, Curso de direito tributário brasileiro, 4a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999,
p. 269

22
fins mercantilistas ou meramente como especulação imobiliária. Um bem que não
estiver a serviço do culto, um prédio alugado, p. ex., pode ser tributado.40

Devido ao princípio da isonomia e ao caráter laico do Estado brasileiro (art.


19,1, da CF/88), a imunidade tributária em tela se estende, indistintamente, a todas as
religiões e seitas. O festejado tributarista SACHA CALMON NAVARRO COELHO assim se
manifestou sobre essa questão: “O templo, dada a sua isonomia de todas as religiões,
não é só a catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de
candomblé ou umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a mesquita
maometana.”41

É evidente que não há de incidir nenhum tributo sobre rituais religiosos, como,
v. g., balizados, missas e cultos 42. Quanto a essa questão, a doutrina é unânime. Mas o
que falar da casa do padre ou pastor, em que pese o IPTU? Será imune de tributação?
Segundo SACHA CALMON NAVARRO COELHO, a residência do padre ou pastor, por ser
moradia, e não templo, pode ser tributada. A imunidade também não alcança as
dependências anexas ao terreiro, da religião afro-brasileira, utilizadas como moradia
pelo pai-de-santo, de forma que apenas o barracão destinado ao culto goza do
benefício.43 Assim não se pode falar em imunidade de anexos ao templo, v.g., cristão,
judaico, maometano, budista ou kardecista. Em sentido contrário, ALIOMARA BALEEIRO
propugnava pela imunidade das dependências contíguas ou anexas ao templo, incluindo
o convento e a casa do pároco ou pastor, desde que não estivesse presente a finalidade
econômica.44

Impende salientar que a intenção do constituinte foi de imunizar o templo, e não


o clérigo ou o eclesiástico. Esses são cidadãos com direitos e deveres, inclusive de pagar
impostos quando da realização de uma hipótese de incidência prevista por lei.
40
Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito financeiro e de Direito tributário, 6a ed., São Paulo: Saraiva,
1998, p. 132.
41
Sacha Calmon Navarro Coelho. Idem, p. 269
42
Nesse sentido, Cf, hugo de brito machado e aliomar baleiro.
43
Sacha Calmon Navarro, Curso de direito tributário brasileiro, 4a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999,
p. 269. Nesse sentido, assinala Zelmo Denari: "A nosso aviso, as dependências anexas ao templo não
gozam de imunidade tributária, pois o texto constitucional apenas se refere ao templo e às normas de
exoneração tributária, por exigência das regras de hermenêutica, devem ser interpretadas literalmen-
te." (Zelmo Denari, Curso de direito tributário, 6a ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 158.)
44
Aliomar Baleeiro, Limitações constitucionais ao poder de tributar, T ed., Rio de Janeiro: Forense,
1997, p. 311.

23
O instituto da imunidade não pode ser confundido com a isenção. A isenção é,
sempre, decorrente de lei infraconstitucional e exclui uma parcela da hipótese de
incidência. Em ambos os casos, o crédito tributário sequer é constituído.

QUESTÕES DIVERSAS

24
Abordaremos nesse capítulo algumas questões práticas, embora controvertidas e
complexas. Alguns conflitos de índole religiosa são facilmente detectados na sociedade
brasileira. Tais conflitos são universais, pois são os mesmos em qualquer lugar do
mundo.
As questões aqui analisadas exigiram, em alguns momentos, uma abordagem teológica.
Essas incursões, no campo religioso, são inevitáveis em face da própria natureza do
tema, e do escopo de se compreender o problema de forma ampla. As questões, assim
referidas, refletem, com efeito, os desafios de uma sociedade que precisa aprender a
conviver com uma enorme pluralidade de concepções religiosas e filosóficas.

l.TRANSFUSÃO DE SANGUE
Como se sabe, as Testemunhas de Jeová se opõem à terapia transfusional, por
motivos de convicção religiosa Justificando esta conduta com os livros bíblicos de
Levítico 17,10 e Atos 15,20 . Mesmo em situações de emergência, os fiéis dessa
orientação religiosa mantêm as suas convicções, colocando os médicos num dilema
terrível. Alguns adeptos chegam ao óbito, por se recusarem a receber essa terapia
médica.

Ocorre, nessas situações, um conflito entre dois valores ou direitos, tutelados


pela CF/88, verbi gratia, a liberdade religiosa e o direito à vida. Não obstante, os que
professam a orientação das Testemunhas de Jeová não pretendem renunciar à vida,
porquanto almejam continuar vivos. Assim sendo, não recusam tratamento médico.
Argumentam, entretanto, que se poderiam utilizar tratamentos alternativos, para se
evitarem as transfusões sanguíneas, que, por sinal, podem carrear inúmeras infecções,
inclusive a temível AIDS.

Nos casos em que é possível o tratamento alternativo e é desnecessária a


transfusão sanguínea, é evidente que a liberdade religiosa do paciente deverá ser,
sempre, respeitada. Nesse particular, não há dúvida alguma. Mas, quando a terapia
transfusional deve ser utilizada e a infusão de fluidos e demais terapias alternativas são
insuficientes? Eis que surge, nesse ponto, não apenas um problema médico, mas
jurídico, sem dúvida alguma, de difícil solução.

25
A questão é muito controvertida. No entanto, imperioso se torna observar a
eterminação da CF/88 de que “ninguém será obrigado afazer ou deixar de fazer alguma
coisa, senão em virtude de lei”; art. 5°, inciso II. Por outro lado, existe o dever legal do
médico de prestar socorro.

Quando a terapia transfusional é imprescindível, há, sem dúvida alguma, uma


colisão de dois direitos, ou seja, o direito à vida com o direito à liberdade religiosa.
Como, então, harmonizar esses direitos conflitantes, sem o total sacrifício de um deles?
Impende, ainda, indagar se a vida pode ser renunciada, em detrimento da liberdade
religiosa.

Se a resposta for fundamentada, simplesmente, na irrenunciabilidade dos direitos


humanos, não se chega a solução alguma, posto que tais direitos são igualmente
irrenunciáveis. A escolha de um implica, obrigatoriamente, na renúncia do outro. Não
há como harmonizar ou conciliar os dois direitos conflitantes, sem o sacrifício integral
de um dos direitos.

Por outro lado, se a resposta fosse fundamentada na tese da renunciabilidade dos


direitos humanos, duas soluções seriam possíveis, dependendo da visão axiológica do
julgador.

Há quem sustente que o direito à vida é preponderante. Para estes, a vida é


protegida, em prejuízo da liberdade religiosa, e a transfusão de sangue deve ser
realizada, autorizada ou recomendada. Essa solução é amparada pela ideia de que os
direitos ou valores Constitucionais obedecem a uma rígida e formal ordem hierárquica,
tal como aparece na cabeça do art. 5° da CF/88. A vida, repita-se, sob esse prisma, é o
bem jurídico preponderante. O direito à liberdade religiosa não é ilimitado, podendo
sofrer restrições, quando estiver ferindo os preceitos da ordem pública. Recusar o
tratamento, estaria comprometendo a ordem pública, uma vez que haveria o sacrifício
desnecessário de vidas humanas. Desse modo, “a liberdade religiosa não pode ferir o
direito à vida, que é de ordem pública”45

45
Revista Jurídica, n. 246, abr./98, p. 55. Nesse sentido, assim se manifestou Luiz vicente cernicchíaro:
"0 Direito Penal brasileiro volta-se para um quadro valorativo. Nesse contexto, oferece particular
importância à vida (bem jurídico). Daí ser indisponível (o homem não pode dispor da vida)." (Luiz
vicente cernicchiaro, Transfusão de sangue, In: Júris Síntese n, 18 - jul./ago. de 1999.)

26
2. DIA DE GUARDA (DOMINGO X SÁBADO)
Existe uma grande controvérsia acerca do dia de guarda. A maioria dos cristãos,
hoje, observam o domingo enquanto que uma minoria observa o sábado. A questão do
dia de guarda pode parecer, à primeira vista, de pouca importância, entretanto, é tão
importante que mereceu, em 1998, a edição de uma carta apostólica, Dies Domini, na
qual João Paulo II recomenda a santificação do domingo como um dia santo a ser
observado por todos os cristãos.

Por um lado encontramos a Igreja Católica unida com a maioria das Igrejas
protestantes no propósito de defender a observância do domingo, e do outro lado os
judeus e algumas poucas Igrejas protestantes reivindicando a observância do sábado e o
direito de adorar a Deus segundo o que lhes recomenda uma consciência livre. Há que
se dizer, ainda, que o maior grupo de cristãos que observam o sábado é constituído
pêlos Adventistas do 7° Dia.

Existe ainda a posição do Islã (islamismo), que não pode ser olvidada, dado ao
vertiginoso crescimento dessa religião por todo o mundo. Segundo os muçulmanos, a
sexta-feira é um dia santo.

Será relatado, a seguir, a posição dos dois primeiros grupos, em relação ao dia de
guarda (Sábado x Domingo). Mas há que se ressaltar, no entanto, que as três posições
mencionadas alhures merecem a proteção estatal, uma vez que o cidadão deve ser livre,
para adorar a Deus, segundo a sua consciência. E, nesse diapasão, pouco importa quem
está com a razão, vez que todos merecem a tutela estatal.

O direito à liberdade religiosa deve garantir o direito de escolha de um dia de


repouso sem qualquer interferência estatal, o que caracteriza uma prerrogativa de foro
íntimo.
Convém relembrar que o Estado não pode interferir em questões religiosas.361
Ora, o dia de guarda ou repouso semanal diz respeito a uma questão fundamentalmente
religiosa e de foro íntimo. Assim sendo, a lei civil, em um Estado laico, como o Brasil,

27
não pode favorecer a uma religião, em detrimento de outras, em que pese o dia de
guarda, determinando a observância compulsória de um dia específico.

Descanso semanal remunerado


A celeuma decorrente da observância de um dia de guarda interessa ao direito,
em primeiro lugar, porque a questão pode levar a sérios conflitos de interesses. Além
disso, existe uma implicação de ordem laboral em relação ao Repouso Semanal
Remunerado.
Segundo AMAURI MASCARO NASCIMENTO, o repouso semanal está ligado a
costumes religiosos, com origem no povo hebreu [judeus], que descansava e descansa
aos sábados.46 É evidente, portanto, o liame existente entre o costume religioso e o RSR,
desde o seu nascedouro.
Após o Concflio de Laodicea, o costume religioso, no que diz respeito à
observância do domingo, foi amplamente recepcionado pela legislação dos diversos
países. Alguns deles, como a Suíça (1877) e a Alemanha (1891), instituíram o descanso
dominical de forma obrigatória. Em 1876, foi fundada a Federação Internacional para a
Observância do Descanso Dominical.47
AMAURI MASCARO NASCIMENTO assinala:
“O tratado de Versailles incluiu, dentre os princípios gerais, ‘a adoção de um repouso
hebdomadário de vinte e quatro horas no mínimo, que deverá compreender o domingo,
sempre que possível’. A Conferência Internacional da Organização Internacional do
Trabalho, reunida em Genebra, em 1921, aprovou a Convenção n. 14, dispondo, no art.
2°, que todo pessoal empregado em qualquer empresa industrial, pública ou privada,
ou em suas dependências, deverá desfrutar, no curso de cada período de sete dias, de
um descanso que compreenda como mínimo vinte e quatro horas consecutivas. Esse
descanso será concedido ao mesmo tempo, sempre que possível, a todo pessoal de cada
empresa. O descanso coincidirá, sempre que possível, com os dias consagrados pela
tradição ou costumes do país ou da religião”.48

O pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no art. 7°,


alínea d, declara o direito ao descanso nos seguintes termos:

46
Amauri Mascaro Nascimento, Iniciação ao Direito do Trabalho, 23a ed., São Paulo: LTr, 1997, pp.
285-286
47
Amauri Mascaro Nascimento. Idem, pp. 286-287
48
Amauri Mascaro Nascimento. Idem, p. 287

28
“Os Estados-partes, no presente Pacto, reconhecem o direito de toda pessoa de gozar
de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:

(...)

d) O descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas


remuneradas, assim como a remuneração dos feriados.”

Um aspecto relevante, em que pese o ordenamento jurídico brasileiro nos dias


atuais, consiste na adoção do princípio da dominicalidade. Há que se ressaltar que o
contexto atual é diferente do contexto em que a primeira lei dominical fora estabelecida
- por ocasião do decreto de Constantino, em 321. No primeiro momento havia união 49
entre a Igreja e o Estado; e, no segundo, separação entre os dois entes. É evidente que a
edição de uma lei dominical pode ser mais facilmente compreendida ou justificada, em
face da união entre a Igreja e o Estado. Mas como justificar a edição de uma lei
dominical no contexto atual, onde o Estado é laico e há separação entre a Igreja e o
Estado. Teria o Estado legitimidade para, através do poder legislativo, editar uma lei
dominical?

O Estado não poderia disciplinar o dia de guarda, senão de forma a garantir a


liberdade religiosa dos jurisdicionados, de forma que cada qual pudesse manter e
exteriorizar a sua fé.
A união entre a Igreja e o Estado pode ser utilizada para justificar a perseguição
dos cristãos durante os primeiros séculos do cristianismo. O Cónego JOSÉ GERALDO
VIDIGAL DE CARVALHO pontua que Roma, por ser um Estado extremamente jurídico,
agia na legalidade, ao perseguir os cristãos.50 O mesmo argumento foi utilizado por
GONZAGA, para justificar as cruéis atrocidades praticadas pela Inquisição (ou
Inquisições). Hoje, o Sudão (Estado islâmico) poderia utilizar a mesma ideia, para
justificar a intolerância e o cerceamento do direito à liberdade religiosa. Sob o manto da
legalidade, já se praticou e continua-se a praticar os maiores crimes contra a
Humanidade.

49
A cúpula da catedral de Santa Sofia, na cidade de Constantinopla, hoje conhecida por Istambul,
reflete essa realidade. Essa estrutura arquiteíômca caracteriza-se por círculo, contido em um quadrado,
representando a união entre a igreja e o Estado.
50
José Geraldo Vidígal De Carvalho, Temas Históricos, pp. 27-29

29
Em face desse princípio, a CF/88, art. 7°, inciso XV, dispõe que o repouso
semanal remunerado será preferencialmente aos domingos. É dizer, conforme
entendimento de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, o descanso semanal é,
preferencialmente, no domingo, mas não obrigatoriamente. A Lei n. 605/49 prevê
algumas exceções à dominicalidade, embora não haja nenhuma previsão de índole
religiosa.

Em decorrência do princípio da dominicalidade acolhido pela legislação


brasileira, muitos observadores do sábado têm dificuldades no acesso ao mercado de
trabalho e manutenção no mesmo.
Na verdade, o descanso semanal remunerado é um direito que atende a
necessidade humana de descansar num período de 7 dias. Essa necessidade tem sido
comprovada pela ciência. Como foi possível constatar, essa necessidade humana é
protegida no plano internacional, através de Tratados - cite-se, p. ex., o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil em
20.1.1992. Por outro lado, o Direito Internacional também protege o direito à liberdade
religiosa. Ora, a proteção de um desses direitos não deveria implicar na restrição do
outro. Mas é exatamente isto o que tem ocorrido com os que observam o sábado. Nesse
ponto, parece haver uma colisão de direitos. Entretanto a necessidade de um dia de
repouso não deveria representar um óbice à liberdade de religião. Cada qual deveria ser
livre para escolher o dia de guarda segundo a sua consciência sem qualquer
interferência estatal, pois como bem disse CELSO RIBEIRO BASTOS: “As convicções e
práticas religiosas assumem destarte um estatuto de foro íntimo das pessoas”.51
Sendo um estatuto de foro íntimo, um Estado laico, como o Brasil, estaria, em
tese, impedido de legislar, de forma a favorecer um costume religioso de uma religião,
em detrimento de outras, ainda que minoritária, tendo em vista a garantia dos direitos
humanos aos quais o Estado brasileiro se comprometeu a proteger diante da comunidade
internacional, mediante a ratificação de diversos Tratados Internacionais.
A garantia do direito ao RSR não se antagoniza, necessariamente, com a
liberdade religiosa. Os dois direitos são complementares. Há que se garantir a liberdade
religiosa, sem restringir os direitos econômicos e sociais, e vice versa.
No plano Constitucional, é razoável lembrar que o princípio da dominicalidade
deve ser interpretado, de forma a se harmonizar com o direito a liberdade religiosa
51
Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, 21a ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 192

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naquilo que for pertinente. Os princípios da máxima efetividade da norma constitucional
e da primazia dos direitos humanos (art. 4°, da CF) também devem ser lembrados.
Assim sendo, o princípio da dominicalidade não deve servir de pretexto, para se cercear
a liberdade de crença.
Se a consciência religiosa é um território impenetrável para o Estado (e sendo
laico esse Estado), teria este o direito de determinar o dia de guarda? Sendo uma
questão de consciência, teria o Estado o direito de determinar a observância de um
determinado dia da semana, sem que o cidadão pudesse escolher?
De uma fornia mais específica: em face do princípio da dominicalidade adotado
pelo ordenamento jurídico pátrio, os observadores do sábado teriam o direito de manter
a sua crença sem comprometer a dignidade e os outros direitos inerentes à cidadania?
Certamente, poderíamos encontrar respostas diferentes. Assim como as opiniões
divergem, em relação ao dia de repouso, certamente encontraremos opiniões opostas.
Isto reflete o pluralismo religioso existente na sociedade.
O pluralismo religioso, no que toca ao dia de guarda, pode ser salutar para a
sociedade. Com a liberdade religiosa, pessoas de opiniões diferentes podem conviver
pacificamente, num ambiente de trabalho, e, inclusive, com benefícios para os dois
lados. O observador do domingo não teria problemas em trabalhar no sábado, enquanto
o observador do sábado não teria problemas em trabalhar no domingo. Por que não
poderia haver a mútua cooperação entre essas duas classes de pessoas? A vida moderna,
a cada dia, exige, em diversas situações, que o trabalho seja realizado em todos os dias
da semana. São muitas as situações em que esse tipo de cooperação poderia ocorrer,
tanto na iniciativa privado como na pública.
Pode-se inferir que cada grupo possui as suas razões para a observância do
domingo ou para a observância do sábado como dia de guarda e descanso. Essa
discussão está no plano teológico, embora o tema tenha os seus desdobramentos
jurídicos. O Estado não deve interferir nessa questão, impedindo a liberdade de alguns.
O Estado, sendo laico, deve continuar permitindo a coexistência pacífica dos dois
grupos, consentindo que cada um observe, livremente, o seu dia de guarda, ou, adore a
Deus, segundo a sua consciência. Uma sociedade justa, fraterna e pluralista,
comprometida com o respeito à dignidade do homem, deve favorecer, através da
legislação civil, o direito de escolha, de forma que cada ser humano possa observar o
dia de descanso ou de guarda, segundo a sua consciência.

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Provas escolares, vestibulares e concursos públicos

Não são raras as ocasiões em que se alega motivo de crença religiosa como
impedimento para a realização de provas escolares, concursos públicos e vestibulares,
coincidentes com as horas sagradas do sábado bíblico.

Como deve, então, proceder o órgão público ou particular diante dessas escusas?
Propugna-se, aqui, por uma solução pacifica da controvérsia, com fulcro no preâmbulo
da Magna Carta de 1988, a fim de assegurar o direito individual (liberdade religiosa), a
segurança, o bem-estar e a justiça, por serem “valores supremos de uma sociedade
fraterna, justa e pluralista”.
Para o deslinde do problema, a dignidade da pessoa humana não deve ser
olvidada. Embora a liberdade religiosa não seja um direito absoluto, como qualquer
outro, há que se considerar, ainda, o princípio da máxima efetividade dos direitos
fundamentais e os demais princípios da administração pública.
O art. 5°, incisos VI e VIII, consagra a liberdade religiosa e deve ser aplicado no
caso concreto. Segundo esses dispositivos, respectivamente, “é inviolável a liberdade
de consciência e de crença,” e “ninguém será privado de direitos por motivo de crença
religiosa”.

A respeito do inciso VIII, pondera JOSÉ AFONSO DA SILVA:


“O corolário disso, sem necessidade de explicação, é que todos hão de ter igual
tratamento nas condições de igualdade de direitos e obrigações, sem que sua religião
possa ser levada em conta. E realmente, nesse particular, parece que o povo brasileiro
se revela profundamente democrático, respeitando a religião dos demais, e não parece
que o fator religião venha sendo base de discriminações privadas ou públicas.52

Como bem preleciona MIGUEL REALE:


“Nas relações dos homens surge, no entanto, uma outra lei da igualdade, que é aquela
que manda tratar desigualmente aos desiguais, na medida em que desigualem, dando-
se a cada um o que é seu, consoante ditame da justiça distributiva.”53

52
José Afonso Da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 13a ed., São Paulo: Malheiros, 1997,
p. 221
53
Miguel Reale, Filosofia do direito, 17 ed., São Paulo: Saraiva, 1996, p. 641. Já dizia Rui barbosa: "A
regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que
se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a
verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com

32
Essa regra deve ser observada, em relação aos observadores do sábado bíblico,
pois se trata de uma peculiaridade marcante de algumas minorias religiosas. Nesse
sentido, é perfeitamente razoável tratá-los desigualmente, o que consiste no cabal
cumprimento do princípio da isonomia.
Não obstante, marcar determinada prova - vestibular, ou concurso público - nas
horas do sábado é ato discricionário, não configurando, a princípio, nenhuma
ilegalidade da administração pública. Segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI
PIETRO “o poder da administração é discricionário, porque a adoção de uma ou
outra solução é feita segundo critério de oportunidade, conveniência, justiça, equidade,
próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador. Mesmo aí, entretanto, o
poder de ação administrativa, embora discricionário, não é totalmente livre, porque,
sob alguns aspectos, em especial a competência, a forma e a finalidade, a lei impõe
limitações.”54 A discricionariedade deve ficar sujeita a certos limites previstos por lei,
que, quando ultrapassados, passam a ser arbitrários e ilegais. Note-se que a lei maior
limita a discricionariedade da administração.

Há que se perguntar, a propósito, qual é a finalidade dos concursos públicos?


Uma das finalidades está contida no princípio do livre acesso. Segundo WILLIAM
DOUGLAS, “o princípio do livre acesso aos cargos públicos, que assegura que todos os
cidadãos têm o direito de participar do governo e exercer atividades e funções
públicas”55
Uma solução justa e favorável ao direito à liberdade religiosa tem, ainda, o
amparo dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Isto, porque a
discricionariedade possui um aspecto teleológigo. Assim, para ser razoável, “tem que
haver uma relação de pertinência entre a oportunidade e conveniência, de um lado, e a
finalidade, de outro”. Para DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, “a razoabilidade,
agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles
desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria dês igualdade flagrante, e não igualdade
real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dará
cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. Esta
blasfémia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria,
proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da
supremacia do trabalho, a organização da miséria, "{Obras Completas de Rui Barbosa, vol. 48, t. 2,
1921. p.)
54
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 12a ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 81, pp.
196-197
55
William Douglas, Como passar em provas e concursos, p. 421

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adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade
pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto,
exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua efetivamente para que ela
seja atingida”.56

Assim sendo, sustenta-se que o órgão público deva propiciar o livre acesso aos
cargos públicos para todos, incluindo aqueles que apresentam motivo religioso, com
base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. A recusa configuraria uma
arbitrariedade, uma vez que a discricionariedade da escolha de uma data propícia para o
certame depende, além da oportunidade e conveniência, da finalidade, sem esquecer,
também, a justiça e a equidade. Contra o ato denegatório e arbitrário, como abuso de
poder, cabe mandado de segurança.
Ainda segundo o princípio da razoabilidade, as escolas, públicas ou particulares,
devem propiciar uma alternativa para os alunos que não podem realizar provas no dia de
sábado, por motivo religioso. Tal proceder reveste-se de justiça e equidade, em respeito
à dignidade da pessoa humana, e cabal cumprimento dos direitos humanos consagrados
na Constituição e nos Tratados Internacionais.
É razoável admitir que o Estado deva, de alguma forma, disciplinar a questão do
repouso semanal remunerado; entretanto deve haver alguma alternativa para as minorias
que observam o sábado. A observância do sábado não restringe a liberdade de outrem e
também não atenta contra a ordem pública, por sua natureza pacífica.

5. Conflito entre o Direito Dositivo e o Direito Datural

De um lado está o poder estatal e, do outro a Lei de Deus. Haverá, assim, uma
ameaça à consciência, pois o poder estatal estará, p. ex., impondo a obediência a uma
norma que viola a Lei de Deus ou o direito natural.

56
Diogo De Figueiredo Moreira Neto, apud maria sylvia zanella Di pietro, Direito Administrativo, 12a
ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 81.

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Se, em determinado momento, surgisse unia lei estatal violadora da Lei de Deus
estaríamos diante de um conflito, que, fatalmente, levaria ao cerceamento da liberdade
religiosa, se não fosse declarada inconstitucional. Muitos poderiam ficar indecisos se se
obedecerá ao Estado ou a Deus. Trata-se de uma questão de consciência.
O Antigo Testamento relata uma história ocorrida na Babilônia, onde essa situação
ocorreu. O rei daquele poderoso império determinara que, ao som de um determinado
instrumento musical, todos deveriam adorar a estátua de ouro. Não obstante os três
hebreus que se encontravam cativos se recusaram a cumprir a determinação do rei e,
como castigo, foram levados à fornalha ardente. 57 Existiu, portanto, o conflito entre a
ordem do rei e o primeiro e o segundo mandamento da Lei de Deus, que vedam a
adoração de imagens e ídolos.58 Os personagens bíblicos recusaram obediência ao rei e
se submeteram, passivamente, ao seu castigo.59 Em seguida, eles foram recompensados
de forma miraculosa. No caso da Lei divina, pode-se afirmar como Lock que não existe
na terra uma instância superior que possa julgar as infrações em face da lei de Deus. Daí
a obrigatoriedade de se obedecer a lei estatal violadora do direito natural.60
57
Capítulo 3 do livro de Daniel.
58
Não farás para ti Imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na
terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o
Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta
geração daqueles que me odeiam. (Êxodo 20. 4 e 5)
59
Responderam Sadraque, Mesaque e Abednego, e disseram ao rei: Ó
Nabucodonosor, não necessitamos de te responder sobre este negócio. Eis que o
nosso Deus a quem nós servimos pode nos livrar da fornalha de fogo ardente; e ele
nos livrará da tua mão, é rei. Mas se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a
teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste. Então
Nabucodonosor se encheu de raiva, e se lhe mudou o aspecto do semblante contra
Sadraque, Mesaque e Abednego; e deu ordem para que a fornalha se aquecesse sete
vezes mais do que se costumava aquecer; e ordenou a uns homens valentes do seu
exército, que atassem a Sadraque, Mesaque e Abednego, e os lançassem na fornalha
de fogo ardente. Então estes homens foram atados, vestidos de seus mantos, suas
túnicas, seus turbantes e demais roupas, e foram lançados na fornalha de fogo
ardente. Ora, tão urgente era a ordem do rei e a fornalha estava tão quente, que a
chama do fogo matou os homens que carregaram a Sadraque, Mesaque e Abednego.
E estes três, Sadraque, Mesaque e Abednego, caíram atados dentro da fornalha de
fogo ardente. Então o rei Nabucodonosor se espantou, e se levantou depressa; falou,
e disse aos seus conselheiros: Não lançamos nós dentro do fogo três homens atados?
Responderam ao rei: É verdade, ó rei. Disse ele; Eu, porém, vejo quatro homens
soltos, que andam passeando dentro do fogo, e nenhum dano sofrem; e o aspecto do
quarto é semelhante a um filho dos deuses, (Daniel 3.16 a 25)
60
Noberto Bobbio, Locke e o Direito Natural, Brasilia: UnB, 1997, p. 102

35
Introdução

O tema Liberdade Religiosa não se esgota na fé ou na crença e tem completo


respaldo nas ciências jurídicas. A religião acompanha o ser humano desde os seus
primórdios, servindo como uma ponte de compreensão para diversos fatos muitas vezes
incompreensíveis. Estabelecer esta relação jurídica de defesa constitucional, de análise
do Estado frente a realidade sociais tão abstrata tal como sua importância é o objetivo
geral desta trabalho.

Garantia constitucional, Direito e Religião se parecem por expressarem


mecanismos de controle social, que impõem condutas e valores e que têm como
finalidade o bem comum. Neste sentido, o direito parte de pressupostos concretos e
fornece segurança e proteção ao indivíduo nas suas relações entre os semelhantes e o
Estado.

Para se analisar esta relação jurídica é importante que não se veja as religiões
como realidades meramente especulativas como apenas um recinto íntimo da consciência, mas
vê-la como também preceitos a cumprir, práticas externas a observar. Aqui paralelamente, nasce
aos poucos o principio analogicamente competente que irá sustentar esta garantia constitucional:
a igualdade. Numa sociedade aberta e pluralista, o princípio da igualdade não está ao
serviço de um projecto de uniformização e igualitarização dos indivíduos e dos grupos,
pretendendo, ao invés, proteger a sua diversidade. Uns e outros sabem que podem
prosseguir livremente as suas distintas visões do mundo e da vida (do bem e da verdade)
com a certeza de que não serão, por esse fato, objeto de um tratamento jurídico
diferenciado, nem afetados no seu sentimento de igual dignidade como membros de
pleno direito da comunidade política.

36
Uma vez cientes da extensão do tema, pode-se passar a conjulgar esta realidade
da sociedade (diversidade – religião e crenças) na inserção com a Constituição. O valor
da dignidade humana impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento
jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e
compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os
direitos e garantias fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que
incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico
ao sistema jurídico brasileiro. Os direitos e garantias passam a ser dotados de uma
especial força expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servindo
como critério imperativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional.

E em um Estado Democrático de Direito, estando sob o império da lei, a


liberdade e dignidade surgem como pressupostos desta democracia.

No presente trabalho, será abordado a autonomia do ente estatal frente a


consciencia humana, onde contemplar-se-á possíveis situações em que as liberdades de
consciência e de crença poderiam ser violadas pelo poder Estatal ou por particulares
através do condicionamento da consciência, pelo cerceamento de um direito de segunda
geração, ou, mais especificamente, de algum bem da vida, como por exemplo, um
emprego público, a educação, a saúde ou até mesmo a própria vida.

Qual o papel do Estado frente a religião? Qual a finalidade da garantia


constitucional expressa nos incisos do art. 5º?
Em contra partida, se erigissem a liberdade religiosa em direito ilimitado, quais
seriam as consequencias para a sociedade?

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