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SAGARANA (1946)

Guimarães Rosa

1. João Guimarães Rosa


Nasceu em Cordisburgo (1908) e morreu no Rio de Janeiro. Após passar a
infância no norte de Minas Gerais, seu estado, vai para Belo Horizonte, onde
cursa o 2o grau e a faculdade de Medicina. Exerce a profissão pelo interior
mineiro, manifestando interesse pela vida, cultura e linguagem dos sertanejos.
Foi um estudioso de línguas, tendo ainda feito carreira diplomática, servindo
na Alemanha, França e Colômbia. Começou a escrever partindo da observação
do social e do psicológico. Seus textos são regionalistas (sertão mineiro) de
linguagem e enfoque humano renovado. No dia 16 de novembro de 1967 toma
posse como membro da Academia Brasileira de Letras e falece três dias
depois.
Rosa era um religioso, que carregava um rosário no bolso, obediente aos
preceitos e convenções do catolicismo, e ao mesmo tempo extremamente
supersticioso. Nunca teve choques com o poder (no Brasil, entenda-se,
devendo ser registrada a sua atuação no salvamento de judeus na Alemanha
nazista, atestando sua coerência no humanismo); ele transitou por governos e
regimes, trabalhando no Itamarati desde 1934, ou seja, desde a ascensão do
getulismo até o regime militar, passando pelo interregno democrático de 1945-
64. Não estava na política por acreditar que escrevia para outro tempo.
Guimarães Rosa é, acima de tudo, um inovador. Sua obra, seu estilo, suas
personagens, o psicologismo diferem de tudo o que foi criado antes em Língua
Portuguesa. Diferencia-se dos outros regionalistas especialmente porque,
embora sua ficção se prenda a uma região do Brasil (sertão de Minas Gerais),
consegue suplantar o meramente regional e atingir o universal, através da
aguda percepção dos problemas vitais que existem no interior do homem de
qualquer região. Dessa maneira, os elementos pitorescos e tipicamente
regionais que aparecem em sua obra são importantes entre si mesmo, mas
servem para estruturar e revelar ao leitor todas as inquietudes e dilemas do
homem. Assim, sua obra apresenta uma temática que envolve indagações
sobre o destino, Deus e o diabo, o bem e o mal, a morte e o amor.
Quanto a essa relação Bem/Mal, Guimarães Rosa acreditou o tempo todo
na supremacia do bem sobre o mal. Em sua obra, essa atitude chega quase a
configurar uma tese, aliás, coerente com o proverbial otimismo do autor,
impresso, inclusive, no Realismo fantástico, que, generosamente, distribui por
toda sua obra.
Distingue-se também dos outros regionalistas devido às suas criações
lingüísticas, que transformaram-no num profundo inovador da linguagem
literária brasileira. Além de explorar os diversos valores do signo lingüístico
(sonoro, nacional, visual), cria palavras, utiliza arcaísmos, e aproveita-se de
outras línguas modernas além de recorrer ao grego e latim.
Desse verdadeiro laboratório lingüístico Guimarães Rosa cria uma
poderosa linguagem literária, apta para expressar uma profunda visão de
mundo que sua obra transmite. Muitas vezes o leitor sente que o texto não é
mais a fala da personagem e talvez nunca tenha sido, mas sim, seu
pensamento articulado em palavras na tentativa do autor em torná-lo
inteligível para o leitor.
Guimarães Rosa recusava-se a dar entrevistas e era extremamente
reservado, pois não queria ser uma personagem mundana deste mundo.
Emocionava-se com a aceitação de sua obra, assim como se emocionou até a
morte, no episódio da sua posse na Academia e falecimento a 19 de novembro
de 1967.
2. Sagarana

Sobre a obra, escreve Guimarães Rosa em carta ao amigo João Conde:

“O livro foi escrito – quase todo na cama, a lápis, em cadernos de 100


folhas – em sete meses, sete meses de exaltação, de deslumbramento. (Depois,
repousou durante sete anos; e, em 1945 foi ‘retrabalhado’, em cinco meses,
cinco meses de reflexão e de lucidez)”.

As histórias de “Sezão” ou “Contos por Viator” (a primeira versão de


Sagarana) eram doze: O Burrinho Pedrês, sugerida por um acontecimento
real; A Volta do Marido Pródigo, a única que foi pensada velozmente; Duelo,
história meditada e vivida; Sarapalha, a que Guimarães menos gosta;
Questões de Família, considerada uma história fraca, sincera demais, foi
destruída definitivamente; Uma história de amor, também expelida do livro;
Minha Gente, por causa de uma gripe de Guimarães, talvez, foi escrita
molemente; Conversa de Bois, Guimarães foi dormir com uma história na
cabeça, acordou e escreveu outra, esquecendo a anterior; Bicho mau, seu
sentido era outro e ficou guardada para outro livro de novelas; Corpo
Fechado, a predileta de Guimarães, Manuel Fulô foi o personagem que
conviveu mais “humanamente” com ele; São Marcos, a mais trabalhada do
livro; A hora e vez de Augusto Matraga, síntese e chave de todas as outras, o
seu estilo era o que Guimarães procurava descobrir.
Os nove contos de Sagarana recebem uma cantiga introdutória. Após cada
um dos títulos há uma cantiga popular, um diálogo, um coro ou uma simples
passagem. E já o livro principia por uma epígrafe, extraída de uma quadra de
desafio, que sintetiza os elementos centrais da obra: Minas Gerais, sertão,
bois, vaqueiros e jagunços, o bem e o mal:
“Lá em cima
daquela serra,
passa boi, passa
boiada,
passa gente ruim
e boa,
passa a minha
namorada.”

O título do livro – SAGARANA – remete-nos a um dos processos de


invenção de palavras mais característico de Rosa: o hibridismo. “Saga” é
radical de origem germânica e significa “canto heróico”, “lenda”; “rana” vem
da língua indígena e quer dizer “à maneira de”, “espécie de”. Assim
“Sagarana” significa à maneira das fábulas, espécie de uma saga. As epígrafes
que encabeçam cada conto condensam sugestivamente a narrativa e são
tomadas da tradição mineira, dos provérbios e cantigas do sertão.

3 . Te m p o e E s p a ç o

O tempo de Sagarana é anterior à civilização. Não é o tempo histórico, é o


tempo mítico, que antecede a história. Tempo de fantasia, lendas e muita
realidade, um tempo primitivo, ancestral de viagens, travessias, caminhos
paralelos, encontros e desencontros.
Todas as narrativas se passam no sertão de Minas Gerais, em seus
povoados distantes, estradas longínquas, arraiais ignorados, fazendas e
vilarejos.

4. Narrador

Nos contos O Burrinho Pedrês, A volta do marido pródigo, Sarapalha,


Duelo, Conversa de bois e A hora e vez de Augusto Matraga o narrador é
onisciente, em 3a pessoa.
Em São Marcos, Minha Gente e Corpo Fechado aparece o narrador em 1a
pessoa.
O narrador dos contos de Sagarana muitas vezes caracteriza como
folclóricas as histórias que conta, inserindo nelas quadrinhas populares e
dando-lhes um tom épico e ou histórias de fadas. Ex: Era uma vez (O
Burrinho Pedrês). Neste conto, assim como em Conversa de Bois e em A
volta do marido pródigo, os animais se transformam em heróis, questionando
o saber dos homens com o seu suposto não saber.
A onisciência do narrador dos contos em 3a pessoa é propositalmente
relativizada, dando voz própria e encantamento às narrativas e acentuando sua
dimensão mítica e política e alternância de focos narrativos no diálogo de
instrumentos, ex: uma clarineta insinuante, fanhosa e meio fraca (associada ao
personagem Turíbio) e uma tuba solene, penetrante (associada ao personagem
Cassiano, em Duelo). Em Sarapalha, o contraponto de tempos verbais,
passado e presente. O passado relacionado à impotência e à saudade da esposa
de um dos protagonistas, o presente relacionado ao momento da doença vivido
pelos dois primos, o que contribui para reforçar a atmosfera de dor e
isolamento em que se encontram os personagens.
Nos contos em 1a pessoa evidencia-se o universo primitivo e fantástico de
Guimarães Rosa. Em Minha Gente, um dos contos mais bem tramados do
livro, a história principal é emendada, alterada, recontada por pequenos
detalhes e elementos dados pouco a pouco ao leitor. O foco narrativo ilumina
os passos do protagonista, mas também revela certas sutilezas que servem para
esclarecer o sentido mais profundo da história.

5. Resumo da Obra

5.a. O Burrinho Pedrês

Sete-de-Ouros, o burrinho pedrês, morava na Fazenda da Tampa. Seu


proprietário era Major Saulo. Naquela manhã, Sete-de-Ouros saiu do pasto
para fugir da briga entre os outros animais. Major Saulo o viu e mandou
Francolim, empregado da fazenda, arreá-lo. Iriam longe atrás de uma boiada
que varara a cerca durante a noite.
Entre os vaqueiros estava Silvino, que gostava da namorada do Badu.
Francolim estava certo de que haveria morte. A viagem foi boa, apartaram as
470 cabeças e estavam voltando quando caiu o temporal. Preocuparam-se,
então com a travessia do rio: a correnteza devia estar brava.
Badu desceu de seu cavalo para ajustar a cilha e Silvino aproveitou para
atiçar um zebu contra ele. Mas Badu era um bom vaqueiro e tudo acabou bem.
Chegando à cidade, o Major resolveu ficar por lá. Os vaqueiros
embarcaram os bois nos trens e foram comer e beber. Quando voltaram
pegaram seus cavalos e partiram. Badu, bêbado, ficou por último, e teve de
montar Sete-de-Ouros.
O rio estava totalmente inundado. Estava escuro e os vaqueiros resolveram
seguir Sete-de-Ouros. Se ele passasse os cavalos iriam atrás. Dois vaqueiros,
João Manico e Juca, resolveram ficar e esperar o dia clarear.
“Noite feia! Até hoje ainda é falada a grande enchente da Fome, com oito
vaqueiros mortos, indo córrego abaixo, de costas”. O único que chegou na
fazenda aquela noite foi Sete-de-Ouros, com Badu que dormia em seu lombo.
Esperou o cavaleiro acordar, apear e farejou o cocho. Comeu e se acomodou
para dormir.

5.b. A volta do Marido Pródigo

Eulálio de Souza Salãthiel trabalhava para Seu Marra, mas sempre chegava
atrasado e vivia enrolando pra não fazer o serviço. Um dia, na hora da bóia,
discursou mais que o habitual sobre as maravilhas do Rio de Janeiro. Todos
sabiam que era muito esperto, mas como não percebia que o Ramiro espanhol
estava dando em cima de sua mulher?
Pela manhã Lalino foi atrás de algum dinheiro, deu um abraço apertado
em Maria Rita e partiu para o Rio de Janeiro. “Um mês depois, Maria Rita
ainda vivia chorando, em casa. Três meses passados, Maria Rita estava
morando com o espanhol”.
Depois de seis meses, o dinheiro de Lalino acabou e a saudade bateu.
Resolveu voltar à sua terra. Maria Rita não quis nem vê-lo. Ramiro não quis
receber o dinheiro que havia lhe emprestado para a viagem. Lalino, então,
encontrou seu Oscar, filho do Major Anacleto, chefe político do distrito, que
lhe arrumou emprego como cabo eleitoral. Passou a trabalhar, mas não deixou
de aprontar das suas.
Certo dia teve uma recaída e pediu para seu Oscar procurar por Ritinha.
Mas, lá chegando, seu Oscar intercedeu foi por ele mesmo. Ritinha ficou
furiosa e acabou revelando que gostava mesmo do Laio. Porém seu Oscar
disse a Lalino que ela gostava mesmo era do espanhol e que era pra ele
procurar outra.
Uma noite, Ritinha procurou Major Anacleto para lhe pedir ajuda.
Ramiro deu pra ter ciúmes, judiar dela e ameaçá-la. O Major, que estava muito
contente com os serviços de Lalino, auxiliou na reconciliação dos dois e
expulsou os espanhóis daquela terra.

5.c. Sarapalha

O mosquito da malária chegou na Tapera de Arraial e espantou os


moradores. Muitos partiram abandonando tudo o que tinham, outros foram
para o cemitério. Só ficaram ali, perto do vau de Sarapalha, Primo Ribeiro,
Primo Argemiro e a negra que cozinhava e cuidava da casa. Viviam sempre na
mesma monotonia: pela manhã se aqueciam ao sol, observavam o cachorro
magro, discutiam sobre quem morreria primeiro, um ou o outro tinha um
acesso; e à noite ficam escutando o mosquito, dificilmente dormiam.
Naquele dia, Primo Ribeiro conseguiu dormir e sonhou com “ela”, sua
mulher, Luísa. Veio um boiadeiro, se hospedou três dias na fazenda e ela fugiu
com ele. Desde então Primo Ribeiro jamais falara seu nome. Primo Argemiro
se perturbou. Primo Ribeiro teve um acesso e ele começou a pensar. Tinha a
consciência pesada há anos. Fora morar na fazenda por causa dela, nunca lhe
faltara com o respeito, mas precisava contar ao Primo Ribeiro. Esperou o
primo melhorar do acesso e desabafou. Porém Primo Ribeiro não entendeu,
não quis saber de explicação, expulsou Primo Argemiro da fazenda.
O cachorro não sabia a quem seguir. Não lembrava mais quem era seu
dono. Resolveu ficar. Primo Argemiro partiu sem olhar para atrás, teve um
acesso no meio do mato e ali faleceu.

5.d. Duelo

Turíbio Todo saiu cedo para pescar avisou que só voltaria no dia seguinte.
Mas, como o dia não estava bom para a pesca, resolveu voltar mais cedo e
encontrou a mulher em pleno adultério. Porém não fez nada, porque o outro
era Cassiano Gomes, ex-anspeçada do Batalhão de Infantaria. Turíbio se
afastou e fez seus planos de vingança.
Voltando para casa foi gentil com dona Silivana, pegou seu cavalo, foi até a
casa de Cassiano e atirou no homem, que estava de costas na janela. Mas
Turíbio se enganou e matou o irmão de Cassiano, Levindo Gomes. Então,
refugiou-se no sertão e Cassiano o perseguiu para vingar a morte do irmão.
Foram meses de perseguição e desencontros. Cassiano Gomes sentiu que o
mal do coração começava a atacar e voltou. Reviu dona Silivana e sua casa.
Depois foi ao boticário e soube que viveria mais ou menos um ano. Então se
despediu e partiu novamente atrás de Turíbio. Mas foi piorando e precisou
parar num vilarejo, onde deu dinheiro a um capiau, Timpim, ou Vinte-e-Um,
lhe ajudando a salvar o filho da morte. Cassiano Gomes faleceu ali.
Turíbio soube do acontecido e decidiu voltar para casa. Seguiu boa parte do
caminho com um capiau. Era Vinte-e-Um que, que o identificou e matou,
cumprindo a vingança que prometera a Cassiano.

5.e. Minha Gente


O protagonista-narrador conta liricamente sua viagem e estada no Saco-do-
Sumidouro, fazenda do tio Emílio, onde revê sua prima Irma. Renasce a antiga
paixão pela prima, mas esta não lhe corresponde.
Bento Porfírio, empregado da fazenda, deixa de conhecer sua pretendente,
a de-Lourdes, para ir pescar. Ela casa-se com Alexandre, de alcunha Xandrão
Cabaça. Porfírio, ressentido com a perda da moça, desposa Bilica. Os dois
continuam cometendo adultério.
Numa pescaria, Bento Porfírio fala ao narrador da traição que estava
cometendo e não percebe que o marido da amante se aproxima. Ele assassina
Bento Porfírio com uma foice.
Maria Irma recebe a visita de Ramiro e seu primo, com ciúmes, finge
namorar uma moça da fazenda vizinha, mas o plano falha. Para tentar
esquecer a prima, o narrador visita o Tio Ludovico, na fazenda vizinha. Tio
Emílio vence as eleições e ele volta. Então, Maria Irma lhe apresenta
Armanda, por quem se apaixona e com quem se casa. A prima, por sua vez, se
casa com Ramiro Gouveia.

5. f. São Marcos

Calango-frito é um povoado onde se faz muita bruxaria. Mas o narrador,


Jozé, ou Izé, embora supersticioso, não acredita em feitiçaria. Em suas visitas
domingueiras ao mato das Três Águas sempre passa na cafua de João Mangalô
zombar de seus trabalhos.
Um dia, passeando para observar a natureza, Izé encontra Aurísio
Manquitola, que, sabendo que o outro conhecia a oração mágica de São
Marcos conta-lhe histórias sobre seus terríveis efeitos e poderes. Após uma
longa conversa, o narrador entra no meio do mato e se põe a contemplar.
Começa a recordar alguns versos de desafio poético: “Quem-Será” - escritos
em gomos de bambus. Envolve-se com a poesia do anônimo adversário, mas
deixa para a volta a surpresa dos últimos versos. Só que, de repente fica cego e
se desespera. Aos poucos vai se orientando pelos ruídos do mato, pelas
vibrações dos ventos e animais.
Irrita-se com a demora da luz e profere de raiva a oração de São Marcos.
Passa a andar obstinado numa única direção. Izé chega na casa do feiticeiro
Mangalô e, ao esganá-lo furiosamente, volta a enxergar.
O negro velho, por brincadeira vingativa, tinha amarrado uma tira nos
olhos de um boneco de bruxaria do narrador que vivia a lhe zombar.

5.g. Corpo Fechado

O Doutor, um médico da cidade que está morando no arraial da Laginha,


narra casos de valentões que escutara de Manuel Fulô, dono de uma mulinha,
a Beija-Flor, na qual se exibia orgulhoso.
Manuel Fulô aprendera a enganar os ciganos, roubando os cavalos e
melhorando-lhes a aparência para depois trocar ou vender. Um dia decidiu se
casar com Maria-das-Dores e Targino, um dos últimos valentões da cidade, o
afronta: comunica-lhe que a primeira noite de Das Dores seria com ele, depois
ela poderia ficar com o noivo.
Para enfrentar o valentão, Fulô aceitou a ajuda do detestado Antônio das
Pedras, pedreiro, feiticeiro e curandeiro. Manuel entregou sua mulinha ao
feiticeiro em troca dele “fechar seu corpo” para a briga com Targino.
Enfrentou o valentão, que errou os cinco tiros e morreu esfaqueado por
Manuel Fulô, o qual ganhou a fama de novo valentão de Laginha.
5.h. Conversa de Bois

O carreiro Agenor Soronho e o guia Tiãozinho conduzem um carro-de-bois


que leva uma carga de rapadura e um defunto, o pai de Tiãozinho.
Na viagem, os oito bois conversam sobre “as coisas dos homens”. E
Brilhante conta a história do boi Rodapião, que vivera muito tempo com os
homens, pensava e agia como eles e proclamava a necessidade da união e de
pensar antes de fazer qualquer coisa. Rodapião é uma espécie de mito entre os
bois. Ele teve uma morte trágica, despencou de uma ladeira.
Agenor é amante da mãe de Tiãozinho e o maltrata incansavelmente,
ameaçando-o e humilhando-o. Os bois interferem. Unem-se ao menino e,
aproveitando que Agenor dorme perto da roda do carro, dão um forte
solavanco e matam o carreiro, cuja cabeça é quase cortada.
A viagem segue com os dois defuntos, numa toada triunfal.

5.i. A hora e vez de Augusto Matraga

Augusto Matraga não respeitava a família nem as pessoas. Sua violência e


seu egoísmo afastaram Dionóra, sua esposa, e Mimita, sua filha, que apenas
conviviam com ele, tentando suportá-lo.
Matraga sofreu uma emboscada na fazenda do coronel e foi furado com
uma faca, espancado e marcado com ferro. Mas, no golpe final, Matraga
jogou-se do barranco. Foi dado como morto. A filha e a mulher passaram a
viver com Ovídio Moura.
Porém, Matraga foi socorrido por um casal de negro da Boca do Brejo.
Depois de passar dias delirando, o casal, por um milagre, conseguiu salvá-lo.
Augusto Matraga, ou Nhô Augusto Esteves, passou a buscar o sofrimento
como purificação e decidiu voltar ao saber que a filha tinha se prostituído e a
mulher vivia bem com Ovídio.
No caminho encontrou um bando chefiado por Joãozinho Bem-Bem, que
reacendeu os velhos ímpetos em Matraga, que hospedou o bando. Fizeram um
banquete, beberam e Matraga voltou a atirar. Na partida Joãozinho Bem-Bem
o convidou a se unir ao grupo, mas ele recusou.
Augusto Matraga saiu pela estrada sem rumo e chegou a Murici, onde
reencontrou Joãozinho Bem-Bem. Eles se desentenderam e ambos morreram.
Mas Nhô Augusto, tendo a sensação de dever cumprido, porque se arrependeu
de seus pecados e morreu como cristão.

6. Personagens

Entre bois falantes, animais de criação, cavalos e éguas situam-se as


personagens. Guimarães Rosa tinha predileção por apelidos insólitos ou
distorções de nomes próprios: Manuel Fulô, Timpim, Turíbio Todo, Tião da
Thereza, Joãozinho Bem-Bem, Lalino Salãthiel, Badu, Valo Venâncio e tantos
outros.
Esse exagero em relação às nomeações é um recurso literário para destacar
as características específicas, a personalidade própria de cada um e, também, o
próprio hábito de apelidar, nessas sociedades.
O personagem principal do conto O Burrinho Pedrês é Sete-de-Ouros, um
burro velho “miúdo e resignado” (como Guimarães Rosa descreve-o em
Sagarana). Sete-de-Ouros é apresentado como um animal cansado; cansado do
trabalho, dos conflitos entre outros animais, cansado da vida. Mas isso não lhe
faz perder a coragem que sempre teve.
Em A Volta do Marido Pródigo há o senhor Eulálio de Souza Salãthiel,
chamado de Lalino Salãthiel ou, simplesmente, Laio. Sujeito esperto,
enrolador, sem vontade para o trabalho. Vestia-se bem, tinha até um distintivo
no peito (“não se sabe bem de que”). Mulatinho levado que só queria
aproveitar a vida e se dar bem às custas dos outros.
Sarapalha é o lugar onde vive Primo Ribeiro e Primo Argemiro: dois
velhos pacatos, doentes de malária que não possuem mais nenhum sonho ou
preocupação. Só estão ali à espera da morte.
Em Duelo aparece Turíbio Todo, um seleiro, segundo Guimarães –
“palavra por palavra: papudo, vagabundo, vingativo e mau”.
O narrador de Minha Gente não revela seu nome, mas se mostra um moço
estudado, educado e romântico. Ele conta sua história sentimental e
ironicamente até chegar ao final feliz (é claro, para os da casa grande).
Em São Marcos o narrador é José ou Izé. Homem supersticioso, mas que
não acredita em feitiçaria. Curioso e zombador. Quando pensa estar cego faz
muito bom uso dos outros sentidos além da visão.
Manuel Fulô, de Corpo Fechado é um comerciante de cavalos que
aprendeu a trapacear. Contador de histórias, torna-se o valentão do lugar ao
vencer o bandido Targino num duelo.
Em Conversa de Bois aparece Agenor Soronho, dono do carro-de-bois, que
maltrata o guia dos bois Tiãozinho, menino sofredor, mas muito trabalhador.
Mas o destaque fica aos bois Brilhante (que dialoga com os companheiros que
ajudam a puxar o carro-de-bois: Buscapé, Namorado, Capitão, Brabagato,
Dansador, Realejo e Canindé) e Rodapião (que sabia das coisas dos homens e
conversava com eles), uma espécie de “boi herói”, um mito.
Matraga de A Hora e Vez de Augusto Matraga se chama Augusto Esteves;
passa de bandoleiro perverso, beberrão, violento e encrenqueiro a homem
trabalhador, religioso, solidário e justiceiro ao escapar da morte.

7. Linguagem

Guimarães Rosa possui uma linguagem diferenciada. Soube abolir as


barreiras entre narrativa e lirismo, revitalizando recursos da expressão poética:
células rítmicas, aliterações, onomatopéias, rimas internas, ousadias mórficas,
elipses, cortes e deslocamentos sintáticos, vocabulário insólito, arcaico ou de
todo neológico, associações raras, metáforas, anáforas, metonímias, fusão de
estilos, jogos de palavra, trocadilhos.
A linguagem Roseana é comparada ao estilo barroco. Guimarães faz um
trabalho sonoro e poético com a prosa e mergulha na musicalidade da fala
sertaneja, dando às suas frases o ritmo do sertão (como a marcha das boiadas).
Utiliza desde expressões usadas pelos jagunços a frases de pára choque de
caminhão. Procurou, em Sagarana, fixar a fala sertaneja na melopéia de um
fraseio no qual soam cadências populares e medievais.
Rosa foi um pesquisador incansável dos hábitos e da fala dos sertanejos de
Minas Gerais, assim como do português antigo e de várias outras línguas. Era
capaz de ler em vinte idiomas. Nas diversas incursões que fez pelo sertão
mineiro, anotou de tudo em suas cadernetas. Não deixava escapar nenhum
detalhe. Usando todo esse conhecimento criou várias invenções lingüísticas e
tinha explicações para sua mania de “palavrizar” (termo criado por ele): Tinha
absoluto horror ao lugar-comum. Acreditava que a linguagem cotidiana estava
totalmente desgastada pelo uso. Dizia que “cada autor deve criar seu próprio
léxico, do contrário não pode cumprir sua missão”.
Palavras como “alimpar” ou “percurar”, utilizadas pelas regiões
pesquisadas pelo autor, “Convinhável” e “humildoso”, arcaísmos, aparecem
na obra de Guimarães Rosa. Em alguns casos ele acrescentou um prefixo a
palavras já existentes: “arreleque” (asas abertas em forma de leque), ou
“circuntristeza” (tristeza circundante). Em outros casos, adicionou um sufixo:
“suspirância” (suspiros repetidos) e “coraçãomente” (cordialmente). Rosa
também fundia palavras: “velhouco” (junção de velho e louco) e “descreviver”
(fusão de descrever e viver). Preocupava-se também em fazer o som
acompanhar o significado da palavra, como em “fluiflim” (junção de fluir e
fino, significa pequenino, gracioso).
Guimarães ousou ao criar “êssezinho”, “êssezim”, “salsim”, “satanazim”,
“semblar”, “agarrante”, “levantante”, “maravilhal”, “gaviãoão”, “ossoso”,
“vivoso”, “brisbrisa”, “cavalanços”, “retrovão”, “remedir”, “deslei”,
“desfalar”, “de pouquinho em pouquim”, “o ferrabrir dos olhos”.

Outras invenções de Guimarães Rosa:

Taurophtongo – quer dizer mugido, voz de touro. Originou-se dos


termos gregos “táuros” (touro) e “phtonggos” (som da fala).
Enxadachim – trabalhador do campo que luta para sobreviver. Palavra
formada por enxada e espadachim.
Mimbauamanhanaçara – vaqueiro, “o que vigia o gado”. O autor
fundiu os termos tupis “mimbaua” (criação, animal doméstico) e
“manhana” (vigia) e adicionou o sufixo “çara” (que faz).
Imitaricar – arremedar, fazer trejeitos imitativos. Junção do verbo
imitar com o sufixo diminutivo “icar”, que indica repetição de pequenos
atos.
Embriagatinhar – indica qualquer pessoa que esteja engatinhando de
tão bêbado. Embriagado com o verbo gatinhar, neologismo de conotação
humorística.
Velvo – adaptação do inglês velvet, que quer dizer veludo. No contexto
empregado pelo autor, corresponde a “planta de folhar aveludadas”.
Ensimesmudo – sujeito fechado, taciturno. Fusão de ensimesmado e
mudo.

Guimarães Rosa sabia que, na maioria das vezes, o leitor da sua obra não
teria a menor idéia do significado exato de certas invenções lingüísticas. Mas
também acreditava que o contexto deveria bastar para a decifração das
palavras que criava.

8. Análise da Obra

Sagarana foi publicado em 1946, uma estréia tardia de João Guimarães


Rosa, nascido em 1908, então já com 38 anos. No entanto, também é obra de
juventude, pois sua primeira versão, como foi dito, é de 1937, demandado sete
meses de trabalho. O período de oito anos mediando entre o primeiro e o
segundo Sagarana é da maior importância na vida de Guimarães Rosa,
correspondendo a suas viagens e residência no exterior (como cônsul-adjunto
do Brasil em Hamburgo) e, certamente, de ampliação de conhecimento, de
aprofundamento de um aspecto mais universal de sua formação cultural e de
refinamento de sua visão regional, a partir deste distanciamento.
Rosa, embora tenha se designado como “contador de estórias”, é tudo,
menos linear: insere histórias dentro de outras histórias, volta atrás no tempo.
Traz para o texto a riqueza de uma linguagem popular, de expressões
regionais. A leitura de Sagarana mostra que Guimarães Rosa não foi apenas
um pesquisador, reproduzindo no texto o que havia colhido em suas pesquisas,
mas sim um inventor, um verdadeiro criador de linguagem, com novas
palavras e originais articulações sintáticas.
A sociedade dos sertões das Gerais – da região oeste e noroeste de Minas –
baseada numa economia agrária primitiva é, por vezes, idealizada e até
justificada por Rosa. Em “O Burrinho Pedrês”, há o major Saulo, um dono de
terras, líder cordial e risonho, sensível, capaz de conduzir seus boiadeiros e
sua boiada vencendo a ameaça da enchente e o conflito entre os homens. “A
volta do marido pródigo” e “Minha Gente” mostram como disputas eleitorais
são aspectos de uma ordem natural, que contribuem para harmonizar os
conflitos expostos nessas narrativas. Condições de miséria extrema também
são relatadas em “Sarapalha”. Em “A hora e vez de Augusto Matraga”,
aparece a crueldade de jagunços e coronéis, o conflito entre bem e mal. Tanto
que Matraga passa do mal para o bem, pelo caminho da religião, da
penitência, da iluminação.
Na ocasião de mais uma reedição de Sagarana, em 1987, a obra traz uma
crítica, não à sociedade na qual se desenvolvem as histórias nela relatadas, e
que foi ultrapassada pela modernidade, mas sim à própria modernidade.
Já no primeiro relato da obra, consagra-se “O Burrinho Pedrês”. Ele tem
uma origem, tem um nome, tem qualidades que o diferenciam dos demais, tem
uma identidade. Os cavalos e éguas do picaresco protagonista de “Corpo
Fechado” também têm nomes: Beija-Flor, Ventarola, Furta-Moça, assim como
os bois falantes do trágico “Conversa de bois”: Brabagato, Buscapé,
Namorado, Capitão, Dansador, Brilhante, Realejo, Canindé. Todos têm nomes
por diferirem uns dos outros. A diferença lhes confere identidade. Hoje seria
difícil encontrar uma boiada tão diversificada como as do “Burrinho Pedrês”,
ou um galinheiro povoado por tantas variedades como os de “Minha Gente”.
É claro que não apenas os animais de criação possuem identidades próprias
na obra Roseana. Sua predileção por apelidos insólitos ou distorções de nomes
próprios são um recurso literário para, através do exagero, destacar as
características específicas, a personalidade própria de cada um; assim como o
próprio hábito de apelidar nessas sociedades. Para Guimarães Rosa escrever
era, antes de tudo, nomear. Literalmente, dar nome aos bois, e ao restante.
Em “São Marcos”, é importante ressaltar a relação do homem primitivo
com seu mundo, sensível e significativo, por isso possível de ser descrito e
subjugado pela linguagem mágica. Momentaneamente cego, o protagonista
faz uso fantástico dos outros sentidos, interagindo com o mundo que o cerca.
O mundo revelado pela obra de Guimarães Rosa é tão singular na sua
pluralidade que é finito, tem limites e fronteiras. Isso é demarcado em
“Duelo”, quando Turíbio Todo é obrigado a parar em sua fuga, pois chegara
até a “boca do sertão”, até onde era possível avançar. Recuando diante do
sertão, segue a rota contrária e chega a São Paulo, à sociedade industrial.
Hoje, essas fronteiras desapareceram: cidade e campo são trechos de um
mesmo contínuo. Desapareceram as fronteiras culturais, todos participam da
mesma falsa unidade. Nossa sociedade poderia ser representada pela granja ou
pela boiada da fazenda capitalista: todos são iguais, não por terem ganho mais
direitos, mas por terem perdido algo de sua singularidade, de sua diferença.

9. Bibliografia
GUIMARÃES ROSA, João – Sagarana, Editora Nova Fronteira S.A.,
São Paulo – SP, 1991.

WILLER, Cláudio – Guimarães Rosa e “Sagarana”, in Sagarana –


João Guimarães Rosa, Ed. Nova Fronteira S.A., São Paulo-SP, 1991, p. 321
– 330.

MOURA, Flávio – Nonada e outras invenções, in Veja – 6 de junho de


2001, p. 162 – 163.

10. Grupo

Cintia Milene Favaro

Daniel Del Bianque Belloto

Patrícia Helena Travessa

Silvia Maria Rodrigues

Viviane Maria Carnevalli

4o ano de Letras/2002.

Prof.ª Maria Cristina Simões Agapito.

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