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Sem revisão.
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Coda
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Tudo que flui é fluzz. Tudo que fluzz flui (*).
1
Fluzz é o fluxo que não pode ser aprisionado por qualquer mainframe.
Porque fluzz é do metabolismo da rede. Ah!, sim, redes são fluições.
Fluzz evoca o curso constante que não se expressa e que não pode
ser sondado, nem sequer pronunciado do “lado de fora” do abismo:
onde habitamos. No “lado de dentro” do abismo não há espaço nem
tempo, ou melhor, há apenas o espaço-tempo dos fluxos. É de lá que
aquilo (aquele) que flui sem cessar faz brotar todos os mundos.
2
Muitos mundos, isso mesmo. Não existe um mundo que se possa
dizer o mundo, a não ser por efeito de hierarquização.
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configurado pelas nossas conexões. Com a internet esses mundos se
multiplicam velozmente, mas não por difusão e sim por interconexão.
Desse ponto de vista, interconnected networks (internet) é, na
verdade, interconnected worlds. E fluzz é o vento que varre esses
inumeráveis interworlds.
3
Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio, vida
humana e convivência social se aproximarão a ponto de revelar os
“tanques axlotl” onde somos gerados como seres propriamente
humanos. Todos compreenderemos a nossa natureza de “gholas
sociais”.
4
Não há nada a fazer. Deixem fluzz soprar para ver o que acontece.
(Na verdade, dizer ‘deixem fluzz soprar’ é apenas uma maneira de
dizer, pois fluzz já é o sopro).
Quando fluzz soprar, prá que ensino, prá que escola? Quando fluzz
soprar, para que religião, para que igreja? Quando fluzz soprar, para
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que corporação, para que partido? Quando fluzz soprar, para que
nação, para que Estado?
5
Enquanto isso, porém, crescem subterraneamente as hifas, por toda
parte. Os alicerces das organizações hierárquicas vão sendo corroídos
e seu muros, antes paredes opacas para se proteger do outro, vão
agora virando “membranas sociais”, permeáveis à interação e
vulneráveis ao outro-imprevisível. Pessoas conectadas com pessoas
vão tecendo articulações que estilhaçam o mundo-único-imposto em
miríades de pedaços, não pelo combate, mas pela formação de redes.
E outras identidades – mais-fluzz – vão surgindo nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio.
6
Para o mundo único broadcast que remanesce o terceiro milênio
ainda não começou. Grandes “verdades” do final século 20 não foram
ainda revistas, conquanto não faltem evidências de seu
envelhecimento. Três exemplos eloqüentes:
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Sustentabilidade é resguardar recursos para as futuras
gerações? Não. É aprender a fluir com o curso...
7
Os que continuam aprisionados no mundo único dos séculos passados
ainda não lograram perceber o que está em gestação neste período.
A revelia dos cegos “líderes mundiais” e além da compreensão dos
analistas de governos e corporações, grandes movimentos
subterrâneos estão em curso neste momento. De modo molecular,
distribuído e conectado de sorte a formar um feixe intenso de fluxos
– fluzz –, estão se articulando e se expressando glocalmente
experiências inovadoras que tendem a alterar na raiz a estrutura e a
dinâmica das sociosferas. Eis alguns exemplos fulcrais do que está
emergindo:
9
8
Nada disso está sendo percebido pelos mantenedores do velho
mundo que são, invariavelmente, “net-avoids”, ou seja, aqueles que
desconfiam das redes quando não deveriam fazê-lo, posto que
justamente em uma época de transição para uma sociedade em rede.
E estes são, quase sempre, hierarcas. Não conseguem ver o que está
ocorrendo porque, do lugar onde operam, objetivamente, contra os
novos mundos que estão emergindo, a mudança não pode mesmo
aparecer. Alguns exemplos dessas categorias – que freqüentemente
se misturam e incidem em alguma combinação particular sobre um
mesmo indivíduo “vitorioso” (segundo os critérios do milênio
pretérito) – merecem ser destacados: os ensinadores ou burocratas
sacerdotais do conhecimento, os codificadores de doutrinas, os
aprisionadores de corpos, os construtores de pirâmides, os
fabricantes de guerras e os condutores de rebanhos.
9
A resiliência dessas velhas funções, agenciadoras de um tipo de
mundo (erigido para exterminar outros mundos) que teima em não
desaparecer, não está conseguindo impedir o surgimento de novos
papéis sociais que antecipam uma nova época.
Tais papéis inéditos que estão sendo produzidos pela (ou em) rede
são também múltiplos. Por enquanto só conseguimos divisar alguns.
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Três exemplos marcantes são os hubs, os inovadores e os
netweavers.
10
A despeito do fato, incontestável, de a dinâmica global da interação
entre as velhas instâncias organizativas ter mudado, anunciando a
emersão de uma verdadeira sociedade-rede, um novo padrão de
organização distribuído não logrou se materializar no interior e no
entorno das organizações empresariais, governamentais e sociais,
que continuaram ainda se estruturando de modo centralizado ou
hierárquico. Ou seja, o muro que caiu em 1989, caiu para o mundo
construído pelo broadcasting como um único mundo, sob o efeito das
poderosas forças da globalização (sobretudo da globalização das
telecomunicações e da globalização dos mercados), mas não chegou
a se localizar nas organizações realmente existentes em todos os
setores. A mudança continuou acontecendo, mas os novos (e
múltiplos) Highly Connected Worlds como que "cresceram
escondidos" nesta época de mudança e não apareceram ainda à luz
do dia, de sorte a consumar o que poderíamos chamar de uma
mudança de época. Esses "mundos-bebês" estão agora em gestação.
11
Bem-vindos aos novos mundos-fluzz.
11
Esqueçam suas velhas idéias e práticas de comando e controle.
Abram mão de suas noções-século-20 de participação. E se livrem da
compulsão de gerir o conhecimento ou organizar conteúdos para os
outros (ou juntamente com eles). Preparem-se para entrar no
multiverso das interações.
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Sumário
Coda (5)
O nome está dizendo: redes sociais | Redes sociais são pessoas interagindo,
não ferramentas (37)
13
Poder é uma medida de não-rede | Centralização (hierarquização) não é o
mesmo que clusterização (55)
Pessoas, não indivíduos | Não podem existir pessoas (seres humanos) sem
redes sociais (59)
Pessoas são portas | “Toda pessoa é uma nova porta que se abre para
outros mundos” (81)
14
Perturbações no campo social | A nuvem que envolve-e-se-move-com uma
pessoa conectada tem a capacidade de “sentir” perturbações no campo
social (91)
Miríades de aldeias globais | Não é que haja uma rede cobrindo o mundo. É
que mundos são redes (109)
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Não-escolas: a escola é a rede | Nós produzimos nosso conhecimento
comunitariamente (em rede) (132)
Quem disse que os deuses não existem? | Os deuses das religiões foram
problemáticos porque foram hierárquicos e autocráticos como as religiões
que os construíram (143)
16
As cidades na glocalização | Estados são artifícios para proteger as pessoas
da experiência do localismo cosmopolita (179)
Mestres e gurus | Todos são mestres uns dos outros enquanto se polinizam
mutuamente (213)
17
Construtores de pirâmides | O indivíduo não é o átomo social; para ser
social, é preciso ser molécula (219)
Hubs | Qualquer iniciativa na rede social que não conte com seus principais
hubs encontrará mais dificuldades para “conversar” com a rede-mãe (239)
Eles já estão entre nós | Nos Highly Connected Worlds o que vale são suas
antenas (253)
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Inove permanentemente | Colocar-se em processo de inovação permanente
é viver em processo de Ítaca (ou em processo de fluzz) (274)
Bibliografia (347)
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20
0
Tudo é fluzz
Twiver.
200 milhões de timelines (em 2010) fluindo no twitter-river.
(A partir de 21/03/2006)
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Tudo que flui é fluzz. Tudo que fluzz flui.
Tudo que flui é fluzz. Pronto. Qualquer outra definição seria diminutiva.
Qualquer outra explicação aprisionaria a imaginação criadora. Para ler este
livro é necessário soltar a imaginação que cria múltiplos sentidos. Para
escrever também (sim, esta é uma escritura de imaginação, não de
análise). Foi necessário até inventar palavra que não existe. Como disse o
poeta Manoel de Barros (pela boca do Bugre Felisdônio), “as coisas que não
existem são mais bonitas” (2).
O impagável Ben Jonson havia advertido que “não se cunha uma nova
palavra sem correr um grande risco, porque, se for bem aceita, os louvores
serão moderados; se for rejeitada, o desprezo é certo”. Isso foi lembrado
por Arthur Koestler (1967), quando, no seu (extraordinário) O fantasma da
máquina, criou a palavra hólon (5). Fluzz tem algo de hólon, se deixarmos
de olhar a máquina, a estrutura fixa, e começarmos a acompanhar o
fantasma que desliza pelos seus desvãos (the ghost-in). Por isso, como ele,
vamos correr o risco. Vamos seguir o risco. Vamos voar com a ave. Vamos
fluir com o curso.
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Mas fluzz também é um novo adjetivo e assim será aplicado. Não se pode
dizer que uma coisa seja não-fluzz. Tudo é fluzz, em alguma medida. Mais-
fluzz, todavia, é o que está sujeito à mais-interatividade.
Atenção. Vai começar. Tudo que fluzz flui. Fluzz agora é verbo.
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1
No “lado de dentro” do abismo
25
Fluzz é o fluxo, que não pode ser aprisionado por qualquer
mainframe. Porque fluzz é do metabolismo da rede. Ah!, sim, redes
são fluições.
Fluzz evoca o curso constante que não se expressa e que não pode
ser sondado, nem sequer pronunciado do “lado de fora” do abismo:
onde habitamos. No “lado de dentro” do abismo não há espaço nem
tempo, ou melhor, há apenas o espaço-tempo dos fluxos. É de lá que
aquilo (aquele) que flui sem cessar faz brotar todos os mundos.
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tempo dos fluxos) onde as redes sociais existem, o multiverso das conexões
também ocultas que produzem o que chamamos de ‘social’.
Mas, não! Ainda não é bem isso. Há fendas, sim, mas por trás das fendas
não há uma ordem implícita, pré-existente em alguma esfera oculta: a
ordem está sempre sendo criada no presente da interação!
Abismo. Fenda. Quando a fenda se abre, “vemos” fluzz. Mas o que vemos
quando “vemos” fluzz?
Espiar de fora para dentro do abismo nada-revela (e esse, por incrível que
não-pareça, é um dos sentidos daquele nada primordial: porque no princípio
era a rede). Nada se pode ver a não ser que se mergulhe na fluição, como
fez o sufi Mojud, “O homem cuja história era inexplicável” (2); quando
perguntado de que maneira havia alcançado tanta sabedoria, ele não-
explicou dizendo assim: “Eu me atirei num rio... [e] simplesmente deixei”.
Goethe (1821) terminou com o seguinte verso o poema Eins und Alles,
“tudo deve cair no nada, se quiser persistir em ser” (3). Tem que pular
dentro – se abismar – para ver.
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No multiverso das interações
Em outras palavras, não existe uma mesma realidade para todos: são
muitos os mundos. Tudo depende das fluições em que cada um se move,
dos emaranhamentos que se tramam, das configurações de interações que
se constelam e se desfazem, intermitentemente.
Na verdade, quem se move é essa rede que nos envolve, como aquele “rio
que deflui silencioso dentro da noite” no verso de Manuel Bandeira (1948)
(4). Como aquele rio que corre no “lado de dentro” do abismo.
Quanto mais distribuída for a topologia de uma rede, mais-fluzz ela será.
Quer dizer, mais interatividade haverá. E mais evidentes serão essas
características (invisíveis do “lado de fora” do abismo) do seu modo-de-
interagir.
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receptor” (5). Na verdade, depende do que acontece com os interagentes. A
comunicação vareliana é uma interação: se A se comunica com B, significa
que B muda com A, que muda com B, que muda novamente com A, que
muda outra vez com B... e assim por diante, recorrentemente, como em
uma coreografia. Mas tudo isso “multiplicado” pelo número de nodos em
interação, pois que se trata sempre de um multi-acoplamento, não ocorre
aos pares, mas entre todos os que compõem cada um dos muitos mundos
que se configuram.
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Mundos que se descobrem em rede
O social não é o conjunto das pessoas, mas o que está entre elas
Na verdade, não existe nada como ‘a’ sociedade: as sociedades são sempre
configurações concretas e particulares que, olhadas de certo ponto de vista,
revelam seres humanos em interação; quer dizer, a compreensão do social
surge quando se constela a percepção de que não existem unidades
humanas separadas. De que o social não é o conjunto das pessoas, mas o
que está entre elas. E de que cada mundo social é também (um modo de
ser) humano. A medida que esses mundos sociais vão se descobrindo em
rede, como se diz, “as fichas vão caindo”. Vários aspectos surpreendentes
dessa descoberta já podem ser registrados. O primeiro deles é que redes
mais distribuídas do que centralizas são possíveis, sim, no “mundo real”.
É fácil. Em geral não demora nem cinco minutos. Então muitos desses
milhões de usuários de tais serviços acreditaram na conversa e acharam
que, pelo fato de terem feito login e senha em um ou em vários desses
sites, estavam “participando de redes sociais”.
Fosse lá alguém dizer-lhes que redes sociais não são redes digitais ou
virtuais, mas, como o nome está dizendo, são sociais mesmo: um novo
padrão de organização, mais distribuído do que centralizado.
30
Fig. 1 | Diagramas de Paul Baran
Mesmo os que já tinham ouvido falar das redes sociais como novo padrão
de organização distribuído – mesmo estes – tentavam escapar dessa
evidência aproveitando a profusão dos sites de relacionamento e
plataformas interativas na Internet. A maioria fazia um blog ou se
registrava em alguma "rede social" e pronto: de vez em quando ia lá,
postava um texto, um vídeo ou um comentário e dizia que "pertencia" a
uma (ou várias) rede(s). No restante do tempo, porém, essas pessoas
continuavam estudando, trabalhando, produzindo ou prestando serviços em
organizações hierárquicas (fosse uma burocracia escolar ou acadêmica, uma
31
empresa, uma organização não-governamental ou uma instituição estatal).
Havia exceções, é claro. Mas, na maior parte dos casos, era assim.
Foi ficando cada vez mais claro que, em qualquer lugar, pode-se “fazer
redes”. Sim, em qualquer lugar: na vizinhança, na empresa, na ONG,
entidade ou organização da sociedade civil, em um órgão governamental et
coetera. Pouco importa se a estrutura dessas localidades ou organizações é
vertical, hierárquica, centralizada: as pessoas que estão lá não são e não há
como impedir que elas se conectem horizontalmente, de modo distribuído,
umas com as outras. E não importa se todas as pessoas não estiverem
dispostas a fazer isso. E não importa se a maioria das pessoas em cada
uma dessas territorialidades ou organizações for contra isso. A partir de três
pessoas já é possível começar uma rede distribuída. Fazendo isso,
articulando uma rede distribuída, cria-se uma “zona autônoma” (em relação
ao poder centralizado). Se for uma rede distribuída (a rigor, mais distribuída
do que centralizada), coisas surpreendentes começarão a acontecer (na
medida do grau de distribuição e de conectividade alcançados). Uma nova
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fenomenologia certamente acompanhará a nova topologia. Pode-se apostar
que isso fará diferença. E que a diferença será notável.
33
Trata-se de uma infecção antiga, resistente, resiliente, que permanece na
medida em que nós nos transformamos em vetores de contaminação por
meio de nossas formas de relacionamento. Cada piramidezinha que
construímos, nos espaços privados e públicos que habitamos, na nossa
família, escola, igreja, entidade, corporação, empresa, partido ou governo,
vai viabilizando a prorrogação da infestação do poder vertical. Pelo
contrário, cada rede que articulamos vai dificultando a propagação desse
vírus ou a replicação desse meme, por meio da criação de zonas
autônomas, mesmo que sejam temporárias (e são, como percebeu Hakim
Bey) (10), criando condições para que a confiança possa transitar (ou para
que o capital social possa fluir, se preferirmos usar essa metáfora), para
que a competição possa ser convertida em cooperação; enfim – em um
sentido ampliado do termo – para a manifestação da amizade (ou para
fazer “downloads” daquela emoção que Maturana (11) chamou... vejam só!,
de amor, mas a palavra parece ser forte demais – um verdadeiro escândalo
– e acaba chocando as pessoas que se imaginam preocupadas com coisas
“mais sérias”.
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É o social, estúpido!
35
Na formulação, a várias mãos, da Declaração de Independência dos Estados
Unidos (1776), a tecnologia utilizada (midia) foi a carta escrita em papel, o
cavaleiro (carteiro) e o cavalo, mas o padrão de interação foi, ao que tudo
indica, o de rede distribuída. Hoje, mais de dois séculos depois, o processo
de elaboração de uma diretiva estratégica no Pentágono, a despeito de usar
sofisticados meios de comunicação interativos, revela um padrão de
interação centralizado.
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O nome está dizendo: redes sociais
Embora tenha se alastrado como uma praga a idéia de que as redes sociais
são a mesma coisa que as mídias sociais, redes digitais, ambientes virtuais,
sites de relacionamento (como Facebook ou Orkut) ou plataformas
interativas (como Ning ou Elgg), tal idéia se revelou equivocada, sobretudo
porque elide o fato de que redes sociais são pessoas interagindo, não
ferramentas.
Essa discussão ganhou força nos últimos tempos com a busca por
ferramentas digitais – plataformas interativas na Internet – mais adequadas
ao netweaving, quer dizer, para servir de instrumentos de articulação e
animação de redes sociais (16).
37
Em terceiro lugar - e como conseqüência do seu fundamento p-based - as
plataformas de articulação e animação de redes sociais (que já se
encaravam, algumas delas pelo menos, como se fossem as próprias redes
sociais), ainda estavam voltadas para organizar conteúdos (encarando,
inevitavelmente, o conhecimento como um objeto e não como uma relação
social). Esse é um problema porquanto a gestão do conteúdo, do
conhecimento-objeto, ao tentar traçar um caminho para os outros
acessarem tal conteúdo, cava sulcos para fazer escorrer por eles as coisas
que ainda virão (na e da interação), com isso repetindo passado e
trancando o futuro (como fazem, secularmente, as burocracias sacerdotais
do conhecimento, mais conhecidas pelo nome de escolas e não é por acaso
que boa parte dessas plataformas tenha sido pensada por professores ou
construída para atender a objetivos educacionais, entendidos como
objetivos de ensinagem e não de aprendizagem). Mas para uma plataforma
i-based - adequada ao propósito de servir de ferramenta para o netweaving
- não se trataria de pavimentar uma estrada para os outros percorrerem e
sim de possibilitar que cada um pudesse abrir seu próprio caminho (posto
que redes são múltiplos caminhos).
38
É comunicação, não informação
Redes sociais são redes de comunicação, é óbvio. Mas ainda que o conceito
de informação seja bastante elástico, isso não é a mesma coisa que dizer
que elas são redes de informação. Redes são sistemas interativos e a
interação não é apenas uma transmissão-recepção de dados: se fosse assim
não haveria como distinguir uma rede social (pessoas interagindo) de uma
rede de máquinas (computadores conectados, por exemplo).
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“Nossa discussão nos levou a concluir que, biologicamente, não há
informação transmitida na comunicação. A comunicação ocorre toda
vez em que há coordenação comportamental em um domínio de
acoplamento estrutural. Tal conclusão só é chocante se continuarmos
adotando a metáfora mais corrente para a comunicação, popularizada
pelos meios de comunicação. É a metáfora do tubo, segundo a qual a
comunicação é algo gerado em um ponto, levado por um condutor
(ou tubo) e entregue ao outro extremo receptor. Portanto, há algo
que é comunicado e transmitido integralmente pelo veículo. Daí
estarmos acostumados a falar da informação contida em uma
imagem, objeto ou na palavra impressa. Segundo nossa análise, essa
metáfora é fundamentalmente falsa, porque supõe uma unidade não
determinada estruturalmente, em que as interações são instrutivas,
como se o que ocorre com um organismo em uma interação fosse
determinado pelo agente perturbador e não por sua dinâmica
estrutural. No entanto, é evidente no próprio dia-a-dia que a
comunicação não ocorre assim: cada pessoa diz o que diz e ouve o
que ouve segundo sua própria determinação estrutural. Da
perspectiva de um observador, sempre há ambigüidade em uma
interação comunicativa. O fenômeno da comunicação não depende do
que se fornece, e sim do que acontece com o receptor. E isso é muito
diferente de ‘transmitir informação’.”
40
durantes dezessete anos colônias de formigas no Arizona. Ela descobriu que
“a decisão de uma formiga quanto a uma tarefa é baseada em sua taxa de
interação”. Mas “o que produz o efeito é o padrão de interação, não um
sinal na própria interação. As formigas não dizem umas às outras o que
fazer por meio da transferência de mensagens. O sinal não está no contato,
ou na informação química trocada no contato. O sinal está no padrão de
contato” (20). Ou seja, não se trata de uma comunicação de conteúdo, de
um código, mas da freqüência e das circunstâncias em que se dão os
contatos.
É claro que, a despeito do que foi dito aqui, ainda se pode afirmar que tudo
se reduz, em última instância, à informação: em qualquer interação, em
termos físicos, partículas mensageiras de um dos quatro campos de forças
se “deslocaram”, se espalharam ou se aglomeraram (o simples fato de ver
alguém, por exemplo, implica “deslocamentos” de bósons – no caso, de
fótons, partículas mensageiras do campo eletromagnético) e isso pode,
corretamente, ser interpretado como informação. Mas o significado da
palavra informação – tal como é tomado no dia-a-dia ou mesmo como às
41
vezes é usado pelos chamados “cientistas da informação” – não ajuda muito
a entender os fenômenos que acontecem nas redes sociais e que lhes são
próprios.
42
É interação, não participação
Mas isso não significa exatamente, como pode parecer à primeira vista, que
interagir, então, diga respeito somente à atuação em algo "nosso" enquanto
participar diga respeito à atuação em algo "dos outros".
Não, não é bem assim, a menos que esse "nosso", aqui, não seja tomado
em um sentido proprietário (como eufemismo, para dizer "meu") em
contraposição ao "dos outros" (“deles”). O "nosso" conformado na interação
não se pré-estabelece, não conforma uma identidade identificável com um
grupo determinado de agentes antes da interação, ao contrário do "nosso"
(na lógica coletiva de um "eu" organizacional já construído) quando esse
"nosso" foi instituído por um grupo que, ao fazê-lo, estabeleceu uma
fronteira (dentro ≠ fora) independentemente da interação fortuita que já
está acontecendo e que ainda virá. Neste caso, a organização será um
congelamento de fluxos, uma cristalização de uma situação pretérita, um
pedaço do passado cortado que se enxerta continuamente no presente para
manter as configurações que, em algum momento, atribuíram a
determinadas pessoas certos papéis que se quer reproduzir (essa é a triste
história da liderança, ou melhor, da monoliderança, dos líderes que, tendo
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liderado algum dia, querem se prorrogar, eternizando uma constelação
passada para continuar liderando).
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não há necessidade de deliberar nada por alguém ou contra alguém ou a
favor de alguém (que tivesse que delegar ou alienar seu poder a outrem).
Porque rede é fluição. Nodo de uma rede é tudo o que nela interage. Essa
foi a grande descoberta-fluzz do tempo vindouro que está vindo.
45
antiguidade, popularidade ou outra característica qualquer que não possa
ser verificada e checada intermitentemente na interação).
Esse é o motivo pelo qual nas redes sociais (mais distribuídas do que
centralizadas) não se deve (e enquanto elas forem mais distribuídas que
centralizadas, não se pode) montar uma patota dirigente, coordenadora,
facilitadora ou erigir uma igrejinha de mediadores. A construção de um
“nós” organizacional infenso à interação ou protegido contra a
imprevisibilidade da interação para manter sua identidade ou integridade
(e, supostamente, para assegurar – como guardiães – que a organização
não se desvie de seus propósitos, não viole seus princípios e não fuja do
seu escopo), ao gerar uma identidade compartilhada por alguns “mais
iguais” que outros, centraliza a rede, deixando-a à mercê do
participacionismo; quando não de coisa pior.
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erigindo uma escola (como ocorre, de certo modo, com uma parte dos que
adotam plataformas wikis e plataformas ditas educacionais), quer dizer,
uma burocracia do ensinamento, inevitavelmente centralizada.
Tudo isso era assim até que começou a procura por mecanismos que
dessem conta do formigueiro e não das formigas: como se sabe, é o
formigueiro que se reproduz (como padrão), não as formigas. Por isso a
comparação com o formigueiro, que causa repugnância a alguns (que
alegam que as formigas não têm consciência e não podem fazer escolhas
racionais) não é despropositada. A pesquisadora Deborah Gordon (1999)
descobriu que o formigueiro é i-based, ou seja, que além de nele não haver
nada que se possa chamar de administração, a auto-organização é feita a
partir da freqüência e de outras características da interação das formigas
entre si e com o seu ecossistema e não de algum conteúdo que elas tenham
trocado entre si (nem mesmo se tal conteúdo fosse uma substância
química, como se supunha) (24).
47
Padrões, não conjuntos
Mas por que demoramos tanto para perceber isso? Talvez porque, enquanto
olhávamos os nodos (as árvores), deixávamos de ver a rede (a floresta, ou
melhor, não propriamente o conjunto das árvores, mas as relações que
constituem o ecossistema sem o qual as árvores – nem algumas poucas,
nem muitas milhares – podem existir). Talvez porque fomos induzidos a
fazer a busca errada: enquanto procurávamos um conteúdo não podíamos
mesmo encontrar um padrão de interação. Talvez porque, influenciados
pela máquina econômica construída pelo pensamento hobbesiano-
darwiniano, enquanto tentávamos prever o comportamento coletivo a partir
das preferências individuais, escapava-nos aquilo que exatamente faz do
sistema algo mais do que a soma de suas partes: o social. Fixávamo-nos
em objetos capturáveis, não em relações, não em fluxos. Fluzz, para nós,
permanecia escondido.
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Conjuntos de nodos são apenas conjuntos de nodos. Não são redes. A
representação estática chamada grafo, disseminada pela SNA (Análise de
Redes Sociais) não ajuda muito a compreensão da rede: pontos (vértices)
ligados por traços (arestas) passam uma imagem abaixo de sofrível daquele
emaranhado dinâmico de interações que constitui a essência do que
chamamos de rede, sempre fluindo e alterando sua configuração. Ademais,
os nodos não são propriamente pontos de partida nem de chegada de
mensagens, como se fossem estações ligadas por estradas por onde algum
objeto ou conteúdo vai transitar. Eles também são caminhos. Aliás, nas
redes sociais, os nodos não existem como tais (como pessoas) sem os
outros nodos a ele ligados, constituindo-se, portanto, cada um em relação
aos demais, como caminhos de constituição disso que chamamos de ‘eu’ e
de ‘outro’.
Assim, não é o conteúdo do que flui pelas suas conexões que pode
determinar o comportamento de uma rede. É o fluxo geral que perpassa
esse tecido ou campo, cujas singularidades chamamos de nodos, que
consubstancia o que chamamos de rede. Esse fluxo geral não tem nada a
ver com mensagens contidas em sinais emitidos ou recebidos: são padrões,
modos-de-interagir. Se há uma mensagem (um conceito mais informacional
do que comunicacional), esses padrões é que são a mensagem.
49
Conhecimento é relação social
50
titulados) encarregados de dizer quais conhecimentos podem ou não
transitar.
51
A chefia é contra a liderança
52
monoliderança – na verdade uma justificativa para a centralização e para a
chefia – é sempre uma tentativa de represar o curso.
53
Nenhuma hierarquia é natural
Nos sistemas naturais não pode haver o conceito de escassez porque não
há um indivíduo que reclame uma necessidade contra o ecossistema na
medida em que cada parte do ecossistema se insere na lógica da
abundância que regula o sistema. Nos sistemas sociais (ou anti-sociais,
seria melhor dizer), a escassez é introduzida pelo modo de regulação de
conflitos. Toda vez que se regula conflitos de modo autocrático, gera-se
escassez que permite a ereção de estruturas hierárquicas. E toda vez que
se erige um sistema hierárquico pela eliminação de caminhos, geram-se
modos de regulação não-pluriárquicos que se mantêm pela reprodução da
escassez.
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Poder é uma medida de não-rede
O poder (como poder de mandar alguém fazer alguma coisa contra sua
vontade, como, ao fim e ao cabo, se manifesta qualquer poder) é uma
medida de não-rede (em termos de rede distribuída); quer dizer, é uma
medida direta do grau de centralização (ou uma medida inversa do grau de
distribuição) de uma rede. Ele ocorre (ou sobrevém) não quando os nodos
se aglomeram em função da sua interação e sim, ao contrário, quando
impedimos que tal aglomeramento se dê livremente (em virtude da
dinâmica da interação), mas colocamos obstáculos, construímos cancelas ou
selecionamos caminhos por onde ela (a interação) deve passar: sejam
muros, cercas, paredes, escadas, portas e fechaduras, ou firewalls. Todo
poder nasce de um impedimento imposto à livre fluição. Todo poder é uma
introdução artificial (uma fabricação) de escassez de caminhos. Todo poder
é uma tentativa de evitar a abundância de caminhos. Todo poder –
necessariamente hierárquico – é uma reação à distribuição (29).
55
novas comunidades (de aprendizagem, de projeto e de prática – clusters de
convivência enfim) é uma expressão do localismo cosmopolita que floresce
à medida em que a globalização do local encontra a localização do global.
Isso está na origem dos Highly Connected Words que emergem em uma
época-fluzz.
56
Autoregulação significa sem-administração
O fluxo quer fluir. Fluirá por onde houver caminho. Para proibir a livre
fluição é preciso obstruir caminhos, derrubar pontes, fechar atalhos entre
clusters (nas organizações hierárquicas isso acontece inclusive pela
segregação espacial dos seus membros, alocados em andares diferentes de
um prédio fechado pela introdução de muros, cercas, cancelas, roletas,
elevadores programados, cartões magnéticos com permissões exclusivas,
que abrem algumas portas e outras não, ou pelas permissões diferenciadas
conferidas aos usuários para acessar sites, baixar programas, enviar ou
receber mensagens, interagir em plataformas etc.). Tudo comando-e-
controle.
57
processo produtivo, acionistas se oferecerão para compartilhar a gestão e
as comunidades afetadas de alguma forma pela atuação de uma empresa
assumirão solidariamente riscos e oportunidades associados ao
empreendimento. E isso é apenas o começo.
58
Pessoas, não indivíduos
Foi (e ainda está) muito difundida a idéia de que redes sociais são formadas
a partir de escolhas racionais feitas pelos indivíduos. Segundo essa idéia as
redes seriam voluntariamente construídas com propósitos definidos e
baseados nos interesses dos indivíduos. Quem pensava assim,
evidentemente, avaliava que podem existir seres humanos sem redes, quer
dizer, que primeiro existem os indivíduos (já plenamente humanos) para,
depois, se esses indivíduos resolverem se conectar, só então surgirem as
redes sociais.
Mas pessoa já é rede. Ninguém nasce com tal condição, não basta ser um
indivíduo da espécie, em termos biológicos, para ser humano. Dizer que,
para os seres humanos, no princípio era a rede, significa dizer que é
necessário “nascer” (com-viver) em uma rede (social) para se tornar
humano. Aquele que é geneticamente humanizável só consuma tal condição
a partir do relacionamento com seres (que já foram) humanizados.
Redes sociais não são redes de indivíduos de uma espécie biológica, nem
redes de outras entidades abstratas que possam ser identificadas
indistintamente, numeradas e somadas para qualquer efeito (como, por
exemplo, os habitantes, os consumidores, os contribuintes, os eleitores),
mas redes de pessoas. Não existem as redes dos pensionistas do sistema
previdenciário, dos mutuários do sistema habitacional ou dos torcedores de
determinado clube esportivo (a não ser quando interagem em torcidas
organizadas), assim como não existe a sociedade composta pelos que estão
na fila para comprar ingressos para um torneio. As redes (sociais) não
somam suas partes (individuais) porque elas não são propriamente
constituídas por essas partes, mas pelas relações que se efetivam, pela
configuração móvel das interações que se processam ou pelo emaranhado
que se trama a cada instante.
59
As redes sociais já são a mudança
Também era muito comum a idéia de que as redes são uma espécie de
instrumento para se fazer alguma coisa. Quando o assunto entrou na moda,
as pessoas acharam que estavam diante de uma nova forma de organização
recentemente descoberta e queriam logo usar as redes com algum objetivo
instrumental, ainda quando desejassem colocá-las a serviço de uma causa
que, a seu ver, não poderia ser mais nobre: a grande transformação social.
Por isso se diz que as redes sociais distribuídas não são instrumentos para
realizar a mudança: elas já são a mudança.
60
Aranhas não podem gerar estrelas-do-mar
61
reproduzir por força de circularidades inerentes às suas interações
recorrentes. É uma espécie de mecanismo de segurança do sistema contra
sua dissolução. É uma maneira de se proteger do caos representado pela
ausência de ordem top down. É uma forma de ficar do “lado de fora” do
abismo, posto que cair no abismo é o maior temor de toda estrutura mais
centralizada do que distribuída.
62
No “lado de fora” do abismo
63
Entretanto, os agentes de um sistema hierárquico, pensem ou acreditem no
que quiserem, são sempre agentes da manutenção e reprodução do
sistema. Não é mudando (ou “fazendo”) suas cabeças, incutindo novos
valores, disseminando novas crenças, que vamos conseguir realizar a
transição do padrão centralizado para o padrão de organização em rede
(mais distribuído do que centralizado). Todo proselitismo é inútil nessa
matéria. Não se trata de convencimento, nem mesmo de consciência. Eles
não podem mudar seu comportamento enquanto não mudarem o modo
como se relacionam com os demais agentes. E esse modo de se relacionar
não pode mudar enquanto permanecerem como válidas apenas certas
configurações de caminhos pelos quais a organização hierárquica se
constitui disciplinando a interação.
64
2
Inumeráveis interworlds
E naquele instante ele viu o planeta inteiro: cada vila, cada cidade,
cada metrópole, os lugares desertos e os lugares plantados.
Todas as formas que se chocavam em sua visão traziam
relacionamentos específicos de elementos interiores e exteriores.
Ele via as estruturas da sociedade imperial refletidas
nas estruturas físicas de seus planetas e de suas comunidades.
Como um gigantesco desdobramento dentro dele,
ele via nessa revelação o que ela devia ser:
uma janela para as partes invisíveis da sociedade.
Percebendo isso, notou que todo sistema devia possuir tal janela.
Mesmo o sistema representado por ele mesmo e o universo.
Começou a perscrutar as janelas, como um voyeur cósmico.
Frank Herbert em Os filhos de Duna (1976)
65
Muitos mundos, isso mesmo. Não existe um mundo que se possa
dizer o mundo, a não ser por efeito de hierarquização.
66
Mas... atenção! Quanto mais-fluzz for um mundo, menor (não em termos
geográficos ou populacionais e sim em termos sociais) ele será. Mundos
grandes, nesse sentido, quer dizer, com altos graus de separação, são
mundos menos-fluzz. A interatividade reduz o tamanho do mundo e isso
não é uma função do número de seus elementos (pessoas e aglomerados
de pessoas) e sim dos seus graus de distribuição e conectividade.
67
Highly Connected Worlds
Isso, é claro, se você for de fato o Steven Strogatz. Mas, de certo modo, se
você é o motorista que se relaciona (ou que se relaciona com quem se
relaciona, ou que se relaciona com quem se relaciona com quem se
relaciona) com Steven Strogatz, sobretudo se ele (ou quem se relaciona
com ele) está na sua timeline e você (ou quem se relaciona com você) na
dele, você será um pouco Steven Strogatz (na medida inversa do seu grau
de separação dele): eis o ponto! Tal mudança vai muito além do que
imaginávamos porque você está fazendo parte de um organismo capaz de
inteligência e, quem sabe, de outros atributos ou qualidades que sequer
conseguimos imaginar.
68
O indivíduo social está nascendo agora. Mas ele já estava presente, como
prefiguração, desde o início, quando se constituíram os primeiros seres
humanos. Para lembrar a bela Canción Tonta de García Lorca (1924), nós,
os humanos, só o éramos enquanto estávamos “bordados en la almohada”
da rede-mãe (1).
O Facebook tem mais de 500 milhões de usuários? É ruim. Seria melhor ter
500 mil plataformas com mil usuários cada uma, conversando entre si...
Tudo que não precisamos agora é reeditar a ilusão hierárquica de um
mundo único. Uma sociedade em rede é uma configuração de miríades de
Highly Connected Worlds interagentes. Essa é a única mudança
verdadeiramente sustentável: tudo que é sustentável tem o padrão de rede
porque rede é redundância de processos e abundância (diversidade) de
caminhos.
69
hierárquicas) entre o local e o global. E ela não se consumará sem essas
“zonas de transição” que são interworlds.
70
Interworlds
Que se dane se você não terá mais uma grande narrativa, um esquema
explicativo geral. Não havendo um mundo (único), para que precisamos
disso? Por certo, você fica incomodado com a fragmentação desses
inumeráveis mundos que se fazem e liquefazem. Mas esse seu mal-estar
baumaniano (de Zygmunt Bauman) é pura falta de Pó de Flu (aquele “Floo
Powder” inventado por Ignatia Wildsmith, da série Harry Potter de J. K.
Rowling, usado para conexão à Rede do Flu); ou seja, é falta de interworlds.
Trata-se de referenciar o bem-estar na (fluição da) relação, não na (solidez
da) coisa.
71
interworlds que são as novas internets. Trata-se de um desafio ao mesmo
tempo social e tecnológico.
72
A barreira da língua é uma das principais remanescências do mundo único
hierárquico. É curioso que, mesmo tendo sido imposto um mundo único,
persistam várias línguas (cerca de 7 mil idiomas). Isso porque o mundo
único não é monocentralizado e sim multicentralizado (ou descentralizado)
em algumas identidades imaginárias (que chamamos de nações, povos ou
culturas sócio-territoriais, dominados hoje por menos de duas centenas de
Estados).
73
poderíamos inserir em nossos corpos outros dispositivos capazes de ampliar
e acelerar a comunicação?
Pode-se argumentar que não temos como saber se, no longo prazo, tudo
isso prejudicará a saúde. Mas também não temos como atestar isso em
relação à maioria dos medicamentos que tomamos ou das intervenções
médicas que realizamos. Todas essas substâncias e procedimentos, em
certa medida, provocam doenças ou desencadeiam novos padrões de saúde
ou ensejam novos reequilíbrios saúde-doença. Sim, saúde não é ausência
de doenças, mas a estabilidade relativa de um sistema que, se estiver vivo,
estará necessariamente afastado do equilíbrio, convivendo, portanto, com
alterações que convencionamos chamar de doenças (e que só são
chamadas assim do ponto de vista de um padrão de saúde, baseado em
indicadores cujos parâmetros de normalidade são variáveis com época,
lugar, cultura, conhecimento). Só seres inanimados estão livres de doenças
(ainda que as infestações de vírus em seres cibernéticos também possam
vir, coerentemente, a ser encaradas como doenças).
74
3
Pessoa já é rede
Toda pessoa é uma nova porta que se abre para outros mundos.
John Guare em "Six degrees of separation"
Peça de teatro na Broadway (1990)
75
Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio, vida
humana e convivência social se aproximarão a ponto de revelar os
“tanques axlotl” onde somos gerados como seres propriamente
humanos. Todos compreenderemos a nossa natureza de “gholas
sociais”.
76
e priorizamos atividades em função do que fazem as pessoas que se
relacionam conosco ou que estão ligadas a nós em algum grau próximo de
separação, muitas vezes pessoas que nem conhecemos (como os amigos
dos amigos de nossos amigos).
Vivemos então, cada vez mais, a vida do nosso mundo constituído pela
convivência e não apenas a nossa vida individual. Isso ocorre na razão
direta da interatividade do mundo em que estamos imersos. O fluxo da
nossa timeline pode chegar a atingir tal intensidade ou densidade que, no
limite, não podemos mais afirmar inequivocamente que há um eu que
deseja, julga, raciocina, escolhe e almeja de forma autônoma em relação à
nuvem de conexões que nos envolve. Ao mesmo tempo, sentimos e
sabemos que continuamos sendo uma pessoa, única, totalmente
diferenciada. Mas ao viver a nossa vida (a vida humana única dessa pessoa
que somos), vivemos, na verdade, a convivência (social, também única,
desse mundo construído pelo emaranhado de conexões onde estamos
fluindo e que nos constitui como seres propriamente humanos).
O social passa ser o modo de ser humano nas redes com alta tramatura dos
novos mundos-fluzz. Em outras palavras, passamos a constituir um
organismo humano “maior” do que nós. Passamos a compartilhar muitas
vidas, com tudo o que isso compreende: memórias, sonhos, reflexões de
multidões de pessoas, que ficam distribuídas por todo esse superorganismo
humano. Podemos, como nunca antes, ter acesso imediato a um conjunto
enorme de informações e, muito mais do que isso, podemos gerar
conhecimentos novos com uma velocidade espantosa e com uma
inteligência tipicamente humana (não de máquinas, computadores ou
alienígenas), porém assustadoramente “superior” a que experimentamos
em todos os milênios pretéritos.
77
Como epígrafe de um dos capítulos de "Os filhos de Duna", o escritor de
ficção Frank Herbert (1976) colocou na boca de Harq al-Ada, cronista do
Jihad Butleriano (a guerra ludista contra as máquinas inteligentes) (1):
78
Gholas sociais
Tudo isso é para dizer que um ghola (social) não é um borg. Mas por que é
tão importante dizer isso?
79
injeção de nanossondas e a aplicação de implantes cibernéticos que alteram
sua anatomia e seu funcionamento bioquímico, ampliando suas habilidades
mentais e físicas.
Não existe uma rede social Borg, com algum grau significativo de
distribuição, porque não existe pessoa-Borg. Transformados em indivíduos
substituíveis, os borgs são replicados em série por uma estrutura
fortemente centralizada em sua rainha (sim, o regime é monárquico
absoluto), a única que pode pensar livremente (se é que isso é possível sem
o conversar). Seus cérebros são conectados a uma mente coletiva (a
Coletividade Borg) controlada por um hub central (Unimatrix Um). O
objetivo declarado do povo Borg (que só é um povo naquele particular
sentido original da palavra latina ‘populus’: “contingente de tropas”) é
“aperfeiçoar todas as espécies trazendo ordem ao caos”.
Sim, o paralelo é mais fértil do que parece. Dizer que um ghola (social) não
é um borg (biotecnológico), seria como colocar na boca do primeiro – no
dealbar de uma época-fluzz – uma paródia da “saudação” borg como a
seguinte:
80
Pessoas são portas
“Toda pessoa é uma nova porta que se abre para outros mundos”
Não, não é somente uma imagem poética. É uma nova compreensão das
potencialidades humanas. Pessoas interagindo são seres humanos. A partir
de certo grau de interatividade, são organismos sociais, quer dizer,
superorganismos humanos.
81
muito conhecidas, obstruem conexões com a nuvem que as envolvem,
desatalham clusters (ao se recusarem a servir como pontes), excluem
outras pessoas do seu espaço de vida e simultaneamente se excluem de
outros mundos, isolando-se do superorganismo humano e deixando de
contar com uma parte (justamente aquela parte inusitada, que os
marqueteiros, os políticos profissionais e os psicólogos sociais tanto
procuram e não conseguem encontrar) das imensas potencialidades do
social.
Isso acaba se manifestando no que acreditam que seja sua vida pessoal,
como indivíduos, supostamente autônomos, tão importantes que não
podem ficar vulneráveis aos paparazzi do relacionamento. Como
conseqüência começam a desenvolver aquela sociopatia mais conhecida
pelo nome de fama. Na verdade ficam doentes por defict de interatividade.
Quem não quer ser porta, não acha caminhos. O sucesso é o melhor
caminho para perder caminhos. A perda de caminhos é também uma
medida de não-rede, ou seja, uma expressão do poder. A contraparte de
querer ser muito importante é a falta de importância para a rede (e não
importa para nada se essas pessoas de sucesso têm milhares ou milhões de
followers nas mídias sociais mais freqüentadas ou se seu blog tem milhares
ou milhões de pageviews).
“Se não posso achar o caminho farei um”, escreveu Sêneca (3). Nos novos
mundos-fluzz, seria o caso de dizer: como não há caminho, serei um (uma
porta para outros mundos).
82
4
Anisotropias no espaço-tempo dos fluxos
83
Não há nada a fazer. Deixem fluzz soprar para ver o que acontece.
(Na verdade, dizer ‘deixem fluzz soprar’ é apenas uma maneira de
dizer, pois fluzz já é o sopro).
Quando fluzz soprar, prá que ensino, prá que escola? Quando fluzz
soprar, para que religião, para que igreja? Quando fluzz soprar, para
que corporação, para que partido? Quando fluzz soprar, para que
nação, para que Estado?
Como cantou Konstantinos Kaváfis, “se partires um dia rumo a Ítaca, faz
votos de que o caminho seja longo, repleto de aventuras... Melhor muitos
anos levares de jornada e fundeares na ilha, velho enfim, rico de quanto
ganhaste no caminho, sem esperar riquezas que Ítaca te desse. Uma bela
viagem deu-te Ítaca... Tu te tornaste sábio, um homem de experiência, e
agora sabes o que significam Ítacas” (2).
Manobrando o leme para seguir uma rota já traçada não há como viver em
processo de Ítaca. É preciso deixar-se ao sabor do vento.
84
Quando o sopro não percorre livremente os mundos é porque houve
direcionamento de fluxo. Pré-cursos foram estabelecidos. Velas foram
orientadas para capturar e condicionar o vento. Em geral isso é feito por
essas intervenções antrópicas resultantes do congelamento de fluxos que
chamamos de instituições (hierárquicas): escolas, ensino, religiões, igrejas,
corporações, partidos, nações, Estados. São artifícios para exercer a Força,
ou seja, para impor caminhos.
A pergunta é: quando fluzz soprar, para que forçar? Por isso se diz: não há
nada a fazer (quando fluzz soprar). Não há nada a fazer significa que é
preciso deixar-ir. Ter um comportamento fluzz é deixar-ir. Fluzz não é a
força. Fluzz é o curso.
85
Deformando a rede-mãe
86
Não há nenhuma evidência científica de que os seres humanos
abandonados à sua própria sorte (como se pudesse haver outra sorte...)
poriam fim à sua convivência. As evidências apontam justamente o
contrário. Não havendo motivo para guerrear, as pessoas – seguindo o
fluxo da vida – viveriam sua convivência – ou seja, viveriam em rede. Como
disse Lynn Margulis (1986): “A vida não se apossa do globo pelo combate,
mas sim pela formação de redes” (8).
87
aprendemos uma língua e alteramos para tanto nossas conexões
neuronais).
88
caminhos), a rede-mãe volta à sua topologia distribuída. É curioso que a
primeira expressão escrita do conceito de liberdade – a palavra suméria
Ama-gi – signifique literalmente “retorno à mãe”.
Por isso se diz: quando fluzz soprar, prá que ensino, prá que escola?
Quando fluzz soprar, para que religião, para que igreja? Quando fluzz
soprar, para que corporação, para que partido? Quando fluzz soprar, para
que nação, para que Estado?
89
É claro que todas as velhas instituições perdurarão vestigialmente, como
remanescências do mundo único. Não serão destruídas, simplesmente se
tornarão inadequadas por não suportarem a fluição de alta intensidade que
atravessará os interworlds dos mundos altamente conectados do terceiro
milênio.
90
Perturbações no campo social
A metáfora, se não cai como uma luva, serve aos propósitos da presente
digressão. Por certo, admitir a hipótese e trabalhar com o modelo de
perturbações no campo social pode ser mais fácil do que sentir essas
perturbações. Não é preciso ir muito longe para saber se um campo social
foi deformado: basta entrar em uma organização hierárquica; por exemplo,
basta visitar uma instituição estatal ou uma grande empresa para constatar
com que intensidade o “campo gravitacional” em torno dos chefes modifica
a estrutura do espaço (no caso, do espaço-tempo dos fluxos). Os fluxos se
abismam nesses buracos negros. Eles são sumidouros, engolidouros,
alçapões de fluxos.
91
delas não é explicitamente exigido, eis o ponto! – para se submeter ao
sistema e aos seus chefes.
Esta é uma das razões – até agora muito pouco compreendida – pelas quais
o comando-e-controle, além de não poder se exercer, também não se faz
necessário em uma rede distribuída (na medida, é claro, do seu grau de
distribuição). Dizer que o emaranhado “sente” quer dizer que ele detecta
distorções. Mais do que isso: primeiro ele encapsula e depois acaba
metabolizando as fontes de perturbações que causam anisotropias no
espaço-tempo dos fluxos. E são esses incríveis seres sociais que chamamos
de pessoas que sentem isso: ainda quando não saibam explicar os motivos
dessa sensação, elas (as pessoas) percebem que “alguma coisa está
92
errada” quando aparece um daqueles netavoids, ou um arrivista (ou mesmo
um troll, nas mídias sociais).
93
Destruidores de mundos
94
Nas organizações hierárquicas, um processo intermitente de
despersonalização é posto em marcha quando obstruímos fluxos,
separamos clusters e excluímos nodos. O resultado de tal processo poderia
ser interpretado, lançando-se mão de nossa metáfora, como uma perda de
contato com a rede-mãe. É por isso que nossas organizações de todos os
setores têm tanta dificuldade de contar com (a adesão voluntária das)
pessoas. A reclamação geral é sempre a de que “as pessoas não
participam”. Imaginam alguns que o motivo dessa dificuldade seria a visão,
a missão, a causa da organização ou do movimento, avaliadas então como
incapazes de empolgar mais gente, porém a verdadeira razão está na
deformação da rede. As pessoas sentem – mesmo quando não conseguem
explicitar racionalmente seus motivos – que não lhes cabe entrar em um
espaço já configurado de uma determinada maneira. Não querem
‘participar’ (tornar-se partes ou partícipes de alguma coisa) nos termos
estabelecidos por outrem, senão ‘interagir’ nos seus próprios termos.
Mesmo assim, persistimos erigindo organizações que não são interfaces
adequadas para conversar com a rede-mãe. Porque continuamos criando
obstáculos à livre conversação entre pessoas.
95
igrejinha... É muito provável que ela faça parte da ‘nova burocracia das
ONGs’, ou seja, que tenha dono, chefe, diretoria – às vezes até familiar –
com baixíssimo grau de rotatividade (menor ainda do que o dos partidos e
organizações corporativas). É muito provável que seus chefes queiram se
eternizar no poder (no caso, um micro-poder, é verdade, mas todo poder
hierárquico, vertical, seja grande ou pequeno, se comporta mais ou menos
da mesma maneira, sempre a partir do poder de excluir o outro...) porque
precisem (ou imaginem que precisem) auferir o crédito ou obter o
reconhecimento social pela sua atuação.
Nos novos mundos altamente conectados que estão emergindo ficará cada
vez mais difícil recrutar, arrebanhar, enquadrar ou aprisionar pessoas em
organizações erigidas com base na seleção de caminhos válidos (ou na
normatização de caminhos inválidos). Desde que tenham essa possibilidade,
as pessoas perfurarão os muros, abrirão continuamente seus próprios
caminhos mutantes e – na sua jornada para Ítaca – peregrinarão para
aprender naquelas “muitas cidades do Egito...”
96
5
Hifas por toda parte
97
Enquanto isso, porém, crescem subterraneamente as hifas, por toda
parte. Os alicerces das organizações hierárquicas vão sendo corroídos
e seu muros, antes paredes opacas para se proteger do outro, vão
agora virando “membranas sociais”, permeáveis à interação e
vulneráveis ao outro-imprevisível. Pessoas conectadas com pessoas
vão tecendo articulações que estilhaçam o mundo-único-imposto em
miríades de pedaços, não pelo combate, mas pela formação de redes.
E outras identidades – mais-fluzz – vão surgindo nos novos mundos
altamente conectados do terceiro milênio.
Não se decepcione: provavelmente você não vai ver nada mesmo! As hifas
crescem, em geral, abaixo do solo. Os esporos espalham-se pelo ar, mas
são tão pequenos que a gente nem percebe.
Nos Highly Connected Worlds não há como fechar nada. Trancar, chavear,
cerrar as fronteiras, isolar por meio de paredes opacas não é a solução para
manter a identidade ou preservar a integridade de nenhum aglomerado.
Quando os fluxos aumentam de intensidade, os muros não conseguem mais
contê-los.
Parece que a vida “sabia” disso: tanto é assim que não encerrou seu
“átomo” (a célula) em nenhuma estrutura fechada, separando-o do meio
com paredes opacas: antes, construiu membranas – uma interface de
sustentabilidade, um convite à conexão. Um convite ao sexo, já que
estamos agora explorando um paralelo biológico: nos fungos – que são
“organismos realmente fractais”, como percebeu a bióloga Lynn Margulis
(1998) – o ato sexual (chamado de conjugação) é uma conexão (1).
98
Muros caindo por toda parte anunciarão “membranas sociais” surgindo por
toda parte. Ou não: o que não virar “membrana social” será escombro.
99
A perfuração dos muros
Eis como paredes opacas vão se tornando inadequadas para conter o fluxo:
elas vão sendo perfuradas por hifas. Essa possibilidade existe
concretamente desde que os subordinados em uma organização hierárquica
não podem mais ser proibidos de se conectar com quem está do lado de
fora do muro pelas polícias corporativas (os departamentos de segurança,
os departamentos de pessoal e, inclusive – e hoje principalmente –, os
departamentos de tecnologia da informação).
100
Só então as organizações fechadas se darão conta de que estão
irremediavelmente vulneráveis à interação e correrão desesperadas atrás
das membranas. Aí já poderá ser tarde: uma membrana é um dispositivo
ultracomplexo, que só pode ser construído pela dinâmica de um organismo
vivo em interação com o meio, com outros organismos e partes de
organismos. Uma empresa que não aprendeu a se desenvolver conversando
com as outras empresas por medo de perder mercado ou de ter roubadas
as suas inovações ou seus funcionários, não conseguirá, da noite para o dia,
fazer uma reengenharia de suas, por assim dizer, boundary conditions. Uma
corporação que insistiu em manter intranets mesmo depois de ter sido
inventada a Internet, dificilmente estará preparada para operar, em tempo
hábil, tal mudança.
101
A construção de “membranas sociais”
102
“Membranas sociais”, seja o que forem (e como forem), serão sempre redes
(mais distribuídas do que centralizadas), interfaces. A única solução-fluzz
parece ser articular comunidades móveis (no ecossistema composto pelos
stakeholders da organização) e deixar a interação configurar tais interfaces,
esperando que elas cumpram funções equivalentes, no mundo social, às
que são desempenhadas pelas membranas celulares no mundo biológico.
Sabemos também que as interfaces devem ser sociais stricto sensu e não
organizacionais (em termos das teorias da administração baseadas em
comando-e-controle). Ou seja, devem ser baseadas na livre conversação
entre pessoas e na sua espontânea clusterização e não na designação, ex
ante à interação, de caixinhas departamentais para alocar essas pessoas.
Simples assim? É, mas a conversação é algo bem mais complexo do que
parece. E os novos procedimentos e mecanismos, os novos processos de
netweaving e as novas tecnologias interativas que inventamos para
viabilizar e potencializar a conversação, alteram completamente o
multiverso das interações que chamamos de social.
103
que já se faz hoje. Bastará não proibir a conexão, não querer disciplinar a
interação.
Não é bem como disse Andi Warhol (1968) – “no futuro todo mundo será
famoso por quinze minutos” – mas é parecido (5). Não é bem como ele
disse porque ninguém será muito famoso, no sentido de visto por todo
mundo, porque não haverá mais o mundo único forjado pelo broadcasting.
Mas é parecido porque no futuro (um conceito que também será
aposentado, de vez que não haverá mais um futuro único, um mesmo
futuro para todos), as organizações serão sempre transitórias, estarão
sempre fluindo para configurarem outras organizações e uma mesma
configuração não poderá perdurar por muito tempo.
Onde e quando tudo isso vai acontecer? Vai acontecer nos Highly Connected
Worlds do terceiro milênio. Para aqueles mundos que já estão no terceiro
milênio.
104
6
O terceiro milênio já começou?
Quem me dera
Ao menos uma vez
Explicar o que ninguém
Consegue entender
Que o que aconteceu
Ainda está por vir
E o futuro não é mais
Como era antigamente.
Renato Russo na canção Índios (1986)
105
Para o mundo único broadcast que remanesce o terceiro milênio
ainda não começou. Grandes “verdades” do final século 20 não foram
ainda revistas, conquanto não faltem evidências de seu
envelhecimento. Três exemplos eloqüentes:
106
“velocidade da luz” como fator que impossibilita o futuro. Mas a questão
não é que não exista futuro possível e sim que não é mais possível, nos
novos mundos altamente conectados que estão emergindo, um mesmo
futuro.
Não há mais uma saída (aliás, quando houve, não foi propriamente uma
saída senão uma permanência, um confinamento em um mundo, para
manter esse mundo contra os outros mundos possíveis). As tentativas de
transformar o mundo herdeiras do iluminismo universalista eram tentativas
contra-multiversalistas de mudá-lo para mantê-lo (como mundo único) ou
então para substituí-lo por outro mundo (também único).
Para quem já entrou no terceiro milênio soam anacrônicas boa parte das
verdades consideradas progressistas e politicamente corretas do século
passado, voltadas à mudar o mundo (quer dizer, a preservar o mundo
único), como – para citar apenas algumas como exemplo – a de que o
mundo ia virar uma aldeia global, a de que era preciso pensar globalmente
para agir localmente, a de que sustentabilidade era resguardar ou poupar
107
recursos para as futuras gerações. A despeito dos generalizados consensos
que se formaram em torno dessas idéias, elas são, todas, regressivas – isto
é: contra-fluzz – posto que nascidas do pavor da imprevisibilidade da
interação.
108
Miríades de aldeias globais
Não é que haja uma rede cobrindo o mundo. É que mundos são redes
109
inconsútil’ de McLuhan. E essa ‘civilização unificada’ era a sua ‘aldeia
global’.
110
inteligência tipicamente humana e não extra-humana, de um deus, de um
alienígena, de uma máquina ou da Matrix. Se esse superorganismo for
capaz de algo como uma consciência, também se tratará de uma
consciência humana composta por emergência e não de uma
superconsciência, de um olho que tudo vê e se vê ou sabe que está vendo.
Nem o velho deus hebraico (segundo a interpretação mais arguta do
esoterismo judaico) possuía tal consciência, de vez que foi levado a criar o
mundo para poder se ver no espelho da sua criação.
Todavia, há uma diferença entre o que fizeram Vinton Cerf e Robert Kahn
(1975) com o Protocolo TCP/IP, Tim Berners-Lee e Robert Cailliau (1990)
com a World Wide Web, Linus Torvalds (1991) e a multidão com o Linux e
Rob McColl (1995) e a multidão com o Apache, e o que fizeram Bill Gates e
Paul Allen com a Microsoft (1975) e o Windows (1985), Steve Jobs e Steve
Wozniak com a Apple (1976) e o Mac OS (1984), Larry Page e Sergey Brin
(e Eric Shmidt) (1998) com o Google, Mark Zuckerberg e Dustin Moskovitz
(2004) com o Facebook e Evan Willians e Biz Stone (e Jack Dorsey) (2006)
com o Twitter. Estamos verificando agora em que medida eles estavam no
contra-fluzz ou com-fluzz, o curso que não pode ser aprisionado por
qualquer mainframe.
111
Pensar e agir glocalmente
Não pode haver um pensar global: seriam pensares, e eles seriam tantos
quantos os locais onde foram pensados
112
Não, não é a mesma coisa. Não é um jogo de palavras. Não pode haver um
pensar global – nem no sentido da percepção de uma esfera inteiriça ou
unificada (como queria Teilhard de Chardin) ou da percepção da aldeia
global (como queria Marshall McLuhan), nem mesmo no sentido de uma
percepção totalizante ou holística – porque isso pressupõe uma apreensão
por cima ou por fora da interação. A aldeia global de McLuhan será local,
está claro, mas nunca um único e mesmo local (pois local já pressupõe
muitos locais, cada qual – aí sim – único; do contrário desconstitui-se o
próprio conceito de local). Quem a perceber estará expressando a
percepção do emaranhado de conexões no qual está envolvido. Como os
emaranhados são diversos, cada percepção será também diversa. Teremos
tantas aldeias globais quanto os mundos a partir dos quais elas são vistas
como resultado de configurações particulares de interação. Ou seja,
teremos miríades de aldeias globais.
113
expressões locais, que poderiam se combinar de trilhões de maneiras
diferentes; na verdade tais combinações seriam, por assim dizer,
praticamente inumeráveis.
Sim, mundos são redes. Senão o que seriam? A população do planeta? Mas
população é um dado estatístico, um número. A soma dos indivíduos da
espécie biológica homo não significa nada em termos humanos. E não se
pode somar pessoas.
114
Aprender a fluir com o curso
115
sistemas dinâmicos complexos que adquiriram características adaptativas –
apresentando a estrutura de rede distribuída – podem ser sustentáveis.
116
a sustentabilidade das sociedades humanas e das organizações que as
compõem (13).
Eis a razão pela qual a sustentabilidade das sociedades humanas não pode
ser alcançada apenas com a adoção de princípios ecológicos (como querem
os defensores ambientalistas ou ecologistas da sustentabilidade, ainda
afeitos a uma visão pré-fluzz de que existe algo como uma consciência
capaz de mudar comportamentos), porque, no caso das sociedades, trata-
se de outros mundos (humano-sociais) que têm como base o mundo
natural, mas que não são conseqüências dele.
117
organizações hierárquicas nada mais é do que o medo de perder uma
ordem pregressa ao se abandonar à livre-interação.
118
7
Alterando a estrutura das sociosferas
119
Os que continuam aprisionados no mundo único dos séculos passados
ainda não lograram perceber o que está em gestação neste período.
A revelia dos cegos “líderes mundiais” e além da compreensão dos
analistas de governos e corporações, grandes movimentos
subterrâneos estão em curso neste momento. De modo molecular,
distribuído e conectado de sorte a formar um feixe intenso de fluxos
– fluzz –, estão se articulando e se expressando glocalmente
experiências inovadoras que tendem a alterar na raiz a estrutura e a
dinâmica das sociosferas. Eis alguns exemplos fulcrais do que está
emergindo:
120
Fascinante! Escolas, igrejas, partidos, Estados, empresas hierárquicas:
construímos tais instituições – que continuam reproduzindo o velho mundo;
sim, são elas que fazem isso – como artifícios para escapar da interação,
para ficar do “lado de fora” do abismo, para nos proteger do caos...
Por isso que escolas são igrejas, igrejas são partidos, partidos são
corporações que geram Estados, que também são corporações, que viram
religiões, que reproduzem igrejas, que se comportam como partidos...
Porque, no fundo, é tudo a mesma coisa: artifícios para proteger as pessoas
da experiência de fluzz!
121
Aprendizagem, não ensino
Mas ao que tudo indica o ensino surgiu – como instituição – de certo modo,
contra a aprendizagem. E não-ensino, dependendo das circunstâncias, pode
até aumentar as possibilidades de aprendizagem. O que é sempre um
perigo para alguma estrutura de poder.
122
estamento (ou da configuração recorrente de um cluster enquistado na rede
social). Alguém tem alguma coisa que precisa transmitir a outros. Precisa
mesmo? Por quê? Alguém conduz (um conteúdo determinado, funcional
para a reprodução de uma estrutura e suas funcionalidades). E alguém
recebe tal conteúdo (tornando-se apto a reproduzir tal estrutura e tais
funcionalidades). Eis a tradição!
Sim, todo corpus sacerdotal é docente. A tradição é tão forte que há até
bem pouco a doutrina oficial católica romana (e ela não é a única) ainda
dividia a igreja em docente (ensinante: os hierarcas) e discente (ensinada:
os leigos). E as escolas, que também se estruturaram, em certo sentido,
como igrejas (mesmo as laicas), consolidaram sua estrutura com base na
separação de corpos entre docentes e discentes.
123
Autodidatismo, não heterodidatismo
Nos dias de hoje, uma criança com acesso à Internet e noções rudimentares
de um ou dois idiomas falados por grandes contingentes populacionais
(como o inglês ou o espanhol, por exemplo), já é capaz de aprender muito
mais – e com mais velocidade – do que um jovem com o dobro da sua
idade que, há dez anos, estivesse matriculado em uma instituição de ensino
altamente conceituada. Se souber ler (e interpretar o que leu), escrever,
aplicar conhecimentos básicos de lógica e matemática na solução de
problemas cotidianos e... banda larga, qualquer um vai sozinho. Ora, isso é
terrível para os que querem adestrar as pessoas com o propósito de fazê-
las executar certos papéis predeterminados. Isso é um horror para os que
124
querem formar o caráter dos outros e inculcar seus valores nos filhos
alheios.
125
conhecimento a partir de esquema classificatório construído de antemão.
Por exemplo, nos primeiros tempos do Gmail havia a recomendação: não
classifique, busque! Hoje continua lá, literalmente: “O foco do Google é a
pesquisa, e o Gmail não é exceção: você não precisa perder tempo
classificando seu e-mail, apenas procure uma mensagem quando precisar e
a encontraremos para você”.
É claro que as buscas atuais (na Internet, por exemplo) ainda são feitas em
mecanismos fechados que não permitem que o usuário redefina ou
modifique os algoritmos de acordo com suas percepções e necessidades.
Mas a tendência é que a busca seja cada vez mais programável e cada vez
mais semântica (3).
A busca semântica substituirá boa parte dos esforços feitos até agora para
“organizar” o conhecimento. Mas é o perfil da busca – bottom up – que vai
dizer qual o conhecimento que é relevante e não a decisão de um centro de
comando-e-controle que queira dizer às pessoas – top down – o que elas
devem conhecer.
126
seguida pelo candidato.
Cada pessoa poderá ter, por exemplo, a sua própria wikipedia. Ao invés de
aceitar apenas as oblíquas interpretações doutas, passaremos a verificar
diretamente a wikipedia de cada um – o arquivo-vivo que contém as
definições dos termos habituais, os pontos de vista, as referências, os
trabalhos e as conclusões sobre os assuntos da sua esfera de conhecimento
e de atuação. Quem gostar do que viu, que contrate ou se associe ao autor
daquela wikipedia. Ponto final.
127
Alterdidatismo, não heterodidatismo
128
escola básica se dedicasse precipuamente a isso, mesmo assim não se
poderia abrir mão da educação em casa (a primeira rede social na qual o
ser humano se conecta), nem da educação comunitária (a expansão dessa
rede, envolvendo os vizinhos, os amigos e conhecidos mais próximos).
Não é por acaso que a educação para a sustentabilidade, quer dizer, para a
vida (em um sentido ampliado, envolvendo os ecossistemas, inclusive o
ecossistema planetário) e para convivência social, não compareçam nos
currículos escolares. Elas não são propriamente objetos de ensino e sim de
aprendizagem-na-ação compartilhada. Ninguém é capaz de aprender essas
coisas apenas tomando aulas ou lendo textos. É necessário vivê-las,
experimentá-las, ou melhor, convivê-las (e é por isso que são drives
geradores de agendas compartilhadas de aprendizagem).
129
que aprendeu a conviver com o meio natural e com o meio social em que
vive.
130
from your neighbours” - Steve Johnson; “I store my knowledge in my
friends” - Karen Stephenson) baseadas na idéia de cidade educadora
reconceitualizada como cidade-rede de comunidades que aprendem. Novas
práticas estão surgindo a partir de experiências voltadas ao estímulo ao
autodidatismo, adaptadas às novas formas de interação educativa extra-
escolares, como o homeschooling e, sobretudo, communityschooling, porém
na linha do unschooling. Novas teorias da aprendizagem, como o
conectivismo, estão tentando mostrar como as redes sociais devem
constituir o padrão de organização das novas comunidades de
aprendizagem capazes de disseminar e empregar ferramentas de auto-
aprendizagem e de comum-aprendizagem (5).
131
Não-escolas: a escola é a rede
Nos Highly Connected Worlds a educação não pode ser mais nada disso que
andaram falando nos últimos quatro séculos do mundo único. Simplesmente
porque não haverá ‘a’ educação.
132
Comunidades educadoras são, antes de qualquer coisa, comunidades de
aprendizagem, quer dizer, comunidades-que-aprendem. Isso vale para
tudo, não apenas para as escolas como aparatos da educação formal.
Também virarão não-escolas os centros de pesquisa e investigação, as
sociedades filosóficas e os grupos criativos que usinam novas idéias e
inauguram novas maneiras de pensar (a escola na sua acepção de think
tank).
133
Matar a escola = matar o Buda
134
construir um códex, uma doutrina, um ensinamento, uma teoria explicativa
de tudo, uma nova plataforma de visão de mundo. Isso é o que diferencia
as novas escolas-não-escolas dos mundos altamente conectados, de uma
escola, quer dizer, de uma igreja (7).
135
O problema é que toda ereção de um sistema implica uma armadilha. Você
fica rodando dentro dele. E para dialogar com as pessoas que vivem nele,
você também precisa também rodar dentro dele. A palavra "rodar", aqui, é
empregada no sentido contemporâneo de "rodar um programa" (software).
Sim, porque o sistema sobre o qual falamos, é um programa de atribuições
de significados e, mais do que isso, de construção dos processos
particulares pelos quais se atribui significados. Para interagir com quem
está dentro do sistema você precisa se plugar e "carregar" o programa (em
você). Ao carregar o programa, você carrega também sua linguagem
(script) e, além disso, seu linguageado e, às vezes, até mesmo seu gestual.
136
Zen adquiriu: ao se fundir ao budismo foram introduzidos conteúdos... Sim,
continua sendo o Zen, mas só depois de você matar o Buda.
Não tem nada a ver com querer ver morto algum fundador por achar que
ele já está caduco ou ultrapassado. É o contrário. Quando se diz "matar o
Buda" isso significa uma admiração suprema pelo Buda, como prefiguração
do Buda que está-em-devir em cada um de nós e que só vai despertar
quando o Buda que está fora desaparecer como referência (externa porém
introjetada em uma espécie de falsa conniunctio). Mas, particularmente, no
contexto desta discussão, significa matar a escola como ordenação do
ensinamento abrindo possibilidades de formação de múltiplas comunidades
de aprendizagem para além do círculo restrito dos que se matriculam em
um curso ou seguem um programa privando da convivência de um grupo
determinado.
137
ensinamento - e mantêm a relação mestre-discípulo). Agora será preciso
mostrar que quando o mestre está preparado, o discípulo desaparece e,
portanto, chegar à condição de mestre é chegar à condição do aprendente:
aquele que matou o mestre não apenas quando matou a imagem idealizada
do mestre dentro de si (introjetada), mas quando matou a escola. E tudo
isso para quê? Ora, para que o Buda morto não renasça nas mãos dos que
o mataram.
Sim, não estamos mais na época do anúncio de uma nova proposta que, se
abraçada por muitos no seu refletir-agir, vai supostamente salvar o planeta
(harmonizar biosfera com antroposfera), redimir a humanidade ou nos levar
para um porvir radiante. Não sabemos qual é o futuro. Sobretudo porque
esse futuro (um futuro), felizmente, morreu. Não podemos pretender levar
ninguém para lugar algum. A época em que vivemos é a época da
desistência (10). A hora que vivemos é, portanto, a hora de abrir mão
dessas pretensões de conduzir povos, orientar nações, mobilizar pessoas
em torno de um objetivo comum para transformar a sociedade (e ‘a’
sociedade, como vimos, é uma abstração regressiva).
138
humanas são sistemas complexos) ocorrem, em boa parte,
espontaneamente (se entendermos por isso que ocorrem em virtude de
fluições que não alcançamos compreender e determinar). Estamos lidando
com uma ordem de fenômenos que não podemos manejar (e é bom para a
liberdade – para a livre aprendizagem humana – que não possamos fazer
isso). A livre aprendizagem humana só pode ocorrer em redes de
aprendizagem, quando nos libertarmos das escolas.
Em suma, uma escola deve ser uma não-escola para ser rede. Não basta
fluir na sintonia interna dos que acolhem o outro que reconhecem como
desejoso de conservar o que querem conservar, do lugar onde estão, desde
que esse conservar seja referente a um compartilhar um determinado
conteúdo. Dizendo a mesma coisa de outra forma, não é o desejo (dos
sujeitos) de conservar determinado corpo teórico, nem mesmo o desejo de
conservar um modo de convivência explicitável e explicável (pelos sujeitos)
que constitui a comunidade humana (ou a rede). A rede acontece quando
você interage. Tudo que podemos fazer para ensejar a interação é evitar a
produção artificial de escassez (é mais um não-fazer). Não adianta
sistematizar conteúdos e esperar que, sintonizando-se com tais conteúdos,
as pessoas passarão a conviver em rede. Isso ainda está no terreno do
proselitismo (uma dimensão de ensino, de propagação de ensinamento, não
de aprendizagem).
139
Espiritualidade, não religião
Nos novos mundos altamente conectados que estão emergindo, formas pós-
religiosas de espiritualidade vão florescer. Elas serão mais-fluzz, quer dizer,
mais expressões do curso que flui nas relações entre os humanos e dos
humanos com o seu habitat do que tentativas de sintonia com um todo
cósmico extra-humano. Elas serão espiritualidades consumáveis na
interatividade ("terrestres" no sentido de serem realizáveis sem produzir
anisotropias no espaço-tempo dos fluxos).
Por isso se diz: quando fluzz soprar, prá que religião, prá que igreja?
140
comunidade pelos defensores da verdade ou das "crenças"
verdadeiras... [Quando se forma uma comunidade de crentes] o
corpo de crenças adotadas pelos novos crentes - qualquer que seja
sua complexidade e riqueza - não constitui uma religião. Isso só
ocorre se os membros dessa comunidade afirmarem que suas crenças
revelam ou envolvem alguma verdade universal, da qual eles se
apropriaram por meio da negação de outras crenças... A apropriação
de uma verdade mística ou espiritual que se sustenta como verdade
universal constitui o ponto de partida ou de nascimento de uma
religião" (13).
141
As doutrinas da tradição verticalizaram o mundo "povoando” todo o
universo simbólico - ou aquilo que foi chamado de "mundo da psique" - com
formas que não concorrem para o estabelecimento de um cosmos social que
mantenha as mesmas propriedades em todas as direções, mas, pelo
contrário, que privilegiam a direção vertical. Não é por outro motivo que
achamos que deus está em cima e que o céu está em cima; o caminho
evolutivo é sempre pensado como uma subida e o regressivo como uma
descida. São camadas e camadas de interpretações simbólicas, depositadas
uma sobre a outra, milênio após milênio.
142
Quem disse que os deuses não existem?
“Quem mandou dizer ao povo que os deuses não existem?” A pergunta teria
sido feita – em tom de reprimenda – por Robespierre aos seus
correligionários. Mas se isso não for uma lenda, se ele fez realmente tal
pergunta, foi movido por maus motivos: não lançar desesperança sobre as
massas... Faz parte da mentalidade de comando-e-controle. Agora, porém,
podemos refazer a pergunta de outra forma: quem disse que os deuses não
existem?
143
uma brecha na tradição centralizadora (hierarquizante) segundo a qual os
deuses tratavam desigualmente os humanos, ungindo os hierarcas e seus
representantes (reis e sacerdotes) para conferir-lhes a autorização (divina)
de exercer o poder sobre os demais e guiá-los por algum caminho. Quando
os gregos invocam Peitho, a persuação deificada, eles confrontam a idéia
autocrática de que a política era uma continuação da guerra por outros
meios. Como escreveu Hannah Arendt (c. 1950) (17):
Mas como? Se a democracia é laica, por que teria ela seus deuses? Pois é.
Laico não quer dizer propriamente ateu (sem deus) e sim sem religião
(institucionalizada); ou seja, ser laico significa não fazer parte da burocracia
sacerdotal instituída para intermediar a relação do homem com a divindade,
isto é: para separar o ser humano da divindade; ou, como disse Jung, para
proteger o homem da experiência de deus, abrindo sulcos para fazer
escorrer por eles as coisas que ainda virão; ou ainda – o que é a mesma
144
coisa – pavimentando com a crença um caminho para o futuro (e
conseqüentemente, eliminando outros caminhos, reduzindo nosso estoque
de futuros possíveis, exterminando mundos).
Não é por acaso que as primeiras formas de Estado erigidas nas cidades
antigas – as cidades-Estados da velha Mesopotâmia – tinham seus deuses.
Cada uma tinha lá o seu deus ou a sua deusa. Um eco empalidecido dessa
tradição são os nossos santos e santas padroeiros de cidades. Na
Antiguidade, porém, as cidades não eram apenas consagradas ou dedicadas
ao um deus ou deusa, senão que pertenciam aos deuses. Uruk e Ur eram
de Innana, Nippur e Lagash de Ninurta
145
humanos e sim no sentido de que não eram humanos, sua “presença” não
era humanizante.
146
– já resolveu essa questão para nós quando escreveu: “Jesus é o único
Deus. Assim como eu, assim como você”.
Desse mesmo ponto de vista, não haveria nenhum problema com deuses
pós-patriarcais que fossem sociais (como o que foi chamado de Espírito
Santo e que a comunidade dos amantes celebra dizendo: “Ele está no meio
de nós”) – para seguirmos a numinosa compreensão, manifestada algures
por Leo Jozef (Cardeal) Suenens, quando escreveu: “É precisam que sejam
muitos para ser Deus”.
Tal inserção, é claro, também pode ser vivida sem conotação mística. Como
disse Ilya Prigogine (1986) em entrevista a Renée Weber, em Diálogos com
cientistas e sábios: “Pessoalmente, sinto que chegamos hoje à percepção de
estarmos entranhados no mundo como um todo. Estamos descobrindo um
147
vínculo sem recorrer a nenhum misticismo externo, estranho” (18). O que
diminuirá, nos Highly Connected Worlds, são as chances de vivermos esse
vínculo permanecendo do “lado de fora” do abismo, precavidos contra o
caos ou protegidos da interação.
148
Ecclésias, não ordens sacerdotais
Mas o que colocaremos no lugar das igrejas (e das religiões)? Ora, nada. O
velho mundo único já colocou muitas instituições para fazer as vezes de
igrejas: as escolas (e o ensino), os partidos (e as corporações), o Estado-
nação (e seus aparatos). Mutatis mutandis, todas essas funcionam mais ou
menos da mesma maneira, como ordens sacerdotais. E todas elas vão
continuar existindo, com uma estrutura e uma dinâmica parecidas com as
que têm hoje, para quem não entrar nos Highly Connected Worlds.
149
investigador que analisa tais fenômenos tentando manter os protocolos
científicos de isenção e objetividade. Mas você também pode simplesmente
viver e celebrar seu vínculo com essas novas ‘Entidades’ sociais – a palavra,
assim com maiúscula, foi usada por Jane Jacobs em 1961 (21) – que se
formam em uma dimensão mística. Se você buscava um domínio mais
amplo de relações de existência para dar sentido à sua vida e vivê-la em
sintonia com essa realidade (avaliada por você, não importa, como
transcendente ou imanente), ei-lo: o simbionte social!
Se você quiser fazer isso agora, possivelmente será encarado como herege.
Aos olhos do mundo único será um herege, assim como são hereges os que
abandonaram a escola, rejeitaram o ensino, rasgaram seus diplomas e
títulos e se transformaram em catalisadores de processos de aprendizagem
em comunidades livres de buscadores e polinizadores, estruturadas em
rede. Assim como são hereges os que, desistindo dos partidos, não
desistiram de fazer política (pública) nas suas localidades, na base da
sociedade e no cotidiano dos cidadãos. Assim como são hereges os que
renunciaram ao Estado-nação (e às suas pompas, e às suas glórias),
refugando também as noções regressivas de patriotismo e nacionalismo, e
viraram cidadãos transnacionais de suas glocalidades...
150
Não há uma ordem pré-existente
Eles queriam então ter acesso a essa ordem pura, queriam estabelecer uma
sintonia com esse modelo não-manifestado, queriam atingir estados
superiores de consciência para contemplar essa espécie de Unimatrix One e,
para tanto, lançavam mão dos mais variados exercícios reflexivos, técnicas
meditativas, rituais teúrgicos, práticas mágicas e processos de iniciação.
Ainda vivemos nas bordas dessas vagas, embora a New Age não tenha
acontecido segundo o que foi previsto. O mundo único não se reencantou
com o reflorescimento de espiritualidades ancestrais. Ainda bem. Porque o
que está acontecendo nos múltiplos mundos altamente conectados é muito,
muito mais profundo, mais abrangente e mais surpreendente do que tudo
que anunciaram os gurus da nova era.
151
Depois dos gurus, vieram alguns hereges dizendo: não há uma ordem; se
há, foi inventada por alguém e não quero me subordinar a ela. Os pioneiros
da Internet e os visionários do ciberespaço dos anos 90 foram impelidos por
esse vento libertário, em parte sob a influência de obras disruptivas como
TAZ – Zona Autônoma Temporária (22) e CAOS – Os panfletos do
Anarquismo Ontológico (23), dois escritos seminais de Hakim Bey (1985) e
dos romances de ficção científica Neuromancer (24) de William Gibson
(1984) e Ilhas na Rede (25) de Bruce Sterling (1988) que, entre outros,
deram origem aos cyberpunks. Talvez pouca gente suspeite disso, mas essa
influência foi decisiva para a criação das ferramentas interativas que
existem hoje (inclusive para a Internet e a World Wide Web), conquanto
não se possa dizer que ela tenha durado muito. Tais pioneiros e visionários,
em boa parte, logo entraram no contra-fluzz ao fecharem suas descobertas
(construindo programas proprietários e escondendo seus algoritmos) para
acumular suas fabulosas fortunas ou ao se deixarem contaminar pelas
idéias contraliberais que impulsionaram os movimentos antiglobalização no
dealbar dos anos 2000 sob a bandeira de que “um outro mundo é possível”.
Se um herege inventa a sua própria ordem e quer que as pessoas passem a
seguí-la – quer transformando-as em usuários cativos de seus produtos,
quer arrebanhando-as em seus movimentos supostamente transformadores
– aí já deixa de ser herege e passa a ser um sacerdote, um burocrata a
serviço da reprodução do sistema que criou.
152
estava vindo. O próprio Peter Lamborn Wilson (Hakim Bey) e os cyberpunks
talvez tenham apenas sentido o sopro, sem chegarem a ver de onde (e para
onde) ele soprava. Pierre Levy (2000), em uma corajosa jornada
introspectiva, cujas notas estão no diário de bordo O fogo liberador (27)
(uma obra de inspiração heraclítica), empreendeu explorações em antigas
tradições espirituais (como o budismo e a cabala) para tentar captar-lhe o
sentido. Mas não havia sentido: “o vento sopra onde quer; você o escuta,
mas não pode dizer de onde vem, nem para onde vai” (Jo 3: 8).
153
das coisas que não são, enquanto não são”. Assim seja (ou não-seja). Let it
be (ou not to be – o que é a mesma coisa).
154
Não-igrejas: porque não existe mais caminho
Fluzz também é: tudo está conectado. E se tudo está conectado por que os
seres humanos não estariam?
155
Nos mundos pouco conectados dos milênios pretéritos, trabalhava-se com
os materiais alquímicos das representações introjetadas, percorrendo-se
interiormente nebulosas estações arquetípicas em direção à totalidade. A
vida humana (do buscador) era, de certo modo, apartada da sua vida social
(do polinizador). O caminho era “pessoal” no sentido de individual e exigia
consciência, confirmação intermitente de que eu vi o que vi, senti o que
senti, pensei o que pensei, sei o que sei, passei o que passei, vivi o que
vivi... até me iluminar (ou não)! Mas isso só ocorre enquanto prevalece a
separação entre eu e o outro.
156
Máquinas para privatizar a política
157
que as pessoas não devem fazer política pública, a menos que entrem em
um partido: uma espécie de agência de empregos estatais, uma
organização privada autorizada a disputar com outras organizações privadas
congêneres o acesso às instituições estatais reconhecidas legalmente como
públicas e, portanto, encarregada com exclusividade de fazer política
pública. Enxugando de toda literatura legitimatória as teorias liberais sobre
o papel dos partidos na democracia, o que sobra é mais ou menos isso aí.
Ora, por mais esforço que se faça para justificar esse acesso diferencial ao
exercício da política pública, parece óbvio que o sistema de partidos
privatiza a política. Ao se conferir aos partidos o condão de transformar
politics em policy, as pessoas viram automaticamente clientela do sistema.
158
sim para possibilitar que os cidadãos continuem - com liberdade -
inventando novas formas de regular seus conflitos.
159
Autocratizando a democracia
Era tão improvável que isso acontecesse, na época que aconteceu, como foi
o surgimento e a continuidade da vida neste planeta, perigosamente
instável em virtude da composição atmosférica tão improvável que
alcançou. Com efeito, um gás instável (comburente), corrosivo e
extremamente venenoso como o oxigênio, que chegou a alcançar a
impressionante concentração de 20%, é uma loucura em qualquer planeta:
mas foi assim que o simbionte natural – essa surpreendente capa biosférica
que envolve a Terra – conseguiu respirar.
160
para realizar a democracia na cidade, na base da sociedade e no cotidiano
do cidadão enquanto integrante da comunidade (koinonia) política.
Não é necessário argumentar muito para mostrar como tudo isso está no
contra-fluzz. Esse tipo de organização partidária e de regime partidocrático
a ela associado não tem muito a ver com a construção de uma governança
161
democrática e sim com a manutenção de uma governabilidade autocrática,
quer dizer, com a capacidade de manter as regras de uma luta, de um
combate permanente entre grupos privados, assegurando que o vencedor
tenha o direito de privatizar a esfera pública de modo a prorrogar o seu
poder sobre a sociedade (no fundo há sempre uma disputa pelo butim, na
base do spoil system). Tal como o Estado-nação, partidos são instituições
guerreiras: ainda quando não se dediquem ao conflito violento, operam a
política como arte da guerra, como uma continuação da guerra por outros
meios. Nesta exata medida, são organizações antidemocráticas. Só pessoas
tontas – e pelo visto destas há muitas – podem acreditar que o resultado
desse embate constante, dessa interação adversarial permanente,
conseguirá constituir um sentido público (35).
162
Não-partidos
Nada deve impedir que pessoas se associem livremente para fazer política
pública. Se houver algo impedindo isso, então estamos em uma autocracia
ou em uma democracia formal de baixa intensidade, fortemente perturbada
pela presença de instituições hierárquicas que deformam o campo social.
Partidos são, obviamente, uma dessas instituições, conquanto não consigam
– na vigência de regimes democráticos formais – impedir totalmente que as
pessoas exerçam a política; não, pelo menos, nos âmbitos de suas redes de
relacionamento, nos círculos com graus de separação mais baixos.
163
em redes mais distribuídas do que centralizadas e na medida do grau de
distribuição e conectividade (quer dizer, de interatividade) dessas redes.
Quanto mais distribuída for uma rede, mais a regulação que nela se
estabelece pode ser pluriarquica. Uma pessoa propõe uma coisa. Ótimo.
Aderirão a essa proposta os que concordarem com ela. E os que não
concordarem? Ora, os que não concordarem não devem aderir. E sempre
podem propor outra coisa. Os que concordarem com essa outra coisa
aderirão a ela. E assim por diante.
Vamos imaginar que exista alguém que não esteja muito contente com a
maneira como as coisas estão acontecendo em uma comunidade. O que
essa pessoa pode fazer, além de externar sua opinião e colocá-la em
debate? Ora, no limite, essa pessoa descontente pode configurar uma nova
rede, se inserir em outra comunidade, ir conviver em outro mundo. Como
os mundos são múltiplos, ela não está mais aprisionada e não precisa ficar
constrangida a permanecer no mesmo emaranhado onde não se sente
confortável.
164
partidos e as corporações. Com mais razão ainda não pode vigir nos
Estados e seus aparatos, que – mais do que organizações hierárquicas –
são troncos geradores de programas centralizadores.
165
Estado
166
outras instituições privatizadoras da política que querem “representá-las” ou
comandá-las.
167
A nação como comunidade imaginária
168
origem comum (em geral forjada), raça (uma identificação inconsistente do
ponto de vista científico), língua, costumes, credos, cultura enfim e história
(escrita sempre da frente para trás) (40).
169
ideologia dos governos. No que tange a função de legitimação dessa
ideologia, foi necessário promover uma fusão entre o Estado e a nação.
Sem isso o aparato hierárquico estatal não conseguiria infundir na grande
“comunidade” nacional as noções abstratas de identidade que alimentam o
aparato, para as quais o drive principal foi, invariavelmente, a guerra (que
permite a formação de identidade a partir do inimigo). Sim, os Estados –
qualquer Estado, inclusive a forma atual Estado-nação – são frutos da
guerra e se alimentam (internamente) do “estado de guerra” ou (na
fórmule inversa de Clausewitz-Lenin) da prática da política como uma
continuação da guerra por outros meios. São produtos, portanto, não da
cooperação (ou da amizade política) que supostamente aglutinaria a nação
– e de todo aquele blá-blá-blá da “vontade de viver juntos” – e sim da
competição (ou da inimizade política).
Por isso que todo Estado é hobbesiano. Todo Estado é fruto do realismo
político. Todo Estado é autocrático (inclusive naqueles que denominamos de
“Estados democráticos e de direito” os enclaves autocráticos são tão
onipresentes que a estrutura e a dinâmica da entidade como um todo não
podem acompanhar o comportamento democrático das sociedades que
dominam). Ao criarmos a identidade imaginária “Atenas” para colocá-la no
lugar da identidade concreta “os atenienses”, já não estamos mais no
campo da democracia e sim no da autocracia. E os próprios gregos do
século de Péricles fizeram isso, quando se comportaram de modo a-político
no enfrentamento violento com outras cidades-Estado da região.
Ora, você pode dizer: eu não quero “viver junto” com quem eu não quero,
apenas pelo fato de ser brasileiro, na medida em que isso signifique “não-
querer viver junto” com um inglês pelo fato de ele ser inglês (e não
brasileiro). Por que deveria? Quem disse que somos inimigos? A quem
interessa manter esse tipo de rivalidade subjetiva? Do ponto de vista
genético – a ciência biológica já mostrou – somos mesmo, todos nós, uma
única grande família. Do ponto de vista cultural parece claro, a não ser que
nos deixemos intoxicar pela estiolante ideologia multiculturalista, que
culturas que não se polinizam mutuamente – por meio de saudável
miscigenação – tendem a apodrecer.
170
Não existe um Brasil, mas milhares, talvez milhões. Stricto sensu a “nação
brasileira” não é, nem nunca será, uma comunidade e sim uma interação de
miríades de comunidades que falam a mesma língua (com vários sotaques e
regionalismos), têm alguns costumes parecidos (e muitos costumes locais
bem diferentes), várias histórias reais (e não apenas uma única narrativa,
como aquela que é ensinada nas escolas). A nação só é una do ponto de
vista das instituições estatais (por meio das quais se materializam os
poderes da República, as forças armadas, a moeda) e daquilo que
antigamente se chamava, de um jeito meio sem-jeito, de “aparelhos
ideológicos de Estado”. Além, é claro, do governo central, que precisa
espichar essa unidade para além da herança cultural.
Mas há uma idéia e, mais do que isso, uma prática de bando na raiz dessa
unidade. Como no surgimento da noção de cidadania (que nada tinha de
universal, pelo contrário), trata-se de proteger “os de dentro” contra “os de
fora”, impedir que eles – os outros – venham vender na nossa feira, que
concorram conosco em igualdade de condições, que adquiram nossas
terras, que roubem nossas riquezas naturais (que certamente o próprio
Deus nos concedeu, lavrando a escritura no cartório do céu: em nome do
Estado, é claro), que tomem nossos empregos, que exerçam plenamente a
cidadania política (disputando conosco o poder associado à representação).
Sim, é um sentimento de bando que se manifesta aqui, justificado pelo
pressuposto antropológico de que o ser humano, por inerentemente
competitivo, é hostil por natureza e que, portanto, os seres humanos,
deixados a si mesmos, como escreveu Hobbes (1651), engalfinhariam-se
em uma guerra de todos contra todos. Ah... A menos que haja um Estado
para impedir, entenda-se bem, não o conflito em si e a guerra, mas o
conflito no interior do próprio bando e a guerra entre “os de dentro”. Tudo
isso, é claro, para poder promover o conflito e a guerra com “os de fora”.
Foi assim que nasceu o Estado, e inclusive, como já foi assinalado, a forma
atual Estado-nação e a ordem internacional do equilíbrio competitivo.
171
“O Brasil” é um construct. Se somos brasileiros, na maior parte do tempo,
nos nossos trabalhos, nos nossos estudos e pesquisas, nos nossos
relacionamentos, “o Brasil” não gera preferências significativas (41).
172
Pois é precisamente neste ponto de bifurcação que nos encontramos hoje.
Todavia, para além, talvez, do que avalia Thompson, não são apenas “o
fundamentalismo religioso e as reações terroristas nacionalistas da direita à
planetização” (43) que estão tentando enfrear a emergência de uma nova
identidade transcultural. Hoje o próprio conceito de nação, interpretado e
materializado por uma forma já decadente de Estado – o Estado-nação e as
ideologias nacionalistas nele inspiradas ou por ele infundidas na sociedade –
constitui um obstáculo à transição histórica atualmente em curso (cujo
sentido é a glocalização).
173
A falência da forma Estado-nação
174
Em outras palavras, do ponto de vista do ‘desenvolvimento como liberdade’,
os Estados-nações existentes no mundo atual, em sua maioria, não são
instâncias benéficas.
Bem mais da metade dessas pessoas vivem em cidades que poderiam “dar
certo”, não fosse pelo fato de estarem subordinadas a Estados-nações que
sufocam seu desenvolvimento. Sim, 87% dos Estados-nações do globo não
podem ser considerados desenvolvidos dos pontos de vista humano, social
e científico-tecnológico. No entanto, nesses 168 países “atrasados” (por
assim dizer) e com poucas chances de se inserir adequadamente na
contemporaneidade, existem milhares de cidades promissoras, que
caminhariam celeremente para alcançar ótimas posições nos rankings da
inovação e da sustentabilidade, bastando para tanto, apenas, que
175
lograssem se libertar do jugo dos países – das estruturas centralizadoras
dos governos centrais e dos outros aparatos de controle e dominação dos
Estados-nações – que as estrangulam.
O fato é que o Estado-nação não é boa instância – e não é uma boa fórmula
política – do ponto de vista do desenvolvimento.
As cidades, pelo contrário, sempre o foram, pelo menos até agora. E não há
nenhuma razão pela qual as cidades devam continuar mantendo uma
atitude genuflexória em relação ao Estado-nação, a não ser a concentração
de poder nas instâncias nacionais, inclusive o poder de retaliação dos
governos e legislativos centrais. Os prefeitos, como se diz, andam de “pires
na mão” e ajoelham-se perante os executivos nacionais, em parte porque
dependem de recursos que foram centralizados pelas instâncias nacionais e,
em parte, porque têm medo de serem discriminados e perseguidos – o que,
convenha-se, é um motivo odioso e antidemocrático. Mas isso acontece
porquanto suas cidades não estão preparadas para enfrentar os desafios de
caminhar com as próprias pernas.
176
O reflorescimento das cidades
177
por Tóquio, Kanagawa, Chiba e Saitama, com um PNB de 1,5 trilhão de
dólares; ou a área de Osaka, com 770 bilhões, em dados de 2005). Parece
óbvio que essas regiões, que representam unidades econômicas mais
pujantes do que a imensa maioria das nações do mundo, figurando então
(2005) em terceiro e o sétimo lugares, respectivamente, no ranking
mundial, mais cedo ou mais tarde, entrarão em choque com o centralizado
sistema político do velho Estado-nação japonês, que não lhes permite uma
dose de autonomia correspondente ao seu peso econômico.
178
As cidades na glocalização
179
poder, atribuições e autonomia em benefício dos níveis supranacional e
subnacional” (48).
Nenhum Estado hoje consegue mais se livrar dos conflitos com seus níveis
subnacionais, diante das exigências crescentes de mais autonomia local.
Mas a despeito de todos os conflitos políticos e fiscais entre diferentes níveis
de governo dentro de um mesmo Estado, que só tendem a se aprofundar e
generalizar nos próximos anos, nunca é demais repetir que se fala aqui das
cidades como redes de múltiplas comunidades interdependentes e não da
réplica Estatal montada nas cidades, da instância municipal do Estado ou do
governo local.
Não é nas novas formas econômicas que vamos encontrar o “mapa” das
novas cidades. Esse “mapa” não poderá ser outra coisa senão as novas
configurações das redes que configuram a cidade-rede. Tivemos até agora
vários tipos de “mapas”, dos quais podemos citar alguns exemplos: as
180
cidades-assentamento “horizontais” que se formaram após o final do
período neolítico na Europa Antiga e no Oriente Médio (como Jericó, a
partir, talvez, do 6º milênio a. E. C.); as cidades-Estado da antiguidade (as
cidades monárquicas, muradas e fortificadas, que surgiram na Mesopotâmia
a partir do 4º milênio, como Uruk, Ur, Lagash etc., e que se replicaram no
período considerado civilizado); as cidades – burgos – organizadas em torno
do comércio nos períodos feudais; uma grande variedade de cidades
correspondentes aos Estados principescos e reais; até chegar às cidades
como instâncias subnacionais (ou domínios do Estado-nação). E tivemos
também algumas exceções, como Atenas – a polis do período democrático –
e outras poleis na Ática. São exceções porque a polis grega democrática
não era propriamente uma cidade-Estado semelhante às suas
contemporâneas e sim uma comunidade (koinonia) política. Por último, ao
que parece, teremos agora, no ocaso do Estado-nação, novos tipos de
cidades: as cidades-redes (e as redes de cidades configurando novas
regiões).
Ao que parece, não é muito útil tentar pegar no passado um modelo como
prefiguração para explicar o fenômeno atual da emergência da cidade-rede.
Assim como a globalização da época das navegações não diz muita coisa
sobre a globalização atual, também não teremos um novo venezianismo
(por exemplo, não tivemos um novo brugesismo – de Bruges – a não ser o
próprio venezianismo, o original, dos séculos 14 e 15). Não teremos novas
“ligas hanseáticas”, nem um neo-antuerpismo ou um neogenovismo; assim
como nenhum país ou região poderá cumprir no mundo atual o papel que
foi desempenhado, em suas épocas, por Amsterdã, Londres, Boston, Nova
Iorque ou Los Angeles e adjacências.
181
Não é o mercado que determina. Não é o Estado que decide. São os
fenômenos que ocorrem na intimidade da sociedade e que têm a ver com o
grau de conectividade e de distribuição da rede social que acarretam a
estrutura e a dinâmica dos novos agrupamentos humanos que se
estabelecem sobre o território e, inclusive, daqueles que não estão
estabelecidos sobre um território (como os agrupamentos virtuais). É claro
que o mercado pode induzir e o Estado pode restringir (em geral colocando
obstruções) as fluições que configuram a forma e o funcionamento das
sociedades. Mas nenhum desses tipos de agenciamento pode determinar o
que acontece.
182
Comunitarização
183
nessa transição para outra etapa do sistema global, no rumo da efetivação
de uma verdadeira ecumene planetária.
Cada cidade tem muitas comunidades (ou seja, em princípio, cada cidade
pode ter múltiplas identidades). Cada comunidade se desdobra, por sua
vez, em muitas outras comunidades (aumentando ainda mais a diversidade
das identidades). Isso poderia ser um problema, porque, a rigor, uma
comunidade nuclear de convivência cotidiana com grau máximo de
distribuição e conectividade, capaz de ensejar pleno relacionamento entre
todos os seus membros (e, conseqüentemente, usinar uma identidade
inequívoca) é uma rede muito pequena, não chegando, talvez, a duas
centenas de pessoas. Só não estamos diante de um problema insolúvel
porquanto há também muita superposição. Uma pessoa participa ao mesmo
tempo de várias comunidades desse tipo (familiar, funcional, de prática, de
aprendizagem, de projeto etc.) e não está condenada a conviver em um
único círculo restrito de relacionamentos. Assim, o padrão de interação é
complexo, dando margem à formação de circularidades inerentes que – se
compartilhadas por múltiplas redes urbanas – podem configurar a cidade-
rede.
184
para não falar do dispêndio desnecessário de recursos. Verdadeiras cidades
só passarão a existir (em termos sociológicos, por assim dizer), várias
décadas depois da instalação dessas experiências arquitetônicas e de
planejamento urbano de eternos “aprendizes de feiticeiros”, que retornam
de tempos em tempos. Padrões de comportamento social peculiares já se
reproduzem nas cidades por efeito de herança cultural, às vezes milenar e
isso não pode ser substituído por iniciativas conscientes de um número
limitado de planejadores urbanos, mesmo quando estão imbuídos das
melhores intenções.
Mas o que não se pode pretender é constituir comunidades desse tipo como
proposta política para estabelecer um caminho de mudança, forjando
estudadamente uma identidade e buscando ganhar almas por meio do
proselitismo ou da aplicação de outros programas proprietários.
185
Cidades inovadoras, não-Estados-nações
186
não poderão mais competir com a produção em larga escala de
conhecimentos e, inclusive (uma conseqüência), de produtos comerciais –
como os chamados peer production e crowdsourcing – e com as outras
formas não-mercantis de inovação, como as que serão acionadas na
emergência das novas cidades.
187
O mercado nos forneceu um modelo relativamente eficaz de regulação
emergente, tão sedutor que muitas pessoas deixaram-se intoxicar por uma
visão mercadocêntrica do mundo, que poderia ser resumida na pergunta:
ora, se deu certo para as unidades econômicas, por que não daria também
para as unidades políticas e sociais? Foi assim que os modernos
avacalharam o conceito de público. E a rigor também desaproveitaram o
que havia de tão revelador na autoregulação mercantil: o próprio
mecanismo da autoregulação ou o processo da emergência. Por medo do
risco, da incerteza no tocante aos seus investimentos, em vez de
constituirem empresas-fluzz e de articularem seus negócios em rede,
erigiram empresas monárquicas, às quais logo associaram ao Estado
hobbesiano gerando o capitalismo que conhecemos.
188
Negócios em rede
Uma coisa que a nós parece ser um negócio, em uma sociedade não-
mercantil talvez pareça ser uma simples troca e em uma sociedade
fortemente verticalizada de predadores ecossociais (como, por exemplo,
entre cavaleiros medievais), pareceria ser uma justa, uma disputa de vida
ou morte. As interações entre pessoas que estão na raiz do fenômeno têm
uma precedência ontológica (se for possível falar assim) às interpretações
de suas manifestações em sociedades determinadas: para o persa vendedor
de seda no mercado, comércio era uma coisa diferente do que era para o
mercador veneziano e do que é para o vendedor da Avon. O status do
conceito (a epistemologia) varia com a ontologia; ou seja, negócios em uma
rede não são anteriores ao tipo particular de interação que, em uma dada
circunstância, interpretamos como negócio.
189
Estamos aqui como aqueles caras que olham a mesma montanha de
diferentes perspectivas e juram, um, que a montanha é assim, com uma
ponta para o lado esquerdo, outro, que a montanha é assado, com uma
inclinação para a direta, outro, ainda, que ela tem a forma de cone... Mas
como ela é realmente?
Os negócios que são feitos no mundo ainda são, em grande parte, negócios
de intermediação. Mas nos mundos hiperconectados que estão emergindo, a
figura do intermediário tente a desaparecer. Há uma espécie de
esgotamento histórico de um papel social que foi adequado a uma época
que está se desfazendo.
190
escorre livremente sem passar por aquela "estação"... Porém unidades mais
distribuídas do que centralizadas podem dispensar tais intermediários na
medida do seu grau de distribuição (que, como se sabe, acompanha o seu
grau de conectividade).
191
Apaches, não aztecas
192
Em outras palavras e para exemplificar: o empreendedor capitalista
nascente não teria conseguido prosperar sem o Estado. Ele tinha relações
políticas privilegiadas. Isso valeu para os donos das primeiras grandes
manufaturas inglesas, para Ig Farben, na Alemanha hitlerista, passando por
Gerdau, no Brasil do regime militar e chegando aos atuais capitalistas
chineses. Ocorre que nos mundos que se avizinham (os mundos altamente
conectados da sociedade do conhecimento), o novo empresário não
precisará mais de uma infra-estrutura hard instalada para produzir e nem,
muito menos, de apoio político privilegiado para manter em suas mãos uma
estrutura de negócios funcionando. Serão mundos - ao que tudo indica -
muito mais abertos aos empreendedores (inovadores).
A rigor, as grandes empresas não têm mais um (único) negócio. Tanto faz o
negócio, pois vivem praticamente de propaganda. São, no fundo, empresas
de propaganda. Quem pode comprar dez ou vinte minutos por dia em todos
os canais de TV aberta e a cabo, pode também vender qualquer produto: de
dentifrícios a telefones celulares. Quem pode se localizar adequadamente
vende em qualquer lugar do mundo. E quem pode fazer essas coisas
acumulou tamanho poder (inclusive comprando altos funcionários
governamentais, parlamentares, juízes, promotores, policiais, fiscais e
meios de comunicação em tantos países) que pode fazer quase qualquer
193
coisa. A mega-estrutura montada e a difusão massiva da marca garantem,
depois de algum tempo, que os produtos de uma grande empresa sejam
quase sempre aceitos pelos consumidores, de um modo que não
corresponde diretamente à qualidade desses produtos (ou à sua reputação,
como se acredita). Apesar dessa conversa contemporânea de branding
como pacto feito entre a empresa e os sujeitos que estão no seu
“ecossistema”, em empresas hierárquicas competindo com outras empresas
hierárquicas em um mundo hierárquico, todo branding acaba, mais cedo ou
mais tarde, sucumbindo à realpolitik do marketing.
Mas a medida que o mundo se torna menor em termos sociais (ou seja,
mais conectado) a tendência, ao contrário do que supõem os adeptos dos
movimentos antiglobalização, é a pulverização e a diversificação das
empresas, não a sua concentração em algumas poucas unidades dominando
o mundo inteiro. Saltaremos, talvez, das dezenas para centenas de milhões
de unidades empreendedoras quando a população mundial chegar perto de
10 bilhões de pessoas (por volta de 2050). E isso não tem a ver apenas
com crescimento absoluto, pois a razão empresa-habitante tende a
aumentar bastante.
Ao que tudo indica nos Highly Connected Worlds não vingarão mais
empresas tão grandes, pouco ágeis para os tempos-fluzz. O capitalismo-
que-vem (com esse ou outro nome) tende a ser um capitalismo de muitos
capitalistas e não apenas de poucos. Se considerarmos que o capitalismo foi
o resultado de uma associação entre empresa monárquica e Estado
hobbesiano, talvez não seja nem muito correto chamá-lo de capitalismo.
Será alguma coisa assim como um "capitalismo" do capital social.
Pois bem. Aconteça o que acontecer, em uma rede negócios entre seus
nodos não podem ser feitos segundo padrões do mundo hierárquico.
194
A questão aqui, portanto, não parece ser ética, nem estritamente
econômica, mas social mesmo (a economia, como dissemos, não vem de
Marte, mas é um dos pontos de vista explicativos para fenômenos que
ocorrem na sociedade, quer dizer, na rede social). O homo economicus é
uma abstração reducionista. O que existe mesmo é a pessoa, que só pode
se constituir como tal na relação e, inclusive, na troca e na dádiva.
195
Não-empresas-hierárquicas
Bem, mas então o Sr. Gates diz isso. E a realidade mostra que o mundo não
funciona (mais) assim (se é que alguma vez funcionou). Os grandes
inovadores da humanidade – em sua maioria – nunca agiram assim.
Descobriram coisas porque deram curso àquela surpreendente capacidade
humana de se maravilhar com o desconhecido e de caminhar na escuridão
em direção à luz (ainda que isso possa soar, para alguns, anacronicamente
iluminista, a figura de linguagem parece perfeita). E polinizaram com suas
descobertas outras descobertas. Toda inovação surge, dessarte, por
polinização mútua, por fertilização cruzada. Ora, isso não acontece nos
marcos do jogo comercial de interesses e nem poderá acontecer, no volume
196
exigido pelo ritmo alucinante das inovações contemporâneas, apenas dentro
de uma unidade fechada de aprisionamento de corpos e de cérebros (como
a empresa como unidade administrativo-produtiva isolada). Isso ocorrerá,
cada vez mais, dentro de redes de stakeholders que serão as novas
comunidades de negócios do mundo que já se anuncia, demarcadas do
meio por membranas (permeáveis ao fluxo) e não por paredes opacas.
Sua avó lhe cobrou pela receita daquela magnífica geléia? Não? Então por
que você não pode fazer o mesmo? Ah! Ela então deu a receita para o
próprio neto, mas não a daria para o neto de outra avó? Por quê? Porque a
estrutura familiar, no caso, privatizou o capital social. Não é preciso grande
esforço para perceber que, do ponto de vista social, isso gerou
improdutividade, diminuiu a intensidade do fluxo econômico. E que, como
conseqüência, muitos perderam enquanto todos poderiam ganhar.
Não parece ser verdade, como pensam alguns, que a peer production seja
coisa para um futuro longínquo. Temos hoje milhares de produtos (bens
intangíveis e inclusive tangíveis) sendo produzidos assim. Nem é necessário
insistir nos exemplos sempre citados do Linux ou do Apache (et pour cause,
novamente). Basta ver como surgiu quase toda a produção científica:
retrocederíamos à idade da pedra sem a peer production.
Por certo, muitos mundos ainda não são assim. Mas as tendências apontam
nessa direção. Na medida em que a privatização do conhecimento vai se
tornando, cada vez mais, impraticável, vão perdendo sentido os esquemas
que visam o seu aprisionamento. E assim como está ficando cada vez mais
difícil aprisionar o conhecimento, ainda há outra evidência que corrobora
essa hipótese: o conhecimento aprisionado estraga. É um bem que cresce
197
quando compartilhado e decresce e perde valor quando não se modifica
continuamente pela polinização.
198
O fim do trabalho
Assim como temor não é amor, trabalho não é algo que possa humanizar os
seres humanos enquanto sujeitos interagentes em relações horizontais com
outros seres humanos. Quando se trabalha para um superior que aprisionou
seu corpo e escravizou ou alugou sua força e sua inteligência, é-se
subordinado, sub-ordenado segundo um padrão de ordem vertical, alocado
em um degrau inferior da escada do poder.
199
Também não é por acaso que no organograma das empresas figuram no
topo aqueles que têm muitas conexões e abaixo os que têm poucas. O CEO
tem acesso a todas as informações, a todos os conhecimentos, a todos os
funcionários e a todos os demais stakeholders, enquanto que o auxiliar do
almoxarifado e a moça do café vivem na pobreza de caminhos (ver Fig. 2).
É assim que a estrutura hierárquica organiza internamente a pobreza (e
toda pobreza é pobreza de conexões) para administrá-la e mantê-la. Diz-se
então que tais pessoas não são empreendedoras. Ora, é claro que não são:
a empresa cassou seu empreendedorismo ao aprisioná-las nesse tipo de
estrutura centralizada. A empresa-hierárquica só se constitui porque aquele
mesmo programa ancestral, resumido no mito sumério da criação do ser
humano como um trabalhador amestrado (o “lulu-amelu”), continua
rodando na rede social. Não importa para nada se os nomes das coisas, dos
processos e das “peças da máquina”, mudaram: você continua adorando
ídolos, quer dizer, trabalhando para um deus.
200
O problema não foi e nem será resolvido enquanto se mantiver a empresa-
mainframe que repete o padrão hierárquico das demais instituições
adequadas a um mundo de baixa conectividade social (e que, aliás,
mantinham o mundo único como um mundo de baixa conectividade social).
201
Reprogramando sociosferas
Basta que você se dedique a “fazer” redes para inocular um virus nos
programas verticalizadores
É claro que tudo isso se resume em uma palavra: rede. Redes devem ser
encaradas, nesse sentido, como movimentos de desconstituição de
hierarquias. “Fazer” redes é desconstituir hierarquias.
Ao fazer isso, você se tornará um netweaver. Não importa onde atue, desde
que você desista das instituições hierárquicas: seja desistindo das escolas,
para atuar como catalisador de processos de aprendizagem em
comunidades livres de buscadores e polinizadores, estruturadas em rede;
seja desistindo das igrejas, mas (só se você quiser) não de compartilhar sua
mística ou sua espiritualidade com outras pessoas; seja desistindo dos
202
partidos, mas não desistindo de fazer política (pública), exercitando a
democracia cooperativa na base da sociedade e no cotidiano das pessoas
que convivem com você, na sua localidade ou setor de atividade; seja
desistindo das noções regressivas de patriotismo e nacionalismo e virando
cidadão transnacional de sua glocalidade; seja desistindo das empresas-
hierárquicas, mas não de empreender e de se associar a outros
empreendedores para estruturar novas empresas em rede.
203
204
8
Os mantenedores do velho mundo
205
Nada disso está sendo percebido pelos mantenedores do velho
mundo que são, invariavelmente, “net-avoids”, ou seja, aqueles que
desconfiam das redes quando não deveriam fazê-lo, posto que
justamente em uma época de transição para uma sociedade em rede.
E estes são, quase sempre, hierarcas. Não conseguem ver o que está
ocorrendo porque, do lugar onde operam, objetivamente, contra os
novos mundos que estão emergindo, a mudança não pode mesmo
aparecer. Alguns exemplos dessas categorias – que freqüentemente
se misturam e incidem em alguma combinação particular sobre um
mesmo indivíduo “vitorioso” (segundo os critérios do milênio
pretérito) – merecem ser destacados: os ensinadores ou burocratas
sacerdotais do conhecimento, os codificadores de doutrinas, os
aprisionadores de corpos, os construtores de pirâmides, os
fabricantes de guerras e os condutores de rebanhos.
206
Dentre os que fazem sucesso na sociedade hierárquica e de massa
encontram-se, é claro, pessoas esforçadas, criativas ou inovadoras, talentos
extraordinários e gênios incontestes. Mas estão lá também – em número
tão grande para derrubar o mito de que o sucesso é um prêmio pelo talento
– os agentes reprodutores desse tipo de sociedade, como, por exemplo, os
colecionadores de diplomas, os vendedores de ilusões, os marqueteiros de
si mesmos, os aprisionadores de corpos, os ensinadores ou burocratas
sacerdotais do conhecimento, os codificadores de doutrinas, os
aprisionadores de corpos, os construtores de pirâmides, os fabricantes de
guerras e os condutores de rebanhos.
Não se trata de inculpar esses tipos por todo mal que assola a humanidade.
Eles são apenas agentes inconscientes da reprodução do sistema. Eles não
existem propriamente como indivíduos. Não adianta para nada tentar
nomeá-los: eles são legião (Mc 5: 9), entidades inumeráveis configuradas
nas redes sociais, quando campos perturbados pela presença da hierarquia
aglomeram e enxameiam no contra-fluzz.
207
Ensinadores
208
artefatos materiais, economicamente determinados. Foi a criação
factual e claramente consciente (isto pode ser afirmado com total
certeza) da mente e ciência de uma nova ordem de humanidade que
jamais havia surgido na história da espécie humana: o profissional de
tempo integral, iniciado e estritamente arregimentado, sacerdote de
templo”.
Por quê? Ora, porque o livre aprendizado na rede social de então não seria
capaz de cumprir tal função, que nada tinha a ver com sua sobrevivência ou
com sua convivência. Não se tem notícia de escola, ensino ou professores
em sociedades de parceria. Quando a rede social foi subitamente
centralizada pela configuração particular que se constelou com o surgimento
do complexo cidade-templo-Estado, os programas verticalizadores que
começaram a rodar nessa rede eram replicados em outras regiões do
espaço e do tempo pela transmissão-recepção de seus códigos – e já havia
programas elaborados, como os que os sumérios denominavam ‘me’ (6) –
aos membros do mesmo grupo social.
209
Essa hipótese é fortalecida pela investigação das origens da Kabbalah. O
símbolo central desse sistema de sabedoria – a chamada “Árvore da Vida” –
foi, sem dúvida, herdado do simbolismo templário do complexo Templo-
Estado sumeriano, o qual deve ter passado ao judaísmo posterior por
intermédio da Golah – a organização dos cativos (seqüestrados nas elites de
Jerusalém) na Babilônia sob o reinado de Nabucodonozor e seu sucessor.
Não se sabe a origem da 'árvore da vida', mas ela aparece nas imagens da
tamareira gravadas nas mais antigas tabuinhas sumerianas encontradas
pelos escavadores. E aparece também – com o mesmo esquema, que
depois foi transmitido pela tradição (cabalística) – na forma de uma nave,
ladeada por dois seres alados (com cabeças de águia). Uma nave – talvez
como as naves dos templos, até hoje – que não sai do lugar, mas por meio
da qual se pode “viajar” para os céus caso se tenha acesso ao “combustível”
adequado: ao “fruto da vida” e à “água da vida”...
Essa ideologia de raiz babilônica (suméria) que, quase dois milênios depois,
foi se chamar de Kabbalah (cabala), na Idade Média européia, fez uma
operação tremenda de “engenharia memética” no símbolo original,
ressignificando a árvore da vida como uma “árvore do conhecimento”, quer
dizer, tomando a vida pelo conhecimento da vida e do que com ela foi
feito... Isso significa obstruir o acesso à vida, facultando-o somente aos que
possuem o conhecimento (aquilo que a cabala chamou de “ensinamento” e
que é transmitido então em uma cadeia, tida por ininterrupta, que começa
com o arquimensageiro Raziel, passa para Enoc – o escriba, não por acaso
– e daí para os patriarcas e para os sacerdotes). Kabbalah vai designar,
então, essa tradição sacerdotal: condução (transmissão-recepção) do
ensinamento original por parte daqueles que são capazes de reproduzir esse
mesmo padrão de ordem sagrada, isto é, separada do vulgo, do profano,
daquele que não foi ordenado.
Isso tudo não somente fez, mas faz ainda, parte de uma experiência
fundante de verticalização do mundo, que prossegue enquanto a tradição
permanece ou se refunda toda vez que o meme é replicado. Do ponto de
210
vista da memegonia, aqui pode estar a origem da relação mestre-discípulo
ou professor-aluno.
Não foi a toa que uma mente arguta como a de Harold Bloom (1975) –
ecoando, aliás, o que dizia o erudito Gershom Scholem – percebeu que
Kabbalah era uma ideologia de professores. Na origem de tudo está... uma
Instrução: “o Ein-Sof instrui a Si mesmo através da concentração... Deus
ensina a Si mesmo o Seu próprio Nome, e, dessa forma, começa a criação”
(8).
211
Como os deuses do panteão patriarcal e guerreiro da Mesopotâmia do
período Uruk (c. 4000-3200) – período sucedido, logo em seguida, não por
acaso, pela escrita (no Primeiro Dinástico I: c. 3000-2750) – foram criados
à imagem e semelhança dos homens que começaram a se organizar
segundo padrões hierárquicos, tudo isso é muito relevante para
entendermos que a transmissão do ensinamento já foi fundada, de certo
modo, em contraposição ao livre aprendizado humano na rede social muito
menos centralizada (ou até, quem sabe, distribuída) dos períodos pré-
históricos anteriores (desde, pelo menos, o Neolítico). Para essas
sociedades de dominação, nada de aprender (inventar). Era preciso ensinar
(para replicar). E por isso ensinadores são mantenedores do velho mundo.
212
Mestres e gurus
Mas quem disse que isso teria que ser feito “por contra própria”? Ao tentar
justificar sua crítica a Krishnamurti, Osho enveredou por um viés psicológico
individual. Ele não teria se curado do trauma de ter sido “educado por
pessoas muito autoritárias... professores, talvez, mas não mestres”. Então
Osho afirma que tudo isso “foi demais [para Krishnamurti] e ele não pode
esquecê-los e não pôde perdoá-los” (13). No fundo, tudo isso soa mais
como uma tentativa de salvar uma função pretérita, resgatar um papel
arcaico que, em alguma época, funcionou de fato assim como ele, Osho,
diz, porém em mundos de baixa conectividade social.
Já foi dito aqui que na medida em que vida humana e convivência social se
aproximam (nos mundos altamente conectados) somos obrigados a mudar
nossas interpretações. E que isso entra em choque com as tradições
espirituais que diziam que quando o discípulo está preparado o mestre
aparece. De certo modo é justo o contrário: o discípulo desaparece quando
desaparece a escola (quer dizer o ensinamento) e com ele vai-se também o
mestre.
213
Isso – para alguns – é um escândalo. Nos Highly Connected Worlds quem
lhe reconhece é o simbionte social, se você se sintonizar suficientemente
com a rede-mãe. Não é um representante da tradição, não é um membro
de uma casta sacerdotal ou de alguma hierarquia docente, nem mesmo um
indivíduo que despertou antes de você – a não ser que essa pessoa (uma
pessoa) seja a porta para que você possa entrar em outros mundos. Mas
neste caso essa pessoa – eis o ponto! – pode ser qualquer pessoa que
esteja conectada a esses mundos onde você quer entrar.
Se alguém pudesse recuar antes (e o que seria antes?) daquela noite dos
tempos em que a rede-mãe começou a rodar programas verticalizadores e
pudesse dizer como uma comunidade conseguia entrar em sintonia com o
simbionte natural (que talvez se confundisse – em sociedades de parceria,
pré-patriarcais, quem sabe em algum momento do Neolítico – com a rede-
mãe: síntese simbolizada na figura da grande mãe ou da deusa), talvez
pudesse nos sugerir algum processo para reinventarmos tal sintonia com o
simbionte social (o superorganismo humano). Mas, fosse qual fosse, sua
resposta seria enxame (múltiplos caminhos em efervescência) e não
indivíduo no caminho em busca da unidade perdida ou da sua origem
celeste.
Não vale fazer recuar a noite dos tempos em que surgiram os sistemas
míticos-sacerdotais-hierárquicos-autocráticos para colocá-los na origem de
tudo com o fito de transformar a origem terrestre do humano em uma
origem celeste. Essa operação ideológica, urdida por esses mesmos
sistemas, legitima o mestre como um veículo, um emissário, um
representante da suposta origem celeste (ainda quando existam mestres
que reneguem tudo isso).
214
Codificadores de doutrinas
Eles produzem narrativas para que você veja o mundo a partir da sua ótica,
quer dizer, para que você não veja os múltiplos mundos existentes
215
de escolas, conquanto frequentemente dizendo-se a serviço de um fundador
já desaparecido (ou nunca aparecido).
216
Aprisionadores de corpos
Ainda quando dizem o contrário, eles não querem que você empreenda,
seja criativo, construa produtos ou processos inovadores e realize coisas
maravilhosas e sim que você trabalhe. Querem trabalho = repetição e
execução de ordens. Se quisessem criação, inovação, não lhe imporiam
agendas estranhas (que você não teve oportunidade de co-construir), não
lhe retalhariam o tempo em unidades controláveis, com horários rígidos de
entrada e saída em algum espaço murado. Dariam a seus colaboradores (a
todos) as melhores condições para inovar (alugariam, quem sabe, uma casa
em uma ilha paradisíaca, em uma chácara aprazível ou mesmo em um
bosque urbano, um horto, cultivariam jardins... em suma, não organizariam
e docorariam seus locais – de trabalho – de modo tão horrendo, sem cores,
217
sem arte, tudo cinza, quadrado, como uma prisão mesmo, ou um convento)
e, sobretudo, não reduziriam sua mobilidade: uma dimensão essencial da
sua liberdade para criar.
218
Construtores de pirâmides
O indivíduo não é o átomo social; para ser social, é preciso ser molécula
Trancadores são os que privatizam bens que poderiam ser comuns (ou que
não poderiam ser trancados, como o conhecimento). Trancadores de
conhecimento são, por exemplo, os que defendem o domínio privado sobre
o conhecimento, como as leis de patentes e o famigerado copyright.
219
Um dos tipos contemporâneos de trancadores – relevante pelo efeito
devastador que sua atividade provoca na antesala de uma época-fluzz – são
os trancadores de códigos, que estão entre os mais bem-sucedidos
inventores de softwares proprietários da atualidade Ao construírem caixas-
pretas para esconder seus algorítimos (como fazem os donos do Google ou
do Twitter) ou para montar seus alçapões de dados (como faz o dono do
Facebook), eles acabam tendo que construir pirâmides para proteger suas
operações centralizadoras da rede social. Não é por acaso que as
plataformas que desenham a partir de uma instância proprietária tentem
disciplinar a interação. Essa é a razão pela qual as plataformas ditas
interativas de que dispomos não são suficientemente interativas (i-based),
posto que baseadas na participação (envolvendo sempre algum tipo de
escolha de preferências geradora de escassez) e no arquivamento de
passado (para aumentar o repositório ao qual, a rigor, só os proprietários
dessas plataformas têm pleno acesso na medida em que só eles podem
programá-las sem restrições).
E essa é também a razão pela qual tais plataformas deseducam (se se pode
falar assim) seus usuários (a palavra – ‘usuário’ – já é horrível do ponto de
vista da interação) para as redes distribuídas. Então uma pessoa entra em
alguma dessas plataformas e tende a achar que a sua página é o seu
espaço proprietário a partir do qual ela vai interagir. Em vez de entrar em
um fluxo, ela se aboleta no seu bunker (às vezes chamado de ‘Minha
Página’) e é induzida a achar que ali pode colocar todos os seus vídeos,
suas fotos, seus eventos e seus posts, independentemente do que está
rolando na rede que usa tal plataforma como ferramenta de netweaving e,
não raro, sente-se até ofendida quando alguém lhe lembra que o concurso
de Miss Universo não tem muito a ver com astrofísica.
A solução para tal problema não é “fugir para trás”, voltando aos blogs,
como sonham alguns. Ainda que a blogosfera seja de fato, no seu conjunto,
uma rede distribuída, os blogs, em si, não se estruturam de modo
distribuído. Em geral são organizações fechadas, que não admitem
interação a não ser com aprovação prévia dos seus donos (por meio da
chamada “mediação de comentários”). Mesmo quando são abertos a
qualquer comentário, os blogs são piramidezinhas, espécies de reinados do
eu-sozinho. Não são bons instrumentos de netweaving de redes sociais
distribuídas na medida em que não são, eles próprios, redes distribuídas.
220
distribuídas nos seus blogs, organizam, lá no seu quadrado, suas igrejinhas
hiper-centralizadas, algumas vezes quase-monárquicas (15). Ou seja, são
também construtores de pirâmides.
O que está por trás disso tudo é a idéia de q ue o indivíduo é o átomo social,
quando, na verdade, para ser social, é preciso ser molécula. Pessoas são
produtos de interação e não unidades anteriores à interação.
221
Fabricantes de guerras
Toda vez que você quer triunfar sobre o mal, combater o bom combate,
derrotar o “lado negro da Força”, você fabrica guerra. Estatistas,
hegemonistas, conquistadores, vencedores são – todos – fabricantes de
guerras. Toda vez que você olha o mundo como um terreno inóspito, como
uma ameaça, como algo a enfrentar, você fabrica guerra. Estrategistas de
qualquer tipo, sejam ou não justificáveis seus esforços – chamem-se
Winston Churchill ou Michel Porter – são fabricantes de guerras. Boa parte
dos incensados consultores de empresas da atualidade são fabricantes de
guerras: apenas deslizam conceitos da arte da guerra para as estratégias
empresariais que transformam o concorrente em inimigo.
222
Condutores de rebanhos
223
“Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes
caixas do mar, para os peixes pequenos... Aula principal seria
naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados
de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um
peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões,
sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos
peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria
garantido se aprendessem a obediência...
Não poderia haver um fecho melhor para a reflexão deste capítulo. Brecht,
provavelmente, criou a metáfora entre tubarões e peixinhos no contexto da
luta de classes entre patrões e trabalhadores. No entanto, ela é tomada
aqui para fazer referência aos mantenedores do velho mundo único que
surgem em configurações deformadas do campo social. Que tipos de
configurações ensejam a reprodução de tubarões em vez de, por exemplo,
golfinhos?
224
despersonalizadas) por condutores de rebanhos para enfrentar tal inimigo,
ele próprio construído sempre para justificar alguma hierarquia que foi
erigida. Tudo isso é usar a Força para enfrear e represar fluzz.
225
226
9
Eles já estão entre nós
227
A resiliência das velhas funções, agenciadoras de um tipo de mundo
(erigido para exterminar outros mundos) que teima em não
desaparecer, não está conseguindo impedir o surgimento de novos
papéis sociais que antecipam uma nova época.
Tais papéis inéditos que estão sendo produzidos pela (ou em) rede
são também múltiplos. Por enquanto só conseguimos divisar alguns.
Três exemplos marcantes são os hubs, os inovadores e os
netweavers.
228
Como critério de sucesso, a fama é inquestionável, indiscutível mesmo. Se
você virou uma celebridade, é sinal de que progrediu na vida. Deixou de ser
qualquer um. Destacou-se e continuará sendo destacado. Merecerá
tratamento especial aonde for. Não entrará na fila. Não receberá senhas. O
maitre logo lhe arranjará uma mesa, mesmo que o restaurante esteja
lotado. Não ficará aguardando atendimento nos bancos das repartições
públicas ou nos sofás das antesalas das organizações. E todos o observarão
com admiração, alguns deixarão escapar suspiros à sua passagem, muitos o
cumprimentarão como se o conhecessem de longa data; outros, mais
afoitos, lhe pedirão autógrafos ou implorarão sua licença para tirar uma foto
ao seu lado.
229
preciso vencer na vida: bah! A expressão, convenhamos, é muito escrota:
vencer quem? Por acaso estamos em uma guerra?
230
Mentiras pregadas em nome da ciência
231
Como percebeu com argúcia Matt Ridley (1996), “Thomas Hobbes foi o
antepassado intelectual de Charles Darwin em linha direta” (2). Segundo
Hobbes (que tantos citam e poucos lêem) na falta de um poder que
domestique ou apazigue os homens, “não há sociedade; e o que é pior do
que tudo, [há] um medo contínuo e perigo de morte violenta. E a vida do
homem é solitária, miserável, sórdida, brutal e curta” (3). E isso ocorre,
segundo ele, não por razões culturais, que emanassem da forma como a
sociedade se organiza, mas intrínsecas: uma espécie de inclinação
“genética” – e Hobbes (1651) só não disse isso porquanto Mendel (1864)
ainda não havia nascido. Sim, foi exatamente o que ele escreveu, sem
meias-palavras, no famoso capítulo XIII do “Leviatã”: “Na natureza do
homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a
competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória” (4). Para ele o
egoísmo e seus bad feelings acompanhantes (como a desconfiança) não
eram culturais, mas tinham sua origem na própria natureza humana (seja lá
o que isso for).
232
De sorte que se disseminou a crença segundo a qual no mundo humano,
semelhantemente ao que ocorre no mundo animal (e nos outros reinos de
organismos vivos), ter sucesso é sempre se destacar dos demais, vencê-los,
sobretudo em contextos em que há escassez – tudo isso baseado no
egoísmo.
233
e os indivíduos de qualquer espécie não-humana, por mais que tenham
conseguido superar grandes dificuldades para sobreviver ou se reproduzir,
não desfilam em carro aberto como os generais romanos. Maturana já nos
mostrou que animais não-humanos não competem por alimentos,
simplesmente seguem seu impulso de se alimentar, não importando para
nada se outro exemplar da espécie ficou sem alimento; ou seja, não é
constitutiva da sua ação (nem da sua emoção, no caso dos mamíferos), a
diretiva de vencer o outro (não sendo essencial para quem come o fato de
que o outro deixe de comer) (7).
Nada disso! Novamente aqui é Lynn Margulis (1998) que vem puxar a
orelha dos impostores:
234
“Todas as espécies existentes são igualmente evoluídas. Todos os
seres vivos, desde a minúscula bactéria até o membro de um comitê
do Congresso, evoluíram do antigo ancestral comum que desenvolveu
a autopoese e que, com isso, tornou-se a primeira célula viva. A
própria realidade da sobrevivência prova a “superioridade”, já que
todos descendemos de uma mesma forma originária metabolizadora.
A delicada explosão da vida, em uma sinuosa trajetória de quatro
bilhões de anos até o presente, produziu-nos a todos” (9).
235
Os indicadores de sucesso
236
mainframe no centro de Seattle. Assim, Gates, quando ainda estava na
oitava série, passou a viver em uma sala de computador (20 a 30 horas por
semana). De sorte que, “quando deixou Harvard após o segundo para criar
sua própria empresa de software, Gates vinha programando sem parar por
sete anos consecutivos... Quantos adolescentes tiveram esse mesmo tipo
de experiência?” É o próprio Bill Gates que responde: “Se existiram 50 em
todo mundo, eu me espantaria. Houve a C-Cubed e o trabalho para a ISI
com a folha de pagamento. Depois a TRW. Tudo isso veio junto. Acredito
que meu envolvimento com a criação de softwares durante a juventude foi
maior do que o de qualquer outra pessoa naquele período, e tudo graças a
uma série incrivelmente favorável de eventos” (12).
237
características puramente individuais e em noções competitivo-excludentes
(se destacar dos demais, triunfar, vencer na vida, subir ao pódio onde
cabem apenas alguns poucos) para passar a ser função de um corpo e de
um metabolismo coletivos: a própria rede.
É por isso que o tipo de educação que recebemos, para nos destacar dos
semelhantes, é terrivelmente prejudicial em uma sociedade em rede, na
qual estão abertas infinitas possibilidades de polinização mútua e de
fertilização cruzada que impulsionam a inovação e o desenvolvimento
pessoal e coletivo. Essa idéia é desastrosa, porquanto, sob sua influência,
desperdiçamos as potencialidades criativas e inovadoras das múltiplas
parcerias e sinergias que o relacionamento horizontal entre as pessoas
proporciona. Guiados por ela, perdemos talentos, bloqueamos a
dinamização de inusitadas capacidades coletivas, matamos no embrião
futuros gênios e exterminamos o mais precioso recurso para o
desenvolvimento de pessoas e comunidades: o capital social (que é uma
metáfora, construída do ponto de vista dos recursos necessários ao
desenvolvimento, para designar nada mais do que a própria rede social).
238
Hubs
Qualquer iniciativa na rede social que não conte com seus principais hubs
encontrará mais dificuldades para “conversar” com a rede-mãe
Também não é o conhecimento que faz um hub, a não ser que se queira
relacioná-lo ao conhecimento das pessoas, quer dizer, aos contatos de
confiança. Às vezes um hub é o chaveiro do bairro, em quem as pessoas
confiam que sua segurança residencial não será colocada em risco — e aqui
novamente é evocada uma imagem do filme The Matrix: aquele “O
Chaveiro”, interpretado pelo ator Randall Duk Kim, era um programa
confiável; um hub, de certo modo, também é um programa que “roda” na
rede. Tocou-se agora em um ponto importante da dinâmica das redes:
confiança. Para que um hub possa cumprir sua função é necessário que as
pessoas confiem nele.
239
Em vez de conhecimento individual, um hub precisa do reconhecimento
social. Trata-se de um reconhecimento diferente daquele que se manifesta
em relação a uma celebridade: não é um reconhecimento das massas, do
grande público, das multidões e sim o reconhecimento realizado um a um,
molecular. Assim, pode-se dizer que o hub é “produzido” socialmente pela
rede.
240
Inovadores
Inovadores são muito diferentes dos hubs. Em geral não são conhecidos —
e não conhecem — muita gente, nem são, na maior parte dos casos, muito
conectados. Às vezes, são até bastante isolados. Podem vir a ser
amplamente reconhecidos, mas isso depende de fatores, via de regra,
fortuitos. A característica principal do inovador é emitir mensagens na rede
que acabam produzindo mudanças de comportamento dos agentes
(considerando a rede social como um sistema de agentes). Quando esse
processo ocorre, o inovador não sabe bem nem por quê nem o quê
aconteceu. Formaram-se laços de realimentação de reforço (feedback
positivo) e a mensagem emitida pelo inovador acabou sendo reforçada e
amplificada, adquirindo condições de se disseminar pela rede. Tais
mensagens podem ser idéias, modos de fazer ou estilos (como a moda, por
exemplo), atitudes que contenham novos padrões. Sim, não custa repetir:
um padrão é uma mensagem e pode ser transmitido como tal, como já
dizia, há tanto tempo, Norbert Wiener (1950) (14).
241
pode-se ter um “ponto de desequilíbrio” diferente, a partir do qual a
mensagem passa a se disseminar exponencialmente.
242
Netweavers
Netweavers são os “tecelões” (para aproveitar o que poderia ter sido uma
feliz expressão de Platão, no diálogo O político, se ele não estivesse se
referindo a um sujeito autocrático), e os animadores de redes
voluntariamente construídas. Na verdade, eles constroem interfaces para
conversar com a rede-mãe. Os netweavers não são necessariamente os
estudiosos das redes, os especialistas em Social Network Analysis ou os que
pesquisam ou constroem conhecimento organizado sobre a morfologia e a
dinâmica da sociedade-rede. Os netweavers, em geral, são políticos, não
sociólogos. E políticos no sentido prático do termo, quer dizer, articuladores
políticos, empreendedores políticos e não cientistas ou analistas políticos.
243
Mas em sentido estrito, chamamos de netweaver aqueles que se dedicam a
tecer redes. Esse talvez seja o papel social mais relevante em mundos
altamente conectados. O que significa que, em um mundo hierárquico, o
netweaver é necessariamente um hacker (embora não seja apenas isso).
244
Netweaver howto
Há dez anos Eric Raymond concluiu a última versão do seu H4ck3r Howto.
Entrando em uma época-fluzz, vamos precisar de um N3tw34v3r Howto
Raymond afirma que o termo “hacker” tem a ver “com aptidão técnica e um
prazer em resolver problemas e superar limites”. Para ele, se você quer
saber como se tornar um hacker, o relevante é o seguinte:
245
É claro que a maioria dessas habilidades e atividades que caracterizam o
“hacker-de-software” hoje não se colocariam mais assim. A comunidade
restrita dos programadores que cultivavam a cultura hacker explodiu para
além dos limites de uma igrejinha. Essas habilidades e atividades estão
agora distribuídas praticamente por todas as redes que usam a Internet. No
entanto, o mais relevante é que Raymond considerava que hacker é todo
aquele que pratica uma “arte criativa” e, assim, não se reduz ao que faz o
hacker-de-software, mas está baseada em quatro coisas: uma atitude
geral, um conjunto de habilidades, uma cultura e uma mentalidade hacker.
246
buscar a fama; um elogio à capacidade de viver com o necessário e de
compartilhar gratuitamente (segundo Raymond, “é quase um dever moral
compartilhar informação, resolver problemas e depois dar as soluções”); e –
o mais importante – uma valorização da liberdade. Sobre isso ele escreveu:
247
Para Raymond existem basicamente “cinco coisas que você pode fazer para
ser respeitado por hackers”: escrever open-source software, ajudar a testar
e depurar open-source software, publicar informação útil, ajudar a manter a
infra-estrutura funcionando e servir à cultura hacker em si.
Sobre esse último ponto, vale a pena ler o que ele escreveu:
Por último, sobre a mentalidade hacker, Raymond diz que, para entrar
nessa mentalidade “há algumas coisas que você pode fazer quando não
estiver na frente de um computador e que podem ajudar... [coisas que]
estão ligadas de uma maneira básica com a essência do hacking”: ler ficção
científica, estudar o Zen ou fazer artes marciais, desenvolver um ouvido
analítico para música, desenvolver sua apreciação por trocadilhos e jogo de
palavras e aprender a escrever bem em sua língua nativa (28).
Raymond nos deu algumas preciosas dicas – embora tenha, aqui e ali,
corretamente, extrapolado isso – para que pudéssemos programar em
ambientes digitais ou virtuais. A ele certamente ocorreu, mas disso
aparentemente não tirou muitas consequências, que hackers não são
programadores; são, mais, desprogramadores. Você pode hackear uma
escola, uma igreja, um partido, uma organização estatal, uma empresa,
sem nunca ter encostado em um computador ou em um dispositivo móvel
de navegação. A rigor, você pode (e deveria, se quisesse mesmo viver em
outro mundo) hackear sua família.
248
diz que fazem os hackers sem ética, ou sem a ética-hacker, os dark-side
hackers como os crackers.
Há dez anos Eric Raymond concluiu a última versão do seu H4ck3r Howto.
Mas agora, entrando em uma época-fluzz, vamos precisar de um
N3tw34v3r Howto.
249
Não pode haver, portanto, um receituário procedimental elencando
habilidades técnicas para alguém se tornar netweaver. Você não precisa
saber programar. Você não precisa só usar o Linux (nem entrar na igreja do
software livre, que – convenhamos – em alguns países da América Latina
está mais para partido). Você não precisa saber escrever em HTML5. Para
fazer hacking (no sentido ampliado do termo) – como uma das dimensões
do netweaving – você precisa estar disposto a desprogramar hierarquias
(hackeando aquelas instituições erigidas no contra-fluzz, como, por
exemplo, escolas, igrejas, partidos, Estados e empresas-hierárquicas). E
para fazer netweaving não há nenhum conteúdo substantivo (filosófico,
científico ou técnico) que você tenha que adquirir: basta desobedecer,
inovar e tecer redes. Isto sim, você vai ter que aprender: a tecer redes – da
única maneira possível de se aprender isso: interagindo com outras pessoas
sem erigir hierarquias (sem mandar nos outros e sem obedecer a alguém).
Isto é netweaving!
250
instituições hierárquicas). Hackeando tais instituições pode-se introduzir
funcionalidades diferentes das originais como, por exemplo: a
experimentação da livre aprendizagem em vez da transmissão do
ensinamento (essa é uma espécie de “virus” não-escola, poderíamos
chamar assim tais experiências, em termos metafóricos); o
compartilhamento da espiritualidade espontânea em vez do seu
enquadramento e cerceamento por meio das práticas religiosas e dos rituais
das igrejas (“virus” não-igreja); o exercício voluntário e cooperativo da
política pública e da democracia comunitária em vez da disciplina e da
fidelidade partidárias (“virus” não-partido); a vivência do localismo
cosmopolíta em vez do refúgio no nacionalismo e no patriotismo insuflados
pelo Estado (“virus” não-Estado-nação); a associação de empreendedores
para polinizarem mutuamente seus sonhos em vez da montagem de
estruturas para arrebanhar trabalhadores e subjugá-los em prol da
realização do sonho único de alguém (“virus” não-empresa-hierárquica).
Todo resto pode ser abandonado. Nada de religião: para o netweaving você
pode fazer todas essas coisas usando o Linux, mas também o Microsoft
Windows ou o Mac OS ou o Chrome OS; ou, mesmo, não usar nada disso.
Você pode empregar uma das dezenas de plataformas p-based disponíveis,
como o Noosfero ou o Elgg e também o Ning, o Grouply, o Grou.ps (ou,
melhor ainda, pode ajudar a desenvolver uma plataforma i-based) ou pode
tentar se virar com sites de relacionamento como Orkut, MySpace ou
Facebook. Você pode usar o identi.ca ou ir se arranjando com o Twitter. Ou
então você pode sair do mundo virtual ou digital e promover atividades
presenciais de netweaving, como rodas de conversação, desconferências ou
Open Spaces, World Cafés etc. Para os “netweavers-de-software” (por
assim dizer) o principal desafio é desenvolver tecnologias interativas (i-
based) de netweaving: ferramentas digitais adequadas à articulação e
animação de redes sociais. E há muitos outros desafios tecnológico-sociais
que estão colocados para todos os netweavers (e não apenas os que
mexem com softwares) para intensificar a interatividade. Mas nenhuma
ferramenta, nenhuma técnica ou metodologia e nenhuma dinâmica é
realmente essencial. O essencial é articular e animar redes distribuídas de
pessoas. Ou seja, o grande desafio é social mesmo.
Enfatizando, mais uma vez: de nada adianta você só usar free software e as
mais avançadas técnicas dialógicas de conversação se você continua se
organizando hierarquicamente, se sua organização é centralizada ou
fechada (e, portanto não-free) e se você privatiza o conhecimento que
poderia ser comum, vedando o acesso público (e, dessarte, seu conteúdo
também será não-free).
251
Desprogramar sociosferas – a parte hacker do netweaver – não basta: é
necessário reprogramá-las, construindo seus próprios mundos. Eis porque,
por meio do netweaving, mundos-bebês estão agora em gestação.
252
Eles já estão entre nós
Quando foi a Oslo, receber o Prêmio Nobel da Paz, Albert Schwitzer (1952)
disse em seu discurso que “nos tornamos tanto mais desumanos quanto
mais nos convertemos em super-homens”. É isso. Trata-se de ser mais
humano, não mais-do-que-humano.
Mas você não tem que se transformar no que você não é. Não há nada
errado com você. Você não veio com defeito de fábrica, que precise ser
consertado por alguma instituição hierárquica. Você não precisa ser
reformado pelo Estado e seus aparatos, como querem os autocratas de
todos os matizes. Você não precisa ser educado – quer dizer, ensinado,
adestrado, domado – para aplacar uma suposta besta-fera que existe no
seu interior. Não há nada no seu interior humano além da composição
fractal de todos os outros humanos que fazem com que você seja uma
pessoa. O humano é um maravilhoso encontro fortuíto do simbionte natural
(em evolução) com o simbionte social (em prefiguração).
Ser humano é algo muito, mas muito mais importante do que qualquer
coisa, mais importante do que um deus (e conta-se que teve até um deus
que, percebendo isso, quis se tornar humano), um santo ou um herói; mais
253
importante do que qualquer título, propriedade, cargo ou índice de
popularidade: nada disso importa se você não conseguir formar sua alma
humana, quer dizer, se não conseguir tornar-se pessoa.
Ter percebido que esse “homem comum”, esse “ser humano mediano” não
é “um santo fracassado” foi a grande sacada de Orwell, desmascarando o
que nos impuseram as igrejas ao colocarem como ideal a superação do
humano, o seu aperfeiçoamento, a sua “espiritualização”, como se houvesse
alguma coisa errada com os que vivem sua vida e sua convivência sem se
submeterem a alguma disciplina religiosa, ascética, mesmo quando voltada
254
ao bem da humanidade (como os santos, os bodisatvas e os mahatmas –
que, talvez, não tenham conseguido chegar a ser pessoas comuns).
Sim, tornar-se pessoa. Pessoa comum. Não herói. Herói também é uma
pessoa incomum. É outra escapada da humanidade. É alguém que
supostamente “superou” sua condição humana. Toda cultura hierárquica é
construída a partir do mito do herói, um Hércules que vence desafios
insuperáveis (pelas pessoas comuns) e realiza missões impossíveis (para as
pessoas comuns). Não é por acaso que, frequentemente, o herói é um
guerreiro que demonstrou bravura em batalha e foi agraciado pelos seus
superiores (fabricantes de guerras) com medalhas (um reconhecimento da
organização montada pelos construtores de pirâmides). Depois tal cultura
apenas se deslocou para as outras pirâmides e apareceram os heróis
empresariais (como muitos capitães de indústria, badalados nas revistas de
negócios), os heróis políticos (como os condutores de rebanhos, glorificados
pelos seus índices de popularidade), até chegar aos heróis da filantropia
(que também são premiados pelo volume da caridade que praticam). E há
ainda os heróis revolucionários, aqueles “guias geniais dos povos” (muitos
deles genocidas como Stalin ou Mao – este último, aliás, o campeão em
número de mortes infligidas a outros seres humanos em toda história e pré-
história humana). Até Julian Assange do Wikileaks é heroificado:
positivamente (pela sua luta contra a opacidade dos Estados-nações) ou
negativamente (pelo seu irresponsável anarquismo, capaz de colocar em
risco a moral de quadrilha e o pacto de silêncio entre os Estados-nações
chamado de “ordem internacional”).
Sob esse influxo verticalizante as pessoas tendem a achar que não podem
fazer nada de muito significativo, pois são apenas... pessoas comuns, não
heróis. Elas são induzidas a achar que são heróis fracassados, que não são
boas o suficiente para realizar grandes feitos, promover magníficas
transformações. Nesse modelo épico são levadas a acreditar que somente
formidáveis revoluções e mega-reformas conduzidas por extraordinários
líderes heróicos são capazes de fazer a diferença, desprezando aquelas
seminais experiências líricas vividas por pessoas comuns.
255
pela hierarquia. Nessa ansia de subir, começamos a imitar os de cima e a
desprezar os de baixo.
256
Quando se coloca em processo de fluzz uma pessoa deixa de lutar para
subir, para ter sucesso, para se igualar ou imitar os ricos, os poderosos, os
muito titulados e os famosos. Libertando-se da exigência de ser uma VIP
(very important person), ela começa a revalorizar seus relacionamentos
horizontais. Nessa jornada terapêutica, vai se curando das sociopatias
associadas às perturbações no campo social introduzidas pela hierarquia e
vai caminhando, no seu próprio passo e do seu próprio jeito, em direção ao
supremo objetivo de virar uma pessoa comum.
Essas pessoas desobedecem. Não dão a mínima para os que querem avaliá-
las pelas suas raízes, pela sua descendência (seu patrimônio genético ou
seu “sangue”) e pelo ambiente em que nasceram e foram criadas na
primeira infância (o seu “berço”), pelos seus certificados, diplomas e títulos
(conferidos por alguma burocracia sacerdotal trancadora de conhecimento)
ou pelos seus graus (conferidos por algum mestre ou confraria), pela sua
riqueza acumulada, pelo seu poder conquistado ou pela sua popularidade.
Elas sabem que nos Highly Connected Worlds o que vale são suas antenas.
257
258
10
Mundos-bebês em gestação
259
A despeito do fato, incontestável, de a dinâmica global da interação
entre as velhas instâncias organizativas ter mudado, anunciando a
emersão de uma verdadeira sociedade-rede, um novo padrão de
organização distribuído não logrou se materializar no interior e no
entorno das organizações empresariais, governamentais e sociais,
que continuaram ainda se estruturando de modo centralizado ou
hierárquico. Ou seja, o muro que caiu em 1989, caiu para o mundo
construído pelo broadcasting como um único mundo, sob o efeito das
poderosas forças da globalização (sobretudo da globalização das
telecomunicações e da globalização dos mercados), mas não chegou
a se localizar nas organizações realmente existentes em todos os
setores. A mudança continuou acontecendo, mas os novos (e
múltiplos) Highly Connected Worlds como que "cresceram
escondidos" nesta época de mudança e não apareceram ainda à luz
do dia, de sorte a consumar o que poderíamos chamar de uma
mudança de época. Esses mundos-bebês estão agora em gestação.
260
rede social sendo tramada. Com efeito, nos anos seguintes, como se diz, "o
mundo mudou": a Internet (com a World Wide Web) nos anos 90 expressou
aspectos importantes dessa mudança profunda.
261
dar à luz ao seu mundo. Sim, agora chegou a hora de você mesmo fazer o
seu mundo!
262
Não global, glocal swarming
Não haverá aquela grande transformação capaz de lhe dar um novo mundo
de presente. Se você está aguardando essa mudança global apocalíptica,
escatológica, é melhor esperar sentado. Simplesmente não vai acontecer. É
inútil apostar no parto de um novo mundo como um evento épico de
magníficas proporções. No plano global não vem nada por aí – no curto
prazo, vamos dizer assim, no próximo milhão de anos – capaz de gerar um
novo mundo (2).
263
quer que existam "muros" impedindo o livre curso de fluições, “muros”
estes que caracterizam organizações mais centralizadas do que distribuídas,
poderá haver uma "queda". Não será um global swarming, mas um glocal
swarming.
Cada mundo altamente conectado que emergirá será o mundo todo, como
se fosse uma imagem holográfica de uma nova matriz de mundo mais
distribuído. Não um mundo interligado – pois que isso já se materializou
desde que a conexão global-local tornou-se uma possibilidade – e sim um
mundo-gerador intermitente de novos, inéditos, mundos altamente
tramados, para fora e para dentro, que emergirão a cada instante. Um
mundo mais-fluzz, quer dizer, muitos mundos-fluzz. Esta será,
propriamente falando, a primavera das redes.
264
Desobedeça
Mas o fato que até agora ainda não tivemos coragem de derivar todas as
conseqüências dessas impactantes constatações de Maturana e desenvolvê-
las no contexto da transição de uma sociedade hierárquica, que tende a
fenecer, para uma florescente sociedade em rede, diante da emergência de
múltiplos mundos altamente conectados de forma cada vez mais distribuída.
Embora anunciador de uma visão pioneira sobre redes (que qualificou como
“redes de conversações”), Maturana não reestruturou seu pensamento sob
o influxo das visões contemporâneas inspiradas pela nova ciência das redes.
Cabe a nós, que investigamos o assunto, dar continuidade aos seus insights
geniais à luz da teoria e da prática de redes, quer dizer, do netweaving.
265
Sim, netweaving. Se você quer mesmo aprender a “fazer” redes, então sua
primeira “prova” é: desobedeça! Aprenda a desobedecer! Um netweaver é,
por definição, um desobediente. Porque é alguém que, criativamente,
caminha fora dos trilhos já estabelecidos por alguém.
266
cara esperto que quer capturá-lo e aprisioná-lo e que ainda por cima tem a
desfaçatez de alegar que está fazendo um bem para a humanidade por lhe
oferecer um emprego.
267
cabresto como se fosse uma cavalgadura. Não existem guias geniais dos
povos. Nos sistemas representativos, as pessoas que você elegeu são seus
empregados (mandatados pelos eleitores), não seus patrões.
Mas ainda resta tratar das objeções dos bem-pensantes e dos indivíduos
que se levam muito a sério e que se acham responsáveis.
Você deve desobedecer às leis? De uma maneira geral, você nunca deve
obedecer a pessoas, sejam elas quais forem. Dizendo de uma forma ainda
mais ampla: você nunca deve obedecer a nenhuma individualidade
portadora de vontade, real ou imaginária, humana ou extra-humana, seja
ela qual for.
Será mesmo? Depende. Você não deve, por certo, romper com os pactos
livremente celebrados por uma sociedade e que foram transformados em
leis em um processo democrático.
Dizer que a democracia é o império da lei significa dizer que não ela não é o
império de pessoas. Obedecer às leis significa, então, não-obedecer a
pessoas. Mas isso depende do processo que fabricou as leis.
Você não tem obrigação moral de obedecer às leis das ditaduras. Assim, leis
de exceção podem ser desobedecidas. Por princípio, elas não têm qualquer
legitimidade.
268
A legitimidade é o resultado da confluência de vários critérios democráticos:
a liberdade, a publicidade, a eletividade, a rotatividade (ou alternância), a
legalidade e a institucionalidade. Sim, não basta alguém ter sido eleito para
ter legitimidade.
Tais critérios – ou alguns deles – são violados não somente pelas ditaduras
clássicas, mas também por protoditaduras e, ainda, se bem que em menor
escala, por democracias parasitadas por regimes populistas manipuladores.
Você mesmo avaliará até onde vão as normas estabelecidas por processos
que violam os critérios acima. Se achar que violam, desobedeça-as. E
esteja preparado para arcar com as conseqüências, é claro.
269
“virtudes”. As razões para isso são tão claras que dispensariam
comentários. Todas as organizações não-estatais e não baseadas em
contratos (de trabalho ou de prestação de serviços) são (ou deveriam ser)
constituídas por adesão voluntária. Em organizações voluntárias, “obedece”
(ou melhor, acata) quem concorda. Querer exigir disciplina e obediência em
relações sociais (stricto sensu) é um absurdo. Impor sanções para quem
não obedece é uma violência e, como tal, um comportamento
antidemocrático.
Você deve desobedecer aos seus patrões? Outra objeção freqüente diz
respeito à obediência àquele que paga o seu salário: como você pode não-
obedecer aos seus patrões se tem que sobreviver?
Uma boa regra geral seria: nunca trabalhe para alguém e sim com alguém
(em vez de dizer trabalhe com alguém seria melhor dizer: empreenda com
alguém). Todas as coisas podem ser feitas em parceria. A obediência não é
necessária.
Mas é você quem decide. Quanto mais você trabalha para alguém, menos
alguém você é. O espírito de liberdade é a fonte de toda criatividade! Para
sentir esse sopro criador só há uma via: desobedeça!
Você não concorda e querem que você faça assim mesmo? Desobedeça!
Uma pessoa (qualquer pessoa, em especial, a sua pessoa) vale muito mais
do que a bosta de um emprego.
270
Ocorre que quando um conjunto de pessoas aplica seus talentos para
promover uma atividade, todas as pessoas devem aparecer. Para quê? Ora,
para poder ser reconhecidas, para poder compartilhar, aumentar e
desenvolver esses talentos. Essa é uma característica central daquele tipo
de inteligência tipicamente humana de que falava Humberto Maturana: uma
inteligência que cresce e se realiza com a troca, com o jogo ganha-ganha,
com a colaboração. Uma inteligência colaborativa.
271
É por isso que organizar as coisas em rede distribuída é um desafio
tremendo em um mundo ainda infestado, em grande parte, por
organizações hierárquicas.
Quando você resiste ao poder vertical, você estabelece uma sintonia com as
grandes correntes de humanização do mundo, quer dizer, dos mundos-
bebês que estão gestando o simbionte social. Quando você cede,
272
sujeitando-se a alguém ou sujeitando outras pessoas a você (no fundo, dá
no mesmo), contribui para desumanizar os mundos e a você mesmo.
O mais importante é: não faça um pacto com a morte. Sim, toda vez que
você vende sua alma, sujeitando-se a alguém ou toda vez que você sente
um ímpeto de controlar alguém, é sinal de que uma pulsão de morte está
irrompendo na sua vida.
Eis é a seqüencia maligna, o círculo vicioso que deve ser quebrado pela
saudável desobediência-fluzz (5).
273
Inove permanentemente
Grande parte dos que falam em inovação não são inovadores. Inovador é
quem inova, não quem fala como a inovação deve ser. Para inovar você
deve fazer o contrário do que lhe dizem, do que querem ouvir de você, do
que esperam que você faça. Simplesmente, faça diferente. Para tanto, você
tem que ter liberdade. Como já foi dito, o espírito de liberdade é a fonte de
toda criatividade. Você não pode inovar sob encomenda e vigilância de um
sistema que quer que você inove, sim, ma non troppo. É como se lhe
dissessem: inove, mas não exagere: não saia fora de nossa visão, não
bagunce nossos processos, não desarrume nosso modelo de gestão. A
mesma pulsão de morte que exige obediência para disciplinar a interação,
quer também disciplinar a inovação.
274
“membranas sociais”. Ou, ainda, na remoção das separações: entre pessoas
(inclusive entre pessoas que falam idiomas diferentes), entre quem busca e
quem gera conhecimento, entre dispositivos tecnológicos e o corpo humano
e entre pessoas e não-pessoas.
Você quer inovar seguindo o curso (ou surfando na onda-fluzz)? Não seja
por falta de pauta. Tudo que você inventar para remover a centralização
das comunicações e para superar a descentralização da Internet (em
direção a mais distribuição) será inovação-fluzz. Tudo que você inventar
para oferecer alternativas às caixas-pretas onde alguém trancou um
algorítmo, um programa, um conhecimento (para poder viver à custa de
sua inovação aprisionada), será inovação-fluzz. Tudo que você inventar
para derrubar a barreira da língua será inovação-fluzz. Tudo que você
inventar para ensejar que cada busca crie novos significados, evitando que
significados únicos sejam arquivados de modo centralizado, será inovação-
fluzz. Tudo que você inventar para aproximar do corpo humano dipositivos
tecnológicos nômades que intensifiquem a interação, será inovação-fluzz.
275
Saia já do seu quadrado
Em geral, quando ouvem falar dos temas tratados neste livro, as pessoas
dizem: “ - Legal esse papo de rede! Aqui na minha organização, acho que é
meio cedo. Ainda estamos aprendendo. Gostaria de ver como funciona na
prática. Você tem algum exemplo concreto?” Mas isso não é bom o
suficiente. Se você não sair já do seu quadrado, nada pode ser feito.
276
vítima de seguidas centralizações, em razão, justamente, da replicação de
memes verticalizadores.
Quanto mais distribuídas e densas forem as redes sociais, mais elas terão
capacidade de converter competição em cooperação, como resultado de sua
dinâmica. Elas não convertem pessoas competitivas, beligerantes e
possuidoras de forte ânimo adversarial em pessoas cooperativas, pacíficas e
amigáveis. Ao favorecer a interação e permitir a polinização mútua de
muitos padrões de comportamento, o resultado do “funcionamento” de uma
rede social (distribuída) é produzir mais cooperação, como já descobriram
(ou estão descobrindo) os que trabalham com o conceito de capital social.
As pessoas podem continuar querendo competir umas com as outras,
porém, quando conectadas em uma rede (distribuída), esse esforço não
prevalece como resultado geral visto que, na rede, elas não podem impedir
277
que outras pessoas façam o que desejam fazer, nem podem obrigá-las a
fazer o que não querem. Sim, essa é a essência dos processos de comando-
e-controle: mandar nos outros.
Essa constatação pode até parecer meio óbvia, mas está longe disso. A
prova é a nossa imensa dificuldade de aceitar o padrão de rede dentro de
nossas próprias organizações.
278
partir de uma perspectiva egocêntrica. A interação desses múltiplos inputs
seria então capaz de estabelecer uma autoregulação no plano em que se
estabelece (quer dizer, no do próprio mercado). Mas como tal esquema não
garante coesão social, é preciso escorá-lo com uma concepção política
segundo a qual caberia a uma estrutura de poder, supostamente acima das
partes, resolver os dilemas da ação coletiva estabelecendo top down a
regulação, emitindo normas a partir do Estado ou de outra instância
centralizada capaz de cumprir esse papel.
279
Não se pode aprender muito sobre redes em organizações hierárquicas. Só
muito recentemente, algumas empresas começaram a se dar conta de que
um padrão de organização mais favorável à cooperação – tanto
internamente, quanto no âmbito dos seus stakeholders – pode ter alguma
coisa a ver com sua capacidade de se adaptar tempestivamente às
mudanças do meio em que estão inseridas. Colocou-se então, para além da
questão da competitividade (e da qualidade e da produtividade como
atributos conexos), a questão da sustentabilidade.
Mas tal não foi suficiente para alterar os, digamos, drives dos agentes
empresariais. Mesmo os mais avançados, que já foram capazes de perceber
que tudo que é sustentável tem o padrão de rede e, assim, conseguiram
entender a necessidade da transição de sua forma de organização
hierárquico-vertical ou centralizada para formas mais horizontais ou
distribuídas, mesmo estes, não conseguem mudar seu “código-fonte”. E não
conseguem fazê-lo simplesmente porque continuam se organizando de
forma hierárquica. Eis o ponto!
280
Bastaria experimentar uma organização em rede distribuída para ver surgir
o “misterioso” fenômeno (o da multiliderança). Ah! Mas esse passo eles não
querem dar, porque têm medo de... perder a liderança! Trata-se aqui, como
parece óbvio, do monopólio da liderança, que, na sua raiz, está
inegavelmente associado não propriamente à propriedade, mas ao uso que
dela se possa fazer (diretamente, no caso dos donos; ou por delegação, no
caso dos CEOs ou altos dirigentes) para ocupar uma posição de comando-e-
controle; quer dizer: para mandar nos outros.
281
Tudo é aceitável, menos mexer no meu quadrado, disse o reizinho. O
problema com as organizações hierárquicas é que elas são capazes de
aceitar qualquer nova moda, qualquer linguagem vanguardista e qualquer
metodologia revolucionária justificada pela metafísica mais influente da
hora, suposta ou realmente sintonizada com o Zeitgeist, mas – dos pontos
de vista dos padrões de organização e dos modos de regulação – querem
continuar sendo como são! Ou como acham que são. Ou como querem ser
(9).
282
transição do padrão hierárquico dessa organização para um padrão de rede
(10).
283
Inicie agora a transição
Como fazer isso? Pode parecer incrível, mas nós já temos a resposta.
Embora, a rigor, não haja nenhuma fórmula, nós já descobrimos a
"fórmula" da transição do padrão hierárquico para o padrão rede. Essa
"fórmula" é a rede (distribuída).
Mas nós já temos a "fórmula". Achamos que não temos porque, na maior
parte dos casos, não queremos nos organizar – nós mesmos – segundo um
padrão de rede distribuída. Então montamos uma empresa de consultoria
ou uma ONG hierárquica e queremos sair por aí "vendendo o nosso peixe"
para outros hierarcas. É claro que o sujeito (potencial cliente de nossos
284
serviços ou tecnologia) desconfia da nossa conversa. Logo de cara pergunta
onde tal coisa foi aplicada com sucesso. Quer conhecer as best practices,
porque não quer entrar em uma aventura, seguir um maluco qualquer que
anda pregando algo que pode colocar em risco seu negócio ou seu projeto.
Mas suas idéias não valem muito. E os que olham para você com
desconfiança, têm certa razão. Porque não é o seu conhecimento que vai
conseguir transformar aquela organização hierárquica em uma organização
em rede e sim a maneira como as pessoas vão passar a se relacionar
dentro da organização. Seu papel – ao contrário do que muitos acreditam –
não é fazer a cabeça dos decisores da organização. Em geral eles são
pessoas inteligentes o suficiente para entender suas idéias. Mas isso não
adianta porque a organização hierárquica, a despeito do que acreditam seus
dirigentes, continuará funcionando na dinâmica do comando-e-controle.
285
Seu papel – se você é, por exemplo, um consultor estratégico voltado à
inovação e à sustentabilidade – é desencadear uma mudança nos padrões
de convivência entre as pessoas da organização. Mas não são as idéias que
mudam os comportamentos. São novos comportamentos que podem gerar
novos comportamentos. Ninguém muda se não muda o seu viver. Nenhuma
organização muda se não muda o seu conviver. Os chamados modelos
mentais são sociais. As mentes não são cérebros individualmente
parasitados por idéias e sim nuvens de computação da rede social onde
rodam determinados programas meméticos. Esses velhos programas não
param de rodar enquanto os graus de distribuição e de conectividade dessa
rede social não mudam.
E enquanto você, que quer ser um agente da mudança, não muda o seu
viver e o seu conviver, também não pode desencadear qualquer mudança.
Se, por exemplo, você vier com esse papo de rede, mas trabalhar a partir
de uma organização hierárquica, não terá condições de introduzir
mudanças. Seu padrão de relacionamento (da sua organização) com a
organização que você quer transformar será conservador e não inovador.
Não se trata de coerência. É bom não misturar os canais. Não estamos aqui
no terreno do discurso ético. Trata-se da capacidade de introduzir estímulos
que podem se replicar em um sistema alterando o comportamento dos
agentes do sistema.
Isso exige outro padrão de consultoria que não aquele do técnico que vai lá
vender o seu conhecimento para quem quiser pagar o preço. Só é possível
realizar essa consultoria se você for parte do processo, como um dos nodos
da rede dos stakeholders da organização. Não é uma aplicação tecnológica
ou metodológica que possa ser feita por um agente desinteressado, neutro,
imparcial. Você também é transformado na interação. Se não for, não
haverá mudança alguma. Os caras vão fazer de conta que acreditam no seu
discurso, vão experimentar suas tecnologias e metodologias e, no final,
você vai sair mais ou menos como entrou e a organização vai ficar mais ou
menos como você a pegou. Vai passar a ter um novo discurso –
materializado formalmente em novas declarações sobre visão, missão,
valores – mas o conviver que expressa os seus fluxos cotidianos
permanecerá (quase) inalterado.
286
configuração e a dinâmica dos arranjos em que as pessoas foram colocadas
para viver e conviver.
Como? Ah! Basta aplicar a "fórmula" que – não é demais repetir – nós já
descobrimos. Basta alterar a topologia e a conectividade da rede social
composta pelos stakeholders da organização. Se fizermos isso, vão emergir
conexões em rede (ordem bottom up, liberdade, autonomia,
multiliderança), confiança e amizade, colaboração e auto-regulação como
características de programas horizontalizadores (ou softwares
distribuidores) que poderão (então) rodar nos novos arranjos em que as
pessoas vão passar a viver e conviver.
Mas isso não vai dar uma confusão danada? É claro que vai. Criar uma
espécie de Zona Autônoma Temporária (11) dentro da organização, não é
uma coisa trivial. Há o risco de bagunçar os atuais processos que, bem ou
mal, estão permitindo que a organização sobreviva e muitas vezes se
destaque na competição com suas congêneres. Por outro lado, o que se
pode ganhar com isso, caso a transição consiga se realizar, é muito mais do
que se pode ganhar com qualquer suposta inovação – em geral cosmética –
lançada pelas consultorias estratégicas organizacionais da moda, cujo
principal resultado é fazer você ficar igualzinho a seus concorrentes. Os
287
indicadores de produtividade, inovação e, sobretudo, de sustentabilidade
que uma organização em rede pode alcançar não são comparáveis aqueles
que podem ser atingidos por uma organização hierárquica. Não há
comparação porque o que muda aqui é a própria natureza da organização.
A organização em rede importará a custo zero (ou por baixo preço) capital
social (que é um recurso caríssimo) do meio onde está situada. Se as
populações locais começarem a fazer parte da rede de stakeholders da
organização, elas também farão parte da comunidade de negócios ou de
projeto em que ela se transformará. Isso reduzirá drasticamente os
famosos custos de transação, além de trazer outras vantagens
inimagináveis atualmente.
288
Afinal, redes são apenas (múltiplos) caminhos
Mohandas Ghandi disse certa vez que "não existe caminho para a paz: a
paz é o caminho". John Dewey, antes de Ghandi – e Amartya Sen, muito
depois – já haviam sugerido que não existe caminho para a democracia a
não ser a própria democracia. Com as redes é a mesma coisa: 'não existe
caminho para as redes: as redes são o caminho'. A paráfrase não é apenas
literária. Há uma relação intrínseca entre essas realidades processuais –
paz, democracia e redes: na verdade não há paz, senão +pazeamento; e
não há democracia, senão +democratização; e não há redes, senão
+enredamento ou +reticulação ou, ainda, +distribuição.
Qual é a novidade aqui? A novidade é a seguinte: isso tem que ser feito
agora, não depois. Não pode haver uma transição para uma organização em
rede mantendo-se intocado o padrão centralizado atual (+centralizado do
que distribuído, entenda-se) em nome de um futuro padrão de rede
(+distribuído do que centralizado). Essa é a desculpa para não mexer nos
289
graus de centralização e é por isso que uma transição assim não costuma
dar certo.
Mas como fazer redes? Não há um guia, um verdadeiro how-to. Por isso,
fuja dos receituários. Todos esses receituários contemporâneos que
pretendem ensinar a fazer redes, em geral não servem porque confundem
redes sociais com midias sociais. Então elencam 5 passos, recomendam 10
medidas, sugerem 15 procedimentos, dão 20 dicas para você usar melhor
(?) o seu blog ou alguma plataforma interativa da moda como o Twitter e o
Facebook. Mas não falam nada sobre seus encontros com seus amigos na
sua casa, nos restaurantes, nas festas, nos seus locais de estudo e
trabalho. Ou seja, não falam das redes sociais propriamente ditas.
290
11
Bem-vindos aos novos mundos-fluzz
291
Bem-vindos aos novos mundos-fluzz.
Oh!, sim, redes são fluições. Este livro foi sobre redes.
292
aquelas impostas pela barreira da língua, passando por aquelas que
separam quem busca de quem gera conhecimento e pelas que separam os
dispositivos tecnológicos interativos do corpo humano até chegar às que
separam pessoas de não-pessoas.
Seu Foursquare não está mais montado sobre a planta urbana, mas sobre
mapas de caminhos no espaço-tempo dos fluxos. Ele passou a ser i-based.
Com a ajuda de telas (e tudo pode ser tela), óculos especiais, projeções
holográficas ou implantes bio-eletrônicos e cibernéticos, você “vê” o fluxo.
Como um precog você antevê o desfecho de configurações em formação,
que ainda não se materializaram... E como um novo John Anderton (o
protagonista de Minority Report, interpretado por Tom Cruise, mas agora
livre e não-perseguido) interage com as coisas: os artefatos, os
equipamentos, os prédios, as ruas.
Mas com você não ocorre nada parecido com o que se passa na sociedade
de controle de Minority Report, o filme de Spielberg (2002) baseado no
conto homônimo de Philip K. Dick (1956). Você será mais como aquele
Leto, o filho de Paul Atreides, em Os Filhos de Duna, de Frank Herbert
(1976) (1). Não há um mainframe. Não há um Arquiteto (o personagem de
Matrix Reloaded magistralmente interpretado por Helmut Bakaitis). Acorda!
Você não está mais na Matrix.
293
Nos Highly Connected Worlds todo buscador é um polinizador. Esse
interagente é um viajante, um peregrino de mundos e um semeador de
mundos, um nômade que não depende mais de workstations instaladas em
equipamentos que obstruem fluxos. Dispositivos móveis de navegação e
comunicação, objetos interativos nômades ficaram vez mais portáteis e
mais decisivos na geração de small-worlds e de interworlds.
Mas esses avanços tecnológicos, em si, não são nada diante das inovações
sociais que surgiram com o auxílio de tecnologias i-based (aliás, tais
tecnologias só foram desenvolvidas porque já havia a possibilidade social
para o seu surgimento). Não-escolas, não-igrejas, não-partidos, não-
Estados-nações, não-empresas-hierárquicas germinaram e floresceram,
dando nascimento a novas variedades de instituições-fluzz baseadas na vida
comum e na convivência das pessoas comuns ressignificadas como
expressões diretas do multiverso criativo (aquele que cria a si mesmo à
medida que se desenvolve). Não é um novo céu e uma nova terra (como
expectou Isaias 65: 17): é que o novo céu passou a ser a nova terra; enfim
a terre des hommes!
294
distribuídas. Não foi propriamente a descoberta desses novos fenômenos
que quebrou as cadeias que nos aprisionavam ao velho mundo e sim a
nossa disposição social de deixarmos eles acontecerem.
295
Quebrando as cadeias
296
ensinamento (replicação) e sim com aprendizagem (criação). Aprendizagem
coletiva que reflete o metabolismo pelo qual os mundos sociais criam-se a si
mesmos à medida que se desenvolvem = fluzz.
297
Clustering
298
temporário do festival Burning Man revela quase tudo: poucos caminhos x
múltiplos caminhos.
299
Swarming
300
centralizada. Assim, do que se trata é de deixar mesmo. As tentativas de
provocar artificialmente swarmings, instrumentalizando o processo para
derrotar um adversário, destruir um inimigo, disputar uma posição, vencer
uma eleição ou vender mais produtos batendo a concorrência, em geral não
têm dado certo. Todas elas acabam, contraditoriamente, fazendo aquilo que
negam: tentando organizar a auto-organização.
301
Cloning
O termo clone deriva da palavra grega klónos, usada para designar "tronco”
ou “ramo", referindo-se ao processo pelo qual uma nova planta pode ser
criada a partir de um galho. Mas é isso mesmo. A nova planta imita a velha.
A vida imita a vida. A convivência imita a convivência. A pessoa imita o
social.
Sem imitação não poderia haver ordem emergente nas sociedades humanas
ou em qualquer coletivo de seres capazes de interagir. Sem imitação os
cupins não conseguiriam construir seus cupinzeiros. Sem imitação, os
pássaros não voariam em bando, configurando formas geométricas tão
surpreeendentes e fazendo aquelas evoluções fantásticas.
A imitação não é algo ruim, como começamos a pensar depois que surgiram
os sistemas de trancamento do conhecimento (como, por exemplo, as leis
de patentes e o direito autoral). A preocupação deslocou-se então da
criação para a fraude, passando a ser um caso de polícia.
Você não imita uma-a-um ou um de cada vez. O que você imitou (e variou)
vai ser imitado por outro (e ser também variado). Além disso, você imita
vários ao mesmo tempo, combina e recombina modelos a ser imitados e
essas recombinações também se propagam gerando novos padrões de
302
adaptação emergentes. Isso é o que chamamos aqui de cloning. Foi assim
que nasceu a vida (o simbionte natural). É assim que está nascendo a
convivência social “orgânica” (ou o simbionte social) nos Highly Connected
Worlds.
303
Nada a ver com conteúdo. Nos mundos altamente conectados o cloning
tende a auto-organizar boa parte das coisas que nos esforçamos por
organizar inventando complicados processos e métodos de gestão. Mesmo
porque tudo isso vira lixo na medida em que os mundos começam a se
contrair sob efeito de crunching.
304
Crunching
Nada a ver com conteúdo. Tudo que interage tende a se emaranhar mais e
a se aproximar, diminuindo o tamanho social do mundo. Quanto menores
os graus de separação do emaranhado em você vive como pessoa, mais
empoderado por ele (por esse emaranhado) você será. Mais alternativas de
futuro terá à sua disposição. Mais parcerias e simbioses poderá fazer para
realizar qualquer coisa. Mais rico (de conexões) e mais poderoso (de
empoderamento) você será, porque terá mais recursos (meios) e mais
capacidade (potencialidade) de alterar disposições no espaço-tempo dos
fluxos.
Novamente é o caso de dizer (pela terceira vez neste livro): bem, isso muda
tudo.
305
No passado temia-se que isso nos colocasse na dependência de dispositivos
interativos móveis – e-readers e tablets – mochilas e naves. Quá! Tudo isso
já é passado. Os dispositivos separados do corpo vão sendo substituídos por
implantes conectores, as máquinas de ler livros e os computadores-
comprimidos vão virando objetos tão jurássicos como aqueles velhos
computadores-armários que rodavam fitas magnéticas e liam cartões
perfurados. As mochilas vão ficando cada vez menores na medida em que
não há muito para carregar (e carregar para onde?). As naves, entretanto,
permanecem, mas são outra coisa.
306
Conversando com a rede-mãe
Interworlds são os meios pelos quais o que foi separado pode se reconectar.
Todas as coisas sociais (esses emaranhados que chamamos de pessoas) se
reconectam quando são devolvidas à rede-mãe. Quando são livres para
fazer isso: amagi. Para tanto, porém, é necessário remover o que está
impedindo essa volta, não fazer discursos. Você não precisa convencer os
outros dessas coisas (o que é sempre sinal de que você não está realmente
convencido). Não precisa fazer proselitismo de uma nova visão de mundo,
de uma nova ideologia, de uma nova filosofia, de uma nova religião. As
pessoas já querem se comunicar com a rede-mãe, não é necessário induzi-
las, compeli-las, conduzi-las.
Quando, por exemplo, você vê uma jovem querendo ser dançarina, cantora,
é fluzz que está ali naqueles desejos muitas vezes inexplicáveis. Ela não
quer fazer sucesso, se destacar dos semelhantes. Isso pode vir depois,
quando for capturada por uma organização hierárquica. No início ela quer
apenas vibrar no mesmo ritmo da intermitente criação, acompanhar a vida
nômade das coisas, respirar com elas, reconhecer e ser reconhecida por
outras pessoas capazes de se deixar empatizar...
307
enxameando, imitando (clonando), enfim, interagindo com os semelhantes
em seus mundos pequenos (amassados). E a forma como eles expressam
suas interações – por flocking ou shoaling – revela o metabolismo do
simbionte natural: apenas deixando acontecer. Trata-se agora de fazer
alguma coisa correspondente em relação à segunda criação do mundo: o
simbionte social. Como? Não se sabe. Você vai ter que perguntar à rede-
mãe. Para conversar com ela, você só precisa construir interfaces. Ou
melhor: você – a núvem – só precisa ser interface.
Sim, se você está disposto a ser um netweaver, você pode agora programar
na rede-mãe através da interface que construiu.
308
Pulando no abismo
Não existe o escolhido. Todos nós somos escolhidos quando colhidos por
fluzz
Este foi um livro para netweavers. Ele contém uma espécie de “linguagem
de máquina”. Se você aprender essa linguagem poderá programar na
própria rede-mãe. Mas... atenção: nessa plataforma você só pode
programar com sua vida.
Ter essa atitude-fluzz é algo assim como usar aquele “Pó de Flu” – da série
Harry Potter de J. K. Rowling (1997-2007) – para se transportar para todos
os lugares que estiverem ligados à Floo Network; ou seja: ligar a
imaginação que voa. Para se comprometer com aves, como escreveu um
daqueles poetas que sabem tudo de redes (sim, fluzz se revela aos poetas):
“Os adejos mais raros se escondem nos emaranhos” (14).
Se você está esperando algum momento especial para que isso aconteça na
sua vida, fique sabendo que tal momento não existe. Você não precisa
aguardar a abertura de uma janela de oportunidade. Você não precisa se
preparar. Você não precisa galgar os degraus de um processo iniciático,
percorrer uma trilha oculta, aguardando pacientemente que alguma
burocracia espiritual lhe reconheça ou lhe escolha. Se lhe oferecerem esta
309
via, agradeça penhorado e... dispense! Diga que você está ocupado no
momento com uma coisa mais importante: ser uma pessoa comum.
Ao contrário do que Morpheus diz para Neo (15) em The Matrix (1999) não
há uma última chance. Enquanto você respirar, a chance estará presente. E
não existe o escolhido. Todos nós somos escolhidos quando colhidos por
fluzz. Independe do que você acredita ou queira acreditar.
Tanto faz. Não acredite em Morpheus, não acredite em nada – nem mesmo
no que você leu neste livro –, mas cante como Lennon & McCartney Let it
be e… pule no abismo. Seja um Meher Baba, assobie com Bobby McFerrin
Don’t worry, be happy e... salte na correnteza. Fale como Yoda: Não tente,
faça e... entregue-se ao nada (sim, ouça agora Morihei Ueshiba, fundador
do Aikido: “Aqueles que são possuídos pelo nada possuem tudo”). Ou, como
disse algures o Bhagwan Shree Rajneesh (mais conhecido como Osho),
“deixe de lado todas as ideologias, todas as filosofias, todas as religiões,
todos os sistemas de pensamento e penetre no vazio”.
E agora? Você vai tomar a pílula azul ou a vermelha? Ora, talvez você não
precise escolher nenhuma das duas. Já não se trata bem de fazer escolhas.
Você pode se atirar no rio e... simplesmente deixar.
Mas como? – Depois de ler isso tudo ainda não sei bem o que é fluzz. Pois
é... Você ainda não entendeu que tem que pular no abismo?
310
311
Quer gozemos, quer não gozemos,
passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente...
Fernando Pessoa (como Ricardo Reis, em 12/06/1914)
312
Notas e referências
313
Coda
(*) Coda faz as vezes de apresentação deste livro. É uma espécie de “código-fonte”
de fluzz. Fluzz nasceu a partir de reflexões intermitentes do autor durante a última
década. Talvez tenha surgido do espanto com a palavra ‘Entidade’, tal como foi
usada – com maiúscula – por Jane Jacobs (1961), em Morte e Vida das Grandes
Cidades Americanas: “As inter-relações que permitem o funcionamento de um
distrito como uma Entidade não são nem vagas nem misteriosas. Consistem em
relacionamentos vivos entre pessoas...” Difícil saber agora, quase cinco anos após
sua morte, tudo que ela queria realmente dizer com ‘Entidade’ (com maiúscula) e
‘relacionamentos vivos’ (que é diferente de relacionamento entre vivos). De
qualquer modo, isso foi interpretado aqui como ‘viver a convivência’. Quando
vivemos nossa convivência (social) produzimos um novo tipo de vida (humana).
Essa é a idéia básica.
Tal como as reflexões que o originaram, este é um livro que se repete. Vários
capítulos repisam o que já foi dito em capítulos anteriores. Quem não está
preparado para a redundância, pode ficar incomodado com o estilo recursivo do
texto. Uma explicação para isso, baseada no tipo de interação chamado cloning,
está no Capítulo 0 – Tudo é fluzz. Mas essa explicação, provavelmente, não será
suficiente diante da cultura, ainda predominante, da escassez.
Quando uma parte do material aqui contido foi escrita pela primeira vez, não havia
surgido a idéia de fluzz. Depois que tal idéia surgiu, surgiu também a impressão de
que tudo o que já estava escrito, havia sido escrito como prefiguração. Fluzz
apenas consumou.
A palavra ‘fluzz’ nasceu de uma conversa informal do autor, no início de 2010, com
Marcelo Estraviz, sobre o Buzz do Google. O autor observava que Buzz não captava
adequadamente o fluxo da conversação, argumentando que era necessário criar
outro tipo de plataforma (i-based e não p-based). Marcelo Estraviz respondeu com
a interjeição ‘fluzz’, na ocasião mais como uma brincadeira, para tentar traduzir a
idéia de Buzz+fluxo. Ulteriormente a idéia foi desenvolvida e recebeu outros
significados, que não têm muito a ver com o programa mal-sucedido do Google,
como se pode ver neste livro.
314
Tudo é fluzz | 0
(2) BARROS, Manoel (1993). “Uma didática da invenção” in O Livro das Ignorãças.
Rio de Janeiro: Record, 2004.
(3) Cf. DIAZ, Jesus (2010). Humans can only walk in circles and we don’t know
why. Gizmodo:
<http://www.npr.org/blogs/krulwich/2010/11/03/131050832/a-mystery-why-can-
t-we-walk-straight>
(4) BARROS, Manoel (1993). “Mundo pequeno” in O Livro das Ignorãças: Ed. cit.
315
No “lado de dentro” do abismo | 1
(2) Cf. Histórias da Tradição Sufi. Rio de Janeiro: Edições Dervish, 1993.
Era uma vez um homem chamado Mojud. Ele vivia numa cidade onde havia
conseguido um emprego como pequeno funcionário público, e tudo levava a
crer que terminaria seus dias como Inspetor de Pesos e Medidas.
Excitado, Mojud procurou seu chefe e lhe disse que ia partir. Todos na
cidade logo souberam desse fato e comentaram:
Mas como havia muitos candidatos a seu posto logo se esqueceram dele.
Como ele sabia nadar, não se afogou, mas ficou boiando à deriva por um
longo trecho antes que um pescador o recolhesse em seu bote, dizendo:
316
Quando o pescador descobriu que Mojud era bem instruído, passou a
aprender com ele a ler e a escrever. Em troca Mojud recebeu comida e
ajudou o pescador em seu trabalho.
Alguns meses depois Khidr reapareceu, desta vez junto à cama de Mojud, e
disse:
Uma tarde, quando estava ensacando lã, Khidr fez nova aparição e disse:
Mojud obedeceu.
317
- Como iniciou sua carreira?
(3) GOETHE, Johann Wolfgang von (1811). Memórias: Poesia e Verdade. Brasília:
Hucitec, 1986.
(4) BANDEIRA, Manoel (1948). O rio (Belo Belo) in Bandeira: Antologia Poética. São
Paulo: José Olympio, 1954.
318
(8) ARENDT, Hannah (1958). A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
(10) BEY, Hakim (Peter Lamborn Wilson) (1984-1990). TAZ. São Paulo: Coletivo
Sabotagem: Contra-Cultura, s/d.
(13) JACOBS, Jane (1961). Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
(14) COLEMAN, James (1988). “Social Capital in the creation of Human Capital”,
American Journal of Sociology, Supplement 94, 1998.
(15) Vf. Swarming civil espanhol in UGARTE, David (2004). 11M: Redes para ganar
una guerra. Barcelona: Icaria, 2006.
(16) Cf. FRANCO, Augusto (2009). Redes são ambientes de interação, não de
participação. Slideshare [4.425 views em 22/01/2011]
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/redes-so-ambientes-de-interao-no-
de-participao>
(17) Cf. FRANCO, Augusto (2009). A lógica da abundância. Slideshare [2.171 views
em 22/01/2011]
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/a-lgica-da-abundncia>
(18) Cf. WIENER, Norbert (1951). Cibernética e sociedade: o uso humano de seres
humanos. São Paulo: Cultrix, 1993.
319
(21) GLADWELL, Malcolm (2008). Fora de série (Outliers). Rio de Janeiro:
Sextante, 2008.
(22) Cf. UGARTE, David (2007). O poder das redes. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008.
(23) HERBERT, Frank (1969). O Messias de Duna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.
(25) BUCHANAN, Marc (2007). O átomo social. São Paulo: Leopardo, 2010.
(29) Cf. FRANCO, Augusto (2009). O poder nas redes sociais. Slideshare [1.890
views em 22/01/2011]
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/o-poder-nas-redes-sociais-2a-
versao>
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/desobedea>
320
Inumeráveis interworlds| 2
(1) Cf. LORCA, Frederico Garcia (1924). “Canción Tonta” in Canciones (Obras
Completas I). Madrid: Aguilar, 1978.
(2) BARROS, Manoel (1993). Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.
(3) LÉVY, Pierre (1998). “Uma ramada de neurônios” in Folha de São Paulo:
15/11/1998. Cf. ainda Caderno Mais da Folha de S. Paulo: 15/11/2002 (p. 5-3). O
texto está disponível em:
<http://escoladeredes.ning.com/profiles/blogs/uma-ramada-de-neuronios>
(4) Cf. FRANCO, Augusto (1998). O Complexo Darth Vader. Slideshare [469 views
em 23/01/2011]
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/o-complexo-darth-vader>
321
Pessoa já é rede | 3
(1) HERBERT, Frank (1976). Os filhos de Duna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.
(3) Trata-se de uma tradução forçada do provérbio “Viam aut aut faciam inveniam”
cuja localização não foi possível determinar. Cf. a bibliografia de SENECA, Lucius
Annaeus (c. 3 a. E. C. – 65) em:
<http://www.egs.edu/library/lucius-annaeus-seneca/biography/>
322
Anisotropias no espaço-tempo dos fluxos | 4
<http://pt.wikiquote.org/wiki/S%C3%AAneca>
(2) KAVÁFIS, Konstantinos (1911). Ithaca. Kaváfis não publicou nenhum livro em
vida. Estão disponíveis online as traduções de José Paulo Paes e Haroldo de
Campos em:
<http://www.org2.com.br/kavafis.htm>
(5) HOBBES, Thomas (1651). Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
(8) MARGULIS, Lynn e SAGAN, Dorion (1986). Microcosmos: four billion years of
microbial evolution. Los Angeles: University of California Press, 1997.
(9) Cf. FRANCO, Augusto (2009). O poder nas redes sociais. Slideshare [1893
views em 23/01/2011]
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/o-poder-nas-redes-sociais-2a-
versao>
(11) O sétimo sentido seria “o senso de unicidade com Tudo, isto é, Universo, a
força criativa, ou o que alguns humanos poderiam chamar de Deus. Vulcanos não
vêem, contudo, isso como uma crença, seja religiosa ou filosófica. Eles tratam isso
como um simples fato que insistem não ser mais incomum ou difícil de entender do
que a habilidade de ouvir ou ver” [como escreveu o criador da série Star Trek,
Gene Roddenberry (1979)]. Vulcanos chamam essa filosofia de “Nome”, querendo
323
dizer “uma combinação de uma diversidade de coisas para fazer com que a
existência valha a pena” (Episódio “Por trás da cortina”: The Original Series)”. Cf.
RODDENBERRY, Gene (1979). The Motion Picture. New York: Pocket Books, 1979.
324
Hifas por toda parte | 5
(1) MARGULIS, Lynn & SAGAN, Dorion (1998). O que é vida? Rio de Janeiro: Zahar,
2002.
(3) Por exemplo, cabeças hidrofílicas com caudas hidrofóbicas em conjugação com
fosfolípidos, aglomerados de proteínas globulares, glicoproteínas, glicolipídios,
colesterol, proteínas extrínsecas etc.
(4) Cf. FRANCO, Augusto (2009). A lógica da abundância. Slideshare [2.172 views
em 23/01/2011]
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/a-lgica-da-abundncia>
<http://en.wikipedia.org/wiki/15_minutes_of_fame>
325
O terceiro milênio já começou? | 6
(2) Cf. UGARTE, David (2010). Los futuros que vienen. Madrid: Grupo Cooperativo
de las Índias, 2010. “Descomposición es descomposición también, y sobre todo, de
los sujetos con los que se componía la narración histórica: las clases, las naciones,
los grupos de interés, el marco de mercado… con ellos muere ese futuro que se
pretendía el futuro y que es precisamente aquel por el que los universalistas se
afanan. Ese futuro universal es hoy un enfermo crónico en fase terminal. Nacido en
el siglo XVIII, tuvo su crisis adolescente con el Romanticismo, su madurez con el
progresismo decimonónico y su primera crisis grave con los genocidios cometidos
por el estado alemán durante la Segunda Guerra Mundial”.
(4) WOLFE, Tom (2003). “Introdução” in McLUHAN, Stephanie & STAINES, David
(2003): Op. cit.
(6) Idem.
(7) CHARDIN, Teilhard (1955). O fenômeno humano. São Paulo: Cultrix, 1989.
(11) Cf. FRANCO, Augusto (2008). Tudo que é sustentável tem o padrão de rede:
sustentabilidade empresarial e responsabilidade corporativa no século 21. Curitiba:
Escola-de-Redes, 2008.
(13) FRANCO, Augusto (2008). Tudo que é sustentável tem o padrão de rede: ed.
cit.
326
Alterando a estrutura das sociosferas | 7
(1) BARROS, Manoel (1986). Livro sobre Nada in Poesia Completa. São Paulo:
Leya, 2010.
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/buscadores-polinizadores-4a-verso>
(3) Cf. Observações de Nilton Lessa à FRANCO, Augusto (2010). Buscadores &
Polinizadores: ed. cit.
(4) Cf. FRANCO, Augusto (2001). Uma teoria da cooperação baseada em Maturana.
Aminoácidos 4. Brasília: AED, 2002.
<http://escoladeredes.ning.com/group/bibliotecadoconectivismo>
(6) ILLICH, Ivan (1970). Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1985. (Na
verdade o título dessa tradução, para ser fiel ao original, deveria ser
“Desescolarizando a sociedade”)
(7) Este parágrafo e varios dos seguintes da mesma seção (“Mata a escola = matar
o Buda”) foram elaborados originalmente durante uma polêmica conversação,
ocorrida entre 27 de abril e 24 de maio de 2010, na Escola-de-Redes, com Ignácio
Munõz Cristi e outros interlocutores sobre “redes sociais entendidas como redes
fechadas de conversações no espaço social”. Para conhecer a íntegra da discussão
acesse:
<http://escoladeredes.ning.com/group/biologiacultural/forum/topics/redes-sociais-
entendidas-como>
<http://www.catb.org/~esr/faqs/hacker-howto.html>
327
(10) Cf. as conversações do grupo da Escola-de-Redes intitulado “A desistência
como ativismo”:
<http://escoladeredes.ning.com/group/desista>
(12) Idem.
(13) Idem-idem.
(14) Idem-ibidem.
(16) Cf. FRANCO, Augusto (2009). Modelos mentais são sociais. Slideshare [1.022
views em 23/01/2011]
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/modelos-mentais-so-sociais>
(18) Cf. WEBER, Renée (1986). Diálogos com cientistas e sábios. São Paulo:
Cultrix, 1991 [cf. a entrevista com Ilya Prigogine no capítulo intitulado “O
reencantamento da natureza”].
(19) BLOCH, Ernst (1968). El ateísmo en el cristianismo: la religión del éxodo y del
Reino. Madrid: Taurus, 1983.
(20) Idem.
(21) JACOBS, Jane (1961). Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins
Fontes, 2009.
(22) BEY, Hakim (1985-1991). BEY, Hakim (Peter Lamborn Wilson) (1984-1990).
TAZ – Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Coletivo Sabotagem: Contra-
Cultura, s/d.
(23) BEY, Hakim (1985). CAOS: Terrorismo poético e outros crimes exemplares.
São Paulo: Conrad, 2003.
328
(25) STERLING, Bruce (1988). Piratas de dados [Péssima tradução do título Islands
in the Net]. São Paulo: Aleph, 1990.
(26) Cf. a entrevista concedida em 1984 por Ilya Prigogine à Renée Weber em
WEBER: Op.cit.
(27) LÉVY, Pierre (2000). O Fogo Liberador. São Paulo: Iluminuras, 2001.
(28) NOVALIS (George Friedrich Philipp, Freyherr (Barão) von Hardenberg) (1798).
Pólen. Fragmentos, diálogos, monólogos. São Paulo: Iluminuras, 2011.
(29) BARROS, Manoel (2010). Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/democracia-um-programa-
autodidatico-de-aprendizagem>
(32) Cf. DEWEY, John (1927). O público e seus problemas in (excertos) FRANCO,
Augusto & POGREBINSCHI, Thamy (orgs.) (2008). Democracia cooperativa:
escritos políticos escolhidos de John Dewey. Porto Alegre: CMDC / EdiPUCRS, 2008.
329
Predominou amplamente uma desinteligência sobre a questão do público nos
últimos séculos do mundo único. As pessoas achavam que público era o resultado
de uma declaração legal, legitimada por um pacto dito social, mas promovido e
garantido pelo Estado. Bastava que a lei decretasse que uma coisa era pública e
pronto! Estava feita a mágica.
Não viam que o público se forma, sim, a partir de inputs privados porém somente
quando esses inputs interagem coletivamente formando configurações complexas
que brotam por emergência. E não podiam mesmo ver isso porquanto as categorias
sociológicas e políticas que utilizavam eram impotentes para analisar a intimidade
do que chamavam de sociedade, ou seja, para captar a fenomenologia da rede
social.
Sem buscar novos constructs para entender uma realidade diferente daquela em
que as velhas concepções, que reificavam essa abstração chamada indivíduo, foram
forjadas, não há saída. Dificilmente se poderá entender a emergência e outros
processos acompanhantes da complexidade social.
330
haveria base para um pacto na sociedade reconhecendo como válido o direito de
taxar esses contribuintes. Se houvesse tal pacto, ele seria um pacto privatizante e
os tais contribuintes seriam considerados (e se comportariam como) donos do
Estado (que, então, não poderia mais ser considerado um ente público).
Por outro lado, há uma razão eloqüente para afirmar que a quantidade não é a
única variável nesse processo. Pois também não fica assegurada a formação do
público pela simples soma – ou a totalização ex post e inorgânica – de imputs
privados, mesmo que as parcelas dessa soma expressem quantitativamente a
opinião da maioria de uma população.
Mas é forçoso reconhecer que tudo ou quase tudo que se diz sobre o público que
não leva em conta esse processo emergente pelo qual o público se constitui a partir
da complexidade social não é capaz de explicar a natureza do público, nem de
compreender a fenomenologia a ele associada.
(36) É por isso que têm se revelado vãs todas as tentativas de fundar um novo
partido para reformar a política, a partir de novas idéias e, supostamente, da
inauguração de novas práticas. Em pouquíssimo tempo esse novo partido será
capturado pelo oligopólio dos velhos partidos e se comportará como eles. Quando
não há má intenção (e tudo então não passa de pretexto para construir uma nova
caciquia ou para legalizar uma nova quadrilha para assaltar o público), parece
evidente que há falta de inteligência mesmo nos que vivem insistindo em percorrer
essa via.
(37) "Patriotism is the last refuge of a scoundrel" ("o patriotismo é o último refúgio
dos canalhas”). Cf. BOSWELL, James & CROKER, John (1791). The life of Samuel
Johnson, LL. D. New York: George Dearborn Publisher, 1833. Disponível em Google
Books:
<http://books.google.com/books?id=TmShu9cK3IUC&pg=PP1#v=onepage&q&f=fal
se>
(38) Cf. ALTHUSIUS, Johannes (1603). Política. Liberty Fund (2003). Rio de
Janeiro: Topbooks, s/d.
(40) Dentre todos, talvez a língua continue sendo a obstrução mais efetiva à
interação entre diferentes povos, mas tudo indica que esse “muro” também está
com seus dias contados. Os avanços, verificados nos últimos anos, no
desenvolvimento de programas de tradução e a construção de sistemas
simultâneos de tradução de idiomas, compostos por softwares aplicativos,
suportados por hardwares e conectados a dispositivos de reconhecimento de voz
em computadores e aparelhos telefônicos, logo anulará essa desculpa da Babel
para o viver separado do diferente. Como observou Humberto Maturana, lembrado
por Carlos Boyle em um recente post no site da Escola-de-Redes, Babel não
fracassou em virtude das diferentes línguas que falavam seus construtores e sim
331
porque eles não se entendiam entre si (ou seja, o que faltou foi cooperação, de vez
que o linguagear pode se exercer mesmo entre duas pessoas que falam línguas
diferentes, que acabarão, de um modo ou de outro, se entendendo).
(41) A não ser quando a seleção brasileira de futebol joga com a da Argentina. Aí,
em uma caricatura degenerada de primitivos seres tribais, nos pintamos de verde-
amarelo, nos enrolamos na bandeira e gritamos irracionalmente a plenos pulmões
que o legítimo gol feito pelo genro de Maradona não valeu, pois que ele estava
impedido e acusamos de ladrão o juiz. E os argentinos fazem a mesma coisa. Sim,
é do jogo, pode-se dizer. Mas em geral esquece-se de perguntar: de que jogo (o
esporte competitivo como “uma guerra sem mortes” como bem o definiu George
Orwell)? De que vale esse tipo de polarização que passa por cima de qualquer
senso de urbanidade e justiça? E o que de bom poderá advir dessa patriotice?
(43) Idem.
(45) Cf. FREEDOM HOUSE (2011). Freedom in the World 2011: The authoritarian
challenge to democracy. Disponível em
<http://www.freedomhouse.org/images/File/fiw/FIW_2011_Booklet.pdf>
(49) FRANCO, Augusto (2008). Escola de Redes: Novas visões sobre a sociedade, o
desenvolvimento, a internet, a política e o mundo glocalizado. Curitiba: Escola-de-
Redes, 2008.
332
(50) Cf. FULLER, Buckminster (1968). Manual de Operação da Espaçonave Terra.
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1983 e MCLUHAN, Marshall (1974) in
McLUHAN, Stephanie & STAINES, David (2003): Op. cit.
(52) Um bom relato das causas da derrota dos Apaches pode ser encontrado no
livro de Ori Brafman e Rod Beckstrom (2006): The starfish and the spider (Quem
está no comando? A estratégia da estrela-do-mar e da aranha: o poder das
organizações sem líderes. Rio de Janeiro: Elsevier Campus, 2007), na passagem
intitulada A estratégia da centralização:
Eis o que acabou com a sociedade Apache: os americanos deram gado aos
Nant'ans. Foi simples assim. Como os Nant'ans tinham recursos escassos -
as vacas -, seu poder passou de simbólico a material. Antes, os Nant'ans
lideraram pelo exemplo, mas agora eles poderiam recompensar e punir
membros da tribo oferecendo ou retirando esse recurso.
333
isso foi desastroso para eles, pois gerou uma baralha sem lucros em troca
de recursos entre linhagens". Com uma estrutura de poder mais rídiga, os
Apaches ficaram semelhantes aos Astecas e, assim, ficou mais fácil para os
americanos os controlarem...
(53) Epopéia da Criação – Enuma Elish (ou Enûma Eliš) é o mito de criação
babilônico. Ele foi descoberto por Austen Henry Layard em 1849 (em forma
fragmentada) nas ruínas da Biblioteca de Assurbanipal em Nínive (Mossul, Iraque),
e publicado por George Smith em 1876. Cf. SMITH, George (1876). The Chaldean
Account of Genesis. London: s/ed., 1876. Eis a passagem citada do Enuma Elish:
“Ele criou o homem (e a mulher), seres vivos, para trabalhar para sempre, e liberar
os deuses de outras cargas...”. Uma versão duvidosa em português está disponível
no link:
<http://www.angelfire.com/me/babiloniabrasil/enelish.html>
(54) BLACK, Bob (1985). The Abolition of Work and Other Essays. Port Townsend:
Loompanics Unlimited, 1986. Uma tradução em português do manifesto “A abolição
do trabalho” está disponível para download em
<http://www.4shared.com/file/219719893/b8942012/A_ABOLIO_DO_TRABALHO_B
lack.html>
334
Os mantenedores do velho mundo | 8
(4) CAMPBELL, Joseph (1959): As máscaras de Deus (Volume I). São Paulo: Palas
Athena, 1998.
(3) ABRAHAM. Ralph, McKENNA, Terence & SHELDRAKE, Rupert (1992). Caos,
criatividade e o retorno do sagrado: triálogos nas fronteiras do Ocidente. São
Paulo: Cultrix, 1994.
335
‘me’ inclui a realiza, as funções sacerdotais, os ofícios e a música, assim como as
relações sexuais, a prostituição, a velhice, a justiça, a paz, o silêncio, a calúnia, o
perjúrio, as artes dos escribas e a inteligência, entre muitos outros”.
Muitos anos antes, o famoso sumeriologista Samuel Noah Kramer (1956), em From
the Tablets of Sumer (ed. cit.) já havia observado:
“Finalmente chegamos aos ‘me’, as leis divinas, normas e regras que, segundo os
filósofos sumérios, governam o universo desde os dias da sua criação e o mantêm
em funcionamento. Neste domínio possuímos considerável documentação direta,
particularmente em relação ao ‘me’ que governam o homem e a sua cultura. Um
dos antigos poetas sumérios, ao compor ou redigir um dos seus mitos, julgou que
vinha a propósito dar uma lista dos ‘me’ relacionados com a cultura. Divide a
civilização, segundo o conhecimento que dela tinha, em uma centena de elementos.
No estado atual do texto são apenas inteligíveis cerca de sessenta e alguns são
palavras mutiladas que, sem contexto explicativo, apenas nos dão uma vaga idéia
do seu real sentido. Mas ainda subsistem os suficientes para nos mostrar o caráter
e a importância da primeira tentativa registrada de análise da cultura, que resultou
em uma lista considerável de o que é hoje geralmente designado por “elementos e
complexos culturais”. Estes compõem-se de várias instituições, certas funções de
hierarquia sacerdotal, instrumentos de culto, comportamentos intelectuais e
afetivos e diferentes crenças e dogmas. Eis a lista das partes mais inteligíveis e
seguindo a própria ordem escolhida pelo antigo escritor sumério: 1 – Soberania; 2
– Divindade; 3 - A sublime e permanente coroa; 4 - O trono real; 5 - O sublime
cetro; 6 - As insígnias reais; 7 - O sublime santuário; 8 - O pastoreio; 9 - A
realeza; 10 - A durável senhoria; 11 - A “divina senhora” (dignidade sacerdotal);
12 – O ishib (dignidade sacerdotal); 13 – O lumah (dignidade sacerdotal); 14 – O
gutug (dignidade sacerdotal)…” [A lista segue até o número 67].
Essas “fórmulas divinas” (os ‘me’) reforçam a idéia da existência de uma espécie de
protótipo. Os ‘me’ parecem ser códigos replicativos para criar e reproduzir um
determinado tipo de civilização (ou padrão societário). A existência material ou
ideal dos ‘me’ como conhecimentos armazenáveis em objetos que podiam ser
transportados, evidencia que os sumérios não apenas desenvolveram
historicamente o que chamamos de civilização. Eles também sistematizaram
teoricamente um modelo dessa civilização para ser replicado em outros locais.
E havia um ensinamento organizado sobre tudo isso. Pois bem. Tal ensinamento a
ser replicado foi o motivo de haver um ensino. Para mais informações pode-se ler
os textos indicados por LEICK (2001) e por KRAMER (1956). Ou pode-se tentar
decifrar o material disponível:
336
Inana and Enki: cuneiform source translation at ETCSL (The Electronic Text Corpus
of Sumerian Literature, University of Oxford, England) in ETCSL translation:
<http://etcsl.orinst.ox.ac.uk/cgi-bin/etcsl.cgi?text=t.1.3.1#>
<http://home.comcast.net/~chris.s/sumer-faq.html#A1.5>
(7) Existem outras maneiras não verticais de representar essa árvore das Sefirot
(abaixo representada) que evidenciam melhor as conexões de cada nodo (Keter e
Malkhut com 3, Hochmah, Binah, Hesed, Gevurah e Yesod com 4, Nezah e Hod com
5 e Tiferet – o hub principal – com 8).
(8) BLOOM, Harold (1975). Cabala e crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
337
(9) MATURANA, Humberto & VERDEN-ZÖLLER, Gerda (1993). Amor y Juego:
fundamentos olvidados de lo humano – desde el Patriarcado a la Democracia.
Santiago: Editorial Instituto de Terapia Cognitiva, 1997. (Existe tradução brasileira:
Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena,
2004).
(10) FRANCO, Augusto (2008). Escola de Redes: Novas visões sobre a sociedade, o
desenvolvimento, a internet, a política e o mundo glocalizado. Curitiba: Escola-de-
Redes, 2008.
<http://escoladeredes.ning.com/profiles/blogs/o-olho-de-horus>
(12) OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh) (1978). A revolução: conversas sobre Kabir.
São Paulo: Academia de Inteligência, 2008.
(13) Idem.
(14) Comunicação pessoal ao autor de José Rocha: Frei Mateus Rocha (1923-
1985). Para saber quem foi José Rocha cf. POLETTO, Ivo (org.) (2003). Frei Mateus
Rocha: um homem apaixonado pelo absoluto. São Paulo: Loyola, 2003.
(15) Agregadores de blogs que foram inventados com base em RSS não resolvem o
problema. O fato de se ter vários blogs em uma mesma página, atualizando
automaticamente as primeiras palavras das postagens mais recentes de cada blog,
não garante, nem favorece muito, qualquer tipo de interação mais efetiva. Esses
softwares produzem apenas índices ilustrados dos blogs que foram agregados por
iniciativa única e exclusiva do administrador da página. Caso haja reciprocidade, ou
seja, se todos os agregados por um blog também agregarem os demais nos seus
blogs, essas ferramentas são boas para formar um grupo seleto (e necessariamente
pequeno, por motivos óbvios) de pessoas que se lêem. Também podem ser
bastante úteis no caso de uma corporação (onde, porém, o acesso à página
agregada é, via de regra, fechado, pois, afinal, uma corporação precisa se proteger
da concorrência...) ou de uma comunidade já existente. Mas, em geral, não são
ferramentas eficazes de netweaving, pois ninguém fica sabendo – a não ser que
abra seguidamente, várias vezes por dia, todos os blogs – o que cada um está
dizendo, no seu próprio blog, sobre o que outros postaram, nos deles. Ademais,
não são viáveis para organizar o compartilhamento de agendas (a única coisa que
pode realmente “produzir” comunidade). As velhas listas de e-mails com seus
fóruns derivados são mais eficazes para esse propósito.
(17) BRECHT, Bertold (1926-1956). Histórias do Sr. Keuner. São Paulo: Editora 34,
2006.
338
Eles já estão entre nós | 9
(1) MARGULIS, Lynn & SAGAN, Dorian (1998). O que é vida? Rio de Janeiro: Zahar,
2022.
(2) O caso de Hobbes é notável, pois além de esse pensador ter lançado os
fundamentos para uma justificação filosoficamente elaborada da autocracia,
também derruiu os pressupostos cooperativos de qualquer idéia democrática, tendo
influência marcante sobre grande parte dos pensadores de outras disciplinas
científicas que surgiram ulteriormente – como a biologia da evolução e a economia
– até, praticamente, o final do século 19. A esse respeito vale a pena ler a brilhante
passagem de Matt Ridley (1996) no livro As origens da virtude: “Thomas Hobbes foi
o antepassado intelectual de Charles Darwin em linha direta. Hobbes (1651) gerou
David Hume (1739), que gerou Adam Smith (1776), que gerou Thomas Robert
Malthus (1798), que gerou Charles Darwin (1859). Foi depois de ler Malthus que
Darwin deixou de pensar sobre competição entre grupos e passou a pensar sobre
competição entre indivíduos, mudança que Smith fizera um século antes. O
diagnóstico hobbesiano – embora não a receita – ainda está no centro tanto da
economia quanto da biologia evolutiva moderna (Smith gerou Friedman; Darwin
gerou Dawkins). Na raiz das duas disciplinas está a noção de que, se o equilíbrio da
natureza não foi projetado de cima, mas surgiu de baixo, não há motivo para
pensar que se trata de um todo harmonioso. Mais tarde, John Maynard Keynes diria
que “A Origem das Espécies” é “simples economia ricardiana expressa em
linguagem científica”. E Stephen Jay Gould disse que a seleção natural “era
essencialmente a economia de Adam Smith vista na natureza”. Karl Marx fez mais
ou menos a mesma observação: “É notável”, escreveu ele a Friedrich Engels, em
junho de 1862, “como Darwin reconhece, entre os animais e as plantas, a própria
sociedade inglesa à qual pertence, com sua divisão de trabalho, competição,
abertura de novos mercados, ‘invenções’ e a luta malthusiana pela existência. É a
‘bellum omnium contra omnes de Hobbes’”. Cf. RIDLEY, Matt (1996). As origens da
virtude: um estudo biológico da solidariedade. Rio de Janeiro: Record, 2000.
(3) HOBBES, Thomas (1651). Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
(4) Idem.
(5) TENNYSON, Alfred (Lord) (1849). In Memorian A. H. H. Canto 56: “Who trusted
God was love indeed / And love Creation's final law / Tho' Nature, red in tooth and
claw / With ravine, shriek'd against his creed”. Cf. o link abaixo:
<http://en.wikipedia.org/wiki/In_Memoriam_A.H.H.>
(6) Literalmente: “It is war minus the shooting”. Cf. ORWELL, George (1945). The
Sporting Spirit. London: Tribune, December 1945. Disponível em:
339
<http://orwell.ru/library/articles/spirit/english/e_spirit>
(11) Idem.
(12) Idem-idem.
(13) Idem-ibidem.
(15) Cf. FRANCO, Augusto (2008). Escola de Redes: Nova visões sobre a sociedade,
o desenvolvimento, a internet, a política e o mundo glocalizado. Curitiba: Escola-
de-Redes, 2008.
<http://www.linux.ime.usp.br/~rcaetano/docs/hacker-howto-pt.html>
(17) Idem.
(18) Idem-idem.
<http://www.catb.org/~esr/faqs/hacker-howto.html>
340
sexo, dinheiro e aprovação social. (Você também tem que desenvolver uma espécie
de fé na sua própria capacidade de aprendizado – crer que, mesmo que você não
saiba tudo o que precisa para resolver um problema, se souber uma parte e
aprender a partir disso, conseguirá aprender o suficiente para resolver a próxima
parte – e assim por diante, até que você termine)”. Cf. RAYMOND, Eric: Op. cit.
(21) “Não se deve resolver o mesmo problema duas vezes. Mentes criativas são um
recurso valioso e limitado. Não devem ser desperdiçadas reinventando a roda
quando há tantos problemas novos e fascinantes por aí. Para se comportar como
um hacker, você tem que acreditar que o tempo de pensamento dos outros hackers
é precioso – tanto que é quase um dever moral compartilhar informação, resolver
problemas e depois dar as soluções, para que outros hackers possam resolver
novos problemas ao invés de ter que se preocupar com os antigos indefinidamente.
(Você não tem que acreditar que é obrigado a dar toda a sua produção criativa,
ainda que hackers que o fazem sejam os mais respeitados pelos outros hackers.
Não é inconsistente com os valores do hacker vender o suficiente da sua produção
para mantê-lo alimentado e pagar o aluguel e computadores. Não é inconsistente
usar suas habilidades de hacker para sustentar a família ou mesmo ficar rico,
contanto que você não esqueça que é um hacker)”. Cf. RAYMOND, Eric: Op. cit.
341
segredo, e ao uso da força ou mentira para compelir adultos responsáveis. E você
tem que estar disposto a agir de acordo com esta crença”. Cf. RAYMOND, Eric: Op.
cit.
(24) “Atitude não substitui competência. Para ser um hacker, você tem que
desenvolver algumas dessas atitudes. Mas apenas ter uma atitude não fará de você
um hacker, assim como não o fará um atleta campeão ou uma estrela de rock. Para
se tornar um hacker é necessário inteligência, prática, dedicação, e trabalho duro.
Portanto, você tem que aprender a desconfiar de atitude e respeitar todo tipo de
competência. Hackers não deixam posers gastar seu tempo, mas eles idolatram
competência – especialmente competência em "hackear", mas competência em
qualquer coisa é boa. A competência em habilidades que poucos conseguem
dominar é especialmente boa, e competência em habilidades que envolvem
agudeza mental, perícia e concentração é a melhor. Se você reverenciar
competência, gostará de desenvolvê-la em si mesmo – o trabalho duro e dedicação
se tornará uma espécie de um intenso jogo, ao invés de trabalho repetitivo. E isso
é vital para se tornar um hacker”. Cf. RAYMOND, Eric: Op. cit.
(26) Idem.
(27) Idem-idem.
(28) Idem-ibidem.
(29) LISPECTOR, Clarice (1969). Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Rio de
Janeiro: Rocco, 1998.
(30) ORWELL, George (1948). Reflexões sobre Gandhi in ORWELL, George (1984).
Dentro da baleia e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
(31) Idem.
(32) BUCHANAN, Mark (2007). O átomo social. São Paulo: Leopardo, 2010.
342
Mundos-bebês em gestação | 10
(2) No final de 2010 as pessoas fingiam que não viam, mas a situação do mundo
único – baseado no equilíbrio competitivo internacional, uma estrutura
descentralizada de menos de duas centenas de Estados – já estava ficando muito
complicada: expansão do capitalismo autoritário na China e em outros continentes,
inclusive com uma espécie de neocolonização econômica da África, domínio
crescente do fundamentalismo islâmico em todos os países árabes, no Oriente
Médio e alhures, perpetuação de governos de assassinos da KGB (FSB) na Rússia
com pretensões expansionistas, avanço do parasitismo democrático via
neopopulismo na América Latina, democracia nos Estados-nações claramente em
recuo, restando apenas 26 países (menos de 13% da população mundial) em que o
regime democrático representativo vigorava em plenitude.
(4) MATURANA, Humberto et all. (2009): “Ethical matrix of human habitat” (texto
enviado pelos autores para uma lista restrita de discussão).
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/desobedea>
(7) "I think we've been through a period where too many people have been given
to understand that if they have a problem, it's the government's job to cope with it.
'I have a problem, I'll get a grant.' 'I'm homeless, the government must house me.'
They're casting their problem on society. And, you know, there is no such thing as
society. There are individual men and women, and there are families. And no
government can do anything except through people, and people must look to
themselves first. It's our duty to look after ourselves and then, also to look after
our neighbour. People have got the entitlements too much in mind, without the
obligations. There's no such thing as entitlement, unless someone has first met an
obligation”. Prime minister Margaret Thatcher, talking to Women's Own magazine,
October 31 1987.
343
(9) Como disse certa vez um mestre sufi da Turquia a um grupo de visitantes
(citado recentemente por uma pesquisadora conectada à Escola-de-Redes), “as
pessoas no ocidente são engraçadas; elas dizem: ‘eu sinto muito, mas eu sou
assim’, quando, na verdade, elas nem sentem muito e nem são assim”. Cf. Bia
Machado em <http://escoladeredes.ning.com>
(10) Esta seção intitulada “Cada um no seu quadrado” é a segunda versão do texto
de FRANCO, Augusto (2009). Cada um no seu quadrado: algumas notas sobre o
difícil aprendizado das redes sociais nas organizações hierárquicas. Slideshare
[1.088 views em 30/11/2011]
<http://www.slideshare.net/augustodefranco/cada-um-no-seu-quadrado-
3215261>
(11) Referência ao texto seminal BEY, Hakim (1984). TAZ – Zona Autônoma
Temporária: Op. cit. Disponível para download em:
<http://www.4shared.com/get/88283715/b2c341c8/TAZ_-_Hakim_Bey.html>
(12) WAISMANN, Friedrich (1979). Ludwig Wittgenstein and the Vienna Circle. New
York: Routledge, 2003.
344
Bem-vindos aos novos mundos-fluzz | 11
(1) HERBERT, Frank (1976). Os Filhos de Duna. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.
(6) ARQUILLA, John e RONSFELD, David (2000). Swarming and the Future of
Conflict. USA: Rand Corporation, Office of the Secretary of Defense, 2000.
(7) O paper de John Arquilla e David Ronsfeld sobre swarming entre humanos,
infelizmente, estava mais voltado para a análise das suas implicações na guerra.
Quatro anos depois, em 11M: Redes para ganar uma guerra, analisando a reação
da sociedade espanhola aos atentados terroristas cometidos pela Al-Qaida em 11
de Março de 2004, David de Ugarte (2004) aventou a possibilidade de um
swarming civil, mas ainda nos marcos de um conflito (a netwar). Cf. UGARTE,
David (2004). 11M. Redes para ganar uma guerra. Barcelona: Icaria, 2006. Três
anos depois, em O Poder das Redes (2007), ele iria definir o sarming como “um
novo tipo de conflito multi-agente e multicanal, onde as relações entre os atores
parecem descrever a topologia de uma rede distribuída. O swarming é a forma
específica do conflito na sociedade-rede: distintos grupos e tendências, não
coordenados explicitamente entre si e apenas centralizados um pouco além de uma
mínima doutrina comum dentro das fileiras de cada um deles, vão aumentando o
alcance e a virulência de suas ações, até isolar e encurralar as posições contrárias
sem deixar-lhes possibilidade real de resposta”.
(8) UGARTE, David (2007). O poder das redes. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008.
345
(9) Cf. Sugatra Mitra: “The child-driven education” no TED Global 2010 no link
abaixo:
<http://www.ted.com/talks/lang/eng/sugata_mitra_the_child_driven_education.ht
ml>
(10) Cf. depoimento de Steven Strogatz no filme Connected: the Power of Six
Degrees, dirigido por Annamaria Talas. BBC – TV ABC / Discovery Science Channel,
2008. Disponível – com legendas em português – no link:
<http://escoladeredes.ning.com/video/o-poder-dos-seis-graus-1>
(13) Cf. von OECH, Roger (2001). Espere o inesperado ou você não o encontrará.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
(15) Morpheus in The Matrix (1999): “This is your last chance [Neo]. After this,
there is no turning back. You take the blue pill - the story ends, you wake up in
your bed and believe whatever you want to believe. You take the red pill - you stay
in Wonderland and I show you how deep the rabbit-hole goes”.
346
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