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Categoria: do grego κατεγορια, em geral, significa qualquer noção que sirva como regra
para a investigação ou para a sua expressão lingüística em qualquer campo. (Abbagnano,
2003).
Para Aristóteles, modos em que o ser se predica das coisas, predicados fundamentais do
ser (Substância, Quantidade, Qualidade, Relação, Lugar, Tempo, Posição, Estado, Ação,
Paixão). A lista aristotélica de categorias é uma lista de tipos de predicados. “Existem
tantos tipos diferentes de predicados de Sócrates quantas espécies irredutivelmente
diferentes de perguntas acerca dele. (...) Dois predicados quaisquer que satisfazem a
mesma interrogação são da mesma categoria e dois predicados quaisquer que não
satisfazem a mesma interrogação são de categorias diferentes.” (Ryle, 1953). Quando
dizemos algo sobre um sujeito, excetuando os conectivos, usamos categorias e dizemos
algo sobre um modo de ser. “Desde que a predicação afirma às vezes o que uma coisa é,
às vezes a sua qualidade, às vezes a sua quantidade, às vezes a sua relação, às vezes a
que faz ou a que sofre e às vezes o lugar onde está ou o tempo, segue-se que tudo isso
são modos do ser”. (Aristóteles. Met. V, 7, 1017 a 23 segs.)
Quando Kant propõe o conceito de categoria, aponta modos pelos quais o intelecto ordena
as representações sob uma representação comum, ou seja, formas do juízo. Categorias,
portanto, podem ser extraídas das classes do juízo.
Ora, espaço e tempo contêm um múltiplo da intuição pura a priori e, não obstante, fazem
parte das condições de receptividade da nossa mente, unicamente sob as quais esta pode
acolher representações de objetos que portanto também têm sempre que afetar o conceito
de tais objetos. Todavia, a espontaneidade do nosso pensamento exige que tal múltiplo
seja primeiro e de certo modo perpassado, acolhido e ligado para que se faça disso um
conhecimento. Denomino esta ação síntese. (...) A síntese pura, representada de modo
universal, dá o conceito puro do entendimento. (...) A mesma função que num juízo dá a
unidade às diversas representações: tal unidade, expressa de modo geral, denomina-se o
conceito puro do entendimento. Assim o mesmo entendimento, e isto através das mesmas
ações pelas quais realizou em conceitos a forma lógica de um juízo mediante a unidade
analítica, realiza também um conteúdo transcendental em suas representações mediante a
unidade sintética do múltiplo na intuição em geral. Por esta razão, tais representações
denominam-se conceitos puros do entendimento que se referem a priori a objetos, coisa
que a lógica geral não pode efetuar.
São as categorias kantianas ou “elenco dos conceitos puros originários da síntese que o
entendimento contém em si a priori e somente devido aos quais ele é, além disso, um
entendimento puro, na medida em que unicamente por tais conceitos pode compreender
algo do múltiplo da intuição, isto é, pensar um objeto dela.” (Kant, 1787): Categorias de
quantidade: unidade, multiplicidade, totalidade; Categorias de qualidade: realidade,
negação, limitação; Categorias da relação: inerência e subsistência (substância e
acidente), causalidade e dependência (causa e efeito), comunidade (ação recíproca entre
agente e paciente); Categorias da modalidade: possibilidade-impossibilidade, existência-
não-ser; necessidade-contingência. Diretamente derivadas das formas dos juízos –
maneiras pelas quais uma proposição pode se assemelhar ou diferir de uma outra quanto
à forma: de quantidade: universais, particulares, singulares; de qualidade: afirmativos,
negativos, infinitos; de relação: categóricos, hipotéticos, disjuntivos; de modalidade:
problemáticos, assertóricos, apodíticos. Apesar de derivadas dos juízos, as categorias não
são idênticas a eles, elas constituem as formas lógicas para a compreensão das coisas,
dos fatos, do empírico que incorpora essas categorias. O que não for empírico não pode
incorporá-las, desta forma, assim como constituem as formas que nos permitem o
conhecimento, as categorias também são as formas que limitam nosso conhecer.
Gilbert Ryle (1953) aponta uma possível pressuposição aristotélico-kantiana,
compartilhada por filósofos contemporâneos, que consiste na existência de um “catálogo
finito de categorias ou tipos”, ou seja, uma lista ou tábua de tipos finita e completa, ao que
ele aponta como um mito.
Exames Categoriais
Aristóteles trazia de casa uma enraizada tradição metódica e empírica de seu pai, médico. Mas
durante quase vinte anos foi aluno de Platão, um homem talvez muito poeta e pouco filósofo, que
levou Aristóteles a misturar certos antagonismos que nunca se resolveram, quem sabe porque certas
coisas precisam ser apenas do jeito que são. Quando Platão lia seus trabalhos na Academia, como o
tratado sobre a imortalidade da alma, um dos poucos alunos que firmava os pés e acompanhava
atentamente toda a leitura era exatamente Aristóteles.
Aristóteles realmente amava seu mestre. E não apenas levou adiante o que aprendeu, como também
foi muito além de seu amigo filósofo.
Aristóteles desenvolveu 10 categorias, alicerces fundamentais para que possamos pesquisar qualquer
coisa: substância, quantidade, qualidade, relação,
Mas não devemos nos iludir com esse aparente tecnicismo, pois Aristóteles se tornava muito mais
poeta e metafísico e muito menos cientista quando considerava o ser humano em suas emoções e
comportamentos.
Tantos séculos depois, Kant retoma as categorias de Aristóteles, e ainda que tenha afirmado ser seu
objetivo o mesmo objetivo do velho mestre estagirita, isso não é bem assim.
Da mesma forma, agora a Filosofia Clínica se utiliza dessas categorias, modificadas e adaptadas à
clínica. Acredito que nossos mestres entenderiam a necessidade de termos feito as modificações.
Uma decorrência imediata é que aqueles discursos avulsos simplesmente ganhariam uma localização
na história, passariam a ter um sentido, uma identidade dentro de um contexto. Portanto, agora o
filósofo pedirá à pessoa para que lhe conte sua história, desde a época mais remota da qual tenha
lembrança até os dias de hoje.
Em Filosofia Clínica usamos 5 categorias nos Exames Categoriais: assunto (imediato e último),
circunstância, lugar, tempo e relação.
Acompanhe a linha traçada a seguir, exemplificando os 25 anos vividos por uma pessoa até hoje:
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0 5 10 15 20 25
Assunto; I I I I
Circunstância;
Lugar;
Tempo;
Relação;
Após dois ou três meses de trabalhos com a pessoa, o filósofo clínico terá referencias mais estáveis
sobre pontos importantes.
Sobre os 5 anos de idade da pessoa, por exemplo, ele saberá qual era a questão ou questões com as
quais a pessoa lidava à época (assunto); conhecerá todo o contexto em torno daquelas questões, e
quais os aspectos relevantes desse contexto (circunstância); terá uma noção de como a pessoa vivia
sensorialmente, sua vivência somática, em seu meio (lugar); poderá considerar com maior
propriedade a temporalidade nessa pessoa, se o tempo era subjetivamente curto, longo, fragmentado,
insignificante (tempo); terá ciência de quais eram as relações determinadas a essa pessoa aos 5 anos
de idade, se era com seus irmãos, com seus amiguinhos, sua professora, seu ursinho de pano ou
talvez com ela mesma (relação). O filósofo terá um entendimento da interseção entre as 5 categorias.
Será tranqüilo então constatar que às vezes a categoria circunstância pode se manter a mesma por
quase toda a vida da pessoa ou mudar a cada ano e qual as implicações disso; quais os tipos de
relacionamentos (relação) que a pessoa teve ao longo da vida, e assim por diante. O filósofo
conhecerá dados surpreendentes.
Por exemplo, vamos considerar a categoria tempo. Há pessoas que se estruturaram de modo a viver
predominantemente no futuro, de um modo tal que se o filósofo quiser trabalhar o presente ou o
passado com elas vai causar desde um embaraço até choques violentos de representação.
Em outras ocasiões virão à clínica pessoas com orientação temporal ligada predominantemente ao
passado; parece que vivem lá... Querem resolver assuntos vencidos, não para elas, óbvio. Um
exemplo pode ser a pessoa que deseja muito entender por que foi infeliz em um relacionamento
qualquer ou entender por que “jogou a vida fora”.
Questões inportantes:
- Alguns partilhantes chegam ao consultório com a vida tão tumultuada que trazem ao
Filósofo Clínico dezenas de assuntos imediatos, como se tudo necessitasse de ajustes,
como se a própria vida como um todo fosse o assunto último. Algumas vezes são pessoas
com uma forte agonia existencial, outras vezes são pessoas que apresentam questões
ligadas a autogenia (organização das coisas), para outras não passa de uma questão de
expressividade/significação, bem como dezenas de outras possibilidades.
- Alguns partilhantes trazem o assunto imediato como sendo algo muito grande, algo com
muita força e urgência. Em alguns casos realmente trata-se de um “atendimento
emergencial”, mas muitas vezes não passa de uma questão linguística, uma significação
com demasiado peso, em outras vezes é aquilo que em linguagem coloquial chamamos de
“fogo de palha”, ou seja, algo que surge como sendo gigantesco, mas logo se mostra
pequeno ou desaparece.
- Algumas pessoas não aceitam tratar o assunto último ou qualquer outro assunto, elas
querem apenas tratar do assunto imediato, de forma objetiva. Nestes casos o Filósofo
Clínico terá que tentar dialogar com a pessoa, algumas vezes trabalhar com o submodo
vice-conceito e em outras simplesmente se limitar ao assunto designado pelo partilhante;
- Algumas pessoas omitem o motivo que as levou para a clínica, elas apenas se limitam a
expressões como “eu não posso falar” ou “eu não quero dizer nada sobre isto”, são
pessoas que algumas vezes buscam apenas um conforto existencial ou ajuda para
superar algo o qual elas não querem compartilhar.
- Existem aqueles partilhantes que alteram o assunto imediato, eles apresentam outras
questões como motivo para virem até o Filósofo Clínico. Quando isto acontece, se a
questão não estiver ligada ao assunto último, normalmente tende a não trazer maiores
problemáticas para a clínica. Algumas vezes o verdadeiro assunto imediato se revela já
nos exames categoriais, algumas vezes durante a historicidade e outras vezes nunca se
revelará e talvez o Filósofo Clínico nem saiba que isto está acontecendo.
- Algumas vezes o assunto último não é um elemento pontual, mas toda uma organização
de fatores e questões, de tal forma muitos dos elementos que compõem a EP se tornam
problemáticos. É uma questão de organização, uma questão ligada ao Tópico 30 -
Autogenia.
Nesta categoria o filósofo clínico observa o contexto, o entorno, o mundo que circunda o
partilhante em suas múltiplas dimensões: cultural, social, familiar, política, educacional,
enfim, tudo o que for circunstancial. São circunstâncias pontuais, como a caminhada pelo
Rio Uruguai, ou macro-circunstâncias como um período da vida ou a vida como um todo, e
aqui devemos considerar que as circunstâncias nem sempre se mantém as mesmas, elas
se alteram. O Filósofo Clínico deverá traçar as diversas circunstâncias vividas por seu
partilhante, observando, em cada nova circunstância, o que se mantém daquilo que é
novo, aquilo que é dado padrão ao longo da historicidade ou dado pontual, específico de
um determinado período da vida. Isso significa, na prática, observar diversos momentos da
história, traçar contextos que hoje são inexistentes, elementos que perderam, que
concedem ou destituem significados, valores, peso subjetivo... O objetivo é compreender o
universo vivido pelo partilhante e como ele se constituiu a partir de tais vivências, mesmo
que sejam passadas e superadas. O que traçar aqui? Tudo? Quase! Uma síntese de cada
contexto vivido e suas determinações, como o partilhante agendou tais circunstâncias na
sua malha intelectiva, qual a influência sobre a sua EP. A pertinência clínica de tais
observações, além da indicação do modo de constituição do partilhante, consiste no
conhecimento das circunstâncias existentes, possíveis e aceitáveis para compor um futuro
uso de Submodos.
Esta categoria implica, em quase todo instante de sua pesquisa, ao corpo humano. É
possível observar que toda a forma de expressão do partilhante está vinculada ao corpo
porque este é o modo de ser da pessoa no mundo. O Filósofo Clínico, na pesquisa à
historicidade do partilhante, não deve ignorar que a Categoria Lugar forma o intelecto e as
sensações no que diz respeito ao ambiente onde a pessoa vive, e, ademais, o corpo da
pessoa é o somatório de seus modos existenciais.
CATEGORIA TEMPO
Em seu escrito "Três Diálogos entre Hilas e Filonous", no primeiro diálogo, Berkeley
expõe:
H. Concordo convosco.
H. Assim é.
Questões na Categoria Tempo também podem ser observadas via analítica de linguagem,
em um estudo dos tempos e modos verbais utilizados pelo partilhante. Por exemplo: o
partilhante narra a sua historicidade conjugando os verbos no tempo presente, mas
quando fala acerca do primeiro casamento conjuga os verbos no passado – a princípio
essa modificação na conjugação verbal nada significa, mas contextualizada e pesquisada
pode indicar questões significativas envolvendo aquele período e a presente categoria.
Também o estudo temporal da linguagem podem demonstrar conectivos entre questões
presentes e passadas, além da forma de estruturação geral das ideias do partilhante no
que tende a influência temporal, sendo então necessários estudos mais aprofundados,
como o das vozes verbais (ativa, passiva e reflexiva).
Por exemplo, “Tu tá gozada”, disse Pedro Bala; usou o presente do indicativo para
expressar que achava isso no momento em que falava: o presente. Cuidando o tempo
verbal utilizado sabemos onde localizar a ação, os fenômenos ou estados: presente
(enquanto falo), pretérito (antes do que estou falando) e futuro (após falar).
Também o modo verbal é importante: as formas que o verbo assume para expressar a
atitude do falante em relação ao fato.
Para o nosso trabalho cabe lembrar também o Infinitivo Impessoal: ‘Vamos deixar disso’;
‘Amar’; ‘O viver em paz’. A ação é manifestada de maneira indeterminada, sem definição
precisa de tempo e sujeito;
Quando alguém afirma: ‘eu amei muito’, a pessoa dá contas de uma elaboração mental
onde as sensações e o intelecto combinaram juízos de tal ordem que ela assim concluiu.
“Eu”, o sujeito, “amei”, pretérito perfeito, indicando uma ação consumada. Portanto, a
pessoa naquele momento parou de amar oque amou.
“Depois que a minha filha caçula casou a casa ficou vazia. E nós perdemos o ar saudável
da vida”, confessa certa pessoa. Ao usar o pretérito para comunicar o Assunto, entendo
por isso o forte vínculo que essa pessoa estabelece com o passado. Em outra pessoa, o
vínculo pode dar-se no futuro: ‘Quando a minha filha casar a casa ficará vazia. E nós
perderemos o ar saudável da vida’.
Existem relações entre a Categoria Tempo e a Categoria Circunstância que podem ser
observadas de diferentes formas, a mais simples é por referências diretas, como por
exemplo:
Nestes casos a Categoria Tempo poderia ser considerada como uma especificidade da
Categoria Lugar, uma vez que se reporta às vivências do indivíduo em decorrência de
determinadas circunstâncias. No entanto, esta afirmação não é válida para uma série de
questões relacionadas a esta categoria. Uma destas questões diz respeito ao
endereçamento temporal das vivencias subjetivas do partilhante, tais como:
- amadurecimento tópico;
- atualização tópica;
- Note, por exemplo, afirmações como “a vida é breve; você é ainda criança, tem muito
tempo para aprender; o tempo se esvai pelos dedos como a água; a vida é como um
sopro, quando se percebe ela já passou; entre a vida e a morte sempre há muito tempo; o
tempo é uma ilusão; o tempo é uma realidade; as coisas acontecem muito depressa;
nossa, como as coisas passam devagar!; o mundo dá voltas muito lentamente; etc etc”.
- Há quem tenha relatos extensos sobre pequenas passagens e também narrativas breves
para décadas inteiras de vida. São muitos os referenciais a respeito do tempo: os tempos
verbais, a distância entre os eventos, o modo como são descritas as ações, a duração, a
extensão de um fato, as correlações simultâneas e tantos mais.
- Alguns indivíduos têm especificado, tão exatamente como evolui a marcação em uma
régua, o momento de casar, de ter filhos, de viver, de morrer... outros não associam tais
compromissos ao tempo, mas usam uma espécie de escala que identifica o que
aprenderam de bom em cada etapa de vida; para ainda outros, o tempo parece não ter
importância alguma. Apenas vivem e isso parece bastar. Há infindáveis maneiras de
mensurar e de entender e de vivenciar o tempo.
- Relação Positiva (+): aquela que é subjetivamente boa no sentido de bem estar entre
ambos.
- Relação Negativa (-): subjetivamente ruim, causando mal estar entre ambos.
- Relação Indefinida: aquela que oscila com frequência suficiente, de tal modo que não se
pode entendê-la.
Aprendemos, em resumo, que ao longo da vida cada pessoa cria um modo íntimo de se
relacionar com as coisas, o que inclui a relação com ela mesma, a isso chamamos
representação de mundo (Arthur Schopenhauer). Conforme a representação de mundo
que desenvolveu, que pode também ser chamada de “o modo de ser da pessoa no
mundo”, ela mensura e vivencia o que lhe é apresentado nas contingências e no devir da
existência.
O Assunto, que é a primeira categoria, informará qual será a questão e o jogo lingüístico
em clínica, é o objeto que será tratado em clínica. Como o Assunto se divide em Imediato
e Último, o primeiro se refere a questões próximas, evidentes, sintomáticas, já o segundo
se refere ao que é fundamental na existência do partilhante. Mesmo que o terapeuta tenha
suas opiniões a respeito do Assunto da pessoa, este é concebido como o resultado da
pesquisa que o filósofo faz junto à pessoa sendo determinado pelo partilhante.
O Assunto Imediato é como uma dor de cabeça ao ser reclamada pelo paciente ao
médico, apresentada como algo próximo, evidente e sintomático. A preocupação com o
ócio proveniente da aposentadoria que está se aproximando se apresenta como Assunto
Último, que é aquilo que é fundamental na existência da pessoa. Assim, a dor de cabeça é
sintoma da preocupação com o ócio trazido pela aposentadoria.
Sendo apenas um referencial de começo terapêutico, o Assunto Imediato pode ter toda,
alguma ou nenhuma resposta às questões existenciais do partilhante. Ele poderá se
apresentar como questões aparentes, ou ser o próprio Assunto Último. É com o Assunto
Ultimo que deverá verdadeiramente se ocupar o filósofo clínico. Ao filósofo clínico compete
procurar, na historicidade do partilhante, as variáveis associadas para tentar identificar o
Assunto da pessoa.
É possível a pessoa não ter Assunto Imediato/Último? Sim. O filósofo clínico pode não ter
o objeto de pesquisa, que é o Assunto da pessoa, ou não saber qual seja. Pode ser que o
Assunto é não ter Assunto Imediato/Último, e essa seja a questão a ser trabalhada sendo,
então, a condição para a clínica. Mesmo assim, o filósofo poderá seguir o trabalho clínico
pesquisando a localização existencial do partilhante através dosExames Categoriais.
Estas intervenções são feitas através de perguntas como “E então?”, “E a partir daí?”,
“Como segue sua história a partir desse momento?”, e assim por diante. Esses
agendamentos servem para que a pessoa narre a sua história por ela mesma de modo
ordenado, sistematizado e sem saltos temporais ou lógicos. Ordenado significa que a
história deverá ter um princípio, meio e fim; sistematizado implica que os termos
subseqüentes tenham vinculação com os antecedentes; e, sem saltos temporais ou
lógicos é o mesmo que a pessoa contar sua história da seguinte maneira: 0, 1, 2, 3, 4...
8...12....10...15... 40 (estes números representam as idades do partilhante). Não é
permitido à pessoa, por exemplo, narrar fatos dos quarenta anos de idade, depois dos
vinte e cinco anos, segue contando dos quatorze anos de idade e voltar aos quarenta e um
anos de idade. Esse “salto pipoca”, termo utilizado por Packter, não é permitido em
Filosofia Clínica. É tarefa do filósofo clínico cuidar os saltos temporais ou lógicos.
A procura pelos serviços do filósofo clínico; o próprio contato entre partilhante e filósofo; o
ambiente do consultório e suas composições; o modo de se vestir e de se comportar do
filósofo clínico; o clima; a temperatura; os acontecimentos no trajeto para chegar ao
consultório; ou, a estação do ano são vistos como agendamentos, dentre outros milhares
eventos que podem surgir. Percebe-se que a clínica poderá se iniciar com vários
agendamentos podendo ou não interferir no processo clínico filosófico. É através
doExame Categorial que o terapeuta poderá perceber a razão de tais agendamentos no
partilhante e tentar identificar, se possível, a importância em sua malha intelectiva,
influência nas interseções, etc. É imprescindível que o filósofo entenda que “a priori” não
se deve afirmar algo sobre a pessoa que o procura.
Lugar é a mensuração como a pessoa sente e o que pensa acerca do ambiente no qual
está inserida. É a elaboração sensorial e mental do partilhante ao vivenciar situações que
se referem ao local geográfico. A Categoria Lugar se refere a todas as experiências
relacionadas às sensações e às representações intelectivas que a pessoa cria para si
mesma. Imagine uma pessoa que reside em Belo Horizonte, se sente bem com o clima da
capital mineira e com o visual da cidade, mas sente-se apreensiva ao dirigir seu carro pela
cidade. Estes dados preenchem a Categoria Lugar dessa pessoa.
Esta categoria implica, em quase todo instante de sua pesquisa, ao corpo humano. É
possível observar que toda a forma de expressão do partilhante está vinculada ao corpo
porque este é o modo de ser da pessoa no mundo. O filósofo clínico, na pesquisa à
historicidade do partilhante, não deve ignorar que a Categoria Lugar forma o intelecto e as
sensações no que diz respeito ao ambiente onde a pessoa vive, e, ademais, o corpo da
pessoa é o somatório de seus modos existenciais.
Para que o filósofo clínico identifique correto e eticamente os dados que preenchem a
Categoria Lugar é producente que deixe à pessoa a tarefa de expressar o que vivenciou e
o que deixou de vivenciar sensorialmente. Durante a narrativa da história de vida, caso o
terapeuta pergunte ao partilhante como se sentia, como via, como estava em sua própria
pele e outros tantos exemplos, estará agendando indevidamente termos na malha
intelectiva da pessoa e direcionando o processo filosófico clínico.
Deve ser destacado, nesta categoria, o que é sentido daquilo que é expresso. O
partilhante pode expressar que vê, sente ou pensa algo, mas não ter relação com o
sensorial. Suponha uma pessoa que expressa que vê a face de Deus todas as noites em
seu quarto ao se deitar para dormir, mas que não há qualquer registro sensorial em sua
historicidade. É comum para essa pessoa usar o termo “ver” para as abstrações. O uso da
desconstrução, através dos procedimentos clínicos filosóficos Dados Divisórios e
Enraizamentos, pode ser um bom instrumental para esclarecer termos equívocos para,
possivelmente, torná-los unívocos. Neste exemplo, o inverso, em relação ao que é
expresso e sua relação com o sensorial, poderá ser possível.
Quando o partilhante relatar questões existenciais em sua história de vida que indicam
relações entre o tempo convencionado e o tempo subjetivo, o filósofo clínico preencherá,
com tais dados, a Categoria Tempo. O tempo convencionado é concebido por meio de
consenso social como, por exemplo, o tempo dado através do relógio. O tempo que o
terapeuta irá considerar será aquele que a pessoa representa em si mesma, isto é, o
tempo subjetivo. Uma pessoa que narra que ela vive até os dias atuais a dor de sua
separação matrimonial; que a vida passa com muita pressa; quando está no trabalho o
tempo demora muito para passar, em princípio são indicações temporais.
Sobre a Categoria Tempo, o filósofo clínico irá considerar também os tempos, os modos e
as vozes verbais. Os tempos verbais são utilizados para localizar a ação, os fenômenos ou
estados: pretérito (antes do que o partilhante está falando), presente (enquanto o
partilhante está falando), futuro (após o que o partilhante está falando). Os modos verbais
são usados para expressar a atitude do falante em relação ao fato: indicativo (certeza da
ação), subjuntivo (apresenta dúvida), imperativo (apresenta ordem, desejo, conselho, etc.).
As vozes verbais apresentam se a pessoa pratica ou sofre uma ação: ativa (sujeito pratica
a ação), passiva (sujeito sofre a ação), reflexiva (sujeito pratica e sofre a ação). Imagine
uma pessoa que diz o seguinte: “Eu sou uma leoa em minha casa”. Neste exemplo temos
que o tempo verbal está no presente, o modo verbal está no indicativo e a voz verbal é
ativa. Assim, esta pessoa pratica a ação no presente e algo certo em sua narrativa. (É
importante salientar que exemplos, como tais, estão fora de contexto histórico para uma
análise mais aprofundada).
A Categoria Tempo, como todas as outras, não deve ser figurada isoladamente e informa
como a pessoa relaciona seu tempo interno em direção ao tempo objetivo que é posto pela
sociedade. Quase nunca o partilhante apresentará um tempo subjetivo linear e equitativo,
como é o tempo objetivo, por exemplo, um período de alegria poderá ter uma velocidade
lenta e um tempo maior, enquanto outros períodos de alegria poderão ter uma velocidade
rápida e durar apenas segundos ou minutos, talvez.
O tempo em clínica filosófica é plástico e, por isto, não é igual para todas as pessoas,
onde a estruturação temporal de cada indivíduo difere da convenção temporal de uma
sociedade. Vários são os indícios temporais quando se depara com relatos como, por
exemplo, “O ano está passando tão depressa!”, “De um Natal a outro chega num minuto!”,
“Até hoje vivo intensamente a morte de minha esposa”, “Não sei o porquê, mas todos os
meus namorados me remetem a meu primeiro namorado, será que ainda o amo?”.
Tenha a idéia de uma pessoa que narre o seguinte: “Eu não lido bem com o meu gerente,
e sei também que ele não lida bem comigo, mas temos que nos agüentar mutuamente”.
Há aqui indicações de relações com qualidades de interseção negativa, ou seja, é ruim
para as duas pessoas envolvidas na relação. “Tem momentos em sala de aula que eu
percebo que os alunos me entendem, que dizem que estão entendendo o conteúdo e até
consigo brincar com todos eles, mas tem dia que não flui nada, você entende? E eu fico
sem entender o que está acontecendo, sai do meu controle”. Há indicações de relações
com qualidade de interseção confusa, ou melhor, ora boa ora ruim para ambos. “Ah, eu
adoro os meus filhos e eles me adoram, sabe. É uma coisa de Deus nossa vivência lá em
casa”. Há indícios de relações com qualidade de interseção positiva, ou seja, é bom para a
pessoa e para os filhos. “Eu estou tão bem comigo mesma, adoro meu corpo, estou no
peso que eu sempre sonhei, acho minhas roupas lindas e quando eu saio nas ruas sinto
tão à vontade com as pessoas”. Uma pessoa que se apresenta em interseção positiva
consigo mesma.
A Estrutura de Pensamento nos fornece o modo como essa pessoa se estruturou a partir
das vivências de seu universo. São trinta tópicos que abordam desde como o
Os dados dos Exames Categoriais nos dão um quadro geral, um contexto no qual a
pessoa se situa.
Categoria Lugar, observamos como a pessoa se sente nesses ambientes nos quais está
inserida, no ambiente desse universo. Dados sobre o próprio corpo e sua inserção nesse
ambiente encontram-se nessa categoria. Dados das abstrações provocadas à partir das
afetações no qual está inserida também entram aqui.
O Tempo, como a pessoa lida com o tempo, onde ela se situa no tempo. E as relações
(Relação) com quem, ou o que essa pessoa se relaciona.
Observem que se nós formos traçar as circunstâncias de uma pessoa durante a sua vida,
nós teremos diferentes circunstâncias. Em alguns casos as mudanças são poucas, quase
nada, que podemos dizer que a pessoa viveu uma mesma circunstância sem grandes
modificações. Essa plasticidade da circunstância, seja ela grande, pequena, em sua
margem, precisa ser considerada e, principalmente, o que esses movimentos provocam
em termos de movimentos estruturais nessa pessoa. O que digo com isso é que não
dissociamos os Exames Categoriais da Estrutura de Pensamento, assim como não
dissociamos o eu de sua circunstância.
Assunto Último, como prometido, lá vai. Como descobrir o Assunto Último? O Assunto
Último é a questão a ser trabalhada na clínica. Como identificá-lo? Ele surgirá, a pessoa
trará literalmente em forma de objetivo, onde quer chegar, ou ele será resultante da
observação das relações entre os diferentes Assuntos Imediatos trazidos, ou ele surgirá a
partir da leitura autogênica que permitirá a identificação de um choque, por exemplo, ou da
ausência de um submodo para efetivar determinados pontos da Estrutura de Pensamento
do partilhante.
O filósofo clínico não pretende conhecer plena, total e irrestritamente o universo de seu
partilhante, mas aproximar-se desse universo, partilhando, tomando parte do que lhe for
disponibilizado, apresentado. Pesquisar elementos que o constituam, sempre
considerando a representação do partilhante, pois na Filosofia Clínica o partilhante é a
medida de todas as coisas. Essa é a tarefa inicial dos Exames Categoriais. Seguindo a
derivação de seu conceito geral, as categorias são as noções que orientam nossa
investigação. O que observar em tudo o que o partilhante está apresentando?
A primeira categoria é Assunto. Logo no primeiro contato surge a queixa, o assunto que
levou o partilhante a procurar a terapia, esse é o Assunto Imediato. Sem interpretações,
considerado literalmente, o assunto inicial preenche a categoria Assunto Imediato. Assunto
Último refere-se à questão que será trabalhada mais adiante, na aplicação de Submodos,
ou seja, o objetivo clínico, o que se pretende de fato. Algumas vezes Assunto Imediato e
Último são coincidentes, em outros casos, em nada se relacionam. Para ter acesso ao
Assunto Último, muitas vezes, o filósofo clínico necessita, anteriormente, realizar a colheita
categorial, esboçar a Estrutura de Pensamento, observar Submodos. Porém, cabe lembrar
que, nos Exames Categoriais, as categorias são preenchidas literalmente, ou seja, não se
inventa um assunto para o partilhante, é ele quem determina os objetivos da clínica.
Nesta categoria o filósofo clínico observa o contexto, o entorno, o mundo que circunda o
partilhante em suas múltiplas dimensões: cultural, social, familiar, política, educacional,
enfim, tudo o que for circunstancial. Mas podemos considerar que as circunstâncias nem
sempre se mantém as mesmas, elas se alteram no decorrer de uma vida. Por isso o
filósofo clínico deverá traçar as diversas circunstâncias vividas por seu partilhante,
observando, em cada nova circunstância, o que se mantém e a novidade. Isso significa, na
prática, observar diversos momentos da história, traçar contextos que hoje são
inexistentes, elementos que perderam o significado... não importa, pois o objetivo é
compreender o universo vivido pelo partilhante e como ele se constituiu a partir de tais
vivências, mesmo que sejam passadas e superadas. O que traçar aqui? Tudo? Quase.
Uma síntese de cada contexto vivido e suas determinações, como o partilhante salvou sua
circunstância e a si mesmo. A pertinência clínica de tais observações, além da indicação
do modo de constituição do partilhante, consiste no conhecimento das circunstâncias
existentes, possíveis e aceitáveis para compor um futuro uso de Submodos.
O que propõe a Filosofia Clínica? Exercer a atitude filosófica diante dos problemas
apresentados pela realidade. Fundamentar-se nos sistemas filosóficos, mediante recortes
epistemológicos com justificativa na prática clínica. Re-pensar, re-elaborar tais sistemas
com o intuito de adaptá-los às questões suscitadas por um universo em devir.Essa tarefa é
diferente do que sempre foi a tarefa do filosofar? Proposta como tarefa de ajuda-ao-outro,
considerando objetivos e métodos clínicos, pode ser considerada uma terapia?