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Retirado de: PLATÃO. A República, Livro VII, 514a-521b. Lisboa: Ed. Fundação Calouste
Gulbenkian, 1990. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira (adaptado).
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- E se o arrancassem dali à força e o intenso desejo “servir junto de um homem
fizessem subir o caminho rude e íngreme, e pobre, como servo da gleba”1, e antes sofrer
não o deixassem fugir antes de o arrastarem tudo do que regressar àquelas ilusões e
até à luz do Sol, não seria natural que ele se viver daquele modo?
doesse e agastasse, por ser assim - Suponho que seria assim – respondeu
arrastado, e, depois de chegar à luz, com os – que ele sofreria tudo, de preferência a
olhos deslumbrados, nem sequer pudesse viver daquela maneira.
ver nada daquilo que agora dizemos serem - Imagina ainda o seguinte – prossegui
os verdadeiros objetos? eu –. Se um homem nessas condições
- Não poderia, de fato, pelo menos de descesse de novo para o seu antigo posto,
repente. não teria os olhos cheios de trevas, ao
- Precisava de se habituar, julgo eu, se regressar subitamente da luz do Sol?
quisesse ver o mundo superior. Em primeiro - Com certeza.
lugar, olharia mais facilmente para as - E se lhe fosse necessário julgar
sombras, depois disso, para as imagens dos daquelas sombras em competição com os
homens e dos outros objetos, refletidas na que tinham estado sempre prisioneiros, no
água, e, por último, para os próprios objetos. período em que ainda estava ofuscado,
A partir de então, seria capaz de contemplar antes de adaptar a vista – e o tempo de se
o que há no céu, e o próprio céu, durante a habituar não seria pouco – acaso não
noite, olhando para a luz das estrelas e da causaria o riso, e não diriam dele que, por
Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol ter subido ao mundo superior, estragara a
e o seu brilho de dia. vista, e que não valia a pena tentar a
- Pois não! – Finalmente, julgo eu, seria ascensão? E a quem tentasse soltá-los e
capaz de olhar para o Sol e de o contemplar, conduzi-los até cima, se pudessem agarrá-lo
não já a sua imagem na água ou em e matá-lo, não o matariam?
qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu - Matariam, sem dúvida – confirmou ele.
lugar. – Meu caro Glauco, este quadro –
- Necessariamente. prossegui eu – deve agora aplicar-se à tudo
- Depois já compreenderia, acerca do Sol, quanto dissemos anteriormente,
que é ele que causa as estações e os anos comparando o mundo visível através dos
e que tudo dirige no mundo visível, e que é olhos à caverna da prisão, e a luz da
o responsável por tudo aquilo de que eles fogueira que lá existia à força do Sol.
viam um arremedo. Quanto à subida ao mundo superior e à
- É evidente que depois chegaria a essas visão do que lá se encontra, se a tomares
conclusões. como a ascensão da alma ao mundo
- E então? Quando ele se lembrasse da inteligível, não iludirás a minha expectativa,
sua primitiva habitação, e do saber que lá já que é teu desejo conhecê-la. O Deus
possuía, dos seus companheiros de prisão sabe se ela é verdadeira. Pois, segundo
desse tempo, não crês que ele se entendo, no limite do cognoscível é que se
regozijaria com a mudança e deploraria os avista, a custo, a idéia do Bem; e, uma vez
outros? avistada, compreende-se que ela é para
- Com certeza. todos a causa de quanto há de justo e belo;
- E as honras e elogios, se alguns tinham que, no mundo visível, foi ela que criou a luz,
então entre si, ou prêmios para o que da qual é senhora; e que, no mundo
distinguisse com mais agudeza os objetos inteligível, é ela a senhora da verdade e da
que passavam e se lembrasse melhor quais inteligência, e que é preciso vê-la para se
os que costumavam passar em primeiro ser sensato na vida particular e pública.
lugar e quais em último, ou os que seguiam
juntos, e àquele que dentre eles fosse mais
hábil em predizer o que ia acontecer –
parece-te que ele teria saudades ou inveja
das honrarias e poder que havia entre eles,
ou que experimentaria os mesmos
sentimentos que em Homero, e seria seu
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2 HOMERO. Odisséia XI. 489-490.
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