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A GRAÇA DAS ORIGENS E A ORIGEM DE UM MAL-ESTAR

O status jurídico dos frades laicos nos 800 anos da Ordem


Franciscana

Fr. Fabiano Aguilar Satler, ofm


www.ofm800.blogspot.com

O s três ramos da Ordem dos Frades Menores preparam-se para celebrar, em 2009, o
Oitavo Centenário da Fundação da Ordem. Foi em 1209 que o grupo inicial de doze
frades liderados por Francisco apresentou-se na corte pontifícia para solicitar do Papa
Inocêncio III a aprovação do seu projeto de vida evangélica.
Ao confrontarmos o pedido daqueles doze frades com a situação da Igreja no período
compreendido entre o fim do século XII e início do século XIII, chama a atenção a solicitude
de Inocêncio III ao dar a sua aprovação verbal para o projeto de vida de Francisco e seus
companheiros, centrado na pobreza evangélica, cuja Regra definitiva seria aprovada
somente em 1223, pelo Papa Honório III.
Nesse período, movimentos laicos centrados na pobreza de Jesus, de sua mãe e de seus
apóstolos, multiplicavam-se na Itália e na França. Esses agrupamentos de homens e
mulheres, além de uma vida de pobreza, reivindicavam a liberdade de ler os evangelhos, de
interpretá-los e de pregá-los às populações. Muitas vezes, colocavam-se numa posição de
clara contestação e de rejeição à Igreja oficial. Quando confrontados com a simonia e o
nicolaísmo do clero de então, tais movimentos adquiriam simpatia e proteção das populações
locais.
O projeto apresentado por Francisco a Inocêncio III em 1209 não se afastava, na sua forma,
desses tantos movimentos que foram considerados heréticos pela autoridade papal. Havia
precedentes perigosos recentes. Os valdenses, originários de Lyon, foram aprovados pelo
papa Alexandre III trinta anos antes desse encontro de Francisco com Inocêncio III e, poucos
anos depois, rebelaram-se contra a autoridade papal e foram condenados como heréticos1.
Felizmente, graças ao espírito lúcido e à coragem de Inocêncio III – que não temia abrir
espaço para essas forças de renovação, mesmo que duvidosas, no interior da Igreja –
Francisco e seus companheiros tiveram o seu propósito de vida aprovado. Contribuiu para
isso, também, a intervenção do cardeal João de São Paulo a quem Francisco foi apresentado
pelo seu amigo Guido, bispo de Assis. Essa primeira aprovação verbal é considerada o
momento constitutivo do movimento franciscano, é o evento que tornou a fraternidade
canonicamente ereta, ao mesmo tempo em que Francisco recebeu a autoridade para poder
guiá-la em nome do papa.
Entre esse momento fundacional e os poucos anos que se seguiram à morte do fundador, a
Ordem passou por profundas tensões e mudanças internas, principalmente no ponto que
toca à observância da vida de pobreza, tão cara a Francisco. O distanciamento do ideal de
pobreza evangélica vivida por Francisco e expresso na Regra veio acompanhado por outra
descaracterização não menos preocupante: a rápida clericalização da Ordem e o banimento
dos frades laicos das suas fileiras. Clericalizada a Ordem, aos poucos frades laicos que
restaram no seu interior foi vetado o acesso aos serviços de guardiães, vigários, custódios e
ministros, criando uma situação de divisão no interior da Ordem que persiste até hoje,
atravessando oito séculos de história franciscana, com perspectiva de solução que pode ser
remota, mas não impossível.
A palavra mais adequada para descrever essa realidade é discriminação. Tocar num assunto
como a discriminação no interior de uma instituição religiosa é algo delicado, pelas reações
que isso pode suscitar. O fato de essa discriminação dizer respeito a um impedimento ao
acesso a serviços de governo e de autoridade torna a tarefa ainda mais delicada, pois pode
suscitar nos espíritos mais fechados uma suspeita infundada e um erro de avaliação: vê-se
uma busca de status em vez do fim de uma discriminação real, qualquer que seja ela. Um
agravante adicional que torna ainda mais delicada essa tarefa é o fato de que quem escreve
sofre os efeitos dessa discriminação. Mas, quando a instituição religiosa que abriga no seu

-1-
seio essa realidade discriminatória é uma Ordem que teve Francisco de Assis como fundador
e inspirador, o único caminho a seguir é buscar a clareza e a firmeza nas palavras para
demonstrar o absurdo de tal situação.

Francisco e os primeiros irmãos: laicos e clérigos

No momento da sua conversão, Francisco era laico e, como tal, junto com seus doze
companheiros, entre os quais havia um único sacerdote, obteve do papa Inocêncio III a
aprovação do seu projeto de vida. Mas, a exemplo de outros movimentos pauperísticos desse
período, o movimento iniciado por Francisco não foi exclusivamente laico. Desde o seu início
conviveram na Ordem franciscana clérigos e laicos de todas as classes sociais, eliminando
qualquer tipo de discriminação em virtude da condição social, cultural ou eclesiástica do
candidato2: “Nobres e plebeus, clérigos e leigos, dóceis todos à divina inspiração,
procuravam o santo na esperança de militarem para sempre com ele, sob a sua orientação e
magistério”3. Na prática, a única condição para ingressar no movimento franciscano era a
conversão ao Evangelho.
Todos os que acorriam ao movimento inaugurado por Francisco viviam sob um único projeto
expresso pelo nome que Francisco escolheu para a sua Ordem: frades menores. Sob esse
título – frades, irmãos – militavam todos aqueles que se propunham a viver o ideal de
minoridade evangélica. Viver como irmãos menores significava viver uma vida de máxima
familiaridade e igualdade, tanto na dimensão existencial quanto teológica e jurídica. As
fontes franciscanas são abundantes nos exemplos em que, nas atividades de pregação e
missão às quais todos são chamados, há uma orientação comum para clérigos e laicos.
Nesta fraternidade igualitária, todos têm o direito e o dever de exercer os serviços que em
nada conservam o sentido de poder. A Regra definitiva aprovada em 1223, ao tratar do tema
da penitência a impor aos irmãos que pecaram, instrui que “E os Ministros, se são
sacerdotes, imponham-lhes a penitência, com misericórdia; mas se não são sacerdotes,
mandem-nos a sacerdotes da Ordem que lhes imponham a penitência, conforme segundo
Deus melhor lhes parecer”4. Como tal esse texto foi aprovado pelo papa e encontrou
sustentação no Direito eclesiástico de então. E, numa época que primava pelo Direito
eclesiástico, depois da morte de São Francisco em 1226, seus dois primeiros sucessores
foram laicos: o jurista João Parenti (1227-1232) e Elias de Assis (1232-1239).
Entretanto, essa situação mudou radicalmente após o generalato de Elias de Assis. Acusado
de conduzir a Ordem de maneira despótica e de favorecer de maneira escandalosa os laicos
nos serviços de governo da Ordem, foi deposto no Capítulo geral de 1239, que também
promulgou as primeiras Constituições gerais, que normatizaram vários aspectos relacionados
com a organização interna da Ordem5. Ao mesmo tempo, assistiu-se a uma transformação
interna da fraternidade, que se tornou eminentemente clerical. Os leigos foram afastados dos
serviços de governo, ficando-lhes reservados os serviços domésticos, uma vez que também
fora proibido o trabalho manual fora das casas como maneira de sustento da fraternidade.
Finalmente, restringiu-se o ingresso de frades laicos6.
Esse processo de clericalização e exclusão dos irmãos, primeiro dos serviços de governo e,
depois, da própria Ordem, tem seu ponto alto no generalato de São Boaventura, durante o
qual são revisadas e promulgadas novas constituições: “E porque não somente para a causa
de nossa salvação nos chamou Deus, mas também para a edificação dos demais mediante o
exemplo, conselhos e saudáveis exortações, ordenamos que ninguém seja recebido em
nossa Ordem, a não ser que seja um clérigo instruído em gramática ou lógica ou a não ser
que seja um laico cujo ingresso seja célebre e sirva sua fama para edificação do povo e do
clero. Se alguém é recebido fora destas normas, será para o conveniente exercício dos
ofícios domésticos, e nesse caso seja recebido sem urgente necessidade e com licença
especial do Ministro geral.”7
Num breve espaço de tempo, o processo de discriminação e divisão entre clérigos e laicos na
Ordem estava completo. O que hoje se pede de volta à Santa Sé - a igualdade jurídica de
todos os frades na Ordem, clérigos ou laicos -, é preciso dizê-lo, não nos foi usurpado pela
autoridade papal. Foi a própria Ordem que a expurgou do seu meio. E isso com a ajuda de
um Ministro Geral. E santo.

O ponto da situação atual

-2-
No clima de renovação que se seguiu ao Concílio Vaticano II, o Capítulo Geral da Ordem dos
Frades Menores, realizado em Madrid em 1973, debruçou-se sobre “A vocação da Ordem
hoje”, buscando discernir “o sentido da nossa vida, das nossas opções e quanto ao caráter
específico da vocação da nossa Ordem nos dias de hoje”8. A declaração final desse Capítulo
de 1973 foi retomada pela Ordem para estimular a reflexão em vista do Capítulo geral
extraordinário que acontecerá em 2006, no contexto do oitavo centenário.
Apesar da lucidez e do sério exame de consciência da própria Ordem que transparece nesse
documento de 1973, chama a atenção a total ausência da situação de discriminação dos
laicos. Apesar do documento esclarecer que “não pretende ser uma exposição de todos os
elementos da vida franciscana”, informa, mais à frente, a sua proposta de “recolher alguns
dos elementos essenciais de quanto se disse acerca da vocação franciscana, exprimi-los de
forma condensada e incisiva e, deste modo, apresentar como que uma afirmação de valores
que nos aparecem hoje como particularmente significativos da vocação da Ordem”9.
Confrontando a presença de tal afirmação com a ausência de referências à discriminação dos
laicos no interior da Ordem, a única conclusão possível é que esse tema não pareceu aos
frades capitulares naquela altura como sendo “particularmente significativo” da vocação da
Ordem.
O documento chega perto do tema, sem, entretanto, tratá-lo de maneira aberta. Informa que
“a nossa fraternidade pretende ser a reunião de homens provenientes, sob o impulso do
Espírito, de diferentes meios sociais e culturais e que se esforçam por criar entre si
verdadeiros laços de amizade, de respeito, de aceitação mútua”10. Coloca lado a lado a
afirmação de que “na nossa fraternidade todos são irmãos, homens iguais, se bem que
diferentes, livres e co-responsáveis” e de que a fraternidade “comporta, no entanto, o
necessário serviço de unidade e coesão exercido pelos ‘ministros e servidores’ da
fraternidade, a quem os frades devem obedecer”11. Não dá, entretanto, o passo seguinte de
explicitar a constatação óbvia de que essa suposta igualdade não é tão igual assim no que se
refere ao serviço de “ministros e servidores”.
O único ponto em que o documento explicita a situação dos frades laicos é quando trata do
tema do trabalho dos frades. Lembrando que Francisco introduziu o conceito de trabalho dos
frades em ofícios fora da fraternidade, afirma que “esse trabalho era uma ocasião de contato
com as pessoas e um meio de anunciar o evangelho” e que “essa novidade não sobreviveu
com a evolução da Ordem e a sua inserção gradual nos quadros da vida clerical e
monástica”, sobrando para os não-clérigos “o trabalho doméstico dentro dos conventos”12.
O Vaticano II fora concluído havia apenas oito anos e a Ordem dava, ainda, os seus primeiros
passos rumo a uma configuração interna mais próxima ao espírito das suas origens.
Mais recentemente, a realidade da Ordem franciscana como um instituto clerical, onde ficam
vedados aos laicos os serviços de governo, vem sendo debatida no interior da Ordem e,
também, nos encontros da Conferência dos Ministros gerais da Primeira Ordem Franciscana e
da Terceira Ordem Regular.
Com o Sínodo dos Bispos sobre a Vida Consagrada, realizado em 1994, e as respectivas
intervenções dos ministros gerais, vislumbrou-se uma possibilidade de solução por parte da
Santa Sé, com a criação dos assim chamados “institutos mistos”, isto é, uma nova categoria
a ser acrescentada aos já existentes institutos laicais e institutos clericais. Com efeito, na
exortação apostólica relacionada com o Sínodo, o papa João Paulo assim se manifestou:
“Alguns Institutos religiosos, que, no projeto originário do fundador, se apresentavam como
fraternidades, onde todos os membros — sacerdotes e não sacerdotes — eram considerados
iguais entre si, com o passar do tempo adquiriram uma fisionomia diversa. Importa que estes
Institutos chamados ‘mistos’ ponderem, na base de um aprofundamento do próprio carisma
de fundação, se seria oportuno e possível voltar à inspiração original. Os Padres sinodais
formularam o voto de que, em tais Institutos, seja reconhecida, a todos os religiosos,
igualdade de direitos e deveres, exceto os que derivam da Ordem sacra. Para examinar e
resolver os problemas conexos com esta matéria foi instituída uma específica comissão,
cujas conclusões convém esperar para se fazerem depois as opções convenientes segundo
aquilo que for autenticamente estabelecido.”13
Fazendo eco dessa exortação, o documento final do Capítulo Geral de 1997 da Ordem dos
Frades Menores afirmou que “A reconquista de nossa identidade como Fraternidade, na qual
todos são e se chamam Irmãos, deve acontecer em nível de princípios, da legislação e da
conscientização”14. E continuam as resoluções do Capítulo relacionadas com este ponto:

− “Considerando que a Congregação para os Institutos de Vida consagrada e as


Sociedades de Vida apostólica admite a possibilidade de uma terceira categoria de
Institutos, os ‘Institutos mistos’, e considerando que a Exortação Apostólica pós-
Sinodal Vita Consecrata convida os Institutos chamados ‘mistos’ a avaliar, baseados

-3-
no aprofundamento do próprio carisma fundacional, se é oportuno e possível voltar à
inspiração originária, o Capítulo geral decide: A Ordem dos Frades Menores, em
virtude do carisma fundacional, declara ser um Instituto religioso ‘misto’ (ou clerical
e laical), constituído de irmãos clérigos e leigos.”

− “‘A Ordem dos Frades Menores, fundada por São Francisco, é uma Fraternidade’
(Constituições Gerais): portanto, todos os frades realmente são e se chamam irmãos,
com iguais deveres e direitos, também quanto à possibilidade de assumir o cargo de
guardião e ministro, ficando firme o princípio que os irmãos leigos deverão exercer
por meio de sacerdotes da Ordem os atos que exigem Ordem sacra (cf. Reg B 7,2)”.15
O Capítulo antecipou-se e votou as alterações necessárias nas Constituições Gerais para
regular o acesso dos frades laicos aos serviços de superiores maiores (Ministro geral, Ministro
provincial, Custódio da Terra Santa e seus respectivos Vigários), para terem efeito no caso da
aprovação, por parte da Santa Sé, da Ordem dos Frades Menores como um Instituto Misto 16.
E, mais importante, determinou que todas as entidades da Ordem se esforçassem por
promover a identidade mista da Ordem e a igualdade de todos os frades desde a promoção
vocacional.17
No fim desse mesmo ano, a Conferência dos Ministros Gerais da Primeira Ordem Franciscana
e da TOR criou uma comissão mista para um “Estudo da Ordem Franciscana como ‘Instituto
Misto’”, cujo resultado veio à luz em 1999.
O estudo condensa de maneira precisa os principais pontos relacionados com os aspectos
teológicos e jurídicos da fraternidade franciscana no momento da sua fundação, isto é, entre
a aprovação do projeto de vida da fraternidade em 1209 e a aprovação da Regra de Vida
definitiva em 1223.
Essa comissão conclui afirmando que “O acesso de todos os frades à responsabilidade do
ministerium fratrum na Ordem nunca foi considerado uma simples reivindicação de direitos
em nível humano ou um elemento meramente estrutural ou sociológico; foi proposto ao
‘Senhor Papa’ e vivido como necessária conseqüência da impostação evangélica da
identidade dos frades menores segundo a vontade ou a intenção de Francisco Fundador”.
Além do mais, “todos os cargos e ofícios na Ordem, segundo a vontade ou a intenção
fundacional de Francisco, foram igualmente acessíveis a todos os irmãos, independente do
seu estado clerical ou laical, conquanto conferidos em base à idoneidade de cada um”.18
Finalmente, a comissão conclui que é possível afirmar que a Ordem franciscana, no momento
da sua fundação, foi, de fato, um instituto misto, no sentido em que foi uma realidade
existencial e efetiva na qual co-existiam irmãos sacerdotes (clérigos) e irmãos não-
sacerdotes (laicos). Do ponto de vista do direito, entretanto, Francisco não se pronunciou
formalmente sobre tal ponto.19
Entretanto, no seu relatório ao Capítulo Geral de 2003, o Ministro geral cessante, Fr. Giacomo
Bini, dava a conhecer à OFM que a questão relacionada com o reconhecimento da Ordem
como um instituto misto “não foi nem vai para a frente”, frustrando, assim, a expectativa de
que a declaração de princípios e a conseqüente deliberação do papa João Paulo II acerca dos
institutos mistos pudesse traduzir-se em realidade, o que “ter-nos-ia permitido readiquir
plenamente nossa identidade de Fraternidade por força do carisma fundacional, confirmado
pelo Papa Honório”.20

A origem de um mal-estar

O ano de 2006 foi estabelecido, pela OFM, como o início do itinerário celebrativo do oitavo
centenário de aprovação da Regra franciscana. Nesse contexto, seria lamentável um silêncio
sobre essa discriminação que atravessa os 800 anos da nossa história franciscana. Fosse
repentinamente a situação invertida – clérigos colocados debaixo dessa mesma
discriminação e os laicos na situação que hoje desfrutam os clérigos – e o atual silêncio seria
o mesmo? Haveria mais empenho por parte da Cúria Geral no diálogo e na insistência junto
às autoridades no Vaticano?
Por outro lado, qual é o significado desse silêncio e da recusa do Vaticano em devolver à
Ordem Franciscana algo que é constitutivo da sua identidade fundacional? Que temores não
verbalizados escondem-se por trás dessa recusa?
A recusa em conceder a todos os frades da Ordem, independente da sua situação jurídica, se
clérigos ou laicos, o acesso aos serviços de governo na Ordem, significaria, como
conseqüência lógica, a recusa à aprovação, hoje, do projeto de vida de Francisco e seus

-4-
companheiros tal qual foi aprovado há 800 anos? Francisco encontraria no Papa e na Cúria
Romana de hoje temores que ele não encontrou em um papa da Idade Média, com bons
motivos para tê-los? E quais são esses temores?
Um desses temores por parte do Vaticano diz respeito, certamente, à possibilidade de um
frade laico ser o superior hierárquico de um frade sacerdote. Pode parecer uma afirmação e
um juízo simplista, mas, ainda assim, é um juízo plausível. Existe, no atual contexto eclesial,
algo mais impensável? Qual é o significado eclesial mais amplo de um irmão ser o superior
hierárquico do número de frades, a imensa maioria sacerdotes, que compõem a Ordem hoje?
E, mesmo internamente, como se comportariam os frades diante de tal realidade?
Tal temor é infundado por uma questão de mera estatística. Os frades laicos constituem,
hoje, um percentual na faixa dos 18% do total de frades da Ordem. Não há indicativos de que
esse percentual cresça num futuro próximo. Pelo contrário, o que se constata hoje na Ordem,
é um lento avanço do percentual de frades clérigos sobre os frades laicos, embora numa ou
noutra província a situação seja diferente. Ora, os serviços de animação a nível provincial e
da Ordem têm por fundamento, de acordo com o projeto primitivo franciscano, a idoneidade
do escolhido pela fraternidade para tal (ao que se pode acrescentar a capacidade de
animação e unção para o serviço). Se encontrar tais frades hoje entre os clérigos torna-se,
não poucas vezes, uma tarefa difícil, muito mais difícil será encontrá-los entre os poucos
laicos, numa hipótese de poderem ser escolhidos entre uns e outros. Além do mais, é
necessário dizê-lo, entre os poucos frades laicos há um percentual ainda mais reduzido de
frades preparados para tais serviços do que entre os clérigos. A situação de governo nas
Províncias e na Ordem, permanecerá, portanto, inalterada pelos tempos futuros.
Indo mais além, é possível conjeturar outros temores. Se o Vaticano admite revogar uma
discriminação que não encontra fundamento sob quaisquer perspectivas e vai frontalmente
contra o projeto proposto por Francisco e aprovado pelo papa Inocêncio III, que respostas dar
às demandas pelo fim de outras formas de discriminação na Igreja? Nesse sentido, o temor
não se relaciona tanto com o pedido da Ordem, mas em relação ao que pode vir a seguir no
interior de outros setores da Igreja.
Se qualquer forma de discriminação é contrária à natureza humana e ao Evangelho, o que
dizer de uma discriminação que se sustenta não em atributos naturais como o gênero ou a
etnia, mas num dom do próprio Deus, qual seja, a vocação para uma determinada forma de
vida evangélica, neste caso, a vida consagrada masculina laical?
Como foi esclarecido anteriormente, trata-se apenas de conjecturas para fazerem face a um
silêncio.
Mas, se a decisão última da constituição da Ordem franciscana como um “instituto misto”
remete ao Vaticano e os seus organismos, há um trabalho doméstico a ser feito nos
princípios e na conscientização da Ordem, como o expressou o Capítulo Geral de 1997. Há
alguns exemplos que são esclarecedores dessa necessidade.
Pensemos na pressão velada – e, algumas vezes, explícita – dos formadores ou ministros
provinciais sobre o jovem frade que manifesta a sua opção pela vida laical, no sentido de
fazê-lo desistir dessa opção. O que dizer da expressão de decepção na face e na reação de
um provincial quando um frade vai informá-lo da sua decisão pela vida laical? Essa pressão
pode ser legítima quando tiver o objetivo de confrontar o frade com a sua opção e para
verificar a solidez da mesma. Mas, quais são os ministros que fazem o mesmo confronto
quando um frade submete para aprovação o seu pedido de ordenação? Pelo contrário, não é
saudado com um caloroso abraço?
Outro exemplo significativo é uma certa desconfiança que paira em alguns setores da Ordem
em relação ao pequeno aumento percentual do número de frades de vocação laical em
algumas províncias. Tais setores relacionam esse aumento do número de frades laicos com
uma possível fragilidade dessas vocações, quando comparadas com as vocações para frades
clérigos. A lógica é simples: com “apenas” a profissão solene, o frade se sentiria menos
compromissado com a Ordem e mais facilmente poderia abandoná-la do que um frade
ordenado. Ser um frade laico com “apenas” a profissão solene é ter um pé à frente e outro
atrás. Dando prosseguimento a essa lógica, conclui-se que é a ordenação – e não a profissão
– que confere o status de verdadeira pertença à Ordem. Um quadro estatístico comparativo
de egressos de um e outro estado – clérigos e laicos – deveria levar em conta o período
transcorrido entre a profissão e o abandono. Pois, abandonos de frades de suposta opção
laical logo a seguir à profissão solene pode significar apenas uma coisa: que o frade talvez
não tenha feito uma verdadeira opção pela vida franciscana, e, portanto, nem pela vida
laical, nem pela vida clerical.

-5-
Um outro exemplo aparentemente trivial, mas não menos significativo, pela explicitação de
uma mentalidade subjacente, é a persistência, entre alguns frades clérigos, da impostação
de elementos típicos dos clérigos seculares: o clegiman e o respectivo tratamento (padre
fulano). Se é a nossa identidade como frades que confere a nossa unidade vital como
membros da mesma Ordem, onde convivem clérigos e laicos sob a mesma Regra de vida, o
uso desses elementos por parte dos frades introduz uma linha divisória clara e desnecessária
entre uns e outros. É compreensível que tais hábitos persistam na vida de frades nascidos e
formados noutras épocas e mentalidades, das quais tentamos nos afastar. É uma questão de
tempo. Mas, é triste – e, ao mesmo tempo, cômico – ver jovens frades, recém-saídos de
casas de formação e ordenados, impostando o clegiman, numa necessidade de auto-
afirmação mais pelo colarinho engomado do que pelas próprias convicções e maturidade
humana e vocacional.
Em Divinópolis, no Brasil, mora Frei Antônio da Silva Rocha, frade laico que completou, em
2006, 100 anos de idade, com a mesma lucidez e jovialidade que o caracterizam. Trabalhou
muito nos seus 77 anos como frade. Nos últimos anos, cuidava da pequena horta no interior
do convento. Em Lisboa, Portugal, mora Frei José Luís Domingues, também laico. Trabalhou
como missionário em Moçambique durante quase 40 anos. Com uma solicitude e uma
atenção de mãe, como Francisco pedia de seus irmãos no trato uns para com os outros,
acolheu os hóspedes e cuidou dos irmãos acometidos de inúmeras malárias em Maputo
durante todos esses anos. São irmãos como esses que, no espaço de tempo que nos separa
de Francisco e seus primeiros companheiros, garantiram que não se extinguisse totalmente
na Ordem o espírito original da fraternidade franciscana. Eles pertencem àquela categoria de
frades onde o próprio Francisco se auto-incluía: os frades simples, os iletrados. Também eles
têm direito, hoje, a um mínimo de formação religiosa e franciscana, a par dos nossos
candidatos clérigos. Mas, diferente dos clérigos e letrados, eles encontram espaço de
formação nos nossos centros de formação franciscana ou tais centros tornaram-se por
demais sofisticados, incapazes de atender essa demanda real da Ordem?
Esses são apenas alguns exemplos triviais, aos quais outros podem ser acrescentados nas
diferentes províncias da Ordem.
E assim, entre silêncios e discriminação, a Ordem segue nos seus preparativos para a grande
celebração do Oitavo centenário. No meio do burburinho dos preparativos, entretanto, um
mal-estar faz-se sentir. Apesar de pertencer a uma Província que, logo a seguir ao Vaticano II
e juntamente com as demais províncias brasileiras, busca com sinceridade viver a igualdade
fraterna entre os seus membros, eliminando onde é possível, dentro do quadro jurídico atual,
os sinais de divisão, permanece um desagradável mal-estar de fundo, por causa dessa
discriminação institucional a que frades de vocação laical como eu estão sujeitos. Há uma
sensação de ser, como frade laico, um corpo estranho dentro da própria Ordem. E isso é algo
difícil com que se acostumar, mesmo transcorridos oitocentos anos.

-6-
1
Cf. IRIARTE, Lázaro. Historia Franciscana. Editorial Asis: Valencia, 1979, p. 44.
2
Cf. BÓRMIDA, Jerónimo. Datos históricos para una eclesiologia franciscana. p. 125.
3
1Cel 37,4
4
RegB 7,2
5
Cf. IRIARTE. Op. cit., p. 75.
6
Idem, p. 76
7
BOUGEROL, J. G. – DEL ZOTTO, C., Opere di San Bonaventura Opusculi Francescani/1, Città Nuova Editrice, 1993, p. 129. Il
testo in latino nella pagina 128: “Et quia non solum propter nostram salutem vocavit nos Deus verum etiam propter
aliorum aedificationem per exempla, consilia et salubria hortamenta, ordinamus quod nullus recipiatur in Ordine nostro,
nisi sit talis clericus qui sit competenter instructus in grammatica vel logica, aut nisi sit talis clericus vel laicus, de cuius
ingressu esset valde celebris et famosa aedificatio in populo et in clero. Si quem vero praeter hanc formam recipi oporteat
propter familiaria officia exercenda, non recipiatur absque urgente necessitate, et hoc de Ministri generalis licentia
speciali”.
8
A vocação da Ordem hoje. Declaração do Capítulo Geral de 1973 da Ordem dos Frades Menores, nº 1.
9
Idem, nº 2.
10
Idem, nº 14.
11
Idem
12
Idem, nº 26.
13
João Paulo II. Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata, nº 61.
14
Da memória à profecia. Orientações e propostas do Capítulo Geral de 1997 da Ordem dos Frades Menores, nº 23.
15
Idem, nº 24.
16
Idem, nº 25.
17
Idem, nº 27.
18
A identidade da Ordem Franciscana no momento da sua fundação. Conferência dos Ministros Gerais da Primeira Ordem
Franciscana e da TOR. Roma, 1999, p. 24 da edição em língua portuguesa.
19
Idem, p. 34.
20
Relatório do Ministro Geral Fr. Giacomo Bini ao Capítulo Geral de 2003 da Ordem dos Frades Menores, nº 25.

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