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R U P T U R A
Elisa Campos
A PALAVRA
Ao explorar o termo ruptura percebe-se num primeiro instante a força fonética dessa
palavra, o corte expressivo existente no término abrupto da primeira sílaba em relação
à seguinte, indicando metalinguisticamente através da construção, seu significado de
forma explícita:
rup tura
Dois pedaços de palavra que se vistos separadamente não pareceriam indicar qualquer
conseqüência direta. A ruptura quando se faz também não parece deixar claro qual
será o momento seguinte, mesmo porque adquire uma força muitas vezes
incontrolável, fruto da energia que se produz neste fecundo lapso de tempo.
Mas, enquanto a primeira sílaba propõe a quebra, as duas outras parecem buscar o
equilíbrio, um reatar. Em “tura” a costura, cerzidura, atadura....
Também a palavra abrupto, utilizada para mostrar a sisão fonética em Ruptura, propõe
e cumpre em sua sonoridade um mesmo papel expressivo.
O que se rompe, o que se torna roto, passou obrigatoriamente por uma tensão. Essa,
independente de quanto tempo durar, representará um pólo gerador de energia a qual
propiciará, no limite máximo de seu controle, a transformação. É sem dúvida a tensão
“explodida” que produz o movimento e a mudança.
Novo momento de ruptura se fará, sempre num processo que incorpora a dor e a
resistência, quando, sem possibilidade de sobrevivência no útero que já não dispõe de
condições satisfatórias para mantê-lo, o pequeno ser de aproximadamente 3 Kg e por
volta de 50 centímetros de tamanho se vê forçado a lutar por melhor situação vital. O
ser humano vive aí o rompimento drástico do nascimento. Ao deslizar tátil e lento, que
certamente imprime uma das mais prazerosas sensações a esse pequeno corpo,
segue-se intempestivo sopro de ar dentro dos pulmões, o irreversível contato com a
atmosfera seca que nos rodeia, a sensação de instabilidade relacionada ao peso e à
gravidade, o primeiro corte sofrido ao romper-se o cordão umbilical. Nascimento é o
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CAMPOS, Elisa. Revista Cadernos do Alto nº Zero. Escola Municipal Israel Pinheiro, Março,
2000. (P. 3-8).
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rompimento original e necessário mesclando prazer e dor, esse binômio que será o
leitmotif da vida de todo ser humano. (Em nosso cotidiano, no processo de
crescimento e amadurecimento que vivenciamos dia após dia, quantas vezes nos
vemos rompendo laços, quebrando dogmas, ultrapassando certos limites impostos por
outros ou por nós mesmos? E não seriam esses os momentos reveladores d “a dor e a
delícia de’’ sermos o que somos?).
Voltando aos fenômenos da natureza, tomemos o caso dos insetos que passam por
processo de metamorfose. Cada etapa uma ruptura, cada ruptura exigindo uma
adaptação que, para fortalecer e garantir o melhor aproveitamento possível, deve
sobretudo cumprir seu percurso natural.
Curvado por cima dela, eu ajudava com meu hálito. Em vão. Era
necessária uma paciente maturação e o desenrolar das asas devia ser feito
lentamente ao sol; agora era tarde demais. Meu sopro obrigara a borboleta
a se mostrar toda amarrotada, antes do tempo. Ela se agitou desesperada,
alguns segundos depois morreu na palma da minha mão. (...)” 2
A ferida aberta torna o corpo vulnerável. Será preciso tempo e cuidado para cicatrizar
e mesmo assim, quase sempre teremos um tecido modificado, transformado pela
experiência do corte.
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in “Zorba, o Grego” de Nikos Kazantzakis
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A CRIAÇÃO
Troca de casco, troca de pele, corte e regeneração podem ser etapas de fragilidade
mas por outro lado, etapas de sensibilidade. A palavra “Déchirer” em francês é
também sinônimo de romper e na origem da palavra quer dizer descarnar, dilacerar a
carne. Numa imagem mais contundente pode-se pensar na percepção aguda
proporcionada ao se descarnar um corpo e deixá-lo sentir sem o intermédio da pele...
um contato onde temperatura, textura, respiração seriam experiências extremadas de
sensibilidade.
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in Larrousse Cultural, vol. 21
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nasceu a nova arte.” 4 Aos ensaios que antecedem os próprios manifestos das
vanguardas históricas, De Micheli dará, sintomaticamente, os seguintes títulos: “Os
signos da Crise”; “As musas da evasão”; “O protesto do expressionismo”; “A negação
dadaísta”. Crise, evasão, protesto, negação!
Em 1952, na cidade de São Paulo, formou-se o famoso Grupo Ruptura que originaria o
movimento do Concretismo Brasileiro. Com propostas muito definidas provocaram
também a expressiva reação de um grupo do Rio de Janeiro. Ainda hoje revisto
constantemente como fonte de questões e reflexões bastante significativas, é dos
períodos mais férteis de nossa Arte Brasileira: o Neo-concretismo.
Em 1984 houve em São Paulo uma grande exposição na Fundação Bienal que teve o
título TRADIÇÃO E RUPTURA, dado pelo Prof. Ulpiano Bezerra de Menezes. A mostra
se propunha apresentar “num único ambiente, obras e objetos que dessem ao
visitante uma visão de nossa terra, das riquezas da nossa gente e das lutas nesses
cinco séculos de arte e vida.” Do Brasil pré-colonial à arte contemporânea dos anos 70,
buscou-se mostrar “ao longo dos séculos, uma arte que sofreu rompimentos mas
preserva elementos tradicionais.” 5
Sob o ponto de vista dessa proposta parece oportuno, num derradeiro comentário,
examinar como o momento de ruptura por um lado proporciona a mudança e por
outro muitas vezes pode fortalecer a tradição. Expressa-se aí a provocação essencial
que leva naturalmente a uma inevitável tomada de posição, momento privilegiado de
polêmica e de debate.
Elisa Campos
Setembro, 1999
BIBLIOGRAFIA:
Micheli, Mário De. Las vanguardias artísticas del siglo XX. Alianza Editorial, 1966.
Madrid.
Morais, Frederico. Panorama das Artes Plásticas. Séculos XIX e XX. Instituto Cultural
Itaú, 1989. São Paulo.
4
in “Las vanguardias artísticas del siglo XX” de Mário De Micheli
5
in “Tradição e Ruptura. Exposição síntese de arte e cultura brasileiras” apresentação
por Roberto Muylaert (Folder).