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Copyright do texto © 2010 Corsino Fortes

Copyright das ilustrações © 2010 Fernando Gonçalves


Copyright da edição © 2010 Escrituras Editora

Todos os direitos desta edição reservados à


Escrituras Editora e Distribuidora de Livros Ltda.
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Criadores da Coleção Ponte Velha
António Osório (Portugal) e Carlos Nejar (Brasil)
Organização e entrevista Floriano Martins
Posfácio Ana Mafalda Leite

Diretor editorial Raimundo Gadelha


Coordenação editorial Mariana Cardoso
Assistente editorial Ravi Macário
Revisão A/exandre Teotónio e Jonas Pinheiro
Capa, projeto gráfico e diagramação Ligia Daghes
Ilustrações da capa e do miolo Fernando Gonçalves
Impressão Craphium

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIF) A cabeça calva


de Deus
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Fortes, Corsino
A cabeça calva de Deus / Corsino Fortes; organização/prefácio
Floriano Martins; artista convidado Fernando Gonçalves;
posfácio Ana Mafalda Leite. - São Paulo: Escrituras Editora, 2010. -
(Coleção Ponte Velha)

ISBN 978-85-7531-390-9
Organização | Entrevista
I . Poesia portuguesa I. Martins, Floriano. Floriano Martins
II. Gonçalves, Fernando. III. Leite, Ana Mafalda.
IV. Título. Artista convidado
Fernando Gonçalves
10-10834 CDD-869.1
Posfácio
índices para catálogo sistemático: Ana Mafalda Leite
1. Poesia: Literatura portuguesa 869.1
Edição apoiada pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas/Portugal.

ffl-
MiNisTÉRío DA CULTURA

Impresso no Brasil Por solicitação expressa do Autor,


escrituras
Printed ín Braz/7 o livro mantém a ortografia portuguesa.
São Paulo, 2010
Nota do Autor

Ultimando as balizas da presente trilogia "Pão & Fonema,


Árvore & Tambor e Pedras de Sol e Substância", queiram
permitir-me. Caros Leitores, enfatizaras expressivas
contribuições recebidas desde os cultores da nossa
tradição oral, nomeadamente os Trovadores, aos fundadores
do Movimento Claridoso - os principais artífices da
independência cultural de Cabo Verde, como dar graças,
lhana e penhoradamente, a todos aqueles que, na diáspora,
vêm, de geração em geração, enriquecendo e transmitindo o
testemunho da especificidade cultural desta pequena pátria
no baricentro de três continentes.
[Corsino Fortes]
imário

A pronúncia renovada da poesia em Corsino Fortes


Diálogo com Floriano Martins 9

I. Pão & Fonema 21

Proposição 22
Canto Primeiro: Tchon de pove tchon de pedra 23
Canto Segundo: Mar & Matrimónio 41
Canto Terceiro: Pão & Património 65

II. Árvore & Tambor 87

Proposição & Prólogo 89


Canto Primeiro: De manhã! Os tambores amam
a chama da palavra mão 97
Canto Segundo: Hoje chovia a chuva
que não chove 111
Canto Terceiro: O pescador, o peixe e a
sua península 123
Canto Quarto: Odes de Corsa de David 139
Canto Quinto: Tal espaço & tempo 157
Prólogo & Proposição 185
III. Pedras de Sol & Substância 191

Oráculo 192 A pronúncia renovada da poesia


Canto Primeiro: Sol & Substância 193 em Corsino Fortes
Canto Segundo: Vulcão & Vinho do próximo Verão 217 Floriano Martins
Canto Terceiro: Do deserto das pedras à
deserção da pobreza 239
FM Querido poeta, a nossa conversa pretende essen-
A Cabeça Calva de Deus - Uma trilogia épica fundacional cialmente identificar, a partir de tua poesia, alguns tam-
Ana Mafalda Leite 267 bores da linguagem. Podemos começar pela descoberta da
natureza poética no Corsino Fortes?
Dados sobre o Autor 285
Dados sobre o Artista 287 CF Desde muito cedo, o adolescente Corsino For-
tes escrevinhava versos a propósito dos quais mani-
festava uma resistência crítica a ponto de os considerar
não publicáveis.
A descoberta da natureza poética em Corsino Fortes
surge na adolescência, porém é na juventude, em contexto
e ambiente precoces, pelos contactos e movimentações
que marcavam a sociedade cabo-verdiana, em particular
a mindelense, dos anos sessenta do século passado,
que os primeiros poemas vieram à luz, por iniciativa do
Prof. Baltazar Lopes da Silva, nomeadamente, no último
número da Revista Claridade.
Na verdade o primeiro livro publicado Pão & Fone-
ma, de 1974, é resultado de uma actividade de mais de
uma década em que, Corsino Fortes, silenciando, se foi
descobrindo e se dando a descobrir, enquanto explicador
e estudante de direito em Lisboa, no estudo e cultivo de
grandes mestres referenciados ao longo da obra, sem
descurar a poesia medieval, portuguesa efrancesa,como
também a mítica tradição oral da cabo-verdianidade.

9
Nessa altura, acaba por reconhecer no conjunto de tex- facetas. Como distingues em t i a leitura que fazem do
Corsino Fortes como poeta, negro, africano, diplomata?
tos que compõem esse primeiro livro da projectada
trilogia uma produção com maturidade suficiente e à
CF Dada a complexidade e abrangência da questão,
altura de publicação.
não a colocaria desse modo...
Por outro lado, importa registar que o processo de
Primeiro, creio que a afirmação inicial é subjectiva,
criação poética é construtivo e contínuo, fruto de um per-
carecendo portanto de alguma prudência o colocar da
manente encontro do poeta com o mundo, com o mundo
nuance nas "expectativas viciadas" relativamente à cria-
exterior mas sobretudo com o interior. A natureza da cria-
ção e produção poéticas. Quero dizer que teremos de ex-
ção poética em Corsino Fortes merece ser compreendida,
plicitar em que ângulos essas expectativas recaem sobre
antes de mais, na sua natureza oficinal e simbólica, em que
a produção e o texto poético. Se estiver a compreender o
a tónica, não tanto da criação poética mas da construção
sentido da sua colocação no campo da circunstancialidade
da poesia, é colocada na potencialidade de exploração má-
que eventualmente poderá marcar o acto de criação, para
xima da unidade linguística mínima, o fonema de liberta.
falarmos concretamente do autor engajado ou da poesia
A partir do som, o poeta labora, molda, trabalha a palavra
de circunstância, entre outras classificações, contraponho
e da palavra sai toda a simbologia que ela se permite evocar.
dizendo que, embora o autor pertença evidentemente a
É um trabalho profundamente simbólico que, até certo
um contexto histórico, geográfico, político, entre outros,
ponto, pode permitir identificar os tambores da linguagem
o acto de criação, pelo menos em Corsino Fortes, resulta
na poesia de CF mas também outras linguagens que o
mais de um profundo exercício de interiorização.
texto se permite explorar...
No poeta CF toda a simbologia poética, advenien- As ideias, o conteúdo dos poemas e da criação, po-
te do valor do fonema, ganha substância na teia de dem ter uma referencialidade, mas não creio que limitem
sonoridades, de signos que, repetidos em contextos se- as perspectivas de crescimento a que se refere na questão.
mânticos e sintácticos diferenciados, explodem na man- Perguntaríamos mesmo o que se poderá querer dizer
cha gráfica do poema papel, num convite à descoberta com "direcções determinadas como naturais". Pode ser tão
do som e do tom da experiência que cada verso deve claro como ambíguo. A ideia de que resulta um verso pode
projectar a essência do seu espaço pictórico... partir de um acontecimento, de uma palavra, de um som
que convidam o poeta, e nem sempre necessariamente a
pessoa de Corsino Fortes, a criar. É um mundo à parte onde
FM Certas regiões no mundo estão mais violenta-
a limitação real, essa sim, coincide com o fim de cada poe-
mente marcadas por expectativas viciadas que de alguma
ma, com o momento em que o poeta se dá por satisfeito...
maneira as limitam em suas perspectivas de crescimen-
to em outras direções que não aquelas perversamente Pode e há certamente um conteúdo poético que ul-
determinadas como naturais. O preço do exótico e suas trapassa o simples domínio do físico, do real ou do natural.

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Determinar um poema ou o seu conteúdo como natural De qualquer forma, é de se lembrar que a linguagem
é algo de muito limitador, restritivo e mesmo inoperante. poética oferece na sua universalidade uma exploração
Dizemos isso porque, na realidade, se há um corte entre infinita de campos e conteúdos, que ultrapassam várias
o fim da criação e a publicação do texto, podemos dizer dimensões e aí reside o prazer do texto que tão bem de-
que nasce imediatamente a seguir a hipótese de uma fine Roland Barthes.
nova vida que o poema recebe nas leituras que cada leitor Por fim, não vejo muito a pertinência de se dis-
se permite fazer, nas viagens de descodificação das tinguir o poeta negro, do africano, do diplomata, e
metáforas, dos símbolos, das imagens que o autor apenas etc. O resultado poético é um só e dele se podem extrair
traçou e que o leitor se aventura a descobrir e a situar tantas leituras quantas as referências dos críticos, dos
na busca de uma compreensão que o satisfaça também. leitores, dos intérpretes, consoante cada experiência,
Por isso, os teóricos e críticos reconhecem que a idade, estado de espírito. Isso é universal, não é exclusivo
criação poética é algo de místico, diria mesmo mítico. de Corsino Fortes...
E assim, não sei se poderemos falar em preço do exótico
e suas facetas. Há uma linguagem profundamente ape- FM Quantas Africas cresceram juntas em t i e em
lativa, que desafia o leitor sim, que joga com o paralelismo que dimensão atuou a língua diferenciada dos demais
semântico e fonético, enfim... países no continente?
Muitas vezes, as sociedades europeia e norte-ame-
ricana tomam a criação artística africana, e às vezes a CF Veja-seumpoucodoquesedisse anteriormente,
brasileira pela reserva cultural africana que lhe subjaz, ao que se pode acrescentar que a experiência como Di-
como exótica quando lhes é desconhecido, colorido e plomata em Angola, São Tomé, Moçambique, Zâmbia
vibrante. Temos de ver que esse exótico faz parte da es- e Zimbabwe deu-nos uma visão interessante de África.
sência do aft-icano. As suas facetas são multicoloridas por- De certo modo, concordamos que as várias facetas de
que África tem sonoridades, ritmos e cores muito próprios. África, do contacto com as suas gentes contribuíram
África é um continente todo ele História e que os colo- sem dúvida para o nosso crescimento como pessoa,
nizadores estigmatizaram sobre o retrato de "exótico", que homem e poeta. Por exemplo, a experiência nos Países
acabou por ser um preço caro a pagar pelos africanos Africanos de LP leva-nos a reconhecer uma coreografia
que não puderam dar-se a conhecer mas igualmente pelos de sonoridades típicas em cada um dos países por onde
conquistadores que em certos momentos os coarctaram passámos, e há também o sentido do epos (ressonância
de se manifestar. O exótico está nas cores, nos ritmos, do eu colectivo), a que não ficámos indiferentes.
nas formas, nos sons intemporais de África, e é assim Da outra África, a que fala outras línguas que não o
que a cabo-verdianidade de Corsino Fortes não pode ser português, vem o conhecimento do eu colectivo, luta de
indiferente à africanidade que se esconde sob o exótico. libertação/crescimento, o reconhecimento da tradição.

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a valorização do colectivo, que nos une numa só África. Verde, através de Pão & Fonema e Mayombe, de Pepetela,
O Continente africano é um continente com formas em Angola, se suportam na modalização épica como ex-
próprias, rico, imenso em todos os domínios (cultural, lin- periência, o vivenciar impregnados da determinação contra
guístico, populacional, sociológico, enfim, histórico), que o inimigo comum, uma espécie de síntese humana em que
implicam na valorização do eu, não só para os Estados mas se aceita que o transformar, isto é, toda uma "revolução é
sobretudo para o humano africano. um acto de cultura", uma experiência de viver.
Quanto à língua, em África o multilinguismo é fac- Há igualmente nessa natureza épica uma leitura
tor de diversidade, de riqueza, de pluralidade, isso é ex- na linha de Antecipação do futuro. De Pão & Fonema
celente porque oferece muitas explorações. Na criação, a a Pedras de Sol & Substância, passando por Árvore &
primeira língua é a língua literária, a expressão em Língua Tambor, hoje reunidos em A Cabeça Calva de Deus, passa
cabo-verdiana ou em Língua Portuguesa ou em ambas só também uma mensagem de optimismo, de afirmação da
enriquece os campos que as literaturas permitem explorar. identidade épica, que é evidentemente a revelação, pelo
menos em certa medida, de toda uma cultura. São as
FM Pela própria natureza épica de tua poesia, raízes, o percurso sofrido de um povo, a batalha dos heróis
independente da clara menção a poetas como Saint-John pela independência, pela liberdade, que a obra procura
Perse e Pablo Neruda, compreende-se tua fidelidade a recuperar e projectar a mensagem de esperança. O Futuro
temas cabo-verdeanos, bem como o aspecto visceral de antecipador do arquipelágico caminho: florescer no de-
criar uma identidade poética que ajude a revelar toda uma serto a cabeça calva de Deus.
cultura. Creio na sinceridade de Perse, como também na
de Pablo Antonio Cuadra ou de Aimê Cesaire, quando FM Em entrevista que fiz ao nicaraguense Pablo An-
evocam com sua poesia uma expressão épica que ajude a tonio Cuadra, ele me disse o seguinte: "Uma das maneiras
consubstanciar a Nicarágua de um e a Martinica do outro. de abordar o mito em nosso tempo é desmistificando-o.
De que maneira, em termos de linguagem poética, te O mundo não pode subsistir sem mitos, porém cada épo-
identificas com o epos? ca cria suas próprias atmosferas míticas que se gastam,
como se gastam as palavras e as moedas pelo uso. Então há
CF Da descoberta ao processo identitário das ilhas, o que despir o Mito de suas aderências históricas". Estás de
epos está presente; há que consubstanciar todo o universo acordo com isso?
mítico que o poeta quer recuperar. É a essência do po-
vo cabo-verdiano na sua dimensão heróica, no espaço e CF Podemos desenvolver a ideia de uma inter-relação
no tempo que ocupa neste universo, com as suas marcas entre Mito e utopia. E na sua compreensão a transforma-
culturais. Recuperando o estudo de Ana Mafalda Leite, po- ção da Utopia em Mito. Podemos dizer que o mito é
de haver alguma razão em ver e reflectir sobre como Cabo algo intemporal, transversal as impressões digitais do
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sonho e vai para além da realidade. O poema épico é mito no tocante à necessidade de criação de uma dinâmica
transformado numa espécie de utopia e o mito feito utopia expressiva na lírica de teu país. Como expandir essa
perspectiva à abertura para o futuro. Uma ideia-chave que aventura buscando outras aventuras estéticas no âmbito
resume isso tudo é a da "Cultura como expressão dinâmica da língua portuguesa?
de um caos inicial". A recriação de mitos em cada época é
possível: ora pela recuperação, ora pela transformação C F A aventura de A cabeça calva de Deus é a aven-
do mito. Daí reside a dinâmica da expressão cultural. tura de um povo de coragem, de esperança, que os por-
tugueses ajudaram a formar historicamente. A língua
FM A África que tens em ti a levaste por diversos portuguesa é uma herança que conduz os seus falantes
países, no trajeto diplomático de tua profissão. Mas qual a à redonda mesa de uma Pátria Emocional. Na leitura
percepção do poeta de como em uma Europa ou em uma poética, traçam-se caminhos de partilha, de irmandade,
América a África é vista ou escutada? reforçam-se os laços de identidade mas igualmente o
espaço de cada povo desse universo lusófono. A partilha
CF Já reflecti um pouco sobre isso aqui mesmo em do espírito lusófono é prática, é convite e um desafio.
nosso diálogo. Posso acrescentar com mais precisão a se- Temos de construí-lo em harmonia, e o poeta desem-
sação de que a Europa e a América olham África como penha um papel preponderante nessa construção pois
um misto de admiração e sentimento de culpa. As grandes consegue dar beleza à língua, mais beleza aos seus
potências, uma colonizadora e exploradora de África, outra ritmos e tons...
receptáculo e berço do cruzamento de culturas afro-negras, Ê nesse sentido que algures se diz no livro "Quando
parecem hoje estar a virar-se para África, reconhecendo-lhe o Arquipélago aperta a mão dos continentes, perto e
um estatuto cultural, humano e civilizacional merecido. longe"; há todo um sentido de aventura, de busca de en-
Há uma espécie de dor de consciência de que a riqueza tendimentos que a História possibilitou no passado, pro-
depende de África, e nesse quadro surgem teorias para move no presente e transforma para consolidar no futuro,
amenizar o terrível acto de sofrimento de que África foi com ganhos para todos nós. A magra posição estratégica
vítima durante séculos, sem perder de vista a quota de de Cabo Verde na configuração geográfica do mundo dá-
culpabilidade dos autóctones. Há hoje mais humaniza- Ihe, no entanto, um gordo estatuto...
ção do que valorização de África, o reconhecimento de
suas limitações e esforços para que ela tenha acesso ao FM É possível falar de uma tradição lírica em Cabo
desenvolvimento e à vida mais justa e humanizada. Verde?

FM Este livro, que ora publicamos no Brasil, é uma CF Sem dúvida, a tradição lírica em Cabo Verde é ri-
soma de vertigens, uma espécie de bailado de provocações ca e dada a conhecer precocemente, desde os estudos dos
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Nativistas, nas composições de Eugénio Tavares, Pedro
Cardoso e outros, que anteciparam todo o esforço de re-
cuperação e divulgação levada a cabo pelo Movimento
Claridoso e agora com outros cultores a potenciar
essa tradição.
Na Epopeia sentimental da cabo-verdianidade,
marcada pelos ciclos de fome e seca, há um eu colectivo
que emerge não só na lírica mais trabalhada mas princi- Toda a revolução é um acto de cultura
palmente nos nossos trovadores, na tradição oral ca- Amílcar Cabral
bo-verdiana (finaçon, colá, tabanka, entre outros).

FM E como verificamos a presença de tua poética Cumpliendo com mim oficio


em um ambiente regenerador da poesia em teu país que piedra com piedra, pluma a pluma
seja percebida pelas novas gerações? Imagino que te sin-
tas à vontade para abordar esse tema. Yo estoy limpando mi camapana
mi corazón, mis herrameintas
CF Há na moderna geração de escritores exemplos
de grande valor nessa regeneração da poesia. As gera- Aqui nadie se queda inmóvil
ções mais novas me acompanham até certo ponto e Mi pueblo es movimiento
também me mantenho atento ao que se está a produzir. Mi pátria es um camino
Há percursos marcantes e interessantes, individualistas Ycuanto más, y cuanto,
e desafiadores, ao lado de uma produção em continuidade amé, pequena pátria, quanto gané o me dieron
da qual se ressaltam os nomes de Osvaldo Osório, Arménio fiue solo para ti, para adorante,
Vieira e João Vário. Dos mais jovens e "regeneradores", po- para cantar tu tierra de delgada cintura
de-se destacar Danny Spínola, José Luís Tavares, José Luís
Hoppfer Almada, Filinto Ehsio, Daniel Medina, entre Pablo Neruda, Navegaciones y regresos
outros. Outro aspecto importante: a emergência da
escrita assinada no feminino: Fátima Bettencourt, Dina r^e life short, the craft so long to learn
Salústio, Vera Duarte e Eillen Barbosa, entre outras. (A vida é tão curta e tão demorado o ofício de aprender)
Ezra Pound
[Fortaleza, Praia - Abril de 2010]

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7 ii
Proposição

Ano a ano
crânio a crânio
Rostos contornam
o olho da ilha
Com poços de pedra
abertos
no olho da cabra

E membros de terra
Explodem

Na boca das ruas


Estátuas de pão só
Estátuas de pão sol

Ano a ano
Crânio a crânio

Tambores rompem
A promessa da terra

Com pedras
Devolvendo às bocas
As suas veias
De muitos remos

22
De boca a barlavento II
Poeta! todo o poema:
geometria de sangue & fonema
Escuto Escuta
I
Esta
Um pilão fala
A nninha nnão de milho & marulho
Este árvores de fruto
o sol a gema E não ao meio do dia
o esboroar do osso na bigorna
E embora E tambores
O deserto abocanhe a minha carne de homem erguem
E caranguejos devorem na colina
esta mão de semear Um coração de terra batida
Há sempre
Pela artéria do meu sangue que g E Ion longe
o Do marulho à viola fria
t Reconheço o bemol
e Da mão doméstica
Que solfeja
j
a
De comarca em comarca Mar & monção mar & matrimónio
A árvore E o arbusto Pão pedra palmo de terra
Que arrastam Pão & patrimônio
As vogais e os ditongos
para dentro das violas

24 25
Carta de Bia d'ldeal Que pedra é regada pela esponja dos nossos corações
Como a espiga de sangue na dor duma concha de leite
Oh! Dor de cara alegre
dor calada
ig deste mês dor sentada
a barlavento das almas que sabiam dor lançada
mas dor!

Junzin! Até na boca de São Vicente Como a dor do som na viola


Teu nonne agora é Vário ouT.Thiofe Como a dor da semente no chão
E disse Corsa de David Como a dor do vulcão no coração
Que tu és um negro negro greco-latino mas hoje!
IVlas, deveras? Deveras?
As ondas
Já trepam Não direi
os degraus do teu poema merci
E quebram no violão da ilha thankyou
Tectos d' Europa danke schõn
Sob as nossas cabeças Porquê?

Juzin! há muito Quando Djosa


Que não bebes a água saiu porta fora
Da nossa secura com a sua caixa de engraxador

É verdade
Há anos sobre anos Na bandeira da porta morreu aTanha
mais cinco anos e um dia Com a sua fome de maçã atravessada na boca

26
27
Ó povo da Rua da Craca o primeiro escrito nas mãos
Alimentado o segundo escrito na boca
nesse caldo de peixe de 16 tostões o terceiro escrito no sangue
Venham todos ouvir é sol quebrando na rocha
a viola de Patada a sua fome de gémea de ovo
e é o vento mordendo a pedra
oviolãodeAntonzin com seu grito de farinha branca
A rasgar no sangue deTanha é o povo e o dedo do povo
Um silêncio de tantas portas escrevendo no chão a sentença de
Venham todos ver comprida
o mastro do navio E long time ago
mais Notcha
a vela do navio já dizia
Ao contrário de Saint-John Perse
Rasgado Que nem sempre
Quebrada «o remo rebenta na mão do remador»
nos olhos deTanha
Por quê? Quando Djosa Mantenhas da Bíblia
Bena
Abriu na cidade Garda
Um caminho de sol aberto Vavaia
E de todo este povo da Rua da Graça

Tanha chapou no vento Everybody


A sua boca de maçã mordida

Juzin! tenho três coisas


Amarradas à alma
Três rios para nunca mais
28
Meio-dia 6
Galinha vai galinha vão
pedra sobre pedra
E executam
1 Por terraços de pozolana
O fogão dedilha o violão da sua brasa o"p""q"
"p" "q" "q"
2 Da coreografia dos gal
O lume da lantana
lantuna 7
na frigideira magra de gordura O vento
3 enche
A baía ancorada a boca de espelho
nod + vdaquela viola E sopra
der remo mar e cardume pelo mês de Novembro no
vento
4 Barragens de vento
O lábio da ilha a sotavento
no olho da taberna
8
a nudez do ombro
A poeira a poalha
pelo cereal dos dias
circundem
por agora
5
As celhas de espuma
Esquina
Em nossas camisas
Esquina fronte
Até as colinas de cal e colmo:
os cães lambem ao pé da letra
o meu apelido de pão

30 31
9 Conto
Domicílio ou chávena
De mar a mar
O poente da porta a porta do vento
Aberto aberta I
Da ilha a ilha próxima Estavas estás
Sem no
na
nos
nas
assim nua
O fogão junto à fonte
Tua mão bronze
queimando açúcar
A voz das crianças
Ao redor
Quadriculada
I Em rebuçados

' A minha mãe vendia pão ao luar


E mel às crianças da beira-mar
Pagavam moeda
Moeda de carvão
E marulho da moeda
no mergulho do mar alto
I E por vezes

32 33
Afidúcia do rosto Três versículos para banjo e cavaquinho
sem timbre de selo branco

III
Antes da manhana I
Ela ia ILHA
De baía em baía
Peregrina Ô cabra de sono ó poço de abandono
Amando Ó crepe da terra ó cratera
no útero das veias De cabelo crespo
a voz uterina dos navios Que resvala
Pela trova
Na ilha De tanta voz
A minha mãe é ilha nua vozes
Por Dezembro rasgando De pedra soltas
o seu inverno de chita Teu umbigo desce
colmo corvo
para a minha rua
De bigorna E forja
Ao pé da porta

Noite uma noite nua

Arranco arrancas
Os apóstolos do céu-da-boca...
Sou
és
o que sempre fomos

34 35
o garfo de sol Que nos consome
O prato de figueira De boca concêntrica na roda do Sol

III
A baía de tantas mil bocas CHUVA
De colher irrequieta na tábua da mesa
E do mar: o mar visita-te Se perguntares ao vento
Assim... Deus... de letra & letras P'lo lume da minha casa
Soletrando ainda Olha o sol do meu fogão sem cuspo
Como um diálogo com sangue nos calcanhares com seu garfo amolgado na boca

II E se perguntares à rocha
MILHO pela gente da minha raça
Nem o mar nem o céu
Verdade verdade Nem Cristo te saberão dizer
nô ca ta semêa-l
pelo corvo da unha Nascem bocas no teu pulso abraçado
Arrancámo-lo E Deus já morreu
Tosse & raiz cereal & sangue três
Colmo + osso osso + tambor cinco
Que bifurcam sete vezes
Dvera dvera Nas goelas do nosso silêncio estrangulado
amámo-lo
ao redor do fogo Há muito que o povo sabe
E o não deglutimos ao redor da mesa que tu, chuva!
És um "bode macho capado"
Matriz do tempo istoé
Que nos habita O poço mais raso das nossas lesões
Colmo e catedral

36 37
Chão do povo chão de pedra De sol a sol
os meus ossos são verdes
os teus ossos são plantas
Como a fruta-pão o tambor e o chão
O rosto de teu filho brada pelo mar
Como panelas mortas como panelas vivas De sol a sol
mortas gritei por Rimbaud ou Maiakovsky
vivas deixem-me em paz
nos fogões apagados

Pilões calados fogões apagados


No vulcão e na viola do teu coração

Boca do povo no fogo dos nossos fogões apagados

Chão do povo chão de pedra!


O sol ferve-te o sol no sangue
E ferve-me o sangue no peito
Como o fogo e a pedra no vulcão do Fogo

De sol a sol
abriste a boca

Secos os pulmões
neles cresce-me
a lenha do mato

38 39
De pé nu sobre o pão da manhã À beira-mar erguemos as nossas costelas
À promessa pública do mar E
À beira-mar navegamos
Com mãos menos mãos
Desde manhã os pés Com pés menos pés
Estão nus ao redor da ilha De proteínas
Nus de árvore nus de tambor O povo o poente o pão de permeio
Joelhos de sol E volutas de poeira
Nos tornozelos Então Djone! nosso Djone
Em movimento fidje de Bia ou Maria
Desde o início Despe a camisa
O tambor dos dedos E vendia
sob o pão das pedras Passeamos tal tronco
O cão das artérias Entre palmeiras de secura
preso Assim
na voragem Falucho
Dos calcanhares Que agitam de orgasmo
Na terra polvorenta que caminha
o ponteiro dos membros Ao som de palavras
sobre a testa do mundo Instrumento de corda
violão & viola
Os membros o mundo o meridiano de permeio

O sarilho dos corvos na falésia


Anuncia-nos Há sempre banjo o cavaquinho
Que nos interrompem
Entre duas freguesias
À boca do povoado E dizem
Ao vento gordo sabor ofiambrehálito unha & bronze
De pão novo Da nudez

42 43
E das árvores Nova largada
Que crescem no céu-da-boca
E dos rios (Segundo Gabriel Mariano)
Que nascem na veia cava
E do sangue Já febre
do povo sobre o mapa Pela febre de gengiva
A lâmina de suor
Desde o nascer E desde a nascença no frescor dos dentes
Os pés o poente o meridiano de permeio A maçaroca de milho
na boca tostada
A baía gotejando
sol & girassol

Deixei o fio do prumo


nos degraus da cidade
Deixei o martelo e a bigorna
nos paços do concelho
Deixei o pilão e a mó de pedra
Sob teu rosto: Monte Cara
E com membros loucos de marulho
Dobrei as calças
sobre o alto mar
E parti
De coração a bombordo

Mas antes muito antes


De hipotecar
Meu litro de sangue
E partir

44 45
Plantei o polegar Osvaldo Alcântara
Junto da tua árvore
Oh ídolo de pouca terra
Naquela homilia
De terra & sangue AGRANDEAGRANDE
Em transfusão a pequeno a pequeno
O peito já louco marulho BGRANDE
De coração a bombordo e
b pequeno

Pelo outubro destas veredas vão


Filhos e filhas das nossas vizinhas

Enquanto soletram
a geografia das serras +
caminhos de ferro d' Europa
Os corvos passeiam pelos pátios da ilha

NÃO
NHÔ BALTAZ DIRIA

Com miúdo & miúda angústia +


centavos de alegria
As crianças vão
Curva da mão
Que acena
Planta dos pés que partem

46 47
E de cócoras Pesadelo em terra alheia
As almas crescem ou
Para os aviões Pesadelo em trânsito
Que bradam
Navio aceso
No meu osso osso de milho verde (LADO ESQUERDO)

AGRANDEAGRANDE
a pequeno a pequeno Trreezzee mil trreezzeennttooss ee trriinnttaa
B GRANDE B GRANDE ee trrêêss
b pequeno b pequeno
Na lama
No chão de Lisboa
O inverno dos meus pés
Tem cinco dedos afogados

Ao sol
Na lâmpada
Na noite de Lisboa
A alegria da minha boca é cal
O grito da minha cara é ciumento
é mão
é cal
é cara
é cimento
é boca
é água
é pé
é tijolo
Por baixo e por cima

48 49
Da planta do meu corpo civil em construção (LADO DIREITO)
Noite
A noite é o fogão do meu rosto aceso
A lua tem cara gelada do gato Trreezzee mil trreezzeennttooss ee trriinnttaa
As estrelas no céu são como milho assado ee trrêêss
Noite longa Jorge noite longa
Dormi No chão
Um sono Na noite de Lisboa
Desassossegado O Arquipélago dos meus pés
O corpo a boiar entre dois alicerces Tem dez dedos de surpresa
O rosto
Ancorado
Na lua nova
Noite longa Jorge noite longa Comboio é sono comboio é lâmpada
Moço! Comboio é roda comboio é lâmpada
Não tens folha de mortalha Comboio é lâmpada no meu rosto quebrado
Onde eu enrole o teu tabaco Nos meus ossos quebrados nos meus ossos quebrados
Por que não tenho fósforos? Nos meus ossos quebrados nos meus ossos quebrados
-Quem quer farelo?
- Senhor meu
- Quantos vinténs tens na casinha?
-Qual é o maior?
- Cavalinho de Nosso Senhor
- Então passa-me aquele morouço

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Noite Postais do mar alto

A noite é fogão do meu rosto aceso I


A lua tem a cara gelada do gato Crioula! Dirás ao violão
As estrelas no céu são como milho assado Da noite e à viola do madrugar
Que és noiva e morena
Com Leia em Roterdão
Comboio é sono comboio é roda Jamais venderás pela cidadela
Comboio é sono comboio é roda De porta em porta
Ele tem sono tem roda ele tem chifres A sede de água doce que balouça
Ele tem roda ele tem chifres ele tem mamas Em latas de folha-de-flandres
Ele tem chifres ele tem roda
ele tem pé atrás II
De manhã
Nevava sobre as têmporas d' Europa
A lâmpada da minha mão é nave
O meu sono é cabra o meu sono é erva Entre os fiordes da Norga
O meu sono é cabra o meu sono é erva
O sono da minha boca é cabra o sono da minha boca é erva Desde ontem
O sono da minha boca é cabra o sono da minha boca é erva Chove pela proa
Aço que entorpece
Cabra comboio cavalo comboio cabra comboio E nos ossos de abandono
cavalo comboio gnomo de silêncio sem memória
Cabra comboio cavalo comboio cabra cavalo
cavalo comboio Desde ontem
A comer terra a comer terra a comer terra O navio é paisagem de alma sem retina
A comer terra a comer terra a comer terra

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E teu nome sobre o mar Falando crioulo
Sol + árvore de boca sumarenta Nas grandes salas de audiência

Além-Pirenéus
Já vendi Kamoca food há negros y negros
nas ruas de New York Na Alemanha imigrada
os países da sopa
Joguei orim nas vigas São os negros da Europa
dos arranha-céus por construir
V
Num edifício em Belfast Crioula! nas tardes de Domingo
Ficam ossos e crânios Ao sol dos arbustos
De contemporâneos Dirás aos rostos de boa têmpora
O sangue ainda retine E velhos jogadores de cricket
vivo Que os nomes
nas narinas dos telefones De Djone
Bana
IV Morais
Ouvidos de ilhéu ouviram Goy
A voz solarenga a goela olímpica Djosa
De um pilão nas ruas de Finlândia Frank
Morgode
Palaba e Salibana
Vi então patrícios
Vestidos de toga Utilizam-se
Como
selo branco nos documentos
Como

54 55
passaporte e livre-trânsito VII
À porta das embaixadas Ora caminho
Olho que nasce: nascente que olha
VI A sombra da omoplata sobre o mundo
É boca probante Tocando tambor
que o chão o drama com sangue d'África
Emigram conosco debaixo da língua com ossos d' Europa
Atestam-no
joelhos e cotovelos de secura E
do colonato de cabiri
Ao longo dos caminhos-de-ferro Todas as tardes meu polegar regressa
Dou e recebo socos E dizà boca da ribeira
Dos vizinhos da regedoria De Adis Abeba vim E bebi
Por dissídios de terreno Nas cataratas de Ruacaná
E normas de cultura

Numa noite de loucura


No colonato em Sacassenje

Dividimos a terra
entre pevides & árvores de fruto
entre sangue & cicatrizes

E fiquei previdente na fronteira


Empunhando a tranca da minha porta

56 57
Recado de Umbertona Vai! Diz ao Porto-Grande
Que não me chame saudade

Umbertona! amanhã Porque o meu nome é sangue


irei de largada para nossa ilha E o sangue desta saudade é
Que sinal de amorterás Como o sol da terra longe
para eu levar à tua gente? Monte-Verde
a esperança da manhã
Não! estou seco Monte Cara
broken o desespero da noite
desnorteado como um caranguejo
Vai! Diz ao Monte Cara
Mas não terás Que o mar é o suor do meu coração
qualquer cantiga de exilado E é um navio a árvore do meu corpo
Dessas sem manhã Com seu mar na costa
nem boca da noite Os seus pés descalços
para eu levar à voz do nosso povo? na ourela do mundo seguindo
Com o rio Jordão corre
Vai! Diz a São Vicente para a eternidade de Cristo
que a sombra do meu corpo é uma cruz
Longe do sol da minha terra Recado! Vai e diz
correndo a África Ao povo deTchubaTchobê
correndo a Europa Que se as pedras do chão são letras
correndo a América A planta dos meus pés é uma escola
correndo o mapa Porque
correndo o mundo

58 59
Os meus pés são largos / Emigrante
Os meus pés são grandes \
E o mundo
É um dedal num dedo meu
Todas as tardes o poente dobra
O teu polegar sobre a ilha
E do poente ao polegar
cresce
um progresso de pedra morta
Que a Península
Ainda bebe
Pela taça da colónia
Todo o sangue do teu corpo peregrino

Mas quando a tua voz


for onda no violão da praia
E a terra do rosto E o rosto da terra
Estender-te a palma da mão
Da orla marítima da ilha
De pão & pão feita
Ajuntarás a última fome
à tua fome primeira

Do alto virão
rostos-e-proas-da-não-viagem
Assim erva assim mercúrio
Arrancar-te as cruzes do corpo

6o 61
o grito das mães leva-te com as sílabas de porta em porta
agora Varrerás antes da noite
À sétima esquina Os caminhos que vão
onde a ilha naufraga até às escolas nocturnas
onde a ilha festeja Que toda a partida é alfabeto que nasce '
A sua dor de filha todo o regresso é nação que soletra
E a tua dor de parturiente
Que toda a partida É potência na morte Aguardam-te
todo o regresso É infância que soletra os cães e os leitões
da casa de Chota
Já não esperamos o metabolismo que no quintal emagrecem de morabeza
Polme de boa fruta fruta de boa polpa
A terra Aguardam-te
aspira os copos E a semântica das tabernas
teu falo verde
Aguardam-te
E antes que teu pé as alimárias
seja amordaçadas de aplauso e cana-de-açúcar
árvore na colina
Etua mão
cante Aguardam-te
lua nova em meu ventre os rostos que explodem
no sangue das formigas
novos campos de pastorícia
Vai E planta
Na boca d'Amílcar morto Mas
Este punhado de agrião quando o teu corpo
E solve(r) golo a golo sangue & lenhite de puro cio
Uma fonética de frescura Erguer
E com vírgulas da rua Sobre a seara
62 63
Atua dor
E oteu orgasmo
Quem não soube Canto Terceiro
Quem não sabe
u) t\;
Emigrante
Que toda a partida É potência na morte
E todo regresso É infância que soletra

64
Do nó de ser ao ónus de crescer Punho
pulso de terra erguida
Agora

ILHA
No crânio da Boa vista
Do nó de ser ao ónus de crescer Naufragam mastros e caravelas
Do dia ao diálogo E
Da promoção à substância O mar é rosto que advoga
Romperam-se Entre os tambores e as ilhas em matrimónio
As artérias Agora povo agora pulso
Em teu património agora pão agora poema
Agora povo agora pulso Ilha
agora pão agora poema Ilhéu ilhota
noite
Ilha noite alta
Ilhéu ilhota E o batuque não pára
noite nas nossas ancas de donzela
noite alta
E o batuque não pára
Em nossa ancas AGORA PULSO AGORA

AGORA POVO AGORA Que todo o pão é exequível


Depois da árvore antes do tambor
Que as colinas nascem Depois da fonte antes do fonema
na omoplata dos homens Antes da gengiva
Com um cântico na aorta dente e embrião
Árvore & Tambor tambor & sangue Que morde
Na mó de pedra
lasca e lisa
66 67
o tegumento na sua casca Carregados de cio E selo branco
Agora E ressonam
Que a ilha cresce na viola do exílio Osso osso de caprino sono
E
No violão do travador
Um coração de napaim
Agora povo agora pulso O milho é datio pro solvendi
agora pão agora poema Com timbre de moeda na retina
A usura dos mercados debaixo da língua
Ilha
Ilha Agora povo agora pulso
Ilhéu ilhota Agora pão agora poema
noite
noite alta Ilha
E o batuque não pára Ilhéu ilhota
nas nossas ancas de donzela noite
noite alta
E o batuque não pára
AGORA PULSO AGORA nas nossas ancas de donzela

Que o pilão viaja com pés de Portinari


Ultrapassando o abcesso AGORA POEMA AGORA
Das ribeiras em viagem
Com hélices de pedras Que do marulho
Ao redor da pedra às pedras de sílaba longa
E teias de aranha no poente da boca Os joelhos rompem
Agora ilhas da tua boca
Que navios descem O violão da unha
Cadamosto a viola e o vento
As terras de pozolana Viola do tempo ao tempo grávida

68 69
De sub Terra a terra
ou
de substância
E todo o fósforo Que soma (Segundo Ovídio Martins)
A árvore do teu lábio

Que a terra é carne!


Agora e sempre
Ao tambor de tal tâmara Já a criança nos falava dela
E Devorando-a
Do som E da saliva Não
Volva o ovo o colmo Aterra das cicatrizes
Que te apelidam Mas
Do fonema ao fruto Aterra que cicatriza
Dedo a dedo polegar e seiva E nem sempre
Na tosse tosse da carne óssea A poeira Que o sangue irriga
Tossindo verde Ou terra tecida
De gema-fogo no poço dos joelhos... Na rosa-dos-ventos
Agora povo agora pulso Mas a terra!
agora pão O polme da terra
agora poema agora Que o sangue bebe
E a criança diz
"na ferida: saliva e terra vermelha"
Ejamais
A terra trazida
polida
no espelho da gáspea
Mas o bolor da terra
que tal umbigo devora

70 71
Porta de sol um pulmão
roto de mapas

E assim
I
Das colinas de colmo como as ilhas
com portas de sol Ao pôr do Sol
Desde crianças Se alimentam
nuas e magras De fonemas
como violas Cada criança
As costelas dentro das cordas É ditongo de leite
Todas Com sangue nas vogais
Primogénitas
do mesmo ventre
E filhas
Do mesmo vulcão E da mesma lava
Da mesma rocha E do mesmo grito

A ilha roda no rosto da criança


com a «vareta presa» na roda do vento

III
Nem sempre
A criança respira

72 73
Há navio oiorto na cidadela Pilão

Há navios mortos na cidade velha


Trazes sempre um ditongo na palma da mão
Uma criança atravessa a ilha entre os tambores Que de manhã
O arbusto da mão cheio de terra A mão sobre a colina
E coloca as sementes perto das violas Árvore de sol fraterno no seu fósforo

Duas crianças contornam a boca da ribeira Bigorna na mão


Com um canto de galo na veia cava ampla
E acordam Ogiva da mão
Com o nó dos dedos alta
A proa dos rostos Mão óptima
De remos mortos no ocidente
A semente ouvida
Três crianças dobram esquecida
Os degraus da comarca E na fundura dos membros
Arrancam da carne É consanguínea
As âncoras do achamento De um deus Que brame
As naus da descoberta na dimensão do pulso

Um
gota sol gota bemol
Dois
colmo antes colmo depois
semente ontem sangue ainda

74 75
Três Aqui
a fome de ontem a fonte de hoje fronte & foz Ergo a minha aliança
De pão & fonema
II Enquanto
Ouve-me! primogénito da ilha O vento bebe
Ontem e o vento bebe meu sangue a barlavento
fui lenha e lastro para navio
Hoje
sol somente para sementeira
Devolvo às ondas
A vocação de ser viagem
E fico pão à porta das padarias
Onde
o bolor da terra
é sangue e trigo
E o milho Que amamos
É nosso irmão uterino
Onde
os corvos sangram do alto
bibliotecas de tantas sílabas
Onde
os corvos sangram do alto
bibliotecas de tantas sílabas
Onde
o osso é cada vez mais espiga
a espiga é cada vez mais osso

76 77
o pilão e a mó de pedra Palato galopam
Trazendo
a
e
Esse liomem E a sua fêmea i
Tal tábua o seu tabernáculo o
O sol na boca grávida u
O pão das artérias sobre a mesa nas suas vagens
E tantas árvores
Esse homem E a sua fêmea que pendem
Tal fonte E o seu fonema Do céu-da-boca à boca da comarca
O alarme na boca revolta Que
O grito da artéria sobre o mapa Falso é o peso
Falsa é a medida
E pão pedra na língua
palmo de terra sendo no fogo
Seja na fruta
tempo & tâmara no dolo & culpa
Sobre
tempo & têmporas
E galopa
O diálogo o dialecto
que
pelo

78 79
Quando a manhã amanhecer E o mar bem alto! bravo!
desesperado
Vier quebrar na Praia Grande
Seus braços gordos de pecado
Oh! Quando E o mar vier
Oh! Quando a manhã amanhecer No seu luxo
Quando a noite for mais noite E na sua grandeza
E a manhã amanhecer Seu mastro
Com os pésfincadosno chão De mar erguido no peito
E a terra no coração Seu mapa branco
Quando o sangue romper do corpo Desenhado na alma
Numa árvore de braços abertos Vier beber na colónia da minha boca
E a semente gritar da rocha Toda essa história do meu sangue ultramarino
Tambor de boca verde
E daquele som Oh! Quando a manhã amanhecer
Àquele sangue soldado E Cristo descer da sua morada
Nasceram bocas E vier vindo
bocas centradas Para o braço direito do Monte Cara
bocas rasgadas Com seu cabo de enxada
Na roda do sol E seus calções de drill
Com seus pés descalços
Oh! Quando a manhã amanhecer E seu dedo partido
Sem pendurar seu desespero E se sentar
Na bandeira da porta Na pedra redonda do nosso fogão
Sem acender lanternas Sem chuva na mão
No rabo dos burros Sem fraqueza no sangue
Para naufrágios de navios E sem um corvo no coração
Sem navios quebrados
Na boca do povo Oh! Quando
Oh! Quando a manhã amanhecer

8o 81
De rosto a sotavento Oh hierarquia das mãos
Oh martelo nas alturas
Não amortalhem
a minha fome
Há mãos que cantam Entre a tábua dos decretos
no rosto da página E a vírgula morta das portarias
O fonema Que o vento
que estala Já dobra
de pão & opala Arbustos de sol para a minha boca
E o sol já tosse
Ao sol consoantes de sangue
cantaria Pelo espelho da terra
sol bemol e tambor ao redor Em cabelo crespo
a fome a fonte
a fome de ontem Oh verso livre
a fonte de hoje Oh semente
De fronte Oh sangue de violão & viola
Não consintam
Há membros que cantam Que o tempo
pelo rosto da terra Roube à minha fome
o tal litro de sangue O ovo do sol que nasce
Sem penhor E sem usura E a tábua
Do meu tabernáculo
De sol
cantaria
sol bemol e tambor ao redor CANÇÃO
o medo
ao redor do medo Longe longa a tua viagem
sem medo Que a semente
morto de medo Consome a sua herança

82 83
pelo céu-da-boca Ainda p & pão
Que a saliva no ventre das violas
é espessa Então
é nebulosa Sarampo e sangue
Conno rosa-dos-ventos tecida em tua roca no timbre de cimboa
Que as vogais pesam Como as fontes da saliva
no prato da balança E as fontes de amido
como astros e tâmaras Como as fontes de penhor
E antes da noite E as fontes de usufruto
o silêncio o cio E todas elas: fon & fontes
nos nossos ouvidos Com o seu peso de leite
Falávamos E o seu volume de cilício
Árvore e habitação A fonte de "f" a fonte "g"
E lá estavas tu As fontes de ontem as fontes de hoje
E o timbre das canecas
no fundo dos poços
QVQ De baía enchendo
As nossas vasilhas
que cresce
No tambor da ilha
Como SQL
Mordendo o umbigo de Deus

MAS ANTES MUITO ANTES

Que os tambores erguessem na colina


tal coração de terra batida
Eram as fontes
De som E de substância
84 85
r
Ilha De boca concêntrica na roda do sol

Sol & semente: raiz & relâmpago I


Tambor de som Depois de hora zero E da mensagem povo no tambor
Que floresce da ilha
A cabeça calva de Deus Todas as coisas ficaram públicas na boca da república
As rochas gritaram árvores no peito das crianças
Q sangue perto das raízes E a seiva não longe do
coração

Os homens que nasceram da Estrela da manhã


Assim foram
Árvore & tambor pela alvorada
Plantar no lábio da tua porta
África
Mais uma espiga mais um livro mais uma roda
Que

Do coração da revolta
A pátria que nasce
Toda a semente é fraternidade que sangra

A espingarda que atinge o topo da colina


De cavilha & coronha

90 91
partida partidas E explode árvores & tambores
E dobra a espinha De tantas bocas
como enxada entre duas ilhas Não é um mutilado de guerra
É um companheiro de luta
Efuma vigilante
O seu cachimbo de paz *
Não é um mutilado de guerra
É raiz & esfera no seu tempo & modo Não me peças milagres
De pouca semente E muita luta por favor
pede-me revolução! camarada
II Não & somente
Poema! Que o tempo A revolta da página sob o olho da terra
Não peça milagres nocturno nocturna
por favor Mas a revolta do pão
Que ainda ontem entre o sangue e a seiva
Os relógios alargavam a boca dos cemitérios Mas revolta do rosto
E o silêncio dobrava o sino dos séculos que tombavam entre a roda e o mundo
Que ainda ontem
O silêncio era lei E a fome! parlamento
E o sangue! moeda na boca da colónia
E a colónia era pólvora no gatilho
De trezentos & trezentas mil almas

III
O homem que veio de longe
Osso & nervo nervo & olhos
Com a baleia no sangue E a proa no coração
E planta os pés no umbigo da república

92 93
No rosto dos homens nasceram costelas de Sahel MAS

Na dor salgada
Na dor olímpica dos homens , ,
;Ás sementes crescem ) - ^
Ó tambores de barlavento PefoTOtmo da boca
Ó tambor! Como raízes sobre o mapa
tambores de sotavento E as mulheres ergueram
Agora Erguendo
Que na omoplata do homem Na boca do drama
estala o coração da pedra Diques
A ilha ergueu até à boca do mundo De espaço & tempo
a baía austera Para que a criança E o olho dela
E o espírito é árvore E o sangue Fecundem
o sal da terra Sobre a colina
Bole tambor O umbigo vermelho da esperança
A pedra da noite E a noite de pedra
"com oteu dabá" II
E acorda Ó velho arbusto! Que foi colónia
o rosto na semente Ô velho arbusto! Sem sombra
E sacode Ó dever de uso! Oh direito de usura
a árvore no homem Que foi E fora!
Que os dedos de Junho E os dedos de Julho Na salina do mundo somos o sangue que transita
Movem No ovo da ilha
o dorso do deserto o povo que se renova
que caminha E desde ontem
Até onde termina a erosão
do teu útero! ilha

94 95
Toda a dor renovada
tomou a forma de uma charrua
Que o rosto de Agosto E o dorso de Setembro
Ondulam
O umbigo do deserto
que expande
Até onde termina a erosão
do teu ventre! filha

MAS

Naufragada
no sol das manhãs
a moeda do império
As ilhas
Perdendo peso
ganharam asas

E o arquipélago
Cresceu no ventre de tantas fêmeas
O vulcão perto das raízes
E a viola não Ion
longe do coração

96
com oásis na palma da mão
De manhã! as ilhas E plantam ilhas
Da minha pátria nascem grávidas na boca do sol
Como o arco-íris E dão aulas na boca das sementes
na menina do olho Que a escola
E falam é^lho do mundo qbe sangra
De afro-pão E afro-guerra é flor do sal que ama
Como o olho na pólvora do mundo
II
* Como criança! amamos
os sons E as sílabas
Quando! de manhã Como seiva nos olhos
o ovo na colina E na sílaba! amo
meu & minha A vogal que desce
Da árvore da montanha
Ama a fome das palavras E cresce
com o ventre na penúltima sílaba Entre sons de violão & viola
E a bandeira do útero Sons uterinos da ilha que nasce
rasga o hino da terra crua E consanguíneos do tambor que ama
o vulcão é força
a ilha é semente *
o maré músculo
a cabra é ouro Amo as palavras
Que estalam nos olhos a lava dos vulcões
* Palavras
que tropeçam no "p" de pilão
De manhã! As crianças da minha pátria E se gaguejam
Nascem Arrastam pela boca
esta corola de terra

98 99
Palavras que trazem E escorrem rostos
milho pelo regato dos dedos
nas sílabas Com o riso da ilha nas entranhas
E mar nos ditongos E saem à rua naquel bloque
E dançam sobre as ilhas Tá levanta broce
A viola marítima Naquel dsuspere & graça
Das duzentas milhas De soletra liberdade
istoé Naquel ritme
Naquel fosfre de morna
III poivra de koladera
Como a pedra Que modela o ombro da sua Pátria E exploson de funaná
Há sons que arredondam a boca dos tambores
e invadem o temor IV
bolor das bibliotecas De manhã! as ondas quebram
no rosto da ilha
com o p de pão E o m o ovo & gema Da palavra alma
de milho por pilar E no seio das ondas
com o c de casa E o t no seio das mães As sílabas amam-se
detecto por construir Não há idade núbil entre as palavras
com o s de semente E o t Como as ilhas
de terra por semear nascem graves
com o t de tear E o p nascem grávidas
de pano por tecer

E mordem o lábio das prateleiras


Estalam aftas de sol
na boca dos compêndios / '

100 101
V escreve
De manhã as rochas tecem no deserto da manhã
na boca do mar
O rosto do útero da palavra amor Atua usura de sol
Da casca Atua usura de séculos
De céu & gema! O sol desce
velho & jovem Ó divida redonda
E ajoelha-se à porta das maternidades sobre a moeda do mundo
Enquanto lava Ó divida do mundo
mãos pés E tronco sobre a moeda do mundo
Com a lava dos vulcões
Oferece-se Jamais o náufrago da ilha
sangue & seiva letra & música no mar do teu olho
A cada revolta Jamais o útero da ilha
A cada árvore & tambor no olho do mundo
Que nasce Que do pão da diáspora
Redondo Que amas
como o rosto do homem Ao ovo da reconstrução
Redonda Que amas
como a roda do mundo Não há sémen

VI Não há deserto que resista o amor à primavera


Ó dívida ó mundo ó mundividência
Com sílabas de pó & pólen VII
A raiz do dragoeiro RAIZ & ROSTQ
De manhã! há rostos & ombros
Que amadurecem árvores no horizonte

102 103
E o céu! na sua casa amarela Com abutres
Salpicada de formigas e estrelas Menos abutres no teu sangue
É um fruto indeciso que não tomba
*
*
De manhã! Há tambores & ombros
Rosto! do oásis do teu olho Que amadurecem rostos no horizonte
Nem sempre o deserto cospe
Entre as rochas: um caroço lunar E

E Sê tu ilha! No teu cavalo de pedra


Estendes a goela e os membros
Dos seios da ilha ao corpo de África E respiras
O mar é ventre E umbigo maduro arboreamente a maresia
E o arquipélago cresce
Entre as ilhas Que se vestem As salinas sangram
Entre mil... milhão e uma Pela dubla narina da alma
Mais outra árvore agora Pela dubla narina que galopa
Mais um arco-íris depois
Um arbusto de só E um arvoredo de sedução...
*
É raiz a procura do rosto
E o corvo desta horta te dirá! É a face à procura da seiva
ó usufruto
*
Que do uso da ilha ao fruto dela
As mãos & pés do meeiro
Já não pesam o céu E ao meio-dia! o deserto
Na balança da terra No seu crânio de vida
Salpicado de sombra E sol verde

104 105
Já não fala à ilha De que lado
Já não fala à árvore pão & paz amaremos
Do seu falo de solidão O olho estrábico das palavras
Que pintam
Da solidão não só... mas solidária O rosto de África
Com o sangue
VIII du soldat inconnu
De manhã! nascem veias
no rosto da tua cratera IX
Nem mar nem mágoa De manhã! o pilão povoa o templo das nossas têmporas
Entre Fogo & Brava E os tambores amam a chama da palavra mão
Apenas a hélice da terra revolta
Apenas a hélice de fogo E antes
no olho másculo de Sahel Que as mãos se povoassem
De sons com asas sobre o ilhéu dos pássaros
*
As ilhas falavam
A manhã pesa na balança da ilha Do cio da palavra silêncio
A alegria da gema Então! amamos
que o sol suporta As palavras com cio
A ilha pesa na balança da alma Que alargam a cintura do mundo
A luz do rosto E amei
que o vulcão devolve O cio das palavras
Que alarga sobre o mundo
* o diálogo da África nua

Ó sol & soldado de pão


Sem pão & caldeira E a multidão por amar
Sem ovação & podium E o peso olímpico por erguer

106 107
Que Sabias? amor
Que "Ih" de ilhéu ilhota
Sem o polvo E a pólvora É antena de astro longo
Da mordaça Sim! há palavras
O tambor d'África com pés
Tem asas com asas
espírito E no sangue das palavras
E boca esdrúxula há pistas para ovnis

X
Ó rio de sol no tambor de ser Mas no "Ih" da palavra Julho
no tambor do não só! mas solidário Começa
esta dor & júbilo
Sabias? amor De ser ovo que rola
Que o "Ih" de ilha a ilha Do Útero para o Universo
É mar & tornozelo de pernas longas sobre o mu
E o mundo: crânio de sol
Nos teus vales de pernas abertas

Lembro-me
A cabeça sobre África
Alta
E as ancas sobre a ilha
As pernas da minha mãe
Pesavam como penínsulas

108 109
a) Erguer
Quando a África incha seus músculos de sangue & na boca das sementes
secura A força contida dos vulcões
Não há Sahel que não queime
No coração da noite c)
A sua salina de solidão Homem! Deus é grande entre duas ilhas
Se baleias emergem da gota do teu rosto
*
*
Não há boca Que não chova a sua gota de corpo & alma
Nem gota Na ilha! A cicatriz de Deus é grande
De água doce Que não seja Mas a ferida do homem é maior
Um espaço! para amar & habitar
*
b)
Por vezes! o relâmpago Canção! no arbusto da viola
Escreve coisas vivas na boca do arquipélago Que chove
A lírica de Deus é grande
* Mas a música do homem é maior

E as ilhas soerguem-se d)
pelo arquipélago de patas Amor! que chova
E vão sal no salário de sábado
De cratera em cratera E mi fá sol
Da linfa dos músculos
Que hoje! o povo
Chove no povoado a sua chuva de séculos

112 113
E a goela das ribeiras g)
incha-se De aplausos Então chove do poema do Ovídio
E da prosa de ser Martins
Que a chuva E do silêncio Que leva não leva
é As sílabas de Outubro
podium Ao drama do "se" na boca da sementeira
na maratona das nossas artérias
h)
e) Por vezes! o vulcão joga
Por vezes! o vulcão é ovo Em cada rosto o pilão da ilha no chão da alma
E as ilhas eclodem Ó como rodopia
E as ilhas chovem da casca do homem A árvore do dia no tambor da diáspora
Como pássaros de liberta
E as rochas tremem no coração de Santa Bárbara i)
A gota de Agosto
f) A gota de Setembro no rosto deste homem
E chove do "r" "s" da erosão Tem o peso verde
Que devolve Da-rocha-que-leva-um-rebanho-de-cabras-às-costas
O milho ao marulho E o mar ao milheiral Que as portas de mar
E aviva À freguesia mais próxima
Entre duas costelas O úbere da cabra
Ovale É o melhor porto de abrigo
Da pedra rubra E rumorosa
Da ribeira Que rompe

114 115
j) m)
Mas no olho vítreo de gota Por vezes! o deserto
unna cabra dança E outra coxeia Chocalha nos ossos o seu esqueleto de gotas
Ambas arrastam Entre as patas E as formigas povoam
Um eclipse de sol o silêncio de Deus
No rosto oblongo da gota como um crânio de céu aberto
As ilhas são cabras
as cabras são ilhas n)
com úberes na Via Láctea E de pé! o arquipélago ganha vela
porto & terra
k) De árvores com hélices nas raízes
Mulher! quando o céu da tua boca
Arrasta o corpo da terra o)
Até à goela da água longínqua E chove
A febre canta no arco-íris no luar crespo da lua nova
Da carne que sangra Quando o céu quebra
A montanha roída dos dentes... na lamparina da ilha
O astro
E à cicatriz da mão
brotam raízes O monge do dedo à procura da manjedoura
Que vicejam a memória dos séculos
P)
I) E chove sobre a hora
Por vezes! Que o sol depõe sua querela
Falam sílabas à cevada dos silos na pedra do arquipélago
E unha & dedos à urgência dos diques

116 117
E vem ilha + ilha A chuva que fala 8Í canta
com pés caligráficos + a numa caneca de folha
Ferida de pão na meia-lua dos joelhos
t)
q) Alma! no espelho da Várzea
Ó como chove! meu amor Há gotas que se festejam
Chove! na sombra E s'enlaçam
dos gafanhotos sobre o crânio de Deus entre a morna E o violão dos dias
Chove! do nó de gravata Há cópula
dos dignitários de Sahel E pelas coxas da ilha gatinham
E nas patas traseiras De Setembro a Junho
das alimárias que resistem Julho da vida
E erguem E dançam
r) o pé
No telhado da vida! chove a poeira
Letra & música da viola o fogo
Que se nos inunda o ferro
Gotas escrevem a história da ilha E a gaita do funaná
Na memória branca dos lençóis
u)
s) E chove no sarilho do (adolescente)
Chove pulga & ponto: sangue & vírgula Que vem E planta
Na tábua da cabana Que olha O maior número dos arbustos do ano
O céu da tarimba Que dorme E vai garbo macho
E chove na soleira da porta beber mais um copo
Sobre o velho rosto que floresce! como À porta do povoado

118 119
V) No metal oco dos instrumentos de fôlego
E chove grávido E chove no olho do macaco
no ventre da Bia ou Maria Que roubou
Que amou! num só grito a alegria E o sopro
A voz da multidão: miúdo ou miúda? Da tua bexiga de porco
E cresce ainda acesa Ó gargalhada ouvida sobre Monte Sossego!
De vergonha fresca na raiz das ancas
y)
X) Por vezes é Domingo E sentamos
A criança ficou bêbada de chuvasol Na pedra da manhã plena
E apostou A nordeste! o cometa Halley nos acena
Que as mãos E as ilhas Como nação que se festeja
Voariam gémeas Então! saudamos o tambor E o versículo que chega
Assim aves de espaço & tempo Ao fim do dia E nomeia
o seu povo E a sua lei
E diz a criança Entre o fogo de eclesiastes
"sob o olho da terra arável" E a parábola do Testamento de Amílcar
Sou a semente
Por onde sonha w)
A cabeça do arquipélago E diz a ilha a cada letra do alfabeto que chove
Do oího da arte nasce o oásis do artesão
*

E chove das bochechas da praça pública


Onde
o coreto flutua

120 121
z)
Labor & mão: mão de labor
Dirá a semente
Que sangra
A raiz de pedra & ombro
l Amanhã também é ilha
Na árvore de cada vida...
E as enxadas dormiram Na veia cava dos

122
Pescador! antes do comício à beira-mar Da letra & música da última maré
O tambor da manhã ainda é búzio E do pé do vento!
Que as ondas trouxeram coreógrafo
pelo bronze da noite notrovoarda onda
Ao ouvido do teu povo... Os botes partem
Segundo o signo dos remadores da proa
E soubemos pela crónica redonda A balança...
& nunca antes do aquário
oval da chama
E pela boca do sal que fala E
No fogo das três pedras
Que não há planícies além ondas Na paz de tanta proa
Nem cardumes no mar alto Sobre a onda de tanta guerra
Sem Os botes levam na alma
O tambor na colina A última morna da ilha
E a nesga luminosa
Da tua alma no anzol E
E
Se tambores de água aproximam Do vulcão à vela que o poema chama
Do coração da falésia O trovão floresce
Barbatanas há Na árvore da bruma
Que sobrenadam o olho da macaronesia A raiz viva do harmatão
E vêm soletrar
letra & sílaba E
o seu bocado de terra arável
É o parto das ribeiras no betume de tantas guelras O remo é relâmpago no rosto da noite
Que queima

124 125
no espelho das vagas Quebram e bailam
Rugas de carvão aceso o passe doble na dobra do mar

E *

Diz o tempo à tempestade Perto! homens & remos


Que a aldeia morre um pouco Erguem-se na vertical da proa
Nos braços do povo no povoado Como lanças
Se dia após dia
De um guerreiro sem memória
Q poente chega à praia antes do pescador
E
III Longe! Entra a fauna e a flora de mar
Cardume! pelo fósforo das ondas O peixe é só alma vestida de brisa
Planava a erosão
Da tua escama luminosa IV
E direi a ti! ó fogão Da boca do mar! a sardinha é língua que salta
Das três proas sobre o poente Junto do solfejo das ondas
Que o relâmpago sobre a dupla vaga Entre a orla e a língua de mar
Ébelo A sardinha é bando Que toca
Com o peixe Que resvala Piano de olvina! viola & orquestra
Entre o ilhéu E a sua península
E MAS

Então vimos! só pra ver Além! no podium do mar largo


Barbatanas que foram planícies Os cetáceos são olhos que saltam saltos de soli
Sobre o zimbro das ondas que vão E se apaixonam

126 127
Ao longo da costa VI
Pelo ombro da ilha Que de longe balouça Rede! os rostos na manhã
Tecem
Há pacto de amor no ombro do mar teus girassóis De sombra & silêncio
Tecidas na manhã
E só depois! revezam-se conosco As baías
Na faina De suor & sargaços
E na arte da pesca: peito & proa...
Q corpo da ilha é rede
como marinheiros d'alto porte Entre duas marés
como capitães-de-mar-e-guerra
*
V
Quando a ilha é sacerdote E olho a olho! Marulho a marulho
E o maré catedral Q cardume enovela
E o poente! oração rugas & artérias
Que se ergue Sobre as ondas Que tecem
Entre ao mar E o seu cardume o arquipélago
O anzol aproxima-se do ofício No sangue dos pescadores
Como o céu-da-boca
Entre a hóstia e a comunhão VII
Anzol! no promontório da mão
E diz a proa à sétima onda Que ondula
Amor! A palmeira do maralto
Entre o peixe e o pescador Acana verga-se...
Não há melhor isca Edomará última gota
Que o bater do coração

128 129
E da guelra ao penúltimo abalo O atum!
Sobram sempre testemunhas Nem sempre a calvície da minha morte é testemunha
dos
Da boca à má pesca anos de seca X... mas
Do bem ao mal pescado: Se no espelho da onda a proa éfibraseduz-me
a
*
febre do pescador que traz a hélice na prótese do olho

A moreia! *
Vim à tona ouvir no chapinhar da popa a B. Lêza
dos Aestrela-do-mar!
últimos acordes de lua bô ê nha testemunha... mas a Sou um operário
idade Não admito anzóis de apoio
das águas subterrâneas soletramo-la ilha a ilha de página E venho pela noite de todas as marés soletrar
aberta na planície da minha fronte erguida nas
mãos das ilhas o "X" do xadrez do mundo
*
A cavala!
Enamorei-me de tal braço de mar E pelo noivado
Agaroupa! da onda
'm tava bem na budja bem traze nha bandêra

ganha-se na balança alta do mar a África


ao suor de todas as corridas de maio... galopam ainda à
distância do meu sangue as patas dos cavalos que vão
pelas De ser
crateras vermelhas A safra mais nobre do ano
E puerba será a onda que levará de mar a mar o
De crina fogo pedra fumo casco e brava baptismo
de sangue & sílaba à boca das maternidades

130 131
E o pescador! filha
Chamar-te-ás: ave de amor mar & Maria

•k

A sardinha! Pai
Há mar vida & arco-íris
Apenas
Não há sangue
metal e escama
na moeda do pescador

132
na cintura dos homens
Quando as rochas
Aqui! é a boca da ilha
dão têmpora & aço
onde
Ao corpo da alma
a frescura tem alma
De mergulho olho & osso
E o poço E a pedra
Na goela erguida dos vulcões
vivem
Um adultério
sem mágoa
Aqui! as naus arrastaram o corpo da ilha
Ali! é a "boca da pistola"
Até ao pelourinho da cidadela
onde
O mar E o mundo
Ali! as narinas do meu pai
habitam
Sofreram o sopro
Esse patrimônio sem bala
E a forja redonda
E além! onde as ondas alargam
Do carvão da cruz & caos
De boca em boca
Como a lesão no riso
Esta paz de terra vermelha
Como o sol no metal da dor
É o lugar das Embaixadas
É primo da matéria-prima
Onde as nações! crescerão
Além! sob o silêncio do tambor de Deus
Em matrimónio
Dentes d'Europa
Entre o falo da ilha
vendiam
E o frémito da Via Láctea
o pão d'África à fome das Américas
Ejamais soubeste! Perse
II
Do preço do meu corpo no mercado da alma
No olho da ilha
E enquanto os bois magoavam as patas
onde
o olho da terra
o poente não dorme
E choravam
A montanha é pêndulo
o sabor da cana-de-açúcar

134 135
Delgada De sangue & seiva
o trapiche na roda De seiva & prana
adelgaça sobre o vento
a cintura da minha mãe Aquém! além
E para sempre do falo de sol E da vagem da terra
as cabras arderam na boca dos séculos Entre
o verde da resistência milenária O sangue que freme
E a dor solarenga das lavas
IV
Mas onde
onde mora? a mão
E a viola do artesão
No vulcão do teu corpo
habita
a minha boca lunar
No rosto da pedra
o espaço o tempo
Éfilho afilha
das nossas entranhas
E amamos

136 137
Hoje queria ser apenas tambor de dor
no coração do imbondeiro de pânico
de vísceras
de sangue
I
O sol era ainda II
moeda de pão E enquanto a noite
sobre opoente debruçada sobre a noite
Quando Bebia da boca
As buzinas do ódio das balas assassinas
E as rodas do ódio O alto sangue
E o ódio dos homens Do povo de Cazenga
com matrícula nos olhos As Forças d'Europa
Atropelaram no ventre da mulher grávida ressonavam
Q mais novo dos filhos Com lâmpadas E vitais nos olhos
do povo de Cazenga E um cravo vermelho
O poente era então entalado na garganta
moeda de sangue
sobre a noite
Não cubram! Irmãos
O rosto do povo de Cazenga
Quando os homens Com o escudo vermelho do ódio
que eram rostos e revólveres Com o verde escudo da angústia
Com bala nos olhos É da árvore do amor
Que eram espingardas e balas que se constrói
com pólvora nas veias O caixão
Ergueram E a canção do nosso desespero
Sobre o ventre pacífico do povo de Cazenga que desde ontem
Um arco-íris

140 141
Erguemos bem alto Camarada Agostinho Neto
O sangue do povo de Cazenga
A alvorada
que rebenta (Fragmentos)
no coração do Imbondeiro

I
Estamos aqui! homens de sol & sombra
À porta de Luanda
À porta desse grito! na tua voz de granito
Estamos
Sem grades na carne! sem algemas no espírito...
És! somos o pão da revolta
Que tu amas E nós amamos! poeta

Sabemos Neto! pela dor muscular do poema


Que tuas mãos colocaram
Pedra nova nos alicerces do mundo! para que
O Mundo fosse cada vez mais livre
A Liberdade fosse cada vez mais Homem
E o Homem! cada vez mais sonho:
Dar à terra a voz do povo E ao povo a voz da pátria

Angolanamente despoletaste a sílaba portuguesa


Do seu peso de pólvora & opressão

142 143
E libertaste o pão da palavra És a força que ergue a África
Da casca da colónia & cicatriz fascista Entre tambores
E trouxeste as solo da língua E aquém e além
Um novo amor! a «Sagrada Esperança» Das espingardas & árvores
De um país sem fronteiras De vozes engatilhadas
As províncias caminham até à boca do povo
*

Amigos e camaradas E juram com Setembro do céu-da-boca


Caminhemos de Outubro para Setembro... A seiva do teu sangue Será! poeta
Do pouco do mundo para o ombro de Luanda Dezassete vezes maior que o teu sonho
Para que vejamos E para que vejas! Neto
Como o povo flutua *
Na bandeira do teu rosto.
E crânio a crânio
II O sol entre as árvores
Como choraram os rios à nascente do teu corpo Comove o aço de tal silêncio
Se hoje! as montanhas explodem E os canhões passam
Nos calcanhares do teu povo olho a olho
Oue avança rodando
Pela aurora Oue nasce nos teus olhos cegos De mão blindada no coração
E
Se o sangue d'África e o coração da terra III
Não cabem! Neto Neto
Na árvore sólida da tua morte Há caminhos que a morte não ousa
Os olhos d'África e o rosto do mundo E a vida não canta
Não caberão! poeta
Na órbita do teu silêncio

144 145
Mas que o povo percorre com pés de séculos Não há sol
Pelas rugas que morra
Que o poeta rasga no rosto da terra na sombra do poente
E pelo sal desta boca
Te saúdo! poeta
A ocidente desta língua que tu amas Para ti! MANECAS DUARTE
E com a mão da dor Que rasga no imbondeiro Da ilha ao amigo
o ventre da terra-mãe Do arquipélago ao Camarada
E acena para o teu rosto
Entre o sol e a savana
Entre o monte e a montanha PRIMEIRO ABRAÇO

"Falavam de ti nesta parte do mundo


E o teu louvor não era nada mal"
Saúdo-te! com a nascente
Que brota da árvore do teu corpo
Companheiros! os sinos não
E leva a esperança do rio
Dobram a vida E aurora
À paz de um mundo sem trincheiras
Saúdo-te! com o pão ázimo do meu povo De quem ama
A barlavento... a sotavento + a força Nem há sol que morra na sombra do poente
De quem luta Mesmo! que o vento
Com a África na curva do teu braço diga
E saúdo-te! poeta Que a terra esconde
Com o povo desta seara teu rosto! com um segredo
Que as províncias ondulam
Na boca do teu poema E o mar que acende a memória da ilha
Isto é E aviva! nas rochas
Com o voo das árvores Que roçam as lezírias do teu as rugas da tua face
nome sabe
E erguem atua voz
Sobre a gloria de tantas bandeiras
146 147
Que trazes no bolso Na querela da tua sede
unna viola para cada amigo da tua arte! pela vida
E no pórtico da alma E assim como o sol
uma árvore para cada rosto
E Defende a sombra das catedrais
um poço para cada secura Tinhas receio de iluminar a alma
Para não ofuscar
Que na pedra da comarca não ofender
E no lábio dos litígios! hoje o altar de ninguém
O povo cura a ferida das sentenças E diz o poema Que cose
Com a prana do teu verbo o céu E a terra
E a seiva do teu silêncio Com a prosa do teu corpo
Mesmo! que o mundo Que não trazias
Diga o espírito
Que o vento esconde entre a voz E o sangue
a tua voz! como um segredo Mastão-só! um alto espanto
Que te devorava eternamente

SEGUNDO ABRAÇO Lembras-te


Da cabra dos caminhos na ilha de todos os dias
Queria ofertar-te! viva
Hoje! amigo A vivência desta língua
o amor é povo! poente & navio De sal & fogo
Na tua dor De porta aberta Que do céu ao cemitério
E o mundo Ganha
transgressão & ternura espaço e tempo
Para arder na boca o coração de Sahel

148 149
TERCEIRO ABRAÇO
Oue vieram
Com 52 anos de avanço
Como
No ar folhas para o teu corpo
o arquipélago escuta o pé E
Da tua partida Raízes para o teu rosto
Se o sol traz um arco à roda do teu rosto
Falam
E com lábios de pedra Da tua força Em cada semente
céu & secura E falamos
As nascentes aguardam-te à boca das ribeiras Do peso da tua safra
Onde! os violões
Sobre a terra
Antes do meio-dia
Como! ilha & bandeira
Devolvem às árvores o verde da melodia
Que explode sua espiga no coração da pát
Isto é
Da raiz da tua memória
partem rios
Partem aves de sol & sombra
como flores Do arco-íris

Ó estrela Que se rasgam


Na palma da mão dos homens
Ó leite & láctea
De todas as Vias
E polo de todas as potências
Não violem
O osso E o sangue
Do meu amigo em viagem
E as mãos E os telegramas

150
151
P.A.I.G.C. II
Amílcar!
Há hélice & sonho
na raiz da árvore que tomba
Há sangue & ombro
É a potência fálica da terra + a potência famélica do povo na pele do tambor que rompe
É o povo de coração em marcha sob a bandeira de
Pidjiguiti E da pedra
É a árvore de Boé + a proa do arquipélago que abalroa E do Sol Que move
O sangue e o rosto da pirâmide
No umbigo da colónia Não há Janeiro
A caravela da opressão secular Não há Novembro
É o tambor da história + o ovo da concórdia Que não seja
Que devolve Uma península de dor
À libertária África Entre duas bandeiras
A dupla fatia do seu patrimônio
É o braço do povo + o corpo da terra toda ela
De peito aberto De pátria aberta
É a Estrela da manhã
No sangue
Na alvorada
Na árvore
De todos nós

152 153
Pólen para a tua boca
Oh raiz traída no bolor da côdea
De sol à sombra
Não há lâmina que resista à árvore
I De sílaba & sílabas
Que a paz venha Que vão
Pelo pé & pólen das árvores de Boé pelo tambor da terra
Avivar Que o espírito soletra
Na dupla boca da terra
Na boca dupla dos mortos E de cratera em cratera
Os tambores de tanta guerra de savana em savana
Emergem! Amílcar
E nasça - Amílcar! uma pirâmide intacta
No lugar do rosto

Onde o deserto do teu voo repousa


Colinas de maralto
primogénitas do teu sonho! onde
II
As flores de Setembro
Oh lençol amargo da África viva alçam
Que o rosto de Conakry não seja no tronco do mesmo drama
o corpo E o espírito O povo E a glória
Do mesmo coágulo de sangue Da tua concha bivalve
E que as balas de Janeiro
E as valas de Novembro
não misturem teu sangue - Amílcar
À mesma moeda de corrupção

154 155
Canto Q u i n t o
lai espaço & tempo
Não há fonte
Acto de
que não beba
cultura
da fronte deste homem I

I
Como o som cresce na fruta! na árvore
Nas rugas desde homem
Está o tambor
Circulam
E contra a erosão: a política da sedução
estradas de todos os pés que emigram
quebram-se
E
vivas! as ondas de todas as pátrias
Anulam-se
"Se o destino do homem é o trabalho contínuo"
De perfil! as chinas de todas as muralhas
E
Na mão bíblica
No humor bíblico desde homem
Não há foz para o rio da palavra amor
crepitam de joelhos
Desertos & catedrais
Cultura! toda ela
Onde
É a expressão dinâmica De um caos inicial
Deus & demónio
jogam
noite e dia
a sua última cartada
E do pó da ilha à mó de pedra
Não há relâmpago
Que não morda a nudez desde homem
Nudez de liberta!

158 159
Que a dor germina O vento punha velas na viola desde homem
E o espaço exulta Hoje!
E pela ogiva A viola
ogiva do olho De tal dor é sumarenta
Não há poente E projecta
Que não seja sobre as almas
Uma oração de sapiência a seiva
De uma árvore imensa
Sobre a face desde homem Oh oceanos! que ladram à boca das tabernas
o povo ergueu a praça pública Se o sangue desde homem
E os tambores transportam é tambor do coração da ilha
o rosto desde homem até a boca das ribeiras O coração desde homem
E ao redor é corda no violão do mundo
os vulcões respeitam E os joelhos
o silêncio desde homem rodas que vão! hélices que sobem
com ilhas no interior
II
Não há chuva III
Que não lamba o osso de tal homem Sobre a colina Rosto sobre o povoado
À porta da ilha Quando
Diz o sal de toda a saliva pastor & gado jogam à cabra-cega
O sol ondula oceanos no sangue desde homem E chifras de sol
projectam
Oh cereal altivo! vertical & probo cidadelas no ocidente
Ainda ontem O poenta galopa a maré alta
antes do meio-dia E ergue
"Atacada noite"
Sobre as têmporas desde homem

a6o 161
Oh noite verde! oh noite violada Mulher
Que a noite não apague
A memória das cicatrizes
E cicatrizes de ontem
Sejam I
Sementes de hoje Aurora que nasce
Do carvão da vida
Para sementeira E floresta de amanhã
Como flor vermelha no tambor da alma
Arco-íris Que vibra
Como Noé
No sangue do dragoeiro
As espécies conhecem A folha E o rosto
a sílaba E a substância desde homem A face E a lâmina
Não há milho que não ame o umbigo deste homem Da manhã plena
Não há raiz Assim força
Que não rasgue a carne deste homem Assim fome de ser dia
E na fome pública deste homem E fonte de ser diálogo
Cresce
a ave no voo E a gema na casca *
Cresce
O cabo da enxada E a cintura da terra Há quem diga
Cresce Que o peito da mulher é a pedra mais dura
a porta do sol E o alfabeto da porta verde Que Deus pôs sobre a terra dos homens
Não há fonte Que terra? Que homens?
Que não beba da fronte de tal homem Mas
Que Um pouco de céu e de azul dirá
A erecção desde homem é redonda Que nos seios dela
E tem o peso da terra grávida A Via Láctea bebe o sol da força plena

162 163
II A pele da tua ilha E a prana da tua pátria
Mulher! é na palma E
palma da tua mão
Que explode a Estrela na manhã Se a saudade das mães
Quando a aurora Abre
bate portas de mar no sal da cozinha
à porta da ilha Abalroam o útero da ilha
com aflordo teu osso A proa E os mastros
Dos filhos vagabundos
E do caos da vida! quando....
O umbigo do dia é deserto longo III
E a areia do teu corpo Versículo! muito há de novo
viaja Debaixo
pela boca marítima do meu regresso da roda do sol
Como é belo! bela Se no espelho da tua roda
A frescura do teu rosto O rosto da ilha é um sorriso de mulher
Abrindo oásis
Na cratera da minha alma *
"Em sombra acesa"
Há quem diga
* Que entre caos E o crime
Há sempre um corpo de mulher
E diz o pilão à mó de pedra Mas
Ó ave de amor! mar & Maria o poema E a prosa dirão....
Entre o mar E o arquipélago Se o homem leva ao sol um sonho
Há de dentro
esta rocha de mulher A mulher traz a eternidade no rosto
Istoé
Se o pai é o poder da impotência
O útero da mulher é maior que o universo
164 165
De bandeira a bombordo
Tempo de ser ovo
E a fome de Ambrósio É pão sobre o forno
ovo de ser tempo
II
Vem! E darás
I
Ao carvão do meu peito
Deixa a tua toga
o fogo da tua ilha
sobre Comarca de Mafra
Vem! pelo arco da tua cratera
E vem!
Que roda
De lâmpada acesa pelo peito da C a b a Fume
cicatrizes da rua em rua
Vem!
Que
Pelo tambor que sacode
Na noite da tua promessa
o arquipélago Entre a multidão
Há palavras sem dentes
E une
com telhas ao vento
o porto da ilha
Palavras
E as coxas da minha mãe
que choviam por dentro
Às festas de São João
E inundavam de estrelas
Vem! E abre
o chão das barracas
o mundo do teu olho
As crianças Que projectam
sobre a chama marítima
bibliotecas
Que "Andros Pátria"
sobre o «Ilhéu da Contenda»
ergueu
Fala (va) m de ti
sobre as nossas águas
não
Vem!
como lava fria
Pelo sangue da viola
Mas
Que se vestiu de guerra
entre a sombra E o sol que sangra
E pela vagem da terra
Há transfusões
Que a paz sazonou
Que aguardam pela tua mão de semear
O Capitão te aguarda
Vem! pelo relâmpago

166 167
Que funde a árvore Que da síndroma de Varela
nas nossas entranhas Ao leão daquela farmácia
E darei ao teu rosto Há trauma
os olhos da minha pátria no crânio de Notcha
E dentes cariados nas rochas da ilha
Vem! simples & redondo
Vem! pelo parto pelo sol pela gema
noturno da tua dor E pela dor do ovo
Que desde ontem Que o povo fecundou
Caranguejos de Craca As cofinas aguardam peia mão
devoram o gomo da tua herança
A pedra neurótica daquela infância E pelo ventre de Bia
Vem! pelo umbigo A cimboa
Do batuque da Várzea dará
Vem! pelo sol da manhã terra
Que rola terra nua
Como um feto terra virgem
pelo ventre da revolução A árvore datua parábola
Vem... não de visita
pelo olho vesto da Agência IV
E nem quebras o remo da ilha Oh filhos da ilha
Entre Que
A rosa do vento E a roda do mundo por Roma & Roménia
É órfão Oh filhos da terra
o folk complexo da tal epístola Que vão
Vem! pelo mar da tua boca De pé nu sobre a península
E pela chama olímpica da tua saliva No poço do espírito
há colónia de tantos séculos

168 16 g
E tal livro é rosto E o mar pelo olho que dormia
no poço da colónia Ergue
O oceano do rosto sobre as ondas
E vem pela
Etal Europa é noite Pela calema: calema alta
na colónia dos sonhos "beijar a face virgem das palmeiras"
E do ilhéu que foi ao "eu" E mar & deserto
do eu-ropéu que ficou Dançam & bailam
E do tambor que fora ao "or" sobre a ilha
Do New York que restou A pedra de tal lume E o sol de tal gema
A corola da terra Isto é
fala Vem pelo arco-íris
daquela saliva Antes da chuva
E o umbigo da ilha Quando a enxada é sonho
pergunta na glória dos homens
sol a sol E a semente é pó
Portal regato que era ao "se" na memória da ilha
Oh frescura
Da secura que sobrou
de ser mãos Entre mãos
V Que levedam
Oh poços da terra no rosto da terra
O "pão da liberta"
Que se rasgam
Oh frescor
nas artérias dos homens
de ser seiva Entre veias
Oh diáspora de vela grande
Que tecem
Bem! na hora de boas'hora
Quando a ilha sonha No ventre da ilha
O útero de tal rosto
E a chuva invade o sono das crianças
Vem!

170 171
Pelo músculo da Azânia Bom dia! António Nunes
£ tambor da Namíbia
Vem! pela lâmina
que vibra a alma de Zimbabwe
E pólvora do ovo de Luanda liberta António! Sob o olho do carvão dos séculos
Vem! Há sons 8f aves de solidão
Pelo inverno de mão cáustica Que ano a ano
E veia técnica d'Europa Burilam o coração da ilha
E se contornas suando os rios de Sudão Como o dia E o diamante
Trarás no sangue o ritmo E do carvão do corpo
De Karthoun Karthoun E do carvão dos séculos nasce a Estrela da Manhã
Vem!
Pela estrela que cresce sobre o rosto de Eritreia Aqui! entre as rochas do teu pai....
E pela roda que sangra o olho de Rovuma E os vales da tua mãe
Vem E vem Grávido
Pelo corno d'Africa E pelo crânio da ilha o ventre da ilha
Que raízes da terra Já empurra
brotam A roda do mundo Entre dois pólos
do suor da revolta Então
Vem! António vem & dança como ovo na praça pública
E ergue a tua árvore António vem
Aqui! Pela casca & gema do primeiro comício
Aportada cabana Vem & abraça
onde O rosto do sol que nasce do poema da vertigem
A lança do teu pai é soberana
*

É teu António! o umbigo do mundo


Onde

172 173
a força do teu suor desagua Tempo de amar
É da ilha! o cristal do tempo

E o sangue I
Que inunda AVE DE AMOR
As salinas da alma: tua & nossa
António é ilha pela raiz que flutua Quando a ilha dorme
António é espiga nas bandeiras O espírito é esta transparência
Que povoam de verde com que Deus cobre
o vermelho A nudez da sua amada
Do monte E da montanha
II
MAR & MARIA
E
Amo o istmo da vida que teu pulso concita
Se António respira a ilha E quando por ti! cava & jugula
respira o diálogo Milhões de artérias no desespero do teu nome
No remoinho dos três mundos Escrevo na fronte
O céu A clave de sol do teu sangue
O arquipélago é tão de dentro E danço
Que as estrelas A ilha da tua nudez
deixam Como uma gota deTróia nos meus calcanhares
cicatrizes na pele
Que importa! São outras tantas sementes *
António é semente: raiz & relâmpago
Tambor de som A poesia é viola na prosa dos dias
Que floresce E envelhece a pedra
A cabeça calva de Deus Que não quebre
O espelho da noite Que dança

174 175
Sobre a ilha A ilha sem ti! minha vida
A lua nova do teu menstruo É este Sol pelo lençol da noite
E pela noite! a tua ilha esvoaça Que se devora
Como um pássaro drogado É esta onda que vai de mim
Entre os teus cabelos Para o mar da sua carícia
Que é minha
* É esta febre que canta
No arco-íris da carne Que sangra
E de repente A montanha roída dos dentes
Com a força que o sol ama a leoa da Babilónia Os pássaros que dançam o pôr do Sol
Ofereço-me pelo rosto Na Estrela da Praça da tua espera
Como o rio à sua foz Dançam e morrem
Então Para nascer E dançar de novo...
A cabeça rola como um espelho entre dois mundos E antes que venhas
E a almaflecteos joelhos Do gelo & fogo das artérias de todo o mundo
sobre a terra Já te sinto! aqui
Como um hieróglifo entre dois rios ConrK) um coração que bate a porta da sua morada
Que dança
o exercício de uma escrita milenária
Mas vem! pek>s afluentes de ti
III pela nascente & nascestes
CANTIGA DEAMiGO Do teu corpo inteiro
E ir»imda-me? meu território
Amor.» entre o dia e a diáspora Que
branríe a paín»a das pêrfmeiras que o vento abraça Enquanto lavro senrveio e milito
Ano a ano perco o meu amado
Ó miFkha taça de namoro Entre os olhos da multidão
Que traz e leva E o deserto abre o meu rosto
o sanhof a seiva Duas portas de silêncio
A raiz do dragoeira E

176 177
Peregrina de mim! peregrino de ti Mestiço: mestiça
Pelo corpo
Pelas dunas da tua ausência
Que o deserto de cada dia
Me dê hoje Sol & carvão que unem
o oásis da tua boca O corpo e a alma da labareda
ou
Febre que canta no arco-íris
Da carne Que sangra
A guerra & paz de todos os sonhos

Pilão & mó de pedra


Que rompe o caos da secura dos séculos
ou
Parábola do amor que dança
Entre o verbo E o apocalipse

Árvore & tambor numa viola madura


ou
Violão & viola que unem
As mãos e os pés que gotejam
Pelo arquipélago dos deuses
o trovão & relâmpago de Banta Bárbara

178 179
A lestada de lés a lés Mesmo que o céu não chova
E o Sol e a Lua
sejam
cordas partidas no violão da ilha
I Mesmo que a chuva seja esta noiva de usura
Dos músculos do mar a mar Este umbigo
À pedra larga da água Esta carola de ausência
Somos Entre a rocha e rosto
Dez rostos de terra crua Mesmo
E uma pátria de pouco pão Que o vento
E não há deserto vergue
não há ilha nem poço No eixo da terra E nos mastros da alma
Que não vença Os ossos & séculos de sangue & secura
Pelo olho vítreo da cabra Mesmo sendo! Já não somos
A lestada de lés a lés Osflageladosdo vento leste
Que ontem devolvendo
devolvemos hoje II
Ao esqueleto verde da história Que o digam
A carne e a cruz As colinas de labor Que de longe
do "flagelo" Tropeçam
flagelado que fomos nos membros
Aqui! Onde das sementes vagabundas
A seca é arma £ a fome! desafio Que o digam
A ilha é vida E a secura! vivência Os braços do povo no povoado
Amor! que a chuva traga E os tambores de pão
A bandeira branca de pedra & pólen
Da nossa guerra Entre céu & terra
E

180 181
Que sangram do alfabeto verde do nosso percurso
No pulso das mulheres que juram: Aqui! da lestada onde
Os vales libertam das grades do vento
Que de fome! a fome não morra
cavalos de tanta luz
E não morra jamais
Aqui! onde cresce crescem
No espantalho da sua cruz solarenga
A goela do monte E os membros da montanha
Entre o osso de pão
As árvores do dia E os tambores do diálogo
E o esqueleto das padarias
"Que trazem no sangue
Então!
A cifra de Amílcar"
Os joelhos E cotovelos da ilha
E levam
Esculpiram
pela batuta de sol a sol
No crânio dos homens! para nunca
O som da ilha À orquestra do mundo...
A flor carnívora das miragens longínquas
Aqui! onde
E os portos beberam pela proa
A seca é arma E a fome! desafio
Atraca
A ilha é vida E secura! vivência
Dos navios fantasmas Ealta
Daquela tragédia sem âncora
negra! a estrela traga
E sendo! somos
A bandeira branca
"Um povo de pé sobre a pedra do drama" Da nossa guerra
Aqui! onde
Entre céu & terra
A acção escreve sobre o pensamento
Modelando a rocha E o rosto
Deste cabo
Deste teatro
verde de vida

III
Éramos o ontem E o hoje
A letra viva

182 183
Sílaba & Substância
ARS POÉTICA

Se toda a vogal
Ó tempo de sumeâ na morna l<'sementera na funaná
é olho de pólvora E célula
Tempo da paz que galopa a guerra dos cereais
de pão acesa
Este é o modo
E a dor do ser templo Se toda a consoante
pelo tambor da terra prenhe
é a viola de sangue que amadurece
Mas! o tempo oco de paz Abrupto pela cintura
tempo oco de guerra E cai
Pelo núcleo & átomo Do corpo da boca zero longa
da tua árvore oca
E tempo de ouvir crescer a Sudoeste
para o lábio oco do mundo
A árvore de Namíbia E
Com sabor de África Se toda a sílaba
E o sangue do tímpano
é ponte
no sul da língua
Entre árvore E o drama
ou
Tempo da nova semântica E da nova espera
dilema
E do tambor que cresce
entre a fome E a fruta
Da estrela negra & vermelha de P.A.L.O.P.
Tu não és - poema! o sal da terra
Tempo de maior luta E da menor lâmina
Nem a poesia é teu salário! poeta
Que reflecte
luz & pombo no olho deTalião
Ô tempo de nascer! amado E envelhecer! amando

186 187
Golpe de Estado no Paraíso A O.N.U. é a pedra
no tabuleiro do nosso orim
E a semente do povo é a paz
na viola a nossa sementeira
I
*
Na História! Na Bíblia da nossa terra
Se a rocha é página! a pedra é sílaba
Se o corpo é caneta! O coração é tinta Soamos e esforçamo-nos
Com a ilha no sangue E a baleia no coração
Nem todos os desertos do mundo Soamos verde esforçamo-nos vermelho
Secarão as fontes e os poços que as nossas Embaixo
bocas abrirem Em cima dos montes
Nem trovões nem relâmpagos rasgarão Movemos montanhas
As páginas que o nosso corpo escreveu Com cordas amarradas nas veias
Na morada da nossa morabeza E as veias amarradas à alma
Todo o Diabo perderá o seu inferno Para que a estrela no céu
E todo o navio perderá a sua bússola ganhem
No coração da nossa bonança a força do milho assado

II III '
Se o mundo é um jogo Rochas escreveram no céu
no dribling da sua jogada E trovões e relâmpagos
O mar e céu são a relva nos pés Escreveram na boca do povo
Do nosso arquipélago Se a O.N.U. escolher Cabo Verde como uma vela
E o sol é a bola O mundo
na baliza da nossa fortuna não dormirá às escuras
Se o mundo é um polvo E de sol a sol
na pólvora da sua guerra pedimos a Deus
Que não nos ajude a unir estes dez pedaços

188 189
Porque se unidos: amalgamados
Com ossos com ossos rochas com rochas
Estes dez pedaços
Daríamos
Um golpe de Estado no Paraíso
Oráculo

Quando o arquipélago aperta


perto! longe
A mão dos continentes

Quando a ilha rasga no deserto


Uma cicatriz de pedra
Jamais o crânio de sol! no mastro da solidão...
Uma pedra no deserto + um dragoeiro
Um anjo da guarda! no útero da paisagem

Não! na ilha

Toda a palavra é útero de sete pedras


E
Toda a pedra é um poeta bissexto
Leva quatro anos de pudor
E quarenta & tantos de paixão
Para inundar o deserto da estiagem
Com o dilúvio de chama que bebe
Nas crateras do jazz & batuque da esperança
A cesariana dos três continentes No vórtice da vida! na fratura da terra
A cesariana dos três continentes

Ficamos umbigos de pedra


Antes Em rodopio
da moeda do corpo Ao capital da arma Entre a pele e o osso das estações
Antes da luz Ficamos então ilha + ilha
No mar de memória sobre o vento
E da pedra & vento na erosão do rosto Pelo arquipélago da evasão
Éramos no verão da terra
A semente sem primavera
Éramos a exclamação
Do Ion na lonjura Assim! foi a pronúncia
Dando Antes & depois do 1° dia + a
Pernas aos montes E braços às montanhas Erosão da crónica
Dando face & sentido Na boca da "Rotcha Scribida"
Às dunas do mar alto
Que respiram
as cochas
os seios
o sexo de Sahel

Lembro-me de ti! na África do teu ventre


Interrogando-se
sobre o istmo + a
proa do nosso destino
Quando poios e penínsulas de maremoto
Rasgaram & rasgavam

194 195
"Rotcha Scribida" A cabana oca dos vocábulos

Ó pirâmide de vigília I
Filha! mãe! irmã gémea da ilha? Agosto arranca as âncoras do deserto
Ó catedral de mil rostos Despondo-as
Ó rosto de mil lábios Às portas do povoado
na tua crónica de milénio Setembro cresce ossos & ventre
na tua letra & sílaba E da barriga de Qutubro
da palavra inamovível ouvia-se
Ó corpulência & sonho O crocitar das sementes da erosão
Surdo? mudo?
Na tua nudez de mutante Aqueles que sem embargos do sétimo dia
Ó bíblia de murmúrio Partem do umbigo das três ribeiras
na tua semântica Trazem no enlaço dos destinos
De sal! sangue & paradoxo A cana-de-açúcar como oxiúros
Ó universo de mil sons
Que circulam Quem não ama? os navios loucos da minha aldeia
Pela maternidade Abalroam na planura! nos baixios
Do versículo que nos une Os casebres da vizinhança
Na tua chama À procura de mastro & oceanos no olho das salinas
Na tua lava
No teu tambor inenarrável *

Meio-dia! Deus & demónio


Habitaram! desalojaram estas paragens
Há pegadas de baleias

196 197
na aurora & osso II
Dos caminhos & pescadores que partiram Grutas versus grito! goela versus granito
Amor! da baixa à maré alta
Nem sempre os continentes devolvem
Q eco
Voam corvos da boca à boquinha da noite das nossas ilhas de ouvir
Longe! as ondas
Entre rochas! parecem elétricas as lagartixas alçam & zombam
Se estendem goelas As ilhas que menos viajam
"Às nascentes de água nua" São as que mais partem
Perto! o poente cinge a cintura da ilha Partindo
Assim! saia rosa Do(s) escombro(s) dos aeródromos
rosada E da ruína
de renda & marulho Dos pontões de pedra a caminho dos escolhos
E assim! nascemos indo São viagens que sobrevivem
Adultos da mesma infância A solarenga insónia dos naufrágios
Adolescentes da mesma velhice
Isto é *
A criança que vai no colo da minha avó
Traz na geografia do rosto Assim foi! Antes & depois do 3° dia
A idade da paisagem A semântica do silêncio + o itinerário
Da cabana oca de vocábulos
Por vezes! as ilhas são crianças
Que fogem para dentro dos búzios
Até que a letra e a música do trovador
Lhes franqueie
"O cântico da manhã futura"

198 199
Dragoeiro A morna! já não fosse
O mar da nossa memória

*
Ó catedral & proa de mil âncoras
ó árvore de mil tambores Dragoeiro! Até o oceano + as
Crianças nos teus braços De amar
Da rocha ao rosto que me deste Aplaude! Aplaudem
Do rosto à raiz que te dou Com palmas de maré alta
Florescem no teu tronco Com palmas de maré baixa
O batuque que evola do teu cachimbo de paz
Até as crianças E as ribeiras
O crânio de Deus + o fogo do povo
Que nos abraça! como
Se o arquipélago já não fosse De mãos dadas pelos continentes
Atua Ordem Em redor
E as ilhas + ilhéus! A tua Regra Tecem a tua flora
Com risos de linho branco
* Até Bia & Piduca arrastaram
o atlântico o Índico o pacífico
Ó nascente & poente de tanto amor para as portas abertas do teu lenho & seiva + o
Ó amor de minutos & amantes de milénios tumulto das estações & sopro de pedra verde
Que fecundem o teu
Neste século! ano & dia do Senhor tronco
As trompas cicatrizaram! pelas salinas do orgasmo semanas & séculos de
A dor & paixão das 417.000 cabeças ressurrectas guarda-cabeça
E pelo teu ventre rodopiam
As hélices da diáspora + o Dragoeiro! das pernas do vale à face da montanha
Pólen da nação que nos festeja As crateras modelaram
Como! Se no teu útero Teus portes

200 201
De porta-bandeira Uma espiga de milho
Entre o céu E a terra na boca do parlamento
Como se o teu umbigo Do mundo largo
Já não fossei o cálice
De sol & substância (Antes & depois de Abilo Duarte)
No vulcão da vida

Com
o alfabeto de Sahel na boca da Rotcha Scribida
o poema, encontrará na prosa o habeas corpus

Mas

Com
a gula de Ti Lobo & astúcia de Ti Pedro + a dor
dos muros de silêncio nos cornos de Bulimundo
Com
a guerra & paz de todos os sufrágio + as
as cabras que ruminam os 12 signos de Zodíaco
Com
a espiga e coágulo de pedra & sangue
Que flutua entre duas bandeiras
Com
o símbolo dos 500 anos + a cifra dos 500 contos
Com
a glória dos dragoeiros
que florescem no coração da diáspora

202 203
Com A mó de pedra na memória do parlamento
as fábulas de ribêra riba ribêra Boxe + as
parábolas de fortuna & amem
alumbradas
nas 10 mil línguas d'África ouvida I
Com Abílio! hoje
as 365 costelas da maré rasa + as A minha palavra é de pedra
crateras & colmo E o teu silêncio! de terra
das almas que cintilam E se rompe no solo o ovo o voo a violência
o fogo verde da terra A violência da minha ilha
construímos! ano & dia Tem corpo de viola & rosto de sedução
os membros o tronco a cabeça do Parlamento Que da viola à violência
Há um rio de rostos que rilham
E arrancam a rocha pela raiz
obnubilando o passado?
obliterando o futuro?

E se o presente se conjuga
Numa gaiola de paixão & ódio
Não há itinerário
que resista
À colisão na precocidade

Abílio! que o ontem me acuse


E o amanhã me condene
a dor nos advogue
a cicatriz nos absolva

204 205
Se a ilha der ao sol As casas saltam dos alicerces
o olho negro do teu soco De portas e janelas desavindas
E vão comboio de manobra
Em desvario
II E para que o poema
Mas quando no parlannento Encontre na prosa o habeas corpus
A alma é bronze no tambor da erosão E a espiga não aborte
Os passos devoram a sombra das coisas no grão o sal da terra
As coisas devoram a sombra das pessoas Dos pulsos! das mãos dos presos
Só o pênis das crianças! como península Evadiam-se as prisões
Assinala aos faluchos de pó
o arquipélago dos pontos cardeais *

E para que o vento! no monólogo das portas Assim foi na manhã & tarde
não privatize a (des)esperança a viola e a violência no 5° dia
Dos pés! das mãos dos presos mas... antes da noite
evadem-se as prisões Os desígnios do pilão + os sortilégios
de mó de pedra
III sufragavam
Quando no parlamento! a alma na boca adulta do pão da
é pilão & querela no tambor da erosão caldeira
"A cabeça das estátuas pensa em repartir-se" a dor do milho na fécula
As fotos fogem dos passaportes
como cheques sem cobertura
E estilhaçam perto do longe
A fronteira dos olhos

206 207
Tradição a cátedra Da catedral
Sem a cruz de cinza
no cristal dos olhos
Sem bordões de beca
Ó pedra de amor! ó pedra de amigo laços de toga
Vieram pela proa & onda E nós da justiça
De cinco séculos de mágoa
Vieram pela cruz & espada
Da boa esperança
Fizeram aguada! entre E quão exígua era a lâmpada de milho
paz & pavor! amor & pólvora Menor era o reduto sitiado da alma
E de abandono! deixaram
A ferrugem De uma bala Tradição! pelo carvão dos músculos
No coração verde de Amílcar E seios de substância
Saciaste - osso & proa! mar & Maria
Ainda ontem! as carpideiras + os pedregulhos do coração A fome do norte! a sede do sul
Que amam a face dos continentes longínquos de europas e as américas fraternas
Cicatrizavam a história Enquanto! sóis & século
com o sal da memória + o Crucificavam a África
sangue da argila + a Na tua carne de Cristo
seiva dos gafanhotos E pelo arame pedrento das ribeiras
E pela nervura geométrica
* do monte E da montanha
Deixaram! de abandono
Ó portões & pelourinhos da cidadela a cabeça calva de Deus
Aqui! esculpiram nos teus ossos

208 209
Amor! pela sintaxe dos sexos No cesto das mil ressacas...
E Traga o sol da fala
pelo útero-trágico-marítimo-da-língua E a substância errante
Ressoam passos Dos cinco arquipélagos Para a boca plúrima
Que fecundam a semântica do continente errante + as Das ribeiras da vida...
Sílabas & morfemas Que dragoeiros já florescem
Que nos chamam - pela via consanguínea! Pela raiz & crânio do teu percurso
E
Pelas negras chancelarias de Jó
Renascem auroras & rictos
De germinações mestiças...
É Barbara - que por amor! liberta
As cinco quinas de Camões

Versículo! se a pólvora da República


Te agrilhoa
No seu gatilho de guerra & paz
E amordaça os mutilados
Do tempo & modo
Há sempre! aquém & além
o verso que nos une
E o universo que nos multiplica

Tradição! se erraste
Entre a fíbula E a parábola
E o sol das vogais + a
substância dos ditongos
Ainda! sangram
210 211
Na morna! Na mazurca Emigrante! aquele
o trompete da evasão que leva no estômago
Uma ribeira de pedras soltas...
Ribeira que morre antes
para nascer depois
O trompete chegava Entre
Assim! farto de fome 8f faminto de fartura a ereção do Monte Cara
Aos quatro mercados do dia E
De palha & peixe De roupa & verdura as pernas de Pico d'Antonia

Houve sempre esta demanda Todo emigrante é um coreógrafo


entre o milho e o feijão Que leva na ópera de metal & osso
Que na ilha Os acrobatas de "Pedra Rolada"
As maternidades são úteros que emigram E sendo arquiteto! toda a mão que emigra
E nos olhos da criança nasce A ilha é telha! cada vez mais
cresce telha
o elogio da evasão no teto do mundo

Rosto! se evadires antes II


Os membros emigrarão depois Não! o trompete diria
Do poço! as mãos do êxodo
Da vida! os pés errantes Quando somos vulcão em viagem
E se na ida! a memória O céu abre as nossas cabeças
Das lavas nos ilumina a flor de tantas crateras...
As falésias abrirão crânios adentro Se o mar
O sino de quantas paróquias no fogo das artérias é terra arável

212 213
Istoé Se
Do vulcão! nasce o rosto a erosão é fogo no motor da evasão
Da erosão! nasce o honnenri A morna! o finançom nos conduz
ao frigorífico da cultura
das terras do fim do mundo
E mais que primo & primas À guerra da pobreza
Menos que gémeo & gémeas No metrônomo do batuque
Rebeldes! a órbita e o mundo crescem E ao dente de ouro da tabanca
Na raiz do labor que perdura No menstruo das salinas
Entre a dor e diástole da canção do mar À coladeira & funaná
na erupção do funacol
Mensageira! da renovada parábola E ao rondo que renova o passo
para a Liberdade das estátuas como quem baila o landum
Para as mãos de Cristo no Corcovado E ao kolá kolá
E para as rusgas do Monte Cara da morança e da melancolia
Que pesa & sopesa que salte & bate
a nudez da montanha no ombro de Bia + a bate & une
pedra verde mito As coxas d'África às ancas da Macaronesia
Na gramática do silêncio Edão
Na sua cratera oca de vocábulos o grão a hóstia o jazz
Da (s) nossa (s) genealogia (s)
III E dançam & tecem
Ó lestada de ser homem E mulher do harmatão na virilha dos continentes
Ó rapsódia dos ventos d'aquém & além o seu pano inconsútil
Ventos que balançam o "erg" do equinócio E constroem
Quebrando a tíbia e a matriz dos dedos a catedral do ego
Na morabeza da moção atlântica com
a ressaca das raízes abruptas

214 215
IV
Seferis! para que o Outono se reconheça
Na primavera do retorno
Cabo Verde viaja! viaja sempre
Pelo umbigo & ventre da sua proa
Redonda!que
Toda a lava que emigra
pela ribeira da vida
Toda a erupção que evade
do vulcão da vida
Regressa! regressam antes da partida

Assim foi
Antes & depois do 7° dia
A erupção de sol & substância
Que vai solta
Nas sementes & árvores
Das ribeiras
que vão & vêm
Assim
fartas de fome & famintas de fartura

216
Litografias para as festas
de São Filipe
Segundo Manuel Figueira
e Luísa Queirós Figueira
Segunda-feira Terça-feira

Orquestrando a corrida Frémito & vertigem


Vinliam cavalos! fazendo Com os olhos no relógio das patas
desfazendo nós Os vales correm ao lado dos cavalos
Com tiques de nobre que partindo! partiram
maneios de crinas & volteios de cauda Ganhará este? não! nem aquele
Vinham! pelo som Mas o último... o penúltimo
que perde na música que perdura Que lançou a alma
Magoando como um dardo
violas violões violinos como um relâmpago
Entre sobre o negrume das lavas
o peso das lavas E a leveza das patas E vem aquém! além do vento
Ultrapassando
E atrás da banda! À frente da bandeira o pó de barlavento E a poalha de sotavento
Parlamentavam os cavalos E explode na poeira do povo
E só depois os cavaleiros Atravessando
E os festeiros a fronteira dos olhos
Abriam no coração da ilha Entre
"O vulcão da festa que se festeja" a luz das lavas E a sombra das patas

E ouvindo! vimos
pela nobreza da égua que olha...
Materna no seu culto
A ovação do potro sobre o monte
A coreografia do alazão sobre a montanha

220 221
Quarta-feira Qulnta-felra

Dos olhos do meio-dia São fogos de artifício! as crianças


A procissão descia húmida de fé Quando brincam
E querendo! os jardins da cidade queriam Entre as órbitas dos vulcões
Acordar com a flor de fogo Entre os olhos das crateras extintas
O rosto do vulcão que ressona
E inúmeras! como formigas
De sobrado em sobrado De morro a morro
Oscilam andores pelo ombro das ruas arrostam
Que vêm por joelhos & tornozelos da ilha
Com passos de rondo Este eclipse de sol
Tropeçando nos pés da tradição Que devolve
E sobre os coros Ao cromo das pedras
Que reagem o som a seiva das portas & janelas abertas
À celebração da palavra E projecta
Os pilões engordam com segredos no horizonte da alma
A litania política dos tambores
um arco-íris para cada rosto...
De joelhos! as crateras como viúvas
Persignavam a sua oração de vela branca E a diáspora dançou a mensagem do mar...
E
No adro da igreja! leigos licitam Do débito ao crédito
O porta-bandeira da festa do próximo Maio Da abertura
A generosidade é grande E a maturidade! maior

222
223
Sexta-feira Sábado

Se no poema! antes & depois da prosa Perto da vida! longe da erosão


Se na viola! as cordas Qs vales estão sempre a distância de duas violas
detêm a memória da ilha Da música ouvida! Entre o mar e a melodia
Lembrar-nos-emos! dele & dela
Donzela E ao redor da montanha! os montes em rodopio
que veio de Manhattan Éramos também a roda + a gaita de Minó-de-Mamá
para ser fogo de mulher
Não! veio de alma aberta à lava das suas raízes E de festa em festa! De folguedo em folguedo
Ele! nação & raça A noite de corpo & alma
letra & música de Ana Procópio Era irmã gémea
Namora & nega De sábado & sabura
navegar pela proa
Do navio de matrimónio... E enquanto! saboreávamos
A uva do vinho do próximo verão
Mas que fazer? quando a ilha Os foguetes da diáspora
Dialoga dois corpos que dança (m) Ofereciam a cada rosto
pés de coladeira Um pedaço de céu para amar
E tremores de funacol
Então! Titina
alvitra na sua seiva melódica
Que faço? que farei com a morna
"Deixá-la dormir! nas mãos
do noivo e da noiva"
Que a madrugada! saberá
Erguer o colosso de B.Léza
Entre o ar e o pé do arquipélago

224 225
Domingo

Gosto de ser a palavra na prosa


de Aurélio Gonçalves
Quando por fim! a festa era só
Sono do soldado no sobrado + balir da cabra no telhado
Sol & vulcão erguem-se
com umbigos & crateras
com tatuagens & cicatrizes
Assim! paranóia abstracta na sua pedra de pintura
E lavra
O seu protesto E o seu retrato
Que vai! que vem
Da velhice de nascença ao poente de infância...
Ediz
o olho da cabra sobre o olho da terra
Como é belo o fogo! da flor da secura

226
Prólogo
O peso da sonfibra

Gosto de ser a palavra na prosa de Aurélio Gonçalves. Da prosa! A multidão saía 8Í entrava: pela porta que as
E gostas! Amor, personagens abriam na fome das palavras
de sero pé-de-vento, rosto e pêndulo,
Nos membros que movem na multidão o movimento: Do texto vinha esta febre e aquele fervor
a multidão
Que converge Já ninguém sabia porque mares navegavam a pele, os rins,
rugas & raízes os pulmões do arquipélago. Da ilha? ninguém sabia: se a
sonhos & cicatrizes boca e as narinas ficavam, dentro ou fora, da diáspora.
para o lugar da ilha! onde
se festeja! onde se questiona E na coraçõ de tude fiel cristo vida tava que nem Sonte
a lapidação das ideias quebrode n'altar.
a geminação dos propósitos

Do útero da justiça, nasciam, pedra a pedra, as


instituições que os aplausos desmoronavam

Os transeuntes viram:

A alta intensidade da mão de obra trazendo pelos cabelos


o esqueleto dos preços que esmagava o pelourinho da vida
no tomate da alma.

Então as cidadelas e os povoados, grávidos de


símbolos vários & bandeiras múltiplas, agarravam os
aplausos da multidão e esculpiam no crânio das

228 229
personagens II
a geografia do destino Crianças na rua
para além dos meridianos da vida e da morte
As crianças saltavam para fora das sílabas, como se a
palavra fosse, no deserto de vivências, o manicómio de
orgulho. Soltas. Afastam-se do sino das paróquias E não
cabem nas catedrais.

Se movem: iluminam estradas e caminhos vicinais, por onde


a carestia dos portos e dos aeródromos reclama, em
correria, a propriedade da hélice das suas vidas.

Jogam à cabra-cega com a força da gravidade, que lhes


ensina o itinerário de cada dia pelos caracteres gravados
no rosto das coisas esquecidas

Delas fogem polícias e epidemias: como as ilhas fogem dos


continentes; como as tempestades fogem dos equinócios

Cosem vírgulas aos pontos e vírgulas. Cosem-nas na pele


do vento... E vestem-se de ventania, afastando-se dos
lugares da elegância e do pensamento. Todavia, engordam
palpites, enobrecem opiniões que esboroam o vibrião da
cólera no coração do Profeta.

Ao meio-dia, empurram o povo o povoado para dentro


das maternidades, para que a nação renasça, entre
dois hinos & duas bandeiras.

230 231
Crescem & resistem entre duas moedas e duas fronteiras III
Fábula
A moeda do luxo e da luxúria
A fronteira do lixo e da lixívia Aurélio!

À noite, pegam a luxúria pela alquimia e ficam "luz" no Apraz-nos ouvir na boca dos vocábulos a fábula das
meio do lixo...vendendo sonhos aos écrans de todo o pedras loucas: nascem & crescem como virgens, entre
Mundo. o falo e a vagem do labirinto da página

Desde ontem, emolduram o centro e a periferia das O fogo, o sopro de Sahel tece-lhes o sal a argila a carne
questões. das intempéries E o sol e a substância de milénios
Trouxeram olhos de pão à sede dos instrumentos de pau e fecunda-lhes, em Agosto, a maternidade do desejo.
corda. E ficaram, à cabeça, cavaquinhos & bandolins
que fervilham... E quando na ilha morre um Prosador, os instrumentos
de corda & percussão dão-lhes nervos de tanta dor
& saltam... devagar... da nervura do texto para o plexo
solar da vida

Umas trazem no ventre as olimpíadas de todos os


tempos; outras sobem ao podium da estiagem com a
pedra verde do monte na montanha do ombro

Ouvimos: as ovações rasgavam na transparência artérias de


basalto e veias de granito, como se toda a nesga de céu
fosse, na emoção, um útero de sete pedras.

E na hora, vou e descubro na beleza litúrgica da minha


filha! na paixão olímpica da minha avó! A genealogia
das virgens loucas da minha ilha

232 233
IV Tordesilhas, um novo destino para o cabo das suas
Até se cumprir tormentas
até que a morte não interrompa a
Gonçalves! Gosto de ir, letra a letra, avante. Torcer o vida
tornozelo na geometria da tua prosa. Ir a cavalo do até que a Bárbara que
acento agudo, grave, esdrúxulo e ouvir no tecto da n'0 tem cativo liberte o Poeta que vai de âncoras &
sílaba o bater do tambor celeste. grilhetas menos pelo útero-trágico-marítimo-da-língua.

Eram precisamente iSh^s da tarde! Até que se cumpra... até se cumprir

A avenida marginal escrevia nos pés de Nhô Roque a


geografia de cada dia. De repente! Os sinos e os
relógios interditaram o trânsito no arquipélago, sobretudo
aos veículos de ganha-pão velocíssimos que apagavam
no motor da memória os pulmões de Nhô Roque em
combustão.

Num ápice
Nha Candinha Sena veio da sua derradeira
morada
advertir as carpideiras que interrompam
no solo
no choro
a inércia... a morte...
a coreografia do acidente
até se cumprir no coração das
personagens a profecia das noveletas inacabadas

até que as tartarugas no verde


da desova encontrem, aquém & além do Tratado de

234 235
V VI
Ano & dia A prostituta

Do Liceu Velino as lições do mestre continuam: ano & dia. Antes da despedida. Ela. A grávida de símbolos vários &
Lembro-me. O oceano da voz balouça vários mundos nas bandeiras múltiplas queria ser na noite de vento a luz,
nossas cabeças; isto é, o verbo desloca nos nossos a viola: a
crânios um navio de longo curso. E nós: o arco-íris do personagem
casco, a proa dos mastros & bandeira dos tripulantes em
viagem... E cantou! não o deserto, entre o olhar e o oásis de cada
manhã... mas o respirar do sino de todas as clausuras:
Na vertigem, toda a pausa abala o tecto do mundo...
"E se as ilhas saltassem de nós mesmos
Então, as mãos do mestre vêm e retiram âncoras Saltassem dos estômagos sem solo & subsolo
de ausência da cabeça lavrada dos discípulos. E nos Que devoram o ontem E o amanhã do arquipélago
olhos da adolescência reacende o aroma crioulo da E recomeçando sempre...
camoca. Entrássemos para a manhã... Entrássemos para o
De repente, Nhô Roque agarra os alunos pela distracção: mundo
liberta-os da roda do universo; devolve-lhes o arquipélago Vazios do presente E vazios de presença
do testemunho e o dragoeiro das raízes em rodopio Como
Se a nossa dor não tivesse passado
E o nosso amor não tivesse futuro"

enquanto
pedagogo emagrece de corpo & alma inserido na cana-de-
açúcar do trapiche da turma.

236 237
VII
Anel de noivado

Oceano ao redor, se reconhecem os amantes das


noveletas de
Nhô Goy, pela ilhena semântica de dar portas & janelas
às palavras
proparoxítonas.

Vindas do deserto! alojam-se no leite & mel da pronúncia

Sugam pelo mar da língua todo o sal das ondas


atlânticas,
para que os corpos e os pulmões ganhem na nudez a
luminosidade das praias que nos engravidam

Enquanto isso, o optometrista, mestre nas artes de


cabotagem, interrompe a leitura, fecha a noveleta no
lugar da Baía, onde de gatas nasce a lua cheia.
Atravessa
a fauna marítima e mete anel de noivado na mão
fantástica
que Germano deu à ilha da Boa Vista.

238
Paisagem lunar Naquele ano! As mornas chegavam à soleira de porta
em porta
sem letra & música, indagando pelos Trovadores da
meia-noite
Do IVIonte verde ao Monte vermelho! ondula a legenda dos E as violas saíam, quebrando-se entre cordas & melodia,
"terrenos de água nua" à procura
dos violões, soltos, naquele mundo à deriva.
não há esperança de chão que olvide
a saliva do corpo + a semente da sedução Das costelas do arquipélago: a tosse projectava cenas
pictóricas na nudez das hemoptises quase rupestres. E aos
E sedentos de beleza, o arquipélago e os homens bebiam a homens que chegavam perdidos naquela fonte de loucura,
loucura daquela paisagem enluarada! Enquanto, sôfregas, as mulheres devolviam-lhes
as mulheres e as ilhas escreviam, com os seios, cartas de a têmpera de ser seco
amora diáspora. as vértebras de séculos + a
alma de um tambor de raízes
As mães só ficavam órfãs! quando asfilhasse aproximavam enquanto
das ruínas e chamavam... de fruta... às pedras maduras (?) os nervos teciam no sexo da terra a urdidura dos sonhos
naquele ano! Os Deuses esqueceram-se das tábuas e do
tabernáculo Eram elas centenas de Bia, milhares de Maria e dezenas
e como "caçadores de herança" só falavam aos de milhar
corvos e à sementeira... a benefício do inventário de Bia & Maria. Dos vales, agarravam a desgraça da
montanha
Ó terrenos de sal & argila! As sementes que
dobram a espinha até à boca do corpo e lavavam a miséria do monte nos dentes alvos da ribeira
só adiam a união e o facto, enquanto as pedras não
ganhem enquanto erguiam entre o céu e a terra
a geometria dos engenhos E tragam no olho e aquela
na órbita de retorno solenidade de quem traz o sol e a lua para a constelação da
o sangue da argila + a seiva dos gafanhotos alegria.
Então! enxadas & braços aproximavam-se das raízes:
arbustos &
240 241
árvores entregavam-se de cabeça, tronco e membros No ombro da minha mãe
à potência da dor no a pedra da multidão
coração dos tambores E, da rocha do ovo à fractura da
casca, as veias I
lavravam no frémito da terra a mordedura dos frutos
ilhas em arco! arco-íris de pedra

Pedras que chegam E do ombro partem


Pedras que alargam
A memória omnívora das fronteiras
E vão
assim viúvas assim noivas assim virgens.
A cavalo do vento...

Entre dois rostos! fogo e brava


Não há pensamento Que não seja
Esta multidão de pedra & vento
Estas ilhas que correm
pela cabeça calva de Deus
À procura dos glóbulos
brancos vermelhos
Do arquipélago inacabado

Multidão! Se teu pai trazia às costas


O sol as salinas o deserto de Sahel
A minha mãe era então
Uma pirâmide longínqua

242 243
No saxofone de pedra II
Da minha avó Mas! quando pelo tesão da secura
E de barlavento a sotavento O povo traz nos testículos
A ilhena doçura da Dona Toda a primavera E todo o verão
De netos & netas Da terra por semear
la dizendo à velhice da nossa infância Etudo nos falta
Os continentes são pedaços Entre dois hinos E duas bandeiras
de ti a pedra é mesa & banco de urgência
de mim a pedra é fonte & sede de sapiência
de nós
Não! a palavra diria
Oue as ilhas vão perdendo! algures
Enquanto a vida fala aos vulcões Pedra! só serás poema & prosa
Da erosão do elogio Antes & depois
E as lavas de casca & gema Se no povoado! As ilhas e os ilhéus te propuserem
Transformam as tabernas em tabernáculos À transgressão que nos devora

Ali vai! O desvario da violência Entre


Onde nascem o pão da parábola E a praça do parlamento
violinos violas violões E a oralidade! prólogo & pelourinho
Sons De 48 rostos pelas 12 casas do tabuleiro
que já foram deuses. Grão a grão! não te pronunciar
E ainda habitam os pedregulhos do coração Que toda a pedra do poder
Além! É o sítio do sémen & sementeira É crime! se no povoado
Onde as pedras foram violadas não abalroa
pela maternidade de agosto o rosto da tradição
pela raiz/colmo de setembro
pelo outubro da nossa cesariana

244 245
Ill Colocam
E na verdade! na verdade vos digo um vulcão E um navio
Se a ilha é menor Entre os seios E as ancas
que a palma da mão do habitante De cada mulher
Se o arquipélago é menor Todos os dias! braços de mar alto
que a planta do pé da multidão Colocam
A boca alarga & engendra colinas uma rocha E um rochedo
na terra primitiva No ombro esquerdo/direito
A língua ergue & engorda planaltos De cada homem
nas salinas de massapé E grávidas! pejadas de pedra
E o espírito multiplica os oceanos do interior E belas! como penínsulas
Ao encontro do ovo & ovação d'aldeia olímpica As ilhas lavram
E dos corpos que cosem As ilhas abalam
os bocados dispersos a pobreza da colina
Do continente redondo da alma cabo-verdiana... a miséria do monte
E súbito! deparámo-nos a desgraça da montanha
Com a fome pictórica da minha mãe
Que leva os cornos d'África
Até aos úberes
Das vacas loucas de Maastricht
E de retorno! repõe
O universo de joelhos! face
Às sábias dunas da Boa Vista
Assim "olho & cenário! sonho & sonhador"

Ó pedra de amor ó pedra de amigo


Todos os dias! as mãos de Deus

246 247
Três telas paraTchalê Figueira A maternidade sórdida da vida
Que a gramática do silêncio explode
E a nobreza da alma não redime

I III
Crianças da rua i Crianças da rua 3

Enquanto o pintor cicatriza Na hora! as crianças mobilizam-se


o umbigo das três ribeiras Nascente & rumo
E do poente vem um rebanlio Tão espingardas de sol & soldados de pedra
De cavaquinhos e bandolins em viagem E sobrevoam! mercados de peixe e verdura
Trazendo + lenha à savana E libertam as portas! as pedras
Dos nossos corpos em chama Do uniforme das palavras
A paisagem atirava pedras às crianças E das lesões & balas
Como... se a natureza fosse Que se alojam
A sua arma de arremesso Nos acentos agudos graves esdrúxulos
E as crianças atiravam pedras à vida E escrevem poemas de amar
Como! Se o "Ih" da ilha no muro dos quartéis
fosse a lesão Com o osso/tambor da maresia
Entre a moeda do corpo E o cifrão da alma E a bateria sinfónica do apocalipse
MAS
II SeTchalé se distrai
Crianças da rua 2 Entre ojazzE a pintura
As crianças escorrem
Por vezes! o pintor é pai natal pelo "p" da paisagem E pelo "p" da planície
E salta! ilha & bronze E vão
Dos instrumentos de corda pela estrada luminosa das salinas
E de pé! as crianças devolvem-no ao pôr do Sol Oferecer aos rostos! de porta em porta
Para que os relógios resgatem o coração marítimo da estiagem
tecto & mesa! alfa & beta
248 249
Páscoa de pedra A pedra sonora
A língua de pedra
Oue salpica de verde
A lucidez da nossa loucura...
I Mas onde? onde encontrar
Assim! nasço & vou A pedra mãe! a pedra amante
Nos pés das pedras que nos perseguem A primavera de pedra
o rosto a órbita o movimento No verão que nos devora
Deambulavam! perto A montante da infância
Os acrobatas da "Pedra Rolada" A jusante da velhice
E o deserto bebia pelas dunas isto é
As ondas do crepúsculo A pedra da cicatriz
E as ruínas da catedral A pedra da primeira memória
A leveza
* que ergue no coração
esta chuva de pedra
Assim! nasceste & estás Apedra que foge
Nas mãos das pedras que nos projectam da mão do engenheiro
o corpo a decisão o desejo E
E se perguntámos? às pedras do pé do arquitecto
Uterinas & consanguíneas E constrói
Da fortuna do mar... no terraço da alma
Na boca das pedras: a pedagogia do maru a ogiva
Do marulho à dor! da erosão ao amor De uma salva de palmas

II
Mas onde? onde encontrar
No deserto da fala

250 251
Pedra de identidade Se aqui! no ar
nos pés do arquipélago
As ilhas param
Para ver as rochas passar
I Do deserto das pedras à deserção da pob
TODAS AS NOITES...
II
As pedras levitam nos nossos sonhos TODAS AS MANHÃS...
A balança do profeta! quando
O sismo da esperança "A ilha levanta a corola da saia"
Atinge Para que o mar nos proteja
4033 km^ de terramoto Das pedras que levam & trazem
E os ouvidos iluminam o arquipélago a reboque
nos corredores do medo Entre a sístole e a diástole
nos corredores da vida do vale do amanhecer
O trovão das nossas têmporas E como páginas! são
E saltam ilhas cabeças que se abrem
Para fora das ruínas Assim bibliotecas
Como ostras De esquecidas memórias
Para dentro das pérolas E com a música de milénios
E saltam rochas gota a gota nos ouvidos
Que se cruzam As pedras olham-se grávidas
Com o arquipélago dos sentidos + a Do deserto vermelho das palavras
Felina coreografia das planícies Há fogo nas pedras novas
Magras & mágicas! de ossos & símbolos Há luz nas pedras remotas
E tão virgens! de ser movimento E amor& ódio
Como! a luz do útero no cotovelo do abraço delas
Que as desnuda

252 253
Como! se não fosse lar Dia & diálogo nos ouvidos
o lugar do vento As pedras fermentam
o lugarda ilha osso a osso
Onde! o desespero da paixão remoça O alvoroço da tabanca
E das pedras nascem proas
III De falo & vagem
TODAS AS TARDES... Assim! mastros & âncoras
de terra arável
As pedras enobrecem as nossas raízes Todos
E tecem nos nossos pés Da mesma raça & povo de Ano Novo
o seu império de miragens Todas
Então! o deserto encontra nas dunas Do mesmo povo & nação de Manuel d'Novas
A palavra do senhor + a mão do vento Falos de sangue & vagens de pedra
Oue nos baptiza Oue levam & trazem
Com o sol vermelho da eucaristia
E se na oração! a morna é na coladeira da vida
chão & mar de toda a ópera E
As dunas descem pela carne do entardecer no batuque da alma
com seios de maré alta O hino! como morna
com ancas de maré baixa E o funaná! como bandeira
E levam para o baile "tea off" E das trovas d'Eugénio
o truculento pé de mazurca E das noveletas d'Aurélio
a lonjura erótica do landum Pedras caíam
o amor/desamor da contradança Pedras batiam na B. Léza da pátria

Enquanto! as salinas advertem os transeuntes como! presentes natalícios


Sobre o mar! há pedras em romaria
E com a força da maresia + a
Contenda dos oceanos

254 255
Agora pedra agora II
Ú pilões de lonjura! na mão & memória da mó de pedra
oceano & saliva
(Segundo Germano Almeida) Que ondulam rochas na goela das falésias
Ó frigoríficos de cultura das terras do fim do mundo
Primos de finaçon E primas de Kolá San Jon
E netos & netas
Ó solos do elogio ó noite & sol da erosão Do labor
Da menopausa & andropausa
Quando as sombras batem no ombro das pedras De vigor
Multiplicam braços & antebraços na multidão Quando a flor mestiça! Invoca
Abrem baías & portos no poço da palavra a aurora e o crepúsculo
E junto da fonte! as sementes Das aves & hélices que trazem os aviões da diáspora
são cicatrizes que dançam Afobados de substância! soluços & poços de ar
Cada vez mais "p" & península E transportam no voo! votos & votos
No crânio pedrento da parábola Que desaguam
Entre pedras & palmas
* No arame sanguíneo das ribeiras
E aterram! devagar
Quando os corvos trazem Nos braços dos contadores de estórias
olho a olho Netos & votos ficam
A geografia do mundo cada vez mais ilha
E as rochas crocitam pela cultura do milho cada vez mais estória
E as asas batem no espanto / espantalho de pedras fortuna do céu & ámen
Ficam constelações longínquas!
cada vez mais perto de amar III
Quando as mulheres arrastam o arquipélago para dentro
da ilha

256 257
E trazem a ilha para dentro do templo Das planícies & achadas que nos chamam
Adicionam espaço & arte E raízes trepam - noite e dia - os degraus da crónica
engenho & obra
Eficamcada vez mais ópera Dedilhando seu cavaquinho de pedra
no coração de cada E a multidão vai & bate na batuta
hora Das orquestras que nos nomeiam...
No povoado! a paróquia fica
cada vez mais povo
cada vez mais pulso
Quando os homens-de-vento batem De amara terra
no pêndulo das pedras
Ficam gota a gota IV
cada vez mais água Ó gerações do meio-dia! do ontem & antemanhã!
cada vez mais rio Quando perto da distância! as rochas
no sono da secura Por amor & pulmão da história! respiram
Assim! amor & ódio da nascente que nos une E os velhos vão & penetram a árvore das pedras
E da foz que vos multiplica E as velhas vão & levitam do arbusto das pedras
Velhos e velhas ficam
* cada vez mais maduros de ser
cada vez mais jovens de sonho
Quando! antes do cantar do galo cada vez mais adolescentes de sexo
Pedras de bronze abalam o metrônomo da vida cada vez mais crianças & gémeos que somos
E modelam! modulam cada vez mais feto que é
A luz! a fé que absolve & ama... E cada vez mais orgasmo & fogo de artifício
Quando! as bandeiras sobrevoam o perfume dos sinos
Entre o homem e a homilia
Entre o príncipe e a catedral
E enchem de tambor & navio o crânio das paróquias
E incendeiam o colmo a cana a voz

258 259
V Guarda-cabeça (I)
E do deserto das pedras à deserção da pobreza
E da nascente que nos une à foz que nos multiplica
Ontem! antes do sufrágio
As pedras iam levando as rochas Entre o sol E a substância
Há símbolos! Que não concitam o sétimo selo
De perto para junto de Deus
Quer para morrer! Quer para nascer
Hoje! após o sufrágio
Mas
As pedras batem
"Do nó de ser ao ónus de crescer"
na cabeça generosa de Deus
"Do olho da arte ao oásis do artesão"
E ficam
Há o "p" de pedra
cada vez mais corpo
Que sangra & sua o "p" de pulso no povoado
cada vez mais rosto
Tão-só para construir
cada vez mais órbita
pedra por pedra
cada vez mais alma
pulso a pulso
Com experiências palavra por palavra
humanas Na ilha do ombro
O "p" da porta da pirâmide aberta...

Leva quatro anos! por entrar


E por dentro! viaja
Quarenta & tantos de gravidez
Tão-só! pela emoção
impulso & tumulto
De ser o "p" do parto que perdura
Entre umbigos secantes
Que ampliam
semanas & séculos
De percurso & percussão

260 261
Gordá-cabeça (II)
E pelo deserto
De sangue & saliva! soubemos
sabendo"parcoeur" (Segundo o cavaquinho crioulo de Xisto Almeida)
Que ninguém morre de manhã
Antes & depois do sétimo selo
Com o "p" de pão & pátria
Enton note fora! na mei de verdade & mintira
Batuque & batucada
Recém-nascida! nos braços
Palapa era sô prosa E Nh'Anton Polina! sô poesia
Mergulhode
Na milagre de vida! carvon de vida
E na vida dsurinode...
Então! uniram-se as mãos
Qmodê (?) q'mon de pobreza
De todas as bandeiras...
Ta votá na bolse de miséria
De todas as fronteiras + os dedos
Qmodê (?) q'nô ta orienta use de nôs vote
Dos continentes que chegava
Na plurim & mercode d'usura
E longe de balonçe de kolá ma koladêra
Gordá-cabeça ma dôr de cabeça
Palapa era sô drama E Polina! sô comédia

E na descontra...

Qond trovo ma relompe


Bibé ses grogue
Pa guela de mar de canal
Entõn! muscle ma suor! terra ma céu
Era sô festa! na pagode daquele farra

E note malcriode! na madrugada pertode


Qonde Sabe já era noive de Sabura
263
262
E Sabim era namorada de Sabe-de-munde
E Morá-na-rua tinha cosa ma Morabeza
Garrafa ma c o p e ! calça ma saia
Dode de zuada! tava
Ta ba ta dzê
Ta ba ta dzê...
Tcha bitche bai... tcha bitche bai
Ta ba té Spanha
Ta ba té Merca de bicycleta...

264
A Cabeça Calva de Deus - Uma trilogia
épica fundacional
Ana Mafalda Leite

A Cabeça Calva de Deus intitula uma trilogia poé-


tica, iniciada com a publicação de Pão & Fonema (1974),
seguida de Árvore & Tambor (1986) e agora concluída
com o livro Pedras de Sol & Substância (2001). Aqui se
lê um percurso que começa por anunciar a libertação
do país, o festeja em som celebrativo e o dignifica na
sua solaridade cultural. A Cabeça Calva de Deus é uma
imagem que condensa o universo cabo-verdiano pela
sua potência engendradora a partir das suas limitações
geoclimáticas e telúricas. Abandonadas pelos deuses
no meio do Atlântico, as dez ilhas cabo-verdianas, a ca-
minho de África, Europa e América, com a nudez mineral
da secura, incorporam nelas a força poética e rítmica com
que a poesia fiindacional de Corsino Fortes as canta em
tom épico e sagrado.
O primeiro livro. Pão & Fonema, apresenta-nos um
poema que se organiza com uma proposição inicial, se-
guida de três cantos, e o título apresenta, em síntese,
a aliança de dois símbolos fundamentais que concre-
tizam o ideário proposto pelo poeta, no seu desejo
de reformular poeticamente o universo cabo-verdiano.
Esses dois elementos englobam várias significações,
desenvolvidas ao longo de todo o texto, e que dizem res-
peito aos principais aspectos característicos das ilhas
de Cabo Verde.

267
Com efeito, o primeiro - Pão - é resultante da Fonema em 1974. O poema apresenta inovação estética no
combinação positiva entre chuva e milho, componen- plano da forma da expressão e impõe novos paradigmas
tes essenciais que oferecem a solução ao tradicional ideológico-temáticos no plano da forma do conteúdo.
condicionalismo da seca e da fome nas ilhas, e que A recriação do tema evasionista ocupa o segundo
implicam, na sua ausência, a imigração. Esse elemento canto deste livro. Mar & Matrimónio, e a saída das ilhas
inicial regenerativo acresce-se do segundo - fonema - é encarada não como fatalidade, mas antes como ati-
que pressupõe o acesso à voz, à palavra, à alfabetização, tude de procura e de conhecimento, como crescimento
à cultura, ou noutras palavras ainda, à formação de um interior. É um acto de iniciação, de que o poema De pé
mundo cultural próprio e autónomo. Fonema é também nu sobre o pão de amanhã sugere as intenções, como
reivindicação do próprio acto da escrita e da realização assinala Mesquitela Lima no prefácio da obra; "O ca-
poética - poiesis - enquanto novo acto estético-cultu- bo-verdiano ao sair da terra (para assumir a atitude
ral na tradição literária cabo-verdiana. Os dois símbolos dinâmica) vai nu, sem nada, e caminha para o pão do
em aliança (e o signo que os une - & - estabelece a as- futuro)". A viagem e o exílio permitem ao ilhéu redi-
sociação) representam o alimento físico e espiritual, pão mensionar-se enquanto comunidade e enquanto nação:
para o corpo, fonema para a mente, alimento que resgata "Que toda a partida é alfabeto que nasce / todo o regresso
o homem cabo-verdiano das suas desgraças seculares. é nação que soletra".
Epopeia do pão e da palavra, o poema dá-se como ofe- O primeiro canto anuncia essa mudança e ama-
renda regenaradora e investe-se do poder ritual de uma durecimento. Aí se pressente a mudança feita de i m -
simbólica eucaristia. paciência e de energia acumulada e força, que fecunda
A intervenção poética dos claridosos, inovadora na o peito do cabo-verdiano, prestes a manifestar-se como o
exposição dos temas cabo-verdianos como o evasionismo, vulcão da ilha do Fogo: "Tchon de povo tchon de pedra! Cma
o terralongismo, a seca, a fome, veio ser ampliada com as fogo ma pedra na vulcon de Djar-Fogo". Este movimento
perspectivas temáticas e ideológicas da poesia cabo-ver- prospectivo e germinado no interior de si, em empa-
diana no período que decorre de 62 a 74 - e evidencie-se, tia com a sageza mineral das ilhas remete para tal surda
a título apenas de exemplos singulares, o papel de Oví- movimentação que agita o interior e o exterior, as ilhas
dio Martins no tema antievasionista, o resgate dos elemen- e o ilhéu, em estreita correspondência.
tos culturais africanos com António Nunes e Onésimo Pão & Património o terceiro e último canto de Pão &
Silveira, a reivindicação política e da cultura tradicional Fonema refaz o círculo da topografia cabo-verdiana. Após
com Gabriel Mariano, mas o discurso de ruptura e de a conjugação do movimento de sístole e de diástole, que
renovação na poesia cabo-verdiana surge de facto com projecta ao ritmo da insularidade as aspirações do coração
poesia escrita por Arménio Vieira, T. T. Thiofe e, funda- do ilhéu, de novo a contracção, o regresso, ao ponto de
mentalmente, com a publicação inaugural de Pão & partida. Este retorno, maisculado pela presentificação

268 269
de um advérbio - AGORA - "Agora povo agora pul- ideal, expandindo o primeiro na procura de um espaço
so / agora pão agora poema" representando o futuro feliz, que o território das ilhas não consegue preencher,
actualizado da libertação colonial, provoca o achamen- actualizar. Com Pão & Fonema convoca-se a inscrição
to da "nova terra dentro da terra" e de um amanhecer do tempo/ espaço míticos no tempo/ espaço real, e
de mundo que o poema Konde palmanhã manche essa outra terra de origem, de fuga, de evasão, volve
(quando a manhã amanhecer) bem explicita. A volta ao centro das ilhas, fazendo coincidir, pela primeira vez, o
marca o encontro "Não a terra das cicatrizes / Mas a terra espaço da frutificação e de bem-aventurança, o locus-
que cicatriza" que reclama o reconhecimento da cicatriz amoenus com o topos da pátria, agora reencontrada
do ilhéu, simbólico Ulisses, pela sua amada/ilha. Espaço pelo mito da fundação.
recolhido sobre si próprio, feminino, a ilha confere Árvore & Tambor, o segundo poema, editado em
o fechamento necessário à nascença e à criação, em 1986, era promessa, "terra prometida" no primeiro l i -
simultâneo, do novo cosmo e do poema que o celebra, vro de Corsino Fortes, Pão & Fonema (1974). No canto
nomeando-o: "Oh verso livre / oh semente / oh sangue terceiro dessa publicação, o primeiro poema anunciava
de violas & viola / Não consintam / Que o tempo / Rou- esse título do seguinte modo: "Que as colinas nascem/
be à minha fome/ O ovo do Sol que nasce/ e a tábua/ na omoplata dos homens/ com um cântico na aorta/
Do meu tabernáculo". árvore & tambor & sangue".
Começa finalmente o ajustamento entre um es- Com efeito aquele poema trazia em gestação este se-
paço utópico, imaginário, desde sempre procurado e gundo livro, com o qual estabelece uma continuidade
cantado na poesia cabo-verdiana, com a geografia do óbvia. O imperativo histórico de reformular Cabo Verde
país e da nação. Com efeito, desde os seus inícios a em termos épicos e míticos mantém-se e desenvolve-se.
literatura cabo-verdiana vinha marcando um percur- O título Árvore & Tambor retoma então a proposta de
so mítico, designado por Manuel Ferreira como "mito Pão & Fonema, alargando-a. Do resquicial fonema que
hesperitano ou a nostalgia do paraíso perdido" e que reclamava a liberdade de ser palavra e voz, advém o
se encontra essencialmente nas obras de José Lopes, tambor, som pleno, que pela sua tradição africana impõe
Eugénio Tavares ou Pedro Cardoso; esse mito gira em uma nova linguagem de identidade com África, de ritmo
torno da concepção de uma origem lendária e mágica das de festa e de solidariedade: "Os homens que nasceram
ilhas (Hespérides, Atlântida) in illo tempore, evocando da Estrela da manhã/ assim foram/ Árvore & Tambor
um espaço paradisíaco (os Jardins das Hespérides), a pela alvorada/ plantar no lábio da tua porta/ África:/
nostalgia de um paraíso perdido e de uma idade de oiro. mais uma espiga mais um livro mais uma roda".
Um outro mito posterior incorporado poeticamente O poeta recupera intencionalmente, integran-
pelos claridosos, por excelência evasionista, o mito de do-a, a sugestão africana do nome "tambor", que sedi-
Pasárgada, dá continuação a essa procura de um espaço menta em si o eco de muitos outros poetas, entre eles.

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significativamente, o do moçambicano José Craveiri- combinações, provocando no texto o aparecimento cons-
nha ("Quero ser tambor"). Árvore retoma por sua vez o tante de imagens novas, baseadas num condensado
"Pão"; trata-se de concretizar o acto pela acção: plantar, grupo de nomes de forte carga simbólica.
construir, renovar o corpo, o espírito, a palavra, a terra, Semelhante engendramento umbilical, aglutinado
a nação: "E o espírito é árvore"; "ó velho arbusto! Que foi em torno de um centro energético de som que é senti-
colónia"; "Vem e ergue a tua árvore/ Aqui". do (e repare-se que a aliteração, enquanto formação de sen-
Árvore & Tambor apresenta-se como engendrador tido por som, é uma das características desse universo
de uma importante simbólica de formas redondas, poético), manifesta no plano retórico o que no nível
onde a circularidade do universo que se constrói, ao to- mais geral do conteúdo acontece pela preponderância
mar a sua dinâmica própria, ganha a forma esférica de do tema da génese. Tome-se, a título de exemplo, o poe-
um cosmo. No que respeita, por exemplo, à estrutura ma Ilha da Proposição & Prólogo:
do poema, a Proposição & Prólogo iniciais, seguidos dos
cinco cantos que compõem o texto (e a organização Sol & semente: raiz & relâmpago
denuncia uma vez mais a vocação epicizante do autor) Tambor de som
desenvolvem um Prólogo & Proposição finais que re- que floresce
tomam o princípio. Imprime-se, assim, uma rotação A cabeça calva de Deus
de leitura e de propósitos, fechamento necessário ao
crescimento interior do poema e do mundo que ele Se não contarmos com os elementos conectores de
conquista concentricamente. frase, são dez os nomes empregues, desenhando for-
Mas o campo semântico dessas palavras/título não malmente o mapa poético das dez ilhas cabo-verdianas.
se esgota com a observação feita. Uma das características Os primeiros elementos, evocados por aliteração, são
da poesia de Corsino Fortes é o uso de um mesmo nome por excelência genesíacos: "Sol & Semente", e provo-
em diversos contextos, nunca por repetição, mas por re- cam os dois seguintes, continuadores do ciclo de ges-
corrência, que por sua vez leva à criação de uma ordem tação: "raiz & relâmpago". Por sua vez estes despoletam a
metafórica de equivalência. É por isso que ao longo de imagem do som, mas, no lugar do consequente trovão,
todo o poema se estabelece uma cumplicidade entre o surge o simbólico "tambor", forma circular de ritmo,
grupo de palavras provenientes de "tambor", como "esfera", força fecundante, energia. O único verbo do poema,
"roda", "rosto", "ovo", "ventre", "útero", "umbigo", ou entre "floresce", dinamiza todo o processo iniciado e trans-
aquelas suscitadas por "árvore", tais como "raiz", "héli- forma, reinventa, a secura e nudez das ilhas, enuncia-
ce", "arbusto", "semente", "seiva", "sangue". Esses núcleos das pela imagem aliterante de A Cabeça Calva de Deus.
semânticos, de que apenas se deu uma breve amostra, Está começada a acção recriadora do homem sobre a
tendem a misturar-se, a entrelaçar-se em variadíssimas obra criada por Deus, mas que é Deus também.

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E tomando o gesto divino do "génesis" o primeiro O poema estreia-se, pois, enquanto "acto de cul-
canto, De manhã! Os tambores Amam A Chama Da tura", retomando-se aqui o título de um dos poemas
Palavra Mão, encena a criação das ilhas, o seu nascimento (título que recupera a frase de Amílcar Cabral: "Toda a
mítico num tempo, que se renova e principia. Desse modo, revolução é um acto de cultura"), visto que imprime
a frase "De Manhã!" que se repete em litania ao longo a mudança por renovação, e executa a função de ser "a
do texto, quase à maneira de uma invocação mágica, impri- expressão dinâmica de um caos inicial", porque cosmi-
me essa ideia de fundação, de saída do caos para a luz e fica a ilha, a linguagem, o amor e o homem: "Como o
para a nova ordem: "De Manhã! As ilhas/ da minha pátria som cresce na fruta! Na árvore está o tambor/ E contra
nascem grávidas/ com o arco-íris/ na menina do olho". a erosão: a política de sedução".
Nesse poema, o autor continua a desenvolver o Hoje Chovia A Chuva Que Não Chove, poema do
tema da antievasão, iniciado em Pão & Fonema, mas Canto 11 do livro propõe, após a génese, a frutificação.
agora o chamamento ao regresso à terra é formulado Não pára de chover no poema, o alfabeto inteiro chove
num apelo constante e contínuo. Trata-se de participar de "a" a "z", para que chova também em Cabo Verde, ter-
na reconstrução da nova pátria, o que exige de todos os ra onde a seca proveniente do Sahel é tradição natural
filhos da ilha a repetição desse mesmo gesto mítico de e, consequentemente, tema poético na literatura do país.
génese: "Vem! Simples & redondo/ pelo sol pela gema/ Esse simbólico "dilúvio" é bênção regeneradora (inverten-
E pela dor do ovo que o povo fecundou/ As colinas do o sentido bíblico em que a acção diluviana se anun-
aguardam pela mão/ o gomo da tua herança/ E pelo cia por castigo), e promessa de que as ilhas cumprirão a
ventre de Bia/ A Cimboa/ dará/ terra/ terra nua/ terra sua árvore: "O povo/ chove no povoado a sua chuva de
virgem/ À árvore da tua parábola". séculos/ E a goela das ribeiras/ incha-se De aplausos/
Cumpre-se assim o ritual do nascimento, a partir de Que a chuva/ é podium/ na maratona das nossas
"uma hora zero" que data a passagem da antiga colónia artérias". Todo o Canto II é um delírio de jogos poéticos
no novo país, e, eminentemente solar, esse primeiro e de alegria retórica. A escassa chuva "Chove pulga &
canto projecta as cores que vão do amarelo ao arco-íris, ponto: sangue & vírgula" ganha por hipérbole e por
alquimizando-se o universo; tudo se transmuta, a rugo- sinédoque a dimensão gigante de uma gota, que deixa
sidade natural das ilhas, os seus componentes de escassez ver através dela como que através de um microscópio,
e fome, como por exemplo a cabra ou o vulcão: "o vulcão é a miniaturização das ilhas, nessa redoma de água com que
força/ a ilha é semente/ o mar é músculo/ a cabra é ouro". tanto sonham. O mundo é refeito na ordem inversa, e o
A gestação, por seu turno, ganha tributos femininos, volume da hipérbole associa-se à gravidez do mundo que
e o poema é percorrido por múltiplas referências desse nasce: "Mas no olho vítreo da gota/ uma cabra dança e
tipo: "os sons uterinos da ilha que nasce"; "o sol desce/ outra coxeia/ Ambas arrastam Entre as patas/ Um eclip-
velho & jovem/ E ajoelha-se à porta das maternidades". se de sol/ no rosto oblongo da gota/ As ilhas são cabras/

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as ilhas/ com úberes na Via Láctea". Nesse universo, os e da narração de acontecimentos históricos passados
papéis trocam-se, são mutáveis, e os elementos equi- que preparam a presente cosmogonia. Retrospectiva
valem-se: ilha por cabra, cabra por ilha; o real altera-se necessária e pedagógica: "Ali! As narinas de meu pai/
continuamente e a metamorfose leva à personificação, à soft-eram o sopro/ E a forja redonda/ Do carvão da cruz &
animização do abstracto, à concretização do inanimado. caos"; "Além! Sob o silêncio do tambor de Deus/ Dentes
Nesse mundo que está nascente, que é placenta e ventre d'Europa/ vendiam o pão d'África à fome das Américas".
materno, tudo pulsa e tende a ganhar uma dimensão Semelhante relato leva o artesão, que forja o novo mundo
múltipla e inesperada: "E de pé o arquipélago ganha a partir da mesma rocha "Quando as rochas/ dão
vela/ porto & terra/ De hélices nas raízes"; "Por vezes o têmpera & aço/ Ao corpo da alma", a cumprir com a sua
deserto chocalha nos ossos o seu esqueleto de gotas"; "E as palavra-fogo todo o espaço e tempo vividos anteriormente,
ilhas soerguem-se/ pelo arquipélago das patas/ E vão/ e a reinscrevê-los em poema. A mão poderosa desse
De cratera em cratera/ erguer/ na boca das sementes/ descendente do ferreiro mítico engendra a nova arma, o
A força contida dos vulcões". novo escudo, a incandescente palavra "E da cicatriz da
O Canto III, O Pescador, O Peixe EA Sua Península, mão/ brotam raízes/ Que vicejam a memória dos sécu-
faz a apresentação dos primeiros heróis anónimos que los" que incorpora em si o mapa da História: escravidão,
compõem o mundo criado, nele trabalham e habitam. trabalho forçado, deportação, miséria etc.
Refeita a ilha, regenerada com o simbólico dilúvio, chega-se O apelo ao regresso e à construção é a tónica predo-
agora à caracterização do homem e seu labor. Também no minante no último canto. Como já foi referido, mais atrás,
mar "a terra é arável", e a ignorada epopeia diária do pes- o poema Tempo De Ser Ovo Ovo De Ser Tempo oferece-se
cador ganha palco e espanto. Terra e mar conjugam-se na como espaço habitável, que projecta no tempo inaugural a
preparação do terreno propício para o trabalho: "Além! No convocação ao retorno. A ilha é feminina, visto que produ-
podium do mar largo! Os cetáceos são olhos que saltam tora do novo cosmo, e, por isso, sedutoramente, provoca o
saltos de solidão/ E se apaixonam/ Ao longo da costa/ Pelo regresso do amado - e leia-se nessa perspectiva o poema
ombro da ilha Que de longe balouça". Sagrado e ritualizado, Cantiga de Amigo: "Já te sinto! Aqui/ Como um coração que
este ofício une a ilha ao seu meio ambiente natural, o mar, bate à porta da sua morada/ Mas vem!/ pelos afluentes
reúne-osft-aternalmente,criando entre eles uma estreita de t i / pela nascente & nascentes/ Do teu corpo inteiro/
dependência e respeito mútuos: "Quando a ilha é sacerdote/ E inunda-me! Meu território" o regresso do emigrante, ima-
E o mar é catedral /E o poente! Oração/ Que se ergue/ ginado Ulisses. Os primeiros poemas retratam, então, a
Entre o mar e o seu cardume/ O anzol aproxima-se do figura de um homem e de uma mulher, representantes do
ofício/ Como o céu da boca/ Entre a hóstia e a comunhão". par inicial que povoa e frutifica o mundo. Mestiço & Mes-
O segundo poema do Canto III, Onde Mora A Viola tiça, texto seguinte, desenvolve essa relação em matrimó-
Do Artesão, encena o processo regenerativo da memória, nio e insemina a marca cultural específica do arquipélago.

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A pátria que aguarda, impaciente, o regresso do filho
teu suor desagua/ E da ilha!/ o cristal do tempo". Uma
pródigo recuperou a "fome de Ambrósio". A referência
referência se torna imperiosa ao belíssimo poema em
ao conhecido poema de Gabriel Mariano, Capitão Am-
crioulo, Golpe D'Estode Na Paraise. Mas se é o único tex-
brósio, reinscreve no novo topos "a bandeira negra da
to do livro integralmente em crioulo, em muitos outros
fome" e transforma-a em "pão sobre o forno". Esse diálogo
poemas se verifica a introdução de versos ou parte de
intertextual permite que o Capitão renasça para o futuro
versos nessa mesma língua. Mais uma vez se constata
de abundância que a terra prometida fecunda. Também
o bilinguismo poético do autor, que é inovador tanto
o poema Lestada de Lés A Lés se insere nessa proposta de numa língua como na outra.
releitura do testemunho poético de Ovídio Martins, que,
O terceiro livro deste volume. Pedras de Sol &
ao escrever Flagelados do Vento Leste, retomou por
Substância, encerra a trilogia anunciada desde o pri-
seu turno o título e o tema de uma das obras fulcrais do
meiro poema e organiza-se, tal como os anteriores,
romancista claridoso cabo-verdiano, Manuel Lopes. O actual
em cantos, antecedido de um Oráculo, onde se lê a
poema afirma, negando, o anterior: "Mesmo sendo! Já não
figuração da paisagem insular, no seu abandono em
somos/ Os flagelados do vento leste/ .../ Que o digam/ processo de autogestação: "Uma pedra no deserto + um
os braços do povo no povoado/ E os tambores de pão/ de dragoeiro/ Um anjo da guarda! No útero da paisagem/
pedra & pólen". É pois introduzida uma importante Não! na ilha".
reformulação na linha temática da poética cabo-verdiana,
O título convoca a força irradiante da pedra solar,
não só pela insistência no antievasionismo, dando-se
em fogo - "o olho da cabra sobre o olho da terra/ Como
lugar à procura de Pasárgada no interior do arquipélago,
é belo o fogo! Da flor da secura" - alquímica e trans-
como também pela consciência da capacidade de luta
formadora, bem como de todas as cambiantes do mito
contra os fenómenos naturais e o crédito na possibilidade
de Sísifo, retrabalhados nesse vigor, paciente, mineral
de transformação: "Aqui! Onde/ A seca é arma E a fome!
que iguala o homem à natureza da terra e o torna capaz
desafio/ A ilha é vida E a secura! Vivência/ E alta/ negra!
de superar as limitações da sua herança telúrica. "Toda a
A estrela traga/ A bandeira branca/ Da nossa guerra/
palavra é útero de sete pedras/ E/ Toda a pedra é um
Entre céu & terra".
poeta bissexto/ Leva quatro anos de pudor/ E quarenta
Na sequência dessa nova proposta, pode ler-se o e tantos de paixão/ Para inundar o deserto da estiagem/
tributo a António Nunes como homenagem necessária. com o dilúvio de chama que bebe/ Nas cratera do jazz &
Em Bom-Dia! António Nunes, Corsino Fortes convida-o batuque da esperança".
e convoca-o a participar na alegria da mudança, agora
O poema executa uma arqueologia da origem
efectuada. António Nunes simboliza também esse "amanhã"
primeva do arquipélago ao revelar os traços milenários
que se tornou hoje, em que a terra é do seu próprio povo:
da Rotcha Scribida, inscrições que ganham a força
"É teu António! O umbigo do mundo/ onde/ a força do
poética de uma tábua sagrada dos mandamentos da
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lei, ou de uma herança em que a força da palavra se pela página, articulados no seu ritmo coleante, móvel
inscreve secularmente na pedra das enigmáticas ro- e quebrado: "A morna! O finaçon nos conduz/ ao fii-
chas de S. Nicolau... O carácter sagrado, que nesses gorífico da cultura/ das terras do fim do mundo/ À guerra
caracteres se desenha, convida o narrador do poema da pobreza/ No metrônomo do batuque/ E ao dente de
a dar continuação à escrita profética e sacral de uma ouro da tabanca/ No menstruo das salinas/ À coladeira &
mão e de uma cabeça engendradoras, e regenerado- funaná/ na erupção do funacol/ E ao rondo que renova
ras do seu cosmo, configurado em todos os cantos de o passo/ como quem baila o landum/ E ao kolá kolá/ da
A Cabeça Calva de Deus: "Õ bíblia de murmúrio/ na tua morança e da melancolia/ que salte & bate/ bate & une/
semântica/ De sal! Sangue & paradoxo/ Ó universo de As coxas d'África às ancas da Macaronesia".
mil sons/ Que circulam/ Pela maternidade/ Do ver- Ao longo deste livro é-nos revelado o arco-íris cul-
sículo que nos une/ Na tua chama/ Na tua lava/ No teu tural do arquipélago, através do cromatismo pictural
tambor inenarrável". das litografias de São Filipe, onde os pintores Luísa
O primeiro canto, Sol & Substância, inclui ainda Queirós Figueira e Manuel Figueira perpassam nas
o poema A Cesariana Dos Três Continentes, onde se imagens dos poemas sobre as festas tradicionais da
descreve a origem geográfica, cultural do arquipélago, cidade de São Filipe, na ilha do Fogo, bem como, mais
articulado nos seus dez "umbigos de pedra" por um adiante, o pintor Tchlè Figueira num outro conjunto
cruzamento multicultural e, nessa prospecção das raí- de poemas. As litografias, organizadas em sete dias,
zes, dedica ainda, entre os seus símbolos de resistência como os da Criação, celebram nos seus versículos o
e de herança recebida, um poema ao dragoeiro, árvore vigor das corridas de cavalos e as práticas festivas, como
que encontra nas ilhas o vínculo da secura fértil, da evocação dos diferentes aparatos que cada dia convoca
sobrevivência milenar, do destino da singularidade e até ao final do ciclo celebrativo: "À frente da bandeira/
identidade com o ilhéu: "Da rocha ao rosto que me des- Parlamentavam os cavalos/ E só depois os cavaleiros/
te/ Do rosto à raiz que te dou/ Florescem no teu tronco/ E os festeiros/ Abriam no coração da ilha/ "O vulcão da
O crânio de Deus + o fogo do povo/ Que nos abraça! festa que se festeja".
Como/ Se o arquipélago já não fosse/ A tua Ordem/ E as A figura literária, humana, e de pedagogo, do
ilhas + ilhéus! A tua Regra". escritor António Aurélio Gonçalves merece um outro
O poema Na Morna! Na Mazurca O Trompete da
conjunto de poemas que, à maneira de uma elegia ou de
Evasão faz um percurso evocativo das várias heranças uma ode, reconstitui a memória do percurso humano,
musicais que o país herdou, criou e reformulou, e são intelectual e integra referências aos contos e novelas
nomeados os diferentes ritmos de dança. Tais práticas do distinto escritor cabo-verdiano - "Do Liceu Velho
tradicionais da música cabo-verdiana são poeticamen- as lições do mestre continuam: ano & dia/ Lembro-me.
te encenadas na coreografia dos versos, espalhados O oceano da voz balouça vários mundos nas/ nossas

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cabeças; isto é, o verbo desloca nos nossos/ crânios um interior/ Ao encontro do ovo & ovação daldeia olímpica/
navio de longo curso. E nós: o arco-íris do/ casco, a proa E dos corpos que cosem/ os bocados dispersos/ Do con-
dos mastros & bandeira dos tripulantes em/ viagem". tinente redondo da alma".
Outra figura que perpassa nesses poemas é a de Ger- A primeira, mais directa, é o modo privilegia-
mano Almeida, não só pelo seu registo literário, mas do de apelo. No sentido clássico do termo é uma espécie
também enquanto figura pública e política. de oração, tal como a compunham os poetas antigos
O historial político do país tem os seus veios in- quando imploravam a musa, e confere gradiloquên-
sinuados em vários poemas, como é o caso do texto cia e epicidade ao texto. A exclamação contenta-se
Uma Espiga de Milho na Boca do Parlamento, que evoca a
em suscitar, de modo mais indirecto, uma emoção.
importante personalidade de Abílio Duarte. Outros nomes De qualquer modo, tanto num caso como no outro,
de cantores, poetas e compositores de morna, como a sua importância na poesia de A Cabeça Calva de
Eugénio Tavares, Manuel de Novas, Ana Procópio, B. Deus reside, por um lado, na marcação do ritmo e da
Léza, fazem a sábia articulação entre a cultura tradicional pontuação no interior do texto e permite, por outro
e a literária, e invadem o poema com os ritmos de uma lado, enquanto homenagem à voz humana e à reci-
tradição crioula, onde o cruzamento das formas e a en- tação, poder recebido como audição, com toda a força
volvência da poesia com a música se encasalou nesse persuasiva e retórica que ela contém. Assim se tornam
género ímpar que é a morna. "O hino! como morna/ E o patentes e insinuantes nessa palavra poética a força e a
funaná! Como bandeira/ E das trovas d'Eugénio/ E das capacidade de convicção.
noveletas d'Aurélio/ Pedras caíam/ Pedras batiam na
A substância solar deste novo livro - Pedras de Sol &
B. Léza da pátria". Nota-se que na poesia de Corsino
substância - traduz-se na insistência do símbolo da
fortes se encontram dois níveis de "apelo". Um consis-
pedra, pedra da identidade, reconhecível na florescên-
te em "nomear", o outro em "invocar", e este último
cia e fulgurância das múltiplas criações culturais do
manifesta uma trajectória complementar de acção, pe-
país, no seu reconhecimento de origens afro-americanas e
rante o verbo. Ao mesmo tempo que o "cosmos" vai sendo
ocidentais, diversificadas, e crioulamente sedimentadas.
"nomeado", construído, é também "invocado". As principais
A Cabeça Calva de Deus apresenta-se aos seus lei-
formas vocativas utilizadas nesse universo poético
tores/ouvintes como uma trilogia fundacional e épica
são a invocação e a exclamação. "E na verdade! Na ver-
da história do país, em que nos revela agora com o últi-
dade vos digo/ Se a ilha é menor/ que a palma da mão do
mo livro, fiindamentalmente, a vertente arqueológica e
habitante/ Se o arquipélago é menor/ que a planta do pé
cultural, ao executar nos três cantos a substancialidade
da multidão/ A boca alarga & engendra colinas/ na terra
solar da criatividade cabo-verdiana, nas suas múltiplas
primitiva/ A língua ergue & engorda planaltos/ nas sa-
vertentes, musical, pictórica, literária, política, queduc-
linas de massapé/ E o espírito multiplica os oceanos do
tilizam a dureza mineral das ilhas no paciente requebro
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nostálgico da morna, na ordem compassada do rondo,
ou no ritmo agitado e harmónico da antiga mazurca ou
do funaná. Dados sobre o Autor
Amanhecer sagrado de mundo, esta Cabeça Calva
de Deus oferece-nos na sua força criadora uma trilogia
em que, simultaneamente, Cabo Verde também de no-
vo nasce, como terra, como país, como pátria, como Corsino António Fortes nasceu em 14 de fevereiro
identidade e como cultura, fora e dentro do poema. de 1933, em Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde.
Licenciado em Direito (Lisboa, 1966), veio a exercer as
funções de delegado do Ministério Público e juiz de
direito, em Angola, até ser exonerado a seu pedido, em
abril de 1975, do cargo de magistrado. Em 1974-1975, co-
mo militante activo do P.A.I.G.C. exerceu as funções de
representante do Partido em Angola, de director-geral
dos Assuntos Judiciários da República da Guiné-Bis-
sau e de emissário especial da República de Cabo Verde
junto dos Governos da República Popular de Angola
e da República Democrática de São Tomé e Príncipe.
Entre 1975 e 1981, foi embaixador extraordinário e ple-
nipotenciário da República de Cabo Verde junto da
República Portuguesa, desempenhando idênticas fun-
ções junto dos Governos de Espanha, França, Itália,
Noruega e Islândia. Em 1981, foi nomeado secretário
de Estado-adjunto do primeiro-ministro e, em 1983,
secretário de Estado da Comunicação Social.
Em 1986, Corsino Fortes foi delegado plenipo-
tenciário da República de Cabo Verde ao encontro de
Unificação Ortográfica de Língua Portuguesa, realizado
no Brasil.
Entre 1986 e 1989, regressa à diplomacia como
embaixador de Cabo Verde junto da República Popu-
lar de Angola, exercendo idênticas funções junto dos

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Governos de São Tomé e Príncipe, Zâmbia, Moçambique
e Zimbabué.
Entre 1989 e 1991, exerce as funções de ministro Dados sobre o Artista
da Justiça pelo Governo de Cabo Verde. Em 1992 como
consultor diplomático identifica o 1 programa PALOP a
favor dos cinco países de língua oficial portuguesa f i -
nanciados pela União Europeia (1992) e integra a equi- Fernando Gonçalves Araujo (Portugal, 1957).
pa plurinacional que identifica o II programa PALOP Artista plástico. Vive no Brasil desde 1959. Pertence à
em 1998. forte tradição brasileira de arte expressionista. Apesar de
Hoje exerce as seguintes fiinções: Presidente da Fun- estar vinculado à arte há muito tempo só recente-
dação Amílcar Cabral; Presidente do Conselho de Ad- mente aceitou ter na atividade uma vivência pública. E nes-
ministração da Impar - Companhia Cabo-Verdiana de te breve período teve uma participação significativa,
Seguros; Vice-presidente do Conselho de Administração com exposições individuais nos Museu Brasileiro da
da Caixa Económica de Cabo Verde; e Sócio-fundador da Escultura (2008), Centre Culturel Brésil-France, Galerie
Associação dos Escritores cabo-verdianos. D'Art François Mansart (2008), Sorocaba Espaço Mos-
Foi condecorado pelo Governo Português com a teiro de São Bento (2009) e Instituto Anima De Sophia
Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique e com (2010); além de mostras coletivas no Centro cultural
a Grã-Cruz da Ordem de Mérito; pelo Governo Francês Brasital, Memorial da América Latina, casa da Fazenda
com o Grand ofíicier de Lordre nacional du Mérite; e e Galeria Casa das Mudas, Centro cultural da Calheta
pela Presidência da República de Cabo Verde com a (Ilha da Madeira, Portugal). Essas exposições tiveram
Ordem do Vulcão. curadorias de Jacob Klintowitz, Paulo Amaral, Paula
O autor nunca quis publicar em volume os poemas Garcia, Cristina Delanhesi, Oscar D'Ambrosio.
escritos até meados da década de 60, salvo poesias
dispersas no jornal do 3- ciclo liceal (1957), Boletim
de Cabo Verde, no último volume da revista Claridade
e na antologia da moderna poesia cabo-verdiana.
A obra poética que se resume na trilogia Pão &
Fonema, Árvore & Tambor e Pedras de Sol & Substâncias,
sob o título A Cabeça Calva de Deus, já foi objecto de vá-
rios estudos e faz parte de várias antologias em Hngua
inglesa, portuguesa, francesa, italiana, holandesa etc.

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