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A face perversa da Plataforma Lattes

Lançada em 16 de agosto de 1999, a Plataforma Lattes é o maior repositório – se


não o único – virtual de currículos de pesquisadores do mundo. No caso, dos
brasileiros. Um cientista do país que não tenha o seu currículo nela
praticamente inexiste para os pares e para os órgãos de fomento. Na opinião
muitos, é uma mão na roda, pois possibilita que cada um apresente suas linhas
de pesquisa e seus trabalhos, para que possam ser conhecidos e avaliados, além
de aproximar grupos e estimular associações e intercâmbios. Mas ela não está
isenta de problemas, como, por exemplo, as informações duvidosas ou falsas e o
estímulo à quantidade, em vez da qualidade, das pesquisas.

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A médica Ivana Duval de Araújo, pesquisadora da Faculdade de Medicina


da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembra que o Lattes surgiu
como uma proposta de mapear os pesquisadores do país, o que tornaria possível
um intercâmbio e conhecimento da comunidade científica. “Como instrumento
de organização da comunidade, rapidamente se transformou em um cartão de
visitas e instrumento de seleção e categorização dentro dela”, diz. “Assim, a
comparação entre os indivíduos começou, e a métrica empregada passou a ser a
quantidade. De trabalhos publicados, de teses orientadas, de alunos de iniciação
científica, de apresentação em congressos”.

Para ela, a partir do momento em que se mede a competência por dados


quantitativos, há a abertura para a distorção do sistema. “Os dados na
plataforma são acrescidos pelo pesquisador”, explica. “Publicações em revistas
científicas com um código chamado DOI eliminam um pouco as fraudes, mas
ainda assim elas existem. Revistas que não usam o sistema as possibilitam. Além
disso, existem outros modos de fraudar o sistema. Publicar o mesmo artigo em
mais de um periódico, chefes de laboratório ou de departamentos que obrigam a
inclusão do seu nome em todas as publicações, mesmo aquelas onde não houve
nenhuma participação deles, dentre muitas outras. Informações inexatas
colocadas no Lattes ocorrem, um pouco por inocência, muito por má-fé”.

Um pesquisador de uma grande universidade, que prefere não se identificar, diz


que o problema é que a maior parte das informações colocadas no Lattes é
duvidosa, “pelo menos as de muitos” de seus colegas. “A preocupação da maioria
deles, nos últimos anos, tem sido apenas abastecer a Plataforma Lattes de
informações, sem se importar muito com a real contribuição e impacto de suas
pesquisas para a sociedade”, critica. “Não é uma regra geral, claro, mas é isso
que tenho percebido. O Lattes não me parece ser uma boa métrica para avaliar a
qualidade das pesquisas no Brasil e no mundo”.

O biólogo americano radicado no Brasil Charles Roland Clement, do Instituto


Nacional Pesquisas da Amazônia, (Inpa), que tem seu currículo na plataforma,
também tem algumas críticas. “Trata-se de um sistema de contabilidade de
produção de resultados da comunidade acadêmica que é usado pelo CNPq
[Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e todas as
outras agências de fomento no país para ver se um cientista solicitando apoio é
produtivo”, explica. “A produção de um resultado qualquer não quer dizer que
ele seja importante, científica ou socialmente”.

Ele vê ainda outros problemas. Um deles é a atualização do currículo na


plataforma, que, idealmente, deveria ser feita pelo próprio pesquisador. “No
entanto, conheço vários que deixam a tarefa para seus estagiários”, revela. “Aí,
não tem nenhum controle. Já encontrei currículo no Lattes com duas ou três
cópias do mesmo artigo, cada um com uma pequena diferença de algo,
certamente incluído por diferentes estagiários. A plataforma tem um controle
interno que identifica duplicações, mas somente se forem exatas. Mude a ordem
dos coautores, por exemplo, e ela não reconhece como duplicado”.

Além disso, existe a preocupação de alguns pesquisadores nos últimos anos de


apenas abastecer a plataforma de informações, sem se importar muito com a
real contribuição e impacto de suas pesquisas para a sociedade. “É o velho
ditado: quem não tem cão, caça com gato”, diz Clement. “Se um cientista publica
em revistas com alto fator de impacto e é citado, não tem razão para encher o

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Lattes com baboseira, porque capta recursos facilmente. Agora, quem não
publica bem e não é citado precisa encher linguiça, para tentar confundir os
revisores externos das agências de fomento, na esperança de captar uma
granazinha. Um pesquisador sério trata o Lattes como um cartão de visita;
somente coloca a verdade e mais nada, pois não precisa enganar ninguém. Mas
um menos sério pode não fazer isso”.

Ivana lembra de outro problema causado por esta preocupação de “engordar” o


currículo. “Desde que foi estabelecida a métrica de que os bons pesquisadores
são aqueles que apresentam grande quantidade de publicações, o ‘publique ou
pereça’ matou muitas jovens carreiras do país”, diz. “Haja vista a postura cruel
do CNPq, que há vários anos vem financiando apenas pesquisadores com ao
menos três publicações de nível internacional por ano. Mas como um
pesquisador iniciante vai produzir ciência de boa qualidade, para figurar em
revistas internacionais, sem financiamento? A sugestão do próprio CNPq é que
ele se alie a um pesquisador sênior para conseguir os recursos para sua
pesquisa”.

Ou seja, acrescenta, volta-se ao método pelo qual alguns currículos Lattes são
formados. “O chefe do laboratório acolhe um pesquisador júnior, que produz
ciência e o nome do pesquisador sênior é incluído nas publicações, mesmo que
ele tenha apenas emprestado as instalações e não tenha tido qualquer
participação na elaboração do trabalho e revisão do manuscrito”, explica. “Acho
que o Lattes e a cultura de alta produtividade talvez tenham sido os maiores
responsáveis por abortar carreiras promissoras, e gerar desvios de conduta por
parte de nossos pesquisadores”.

Defesa
Há pesquisadores renomados e importantes que defendem a plataforma e listam
seus aspectos positivos. É o caso, por exemplo, do médico e bioquímico Walter
Colli, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). “O Lattes
foi uma grande inovação porque elimina a burocracia”, elogia. “Quem tem que
exercer a crítica é quem está buscando o currículo de alguém. É apenas uma
fonte de informação, e todos sabem que é necessário conferir todos os dados”.

Colli chama atenção para o fato de o currículo Lattes não ser um documento
registrado em cartório, com firma reconhecida. É apenas um ordenamento
daquilo que seu autor julga relevante para mostrar a quem se interesse. Por isso,
não descarta a possibilidade de que pesquisadores abasteçam seus currículos
com informações falsas. “Depende da pessoa”, diz. “O meu não tem nada de
duvidoso, nem o da maioria dos cientistas. Em alguns casos, pode acontecer.
Afinal, em todas as profissões há aqueles que fazem maquiagem de
informações”.

Mas, segundo ele, a falsidade não dura muito, e é logo descoberta. “O CNPq,
responsável por essa inovação, tem uma Comissão de Ética que está atenta a
fraudes, quando for provocada”, diz Colli. “O motivo de ser desta forma, de agir
só quando provocada, é explicável. Imagine-se montar uma burocracia só para
checar a veracidade das informações em cada currículo. A responsabilidade, em
cada um, é exclusivamente de seu autor. A Plataforma Lattes é apenas uma
correia de transmissão para informar e facilitar avaliações”.

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O glaciólogo Jefferson Cardia Simões, vice-pró-reitor de Pesquisa da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pensa de maneira
semelhante. “O Lattes é apenas uma ferramenta, que pode ser útil e benéfica ou
maléfica, conforme o uso”, diz. “É extremamente útil para manter atualizadas as
atividades dos pesquisadores (e planejamento de suas carreiras) e prover
informações gerais para colegas”.

Sobre publicações sem relevância, ele diz que o desonesto pode colocar o que
quiser em currículo. “Mas nesse caso se aplica fortemente o dito: ‘a mentira tem
perna curta’, conforme visto por algumas declarações falsas por alguns políticos,
que inventam cursos no exterior, por exemplo”, explica. “Como qualquer
currículo, depende da honestidade do profissional e sempre devemos cruzar com
outros bancos de dados. Isso é extremamente fácil de fazer hoje”.

Para a bióloga Grace Schenatto Pereira Moraes, da UFMG, a Plataforma Lattes é


um diferencial positivo (“diante de tantos negativos”) que a ciência brasileira
tem. “Margem para fraudes sempre existirá, mas quem é cientista mesmo, de
verdade, não frauda currículo”, diz. “Agora, políticos, que ao mesmo tempo que
criticam a ciência reconhecem nela a confiabilidade que ela confere, esses sim
fraudam. E temos visto isso muito em integrantes do atual governo federal”.

'De acordo com ela, a plataforma passou por várias alterações e melhorias desde
que foi lançada. “Uma delas é a aba ‘atividades que impactam a sociedade (ou
algo assim)'”, explica. “Nela, o pesquisador seleciona àquelas atividades que são
ligadas ao impacto e real contribuição à sociedade. Claro que há um fator
subjetivo nisso, porque quem seleciona o impacto na sociedade é o próprio
cientista. Mas não vejo problemas nisso”.

Grace acrescenta que outra conquista recente foi a de adicionar aos currículos de
mulheres o período em que foram mães. “Isso é importante, para que quando
essas pesquisadoras tiverem seus currículos analisados se possa traçar uma
possível queda de produção com o tempo da maternidade. Mas isso ainda não
entrou em vigor”, explica.

A colocação do "índice h" foi mais uma mudança, assim como o número de
citações em diferentes plataformas mundiais. O índice h, ou h-index em inglês, é
uma proposta para quantificar a produtividade e o impacto de cientistas
baseando-se nos seus artigos mais citados. “Isso acompanha a tendência
mundial de que além dos números de publicações, é preciso ter um referencial
de quanto o seu paper é citado, o que indica ou sinaliza o impacto na
comunidade científica”, conta Grace.

Para Clement, toda dessa discussão tem a ver com algo óbvio: a comunidade
acadêmica brasileira é uma amostra da sociedade brasileira como um todo.
“Tem gente séria, competente, inteligente e tem pessoas incompetentes, burras,
sem seriedade”, explica. “O Lattes é uma amostra disso. Não ajuda que o CNPq
nunca publicou um manual de uso, e não tem uma norma pública de exigir
correção de erros. Algumas universidades elaboraram manuais de uso para
ajudar seus professores e alunos, mas nunca ouvi de uma universidade ter uma
norma exigindo correções de erros. O sistema parte do pressuposto que o
cidadão é honesto. A maioria é, mas os não honestos levantam todo deste tipo de
dúvida”.

Evanildo da Silveira é jornalista

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