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A contribuição da discussão sobre a importância da literatura no processo de formação de novos

leitores

Dolores Orange (UFPE)

“Há, portanto, um pensamento da literatura. Literatura é um


exercício de pensamento; a leitura, uma experimentação dos
possíveis.” Compagnon

Resumo:Reduzida à disciplina escolar, a literatura é vista exclusivamente como obrigação curricular a ser
cumprida pelo aluno e como o estudo das escolas literárias e dos estilos de época. Na nossa compreensão,
o maior objetivo da aula de literatura deve ser convencer o aluno de que as experiências da vida podem
ser redimensionadas na preciosidade linguística e discursiva da literatura. A pesquisa analisa como o
trabalho docente contribui para a formação de um leitor crítico/proficiente, capaz de conferir sentido à
leitura literária e ao mundo. As bases teóricas que serviram de apoio para esta pesquisa foram os estudos
de Aguiar e Bordini (1993), Barthes (2010), Compagnon (2009), Geraldi (2001) e Kleiman (2008). A
pesquisa foi realizada em uma turma do ensino fundamental e em uma turma do ensino médio de duas
escolas públicas da Região Metropolitana de Recife (PE): uma escola da rede estadual, e um colégio de
Aplicação, somando 45 horas/aula observadas. Para a análise dos dados, fizemos uma relação entre a
prática das professoras, considerando a metodologia utilizada no ensino de literatura. A professora da
escola estadual priorizou atividades de leitura que focalizam a superfície textual, não se levando em conta
os aspectos discursivos. Já a professora do colégio de Aplicação promoveu ricos debates em torno da
importância da leitura literária na vida do homem. Concluímos que o professor que promove reflexões em
torno da importância da literatura, respeitando a experiência dos alunos, potencializa o desejo de ler e,
logo, a vontade de encontrar uma nova maneira de adensar experiências da vida.

1. INTRODUÇÃO

A literatura, embora seja um espaço de encontro marcado pela ausência física de


um (ou mais) interlocutor(es) – o escritor –, possibilita ao leitor participar de um jogo
de intercâmbio de experiências, cujo resultado final pode (e deve) ser o adensamento da
experiência particular. Este se realiza, muitas vezes, no confronto, quando a literatura,
palco de dissidências, desestabiliza e questiona certezas: um duelo, às vezes, torturante,
que aponta, entretanto, para vias mais largas de reflexão. Além disso, o texto literário
abre os nossos olhos para outro mundo e nos permite colocar-nos nos olhos do outro.
Por essa razão, a literatura é arte comprometida, em especial, com a tarefa de dar
significado à vida e de patrocinar a reflexão sobre a condição humana e sobre o papel do
homem na sociedade.

Para uma melhor compreensão do que é literatura, faz-se indispensável pensar o


que é a linguagem. Se através dela podemos dar concretude à realidade, a literatura,
espaço de subversão da língua, corresponde a uma tentativa humana de ressignificar a
vida e a essência do humano. Barthes (apud BORDINI e AGUIAR, 1993) deixa clara a
importância da linguagem na vida do homem, a única via de conferir sentido ao mundo
e aos objetos:

Parece cada vez mais difícil conceber um sistema de imagens ou


objetos cujos significados possam existir fora da linguagem: perceber
o que significa uma substância é, fatalmente, recorrer ao recorte da
língua: sentido só existe quando denominado, e o mundo dos
significados não é outro senão o da linguagem. (p. 9)

Além disso, a literatura não se esgota no conceito de que é aquela que se


constrói através da linguagem em um suporte material, a obra. Para Foucault (2005), a
literatura é mais complexa e etérea: forma, junto à obra e à linguagem, um triângulo
cujo interior de uma brancura essencial questiona o próprio conceito de literatura – esse
branco é o que mais se aproxima daquilo que chega às nossas mãos e à nossa
inteligência classificado como literatura. Ou seja, a literatura tem como característica
intrínseca o eterno questionamento sobre a validade do seu caráter de literário. E todo
leitor, em escalas diferentes, empreende essa reflexão quando compreende a
importância da literatura para a vida:

A literatura não é o fato de uma linguagem se transformar em obra,


nem o fato de uma obra ser fabricada com a linguagem; a literatura é
um terceiro ponto, diferente da linguagem e da obra, exterior à linha
reta entre a obra e a linguagem, que, por isso, desenha um espaço
vazio, uma brancura essencial onde nasce a questão “O que é
literatura?”, brancura essencial que, na verdade, é essa própria
questão. Por isso, a questão não se superpõe à literatura, não se
acrescenta a ela por obra de uma consciência crítica suplementar: ela é
o próprio ser da literatura originariamente despedaçado e fraturado.
(FOUCAULT, 2005, p. 141)

Compreendemos, dessa forma, que o professor de literatura precisa levar para a


sala de aula esse questionamento indispensável: “O que é literatura e qual a importância
dela para o homem?”. Mas, para despertar o aluno para essa questão, o professor precisa
conhecer bem as teorias da literatura e da linguagem, evitando, assim, que o trato com o
texto literário se limite a abordagens superficiais. Pois, quanto melhor um professor for
capaz de refletir sobre a literatura, colocando-se devidamente no papel de crítico e
munindo-se apropriadamente da teoria literária, melhor será seu desempenho como
mediador da literatura – esse é um fato que, embora óbvio, é desconsiderado como
elemento indispensável à formação do professor. Além disso, para o sucesso de
qualquer prática de leitura escolar, exige-se do professor de língua portuguesa uma
sólida compreensão teórica sobre o que é leitura e como fazê-la:

Ao falar de leitura, no entanto, nem sempre estamos falando da mesma


coisa. A palavra pode ter várias acepções. Quando se trata do
professor como leitor, a palavra leitura não quer dizer capacidade de
decifrar sinais gráficos, mas, sim, de doar sentido ao que se lê, de ser
capaz de viver, numa leitura literária, uma experiência iniciática. (...)
Nessa acepção, leitura é algo capaz de provocar mudanças, para lá do
mero entretenimento que, no entanto, é fundamental para atrair e
animar o contato primeiro de iniciantes, como a criança com o livro.
(CADEMARTORI, 2009, p. 24)

Para que os alunos encontrem sentido e prazer na leitura de textos literários, uma
boa conversa, sistematizada e embasada por textos teóricos e literários, sobre a
importância de reelaborar a vida através da literatura é um bom começo para despertar a
paixão pela leitura. O professor não estimula o aluno a ler baseado no argumento da
obrigação ou na insígnia da autoridade, e, por isso, antes de apresentar juízos rígidos de
valor sobre o que é alta literatura, para usar um termo de Moisés (2006), o educador
deve considerar as experiências de leitura que os alunos trazem consigo. É no diálogo
entre a maturidade literária do professor e os primeiros passos do educando no mundo
da leitura que se constrói as bases para a transformação de ledores em leitores.

(...) informar a esses [os alunos] de técnicas ou períodos literários não


resultará em alargamento dos limites culturais que orientam as práticas
significativas deles, senão num estágio bem mais adiantado de sua
formação. Antes de formalizar o estudo dos textos por essas vias, é
preciso vivenciar muitas obras para que estas venham a preencher os
esquemas conceituais. (BORDINI e AGUIAR, 1993, p. 17)

Reduzida à disciplina escolar, muitas vezes, a literatura é vista exclusivamente


como obrigação curricular a ser cumprida pelo aluno. Além disso, o ensino de literatura
tem sido reduzido ao estudo das escolas literárias e dos estilos de época, sem que os
textos literários se apresentem aos alunos. Parece urgente a necessidade de se abolir o
argumento de que “ler é bom e instrui”. O professor precisa alçar voos mais longos e
pousar em terrenos mais íngremes e resistentes: levar aos jovens – pessoas menos presas
aos hábitos e, portanto, mais dispostas a novas descobertas – uma discussão séria sobre
poesia, poema, prosa, literatura e escritor. O ideal, talvez, seja convencer o educando,
através do contato efetivo com o texto literário, de que abrir um livro e se render ao
laborioso mundo do autor, dispondo-se ao périplo dos personagens, que demanda ao
leitor uma viagem de circum-navegação sobre si mesmo, é aceitar a moeda da reflexão
sobre a vida: a literatura multiplica as possibilidades de interpretação da existência e
pode, em muitos casos, ajudar o leitor a dar novo significado às suas experiências
particulares. Como diz Compagnon (2009):

Uma segunda definição do poder da literatura, surgida com o século


das luzes e aprofundada pelo romantismo, faz dela não mais um meio
de instruir deleitando, mas um remédio. Ela liberta o indivíduo de sua
sujeição às autoridades, pensavam os filósofos; ela o cura, em
particular, do obscurantismo religioso. A literatura, instrumento de
justiça e de tolerância, e a leitura, experiência de autonomia,
contribuem para a liberdade e para a responsabilidade do indivíduo.
(p. 34)

A escola, entretanto, privilegia, sem dúvida, a leitura que decodifica signos


linguísticos, enquanto a leitura que avança na interpretação do texto e mobiliza, com
mais impacto, os esquemas cognitivos do indivíduo não é considerada como ponto
nerval do processo de aprendizagem. Longe de criar um projeto pedagógico que se
solidarize com uma proposta de fruição da leitura, muitos professores se rendem à
desculpa dos entraves da escola e dos currículos em detrimento de uma educação de
qualidade para darem seguimento a uma prática docente que, infelizmente, trabalha
aquilo que os alunos já conhecem ou aquilo que pouco exige uma maior profundidade
reflexiva.

E, assim, por considerar o aluno incapaz de sair da superfície do texto, o


professor não planeja/ousa uma aula mais desafiadora. Alija-se do aluno até mesmo o
direito de deparar-se com o conflito referido acima, que delimita o início da dificuldade
de aquisição de um novo conhecimento, sem significar, no entanto, fracasso. O aluno,
portanto, vítima, entre outras razões, da visão alienada (senão preguiçosa) ou da falta de
uma boa formação de alguns educadores, depara-se com uma aprendizagem pouco
sólida e deixa a escola sem ter desenvolvido qualquer apreço pela leitura literária.

Com relação à prática da leitura em sala de aula, Geraldi (2001b, p. 91) defende
que essa seja “um processo de interlocução entre leitor/autor mediado pelo texto”. Ao
invés de decifrar ou buscar o sentido do texto, é preciso que os alunos, com a ajuda da
interferência do professor, constatem sentidos no texto, reflitam coletivamente sobre
esses sentidos, relacionando-os com seus conhecimentos de mundo, com suas leituras já
realizadas, e que os transformem, posicionando-se diante dos discursos presentes no
texto (SILVA, 1991). Outro argumento para o ensino da leitura é apresentado por
Antunes (2002), pois, segundo a autora, a leitura comporta as dimensões informativa,
formativa e de fruição. Ou seja, através da leitura, os alunos têm acesso ao
conhecimento construído historicamente; se familiarizam com as particularidades da
escrita e com seu processo de construção; e vivenciam o prazer estético do
encantamento, da descoberta, das emoções que trazem os textos literários, sobretudo.

No que se refere à integração entre o ensino de língua materna e o de literatura,


pode-se constatar que, apesar de reunidas na mesma disciplina e, muitas vezes, na figura
do mesmo professor, são reservados horários diferentes para o ensino de cada um desses
campos, os quais permanecem separados. Chiappini (2001) questiona, portanto, até que
ponto essa separação estanque favorece didaticamente o aprendizado dos alunos,
apontando para o fato de que o motivo real dessa fragmentação é, na verdade, as
concepções estreitas de língua e de literatura carregadas por parte dos professores. Para
a autora, os professores de língua, tradicionalmente, encaram a literatura como
instituição nacional/patrimônio cultural, como disciplina escolar que se confunde com
história literária e/ou como os textos consagrados pela crítica como sendo literatura, o
que revela uma visão elitista e reduzida do fenômeno literário, que serve, sobretudo, à
manutenção dos valores dominantes. Dessa maneira, a autora se posta ao lado de
professores que

têm frequentemente tentado superar, na prática, a dicotomia


língua/literatura. [E que] Buscam integrar o trabalho com a linguagem
em sala de aula, através da leitura ou da produção de textos que levem
o aluno a assumir crítica e criativamente a sua função de sujeito do
discurso, seja enquanto falante ou escritor, seja enquanto ouvinte ou
leitor-intérprete (p. 19).
Diante do quadro acima exposto, nossa pesquisa tem como objetivo investigar as
concepções de literatura de duas professoras de escolas diferentes da Região
Metropolitana do Recife com o intuito de, através de observações de aula, verificarmos
como a discussão sobre o que é literatura, baseada nas prévias experiências de leitura
dos alunos e em textos críticos, contribuiu para uma prática bem sucedida de incentivo à
leitura. Na metodologia, tratamos de descrever o corpus, os campos de observação e o
procedimento de coleta de dados. Na análise e discussão dos dados, problematizamos e
relacionamos as aulas observadas com os fundamentos teóricos estudados. Nas
considerações finais, expomos sinteticamente os resultados da análise, bem como a
importância desta para nossa formação docente.

2. METODOLOGIA

A pesquisa, de caráter qualitativo, indiciário e etnográfico, foi realizada em duas


escolas de perfis diferentes, da Região Metropolitana de Recife: uma escola da rede
estadual de Pernambuco, e um colégio de Aplicação. Em cada unidade educacional
pesquisada, foi observada uma professora de Língua Portuguesa. A professora da escola
estadual lecionava no ensino médio, enquanto a professora do colégio de Aplicação, no
ensino fundamental. As aulas foram observadas no período entre setembro e novembro
de 2011, somando um tempo total de 45 horas/aula.

Os critérios de análise se constituíram em: (a) investigar se o ensino de literatura


se constitui como uma prática reflexiva; (b) identificar as estratégias utilizadas pelos
professores para promover a reflexão a respeito do texto literário; (c) investigar que
papel é atribuído ao texto literário na aula de português; (d) verificar se a aula de
português favorece o reconhecimento da literatura como uma prática que deve ser
levada para espaços extraescolares. Os materiais de pesquisa utilizados na coleta dos
dados foram diários de campo, assim como materiais utilizados em sala de aula, como
fichas e textos. Para a análise dos dados obtidos, fizemos uma relação entre a prática das
professoras, levando em consideração os conteúdos ensinados e a metodologia utilizada,
atentando, em especial, para o ensino de literatura e a discussão sobre os textos
literários.
Cumpre dizer que, para empreender a investigação, providenciamos as devidas
autorizações para a coleta e o tratamento dos dados, mediante um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pelos gestores das unidades escolares e
professores observados. A eles foi assegurado o anonimato quando da divulgação dos
dados em textos e eventos de caráter científico.

3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

3.1 – A professora do Colégio de Aplicação

A professora de português do colégio de Aplicação privilegiou a discussão sobre


a importância da leitura literária em inúmeras aulas. Na primeira observação de aula, a
professora discutia uma atividade de leitura empreendida em aulas anteriores e pedia
aos alunos para pesquisarem a “literatura de nosso tempo” em busca de livros e autores
contemporâneos.

No encontro seguinte, deu-se início a um debate sobre os clássicos universais,


cujo suporte teórico era uma matéria de capa da revista Veja, intitulada “Ler ainda é
decisivo?”. A professora lançava provocações como “numa sociedade letrada, teríamos
acesso aos bens culturais se não tivéssemos a habilidade de leitura?” e, assim, os
alunos discutiram o papel do letramento na sociedade e da leitura literária na vida dos
indivíduos; foi discutido também se a internet dificulta o desenvolvimento do hábito de
ler. O texto jornalístico serviu como suporte teórico para que os alunos construíssem de
maneira mais sólida uma opinião sobre o tema leitura.

A sala de aula se transformou, durante quatro aulas consecutivas, em palco para


reflexões sobre a leitura. Reunidos em trios, no segundo encontro, os alunos discutiram
as indicações literárias do artigo lido na revista Veja e escolheram alguns títulos para
compor uma lista que iria ser socializada com os colegas de turma. A lista deveria ser
composta, principalmente, por livros considerados como clássicos da literatura
(brasileira e mundial). Cada aluno escolheria um livro que já tivesse lido ou que tivesse
muita vontade de ler, apresentando devidamente os argumentos para a escolha. No final
da primeira aula destinada à literatura, a professora iniciou um debate sobre a quebra do
mito, de acordo com a matéria jornalística, de que livros comerciais, como Harry
Potter, são ruins. Os alunos, então, compartilharam as suas experiências particulares de
leitura, como a paixão por livros da saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer, avaliando
qual o conceito de literatura que subjaz nos textos de literatura de massa.

O professor deve ter em mente que, em um espaço de promoção à leitura, a


experiência do leitor não pode ser descartada, pois deve ser compreendida como uma
possibilidade de dar sentido à prática leitora e de instituir elos com leituras atuais e
futuras para que o desejo de ler se torne parte da rotina de um indivíduo. Uma das
alunas, por exemplo, deu um depoimento sobre seu caminho na leitura: “não gostava de
ler, e só comecei a me interessar por literatura depois de ler a série Crepúsculo”. Esse
depoimento deixa evidente que, embora a literatura de massa não seja o alvo final de
qualquer prática de incentivo à leitura, ela pode ser um veículo que fixará na rotina do
educando um tempo destinado à leitura. O professor, então, surge como alguém que
expandirá os horizontes de leitura dos alunos, fazendo-o atentar para a característica
intrínseca a todo texto literário: a subversão do código linguístico impulsionada por um
intuito estético.

Os alunos, no terceiro encontro, leram uma versão adaptada do famoso primeiro


capítulo do livro “Por que ler os clássicos?”, de Ítalo Calvino, e um texto de Lya Luft,
“Brasileiro não gosta de ler?”. Com esse embasamento teórico, discutiram sobre quais
critérios ajudam a definir e a escolher um clássico e quais entraves existem entre os
brasileiros e a cultura da leitura. A atividade convidava os alunos a se expressarem e a
exercitarem o senso crítico. Estes diziam reconhecer a importância da leitura para a vida
e criticavam as escolas que obrigam os estudantes, muitas vezes imaturos literariamente,
a ler certos livros mais “densos”. Ao final da aula, a professora conectou o eixo leitura
(e o debate decorrente da mesma) com o eixo de produção textual ao pedir aos alunos
que escrevessem uma dissertação, intitulada “Por que ler os clássicos?”.

O princípio, depois de enunciado, parece óbvio: ao estudante


apresenta um desafio de dar forma à sua percepção do mundo. Parte-
se da produção do texto para uma crescente consciência da linguagem,
que irá repercutir numa relação criativa e ativa desses estudantes com
textos literários e não num conjunto de normas ou procedimentos
interpretativos homogêneos. (CAMENIETZKI, 2010, p.154)
Assim, depois de lerem textos de autores consagrados e de participarem de um
rico debate, os alunos estavam munidos de um “projeto de dizer” (Geraldi, 2001a), que
serviria como precioso alicerce para a elaboração da dissertação e, consequentemente,
para a construção do seu próprio conceito de obras clássicas. A produção textual,
diferentemente de um pretexto para “comprovar” a aquisição de regras da gramática
normativa, privilegiava a opinião e o senso crítico do aluno. Este, inclusive, não encara
o professor como o interlocutor que estabelece o que é “permitido dizer” (SUASSUNA,
2006b).

Na perspectiva interacionista, importa, acima de tudo, que a produção


linguística materialize as trocas, diálogos e confrontos simbólicos
entre as pessoas. Logo, além de uma competência didática específica,
relativa à língua como área de conhecimento, o professor de português
deve acionar sua sensibilidade cultural e ética, de modo a transformar
suas aulas, efetivamente, num espaço de interação e constituição de
subjetividades. (p. 82)

Além do produtivo diálogo entre professor e alunos, há muitos eventos


promovidos pela escola que funcionam como estímulo à leitura e contribuem para o
êxito da professora quanto às praticas de leitura: “Semana da Leitura e da Literatura”,
“Varal Poético”, concurso de textos críticos sobre obras literárias, elaboração de uma
lista com indicações de livros (que será exposta nos murais da escola), “Festival de
Artes”, que contempla as apresentações de poesias e textos literários. A literatura
preenche parte das atividades escolares e, assim, acaba por se desprender do rótulo de
matéria escolar. Em consonância com o que afirma Prado et al (2010), a educadora e o
colégio de Aplicação compreendem que o desenvolvimento do gosto pela leitura pode
começar na escola, mas precisa também continuar nos espaços extraescolares e, para
tanto, faz-se indispensável estimular o aluno para tal:

Assim, o professor contemporâneo visa dar condições para que o


aluno “aprenda a aprender”, desenvolvendo situações de
aprendizagens várias, estimulando a busca do conhecimento e o
desenvolvimento de suas competências. Para tanto, uma única palavra
torna-se essencial: estímulo. (p. 7)

O professor, juntamente com o projeto mais amplo da escola, dessa forma, não
incorre no erro da leitura sem objetivos e sem sentido apontado por Kleiman (2008), já
que seus alunos não leem “apenas porque o professor mandou e será cobrado,
desvirtuando efetivamente o caráter da leitura” (p. 18). O educando é um leitor em
formação e, como tal, deve conhecer a importância e a relevância de qualquer atividade
relacionada à leitura antes de empreendê-la. Portanto, não se deve apresentar livros e
autores sob a única justificativa da obrigação escolar e do fato de se tratarem de cânones
literários. Como afirma Kleiman (2008, p. 10), “para construir um contexto de
aprendizagem mediante a interação, o aluno deve conhecer a natureza da tarefa e deve
estar plenamente convencido de sua importância e relevância”.

O projeto pedagógico do colégio aplicação, ao conceder aos alunos a liberdade


parcial (pois orientada pelo educador de língua portuguesa) de escolha das obras que
devem ser lidas ao longo do ano – encanta os alunos e muito contribui para que a leitura
não se enrede na monotonia da obrigação. Assim, a proposta para o desenvolvimento da
competência leitora combina aconselhamento literário, concedido pelo leitor mais
experiente – o professor –, com socialização de leituras feitas pelos próprios alunos. A
elaboração coletiva de uma lista dos clássicos da turma é um bom exemplo disso.

A primeira lista de livros da turma contava com alguns números de literatura de


massa como a saga Crepúsculo, A menina que roubava livros e etc. Depois dos
encontros e das discussões sobre o que é literatura, com base nos referidos textos
teóricos, e da pesquisa dos autores contemporâneos, os alunos fizeram duas listas: a lista
dos livros clássicos, que continha alguns títulos canônicos, como Crime e castigo, Dom
Casmuro e Senhora; e a lista da “literatura do nosso tempo”, composta por livros
contemporâneos, como Leite Derramado, de Chico Buarque.

Como já mencionado, a promoção de espaços para discussões literárias, que


respeitam a opinião do aluno ao mesmo tempo em que propõem uma reflexão mais
profunda sobre o fenômeno literário, em muito contribui para a formação intelectual do
indivíduo, pois como afirma Prado (2010):

O interesse e, quem sabe, o “prazer”, virá mediante o convívio de


ambos os lados (aluno/texto/professor) com as obras literárias, através
de discussões, dos possíveis sentidos atribuídos e através de estudos
que o aluno mesmo se habilite a fazer para que aprofunde cada vez
mais seu conhecimento e sua leitura. (p. 12)

Além disso,
Sabe-se, pelas pesquisas recentes, que é durante a interação que o
leitor mais inexperiente compreende o texto: não é durante a leitura
silenciosa, nem durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa
sobre aspectos relevantes do texto. Muitos aspectos que o aluno sequer
percebeu ficam salientes na conversa, muitos pontos que ficaram
obscuros são iluminados na construção conjunta da compreensão. Não
é, contudo, qualquer conversa que serve de suporte temporário para
compreender o texto. (KLEIMAN, 2008, p. 24)

2.1 – A professora da Escola Estadual

Já a prática da professora da escola estadual quanto à leitura era muito


inadequada. Com o auxílio de uma ficha de leitura, a educadora lia junto com os alunos
o Poema das Sete Faces, de Drummond, o poema Com Licença Poética, de Adélia
Prado, e a letra da música Até o Fim, de Chico Buarque, a fim de indicar aos estudantes
um exemplo de intertextualidade na literatura brasileira. A atividade, contudo, não foi
bem mediada e inexistiu uma reflexão mais acurada sobre os propósitos estéticos e
discursivos do texto. Na verdade, a professora utilizou o texto literário como pretexto
para análises gramaticais. Ao ler o poema de Drummond, por exemplo, a professora
pediu aos alunos que identificassem figuras de linguagem em trechos do texto, como em
“as casas espiam os homens”.

A proposta de intertextualidade poderia ter-se dado com a leitura do poema de


Adélia Prado, que estabelece um elo com Drummond em trechos como Quando nasci
um anjo esbelto,/ desses que tocam trombeta,/ anunciou: vai carregar bandeira. Mas, a
atividade continuou a privilegiar a gramática, pois exigia que os alunos exclusivamente
classificassem as orações destacadas do texto. A análise da letra de Chico Buarque
levantou a única pergunta referente a uma tentativa de interpretação de texto: “Que
aspectos da intertextualidade podemos destacar nos textos? Exemplifique”. A
professora, contudo, não proporcionou um espaço para a interpretação do texto, não
levantou um debate sobre a linguagem ou sobre as estratégias textuais que os dois
autores contemporâneos se valeram para construir um elo com o famoso poema de
Drummond. Tampouco houve uma sondagem das opiniões dos alunos. Na verdade, os
mesmos não conseguiram identificar a intertextualidade. Pode-se dizer que a educadora
filia-se ao modelo de ensino tradicional, no qual, como afirma Suassuna (2006a, p.
108), “bom leitor é o que lê o texto de modo previsto, capta e devolve a informação
prevista”, revelando, portanto, uma concepção de língua como instrumento de
comunicação, uma vez que imposta aos educandos apenas encontrar as informações
contidas na linearidade do texto.

Assim, o que poderia representar momentos singulares da experiência do aluno


com a leitura se transformou, na verdade, em mais uma atividade forçada de
decodificação superficial dos sinais gráficos e de classificações gramaticais. Por fim, e
ainda mais trágico, a educadora não procurou estabelecer um elo entre a experiência e a
capacidade interpretativas dos educandos com a obra literária trabalhada em classe: os
alunos, portanto, não se sentiram como coautores do sentido do texto. Durante a aula,
reclamavam quando incitados a lerem mais uma vez os poemas e, quando a professora
pediu a uma das alunas para interpretá-los, recebeu como resposta a reprodução exata de
um verso. Como diz Santos (2010), uma atividade de leitura é um evento complexo,
pois “aprender a ler, mais do que decodificar o código linguístico, é trazer a experiência
de mundo para o texto lido” (p. 40).

Ora se é preciso reconhecer no processo de leitura o papel do leitor


enquanto sujeito que produz sentidos, a partir do seu encontro com o
texto, tendo em vista seu conhecimento anterior sobre o assunto e
sobre a linguagem, sua capacidade de estabelecer relações com outros
textos, de formular inferências etc. (SOUSA, s.n., p. 5)

E mais:
Ocorre, portanto, uma descaracterização da leitura, pois o aluno não
percebe sua importância como coautor do texto, ou seja, não se
considera, na escola, a interação texto-leitor imprescindível para o ato
de ler. O desinteresse dos alunos ocorre devido à automatização da
leitura expressa nas questões. (SANTOS, 2010, p. 44)

A professora, no entanto, justificou, para os pesquisadores, a superficialidade da


aula de literatura com o argumento de impotência diante da “barreira natural” à leitura,
fruto dos insucessos escolares vivenciados pelos educandos em anos precedentes. A
educadora, refém do discurso alienante que subestima a capacidade intelectual dos
alunos de se doarem a abstrações poéticas, acaba por sabotar, indiretamente, o ensino
de literatura, uma vez que reduz as aulas destinadas à leitura a equivocados processos de
decodificação de signos do texto. Como diz Camenietzki (2010), “evoca-se um ideário
‘democratizante’ e antielitista para justificar a cômoda situação de oferecer aos alunos
apenas o que eles são capazes de decodificar” (p. 158). A leitura se reduz apenas a um
componente curricular obrigatório e não se ousa um ensino mais exigente:

Assim, o texto literário, que poderia ajudar o trabalho dos


professores, acaba sendo considerado por eles e seus alunos como
apenas uma atividade a mais, e perde-se, dessa forma, a oportunidade
de incentivar a leitura. Em vez disso, para formar leitores, poderíamos
proporcionar ao aluno uma variedade de leituras e a possibilidade de
se sentir o agente do ato de ler, para que essa não seja apenas uma
atividade a mais no currículo escolar. (SANTOS, 2010, p. 42)

4. CONCLUSÕES

Ao término de nossa análise, podemos constatar a existência de práticas


divergentes no que concerne à promoção da leitura literária, que nos levaram a duas
conclusões: a professora da escola estadual não privilegiou o contado com a literatura
como forma de dar sentido ao mundo, enquanto a educadora do colégio Aplicação
compreende que promover reflexões em torno do propósito da leitura de literatura
aciona, nos alunos, o desejo de ler e, consequentemente, a vontade de encontrar uma
nova maneira de inchar o mundo de sentido. As leituras de textos sobre a importância
da literatura foram verdadeiras experiências interativas, pois houve debates a fim de se
buscar sentidos e interpretações para a escolha dos livros da lista da turma e para dar
significado à própria literatura. O projeto pedagógico do colégio de Aplicação contribui
para que a leitura não se enrede na monotonia da obrigação. Como já mencionado, a
promoção de espaços para discussões literárias em muito colabora para a formação
intelectual do indivíduo e para a construção de sentidos para a interação com o mundo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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