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U M A N E C E S S I D A D E Q U E S E I M P Õ E

NOSSOJORNAL
ANO 1, Nº 3, BRASÍLIA, MAIO/2010.
“PRECONCEITO DE COR NO BRASIL SÓ NÓS, @S NEGR@S, PODEMOS SENTIR.”

Carta em defesa do Batendo o martelo:


Sistema de Cotas a decisão do Supremo e os limites
Para Negr@s na da democracia racial
Universidade de Ana Luíza Flauzina - Pág 3

Brasília - UnB.
Pág 2
Resistência
em Foco
Pág 5

Aboli... o quê?
Libertações contínuas
e transmutações da tradição
Natália Maria - Pág 7

Carta da COJIRA
Pág 8

Nome aos Bois, Terra aos Nomes: Terra e liberdade para quem?
história fundiária, nomenclaturas Bárbara Oliveira e Paula Balduino Poesias
e cicatrizes da distinção no Brasil. Pág 10 Pág 9
Rafael Kaaos - Pág 4

Dor histórica... Histórias de Vida:


fique onde na história Discurso do Presidente\ entrevista com a estudante
se pronuncia Lula no Senegal cotista e quilombola, Dalila
Eduardo Alves - Pág 6 Pág 11 Maria de Fátima Lisboa
Pág 12

Inspiração para a capa: Baobá ou Imboeiro, árvore símbolo do continente africano.


Árvore do tempo, árvore imemorial, árvore da vida, árvore casa, árvore de frutos nutritivos
e folhas curativas, com raízes até na cabeça como nossos crespos e rastafaris... Nada de
voltas de esquecimento, aqui é Sankofa para nosso axé que é ancestral, atual e eterno!!!
Libertações contínuas! Baobá!
Quem Somos Nós?

Editorial Carta em defesa do Sistema de Cotas Para


Negr@s na Universidade de Brasília - UnB.
E eis que chegamos à 3 edição do NOSSO
JORNAL, que se destina à veiculação de artigos,
matérias, poesias, reflexões e imagens referentes
às relações raciais no Brasil, especialmente sobre a
questão da política de cotas para negras e negros nas
Ano 2009/2010, Brasília, Brasil.
Em resposta à Argüição de Descumprimento de Precei-
to Fundamental, proposta ao Supremo Tribunal Federal
va, pessoas negras, assim como outras pessoas de gru-
pos preteridos, possuem o mérito de uma trajetória de
pelo Partido Democratas, contra o Sistema de Cotas Para superação.
universidades brasileiras. O tempo corre, as dinâmicas Negr@s na Universidade de Brasília - UnB, nós, sociedade O desempenho d@s estudantes cotistas é avaliado como
precisam ser adaptadas, não obstante, continuamos civil organizada, viemos nos manifestar sobre a importân- equivalente ao de estudantes não-cotistas e, uma vez na univer-
cientes da necessidade de comunicação pedagógica e cia das cotas na universidade para o projeto de sociedade sidade, @s negr@s passam a ser protagonistas da sua própria
contínuo aprofundamento reflexivo. que queremos enquanto população brasileira. produção científica e a se conscientizar do quão a sociedade
Nessa edição de Maio, estamos sob o aniversário de Não se pode pensar em igualdade com diferenças sociais brasileira ainda é desigual para com vários grupos e para com
de posição, tratamento, vida e morte de determinados seg- o grupo negro de forma contundente. Assim cresce, também,
122 anos de “abolição” da escravatura negra no Brasil. o enfrentamento dessas desigualdades. A consciência coletiva
Essa data nos comove não só por causa da educação mentos populacionais, principalmente quando essas dife-
renças são pautadas pela aparência de pessoas desrespei- torna-se então a tônica da produção intelectual d@s negr@s
cívica que a fixou em nosso calendário mental, mas, dentro e fora da academia, o que gera impacto direto nas dinâ-
tadas em sua origem cultural e suas características, tal qual
sobretudo, por sabermos a quantidade de contradições micas sociais. Esta contribuição para o “fazer científico” atinge
ocorre hoje no país. Assim, medidas corretivas como as não só @ estudante negr@, mas toda a comunidade universitá-
que ela simboliza. ações afirmativas são passos iniciais de uma estratégia maior
Hoje, pertença étnico-racial ainda significa fator de ria, uma vez que esta passa a perceber o tema das relações étni-
de superação da desigualdade racial secular no Brasil. co-raciais como estruturante para a sociedade brasileira, o que
se“fazer viver ou deixar morrer”, fator que estimula o Ao longo destes cinco anos de política de cotas na UnB, abre precedentes para uma série de reflexões humanitárias.
abrir e fechar de portas em nossa caminhada no mundo. existe uma trajetória marcante dos corpos negros, intelecto e Esperamos que Estado e sociedade compreendam que po-
Mesmo que muitas vozes neguem nossas mazelas, por espírito, que se construiu também dentro da academia. A pre- líticas de inclusão são um chamado para a construção de uma
essas serem tão naturalizadas no imaginário, tudo é sença de pessoas negras dentro da Universidade de Brasília vida coletiva verdadeiramente plural e nesse processo a par-
grave sim. tem permitido à comunidade universitária tomar consciência ticipação de absolutamente tod@s @s seus atores e atrizes é
O panorama atual, apesar de também abrigar de sua própria condição excludente, sobretudo em relação às condição sine qua non. Por isso é que nós, estudantes negr@s,
avanços que nos fazem comemorar, nos fala que pessoas negras. Ao mesmo tempo, de fato está sendo pro- além de tod@s aquel@s que percebem as melhorias dentro da
movida a inclusão de um segmento da população que his- Universidade devido ao Sistema de Cotas, reiteramos a necessi-
uma medida oficial não basta para finalizar séculos de toricamente têm seu acesso negado ao sistema educacional.
horror, é necessário também reparar os efeitos desse dade da manutenção e do fortalecimento das políticas de ação
Esta tomada de consciência sobre a exclusão, bem como a afirmativa como medidas que já possibilitam à nossa sociedade
erro tétrico: a escravidão negra nas Américas. Como sua superação, é o que desejamos para a sociedade brasileira. caminhar rumo a um destino mais equânime e verdadeiramen-
política oficial da nação brasileira, esta foi abolida na Não existe uma experiência de políticas de ações afirma- te democrático para tod@s.
forma em 1988, porém, seu conteúdo desumano e tivas que não tenha, até hoje, desde seu
desumanizante ainda opera em muitos domínios da primeiro estabelecimento na Universida-
vida humana nacional, sem contar nas ilegalidades do de Estadual da Bahia em 2002, alcançado
mercado de trabalho. seus objetivos iniciais: ampliar o acesso da
NOSSO JORNAL nasceu em um contexto de luta população negra ao ambiente universitário
para a defesa e aprofundamento de uma importante para construção de uma sociedade diversa
inclusive epistemologicamente.
medida corretora das iniquidades deixadas pela Tod@s @s cotistas são aprovad@s
escravidão e das iniquidades até hoje alimentadas no vestibular, não há medidas faci-
pelo racismo, essa medida é o Sistema de Cotas litadoras, há apenas concorrência
Para Negr@s nas Universidades. Dessa forma, específica: negr@s concorrem com
continuamos nessa jornada, sem contudo, deixarmos negr@s dentro daquele percentual de
de abordar outros pontos. Nisso, nos textos dessa vagas, que age como um corretor de
edição, refletimos filosoficamente sobre a necessidade desigualdades. As provas e os critérios
de libertações contínuas e de ressignificação do que são iguais aos do sistema universal. E
nos motiva; nos juntamos a um apelo para uma mesmo assim, além do mérito da pro-
imprensa atenta à nossas e outras causas humanitárias; Artur, João, Rafa e Murilo; a frente: Dalila, Mariana e Jacira.
ainda abordamos a ADPF no Supremo que contesta
as cotas; resgatamos importantes pontos da história
negra de resistência; refletimos sobre o papel do Esta publicação é de responsabilidade do *NOSSO COLETIVO*. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de suas autoras e autores.
Estado brasileiro e, marcadamente, com poéticas
Jornalista Responsável: Jacira da Silva - RP 753/DF • Edição: Natália Maria Alves Machado e Rafael Kaaos.• Artigos: Ana Luíza Flauzina, Bárbara
e políticas, cruzamos mais uma vez os conteúdos de Oliveira Souza, Eduardo Alves da Silva, Natália Maria Alves Machado, Paula Balduino de Melo e Rafael Kaaos • Poesias: Infinita, Paulo Victor
teóricos com a força das histórias de vida. Silva Pacheco e Domingas dos Santos Dealdina • Diagramação: Alexandre Gomes (Xixa) • Ilustrações: gentilmente cedidas pela artista plástica Lia
Debate polifônico e em alto nível de sentimento Maria dos Santos e também obtidas através de pesquisas livres na internet. • Colaborador@s que agradecemos: Dalila Maria de Fátima Lisboa,
Pablo Martins Carneiro, Pedro MacDowell, tod@s @s integrantes do NOSSO COLETIVO, COJIRA-DF e as demais pessoas e instituições citadas nessa
e processamento de raciocínio, ainda é o viés publicação • Tiragem: 6.000 • Distribuição Gratuita.
norteador dessa nossa empreitada comunicativa.
www.nossocoletivonegro.blogspot.com • coletivoprocotas@gmail.com
Nessa caminhada dialética, continuamos tentando nos
tocar, tocar a outr@s e sermos tocad@s, buscando
cada vez mais ter nitidez em relação às realidades que
nos envolvem e muitas vezes condicionam. Seguimos “Dá água pra Ela beber
África, cadê
Dê roupa pra Ela vestir
independentes, ou seja, contando com o máximo de Seu trono de Rainha, cadê
Saúde pra dar e vender
Dona da Realeza, cadê
parcerias possível. Axé! Boa leitura! Mãe da matéria-prima, cadê
Dê paz pra Ela descansar (Canção RAINHA, cantora
Vai levar vida inteira pra
Adubo pra Ela crescer Céu. Álbum: Céu, Urban
lhe agradecer...”
E rosas pra Ela enfeitar Jungle, 2005.)

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Olhares

Batendo o martelo:
a decisão do Supremo e os
limites da democracia racial
Ana Luiza Pinheiro Flauzina
Colunista do jornal Irohin- Comunicação a serviço dos afro-brasileiros
Doutoranda em Direito- American University

T
alvez o maior desafio seja o de qualificar cargo da cegueira do amor materno. Pena de morte? para o início de um processo de retratação e reparação
o debate. Dizer, sem meias palavras, a que Não, somos contra. Temos é que botar os moleques ainda que tardio e limitado.
se presta toda essa algazarra de ruídos na escola e os que não tem jeito... Bom, esses não A leitura política desse momento histórico deve,
desencontrados e fumaça dissipada como têm jeito! portanto, ser feita na perspectiva de seu potencial. Não
meio de embassar a visão. Sim, porque se não corremos Diante desse tipo de leitura naturalizada e difundida de se trata de somar com a perspectiva ingênua que acredita
o risco de seguir com a velha mania de debater questões nossas relações raciais, que assume a pobreza, o descaso na Justiça como o lócus preferencial para se travar as
relevantes evitando o confronto com o fundamental. e o extermínio como sina ou necessidade, nunca uma batalhas contra o racismo. Ocorre que a decisão do
Para ficarmos no perímetro da Universidade, me ocorre escolha, fico aqui a me perguntar que expectativa ter Supremo tem um conteúdo que ultrapassa os termos da
matéria de alto interesse de boa parte dos estudantes da decisão que será proferida pelo Supremo Tribunal declaração esvaziada do Executivo assumindo a existência
“tradicionais” das fileiras do ensino superior no Brasil: Federal sobre as ações afirmativas destinadas à inclusão do racismo. O que está em jogo é a possibilidade de se
o consumo de drogas ilícitas. E a rapaziada não brinca de negros e negras na Universidade de Brasília. dar sequência a essa constatação, construir políticas
mesmo em serviço. É impressionante observar como A esssa altura já está claro que o debate constitucional é públicas que confrontem essa realidade, dar, enfim,
se pode facialmente afastar da pauta as consequências apenas o mote para mais um pronunciamento categórico concretude a um discurso de diversidade e inclusão
sociais da venda e do consumo de drogas responsável das elites: sua disposição em ceder a algumas pressões que, na prática, tem operado no sentido oposto daquilo
pela produção de um extermínio maçico de jovens negros históricas ou arrefecer os termos do pacto racial que nos que celebra. Em suma, o Judiciário foi convocado a se
e negras nesse país sem vacilação. Basta acenar com a preside. pronunciar sobre quais são efetivamente as respostas
possibilidade de se imunizar os usuários, resguardando- Como no caso do sistema penal, já se vê sinais claros institucionais aceitáveis no combate ao racismo no Brasil.
os do equivocado âmbito da esfera do controle penal, de refutação de dados da realidade. Nesse caso se Resta saber se os ilustres Ministros entendem os bancos
para que os beques se acendam nas festinhas dos futuros percebe a disputa covarde nas interpretações distorcidas universitários como caminho viável ou seguem apostando
bacharéis sem qualquer leitura mais aprofundada das de estatísticas, na demonização dos movimentos negros no tratamento policial como a melhor receita para o trato
consequências desse tipo de política seletiva. pintados como agentes do ódio racial, no acesso a com a juventude negra.
Se o debate acerca do consumo de drogas consideradas instâncias midiáticas de peso a difundir o discurso do A nós cabe o monitoramento e a participação ativa num
ilícitas é oportuno, fazê-lo em desconexão completa com país de iguais apesar de todas as evidências apontarem no processo que só se inicia, apesar da disposição de muitos
o do comércio só abre espaço para perversões. Dessas sentido inverso... em interpretá-lo como o acerto de contas final. Seja pelas
em que meninos negros de periferia são tratados a base É definitivamente um tempo delicado na análise pressões que teremos que construir para que a declaração
de pancada, tortura e bala por venderem; enquanto estratégica de alguns grupos dominantes do país. Algo da constitucionalidade das cotas reverbere em políticas
meninos brancos são acolhidos pelo discurso médico me sugere que o preço da fatura da constitucionalidade de inclusão assumidas institucionalmente sem reticências
por consumirem. Dessas que garantem uma realidade das cotas está sendo calculado na base de seus custos ou a exposição internacional que será necessária caso a
silenciada de crescimento exponencial da criminalização para a democracia racial. E é essa percepção de que os decisão seja pela inconstitucionalidade, está claro que o
de meninas e mulheres negras na última década. Dessas esforços dos movimentos negros finalmente resultaram alcance desse momento histórico está conectado com
que, enfim, mostram a disposição aberta para um numa política que impõe ao aparato institucional um nossos esforços futuros. Independentemente dessa
genocídio que vige amparado no cambaleante discurso posicionamento aberto sobre racismo, que me faz querer constatação, fato é que o pronunciamento do Supremo
de harmonia racial. crer na possibilidade de um avanço tímido, mas definitivo, sobre a matéria traz em si um ganho político efetivo.
Mas deixemos essa ladainha de lado. Esse tipo de no campo de nossas relações raciais. É essa, claramente, a matriz da agonia dos agentes
lenga-lenga da vitimização, essa lembrança diuturna Se já está claro que a somatória dos corpos caídos políticos que se articulam contra a política de cotas:
da imagem de mulheres negras reclamando a vida de não é capaz de comover, se os dados da discriminação sabem bem que do ponto de vista ideológico o estrago
seu filhos inocentes já está mesmo dando nos nervos. produzidos institucionalmente podem ser ignorados já se iniciou. No dizer de Lelia Gonzales, “a rasteira está
Superando esse modismo do discurso politicamente sem maiores consequências, a declaração do Supremo dada”: não há balbúrdia capaz de impedir a exposição
correto, estamos cientes de que, sim, meninos se traz a tão esperada assinatura num documento de dos limites da democracia racial após a tomada de
matam aos montes. A parte da inocência é que fica a confissão das ações e omissões patentes ou disposição posição da Corte Suprema.

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Olhares

Nome aos Bois, Terra aos Nomes: história fundiária,


nomenclaturas e cicatrizes da distinção no Brasil.

Rafael Kaaos
Cientista Social e ativista do NOSSO COLETIVO.

S
egue a cada dia 13 de maio, aniversário oficial da Criprojudeus). Alguns nomes remontavam à plantas, de escravos\as da ilha de Hispaniola ao gado que fugia
abolição da escravatura negra no Brasil; odes, flores árvores e animais, inúmeros judeus\ias convertidos\as para as montanhas). Já em 1680, 200 judeus sefarditas eram
perfumadas e velas incandescentes consagrando receberam os nomes dos\as seus\suas padrinhos\as; assim donos de um terço das plantações surinamesas. Como
certos nomes, em especial o da princesa Isabel. Nas como os\as escravos\as africanos\as um século depois destaca José Jorge de Carvalho“alguns escravos negros dessas
pinturas, músicas e relatos históricos- e ainda presentes- receberiam. O nome do senhor de escravos mencionado plantações levavam os nomes de seus donos judeus-portugueses-baianos,
esse momento renasce como uma redenção nacional na Revolta das Carrancas é parte desse repertório. tais como Immanuel Machado, Manuel Pereyra, Mosés Nunes
ao “espírito humanista”. Contudo, há algo mal-dito na Por outro lado, quem era Ventura Mina? Mary Karasch Henríquez, etc”. Os Saramacás passaram mais de sessenta
história da escravidão brasileira e, bem dizer, nas Américas aponta que “no século XIX, mina já assumira muitos significados anos lutando contra o domínio colonial incessantemente,
como um todo. Faço nesse artigo, um jogo de miçangas, diferentes. Um dos usos seguia o velho costume português de chamar e conquistaram no dia 19 de setembro de 1762 o direito
pego um “objeto decorativo” (13 de maio oficial), abro todos que vinham da África Ocidental ou da costa do Guiné de de posse da terra. A América afro-diaspórica envolve a
um furo nele, ato outros fios que se articulam produzindo mina, mas os portugueses também empregavam o termo num sentido experiência de resistência de diferentes grupos e nações
outro “artesanato” da data no Brasil, com outros nomes e mais restrito, para escravos exportados da Costa da Mina”. A africanas, quer seja com os Palenques na Colômbia e em
títulos que colorem terras tão próximas, ao mesmo tempo autora acrescenta ainda que os\as escravos\as brasileiros\ Cuba, os cumbes na Venezuela, os maroons na Jamaica,
tão distantes do nosso espectro de imaginação. as eram separados por cor, ao passo que os\as africanos\ Suriname e sul dos EUA, ou os quilombolas no Brasil,
Certa tarde, no dia 13 de maio de 1833 no Estado de as eram “classificados por local de origem”. Recorrendo somente para citar alguns exemplos.
Minas Gerais, numa fazenda intitulada Campo Alegre, de à literatura da época, Eric Willians, menciona sobre as Em 2005, presidente Lula esteve no Senegal, na Ilha
propriedade do deputado Gabriel Francisco Junqueira, características psicológicas atribuídas as diferentes nações de Gorée -que foi um importante entreporto de vendas
uma revolta escrava liderada pelos escravos Ventura Mina, africanas, obviamente tecidas a partir do olhar escravocrata, de escravos- com o então presidente Wade, fazendo um
Julião e Domingos, saiam aos campos, dando gritos de mostrando que “um negro angolano era provavelmente sem valor; os pronunciamento sobre um importante marco histórico
alegria e força, assassinando a golpes de porrete o filho do coromantinos (ashantis), da Costa do Ouro eram bons trabalhadores, senegalês, a “porta do nunca mais”, dizendo que para @s
seu senhor. Marcos Ferreira de Andrade, diz que “a revolta mas muito rebeldes; os mandingas (Senegal) eram muito propensos negr@s que por ali passavam rumo às Américas, “era como
contou com a participação de cativos de origens diversas: ao roubo; os ibos (Nigéria) eram tímidos e desanimados; os popós se fosse a própria morte. Ou seja, eu vou, sem saber, ou melhor,
crioulos, minas, angolas, benguelas, congos, cassanges e ou uídas (Daomé) eram os mais dóceis e bem dispostos”. Ventura tendo consciência de que não tenho retorno.” Nesse instante, a
moçambiques”. Tal episódio, conhecido como a “Revolta Mina é outro nome forjado, retirado da região atual entre figura da “porta do esquecimento” é uma boa metáfora ao
de Carrancas”, teve mais escravos condenados à morte Togo, Benin, Costa do Marfim e Gana, a chamada “Costa STF. Está batendo às portas da instituição, o julgamento
do que a revolta do Malês na Bahia. Apesar da relevância do Ouro”, ele foi rebatizado, espoliado das terras, e da ADIN 3239 proposta pelo DEM, contra o Decreto
inegável, temos algo a dizer sobre esse evento histórico condenado no Brasil. 4887\03 que regulamenta o reconhecimento de terras de
a partir dos nomes citados, contudo, levando em conta Aponto com isso que, em cada nome há um remanescentes (resistentes) de escravos\as. Outro projeto
outro ângulo. De que lugares são essas nações africanas? posicionamento do sujeito, a partir disso, quais as polêmico foi encaminhado pelo jornalista carioca (Carioca
E o nome do senhor de escravo? Vamos analisar então, a similitudes e discrepâncias entre Ventura Mina e Gabriel em tupi-guarani significa Casa do Branco) Eduardo Banks,
esteio das figuras da liderança escrava Ventura Mina e do Francisco Junqueira? Ambos os grupos étnicos sofreram (e vetado) pela Comissão de Legislação e Participação
escravocrata Gabriel Francisco Junqueira, certas questões. perseguição, perderam os nomes, foram rebatizados, da Câmara dos Deputados, requisitando a mudança da
Na famosa obra de Ésquilo (Prometeu Acorrentado), entretanto há uma diferença abismal. Enquanto os\as Lei Áurea, pedindo indenização aos donos de escravos
Prometeu dizia que a mais bela de todas as ciências foi Novos\as Cristãos\ã e outros grupos não-negros, viraram “lesados” após a abolição da escravidão (122 anos após o
inventada por ele e ofertada a nós humanos, ou seja, escravocratas e ganharam terras no Brasil, os povos dia 13 de maio de 1888).
a capacidade de criar nomes, que ajudava a conservar a africanos traficados, viraram sem terra, ganharam nomes O estudo da escravidão brasileira, para retornar a ideia
memória de todas as coisas e favorecia a cultura da arte. de Novos\as Cristãos\ãs, logo, uma dupla injunção. principal do primeiro parágrafo, marcou nossos nomes,
O nome é uma forma de expressar a consciência dos Trago outro exemplo para o debate que se propõe. O sendo que algumas memórias foram rasuradas/apagadas
antepassados, marcando status, posição na sociedade, sendo rico proprietário de terras português Immanuel Machado e outras enaltecidas pela elite brasileira. Proponho
herdados têm significados históricos, políticos e culturais (Novo Cristão) fugindo da inquisição na Bahia em 1660, a vocês continuarem esse exercício Quais os locais,
específicos. Durante a santa inquisição, os\as judeus\ se mudou para uma colônia holandesa naquele período, o regiões, status, ancestralidade, por exemplo, inscritos nos
ias foram perseguidos\as na península ibérica, filhos\as Suriname, levando consigo alguns escravos\as do Brasil. nomes e sobrenomes dos arautos do neo-escravismo
raptados\as, sofreram agressões físicas, foram forçados Um grupo de escravos\as que vieram com ele da Bahia, brasileiro atual: Roberta Kauffman, Demétrio Magnoli,
a se converterem a fé cristã, tiveram bens confiscados, a fugiram de suas terras no Suriname formando o grupo Demóstenes Torres ou Eduardo Banks? E quais são os
marca da conversão foi a mudança de nome, esse grupo étnico- Saramacá. (Os “quilombolas” eram chamados de nomes, quando aparecem, dos quilombolas? Quem tem
ficou conhecido como Novos Cristãos (Marranos ou “maroons”, que era o nome dados pelos\as senhores\as títulos de terras, e quem não tem? Boa prova.!

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Olhares

Na demanda contínua de libertações indo e vindo, há aqui no Distrito Federal, algumas iniciativas populares que, como vem sendo ao longo da
história, buscam atuar para suprir autonomamente NOSSAS necessidades coletivas e realizar de fato a LIBERTAÇÂO. Listamos abaixo, algumas das
diferentes ações enegrecedoras que existem no DF:
Centro de Valorização da Cultura Negra – Samambaia/DF
http://centrodevalorizacaodaculturanegra.blogspot.com/ EnegreSer - Coletivo Negro no Distrito Federal e Entorno
“Promoção da educação, da saúde , do esporte, da consciência política
e outros... transmissão, a manutenção e o resgate das manifestações http://enegreser.blogspot.com/
culturais de matriz africana assim como, incentivar sua prática com Coletivo oriundo da Universidade de Brasília,
a finalidade da inclusão social,cultural e política das comunidades de foi figura fundamental no processo de discussão
excluídos. ...” e implementação do Sistema de Cotas Étnico-
ATIVIDADES OFERECIDAS: Capoeira Angola, Teatro, Artesanato, Raciais nessa universidade, sendo também, grupo
Arte urbana (estêncil), Poesia. referencial de ativismo negro do DF.
Contato: (61)8483-3111/9205-0552

ESPAÇO 35 – Brazlândia/DF FOAFRO DF e Entorno


http://espaco35.blogspot.com/ http://foafrodfentorno.wordpress.com/
Arte, Esporte, Lazer e Capacitação Jovens e Adult@s. Fórum de religiões afro-brasileiras em mobilização por
Negr@s e Afrodescendentes. respeito, reconhecimento, direitos e garantias, prezando pela
Quadra 35 conj.n°13 Vila São José-Brazlândia-DF. questão racial e outras questões sociais, pautado na liberdade
Tel.: (61)3391.1610 de crença e na dignidade humana.

Jornal ÌROhÌN – DF *Fórum de Mulheres Negras – DF


http://www.irohin.org.br http://www.forumdemulheresnegrasdf.blogspot.com/
“Pessoas, em sua maioria afro-descendentes, “O FMN-DF é composto por mulheres negras
que acreditam na importância de, no Brasil, das mais variadas origens: ativistas autônomas,
não se deixar morrer a história e a trajetória da impressa negra e que reconhecem a democratização da representantes de entidades, etc. Lutamos para
informação como um caminho para a elevação dos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais da afirmar nosso direito à vida plena, livres de intolerâncias étnico-raciais, de sexualidade-gênero, de credo ou
comunidade negra brasileira.” classe social; em um meio ambiente preservado, com direito a lazer, trabalho digno e razoável, com saúde e
qualidade de vida, podendo ter voz para nos comunicarmos e assim sempre florescermos humanamente.”

Movimento Negro Unificado – DF


GRIÔ produções http://mnudf.blogspot.com/
“O MNU é uma organização política de articulação e defesa dos
http://grioproducoes.blogspot.com
interesses d@s negr@s no Brasil. Tem se guiado pelo permanente
“Produtora Social, Griô Produções
combate ao racismo, na luta pela superação das desigualdades que
tem como missão estimular a produção
atingem os descendentes de africanos, posicionando - se sempre de
cultural, dando visibilidade às/aos artistas
forma autônoma, denunciando os ardis da sociedade racista brasileira
nos meios de comunicação, bem como no cenário de produção local e nacional, em especial no
e agindo de forma propositiva nos debates com variados setores
desenvolvimento de projetos de valorização da cultura negra e com recorte de gênero e também
da sociedade. MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO SECÇÃO
que apostem na cultura livre.”
DISTRITO FEDERAL- MNU/DF. Telefone: (61) 8413-7199”

Afroatitude UnB
http://afroatitudebsb.wordpress.com/ Cia. MAMBEMBRINCANTES – DF
Programa destinado à permanência e capacitação acadêmica de
estudantes negr@s e cotistas e ess@s, desenvolvem atividades de http://www.mambembrincantes.blogspot.com/
pesquisa na temática étnico-racial e assuntos correlatos como direitos Composta por pessoas de origens diversas, a Cia. Mambembrincantes realiza um trabalho cênico-musical que
humanos e gênero. Ainda, promovem atividades de formação bebe nas origens da cultura popular brasileira em seus diversos eixos formadores, sendo que a cultura afro-
político-cultural internamente, e para a comunidade universitária. O brasileira, desde sempre é uma dimensão bastante desenvolvida e articulada no trabalho do grupo, junto a um
grupo é vinculado à Universidade de Brasília, todavia, possui um belo poético e criativo senso crítico na abordagem das questões sociais.
histórico de participação em demandas da comunidade negra do DF.

TamNoá - Organização Cultural e Ambiental COJIRA – Comissão de Jornalistas Pela


Tambores do Paranoá/DF Igualdade Racial/ DF
http://tamboresdoparanoa.blogspot.com/
“Com o intuito de preservar as raízes do maracatu pernambucano e a http://cojiradf.wordpress.com/
cultura afro-brasileira, o repertório é formado por releituras de toadas de “A Cojira-DF busca atuar sem vínculos partidários, mas assumindo um compromisso de classe na defesa
nações de maracatu consagradas além de composições próprias, sendo dos princípios da cidadania, da ética, da valorização da diversidade, da igualdade de oportunidades. No
essas, temperadas como o baque do povo do Cerrado. O Tamnoá oferece âmbito da comissão, são discutidas propostas e estratégias para combater a discriminação, parcerias
às comunidades do Paranoá e Itapoã, em caráter gratuito, oficinas de percussão , dança , fotografia na lata, para programas de ação afirmativa, campanhas de orientação e informação, monitoramento da mídia,
além de oficinas e palestras que tratam sobre o Bioma Cerrado.” capacitação e reciclagem profissional.”

Nosso Coletivo
http://www.nossocoletivonegro.blogspot.com/
Grupo criado a partir do “Coletivo de Articulação em Defesa das Cotas Raciais” que,
em 2009, surgiu em reação à ADPF* movida no Supremo* pelo partido DEMocratas
contra o “Sistema de Cotas para Negr@s” da Universidade de Brasília. A partir da
resposta de luta à tentativa de boicote a essa importante conquista do povo negro
brasileiro, passamos a discutir e lutar de forma geral em prol dessa significativa
política de ação afirmativa e nas demais questões concernentes à questão racial e Essas foram apenas algumas das variadas iniciativas
outras questões sociais. enegrecedoras e populares que existem no Distrito
Federal e no Entorno!!!!

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Olhares

Dor histórica...
fique onde na história se pronuncia
Eduardo Alves da Silva
Estudante Cotista do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação
da Universidade de Brasília – UnB.

D
iz Sartre no prefrácio de Os Condenados da Neste sentido, o que realmente significa no processo de
Terra que enquanto em Paris ou Londres reflexão a respeito da própria condição do humano africa-
na época de ouro, gritava-se “Partenon! no em solo estrangeiro, é sua condição existencial de auto
Fraternidade!” em outro qualquer ponto estima que, associada ao evidente quadro de desigualdades
de África falas ecoavam: “... tenon! ... nidade!”. A partir sociais que ilustram o racismo brasileiro, é capaz de bur-
lar a máquina feliz que pretende o bem estar social, até o
destas sílabas aparentemente dislexas surge uma emanci-
alcance político em formas de representações que hão de
paçao elementar que contribui no século XX com o ter- romper o estigma da raça, equivocado, para acompanhar
ceiro mundo, dotando-o de um humanismo diferenciado, o amor próprio rumo à consciência de que a dor históri-

“se desejamos
pois, crítico de antemão, capaz em sua experiência exis- ca deve, assim, simplesmente, ficar na história onde ela se
tencial de discernir sua condição e a sofrer pelo sumiço pronuncia, ou seja, deve me servir didaticamente para ex-
da marca de ferro em brasa que lhe impunham. Claro que plicitar quem na história agiu desumanamente até o rom-
estas doses de humanismo, que se debruçam por Áfricas,
Asias e Americas, foram possíveis graças à helenizaçao transformar a pimento total com a desgraça psicológica que paira ainda
hoje nos olhos daqueles que do processo escravagista são
reminiscentes.
África numa
dos asiáticos e da criação da nova raça: os negros greco-
latinos. Graças também ao tempo histórico, posto que Enfim, o grito deve surgir de uma nova voz, renovada
o grito se manifesta em maior ênfase global em épocas e curada da problemática psicológica que arde no coração

nova Europa,
pós-coloniais. dos aflitos, assim determinados. Estes aflitos possuem
Não se pode deixar de diagnosticar que quem afirma em si um grito diferente e que é a partir desse grito que
dever abaixar os ouvidos para atentar ao que tem a dizer há de nascer a consciência que nos falta em massa para
os condenados, enquanto europeu, quer queira quer não,
está autorizado para usar a pena da justiça e criar suas
definiçoes de vida a bel prazer. O preço humanista pago
a América numa corromper o costume da imitação e da reprodução da
sociedade brasileira que tende pela sua tradição européia

nova Europa,
a ser como ela e ultimamente, a ser como cópia definida
pela colonização hoje é escamoteado pela eterna proble- pela abrangência reflexiva dos intelectuais, uma cópia
matica filosófica sobre o que é esta vida humana com a estadunidense em lógica e conteúdo epistêmico. Pois,

então confiemos
qual juristas e legisladores pretendem seus ditames atra-
como diz Frantz Fanon “se desejamos transformar a África
vez da pergunta do que se pode ou não ser feito dela.
Em particular no caso brasileiro, acontece um fenôme- numa nova Europa, a América numa nova Europa, então
confiemos aos europeus o destino de nosso país. Eles saberão fazê-lo
aos europeus
no semelhante no que diz respeito a dois pontos de vista.
O primeiro evidencia a imposição do caráter colonialista melhor do que os mais bem dotados entre nós. Mas, se queremos que
sobre a humanidade africana forjada forçosamente como a humanodade avance um furo, se queremos levar a humanidade
escrava do ideal emancipatório europeu, antes de tudo,
para fazer constituir em solo tupuniquim uma possibilida-
de, também imposta e forçada, de civilização. Civilização
o destino de a um nível diferente daquele onde a Europa expôs, então temos
de inventar, temos de descobrir” que nossa intensidade é
capaz de superar a dor que nos consome aos montes,
esta que incoerentemente foi possível a partir das almas
desumanizadas e bárbaras na opinião dos doutos coloni-
zadores. Em segundo plano observa-se uma forte repre-
nosso país...” intelectual, psicológica, socialmente rumo a uma
mudança de procedimento, no intuito de desenvolver
um pensamento novo, tentar colocar de pé um novo
sentação no grito das inssureições negras que admitem
começo a partir do olhar da nossa nova humanidade
uma postura reivindicatória que determina a dor histórica
que deve se manter indiferente à náusea européia
- contemplada pelo humanismo europeu como negativa
ao ponto de ser classificada como criminal no século XX – e se pronunciar a partir da nossa marginalidade, a
como um empecilho social que por muitas vezes atrapalha partir da consciência do abandono, a partir do que
a condição do protesto simples que é ousado: Somente nos foi negado e, em prol da nossa auto estima,
queremos, de todos esses direitos humanos, aquele que é fazer surgir nosso corpo negro interventor dentro do
mais fundamental, qual seja, o direito à vida. processo regrado de tantas premissas alheias.

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Olhares

Aboli... o quê?
Libertações contínuas e transmutações da tradição

Natália Maria Alves Machado


Graduanda em Antropologia UnB, pesquisadora,

D
ativista do Fórum de Mulheres Negras do DF e do NOSSO COLETIVO.

esde crianças na escola, apreendemos o “13 nessa prática, as pessoas escravizadas eram vistas como coisas, que barra o toque verdadeiro. Não que tudo tenha que se tocar,
de Maio” como uma data comemorativa, propriedades passíveis de marcações e condutas violentadoras. mas se assim acontecer à vontade, que essa possa não ser con-
“Abolição da Escravatura pelo ato da Princesa No racismo e em outros preconceitos ruins, olhamos um ser e, tingenciada pelas opressões. (De toda forma, acredito mesmo
Isabel”,“O fim da opressão contras negr@s a partir de uma ou várias de suas características julgadas como é que tudo já é elementarmente interligado!). Num mundo de
african@s e afro-descendentes no Brasil” Ok. indesejáveis, o classificamos e fixamos de forma negativa, rejei- opressões, só projeções se encontram, ou nem isso; sujeitas/os
Será? tando e agredindo suas práticas e sua existência singular. ficam sujeitadas/os ao isolacionismo.
Surge então a questão de que não há tanto o que comemorar, É bom pensarmos nossas intoleranciazinhas de cada dia com o Pessoas negras e não-negras são prejudicadas pelo racismo, a
pois, é relativamente fácil ressaltar a resistência negra no período mesmo suposto horror que geralmente temos diante de fatos ater- vida do mundo em geral fica pior, apesar de alguns grupos es-
escravista e com isso destronar a princesa abolicionista que ape- radores da história oficial, pois, não há grande diferença de conteú- tarem sendo mais afetados em pontos nevrálgicos. No esforço
nas refletiu e se valeu de interesses e lutas da época; apontar que do, a diferença é apenas de dimensão. Todavia, não falo em eternas anti-racista há pessoas negras sim e sim, não obstante, há tam-
negras e negros, depois de século s prejudicadas/os na senzala, culpabilizações, uma vez que “culpa por culpa” é algo paralisante, bém pessoas socialmente brancas, indígenas, amarelas, etc... e há
ficaram sem nenhum apoio do Estado brasileiro; citar estatísti- assim, prefiro pensar em diversos níveis de responsabilização ativa, de haver sempre mais. A questão não é tarefa de um grupo só,
cas da sobre-representação da população negra em indicadores com todas/os bastante conscientes das posições que ocupam em mas um problema humano a ser superado por todas/os mesmo
sociais negativos e mostrar que o racismo ainda opera; etc. Tris- cada questão, para que desse modo, toda a sociedade se envolva que coletivizações específicas sejam necessárias em muitos mo-
tes realidades nada libertadoras, geralmente silenciadas pelo cur- em diferentes tarefas de afirmação e superação, continuando, é evi- mentos. Para cantarmos juntos, tod@s temos que ter voz, para
rículo educacional tacanho e por mitos como o da democracia dente, como um todo de múltiplas possibilidades interativas. tanto, em muitos momentos é necessária uma afinação dedica-
racial. E agora com isso tudo? E nossas vidas cotidianas? E os Sujeitas/os negras/os - e de outras formas, também as demais da a corrigir assimetrias e valorizar elementos em comum, por
significados de toda essa conversa? pessoas de grupos agredidos, como as/os Ameríndias/os- rece- esse motivo, há o Movimento Negro, o Movimento de Mulhe-
O racismo e outras intolerâncias parecidas, alimenta a, é ali- bem ao nascer e mais ao longo da vida numa sociedade negativa- res, Movimento Indígena, entre outros, afinando seus elementos
mentado na vida de todo dia, pela movimentação das pessoas e mente discriminatória, a bagagem de uma história de agressões, próprios e os dialogando com as demais pessoas e grupos.
tudo que realizam, logo, libertações e transformações não são feridas, cansaços, invisibilizações, capitais simbólicos de baixa Esse escrito não é um foco no horror, mas um foco em ter
apenas atos de política partidária, institucional ou de movimen- estima e dolorimento, alijamento de práticas e conhecimentos foco, para que tenhamos noção do feixe de fatores implicados
tos - apesar de serem isso também – são, estruturalmente, tare- que forneceriam melhores condições de existência, tratamentos em nossa existência, para não levarmos nem darmos rasteira
fas a serem respiradas e suspiradas todo dia. direta ou veladamente supressores; esses istos, dão ar de instabi- nesses fatores.
Não defendo nenhum tipo de paranoia, em que ficaremos lidade a qualquer posição mais amena que ocupemos, ao passo Hoje sabemos que não basta interromper um erro, há também
a repetir incessantemente o que está “errado” no mundo, mui- que dão ares de eternidade ao que nos é prejudicial. Já pessoas que reparar seus danos. Reparação! Afirmação! Sem isso, o erro
to menos proponho fiscalizações insistentes e controles duros socialmente brancas, apesar das dificuldades que possam enfren- jamais será de fato algo que ficou no passado. Substituir o passa-
que podem mais gerar desagregação do que reflexão consciente, tar, nascem com uma bagagem automática de privilégios tam- do de erro por um presente de renovação e vida em suas diversas
mas, há sim que haver uma incorporação subjetiva dos princí- bém temporalmente transmitidos e reforçados; a segurança dos formas, é o objetivo das Ações Afirmativas e dos Direitos de
pios que são publicamente manifestados. ares da naturalização de “ganhos”. Desenha-se assim, uma dife- Reconhecimento: Política de Cotas na Educação, Regularização
Temos contra nós uma tradição de muita intolerância, logo, rença basilar de percurso e sensação subjetivo-coletiva e isso não Fundiária Indígena e Quilombola, Distribuição de Renda, Leis
é bem comum errarmos a dose no trato com as pessoas e re- tem sido detalhe facultativo: o primeiro grupo carrega cicatrizes Para Garantir Respeito aos Seres de Outras Espécies, Sustentabi-
produzirmos traços de coisas negativas, até mesmo das que nos de coisificação e o segundo leva os privilégios de um histórico lidade e Respeito ao Meio Ambiente, Atenção a Portador@s de
prejudicam. Contudo, mesmo por tentativas e erros, penso que de humanização exploratória. Não é apenas a multiplicidade de Necessidades Especiais, Acesso Amplo à Meios de Comunica-
seja bacana um esforço contínuo até que consigamos respeitar singularidades constitutivas, mas fundamentalmente e drastica- ção e Participação Política, Combate à Mortalidade Violenta de
as diferenças - sociais, ambientais, raciais, étnicas, de sexualidade, mente, são desigualdades que precisam ser sanadas, para aí sim Homens Jovens, Reforma Agrária, Combate à Violência contra a
gênero, idade, constituição física, de nacionalidade ou quaisquer as singularidades poderem saber de si e se expressar e, quando Mulher, Descriminalização do Aborto, entre outras ações.
outras - de forma naturalizada. Se a naturalização é um veneno assim quiserem, se relacionar mais livremente.
Libertações contínuas indo e vindo de forma fluida,
que abriga violências como se fossem o comum, então, que esse Depois dessas colocações, talvez ressoe algum banzo que acompanhando a dinâmica própria da vida. Afirmação das
mesmo fato social seja revertido numa ação pedagógica a reme- possa até dizer que a escravidão negra continua. Bom, como entranhas até as estrelas, todo em tudo de existir para além de
diar seus danos seculares. política oficial da nação brasileira, esta foi abolida na forma em danos. Libertações contínuas para nosotr@s. Tudo que pode
Já disse em outro lugar que há várias formas de o racismo se 1988, porém, seu conteúdo desumano e desumanizante ainda ser mais do que já tem sido e sendo...
manifestar, ou seja, pode ser uma ação direta ou indireta: pode opera em muitos domínios da vida humana nacional, sem con-
tar nas ilegalidades do mercado de trabalho “sangue-suga”. Finalizo com um salve às manifestações artísticas, de fé, de
ser uma agressão física, verbal, um olhar ferino, uma emanação sabedoria, de (cons)ciência não acadêmica, de saúde e cuidado,
prejudicial... negação de direitos e garantias, falta de atenção e re- Lutamos incessantemente para suprimir os efeitos de práti- de interação cultural... tão cultivadas em todas as partes do
presentação coletiva ou até mesmo o múltiplo silenciamento das cas que negam vidas, pois nas discriminações perniciosas, a in- país por grupos historicamente oprimidos. Haja criatividade
vidas discriminadas. Essa classificação vexatória e implacável, foi teração humana, que poderia gerar interessantes resultados na para essa superação autônoma e pouco anunciada, ainda
atitude elementarmente constituinte da escravização negra, pois, profusão de elementos vívidos, é represada pela pré-impressão assim, sempre comunicante à que veio!

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Olhares

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Olhares

Na Audiência Pùblica que o Supremo Tribunal Federal promoveu para debater a Política de Cotas nas Universidades Brasileiras, muito doeu na comunidade negra
nacional a fala do senador Demóstenes Torres-(DEM-GO). Ele colocou que as escravas negras não foram violentadas pelos patrões brancos, afinal de contas “isso
se deu de forma muito mais consensual”, ou seja, apontou nossas ancestrais como permissivas para com homens que as tinham como propriedade. Dessa forma,
desconsiderou a história da maioria das nossas famílias, em que a tradição oral há muito descreve o quadro de violências a que foram e são expostas as mulheres
negras, desautorizou a NOSSA voz a narrar a NOSSA própria história, citando autores, como se esses soubessem mais sobre nós do que nós mesmas, um absurdo!
Diante de tal mácula, a mulher negra capixaba, quilombola e ativista, Domingas dos Santos Dealdina, escreveu esse belo poema que nos chegou através da lista da
rede Mocambos, não só para responder ao senador, mas para transformar nossa sangria em arte curativa, como quase sempre acontece. Parabéns Domingas!

Q u e st ã o de H onra “Violência miúda, ácida,


matando a negra atitude
desde o gérmen.
Muito mal foi aprendido Nesse país já temos que viver
Esta sua má criação Sofrendo tanta discriminação Mata o negro
De dizer coisas erradas Ainda temos que aturar antes do grito.
Sobre a escravidão A sua incompreensão.
Para o jornal e radio e até televisão. Você é contra as cotas Fura os olhos de um país.
* Não deveria ser não
Que as escravas não foram violentadas As cotas não é nem a metade O NEGRO, meu chapa,
Deitaram por que quiseram com o patrão. Da política de inserção. é a luz espontânea das coisas,
Essa é uma grande mentira. *
Não sei de onde você tirou essa informação. Agora só pra você ver a órbita dos dias,
* A força do povo negro
A minha foi no “Quilombo” Não será somente as cotas incógnita da vida,
E vou ti dá uma lição. Que queremos ter direito.
As escravas foram estupradas * a cor do segredo.
E não foi por que quiseram não. Queremos nossos territórios titulados
Os senhores obrigavam, e não tinha querer ou Queremos nossas coisas de preto. Ele é o sorriso do silêncio,
não. Queremos um país de todos
* Um Brasil sem preconceitos. o silêncio do cio,
Você culpa os africanos *
Pelo trafico transatlântico negreiro Vou ficando por aqui o rio...”
Me responda seu Demóstenes Porque não quero falar mais não
Quem eu culpo pelo cativeiro? Pois não tenho tempo como você Versos de Infinita. Ativista pelos direitos
* De ficar escrevendo no chão. da Terra e dos Animais, Psicóloga e
Não sei o que você sabe De jogar palavras fora, sem ter confirmação. Poetisa de Cavalcante-GO.
De forma consensual *
Pois é um senador Queria te dizer mais coisas
E se comporta muito mal Mas enfim não digo não
Deveria ter vergonha de falar assim tão mal Essas coisas que eu escrevi
* Já deu pra ti dá uma lição.
No dia seguinte da libertação *
Continuou a escravidão Quem te escreve não sou eu
Pois os negros não tiveram Mas sim “escravas que foram violentadas”
Direito de ser um cidadão. Que vieram até a mim
* Pra que eu lhe deste essa embaixada.
No dia seguinte Demóstenes
Após a tal libertação
Faltou pro negros de tudo
Saúde, terra e educação. Autoria de:
Como é que você me explica essa tua conclusão. Domingas dos Santos Dealdina.

S il ê ncio de S il í cio
Atrás do vidro Atrás do vidro O vidro me olha,
está o manequim, esconde-se o medo me revela um reflexo,
alvo qual giz, de uma negra mão: que sussurra baixo
vendendo sua cor, com moeda pouca, e me diz, de perto:
exigindo-a de mim confortável comoção.
Esse é você, esse eu não quero!
Atrás do vidro Atrás do vidro
emana luz de fantasias ameaçam-me olhos
felizes, satisfeitas. videntes larápios
Mas se em outra pele sedentos por chumbo (Paulo Victor Silva Pacheco,
estejas, jamais te aceita! debaixo de meus trapos cientista social e ativista negro.)

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Olhares

Terra e liberdade para quem?


Bárbara Oliveira Souza
Mestre em Antropologia Social pela Universidade de Brasília.
Militante e pesquisadora negra.

Paula Balduino de Melo


Mestranda em Antropologia Social pela Universidade de Brasília.
Integrante do Nosso Coletivo e do Fórum de Mulheres Negras do
Distrito Federal. Apoiadora da Coordenação Nacional de Articulação
das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ

O
mês de maio simboliza uma data de reflexão cujas práticas de larga escala e uso de
sobre a história do povo negro, sobre sua tecnologias agressivas trazem danos
resistência e suas lutas. É um momento, também, socioambientais consideráveis. Ao
de refletir sobre a lógica racista e xcludente que mesmo tempo, menospreza os modos de
não teve fim com a “abolição”. Um dos marcos desse interím produção quilombola e de outras comunidades
da pequena agricultura.
é a discussão, ainda sem resolução, do acesso à terra para
Sem o reconhecimento formal, a posse sobre
negras e negros. Nesse sentido, vale a pena apontar alguns a terra por parte das comunidades negras rurais
marcos desse processo. fragilizou-se imensamente. Desde então, começam
Não por mera coincidência, em 1850, foi abolido o tráfico a se desenrolar histórias de expulsão, total ou parcial,
de escravizadas/os e promulgada a Lei de Terras. Essa dessas comunidades de territórios secularmente
Lei promoveu uma ordenação conservadora da estrutura ocupados, protagonizadas por grandes latifundiários,
fundiária do País, praticamente impossibilitando o acesso à empresas privadas, agências estatais, enfim,
terra a não-brancos/as. Ela determinava que apenas poderiam representantes de interesses vinculados à concepção
ser reconhecidas as terras adquiridas por meio da compra e hegemônica de desenvolvimento.
venda, ou por herança. Parte significativa dos quilombos, Assim, o que vemos hoje são comunidades
dos terreiros e de outras ocupações negras não tem na lógica quilombolas vivendo espremidas em suas
privada seu fundamento. Foram, portanto, muito prejudicados terras, que estão em sua maioria desmatadas e
pela Lei. degradadas. A sustentabilidade econômica,
Junto com a Lei de Terras, houve uma política de Estado social, cultural e ambiental desses grupos
incentivando a imigração, que condicionava a liberação está seriamente ameaçada pela precariedade
da entrada de estrangeiros/as à procedência européia, fundiária. Há um gargalo histórico no País
expressando diretamente a proibição do ingresso de pessoas que incide na democratização da terra. É
provindas da África e Ásia. Aos imigrantes europeus, terra, um fator que impacta, hoje, nos usos que
créditos, trabalho. Como pilar dessas políticas, se consolidavam são possíveis às comunidades quilombolas
no Brasil teorias, consideradas científicas, que defendiam a de seus territórios.
inferioridade de negros e negras. O Decreto 4.887/2003, que trata
E o que aconteceu com famílias negras que viviam no da regularização de territórios das
campo, em diversas regiões do Brasil, em meio a esses comunidades quilombolas, é uma medida
acontecimentos? Essas famílias eram, em grande medida, de jurídica que vai na contra-mão dessa
comunidades negras rurais quilombolas que se constituíram lógica, buscando reparar o dano histórico
durante a escravidão, ou um pouco depois dela, e que que essas comunidades sofreram. Ele
desenvolveram modos de vida alternativos, muitas vezes está sendo questionado, desde 2004, pelo
antagônicos, ao sistema econômico oficial da escravidão e da Partido Democratas, que alega no Supremo
pós-escravidão. São negros e negras que não conheceram o Tribunal Federal – STF a inconstitucionalidade do
Estado pela garantia dos direitos e que constituíram em seu Decreto, assunto que deverá ser votado pelo Supremo nas
cotidiano formas de sobrevivência autônomas. Conseguiram próximas semanas.
se estruturar a partir de uma apropriação equilibrada do meio As resoluções desse julgamento podem dar continuidade
ambiente, o que possibilitou a constituição e manutenção a séculos de opressão e exclusão do povo negro aos direitos
dessas comunidades ao longo dos anos. fundamentais, ou apresentar perspectivas de construção
Ao negar a possibilidade de formalização da posse da de um Estado mais justo, igualitário e menos racista. As
terra às comunidades negras rurais, a Lei de Terras de 1850 comunidades, por sua vez, fortalecem sua mobilização em
fundou uma lógica que vem sendo reproduzida em outros torno do princípio fundamental de sua luta: o direito às terras
instrumentos jurídicos. Essa lógica privilegia certo modelo que tradicionalmente ocupam e que historicamente lhes
de propriedade rural – dos grandes empreendimentos, foram negadas.

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Olhares

Discurso do Presidente da
República, Luiz Inácio Lula da
Silva, na visita à Ilha de Gorée
Ilha de Gorée-Senegal, 14 de abril de 2005

E
u queria dizer ao presidente Wade que durante três ou mais séculos se tirou, desse território, as pessoas
estamos terminando a nossa agenda mais saudáveis, as pessoas mais fortes e as pessoas com mais
na África, no Senegal e na Ilha Gorée. condições de trabalhar.
Portanto, terminando a nossa viagem Milhões deixaram este continente e sabe Deus quantos milhões
melhor do que qualquer um pudesse pensar ou saíram por esta porta. A porta do “nunca mais” é como se fosse
organizar. a própria morte. Ou seja, eu vou, sem saber, ou melhor, tendo
O senhor sabe, Presidente, que quando consciência de que não tenho retorno. Mas essas pessoas no seu
resolvemos transformar a África num continente sofrimento, Presidente, ajudaram a construir o meu país.
prioritário da nossa ação política, dentre as coisas Eu penso que, se a gente levar em conta o valor histórico da
que tínhamos na cabeça e que definiu a nossa passagem dos negros pelo Brasil, condenando tudo que tenhamos
estratégia de política internacional, não foi apenas que condenar, o resultado para o Brasil foi da criatividade
fazer negócios, foi, sobretudo, uma estratégia de extraordinária do povo brasileiro e uma miscigenação que criou
um dirigente político que tem consciência da um povo extraordinariamente bonito. A esse povo nós devemos
dívida histórica que temos com o continente a nossa culinária, grande parte dela; devemos a musicalidade que
africano. E não poderia ser melhor o lugar para o Gil demonstrou aqui, o samba no pé da mulher e do homem
dizer isso, que ao longo de três séculos exportou brasileiro. Esse gingado e essas coisas a gente não aprende na
milhões e milhões de seres humanos livres que Alemanha, a gente não aprende na Suécia, a gente aprende aqui,
se transformaram em escravos, tratados como na Ilha Gorée, porque isso não se aprende na universidade. Isso
mercadoria. E esta casa, aqui, possivelmente seja está no nosso DNA.
o único monumento para a história mostrar à E essa intensificação do meu governo, do meu país, com a
humanidade. Muitas vezes nós aprendemos mais África, é porque nós acreditamos que o século XXI pode ser o
sobre as atrocidades que a humanidade cometeu grande século daqueles que foram premidos no século XX. E
contra etnias, contra raças, contra países, mas a que o século XXI pode ser o século em que nós, países da África,
questão da escravidão é tratada muito por cima, países da América do Sul e da América Latina, Senegal e Brasil,
porque os escravos eram tratados como figuras, descubramos que só fomos pequenos porque não pensamos
ou seja, não eram seres humanos. Aqui, nesta grande. Quando começamos a pensar grande, a ter objetivos
casa, eles eram transformados num número. Eles definidos, a não fazer a nossa ação política apenas no período do
não tinham nome nem sobrenome. nosso mandato, mas fazer da ação política uma trajetória histórica
Eu acredito que quando tomamos a decisão de para o futuro, eu não tenho dúvida de que os nossos filhos e
recontar a história africana dos nossos escravos netos ou, quem sabe, bisnetos, daqui a 40 ou 50 anos estarão aqui
no ensino fundamental do Brasil, o objetivo era não apenas chorando a escravidão, mas estarão também vivendo
fazer com que as nossas crianças aprendessem o momento privilegiado, que eu acho que nós estamos buscando
que isso aqui não era um paraíso de escravos, e, certamente, vamos encontrar.
isso era um paraíso de homens livres que uma Eu sei da quantidade de autoridades que vêm aqui. Eu vi
parte da Europa transformou em escravos para fotografias de muitas personalidades, mas uma teve humildade
poder, quem sabe, começar a se transformar no – uma que morreu e foi enterrada na última sexta-feira – teve
chamado continente rico do planeta. a grandeza de vir aqui, naquela porta do “nunca mais” pedir
É muito importante que as nossas crianças perdão.
aprendam que o fato de a África ser um continente Eu queria dizer, presidente Wade, ao povo do Senegal e ao
economicamente, industrialmente atrasado, se povo da África, que não tenho nenhuma responsabilidade pelo
comparado ao chamado Primeiro-Mundo, não que aconteceu no século XVIII, no século XVI, XVII, mas eu
é porque o africano não tem competência, não penso que é uma boa política dizer ao povo do Senegal e ao povo
é porque o africano não é inteligente, é porque da África: Perdão pelo que fizemos aos negros.

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Entrevista

Por Paula Balduino e Natália Maria Integrar “categorias de direito identitário” não é a farra que setores mal-informados e conservadores da mídia, da academia e da sociedade em geral costumam
retratar. Trata-se de processos complexos e por vezes dolorosos de resgate histórico e ressignificação de trajetórias suprimidas pela exploração secular. Acesso à
terra e à educação - demarcação de territórios quilombolas e sistema de cotas étnico-raciais... reparação e correção igualmente contestadas no STF.

Sobre ser quilombola, a história da comunidade, lá, eu ia terminar o Ensino Médio e ia parar naquilo, fazer um para mulheres vítimas do tráfico de pessoas, eu comecei
trajetória de vida... concurso e passar na prefeitura igual muitas primas minhas, a desenvolver essa pesquisa em setembro do ano passado
e parar, só que eu não queria isso. Quando foi no meio do e sou orientada pelo professor Mário Ângelo Silva, do
Eram 3 escravas que deram origem a 3 famílias: Lisboa, ano - eu tenho minha tia que mora no Núcleo Bandeirante- Departamento de Serviço Social.
Teixeira Magalhães e Pereira Braga. Eu sou da família DF - eu fui morar com ela e estudar lá, nisso, não deu certo,
Lisboa. Mesquita para mim significa união, mas é Você está em que momento do seu curso?
mas mesmo assim eu queria continuar lá, aí saia do Mesquita
complicado, pensar “Quilombo” em questões políticas, e ia pro Bandeirante estudar. Foi uma fase muito difícil da Agora eu estou no quarto período. Vendo meu campo de
acho meio complicado, pois existe certa resistência das minha vida, pois eu acordava três e meia da manhã, para estar atuação, me norteando sobre o que eu quero seguir. Eu penso
pessoas mesmo de dentro da comunidade, agora assim... na escola sete horas, andava 2km só, no escuro; minha mãe em trabalhar na área sócio-jurídica, se eu não conseguir,
as pessoas estão se politizando mais, estão entendendo trabalhava o dia todo, então era complicado ela me levar na eu pretendo trabalhar na saúde, mas o que me mais me
melhor. Na minha história de vida dentro do Mesquita, escola, ela chegava cansada. Eu também chegava muito tarde chama atenção é o sócio-jurídico, trabalhar com crianças
aconteceram n coisas que as vezes me deixam triste e em casa, tinha dia que não tinha comido nada, só água. Assim abandonadas, vítimas de violência...
frustrada, mas hoje eu dou graças à Deus por onde eu fiz o segundo e o terceiro ano, prestei dois vestibulares pra
estou e onde eu cheguei, mas foi difícil chegar, difícil UnB e não passei. Não tinha como eu pagar um cursinho Você, nos seus trabalhos e pesquisas, pretende abordar
mesmo, de pensar às vezes em desistir. Quando eu nem nada, minha mãe não tinha dinheiro pra pagar, aí eu a questão racial? Por ser quem você é, você se sente na
cheguei na UnB foi um grande ganho pra mim, foi um desisti. Desisti na época, mas continuava pensando que eu obrigação em relação a isso?
verdadeiro salto na minha vida. Pel a história da minha queria entrar. Um dia eu estava assistindo jornal na TV, aí
mãe né: mãe solteira, negra, eram três filhos, tive um Eu não me sinto na obrigação, mas eu acho que é uma forma
passou sobre um cursinho pré-vestibular gratuito; eu fui lá, de, através de pesquisas e conversas com as pessoas, eu poder
irmão que faleceu, que minha mãe adotou. Dias de fiz minha inscrição, mas não consegui... aí fiquei... seu eu não
chegar e pensar: “nunca vou chegar”, as vezes de chegar levar isso para minha comunidade. Como quando eu fiz a
consegui, fazer o quê? Aí eles me ligaram, já estava na metade disciplina Pensamento Negro Contemporâneo... tudo vai
alguém e falar: “está estudando para a UnB pra quê? do cursinho... aí eu comecei a estudar, fiz vestibular em 2006 e
Você nunca vai chegar”. Isso foi me desgastando, me me dando um norte para eu pensar, pois muitas coisas ainda
não passei, e fui fazendo... estudei um ano e meio no cursinho estão embaralhadas na minha cabeça... até mesmo sobre o que
desgastando, porém encontrei pessoas que me ajudaram e no 2º de 2008 eu passei!
muito, aí eu comecei a estudar num cursinho aqui na eu entendo como racismo. Acho que se eu pesquisar mais,
L2 e com a graça de Deus eu cheguei. São unidos em Por qual motivo quis a UnB? estudar mais, vou entender melhor essa questão.
questão de solidariedade, mas é complicado. Dói, é Quando você se formar, tem vontade de continuar
estudante cotista de Serviço Social na UnB e quilombola da Comunidade de Mesquita na Cidade Ocidental – GO.

gente vai ficando espremida... vem um latifundiário de A UnB é pública, o pobre não tem condições de pagar uma morando em Mesquita, trabalhar lá dentro?
um lado, outro de outro, um que pensa que lá pode se particular, então se e pública é do pobre, o pobre tem que
transformar num condomínio de luxo, outro que usa as estar dentro da UnB. Mesmo que seja difícil, mesmo que seja Morar lá sim, mas trabalhar lá dentro... assim, pretendo
terras do Quilombo para plantar soja, e aí as pessoas vao doloroso, mas é lá que você tem que entrar. E também pela desenvolver alguns projetos, mas se eu trabalhar somente lá
ficando cada vez mais espremidas. Deus me livre, se eles universidade, pela qualidade... tem nome e acho que todo não terei muita ascensão... Desenvolver projetos e trabalhos
conseguirem ganhar essa ação lá, se o DEM conseguir, mundo é capaz de entrar na UnB. lá, com certeza, quero levar melhorias para onde eu vim,
não sei o que vai acontecer com as pessoas. de onde minha mãe veio. Todavia, por questão de maiores
Como você soube das cotas? oportunidades, eu pretendo trabalhar em Brasília, pois já
Sobre a história negra pós-abolição, o passado passei por muitas coisas, questões financeiras mesmo...
de escravidão e dores associadas e o processo Eu fui fazer inscrição com os colegas lá da escola, quando acho que todo ser humano é digno de uma vida melhor e
de assunção da identidade negra quilombola - chegou lá tinha que você podia se inscrever pelo sistema eu pretendo dar uma vida melhor para minha família: eu,
de cotas. Era na época da foto ainda, aí fui, tiei a foto e fui minha mãe, minha irmã e meu marido. Moramos todos
influências disso na situação do Mesquita. selecionada como cotista. Desde esse primeiro vestbular eu juntos em Mesquita.
Lá as pessoas são todas negras, todas de pele negra, nariz sempre coloquei pelas cotas e passei pelas cotas. Fiz seis. O
chato, lábios grossos, e rola o preconceito. Por isso pra primeiro foi para Comunicação, o segundo para Pedagogia, aí Cotas e quilombos...
alguém de lá falar “eu sou negra”, é complicado. Eu me depois acho que fiz três de novo para Comuicação e dois para Eu acho são uma maneiras de reparar um dano. Antes
assumo como negra pela minha trajetoria, estou na UnB, Serviço Social. das cotas a UnB era branca... agora a UnB está mais
me politizei, me aprofundei mais na história d@ negr@.
Também conheço outras pessoas que se dizem negras, Como foi esse momento de entrada na UnB, como você negra. Ouve-se muito nos corredores da UnB que as cotas
deveriam ser sócio-econômicas e não raciais, eu concordo
do quilombo, descendentes de escrav@s, que levantam se sentiu lá, nos primeiros semestres...? que devem haver cotas sociais e a UnB tem vagas para isso,
a bandeira, mas tem muita gente que se diz “morena”, Eu tinha uma visão completamente diferente, achava que mas não deveria acabar com as raciais, mas acrescentar a
por causa dos esterótipos que se cria, por exemplo: Se a UnB era o paraíso, que tudo era bom, que todo mundo social. Pois, dos que terminam o ensino médio, a parcela
há um serviço ruim dizem que é “serviço de preto”, tratava as pessoas bem... pra mim foi impactante quando vi de negr@s é muito pequena em relação a branc@s, então
Entrevista com Dalila Maria de Fátima Lisboa,

“amanhã é dia de preto”... aí se criam esses estereótipos. certo individualismo, formavam-se grupinhos, cada um no a UnB seria branca novamente se substituissem as cotas
É difícil chegar nas pessoas e dizer que há esterótipo, seu grupinho e pronto. Foi complicado no início, eu pensei raciais pelas sociais. Dentre os pobres que estudam, a maioria
que é preconceito. As pessoas acham que é normal falar até em desisitir do semestre. Era ruim, pois no cursinho, são branc@s. Antes das cotas, pouquíssim@s negr@s
isso. Para quem conversa com outras pessoas de fora e além de estudar pro vestibular, eles abordavam muito a conseguiam chegar à univesidade, agora não, @s pouc@s
que vê a história, isso é um preconceito horroroso, sabe, cidadania, sobre você ser solidário com @s outr@s, coletivo que terminam o ensino médio estão tendo a oportunidade
chamar de neguinha, de macaco, é complicado. Quando assim sabe, pensar não só no individual, mas no coletivo. Na de chegar à universidade. Acho também que as terras devem
eu vou falar alguma coisa, conversar com alguém, eu UnB pra mim foi impactante, pois eu não entrei em nenhum ser demarcadas e reconhecidas como quilombos se assim
tenho que bater de frente mesmo e as vezes é chato grupinho, às vezes eu ficava só, sentia uma solidão danada... o forem, pois chegam os latifundiários e acabam com
colocar “coisas na cabeça das pessoas”, dizer, “você é na época, quem mais me apoiou foi o Afro (Afroatitude tudo, vão espremendo as comunidades, daqui uns tempos
negra”. As vezes eu deixo passar, isso é o que mais me UnB- grupo que disponibiliza bolsas de permanência as comunidades não vão ter nada, e aí, como vai ficar? As
entristece, pois são jovens, depois de grandes avanços e para estudantes negr@s e cotistas através de atividades pessoas já estam em condições desfavoráveis, imagine se não
ainda pensar assim, é complicado. de pesquisa e ações de formação e coletivização.), que na tiverem nem aonde morar, esses grande latifundiários querem
época estava com a Cris que era a coordenadora, era lá que eu terra pra plantar? Há, uma área enorme foi desmatada para
É a única pessoa de sua comunidade que chegou me sentia acolhida, foi lá que eu sentia: “eu faço parte da UnB se fazer um condomínio de luxo... ah, há terras devolutas
à universidade? por estar nesse grupo, por estar no Afro e não por estar no para se fazer isso.
Na UNB sim, mas há gente que estuda na UEG ou em curso. Foi no primeiro semestre, Aí eu conversava com a Cris,
conversava muito com as meninas do Afro, elas me diziam Há poucos estudantes negras/os na UnB, menos
particulares, há quem conseguiu bolsa do PROUNI. que ia melhorar, que eu ia ver que era individualista e isso ainda de comunidade negras rurais...
Então têm várias pessoas formadas, umas 20 assim... mesmo, aí no segundo semestre eu estava tranquila.
(De aproximadamente 3000). Eu me sinto representando minha comunidade... antes minha
Você sempre foi do Afroatitude? Que pesquisas você irmã nem pensava em cursar uma faculdade, mas hoje não,
Sua trajetória escolar... desenvolveu? hoje ela pensa que quer um curso na UnB, que a UnB é
Primeiro eu estudei lá perto da minha casa, tinha uma Na época havia uma parceria entre o Afroatitude e o Pólo pública e que ela tem condições de chegar até lá. Isso pra mim
escolinha que tinha a 1ª e 2ª série, aí eu estudei lá. Fica de Prevenção de DsT e Aids e nisso eu colaborava com foi um ganho, mesmo que ela demore a passar, pra mim foi
próximo à Cidade Ocidental no Goiás. Aí depois eu fui o Pólo, mas agora houveram mudanças, agora tod@s no um ganho ela mudar a forma de pensar... eu espero também
estudar na Cidade Ociental, e lá estudei até a 8ª série e Afro têm que desenvolver pesquisa. Estou realizando uma que outras pessoas mudem sua forma de pensar, pois mesmo
aí eu iniciei o 1º ano, só que eu vi que, se eu continuasse pesquisa sobre o desenvolvimento de políticas públicas que seja árduo, é possível chegar lá.

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