História do cuidado como espaço de terapia da alma
Leuse António Afonso Segunda
Ao refletir sobre o cuidado é necessário reconhece-lo na perspectiva ontológica de sua existência, para que enfermeiros possam desenvolver uma prática humana e solidária, para além da técnica. A história do cuidado é uma história que não pode ser contada sem que o homem seja o seu protagonista. O cuidado em saúde é representado pelos valores do toque, do olhar e da escuta, ultrapassando as dimensões das práticas técnicas. Deste modo, o profissional de saúde oportuniza espaço para o diálogo, valorizando a história de vida, a crença e a cultura de cada indivíduo. Desde que nascemos somos cuidados e ao longo da vida cuidamos a nós e aos outros. Nossa existência enquanto profissão tem registrado isso, pois cuidar/cuidado faz parte da vida cotidiana de qualquer pessoa. É usado para alertar, para prevenir, para promover a cura, para preservar a vida e ajudar no crescimento e desenvolvimento de qualquer ser vivo. É por isso que no acto de cuidar nem eu, nem o outro podemos e devemos esperar que sejamos um para o outro num único eu. Este cuidado não tem sentido altruístico de doação sem gratificação, mas tem sentido de compreender o homem, de interagir com ele e de cuidar de forma holística, personalizada, que além de colaborar para cura também promove saúde e auxilia o indivíduo a desenvolver satisfação, pois não posso tratar o outro como eu mesmo, mas devo tratá-lo como merece ser tratado, isto é, ser cuidado com respeito, com carinho, com amizade e sobre tudo com amor. Não estou no hospital para ser amigo dos doentes, tratá-los como amigos, posso vir a ser, mas também o vir a ser não pode ser o meu principal objectivo, se acontecer, será um bom acidente, um feliz acidente, uma vez que há uma carga da religiosidade criada à volta do prestador dos cuidados hiper dimensionada, tendo em conta que o prestador dos cuidados trabalha sobre os seres humanos, isto é, sobre a vida, o que transmite uma noção de obrigação, dever e compromisso social, de formas a garantir aos doentes o acesso aos cuidados de saúde disponíveis em todos os níveis de assistência (que necessitam para ter uma vida mais longa, produtiva e feliz), promoção e recuperação da saúde, prevenção de autonomia das pessoas na defesa da sua integridade física ou moral, igualdade de assistência à saúde sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie e a qualidade dos cuidados em saúde prestados aos cidadãos. Ao mesmo tempo que lhe pedimos para “rehumanizar” o ser humano sobre quem ele trabalha, nós desumanizamos o ser humano do prestador dos cuidados com as responsabilizações por vezes descabidas, o que muitas vezes, fruto das nossas exigências desgastantes desenvolvemos aos prestadores de cuidados a auto-iartrogénese, isto é, a doença que o médico vai causar a si mesmo. O trabalho da Medicina não se restringe apenas a questão da cura do corpo, mas também da cura da alma, da terapia da alma, isto é, o cuidado com a pessoa como um todo, o foco no ser humano, nos seus sentimentos, corpo, mente, estado de espírito ou estar bem consigo mesma; e não apenas no problema ou sintomas do momento, fazendo isso, estariamos colocando o corpo a distância, pensando na educação à saúde. Em suma, o cuidado deve ser entendido como um ato que vai além de procedimentos técnicos, há necessidade de envolvimento e compromisso com o outro, ou seja, deve existir uma ação humanizada. 1