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ASTECAS E INCAS:
UMA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA COMPARADA
Rio de Janeiro / RJ
2017
2
ASTECAS E INCAS:
UMA PESQUISA BIBLIOGRAFICA COMPARADA
RESUMO
ABSTRACT
This paper analyzes critically modern references, available in Portuguese, which construct the
historical memory of the Aztecs and the Incas. To do so, this research is based on two
methodologies: comparative history and case study. Throughout this work, the issues
involved in primary sources of study of the Aztecs and the Incas, which include Spanish
chroniclers and eurocentrism, are presented and debated. In addition, other topics such as the
problems related to working with the comparative history methodology, the anachronisms
present to this day in the literature and the similarities and differences between the studied
cases are also exploited. Finally, this paper opens a space to rethink the construction of pre-
Columbian cultures and the problem of matching terms used in the Aztec and in the Inca
languages with term used in Western languages as if they were equivalents.
RESUMEN
SUMÁRIO
Introdução 7
Conclusão................................................................................................................................... 46
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 49
7
Introdução
Levando-se em conta a grande quantidade de temas, assuntos, e casos que existem na
historiografia, é normal que o acadêmico eleja aqueles que lhe são mais familiares e que
despertam o seu interesse. Contudo, há uma infinidade de temas relevantes que são pouco
explorados no meio acadêmico e que não chegam ao conhecimento dos jovens pesquisadores,
ficando à margem dos poucos que se interessam em pesquisar tais assuntos.
Felizmente, temas esquecidos em uma cultura em dado momento podem estar
florescendo em outra. Nesse trabalho aborda-se um desses temas que no Brasil nunca foi
muito estudado: os astecas e os incas, de modo a investigar as seguintes questões: Como essas
culturas são entendidas e apresentadas pela historiografia? Qual o enfoque dado a elas pela
historiografia contemporânea? Quem eram os incas e os astecas?
Tendo em vista esses questionamentos, alguns objetivos foram estabelecidos para esse
trabalho, quais sejam: levantar uma historiografia contemporânea, e de preferência diversa,
que possa demonstrar o enfoque dos acadêmicos ao se estudar as culturas pré-colombianas;
2) Compreender quais são as fontes primárias as quais os acadêmicos têm acesso ao
estudarem essas culturas;
3) Apresentar as culturas asteca e inca, a partir da visão desses historiadores,
comparando os aspectos diferentes e semelhantes que essas sociedades apresentaram; e
4) Problematizar a historiografia levantada, abrindo espaço para um debate
historiográfico.
A hipótese inicial que perpassou essa pesquisa era de que os acadêmicos traçavam
paralelos em demasia entre as culturas pré-colombianas e outras formas de civilizações
ocidentais, o que facilitava a compreensão em um nível didático, mas, por outro lado, talvez
não levasse em conta as singularidades dessas culturas.
Para que esse trabalho pudesse ser realizado foi necessário compreender as obras dos
cronistas espanhóis que escreveram enquanto essas culturas ainda existiam, delinear qual seria
a metodologia desse trabalho e compreender se a adjetivação dessas culturas como Império é
usada devidamente.
Dessa forma, buscou-se entender o discurso de Alteridade, na visão de Tzvetan
Todorov, e o eurocentrismo, para que se pudesse compreender o local de fala dos cronistas
espanhóis em meados do século XVI. Também foi estudado e analisado o conceito de
império, com base na obra de Luís Moita, e, por fim, ficou decidido que o trabalho seria
redigido sobre a égide da metodologia da História Comparada e do estudo de caso, com base
na obra de José D’ Assunção Barros e Robert Yin respectivamente.
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1. DA TEORIA E METODOLOGIA
Nesse capítulo é apresentada a parte pertinente a teoria, metodologia e termos
importantes para a compreensão dos casos estudados nessa monografia. O capítulo foi escrito
sem subdivisão de forma que cada tópico dialogue com o tópico seguinte.
Dentre os autores apresentados nesse capítulo estão: Jose d'Assunção Barros, Robert
Yin, Marc Bloch, Tzvetan Todorov e Luís Moita.
antigo e conhecido, o que pode se apresentar como um problema para o historiador quando
este envereda para uma divisão reducionista e esvazia a singularidade dos seus objetos de
estudo. Para que isso não ocorra, se faz importante que o historiador tenha o cuidado de
escolher objetos de pesquisa que possam ser comparados entre si e cuja comparação sirva
para acentuar suas diferenças e semelhanças, levando em consideração seus processos
históricos distintos.
A História Comparada se diferencia de um simples comparativismo histórico na
medida em que estabelece uma sistematização do método comparativista. As premissas
básicas do método de História Comparada, a saber: “comparar”, “elencar semelhanças” e
“estabelecer analogias”, são ações tão naturais e familiares ao historiador quanto as ações de
“contextualizar acontecimentos” ou “dialogar com as suas fontes”. Ao separar a história
comparada do comparativismo, Bloch aponta dois aspectos que não podem fugir da História
Comparada, que seriam eles “uma certa semelhança dos fatos” e “certas dessemelhanças nos
ambientes em que esta similaridade ocorria”. Esses dois parâmetros visam tanto resguardar o
historiador para que os objetos de estudo escolhidos possuam suas diferenças e semelhanças,
questão essencial para a comparação, e para que não se escolham objetos idênticos ou que
sejam anacrônicos entre si (BARROS, 2012, p.16).
Ao se observar duas ou mais realidades distintas, que possuem suas semelhanças e
diferenças, como feito por Marc Bloch na sua obra Os reis taumaturgos (1924), o trabalho do
historiador se abre para a possibilidade do que Barros (2012, p.17) chama de “iluminação
reciproca”, na qual o estudo de dois objetos não tão bem compreendidos podem ser melhor
compreendidos por meio da comparação de suas especificidades, semelhanças, diferenças e
do processo de transformação que lhes resultou. Para tanto, esse tipo de estudo deve ser feito
sobre dois objetos que possuíram contato entre si.
O exemplo mais famoso desse tipo de estudo foi, mais uma vez, a obra de Marc Bloch
Os reis taumaturgos (1924). Nessa obra, Bloch explora a temática dos reis taumaturgos na
França e Inglaterra. Nos idos de 1920, essa questão da capacidade de alguns monarcas
medievais curarem certas doenças de seus súditos por meio do toque real era uma temática
pouco conhecida e pouco estudada. Por meio da sobreposição desses dois objetos que se
influenciaram mutuamente e que existiram no mesmo período temporal, Bloch obteve
resultados inéditos que só foram possíveis por meio do estudo comparado e problematizado
desses dois casos.
A História Comparada ainda é um método jovem e que atrai muito mais interesse
teórico-metodológico do que estudos de cunho aplicado propriamente ditos. Contudo, tem
11
ganhado bastante espaço também na literatura, principalmente desde os idos de 1980, com a
publicação de um número inteiro da revista American History Review, dedicado a essa forma
contemporânea de se trabalhar a historiografia (BARROS, 2012, p14).
Dentre os motivos pelos quais isso ocorre, está o fato de que, por sua natureza, a
História Comparada se apresenta, muitas vezes, como um desafio para o historiador. Isso se
dá, principalmente, pela forma como os historiadores se especializam em áreas do
conhecimento no ocidente. Isso ocorre, normalmente, de duas formas diferentes. Em espaços
temporais (Idade Média, Idade Moderna, Antiguidade, Tempo Presente, etc.) ou em espaços
físicos (França, Brasil, Inglaterra, etc.), o que apresenta um desafio para o historiador quando
se depara com a necessidade de buscar e de se inteirar de fontes, autores e debates
historiográfico que não fazem parte da sua especialidade, fora de sua zona de conforto.
Sendo assim, uma das maiores atrações desse método - a possibilidade de romper
barreiras físicas e temporais - é vista com certo fascínio, mas também com receio de tombar
ao anacronismo se não forem frisadas as singularidades e especificidades de cada caso.
Embora a sistematização da História Comparada seja atribuída a Marc Bloch, é
importante adicionar que a ideia de se utilizar o comparativíssimo para auxiliar a entender as
sociedades e a vida humana remonta ao Iluminismo do século XVIII. Essas primeiras
experiências possuíam focos diversos, seja pelo estudo da vida e do pensamento na Inglaterra
e França por Voltaire em duas suas de obras: Cartas filosóficas, de 1734, e Ensaio sobre os
costumes e o espirito das nações, escrito em 1756, no qual se comparava a China, a Índia e o
mundo Islâmico em relação às sociedades europeias. Em sua obra A riqueza das nações de
1776, Adam Smith propunha uma comparação entre a irrigação e agricultura na China e
alguns outros países asiáticos e o que se via nas cidades europeias da época, caracterizadas
pelo comércio e pela manufatura (BARROS, 2012, p.28).
No século XIX, a comparação foi adotada por diversas disciplinas como a
antropologia, a linguística, a sociologia, o direito e a economia. A utilização de uma análise
comparada só viria a ser reintroduzida na historiografia a partir do revisionismo empreendido
pela Escola dos Annales no período entre guerras. Alguns historiadores apontam essa
revitalização da comparação dentro da história como uma resposta ao nacionalismo extremo,
o que ajudou a desencadear a 1ª Guerra Mundial.
A comparação se apresentava, então, como uma possibilidade intrigante de deixar para
trás o desapontamento dos historiadores com os velhos modelos de história dos séculos
passados desde sua institucionalização como ferramenta política e campo acadêmico, que
12
R. Yin (2004) defende que um bom estudo de caso deve acrescentar algo de novo ao
se estudar um caso. Como podemos analisar a partir do exemplo anterior, Hammond reúne as
obras de diferentes autores para poder analisar quais partes da narrativa são derivadas de quais
autores e, a partir dessa investigação, construir e estudar a imagem de Alexandre, o Grande,
que esses diferentes autores apresentam.
Como metodologia, o estudo de caso foi muito utilizado, e ainda o é, por antropólogos
e sociólogos que examinam as complexas sociedades e o comportamento humano. Outras
áreas, tais quais: administração, direito, medicina, educação e historia se utilizam do estudo de
caso com frequência. Segundo Doris Soares:
Em linhas gerais, essa metodologia é aplicável em contextos onde se
deseja investigar um sistema complexo que não pode ser facilmente
representado ou compreendido por meio de uma única medida
quantitativa, ou que não faz sentido fora do contexto onde ocorre
naturalmente. Desta forma, o estudo de caso pode incluir tanto dados
quantitativos quanto qualitativos, coletados a partir de uma
observação meticulosa do objeto de interesse de modo a capturar, de
forma adequada e precisa, o caso em toda a sua totalidade e
complexidade. (2006, p.111)
Por fim, R. Yin (2004) descreve que um bom estudo de caso deve delinear e responder
as perguntas como e por quê. Essas perguntas têm como objetivo delinear o trabalho do
pesquisador auxiliando-o a realizar um estudo centrado e focado na sua análise proposta.
No caso desta monografia, o foco é estudar como compreendemos hoje os povos inca
e asteca, e por que compreendemos essas culturas de tal maneira e não de outra forma. Seu
objeto de análise são as sociedades asteca e inca. Sendo assim, optou-se pela história
comparada e o estudo de caso como metodologias a serem seguidas neste trabalho.
Devemos observar também a questão da temporalidade na historiografia, pois o seu
foco varia de sociedade para sociedade e de época para época.
Na Europa medieval havia uma longa tradição de viajantes publicarem diários
contendo suas observações, comentários e a rota percorrida. Tal forma literaria era comum
principalmente entre peregrinos que realizavam viagens até locais sagrados, mas também não
eram incomuns registros de viagens de comerciantes e aventureiros que transitavam entre os
centros urbanos e locações mais “exóticas”, locais onde o trânsito humano era menor ou que
ficavam mais afastados dos maiores centros populacionais. Nesse contexto, não é de se
estranhar os diferentes registros de viagens que temos sobre as Américas, aqui apresentados
como crônicas de cronistas espanhois.
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Um rápido exemplo a ser abordado é a obra de Jean de Léry Viagem à terra do Brasil
(2007), publicada originalmente em 1578. Nessa obra Léry, que fora pastor e missionário
calvinista natural da França, descreve sua viagem da Europa até o Novo Mundo, suas
experiências na França Antártica e com os indígenas daquela região. Léry narra desde a
organização de seu grupo, empreendida pela igreja de Genebra, seus dias em alto mar, a
geografia, o clima, a personalidade de Villegagnon, comandante da colónia, os animais, os
costumes e a língua dos nativos, as dificuldades e os conflitos enfrentados pelo seu grupo,
tanto na jornada de ida, na colónia e na jornada de volta, os animais das Américas, etc. É uma
obra que, para conterrâneos seus que viajavam pouco e possuiam pouco acesso à informação,
seria uma fonte inestimavel e riquissima em informações sobre o mundo além da realidade
diária.
Uma das maiores problemáticas enfrentada pelo historiador é reconstruir as sociedades
humanas que não mais existem de forma que sua obra seja verossímil ao que um dia existiu.
Quanto mais nos afastamos da modernidade, mais complicado se torna reconstruir tais
sociedades. Os problemas são os mais diversos, tais como a falta de fontes primárias, sejam
elas textos ou achados arqueológicos, o que impossibilita compreender línguas mortas; a
existência de relatos contraditórios, o que cria questões e situações até hoje postas em debate
ou mal compreendidas, entre outros.
Essa problemática parte do fato de que todo conhecimento das Ciências Sociais é
aproximado e fruto de construção com base em diversas fontes de conhecimento e teorias. A
construção histórica é constantemente revisada, à medida que se encontram e se reúnem novas
fontes que podem, ou não, entrar em conflito com o que é tido como norma. Poucas teorias
não são passiveis de reavaliação e, por conseguinte, de serem derrubadas ou reformuladas.
Pode-se dizer que o esforço para reconstruir sociedades, sejam elas atuais ou não, é um
esforço constante e sempre incompleto, pois as sociedades humanas são organizações tão
ricas que nenhum acadêmico consegue reconstruí-las em sua plenitude.
Ao se estudar as sociedades pré-colombianas, nós deparamos com todos esses
problemas. Há historiadores que fazem usos de discursos anacrônicos, tanto aqueles que
viveram na época da conquista quanto aqueles de tempos mais recentes; observamos a
dificuldade de compreender e entender o outro como um individuo em todas as suas
especificidades; observamos discursos carregados de juízos de valor e a tentativa, por vezes,
de engessar essas culturas pré-colombianas em modelos teóricos usados para descrever outras
culturas, tais quais: Civilizações hidráulicas, modo de produção asiático, Impérios,
Feudalismo, etc.
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do norte da África. Essa confluência de culturas diferentes muitas vezes não era pacífica e,
portanto, a partir do século VIII, iniciou-se o movimento nos reinos cristãos de reconquista da
península que consideravam sua por direito e da expulsão do diferente, que nesse caso
compunha todos que não eram cristãos. Esse longo movimento de conflito cristão-muçulmano
coloca em xeque a aceitação do outro-muçulmano perante o eu-cristão, na medida em que os
reinos ibéricos se reconhecem como semelhantes perante a existência de um diferente.
Esse caso é importante para pensar a construção do Eurocentrismo e a criação da
dicotomia entre Ocidente e Oriente. Uma série de eventos leva o Ocidente a ser visto como
cultura padrão, detentora de características essenciais. (Bryan Turner, 1989, apud
BARTOLUCI, 2009, p. 55).1 Segundo esse ponto de vista, aquelas sociedades não Ocidentais
seriam culturas atrasadas que ainda não haviam atingido o patamar de evolução Ocidental.
Sendo assim, caberia ao ocidental levar a essas civilizações atrasadas as condições para o seu
desenvolvimento e civilização, ao mesmo tempo em que construiria uma autoimagem de
superioridade e legitimidade. Esse processo se deu ao longo de séculos, principalmente entre
os séculos XVIII e XIX, com a Reforma Protestante, a Revolução Francesa, o Imperialismo e
o Fardo do Homem Branco, só para citar alguns eventos-chaves que constroem essa ideia.
Contudo, o foco temporal desse trabalho está no final do século XV e início do século
XVI, o que nos impede de falar sobre Eurocentrismo pleno. Evidencia-se, por outro lado, um
princípio de Eurocentrismo por trás da questão de Alteridade, pois os europeus chegados às
Américas, em sua maioria ibéricos, estavam vivenciando o princípio da construção da
identidade europeia, por meio do contato com essas culturas estrangeiras ao seu entendimento
de mundo. A confusão do europeu para com a figura do índio é nítida nos documentos de
época. Ora eram considerados como pagãos, hora como herejes, muçulmanos, crianças
passíveis de aprendizado, seres puros não corrompidos pelo pecado de Adão e Eva, mais
animais do que homens. Segundo uns, não possuiam reis nem religião, já outros comparavam
a realidade desses nativos com títulos e termos europeus.
Essa confusão dos cronistas ao descreverem os nativos parte de várias barreias, tais
quais: a diferença de línguas, que aos poucos vai sendo rompida, as diferentes intenções dos
cronistas ao relatarem suas experiências, a questão da não compreensão do outro, entre outros
motivos.
Com isso em mente, Todorov nos apresenta a possibilidade de refletir sobre a
historiografia das culturas nativas da América, visto que as nossas fontes primárias foram
1
A obra utilizada por Bartoluci foi: TURNER, Bryan S. Orientalism, postmodernism and globalism. London:
Routledge, 1994.
18
escritas por cronistas europeus e por filhos de nativos com europeus que cresceram durante,
ou logo após, o processo de conquista dessas culturas americanas. Os incas não possuíam
escrita e pouquissimos códices originais astecas sobreviveram a ocupação espanhola. Isso
significa que as fontes primárias para o estudo dessas culturas possuem certas limitações nas
suas pluralidades.
Por último, mas não menos importante, precisamos trabalhar com o conceito de
Império para que possamos trabalhar com essas duas culturas americanas.
Sendo assim, se faz necessário delimitar o conceito de Império a fim de responder
duas questões: “O que podemos entender por Império?” e “Podem os incas e os astecas serem
considerados povos ou culturas imperiais?”.
Para tanto, será adotado o conceito de império proposto por Rober Gilpin (1981) e por
Maurice Duverger (1980), como apresentado por Luís Moita em seu artigo A propósito do
conceito de império (2005).
Ao se estudar o caso das culturas comumente adjetivadas como Império, vemos uma
clara distinção entre os diferentes aspectos utilizados para designar sociedades como impérios
com o passar do tempo. Dessa forma, pode-se dividir o uso do termo império em dois
momentos: o império “clássico” e o império “colonial”. Como o segundo não diz respeito a
esse trabalho, e nem se faz necessário para a compreensão do primeiro, essa monografia
apenas trabalhará com a noção de império clássico.
O conceito de Império é muito amplo, tendo sido utilizado ao longo da história para
descrever desde os maiores impérios da antiguidade, como o império Persa e o império
Macedônico, até o asteca e o inca, objetos de estudo deste trabalho. Além disso, sua utilização
ainda é contemporânea, dada a existência do império Britânico e do contínuo debate sobre a
natureza imperial, ou não, dos Estados Unidos.
Maurice Duverger ao examinar com minúcia o termo império, chega à seguinte
conclusão2:
Entende-se por um império um Estado vasto e formado por diferentes
povos, onde um povo exerce hegemonia. Em essência, é monárquico,
possuindo um poder centralizado e sagrado. Constitui-se como um
espaço formado por meio de conquistas e, na sua expansão territorial,
abrange diferentes identidades culturais. (apud MOITA, 2005, p. 14)
Já Robert Gilpin (apud MOITA, 2005, p.14) define Império da seguinte forma: “Por
‘império’ entende-se uma agregação de diversas gentes guiadas por um povo culturalmente
2
Moita trabalha com o conceito de Império de Duverger mediante a seguinte obra: DUVERGER, Maurice. Le
concept d’Empire. Paris: Presses Universitaires de France, 1980.
19
diferente e uma forma política caracterizada por uma centralização do poder, concentrado nas
mãos de um imperador ou soberano”.3
O império do tipo “clássico” está intimamente ligado com as sociedades que tiravam
seu sustento da agricultura e eram dependentes da arrecadação de tributos na forma de
produtos essenciais ou de luxo. De forma geral, se fazia necessária a expansão do território
com o intuito de aumentar a arrecadação de tributos, adquirir mão-de-obra e terras cultiváveis.
Isto ocorria devido ao fato de que a riqueza do império estava estritamente relacionada com o
tributo arrecadado daqueles que trabalhavam a terra e daqueles que trabalhavam com
comércio, o que significa que a máquina imperial dependia de uma vasta extensão territorial.
Como será visto a seguir, tanto os astecas quanto os incas atendiam a esse critério de
Império. Ambas eram sociedades agrárias que centralizavam o poder nas mãos de um
indivíduo (O Tlatoani, no caso dos astecas, e O Inca, no caso dos incas). Ambos os territórios
controlados pelos astecas e pelos incas eram formados por diversos grupos culturais
dominados por um povo específico (no caso asteca pelos aztecah e no caso inca pelos incas).
Além do mais, os Impérios foram formados por meio de conquistas militares e possuíam
várias culturas que, embora apresentassem características similares entre si, apresentavam
também características divergentes e se enxergavam como grupos diferentes.
Por fim, é interessante analisar que vários pensadores, ao estudar e escrever sobre os
impérios, concluem que essa forma de governo é, por natureza, insustentável ao longo prazo e
que é apenas uma questão de tempo para que o império venha a ruir sobre seu próprio peso,
seja por causa de contradições internas, seja por forças exteriores pressionando o império.
Na obra Império (2001), Michael Hardt e Antonio Negri discutem, entre outras coisas,
a natureza dos impérios e suas diferentes interpretações por diversos estudiosos atravessando
a história humana. Na antiguidade clássica, acreditava-se que todo império possuía um ciclo
de vida baseado em ascensão e queda. Esse ciclo seria regido pelo destino ou fortuna. Já os
autores iluministas, como Montesquieu e Maquiavel, buscaram explicações de cunho
científico-sociais ao tentar compreender os impérios. Segundo esses autores, o declínio e a
corrupção de um império não estavam relacionados a uma concepção abstrata de destino, mas
sim à extrema dificuldade de se governar um vasto território expansivo por um longo período
de tempo.
Com essa base, podemos pensar o rápido declínio de ambos os Impérios estudados
neste trabalho como sinais de fadiga acentuados pelos espanhóis. O Império asteca era
3
Para mais informações, a obra de Gilpin utilizada foi: GILPIN, Robert. War and change in world politics.
Cambridge: Cambridge University Press, 1981.
20
formado por grupos que possuíam diferenças étnicas e culturais, muitos deles insatisfeitos
com sua situação de submissão. Nesse contexto, a aliança dos espanhóis com diferentes
grupos mesoamericanos ajudou a ruir o império. Já os incas, na época da expedição de
Pizarro, se encontravam no meio de uma guerra civil para decidir o próximo inca e com várias
rebeliões internas em diversas partes de seu território. Mais uma vez, os espanhóis iriam
auxiliar o império a ruir por dentro.
No próximo capítulo serão apresentados alguns aspectos da sociedade asteca e inca de
acordo com a compreensão contemporânea de alguns historiadores, principalmente Miguel
Leon-Portilla (2012), Henri Favre (1987), Jacques Soustelle (1987), John Murra (2012) e
Mario Curtis Giordani (1990).
21
cultural, a começar pelo próprio nome México, que por sua vez é uma variação do termo
Mexica, que é um dos nomes usados para descrever os astecas. Esse termo, Mexica, é mais
comum no México do que fora dele. É justamente pela aceitação desse passado que vemos um
forte incentivo na arqueologia e historiografia voltadas para o estudo e preservação da cultura
asteca, e das demais culturas Mesoamericanas.
4
SOUSTELLE, Jacques. Les Aztèques. Paris: Presses Universitaires de France, 1970.
23
características, segundo Curtis (1990, p.136), são os “monumentos megalíticos como, por
exemplo, cabeças monumentais; estilo realista e naturalista; predileção pelo jade e pela
serpentina; espelhos côncavos de obsidiana; religião complexa e poderosa com forte elemento
de cerimonialismo etc.”.
No que consta a influência exercida pelos olmecas sobre as demais culturas
Mesoamericanas, Frank da Costa diz o seguinte5:
É difícil discernir se se trata de influência puramente intelectual, de
proselitismo religioso, de expansão econômica ou de conquista
militar. Há indicações de que os Olmecas não eram pacíficos e que
realizaram migrações quando do abandono de seus centros
cerimoniais. As simples culturas locais não lhes podiam oferecer
grande resistência. A distribuição dos monumentos em estilo Olmeca
e de outros objetos sugere fenômenos de colonização e expansão
cultural e talvez comercial em área mais vasta, que relembra bastante
os padrões astecas de dispersão, enclaves e rotas comerciais. (apud
CURTIS, 1990, p. 137)
Independentemente de sua origem e do destino desse povo, sua influência foi sentida
nas outras culturas Mesoamericanas que vieram a se estabelecer alguns séculos depois, como
é o caso dos teotihuacanos, habitantes de Teotihuacán que experimentaram seu ápice por
volta de 200-600 D.C.
A cidade de Teotihuacán apresentava características comuns na Mesoamérica do
século XVI, possuindo grande similaridade com a cidade asteca de Tenotlichitan, a saber:
pirâmides monumentais, templo dedicado a Quetzalcoatl e Tlaloc, centro cerimonial, um
grande centro religioso e zonas artesanais. (Curtis, 1990, p.138). Além do mais, há indícios de
que nessa época já houvessem surgido todos os grupos dominantes que existiriam nas épocas
posteriores, ou seja, uma casta de guerreiros, uma aristocracia tribal, sacerdotes, mercadores e
um esboço de burocracia estatal em processo de formação como grupo separado. (Curtis,
1990, p.138). Tão importante para os astecas era Teotihuacán que passam a considerá-la o
local de nascimento do mundo.
Contudo, por volta de 600 D.C. a cidade desaparece, sendo incendiada e
sistematicamente destruída. Sua destruição deixa um vácuo de poder na área, mais tarde
ocupada pelos toltecas no século X, que se fixam no Vale do México.
Os toltecas, que até esse ponto eram um grupo de chichimecas falante do dialeto
nahua, tomam para si grande parte da cultura dos antigos teotihuacanos, fundando a cidade de
Tula no início do ano 900 D.C. Porém, a expansão do poderio tolteca pela Mesoamérica e a
5
A citação que Curtis faz a da Costa vêm da seguinte obra: FRANK DA COSTA, João. Evolução Cultural da
América Pré-Colombiana . MEC – Conselho Federal de Cultura, 1978.
24
sua subsequente queda acontecem em menos de trezentos, e em 1170 D.C., temos o terceiro
vácuo de poder no Vale do México, no qual ocorre a migração dos astecas para o Vale do
México.
6
O termo “chichimecas” era utilizado pelos grupos étnicos da língua nahuatl, o que inclui os Toltecas e os
Astecas, assim como por outros grupos étnicos falantes dessa língua, como termo geral para designar esses
grupos de seminômades que habitavam as regiões no norte do México. Normalmente era comparado ao termo
Romano “Bárbaro.
7
Dependendo do autor, alguns termos que derivam da língua Nahuatl podem ser grafados de formas diferentes.
Uitzilopochtli e Huitzilopochtli são usados para se referir a mesma divindade. Nesse caso, a primeira versão é da
forma com que Soustelle optou por grafar, já a segunda foi escolhida por Curtis.
25
Foi no Vale do México que os astecas integraram os aspectos culturais dos povos ao
seu redor com sua própria cultura, moldando esses traços até chegar à cultura do século XV
que conhecemos por asteca. No período que corresponde entre o século XIII e XVI os astecas
demonstraram uma incrível capacidade de assimilação de costumes, técnicas e rituais. Dentre
esses aspectos assimilados podemos citar: práticas e rituais religiosos, o panteão
Mesoamericano, incluindo a serpente emplumada Quetzalcoatl e o deus da chuva Tlaloc; o
gosto pelo trabalho com o jade, metalurgia, agricultura e domesticação de animais; a
construção de cidades e estruturas megalíticas; adoção de instituições, arte e uma complexa
hierarquização social prezando uma aristocracia militar.
outras estavam encarregadas de enviar presentes ao Imperador e ainda havia cidades com
obrigação de fornecer estadia e refeição para funcionários imperiais e tropas em trânsito pela
região.
Cada altepetl (cidade em nahuatl) possuía estatuto próprio, produzia os recursos
necessários para se manter e alimentar o sistema tributário Imperial, possuía administração,
traços culturais próprios e culto preferencial a certas divindades. Algumas se aliavam a
Confederação enquanto outras eram submissas à Confederação. Sendo assim, a Confederação
asteca era como um mosaico de cidades diferentes que possuíam certa autonomia, mas
também deveres e limitações.
Ao ingressar na Confederação, fosse por vontade própria ou por submissão, a cidade
deveria seguir algumas regras. O altepetl não poderia mais praticar política externa ou militar
independente, visto que a política externa era reservada apenas a Tenochtitlan. Deveria
celebrar a divindade asteca Huitzilopochtli e, como já dito anteriormente, algumas ficavam
incumbidas de pagar tributo.
A sociedade asteca era altamente belicosa. Tal inclinação para conflitos armados
estava enraizada na base da sociedade desde seus primórdios tribais. Na época da chegada de
Cortez, vários títulos e cargos carregavam consigo obrigações militares ou eram concedidos
para pessoas que se destacavam em guerras. Temos, por exemplo, o título de tlacochcalcatl
(Senhor da casa das lanças) que era uma espécie de comandante militar, o próprio chefe da
Confederação, o Huey Tlatoani (Grande orador ou Grande governante) era primeiramente um
chefe de guerra e o mais elevado comandante militar da confederação. Os títulos mais altos e
importantes ficavam restritos aos pili.8
Religião e guerra andavam lado-a-lado. Huitzilopochtli, o deus padroeiro de
Tenochtitlan, era cultuado como a divindade da guerra. O culto a Quetzalcoatl exigia
sacrifícios humanos diários em números cada vez maiores que só poderiam ser atendidos
mediante a constante captura de prisioneiros de guerra. Essa constante necessidade de
prisioneiros para sacrifícios repercutia na forma de guerrear dos astecas. Os conflitos armados
possuíam a finalidade de capturar os inimigos e não mata-los. Era comum, principalmente em
épocas de secas severas, que a Confederação organizasse conflitos armados altamente
ritualizados entre as cidades da Confederação com o intuito de capturar prisioneiros para
serem sacrificados. Os astecas denominavam esse conflito de xochiyáoyotl, ou guerra florida.
8
Grupo de maior prestígio. Comumente traduzido como nobre.
27
9
Título reservado aos grandes negociantes Astecas. Representavam um grupo em ascensão
10
Pequenas unidades que abrangiam várias famílias dentro de uma cidade. Era comandada por um chefe eleito
assistido por um conselho. Tinha a função de distribuir periodicamente as terras da cidade a homens casados
para que fossem trabalhadas, administrava o grupo e, em alguns casos, possuíam até mesmo forças armadas
próprias. Cada cidade possuía alguns calpulli.
11
Macehualtin: Grupo social que abrangia guerreiros, artífices, mercadores, agricultores e outras formas de
trabalhos especializados. Quando casavam recebiam um lote de terra do calpulli ou de um Pilli para cultivo. 1/3
de tudo que criavam era pago como imposto. Curtis chama esses indivíduos de “plebeu(s)” (p.150)
28
Esses quatro aspectos são considerados os pilares da economia do Império, pois juntos
supriam as demandas internas, fossem elas de oferendas para sacrifícios ou bens de consumo,
permitiam a distribuição de privilégios e mantinham a máquina administrativa funcionando.
12
Serviço obrigatório e não remunerado. De tempos em tempos eram chamados para realizar serviços como
conservação e construção de estradas e pontes.
29
eram enxergados pela lei. Não eram pagos por seus serviços, podiam possuir bens, casar,
possuir escravos, não podiam ser vendidos, sua condição não era hereditária e não tinha
obrigações militares ou fiscais. Soustelle enumera as diferentes formas que um cidadão
poderia vir a se tornar um tlatlacotin:
Prisioneiros de guerra destinados ao sacrifício por ocasião das
grandes cerimônias; condenados pela justiça civil, os quais não
cumpriam pena de prisão, mas eram obrigados a trabalhar para a
coletividade ou para pessoa que haviam prejudicado; os homens e
mulheres que se vendiam voluntariamente por se haverem arruinado
no jogo ou pela bebida; e, enfim, servidores que uma família colocava
à disposição de um senhor para saldar uma dívida (esse costume foi
abolido em 1505). (1987, p.32)
13
Para mais informações ver: SANDERS, William Timothy. Pré-história do Novo Mundo. Zahar Editores,
1971.
30
descrever a construção da sociedade asteca. Isso por que os historiadores usam palavras do
dialeto asteca em vários trechos das suas obras, mas logo em seguida apresentam como
sinônimos e terminologias que são familiares aos seus leitores. Essa estratégia de escrita faz
com que os termos astecas acabem sendo igualados aos conceitos europeus da Idade Média ou
aos conceitos romanos.
Além disso, algumas vezes os termos astecas são entendidos de formas diferentes por
autores diferentes, o que resulta em construções distintas de um mesmo objeto. Isso dificulta a
realização de estudos que buscam a comparação e construção de um mesmo objeto, a partir de
fontes diversas, pois o pesquisador deve primeiramente apreender o entendimento que cada
historiador tem de um dado objeto antes que possa delinear um quadro que se aproxime de
uma visão mais objetiva do objeto de estudo.
Essa predileção por comparar o que nos é desconhecido com terminologias mais
naturais ao historiador acaba por causar sérios problemas de anacronismo e esvaziamento de
sentido dos termos originais. Podemos citar como exemplo a descrição do que seria o
calmecac.
Ao apresentar essa instituição, Soustelle (1987, p.39) escreve “Presos ao celibato, os
sacerdotes não somente se desincumbiam das obrigações do culto, como também da educação
dos jovens aristocratas em colégios denominados calmecac.” Esse termo nahuatl
normalmente é entendido como um “colégio encabeçado pelos sacerdotes que forneciam
ensino para a aristocracia asteca”. O problema em traduzir calmecac como colégio reside em
toda a bagagem cultural que o termo colégio possui na nossa sociedade.
Assim, é válido questionar se, ao utilizar um termo mais próximo de nossa
compreensão, o autor está refirmando como o termo é traduzido nas fontes a que teve acesso,
se apenas se utiliza desse termo para facilitar a compreensão do leitor, ou se não lhe ocorreu
que, ao descrever essa instituição, tal tradução do termo dificilmente é precisa.
Da mesma forma, Curtis, ao apresentar a organização político-administrativa do
Estado asteca, se utiliza do argumento de Sanders, que diz o seguinte:
O judiciário, por exemplo, incluía uma pirâmide de tribunais, dotado
cada um deles de juízes, escrivães e uma força policial; o departamento
da Fazenda contava com um pequeno exército de coletores de impostos,
escrivães, artífices régios e trabalhadores. (1990, p.146)
Isso levanta mais perguntas do que respostas. Como funcionava a polícia? Qual seu papel
dentro da sociedade, lembrando que o papel da polícia varia de acordo com a sociedade e a
época? Qual sua posição dentro da organização asteca? Membros da baixa administração
faziam parte da massa (macehualtin), mas dentro desse contexto, qual seria a posição ocupada
por eles? Do mesmo modo, departamento da Fazenda nos remete ao órgão governamental
responsável pela arrecadação de tributos e impostos. Mesmo que fosse o caso, como esse
órgão funcionava dentro de seu contexto especifico e qual é o termo nahuatl?
Embora não haja espaço nessa monografia para entrar em detalhes, é interessante dizer
aqui que, cada vez mais, a filosofia asteca vem ganhando reconhecimento, em parte pelos
esforços de Miguel León-Portilla, que escreveu seu PhD sobre esse tema. De tamanho
interesse eram as questões e os debates filosóficos empreendidos pelos astecas que várias
fontes dos missionários espanhóis e até mesmo códices astecas foram escritos sobre o tema, o
que prova a importância e a desenvoltura da filosofia dessa cultura.
Infelizmente, Soustelle, Curtis e Portilla, em nenhum momento, desenvolvem ou ao
menos apresentam essa questão integral da sociedade asteca nas obras estudadas neste
levantamento bibliográfico. Já a área jurídica e administrativa, ao contrário, recebe atenção e
elogios por historiadores por serem vistas como pontos importantes da cultura asteca,
passiveis de serem mencionados, apresentados e trabalhados.
Diante dessa constatação, há de se preguntar: Dá-se o devido tratamento às fontes
primarias? É válido recorrer a termos análogos ao estudarmos o universo nativo? Caso
contrário, até que ponto? Esses são questionamentos que merecem um estudo mais
aprofundado em outro momento, e podem ser encaminhamentos futuros para outro trabalho.
32
14
Por histórias Murra se refere aos relatos escritos pelos cronistas espanhóis que viram o Império inca de perto
antes da influência espanhola.
33
Como dito por Murra, ao contrário do que acontece no México com o estudo dos
astecas, as cinco repúblicas andinas que ocupam o território em que um dia habitaram os incas
não enxergam essa cultura como uma herança que lhes é de direito, talvez com exceção do
Peru, visto que lá se investe cada vez mais no turismo para os Andes, principalmente, em
Machu Pichu. Sem o incentivo arqueológico do Estado e o pouco interesse de grupos
privados, os historiadores ficam atados às documentações de época, que são poucas e
limitadas, e livros modernos acerca do tema. Ademais, a arqueologia poderia corroborar ou
elucidar essa documentação de época, pois às vezes os documentos apresentam lacunas e
dúvidas que a arqueologia pode explorar e desvendar.
Em relação às evidências arqueológicas, Murra aponta a dificuldade de se estudar os
incas e, paradoxalmente, a facilidade de se estudar culturas Andinas mais antigas.
[...] grande parte de períodos mais antigos, alguns que datam de
centenas de anos antes dos Incas, parecem mais acessíveis e tiveram
suas peças de cerâmica minuciosamente estudadas [...] Todavia,
quanto mais nos aproximamos de 1532, época em que o Estado andino
foi dominado e estilhaçado nas centenas de grupos étnicos que o
compunham, menos possibilidade temos de obter conhecimentos
através da arqueologia na forma como é praticada hoje, e mais temos
de depender dos relatos escritos por aqueles que “estiveram lá” (2012,
p.64)
Favre, no final da década de 1980, observa que novas fontes que podem auxiliar na
nossa compreensão dos incas estão sendo constantemente desenterrada de arquivos. Essas
fontes são as visitas que surgem como alternativa para a dependência das crônicas espanholas
por meio dos pesquisadores, a saber15:
Em comparação com as crônicas, aliás, menos contestáveis em seus
dados do que na interpretação que elas impõem, as visitas apresentam
a grande vantagem de descreverem a vida local no Império Inca,
prendendo-se a fatos sistematicamente observados, e de reportarem,
sem qualquer pretensão literária ou preocupação demonstrativa, o
modo pelo qual o poder imperial atingia até os níveis mais baixos das
populações que lhe estavam submetidas. Sua investigação permitiu ao
etno-historiador norte-americano John Murra projetar suas pesquisas
sob enfoques totalmente novos. Os primeiros resultados dessas
pesquisas parecem confirmar plenamente a intuição de Cunow que, já
no fim do século passado, argumentava que a sociedade andina da
época inca manifestava, sem dúvida, menos analogia com as
sociedades da Europa antiga e medieval, com as quais era comparada,
do que com as da África e Oceania modernas e contemporâneas.
(FAVRE, 1987, p.24)
Dito isso, fica claro que o estudo historiográfico dos incas e das altas culturas andinas
ainda é incompleto e, assim como o estudo dos astecas e das demais culturas
Mesoamericanas, se faz atual.
15
Visitas: Documentos do século XVI redigidos por funcionários da coroa Espanhola narrando suas visitas a
ayllus (ver mais a frente) Incas logo após a fragmentação do Império Inca.
35
John Murra, ao trabalhar a singularidade inca, nos apresenta um fato curioso para
análise. Segundo o autor, algo que muito intrigava os economistas locais e internacionais era
que a maior concentração populacional de um povo majoritariamente agrário se encontrava
vivendo milhares de metros acima do nível do mar (fato que ainda é contemporâneo) e, por
exemplo, a maior concentração populacional inca a véspera da conquista se encontrava no
entorno do lago Titicaca, que fica a 3812 metros acima do nível do mar. Murra aponta o
trabalho de campo de Carl Troll em 1931 como um grande passo em direção a compreensão
da realidade inca. Carl constatou que os mapas das chuvas e temperaturas tradicionalmente
utilizados naquela região não coincidiam com suas observações de campo, e que as
terminologias científicas usadas para descrever outras regiões eram insuficientes para o caso
andino.
[...] Troll observou que os tradicionais mapas das chuvas e das
temperaturas eram inadequados e enganosos quando aplicados a essa
região. Para registrar os extremos andinos num período de 24 horas,
Troll criou novos gráficos. Cedo descobriu que a terminologia
cientifica desenvolvida em outros lugares não descrevia os climas
locais [...]. (2012, p.67)
volta de 900 a.c “desde Pichiche ao norte, até Ocucaje ao sul, sem dúvida por via de
proselitismo.”.
A seguir abordamos as culturas tiahuanaca e huari que prosperaram por volta do
século VII-IX d.c. Ambas possuíram uma vasta produção artesanal e construíram centros
urbanos megalíticos, especialmente tiahuanaca. Favre (1987, p.7) aponta que essas culturas,
localizadas respectivamente nas margens do lago Titicaca e no Vale Médio do Mantaro,
“conseguem reunificar em torno delas o mundo andino fragmentado”. Favre também diz que
“nessa época, Huari já havia sofrido a influência de Tiahuanaco, de modo que as duas cidades
difundiram uma única e mesma cultura, levemente diferenciada pelo estilo de sua cerâmica.”.
Por último, Favre ressalta que ambas essas culturas se difundiram pelo baixo e médio Andes,
por meio de conquistas militares.
Além disso, o militarismo dessa época é fortemente atestado pelas
obras defensivas, pelas decorações murais que mostram uma
abundância de guerreiros e prisioneiros, e também pelos túmulos,
onde as cabeças-troféus decepadas dos inimigos figuram entre as
peças do mobiliário funerário. Sem dúvida, a área cultural
influenciada por Tiahuanaco e Huari não correspondia ao território
politicamente dominado pelas duas metrópoles. Não é menos verdade,
porém, que durante dois ou três séculos elas foram as capitais de
grandes Estados andinos, antecipando-se como precursoras dos vastos
Impérios Chimu e Inca. (1987, p.8)
O Império Chimu, que veio a se estabelecer nos Andes em torno do século XIII, é
descrito por Favre (1987, p.8) como um império “hidráulico” que “se assemelhava mais, em
seus fundamentos, ao do Egito ou da Mesopotâmia do que ao dos incas, que lhe era
contemporâneo e cujo desenvolvimento, aliás, influenciará.” São descritos como império
hidráulico por terem reativado e ampliado redes de irrigação que haviam sido previamente
destruídas em guerras, permitindo assim uma melhor irrigação dos vales vizinhos, onde as
chuvas eram fracas, proporcionando melhores colheitas e população mais numerosa. Essa
cultura, que Favre (1987, p.9) chama de “a mais brilhante de todas as civilizações jamais
surgidas sob o sol dos Andes”, influenciou bastante os incas, que estavam em processo de
expansão territorial ao mesmo tempo em que os chimu. Favre aponta a importância dada à
classe dirigente chimu, que mais tarde seria absorvida pelos incas com a criação do título
“Inca”.
Os soberanos que dirigiam esses grandes trabalhos de construção
hidráulica dispunham de um poder absoluto. Os cronistas espanhóis
Miguel Cabello Balboa e Antônio de La Calancha mencionam que a
classe aristocrática, da qual descendiam, atribuía-se uma origem
divina. Ela pretendia constituir uma humanidade ao mesmo tempo
37
Esse é um dentre os diversos elementos que os incas absorveram das culturas que
incorporaram em seu território. Favre enfatiza (1987, p.61) que os incas inovaram pouco,
dizendo que “mais do que aquilo que eles acrescentaram a essa herança, sua originalidade
decorre dos empréstimos seletivos que fizeram e da maneira pela qual os empregaram e
agenciaram.”.
Meggers apresenta alguns desses empréstimos seletivos ao se utilizar do discurso de
Meggers dizendo16:
As famosas estradas Incas, com escadarias e túneis abertos na rocha
sólida, pontes de suspensão cruzando rios e gargantas, e estalagens em
intervalos regulares para viajantes oficiais foram prenunciadas pelos
sistemas de estradas, menos extensos, da época Wari. Também as
construções em pedras que se justapõem com perfeição e são famosas
na arquitetura incaica, tiveram seus antecedentes nas edificações de
Tiahuanaco. A liteira, na qual o imperador viajava, e outros atributos
de classe foram prerrogativas dos antigos governantes Mochica. 17
(apud CURTIS, 1990, p.217).
Por fim temos a língua oficial do Império inca, o quéchua, uma adoção cultural das
tribos com que os incas vieram a ter contato nos Andes. Os incas foram importantes na
difusão dessa língua pelo território Andino e por adotarem-na como língua franca do Império
sem, entretanto, abandonarem sua própria língua.
16
A obra de Meggers cita por Curtis é: MEGGERS, Betty G. América pré-histórica. Paz Terra, 1979.
17
Os chimu se estabeleceram e prosperaram no antigo território Mochica, apropriando-se de certos traços
culturais mochicas, que depois seriam transferidos aos Incas quando conquistaram os chimu.
38
Por um lado temos a descrição de lendas e mitos sobre o surgimento do povo inca,
como observado por Favre:
Como todas as etnias andinas, os Incas se reconheciam como
paqarina, isto é, uma matriz tribal de onde acreditavam originar-se
seu ancestral-fundador. Os primeiros cronistas espanhóis relatam que
a paqarina da etnia inca era a gruta de Paqariqtampu, situada
aproximadamente a uns 30 km ao sul de Cuzco.18 Dessa gruta, haviam
saído outrora quatro irmãos: Ayar Kachi, Ayar Uchu, Ayar Awka e
Ayar Manko ou Manko Kapaq. (1987, p.11)
Esse mito é essencial para a cosmologia inca, pois moldou a história e a cultura desse
povo. Favre (1987, p.43) observa que os dirigentes incas enxergavam o império e o povo de
Cuzco como uma força civilizadora que trouxe a ordem para aquela parte do mundo e que
fora das fronteiras do império não poderia haver senão barbárie e desordem. Isso é uma
extensão do mito de fundação inca onde Manko Kapaq, segundo Favre (1987, p.11) “reuniu
sob sua autoridade as populações esparsas das redondezas, que viviam na barbárie, para fazê-
las penetrar na civilização.”.
Além disso, nos Andes havia o costume de cada povoamento possuir uma divindade
local, normalmente um antigo ancestral prodigioso, que após a morte começou a ser cultuado.
Essa divindade era designada pelo termo de Waka. Favre (1987, p.11) aponta a existência
desse traço no mito de fundação inca: “O mais velho, Ayar Kachi, regressou de Hayskisro,
reentrando na caverna matricial para aí se converter em waka (divindade local).”.
Assim como os astecas, os incas começam sua empreitada Imperial como parte de uma
confederação de tribos. Os incas aparecem como um dentre quatro povos que formavam uma
confederação nos Andes. De acordo com Favre o mito de surgimento inca teria um propósito
muito mais prático do que histórico:
O mito dos irmãos Ayar aparecia, assim, como elaboração tardia a
partir de elementos díspares. Ele visa, em primeiro lugar, atribuir uma
origem comum aos ancestrais-fundadores de quatro grupos étnicos
diferentes que haviam decidido confederar-se. Sua principal função
era justificar a situação política de Cuzco após a chegada dos Incas, e
não descrever o itinerário que estes teriam empreendido. (1987, p.11-
12)
Por fim, Favre diz que os incas possivelmente ocupavam uma posição fraca e de
dependência nessa aliança, e que aos poucos foram se tornando o grupo mais importante ao
18
A mitologia Inca descreve essas grutas como “portais” dentre a vida e a morte. O lago Titicaca é um exemplo
de um desses locais.
39
conquistarem vitórias militares e anexarem outros povos até que, ao final do século XI, se
tornaram a principal força dentro dessa confederação. Assim, lançaram as bases para o que
viria a ser o Império inca, instaurando o culto solar associado ao inca e a divindade ancestral
inca. Os outros grupos que faziam parte da Confederação foram aos poucos perdendo sua
autonomia até se fundirem ao que Favre (1987, p.13) chama de “Estado de pretensão
unitária”.
Dito isso, pode-se fazer um paralelo entre os mitos primordiais astecas e incas. Ambos
têm sua gênese em terras místicas, respectivamente Aztlan e Paqariqtampu. Enquanto que os
astecas fizeram uma longa peregrinação, os incas surgiram já nos Andes ao redor de Cusco.
Os astecas se diziam guiados pelo seu deus padroeiro, Huitzilopochtli, e mais tarde viriam a
alegar descendência de Quetzalcoatl. Os incas também remontam sua linhagem a uma figura
lendária. Por fim, ambas as classes dominantes se atribuíam origem divina.
Em termos dos mitos que lançaram a base para os dois Impérios, vemos duas situações
bem diferentes. Favre defende que esse mito inca foi criado posteriormente como forma de
justificar a confederação. Embora ambos os povos que despontaram nessas confederações
tenham tomado para si o poder e o controle, os astecas, segundo Soustelle, não tinham
intenção de unificar o Império. Por outro lado os incas, como aponta Favre, lançaram as bases
para a unificação dos Andes, processo esse que estava em curso quando os espanhóis
entraram em contato com esse Império.
imperial subjugado (que respondia) a um funcionário de uma unidade superior. Favre observa
o Império refletia a organização tipicamente Andina.
Tal visão mítico-ideológica de um Império que se conservou marcado
pelas origens tribais não podia confirmar a tese de um Estado
despótico de estruturas rígidas e centralizadas. Entretanto, o Império
Inca se apresentava fundamentalmente como integrador da ordem
social tradicional. Ele operava a síntese da organização piramidal e
segmentaria (sic) das etnias andinas sobre as quais repousava; ele
prolongava e coroava os escalonamentos de chefias, da mesma
maneira que estas prolongavam e coroavam os escalonamentos dos
ayllu. De fato, o Império, a chefia centralizada e o ayllu entravam em
uma mesma relação de homologia, a um tempo reproduzindo-se e se
englobando. (1987, p.43)
A menor unidade do Tawantinsuyu era o ayllu. 19 Cada ayllu era composto de diversas
famílias unidas por parentesco que obedeciam a um líder local cujo título era kuraka. Cada
ayllu possuía uma divindade tutelar, waka, considerada como ancestral do kuraka,
legitimando o líder local. Como forma de punir os ayllus rebeldes os incas apreendiam e por
vezes destruíam wakas dos ayllus rebeldes. Cada ayllu possuía divindades próprias que
normalmente eram incorporadas ao culto religioso inca após sua anexação ao Império.
Cada ayllu estava inserido em uma organização hierárquica dentro de uma dada
província. Existiam ayllus dominantes e ayllus dependentes. Os ayllus dependentes estavam
submetidos à tutela dos ayllus dominantes, ou seja, os kurakas dos ayllus dominantes
exerciam mando sobre os ayllus dependentes. Uma das funções dos kurakas era representar
suas etnias perante o inca. Já os cargos de funcionário imperial eram reservados ao grupo da
etnia inca, e os altos cargos administrativos normalmente estavam reservados as linhagens
imperiais. Cada uma das quatro províncias estava submetida ao julgo de um tucricues.20 Suas
ordens vinham de um conselho composto por quatro membros intitulados de apu que
aconselhavam o inca na tomada de decisões.21
De fato, o Império inca pode ser interpretado como uma continuação natural do
escalonamento das diferentes sociedades andinas por ter adicionado mais um degrau à
pirâmide social andina com a introdução de um poder centralizador que abarcava outros
poderes menores. Dos ayllus até o inca, a forma básica da estrutura social se repete da menor
19
Caracterizado como pequenas coletividades agropastoris que tinham a obrigação de produzir recursos, ceder
mão-de-obra periodicamente para construção de obras a encargo da administração Inca, reparar pontes e estradas
e ceder homens para a guerra.
20
Essa é a grafia de Curtis. Favre grafa o temo como “tukriquq”. De maneira geral Curtis utiliza a letra “C” em
termos que Favre utiliza da letra “K”.
21
Curiosamente Curtis e Favre divergem quanto aos termos tukriquq e apu. Favre (1987, p.50) se refere ao
primeiro grupo como governadores. Já Curtis (1990, p. 221), ao refere ao segundo grupo, diz “qualificados ora
de vice-reis, ora de governadores, pelos cronistas espanhóis”.
41
unidade de poder até a maior de todas e, mesmo com a adição dos funcionários imperiais que
serviam como representantes dos incas no local onde eram designados, a estrutura básica da
sociedade andina permaneceu imutável.
Cada indivíduo dentro do ayllu era responsável por um conjunto de tarefas em seu
núcleo natal. Quando não estavam cuidando das plantações e dos rebanhos, os membros do
ayllu poderiam trabalhar para o kuraka local realizando tarefas mediante pagamento em
espécie.
42
O tributo recolhido pelo Estado inca não era na forma de espécie, como era o caso dos
astecas. Nos Andes o celeiro de cada família era considerado sagrado. Logo, o Estado recolhia
tributo por meio de serviços prestados ao Estado. Cada indivíduo deveria ceder sua força de
trabalho ao Estado de tempos em tempos. Esse serviço, denominado de mita, consistia na
manutenção e expansão do sistema de estradas e estalagens inca, trabalho em minas, pastoreio
dos rebanhos do inca e cultivo das terras do Estado.
Um elemento importante da sociedade inca que foi extensamente estudado por Murra
eram os mitmacs.22 Os mitmacs eram famílias escolhidas dentro de um ayllu que deveriam
exercer funções especiais indicadas pelo Estado inca. Originalmente, sua função seria deixar
seus núcleos familiares sazonalmente para trabalhar em plantações e minas, que normalmente
ficavam a alguns dias de caminhada de suas residências permanentes.
Porém, com a hegemonia inca nos Andes, as funções dos mitmacs foram ficando cada
vez mais diversas, o que se deu, em parte, devido a constante expansão do Império. Eles
passaram também a serem deslocados para servir de guarnição militar nas bordas do Império
ou em regiões particularmente turbulentas. Como os incas dominavam vastas extensões de
terras, havia a necessidade de deslocar mitmacs para trabalhar em locais cada vez mais
distantes, o que acabou levando à criação de diversas “colônias permanentes” onde moravam
famílias de mitmacs no entorno dessas suas zonas de trabalho sazonais. Esse fluxo de
famílias, e às vezes ayllus inteiros, também atendia a outros interesses do Estado como, por
exemplo: Disseminação da língua quéchua, costumes e técnicas pelos Andes. Transferir
grupos problemáticos para mais perto do centro de poder e grupos leais para locais mais
problemáticos.
Como não existiam soldados profissionais, os incas recorriam ao recrutamento em
massa de grupos étnicos que revezariam sazonalmente o serviço com outros grupos. É
interessante notar que os grupos recrutados sempre faziam parte da população que vivia nas
montanhas, pois os incas não confiavam muito nos grupos que viviam nas terras baixas.
É importante mencionar também as aqllas, ou “mulheres escolhidas”. As aqllas eram
moças recrutadas dos diversos cantos do Império para fazer parte do culto do sol nos templos
em Cusco. Normalmente são mais lembradas hoje por sua importância econômica do que sua
importância religiosa. Isso se da pelo fato de que parte de suas funções era a de fiar e tecer a
lã dos rebanhos do inca, que eram vastos. Favre diz o seguinte sobre o papel dessas moças:
22
Termo que alguns autores traduzem como colono, a exemplo de Curtis que grafa o termo como mitima (1990.
p. 217). A grafia aqui apresentada é de Murra.
43
Essas vestimentas eram de singular importância dentro do Império inca por serem
símbolo de poder, utilizadas como presentes, principalmente para o exército, e serem peças
valiosas.
Assim, a nobreza era principalmente constituída pelo inca, sua família e seus
descendentes. Estavam isentos do sistema de mita e possuíam demais privilégios.
O último grupo social de interesse no mundo inca que será apresentado aqui eram os
yana.24 Favre assim descreve sua posição:
23
Para mais informações, a obra consultada por Curtis foi: FRANK DA COSTA, João. Evolução Cultural da
América Pré-Colombiana . MEC – Conselho Federal de Cultura, 1978.
24
O termo é traduzido como dependentes perpétuos.
44
Eram servos e dependentes que prestavam serviços integralmente para algum líder,
como, por exemplo, um kuraka ou o Inca. Esses indivíduos, junto das aqllas, são os únicos
exemplos de grupos que não estavam inseridos no sistema dos ayllus Andino.
Ao contrário do que se observou no caso asteca, os incas não possuíam grupos de
guerreiros profissionais, não apresentavam títulos que não correspondessem a alguma forma
de ocupação administrativa. Os incas desconheciam a escravidão, tendo em vista que todos
deveriam contribuir de uma forma para o Estado inca.
Além disso, a posição social de um indivíduo dependia de sua descendência direta e,
ao contrario dos pilli no caso asteca, não havia esse movimento claro de ascensão e queda de
um grupo para outro.
Conclusão
Dito isso, fiquei impressionado com a variedade de tópicos abordados por Favre e
Soustelle. Embora não sejam exaustivas, ficando em torno de 100-120 páginas, não deixam de
descrever os antecedentes das culturas tratadas, suas vestimentas, ornamentos, expressões
artísticas, instituições, títulos, aparatos militares, cerâmica, praticas agrícolas, métodos de
alvenaria, entre outros.
Devo dizer que fui pego de surpresa ao concluir que tanto os incas quanto os astecas
possuem instituições, títulos e termos que, por vezes, são entendidos anacronicamente, ao se
substituir o termo da língua nativa por um mais familiar ao leitor/escritor. É fácil esquecer que
toda palavra carrega consigo uma bagagem cultural própria do meio a que está inserida.
Uma coisa curiosa que me chamou a atenção, mas que não encontrei uma resposta
conclusiva é o motivo pelo qual certos termos em suas línguas nativas são escritos
consistentemente de forma diferente quando lidos na obra de Favre, Soustelle e Curtis.
Acredito que essa diferença se dá pelo acordo ortográfico de 1990. Curtis publicou sua obra
em 1990, enquanto que as traduções da obra de Favre e Soustelle são anteriores a 1990.
49
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