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17/07/2010
Resumo: O texto parte da experiência do encontro entre Jesus e a mulher hemorroíssa para
apresentar a Relação de Ajuda como elemento integrante da humanização nas relações
interpessoais, especialmente no campo da saúde. A Relação de Ajuda é um ministério do ouvir,
do estar com o outro e do deixar o outro estar conosco. Esse ministério envolve algumas técnicas
que podem ser aprendidas, dentre elas a disponibilidade, a escuta, a compreensão, a atitude
empática e o contato. O texto conclui que Deus estabeleceu uma relação de ajuda com o homem
ao redimi-lo do pecado original. Agora cabe ao homem estabelecer uma relação de ajuda com os
seus semelhantes para tirá-lo das condições desumanas em que se encontra, aliviá-lo dos seus
conflitos e humanizá-lo.
1. A oportunidade do encontro
Na perícope acima, não obstante falar em uma “multidão”, o que nos chama a atenção são
duas pessoas e a relação que se estabelece entre elas. As pessoas são Jesus de Nazaré e a mulher
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Médico psiquiatra. Perito do Tribunal Eclesiástico do Rio de Janeiro. Coordenador da Pastoral Litúrgica e da
Escola de Fé da Capela Jesus Eucaristia da Paróquia Nossa Senhora da Conceição e São José.
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que “sofria de fluxo de sangue”, tradicionalmente chamada de “hemorroíssa”. A cena bem
caracteriza a relação de ajuda praticada por Jesus.
O texto começa mostrando que a relação que se dá entre Jesus e a mulher hemorroíssa é
bastante desigual. Jesus é o “homo perfectus”, o homem perfeito, pleno, completo. Ele é
cortejado por uma multidão eufórica que o “comprime” e “esmaga”. Imaginemos o tumulto que
devia reinar naquele momento: Jesus passa, pessoas gritam o nome do Senhor, gente que quer
chegar perto, alguns se apertam, se machucam, um tumulto, um empurra-empurra. Os apóstolos
deviam evidentemente se sentir um pouco orgulhosos, afinal, eram os discípulos escolhidos do
mestre e podiam gozar da presença de Jesus em outros momentos, com exclusividade.
No outro pólo dessa relação que estamos analisando está uma mulher. Pelo simples fato
de ser do sexo feminino já era incluída naquele rol dos desprestigiados do tempo de Jesus. Não
esqueçamos que nem o evangelista se deu ao trabalho de contar quantas mulheres e crianças
comeram do pão multiplicado por Jesus (Mt 14,21). Mas além de mulher, ela sofria de um “fluxo
de sangue” o que a colocava na condição de impureza legal. A Lei dizia que “quando uma
mulher tiver fluxo de sangue e que seja fluxo de sangue do seu corpo, permanecerá durante sete
dias na impureza das suas regras. Quem a tocar ficará impuro até à tarde. Toda cama sobre a
qual se deitar com o seu fluxo ficará impura; todo móvel sobra o qual se assentar ficará
impuro”. (Lv 15, 19s). O evangelho nos diz que aquela mulher sofria de fluxo de sangue há doze
anos. Doze anos impura, marginalizada, desprezada, desconsiderada e sem contato social. Era
uma mulher “non perfectus”, um ser humano imperfeito. Uma pessoa doente, alijada da sua
saúde física, mental e social. Vivia uma condição de desumanização.
No hospital essa condição de separação se acentua. Nem todos podem visitá-lo, o tempo é
regrado, o material usado é descartado. Até seu lixo é especial. Embora não se trate de uma
condição de impureza religiosa, o doente se sente separado do convívio social normal onde as
pessoas transitam, conversam, apertam as mãos, se abraçam e não precisam usar máscaras para
falarem uns com os outros. A sensação de estar “marginalizado”, à margem, não fica diferente
em relação àquela sentida pela mulher hemorroíssa. Tanto a mulher da passagem bíblica como o
doente sentem como se faltasse uma parte do humano em seu ser.
Isso significa que, seja ao tempo de Jesus ou hoje, as pessoas quando ficam doentes
perdem muito de sua capacidade de se relacionar. Há um “des-relacionamento” da pessoa com
forte queda da sua capacidade de estabelecer relações. O mundo da pessoa doente acaba se
reduzindo a sua casa, ao seu quarto até, ou, para piorar, ao quarto ou enfermaria do hospital. Ao
adentrar um hospital e ser internado, a pessoa tem a sensação de que a sua vida entrou em
suspensão. Uma pausa na sua existência onde o futuro tão certo passa a ser incerto. Já não detém
o controle de atos simples como ir para onde quiser, comer à hora que desejar, estabelecer seu
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horário para acordar ou dormir ou ver os programas que quiser na televisão. Mesmo sem saber se
expressar, o medo que muitas pessoas têm ao se internar em um hospital é exatamente o medo de
deixarem de ser vistas como pessoas, com individualidade, com humanidade e passarem a ser
vistas como doentes, como casos, como gente de segunda classe, quebrados, ferrados,
perturbados. Descaracterizados como homens e mulheres chamados a ser imagem e semelhança
de Deus. É o medo de perder a dignidade, de perder a vida, o medo da morte.
Entre Jesus e a mulher hemorroíssa se estabelece uma relação. Mas que tipo de relação?
Comercial? Social? É uma relação de ajuda. A mulher busca de Jesus essencialmente uma ajuda.
Ela acredita que Jesus pode ajudá-la. Ela crê nisso e se esforça para conseguir essa ajuda. Não foi
uma relação casual feita com base em um gesto impulsivo da parte dela. Marcos nos diz que ela
“ouvira falar de Jesus” (Mc 5,27) e que estava decidida a estender a mão para o Senhor porque
ela pensava que “’se ao menos tocar suas roupas serei salva’” (Mc 5, 28).
Fortes relações podem ser estabelecidas com gestos simples, quase imperceptíveis aos
olhos. Identificados apenas pelo coração atento. Por pessoas que não apenas ouvem, mas
escutam o outro. Não apenas vêem, mas enxergam os conflitos emocionais de quem está diante
delas.
Isto é relação de ajuda, uma atitude de serviço em prol de uma outra pessoa. Envolve uma
relação a dois onde um se põe a serviço do outro.
5. Disponibilidade e escuta
Disponibilidade para estar, para se fazer presente. Jesus, com o Reino de Deus a instaurar
na Terra, com a Redenção do gênero humano a executar, a escolha dos apóstolos a fazer e as
inúmeras curas a proceder se deixa estar na beira do poço de Jacó, aparentemente "sem fazer
nada". Os apóstolos se surpreendem ao vê-lo conversando com uma samaritana (Jo 4,1-25). Por
pouco não O repreendem por estar "perdendo tempo" com uma pessoa duplamente inferiorizada
no seu tempo: mulher e samaritana. Mas Jesus estava ali numa autêntica relação de ajuda, num
genuíno aconselhamento pastoral que operou uma cura interior naquela mulher em conflito
existencial consigo mesma.
O primeiro passo para o aconselhamento pastoral deve ser o estar disponível para escutar
o outro. Ninguém gosta de pedir e receber um conselho com alguém que demonstra visivelmente
estar com pressa: não olha para os nossos olhos, o corpo continua se mexendo como se quisesse
sair dali, nem se senta, nem convida o outro a sentar; nem sorri, nem relaxa, nem se desarma;
transmite uma nítida impressão de que está sendo interrompido.
Uma leitura dos Evangelhos nos permitem verificar que a relação com Jesus é uma
autêntica relação de ajuda. Seu modo de exercer o aconselhamento pastoral é bem prático Dá-se
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a partir da sua presença, de seu contato. Ele se faz efetivamente próximo do próximo. Trata-se de
um relacionamento pessoal de disponibilidade. As curas realizadas são curas que se dão num
encontro pessoal com Jesus. Mesmo as curas feitas à distância, como a do servo do centurião (Mt
8,5-13), ocorrem através da proximidade de quem é curado ou de quem se faz de intermediário
entre o necessitado e Jesus. Para Jesus, curar é um ato de fé que brota de um encontro pessoal
com Ele através de uma relação de diálogo. É assim que se dá a cura do leproso (Mt 8,1-3), da
filha da mulher cananéia (Mt 15, 21-28), dos cegos de Jericó (Mt 20,29-33).
6. Compreensão
Uma característica de Jesus que deve estar presente no agente de pastoral e que é bastante
trabalhada na Relação de Ajuda, visando humanizar as relações é a atitude empática.
Para que um diálogo pastoral seja de ajuda, é preciso que transmita compreensão
(Bermejo, 1997). Sentir-se compreendido constitui um momento de verdade, de confiança, de
intensa emoção tanto para mim que escuto como para quem me fala. (Paul Tournier, apud
Bermejo, 1997)
Na compreensão se dá uma interação, um eco duplo entre duas pessoas. O contato pessoal
promove interação e humanidade no relacionamento.
7. Atitude empática
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Empatia é a capacidade de “penetração no mundo dos sentimentos alheios, permanecendo
a gente mesmo” (Dietrich apud Bermejo, 1997).
8. Contato
Jesus também se deixa parar, interromper-se em meio a seus afazeres, deixa-se interpelar.
O Senhor nunca dá mostras de estar ocupado para atender alguém no exato momento que esse
alguém lhe pede ajuda. Ele realmente pára o que está fazendo e muda seus planos, como no
pedido de Jairo pela sua filha (Mc 4,21-43) ou na cura de Bartimeu (Mc 10, 46-52). Como na
parábola do bom samaritano, Jesus não passa pelo problema do outro e segue adiante, ele se
detém, e focaliza o problema do outro que ganha a dimensão que precisa para ser resolvido
naquele momento. Jesus não adia a resolução dos problemas das pessoas, sua ação é imediata,
porque Ele sabe que quando se está com um problema, aquilo toma conta da nossa vida e trava o
nosso viver. Jesus demonstra elevado grau de empatia, compreendendo o drama alheio, a ponto
mesmo de ir ao seu encontro, como quando percebeu seus discípulos angustiados na barca em
meio à tempestade do lago.
Ser cristão é, em suma, viver esse modo de se relacionar, ajudar e aconselhar próprios de
Jesus. É mostrar-se e se colocar em disponibilidade.
Como lemos no Evangelho, o toque de Jesus curou a mulher hemorroíssa não apenas
porque estancou o seu fluxo de sangue, mas porque aquele foi um toque que resgatou naquela
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mulher a sua dignidade como pessoa que devolveu a sua inserção social e a sua condição
religiosa. Foi um toque humanizador o de Jesus.
No mundo da saúde, seja como agente de pastoral, seja como profissional, precisamos
reinserir atos humanizadores em nossos gestos e procedimentos. O homem moderno precisa ser
reumanizado. A técnica deve continuar evoluindo porque ela é necessária, mas o homem não
deve ser desumanizado sob pretexto algum. Aquela mulher sentiu que depois da relação de ajuda
que teve com Jesus foi salva. Por isso ela foi embora em paz (cf. Lc 8,48). Devemos estabelecer
relações que ajudem o outro na reconstrução do seu ser interior. Nossas relações devem ser
instrumentos para o agir salvífico de Deus.
9. Conclusão
O agente de pastoral da saúde também é agente de salvação porque age em nome daquele
que salva. Ele tem diante de si uma pessoa em condição de necessidade e diante da qual não
conta tanto o seu desempenho, mas sim o seu empenho.
Deus estabeleceu uma relação de ajuda com o homem ao redimi-lo do pecado original.
Agora cabe ao homem estabelecer uma relação de ajuda com os seus semelhantes para tirá-lo das
condições desumanas em que se encontra, aliviá-lo dos seus conflitos e humanizá-lo.
Amoldando-se a Cristo, possamos todos procurar estar disponíveis para Deus e para o
próximo e assim atuar colaborando para humanizar a saúde. No final, que possamos todos
perceber, numa grata surpresa, que estar disponível para Deus é estar disponível para o próximo
e que para Deus é uma só coisa (cf. Mt 25,31-46) porque ser humano é a condição prévia para
ser de Deus.
Referências bibliográficas