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Sebenta Direito Comercial

Direito Comercial (Universidade Catolica Portuguesa)

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AULAS DIREITO
COMERCIAL

Inês Sá Rodrigues
2018/2019 Prof. Paulo Olavo Cunha e Francisco Barona

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Aulas Direito Comercial Inês Sá Rodrigues

Índice
Noção de Direito Comercial .................................................................................................. 7
Evolução histórica do Direito Comercial .............................................................................. 10
Evolução dos sujeitos individuais .................................................................................... 17
Evolução do Direito Comercial português........................................................................ 20
Autonomia do Direito Comercial .......................................................................................... 23
Princípio da celeridade .................................................................................................... 25
Facilidade da prova ......................................................................................................... 25
Princípio da solidariedade ou garantias........................................................................... 26
Princípio de segurança e boa-fé no mundo comercial ..................................................... 27
Fontes de Direito................................................................................................................. 28
Noção de atos de comércio................................................................................................. 32
Conceito de comerciante................................................................................................. 40
Atos preparatórios da atividade comercial ....................................................................... 40
Atos de comércio objetivos ............................................................................................. 43
Atos de comércio mistos ................................................................................................. 44
Atos formalmente comerciais .......................................................................................... 45
Teoria do acessório......................................................................................................... 45
Concorrência ...................................................................................................................... 46
Práticas individuais...................................................................................................... 47
Preços e condições de venda................................................................................... 48
Práticas restritivas (proibidas) .................................................................................. 49
Sanções e medidas cautelares ................................................................................. 49
Práticas coletivas ........................................................................................................ 51
Práticas concertadas ................................................................................................ 53
Posição dominante abusiva ...................................................................................... 55
Dependência económica abusiva ............................................................................. 56
Auxílios públicos ....................................................................................................... 57
Concentração de empresas ........................................................................................ 57
Tutela da concorrência .................................................................................................... 61
Propriedade industrial ......................................................................................................... 63
Invenções........................................................................................................................ 66
Marcas ............................................................................................................................ 68
Proteção da marca ...................................................................................................... 68
Outros direitos privativos da propriedade industrial ......................................................... 70
Concorrência desleal ...................................................................................................... 71
Alargamento da tutela dos direitos privativos por via internacional .................................. 72
Empresa comercial ............................................................................................................. 73
Art. 230º Código Comercial ............................................................................................. 76

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Construção de um conceito jurídico de empresa ............................................................. 78


Análise do art. 230º ......................................................................................................... 81
Parte I ................................................................................................................................. 84
Hipótese 1 ....................................................................................................................... 84
Empresa comercial ............................................................................................................. 86
Art. 230º Código Comercial ............................................................................................. 86
Forma jurídica da empresa comercial ............................................................................. 92
Estabelecimento comercial ................................................................................................. 96
Transmissão do estabelecimento .................................................................................... 98
Trespasse ................................................................................................................... 99
Cessão de exploração ............................................................................................... 101
Sujeitos de Direito Comercial ............................................................................................ 102
Conceito de comerciante............................................................................................... 102
Pessoas singulares ....................................................................................................... 104
Responsabilidade por dívidas contraídas pelo cônjuge comerciante ......................... 107
Comunhão e transmissão de empresas comerciais .................................................. 111
Situações de comunhão ......................................................................................... 111
Sucessão nas empresas comerciais singulares ..................................................... 111
Antecipação da sucessão ....................................................................................... 112
Estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL) ................................... 114
Parte I ............................................................................................................................... 114
Hipótese 1 ..................................................................................................................... 114
Hipótese 2 ..................................................................................................................... 119
Hipótese 3 ..................................................................................................................... 122
Sujeitos de Direito Comercial ............................................................................................ 123
Estabelecimento individual de responsabilidade limitada .............................................. 123
Alguns aspetos referidos ao EIRL ............................................................................. 124
Sociedades comerciais ................................................................................................. 126
Sociedade em nome coletivo .................................................................................... 127
Sociedades em comandita ........................................................................................ 128
Sociedades por quotas .............................................................................................. 128
Sociedades anónimas ............................................................................................... 129
Modelos possíveis de governação ............................................................................ 130
Existência de subtipos de sociedades anónimas ....................................................... 132
Empresa plurisocietária ............................................................................................. 132
Outras entidades personalizadas .................................................................................. 134
Agrupamentos complementares de empresas .......................................................... 134
Cooperativas ............................................................................................................. 135
Empresas Públicas.................................................................................................... 137

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Empresas locais ..................................................................................................... 139


Fundações ................................................................................................................ 139
Consumidores ............................................................................................................... 140
Tutela do consumidor ................................................................................................ 142
Parte I ............................................................................................................................... 144
Hipótese 3 ..................................................................................................................... 144
Hipótese 4 ..................................................................................................................... 145
Sujeitos de Direito Comercial ............................................................................................ 148
Estatuto comum dos sujeitos de Direito Comercial ........................................................ 148
Deveres fundamentais dos comerciantes .................................................................. 149
Obrigação de adotar uma firma .............................................................................. 149
Escrituração mercantil ............................................................................................ 152
Dar balanço ou prestar contas da atividade ............................................................ 154
Insolvência .................................................................................................................... 155
Situação de insolvência ............................................................................................. 156
Dever de apresentação à insolvência ..................................................................... 156
Pré-insolvência: processo especial de revitalização .................................................. 159
Processo de insolvência ............................................................................................ 160
Intervenientes ......................................................................................................... 161
Marcha do processo da insolvência ........................................................................ 162
Resolução de atos jurídicos em benefício da massa insolvente ............................. 163
Efeitos da declaração de insolvência......................................................................... 163
Plano de insolvência ................................................................................................. 165
Encerramento do processo de insolvência ............................................................. 167
Regime extrajudicial de recuperação de empresas (RERE) ...................................... 168
Outras medidas de recuperação de empresas .......................................................... 169
Sujeitos do Direito Comercial ............................................................................................ 170
Registo.......................................................................................................................... 170
Supervisão das atividades comerciais........................................................................... 170
Tribunais e arbitragem .................................................................................................. 171
Contratos comerciais ........................................................................................................ 173
Parte I ............................................................................................................................... 176
Hipótese 8 ..................................................................................................................... 176
Hipótese 9 ..................................................................................................................... 182
Parte II .............................................................................................................................. 185
Hipótese 1 ..................................................................................................................... 185
Contratos instrumentais dos contratos comerciais ............................................................ 195
Garantias clássicas ....................................................................................................... 195
Garantias pessoais.................................................................................................... 195

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Garantias reais .......................................................................................................... 196


Garantias financeiras ................................................................................................ 197
Contratos comerciais autónomos ...................................................................................... 198
Contratos comerciais de organização ........................................................................... 198
Associação em participação ...................................................................................... 198
Consórcio .................................................................................................................. 200
Parte II .............................................................................................................................. 201
Hipótese 2 ..................................................................................................................... 201
Hipótese 3 ..................................................................................................................... 202
Contratos comerciais ........................................................................................................ 204
Representação comercial .............................................................................................. 204
Mandato comercial .................................................................................................... 205
Regime jurídico ...................................................................................................... 207
Contrato de comissão ............................................................................................... 208
Regime jurídico ...................................................................................................... 209
Outras formas de representação comercial ............................................................... 210
Mediação ...................................................................................................................... 211
Mediação imobiliária .................................................................................................. 212
Intermediação financeira ........................................................................................... 212
Outros contratos de mediação................................................................................... 214
Intermediação internacional ...................................................................................... 215
Contratos de distribuição............................................................................................... 215
Contrato de agência .................................................................................................. 216
Agência internacional ............................................................................................. 217
Concessão internacional ........................................................................................... 217
Parte II .............................................................................................................................. 218
Hipótese 7 ..................................................................................................................... 218
Parte III ............................................................................................................................. 219
Hipótese 1 ..................................................................................................................... 219
Contrato de seguro ....................................................................................................... 226
Parte III ............................................................................................................................. 230
Hipótese 2 ..................................................................................................................... 230
Hipótese 3 ..................................................................................................................... 231
Hipótese 4 ..................................................................................................................... 232
Parte IV ............................................................................................................................. 233
Hipótese 1 ..................................................................................................................... 233
Contratos bancários e financeiros ................................................................................. 236

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12.Setembro.2018 Teórica

Contactos:
1) poc@lisboa.ucp.pt
2) poc@vda.pt

Práticas: começam dia 24 de setembro

Bibliografia:

1) Lições de Direito Comercial e do Mercado, Paulo Olavo Cunha – só vai estar


disponível daqui a 1 mês
2) Legislação comercial – Universitária – 2018
3) Manuais extras de Direito comercial:
a) Lições de Maria Fátima Gomes – edições Católica
b) Menezes Cordeiro
c) Pais de Vasconcelos
d) Coutinho de Abreu

Avaliação:
1) Aulas práticas
2) Exame – casos práticos
3) Teste de avaliação (provavelmente fim de novembro)

Programa:

Primeiro vamos fazer uma introdução, explicar o que é o mercado, por que há
concorrência e porque é que esta é uma concorrência disciplinada. Isto é, tem de
haver normas e regras que visam defender essa concorrência, arbitrar o
relacionamento entre os agentes económicos do mercado.

Uma grande diferença entre aquilo que é classicamente o Direito Comercial e aquilo
que hoje o prof. POC entende que é o Direito do Mercado tem a ver com os
destinatários das normas deste ramo de direito.

No Direito Comercial estão em causa os sujeitos do Direito Comercial (os ditos


“comerciantes” – que inclui todas as formas de intervenção para além das pessoas
físicas). Tendo sido inicialmente só pessoas físicas, a evolução social permitiu que a

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abstração admitisse que pudesse haver realidades além das pessoas físicas, que
foram reconhecidas como suscetíveis de direitos e vinculações.

Embora continue a haver comerciantes individuais, a verdade é que eles têm cada
vez menos peso na economia porque chegou-se à conclusão que integrando-se em
estruturas mais complexas (sociedades comerciais), terá maior vantagem.

No desenvolvimento da atividade económica do mercado, os distribuidores,


produtores recorrem a sinais individualizadores e direitos privativos que exprimem
verdadeiras situações do monopólio. O exemplo típico é o que nos é dado pelas
marcas (pela identificação dos produtos que são objeto de transação no mercado). A
marca é verdeiro sinal de monopólio relativamente ao seu titular, é a forma do titular
dos produtos se diferenciar no mercado de todos os concorrentes. E é,
paradoxalmente, um modo monopolista porque só ele pode utilizar aquela
designação. Nessa altura vamos dar atenção a dois direitos privativos: invenções e
marcas.

Iremos posteriormente falar da empresa e do estabelecimento.

O capítulo mais relevante será o dos sujeitos de Direito Comercial (como se acede,
que realidades podem ser sujeitos, etc.). Aqui vamos diferenciar aspetos importantes
que permitem distinguir entre Direito Comercial tal como é entendido classicamente
vs. plano do Direito do Mercado. Vamos chegar à conclusão que este ramo do Direito
não se resume só ao estudo dos sujeitos produtores, prestadores de serviços e
distribuidores de bens. Este ramo do Direito hoje tem de ir para além disso – também
terá de incluir com o mesmo relevo os consumidores.

Sucede que – é aqui a grande diferença em relação ao passado – hoje os


consumidores intervém em muitos mais negócios que no passado. Acresce que, com
a globalização, o relacionamento com os sujeitos que não são sujeitos ativos do
mercado – no sentido de se proporem produzir, prestar serviços ou distribuir – mudou.
Há um acesso a bens e disponibilidades novas. Logo, é normal que haja uma
regulação massificada, que abranja os consumidores, mas também de forma a que
estes possam intervir e determinados negócios que estão sujeitos a um regime
específico.

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Há um exemplo claro desta procura de equilíbrio na Lei das Cláusulas Contratuais


Gerais. Há uma preocupação diferente, quando disciplina as relações entre sujeitos
do Direito Comercial e depois quando disciplina as relações destes com os
consumidores – sendo aqui mais exigentes.

Vamos também ver que estes sujeitos do Direito Comercial têm um instituto comum
que publicita a sua situação jurídica pontual (Registo Comercial).

Abordaremos a chamada crise da atividade económica e perceber o que acontece


quando há uma insolvência.

Depois de estudarmos os sujeitos, vamos estudar os contratos. Quer os contratos


que são celebrados entre sujeitos de Direito Comercial, mas também os que são
celebrados entre estes e consumidores: contratos instrumentais dos contratos
comerciais (garantias) e depois toda uma série de contratos sem grande
desenvolvimento.

Referência aos instrumentos comerciais e financeiros:

1) Títulos de credito em geral: realidades que permitem, no mercado, exercício de


determinados direitos, desde que os mesmo estejam documentados num suporte
material ou físico
2) Títulos de créditos cambiários: letra, livrança e cheque
3) Valores mobiliários
4) Meios de pagamento

Noção de Direito Comercial


Qual a ótica mais relevante para caracterizar este ramo? É procurar aborda-lo numa
perspetiva subjetiva, isto é, procurar caracteriza-lo em função dos respetivos sujeitos.
Ou será procurar identificar o objeto que, em princípio, carece de regras próprias e
em função desse objeto encontrar as regras que regem este ramo - olhar de uma
perspetiva mais objetivista.

Na origem deste ramo do Direito esteve a classe dos mercadores, sujeitos que se
afirmavam e diferenciavam em razão da natureza da sua atividade profissional –
atividade económica de intermediação – e em relação à qual precisavam de dispor

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de regras diferentes das que se aplicavam às situações jurídicas comuns. E a


situação jurídica comum é a que é característica do Direito Civil.

A objetivação chega mais tarde, é como que uma democratização da realidade.


Objetivar é dizer que em relação a um ramo do Direito que se começa a autonomizar,
em função das regras que se aplicam a dados sujeitos, não faz sentido que só certos
sujeitos é que fiquem abrangidos. Há atos que justificam que as regras se apliquem
a todos os sujeitos do mercado. Aí prosseguimos um objetivo de igualdade, ao sujeitar
ao mesmo regime todos os sujeitos que intervêm no mercado, independentemente
da sua qualificação.

O Direito Comercial justifica-se então por ser formado por um conjunto de normas que
visa regular os atos e as atividades jurídico-mercantis. Ou seja, há dados atos1 e os
contratos passaram a ser celebrados também pelas pessoas a quem se destinava a
atividade dos comerciantes.

Isto vai colocar uma questão que é: se olhar para um contrato entre comerciantes, a
intuição leva a dizer que se é entre sujeitos comerciais, isso justifica um regime
específico – ambos intervêm profissionalmente no mercado (podem perspetivar e
conhecer os efeitos do ato que celebram). Assim, não haverá problema em qualificar
o contrato como comercial e consequentemente sujeitá-los ao regime comercial. O
problema surge quando se confronta um comerciante e um consumidor, que regime
jurídico aplicar? Para o sujeito comercial, o ato é comercial. Para o não comerciante
é um ato da vida quotidiana. Que regime aplicar? Isto vai ser respondido depois.

Também podíamos no Direito Comercial clássico fazer uma referência expressa à


qualidade dos sujeitos. Sempre que eram eles que intervinham, então, no seu
relacionalmente, também precisavam de um regime específico. Ex: o comerciante A
é um vendedor de automóveis; ele também tem de importar automóveis. Logo, ele vai
ter de obter disponibilidade que lhe permita suportar as compras que faz e que ele irá
registar no futuro, através do rendimento das vendas. Há um momento em que ele
também se relaciona com outro comerciante (banco). Na relação entre eles,
comerciante de automóveis e banco, não tem de se aplicar o mesmo regime que tem

1 Contratos

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de se aplicar na relação entre o adquirente final e o vendedor. O Direito terá de


diferenciar estas situações.

E por isso posso reconduzir ao plano do conceito de Direito Comercial os sujeitos


deste ramo que tradicionalmente se designam de “comerciantes” – art. 13º Código
Comercial. Este artigo assume que possam ser pessoas singulares, mas que
dediquem a maior parte da sua vida à prática de atos comerciais, ou seja, que
quotidianamente exercem profissionalmente uma atividade que se enquadre no plano
comercial. Isto é importante porque quando formos apreciar o comércio como objeto
do Direito Comercial, vamos ver que o comércio releva em sentido económico e em
sentido jurídico.

Em sentido económico é intermediação entre oferta e procura, na sua base está uma
atividade de troca. Por isso, os atos caracteristicamente comerciais são:
1) Os atos de troca.
2) A compra para revenda: sugere o ganho que o adquirente pretende vir a obter com
a revenda do bem.
3) A compra para explorar o uso: compra para aluguer2.

Esta ideia de conjunto de normas que regula certos atos e atividades e agrega certos
sujeitos, que intervêm profissionalmente no mercado e dotados de certas
capacidades e meios, prof. POC considera que este ramo tem de ser alargado – isto
porque muitos dos instrumentos que estes sujeitos utilizaram, por exemplo os
cheques, livranças, letras, embora criados para satisfazer as relações entre
comerciantes, acabaram por se generalizar a todas as pessoas e deixaram de ser
elementos caracterizadores da tal classe. Assim grande parte dos atos que têm
origem na atividade económica comercial passa, na realidade, a estar ao alcance de
todos os cidadãos. Inclusivamente daqueles que são as contrapartes naturais dos
atos comerciais finais, mas que também podem, nas suas relações privadas, recorrer
a esses instrumentos.

O comércio, como é criado, surge numa aceção de setor terciário – intermediação


entre a oferta e a procura.

2 Não está prevista a compra para arrendamento no Código Comercial.

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A diferença do comércio no sentido económico, do comércio em sentido jurídico é que


o próprio legislador reconhece que também devem ser objeto de soluções específicas
certas atividades muito próximas e que geram os mesmos ganhos, que aquelas que
caracterizavam o comercio em sentido económico. Assim, o legislador abre o âmbito
comercial. E numa primeira fase reconduz ao Direito Comercial o setor secundário –
a produção, o setor industrial. E também, naturalmente, a prestação de serviços
organizada, salvo quando o resultado estiver exclusivamente dependente da
intervenção do sujeito.

Há uns anos não havia dúvidas de que isto acontecia, sobretudo quando se pensa
em profissões autónomas, não subordinadas. Mas nos atuais casos, de organizações
complexas, que exercem a mesma atividade exclusiva, e que na realidade não estão
dependentes da produção de um determinado sujeito, já é discutível se essas
organizações não são verdadeiras empresas comerciais. E, se não forem, é apenas
porque o legislador rejeita a sua qualificação.

O próprio legislador no art. 230º excluía certas atividades da comercialidade –


determinava que algumas atividades não podiam ser atividades comerciais, como a
atividade agrícola – o que hoje é questionável teoricamente.

Podemos concluir que o Direito Comercial regula os atos e as atividades jurídico-


mercantis, abrangendo no seu objeto, para além do comércio3, a indústria e os
serviços.

14.Setembro.2018 Teórica

Evolução histórica do Direito Comercial


Na última aula focamos alguns aspetos do Direito Comercial tal como ele se
perspetivava inicialmente e que está claramente a evoluir para um Direito de Mercado,
isto é, que se afirma muito para além dos sujeitos e dos atos que o caracterizavam
tradicionalmente. Um elemento distintivo nesta medida é a participação ativa dos
consumidores e a tutela jurídica que lhes é dispensada no exercício da sua atividade
comercial.

A propósito do Direito Comercial podemos perspetivar esta matéria de dois modos


distintos. Pode ser perspetivada pelo modo como fundamentalmente surgiu e se

3 Em sentido económico, de intermediação entre a oferta e a procura.

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desenvolveu, isto é, naquilo que se designa como uma perspetiva subjetivista. Ou


seja, procurar focar o sujeito e em razão deste integrar uma determinada categoria
específica, que era a categoria dos comerciantes ou dos mercadores, e reconhecer
que deveria dispor de regras específicas que não seriam aplicadas à generalidade
das pessoas.

Ocorreu uma evolução natural para uma perspetiva objetivista segundo a qual se
justifica haver atos jurídicos sujeitos a um regime próprio e específico
independentemente dos sujeitos que neles estão envolvidos e independentemente
dos sujeitos que os praticam. E por isso é também possível descortinar uma teoria
objetivista de percecionar a realidade que caracteriza o Direito Comercial.

Na última aula também começamos por referir a evolução histórica. O sentido desta
seria naturalmente procurar compreender como é que as questões se colocam no
presente – é esta a grande relevância da história como um fenómeno cultural
imprescindível ou indispensável.

O Direito Comercial naturalmente que surge com o início do desenvolvimento das


trocas e é isso que caracteriza em particular o comércio4. O Direito Comercial
começou a afirmar-se mais claramente quando sentiu a necessidade de se
estabelecerem relações com natureza mercantil supondo uma relativa distância entre
os sujeitos envolvidos. Isto é, deixando o fenómeno de se localizarem em espaços
geográficos muitos confinados, para evoluir para espaços mais alargados. E neste
aspeto o comércio marítimo desenvolveu um papel muito determinante.

O Direito Comercial desenvolve-se com a necessidade da distância e esta criar uma


necessidade de desenvolver certos instrumentos e instrumentos esses que
salvaguardem designadamente o modo como os pagamentos se devem concluir. Ex:
A vivia em Madrid e queria realizar uma transação comercial com B, que viva em
Génova. Na época era uma distância longuíssima. O risco de transportar o meio de
pagamento de Madrid para Génova, e vice-versa, era um risco enorme. Isto porque

4 O comércio tem na sua base a ideia da intermediação, sendo isto que o caracteriza. Esta intermediação começa com uma
lógica de troca ou de câmbio e evolui para uma lógica de compra para revenda, em que naturalmente o fator monetário se
torna verdadeiramente determinante, isto é, a moeda passa a ser indispensável.

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para além do encargo inerente ao peso desse mesmo transporte, havia de facto o
risco do desapossamento5.

Por isso o Direito Comercial teve de pensar como poderia superar isto. Pensou
porventura6 promover deslocações monetárias através de instruções que se possam
dar através de documentos que estão consubstanciados no suporte físico, que é
nomeadamente o papel – que se leva com muito mais facilidade e para além disso
não tem um valor imediato em caso de desapossamento. Porque? Porque é um
documento que apenas permitir proceder a uma liquidação financeira a quem estiver
legitimado para o efeito.

Hoje em dia temos uma geração que funciona virtualmente e por isso o papel começa
a ser dispensado. O que se questiona hoje em dia é se não deve tendencialmente
desaparecer os meios de pagamento que se consubstanciam em papel. E por isso se
fala da paperless society e da sua evolução para a cashless society, isto é, para uma
sociedade que não tenha uma espécie monetária física.

Esta necessidade de estabelecer uma relação à distância veio a ter como


consequência o desenvolvimento de certos instrumentos que de outro modo,
possivelmente, nunca teriam sido criados. Ex: cartas de câmbio, que na atualidade se
chamam letras de câmbio e se designam vulgarmente por letras7.

No plano dos próprios sujeitos durante muito tempo foi sobretudo evidente perspetivar
a intervenção na vida económica com referência à pessoa física ou singular, que era
o sujeito de Direito que era conhecido e reconhecido. Ex: o Estado tal como nós o
concebemos hoje é um fenómeno do séc. XIX.

As primeiras agregações que surgiram na vida comercial correspondiam às


chamadas sociedades em nome coletivo ou simples, isto é, sociedades formadas por
pessoas que visavam essencialmente potenciar o efeito da sua atividade económica
quando a mesma ocorresse de modo conjugado. Isto é, cedo o homem percebeu que
unindo os seus esforços com os outros homens na realidade conseguiria um resultado
melhor do que aquele que corresponderia à simples soma da atividade dos sujeitos
envolvidos. Surgiram então as tais sociedades simples ou em nome coletivo, que são

5 Desapossamento físico, isto é, um assalto.


6 E naturalmente que estes instrumentos surgem um pouco antes do papel-moeda.
7 Instrumentos pelos quais o sujeito se compromete a pagar a outro num determinado momento uma certa quantia.

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curiosamente sociedades em que o que se procurava essencialmente era uma


autonomia patrimonial de parte dos bens que pertenciam a cada sujeito. E é evidente
que como durante muito tempo o Direito não reconheceu autonomia a estas formas
de organização económica, elas confundiam-se com os sujeitos participantes e a elas
era negada a personalidade coletiva.

É verdade que desde 1986 estas sociedades em nome coletivo são um dos tipos
societários possíveis e estão reguladas no CSC e constituem verdadeiras pessoas
jurídicas, continuando a apresentar características muito próximas daquelas que
estiveram na sua génese, a verdade é que não foi sempre pacífico que elas pudessem
constituir um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, isto é, que elas
pudessem ser dotada de personalidade jurídica.

Com efeito, por exemplo, ainda há ordenamentos jurídicos, como é o caso da


Alemanha, que não reconhecem personalidade jurídica a estas entidades. E em
Portugal, até 1986, a questão foi particularmente discutida. No entanto, elas
evidenciavam já uma certa autonomia patrimonial – ideia de que 3 ou 4 pessoas
exerciam uma atividade económica e passavam a fazê-lo conjunta e conjugadamente,
afetando parte dos seus meios, nessa altura possivelmente uma parte significativa, à
exploração dessa atividade económica e depois no final procuravam repartir o lucro,
que é de facto a grande finalidade da vida comercial.

Com o desenvolvimento do comércio marítimo, no séc. XII, surgiu um novo contrato,


que é o contrato de comenda que veio a desembocar num segundo tipo de sociedade
comercial: sociedade em comandita – é um dos 4 tipos de sociedades. Esta apresenta
características específicas e é uma organização praticamente em desuso – em
Portugal encontram-se registadas possivelmente um dúzia ou duas dúzias destas
sociedades. Existem e têm desenvolvimento nalguns ordenamentos jurídicos onde se
justificam por motivos de uma natureza diferente, nomeadamente de caráter tributário
– se tiverem um regime que seja mais favorável, então é possível que os agentes
económicos recorram a este tipo de organização.

O que é que caracterizava estas sociedades em comandita? Eram participadas por


dois tipos de sujeitos:

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1) Um sujeito que afetava um determinado capital à sociedade: sócio comanditário –


podia ser um ou mais, mas em regra era um. Este pretendia limitar a sua
responsabilidade ao capital que disponibilizava aquela entidade.
2) Um ou mais sujeitos que assumiam a direção efetiva daquela entidade, isto é,
davam a cara por aquela entidade: sócios comanditados – estes assumiam a
responsabilidade ilimitada pela atividade da sociedade.

O sócio comanditário, isto é, aquele que limita a sua responsabilidade ao capital que
disponibiliza à entidade, é um sócio que pretende permanecer oculto, ou seja, que
não quer ser conhecido. Isto surgiu e justifica-se porque tratava-se de uma época em
que a Igreja censurava as formas de exploração do capital e por isso condenava os
lucros e os juros. E a simples ideia de participar numa entidade com a finalidade de
obter uma rentabilidade do investimento feito era algo que podia conduzir à censura
da Igreja e esta censura poder-se-ia materializar na chamada excomunhão. Esta era
no fundo uma espécie de sanção social grave – era no fundo a exclusão da sociedade
na época. O que acontecia é que havia pessoas que queriam a rentabilidade, mas
não queriam a sanção e por isso uma forma de a poder ter era investirem sem serem
conhecidas.

Estas sociedades em comandita, que tiveram o seu auge no arranque dos


descobrimentos, no fundo traduziam-se em haver alguém, muitas vezes um nobre,
que financiava a construção de navios, que era o sócio comanditário que ficava oculto,
e haver alguém que assumia a direção desses navios, isto é, o comandante da frota
que se lançava ao mar, que na época era extramente complexo. Se tudo corresse
bem, quando o navio regressasse carregado de riquezas, o comanditado repartia com
o comanditário. Se corresse mal, isto é, se o navio afundasse, o comanditário não
tinha nada a ver com aquilo, via apenas desaparecido o seu investimento, e o
comanditado normalmente afundava com o navio, e portanto mesmo que tivesse
responsabilidade ilimitada também não era grande problema. Isto foi algo que não se
podia sustentar durante muito tempo. Isto porque com os primeiros descobrimentos
e com o incremento do comércio que eles vieram a gerar na época, e com a
descoberta dos novos mercados (ex: América e Brasil) o que aconteceu foi que o
progresso permitiu a evolução da construção naval, criando-se navios muito mais
robustos. E chegou-se à conclusão que se porventura em vez de se mandar 3 navios

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se mandassem 30, a rentabilidade era muito maior. Só que já não bastava uma única
pessoa para capitalizar aquela unidade económica, era preciso mais capital.

E sucede que coincidentemente, falando essencialmente do séc. XVII8, a Igreja


deixou de censurar o juro e o lucro e passou a permitir que houvesse uma exploração
económica do capital. E isso permitiu a constituição das chamadas grandes
companhias coloniais9, que são os embriões das sociedades anónimas atuais. Essas
companhias surgiram e naturalmente a organização económica não ocorria como
hoje, designadamente o controlo por parte do Estado10. É claro que estas sociedades
nasceram por isso como sociedades bastantes grandes para a época e
caracterizavam-se precisamente por serem as primeiras sociedades em que as
pessoas dos seus sócios deixavam de ter a importância que tinham até então, para
ceder espaço ao relevo da aglutinação e conservação de capitais, que era o que
essas sociedades precisavam. Precisavam de reunir capitais para investir, para
construir novos navios, sendo que cada novo navio permitia potenciar o rendimento
que se obtinha através dessa forma de exploração económica, e isso desenvolveu
essas companhias.

E por isso quando chegamos ao séc. XIX deparamo-nos fundamentalmente com 3


tipos societários, isto é, 3 formas de organização económica que podiam participar na
vida social, para além do próprio sujeito individual.

1) Sociedade em nome coletivo


2) Sociedade em comandita
3) Sociedade anónima

Um tipo societário que é hoje muito conhecido e que é o 4º tipo societário são as
chamadas sociedades por quotas, só foi criado em Portugal no séc. XX, embora seja
o dominante atualmente em número, não em peso económico.

No que diz respeito às sociedades anónimas estas caracterizavam-se por ter uma
estrutura algo complexa, mas sobretudo caracterizavam-se por concederem aos seus
participantes, isto é, aqueles que subscreviam partes sociais que caracterizavam o

8 Embora as primeiras grandes companhias tenham surgido no plano internacional no final do séc. XVI.
9 Ex: Companhia das Índias – porcelanas.
10 Não havia propriamente uma preocupação com a tributação como há hoje – o rei tributava pela imposição de certas taxas

ou porque fazia suas parte dessas companhias.

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seu capital, responsabilidade limitada pelo capital que subscreviam. Ou seja, como
aquilo que era importante a quem coordenava essas entidades seria obter o maior
número possível de participante – como eram muitos era completamente impossível
muitas vezes estar a individualizá-los.

E por isso, essas sociedades caracterizavam-se por os seus sócios terem uma
responsabilidade limitada àquilo que correspondia à participação subscrita. Se a
sociedade corresse mal, não lhes viria a ser pedido nada mais para além daquilo com
que já se tinham comprometido. Isto correspondia, em relação a todas as outras
formas de atividade económica, a um enorme anseio por parte dos sujeitos que
intervinham na vida económica com uma natureza mercantil que era poderem limitar
a responsabilidade dos seus negócios a um determinado património que eles se
dispusessem a organizar do seu património familiar, aquele que em princípio eles
careciam para financiar a sua subsistência e da sua família. E por isso o grande
anseio da parte final do séc. XIX era procurar admitir se possível criar uma espécie
de sociedade em nome coletivo, uma sociedade com a participação de 2 ou mais
sujeitos, mas com uma reduzida dimensão, a qual pudesse proporcionar aos seus
participantes uma responsabilidade limitada pelo capital que eles se propunham
subscrever. E isso evitaria, se as coisas corressem mal, arrastar toda a vida pessoal
e familiar do sujeito envolvido.

É isso que vem a justificar no final do séc. XIX, primeiro na Alemanha e em segundo
lugar em Portugal, a possibilidade de criar uma sociedade que pretendia de algum
modo conjugando características que eram por um lado típicas da sociedade em
nome coletivo, mas na sua essencialidade correspondiam à tal lógica ambicionada da
limitação da responsabilidade, que eram as sociedades por quotas – o que aconteceu
em 1901 em Portugal. Tinha designadamente um número de sócios particularmente
reduzido que era de 2.

Sociedade é uma palavra que etimologicamente quer dizer pluralidade, ou seja, uma
sociedade quer dizer 2 ou mais. E isto era uma grande diferença em relação à
sociedade anónima. Por quê? Porque a sociedade anónima tal como estava regulada
no Código Comercial de 1888 era uma sociedade que pressupunha um mínimo de 10
pessoas, o que era muito para a época. E por isso as sociedades por quotas vieram
permitir que a exploração dos pequenos negócios viesse vir a assumir aquela forma

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jurídica – isto foi o que aconteceu desde o princípio do séc. XX, com uma grande e
gradual afirmação dessas sociedades por quotas. Até ao momento, que situamos no
final do séc. XX, em que o legislador português, já depois de estar em vigor há mais
de 10 anos o CSC, reconheceu o paradoxo que é a possibilidade de uma sociedade
ser participada apenas por uma pessoa, seja ela pública, singular ou coletiva. Isto é,
a admissibilidade da sociedade unipessoal, o que em sim constitui uma contradição
em termos etimológicos – é o mesmo que dizer uma pluralidade de uma pessoa.

O séc. XX veio a conhecer outro tipo de sujeitos, mas em número relativamente


reduzidos, que se autonomizam e que se diferenciam pelas suas características.
Podemos aqui indicá-los:

1) Cooperativas: já eram previstas no próprio Código Comercial.


2) Agrupamentos complementares de empresa: como o nome indica são entidades
que existem em função de outras que já estão posicionadas no mercado e que
visam de algum modo completar a sua atividade e portanto facilitar a sua atividade.
3) Empresas públicas: caracterizam-se porque o seu capital pertence
maioritariamente ou totalmente ao Estado ou outras entidades públicas. E que
também podem prosseguir atividades de caráter mercantil.

Evolução dos sujeitos individuais


No início o grande anseio foi entender que se havia determinados agentes que
dedicavam quotidianamente a maior parte da sua vida ao exercício de uma atividade
com a natureza económica do comércio, isto é, procurando adquirir para revender
com ganho e obter uma diferença positiva, a que nós chamamos lucros, também
sempre se chegou à conclusão que pelo menos nas relações que estabeleciam uns
com os outros, se justificaria que houvesse regras que não fossem exatamente
idênticas àquelas que caracterizavam a relação entre as pessoas comuns, as quais
careciam a priori de uma maior proteção por terem menos conhecimento.

E por isso este ramo começou a ser, sobretudo na Idade Média, perspetivado como
um ramo autónomo do Direito. Autónomo porque ele agregaria princípios e regras
que se caracterizavam por serem especiais relativamente às regras do Direito
Comum, sendo que este era (e ainda é) o Direito Civil.

No entanto vieram ao longo da história a ocorrer fenómenos que fizeram com que
esta lógica de atender a um ramo que queria caracterizar e ser apanágio de uma
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determinada classe profissional11, vieram justificar que se tivesse verificado uma


evolução. A primeira que constituiu uma disrupção desta lógica foi o do chamado
comerciante ocasional, que terá sido identificado eventualmente no séc. XVI e XVII,
isto é, alguém que pontualmente realizava uma operação com caráter comercial. Quid
iuris quanto ao regime aplicável a essa mesma operação relativamente a uma pessoa
que fundamentalmente realiza uma operação de caráter mercantil?

Depois uma vicissitude histórica assinalável é a que se reconduz à Revolução


Francesa de 1789. Esta revolução pautou-se por 3 grandes valores: fraternidade,
liberdade e igualdade. Ora se se reconhecer um privilégio a uma classe, se se
reconhecer o apanágio para utilização de regras específicas a uma classe, não se
está a ser igualitário. Logo o modo como o Direito perspetivou a vida comercial e a
sua regulação após a Revolução Francesa conduziu necessariamente a noções de
igualitarismo. E pensou-se que não podia haver privilégios dos mercadores. Mas no
segundo momento da reflexão perguntou-se se será que aqueles atos que são um
privilégio dos mercadores justificam-se em si mesmos um regime jurídico específico
ou próprio? Conclui-se que de facto esses atos não tinham nada a ver com os atos
que eram praticados entre as pessoas comuns. Na sequência dessa reflexão o
Código Comercial francês de 1807 e Código de Napoleão de 1804, que ainda estão
em vigor, perante os novos valores e os novos ideais, vieram qualificar e sujeitar a
um regime jurídico próprio determinados atos, independentemente do sujeito que os
praticar – afirmação de objetivismo. O art. 632º do Código Comercial francês de 1807
veio a assumir este efeito, ou seja, consagrou claramente o objetivismo.

Quando chegamos aqui já temos por isso afirmadas duas perspetivas diferentes
relativamente a um mesmo complexo ou conjunto normativo.

Acontece que nem todos os povos perspetivam as realidades da mesma maneira. Os


povos anglo-saxónicos, que nunca se prenderam muito à realidade escrita, optaram
sempre por privilegiar a eficácia social das normas, que é como quem diz aquela que
resulta das práticas reiteradas que os seus cidadãos assumem com uma convicção
de obrigatoriedade – o que nós vulgarmente denominamos como costume. E mesmo
no contexto europeu continental viria a haver um debate, que conduziriam no Código
alemão de 1897 a uma reafirmação dos subjetivismos – ideia de que quem quisesse

11 Conjunto ou categoria de pessoas.

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submeter-se e sujeitar-se às regras próprias e especificas do ramo do Direito, o


mercador, devia inscrever-se no registo comercial e assim passava a estar sujeito a
essas mesmas regras.

Chegados ao séc. XX conseguíamos conviver com vários sistemas e alguns até que
registam características de um e do outro. O desenvolvimento económico que veio a
ocorrer no séc. XX teve o efeito de permitir algo que é contrário à própria formação
do Direito Comercial – permitir generalizar ao mercado e portanto também às pessoas
comuns instrumentos que tinham tido uma origem no âmbito do Direito Comercial. Os
tais títulos de crédito, os documentos que serviam para poder realizar pagamentos –
porventura também podiam ser utilizados pelas pessoas singulares nas suas
relações, independentemente de o fazerem à margem da vida económica e comercial,
no plano das suas vidas pessoais. E por isso veio a ocorrer no séc. XX um fenómeno
que corresponde à fragmentarização do Direito Comercial e à generalização de
muitos dos seus instrumentos e operações.

As grandes guerras do séc. XX vieram necessariamente a arrefecer o


desenvolvimento económico. Mas o período de paz que se lhes seguiu e a
racionalidade que veio a caracterizar a 2ª metade do séc. XX permitiu um enorme
desenvolvimento comercial, baseado naquilo que é a realidade que precisamente, na
opinião do prof. POC, justifica o Direito Comercial – lógica de olhar para um ramo que
se caracteriza por ter determinados sujeitos, estes sujeitos por existirem para a prática
de determinados atos têm um conjunto de regras próprias e também caracteriza este
ramo um conjunto de impressões e de instrumentos que são necessários
essencialmente para o desenvolvimento das situações jurídicas que se colocam em
relação aos sujeitos, mesmo nos casos em que eles têm como outra parte alguém
que não integra a mesma categoria.

O que acontece é que o tal desenvolvimento económico, o enorme progresso e a dita


concessão de crédito, que é de facto a realidade determinante no âmbito do Direito
Comercial12, veio a gerar a crise do Subprime de 2007/2008, ou seja, a perda do
controlo sobre determinados instrumentos – isto numa época em que a globalização
já é manifesta os efeitos desastrosos não se confinaram a um ou outro mercado

12É isso que caracteriza o Direito Comercial – ser um direito de crédito. Isto porque o crédito permite proceder à liquidação
ou pagamento de um bem sem a necessária e imediata contrapartida, ou seja, sem a necessária e imediata satisfação do
preço desse bem.

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particular, produziram-se a nível mundial, naturalmente afetando mais os mercados


que vivam mais à custa desse crédito. Em Portugal a crise produz mais efeitos em
2011, quando houve a intervenção da Troika. Houve uma enorme retração.

Se o crédito é um fator caracterizador e distintivo do Direito Comercial, na perspetiva


do prof. POC, se o crédito desaparecer o mundo vai parar. Isto é, não vamos dispor
de meios para resolver os compromissos quotidianos.

O peso dominante dos sujeitos económicos que permitem concluir que se dá com a
evolução e o progresso tecnológico, uma evolução que se justifica não atender
apenas aos sujeitos ativos, produtores e distribuidores de bens e serviços, mas
também àqueles em função dos quais a vida económica existe (consumidores) – são
estes últimos que permitiram de algum modo no nosso país ao que se tem vindo a
designar pela retoma. Há os consumidores externos, que absorvem mais exportações
portugueses, e os consumidores externos, que são os únicos que no domínio dos
serviços evitem que os serviços paguem todos uns aos outros e que não saiam do
mesmo espaço geográfico – turistas.

Evolução do Direito Comercial português


Em Portugal como evoluiu o Direito Comercial? Leis que se podem reconduzir a
matérias comerciais existem desde há muito. As primeiras são identificadas, mais ou
menos no período D. Afonso II – reuniu as primeiras cortes. Desde cedo e
designadamente até D. Fernando, ou seja, estamos a falar da 1ª dinastia,
encontramos leis de vária natureza, inclusivamente leis de caráter marítimo. Mas
havia uma grande concentração de normas e regras daquilo que diz respeito às feiras
e mercados – o foco da vida comercial de então.

A primeira grande compilação em Portugal é a das Ordenações Afonsinas

A primeira grande compilação em Portugal é das Ordenações Afonsinas (1448) de D.


Afonso V, onde havia já preocupações, por exemplo, com matérias de quebra 13. E
havia também, quer nas Ordenações Afonsinas quer nas Ordenações Manuelinas
(1513), a preocupação de tentar perceber e regular determinado tipo de tribunais que
fossem dedicados a tipos de atos que correspondiam à vida comercial.

13 Que corresponde ao que hoje se chama de insolvência, isto é, a impossibilidade de efetuar pagamentos.

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Depois há uma evolução relativamente ligeira até a um período relativamente


marcante de desenvolvimento económico que é o período da Lei da Boa Razão, de
18 de Agosto de 1769 – lei publicada no tempo do iluminismo e do Marquês de
Pombal. No fundo chegou-se à conclusão que era preciso começar a organizar
determinados tipos de atividades. Entretanto já tinham passado também as
Ordenações Filipinas. No séc. XVIII começaram-se a perspetivar aquilo que são o
embriões das primeiras empresas e aqui o Marquês de Pombal teve um papel
verdadeiramente determinante – isto porque as primeiras empresas correspondem
no fundo às primeiras indústrias que se estavam a estabelecer, que contribuem
grandemente para a atividade económica.

No plano legislativo há que assinalar que o primeiro Código Comercial português data
de 1833 – é conhecido como Código de Ferreira Borges, entrou em vigor em 1834 e
tem uma característica: foi escrito por um jurisconsulto que era expatriado e que vivia
nas Ilhas Britânicas e que portanto é muito influenciado peals ideias anglo-saxónicas.
Estamos a falar de uma época em que houve um enorme confronto entre as ideias
continentais que resultavam dos códigos franceses do princípio do século e as ideias
muito liberais que caracterizavam o tecido normativo de Inglaterra. E por isso primeiro
Código Comercial português, evidentemente que surgido já depois das invasões
francesas e num momento de pleno controlo do Estado por parte da coroa, é bastante
influenciado pelas normas inglesas. É claro que neste primeiro código vamos já
conceber e descortinar os tipos sociais que na época já se identificavam – sociedades
em comandita, as sociedades em nome coletivo e as sociedades anónimas, também
chamadas companhias.

Este primeiro Código Comercial subsistiu até 1888 – neste ano surgiu o novo Código
Comercial, também chamado Código de Veiga Beirão, que era o Ministro dos
Negócios Eclesiásticos e da Justiça e foi o impulsionador da elaboração e da
aprovação deste código. Este segundo Código Comercial é o nosso atual Código
Comercial – as normas que temos na nossa legislação comercial atual são o resquício
do Código Veiga Beirão de 1888. Este código, que assenta muito numa lógica de o
ato comercial14, tratava também dos atos em especial, e neste caso das sociedades
comerciais, ou seja, o Código de Veiga Beirão regulava as sociedades comerciais –

14 Categoria na qual se dilui o negócio jurídico e o contrato.

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como era 1888 não contemplava as sociedades por quotas. Depois regulava toda
uma série de contratos comerciais e finalmente agregava ainda matérias de Direito
Marítimo. E no início, mas apenas no início, regulava a matéria da falência – mas
apenas durante cerca de 1 ano, que depois foi autonomizada.

Este código tinha uma tendência interessante – lendo a carta de lei que aprovou o
Código de Veiga Beirão vemos que havia a presunção de que a partir daquele
momento todas as alterações em matéria comercial viessem a ser inseridas no
Código. Esta presunção durou menos de 1 ano – logo no ano seguinte a matéria da
falência saiu do Código e veio a dar lugar a um diploma próprio e autónomo. A partir
daí foi uma dispersão total e inúmera legislação extravagante, até chegarmos ao
momento atual em que já houve toda uma sucessão de diplomas próprios e
autónomos que são complementares ao Código Comercial.

1) Código do Registo Comercial.


2) Código das Sociedades Comerciais, 1986.
3) Código dos Valores Mobiliários, 1999 – é na verdade o segundo Código dos
Valores Mobiliários, o primeiro é de 1991. A matéria dos valores mobiliários era
regulada no Código Comercial a propósito dos mercados.
4) Código Cooperativo, cuja versão atual é de 2015 e o primeiro código é de 1980.

Houve portanto uma fragmentarização relativamente a este ramo, que no princípio


tudo agregava. E para além dele também no domínio dos contratos se observa uma
gradual autonomização dos contratos comerciais – ex: o contrato de seguro
autonomizou-se em 2008 e até 2008 estava regulado no Código Comercial. No
Código Comercial estão inúmeros contratos comerciais, como por exemplo o contrato
de transporte, mas este contrato está também regulado em legislação avulsa
mercantil.

Em que momento nos encontramos? A característica do Direito Comercial como um


direito de crédito não se renovou como se continua a afirmar, eventualmente com
maior controlo desse mesmo crédito. A lógica de autonomização de uma série de
setores que nasceram no Direito Comercial e que hoje em dia se assumem como
especiais relativamente ao próprio Direito Comercial. Para além dos exemplos já
dados, há outros que ainda têm normas no Código Comercial, há outros que já não
têm, e que se autonomizaram do Direito Comercial. Ex: Direito Bancário (as

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operações bancárias constam do Código Comercial), Direito da Propriedade


Industrial15, Direito dos Seguros.

Uma matéria que muito contribuiu para o desenvolvimento do Direito Comercial,


também tem vindo gradualmente a autonomizar-se, é o Direito Marítimo – também
estava no Código de Veiga Beirão.

O Direito Aéreo nunca esteve no Código, evidentemente não podia lá estar previsto
num diploma que surgiu em 1888.

19.Setembro.2018 Teórica

Art. 1º Código Comercial: como que acolhe os princípios que estavam no Código do
Comercio Francês de 1807. Iremos ver depois como é que a questão se estrutura.
Antes de o fazermos, temos de ter em conta que sempre que o Código se refere ao
ato pode ser simples ou negócio jurídico, e este último pode ser unilateral ou bilateral.
A questão é saber se faz ou não sentido equacionar um ato que não tenha natureza
negocial ou contratual como um ato que requer a aplicação de um determinado
regime jurídico (que seria aqui o regime comercial).

Autonomia do Direito Comercial


Estamos a preocupar-nos com mais do que uma perspetiva, consistirá em saber se
há um conjunto de normas que se diferencia suficientemente das outras normas da
ordem jurídica, a ponto de formarem um ramo do Direito.

Quando estudámos Direito Civil concluímos que era um ramo do direito privado
comum, por exemplo. Aqui, em Direito Comercial, mais do que pensar se é ou não
direito privado especial, que só se pode afirmar por referência a um ramo que seja
comum, vamos ver se podemos ficar no Direito Comercial ou se podemos ir para além
do próprio Direito Comercial.

1) Autonomia formal: concluir que há um ramo que se diferencia dos demais porque
tem um conjunto de normas próprias, quiçá eventualmente um código próprio. O
facto de existir um Código Comercial leva-nos a dizer que há um conjunto de
normas que se diferencia das demais. Mais do que isso: se no CC o contrato de

15
Rigorosamente nunca fez parte do Código de Veiga Beirão. Surgiu em diploma próprio e autónomo em Portugal em 1940,
mas que também se reconduz a este grande ramo do Direito.

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compra e venda está nos arts. 874º e ss e no Código Comercial está nos arts.
463º e ss, e evidentemente que essas regras apresentam alguma diferenciação16,
sem prejuízo de também recorrermos às regras do contrato civil de compra e
venda porque essas também se aplicam aos contratos comerciais. É, portanto, um
conjunto de normas distintas e distanciado das normas de outros ramos17.
2) Autonomia substancial: procurar encontrar situações jurídicas que careçam de um
regime jurídico que seja substantivamente diferente do regime que deve ser
aplicado às situações jurídicas que caracterizam as situações comuns, em função
de dados interesses e princípios que estão subjacentes ao reconhecimento dessa
mesma diferenciação. Para podermos alicerçar a autonomia substancial temos de
indagar se há princípios relativos a este ramo do Direito18 que as diferenciam das
normas de Direito Civil. Pode suceder que se conclua que há verdadeira
autonomia substancial e não haver autonomia formal – ex: isto seria assim se as
normas de Direito Comercial estivessem contidas no CC. Esta foi a opção do
legislador italiano, por exemplo. Nesses ordenamentos esbate-se a autonomia
formal, ainda que não a substancial. Em Portugal há uma autonomia substancial
com um conjunto de características e princípios que as distinguem relativamente
as normas de Direito Civil.
3) Autonomia pedagógica: este ramo tem autonomia didática, tem é que ir para além
dos limites a que está confinado e deixar de ser mero Direito Comercial.

O fundamento do Direito Comercial é a tutela do crédito. O crédito é uma contrapartida


presente por uma satisfação futura – é responsável pelo desenvolvimento da
economia. É com base nele que, frequentemente, se incrementam as relações entre
os sujeitos de Direito Comercial. A proteção do crédito é determinante porque quanto

16 O que justifica também a autonomia formal.


17 Os civilistas tentam puxar o Direito Comercial para o Direito Civil, procuram demonstrar que este conjunto de normas não
são suficientemente diferenciadas das normas de direito civil e insuficientes para justificar a autonomia. POC vê exatamente
o fenómeno inverso no séc. XXI, não apenas o Direito Comercial afastar-se do Direito Civil, mas é o Direito Comercial ser
englobado por um conjunto mais vasto de regras – muitas das quais, tradicionalmente, apenas diziam respeito aos Direito
Civil – e também um conjunto de regras que ainda que tenham tido origem no Direito Comercial passaram a usar-se por
todas as pessoas, independentemente de serem ou não comerciantes (estas regras que passaram a ser usadas fora do Direito
Comercia correspondem a uma autonomização formal quanto ao Direito Comercial). Esses instrumentos que hoje se
reconduzem a uma categoria mais vasta (dos instrumentos financeiros) fazem parte do ramo do Direito de Mercado. O
princípio e característica fundamental do Direito Comercial vai necessariamente influenciar o Direito do Mercado: é um
Direito que também vive do crédito e um Direito que tem em si ínsitas um conjunto de regras que visa distinguir situações
que, por si, são também distintas (aquelas que interpõem os agentes profissionais no seu relacionamento e os agentes
profissionais/ consumidores).
18 Conjunto de normas próprias que não se contem nem se confina ao Código Comercial, mas que desenvolvem uma

legislação extravagante

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mais for protegido mais será concedido. Quando não há correspondência do devedor,
o credor retrai-se e deixa de conceder esse crédito – as crises económicas são o
espelho disto: dá-se retração do crédito e abrandamento na atividade económica.

O Direito Comercial encontra determinados princípios que o afastam do Direito Civil.


O Direito Civil é muito formal, é um Direito em que a declaração de vontade dos
sujeitos que participam nos negócios está sujeita a uma exteriorização mediante a
prática de dados atos (mediante uma forma especial). No Direito Romano muitas
vezes a formalidade vem procurar explicar algumas inerências:

1) Impor alguma reflexão e ponderação na celebração dos atos – quanto mais agrava
a forma, mais posso refletir.
2) Quanto maior forma, mais fácil será a prova.

Vamos agora ver os princípios do Direito Comercial que o fazem divergir do Direito
Civil.

Princípio da celeridade
Os negócios jurídicos devem celebrar-se com a máxima rapidez. A celeridade vem
acompanhada da necessária simplicidade de formas e de fórmulas. Isto é, a
celeridade implica que a forma de determinados negócios seja, comparativamente a
negócios análogos quando celebrados fora do Direito Comercial, mais simples.

Ex: contrato de mútuo19 – o empréstimo mercantil não depende de forma especial,


processa-se consensualmente. Isto porque quem empresta muito pode não querer
estar dependente da formalização do empréstimo – forma agravada que ocorre nos
mútuos superiores a €50.000 e, por isso, tem custos acrescidos. Se cada vez que um
banco fizesse um empréstimo tivesse de fazer uma escritura pública, funcionaria
muito mal. Por isso, o empréstimo mercantil tem simplicidade de forma e facilidade
de prova (art. 396º).

Facilidade da prova
Também importa ao Direito Comercial promover a facilidade da prova, porque quanto
mais fácil a prova, mais o negócio se celebra. Existem negócios comuns ao plano civil
e ao plano comercial, como as garantias – ex: penhor.

19 No Direito Comercial fala-se em empréstimo – art. 396º Código Comercial.

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Se olharmos ao art. 400º Código Comercial há desde logo um aspeto que o afastam
do penhor civil20, que tem a ver com as formalidades inerentes à constituição do
penhor mercantil – enquanto no penhor civil há que disponibilizar ao credor
pignoratício o bem que garante a obrigação, no âmbito do Direito Comercial, o penhor
mercantil não implica a tradição da coisa para a esfera do credor. Os penhores
mercantis podem recair sobre estabelecimentos comerciais, mas também sobre
máquinas e equipamentos em concreto. O art. 400º estabelece as regras de prova do
penhor mercantil – independentemente do bem tem que ser escrito. Há regras que
justificam que no Direito Comercial seja mais fácil constituir as garantias e,
inerentemente, temos uma facilidade de prova nesse sentido.

O mesmo se diga se olharmos ao art. 396º, que está dentro dos artigos sobre
empréstimo comercial e que nos diz que, seja qual for o valor, é admitido qualquer
género de prova. O que não quer dizer que as partes não pretendam uma forma
escrita, isso pode ser opção das partes, mas não é imposta pelo legislador, é uma
forma convencional – aquela que é imposta pelas próprias partes.

Princípio da solidariedade ou garantias


A garantia inerente ao Direito Comercial é distinta da garantia do Direito Civil, porque
aquilo que caracteriza a garantia do Direito Comercial é a solidariedade quando as
obrigações são plurais ou quando alguém presta uma garantia para o cumprimento
de uma obrigação.

Já no plano do Direito Civil as obrigações plurais são conjuntas, o que significa que,
se nada for dito em contrário e existirem diversos devedores, cada um responde por
parte idêntica às dos demais, com o risco de, se nem todos tiverem a quantia que
lhes cabia, quem vai ficar a perder ser o credor, porque cada um só é obrigado pela
sua parte.

No Direito Comercial há um princípio diferente, excecional no Direito Civil, que é o


princípio da solidariedade. Isto é, as obrigações plurais são solidárias, o que significa
que, por exemplo, havendo quatro devedores o credor pode satisfazer o seu crédito
junto de qualquer deles. Isto é muito vantajoso para o credor – é um exemplo típico

20 Nunca confundir penhor com penhora. Penhor é uma garantia real pela qual uma pessoa afeta um bem móvel, não sujeito
a registo, a assegurar o cumprimento de uma obrigação. A penhora é uma fase do processo executivo, é o ato de apreensão
de bens para que, à sua custa dos mesmos, seja satisfeito um crédito judicialmente reclamado.

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da tutela do crédito, porque se pode emprestar a vários e pedir a um. É indiferente a


crise de alguns dos devedores. Mas se a obrigação fosse conjunta isso não era
indiferente. É por isso que, no Direito Comercial, no plano das garantias, também
existe o princípio da solidariedade.

Assim se passa, por exemplo, na fiança21. Aquilo que caracteriza a fiança civil é um
importante princípio que é o chamado benefício da excussão prévia – significa que o
fiador, ao opor o benefício da excussão prévia, pode exigir que o credor primeiro
execute todos os bens do devedor, antes de lhe exigir o cumprimento da obrigação.
Já no Direito Comercial a solidariedade significa que o credor vai poder escolher e
fiador não tem o benefício da excussão prévia. Isto é importante porque o credor pode
optar por cair em cima do fiador e depois o fiador pode ter direito de regresso contra
o devedor. A solidariedade reforça o crédito e o crédito gera crédito, e por isso tem
que haver princípios especiais de Direito Comercial.

Princípio de segurança e boa-fé no mundo comercial


O mundo comercial exige segurança, essa segurança conduz à formalização de
certos negócios, que são celebrados em massa. E por isso dominam, no mundo
comercial, os negócios caracterizados por formulários, isto é, por listas exaustivas de
regras relativamente às quais a parte pode aceitar ou não aceitar. Ex: para fazer o
download de certas aplicações é preciso aceitar certos termos. Se a minha
necessidade da aplicação for superior, a maioria das pessoas nem lê.

Por isso, há regras que visam repor algum equilíbrio nessas circunstâncias,
nomeadamente, a necessidade do predisponente ter de se assegurar que a
contraparte está ciente dos principais efeitos desse contrato. Se ele não explicar nada
à contraparte e ela conseguir provar isto, pode não ficar vinculada em certos casos,
pelo simples facto de assinar.

No Direito Comercial o que nos importa muito é a boa-fé subjetiva, isto é, o


desconhecimento de certas vicissitudes poder justificar a legitimação de certas
situações jurídicas. Ex: art. 16º/2 Lei Uniforme das Letras. Conclui-se que, se o
negócio se fundar muito na aparência, o legislador considera suficiente que o
interveniente se tenha baseado nessa aparência para se poder ver legitimado com o

21A fiança é uma garantia pela qual o fiador oferece todo o seu património para assegurar o cumprimento da obrigação do
devedor, que é o seu afiançado. Como é uma garantia pessoal, só desparece com a morte.

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direito inerente a um título que adquira, ainda que tenha havido uma vicissitude antes
do título chegar à posse. Ou seja, desde que aparentemente tudo esteja formalmente
correto, mesmo que tenha havido uma vicissitude, por exemplo, o furto, mas em que
esse furto não se nota no título, a preocupação do legislador é que possa haver uma
legitimação daquela situação jurídica ativa. Por isso, o desconhecimento de certos
factos pode ser relevante para alicerçar uma posição jurídica no âmbito do mundo
comercial, para tutela do valor de crédito dos títulos que circulam.

A boa-fé sustenta, no Direito Comercial, situações que no Direito Civil não eram
aceitáveis. Sobretudo porque o Direito Civil se caracteriza muito na causalidade – os
negócios jurídicos têm uma causa e se a causa sofrer uma vicissitude, o negócio vê
os seus efeitos postos em crise, deixando de se produzir.

O Código Comercial, no âmbito da autonomia de que dispõe, regula autonomamente


os contratos. E, naturalmente, o que acontece no âmbito do Direito Comercial, é que,
nos dias de hoje, as regras extravasam o Código Comercial que foi tradicionalmente
consagrado.

Fontes de Direito
Relativamente às fontes de direito, a posição de base do prof. POC aproxima-se do
entendimento do prof. OA, para quem nenhuma fonte de direito está legitimada para
subordinar o valor e o alcance de outras fontes de direito. O que significa que o facto
de poder decorrer da lei uma limitação, por exemplo o valor do costume, não é
fundamento suficiente para se considerar que o costume é uma fonte subordina à lei.

As fontes de Direito são os modos de formação e revelação das normas jurídicas


(regras) que disciplinam a matéria mercantil. Portanto, as fontes podem ser quer os
modos de formação, quer os modos de revelação.

1) São modos de formação a lei e o costume.


2) São modos de revelação a jurisprudência22 e a doutrina23.

Em sentido instrumental, procurando identificar as fontes:

22 Não constituindo as decisões judiciais precedentes a ter de observar. Todavia a jurisprudência assume natural destaque
quando o STJ elabora AUJ, que, não sendo vinculativos, condicionam substancialmente a aplicação do Direito pelos tribunais.
23 Formada pelas opiniões dos jurisconsultos mais conceituados.

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1) Código Comercial (aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho 1888 e vigente


desde 1 de Janeiro de 1889). Foi objeto de inúmeras modificações que se
traduziram essencialmente na deslocalização de diversas matérias para Códigos
autónomos e diplomas avulsos.
2) Código de Registo Comercial, que diz respeito às situações jurídicas e publicidade
de situações jurídicas de sujeitos de Direito Comercial. Aprovado pelo DL 403/86,
de 3 de Dezembro e vigente desde 1 de Janeiro de 1987.
3) Código das Sociedades Comerciais, que resulta da autonomização da regulação
relativa ao contrato sociedade. Aprovado pelo DL 262/86, de 2 de Setembro e
vigente desde 1 de Novembro de 1986.
4) Código de Valores Mobiliários. Aprovado pelo DL 486/99, de 13 de Novembro e
vigente desde 1 de Março de 2000.
5) Código da Propriedade Industrial. Aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de Março e
vigente desde 1 de Julho de 2003.
6) Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que no fundo espelha a
crise maior que a empresa pode sofrer. Aprovado pelo DL 53/2004, de 18 de
Março e vigente desde 15 de Setembro de 2004.

Mas o Direito Comercial também vive de legislação extravagante e esta é múltipla:


1) Legislação sobre os contratos de consórcio e associação em participação.
2) Legislação sobre o contrato de agência (principalmente o contrato de distribuição).
3) Leis uniformes das letras e dos cheques.
4) Lei das sociedades gestoras de participações sociais.
5) Lei das instituições de crédito.
6) Etc.

Depois temos a questão relativa a interpretação das fontes, com as regras de


hermenêutica, o que não significa que não haja regras especificamente de Direito
Comercial – art. 3º Código Comercial, de acordo com o qual se prevê o recurso ao
Direito Civil quando o Direito Comercial não tenha solução.

Finalmente, mesmo no Direito Comercial, aplicamos os métodos que aprendemos no


Direito Civil. Por isso, na integração das lacunas, havendo uma lacuna no Direito
Comercial, usaremos supletivamente o Direito Civil. Se mesmo assim ainda persistir
uma lacuna, quer no Direito Comercial, quer no Direito Civil, vamos solucionar o caso

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de acordo com a norma que o intérprete criaria se fosse o legislador – segundo o art.
10º/2 CC. A lacuna é uma situação jurídica que se encontra por regulamentar, mas
que carece de regulamentação e pode acontecer que a lacuna seja intencional. Isto
é, que o legislador não tenha querido inicialmente prover à solução dessa
circunstância. É tido como conveniente hoje em dia, que seja o próprio mercado a
determinar as melhores soluções. Ex: Uber correspondeu durante muito tempo a uma
verdadeira lacuna.

Quanto ao costume e usos comerciais: muitos autores formalistas subordinam o


costume à lei, considerando que o valor do costume só pode existir na medida em
que a lei o aceitar. Prof. POC entende, na linha do prof. Oliveira Ascensão, que o
costume não pode ver a sua força subordinada à lei24. O que acontece num ambiente
como o português é que a lei é tão vasta que fica pouco espaço para o costume, o
que não significa que não possa existir e que não possam ser criados verdadeiros
usos normativos. O domínio comercial é, por excelência, o domínio dos usos
normativos. É o domínio em que há mais autorregulação e em que as pessoas mais
espontaneamente aderem a essa autorregulação. Os usos são reconhecido no art. 3º
CC, mas no âmbito do Direito Comercial vão além disso. Estas práticas reiteradas
que se observam uniformemente, e que podem ser pontualmente derrogadas por lei
criada (direito positivo), correspondem aos chamados usos do mercado (ou usos da
praça). Os usos do mercado são aqueles que as pessoas vão observar de forma mais
espontânea, que são aqueles com os quais se vão identificar. Relativamente a todos
os usos jurídicos (aqueles que são reconhecidos nos termos do art. 3º CC), é no
Direito Comercial que os usos ganham maior autonomia e notoriedade porque são o
primeiro modo de enquadrar um novo negócio jurídico.

Os usos comerciais são então as práticas reiteradamente adotadas numa


determinada atividade económica, numa certa região, em especial nas relações
contratuais entre as empresas e a sua clientela, constituindo fonte relevante dos
negócios jurídicos mercantis celebrados por esses agentes, sendo o seu valor
jurídico, mesmo para aqueles que recusam ao costume o papel de fonte imediata do
Direito, inegável e reconhecido pelo art. 3º/1 CC. Mas os usos são juridicamente
relevantes por sua própria autoridade e não por força da lei ou do contrato. E tal é o

24 O costume é a fonte privilegiada do direito.

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que sucede com os “usos da praça”, que são, em geral, também usos comerciais, se
constituírem prática habitual dos comerciantes no exercício do respetivo comércio,
cuja juridicidade radica na convicção de que, na atividade comercial que se
desenvolve naquele lugar, o comportamento devido é o que é imposto pelos usos, de
que resulta.

Para que os usos assumam relevância e eficácia social, devem ser adotados por
todos os sujeitos envolvidos numa certa atividade económica e não apenas por
aqueles que se encontram numa das suas vertentes.

Valendo o costume pela convicção social de que uma dada norma de conduta deve
ser observada, é de admitir que as prática sociais atuadas e aceites por categorias
de profissionais, mais ou menos vastas, de determinados agentes sirvam para
caracterizar juridicamente uma relação de natureza comercial, pelo menos enquanto
a lei não impuser diferente solução.

As fontes internacionais, que são cada vez mais importantes com a globalização do
mercado, são fontes que visam aplicar-se a situações jurídicas plurilocalizadas. O
Direito Comercial é também sustentado por fontes de origem externa que, nalguns
casos, são expressamente transpostas para a nossa ordem jurídica.

1) Convenções internacionais e direito uniforme, isto é, as regras que visam aplicar-


se a mais do que uma ordem jurídica, e visam propugnar soluções idênticas para
os diversos espaços nacionais. Ex: as leis uniformes das letras e dos cheques é
um exemplo típico de direito uniforme, de 1930 e 1931.
2) Depois temos importantes fontes no âmbito do DUE:
a) Regulamentos de aplicação imediata.
b) Diretivas transpostas ou de aplicação diferida.
3) Finalmente, o Direito Comercial caracteriza-se por um conjunto de regras que se
desenvolvem com base nos usos e costume: lex mercatoria, que visam regular
situações jurídicas de plano internacional. A lex mercatoria é o conjunto de
princípios e regras específicos aplicáveis ao comércio internacional e que
promanam de autorregulação, sendo permanentemente criadas pelos próprios
destinatários. Aqui encontramos quatro tipos de fontes primárias relevantes:
a) Práticas e usos profissionais numa determinada área de atividade económica
– no âmbito do direito marítimo especialmente.

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b) Códigos deontológicos ou códigos de ética ou conduta – fonte que resulta nas


práticas adotadas por certas classes de comerciantes.
c) Regras relativas a certas transações comerciais e que se vão plasmar em
cláusulas e contratos comerciais – muitas vezes, são condensados e depois
publicados por organismos corporativos a nível internacional, como a Câmara
de Comércio Internacional.
d) Intervenção que existe através da doutrina, designadamente na construção de
princípios aplicáveis a determinados contratos em especial – como é o caso
dos princípios aplicáveis ao contrato de compra e venda internacional. Isto é,
procurar encontrar determinadas características que devem pautar as relações
de compra e venda quando os sujeitos ou o seu local de celebração estejam
em locais diferentes.

É grande a dificuldade que se prende com a tutela jurídica neste nível do plano
internacional.

21.Setembro.2018 Teórica

Noção de atos de comércio


Vamos entrar agora precisamente no final da introdução: noção de atos de comércio
nos modernos contratos comerciais. O nosso Código Comercial é muito centrado
nesta noção. Curiosamente o art. 1º diz que a lei comercial rege os atos de comércio
e depois disto rege os atos de comércio independentemente de não serem
comerciantes as pessoas que neles intervêm – isto é, também abrange atos de
comércio que possam ser praticados por não comerciantes. Os negócios jurídico-
mercantis, e em especial os contratos comerciais, enquadram-se nos atos de
comércio, a que se refere o art. 1º Código Comercial.

Temos um artigo fundamental que é o art. 2º – o nosso Código não tem a preocupação
de arrastar uma noção de ato de comércio. Esta é uma noção atomística, relativa a
um ato, portanto pode ser um ato isolado, pode ser objeto de uma prática isolada, ou
seja, pode acontecer uma vez na vida. Cada um de nós pode praticar um ato isolado
sujeito ao Direito Comercial e não ser comerciantes. O nosso Código não avança uma
definição de ato de comércio, nem sequer é possível um conceito unitário – o que é

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que é um contrato comercial? O que é um ato de comércio? O que devemos reter é


que os atos de comércio abrangem não apenas atos de conteúdo comercial, mas
também atos jurídicos simples e sobretudo alguns atos não intencionais os quais não
obstante produzem efeitos jurídicos, isto é, produzem efeitos relevantes no mundo
económico e social que vão ser imputados pelos respetivos autores e nesses atos
estão os atos delituais – se transportarmos um ato de responsabilidade civil, por
exemplo um acidente de viação, para o domínio do Direito Comercial, o problema vai-
se colocar essencialmente quando em resultado de um ato dessa natureza ficar por
satisfazer uma obrigação, isto é, subsistir uma dívida. E se o regime comercial
aplicável às dívidas for diferente do regime civil, então não será indiferente qualificar
aquele ato gerador de responsabilidade civil como um ato comercial ou um ato civil –
porque vai conduzir a regimes diferentes. A primeira questão que temos de varrer é
que os factos ilícitos geradores de responsabilidade extracontratual, isto é, que se
colocam à margem da atividade normal dos sujeitos de direito comercial, também
podem ser atos de comércio e por isso também podem ser abrangidos pelo Código
Comercial.

A expressão atos de comércio abrange, para além dos negócios jurídicos, os atos
jurídicos simples e os factos ilícitos, geradores de responsabilidade extracontratual.

O art. 2º é uma norma qualificadora de Direito Comercial. Qualificação é igual a


natureza – quando falamos da qualificação de uma realidade estamos a procurar
determinar a sua natureza. A natureza é a essência do ser, é a essência de uma
determinada realidade. Vamos ver como é que o Código Comercial qualifica os atos
de comércio. O Código Comercial começa por dizer que se vai aplicar a todos os atos
de comércio, qualquer que seja o seu sujeito, e agora vai ver quais é que são os atos
de comércio. O art. 2º não tem uma leitura linear e imediata – tem que se dividir em
duas partes. “Serão considerados atos de comércio”:

1) “Todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código”: esta


primeira parte vai corresponder à chamada noção de atos de comércio objetivos.
São de comércio independentemente de quem os pratica. São de comércio por
serem tidos como tal pelo próprio Código, porque o Código os assume como tais.
2) “E, além deles (além dos que estiverem especialmente regulados no Código),
todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza

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exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”: esta segunda parte
refere-se a atos de comércio subjetivos, porque como diz o art. 2º para que sejam
de comércio estes atos têm que ser praticados por um comerciante. São atos de
comércio subjetivos, isto é, se forem praticados por comerciantes – mas nem
todos os atos os atos dos comerciantes são atos de comércio subjetivos.
Os atos de comércio subjetivo são os atos praticados por comerciante, exceto se
forem de natureza exclusivamente civil ou se se mostrar que o ato não é comercial,
isto é, se resultar do ato que ele não é acessório da atividade mercantil do
comerciante que o praticou. Isto porque a lei parte do pressuposto de que todos
os atos do comerciante são acessórios da sua atividade profissional.

Numa primeira aproximação ao art. 2º, apesar do cuidado que o Direito Comercial
tem em procurar regular o ato de comércio como uma manifestação de vontade
abrangendo os atos jurídicos simples ou stricto sensu, os que existem por
contraposição aos negócios jurídicos, que são manifestações de vontade
intencionais, portanto as manifestações de vontade não intencionais também deviam
caber, e curiosamente o art. 2º, 2ª parte ao qualificar os atos de comércio subjetivos
fala em contratos e obrigações – mas é verdade que não deixa de se incluir na
obrigação as obrigações que estão para além dos contratos. Os contratos são os atos
de comércio bilaterais e as obrigações são os efeitos jurídicos que ocorrerem à ordem
jurídica.

Vamos agora ver que contratos estão regulados no Código Comercial.

Os atos de comércio subjetivos, curiosamente, só se aplicam aos comerciantes


individuais. Por quê? Porque há comerciantes que são qualificados como tais pela
própria lei – a lei assume que eles existem só para serem comerciantes e estes
comerciantes são as sociedades comerciais, art. 13º/2. Isto é, a qualificação dos atos
de comércio em razão da sua autoria só faz sentido relativamente ao empresário
individual, visto que os atos das sociedades comerciais são mercantis por definição.
As sociedades comerciais em bom rigor só podem praticar atos que correspondam à
sua capacidade, que é por definição uma capacidade de gozo limitada relativamente
aquela que reconhecemos às pessoas singulares ou físicas.

Mas nem todos os atos das pessoas singulares ou físicas que sejam comerciantes
são atos de comércio. Isto é, as pessoas singulares praticam na sua vida, mesmo

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aquelas que se dedicam a uma atividade comercial, praticam outros atos á margem
da sua atividade comercial – estes não vai fazer sentido enquadrar no Direito
Comercial. É este o cuidado que o art. 2º, 2ª parte também tem.

No art. 2º fala-se em “atos especialmente regulados neste Código”: são em princípio


contratos que estão previstos e disciplinados no Código Comercial. Atos objetivos:

1) Compra e venda, arts. 463º a 476º – também existe uma disciplina nos arts. 874º
a 939º CC.
2) Mandato, arts. 231º a 265º – também existe uma disciplina nos arts. 1157º a 1179º
CC.
3) Empréstimo (ou mútuo), arts. 394º a 396º – também existe uma disciplina nos arts.
1142º a 1151º CC.
4) Depósito, que pode assumir a forma comercial prevista nos arts. 408º a 424º –
também existe uma disciplina nos arts. 1185º a 1206º CC.
5) Fiança, prevista unicamente no art. 101º – também prevista nos arts. 627º a 654º
CC.
6) Penhor, previsto nos arts. 397º a 402º – também previsto nos arts. 666º a 685º
CC.

Estes atos estão especialmente regulados no Código Comercial e também estão


disciplinados na lei civil. Para além deles há outros atos especialmente regulados no
Código Comercial, que não estão regulados no CC. Ex: conta corrente, arts. 344º a
350º e o reporte, arts. 477º a 479º.

Para além do Código Comercial, há outros atos de comércio só que estão


especialmente regulados em legislação mercantil avulsa, isto é, extravagante. Por
exemplo não encontramos o arrendamento comercial no Código Comercial – está lá
o aluguer, está a cedência de uma coisa móvel mediante uma renda para utilização.
E porque é que não está o arrendamento? Porque não havia tradição de
arrendamento quando o Código Comercial foi aprovado em 1888. Em 1888 as
pessoas viviam essencialmente ou em casas próprias ou em casas que lhes eram
cedidas por outras pessoas – era assim, por exemplo, nos estabelecimentos fabris:
as pessoas que trabalhavam nas fábricas viviam em regra em instalações que lhes
eram disponibilizadas pelos donos da fábrica.

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Mas tal não significa que o Direito Comercial não reconduza à matéria mercantil este
tipo de atos.

Art. 101º: fala da fiança – a palavra mágica deste artigo é solidário, porque se formos
estudar o regime da fiança civil vamos ver que se o ato for civil o fiador só responde
pela dívida garantida depois de excutidos os bens do devedor, a isto se chama o
benefício ou o privilégio da excussão prévia. Apesar do art. 101º ser apenas uma linha
e meia, conseguimos mesmo assim estabelecer a diferença mais relevante que podia
haver entre um ato que está regulado no Código Civil (em mais de 20 artigos) e um
ato que no Código Comercial apenas tem um artigo. Como é que se regula a fiança
mercantil, independentemente da autoria da vontade poder produzir algumas
cláusulas? Muito simplesmente com este art. 101º e com todos os artigos do CC que
não forem compatíveis com este art. 101º – fiança mercantil ou comercial. Ser fiador
comercial é totalmente diferente de ser fiador civil – ser fiador comercial significa estar
na primeira linha da responsabilidade.

Voltando ao art. 2º, 2ª parte: “ todos os atos dos comerciantes, que não forem de
natureza exclusivamente civil (é um primeiro requisito), se o contrário do próprio ato
não resultar”. Os que forem de natureza exclusivamente civil não são atos de
comércio.

1) Todos os atos de natureza exclusivamente civil: isto foi muito discutido. O critério
que o prof. POC acha mais apropriado é considerar que são atos de natureza
exclusivamente civil os atos que sejam de uma espécie cujo género não fosse
apto a ser regulado no Código Comercial. E como é que o género não é apto a
ser regulado no Código Comercial? Se ele não visar realizar os valores
subjacentes ao próprio Direito Comercial. E por isso o ato pode ter um conteúdo
patrimonial, isto é, ser suscetível de avaliação pecuniária, mas se ele não pudesse
ser regulado no Código Comercial ele é um ato de natureza exclusivamente civil.
Ex: doação pura – tem que ser um ato de natureza exclusivamente civil, isto
porque o Direito Comercial prossegue o lucro, visa satisfazer os interesses dos
autores dos atos e visa proporcionar-lhes um ganho relativamente à situação em
que se encontravam antes da prática do ato. A doação é um negócio jurídico
gratuito e assim sendo apenas impõe sacrifícios a uma das partes, que é o doador.
E por isso a doação, como qualquer ato gratuito, corresponde a uma espécie de

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um ato de um género (gratuito) que não têm cabimento no Código Comercial e por
isso é um ato de natureza exclusivamente civil. Para além dos atos gratuitos,
quase todos os atos de natureza pessoal são atos de natureza exclusivamente
civil: casamento, perfilhação, adoção, testamento – estes atos que estão
regulados no CC são atos de natureza exclusivamente civil.
Por este primeiro crivo, tendencialmente, todos os atos patrimoniais dos
comerciantes reconduzem-se a atos de comércio subjetivos e podem
corresponder ao exercício da sua atividade.
2) O art. 2º, 2ª parte introduz um outro requisito dizendo que o ato não é de comércio
se dele resultar o contrário, isto é, se o contrário resultar do próprio ato. O que é
que isto significa? Isto significa que se resultar do ato que ele nada tem que ver
com o exercício da atividade comercial daquele sujeito então ele não é um ato de
comercio subjetivo – ainda que não seja um ato de natureza exclusivamente civil,
ele é um ato civil. Ex: o Código Comercial no art. 464º qualifica as compras para
consumo como atos civis – exclui a comercialidade das compras para consumo.
O comerciante faz compras que têm a ver com o seu estabelecimento, para
revenda, a verdade é que se tal acontece ele também pratica atos que nada tem
a ver com a sua atividade, como por exemplo, comprar bens para se alimentar –
estas compras por isso não são atos de comércio.
O que diz portanto a parte final do art. 2º, 2ª parte é que se no momento em que
o ato é praticado resultar que ele não tem nada que ver com o exercício da
atividade daquele sujeito, então esse ato não vai ser comercial, salvo se for um
ato especialmente regulado, salvo se entrar na comercialidade pela janela do art.
2º, 1ª parte – se for um ato objeto para aquele sujeito. Se não for um ato objetivo
para aquele sujeito, também não é um ato que seja reconduzível ao Direito
Comercial, apesar de ser praticado por um sujeito, se se demonstrar que no
momento da prática do ato que aquele ato nada tinha que ver com a atividade
daquele sujeito.
Temos que recorrer ao art. 13º, sobre o qual já falamos para qualificar como
comerciante as sociedades comerciais. O art. 13º diz, antes de falar das
sociedades25, que são comerciantes as pessoas que, tendo capacidade para
praticar atos de comércio, fazem deste profissão – aqui a palavra-chave é

25 Pois estas eram mais raras quando o Código Comercial foi feito.

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profissão, não é a capacidade, pois a capacidade que aqui está em causa é a


capacidade de exercício. É-se comerciante se na realidade a pessoa se dedicar
habitualmente, quotidianamente à prática daquele grupo de atos – é isto que deve
ser entendido por fazer da prática desses atos profissão. O que significa que,
mesmo para um comerciante individual, se grande parte dos atos que pratica
todos os dias têm a ver com a sua profissão e então devem ser atos que se
enquadrem no Direito Comercial, há muitos outros atos que pratica todos os dias
que nada têm que ver com o Direito Comercial – ex: cumprimento das obrigações
conjugais. Ou seja, são os tais atos de natureza exclusivamente civil e aqueles
que não se conseguem não demonstrar que nada tivessem a ver com o exercício
do comércio.

O que é que resulta da parte final do art. 2º? A lei exige que para que se exclua a
comercialidade do ato do comerciante que o próprio ato se evidencie que nada tem
que ver com a atividade do comerciante. Mas há certos atos em que não se evidencia
nada – ex: comerciante que compra uma jarra e a atividade dele não é de compra e
venda de jarras. Esta jarra pode ir para o seu escritório ou esta jarra pode ser para
levar para casa – se nada resultar então esta compra, porque não é uma compra para
ser um ato objetivo de comércio, tinha que ser uma compra para revenda (arts. 463º
e ss). Mas ele não comprou para revender, comprou a jarra para usar e fruir – se a
jarra fosse para a fábrica e ele não tivesse pago o preço da jarra tinha todo o sentido
que fosse o seu acervo patrimonial inerente à exploração da sua atividade económica
que respondesse pelo preço daquela jarra. Se ele comprar a jarra para casa teve de
comprar com o seu próprio dinheiro. O que nos diz o art. 2º, 2ª parte é que quando
não resulta nada do ato, então será um ato subjetivo de comércio – ou seja, na dúvida
é um ato subjetivo de comércio. Há portanto aqui uma presunção de que o ato é
comercial quando não resulta o contrário, quando não resulta que não é comercial.

Muitas vezes resulta que é comercial e em alguns casos resulta que ele não é
comercial (ex: diz para embrulhar a jarra e para mandar entregar em casa da sua filha
porque é o presente de anos dela). E por isso o Direito diz que esse ato que noutras
circunstâncias poderia ser um ato de comércio para aquele sujeito, neste caso é um
ato civil, é um ato que não cabe nos atos de comércio.

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No que diz respeito a todos estes atos subjetivos, há um problema que se coloca que
é que muitas vezes a forma que damos ao ato, isto é, a exteriorização da declaração
de vontade que damos ao ato pode ser suficiente para o reconduzir ao regime
comercial. Ou noutros casos é o próprio Direito que reconhece que, ainda que o ato
por natureza fosse um ato exclusivamente civil, há atos que o Direito admite que se
possam enquadrar na atividade comercial – e o Direito admite-o de foçar expressa. E
outros enquadram-se porque correspondem aos usos comerciais – práticas
reiteradas de comércio.

Primeiro requisito do art. 2º, 2ª parte: atos de natureza exclusivamente civil. As


doações puras são um género que não cabe no Código Comercial. Nas doações
puras há um total espírito de liberalidade.

Mas há outras doações em que não há espírito de liberalidade. Há, por exemplo, as
doações conforme os usos e costumes dos comerciantes, que se traduzem em
ofertas de brindes – cativar o cliente. Estes brindes têm a ver com a atividade deles,
são no fundo doações interessadas. Para além destas doações há outras que
também, neste caso, é o próprio legislador a reconduzi-las à atividade do autor do ato
– por exemplo, aquelas que são inerentes à atividade de mecenato e patrocínio (ex:
um banco a patrocinar um concerto). Muitas vezes a entidade faz isto primeiro porque
a lei as autoriza e segundo porque a lei reconhece que esse ato se pode enquadrar
na sua matéria coletável e portanto pode ser um custo da sua atividade, e por vezes
até admite que esse custo seja superior ao próprio custo da oferta – ex: façam doação
e possam descontar na matéria coletável 130% do valor da doação que fizeram. Aqui
é o próprio Direito que qualifica a matéria mercantil e isto é particularmente importante
em relação às sociedades, porque se o Direito não aceitasse este tipo de atos elas
nunca teriam capacidade para os poderem praticar, isto porque uma sociedade por
definição não pode realizar doações.

O art. 2º, 2ª parte tem a ver com a chamada qualificação da substância pela forma.
Ex: quando estamos numa fila de supermercado e vemos alguém solicitar uma fatura,
imputar o ato aquisitivo a uma sociedade comercial ou a um empresário individual 26,
o que o autor da aquisição está a pretender que ainda que aqueles bens sejam de

26 O número de contribuinte das sociedades comerciais em regra começa por 5. O dos empresários individuais começam por
8. Ao passo que o dos sujeitos individuais começa por 1 ou por 2.

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consumo próprio, está a pretender reconduzir o custo daquela aquisição à sua


atividade comercial – se ele inscreve a aquisição na sua própria empresa então a
forma está a qualificar a substância. Isto só funciona com o art. 2º, 2ª parte com os
empresários individuais, porque o art. 2º, 2ª parte só funciona para os empresários
individuais. Se fosse uma sociedade nem tínhamos que estar no art. 2º porque
supostamente todos os atos de uma sociedade têm que ser atos que se enquadrem
na sua capacidade e portanto todos os atos serão comerciais.

Conceito de comerciante
Se olharmos para o art. 13º, o que qualifica os comerciantes, vimos para que os
empresários individuais sejam comerciantes é preciso que eles façam do comércio
profissão. Ou seja, é comerciante aquele que faz do exercício do comércio profissão,
isto é, a pessoa que se dedica habitualmente, como meio de vida, à prática de atos
de comércio (absolutos), nomeadamente de compra para revenda (art. 13º/1).

A essas pessoas acrescem aquelas que se propõe a exercer uma atividade mercantil
(art. 230º) e as empresas coletivas, organizadas sob a forma de sociedades
comerciais, só pelo simples facto de existirem, ou seja, de se constituírem como tais
(art. 13º/2). E também, em certas circunstâncias, as cooperativas e empresas
públicas.

Atos preparatórios da atividade comercial


Coloca-se aqui um problema: enquanto eles ainda não são comerciantes, enquanto
eles ainda não dedicam todo o seu dinheiro ao exercício da atividade comercial, os
atos que eles pratiquem não podem ser atos de comércio se não forem atos
objetivamente comercias.

Nos casos em que a empresa reveste a forma de sociedade comercial e se apresenta


no mercado como mercantil podemos concluir que todos os seus atos correspondem
ao exercício da atividade que corresponde ao seu objeto e que são praticados no
âmbito da sua capacidade. Nestes casos as empresas absorvem os atos
preparatórios.

Relativamente aos sujeitos de Direito Comercial que se caracterizam em função dos


atos que se praticam de forma habitual subsiste por explicar a natureza dos atos

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preparatórios da respetiva atividade. Tais atos são comerciais por se enquadrarem


na respetiva atividade comercial por efeito do disposto no art. 230º.

Ex: um empresário individual que queira montar um estabelecimento comercial com


suporte físico – vulgarmente designado loja – de compra e venda de vestuário. Ele só
irá fazer do comércio profissão no dia em que “abrir a porta”. Mas antes de “abrir a
porta” há uma série de atos que ele pratica. E a questão coloca-se relativamente a
esses atos – são comerciais ou são civis? Ele não é ainda comerciante e se os atos
forem atos em princípio subjetivos eles serão atos não comerciantes senão houver
maneira de os reconduzir a atos comerciais. Então o Direito Comercial tem uma
solução para isto. É claro que alguns atos deste comerciante seriam sempre atos
comerciais, não como atos subjetivos, não por corresponderem à sua atividade ou à
atividade que ele irá desenvolver quando abrir a loja, mas serão atos que são
comerciais por efeito das mercadorias que ele comprou para vender – estes atos são
objetivamente comerciais porque a compra para a revenda é, nos termos do art. 463º,
um ato objetivamente comercial. Ou seja, quem compra com intenção de revender fá-
lo para próprio ganho e então o ato é um ato tendencialmente comercial – e é
comercial porque está sujeito como ato especialmente regulado no Código Comercial.

Mas o comerciante que se estabelece pratica outros atos que não têm nada a ver com
isso – por exemplo, ele tem que fazer obras, tem que fazer a decoração, comprar
máquinas, etc. Estas compras estão sujeitas ao regime comercial? Estas compras
são atos de comércio? E de facto não seriam pelo art. 2º, 2ª parte. Não são porque
ele ainda não é comerciante, não são porque estes atos não são atos relativamente
a um comerciante, não são atos objetivos de comércio.

Então como é que eventualmente eles caberiam? Eles cabem por uma segunda
norma que é uma norma que permite abranger os chamados atos preparatórios da
atividade comercial. É uma segunda norma qualificadora do Código Comercial que
consta do art. 230º. Este artigo enuncia uma série de atividades. Neste artigo cabem
os atos de organização da empresa – o propor-se a prática de atos de comércio,
nomeadamente as que estão previstas no art. 230º, reconduz à comercialidade todo
uma série de atos que de outro modo não poderia estar aí incluídos. E portanto os
atos preparatórios vão ser atos comercias por se enquadrarem na atividade comercial
das pessoas singulares que os praticaram. É verdade que o art. 230º fala em

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empresas singulares ou coletivas, mas o que é um facto é que no domínio das


sociedades comerciais a questão não se irá colocar porque a própria lei societária no
art. 19º CSC prevê que os atos preparatórias da atividade que a sociedade irá
desenvolver, desde que previstos no momento constitutivo, ainda que sejam
anteriores, podem ser absorvidos por ela e reconduzem-se a essa mesma atividade.
Isto é, o legislador na lógica de que uma sociedade não poderia não ter atos que
tivessem a ver com a sua atividade, aceita que lhes sejam imputáveis ainda que
tivessem sido praticados num momento por alguém que não era uma sociedade, mas
eram sim os seus futuros sócios, isto é, eram atos preparatórios estruturantes de
organização da atividade comercial.

A questão que também se coloca é de saber se o art. 230º mais do que qualificar atos
comerciais ou de comércio, se vai também qualificar empresas comerciais, isto é,
entidades como comerciais e depois vai procurar também qualificar as atividades que
são desenvolvidas por essas empresas. Ou seja, a própria noção de ato de comércio
pode no fundo corresponder a duas situações juridicamente distintas:

1) À de um ato que é isoladamente considerado – ex: compra para revenda que


qualquer um de nós faça, designadamente por sabermos que alguém deseja um
bem que nós conseguimos adquirir por um preço mais barato.
2) A uma atividade que nos proponhamos a realizar e essa atividade é, nem mais
nem menos, que um conjunto de atos da mesma natureza que se articulam entre
si.

O que acontece é que também o art. 230º tem uma segunda faceta muito importante
que é a de excluir expressamente a comercialidade de determinadas empresas, que
correspondem a organizações, numa certa perspetiva, de fatores produtivos que na
realidade se destinam a um determinado mercado.

E portanto o art. 230º ao qualificar a empresa vai também qualificar o empresário, isto
é, vai também determinar que só possam assumir a forma de sujeitos comercias
aquelas entidades que tenham como substrato uma empresa comercial. E portanto
uma entidade que tenha como substrato uma empresa que não possa ser comercial
nunca pode assumir a forma de uma sociedade comercial.

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Atos de comércio objetivos


Que tipo de atos de comércio objetivos é que podemos eventualmente descortinar?
Podemos descortinar fundamentalmente 3 tipos de atos de comércio objetivos (estão
especialmente regulados):

1) Atos de comércio absolutos: aqueles que são comerciais por natureza, ou seja, os
que têm como objeto atividades de intermediação entre a oferta e a procura que
sejam desenvolvidas com a finalidade de obter – são os chamados atos
intencionais. Estes podem ser de diversas categoriais:
a) Atos de intermediação – compra e venda, art. 463º quando ato se destina a
revenda; a troca, art. 480º; o aluguer, porque este é feito à custa de um bem
que, em princípio, foi adquirido precisamente com essa finalidade, art. 481º; o
reporte, art. 477º; a conta corrente, art. 484º.
b) Atos industriais: têm a ver com a fabricação e portanto com toda a indústria
transformadora no geral. Estão previstos no art. 230º/1, o artigo que alarga as
atividades, no art. 230º/5 a propósito da atividade de emissão e ainda no art.
230º/6 a propósito das chamadas empreitadas, isto é, das atividades de
construção de obras públicas e privadas.
c) Atividades e operações de natureza financeira, previstas nos arts. 362º a 365º
e no Regime Jurídico das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
d) Atividades aleatórias: o exemplo típico é um contrato de seguro, hoje regulado
no DL nº 72/2008, de 16 de Abril.
e) Prestações de serviços, que se reconduzem designadamente a
agenciamento, art. 230º/3, promoção de espetáculos públicos, art. 230º/4,
transporte, art. 230º/7 (incluindo o transporte aéreo por interpretação desta
regra contida neste artigo)27.
2) Atos objetivos por acessoriedade objetiva: são atos jurídicos28 que se
caracterizam por ter uma conexão com um ato de comércio que já esteja
previamente definido como um ato absoluto. Podemos estabelecer mais do que
uma categoria: atos instrumentais. Aqui já falamos de dois: a fiança, art. 101º, e o
penhor. A fiança é instrumental porque é um ato de comércio objetivo por ser
acessório de outro ato de comércio, ou seja, quer dizer que a garantia tem que ser

27 Há uma outra norma importante em matéria de transporte que é o art. 366º CSC, que regula o contrato de transporte.
28 Contratos.

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relativa a um contrato comercial para ser uma fiança mercantil. E depois temos
outros atos que são objetivos por acessoriedade objetiva como, por exemplo, o
mandato, art. 231º, a comissão, o empréstimo e o depósito. O mandatário
comercial o que é que faz? É aquele que pratica atos de comércio – aquele que
por nome e por conta de outrem realiza atos de comércio, designadamente
objetivos de comércio, ex: compra para revenda. É por isso mandatário comercial
aquele que se encontra num estabelecimento comercial – o gerente do
estabelecimento comercial, o balconista do estabelecimento comercial.
3) Atos objetivos por acessoriedade subjetiva: significa que estes atos precisam de
um requisito para poderem ser atos de comércio. Têm que ter como característica
o serem praticados por uma empresa comercial, serem praticados por um sujeito
de Direito Comercial. Um exemplo típico é aquele que consta do art. 366º – este
artigo está parcialmente revogado. O contrato de transporte é um ato de comércio
especialmente regulado quando a empresa transportadora for uma empresa
comercial, nos termos desse mesmo artigo, isto é, se ela se constitui para esse
efeito.

No que diz respeito ao Direito Comercial podíamos ainda reconduzir aos atos de
comércio em geral, por interpretação extensiva, todos aqueles negócios e contratos
que não estão regulados no Código Comercial, mas que podem ser por ele
agregados, como é o caso do arrendamento comercial.

Atos de comércio mistos


O que é que acontece quando um ato é comercial relativamente a um sujeito e é civil
em relação ao outro?

Ex: quando um empresário comercial que explora um stand de automóveis, qualquer


que seja a sua forma jurídica (pessoa física ou pessoa coletiva), vende um automóvel
a um não comerciante. Pelo art. 464º esta compra não é comercial, é uma compra
para consumo. Seria comercial se fosse comprar o automóvel para o revender – o ato
seria objetivamente comercial. Mas uma compra para utilizar por parte de um não
comerciante, o ato não é comercial – art. 464º/1. Para quem vende o ato é comercial
– porque esta venda é o efeito da compra que foi realizada com essa mesma
finalidade. O que o empresário está a fazer é realizar os atos que correspondem à
sua atividade. Ele está no mercado para comprar automóveis e os revender, obtendo

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com isso um ganho. O ato é civil para uma das partes e comercial para a outra, mas
o regime que lhe é aplicável só pode ser um.

E o Código Comercial tem uma norma muito importante que é o art. 99º, que nos diz
que o ato, ainda que só seja mercantil em relação a uma das partes, vai em princípio
ficar sujeito ao Direito Comercial – aplicação do regime comercial a atos de comércio
mistos.

Mas depois o art. 99º diz-nos que se aplica o regime comercial, salvo quanto a
aspetos desse regime que não devem ser oponíveis à parte relativamente à qual o
ato era civil ou não comercial.

Atos formalmente comerciais


Há atos que são formalmente comerciais, e hoje estão abrangidos pelas operações e
instrumentos do mercado, porque foram atos que embora tivessem nascido no Direito
Comercial, autonomizaram-se deste e passaram a ser aplicáveis às pessoas em geral
– já não são atos especialmente regulados no Direito Comercial, como é o caso, por
exemplo, das operações cambiárias.

Teoria do acessório
Nem todos os atos podem ser reconduzíveis necessariamente ao Direito Comercial –
rejeição da teoria do acessório. Isto é, temos que recusar que um ato por ser
acessório, por ter conexão com um ato que seja comercial, designadamente quando
o autor do ato não seja um comerciante, que esse ato só por ter essa ligação seja um
ato que se reconduz ao Direito Comercial. Porque se admitíssemos isto era o mesmo
que admitir a analogia no Direito Comercial, e esta não é possível na qualificação da
matéria comercial.

Se um não comerciante tiver comprado um bem para o revender – ele usa um carro
que para transportar o bem. O contrato de transporte é relativamente a este sujeito
que precisa de transportar um bem de um local para o outro é um ato de comércio?
Tem uma ligação com um ato que é objetivamente comercial, mas ele não pode ser
qualificado como ato comercial. Se o sujeito já fosse comerciante então este ato de
transporte, se não reconduzisse ao Direito Comercial como um ato especialmente
regulado no Código Comercial, este ato caberia sempre no art. 2º, 2ª parte – estava

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a transportar algo que tinha adquirido para revender no âmbito do exercício da sua
atividade.

26.Setembro.2018 Teórica

Concorrência
Procuramos perspetivar a relação na lógica de que apenas um lado da relação é
insuficiente e, por isso, enquadramos a matéria no setor do Direito do Mercado,
tutelando as posições mais fracas e reintroduzindo um equilíbrio natural que se
estabelece nas relações de mercado. É esse mercado que justifica que a atividade
económica tenha determinado o desenvolvimento e é do mercado que é preciso
tratar, procurando assegurar que todas as práticas que nele ocorrem – atos e
operações – são conformes a uma ideia de correção, de modo a que se consiga atingir
o equilíbrio e de modo a que as prestações, num mercado que é por definição
oneroso, consigam ser equivalentes.

Há uma preocupação grande a esse propósito, que visa dotar todos os sujeitos que
acorrem ao mercado de um conjunto de regras jurídicas que disciplinam as práticas,
quer as práticas liguem aos destinatários finais dos serviços e bens produzidos, quer
essas práticas liguem aos próprios agentes produtivos, distribuidores ou prestadores
de serviços no mercado.

Os sujeitos de Direito Comercial devem atuar de forma correta e construtiva, evitando


prejudicar os interesses das suas contrapartes negociais, na maior parte dos casos,
os consumidores, e contribuindo, dessa forma, decisivamente para o
desenvolvimento económico.

Uma vez que a força relativa dos sujeitos intervenientes é diferente, importa ao Direito
acautelar que a intervenção no mercado se processe de modo equilibrado e são, sem
pôr em causa a existência de concorrentes que visem satisfazer idênticas
necessidades, por um lado, e evitando que os fornecedores se conluiem com a
finalidade de obter um retorno pelos bens produzidos ou pelos serviços prestados
manifestamente superior ao respetivo valor intrínseco, em nítido desfavor daqueles
que necessitam desses bens, por outro lado.

É a esse propósito que se fala na tutela da concorrência. No passado falava-se na


defesa da concorrência – era preciso procurar defender a concorrência para que as

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práticas fossem sãs e honestas. No âmbito do Código da Propriedade Industrial, de


1940, já havia uma sanção, de caráter criminal, para a concorrência desleal. Agora
há a preocupação das entidades centrais procurarem tutelar essa mesma
concorrência.

Há que distinguir dois aspetos diferentes da intervenção económica:

1) Perspetivar as práticas de mercado quando se configuram em si mesmas.


2) Abordar as práticas nas quais confluem duas ou mais entidades – as práticas
concertadas.

Quando essas práticas se traduzirem em más formações, é necessário reagir, rejeitá-


las e sancioná-las. A esse propósito, há preocupações que se colocam, no âmbito do
mercado único. O tratado de Roma evoluiu para o TFUE29 e na lógica da União
Europeia e do Tratado de Lisboa, há uma tutela de certas situações nos arts. 101º a
107º, nomeadamente:
1) Liberdade de constituição da empresa.
2) Liberdade de prática de atos subsequentes que a empresa constituída irá praticar
no mercado para atingir os seus fins.

No plano comunitário temos essas regras, no plano nacional também temos regras
importantes. Essas regras correspondem a diplomas autónomos, e no plano nacional
a concorrência é regulada pelo diploma das práticas individuais, DL nº 166/2013, de
27/12, e outro que trata das práticas coletivas, nomeadamente quando são
concertadas, a Lei nº 19/2012 de 8/5.

Práticas individuais
O Direito Português regula as práticas individuais dos agentes económicos no
mercado nacional, procurando impedir e censurando as que forem restritivas da
concorrência num diploma autónomo – DL nº 166/2013, de 27 de dezembro. Exclui-
se do âmbito de aplicação deste diploma as transações sujeitas a regulação sectorial
– ex: setor financeiro.

29 Tratado de Funcionamento da União Europeia.

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Vamos começar por abordar o diploma, naquilo que seria fundamentalmente uma
perspetiva unitária da intervenção dos agentes no mercado. São diversas as vertentes
que encontramos no diploma:

1) Uma relativa aos preços e condições de venda, e, portanto, normas que visam de
algum modo evitar que haja abusos, arts. 3º e 4º.
2) Outra de práticas restritivas que o diploma considera serem proibidas,
relativamente às quais o diploma comina uma proibição.
3) Depois um terceiro complexo de normas, as sanções e medidas cautelares, que
podem ocorrer nesta matéria.

Preços e condições de venda


Impõe-se distinguir as obrigações e limitações que são estabelecidas aos agentes
económicos e que são as seguintes:

1) O dever que os agentes económicos têm de fixar tabelas de preços e condições


de vendas – art. 4º.
2) Proibição de práticas discriminatórias ou abusivas – arts. 3º e 7º.
3) Inadmissibilidade da venda com prejuízo e de recusa de venda ou similar – arts.
5º e 6º.

Em relação a estas normas é de salientar que os agentes económicos, e neste caso


falamos dos que estão do lado da oferta e da produção, têm que se organizar no que
diz respeito aos preços que vão praticar e condições de venda que vão seguir e têm
que publicitar as tabelas de preços e as condições de venda.

Se tivéssemos em conta aquilo que o legislador designa como transparência sobre


estes fatores, a maior preocupação é, através desta imposição, procurar assegurar
que as contrapartes negociais vão ser todas tratadas do mesmo modo e vão todas
poder dispor de iguais condições de acesso à relação comercial a estabelecer com
os produtores.

O art. 3º estabelece uma regra que diz respeito à proibição da prática de preços ou
condições de venda que sejam discriminatórias – tem como preocupação que os
preços sejam discriminatórios relativamente a prestações equivalentes. Se as
prestações forem diferentes pode haver diferenciação nos preços e condições de
venda, designadamente, se os bens forem em número muito diferente. Por isso, no
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fundo, há como que uma subordinação da proibição da discriminação, a existirem


prestações equivalentes, e o art. 3º/2 determina o que são as prestações
equivalentes, referindo que são as que respeitam a bens ou serviços similares e que
não se diferenciem de modo sensível nas características essenciais que lhes dizem
respeito, designadamente nas que possam projetar-se nos custos de produção e de
comercialização.

Práticas restritivas (proibidas)


Uma segunda ótica de abordagem das práticas individuais é a que respeita a proibir
as que forem consideradas restritivas e aqui há uma coincidência com o que
procuramos afirmar pela positiva, que é, o art. 3º proíbe as condições discriminatórias.
Se se verificar existirem essas condições, vamos ser remitidos para o modo como a
ordem jurídica reage a essas condições, incluindo em matéria de preços.

Limitações inerentes à comercial ou transação de bens no mercado – a lei impede:

1) A venda com prejuízo (art. 5º): naturalmente, considerando que não é possível
vender um bem por um preço inferior ao seu preço efetivo, e este preço efetivo foi
aquele relativo ao custo de aquisição do bem por parte do prestador de serviço ou
produtor.
2) Também se proíbe a chamada recusa de venda (art. 6º), quer dizer, os agentes
económicos que se encontram no lado da oferta não podem recusar a venda de
bens ou serviços embora a lei admita que em certas circunstâncias pode haver
causas justificativas para a recusa.
3) Proibição das práticas negociais que de algum modo afetem o relacionamento
comercial entre as empresas e que afetem o modo como esses agentes se vão
comportar no mercado (art. 7º), por exemplo, impondo que a contraparte não
possa transacionar o bem que adquire com uma outra empresa em concreto,
condicionando a venda. Portanto, a todos esses casos, a lei vai reconduzir à
mesma situação.
Sanções e medidas cautelares
A reação a estes atos. Relativamente às sanções, previstas nos arts. 9º a 11º, as
práticas que corresponderem a atos que são negativamente qualificados pelo diploma
legal vão integrar contraordenações, a que vão corresponder coimas previstas no art.º

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10º, e em certas situações, sanção pecuniária compulsória, que vise obrigar o agente
a adotar uma conduta positiva e a cessar a violação da ordem jurídica.

A própria lei prevê no art. 8º as medidas cautelares, que admitem que as entidades
de fiscalização possam antecipar incumprimentos e impor condutas que os agentes
económicos devam observar no mercado.

Até aqui tivemos uma preocupação essencial, estivemos centrados nas práticas
individuais dos agentes do mercado, ou seja, posicionam-se no mercado, adotam
condutas e essas têm que ser aferidas. Relativamente a este diploma, temos que
concluir que os agentes económicos podem incorrer nas previsões que são
estabelecidas nesta lei, e se tal vier a acontecer, naturalmente, vão sofrer uma reação
desfavorável.

Este diploma tem naturalmente aspetos positivos, relativamente às práticas que se


têm que adotar, àquilo que todos devem fazer, mas depois a preocupação essencial
é o modo como reagir à situação violadora da ordem jurídica, ainda que em alguns
casos se admita poder antecipar a intervenção externa para evitar a consumação da
violação.

O exemplo mais claro diz respeito ao Pingo Doce, que um dia comunicou ao mercado
que estava a vender os produtos por metade do preço,e isto é um ato que
corresponde a uma prática individual, e a consequência, de facto, era a venda com
prejuízo, mas a campanha acarretou uma notoriedade extraordinária, porque a
publicidade foi imensa. As sanções eram mais reduzidas, estávamos num quadro
legal diferente, e a entidade, sabendo o risco da sanção, concluiu que compensava,
pelo ganho que veio a ter.

Em relação ainda às práticas individuais, quanto ao âmbito de aplicação, visa aplicar-


se ao mercado português, mas a verdade é que, relativamente às práticas restritivas,
a Lei nº 27/12 de 2013, excluiu da aplicação deste diploma certos atos e práticas que
ocorrem em relação a determinados setores, quais são? Os setores sujeitos a
regulação e supervisão. Assim, aplica-se ao mercado geral, mas há setores que o art.
2º do diploma tem precisamente a intenção de excluir: o setor financeiro sobre

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supervisão do Banco de Portugal, setor postal, transportes, comunicações eletrónicas


e energia.

Art. 2º, Âmbito de aplicação: “1. O presente decreto-lei apenas é aplicável às


empresas estabelecidas em território nacional. 2. Estão excluídos do âmbito de
aplicação do presente decreto-lei: a) Os serviços de interesse económico geral; b) A
compra e venda de bens e as prestações de serviços, na medida em que estejam
sujeitas a regulação setorial.”

Práticas coletivas
Estamos a falar das práticas que envolvem mais do que um sujeito e, em regra, são
reveladoras de certa concertação. Os sujeitos que as realizam, falseando o modo
como o mercado devia atuar normalmente de acordo com as regras sãs de
funcionamento, adotam uma conduta desleal ao mercado e, para esse efeito, existe
a Lei da Concorrência (LC) – Lei nº 19/2012, de 8 de Maio.

A LC, no que diz respeito às práticas coletivas, aplica-se a todas as atividades


económicas exercidas no território nacional, em qualquer dos setores produtivos, quer
privado, quer público ou cooperativo, e quer essas práticas sejam permanentes, quer
sejam ocasionais – isto é, não há exclusão.

Esta lei é importante porque reconhece a existência de uma entidade que tem
competência para supervisionar o mercado em geral: a Autoridade da Concorrência,
a quem cabe promover e defender a concorrência e cabe reagir contra a
inobservância das normas que devem observar a sã concorrência no mercado. O art.
5º autonomiza esta entidade.

O conceito de empresa que consta do art. 3º/1 da Lei da Concorrência é muito vasto
– a empresa é qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista
na oferta de bens ou serviços num certo mercado, independentemente do seu
estatuto jurídico ou forma jurídica30 e independentemente do modo de financiamento.
Mas falamos da empresa porque a ideia de empresa é abrangente, visa abarcar
quase todas as realidades, independentemente de serem adequadamente
estruturadas, há preocupação de reconduzir ao conceito todas as manifestações de
vida económica.

30 Pode ser singular ou coletiva.

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Mais importante é o que resulta do art. 3º/2: reconduzir ao conceito de uma única
empresa todas as situações que chamaríamos pluriempresariais. Situações
pluriempresariais: situações em que existem empresas juridicamente autónomas,
distintas entre si, mas que se constituírem uma unidade económica produtiva ou se
tiverem laços de interdependência que tenham a ver com participações recíprocas
umas nas outras, no respetivo capital, com a detenção de uma maioria de votos uma
nas outras, com a possibilidade de designar a maioria dos mais relevantes cargos
sociais, ou com a possibilidade de condicionar os negócios de uma delas. Nesses
casos, os que vamos caracterizar como a chamada empresa plurisocietária, a lei
considera que estamos perante uma única empresa e não perante um conjunto de
empresas.

Art. 3º, Noção de empresa: “1. Considera-se empresa, para efeitos da presente lei,
qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de
bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto
jurídico e do seu modo de financiamento. 2. Considera-se como uma única empresa
o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade
económica ou mantêm entre si laços de interdependência decorrentes,
nomeadamente: a) De uma participação maioritária no capital; b) Da detenção de
mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais; c) Da
possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração
ou de fiscalização; d) Do poder de gerir os respetivos negócios.”

Porque é que o legislador tem a preocupação de saber o que deve considerar como
única empresa? Se o conglomerado de empresas constitui um grupo jurídico, por
haver controlo de uma empresa em outras, se tudo contar como uma única empresa,
se o diploma estabelecer determinados critérios em função do volume de negócios e
os indexar à noção de empresa, torna-se mais fácil atingir os critérios se for uma única
empresa, do que se estivéssemos a ver todas autonomamente. Do ponto de vista da
concorrência há um efeito importante, que é dizer que encaro cada empresa como,
eventualmente, sendo uma individual mesmo sendo uma que integre um conjunto de
empresas com uma ligação específica entre si.

Nos arts. 9º a 12º a LC estabelece as práticas restritivas da concorrência, que agrupa


em 3 tipos diferentes:

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1) Acordos, práticas concertas e decisões de associações de empresas (arts. 9º e


10º).
2) Abuso de posição dominante (art. 11º).
3) Abuso de dependência económica (art. 12º).

Práticas concertadas
A Lei da Concorrência surgiu em 2012, ou seja, surgiu numa fase complexa – é o
pleno da crise económica. No que diz respeito às práticas relativamente às quais se
pretende reagir, não há grande diferença em relação ao que se passou antes.
Começando pelo art. 9º, que se refere às chamadas práticas concertadas proibidas.

Art. 9º, Acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas: “1.


São proibidos os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e
as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito
impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do
mercado nacional, nomeadamente os que consistam em: a) Fixar, de forma direta ou
indireta, os preços de compra ou de venda ou quaisquer outras condições de
transação; b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento
técnico ou os investimentos; c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;
d) Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de
prestações equivalentes, colocando-os, por esse facto, em desvantagem na
concorrência; e) Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos
outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de
acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos. 2.
Exceto nos casos em que se considerem justificados, nos termos do artigo seguinte,
são nulos os acordos entre empresas e as decisões de associações de empresas
proibidos pelo número anterior.

Este art. 9º determina que o relacionamento que se possa estabelecer entre


empresas que se encontram do lado da oferta, no que diz respeito à economia, em
termos de se concertarem entre si – acordando uma prática comum – as decisões de
associações de empresas, portanto representativas de diversas empresas de
determinado setor, que tenham por objeto ou visem impedir, falsear ou restringir de
forma significativa a concorrência no mercado nacional, quer na totalidade, quer em

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parte, essas práticas são proibidas. Esses acordos são proibidos, e, quando estão
formalizados, são nulos, como determina o art. 9º/2.

Essas práticas, em que se traduzem? O art.º 9/1 avança com uma série de exemplos,
uma vez que é uma enumeração exemplificativa, outros podem existir,

1) As empresas não podem fixar os preços – não podem reunir e estabelecer os


preços mais adequados e desse modo introduzirem distorção no mercado,
prejudicando os consumidores. Há inúmeros exemplos disto, inclusive na
panificação. À cabeça das práticas concertadas proibidas está a fixação dos
preços.
2) Limitar e controlar a produção – isto é, concertadamente controlar as fases de
maior e menos produção, permitindo isto também o regulamento do preço.
3) Repartir os mercados ou fontes de abastecimento – três empresas únicas no país,
dividindo o país entre si, dominando mercados em frações nacionais, estão a
falsear as condições do mercado.
4) Aplicar condições desiguais em prestações equivalentes – concordarem que, em
relação a algumas contrapartes negociais, aplicarão condições de venda
diferentes.
5) Subordinarem a celebração de contratos à aceitação, por parte das contrapartes,
de outras prestações suplementares – nesses casos, se houver prática
concertada, é proibida. Por exemplo, para comprar o bem X, tem que comprar o
Y.

Há casos em que pode haver harmonização? Sim, como determina o art. 10º. São
situações em que se justificam acordos ou até decisões de entidades ou associações
empresariais concertadas, mas, apesar da lei permitir, estabelece limites apertados:

1) Determina-se que tal só possa acontecer se os acordos ou práticas contribuírem


para melhorar a produção ou a distribuição de bens ou serviços, consoante o
objeto da transação, ou para promover o desenvolvimento técnico ou económico.
2) Para além deste limite, quanto ao objetivo, o legislador estabelece ainda, em
diversas alíneas, requisitos que têm que se verificar cumulativamente:
a) Reservem aos utilizadores de bens ou serviços uma parte equitativa do
benefício daí resultante;

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b) Quando não imponham às empresas envolvidas – as concertadas-restrições


que não sejam indispensáveis para atingir esses objetivos – serve para
proteger as empresas, para que nenhuma seja especialmente prejudicada;
c) Quando não concedam às empresas envolvidas as faculdades de eliminar a
concorrência numa parte substancial do mercado, dos bens ou serviços que
estejam em causa. O mercado vai-se determinar pelo objeto da transação.
Posição dominante abusiva
Para além da proibição de acordos de práticas concertadas, a lei da concorrência
sanciona os abusos de posição dominante, art. 11º.

Assume posição dominante no mercado as empresa que não têm concorrência


significativa ou que são preponderantes em face dos concorrentes ou de terceiros, no
setor de atividade em que intervêm. A posição dominante deve aferir-se em função
do mercado relevante em que as empresas exercem a sua atividade, no que se refere
ao local geográfico e aos bens e serviços transacionados, estando em causa o
mercado nacional ou uma parte substancial do mesmo (art. 11º/1).

Ou seja, a posição dominante verifica-se quando, relativamente a um determinado


bem ou serviço, uma ou mais empresas assumem uma preponderância no mercado.
Nem todas as posições dominantes são necessariamente abusivas, podem ser uma
realidade.

A posição dominante, embora possa envolver concertação, é o resultado de uma


situação que, em si mesma, não é ilícita, mas que será de afastar se for objeto de
abuso.

A preocupação do legislador é que as posições abusivas não sejam objeto de


exploração. Isto resulta do art. 11º/2 que enumera uma série de situações que se
podem traduzir em posições dominantes abusivas. Art. 11º/2, fá-lo de forma
exemplificativa:

1) Quando uma ou mais empresas se encontram em situação de poder impor preços


de compra ou de venda no mercado em que exercem a sua atividade.
2) Quando tais empresas estão em condições de limitar a produção e a distribuição,
designadamente, quando tais atos acabem por prejudicar os consumidores,
porque os preços sobem.

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3) Quando apliquem condições desiguais a parceiros comerciais, em casos de


prestação equivalentes, e por isso, os coloquem numa situação de desvantagem
quando concorrem com outros - porque vendem por um preço a determinado
conjunto de sujeitos, e vendem por outro, a outro conjunto.
4) Ou quando na realidade recusam o acesso a redes ou infraestruturas que sejam,
por si, controladas, e desse modo, sem prejuízo de remuneração adequada,
acabem por prejudicar totalmente a contraparte.
Dependência económica abusiva
Há uma terceira categoria de atos que se visa evitar, além das práticas concertadas
e do exercício abusivo de posições dominantes, que traduzem o abuso de
dependência económica, previstas no art. 12º.

Têm a ver com o facto de uma empresa, por ser fornecedora ou cliente de outrem,
poder estar dependente no seu funcionamento da vontade da empresa dominante.
Isto porque não dispõe, no mercado, do que se pode considerar como alternativa
equivalente, isto é, quando não possa, no mercado, recorrer a soluções diferentes
junto de outras empresas, porque o fornecimento de bens ou a prestação de serviços
é feito por um número restrito de agentes económicos, ou quando, num prazo
razoável não se conseguir encontrar no mercado outras condições de fornecimento,
que sejam idênticas às praticadas no mercado aberto – portanto às que seriam
praticadas se não estivesse sujeita a essa dependência. Por isso, quando uma
empresa explora abusivamente o estado de dependência económica em que outra se
pode encontrar, nessa circunstância, a lei sanciona o abuso de dependência.

Ou seja, a dependência económica abusiva consiste na exploração excessiva e


inadequada por uma ou mais empresas em relação a outra (fornecedora ou cliente),
que com ela(s) se relaciona e que dela(s) é dependente, por não dispor de alternativa
equivalente no mercado em que se integra.

Considera-se que uma empresa não dispõe de alternativa equivalente se o


fornecimento do bem ou serviço em causa for assegurado por um número restrito de
empresas e se não conseguir obter, por parte de outros parceiros comerciais, num
prazo razoável, condições idênticas às que vinha beneficiando junto da empresa
relacionada (art. 12º/3).

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Auxílios públicos
A quarta, e última categoria, que está sob a mira da autoridade de supervisão,
representa uma alteração em relação ao passado anterior, vem prevista no art. 65º,
sobre os auxílios públicos.

O que são? Tradicionalmente, no plano comunitário, tem-se entendido que a


intervenção que o Estado possa fazer junto das entidades produtoras e prestadoras
de bens e serviços não pode beneficiar essas entidades e indiretamente introduzir
circunstâncias desiguais no mercado. Estes auxílios antes eram designados por
auxílios de Estado, mas foram rejeitados pelas normas comunitárias, arts. 107º e 108º
TFUE. A LC deixou de proibir os auxílios do Estado.

O que é que acontece? A União Europeia não quer que os Estados-membros


beneficiem as entidades nacionais e por isso isto vai abranger os auxílios públicos.

O art.º 65 determina que os auxílios de empresas concedidos pelo Estado ou outro


ente público não devem restringir, distorcer ou afetar de forma sensível a
concorrência, de todo ou em parte, do mercado nacional. O que significa que o Estado
não pode promover os auxílios públicos e se tal acontecer de forma ilegal, a UE vai
impor que os mesmos sejam objeto de reembolso, para que todos os concorrentes
fiquem em pé de igualdade.

Concentração de empresas
A concentração de empresas ocorre quando, por efeito de fusão de empresas ou da
aquisição do controlo da totalidade ou de parte do capital ou dos ativos de uma ou
várias empresas por quem já seja titular de uma das envolvidas, se verifique uma
mudança duradoura do controlo sobre a totalidade ou parte de uma empresa (art.
36º/1 LC).

A concentração de empresas também pode conduzir o mercado a uma situação em


que a concorrência entre produtores e prestadores deixa de existir – oligopólios ou
monopólios. Para evitar essas situações a lei da concorrência dedica-se também às
operações de concentração de empresas. Preocupações:

1) Identificar as operações de concentração relevantes para a sua aplicação.

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2) Impor que, a verificar-se uma concentração na sequencia de atos jurídicos, esta


tem que ser notificada à Autoridade da Concorrência, para que esta se pronuncie
sobre a bondade do ato.

De todas as normas que constam do Capítulo III, os arts. 36º, 37º e 39º são os artigos
mais importantes. Sempre que há um ato de mercado que se projeta no que pode
resultar numa concentração, a Autoridade da Concorrência tem que se pronunciar
dos efeitos negativos que se venham a manifestar no mercado e, em alguns casos,
rejeitar a concentração, noutros aceitar e em alguns casos permitir sobre
determinadas condições, os chamados remédios, que passam por impor que a
entidade que resulte da operação tem que ceder no mercado parte dos ativos e
portanto que possa contribuir para a revitalização da concorrência.

A concentração de empresas tem a ver com uma ideia chave, de mudança de controlo
da empresa. Uma empresa pertence a determinada pessoa, tem representatividade
no mercado, em alguns casos menor, noutros maior, e quando há mudança de
controlo duradouro, a lei entende que pode haver concentração no art. 36º/1, quando
se refere às operações que conduzem à mudança de controlo duradouro:

1) A fusão de duas ou mais empresas, ou partes delas, que antes eram


independentes, podendo alterar a quota de mercado – art. 36º/1, a).
2) A aquisição de parte ou totalidade do capital e inerentemente do respetivo controlo
ou de elementos que integrem empresas que já existem no mercado, e por essa
aquisição haver o desvio de controlo – art. 36º/1, b) e 3.
3) O controlo de empresas por uma ou mais pessoas que já controlem uma empresa
– art. 36º/1, b) e 3.

O controlo pode resultar de qualquer ato que, independentemente da sua forma,


isolado ou conjunto (com outras empresas), permite uma influência determinante
noutras empresas – a lei é muito abrangente, e é tão abrangente que entende que há
alteração de controlo se houver alteração de influência determinante da atividade da
empresa. Isto é, se houver modificação de modo que uma empresa, no mercado,
possa passar a exercer uma influência determinante sobre outra ou outras e o
conjunto das empresas envolvidas represente uma maior participação do mercado
que integram.

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Entende o legislador que a possibilidade de exercer com caráter duradouro esse


controlo através da influência determinante sobre as empresas que se agregam por
efeito do ato de concentração, se possa traduzir em várias possibilidades distintas:

1) Aquisição de totalidade e ou parte do capital social dessa empresa – art. 36º/3, a).
2) O controlo do seu ativo líquido – art. 36º/3, b).
3) Uma influência relevante junto dos respetivos órgãos sociais (ação preponderante
nos órgãos da empresa, por efeito de direitos ou contratos) – art. 36º/3, c).

Não são considerados atos de controlo – e logo não constituem concentração de


empresas (art. 36º/4):

1) A recuperação de empresas ou a aquisição de participações ou de ativos pelo


administrador da insolvência.
2) A aquisição de participações com meras funções de garantia.
3) A aquisição temporária de participações por instituições de crédito, sociedades
financeiras ou companhias seguradoras.
4) O pagamento de créditos.

Tudo circunstâncias em que, na realidade, depois de um ato que ocorre no mercado,


os centros de decisão que existiam anteriormente, se concentram numa só entidade,
e aí a lei entende que há concentração, e havendo, vai dar lugar, nos termos do art.
37º, à obrigatoriedade de notificação prévia em certas circunstâncias. Não é qualquer
concentração que gera essa obrigação – se juntar empresas que pela sua junção
adquiram preponderância no mercado, faz sentido que a Autoridade da Concorrência
pondere os efeitos que a junção vem trazer ao mercado. A lei impõe o dever de
notificação prévia à Autoridade da Concorrência dos atos de concentração, para
apreciação por parte desta (art. 37º/1), determinando a ineficácia desses atos de
concentração se ocorrer incumprimento desse dever (art. 40º/6).

É importante que se diga que há determinados atos que o art. 36º/4 exclui da
concentração, mas na lógica desta disciplina legal há circunstâncias que a lei
considera serem de afastar. Mas olhando ao art. 37º vemos quais são os casos em
que há obrigatoriedade de notificação prévia:

1) Se em função do ato de concentração se venha a adquirir ou reforçar uma quota


igual ou superior a 50% do mercado do bem ou serviço;

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2) Ou que tal aconteça numa parte substancial do mercado, porque a relevância


pode ser local e não nacional, sobretudo quando o mercado for de consumo direto
de pessoas que estão próximas de produtores e prestadores. Se uma empresa
passa a deter mais de 50% do mercado lisboeta, ainda que não o detenha a nível
nacional, isso, já é relevante.
3) Depois, quando na sequência deste ato de concentração se crie ou reforce uma
quota igual ou superior a 30% e inferior a 50% do mercado desse bem, exigindo
que o volume de negócios que tenha sido realizado individualmente no último ano
de exercício, àquele em que as entidades envolvidas se propõem realizar uma
concentração, por pelo menos 2 das empresas envolvidas, seja superior a 5
milhões de euros.
4) Quando participem na operação empresas que conjuntamente tenham no ano
anterior um volume de negócios superior a €100 milhões. Na prática, as grandes
empresas, quando promovem um ato de concentração, vão estar inerentemente
sujeitas ao dever de notificação prévio, porque se tiverem um volume de negócios
de €100 milhões por si, ultrapassarão sempre esse montante.

Ou seja, ocorre uma concentração relevante no mercado quando a quota, resultante


da operação, é igual ou superior a 50%, ou a 30%, mas inferior a 50%, neste caso
desde que o volume de negócios de, pelo menos, duas empresas envolvidas seja de
€5 milhões, ou, independentemente da quota resultante da operação, o volume de
negócios das empresas envolvidas seja superior a €100 milhões.

A lei, no art. 39º, determina que no volume de negócios se atenderá à empresa


diretamente envolvida na concentração, mas também àquela em que ela dispõe direta
e indiretamente de participação maioritária de mais de metade dos votos ou de
possibilidade de designar a maioria dos membros de órgãos de administração ou
fiscalização ou a possibilidade de gerir os negócios sociais.

O critério da dependência (art. 39º/1) determina-se:

1) Pela detenção em mais de metade do capital ou dos votos da dependente.


2) Pela possibilidade de designar os membros da administração ou do órgão de
fiscalização da mesma.
3) Pelo poder de gerir os negócios da empresa dependente.

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Quando há concentração sem observar o dever legal de notificação prévia, determina-


se a ineficácia absoluta do ato, que não produz quaisquer efeitos – art. 39º/6

No art. 41º podemos verificar o que acontece a cada notificação tendente à


concentração da empresa, a possibilidade de:

1) Autorizar a operação, por considera-la adequada às regras existentes e


insuscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva no mercado –
art. 41º/3.
2) Recusar a operação, concluindo que a mesma é gravemente lesiva dos interesses
públicos e do normal funcionamento do mercado, podendo conduzir à criação ou
reforço de uma posição dominante – art. 41º/4.
3) Autorizar a operação, mas condicioná-la à adoção de certas medidas (remédios)
que, em sua opinião, são indispensáveis para assegurar o normal funcionamento
do mercado – art. 41º/5.

A lei admite que possam ser previamente avaliadas pela Autoridade da Concorrência
certas práticas proibidas e admite como justificadas práticas proibidas, desde que se
enquadrem num regulamento comunitário (art. 10º/3).

28.Setembro.2018 Teórica
Concorrência

Tutela da concorrência
Depois de apreciar as situações que eram rejeitadas pela Ordem Jurídica, no sentido
de que elas padronizavam corresponderiam, acarretariam uma distorção no normal
funcionamento do mercado, falta perspetivar o que se suscita em matéria de tutela da
concorrência.

O que fazer quando se verifica um acordo, prática consolidada, abuso de posição


dominante, dependência económica abusiva? Temos a Autoridade da Concorrência,
que tem competência para supervisionar e intervir no mercado. A defesa da
concorrência está a cargo da Autoridade da Concorrência que, para o efeito, dispõe
de poderes sancionatórios de supervisão e de regulamentação.

Tem regra prevista no art. 5º da Lei nº 19/2012 (LC), mas também tem um estatuto
próprio. É a entidade que supervisiona o mercado e visa concorrência leal e sã, mas

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também para a proteção dos consumidores. A Lei da Concorrência afeta uma grande
parte do seu articulado a explicar como é que a Autoridade da Concorrência pode
intervir no mercado, quais os poderes sancionatórios que lhe são reconhecidos nos
termos deste diploma.

A Autoridade da Concorrência exerce os seus poderes sancionatórios, em defesa da


concorrência, sempre que estiverem em causa práticas restritivas – por serem
concertadas, por traduzirem abuso de posição dominante ou de dependência
económica – e quando as normas comunitárias sobre as práticas restritivas e o abuso
de posição dominante (arts. 101º e 102º TFEU) forem postas em causa, originando a
abertura do processo de contraordenação (art. 7º/2 LC).

O processo sancionatório vem descrito nos arts. 13º a 35º – é um processo que
permite a Autoridade da Concorrência obter inúmeras informações, os seus poderes
são, em certos casos, paralelos aos de uma autoridade policial ainda que, em regra,
para invadir o espaço de determinado agente económico dependa de mandato
judicial. Entre os diversos artigos que dizem respeito ao processo sancionatório, que
pode confinar-se à mera obtenção de informações, mas que pode implicar abertura
de inquérito, onde a Autoridade da Concorrência pode averiguar determinadas
práticas que entende que são menos corretas e decidir se há ou não ilícito
concorrencial.

Dentro dos poderes que lhe assistem vale a pena olhar para os arts. 18º e 19, onde
os poderes da Autoridade da Concorrência estão sintetizados – os poderes que a
aproximam de uma entidade policial, nomeadamente permitindo buscas domiciliárias,
isto é, nas empresas que estão no mercado e haja suspeita de que haja ilícito
concorrencial. No âmbito dessa intervenção (arts. 18º e 19º) tem poderes de
apreender bens (provas) e o que é interessante em matéria do processo sancionatório
é que a lei da concorrência permite a transação, medida muito anglo-saxónica.

Numa fase inicial, a Autoridade da Concorrência procede à abertura do inquérito (art.


17º), exerce os seus poderes de inquirição, busca e apreensão (arts. 18º a 20º) e de
eventual transação (arts. 22º e 23º), e conclui com uma decisão sobre o inquérito (art.
24º), que pode redundar no fim do processo:

1) Afinal não havia razão de ser e o seu inquérito é concluído com o simples
arquivamento – art. 24º/3, b).

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2) Por decisão condenatória, em procedimento de transação: pode por fim ao


processo de averiguação por uma decisão que pressuponha a dita transação,
procurando obter a confissão do ilícito concorrencial – procura uma intervenção
preventiva, no âmbito da qual o infrator reconheça que cometeu um ilícito ainda
que possa ter sido sem verdadeira consciência e há decisão condenatória no
procedimento de transação – art. 24º/3, c).
3) Arquivamento sob condições: proceder ao arquivamento do processo mediante a
imposição de determinadas condições – art. 24º/3, d).
4) Início da instrução: quando não há aceitação das condições, nem transação, nem
se justifica o arquivamento deste processo, então vai naturalmente para a
instrução do processo, na qual ainda é possível haver uma transação por parte
dos envolvidos, Vai-se procurar caminhar até uma decisão que irá ser aplicada
pela Autoridade da Concorrência.

Desta decisão há recurso judicial, precisamente para um tribunal especializado


(Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém) e, nos termos do
qual este tribunal visa apreciar os recursos das decisões condenatórias em matéria
de ilícitos concorrenciais. Dessas decisões do tribunal especializado há recurso para
o Tribunal da Relação que for competente e o processo termina na relação – temos
duas instâncias acima da Autoridade da Concorrência.

As sanções propriamente ditas, apesar dos poderes da Autoridade da Concorrência,


nos arts. 67º e ss, são fundamentalmente contraordenações e dão origem a aplicação
de coimas. Matéria de natureza administrativa e ilícito de mera ordenação social,
complementar à matéria da lei da concorrência.

Propriedade industrial
A natureza dos direitos privativos, que são de propriedade industrial, radica na
lealdade na concorrência, na lealdade que se possa verificar num comportamento dos
diversos agentes económicos do mercado. É importante ter em conta que estamos a
focar-nos num setor jurídico que integra ou se encontra paredes meias com outros
direitos, como o autoral, que se reconduz a um ramo mais vasto que é o da
propriedade intelectual.

Quando falamos da atuação dos agentes económicos do mercado, como este existe
em função dos destinatários finais (consumidores) temos de ponderar os interesses

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da oferta e da procura e temos de disciplinar o modo como aqueles que estão no lado
da oferta se comportam. O direito da propriedade é, de certa forma, anterior à
preocupação e autonomização do direito da concorrência, este começou a
autonomizar-se muito tardiamente (último quarto do séc. XX), na altura do mercado
único europeu, devido a preocupações com comportamentos padrão a evitar.

O mercado da concorrência envolve um paradoxo:

1) Por um lado, implica a liberdade de constituição de empresa e de produção de


bens e serviços.
2) Por outro, alicerça-se em monopólios, que são os direitos privativos da
propriedade industrial. Estes agrupam-se em duas grandes categorias:
a) Invenções.
b) Sinais individualizadores ou distintivos (de produtos ou serviços).

Na propriedade industrial há uma circunstância algo paradoxal: este reconhece aos


agentes a faculdade de poderem usar, a título exclusivo, certos direitos – direito que
se alicerça em situações de monopólio. São fundamentalmente as invenções e os
sinais individualizadores do comércio. Todos permitem diferenciar o empresário, a
empresa e os produtos que comercializam no mercado. Isto, pois, reconhecem o
direito de utilizar em exclusivo certas designações, ou de explorar em exclusivo certos
produtos, como as invenções (suscetibilidade de explorar um novo bem ou processo
de fabrico no mercado que não existia genericamente no mercado de forma exclusiva,
ou com as marcas quando comercializam certo bem com nome suficientemente
diferenciador para permitir a identificação desse bem ou serviço no mercado). Temos,
desse logo, um conjunto de faculdades reconhecidas a estes sujeitos que, procurando
a tal concorrência leal e sã, se vão basear em situações que, tendencialmente,
deveria combater que são as de monopólio, mas são as que justificam os direitos de
propriedade industrial.

A função económica do direito privativo é a de conceder um monopólio ao respetivo


titular e através do mesmo assegurar a lealdade de concorrência no mercado (art. 1º).
Na tutela da propriedade industrial é necessária a exploração económica do bem que
é objeto do direito privativo.

A propriedade industrial desenvolveu-se mais cedo, foi com o início da


comercialização e fabricação em massa que os agentes sentiram a necessidade de

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reservar para si processos de fabrico e exploração de certos produtos criados com


algo exclusivo para justificar a investigação tendente a obter esse efeito. Foi também
com essa fabricação e comercialização em massa que se aceitou que os produtos
que resultavam dessa produção eram produtos que o respetivo fabricante poderia
diferenciar no mercado através de designação exclusiva, a marca.

Antigamente o direito não tratava, mas também já reconhece produtos de marca


branca, ou seja, produtos que se diferenciam pelas caraterísticas ou qualidades, mas
sem designação que os distinga no mercado e a sua qualidade pode variar
substancialmente. Se regressássemos 2 séculos atrás, onde não havia produção em
massa, não havia diferenciação suficiente.

Este direito de propriedade industrial teve um primeiro código em Portugal em 1940,


quando se sentiu necessidade, o atual é de 2003. Tem uma função social que justifica
o modo como são reconhecidos no mercado. Logo no art. 1º vemos que: “A
propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência,
pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de
produção e desenvolvimento da riqueza” – seja reconhecendo um exclusivo uso de
um produto ou processo produtivo, seja reconhecendo as características inerentes a
determinadas designações, das quais as mais importantes são as marcas. Esta
função social condiciona muito a afetação e o reconhecimento destes direitos
privativos, de modo que não podem ficar por utilizar – a lógica é a da função social da
propriedade, deve ser utilizada, aproveitada. Por isso, estes direitos privativos
justificam-se pelo efetivo uso, utilização ou exploração dos ditos processos técnicos
de produção e desenvolvimento da riqueza, incluindo as designações inerentes de
bens e serviços transacionáveis no mercado.

No que diz respeito ao regime jurídico dos direitos privativos da propriedade industrial
são diversos os que estão estabelecidos no CPI, mas vamos falar fundamentalmente
de dois:

1) Invenções
2) Marcas

A tutela destes procedimentos técnicos e designações diferenciadoras implica, em


princípio, um determinado ato – o ato de registo. Para poder reservar apenas para
mim eu tenho de manifestar publicamente que o direito exclusivo ou de utilização

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exclusiva de exploração ou designação do bem me pertence. O registo é muito


relevante e pode processar-se a dois níveis:

1) Registo nacional – para o efeito temos o Instituto Nacional da Propriedade


Industrial.
2) Registo comunitário – normalmente é um registo estruturado de acordo com o
direito privativo que estiver em causa.

A concorrência desleal verifica-se em muitos casos de violação de direitos privativos,


mas pode ocorrer independentemente dela. A concorrência é desleal quando, perante
a situação concreta do setor de atividade em que o agente económico se movimenta,
não é admissível um ato que noutras circunstâncias seria lícito, por ser contrário aos
usos e práticas honestas do setor da atividade económica em que se insere. Está
pois em causa a concorrência num setor de atividade económica, que se deve
caracterizar por usos e práticas honestas e pela boa-fé dos agentes económicos
intervenientes, em termos de as respetivas ações serem conformes com os usos do
comércio a que respeitam.

Invenções
Invenções: produtos novos ou processos novos de fazer um produto já conhecido.

Constam dos arts. 51º e ss, em particular os arts. 51º e 55º. Tal como resulta da lei,
as invenções têm de constituir uma novidade e podem consistir num produto novo no
mercado, isto é, até ai não era comercializado, ou podem consistir num processo novo
de obtenção de um certo produto cuja composição já podia ser conseguida, mas esse
processo torna-o mais fácil.

As invenções são objeto de registo com uma designação especial: patente. Esta
confere ao seu titular o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do
território português (art. 101º/1). Aqui estão todas as realidades que surgem e
constituem novidade – ex: TV ou telemóvel. Se, porventura, conseguirmos melhorar
o processo de produção pode também ser patenteado. Para além desses bens temos
outras invenções que consumimos diariamente – ex: medicamentos – que também
são patenteáveis. O que se pretende com o registo é assegurar que quem a atingiu
vai poder explorar economicamente o valor de mercado desse mesmo bem, produto
ou processo de produção de um bem ou produto.

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Têm direito à patente o inventor ou os seus sucessores (art. 58º/1), pertencendo esse
direito à empresa no âmbito da qual a descoberta foi efetuada se esta tiver sido feita
durante a execução do contrato de trabalho no qual a atividade inventiva estivesse
prevista (art. 59º/1).

Há um direito privativo muito próximo das invenções: modelos de utilidade, art. 117º
– é uma diferença muito ténue, sendo as suas características parecidas às invenções,
pois têm de ser nova.

Para a invenção ser nova é preciso determinar se o produto já era ou não conhecido
do chamado estado da técnica, isto é, o patamar que a evolução técnica tinha
atingido. Art. 56º/1: situação em que se encontra cada sociedade do ponto de vista
técnico a cada momento, através dos produtos e dos processos de produção que já
são nela generalizados.

Tradicional, antes do Código de 2003, o que distinguia as invenções dos modelos de


utilidade era essencialmente a relevância que a descoberta tinha no mercado. Se
fosse impactante, que alterasse de modo sensível a vida das pessoas, então seria
invenção (ex: TV). Se é para facilitar, mas não é determinante é modelo de utilidade
(ex: saca-rolhas).

A invenção é uma descoberta – art. 51º/3.

O segundo aspeto sobre as invenções são os requisitos de patenteabilidade,


previstos no art. 55º.

1) Novidade, aferido em relação ao estado de técnica.


2) Implicar atividade inventiva, através de especialidade e peritos.
3) Suscetibilidade de exploração ou aplicação industrial, isto é, para que seja
registável tem de um bem ou produto que possa ser comercializado,
industrialmente explorado.

A patente pode ser utilizada por pessoa diferente do respetivo titular, através de um
contrato de licença.

A lei impõe a exploração económica da invenção, para que a mesma possa ser
socialmente aproveitada (art. 106º), impondo em certos casos a licença obrigatória
sobre uma patente (arts. 107º e 108º).

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O CPI estabelece o prazo findo o qual a patente se considera extinta, limitando a


duração da patente ao prazo de 20 anos (art. 99º), decorrido o qual a realidade
patenteada cai no domínio comum.

Marcas
A marca é um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica,
adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras
empresas. Ou seja, a marca é um sinal distintivo no comércio, permite diferenciá-lo
de todos os outros que visam publicitar bens, serviços da mesma categoria ou classe
que aquele que ela pretende diferenciar. As marcas estão previstas nos arts. 222º e
ss e, se olharmos para esse artigo, vemos que ela é constituída por um sinal ou
conjunto de sinais suscetíveis de ter representação gráfica.

Nos termos do art. 222º a representação gráfica pode ser em palavras (incluindo
nomes de pessoas), desenhos, letras, números, sons, forma do produto ou da
respetiva embalagem (ex: garrafa de Coca-Cola). A marca pode também incluir frases
publicitárias com caráter distintivo e, por isso, beneficiar da mesma tutela, nos termos
do art. 222º/2. O que a lei impõe é que estes sinais sejam adequados a distinguir os
produtos ou serviços de uma empresa.

Proteção da marca
Há circunstâncias (que são muito relevantes) em que as marcas têm tutela
independentemente do registo, e noutros casos, ou porque ainda não se procedeu ao
registo ou porque ela é tão conhecida que o legislador entende dispensar o registo.
Voltando a embalagem da Coca-Cola: se houver outra bebida que use o mesmo tipo
de embalagem a Coca-Cola vai reagir. Outra possibilidade é a embalagem ou as
cores (ex: aspirina). Quase todos os produtos de marca são objeto de registo.

A marca registada (anterior) tem proteção:

1) No plano do consumidor médio.


2) Relativamente a produtos concorrentes da mesma classe.

Se criar um produto e proceder imediatamente ao registo vou ter de fazer face aos
encargos e ainda nem sei se é viável economicamente. Como é um produto novo
nem tem reputação que lhe permita merecer tutela para além do espaço jurídico em
que é objeto de registo, o que significava que se eu quisesse por um produto no

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mercado teria de o registar em todos os ordenamentos jurídicos em que, um dia, o


comercializasse. A lei admite que um bem possa ser explorado sobre uma marca sem
ela estar registada, onde também se diz que a marca deve ser efetivamente utilizada.
É normal que eu queira reservar para mim o nome de um estabelecimento que eu
explore – ex: El Cortes Inglês. Se alguém vir um produto a dizer El Corte Inglês
associava imediatamente ao estabelecimento, logo pode haver alguma proteção
extensiva.

Podemos falar de uma tutela de facto da marca baseada na Convenção da União de


Paris e exprime-se na marca notória, na marca de (grande) prestígio e na marca de
facto (ou marca livre).

Se eu começar a explorar economicamente um produto e atribuir uma designação


nova, que não seja já existente, a lei concede a tutela da marca durante seis meses,
chamada a tutela da marca livre. A marca de facto ou marca livre é aquela que e
efetivamente utilizada antes de ser registada, valendo durante 6 meses,
independentemente de registo. A lei concede ao seu utilizado um direito de prioridade
para efetuar o registo. Ou seja, o que acontece é que se eu registar em 6 meses,
ainda que alguém se tenha antecipado, eu tenho direito de prioridade pois estava a
explorar um bem com essa mesma marca. Vem previsto no art. 227º/1 e o relevo do
registo está no art. 224º/1.

A existência de marca anterior é fundamento de recusa de registo de nova marca –


os fundamentos de recusa de registo estão nos arts. 238º e ss e também no art. 24º.
A marca visa diferenciar bens ou serviços que integram uma mesma categoria. O
direito da propriedade industrial estabeleceu categorias ou classes pois admite que a
marca de um detergente não se confunde com uma marca de eletrodoméstico. Para
isso, para que não houvesse esgotamento de marcas possíveis, admite-se que possa
haver marcas diferentes desde que os produtos ou serviços integrem as categorias
diferentes. Isto tem duas exceções no CPI: marcas notórias e marcas de prestígio.

Marca notória (art. 241º): é uma exceção que concede tutela a uma marca, ainda que
sem registo, quando ela for conhecida, do conhecimento geral dos utilizadores
daquele bem ou serviço, ainda que ela não tenha um prestígio suficiente para ser do
conhecimento da generalidade do mercado. Esta marca notória, mesmo não

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registada, permite obstar ao registo de nova marca a produto ou serviço da mesma


categoria ou classe.

Marca de prestígio (art. 242º): vai além, é conhecida pela generalidade dos
destinatários das mensagens no mercado. Por isso, a marca de prestígio é aquela
que deve obstar, no fundo, a um registo com a mesma designação de um bem ou
produto de qualquer espécie ou categoria, independentemente de estar ou não
registada no espaço jurídico onde se suscita o pedido de registo. É aquela que, pela
sua reputação e notoriedade geral, se afirma para além da classe a que respeitam os
produtos que diferencia. O que a caracteriza não é excecional qualidade dos produtos
que diferencia no mercado, mas o enorme significado que tem junto daqueles que se
situam do lado da procura, incluindo os consumidores que não dispõe de condições
para adquirir os produtos que ela identifica.

No fundo, pretendem-se evitar duas situações:

1) Que haja um aproveitamento da contribuição económica subjacente à construção


das marcas notórias e de prestígio e que possa haver confundibilidade.
2) Que possa haver destruição do valor da marca de prestígio – ainda que não
houvesse qualquer possibilidade das marcas serem confundidas pois os bens em
causa seriam diferentes.

Uma marca notória é conhecida num mercado restrito, como sejam os amortecedores
Koni (conhecidos no mundo automóvel) ou relógio Hublot. A marca de prestígio
destaca-se pelo conhecimento relevante e são produtos do mercado têm qualidade
superior à média: Dior, BMW, Mercedes, etc. Imaginem criar um pesticida “Chanel”.
Tudo situações de tutela independente do registo.

Outros direitos privativos da propriedade industrial


Há outros direitos privativos (todos sujeitos a registo, de forma a beneficiarem de
tutela efetiva) da propriedade industrial.

1) Logótipos (arts. 304º-A e ss): formados por sinais ou conjunto de sinais que podem
ser objeto de representação gráfica e que são constituídos por elementos
nominativos, figurativos ou ambos. É um sinal distintivo do comércio, composto
por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, formado
por elementos nominativos, figurativos ou ambos combinados (art. 304º-A/1), que

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identifica e diferencia a empresa com base num símbolo ou no respetivo


estabelecimento. Essencialmente devem ser utilizados para distinguir certa
entidade no mercado. O melhor exemplo é o nome do estabelecimento (ex: Pingo
Doce), mas podem ser outros tipos de representações gráficas, que correspondem
às antigas insígnias e que têm força suficiente para poder diferenciar uns produtos
de outros (ex: Nike), pois são muito diferenciadores que, quando há a tentativa de
contrafação existe também um ilícito criminal.
2) Recompensas (arts. 271º e ss): sinais que permitem diferenciar os produtos, que
correspondem a condecorações, medalhas, diplomas, etc. O exemplo mais típico
é o das medalhas, por exemplo, nas garrafas de cerveja ou de vinho, obtidas num
concurso, onde pretendem dizer “somos um bom produto, fomos reconhecidos
pelo mercado”. São os sinais distintivos atribuídos a determinados produtos em
certas circunstâncias pela excelência da respetiva qualidade, que permitem
distinguir esses bens de produtos de classes idênticas.
3) Denominações de origem e indicações geográficas (arts. 305º e ss): em certas
situações o nome da região ou local determinado assume tanta importância para
designar ou identificar produtos que esses produtos mereçam determinada tutela,
como sejam vinho do Porto ou queijo da Serra. Consistem no nome de uma região
ou de um local determinado (e excecionalmente de um país) para designar ou
identificar um produto.

Concorrência desleal
Como reagia o mercado em 1940, no ano da primeira codificação e sistematização
em Portugal, quando havia praticas menos adequadas? Já aqui havia uma
preocupação com a concorrência desleal, naquele caso na que pudesse resultar da
intervenção dos agentes económicos cujos direitos são tutelados pelo CPI,
especialmente nos casos onde não conseguíssemos chegar à conclusão que estava
em causa a violação do direito privativo da propriedade industrial, isto é, nos casos
em que pudéssemos chegar à conclusão que, eventualmente, só podíamos evitar a
comercialização de determinado bem no mercado por tal ato poder corresponder aos
usos honestos, de uma sã e leal concorrência no mercado.

E é essa concorrência desleal a lei hoje reserva o art. 317º, considerando como ato
de concorrência desleal “todo o ato que seja contrário às normas e usos honestos de
qualquer ramo da atividade económica”. É o padrão do ramo da atividade económica

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que vai determinar se o ato é ou não adequado. O art. 317º tem exemplos de atos
contrários de usos contrários:

1) Suscetíveis de criar confusão


2) Falsas afirmações feitas no âmbito no exercício da atividade económica para
desacreditar o concorrente (ex: escarnecer as qualidades do produto concorrente
para salientar as qualidades de produto próprio)
3) Invocações de referências não autorizadas que visem beneficiar de crédito ou
reputação alheios
4) Falsas indicações de proveniência
5) Supressão da denominação de origem para evitar que, quando a revelar, o bem
transacionado não tem a qualidade que é suposto

Existe concorrência desleal, independentemente da violação de direitos privativos da


propriedade industrial.

A atividade económica deve ser idêntica ou afim. O critério para determinar a


identidade ou afinidade é o de tipo de necessidade que os bens visam satisfazer:
relação de substituição e de complementaridade. Há, por isso, eu procurar o mesmo
tipo de clientela.

Com a repressão da concorrência desleal procura-se assegurar o regular


funcionamento do mercado, sancionando condutas e posicionamentos
essencialmente individuais que se revelem prejudiciais ao desenvolvimento do
comércio e ao são e leal relacionamento dos agentes económico que são
concorrentes, ainda que não sejam necessariamente prejudicados. Nessa medida, o
reconhecimento da necessidade de reagir contra a concorrência desleal prece a
defesa da concorrência e justifica-se para além dela, impondo deveres de conduta a
quem intervém no mercado pelo lado da oferta.

Alargamento da tutela dos direitos privativos por via internacional


Os direitos privativos não se podem proteger apenas no território nacional, pois assim
a exploração num outro mercado não era proibida. Pode-se fazer proteção
internacional em vários estádios (ex: patente europeia, no plano da UE). Há diversas
convenções e tratados que vêm do séc. XIX, como a convenção de Paris sobre firmas
e nomes de estabelecimentos ou a de Madrid sobre as marcas.

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Hoje há acordos mais recentes que visam alargar a proteção do bem para além do
espaço jurídico em que ele nasce, que uma invenção ou marca nova venha a designar
um produto que não é de notoriedade, mas poderá sê-lo ter proteção fora do espaço
jurídico onde nasceu. Os tratados visam uma resposta unitária a nível internacional.

A equiparação da regulamentação da propriedade industrial prosseguida por tratados


internacionais teve a sua origem na Convenção da União de Paris (1883), que
estabeleceu dois princípios fundamentais:

1) Princípio da tutela mínima (internacional): a proteção faz-se diretamente nos


países membros, independentemente dos agentes económico terem
estabelecimento num certo país.
2) Princípio da equiparação (art. 3º): estende a tutela aos empresários que não sendo
nacionais de um país membro, nestes tenham um estabelecimento.

02.Outubro.2018 Prática

03.Outubro.2018 Teórica

Empresa comercial
A empresa constitui o substrato do sujeito de Direito Comercial, cuja atividade é
necessariamente empresarial, mas não se confunde com as pessoas que em cada
momento seja titulares dos bens que integram a sua organização, nem com as formas
jurídicas que em cada momento as enquadram – isso vão ser os sujeitos
propriamente ditos. Isto é, a empresa pode na realidade ser detida por sujeitos
individuais e por sujeitos coletivos, que correspondam a formas jurídicas de
imputação de efeitos de direito, que a ordem jurídica reconhece como autónomos
relativamente a quem para eles contribua relativamente às pessoas singulares.
Quando olhamos para essas entidades, olhamos para elas posicionadas no mercado
de uma forma estável e articulada, de uma forma que possam constituir uma
referência não apenas nas atividades que se proponham a realizar, mas relativamente
a todos aqueles que em cada momento a venham a integrar.

Por sua vez, o estabelecimento comercial é a referência espacial da atividade de um


determinado sujeito de Direito Comercial e não se confunde com a empresa – pode
ser parte dela, mas não se confunde com a empresa. É correspondente à objetivação
dos meios que a empresa irá utilizar de forma estável no exercício dessa mesma

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atividade empresarial ou económica que a caracteriza. Hoje esta referência espacial


sofre uma mitigação pela evolução tecnológica que assistimos constantemente, por
isso, o espaço físico e geográfico que tradicionalmente o caracterizava – a lógica do
local onde se exerce uma certa atividade com natureza comercial (espaço físico
vulgarmente designado por loja, armazém, fábrica). A evolução tecnológica está a
abrir um claro espaço para os estabelecimentos que existam apenas na internet, isto
gradualmente revolucionará o modo como o próprio estabelecimento comercial deve
ser encarado.

Empresa comercial em sentido amplo ou lato: é uma organização autónoma e


intencional de meios (humanos e materiais), que sejam aptos à realização do fim útil
e que existe para um determinado mercado.

Empresa comercial em sentido mais restrito, essencialmente económico: organização


produtiva ou mediadora de riqueza, que exerce de forma estável, uma atividade
económica em função do mercado a que se dirige, isto é, em função do mercado para
o qual foi criada.

Se em termos amplos e restritos conseguimos arranjar conceitos úteis de empresa, a


verdade é que em termos jurídicos não há um conceito uniforme de empresa. Porque
caberia ao Direito na ordenação da vida social poder preocupar-se em encontrar um
conceito que fosse uniforme, e em função desse conceito definir a empresa como
uma entidade produtora ou distribuidora de bens ou serviços para o mercado, de
forma que fosse inequívoca e absoluta para qualquer ramo de atividade. Para o
Direito não há:

1) Uma definição unitária de empresa.


2) Há dificuldade em definir o estatuto jurídico para a empresa – vamos chegar à
conclusão que a empresa se caracteriza por ter um estatuto único em qualquer
ramo de direito.

É natural que em qualquer ramo do direito, consoante o ramo que esteja em causa,
se possa acentuar a vertente que mais importa a esta organização que existe para o
mercado. Para o Direito do Trabalho vertente que se acentua mais é a vertente
institucional, isto é, preocupa-nos, nos meios produtivos que constituem esta
empresa, essencialmente os meios humanos. As pessoas que estão ligadas ao titular
da empresa através do contrato individual de trabalho. Se procurarmos analisar a

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empresa no âmbito do Direito do Trabalho, vamos ver que a preocupação do direito


do trabalho tem a ver com uma vertente, que hoje está a ganhar terreno no âmbito do
direito comercial e do direito societário: o da estabilidade desses meios humanos num
contexto dessa mesma organização de fatores produtivos. Estabilidade associada à
transmissão do estabelecimento no qual desenvolvem a sua atividade os
trabalhadores – na penúltima alteração do Código do Trabalho (arts. 285º e ss)
determinou-se que os contratos de trabalho acompanham o estabelecimento a que
se reportam. Isto na lógica da transmissão do estabelecimento vem dificultar a
mesma. Em alguns casos até à venda das próprias sociedades. Atualmente a
preocupação, com a alteração do DL nº 14/2018, deixou de ser apenas que os
contratos de trabalho acompanhem o estabelecimento, mas permitir também deduzir
uma oposição à transmissão do próprio estabelecimento, art. 286º-A CT – espelha o
direito de oposição.

No plano fiscal não há nenhuma definição de empresa, porque aquilo que caracteriza
a preocupação do Direito Fiscal é relativamente ao sujeito do Direito Comercial, neste
caso do direito tributado.

No contexto essencialmente jurídico-comercial, a relevância desta realidade suscita-


se em diversos níveis, tem a ver com o facto de se discutir se essa realidade pode ou
não ser um centro de imputação. E, depois de um modo geral, ela pode ter relevo na
ordem jurídica, mas sem que seja necessariamente um centro autónomo de
imputação para efeitos jurídicos.

Há diplomas que concetualizam de forma simplificada o conceito de empresa. É o


que se passa com o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIR) – este
considera empresa “toda a organização de capital e de trabalho destinado ao
exercício de qualquer atividade económica”, art.5º CIR. Esta redação abrange quase
todas as realidades. Também na Lei nº 19/2012, de 8 de Maio temos um conceito de
empresa constante do seu art. 3º/1: “qualquer entidade que exerça uma atividade
económica, que consista na oferta de bens e serviços num determinado mercado,
independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de funcionamento”.
Independentemente do seu estatuto jurídico, isto é, da forma jurídica que apresente.
Seja pertencente a uma pessoa singular, seja pertencente a uma pessoa coletiva. Art.
3º/2: “considera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora

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juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantêm entre si laços


de interdependência decorrentes, nomeadamente: a) De uma participação maioritária
no capital; b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de
participações sociais; c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros
do órgão de administração ou de fiscalização; d) Do poder de gerir os respetivos
negócios” – alínea d) vertente do contrato de subordinação, pelo qual uma empresa
que é totalmente autónoma de outra assume a sua direção efetiva por acordo. Isto
pode ser relevante porque se por alguma razão o legislador estabelecer o cálculo de
uma sanção aplicável em função do volume de negócios da empresa, isto significa,
que em vez de estar a pensar naquela unidade económica produtiva individualmente
considerada, ele pode estar a imputar a todo o volume de negócio do conjunto das
empresas que se agregam por esses tais laços de interdependência. O conceito de
empresa do direito de insolvência para o direito de concorrência varia completamente.

No plano comercial temos de olhar para a legislação comercial propriamente dita.


Falamos do plano jurídico-comercial porque a insolvência e concorrência integram
esse plano no sentido lato, mas há um contexto comercial propriamente dito. Portanto,
como é que a nossa legislação, nesse contexto olha para esta realidade? Título IV
que tem como epígrafe “empresas” – refere não apenas empresas comerciais, mas
também empresas civis.

Art. 230º Código Comercial


Art. 230º Código Comercial: esta regra é entendida de forma diferente pela doutrina
e tem suscitado grandes divergências. Este artigo procura determinar que empresas
são comerciais: “Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou coletivas,
que se propuserem (à prática das seguintes atividades)”. Há desde logo uma
diferença relativamente a tudo o que dissemos até hoje na caracterização do Direito
Comercial. Falámos da prática de atos, não falámos da prática de atividades. Os atos
são contratos, por isso aquilo que caracteriza um comerciante (art. 13º) era ser aquela
pessoa que se dedicava profissionalmente à prática quotidiana de atos de comércio,
de contratos comerciais. O art. 230º vem falar em atividade – é a única norma do
Título IV. Depois é logo o Título V onde temos uma série de atos. Logo a questão que
se colocou foi a seguinte: se os títulos que se seguem ao Título IV são títulos sobre
atos comerciais, será que um Título IV é mais um ato comercial ou será que é,
diferentemente, uma norma qualificadora? Uma atividade por definição é um conjunto

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articulado e concatenado de atos que são da mesma natureza – ex: a atividade de


compra e venda é o conjunto de atos de compra e venda que são praticados em série
com frequência. Portanto esse aspeto da atividade do art. 230º é inovador
relativamente ao que encontramos nos arts. 2º e 13º. Mas em relação ao que
encontramos nesses artigos há uma outra questão que é essencial, que tem a ver
com a palavra mágica do art. 230º, que é “propuserem” – no art. 13º para que alguém
seja comerciante é preciso praticar diariamente atos de comércio e isso só acontece
a partir do momento em que abrimos as portas do estabelecimento. Só a partir desse
dia é que temos alguém apto a qualificar-se como comerciante para efeitos do art.13º.

O art. 230º faz mais porque diz que haver-se-ão por comerciais as empresas,
singulares ou coletivas, que se propuserem – isto é, quando elas tiverem intenção de
vir a fazer aquilo já são comerciais. Ou seja, quando se estão a organizar já são
comerciais.

Primeira grande divergência da doutrina:

1) Teoria dos atos de comércio: quem considerar que a única norma qualificadora da
matéria mercantil está no art. 2º, que se deve conjugar com outros artigos porque
há vários atos de comércio que só se definem por acessoriedade, pela sua
conexão com os outros, então para esses o art. 230º tem uma vantagem, pois vai
permitir alargar os atos de comércio – vai permitir reconduzir ao Direito Comercial
certos contratos que não estavam especialmente regulados se o art. 230º não os
acolhesse. Isto é relevante pois se olharmos para o art. 230º, 1º está lá o setor
secundário da economia.
Só que a preocupação do legislador, dizem essas pessoas, é que aqui não vale a
pena pensarmos num ato isoladamente considerado, porque o que está em causa
é uma atividade porque, por exemplo, não é concebível ter uma fábrica para fazer
um único ato.
Para estes nunca se colocará o problema da autonomia da empresa porque ela é
mais um ato, mas é um ato que tem aqui de configurar a forma de atividade. É um
mero alargamento dos atos de comércio tal como são configurados.
2) Leitura mais moderna – teoria jurídica da empresa31: defende que o art. 230º é
uma norma qualificadora autónoma, que existe em paralelo com o art. 2º, não

31 No nosso país teve como expoente máximo Paulo Sendin.

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sendo uma extensão deste. Este artigo tem uma vertente subjetiva, porque
qualifica um empresário, não qualifica apenas um ato ou uma atividade – porque
fala das pessoas singulares ou coletivas, esta regra qualifica o empresário
comercial e fá-lo de tal modo que os parágrafos que estão no final deste artigo
excluem a comercialidade de determinadas realidades que aqui podiam estar.
Este artigo ao falar do empresário, não é indiferente o papel que ele tem e a
concretização que ele propõe para os meios que vão integrar esta realidade
económica – os tais fatores de produção vão integrar esta realidade económica.
Isto é uma forma de dizer que relativamente aos mesmos meios, mesmo conjunto
de fatores produtivos, o papel do empresário pode ser determinante. Uns
empresários configurariam esses meios de um modo e teriam um certo resultado,
e outros configurariam de outro modo.
Por isso, quem olha para o art. 230º deste modo vai olhar de forma mais ampla
porque vai considerar que quando o artigo enuncia uma série de atividades que
uma pessoa se propõe realizar, e o artigo permite, por isso, qualificar quem é um
empresário comercial. Na realidade este artigo é suscetível de interpretação
analógica. Portanto, caberá aqui neste artigo todas as atividades nele enunciadas
e, para além dessas, também serão comerciais todas as que se pudessem
reconduzir ao art. 230º de acordo com os critérios que se podem extrair desta
regra. É aqui que o prof. POC acha que esta teoria vai um pouco longe demais.

Construção de um conceito jurídico de empresa


Vistas estas 2 grandes lógicas de abordagem desta matéria, vamos analisar outra vez
o conceito de empresa e vamos ver como se pode abordar esse conceito.
Tradicionalmente há 4 perfis que permitem recortar a empresa se ela fosse
materializável:

1) Conceção subjetiva: nessa medida a empresa confunde-se com o empresário. Há


uma identificação da empresa com o sujeito do direito, quer seja uma pessoa
singular ou coletiva. Quando se diz que a empresa se confunde com a pessoa do
empresário, está-se a dizer que a empresa se confunde com quem arriscou o
capital que foi necessário para a constituir. É por isso que a teoria jurídica da
empresa pretende reconhecer uma autonomia como sujeito à própria empresa, se
a empresa se confunde com a pessoa jurídica que está na sua base, então a
empresa é a própria pessoa que exerce aquela atividade económica de produção

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ou mediação de bens e serviços para o mercado. Por isso, a empresa assume de


facto uma dimensão de sujeito de direito, mas é sujeito de direito na medida em
que o empresário também o é. Sendo que quando o empresário é plural, temos
de nos recortar à realidade que eles conseguem formar, que é o que designamos
como uma sociedade comercial.
2) Sentido objetivo: este é o sentido que mais classicamente corresponde à teoria
dos atos de comércio. É a empresa como atividade económica exercida pelo
empresário, é uma atividade exercida de forma sistematizada, com caracter
planeado, com a finalidade de produzir bens e serviços para o mercado que se
destinam. Não estamos a pensar numa realidade estaticamente formada, mas sim
numa realidade dinâmica. Por isso, neste sentido objetivo a empresa assume uma
realidade dinâmica.
3) Sentido estático: atendemos ao conceito de empresa tendo em conta o seu relevo
patrimonial – aqui é o aspeto material da empresa que releva. Esse aspeto
material corresponde ao conjunto de bens ou direitos, respeita ao próprio
estabelecimento que foi criado pelo empresário – espaço (físico ou não) no qual
ele exerce a sua atividade. Nesta medida, a empresa caracteriza-se por conjugar
a diversidade dos meios que concorrem para a produção. Por isso, para quem
entender a empresa nesta perspetiva, a empresa acaba um pouco por ser
sinónimo de estabelecimento.
4) Perspetiva institucional: a empresa é uma organização de pessoas em posições
diferentes de uma determinada hierarquia, exercem uma certa atividade
económica, mas aqui temos de acrescentar em relação ao que dissemos antes, o
papel do empresário. Isto é, da pessoa que predispõe e organiza toda a
comunidade de trabalho. É uma lógica meramente institucional.

Olhando para estes quatro perfis classicamente estabelecidos, o prof. POC diria que
nenhum deles é suficiente. São aspetos parciais de abordagem de uma realidade que
deve ser vista de forma compreensiva. Como? Por um lado a empresa é uma
organização, mas é uma organização dinâmica, em permanente mutação. É uma
organização dinâmica que não se pode diferenciar nem do seu titular, nem do
estabelecimento que a integra. Portanto o prof. POC considera mais correto dizer que
a empresa congrega dois fatores:

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1) Fator pessoal: para além de toda a componente institucional, salienta o efeito que
na direção das pessoas e dos demais fatores produtivos tem a empresa.
2) Fator patrimonial: constituído por todos os bens e elementos que têm um valor
económico e que estão unificados pela função unitária a que se dirigem. Nestes
bens estão bens corpóreos, mas também bens incorpóreos. Portanto neste
conceito de bens, cabem determinados direitos como os privativos da propriedade
industrial que respeitam a realidades imateriais (ex: marca e logótipo).

Se a empresa congrega estes dois fatores, então a atividade, que para alguns
constitui a própria empresa, é o objeto da empresa, consiste no funcionamento
articulado destes fatores.

Mas a verdade é que se olharmos para o art. 230º chegamos à conclusão que este
apenas exige como requisito de comercialidade a organização. As empresas são
aquelas que se propuserem, aquelas que se organizarem, para a prática de
determinadas atividades. Este artigo não apela necessariamente ao funcionamento,
mas esse é implícito das atividades que aquela organização irá exercer.

O relevo da empresa, na lógica que aqui seguimos, de uma sua qualidade, o


aviamento – é um conceito que explica que a empresa é mais do que a simples soma
dos seus componentes. É a expressão unitária da congregação desses elementos,
como uma realidade única. Por isso, a estruturação dos fatores que a integram
conferem um maior valor do que aquele que resultaria da simples soma dos
componentes, se eles fossem individualmente considerados. Esta qualidade
decompõe-se em duas vertentes claras:

1) Vertente objetiva: o aviamento é o maior valor patrimonial que resulta da


organização dos fatores produtivos que integram o estabelecimento. Isto é, o
aviamento é a mais-valia que resulta da boa conjugação de todos aqueles
elementos, que proporcionam ao conjunto um valor superior do que aquele que
eles teriam, individualmente considerados. E é isso que vai relevar no momento
em que pretendemos transmitir o estabelecimento, a realidade patrimonial que
integra a empresa. É porque estamos a transmitir uma organização adequada
desses fatores.

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2) Vertente subjetiva: é o maior valor que é proporcionado pela estrutura humana


que compõe a empresa e resulta essencialmente da atividade empresarial.
Resulta da personalização da empresa, e nesse aspeto não se dissocia do
contributo de todos os seus elementos (pessoas humanas), mas resulta também
das chamadas qualidades do empresário e da sua capacidade organizativa, das
suas ideias e conhecimentos, da inovação que pode trazer àquela realidade e,
eventualmente, de segredos que possa ser titular. Esses segredos que estão
normalmente tutelados pela propriedade industrial. Este aviamento subjetivo é a
projeção do empresário sobre a empresa relativamente aos tais fatores, que em
si, objetivamente, já têm um relevo. Diferencia-se do aviamento objetivo? Sim
claro, se eu transmitir o estabelecimento, eu como empresário, eu só transmito o
aviamento objetivo, visto que no objetivo os meios humanos também são
componente.

Depois de olhar para estas realidades todas, há um aspeto prévio: os autores


procuram-se identificar com uma das vertentes, porventura, mais que uma. Alguns
acentuam mais a lógica da atividade. Outros acentuam mais a lógica subjetiva, da
empresa como qualificadora do sujeito. Outros olham para a empresa como
estabelecimento – lógica patrimonial

Análise do art. 230º


Então como é que olhamos para o art. 230º? Qual o significado deste artigo?

Constata-se que o art. 230º ampliou os atos de comércio, pois nele não estão
previstas todas as empresas, mas apenas as que não resultavam já de atos de
comércio objetivos previstos no Código Comercial ou em legislação avulsa. Por outro
lado, o art. 230º ao qualificar determinadas empresas como comerciais parece
acentuar os aspetos subjetivo e objetivo da empresa, que decorrem respetivamente
da referência expressa a “pessoas singulares ou coletivas que se propuserem” e do
facto da qualificação comercial das várias empresas ser feita pela atividades que têm
em vista realizar.

As exceções do art. 230º, os parágrafos, vêm-nos dizer que há determinadas


empresas que não são comerciais. O prof. POC não defende uma interpretação por
analogia sem restrição, embora admita uma certa analogia legis, não defende uma

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analogia iuris, porque dessa resultaria que todas as realidades caberiam no art. 230º
se não fossem excluídas pelas exceções.

Vamos agora olhar par as diversas atividades enunciadas no art. 230º:

1) Art. 230º/1: “Transformar, por meio de fábricas ou manufacturas, matérias-primas,


empregando para isso, ou só operários, ou operários e máquinas” – aqui quer-se
dizer que a indústria transformadora, que não é intermediadora no sentido
económico, não integra o sector terciário da atividade económica, também
contribui para determinar a natureza de uma realidade, que passa a estar sujeita
ao Direito Comercial.
2) Art. 230º/2: “Fornecer, em épocas diferentes, géneros, quer a particulares, quer
ao Estado, mediante preço convencionado” – isto é uma atividade fornecedora de
bens ou serviços que não se reconduza a prestações de facto, que não se
caracterizem por ser individualizados.
3) Art. 230º/3: “Agenciar negócios ou leilões por conta de outrem em escritório aberto
ao público, e mediante salário estipulado” – aqui está em causa a chamada
agenciação, isto é, a prática de atos materiais em nome de outrem. Quem se
propõe a vender bens que são produzidos por uma outra pessoa. Ex: promove
uma atividade de agenciação um estabelecimento que aliena bens que são
produzidos por uma outra entidade.
4) Art. 230º/4: “Explorar quaisquer espetáculos públicos” – teatros, concertos,
cinemas, desportos, etc. Relativo à promoção de espetáculos públicos. As
cadeiras distribuidoras de radio, televisão integram-se aqui por interpretação
extensiva, dado que não existiam em 1888.
5) Art. 230º/5: “Editar, publicar ou vender obras científicas, literárias ou artísticas” –
qualifica a atividade editorial. Não estamos a falar de ser o autor das obras a editar
as mesmas, isso está excluído pelo parágrafo 3º. Tem de ser uma entidade que
edite obras de outros. Por interpretação extensiva cabem aqui a indústria
discográfica, cinematográfica, teledifusão, radiodifusão e informática.
6) Art. 230º/6: “Edificar ou construir casas para outrem com materiais subministrados
pelo empresário” – toda a atividade de empreitada cabe aqui, desde que os
materiais utilizados sejam fornecidos pelo empreiteiro 32. Também este é

32Cunha Gonçalves tem uma opinião diversa: a aplicação deste art. 230º/6 está dependente apenas da existência de uma
empresa cujo objeto seja edificar ou construir.

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suscetível de interpretação extensiva, porque não é apenas relativamente às


casas que temos uma atividade comercial. Neste parágrafo está presente um fator
determinante, que relativamente a outras atividades só vamos encontrar nas
exceções, o chamado risco do capital que caracteriza a atividade comercial. A
atividade comercial caracteriza-se pelo risco do capital do empresário. Aqui está
o risco do capital porque na empreitada prevista neste parágrafo, o empresário
constrói e edifica com materiais que ele próprio avança, sofre o risco da sua
atividade. Vemos no CC, que o que caracteriza a empreitada é que os materiais
são subministrados pelo dono da obra – portanto, o empreiteiro civil não corre o
risco.
7) Art. 230º/7: “Transportar, regular e permanentemente, por água ou por terra,
quaisquer pessoas, animais, alfaias ou mercadorias de outrem.” – reporta-se à
atividade transportadora. Não temos aqui o transporte aéreo ou espacial, mas
cabem aqui por interpretação extensiva.

Dos parágrafos do art. 230º resultam empresas que este artigo exclui da
comercialidade:

1) Empresas agrícolas, que visam produzir e alienar os bens que resultam do


chamado fator terra e empresas acessórias das empresas agrícolas, que existam
para transformar os bens que resultam das empresas agrícolas, estão delas
dependentes. O seu funcionamento está dependente do risco da empresa
agrícola, que é o risco do fator terra – risco climático. Não estamos a falar de todas
as empresas transformadores de empresas agrícolas, mas apenas daquelas que
estão dependentes de uma empresa agrícola. Essas são acessórias dessas
empresas e, como tal, desqualificada como empresa comercial. A razão de ser
desta exclusão legal reside no facto de a sua força produtiva dominante ser a terra
(riscos naturais).
2) Pequena empresa não pode ser comercial porque é uma empresa que vive
essencialmente do trabalho das pessoas que nela participam. Ou seja, a razão de
ser da sua exclusão baseia-se na preponderância do fator trabalho, em detrimento
do risco de capital. O nosso Código ao falar da “pequena empresa” utiliza um
critério delimitador: o exercício direto da atividade empresarial. Ex: pequenas
oficinas, bancas de jornais, etc.

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3) Artista que edite as suas próprias obras. O raciocínio é análogo ao da pequena


empresa: encontrando-se a empresa essencialmente dependente da produção
literária do empresário, se este cessasse a sua atividade intelectual a empresa
parava. Há uma sobreposição do risco do fator trabalho ao fator capita.
Ao analisarmos as exceções e as confrontarmos com o disposto no art. 230º,
concluímos que a empresa comercial se caracteriza pelo risco de capital que o
empresário assume. Isto significa que, na organização da empresa comercial, tem
papel de relevo o fator capital, o qual se destaca no risco da atividade da empresa.

Na opinião do prof. POC aceitar a analogia equivaleria a reduzir o conteúdo do art.


2º, 2ª parte aos atos acessórios do comerciante não empresário. O art. 230º só é
suscetível de interpretação extensiva, porque também prevê, sob a forma de
atividade, atos de comércio que não estão previstos isoladamente, quer em
disposições do Código Comercial, quer em legislação avulsa.

Do art. 230º resulta que a empresa comercial se caracteriza, essencialmente, pelo


risco do capital.

09.Outubro.2018 Prática

Parte I
Hipótese 1
Alberto é educador de infância estando casado com Elvira, que trabalha como
manicure num espaço cedido dentro de um supermercado. Como as suas vidas não
andam a correr muito bem, decidiram abandonar a sua anterior profissão e tornarem-
se empresários de pastelaria. Alberto é um excelente pasteleiro e tem um amigo de
infância que vive na província produzindo cereais de todo o tipo, muito apetecíveis
nas pastelarias lisboetas. Esse seu amigo (Cristiano) vem todos os dias a Lisboa
trazer os cereais encomendados por Alberto. A pastelaria foi logo um enorme
sucesso, mas este foi abruptamente interrompido pela instalação, a 50m, de uma loja
da “Padaria Portuguesa” que, por se integrar numa rede de franchising, conseguia
praticar preços muito competitivos; ficando o negócio de Alberto em dificuldades.
Suponha agora que a Padaria Portuguesa celebrou um contrato com Cristiano nos
termos do qual Cristiano forneceria cereais à Padaria e se vinculava a comprar bolos
e pão da Padaria Portuguesa, que iria revender ao público na sua região, assumindo

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o compromisso de o fazer de acordo com a política comercial da Padaria Portuguesa


e sujeito ao controlo desta.
a) Cristiano é comerciante, de acordo com a TAC? E de acordo com a TJE?
A teoria dos atos de comércio (TAC) tem a ver com o art. 2º, 1ª parte do Código
Comercial e com uma norma especial. A TAC vem dizer que um ato é comercial
quando:

1) Esteja regulado no Código Comercial (art. 2º).


2) Não seja desqualificado como comercial.

O art. 13º vem definir quem é comerciante, sendo que para tal tem de praticar de
forma profissional atos de comércio. Os atos objetivos absolutos podem, segundo
esta teoria, ser praticados tanto por comerciantes como por não comerciantes. Se
fossem subjetivamente comerciais teriam de ser praticados por comerciantes.

Imaginemos um comerciante de automóveis, que pratica atos objetivos absolutos que


lhe atribuem a qualidade de comerciante. No entanto pode ainda assim praticar atos
que caiam no art. 2º, 2ª parte. Mesmo algumas doações podem ser consideradas
comerciais, pois têm uma função comercial acessória, há um interesse subjacente,
esses atos são comerciais porque cabem no art. 2º, 2ª parte.

Até há uns anos as convenções antenupciais tinham de ser registadas no registo


comercial, isto porque as dívidas comerciais se presumiam em proveito comum do
casal, exceto no caso de separação de bens.

A instituição de uma fundação por um comerciante é um ato de natureza pessoal, e


os atos desta natureza são, via da regra, exclusivamente civis.

Mais difícil é quando o art. 2º diz “e o contrário não resultar do próprio ato”.
Imaginemos que um comerciante compra um computador, há no art. 2º, 2ª parte deste
artigo uma presunção de comercialidade, pois se não verificarmos aqueles requisitos
presume-se comercial. A lei diz que tem de resultar das circunstâncias em que é
praticado que ele é alheio à atividade comercial, isto para atos que apesar de não
dizer respeito a atividade profissional são com eles conexos – ex: material informático
para stand de automóveis.

Até agora vimos a TAC. Quanto à teoria jurídica da empresa (TJE): neste caso, C não
é comerciante porque a agricultura não é um ato comercial, uma vez que o art. 230º

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vem excluir o explorador rural da prática de atividade comercial. Há ainda outras


atividades excluídas, as acessórias da agrícola e a pequena empresa, essas são
atividades civis. Estas práticas são excluídas porque na agricultura o principal risco é
o climatérico, nas atividades da pequena empresa a questão coloca-se pois o fator
dominante é o fator do trabalho das poucas pessoas que nela trabalham, o risco
centra-se na pessoa do empresário, sem ele não há atividade. Nesta teoria para haver
atividade comercial tem de haver risco de capital e um atividade virada para o
mercado.

Para a TAC é comercial o que está expressamente previsto na lei, negando-se a


interpretação extensiva ou a aplicação analógica. Já a TJE vem dizer que as
atividades económicas que interessam são as que se desenvolvem em função do
mercado, têm risco de capital, visam o lucro, mas dentro de um certo mercado,
tendencialmente concorrencial, dai que o cerne da classificação passe a estar
centrado no art. 230º que alargou o âmbito das atividades económicas para áreas
diferentes da mera intermediação, encontramos atividades industriais,
transformadoras e prestadoras de serviços, o comércio em sentido jurídico. Para a
TJE são comerciais todas as atividades económicas que satisfaçam estes requisitos,
ainda que não expressamente consagradas no art. 230º.

Muitos autores defendem que, no âmbito da TJE, esse alargamento das atividades
económicas para o domínio comercial se pode fazer também por analogia.

10.Outubro.2018 Teórica

Empresa comercial
Art. 230º Código Comercial
Estávamos a analisar o art. 230º. Para já o que importa saber é que o art. 230º, na
doutrina, está longe de ser pacífico. De um modo geral, quando se olha para o art.
230º fazemos um prolongamento da leitura que temos dos arts. 1º e 2º. Isto é, a maior
para dos autores clássicos olha para o art. 230º e diz que o Código Comercial tem
uma norma qualificadora, que é o art. 2º, que nos diz o que são atos de comércio. E
diz que o art. 1º do Código Comercial irá reger os atos de comércio
independentemente de quem os praticar – perspetiva objetivista. Quando a doutrina
clássica chega ao art. 230º, tenta ver nele um prolongamento daquilo que está no art.

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2º. Curiosamente, o art. 230º corresponde a um título – o Título IV do Código


Comercial só contem o art. 230º.

Então como é que perspetivamos o art. 230º? Há várias leituras:

1) Sendo verdade que eventualmente se descobre aqui um outro sujeito de Direito


Comercial, o empresário33, se olharmos para o art. 230º vemos que este também
desenvolve aquilo que devem ser atividades objetivamente comerciais – com uma
diferença: a atividade é o conjunto de atos que se encontram concatenados,
articulados entre si, que têm como característica corresponderem a atos da
mesma natureza. Ex: conjunto de atos de compra e venda – atividade de compra
e venda.
2) Por outro lado, há quem entenda que o art. 230º visa, fundamentalmente, qualificar
o comerciante pela prática destas atividades comerciais. Ou seja, olha-se para o
art. 230º e diz-se que ele amplia, não o conceito de atos de comércio constantes
do art. 2º, mas olhando para o art. 13º, procurando qualificar como comerciante
as realidades que praticam as atividades que o próprio art. 230º enuncia. Portanto,
o art. 230º amplia o art. 13º, procurando qualificar como comerciante as realidades
que praticam as atividades que ele próprio enuncia.
3) Há outro que, indo mais longe, dizem que o art. 230º procede à qualificação de
empresas comerciais e, no fundo, ao fazê-lo, vai também ampliar os atos de
comércio. É uma posição, de algum modo, conciliadora entre as outras duas.
4) Há ainda quem olhe para o art. 230º de um modo mais subjetivo, isto é, acentuado
mais o pendor da identificação da identidade que é retratada nesta regra. Aqueles
que o fazem há mais tempo dizem que o art. 230º quer identificar as empresas
como sujeitos de Direito Comercial dizendo que, afinal, há outros sujeitos de
Direito Comercial além do comerciante. Quem são? As empresas: elas são
sujeitos de Direito Comercial e têm esta característica antes de se constituírem
como tais. Esta característica é ampliativa.

Todas estas leituras do art. 230º são possíveis e visam partir do princípio de que o
que é relevante está no art. 2º.

33 Até ao art. 230º nunca se falou no empresário, mas sim no comerciante.

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Teoria Jurídica da Empresa (TJE) – corrente mais moderna. O prof. POC está mais
de acordo com esta, embora não adira totalmente. Paulo Sandim é um percursor
desta corrente em Portugal. Esta teoria procura explicar que o art. 230º é uma norma
qualificadora autónoma, tão relevante como o art. 2º. Por isso, deve ser visto em
paralelismo com o art. 2º. Ou seja, não numa relação de subordinação em relação ao
art. 2º, mas sim numa relação de total autonomia e independência. Por isso, diz que
o art. 2º se preocupa com a qualificação dos atos. Os atos são importantes porque
vão desenhar que é a pessoa do comerciante, se for uma pessoa física, por ser aquela
que os pratica no dia-a-dia. Se fizer da prática daqueles atos (leia-se “contratos”), o
art. 230º aponta para uma realidade diferente. O art. 230 diz que enquanto o
comerciante do art. 13º só é comerciante no momento em que pratica esses atos, ao
invés, o art. 230º permite incluir os atos constitutivos ou organizativos da atividade
mercantil. Por isso, permite perspetivar a empresa também como um sujeito
relevante34.

É claro que, para quem é adepto da TJE, não se pode ficar pelos números do art.
230º. E isto vai ter importância. Quem é adepto da TJE no estado puro (POC não
adere ao estado puro), na realidade, olha para art. 230ç e diz que é uma norma que
obriga a confrontar as atividades nela enunciadas com as exclusões que estão no seu
final. E, do confronto dessas exclusões (que constituem exceções) com as atividades
enunciadas, então, podemos desenhar o perfil da empresa comercial. Ao fazer isso,
identificamos a realidade que pode constituir substrato de um sujeito de Direito
Comercial, designadamente, se tiver uma composição coletiva, de uma sociedade
comercial, incluindo na sociedade todos os atos praticados antes da sua própria
constituição. E o que é que, fundamentalmente, dizem esses 3 parágrafos do art.
230º?

1) Parágrafo 1º:
a) Excluem, claramente, da indústria transformadora “o proprietário ou o
explorador rural que apenas fabrica ou manufatura os produtos do terreno que

34 Vamos ver que a empresa não consegue ter a personificação no Direito Português. Mas a empresa vai ter uma
personificação através da forma jurídica que corresponde à titularidade por parte do empresário. Então é individual se
pertencer a um empresário individual – amplia os atos sujeitos ao regime comercial porque nos termos do proémio do art.
230º basta que a empresa se proponha à prática das atividades comerciais e, dentro desta prática, estão os atos de
constituição ou organização da empresa para ela ser considerada como relevante no Direito Comercial. E, se adotar a forma
de sociedade ou entidade jurídica autónoma, essa forma jurídica externa é a superestrutura que a coloca no mercado e lhe
dá uma razão de ser.

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agriculta, acessoriamente à sua exploração agrícola”. Ou seja, também não é


comercial uma fábrica que, na realidade, transforme os produtos de uma
empresa agrícola da qual dependa maioritariamente. Então, se tivermos
vastíssimas plantações de tomate e constituirmos uma fábrica apenas afeta à
transformação do tomate que se produz, o que é que acontece se houver uma
vicissitude na produção e destruir a produção? A fábrica vai parar. Logo, este
parágrafo do art. 230º, 1º parte, diz que as empresas acessórias da empresa
agrícola também não são comerciais. Ou seja, aquelas que dependem
maioritariamente de uma empresa agrícola. Diferentemente, se uma fábrica
de tomate adquirir tomate a 20 explorações agrícolas diferentes, aí ela não é
dependente de uma exploração agrícola. Logo, cabe no art. 230º/1.
b) Na parte final do parágrafo 1º também se diz que: “Não se haverá como
compreendido no n.º 1.º(...) nem o artista, industrial, mestre ou oficial de ofício
mecânico que exerce diretamente a sua arte, indústria ou ofício, embora
empregue para isso, ou só operários, ou operários e máquinas.” Ou seja,
também não é empresa comercial, também não cabe na empresa
transformadora a pequena empresa.
Há autores, de forma menos feliz, que reconduzem esta previsão da parte final
do parágrafo 1º ao “artesanato”. POC acha que não se reconduz ao
artesanato. O que está aqui em causa também é a pequena empresa, isto é,
uma empresa de base familiar onde trabalham marido e mulher, pai e filho, 2
irmãos e que até pode ter os auxiliares. Qual é o risco dominante desta
pequena empresa? O fator trabalho. Quando é que ela para? Quando os seus
elementos estiverem doentes. Logo, ela depende, essencialmente, do
trabalho das pessoas que a compõem. Se fosse grande dependeria doutra
realidade. Concluindo, a pequena empresa não pode constituir-se como
comercial, mas sim como civil.
2) Parágrafo 2º: exclui do âmbito do art. 230º a empresa agrícola ou agropecuária.
Logo, aqui, o legislador diz que a empresa agrícola não cabe aqui e, portanto, a
empresa agrícola não pode ser uma empresa comercial. A razão de ser
subjacente é de que esta não pode ser empresa comercial porque o fator
dominante é o fator terra – o risco característico da empresa agrícola e o risco
climático. Se houver uma intempérie o resultado da exploração agrícola pode ser
nulo. Então, não fazia sentido que uma empresa que estivesse dependente do
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risco climático pudesse ser uma empresa comercial. Teria de ser uma empresa
civil.
3) Parágrafo 3º: está em causa a atividade comercial de edição. Por interpretação
extensiva caberia nesta edição (que à época era, fundamentalmente, uma edição
tipográfica) todo o tipo de atividades, inclusivamente, as atividades de caráter
informático. Mas, se a edição for do próprio autor isso significa que essa empresa
está dependente do trabalho intelectual do autor. Logo, não pode incluir-se nas
empresas comerciais. Porque? Porque se o autor adoecer ela deixa de poder
editar. Então, o parágrafo 3º exclui a comercialidade dessas empresas. Se o autor
constituísse uma empresa para editar as suas obras – edição própria. A logica
aqui é o fator do trabalho. A edição própria pode surgir em situações em que o
autor não é conhecido e não consegue, por exemplo, publicar na Almedina. Então,
tem confiança e publica a própria obra. No fundo, o que o paragrafo 3º diz é que
esta atividade de edição própria não pode ter a característica comercial para
qualificar a empresa comercial. Quanto muito, esse autor tem uma empresa civil.

Vamos analisar os números do art. 230º e ver o que os diferencia dos parágrafos do
art. 230º. O que os diferencia é algo que aflora com particular nitidez: é,
fundamentalmente, o risco do capital. O que caracteriza a empresa comercial é ser
uma empresa a quê está associado o risco do capital que nela é arriscado. Daqui
retira-se que se o risco do capital for predominante a empresa pode constituir-se como
comercial.

O art. 230º/6 é especialmente ilustrativo desta realidade: “6° Edificar ou construir


casas para outrem com materiais subministrados pelo empresário”. Aqui inclui-se,
naturalmente, por interpretação extensiva, toda a construção civil. Mas o mais
importante que se retira daqui é o facto de o empresário correr o risco de toda a sua
atividade, porque é ele que avança com os materiais. Diferentemente, se chegarmos
à empreitada civil, no CC, vemos que o que a caracteriza é que é o dono da obra que
avança com os materiais – o empresário não corre o risco. Logo, o risco do capital é
muito nítido neste art. 230º/6 e permite-nos qualificar empresa comercial por ser
aquela em que há um risco do capital.

Quanto à interpretação do art. 230º os autores também se dividem:

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1) Há autores que olham para os números do art. 230º como sendo parte da
enunciação taxativa – só estes é que podem existir. Então só cabem aqui as
matérias que forem enquadráveis por interpretação extensiva, ou seja, se
entenderem que o espírito da norma está abrangido na sua previsão. Ex: art.
230º/7 – cabe o transporte aéreo e espacial, que não está no art. 230º/7, mas cabe
por interpretação extensiva. Ex: a construção de pontes e outro tipo de obras
também cabem no art. 230º/6.
2) Quem entender que isto é uma interpretação exemplificativa significa que isso já
não está limitado à interpretação extensiva e vai-se discutir se há ou não lugar à
analogia.
a) Há autores que entendem que só pode haver analogia legis, isto é, de acordo
com os princípios que o próprio sistema admite como válidos para a criação de
empresas ou atividades que possam revestir a forma comercial, mas de acordo
com aquilo que possa resultar do próprio sistema. Ou seja, temos de ir
encontrar um lugar paralelo no sistema positivado tal como ele existe para
concluir que aquela realidade também tinha cabimento no art. 230º. A analogia
legis vai reconduzir ao art. 230º outras atividades comerciais que não estão
nele previstas. Ex: art. 362º Código Comercial, operações bancárias – nos
termos do Código Comercial os atos que correspondem à prática bancária são
atos de comércio. Ora, quem faz analogia legis diz que vai poder reconduzir a
uma atividade do art. 230º a atividade bancária, porque é uma atividade que
resulta de um lugar previsto no Código Comercial. Os atos que estão na sua
base são qualificados como comerciais pelo próprio Código Comercial. Logo a
atividade bancária também caberia no art. 230º. Outro exemplo é o da
atividade seguradora, prevista na Lei do Contrato de Seguro – não cabe em
nenhum dos números do art. 230º, pois por interpretação extensiva ela não é
lá incluível. Mas se pensarmos que a legislação mercantil avulsa prevê a
comercialidade dessa atividade, podemos diz que que por analogia legis ela
também tem cabimento no art. 230º.
b) Por outro lado, há autores, designadamente da TJE35, que é a posição mais
lata, que dizem que pode haver uma analogia total. Ou seja, as exceções que
estão no art. 230º permitem concluir que aquilo que não foi afastado desta

35 É nesta parte que POC não é inteiramente concordante com a TJE.

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regra se pode vir a subsumir por semelhança à previsão das várias atividades
nela enunciadas. Desse modo, alarga-se tremendamente todas as atividades
que se quer reconduzir ao art. 230º. A analogia iuris ou de Direito é aquela que
está perspetivada pela TJE. É como se estivéssemos a dizer que não há limites
para incluir por semelhança as atividades comerciais no art. 230º. Quais é que
lá cabem? Todas aquelas a que chegarmos à conclusão em que há risco de
capital para o empresário mercantil. Em todas essas vamos dizer que se
reconduziriam também ao art. 230º e permitem, assim, a qualificação da
empresa como comercial.
POC considera que o grande problema da analogia iuris é que ela esvazia
fortemente o art. 2º, 2ª parte – se concluirmos que todas as atividades em que
haja risco de capital podem caber no art. 230º, então o prolema é que não
vamos precisar do art. 2º, 2ª parte, que qualifica os atos de comércio
subjetivos. No fundo, se aceitamos que o art. 230º entra em todos os atos por
analogia no geral, então o art. 2º, 2ª parte fica reservado apenas aos atos do
comerciante que não é empresário. Porque? Porque os atos do empresário
entrariam pelo art. 230º e já não precisávamos do art. 2º, 2ª parte. Isto é um
esvaziamento antissistemático.
De facto, aceitar que o art. 230º, apesar de não estar no princípio do Código,
é uma norma autónoma qualificadora, não é um problema que ela esteja no
fim. No código francês a norma qualificadora está no fim. O problema é poder
fazer uma interpretação de uma norma esvaziando totalmente outra norma.
POC acha que é demasiado ir para além da analogia legis. Ou seja, o que POC
aceita que é que se inclua no art. 230º atividades que não estejam nele
previstas, mas que também estejam aptas a ser comerciais por terem previsão
no sistema positivado.

Forma jurídica da empresa comercial


A realidade é que a empresa comercial é um sujeito autónomo. O Direito não lhe
reconhece personalidade jurídica. Não há comerciante, nem empresa comercial como
centro de imputação de direitos e vinculações. Isto já foi muito discutido e hoje há
uma ideia clara de que o que existe é esta empresa comercial constituir o substrato
de um outro sujeito de Direito Comercial. E, designadamente, quando esse outro
sujeito é uma sociedade comercial é o seu substrato necessário. É a organização dos

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fatores produtivos predisposta para o mercado em que tem papel especialmente


determinante – o papel que o titular desenvolve ou tem sobre essa organização. Ou
seja, na realidade, a empresa é a estrutura do sujeito de Direito e o sujeito de Direito
é a forma jurídica da empresa. Nalguns casos, criada exclusivamente para aquela
empresa e, portanto, é o sujeito de Direito que vai ser o centro de imputação de
normas e efeitos jurídicos, é o sujeito de Direito que vais estar no mercado. Mas no
seu substrato tem uma empresa comercial. Noutros casos, se a empresa pertencer a
uma pessoa singular, é a pessoa singular que está no mercado e uma parte relevante
da sua vida está afeta a exercer uma atividade que tenha natureza comercial e sofre
o risco associado ao seu próprio investimento.

A propósito do comerciante, o grande problema que se coloca no domínio da


personalidade coletiva ou da personificação de entidades que são distintas das
pessoas físicas ou singulares, é o princípio da tipicidade que caracteriza essa
personificação. Ou seja, só poderem ser criadas pessoas coletivas de acordo com o
sistema tal qual ele existe. É o sistema que determina que pessoas coletivas é que
pode ser criadas. Não pode ser a autonomia privada ou uma permissão genérica de
produção de efeitos jurídicos a poder criar a belo prazer da mente que as idealiza. A
mente que as idealiza tem de se movimentar entre as figuras pré-determinadas.

No âmbito dos sujeitos de Direito Comercial, essas entidades são as sociedades


comerciais. Indo ao art. 1º CSC vemos que este procura caracterizar as sociedades
comerciais, curiosamente, em função dos atos de comércio que elas irão praticar. Ou
seja, o art. 1º caracteriza as sociedades comerciais não em função da sua finalidade,
porque esta é igual à das sociedades civis, mas sim em função do seu objeto, da
atividade e o que as caracteriza é estarem predispostas no mercado para o exercício
de atos comerciais e também para a prática de uma atividade empresarial que possa
ter e assumir essa natureza comercial por suportar o risco do capital.

O art. 1º/3 CSC estabelece o princípio da tipicidade. É o artigo delimitador e tem uma
palavra mágica: “devem”. É este artigo que estabelece a tipicidade porque é ele que
explica que as sociedades comerciais devem adotar um dos tipos enunciados no art.
1º/2. Não é o art. 1º/2 que expressa a tipicidade, mas o art. 1º/3. O art. 1º/2 podia dar
os tipos e, não obstante, poderem ser criados novos tipos se não houvesse o art. 1º/3.
Quer dizer que o legislador nos diz qual é a forma jurídica que a empresa comercial

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pode ter. Mas, depois, diz-nos no art. 1º/4 que as “sociedades que tenham
exclusivamente por objeto a prática de atos não comerciais podem adotar um dos
tipos referidos no nº2, sendo nesse caso aplicável a presente lei”. Ou seja, se for uma
empresa civil tem por objeto a prática de atos não comerciais – ex: a sociedade
agrícola tem por objeto a prática de atos não comerciais – tem de constituir como
empresa civil, porque essencialmente não tem natureza comercial, mas a lei admite
que elas possas adotar a forma comercial. Então, podem constituir-se como
sociedades civis sob forma comercial. É por isso que uma empresa agrícola pode ser
sociedade civil, tem por objeto exercício da atividade agropecuária, mas pode adotar
a forma de sociedade comercial – pode ser uma Lda., ou SA. Os efeitos disto é que,
na prática, não se vai distinguir das empresas puramente comerciais. Porquê? Porque
vai passar a estar sujeita ao mesmo regime jurídico aplicável às sociedades
comerciais.

Não foi sempre assim, inclusivamente, ao nível da jurisdição. Durante muito tempo,
houve um processo comercial, isto é, uma tramitação de atos de natureza processual
que era aplicável apenas a dados atos e pessoas. Isto gerou que houvesse tribunais
exclusivamente afetos a dirimir litígios que surgissem no âmbito do Direito Comercial.
Nos anos 30 houve uma evolução e o que aconteceu foi que se manteve a jurisdição
comercial, mas desapareceu o processo comercial. A lógica do processo comercial
era um processo que permitia atuar muito mais rápido que o civil – logo, tinha menos
garantias para o devedor. Porque? Porque a tutela do Direito Comercial é a tutela do
crédito. Depois o processo comercial acabou. Durante alguns anos, ainda se manteve
a jurisdição especial – tribunais próprios, competência exclusiva e diferenciada dos
cíveis. Com o CPC de 193936 deixou de haver jurisdição comercial. Outro fator que
distinguia o sujeito de Direito Comercial do que não era sujeito de Direito Comercial
era também a situação de incumprimento no Direito Comercial. No Direito Comercial,
o incumprimento gerava a falência. No Direito Civil uma situação patrimonialmente
deficitária determinava o que se chamava de insolvência. Hoje tudo é abrangido pela
insolvência. Portanto, neste plano também já não há diferenciação neste plano.
Deixou de haver diferenciações – há diferenciações em função natureza dos atos, ou
seja, quando a natureza dos atos exclui a sujeição dos mesmos ao regime comercial.

36 Percursor doatual CPC 2013. POC é dos que considera que o CPC de 2013 não é um novo código mas uma simples reforma
do código velho.

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Se olharmos agora para o art. 230º, sendo assim, as empresas agrícolas deste artigo
podem adotar a forma de sociedade comercial. Ex: Sociedade Agrícola do Casalinho
S.A – pode produzir uvas, transformá-las numa adega própria (naquilo que é uma
empresa acessória) e, efetivamente, esta empresa passa a adotar forma de
sociedade comercial. Isto leva-nos a uma questão: a transposição do art. 230º para a
atualidade. Isto é feito em 1888. Portanto, passaram-se 130 anos. O que acontece é
que, hoje, há explorações agrícolas em que já é temeroso poder concluir que o risco
dominante é o do fator terra. Porque? Porque o investimento de capital é tão intensivo
que o risco é verdadeiramente o do capital. E, então, verdadeiramente, estas
empresas já deviam ser teoricamente empresas comerciais. Tal e qual como quando
vimos as profissões autónomas – tradicionalmente não se enquadravam no Direito
Comercial (médicos, advogados, etc.). Não cabiam no Direito Comercial porque
quando um médico ou um advogado falhava, o resultado não se produzia. Mas no
final da 2ª década do séc. XXI, olha-se para as grandes sociedades e grandes
hospitais e chegamos à conclusão que os meios financeiros que essas empresas
envolvem é grande e, por isso, o risco do capital é brutal. Agora, é um risco diferente.
Ex: o risco, nos escritórios não é tanto dinheiro investido nos bens que compõem o
escritório. O capital da advocacia é a clientela. Isto é, o que caracteriza o capital da
advocacia é a clientela. Sem clientela, não há nada para fazer. E tem risco porque ela
não é segura. Por isso, o legislador tem vindo a abrir e permite, hoje, a uma sociedade
de advogados que adote uma forma de sociedade comercial com responsabilidade
limitada.

No domínio das empresas agrícolas, há um obstáculo que é se eu criar uma empresa


com objeto agrícola, o objeto corresponde à atividade agrícola e eu não a posso
constituir como comercial porque o art. 230º exclui essa possibilidade. Mas, se for
uma empresa acessória de uma empresa agrícola que eu esteja a criar como
autónoma, se eu não explicar (e não vou explicar ao constituí-la) que aquela
sociedade é para dar forma jurídica a uma empresa acessória de uma empresa
agrícola, então, essa posso constituí-la como sociedade comercial. Porquê? Porque
o seu objeto é igual ao de todas as sociedades comerciais que derem forma jurídica
à atividade transformadora. Portanto, como a empresa transformadora é comercial,
quando eu estou perante um objeto que corresponde à transformação de produtos da

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terra, então, eu não sei se tenho fator de dependência de uma exploração, terra em
concreto ou não. Se não tiver, a minha sociedade é comercial.

Por isso, no séc. XXI, a forma dos atos sobrepõe-se à respetiva substância e qualifica-
a. Utilizando um termo coloquial, POC diria que a forma dos atos canibaliza a sua
substância. Como? Porque a declaração da afetação daquele ato, que pode não
corresponder à realidade, é uma declaração que pode reconduzir o ato a uma dada
qualificação. Ex: se A constituir uma sociedade para dar forma jurídica a uma pequena
empresa, ele não deveria poder fazer uma sociedade comercial. Porquê? Porque o
art. 230º, Parágrafo 2º, parte final não permite. Porém, quando ele constituiu uma
empresa com um objeto comercial – ex: compra e venda de livros, jornais e revistas
– não sabe se vai ser pequena, média ou grande. Como não sabe, não há
possibilidade de controlo por sujeitos externos da dimensão da empresa. Logo,
ninguém pode dizer que não se pode constituir como sociedade comercial porque é
uma pequena empresa. Ou seja, se se recorre à forma societária, sociedade
comercial pura, qualifica-se a substância. Ainda que seja uma pequena empresa,
estou a convertê-la numa empresa comercial. Tal e qual que, se eu celebro um
contrato que, a priori, não seria comercial porque não seria para mim um ato de
comércio (designadamente por ser compra para consumo – art. 464º/1), mas se eu
declarar que é uma compra para uma empresa, eu estou a qualificar a substância
pela forma. Estou a dizer que a forma passe a ser definitivamente a forma comercial.
É essa e é a realidade com que hoje vivemos e com que se confronta o art. 230º.

Estabelecimento comercial
É o espaço físico onde se desenvolve uma a atividade comercial. Não há um conceito
inequívoco na lei, mas, basicamente, é o suporte da atividade do comerciante. Dentro
da sua expressão ampla, tendo em conta que o comércio também tem uma conceção
jurídica, então, também lhe esta associado o estabelecimento fabril, uma vez que,
quem tem uma fábrica e produz e a usa como suporte da atividade comercial
transformadora, na realidade, tem um centro de vida que constitui a sua referência.

Em sentido técnico, o estabelecimento comercial é o conjunto de bens (no sentido


material do termo) e serviços que são organizados pelo comerciante (empresário)
para o exercício da respetiva atividade mercantil (empresarial).

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É a referência espacial da atividade do sujeito de Direito Comercial, que


presentemente já não se confina necessariamente a um local físico, geograficamente
determinado.

Tradicionalmente, esta noção de estabelecimento comercial supunha um local


geográfico – seria o local geográfico onde se reúnem os bens de que o empresário
ou comerciante carece para exercer a sua atividade comercial. Aí encontramos:

1) Elementos corpóreos: correspondem aos bens materiais que integram o


estabelecimento, designadamente bens imóveis e móveis. O tal sustentáculo
material da própria empresa. O estabelecimento comercial acaba por constituir a
vertente material da empresa. Podemos ter imóveis, móveis – móveis de muitas
naturezas: equipamentos, veículos, objetos que transacionamos no estabelecido,
ativos da caixa.
2) Bens incorpóreos: direitos, vinculações e, em geral, situações jurídicas que
caracterizam o estabelecimento comercial. Assim, por exemplo, estão os direitos
que explicam a detenção daquele espaço pelo comerciante ou empresário – pode
ser uma relação propriedade ou de locação (arrendamento comercial, que pode
ser locação financeira).
Depois, temos outros direitos como os direitos privativos da propriedade intelectual
e, designadamente, dentro dos direitos privativos de propriedade intelectual,
temos os direitos da propriedade industrial – por exemplo o próprio nome do
estabelecimento, identificação pelo qual vai ser conhecido no mercado e
diferenciado dos demais, o que chamamos hoje de logótipo, que é o nome mais a
insígnia – figuras ou desenhos associados. Os logótipos são sinais distintivos no
comércio daquela realidade. A marca também pode estar associada. O
estabelecimento caracteriza-se por envolver toda uma serie de outras realidades.
Além destas situações jurídicas referidas, portanto, para além destas que
caracterizam permanentemente e, por isso, são bens incorpóreos que fazem parte
do seu ativo imobilizado e adquirem um valor patrimonial relevante quando são
muito conhecidos, há outras situações: todas as que se traduzam nos créditos,
nas dívidas do próprio estabelecimento, os contratos que ligam os trabalhadores
ao estabelecimento, etc. Enfim, todas estas situações caracterizam dado
estabelecimento e ele é tão relevante que a sua transmissão em certas
circunstâncias não pode ser feita, em regra, com prejuízo dessas mesmas

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situações jurídicas. Ou seja, tendencialmente, estas situações jurídicas vão


acompanhar o próprio estabelecimento. Algumas acompanham-no
necessariamente (ex: logótipos – não poso transmitir um estabelecimento como
uma Massimo Dutti sem transmitir tudo o que ele envolve, inclusivamente o
logotipo – o que eu posso transmitir é o imóvel onde estava estabelecido o
estabelecimento, mas isso é a venda ou cedência do imóvel e isso já é Direito
Civil.
Em princípio, as situações jurídicas também vão – ex: o estabelecimento fez
encomendas de roupas que ainda não vendeu (ainda estão no seu acervo) e, por
isso, ainda não liquidou. Logo, é normal que a dívida acompanhe o
estabelecimento. A transmissão pode implicar, por vezes, que o transmitente fique
solidário com o novo titular. Portanto, se aquele que adquire não proceder à
oportuna liquidação, como ela quando foi efetuada foi efetuada com referência ao
estabelecimento, mas, naturalmente, pelo sujeito que confere a forma jurídica à
empresa na qual se inclui o estabelecimento, como foi isso que aconteceu, se
houver uma falha, o sujeito que e titular dessa empresa também pode ser
chamado a responder.

O aviamento não é elemento do estabelecimento, mas um seu atributo. Reconduz-se


a uma aptidão funcional. Um dos seus índices mais fiáveis é a clientela, que não é,
no mercado concorrencial, objeto de um Direito subjetivo, mas quanto muito constitui
uma expetativa.

O estabelecimento comercial é uma realidade jurídica complexa integrada por


inúmeros bens e por direitos. O estabelecimento representa uma universalidade de
facto – ele vale pela agregação de todos os seus elementos. E uma universalidade
de facto e de Direito. Além dos elementos que o compõem, também compõe as
situações jurídicas.

Transmissão do estabelecimento
O estabelecimento é relevante porque o Direito conhece-lhe um regime próprio
quando ele é objeto de uma vicissitude, isto é, quando sobrevém uma circunstância
que acarrete uma mudança da sua titularidade. Por exemplo, isso é o que ocorre com
a transmissão do estabelecimento. A transmissão pode fazer-se:
1) Por trespasse.

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2) Por cessão da exploração do estabelecimento, locação do estabelecimento –


celebra-se contrato de locação relativamente ao estabelecimento. A é titular do
estabelecimento e cede a sua exploração a um terceiro, B.

Curiosamente, o trespasse e a cessão de exploração merecem apontamentos do CC.


Designadamente dos arts. 1209º e 1212º. Porque é os apontamentos estão previstos
em sede de contrato de locação? Porque como o estabelecimento vale pelo
conglomerado de bens corpóreos e incorpóreos, se ele for objeto de transmissão,
temos de transmitir tudo. Ora, não faz sentido transmitir o estabelecimento e não
transmitir o direito a arrendamento – direito que explica que o bem imóvel onde o
estabelecimento está instalado é um objeto de uso e fruição. Ex: Zara transmite o
estabelecimento, mas não transmite onde os outros bens estão instalados e se
reportam àquele espaço físico. Por isso, se eu for o titular do imóvel e se for eu que
exploro diretamente o estabelecimento, então, se eu transmitir o estabelecimento,
também tenho de transmitir o imóvel. Faço, no fundo, uma venda do imóvel com todos
os ativos que integram o estabelecimento. Assim, não deixo de fazer um trespasse
só que, aqui, a relação de gozo relativamente a um local onde o estabelecimento esta
instalado é alicerçada no direito de propriedade. As mais das vezes, o proprietário do
estabelecimento não se confunde com o proprietário do bem imóvel, ou seja, o
estabelecimento é explorado num regime de alocação – arrendamento ou exploração
de loja em centro comercial ou locação financeira imobiliária, leasing imobiliário37.

Trespasse
O trespasse designa a transmissão do estabelecimento comercial ou industrial, a qual
pode resultar de diversos negócios típicos e também da própria herança e partilha de
sócios. É um ato de transmissão global e a título definitivo (distingue-o da cessão de
exploração).

Qual é o problema com o estabelecimento e com o trespasse? O problema chama-


se senhorio. O problema é a vontade do locador em querer opor-se a essa
transmissão do estabelecimento. Sobretudo, quando o valor do locatício do imóvel já
é muito superior ao valor da renda que o titular do estabelecimento está a suportar
perante o locador. Logo, ele tem uma vantagem grande se puder recuperar o próprio

37Visa permitir a quem pagou uma dada renda durante um dado período, decorrido esse período, ter a opção de aquisição
do bem pelo valor remanescente.

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imóvel. Então, qual é a especialidade do trespasse e que o art. 2112º pretende


afirmar? Uma realidade muito interessante. Porquê? Porque se eu estiver a realizar
o ato de trespasse, eu não careço do consentimento do senhorio. Ou seja, eu tenho
de notificar o senhorio de que vou transmitir o estabelecimento, nomeadamente, para
que ele saiba a quem há dirigir os recibos da renda – ao adquirente do
estabelecimento ou ao trespassário.

Então, o que é determinante é não confundir a verdadeira transmissão do


estabelecimento com a pretensão da transmissão do local onde o estabelecimento
estava instalado. Se eu, na realidade, quiser realizar um trespasse, mas estiver
sobretudo interessado em ceder o local e o direito ao arrendamento do local onde ele
esta instalado, então eu não estou a realizar um trespasse porque eu não estou a
transmitir o estabelecimento, mas apenas o local. Nesse caso, evidentemente, o
senhorio já pode opor-se e dizer que não aceita.

Qual o critério para saber se há trespasse? É o critério da clientela. Se a clientela, de


algum modo, se manteve inalterada, então, o fim útil daquele estabelecimento
continuou a ser o mesmo. Ex: se era um restaurante continuou a servir refeições,
então, o fim útil é o mesmo. Ex: se era uma loja de vestuário e continua a vender
roupa, a clientela é a mesma – quem se dirigia para comprar roupa, agora dirige-se
para comprar roupa na mesma. O fim útil é o mesmo. Ex: mas, se eu passei a fazer
uma coisa completamente diferente, então, o que eu queria não era o
estabelecimento, o que eu queria era o espaço. Neste último caso, então, o senhorio
já pode opor-se. Mais do que isso, o CC é generoso com o senhorio e permite-lhe, no
art. 2112º/4 que se houver uma venda do estabelecimento, transmissão do
estabelecimento, o senhorio tem preferência. Isto é algo estranho porque é o mesmo
que dizer: eu vou ceder o meu estabelecimento a um empresário que se propõe
prosseguir a mesma atividade, propõe-se fazer a mesma coisa, e o senhorio tem
preferência e com o estabelecimento vão todos os bens que o caracteriza
(inclusivamente contratos de trabalho).

Então, como é que é possível exercer a preferência? A preocupação do legislador foi


procurar reequilibrar, com esta regra, os casos em que a transmissão do
estabelecimento visa essencialmente a cedência do espaço físico em que estava
instalado. Ou seja, se o senhorio estiver disponível para pagar ao trespassante

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(transmitente) exatamente o montante que ele ia obter com o trespasso, então, tanto
lhe faz vender a um trespassário ou ceder ao senhorio. Se, na realidade, o que ele
queria era ceder o espaço físico, então não teve nenhum prejuízo porque,
provavelmente, o estabelecimento já estava despojado de muitas das suas situações
jurídicas. Ex: já não tinha trabalhadores afetos; já não tinha praticamente bens. Nesse
caso, percebe-se que o senhorio tinha direito de preferência, ou seja, nos mesmos
termos e condições, possa assumir a titularidade do estabelecimento. Mas, atenção,
ao exercer a preferência e ao promover a confusão entre a titularidade do
estabelecimento e a titularidade do local onde se exerce a atividade comercial, ele
passa a ter que desempenhar a atividade de empresário. Ou seja, ele passa a ser o
titular do estabelecimento com todos os efeitos jurídicos que daí decorram, passa a
estar vinculado por essa atividade.

Evidentemente, há situações em que isto não é possível. Ex: o estabelecimento é


uma agência bancária. Eu posso trespassar para outro banco, mas não posso
trespassar para o senhorio, porque o senhorio não pode exercer atividade bancaria
porque, por exemplo, ele tinha de obter a autorização do Banco de Portugal e, assim,
como que passaria ao largo dessa autorização. Isto não é possível.

Cessão de exploração
Consiste na transferência temporária e onerosa, em que o cedente conserva a
titularidade do estabelecimento, limitando-se a permitir que o cessionário o explore
(art. 1109º CC). Trata-se de uma verdadeira locação do estabelecimento,
correspondendo à cedência do gozo do estabelecimento como um todo e
pressupondo, desse modo, que o mesmo já se encontre devidamente constituído e
apto a funcionar. Esta cedência provisória não carece do consentimento do senhorio
do local arrendado em que está instalado o estabelecimento, mas deve ser-lhe
comunica no prazo de um mês.

No caso da locação comercial, há uma diferença: eu sou titular do estabelecimento


(porventura, até está num local arrendado) e eu quero-me retirar e dar uma volta ao
mundo. Então, vou procurar encontrar alguém a quem ceda a exploração do
estabelecimento, mediante um dado valor. Esse valor pode ser fixo, periódico ou até
indexado ao resultado da exploração do estabelecimento. No art. 1109º/2 vemos que
esta também não está dependente da autorização do senhorio quando o

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estabelecimento está situado em local arrendado, mas deve-lhe ser comunicado. Ex:
restaurador, pessoa que monta o restaurante, equipou a cozinha, sala de jantar,
utensílios, serviços, atoalhados, trabalhadores, um chefe, bens diversos,
investimentos mais significativos nos bens menos pereceríeis e, ao fim de uns anos,
apesar de ser um êxito, está cansado. Ele pode ceder a exploração do restaurante a
um terceiro. Encontrar alguém que lhe pague uma renda, quantia periódica que lhe
compense ceder a exploração. O maior problema que ele pode enfrentar é a perda
de valor que aquilo pode acarretar para o estabelecimento.

Se se confrontar o estabelecimento com a empresa, o que é que temos? Temos que


a empresa abrange o estabelecimento e tem nela também o papel do empresário,
designadamente sobre o modo como aquele estabelecimento está organizado. Então,
a empresa não se confunde com o estabelecimento, mas a estabelecimento é uma
parte dela.

Problema do séc. XXI: passar a ter de equacionar que o espaço físico e geográfico
vai ceder ao espaço cibernético – estabelecimentos que estão na internet deixam de
ter espaço físico. Isto vai obrigar a reformular toda a lógica inerente ao
estabelecimento. Isto não significa que o estabelecimento que está na internet não
tem os mesmos elementos que referimos para o caracterizar.

Para finalizar, podemos concluir que a empresa é mais do que o estabelecimento,


ainda que este integre os trabalhadores. Engloba-o, mas caracteriza-se Também pela
vertente subjetiva que se traduz essencialmente na projeção da intervenção do
empresário na constituição e direção da organização dos fatores de produção.
Nenhuma destas realidades é personificada.

12.Outubro.2018 Teórica

Sujeitos de Direito Comercial


Conceito de comerciante
Já vimos que a empresa e o estabelecimento não são sujeitos de Direito Comercial.
Vamos ver quais são os sujeitos de Direito Comercial e de Mercado e ver o que
caracteriza a aquisição da qualidade de comerciante, como é que se ingressa nessa
qualidade e que limitações podem existir.

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A primeira questão prende-se com o conceito de comerciante. O Código Comercial


dedica uma norma ao comerciante e explicita que são comerciantes as pessoas que
tendo capacidade para praticar atos de comércio, fazem disto profissão. Se é
comerciante quem faz da sua profissão a prática de atos de comércio, isso significa
que é quem se dedica de modo habitual, quotidiano, à prática de atos de comércio.
Ex: quem compra para revender – é a ideia típica de comerciante.

O que o art. 13º determina é que se é comerciante quem de modo habitual pratica
atos de comércio. Isto coloca uma pequena limitação que é o facto de ainda não ser
comerciante quem ainda não pratica de forma habitual esses atos – mas para isso
temos o art. 230º que nos permite superar a dificuldade, onde cabem os atos
organizativos e constitutivos da empresa. O comerciante acaba por ser sinónimo do
empresário individual.

Sempre que aqui falamos em comércio falamos em sentido jurídico.

Ora bem, o que é fundamental ter em conta é que para além dos comerciantes
individuais que adquirem essa qualidade porque praticam esses atos e devem faze-
lo todos os dias, a lei aceita que sejam comerciantes as sociedades comerciais, e
essas bastam constituir-se, não há a mesma exigência no art. 13º/2. Por isso, é que
referimos que se porventura constituirmos como comercial uma realidade que
ontologicamente, pela sua natureza, não devesse ter essa qualidade, a constituição
é a qualificação daquela substância pela forma que é declarada, que é a da sociedade
comercial.

Há realidades que não se podem qualificar pela forma, aquelas que se definem
substancialmente de modo diferenciado, como a agricultura, aí não há possibilidade,
vou ter que recorrer à sociedade civil sob forma comercial. E não há mais realidades?
Há, mas vão existir mais. Por um lado as empresas públicas, e os agrupamentos
complementares de empresa e ainda, de certo modo, as cooperativas, são realidades
a que subsidiariamente vamos aplicar as regras do CSC, que acabam por constituindo
pessoas jurídicas autónomas, serem assimiladas pelos comerciantes tal como são
referidos no art. 13º.

Concluindo, o comerciante é aquele que faz do exercício do comércio profissão, a


pessoa que se dedica habitualmente, como meio de vida, à celebração de contratos
comerciais (art. 13º/1), designadamente o de compra para revenda. E ainda são

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comerciantes as pessoas que se propõem a exercer uma atividade comercial (art.


230º) e as empresas coletivas e outras entidades, organizadas sob a forma de
sociedades comerciais, só pelo simples facto de se constituírem como tais (art. 13º/2).
Não integrando propriamente a categoria dos comerciantes, tendo em conta a sua
natureza e fins, mas encontrando-se subsidiariamente sujeitas ao regime jurídico das
sociedades comerciais, podemos associar as empresas públicas e as cooperativas.
Comerciante é, assim, sinónimo de sujeito de Direito Comercial.

O ser comerciante tem importância? Sim, porque conduz à aplicação de um regime


próprio e específico, ainda que na contraparte negocial esteja um não comerciante –
art. 99º CC – artigo unificador do regime. Ou seja, se o ato for praticado entre dois
sujeitos comerciantes compreende-se que não haja dúvidas, aí o regime deve ser o
comercial. Mas mesmo que um dos sujeitos não o seja, o art. 99º só excetua a
aplicação a quem não é comerciante, e sujeita sempre a totalidade do ato a quem é
comerciante.

Pessoas singulares
Vamos começar por tratar as pessoas singulares e a primeira situação que se coloca
é a capacidade e profissionalidade do exercício do comércio. Naturalmente que isto
faz-nos revisitar conceitos, como o de capacidade.

A capacidade é um conceito quantitativo, e contrapõe-se à personalidade, conceito


qualitativo. A personalidade ou se tem ou não, já a capacidade tem níveis.

1) A personalidade é uma qualidade, é a suscetibilidade de direitos e vinculações, a


aptidão que um ente jurídico tem para poder ser titular de direitos e estar adstrito
a vinculações. Hoje todos os seres humanos têm personalidade jurídica. Portanto,
a personalidade é algo que todos têm, e que o direito fez um esforço enorme para
reconhecer que para além das pessoas biológicas, podia haver outras entidades
que justificassem ser reconhecidas como centros de imputação de normas e
efeitos jurídicos, ou melhor dizendo, outras entidades que devessem ser
suscetíveis de direitos e vinculações, e essas entidades são pessoas coletivas.
Noutros ordenamentos falamos de pessoas morais, mas a realidade é a mesma.
2) A capacidade é uma medida, que se desenvolve no contexto da qualidade, sendo
certo que se reporta às mesmas realidades, a capacidade jurídica é a medida de
direitos e vinculações de que uma pessoa é suscetível. E depois, este conceito

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como é evidente vai ter duas vertentes, uma vertente relacionada com a
capacidade de gozo e uma com a capacidade de exercício. A que diz respeito ao
gozo é a medida de direitos e vinculações de que uma pessoa é suscetível de ser
titular ou estar adstrito – para caracterizar o gozo tenho que acrescentar ao
conceito genérico de capacidade, a titularidade e a adstrição. E portanto, já sei
que, quando falo da capacidade de gozo estou a falar de conceitos que são
variáveis, podem ser mais ou menos. Tendencialmente, a capacidade de gozo das
pessoas singulares é coincidente com a sua personalidade jurídica.
Tendencialmente quando as pessoas possam ter uma medida tão ampla que
podem ser titulares de todos os direitos e todas as vinculações. Mas há pessoas
que não têm essa medida – menores e maiores acompanhados que sofram
limitações relativamente a direitos de carácter pessoal. Isso resulta que a
incapacidade de gozo dos menores é genérica, abrange quase todos os direitos e
vinculações, o que significa que se for menor posso suceder na titularidade de um
estabelecimento comercial, cuja atividade defina o comércio. Isso não significa
que o menor possa ser comerciante, isso é outra realidade. As PC, segundo o art.
160º CC, só são suscetíveis de direitos e vinculações convenientes e adequados
à realização da sua atividade e à prossecução do seu fim. E o art. 160º/2 diz que
não podem dispor dos direitos inseparáveis da personalidade singular,
nomeadamente, os direitos de caráter pessoal, por exemplo, o direito a casar ou
o direito de dispor dos seus bens. Até se conclui que em princípio está em causa
o princípio da especialidade: só devem ter os direitos e vinculações indispensáveis
à realização dos seus fins – este princípio está no art. 6º/1 CSC. As PC têm uma
capacidade de gozo específica, não há uma absoluta concordância. A capacidade
jurídica tem uma outra vertente, que é a capacidade de exercício, esta é a medida
de direitos e vinculações que uma pessoa é suscetível de atuar pessoal e
livremente. E portanto, se eu utilizo a palavra atuar, é sinónimo de exercer. O que
está em causa é saber que direitos e vinculações cada pessoa pode exercer. Os
menores sofrem uma incapacidade de exercício genérica, só podem praticar os
atos ao alcance da sua compreensão – atos da vida corrente, e também os
interditos e inabilitados – futuros maiores acompanhados – também padecem
dessas limitações. O Direito entende que em certas circunstâncias para proteção
de determinadas pessoas cuja capacidade de entendimento e representação do
alcance de atos jurídicos é inferior à capacidade em geral, o direito estabelece
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algumas limitações. É possível que o menor seja comerciante? É possível que o


menor possa praticar habitualmente esses atos de comércio? Não, porque o
menor não pode fazer da sua vida, porque não tem aptidão, a prática de contratos
comerciais em massa, que é isso que caracteriza a atividade comercial. Ele
celebra contratos comerciais, mas o facto é que não o poderiam fazer
normalmente. A capacidade é relevantíssima na caracterização do comerciante e
tem que ser uma capacidade de exercício, ela assiste a quem dispõe dos direitos
e vinculações, ou a quem pode atuar pessoal e livremente os direitos e
vinculações.

A profissionalidade significa que o deve fazer de modo sistemático, habitual,


constante, o que significa que deve dedicar a maior parte do seu tempo à prática
daqueles atos, e é isso que define o comerciante individual.

Todas as pessoas podem ser comerciantes individuais? Não, o Código Comercial


prevê quem não pode ser comerciante. No art.º 14 constam:

1) PC sem interesses materiais – associações que não tenham por objeto interesses
materiais, como, por exemplo, um clube desportivo.
2) Todos aqueles que se encontrem legalmente impedidos de o fazer, por serem
objeto de uma proibição genérica – aqueles que pelo seu estatuto profissional não
possam exercer profissionalmente o comércio, por exemplo, militares e
magistrados. Aqueles que a lei pretende que exerçam a profissão em exclusivo.
3) Relativamente a todos estes, acresce que há uma outra regra, do art. 17º, onde o
legislador tem o cuidado de afastar mais algumas entidades, procurando porém
salvaguardar que o facto de não poderem ser comerciantes, não invalida que não
possa circunstancialmente praticar atos de comércio. Afasta o Estado e entes
públicos menores – autarquias locais, mas também afasta misericórdias, asilos,
paróquias. Todas estas realidade, do parágrafo único do art. 17º – excetua o art.
13º – dizendo que não pode ser comerciantes. Quem tiver por fim a caridade, não
pode ser comerciante, porque este procura o lucro.

As proibições para comerciar não são incapacidades. Isto fundamentalmente por


duas razões:

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1) Por um lado, a sua inobservância não importa a inutilização do ato jurídico


praticado – a consequência da infração não é a invalidade do ato, porque a mesma
poderia ser indevidamente prejudicial para a contraparte.
2) Por outro lado, uma incapacidade supõe deficiências naturais do incapaz, sendo
estruturada com vista à sua proteção, o que não sucede na presente situação.

Responsabilidade por dívidas contraídas pelo cônjuge comerciante


Ora, dito isto, quais é que são os efeitos designadamente em relação aos
comerciantes? Que efeitos de regime é que pode haver em relação a comerciantes
individuais? A lei prevê no art. 15º um efeito peculiar de regime comercial, que deve
ser conjugado com o art. 1691º CC.

O art. 1690º é a regra geral e básica na matéria da dívida dos cônjuges: qualquer dos
cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas, sem necessidade do consentimento
do outro.

O art. 1691º introduz um desvio ao regime regra das obrigações, tornando


responsáveis por ambas as dívidas os cônjuges, mesmo que tais dividias só tenham
sido contraídas por um deles. Isto no plano do direito das obrigações, não é possível,
aqui, as dívidas só responsabilizam os sujeitos que as assumem. E portanto, se há
dois ou mais sujeitos que assumem essa dívida, dizemos que a obrigação é plural.

O efeito do art. 1691º é permitir estender a uma responsabilidade conjugal dívidas


que só são contraídas por um cônjuge, porque os respetivos beneficiários em
princípio devem ser ambos os cônjuges.

De acordo com o art. 1691º/1, d) CC, são da responsabilidade de ambos os cônjuges


as dívidas contraídas por qualquer deles no exercício do comércio, esta é a regra
geral. Mas depois, a lei excetua dizendo que nem todas as dívidas contraídas por um
cônjuge no exercício do comércio são da responsabilidade de ambos:

1) As que se provar que não foram em proveito de comum do casal.


2) Se vigorar entre cônjuges o regime da separação de bens. Este artigo diferencia
claramente quem está casado em comunhão ou em separação de bens.

Se demonstrarmos que apesar de estar casado em comunhão a dívida não beneficiou


ambos, então a divida não será da responsabilidade dos dois.

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O legislador parte do princípio de que, como o rendimento do comércio no regime de


comunhão integra os bens comuns, é o rendimento comum, então as dívidas que
proporcionam o rendimento têm que beneficiar ambos. O rendimento comum só é
possível pelas dívidas contraídas para o atingir.

Isto tem alguma consequência? Há uma norma no Código Comercial que fala no
exercício do comércio, que se destina a articular com o art. 1691º/1, d), que é o art.
15º, que diz que as dívidas comerciais do cônjuge comerciante se presumem
contraídas no exercício do comércio. Para quem for casado, as dívidas de quem é
casado, presumem-se contraídas no exercício do comércio. A presunção do art.º 15
articula-se com a do art. 1691º/1, d): se as dívidas comerciais do cônjuge comerciante
se presumem contraídas no exercício do comércio, então todas as dívidas comerciais
responsabilizam ambos os cônjuges.

Que dívidas comerciais serão essas? Todas as inerentes à atividade profissional


daquela pessoa. O comerciante que detém um estabelecimento, a loja, precisa de
contrair dívidas para se colocar num mercado. Aquilo que no fundo ele pretende
quando se coloca no comércio, é obter um ganho, mas para isso, ele quer beneficiar
do crédito. Quer beneficiar da possibilidade de não ter que pagar imediatamente os
bens que adquire para revender. Ele só quer pagar quando fizer a sua receita, e,
portanto, ele constitui uma dívida à entidade fornecedora, a quem ele fica a dever
esse montante. Essa é uma dívida que corresponde exatamente ao que ele faz.

Mas pode haver dívidas comerciais de uma pessoa casada não comerciante? Sim, e
essas não estão no art. 15º. Quais é que são as dívidas comerciais de um cônjuge
não comerciante? As que resultem de um ato de comércio que um não comerciante
pode praticar. Um não comerciante compra um imóvel para o revender. Nos termos
do art. 463º, as compras para revenda são atos de comércio objetivos. Se para
comprar o imóvel contrair uma dívida junto do banco, é uma dívida comercial.

Que dívidas comerciais é que se integram no art. 15º? São todas aquelas que estão
associadas à atividade do comerciante. Então, se o comerciante contrai uma dívida
comercial e está casado, esta dívida, pelo art. 15º, vai presumir-se contraída no
exercício do comércio.

Todas as dívidas comerciais, de cônjuge comerciante, são contraídas no exercício do


seu comércio? Se todas foram, a presunção é inilidível. Se não tiver que ser, posso

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ilidir a presunção. Exemplo de dívida comercial do cônjuge comerciante, não


contraída no exercício do comércio: A comerciante de vestuário, compra para
revender um imóvel, através do crédito. Se eu não conseguir demonstrar que ela não
tem nada a ver com o exercício da atividade, a dívida responsabiliza ambos.

Finalmente, uma nota sobre as dividas consubstanciadas em títulos de crédito. Se a


dívida resultar do não pagamento pontual de um título de crédito, não será só por
essa razão comercial. Contudo, sendo a subscrição cambiária efetuada por um
comerciante será sempre um ato subjetivamente comercial, por força do art. 2º, 2ª
parte Código Comercial, desde que dessa subscrição não resulte o contrário, isto é,
que a subscrição não era comercial porque nada tinha a ver com a atividade do
comerciante.

Os títulos de crédito são documentos que incorporam determinado direito, que deve
ser exercido nos termos da respetiva literalidade, isto é, que deve ser exercido nos
termos da previsão desse instrumento. Entre os títulos de crédito identificam-se títulos
cambiários, que podem ser utilizados para a circulação do crédito – letra, livrança e
cheque. Enquanto as livranças e as letras são respetivamente uma promessa e uma
ordem de pagamento, o cheque é um meio de pagamento em si mesmo, um
instrumento que permite a determinado sujeito, à custa de bens desmobilizados a
determinada entidade (o banco), poder ordenar o pagamento de certa quantia. O que
estes documentos cambiários têm de relevante no mundo comercial, é que são
válidos independentemente da causa, do que tenha estado na origem. Eles permitem
gerar o crédito.

A letra é uma ordem de pagamento dada para que certa quantia venha, em
determinada data, a ser paga a quem for dela portador, isto é, beneficiário. Ela no
fundo é sacada – ato jurídico da sua criação – é emitida, para, no fundo, poder
antecipar o crédito relativamente a outro ato jurídico diferente. Ex: o comerciante que
pretende vender a sua mercadoria, pretende ficar devedor do preço, por isso,
compromete-se com a letra a, num determinado prazo, proceder ao pagamento da
quantia a quem nessa data dispuser daquele título, sendo que a dívida é circulável –
quem lhe concedeu o crédito pode aproveitar o respetivo valor patrimonial,
transmitindo-o a uma outra pessoa com a qual tenha estabelecido um relacionamento
comercial. Ao ato de transmissão chama-se endosso, o ato translativo, vem do

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francês endos. Tudo vai depender do crédito merecer a pessoa que se compromete
a pagar, da sua credibilidade. O último beneficiário tem a vantagem de, se não for
satisfeito pelo devedor cambiário, vai poder recorrer a todos os que o antecederam e
responsabilizá-los. Não podemos estar preocupados quando o transmitimos, com a
construção dos atos jurídicos que justificaram a sua transmissão. Uma eventual
vicissitude que afete o primeiro negócio não pode afetar a validade do título, não pode
afetar os restantes. Por isso se diz que os títulos são abstratos, valem
independentemente da validade da fonte subjacente à sua criação. É por isso que se
diz que quando A subscreve um título com esta natureza, quando A transmite o título
tem que garantir que vai assumir a obrigação, independentemente de qualquer
problema. O titulo não reflete a razão de ser do negócio jurídico que o justificou.

O que importa reter é que, até agora todos os negócios tinham uma causa, os
negócios do Direito Comercial português são todos causais. Quer isto dizer que se
houver uma vicissitude na sua fonte isso afeta a validade e eficácia do mesmo. Os
títulos cambiários são abstratos, a sua validade e existência na ordem jurídica é
independente da causa e eles não refletem em si mesmos a razão de ser da sua
criação ou transmissão.

Isto gera um problema: os títulos de crédito podem consubstanciar dívidas


comerciais? Como é que se distingue essa obrigação de outras? Não se distingue. O
que resulta é que no plano das relações imediatas, o que se coloca entre os sujeitos
originárias do título – sacador e sacado – e no plano entre dois sujeitos em contacto
por efeito de um título de crédito – endossante e endossatário – relativamente a estes
atos, se houver vicissitude no negócio subjacente à subscrição cambiária, posso
tentar excecionar a validade do título com base nessa vicissitude. Mas se for um
terceiro, não posso excecionar o pagamento. Tal como não resulta do título se ele é
ou não comercial, posso demonstrar que ele não é quando o título não sai da relação
original, mas quando ele sai não posso opor a quem o recebeu que a divida não era
comercial, porque ele não tinha maneira de poder saber.

Em conclusão, a conjugação do disposto no art. 15º Código Comercial com o art.


1691º/1, d) CC permite articular as duas presunções que estabelecem o regime regra
das dívidas contraídas pelo cônjuge comerciante: as dívidas comerciais do cônjuge
comerciante caso em regime de comunhão presumem-se contraídas no exercício da

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sua atividade comercial e, sendo contraídas no exercício da mesma, presumem-se


contraídas em proveito comum do casal. Qualquer das duas presunções é elidível.

Comunhão e transmissão de empresas comerciais


Situações de comunhão
A situação de comunhão respeita às empresas detidas por casados, as quais
encontrando-se tituladas no nome de um único cônjuge e sendo por ele
economicamente exploradas, são propriedade de ambos por força do regime de
comunhão.

Ora, se a empresa for um bem comum do casal, apesar de explorada por um deles,
o que se vai discutir é se aquele que não a explora é ou não comerciante, apenas por
ser titular da empresa. Isto é, se o cônjuge que não tiver a sua direção efetiva é
também comerciante.

Se ambos administrarem a empresa, não há dúvida. O que se podia discutir é que se


a atividade é exercida por uma pluralidade de sujeitos, podíamos estar perante
sociedade irregular, mas isso só seria assim se a gestão comum fosse exercia
intencionalmente pelos dois.

Se um dos cônjuges se limitar a praticar atos meramente auxiliares, esporádicos, não


será comerciante, falta a habitualidade – art. 13º. Quando muito, podíamos discutir se
pode ser um comerciante ocasional – prática esporádica de atos de comércio.

Sucessão nas empresas comerciais singulares


As empresas podem gerar a sucessão. É possível adquirir um determinado acervo de
bens organizado de determinada maneira, por sucessão do comerciante que
explorava um estabelecimento.

Ora, há um momento, que é o momento em que nem sequer a herança foi aceite,
herança jacente. Mas há um momento em que, antes de ter sido efetuada a partilha,
que já sabemos quem são os seus titulares. E então essa empresa vai ingressar numa
situação de contitularidade dos seus titulares e que passa a pertencer a todos os
herdeiros – todos eles adquirem provisoriamente a qualidade de comerciante na
medida em que praticarem os atos, e não apenas o cabeça-de-casal.

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Antecipação da sucessão
Mas a questão da sucessão coloca uma outra questão, sobretudo quando a empresa
comercial em si, ou integrando um grupo, atinge uma determinada dimensão, que é
procurar promover em vida o destino dessa empresa comercial. Ou seja, regular em
vida como é que essa pessoa será sucedida na titularidade da empresa, e esse
propósito fala-se da possibilidade de ser celebrado um protocolo familiar, em que
todos os envolvidos assumem o destino dos bens que pertencem a um sujeito, ainda
que tais bens não se consubstanciem a uma realidade empresarial única. O protocolo
familiar é o instrumento pelo qual os membros da família do empresário acordam na
continuidade da empresa e na sua transição geracional, procurando identificar de,
entre eles, o mais apto para assegurar a respetiva direção e gestão. Procurar
promover em vida a melhor solução para o destino dessa empresa. Procurar regular
o modo como uma determinada pessoa ira ser sucedida na titularidade de uma única
ou de um conjunto de empresas, que se expressa nas respetivas participações
sociais.

Fala-se hoje na possibilidade do protocolo familiar, um acordo pelo qual todos os


envolvidos possam vir a assumir o destino dos bens que pertencem a um sujeito,
ainda que esses não se subsumam a uma realidade empresarial única, mas que
corresponda ao sentido de empresa para Direito da concorrência. O instrumento
adequado para essa sucessão é o protocolo familiar. Este é o instrumento que
visando envolver não apenas o titular de uma empresa ou grupo, mas de todos os
que possam legalmente suceder, poder vir a assumir o destino de todas as empresas.

Este instrumento permitirá evitar a natural dispersão dos ativos que integram as
empresas familiares ou a sua venda precipitada.

Em matéria sucessória, estamos sujeitos a regras imperativas, dentro de


determinados termos não podemos configurar por vontade própria o destino desses
bens. Por isso, todos os instrumentos que se possam elaborar, realizar, que visem
destinar os bens que correspondem às empresas existentes, vão ter que contar
necessariamente com a boa colaboração dos sucessores, dos herdeiros daquele que
era o principal impulsionador de um acordo com esta natureza. Até porque ou todos
assumem certos efeitos que, na realidade, a prazo colocam em causa a possibilidade
de impugnarem por morte esses mesmo acordo para reivindicarem uma participação

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diferente na sucessão ou vão conservar a prerrogativa para só agirem no momento


de utilização do acordo.

Quais são as fases? Podemos identificar 8 fases distintas.

1) Fase da consciencialização: a assimilação da ideia que a constituição de um


instrumento com esta natureza vai contribuir para subsistência ou
desenvolvimento das empresas a que respeita, pela coesão e profissionalismo
que lhes possa vir a conferir.
2) Depois temos uma segunda fase, que coincide com o início das vertentes jurídico-
societárias, tributarias, financeiras, que procurar proceder a um levantamento dos
bens objeto deste acordo.
3) Uma terceira fase visa proceder a uma avaliação desse património empresárial,
determinar o valor relativo dos bens e participações que são objeto de
levantamento, eventualmente, abrangendo todos os bens familiares, mesmo os
que não pertençam à empresa.
4) Numa quarta fase, os especialistas envolvidos no levantamento e avaliação vão
elaborar um relatório do qual constem as conclusões e preparar um calendário
com os atos subsequentes.
5) Feito esse balanço, dir-se-ia que podemos promover a primeira reunião familiar,
congregar todos os elementos da família na comunhão de conhecimento dos
valores e bens envolvidos, e procurar discutir e analisar esse relatório, preparando
necessariamente o calendário e atos a realizar no contexto desse calendário.
6) O que é que vamos fazer? Em função dessa reunião, vai-se ter que proceder à
identificação e escolha de equipas que vão trabalhar com os elementos da família,
para que se pronunciem à adequação dos atos à melhor solução, propondo o
modo de, no funcionamento das empresas, articulação da gestão das mesmas.
Isto é, procede-se à formação de equipas técnico-jurídicas e de consultores e
inicia-se a elaboração dos diversos instrumentos e a realização dos atos
pertinentes.
7) Feito isso, é feita numa penúltima fase, uma reunião que se destine à
apresentação e discussão de propostas de solução, negociações finais, aos
instrumentos que o deverão consubstanciar, como os acordos parassociais que
visam regular o modo como os sócios se vão relacionar, como as coisas se vão
conduzir no âmbito de uma determinada empresa.

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8) Finalmente, procede-se à formalização dos documentos que consubstanciarão no


protocolo familiar e, nesse momento, se os atos estiverem bem estruturados,
estando subjacente um critério de justiça material que tenha permitido a repartição
equitativa dos bens envolvidos, torna-se muito difícil que as partes venham a
questionar o destino desses bens, até porque esse destino teve a mão do titular
da empresa.

Celebrado o acordo familiar, passamos à fase de execução.

Estabelecimento individual de responsabilidade limitada (EIRL)


Uma outra questão, diz respeito a um instrumento de 1986, o instrumento mercantil
individual de responsabilidade limitada, criado pelo DL nº 246/86 de 25 de Agosto, e,
no fundo, este, conhecido pelo acrónimo EIRL, espelha a tentativa de uma pessoa
conseguir limitar individualmente a sua responsabilidade a um determinado
património que ela autonomizaria para prosseguir determinada atividade comercial. E
a finalidade seria, sem constituir pessoa jurídica autónoma, poder realizar no mercado
uma atividade que se não fosse bem-sucedida, não afetaria os bens pessoais do
investidor. Estamos a falar de uma época em que não havia sociedades unipessoais.
Mas trata-se de uma figura que foi substituída pelas sociedades unipessoais por
quotas, que pretendem atingir o mesmo fim, mas com menos risco para o seu titular.

16.Outubro.2018 Prática

Parte I
Hipótese 1
Alberto é educador de infância estando casado com Elvira, que trabalha como
manicure num espaço cedido dentro de um supermercado. Como as suas vidas não
andam a correr muito bem, decidiram abandonar a sua anterior profissão e tornarem-
se empresários de pastelaria. Alberto é um excelente pasteleiro e tem um amigo de
infância que vive na província produzindo cereais de todo o tipo, muito apetecíveis
nas pastelarias lisboetas. Esse seu amigo (Cristiano) vem todos os dias a Lisboa
trazer os cereais encomendados por Alberto. A pastelaria foi logo um enorme
sucesso, mas este foi abruptamente interrompido pela instalação, a 50m, de uma loja
da “Padaria Portuguesa” que, por se integrar numa rede de franchising, conseguia
praticar preços muito competitivos; ficando o negócio de Alberto em dificuldades.

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Suponha agora que a Padaria Portuguesa celebrou um contrato com Cristiano nos
termos do qual Cristiano forneceria cereais à Padaria e se vinculava a comprar bolos
e pão da Padaria Portuguesa, que iria revender ao público na sua região, assumindo
o compromisso de o fazer de acordo com a política comercial da Padaria Portuguesa
e sujeito ao controlo desta.

a) Cristiano é comerciante, de acordo com a TAC? E de acordo com a TJE?

Na última aula vimos esta alínea. Vimos que o art. 13º define quem é comerciante,
sendo que para tal tem que praticar, de forma profissional, atos de comércio.

De acordo com a teoria dos atos de comércio (TAC) são considerados comerciantes
os que pratiquem, de forma profissional, atos de comércio – estes encontram-se
previstos no art. 2º, 1ª parte: atos de comércio absolutos objetivos.

Já para a teoria jurídica da empresa (TJE) o art. 230º, 1ª parte funciona como uma
norma qualificadora autónoma, que antecipa a aquisição da qualificação como
comerciante a um sujeito para o momento em que ele ainda não está no exercício
profissional dessa atividade, mas está-se a propor a esse efeito. Numa leitura
conjugada do art. 230º com o art. 13º, para a TJE tanto é comerciante aquele que
está no exercício profissional de uma atividade, como aquele que se está a propor a
esse exercício.

Tendo isto em conta, Cristiano é ou não comerciante? Cristiano produz cereais e


sendo assim é considerado um empresário agrícola – consta do art. 230º, 1º parágrafo
que enquanto empresário agrícola não se trata de uma empresa comercial, mas sim
civil. A empresa agrícola, a empresa acessória da agrícola e as pequenas empresas
são todas empresas civis, estando todas excluídas do domínio comercial. Assim para
efeitos desta parte da hipótese, Cristiano, que aparece como produtor agrícola, não
é considerado comerciante, mas apenas empresário agrícola.

E pelo fornecimento de cereais já será considerado comerciante? Neste caso caímos


no art. 230º, 2º parágrafo. O risco desta atividade depende totalmente da terra, uma
vez que ele estava a fornecer os cereais que produzia nos seus terrenos. Já se ele
estivesse a fornecer cereais que não eram produzidos por ele, não era pelo facto de
ter havido uma tempestade nos seus terrenos que ficava desonerado dessa obrigação
de fornecimento, tendo que os ir buscar a outro qualquer mercado do mundo. Por

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isso, quer enquanto empresário agrícola, quer enquanto fornecedor dos produtos que
ele explora, faz dele um mero empresário civil, e não comercial.

Cristiano tinha também uma obrigação38 de comprar bolos para os revender. Fará isto
dele comerciante? Para a TAC um sujeito que celebre um contrato por virtude do qual
se obriga a comprar bolos para revender ainda não será considerado comerciante
porque ainda não pratica essa atividade profissionalmente. Já para a TJE será
considerado comerciante – no entanto, do art. 230º não resulta a classificação da
compra para revenda como uma atividade comercial. Podemos socorrer-nos do art.
2º, 1ª parte – atos objetivos absolutos – que para a TJE é uma norma qualificadora
somente para atos ocasionais, sendo que tudo aquilo que sejam atividades ou atos
profissionais escapam ao campo qualificador deste artigo. Assim, tudo o que sejam
atos ou atividades profissionais ou estão inseridos no art. 230º ou não considerados
comerciais (TJE).

Se o art. 230º é para a TJE uma norma qualificadora autónoma, não é estranho que
tenha deixado estas atividades de intermediação de fora? Para o prof. Barona este
art. 230º partiu da consideração que essas atividades são comerciais por natureza,
ou seja, pressupõem-nas como comerciais. O art. 230º é uma norma de alargamento
e por isso não veio excluir as atividades de intermediação do comércio, mas
pressupõem que essas atividades são já comerciais. O que este artigo vem fazer é
qualificar como comerciais atividades que até então não o eram.

Por isso é que há quem diga que quando o art. 230º diz “Haver-se-ão por comerciais
(…)”, deveria dizer “Haver-se-ão, também, por comerciais (…)”, porque essas
atividades de intermediação já se pressupõe como comerciais para a TJE.
Implicitamente são consideradas como tal por este art. 230º, embora este não fale
nelas expressis verbis. É uma norma de alargamento para além das atividades de
intermediação. Alarga para as atividades industriais, transformadoras e de prestação
de serviços.

Não se trata de um caso de analogia, que se coloca noutros termos e para outras
atividades que, não estando elencadas expressamente no art. 230º, podem ou não
receber a qualificação de atividade comercial. É aqui que se coloca a questão de

38 Vinculação e que resulta da celebração de um contrato.

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saber se é admissível a interpretação extensiva, a analogia e se sim que tipo de


analogia.

1) Analogia legis (art. 10º CC): temos um caso previsto e um caso omisso e temos
uma norma que regula o caso previsto. Sendo que o que a analogia legis manda
fazer é atender à razão de ser da norma que é aplicável ao caso que é previsto e
ver se é ou não aplicável também ao caso omisso, isto é, se procedem as mesmas
razões de decidir.
2) Analogia iuris: quando falha a analogia legis, para integrar a lacuna o intérprete
cria uma norma que teria sido criada pelo legislador se este tivesse previsto o caso
omisso.

A grande diferença entre ambas é que na analogia legis há uma resolução casuística
de cada caso. Ou seja, procuramos num caso análogo uma norma que se aplique,
uma vez que a ratio dessa norma é a mesma ratio que levaria a decidir o caso omisso.
Já na analogia iuris o grau de abstração que o legislador impõe é maior porque diz ao
intérprete que ele vai criar uma norma, que vai ter de ser geral e abstrata.

Quando dizemos que o art. 230º pode levar à qualificação mercantil através de um
sistema de analogia iuris, isso obriga-nos a ver dentro do art. 230º quais são as
características que uma determinada atividade económica tem de revestir para ser
qualificada como uma atividade comercial, para que possamos definir a norma que
será aplicável a todos os casos que não foram expressamente previstos pelo
legislador.

Daí a relevância do que falámos sobre a qualificação mercantil ao abrigo do art. 230º
e da TJE assentar sempre numa atividade económica assente num risco de capital
em função de um determinado mercado. Isto significa que sempre que eu esteja
perante uma atividade económica que se desenvolve em função de um determinado
mercado e que assente num risco de capital, ela, através de uma operação de
analogia iuris, pode ser qualificada como comercial pelo art. 230º.

Se não aceitar a analogia iuris, só vamos lá através da analogia legis.

Já se não aceitarmos a analogia como forma de ampliar o campo de aplicação do


Direito Comercial, como há muitos autores que o fazem, admitindo apenas
interpretações extensivas, isso obriga a que a conclusão a que cheguemos sobre se

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determinada atividade está ou não abrangida num dos vários números do art. 230º,
tenha algum apego na letra e espírito dessa alínea. Alarga-se o espírito da norma em
relação àquilo que é a sua letra, tendo que ser mantido um mínimo de
correspondência verbal.

Ex: será que comprar um apartamento para arrendar é uma atividade comercial?
Embora se preveja a compra para revenda, nenhuma norma do Código Comercial
prevê a compra para arrendamento como um ato ou atividade comercial. Será que
prevendo a compra para revenda, uma compra para arrendamento (que é menos)
não deve ser também comercial? Há autores que entendem que não porque há uma
exclusão expressa. Comprar para arrendar não é a mesma coisa do que comprar para
revender, nem é “menos”, mas apenas diferente. Ter-se-ia que fazer uma operação
de qualificação por integração analógica.

Depois há autores que nem admitem interpretação extensiva.

Ou seja, os temas da qualificação são de alguma complexidade sobretudo naqueles


casos em que não existe uma resposta imediata na letra da lei.

O Código Comercial foi feito e pensado à luz das atividades comerciais que existiam
à época. Hoje o domínio das atividades comerciais alargou-se para outras áreas que
para o legislador comercial eram impensáveis naquela altura. Mas em alguns casos,
até por mera interpretação extensiva, se conseguem integrar como sendo atividades
comerciais, porque está dentro do espírito do legislador ou porque resulta de uma
interpretação atualista daquelas normas.

É preciso ter em atenção que a TJE trouxe de facto um alargamento do âmbito da


qualificação mercantil, mas nem todos os autores aceitam essa extensão da
qualificação mercantil através da analogia iuris.

Dentro da TJE há variantes entre os autores sobre se é admissível a interpretação


extensiva e analogia legis e iuris.

b) E Alberto?

Alberto utiliza os cereais transportados por Cristiano para produzir bolos. Alberto é
pasteleiro. Será que o ato de transformar os cereais em bolos é um ato de comércio?

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Neste caso trata-se de uma pequena empresa ou empresário, uma vez que o risco
de prestação da atividade incide sobre a própria pessoa, sendo uma empresa civil.

Será que o barbeiro é comerciante? Se ele morrer deixa de haver atividade, tal como
no nosso caso. Tudo o que sejam as chamadas profissões manuais, o que acontece
com pasteleiro, padeiro, mecânico, marceneiro, barbeiro, etc. – tudo isso são
pequenos empresários.

Claro que se em determinada altura houver uma reorganização dessa atividade que
torne irrelevante a pessoa que corta o cabelo, que faz os bolos ou os pastéis, isso
quer dizer que deixamos de ter uma pequena empresa porque a atividade deixa de
estar centrada naquela pessoa em concreto, e o que se tornou relevante foi a
organização económica, a organização de fatores produtivos que aí está em
presença, estando nós perante uma atividade comercial.

Mas até lá, estando a atividade centrada numa pessoa, trata-se de uma pequena
empresa, não sendo Alberto comerciante, nem para a TJE nem para a TAC. O
pequeno empresário é o que tem o risco da sua atividade centrado na sua própria
pessoa, não sendo um comerciante.

Hipótese 2
António é proprietário de um táxi e exerce a atividade de taxista, juntamente com um
filho.

1. Os contratos que celebra com os clientes são comerciais? Justifique.

Será que António é comerciante e estes atos são comerciais? Neste caso, estando
mais uma vez o risco centrado na pessoa de António, sendo este um pequeno
empresário, não se considera um comerciante. A questão seria diferente se ele
tivesse uma frota de táxis.

O transporte não é uma atividade comercial? Encontra-se previsto no art. 230º/7,


sendo uma atividade comercial. Contudo nem todos os que fazem transporte são
comerciantes. O contrato de transporte é um contrato comercial, nos termos do art.
366º Código Comercial, quando haja uma empresa ou uma companhia regular
permanente. Ou seja, é pressuposto de um contrato de transporte mercantil que o
sujeito que celebra esse contrato enquanto transportador tem uma empresa de

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transportes. O que significa que tem de ter um conjunto organizado de fatores


produtivos necessários ao desempenho daquela atividade, não estando em causa o
exercício direto dessa atividade.

Por isso, quem exerce diretamente a atividade, como era o caso do António e do filho,
é um pequeno empresário.

2. A resposta seria diferente se ele tivesse uma frota de táxis? Neste segundo caso:

a) Suponha que António comprou os livros necessários à exploração do seu


negócio. Comprou também dois táxis e contratou um financiamento bancário para
financiar essa aquisição. Esses actos são comerciais? Justifique.

Já se tivesse uma empresa, como parece acontecer nesta alínea, onde parece haver
uma determinada organização maior que sustenta determinada atividade económica,
que é a atividade de transportes, aí ele já satisfazia os requisitos do próprio art. 366º
e do art. 230º/7, uma vez que ele próprio também pressupõe uma empresa, quando
diz “(…) as empresas (…)”. Ou seja, este artigo também pressupõe essa noção de
empresa subjacente ou como pressuposto do desenvolvimento de uma determinada
atividade económica.

Serão estes atos comerciais? Se imaginarmos que ele ainda não tinha a frota de táxis,
ele não seria comerciante.

Para a TJE: art. 230º, “que se propuserem” – estão aqui em causa os atos
preparatórios. Se ele ainda não tivesse a frota, mas já tivesse a praticar estes atos
preparatórios da compra dos 2 táxis, dos livros, do financiamento, etc., tudo isso se
enquadraria no art. 230º como atos preparatórios da atividade comercial, sendo
qualificados por este artigo como comerciais.

Agora, se ele já tivesse a frota de táxis e se já tivesse iniciado a atividade


transportadora, estes atos seriam comerciais? Se os atos são os atos que se integram
na sua atividade principal, neste caso seriam os contratos de transporte que ele
celebra com os seus sucessivos clientes, eles são comerciais ao abrigo do art. 230º.
A compra dos táxis, dos livros e o financiamento bancário não são atos que se
integrem na atividade principal. Serão comerciais? Sim, estamos perante um
comerciante, os atos não têm uma natureza exclusivamente civil e da natureza do
próprio ato não resulta a sua exclusão como sendo um ato comercial, ou seja, não

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resulta de forma evidente das circunstâncias em que o próprio ato é praticado que ele
é alheio à atividade desenvolvida pelo operador comerciante. Existe assim neste art.
2º, 2ª parte, uma presunção de que nestas situações, quando estamos perante atos
conexos com a atividade principal do comerciante, se tratam de atos comerciais.
Quando falamos de atos conexos falamos de atos acessórios da atividade principal.

Em suma, os atos que dizem respeito à atividade principal do sujeito são qualificados
pela TAC pelo art. 2º, 1ª parte e para a TJE pelo art. 230º. Todos os outros atos que
não digam respeito à atividade principal do comerciante, mas que possam estar
relacionados com essa atividade, sendo dela acessórios, ou seja, atos conexos,
serão qualificados como comerciais de acordo com o art. 2º, 2ª parte quer para a TAC
quer para a TJE.

Assim, quando ele compra os livros para a exploração, os táxis e faz o financiamento
bancário para a aquisição dos táxis, tudo isto são atos que são conexos com a
atividade, e não podemos dizer que resulta das circunstâncias em que foram
praticados, que eles são alheios à atividade principal do sujeito. Isto do lado do
António

No caso do financiamento bancário, isso também diz respeito à atividade principal do


banco. E por isso, este ato podia ser qualificado como comercial ao abrigo do art.
230º para o lado do banco, mas era comercial para o António ao abrigo do art. 2º, 2ª
parte.

Por isso, quando fazemos a qualificação, temos de ver pelo lado de quem é que
estamos a qualificar. Neste caso, estamos a ver para o lado do António, mas
podemos ter que fazer também a qualificação pelo outro lado da relação.

E este critério de separação entre a atividade comercial do sujeito e aquilo que são
atividades conexas é importante porque é isso que determina a aplicabilidade do art.
230º para a TJE ou do art. 2º, 1ª parte para a TAC, ou a aplicabilidade do art. 2º, 2ª
parte.

b) Suponha que António, num local distante do seu negócio e sem referir que era
empresário, celebrou um contrato de arrendamento de um andar, por um mês,
durante o período normal de férias. Este acto é comercial? Justifique.

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Neste caso trata-se de um comerciante que vai arrendar um apartamento durante o


seu período normal de férias não dizendo a ninguém que está a arrendar o
apartamento enquanto comerciante. Para o prof. Barona resulta evidentemente das
circunstâncias em que o ato é praticado que isso não resulta da sua atividade.

Se ele arrendasse o apartamento do Algarve em Agosto porque nessa altura há


imensos turistas e por isso tem oportunidade de fazer mais negócio nessa altura,
nesse caso é que já não se podia dizer que tendo em conta as circunstâncias em que
o ato é praticado que ele era alheio à atividade do comerciante.

c) Suponha agora que António, sem aludir à qualidade de comerciante mas perante
quem sabia que ele era comerciante, encomendou pelo telefone um computador. O
acto é comercial? Justifique.

Neste caso caímos novamente no âmbito de aplicação do art. 2º, 2ª parte. Estamos
perante um comerciante, o ato não é exclusivamente civil e não resulta das
circunstâncias em que o ato é praticado que o ato não seja comercial, presumindo-
se a sua comercialidade.

Quando há dúvida sobre saber se o ato está ou não relacionado com a atividade do
comerciante, a lei presume que é comercial, porque não resulta da sua prática o
contrário.

Hipótese 3
António, comerciante de eletrodomésticos, comprou cinco torradeiras e uma carrinha
de transporte de mercadorias.

a) Os negócios celebrados por António são comerciais?

A compra das torradeiras, para a TAC, seria comercial se se destinarem a ser


revendidas. Se não forem, de acordo com o art. 463º, não o são.

Para a TJE também se trataria de um ato comercial porque o art. 230º também tem
que ser lido em conjunto com o art. 463º, mas com uma particularidade. É que o art.
463º quando fala na compra para revenda é para qualificar o ato principal daquele
sujeito. A partir do momento em que se qualifica a atividade de determinado sujeito
com comercial, isso dispensa a verificação de cada ato em concreto. Ou seja, isto vai
fazer com que se possa dispensar a verificação se cada torradeira foi comprada com

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a intenção de ser revendida, porque sendo um ato que se integra no art. 230º, ele vai
receber a qualificação comercial.

Este art. 230º trouxe uma certa subjectivização da atividade comercial, porque basta
que a atividade seja praticada por um comerciante (sendo que este art. 230º qualifica
não apenas atos, mas também sujeitos), ao abrigo do art. 230º, para que ele seja
considerado como comercial. Não se verifica em cada compra de torradeiras que o
comerciante faz se essa torradeira é comprada com o intuito de revender, porque a
partir do momento em que considero que a atividade de compra de eletrodomésticos
é comercial, fico dispensado de verificar se em cada compra de varinhas mágicas,
torradeiras ou batedeiras, ele compra para revender.

Tudo o que diga respeito à sua atividade principal é comercial, e por isso é que se
diz que este art. 230º trouxe uma subjectivização à qualificação mercantil.

Já a compra da carrinha é comercial para ambas as teorias pelo art. 2º, 2ª parte,
porque se trata de um ato conexo com a atividade comercial do sujeito em causa.

17.Outubro.2018 Teórica

Sujeitos de Direito Comercial


Estabelecimento individual de responsabilidade limitada
Vem regulado no DL nº 248/86, de 25 Agosto. Permitiu a todos os comerciantes o
poder de afetar parte do seu património e limitar a responsabilidade da sua atividade
mercantil a esse património. Foi este diploma, comunicado a escassos dias antes da
publicação do CSC, e o legislador nessa época preferiu esta figura (abreviada
denominamos de EIRL) à figura da sociedade unipessoal. O EIRL surgiu, mas com
algumas limitações, designadamente cada pessoa só pode ter um EIRL. Depois este
estabelecimento deve ser parte ou extensão de uma pessoa singular e, em certas
circunstâncias, o EIRL não garantia a almejada separação patrimonial entre os bens
pessoais próprios do comerciante e o património que é afeto à realização de uma
certa atividade comercial. E por isso os agentes económicos, perspetivando esta
figura e a sua estrutura jurídica e percebendo que não se podiam relacionar
diretamente com ela, isto é, o seu titular não podia entrar em relação com ela, porque
no fundo não lhe pertencia, entenderam que era preferível, na falta de poderem

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constituir sociedades unipessoais, criar sociedades por quotas normais com pelo
menos dois sócios, mas que na realidade só pertencessem a um.

Por isto ter acontecido, em meados da década de ’90, em alteração ao CSC, foram
admitidas as sociedades pessoais por quotas, reguladas nos arts. 270º-A e ss. Depois
da sociedade unipessoal por quotas ter sido implementada e ter registado um número
de adesões muito superior àquele que o EIRL teve, o legislador a partir daí procura
desencantoar o recurso ao estabelecimento de responsabilidade limitada e até
incentivou a conversão desse estabelecimento numa verdadeira sociedade
unipessoal por quotas. Essa realidade era uma realidade juridicamente autónoma e
independente e, por isso, o seu titular, que pode ser uma pessoa singular ou coletiva,
pode relacionar-se juridicamente com ela, pode ser contraparte negocial em atos
jurídicos, em contratos. Numa sociedade unipessoal por quotas o titular pode ser o
senhorio dessa mesma sociedade, porque ele diferencia-se desta estrutura jurídica.

Alguns aspetos referidos ao EIRL


O EIRL tem de pertencer a uma pessoa com capacidade jurídica. Deste regime
resulta ainda que cada pessoa só pode ter um EIRL. Mas o comerciante pode, apesar
de ter um EIRL, exercer o comércio autonomamente à margem deste
estabelecimento.

Por sua vez, o EIRL pode-se exprimir em diversos estabelecimentos comerciais.

Em 1986 o legislador constitui este estabelecimento em termos semelhantes com o


tipo societário que na época lhe era mais próximo, o da sociedade por quotas, que
também era uma sociedade de responsabilidade ilimitada, e por isso o legislador
procurou transferir para o EIRL inúmeros aspetos e características do regime da
sociedade por quotas. Ex: o capital mínimo é de €5.000 e isso resulta do art. 3º/2 do
regime jurídico, que curiosamente continua com este valor. De momento, a própria
sociedade por quotas já não tem capital social mínimo de €5.000, mas sim um capital
social simbólico correspondente a €1 por cada sócio (pode ter mais).

Depois previu que as variações do capital39 se deviriam processar como as variações


de capital das sociedades comerciais – isto resulta com clareza dos arts. 17º a 19º,

39 Montante patrimonial que o titular do EIRL afeta à produção da atividade através deste estabelecimento.

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onde se prevê uma enorme semelhança com o aumento e redução do capital de uma
sociedade comercial.

Depois conclui-se que, em princípio, o capital que era afeto só podia ser utilizado para
a atividade dessa estrutura e, enquanto essa estrutura não gerasse meios financeiros
que ultrapassem o capital social, o seu titular não poderia retirar para si, para sua
fruição, esses meios financeiros – a isto se chama a intangibilidade do capital social
e que caracteriza também as sociedades comerciais em geral.

Também se previu que o EIRL não responde pelas dívidas do seu titular. Vai estar
tendencialmente afeto a responder pelas dívidas relativas à sua atividade, como
resulta do art. 10º, mas, naturalmente, ele responde pelas dívidas comuns que
existissem antes da sua constituição, para que a constituição desta estrutura não seja
um meio de subtrair à responsabilidade certos bens do comerciante de uma
responsabilidade que ele já tivesse no momento do seu exercício. Mas a partir do
momento em que ele os segrega e constitui esta estrutura, então esta estrutura já não
tem de responder pelas suas dívidas comuns, o que não significa que não possa
responder quando já não houver bens do comerciante para essa satisfação.

Do mesmo modo, o património pessoal do titular do estabelecimento também, em


princípio, não responde pelas dívidas do estabelecimento que é constituído com essa
finalidade, como está previsto no art. 11º do diploma. Mas o art. 11º/ 2 e 3 prevê que
se não houve uma clara segregação do património, isto é, se o comerciante ou o
titular do estabelecimento tiver misturado o seu património próprio com o património
do EIRL, então também o património pessoal vai responder pelas dívidas do EIRL.
Aqui está também um aspeto que era muito desfavorável do EIRL em relação às
sociedades unipessoais.

Em termos de natureza jurídica o EIRL não é uma pessoa nem sujeito de Direito, é
um património autónomo. Esta figura entrou em estertor, tendo declinado quando se
pôde substituí-la por uma sociedade unipessoal por quotas, ainda que cada pessoa
só possa ter uma destas.

Dos arts. 270º-A e ss resulta que, em bom rigor, uma mesma pessoa pode ser
simultaneamente titular de uma sociedade unipessoal por quotas e de um EIRL, ainda
que a sua capacidade de movimentação possa ser diferente numa e noutra.

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Sociedades comerciais
As sociedades comerciais são o comerciante que está previsto no art. 13º/2 do Código
Comercial – aqueles comerciantes que o são apenas pelo facto de se constituírem
como tal. No século atual, embora haja um número absoluto de empresários
individuais superior ao número dos empresários comerciais, estes são muito mais
relevantes no contexto da nossa economia.

Como podemos caracterizar a sociedade comercial? Segundo a lei comercial sempre


que ela se propuser, nos termos do art. 230º, à prática de atos de comércio ou de
uma determinada atividade económica empresarial e o faça nos termos em que se
caracteriza a intervenção do comerciante, ou seja, que o faça com fins lucrativos, ou
sempre que uma determinada realidade se constitua como sociedade comercial. A
sociedade é um ente personificado, sujeito de Direito, participado em regra por duas
ou mais pessoas que exercem uma atividade económica lucrativa, que se
consubstancia na celebração de contratos comerciais, os quais uma vez articulados
formam uma atividade mercantil – o art. 1º CSC enfatiza esta ideia. O que vai
caracterizar a sociedade comercial pela conjugação do art. 230º Código Comercial
com o art. 1º CSC é que esta entidade, que está predisposta como uma organização
de fatores produtivos que visam a prestação de serviços ou a produção e distribuição
de bens para o mercado em função das quais ela existe, caracteriza-se pelo relevo
do capital que nela está investido, isto é, pelo relevo de capital que é afeto ao seu
exercício.

Mas o art. 1º CSC indica que as sociedades constituída como comerciais estão
sujeitas à adoção de um determinado tipo negocial. A autonomia privada nesta
matéria abrange a faculdade de constituição de uma sociedade comercial – todos os
sujeitos têm liberdade de recorrer a estas entidades, mas a partir do momento em
que decidem criar, o art. 1º limita as opções, estabelecendo um princípio de tipicidade.
Há uma limitação na liberdade de seleção do tipo negocial – art. 1º/3. Os tipos vêm
previstos no art. 1º/2. O art. 1º/4 abre a forma e o regime da sociedade comercial a
todas aquelas sociedades que, pela sua natureza, não se possam constituir como
sociedades comercias, como é o caso da sociedade agrícola – porque nessas não é
possível pela declaração da forma qualificar a substância. As acessórias das
agrícolas já é possível e nas que correspondem a pequenas empresas também. Nas

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sociedades agrícolas o objeto é necessariamente não comercial, mas o art. 1º/4


acolhe-as. No art. 1º/2 estão enunciados os 4 tipos societários:

1) Sociedade em nome coletivo.


2) Sociedade em comandita.
3) Sociedade anónima.
4) Sociedade por quotas.

O CSC está estruturado em títulos, que se dividem em capítulos, que se subdividem


em secções.

Sociedade em nome coletivo


A sociedade em nome coletivo ou sociedade simples é a mais antiga. São sociedades
de pessoas e, por isso, tendencialmente, devem respeitar não apenas uma vontade
maioritária, mas nos seus aspetos mais relevantes até uma decisão unânime. Há
grandes limitações, como tal também na substituição e transmissão das participações
sociais dos sócios. Todos os sócios têm uma responsabilidade pessoal solidária
ilimitada, ainda que seja subsidiária. Só quando excutido o património que tiverem
afetado àquela realidade económica é que vão ser chamados a responder pelos seus
próprios bens. Podem haver:

1) Sócios de capital: disponibilizam a sociedade de bens que ela vai necessitar para
se colocar no mercado e funcionar.
2) Sócios de indústria: disponibilizam o seu trabalho.

Na responsabilidade interna os sócios de indústria não respondem perante os sócios


de capital, porque já era sabido que só entram com trabalho e não com bens. Mas os
sócios de indústria são responsabilizados externamente perante terceiros credores.

As participações nestas sociedades são designadas por partes e cada sócio tem um
voto independentemente do seu contributo, a não ser que diferente disposição se
tenha convencionado. São sociedades que são administradas pelos gerentes – todos
os sócios, tendencialmente, são gerentes. Os terceiros só podem ser gerentes se os
sócios estiverem de acordo com isso. São sociedades fechadas e não carecem de
órgão de fiscalização, isto é, um órgão social que se pretende substituir à intervenção
dos sócios no controlo da atividade de gestão, que costuma ser feita uma vez por
ano.

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As sociedades em nome coletivo justificam-se precisamente pela responsabilidade


ilimitada que conferem. Quando há responsabilidade ilimitada não são necessárias
mais garantias para obter mais financiamento.

Sociedades em comandita
Na realidade, as sociedades em comandita quase já não existem. São de tradição
germânica e francesa. A sua razão de ser é de substancialmente corresponderem a
uma estrutura empresarial que pode ter um certo interesse, porque se caracterizam
por conjugar sócios de duas naturezas:

1) Sócios com responsabilidade ilimitada: assumem a direção e a gestão da


sociedade – sócios comanditados.
2) Sócios com responsabilidade limitada ao capital que disponibilizam: costumam
permanecer na sombra – sócios comanditários.

Podemos constituir uma sociedade em comandita sob subtipo simples ou por ações.
Além das normas que constam do art. 5º CSC, as sociedades em comandita além de
estarem sujeitas a regras comuns, estão sujeitas à aplicação subsidiária das normas
das sociedades em nome coletivo, se forem simples, ou das sociedades anónimas,
se forem por ações.

Os sócios são de 2 tipos e isto também se vai refletir na forma como vão desempenhar
os seus papéis na sociedade: uns integram a gestão e a administração da sociedade,
outros estão ocultos.

Sociedades por quotas


As sociedades por quotas foram as últimas a surgir. Vêm reguladas nos arts. 197º e
ss. As sociedades anónimas estão previstas nos arts. 271º e ss.

Estes tipos de sociedades tiveram, no passado, alguma proximidade. O que os


diferenciava grandemente era a complexidade da respetiva orgânica e a
transmissibilidade do seu capital por outro, para além das grandes exigências de
capitalização, muito maiores nas sociedades anónimas do que nas sociedades por
quotas.

Desde 2011, quando foram introduzidas as sociedades por quotas de capital


simbólico, as sociedades por quotas aproximaram-se definitivamente das sociedades
por pessoas, isto é, estão junto delas, já não são sociedades de capitais – já não se

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explicam pelos níveis relativamente elevados de responsabilidade patrimonial que


anteriormente ostentavam. Isto porque podem ser feitas numa situação de prática de
sub-capitalização, ou seja, se no momento em que as constituto apenas tenho de
disponibilizar €1 por sócio, é mais caro recolher esse €1 do que o próprio valor do
capital. Para elas começarem a funcionar, vão ter que começar logo a vingar.

A sua grande característica é a responsabilidade ser limitada ao capital subscrito,


portanto, se o capital for simbólico a responsabilidade é muito reduzida, já se for
maior, mesmo que ele não seja totalmente realizado no momento da constituição da
sociedade, todos os sócios são responsáveis pela realização total do capital social.

O órgão de governação, que é o órgão executivo, designa-se por gerência e é


composto por um ou mais gerentes, os quais representam conjuntamente a sociedade
– representam a sociedade pela intervenção da maioria.

O capital social é a referência para a atribuição e repartição do poder interno no


âmbito da sociedade. Em princípio a cada cêntimo de capital cabe um voto, por isso
quanto maior o capital maior o número de votos que o sócio terá. Têm também o seu
capital representado por quotas, que são verdadeiros bens incorpóreos, cabendo em
princípio uma quota a cada sócio, embora por vezes um sócio possa ser detentor de
mais do que uma quota. Há o princípio da unidade da quota.

São sociedades de pessoas, que só estão sujeitas a fiscalização numa situação


excecional em que atinjam uma dimensão relevante que está prevista no art. 262º/2
– nestes casos fica sujeita a fiscalização ad hoc.

Quanto à transmissibilidade: as quotas não são livremente transmissíveis, salvo se


apenas estiver em causa os sócios ou se apenas estiverem em causa os herdeiros
legitimários dos sócios. Se não for este o caso, tem de haver consentimento dos
sócios para transmissão das participações.

São sociedades fechadas, como regra, em que releva a participação dos sócios (arts.
228º e ss). Os direitos e vinculações desta sociedade são atribuídos aos sócios do
ponto de vista qualitativo, independentemente da sua participação.

Sociedades anónimas
As sociedades anónimas são as continuadoras das companhias colonias e que
precederam cronologicamente às sociedades por quotas. São estruturas capitalistas,

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ou seja, visam agregar patrimónios relevantes para satisfazer atividades que carecem
de uma afetação de meios elevados.

Os seus sócios têm responsabilidade limitada, mas neste caso em vez de ser ao
montante de capital subscrito pela sociedade, só é responsável pelo capital que
subscreve enquanto sócio.

O capital mínimo para se constituir é de €50.000, tem de ser realizado no momento


de constituição em, pelo menos, 30% e desde que seja em dinheiro, salvo no caso
das sociedades com objeto especial, que estão sujeitas a capitais sociais mínimos
muito mais elevados – ex: bancos e seguradoras.

Os sócios podem participar na assembleia geral, mas ao contrário do que acontece


com os sócios dos outros tipos de sociedades, em certos termos, aqui é possível não
permitir a sua presença. O legislador admite, nos termos do art. 384º/2, a) CSC
conjugado com o art. 279º, que a participação possa ser delimitada à titularidade do
direito de voto e que este possa depender da titularidade de um predomínio de ações.

As sociedades anónimas são também caracterizadas pela liberdade de


transmissibilidade das respetivas participações, ao contrário das sociedades por
quotas – arts. 398º e 399º.

Modelos possíveis de governação


O modelo de governação societária diz respeito ao modo como se articula a gestão e
a administração da sociedade. Estamos a falar de sociedades com uma dimensão
relativamente grande, logo a lei impõe a fiscalização obrigatória – a lei impõe que a
atividade da administração tem de ser controlada de forma periódica, com certa
regularidade, pelo órgão de fiscalização, este não é mais que o órgão intercalar entre
a assembleia geral40 e a própria gestão. Ou seja, este é um órgão intermédio que visa
remitir a alguns sócios e não apenas um conhecimento mais imediato da realidade da
própria sociedade. Dado que a sociedade anónima tende a ter uma dimensão maior
o legislador quis consagrar este órgão obrigatório.

Governação no plano da sociedade anónima: a sociedade caracteriza-se de um modo


geral por ter um órgão executivo e um órgão de controlo e ainda deve ter um órgão
deliberativo institucionalizado, que é concretizado pela assembleia geral, composta

40 Que fiscaliza o desempenho dos administradores uma vez por ano.

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pelos sócios. Como se articula o órgão executivo e o de controlo? O nosso sistema


concede três modelos diferentes:

1) Modelo clássico ou latino: só havia um órgão de administração, chamado conselho


de administração, e um órgão de fiscalização, chamado conselho fiscal. Depois
passaram a poder em certos casos, mediante certas condições, a ter uma
composição singular e passaram a poder ter um administrador único e um fiscal
único.
2) Modelo clássico: com uma estrutura de fiscalização complexa. Em 2006, com a
reforma do CSC, veio a introduzir-se este segundo modelo. Quando a sociedade
anónima tivesse uma dimensão particularmente relevante, esta tinha de adotar um
estrutura fiscalização complexa. Nesses casos além de um órgão de
administração vai ter um conselho fiscal e, à margem deste, um revisor oficial de
contas, revisor este que já era obrigatório nas sociedades que estão sujeitas a
fiscalização. As sociedades que carecem desse reforço são as grandes
sociedades anónimas, previstas no art. 413º/2, a) CSC. O modelo clássico que foi
adotado tem de assumir uma estrutura complexa.
3) Paralelo ao modelo clássico foram entretanto criados mais 2 modelos de
governação:
a) Modelo de governação germânica, em 1986: neste temo o órgão de gestão
que é o conselho de administração executiva. Mas a fiscalização é desdobrada
em dois órgãos: o conselho geral e o órgão de supervisão, que também tem
competências de gestão. E por isso este modelo também muitas vezes se
chama dualista, porque a gestão se reparte por 2 órgãos e o revisor de contas
é autónomo, à margem do conselho geral de supervisão.
b) Modelo de governação anglo-saxónica, em 2006: aqui temos o conselho de
administração, do qual faz parte o órgão de comissão de auditoria, que é o
órgão de fiscalização, que é formado por administradores, mas com funções
não executivas, mas antes com funções de controlo. À margem deste órgão
há o revisor oficial de contas.
Há uma grande semelhança entre a estrutura destes dois modelos e a estrutura
do modelo clássico – qualquer delas está especialmente apta para as grandes
sociedades anónimas, em especial para as que estão cotadas no mercado.

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Existência de subtipos de sociedades anónimas


O CSC embora não enumero subtipos, impõe diferenciações de regime em função da
verificação de determinados fatores.

A principal sociedade anónima regulada no CSC é a sociedade anónima simples ou


em sentido restrito, no sentido em que corresponde àquela que foi sempre regulada
no CSC, com liberdade de transmissibilidade das participações sociais e com um
modelo de governação não sujeito a especiais qualificações.

Mas é verdade que em função da sociedade anónima ou em função da abertura da


sociedade anónima ao mercado, podemos descortinar 3 novos subtipos:

1) Sociedade anónima aberta (sempre existiu): capital aberto ao investimento


público. Aquela que se constitui por oferta pública ou em que a certo momento é
dirigida por uma oferta ao público em geral. Quando isto acontece, essas
sociedades vão ficar sujeitas a um regime jurídico mais rigoroso para proteção dos
muitos investidores que podem ter dificuldade em percecionar o efeito da sua
participação.
Durante muitos anos em Portugal havia, por um lado, sociedades de subscrição
privada ou simultânea, e sociedades de subscrição pública ou sucessiva. Foram
estas que deram origem às sociedades abertas.
Só que quando legislador aprova a reforma societária de 2006 criou dois novos
subtipos.
2) Grandes sociedades anónimas (por contraposição à sociedade anónima simples).
3) Sociedades quotadas (quarto subtipo): são sociedades anónimas cujas ações se
transacionam na bolsa. Estas são, por definição, sempre abertas – mas nem todas
as sociedades anónimas abertas são quotadas, porque nem todas as sociedades
que passaram por uma oferta pública podem ver o seu capital movimentado na
bolsa. A esta cabem maiores exigências.

Empresa plurisocietária
Este é o fenómeno em que as sociedades, sendo detidas pelas mesmas pessoas,
físicas ou coletivas, estão relacionadas entre si. Nesta medida há que diferencias 2
circunstâncias diferentes.

Quando a sociedade é constituída precisamente com a finalidade exclusiva de ser


detentora de participações noutra sociedade, a sociedade holding ou gestora de

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participações sociais, designada também por CGPS e sujeita a um regime jurídico


próprio que consta do DL nº 495/88, 30 Dezembro, ou quando temos sociedades que
não tenham por objeto exclusivo o exercício da atividade económica por uma forma
indireta e então estamos perante o fenómeno de coligação de sociedades, que ocorre
quando uma sociedade participa no capital de uma outra sociedade, e o relevo jurídico
verifica-se a partir dos 10% daquilo que é uma simples relação de participação, que
pode ou não ser recíproca, e caminha até aquilo que é uma relação de domínio total,
ou seja, quando o capital de uma sociedade comercial pertence na totalidade a outra
sociedade comercial. Mas há situações intermédias. Há casos de sociedades que são
detidas maioritariamente por outras sociedades, nesse caso há uma situação de
domínio simples, mas não total. Todas estas sociedades estão em coligação, que
vem prevista no Título VI CSC, nos arts. 481º e ss.

No que diz respeito às sociedades gestoras de participações sociais, o que as


caracteriza é que o facto de terem uma delimitação de objeto, uma vez que têm um
objeto exclusivo, mas elas não podem exercer diretamente uma atividade comercial.

Diferentemente se passa com as outras sociedades, que estão posicionada no


mercado a desenvolver uma atividade económica comercial, mas ao mesmo tempo
participam noutras sociedades comerciais.

A diferença entre as sociedades CGPS e as sociedades coligadas radica no respetivo


objeto social, ou seja, tem a ver com a atividade que uma e outras se propõem a
prosseguir.

Nas sociedades em relação de grupo, além das situações que correspondem a uma
participação de uma sociedade na outra, com maior ou menor intensidade, é possível
formar um grupo de sociedades através de um contrato de subordinação, isto é, ainda
que as sociedades nada tenham a ver umas com as outras, elas estarem de acordo
através de um instrumento contratual em aceitarem ser dirigidas por uma delas, em
subordinarem a sua gestão a uma dessas sociedades.

Na primeira metade do séc. XX a ordem jurídica não imaginava que uma sociedade
pudesse ser detida por outra. Tinha de ser detida por pessoas físicas ou singulares.
Então o que caracterizava antes um grupo económico é que as diversas sociedades
dedicadas a atividades comerciais também diferentes tinham como característica
uma titularidade comum dos respetivos capitais – o dono das sociedades era o

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mesmo. Como não havia pressão fiscal para descontar o lucro de umas nas outras,
não havia necessidade de criar um regime jurídico em que se criasse ligação para
que sociedades pudessem descontar lucros de umas nas outras.

Sempre que uma sociedade estrangeira adquire participações numa sociedade


nacional, ela está a tomar uma posição em Portugal. A tendência da legislação
portuguesa é a de referir que se a participação é estrangeira, não se lhe aplica o
regime português para não imiscuir com as sociedades estrangeiras – arts. 481º e
482º. Quis saber-se se uma sociedade que se encontra em conexão com mais do que
uma ordem jurídica pode ser verdadeiramente supra ou transnacional. Criado um tipo
de sociedade anónima, a Sociedade Anónima Europeia, criada por regulamento
comunitário de aplicação direta e acolhida no DL nº 2/2005, 4 Janeiro – sociedade
que visa aplicar-se a sociedades que congregam trabalhadores em vários Estados
diferentes. Todos os outros tipos societários que se pretenderam lançar a nível
europeu, como a sociedade privada europeia ou a sociedade unipessoal por quotas,
todas claudicaram.

Outras entidades personalizadas


Depois de caracterizados os principais sujeitos do Direito Comercial, podem haver
outras para além dos comerciantes e das sociedades comerciais? Sim, mas a
personificação tem de se extrair do regime jurídico. Podem se forem reconhecidos
pela lei – princípio da tipicidade das PC.

Agrupamentos complementares de empresas


Agrupamento complementar de empresas: pessoa jurídica introduzida em Portugal
em 1973 com a Lei nº 4/73, 9 Julho e que é regulamentada pelo DL nº 430/73, 25
Agosto. São conjuntos de pessoas, singulares ou coletiva, que podem ser
sociedades, que visam conjugar os esforços para, potenciando as respetivas
sociedades, conseguirem um resultado económico melhor do que aquele que teriam
se prosseguissem diretamente essas mesmas atividades. Como a lei indica, este
agrupamento é complementar à atividade comercial das empresas, designadamente
quando elas são comerciais, mas os intervenientes podem não ser comerciantes.
Esta atividade, embora não seja diretamente lucrativa e seja essencialmente
instrumental por ser complementar a estas empresas, pode gerar lucros –

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característicos das prestações de serviços, sejam eles técnicos, sejam eles


económicos.

19.Outubro.2018 Teórica

Sujeitos de Direito Comercial

Muitas vezes recorremos ao regime jurídico das sociedades comerciais porque é


regime mais bem regulado, pelo que o usamos mesmo quando vamos tratar de
entidades distintas.

Podemos ter cinco tipos sujeitos de direito comercial além dos comerciantes e das
sociedades comerciais.

Outras entidades personalizadas


Agrupamentos complementares de empresas

Em alguns países são conhecidos pela forma de agrupamentos de interesse


económico, que foram criados em França e que acabaram por se desenvolver no
chamado agrupamento europeu de interesses económicos, que, como o nome indica,
significa que é possível constituir pessoas jurídicas que se pretendem associar para,
a nível supranacional, promover uma determinada atividade económica. Estão estas
duas figuras previstas nas compilações.

Em comum estas entidades partilham o facto de não prosseguirem o lucro, mas sim
uma melhoria e uma eficiência dos serviços que são prestados pelos agrupados.
Pretendem constituir uma atividade que é acessória ou complementar à atividade
principal prosseguida pelos agrupados, que não corresponde, por isso, à atividade
principal dos agrupados.

Estão regulados no Regulamento 2137/85 de 25 de Julho, e foram também acolhidas


estas figuras no DL de 1990.

Cooperativas
Terceira categoria de entidades são as cooperativas. São uma PC de livre
constituição e de capital e composição variáveis, cuja finalidade é a satisfação, sem
intuito lucrativo, das necessidades económicas, sociais ou culturais dos seus
membros, pela entreajuda que no fundo elas são espelho. E dentro desta entreajuda,

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pela observância dos princípios cooperativos, como designados pelo Código


Cooperativo. É uma lógica de partilha e de fruição, e não de maximização do ganho.

Podem prosseguir uma atividade económica nalgumas circunstâncias.

Por detrás de tudo isto, além do princípio que é reconhecido constitucionalmente, uma
vez que o sector cooperativo tem dignidade constitucional e existe a par do sector
privado e do sector público, também as cooperativas são hoje objeto de regulação
pelo Código Cooperativo, cuja última versão data de 2015. Na realidade, elas têm
uma série de regras que as aproximam muito das sociedades comerciais, mas o seu
fim descaracteriza-as relativamente a estas. As regras que as aproximam das
sociedades comerciais são sobretudo as regras que dizem respeito à sua estrutura
orgânica e à sua governação. Por isso, a governação da sociedade anónima vamos
encontrá-la no domínio das cooperativas, apesar disso ser relativamente contestável,
dado que sendo as cooperativas de um modo geral de dimensão reduzida, não se
justifica muitas vezes uma governação especialmente complexa. No entanto, no seu
objeto, para além das atividades económicas que podem ser diversas, podem ter uma
atividade fundamentalmente cultural ou social, sendo uma forma de promoção e
associação possível por parte dos seus membros. Por sua vez, a forma de
representação e vinculação também não difere da das sociedades anónimas, isto é,
são dirigidas, administradas e representadas externamente através seu do órgão de
gestão, que hoje se chama administração.

São sujeitas a um controlo, uma vez que, de algum modo, são supervisionadas por
uma entidade pública, que é a CASES, e nos termos do Código Cooperativo estão
sujeitas a uma tutela pública rigorosa, dado que são formas de organização jurídica
às quais a ordem jurídica dispensa benefícios, nomeadamente de carácter fiscal.
Logo, temos de ter controlo para ver se há cumprimento dos fins e princípios
cooperativos e não estão antes a ter uma atividade lucrativo.

A lei impõe que as cooperativas que tenham objeto comercial devem estar inscritas
no registo comercial. Essas, que têm regras características das sociedades e que
subsidiariamente recorrem ao regime jurídico das sociedades comerciais, são sujeitos
de direito comercial, só que sem fim lucrativo.

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Empresas Públicas
Quarta figura são as empresas públicas: são empresas que adotam uma forma de
organização jurídico-societária, mas materializam-se pela intervenção do Estado na
economia, isto é, são produto da intervenção do Estado na economia como um agente
produtivo ou prestador de serviços.

O que as caracteriza é o respetivo capital ser total ou quase totalmente detido pelo
Estado ou outras entidades públicas, havendo também a par das empresas públicas
de carácter estadual, as empresas públicas autárquicas de dimensão regional ou até
mesmo local. Há toda uma série de empresas que acabam por serem e pertencerem
ao Estado e não se terem de organizar necessariamente como as outras.

Nas empresas públicas, como pertencem ao Estado, a procura não tem de ser
necessariamente o lucro, mas isso não significa que tais empresas não observem,
não apenas pela previsão do diploma que as enquadra, mas também pela remissão
para a aplicação subsidiária das regras do CSC, as regras características das
sociedades comerciais. O diploma que neste momento as regula DL Nº 133/2013, de
3 de outubro, que as procura caracterizar no art. 5º, explicando a diferença entre as
empresas públicas e as privadas. Vem, conjuntamente com outros diplomas, definir
o modo como o Estado intervém ativamente na economia, não apenas dispondo
sobre a forma que tais empresas devem revestir, como consta do art. 13º, tais
empresas devem adotar a forma de sociedade comercial com responsabilidade
limitada, só pode ser sociedades por quotas ou anónimas, e essas empresas podem
adotar uma forma jurídica diferente que é a de entidade pública empresarial, que não
se caracteriza por ter uma atividade concorrencial no mercado como as demais.

O art. 14º elege como direito subsidiário o Direito Privado e, consequentemente,


vamos ser remetidos para o CSC. A lei salvaguarda a chamada gestão pública e
regula o estatuto daqueles que irão ocupar os lugares de direção nestas empresas e
que não deixam de ser necessariamente administradores.

Há uma previsão relativamente a este regime do sector público empresarial de uma


orgânica que é em si mesma paralela à das sociedades anónimas, ou seja, a opção
quando elas se constituem como sociedades anónimas por determinados modelos,
mas procurando limitar a composição desses órgãos, isto é um resquício da

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regulamentação da época da crise. A exceção está no art. 32º/2: é o caso que se dá


quando as empresas tenham uma dimensão justificativa.

No que caracteriza as empresas como públicas, o diploma refere que são aquelas em
que haja uma influência dominante das empresas públicas e esta influência
dominante vai-se caraterizar como a influência dominante em geral para o direito das
sociedades comerciais. Vai atender a três critérios.

1) O da maioria do seu capital.


2) Da maioria dos direitos de voto.
3) A possibilidade de designar ou destituir a maioria dos membros dos órgãos de
administração e fiscalização. Este é o critério também que nos permite caracterizar
a relação de domínio simples nos termos do disposto no art. 486º CSC. Este
critério está no art. 9º do DL Nº 133/2013, de 3 de outubro, e que na realidade é
idêntico ao da lei societária.

Quanto às entidades públicas empresariais, também enunciadas no art. 5º/2, são


reguladas neste diploma nos arts. 56º a 61º. São, no fundo, todas as outras pessoas
de direito público com natureza empresarial e que são criadas pelo Estado para
prosseguir os seus fins. Entidades que se designam pelas suas letras EPE. Quanto à
sua natureza jurídica, estas empresas podem-se constituir, quando são empresas
públicas, como sociedades por quotas ou anónimas, estas últimas podem ser
constituídas com qualquer modelo de governação.

Quanto à sua natureza, apesar do art. 17º vedar ao Estado a qualidade de


comerciante, esta questão deve ser colocada. A empresa pública pode, pela sua
atividade, estar a prosseguir uma atividade que se enquadra no art. 230º do Código
Comercial, mesmo que não seja animada da vontade do titular para beneficiar dos
respetivos resultados. Na verdade está sujeita a registo comercial pelo CRC e está
sujeita também à aplicação subsidiária da lei do CSC, adota a forma de sociedade
comercial ainda que essencialmente seja uma empresa pública, e portanto ela
apresenta características típicas do sujeito de direito comercial. Mesmo o facto de o
Estado, neste caso o titular, não poder ser comerciante, não impede que estas
empresas sejam em si mesmas, que depois se assumem na forma de mercado
enquanto empresa pública, sujeitos de direito comercial. Estamos perante uma
entidade sujeita ao regime comercial, mesmo não sendo comerciante típico, tem

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todas as características que nos levam a associá-la, a não ser que seja uma
sociedade empresarial industrial ou se prosseguir uma atividade que não tenha lugar
a ser sujeito de direito comercial, exemplo da companhia das lezírias.

Empresas locais
Entidades locais: reguladas pelo diploma 50/2012 de 31 de agosto. Dedicam-se à
prossecução de serviços de carácter municipal. A EMEL é uma empresa municipal
ou local. Também há outras que podem resultar do agrupamento de diversas
autarquias. Este diploma surgiu um ano antes do diploma que regula as empresas
públicas em geral na crise, e quis acabar com os abusos, como o da proliferação de
empresas com caráter local, em que muitas poderiam apresentar pretensões
lucrativas. As empresas municipais são pessoas coletivas de direito privado. São
empresas públicas de dimensão local. Devem organizar-se sob a forma de sociedade
de responsabilidade limitada – recorremos ao quadro das sociedades comerciais
depois da própria lei.

Fundações
Estas não estão reguladas na legislação comercial, mas no CC, nos arts. 157º a 166º,
nos artigos gerais sobre PC, e ainda nos arts. 185º a 194º. Muitas vezes se recorre
às fundações para ter fins lucrativos.

Estas são agregados de fundo de meio material que visam prosseguir um fim de
interesse social, que se pode traduzir na promoção de solidariedade, no
desenvolvimento cultural, social, artístico e tecnológico e que resulta da vontade de
um instituidor e da aceitação de uma entidade de carácter público.

Podemos recorrer a uma entidade destas, prevista exclusivamente no CC e criada


por vontade do instituidor, muitas vezes expressa em testamento, e que se propõe a
satisfazer interesses de carácter público? A determinada altura começou a verificar-
se que havia participações muito significativas em sociedades comerciais,
principalmente participações em entidades admitidas à negociação no mercado
regulamentado (bolsa). Podem estas entidades ser utilizadas para prosseguir fins
comerciais? O controlo externo que recai sobre elas, nomeadamente da aprovação
relativa à sua constituição e a constante supervisão da prossecução dos seus fins, é
incompatível com a generalização da intervenção das fundações no domínio da

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atividade mercantil, porque esta carece de uma agilidade que em princípio as


fundações não vão poder dispor.

Depois ter presente também no domínio das fundações que, na realidade, não é
impossível às fundações deterem participações em sociedades comerciais. Podem
fazê-lo, e podem até organizar estruturas paralelas que se destinam a explorar os
seus ativos e a constituir o suporte da sua vida patrimonial. Se não pudessem
rentabilizar o seu património, ao fim de uns tempos despenderiam o acervo que
constitui a sua base. Ela também pode deter ações. Ela não pode é ser criada com
esse fim.

E apesar de ser claro não pode ser constituída para beneficiar familiares do instituidor,
em certos termos e condições os familiares podem deter lugares nos órgãos sociais
da fundação.

Não pode claro é ser utilizada para fins comerciais, mesmo que através de atos lícitos,
senão temos uma fraude à lei.

Não se confunde com uma realidade diferente, que são as fundações de empresa.
Os grupos económicos em geral, sobretudo os que têm uma maior capacidade
financeira, e as empresas podem recorrer a este tipo de PC para organizar
acessoriamente as suas atividades de carácter altruístico e de natureza puramente
social ou cultural. A fundação EDP tem um museu, o Maat. A fundação Millenium BCP
tem a fundação Francisco Manuel dos Santos. O grupo Jerónimo Martins tem a
fundação oceano azul. Tudo atividades que não se enquadram na vida comercial.

Se uma fundação ilegitimamente prosseguir uma atividade comercial, a consequência


será a de perder a sua prerrogativa de fundação.

Consumidores
São os destinatários dos bens e serviços produzidos, prestados e distribuídos no
mercado. Justificam uma tutela cada vez mais crescente, porque o mercado está cada
vez mais violento. Passou de ter uma dimensão local, regional para uma dimensão
nacional e atualmente internacional. O mercado sentiu a necessidade de tutelar e
proteger os destinatários, uma vez que o mercado existe em razão destes. O
mercado, nalguns casos, considera como consumidores outros agentes profissionais
em certas circunstâncias.

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A CRP dispensa dignidade constitucional à proteção dos consumidores no art. 60º,


ao dizer que estes devem ser titulares de determinados direitos e os seus interesses
devem ser tutelados. Além desta norma constitucional, há legislação própria, como a
Lei da Defesa do Consumidor, Lei nº 24/96, de 31 de Julho. Há diplomas que surgiram
há muito tempo que também visam proteger o consumidor e equilibrar as relações
que ele estabelece com a contraparte, como a lei das CCG aprovada pelo DL nº
446/85, de 25 de outubro, e toda uma série de diplomas que visam diversos aspetos
da atividade dos consumidores:

1) Venda de bens de consumo e as garantias inerentes à venda dos bens de


consumo, regulada pelo DL nº 67/2003, de 8 de Abril. Tem como finalidade
disciplinar as transações no mercado entre entidades profissionais e os
consumidores, assegurando ao adquirente dos bens de consumo tutela mínima
no que se refere à garantia de que gozam esses bens.

Todos tutelam a situação do consumidor e todos estes diplomas introduzem regras


imperativas e que derrogam as leis supletivas que possam ser predispostas a regular
estes atos.

2) Vendas à distância, que se caracteriza por regular todas aquelas situações em


que o consumidor não está perante a contraparte negocial e que adquire à
distância por recurso a meios automatizados. DL nº 24/2014 de 12 de Fevereiro.
Têm estas vendas uma proteção especial.
3) Normas de segurança geral dos produtos e serviços colocados no mercado, que
constam do DL nº 69/2005 de 17 de março. Visa acautelar não apenas aspetos
qualitativos, como também evitar a perigosidade de certos artigos.
4) A rotulagem, apresentação e publicidade de géneros alimentícios é a
disponibilização de géneros alimentícios destinados ao consumidor final. Clara
distinção entre o consumidor intermédio, o que é no fundo retalhista e que vai
promover a revenda do bem, e aquele que o vai utilizar pessoalmente para
consumo, regulado no DL nº 560/99 de 18 de dezembro.
5) As informações em língua portuguesa no que diz respeito à natureza,
características e garantias de bens ou serviços que são disponibilizados em
Portugal, regras que constam do DL nº 238/86, de 19 de agosto, surge no âmbito
da CEE, e nalguns casos implica um esforço grande porque significa colocar em

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língua portuguesa todas as garantias e explicações relativamente a bens


alienados ou vendidos em Portugal.
6) Proibição da discriminação em função do sexo no acesso a bens e serviços,
prevista na Lei nº 14/2008 de 12 de março, é uma primeira lei de paridade em
relação aos próprios consumidores.
7) Regime específico que também foi criado e é aplicável às práticas comerciais
desleais das empresas nas suas relações com os consumidores, é algo que vai
para além das normas de defesa do consumidor e da própria concorrência desleal,
consta do DL nº 57/2008 e visa evitar as práticas que possam prejudicar o
consumidor. Regras específicas que se destinam a tutelar o consumidor.
8) A redução do preço nas vendas a retalho. Aqui já não é uma introdução de
desigualdade entre os próprios consumidores, mas sim da adoção de
determinadas práticas, que neste caso são tuteladas pelo DL nº 70/2007 de 26 de
março, que visam evitar que em certas circunstâncias se aliene abaixo de
determinado montante.
9) A afixação do preço dos bens que são vendidos a retalho, é uma obrigatoriedade
de que o preço dos bens que são vendidos no mercado e se destinam ao consumo
público estejam apreçados, é o DL nº 138/90, de 26 de abril.
10) A obrigatoriedade de ter um livro de reclamações, regulado no DL nº 156/2005, de
15 de setembro.

Tutela do consumidor
São estes os exemplos dos principais diplomas que tutelam os consumidores. Além
destes, há diplomas de caráter financeiro, em que o mais importante é o que diz
respeito ao regime dos contratos de crédito ao consumo. Atividade hoje em dia
supervisionada pelo banco de Portugal no que respeita a certos bens. O DL nº
133/2009, de 2 de Junho regula estes contratos, e diz quais são os direitos e garantias
que aquele que recorre ao crédito para adquirir determinados bens de consumo pode
beneficiar. Diploma que sofreu uma alteração para garantir fundamentalmente que
quem concede o crédito ao consumo não o faça a pessoas que depois não o possam
cumprir.

O consumidor é a pessoa a quem são fornecidos determinados bens ou serviços, e


são transmitidos determinados direitos, e não são destinados a uso profissional. Tais
bens são fornecidos ou prestados por quem realiza uma atividade económica com

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uma vertente profissional. Esta noção que se extrai no art. 2º/1 da Lei da Proteção
dos Consumidores pretende caracterizar o consumidor e o fornecedor. O sujeito de
direito comercial e um, que não o sendo, é sujeito do mercado.

O consumir não deixa de ser um agente económico, ele adquire no mercado aos
empresários ou aos agentes profissionais, os bens ou serviços para a satisfação
dessas mesmas necessidades pessoais, suas ou de terceiros. Aquele que adquire a
um particular (artigos em segunda mão) não é consumidor para efeitos da LDC, seja
quais forem os usos que dá a esses bens. A tutela dessa pessoa vai ter de se adequar
nos termos do direito civil, e não beneficia da tutela desta lei.

No art. 3º da LDC estão todos os direitos dos consumidores.

Lei das CCG: as CCG são proposições pré-elaboradas de modo rígido e que visam
regular determinados aspetos do negócio jurídico, em que uma das partes é
indeterminada, limitando-se a propor ou a aceitar toda uma série de regras
predispostas. Esta ideia de adesão levou o legislador a ter que se debruçar sobre o
conteúdo dessas regras. Já não estava apenas interessado em que as regras que
constam desta lei sejam incluídas ou reproduzidas no plano contratual, como também
quer limitar a exoneração da responsabilidade da contraparte. O regime jurídico
impõe deveres de informação aos agentes produtivos e prestadores de bens e
serviços, impõe-lhes não apenas regras que disciplinam o teor e o conteúdo dessas
cláusulas que vão integrar os respetivos contratos, mas obrigam-nos a esclarecer o
âmbito e alcance dessas cláusulas. Se rebato a cláusula, no entanto, ou ela é mesmo
nula e se tem por não escrita, ou ela não é nula e se rebato não posso invocar a
surpresa, porque regula um aspeto contratual que não é habitualmente parte deste
tipo de contrário. Arts. 5º e 6º deste diploma impedem que as cláusulas prevaleçam
sobre as regras com conteúdo particular, impedem também a aplicação das cláusulas
que uma pessoa não se tenha inteirado previamente à celebração do contrato. Esta
matéria tem vindo a conhecer uma grande complexização.

Outro aspeto é uma diferenciação que encontramos na lei entre empresários e


consumidores finais. São todos agentes económicos, mas no âmbito da lei há
diferenciação de modo a conferir aos consumidores maior tutela. Se agente
económico se relaciona com outro da mesma natureza, a lei é menos exigente, logo
as cláusulas podem ser menos rigorosas.

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Aulas Direito Comercial Inês Sá Rodrigues

Lei distingue quanto à sua estrutura as cláusulas absolutamente proibidas das


relativamente proibidas, arts. 18º e 21º. Umas não podem estar mesmo nos contratos,
são sempre nulas, outras podem ser aproveitáveis e admissíveis, tem de haver uma
apreciação concreta.

Como se procede à proteção dos consumidores? Fora destas leis que falámos, há
princípios do direito civil e do direito das obrigações que também contribuem para
esta proteção, e que podem ser aplicados aos casos em que o sujeito que se
movimenta no mercado e não tem como contraparte uma entidade profissionalizada.
Por exemplo, o princípio da equivalência das prestações no contexto de um contrato,
a impugnação do negócio que tenha características usurárias, a contratação em
abuso de direito, e depois mesmo a nível dos próprios contratos, o CC prevê situações
de tutela – a do art. 913º que tutela as vendas em que há vício na coisa transmitida,
este artigo explica quais os direitos do adquirente, são tudo regras que já existiam
antes de haver uma tutela específica.

Por um lado, no âmbito da tutela, a nossa legislação cria, protege e desenvolve


associações de defesa do consumidor, há até institutos próprios para o efeito, como
o instituto do consumidor. Estas associações têm proteção. Podem existir em certas
situações entidades que revestem características mistas, por exemplo pode haver
cooperativas de consumo, que se destinem a adquirir determinados bens e serviços
para os seus membros

Há tutela clara através do Código da Publicidade, que visa disciplinar o modo como
devem ser tornados públicos os bens e os serviços que são produzidos, por Estados
e distribuídos no mercado, a constituição no art. 60º/2 dispensa tutela à publicidade
estabelecendo regras que devem limitar essa mesma publicidade.

23.Outubro.2018 Prática

Parte I
Hipótese 3
António, comerciante de eletrodomésticos, comprou cinco torradeiras e uma carrinha
de transporte de mercadorias.

b) Suponha que Bernardo, cliente da loja de António, comprou uma torradeira para
a sua casa nova. O acto praticado por Bernardo é comercial? Justifique.
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Temos de olhar para as duas teorias: a teoria dos atos de comércio (TAC) e a teoria
jurídica da empresa (TJE).

Segundo a TAC não se considera comercial pelo art. 464º/1. Sendo a torradeira
comprada para uso doméstico, não é uma compra para revenda, logo é uma compra
civil.

Para a TJE chegávamos à mesma conclusão. Nesta teoria não faz sentido ir ao art.
230º, neste caso, pois Bernardo nem é comerciante. Esta teoria usa o art. 2º, 1ª parte
para as hipóteses de atos ocasionais, isto é, atos que porventura sejam praticados
por não comerciantes. A TJE diz que o art. 2º, 1ª parte tem alguma utilidade, mas é
meramente residual porque só se aplica a atos ocasionais. Na TJE é preciso explicar
isto: também chegamos à desqualificação pelo art. 464º, mas porque íamos primeiro
ao art. 2º, 1ª parte, tal como também vamos na TAC, mas aqui vamos a este artigo
numa lógica diferente. Isto porque a TJE olha para esta norma do art. 2º, 1ª parte
como uma norma residual, porque permite enquadrar os atos ocasionais que não se
enquadrariam na norma qualificadora central, que é o art. 230º.

Assim no fim do dia o recurso às normas acaba por ser o mesmo, mas com
fundamentos jurídicos diferentes nas diferentes teorias.

Hipótese 4
Carlos, comerciante de artigos desportivos, comprou 100 camisolas do Benfica, 50
porta-chaves do Sporting, tendo ainda encomendado ao mesmo fornecedor 1000
patins em linha com o símbolo do Futebol Clube do Porto.

a) Os negócios celebrados por Carlos são comerciais?

Pela TAC, de acordo com o art. 2º, 1ª parte, são considerados atos de comércio todos
aqueles que estejam especialmente previstos no Código, isto remete para o art. 463º
e qualificaríamos estes atos de Carlos como comerciais.

Para a TJE temos de recorrer ao art. 230º e neste não encontramos a compra para
revenda nos seus vários números. Como é que a TJE resolve esta qualificação que
é sobre uma atividade de intermediação? À luz da TJE o art. 230º é uma norma de
alargamento que já pressupõe que o ato de intermediação é um ato de comércio. Isto
retira-se da forma como está redigido o artigo “haver-se-ão (ainda)”. Daí que
normalmente a doutrina faça até a distinção entre o comércio em sentido económico

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e o comércio em sentido jurídico, sendo a primeira noção basicamente as atividade


de intermediação, e o art. 230º mais não faz do que dar corpo à noção de comércio
em sentido jurídico, noção mais ampla que inclui por exemplo atividades industriais.
A lógica da introdução do art. 230º foi por isso a de alargar o âmbito e não excluir as
atividades de intermediação.

É de se notar que a TJE ao focar a sua atenção no empresário e na empresa, está


no fundo a dar critério para alargar o domínio do Direito Comercial para além daquilo
que eram os atos objetivos da TAC. Para a TAC há o pressuposto que o comércio é
exercido por atos, não há uma lógica de alguém que tenha uma determinada
organização económica de fatores produtivos (uma empresa) que sirva de suporte a
uma determinada atividade criadora de bens e serviços para o mercado. Isto porque
o comércio, quando a TAC surgiu, era um comércio muito incipiente, não haviam
grandes atividades industriais e de prestação de serviço, o comércio tinha a sua
expressão nas trocas entre as pessoas, não se falava de mercados nem de
empresas, e por isso é que a TAC olhava para o art. 230º como mais um ato previsto
no Código a par de todos os outros.

b) Suponha que Fernando comprou a Carlos duas camisolas, dois porta chaves e
dois patins em linha para os seus filhos, devendo o preço dos mesmos ser pago daqui
a dois dias. As compras realizadas por Fernando são comerciais?

O mecanismo a usar é o mesmo que na alínea b) do caso 3. Para a TAC aplicamos


o art. 2º, 1ª parte e a norma desqualificadora do art. 464º. Para a TJE a mesma coisa,
mas o art. 464º serve para os atos ocasionais.

c) Se o preço não for pago na data devida qual o valor dos juros?

Art. 102º, 2º parágrafo: os juros de mora a serem pagos.

O juro é um fruto civil. O fruto civil é tudo aquilo que uma coisa produz periodicamente,
sem prejuízo da sua substância. Assim, o juro aqui é o fruto da quantia que não foi
paga. Nas obrigações a prazo entramos em mora após o vencimento do prazo. Há
juros civis e comerciais. Os juros comerciais não têm origem no incumprimento da
obrigação – a lei diz é que há juros comerciais sempre que haja um comerciante que
tenha um crédito, art. 102º, 3º parágrafo: “relativamente aos créditos”, portanto a
aplicação de juros moratórios comerciais exige sempre que o credor seja

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comerciante. Não e necessário por isso que a obrigação seja comercial, isso é a outra
questão. É muito importante reter isto, a lei o que diz é que a obrigação de pagar juros
comerciais não é definida em função do devedor, é em função do credor. O critério
da lei não é em função da obrigação comercial, mas sim do estatuto de comerciante.

Qual é a taxa de juro comercial? Varia consoante portaria semestral pelo Ministério
das Finanças. Há critérios que balizam as taxas definidas, encontram-se balizadas
pelo art. 102º, 4º e 5º Parágrafo. O 5º parágrafo fala do regime das transações
comerciais sujeitas ao DL Nº 62/2013. Este diploma é o diploma que vem definir o
que é uma transação comercial, como combater o seu atraso e por outro vem instituir
o regime da injunção. O DL não abrange apenas as transações comerciais com
grande rigor técnico-jurídico, isto é, transações que não seriam critérios à luz da TAC
ou da TEJ, é mais amplo, devia na verdade chamar “transações económicas”. Este
DL vem também excluir do seu âmbito as transações com consumidores. Assim no
nosso caso, sendo o Fernando claramente um consumidor, o Carlos, apesar de
comerciante com crédito sobre Fernando, não vai ver o regime do DL aplicado aos
seus juros pois Fernando é consumidor. Logo, a taxa de juro nunca poderá ser a
prevista no art. 102º, 5º parágrafo.

A taxa de juro será a do art. 102º, 4º parágrafo, sendo 7% a taxa de juro moratória.
Ou será a taxa do juro civil? Será que a lei, no diploma supra mencionado, ao afastar
os consumidores, quis afastar dos juros comerciais no geral deixando estes apenas
para as empresas? Podemos retirar isto apenas do facto da lei excluir os
consumidores no DL Nº 62/2013 mas nada dizer no mesmo em relação a estes? A
jurisprudência divide-se. Há jurisprudência que entende que se aplicarão os juros
civis: este diploma ao alterar o art. 102º quis também excluir do domínio comercial os
contratos dos consumidores para efeitos de juros – significaria que sempre que uma
das partes fosse consumidor se aplicariam os juros civis. A maioria da doutrina no
entanto defende o contrário, que se não se aplicaria a norma especial do parágrafo
5º, aplicamos a norma do parágrafo 3º e se aplica o parágrafo 4º, ou seja, o juro
comercial de 7%.

Porque será que o legislador usa como critério para a definição do patamar mínimo
dos juros estas operações de refinanciamento do Banco Central Europeu? A partir do
momento em que se criou o Euro os bancos centrais que tem de controlar a

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estabilidade e a inflação, para isso controlam o massa monetária em circulação – se


há mais dinheiro em circulação as pessoas consumem mais, há mais procura, os
preços aumentam, já se há menos massa monetária em circulação, há menos
procura, os preços baixam. A estabilidade dos preços por parte dos bancos centrais
é definida pela massa monetária em circulação, por isso, o Banco Central Europeu
anualmente define qual é o volume que vai estar em circulação nesse ano. Os bancos
têm várias formas de se financiar, mas uma delas é junto dos bancos centrais, através
de operações de refinanciamento a uma taxa de juro. Os bancos vão ser financiados
por esse empréstimo e vão emprestá-los por sua vez às empresas e pessoas
singulares, com uma taxa, taxa essa que vai incluir a taxa do banco no preço do
empréstimo bem como uma margem para o banco ganhar (o chamado spread). Por
esta razão é que a taxa do Banco Central joga aqui, quando a taxa aumenta ou baixa
isto reflete-se nos empréstimos que os bancos fazem, o custo do dinheiro vai ter de
ser refletido nos clientes.

24.Outubro.2018 Teórica

Sujeitos de Direito Comercial


Estatuto comum dos sujeitos de Direito Comercial
Vamos agora procurar verificar se existe ou não estatutos comuns aos sujeitos de
Direito Comercial, que os diferencia dos demais sujeitos do mercado que não são
sujeitos de Direito Comercial, como por exemplo, os consumidores.

A razão de ser da aplicação de determinadas regras aos sujeitos de Direito Comercial


prende-se com o seu estatuto, de acordo com o qual se justifica que, tendo em conta
os princípios subjacentes à atividade comercial, como sejam o da celeridade dos atos,
solidariedade, da simplicidade de forma, em função desse princípios a lei vai impor
determinadas regras que caraterizam os sujeitos de Direito Comercial. Esse estatuto
é caracterizado por deveres, deveres esses que estão no art. 18º Código Comercial.
O legislador tem o cuidado de, depois de dizer quem é comerciante, anunciar no art.
18º os deveres fundamentais dos comerciantes.

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Deveres fundamentais dos comerciantes


Obrigação de adotar uma firma
A firma é a designação que o comerciante deve adotar na sua atividade económica,
que permitirá diferenciá-lo dos demais sujeitos que intervierem no mercado pelo lado
da oferta. O nome pelo qual ele é conhecido na atividade económica caracteriza o
comerciante individual e a sociedade comercial – é obrigação do sujeito de Direito
Comercial. A própria lei societária estabelece no CSC a obrigatoriedade de adotar
uma firma e regras que permitam diferenciar os tipos societários em razão da firma
da própria sociedade. Isto vê-se no art. 9º/1, c). Devemos ainda olhar para os arts.
177º, 200º, 270º-B, 275º e 467º CSC, consoante o tipo de sociedade. No fundo a firma
está para o sujeito de Direito Comercial como o nome está para qualquer pessoa. O
nome de uma pessoa visa distinguir em sociedade e permite diferenciar – neste caso
é no Instituto do Registo Civil. Pode haver nomes coincidentes, mas as pessoas não
se confundem devido a outras caracteres que os diferencia, como por exemplo a
filiação. A firma diferencia os sujeitos de Direito Comercial perante o Instituto do
Registo Comercial, instituto próprio que visa identificar quem exerce a atividade
económica do lado da oferta. O que é que caracteriza a firma? A firma pode ter
diversos sentidos:

1) Corresponder ao nome do próprio sujeito de Direito Comercial. Aqui concluímos


que a firma se forma pelo nome desse mesmo sujeito se for comerciante
individual, ou por um ou mais vocábulos de um sujeito de Direito Comercial
coletivo, de forma a identificar os sócios. A isto chama-se firma nome – ex: Olavo
Cunha e Vasconcelos. Da junção de nomes fica a ideia de que há uma pluralidade
subjacente a esta realidade. Nota ainda para quando se fala, por exemplo, em Y
Lda., é porque exprime um tipo de sociedade comercial, se fosse S.A. exprimira
outro tipo de sociedade comercial.
2) Temos a firma denominação, que já não inclui os nomes dos participantes, mas
reporta-se a uma determinada atividade económica – ex: Banco Comercial
Português, SA. Pela firma vemos logo qual a atividade da entidade no mercado.
3) Temos ainda casos de firmas mistas, que são nomes e exprimem também a
atividade, como por exemplo o Banco Espírito Santo. Identificam a atividade que
se propõe a prosseguir e o nome do empresário.

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4) Temos também as firmas de fantasia – ex: Apple. Não está em causa uma
atividade agrícola, mas uma atividade diferenciada. Tem de cumprir os princípios
que devem caracterizar o nome pelo qual o comerciante deve ser conhecido.
Quanto maior a dimensão da sociedade (tendencialmente) mais a sociedade
adota a firma denominação. O individual tem de assumir a firma nome, embora
possa ser conhecido por outra designação a que ele esteja particularmente
associado – ex: uma alcunha.

Se a finalidade é diferenciar o comerciante no mercado, é verdade que, para essa


diferença, têm de se observar dois princípios:

1) Princípio da verdade: tem vindo a ser mitigado nas firmas das sociedades. Aquela
designação que vai identificar o comerciante deve corresponder à realidade, logo
se for individual ou se for sociedade cuja firma seja constituída por associados
deve refletir isso mesmo. No nome individual pode haver circunstâncias que o
diferenciem no mercado, como haver uma alcunha, que não está excluído, e pode
colar-se ao nome. Como nas sociedades se esgotaram muito as firmas possíveis,
a lógica da verdade, que no passado obrigava as sociedades comerciais a adotar
uma firma tão próxima da verdade quanto possível, tem vindo a evoluir. Hoje em
dia a maior preocupação é evitar que a firma pela qual a sociedade é conhecida,
pretenda atuar no mercado, não deve induzir em erro os demais agentes
económicos – a firma não pode ser totalmente diferenciada daquilo que se propõe
a fazer. São as regras do próprio CSC, nomeadamente do art. 200º nas
sociedades por quotas e do art. 275º nas SA.
As firmas de fantasia são autónomas por definição, deixou de haver necessidade
de haver correspondência entre a atividade que consta da própria firma e a que
esta exerce de facto. Isto é diferente do que acontecia há uns anos – ex: um nome
de um supermercado, antigamente, tinha de demonstrar que prosseguia essa
mesma atividade, hoje pode ser explorado com firma de fantasia. O que não é
possível é, por exemplo, ter uma sociedade de pronto a vestir e a firma refletir uma
atividade de supermercado.
Onde se enquadra normativamente esta matéria? Diploma autónoma que regula
o Registo Nacional de Pessoas Coletivas – DL n.º 129/98, de 13 de Maio. O artigo
relevante quanto à verdade é o art. 32º. No plano das sociedades comerciais há
uma regra própria: o art. 10º CSC, precisamente sobre a firma, estabelece os

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princípios que deve obedecer a firma. Olhando para o art. 10º/5 vemos que não
se pode indiciar que se está perante uma pessoa coletiva quando não corresponde
à realidade.
Este princípio sofre limitações com a transformação da realidade económica que
está subjacente à própria firma. Há quem diga que o logótipo é a firma em sentido
objetivo, mas acontece frequentemente que um estabelecimento é conhecido por
uma designação que corresponde, por sua vez, à fima de um sujeito de Direito
Comercial que é o seu titular. Isto é, há equivalência entre o nome da sociedade
titular do estabelecimento comercial e o próprio nome do estabelecimento, como
seja, por exemplo, o El Corte Inglês.
A questão é saber quais os efeitos da transmissão do estabelecimento
relativamente à firma, pois quem adquire o estabelecimento pode querer o logótipo
ou o nome do estabelecimento. Assim, a lei admite que as vicissitudes que
possam vir a ocorrer relativamente ao estabelecimento ou empresa possam
acarretar uma exceção relativamente à própria firma. Isso acontece não apenas
com mera transmissão do estabelecimento, mas pode também acontecer com a
transmissão da própria sociedade comercial – se esta tiver uma firma com um ou
mais nomes de sócios, a transmissão dessa sociedade pode implicar que o nome
do sócio seja transmitido com a mesma, ainda que careça de autorização do
mesmo. Verifica-se que quem fica titular da sociedade não é o senhor X, mas
quem a adquiriu e quis manter essa designação – ex: por ser uma designação
conhecida). O mesmo se diga dos fenómenos transmissão mortis causa, ocorre
uma sucessão – pode haver um interesse que os continuadores do comerciante
possam querer manter a firma. Por isso, muitas vezes, encontramos em
sociedades mais antigas a referência a “X e herdeiros” ou “X e sucessores”.
2) Princípio da novidade (exclusividade): art. 33º do DL nº 129/98 e art. 10º/2 CSC.
Diferenciação da firma no âmbito de um espaço jurídico. É precisamente o Registo
Nacional de Pessoas Coletivas que, na realidade, procede à inscrição e
diferenciação das firmas dos vários sujeitos de Direito Comercial que se
pretendem movimentar no mercado, quer dos empresários individuais quer das
sociedades comerciais. Por isso, resulta que cada vez que a pessoa se quiser
colocar no mercado, adotando forma de uma sociedade comercial, sujeita-se a
uma autorização desse instituto, que averigua a confundibilidade do nome que se
quer utilizar. Isto é, para usar uma designação que sirva se diferenciar de todas
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as que já existem, sobretudo no caso de vir a criar valor objetivo e subjetivo poder
beneficiar disso. No domínio das sociedades comerciais a lei carateriza os vários
tipos impondo que, à sua designação, em princípio, seja acrescentado um sufixo
que identifique claramente qual a sociedade que está em causa.
a) Sociedades por quotas: firma a terminar em “limitada” ou “Lda.” – art. 200º.
b) Sociedades anónimas: “sociedade anonima” ou “S.A.” – art. 275º.
c) Sociedades em comandita:
i. Se simples de terminar “em comandita” ou “& comandita”.
ii. Se forem por ações deve terminar em “comandita em ações” ou “por
ações”.
Em termos de firma ficam apenas de fora as sociedades em nome coletivo (art.
177º), onde o fundamental é que a expressão caracterize a pluralidade de sócios
permita constatar que se está perante uma realidade societária, uma coletividade
– ex: Olavo Cunha & Companhia ou e Outros. Há que ter cuidado pois nada
impede que numa sociedade comercial participe uma outra sociedade comercial.
Por isso, se tiver a designação Olavo Cunha, S.A. e Companhia, não temos uma
sociedade anónima – temos uma sociedade em nome coletivo onde participa uma
sociedade anónima. Se fosse sociedade anónima teria de terminar em S.A., ou
em Lda. se fosse por quotas, etc.
Quando um sujeito de Direito Comercial, para maximizar ou rentabilizar o valor a
obter com a alienação do seu ativo, acede a transmitir juntamente com o ativo o
seu próprio nome, corre o risco sério de, no futuro, não poder intervir na atividade
económica com esse mesmo nome, está a prescindir do nome para intervir na
atividade económica.

Escrituração mercantil
Art. 18º, que se volta a refletir no art. 29º Código Comercial.

A escrituração mercantil é composta por todos os elementos que respeitam à


atividade económica do comerciante e que visam refletir os atos e operações por ele
praticados. Por isso, dentro dos elementos, há particular relevância os livros de atas,
os instrumentos onde estão plasmadas as deliberações, as decisões que têm
natureza colegial, o que acontece sempre relativamente aos órgãos com composição
plural, no domínio das sociedades comerciais. A escrituração abrange não apenas os
livros de atas, mas todos os elementos relativos à atividade do comerciante, como

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sejam a correspondência, contratos, etc. Mas hoje, como a lei impõe o dever de
conservação dos documentos obrigatórios, sendo que obrigatórios são apenas os
livros de atas, a verdade é que a escrituração pode resumir-se a esses mesmos livros
de atas. Basta pensar que os contratos não têm forma especial – podem ser verbais
–, deles não restam registo e o comerciante pode celebrar todos os contratos
presencialmente e não guardar qualquer elemento relativo a comunicações que tenha
efetuado. A escrituração, por isso, não se confunde com a evidência dos resultados
dessa mesma atividade. Isso respeita às contas dos comerciantes, organização
contabilística da atividade. As contas abrangem a expressão financeira dos negócios
comerciais desde o momento em que foram celebrados (registo da concretização) até
ao momento a que vão ter de ser prestadas a quem tem direito de ter uma explicação
sobre o que foi feito na atividade comercial (dimensão da contabilidade).

O relevo da escrituração mercantil (arts. 29º e ss): estabelece o art. 31º quais os livros
obrigatórios. Há desenvolvimento noutros diplomas – arts. 63º e 388º CSC voltam a
mencionar os livros de atas. Como é fácil de perceber, sempre que estivermos a falar
de agente económico singular, em princípio, a formação da sua vontade confunde-se
com a respetiva declaração. Por isso, não há registo da formação da vontade, essa
plasma-se nos atos que ele pratique. Se for por forma escrita fica aí registado. Se o
sujeito de direito comercial for composto por órgãos com composição plural já se pode
e justifica que tais órgãos e os elementos que os preencham reúnam autonomamente
do universo dos elementos que integram a entidade, isto é, dos sócios, formem a sua
decisão e passem-na a escrito na dita ata. Atas essas que devem constar todas do
livro de atas. Como diz o art. 31º e o art. 37º: as sociedades comerciais são obrigadas
a possuir livros de atas e estes são os únicos que são mesmo obrigatórios.

A evidência do que o comerciante fez é importante porque, em certos termos, permite


provar, contra o próprio comerciante, um ato que ele tenha praticado e que resulte
dessa mesma documentação. Do mesmo modo que, nas relações entre
comerciantes, eles podem prevalecer da documentação da atividade recíproca,
sobretudo quando a documentação lhes permita fazer prova ou evidência de
determinado negócio celebrado. A lei realça o carater probatório destes elementos no
art. 44º (força probatória da escrituração é a epígrafe). Se só um comerciante de uma
relação contratual tiver devidamente organizada a sua escrituração esta prevalece
contra a palavra do outro comerciante.

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Dar balanço ou prestar contas da atividade


Qualquer que seja a forma jurídica de organização: com referência a determinados
períodos (preferencialmente idênticos) fazer balanço da atividade desenvolvida, isto
é, poder concluir sobre o resultado dessa atividade em função dos elementos que o
comerciante dispõe e, em razão desse balanço, prestar contas a quem tenha direito
às mesmas – ex: a administração de uma sociedade quando presta as contas de
determinado exercício ao sócios. Isso resulta dos arts. 18º e 62º Código Comercial.
Por sua vez, no CSC, esta regra também resulta claramente do art. 65º/5, nos termos
do qual é necessário a sociedade, através do seu órgão de gestão, elaborar um
relatório referente à atividade desenvolvida de um período (exercício social). É
correspondente, em regra, com o ano civil, mas pode não o ser quando a sociedade
adota um que divirja do ano civil, como se vê no art. 65º-A. Aceita-se porque há
sociedades onde não faz sentido fazer um balanço a 31 de Dezembro – ex: podem
ser sazonais ou ter o auge nessa altura.

Um aspeto relevante é a forma como a prestação de contas deve ser efetuada:


antigamente era através documento escrito. Desde 2006, com o DL nº 8/2007, de 17
de Janeiro, veio impor-se uma necessidade de promover determinado ato de
comunicação que disponibilizasse ao público em geral as contas de determinado
sujeito de Direito Comercial, que se chama informação empresarial simplificada (IES).
Esta deve ser periódica e de caráter anual, todos os anos por referência às contas
que devem ser aprovadas num certo período – período este que corresponde aos 3
primeiros meses de cada ano civil em relação à generalidade das pessoas de Direito
Comercial (pessoas individuais ou sociedades) e que tenham exercício social
coincidente com o ano civil. Se o exercício social não for coincidente com o ano civil,
a aprovação das contas dever-se-á fazer nos 3 meses subsequentes ao termo do
exercício social.

Constitui uma exceção a esta regra os casos em que existe a plurisociedade (conjunto
de sociedades) e onde certas sociedades consolidam contas com outras ou adotam
um método de equivalência patrimonial relativamente às sociedades que são
participadas. Nestes casos temos um período um pouco mais extenso: 5 meses.

A informação empresarial simplificada deve servir para comunicar ao instituto que se


destina a dar publicidade ao registo comercial o teor das contas e balanços da

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atividade dos comerciantes. Serve também para outros fins e, desta mesma
comunicação, a lei extrai finalidades diversas: fiscal e fins estatísticos (junto do INE e
do Banco de Portugal). Com o mesmo ato satisfazemos varias obrigações que,
outrora, teriam de ser satisfeitas com atos diferentes.

A escrituração mercantil deve ser objeto de arquivos por um período mínimo de


10 anos (art. 40º/1).

No passado havia uma caraterística que distinguia os comerciantes dos que não são
sujeitos de Direito Comercial, que é este estar dispensado de arresto – procedimento
cautelar que visa apreensão judicial dos bens quando há receio de que os bens
existentes já sejam insuficientes para satisfazer os créditos que recaem sobre
determinado complexo patrimonial. No passado entendia-se que o sujeito de Direito
Comercial não devia estar sujeito a uma medida com esta amplitude. Se
apreendermos, por exemplo, máquinas e equipamentos o comerciante não pode
laborar para responder as dívidas que tem, precipitando a situação de insuficiência
do comerciante, que acabará incumprimento generalizado das dívidas. O arresto está
previsto nos arts. 391 e 396º CPC. Trata-se de um arresto preventivo, não se
confunde com a penhora, que é a apreensão natureza judicial de bens, promovendo
a sua venda e à custa desta satisfazer os créditos que recaem sobre o devedor.

Insolvência
As empresas precisam de liquidez e do acesso a meios que lhes permitam solver
regularmente os seus compromissos.

A falência correspondia ao incumprimento generalizado de dívidas relativamente a


um sujeito de Direito Comercial. Trata-se de uma situação patrimonialmente deficitária
– as situações jurídicas passivas são superiores às situações jurídicas ativas. A
falência, no passado, diversamente da insolvência, permitia que o comerciante
continuasse a atuar no mercado, ainda que em situação líquida negativa, desde que
pudesse continuar a honrar os compromissos.

Um facto é que, em 2004, com uma alteração à lei que regulava as falências, o regime
da falência foi unificado para os sujeitos singulares e para todos os sujeitos de Direito
Comercial. Um argumento é, por exemplo, procurar sustentar o esbatimento da
autonomia do Direito Comercial. Isto aconteceu com o Código da Insolvência e
Recuperação de Empresas (CIRE) e o fenómeno da falência passou a designar-se
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por insolvência. Ainda há muita jurisprudência pós-2004 que aplica o diploma anterior
por causa da aplicação da lei no tempo.

O que é que permite introduzir uma diferenciação no âmbito da insolvência? A


entidade devedora. A falência ou insolvência, desde 2004, é a situação de maior crise
que a empresa pode enfrentar sem ser a da crise final, que é a dissolução. Constatam-
se manifestas dificuldades que a empresa vai ter para ficar no mercado. A partir dai
equaciona-se se é possível promover uma recuperação, ainda que parcial, da
atividade económica prosseguida pela entidade ou se, infelizmente, está de tal
maneira comprometida que o único caminho é cessar a atividade e liquidar o
património, o ativo subsistente para satisfazer o máximo possível os credores.

A insolvência consiste na impossibilidade de cumprir pontualmente as obrigações


vencidas ou evidencia uma situação patrimonial negativa (art. 3º CIRE).

Situação de insolvência
Quando uma empresa, um ente personalizado se encontra impossibilitado de cumprir
as suas obrigações, dizemos que se encontra em situação de insolvência.

Todas as pessoas singulares ou coletivas podem ser objeto do processo de


insolvência, tal como o pode ser realidades jurídicas não personificadas, com a
exceção das entidades previstas no art. 2º/2.

Dever de apresentação à insolvência


Há uma questão que é a seguinte: situação que se suscita quando um determinado
sujeito está na iminência ou na situação de não conseguir honrar pontualmente as
suas obrigações, ele próprio deve declarar-se nessa situação. Muitas vezes, o que
pretende é evitar que recaiam providências sobre essa entidade que prejudiquem a
sua subsistência, ainda que parcialmente. A insolvência é uma espécie de guarda-
chuva, pois evita que continuem a cair sobre aquela pessoa medidas judiciais que a
comprometem definitivamente.

Por isso, o CIRE é organizado no sentido de permitir que quem está naquela situação
de incumprimento ou quase incumprimento pode requerer a declaração desta mesma
situação de impossibilidade. É importante notar que a impossibilidade de cumprir
pontualmente as dívidas não significa, restritamente, a insolvência da pessoa. Essa

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pessoa pode ter situação patrimonial positiva, mas pode não ter créditos ou meios
para satisfazer as suas dívidas.

Designadamente tem situação patrimonial positiva se os créditos superarem os


débitos, mas se não conseguir cobrar esses créditos não vai conseguir pagar as suas
dívidas.

Não se trata aqui de um balanço entre ativo e passivo, mas da constatação de uma
situação em que as pessoas podem ver-se na contingência de ser-lhes declarada
essa situação de incumprimento, que é a situação de insolvência.

O devedor tem de requerer a declaração de insolvência quando tenha conhecimento,


há mais de 30 dias, de que a empresa se encontra impossibilitada de cumprir as suas
obrigações vencidas e, consequentemente, de honrar as suas dívidas (art. 18º/1 e 3).

Para o efeito a lei disponibiliza alguns critérios que constituem fatores indicadores da
insolvência (art. 20º/1) e cuja verificação contribui certamente para a perceção dessa
situação.

1) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas.


2) Incumprimento de uma obrigação que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias
em que se verifica, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade
das suas obrigações.
3) Desaparecimento do titular da empresa ou dos gestores da empresa devedora em
situação de falta de solvabilidade sem se fazer substituir.
4) Incumprimento generalizado, durante um determinado lapso de tempo (6 meses)
de determinados tipos de dívidas, que equivalem ao reconhecimento de que a
empresa se encontra em situação de insolvência.

A inobservância do dever de apresentação à insolvência constitui presunção de culpa


grave do devedor, nos termos do art. 186º/3, a), e que esta pode conduzir à
qualificação da insolvência como culposa (art. 186º/1).

Se a situação de insolvência for iminente o devedor poderá requerer a insolvência,


mas não terá de o fazer. O devedor tem a faculdade de, nestes casos, optar entre
apresentar-se à insolvência ou não o fazer, equiparando a lei esta situação à de
insolvência atual.

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O processo de insolvência consiste nos atos processuais de apreensão e execução


universal dos bens do devedor e inicia-se em regra pela apresentação deste à
insolvência ou é desencadeado por um credor.

Este processo tem um caráter urgente e goza de precedência sobre o serviço


ordinário do tribunal (art. 9º/1), pelo que não se suspende em férias judiciais.

Logo no art. 2º CIRE temos a indicação de quem pode ser sujeito da insolvência. Logo
no art. 2º/1, a) o CIRE generaliza a todas as pessoas. Por isso quando faz referência
no art. 2º/1, e) às sociedades comerciais é apenas para aquelas que ainda não estão
devidamente constituídas, as outras cabem no art. 2º/1, a).

A lei excetua certas entidades no art. 2º/2: empresas públicas, bancárias,


seguradoras, as especialmente importantes e sujeitas a supervisão de caráter
específico, especialmente adaptadas. Naturalmente devem sujeitar-se a regras
próprias e diferenciadas das que estão estabelecidas no CIRE.

O art. 18º é o que esteve subjacente quando se referiu que o devedor deve
apresentar-se à insolvência nos 30 dias seguintes (ver art. 3º).

O art. 20º prevê que os terceiros possam requerer a insolvências – até o próprio MP
em certas condições.

Mas o art. 20º estabelece também fatores indiciadores da situação de insolvência, de


que a empresa está a entrar em situação de incumprimento de obrigações,
nomeadamente no art. 20º/1, g) – espelha o incumprimento generalizado durante um
prazo relativamente longo, nomeadamente quando de caráter fiscal (ex: não
pagamento de impostos, segurança social, etc.).

É tão importante o cumprimento de apresentação à insolvência porque é um ato que


corresponde, designadamente a uma sociedade comercial, ao dever específico de
qualquer membro da administração dessa sociedade. Qualquer membro deve
apresentar a sociedade à insolvência. Isto é tão importante que não o fazer em
determinado prazo pode dar culpa grave, art. 186º/3, sendo que, no seu o art. 186º/1
diz que é culposa quando houve culpa grave de quem a veio requerer (quem o fez,
fê-lo fora do tempo).

26.Outubro.2018 Teórica

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Vamos continuar o estudo da insolvência. Estávamos a falar da crise da empresa, há


duas possibilidades:

1) Empresa recuperar, ainda que parcialmente, isto é, ainda que parte da sua
atividade. Restruturação da empresa.
2) Liquidação.

A insolvência é regulada por uma lei autónoma: o Código da Insolvência e da


Restruturação de Empresas (CIRE). Há entidades que pela sua importância não estão
sujeitas à insolvência como previstas nestas normas, dado o seu impacto na
economia.

Pré-insolvência: processo especial de revitalização


Nem todas as situações em que a empresa se apresenta numa situação de
incumprimento generalizado das suas obrigações, e sobretudo das obrigações já
vencidas (art. 3º CIRE), têm de conduzir necessariamente à insolvência. Por vezes,
há perceção na sociedade ou na empresa, quando a quem cabe governar a
sociedade, dirigir os seus destinos, percebe que a sociedade vai entrar nesta
situação, tem opções que podem ser prévias e complementares de uma solução que
aponte para a insolvência.

Quando a emprese se encontra em situação difícil, mas ainda não incapaz de solver
os seus compromissos pode recorrer ao processo especial de revitalização, arts. 17º-
A a 17º-I. A ideia subjacente a este processo é de que uma situação de insolvência
e, em especial, a apresentação de requerimento para a sua declaração, pode
prejudicar seriamente o valor dos ativos subsistentes e, em alguns casos,
comprometer a recuperação da empresa. Serve para evitar o alarme social que pode
resultar do conhecimento de uma situação económica difícil.

Este é o processo pelo qual o devedor, quando recolhe o acordo de alguns dos seus
credores, e sobretudo daqueles credores que não estão intimamente ligados com ele
– os que são os beneficiários diretos da sua atividade, art. 46º, como por exemplo, os
sócios –, que estes requeiram ao tribunal uma declaração que lhe permita ingressar
num processo especial de revitalização.

Devedor consegue dessa maneira suster todas as obrigações negativas que tivessem
contra si sido propostas. Com base nesse acordo, o tribunal declara que ficaram

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suspensas contra a empresa todas as ações que possam vir a ser propostas –
sistema ágil, muito utilizado em Portugal, de matriz anglo-saxónica. Lógica de que os
credores apercebendo-se que a empresa pode pela insolvência comprometer a
satisfação dos seus créditos, aceitam que tribunal possa tomar uma medida intercalar.

As empresas que se encontrem nesta situação têm o dever de se apresentar à


insolvência, de requerer ao tribunal que declare a insolvência e o tribunal deve fazê-
lo num prazo de 3 dias úteis, para que os efeitos que decorrem da insolvência sejam
positivos, que salvaguardem o devedor.

O devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas


obrigações ou se encontrar em situação de insolvência meramente iminente, mas
suscetível de recuperação, poderá procurar obter, de um ou mais dos seus credores,
o acordo para espoletar, junto do tribunal, o processo especial de revitalização, pelo
qual venha a negociar com os seus credores uma solução que conduza à
recuperação da empresa.

Há outras medidas de caráter extrajudicial. Medidas tendencialmente prévias à


situação de insolvência, porque durante o período transitório é possível recorrer-lhes.
Regime extrajudicial de recuperação de empresas: forma que devedor encontra de
que negociando diretamente com os seus credores conseguir uma moratória para o
que deve.

Processo de insolvência
A insolvência corresponde a um dever do próprio insolvente, mas pode também ser
requerida por terceiros, MP ou por quem habitualmente represente o devedor. É por
isso um importante instrumento de pressão sobre a empresa. Há um movimento
sociológico, contraditório com a situação jurídica, frequentemente os credores
poderiam fazê-lo mas não o fazem por esperança de virem a ser pagos
preferencialmente. Se os créditos tiverem garantias especiais a solução é
necessariamente diferente.

Diploma que tem 3 centenas de artigos. O processo de insolvência vai consistir nos
atos processuais que visam a apreensão e execução universal dos bens do devedor.
Inicia-se, em regra, por declaração desse mesmo devedor, consubstanciada na sua
apresentação à insolvência, ou pode ser desencadeada por um credor. O processo
pode permitir minorar a redução ou a extinção total dos créditos dos credores.

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Intervenientes
Quem são os sujeitos que devem participar no processo de insolvência?

1) Em primeiro lugar o insolvente, mesmo que o processo não se inicie pela sua
apresentação à insolvência nos termos do art. 18º, o insolvente é sempre parte no
processo – é o devedor, o que se encontra impossibilitado de cumprir as suas
obrigações, e essa situação pode ser provada por factos indiciadores das
dificuldades de cumprimento, art. 20º, factos relativos a incumprimento sistemático
e periódico de determinado tipo de obrigações.
2) Quando se abre uma situação de crise na empresa, quem vai dirigir a empresa?
A empresa vai ser dirigida por um técnico designado para o efeito – profissional
escolhido pelo juiz (podendo atender a sugestões feitas pelos credores) e
remunerado, o chamado administrador da insolvência, arts. 52º a 65º.
É importante referir que em certas condições e apenas nos casos em que devedor
seja uma empresa, o devedor pode conservar a administração dos bens, mas sem
prejuízo da participação do administrador da insolvência (aqui atua tipo curador)
– devedor compromete-se a apresentar um plano de insolvência: plano de
recuperação da empresa.
O administrador da insolvência beneficia de um estatuto, Lei nº 22/2013, de 26
Fevereiro – regulação autónoma – e em princípio consta de uma lista oficial de
pessoas que se pré-qualificam para exercer o cargo.
Nalguns casos, como por exemplo nos que o processo de insolvência é precedido
de uma processo especial de revitalização, existe um administrador judicial
provisório, o qual pode vir a ser confirmado como administrador da insolvência,
mas os credores podem não aceitar, antes rejeitar e designar outra pessoa para
o exercício do cargo.
3) O administrador da insolvência atua sobre a fiscalização de um órgão que não é
necessário, mas existe frequentemente: comissão de credores (arts. 66º a 71º) –
esta é composta por 3/5 membros e é presidida pelo maior credor da empresa.
Nesta entram os credores mais importantes. Esta fiscaliza a atividade do
administrador, órgão coadjuvante auxiliar do próprio administrador. Este último
opera sobre a supervisão do juiz do processo, até que seja homologado um plano
de insolvência ou até que a empresa entre em liquidação. Ao administrador cabe

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gerir a empresa insolvente, diligenciando os atos necessários à satisfação dos


créditos daqueles que se veem afetados.
4) Mas além destes credores mais importantes parte da comissão, como é evidente
há um universo muito maior, composto por todos os credores – assembleia de
credores. A generalidade de credores reúne nesta assembleia, que é presidida
pelo juiz do processo, e pronunciam-se sobre os aspetos mais importantes da
insolvência, designadamente sobre a possibilidade de viabilização da empresa. A
esta assembleia incube por isso pronunciar-se sobre um plano de insolvência ou
rejeitá-lo. Nesta assembleia distinguem-se dois tipos de credores:
a) Comuns: todos os que são titulares de créditos sobre a empresa, mas não tem
com ela nenhuma especial relação.
b) Subordinados: todos os que têm relação íntima com a empresa, art. 48º. Tem
como efeito ficarem graduados ou subordinados à satisfação dos créditos
comuns – senão houver capital para satisfazer os créditos comuns, os
respetivos créditos nunca são satisfeitos.
5) Além da assembleia, podemos considerar todos os credores individualmente
considerados, uma vez que podem ser requerentes da própria insolvência e
podem não estar em igualdade de circunstâncias dos demais credores e
designadamente serem titulares de créditos especialmente garantidos.

Marcha do processo da insolvência


1) Apresentação da petição inicial, arts. 20º e 30º/5.
a) Quando a petição é apresentada pelo devedor, art. 21º, ele não pode desistir
da declaração, não pode ter um arrependimento – é um ato que pela
publicidade que irá gerar irá comprometer o futuro da empresa, mas a verdade
é que ele não pode desistir. A sentença, se o tribunal não considerar que não
há fundamento para o pedido feito, deve ser proferida no prazo de 3 dias úteis,
nos termos do art. 27º/1.
b) Se a insolvência for requerida por terceiro: a lei disponibiliza à empresa, nos
termos do art. 30º/1, o prazo de 10 dias para se opor, tentar obstar à
insolvência que é peticionada.
2) Oposição: sendo a insolvência requerida por um terceiro, o devedor pode deduzir
oposição no prazo de 10 dias (art. 30º/1), seguindo-se, de acordo com o art. 35º,
uma audiência de discussão e julgamento.

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3) Sentença: o processo conclui-se pela sentença declaratória de insolvência. Na


construção desta sentença tem grande prevalência o princípio do inquisitório – juiz
tem uma intervenção grande e pode fundar a decisão em factos que não tenham
sido alegados pelas partes.

À sentença podem ser deduzidos embargos, nos termos do art. 40º. Pode-se obstar
a que a sentença provenha com todos os efeitos dela decorrentes.

Resolução de atos jurídicos em benefício da massa insolvente


A massa insolvente é o conjunto de bens que subsiste, isto é, que não obstante da
empresa ter sido declarado insolvente ainda existem na empresa, que iram ser afetos
à satisfação das dívidas da empresa. Este instituto traduz-se na possibilidade de pôr
em causa todos os atos praticados pelo devedor nos 4 anos antecedentes à
insolvência, podendo ser resolvidos em benefício da massa insolvente – série de atos
prejudicais e resolvê-los em benefício da massa insolvente.

Naturalmente que esta resolução deve ser comunicada por carta, designadamente à
contraparte negocial do devedor e tem efeitos retroativos – mas isto não é automático.
Os credores podem opor-se a esta resolução – tensão entre administrador e credores.
Podem opor-se se conseguirem demonstrar que aqueles atos não provocaram
prejuízo ao devedor, que a resolução não se justifica. Para esse efeito os credores
dispõe do prazo de 6 meses para impugnar a resolução. Este instituto está previsto
no art. 120º e a intervenção dos credores no art. 125º.

Nos termos do art. 36º, e) e do art. 224º é possível manter em funções os


administradores da empresa, designadamente quando esta tem o órgão de
administração plural, em paralelo com o administrador de insolvência, que assume
posição mais independente, até é possível que os que se mantêm na administração
continuem a beneficiar da remuneração.

Efeitos da declaração de insolvência


Os efeitos podem ser de diferentes ordens. Podem-se projetar nos sujeitos envolvidos
ou nos atos práticos pelos insolventes, pela empresa insolvente.

Quanto aos efeitos sobre a empresa e sobre os seus gestores o principal efeito, que
ocorre sempre, é uma transferência dos poderes de administração de quem tinha a
gestão da empresa e também de disposição dos próprios bens da massa insolvente

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para um terceiro que é o administrador da insolvência. E a partir dai cabe ao


administrador atuar em representação da empresa insolvente. Esta é uma
consequência natural. Subjacente à mesma está uma lógica de reconhecer que
aquele devedor foi incapaz de gerir adequadamente a empresa, fazendo sentido
delegar num profissional a administração dos bens remanescentes, de modo que
tanto quanto possível as dívidas existentes possam vir a ser satisfeitas na maior
medida. É verdade que quando a empresa apresenta um plano ou se compromete a
apresentar um plano, quando a empresa conclui que tem condições de subsistência
no mercado, a empresa pode requerer a manutenção dos seus trabalhadores – nem
por isso deixam de estar subordinados ao administrador.

Quanto aos créditos que existem sobre a insolvência, naturalmente que a posição da
lei é muito clara: com a declaração de insolvência vão-se vencer imediatamente todas
as obrigações do devedor – os credores ficam sujeitos às regras do CIRE durante a
pendência do processo e dentro dessas regras pode haver efeitos inesperados, como
a redução dos juros e a extinção de determinadas garantias, arts. 90º e 91º.

Quanto aos negócios em curso (contratos em execução):

1) Os que foram de produção instantânea podem eventualmente ser objeto de


resolução em benefício da massa insolvente.
2) Mas as maiores dificuldades colocam-se aos de execução continuada (protrair os
efeitos no tempo), negócios de execução duradoura, que produziriam efeitos
depois da insolvência ainda que celebrados anteriormente (ex: contratos de
fornecimento contínuo) – art. 102º. A lei preocupa-se em procurar delegar no
administrador da insolvência a medida que deve ser tomada. Em princípio o
cumprimento desses negócios vai ficar suspenso, até que o administrador opte
por executá-lo ou declarar já não vir a pretender fazê-lo, opondo-se
definitivamente ao seu cumprimento. É claro que se percebe que o administrador
possa ter essa disponibilidade, tem de analisar os negócios, mas sobretudo o
administrador vai estar perante a iminência, se não for rápido a decidir, que os
credores desses efeitos negociais lhe comuniquem que ele terá de tomar um
determinado prazo e que o fim desse prazo acarrete a resolução tácita desse
contrato. A lei agiliza o procedimento nestes casos, permitindo que os credores
desses efeitos negociais comuniquem ao administrador que pretendem que ele se

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pronuncie sobre a subsistência do negócio num prazo que estabelecem, findo o


qual há resolução tácita – silêncio como declaração negocial.

Efeitos de natureza processual: sobre os processos que estão em curso relativamente


à empresa insolvente: suspensão de todas as diligências processuais que são
executivas e que visariam a apreensão dos bens do devedor – pretende-se evitar que
todas essas diligências viessem a conflituar com as diligências da própria insolvência.
Quanto às ações de natureza declarativa a declaração de insolvência não as
suspende, pois o efeito da sentença não é automático, não se projeta imediatamente
sobre os bens. Em relação a estas ações pode acontecer que, para garantia da
satisfação da dívida, possa estar subjacente a essa mesma ação, mas que ainda tem
que ser declarada, a lei deve exigir que o processo seja apenso ao processo de
insolvência se tal for requerido, para que os bens da massa insolvente possam vir a
garantir a satisfação dessa mesma dívida.

Plano de insolvência
Sucede contudo que quando o tribunal e os credores organizados na comissão e na
assembleia concluem que a empresa pode subsistir na ordem jurídica ou quando logo
no momento em que é requerida a declaração de insolvência o apresentante tem
noção que é possível encontrar uma solução satisfatória, é possível fazer um plano
de insolvência. Isto é, não se justificando pôr termo à vida da empresa, o que se faria
pela liquidação, mas admitindo que ela possa continuar, ainda que não na titularidade
do devedor, é possível apresentar um plano que permita, ainda que parcialmente,
recuperar os créditos, ainda que a longo prazo. Plano que deve ser submetido à
apreciação dos credores, art. 192º. O plano deve indicar (arts. 195º e 196º):

1) Quais os efeitos que se iram fazer sentir na esfera jurídica dos credores e qual a
posição que estes vão ter perante o próprio insolvente.
2) Deve conter os objetivos a atingir, designadamente a satisfação dos créditos
pendentes e as medidas necessárias para a sua execução.
3) Deve demonstrar que o ganho com a sua aplicação é claramente positivo.
4) Deve indicar as regras legais postas em causa pela execução do plano.
5) Quais são os atos que se vão projetar sobre o passivo do devedor, atos que irão
de ter de ser satisfeitos à custa dos bens da massa.

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O plano deve ser objeto de aprovação pelos credores e de homologação pelo juiz.
Tem que ser aprovado por uma larga maioria de credores, não uma maioria simples.
O quórum dos votos presentes tem que ser representativo – 1/3 dos créditos em
causa. A assembleia vai deliberar por 2/3 dos créditos. Uma vez transitada em julgado
a homologação (encerramento do processo de insolvência), empresa vai reassumir a
atividade da empresa. Plano deve ser executado nos termos da decisão homologada,
mas pode suceder que não tenha havido capacidade de previsão de todas as
vicissitudes. O plano deve conter os mecanismos de financiamento que serão
utilizados.

Da lógica creditícia o encerramento é muitas vezes mais vantajoso por uma questão
de risco – no encerramento não há riscos, daí a atenção que deve ser tida na
aprovação do plano.

O plano de insolvência, por exemplo, pode-se projetar na própria alteração do


contrato de sociedade. Ex: retirando titularidade aos sócios inicias, variando o capital
social. O que temos de reter é que, apesar de os sócios nada terem feito para que a
empresa ficasse naquela situação, na maioria dos casos não estão em condições de
participar no plano.

Como é que os credores recuperam a empresa? Convertendo parte dos seus créditos
em parte do capital da empresa – prescindem parte dos seus créditos, assumindo
controlo do capital da empresa. Imaginando que a empresa quando é formada é
formada com contributos de quem está na sua base, e estes contributos determinam
uma posição interna relativa dos seus sócios. Quando a empresa entra em
incumprimento as participações dos sócios perdem valor. Reduzir o capital é
reconhecer que aquele capital que tem uma determinada expressão, afinal vale 0.
Valendo 0 e se ninguém estiver disponível a manter a empresa em funcionamento,
então a empresa já não deve ter bens, ou pelo menos bens que satisfaçam os seus
credores iniciais. Mas também se deve admitir que os próprios terceiros, se confiarem
na recuperação da empresa, se possa concluir que abdicam de parte dos seus
créditos e esses créditos têm um valor: por isso a empresa recapitaliza-se à custa
desses mesmos créditos.

Em regra os credores são fundamentalmente as instituições de crédito, logo tem


capacidade para continuar a apoiar as empresas. Contra a vontade dos credores não

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é possível manter a empresa. Ato de extrema racionalidade económica e financeira.


É a solução menos má de duas possíveis:

1) Encerramento e satisfação imediata dos seus créditos.


2) Satisfação dilatada no tempo, mas que possa ser mais ampla.

E se o plano não for cumprido? Não há muitas alternativas, apenas duas e há efeitos
imediatos que podem ocorrer. Plano pode, por exemplo, ter estabelecido que os
créditos ficassem a aguardar que não fossem satisfeitos. Com o incumprimento isso
cessa e vencem-se imediatamente, mas há duas possibilidades:

1) Liquidação da empresa.
2) Abrir-se uma nova insolvência daquela empresa.

Há dificuldades para execução do plano, decorrentes de alguma imprevisão. Ex: não


foi previsto que a empresa precisasse de financiamentos oportunamente, ora quem
financia uma empresa em recuperação tem um dilema – se se garantir pela massa
insolvente, em caso de incumprimento, ainda pode ser ressarcido, mas se for uma
divida da insolvência, então a satisfação desse crédito fica subordinada a satisfação
das dividas da massa. A lei não resolve este problema.

Se juiz não homologou o plano, a sociedade insolvente entra em liquidação.

Encerramento do processo de insolvência


Como se encerra processo de insolvência?

1) Se continuar em atividade é pelo trânsito em julgado do plano de insolvência.


2) Se a empresa deixar de estar insolvente a pedido do próprio devedor que mostra
que a empresa já não está em insolvência.
3) Em caso de liquidação e extinção da empresa quando forem atribuídos os
credores finais os bens finais por rateio dos mesmos.
4) A terceira possibilidade é a de o próprio credor da insolvência consta que a massa
insolvente é insuficiente para satisfazer as dívidas do próprio processo e da massa
insolvente – não vale por isso a pena continuar com o processo de insolvência.

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Regime extrajudicial de recuperação de empresas (RERE)


No plano exclusivamente extrajudicial, o SIREVE41, que não apresentou o sucesso
esperado, foi substituído pelo Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas,
aprovado pela Lei nº 8/2018, de 2 de março, o qual só se aplica a empresas, nos
termos do art. 3º/1, a). Devedores insolventes que não sejam empresas não podem
beneficiar do RER. Trata-se de uma medida que só tem sentido quando o capital não
está perdido, embora excecional e transitoriamente42 se admita que seja acordada no
quadro de uma insolvência (art. 35º).

O RERE permite que o devedor e todos ou alguns credores, desde que, sendo não
subordinados, representem, pelo menos, 15% dos créditos por satisfazer (art. 6º/1),
quando o capital não está perdido, reajam a uma situação difícil, autorregulando os
respetivos interesses. Permite ao devedor negociar diretamente com um ou mais dos
seus credores, procurando subscrever um protocolo de negociação, um instrumento
que vai depositar na Conservatória do Registo Comercial (arts. 6º a 8º), nos termos
do qual, não se encontrando perdido a totalidade do seu capital (é aplicado
geralmente em situações de crise da empresa, mas pré-insolvênciais), renegoceiam
o crédito. A ideia é a de resolver fora do tribunal a situação de insolvência. Este
procedimento visa evitar os processos de insolvência e suspende os processos que
tenham sido instaurados por credores que sejam parte no protocolo (art. 1º/1).

A importância é de que todas as ações que os credores que estão no protocolo


tenham instaurado contra o devedor se suspendem (os que estão no protocolo). Isto
é positivo para a empresa e para os credores, que deixam de ter a pressão de ter de
cumprir timings para acionar a empresa devedora.

O protocolo de negociação deve conduzir a um acordo de restruturação (arts. 19º a


22º), que deve ser objeto de registo comercial e pode ser orientado por um sujeito
que se designa de mediador de recuperação de empresas, podendo eventualmente
ser objeto de homologação judicial, através de um processo especial de revitalização,
com a finalidade de suster as ações que possam recair sobre a empresa.

41 Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial, DL nº 178/2012, de 3 de agosto.


42 Até 2 de setembro de 2019, inclusive.

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A grande vantagem é que o RERE permite um acordo, ainda que parcial, desde que
15% dos credores esteja disponível para aderir a esta solução. Geralmente não é
difícil, porque um único credor costuma deter essa percentagem.

Outras medidas de recuperação de empresas


Outras medidas que possam vir a ser tomadas: tentando promover a recuperação da
empresa, especialmente quando veste a forma jurídica societária:

1) Medida de 2017: alteração dos arts. 87º a 89º do CSC. Aplica-se apenas às
sociedades por quotas. Consiste num aumento de capital por subversão dos
suprimentos. Se os sócios são credores da sociedade e, fundamentalmente, o que
esta medida permite é que, se eles representarem uma maioria tão significativa
quanto aquela necessária para deliberar um aumento do capital social, eles
próprios possam converter os seus créditos, suprimentos, em capital da empresa.
Conversão de suprimentos em capital.
2) Medida 2018. Lei Nº 7/2018: converter outros créditos em capital. Aqui são
créditos de quaisquer pessoas. Um crédito é uma pressão sobre o funcionamento
da empresa. Se o titular do crédito estiver disponível a consolidar definitivamente
o crédito no capital da empresa, a pressão deixa de existir. Se for credor posso
pressionar a empresa a aceitar-me como sócio e eu passo a influir diretamente na
gestão da empresa. Este regime é muito interessante porque é um movimento
feito de fora para dentro da empresa. A empresa não é obrigada a aceitar – os
sócios da empresa podem ter iniciativa de realizar dinheiro e pagar esses créditos.
Se empresa recusar essa pretensão dos seus credores pode haver suprimento
social de deliberação.

Próxima aula: evidentemente que a atividade dos sujeitos de Direito Comercial carece
de uma certa publicidade, que se faz pelo registo – divulgar ao público os efeitos das
situações jurídica inerentes a determinados sujeitos e relativas a certos atos.

Nos vários sectores de atividade há supervisão.

Furo específico da atividade comercial – em termos processuais há tribunais que têm


reservada a competência para se pronunciar sobre matérias específicas do direito
comercial.

31.Outubro.2018 Teórica

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Sujeitos do Direito Comercial


Concluímos na última aula o estudo da insolvência. Vamos agora nesta aula ver
aspetos relativos ao registo, à regulação e à supervisão e um foro específico que
possa existir relativamente à atividade comercial.

Registo
O registo é um instituto público que visa aferir publicidade a atos e a situações
jurídicas mercantis. Existe um código, que é o Código do Registo Comercial, DL nº
403/86 de 3 dezembro, que visa tornar uma série de circunstâncias e vicissitudes do
Direito Comercial públicas. Se olharmos para o art. 18º Código Comercial sobre os
deveres e obrigações dos comerciantes, o art. 18º/3 fala-nos da obrigação de registar.
A lei tem depois o cuidado de determinar que atos é que estão sujeitos a esse registo
comercial, designadamente a carência de registo desses atos são os que respeitam
à própria existência dos comerciantes, atos relativos à matrícula do empresário
individual, do comerciante por exemplo, o CRC é que prevê estas questões em
conjunto com o regulamento que o acompanha.

O CRC tem uma série de factos enumerados, entre eles temos o importante art. 3º,
que trata de todos os atos comerciais que devem ser objeto de inscrição. Temos
também o art. 10º que trata do mandatário comercial – o mandato comercial está
previsto nos arts. 231º e ss Código Comercial.

O próprio Estado enquanto empresa pública está sujeito à declaração de constituição


das suas empresas na forma que estas vierem a adotar (ex: sociedades anónimas) –
art. 5º, a).

O importante é olhar para os arts.1º a 10º CRC para perceber as pessoas e os atos
que devem constar do registo comercial sendo publicitados43.

Supervisão das atividades comerciais


As atividades realizadas do mercado são controladas, são verificadas por uma
entidade externa dos próprios sujeitos do Direito Comercial que pretenda disciplinar
o mercado. Estas entidades são as entidades reguladoras. O desenvolvimento da

43As conservatórias prediais no limite podem fazer registos comerciais nos locais onde não haja conservatórias para registo
comercial. O Registo comercial durante muitos anos era baseado na apresentação presencial dos sujeitos, mas à cerca de
uma dúzia de anos passou a ser promovido por via online. Qualquer conservatória pode fazer o registo eletrónico hoje em
dia.

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atividade económica levou o legislador a não ficar satisfeito com a existência de uma
fiscalização interna por parte dos sujeitos do Direito Comercial.

A entidade que superentende o mercado em geral, já falamos dela, é a Autoridade da


Concorrência, à qual cabe a defesa do mercado, a verificação da conduta dos sujeitos
do Direito Comercial. Esta autoridade vai se articular com outras entidades várias
formas. Desde logo a lei permite através do diploma que disciplina as entidades
reguladoras do mercado, a Lei nº 67/2013, de 28 de Agosto, que teve em 2017 uma
pequena alteração, que sempre que ocorrer uma vicissitude numa determinada área,
naturalmente é chamada a intervir a entidade reguladora desse sector e a própria
Autoridade da Concorrência.

As entidades reguladoras sectoriais mas relevantes são:

1) O Banco de Portugal, que supervisiona as instituições de crédito e o mercado


financeiro, hoje muito se processa hoje a nível do BCE.
2) A Entidade Reguladora Para a Comunicação Social, ERC.
3) A autoridade de supervisão dos seguros e fundos de pensões
4) A comissão do mercado de valores mobiliários, CMVM, que tem uma função
transversal no fundo, porque pode abranger entidades que pertençam a todos que
são objeto de regulamentação específica, as outras entidades tinham uma
supervisão vertical, abrangiam exclusivamente as pessoas, as sociedades de
modo geral.
5) Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, ERSE.
6) Autoridade Nacional de Comunicações.
7) Autoridade Nacional da Aviação Civil.
8) Instituto das Mobilidades e dos Transportes
9) Outras entidades (reguladora da saúde, dos resíduos, INFRAMED, etc.)

Tribunais e arbitragem
Naturalmente que, compete aos tribunais judiciais comuns, apreciarem os litígios que
ocorram no mercado e a nível da atividade comercial. A nível judicial temos os:

1) Tribunais de comarca – competência genérica ou especializada, sendo relevante


para esta cadeira os tribunais designados por juízos de comércio, arts. 80º e 81º
da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
2) Tribunais da Relação.
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3) Supremo Tribunal de Justiça.

Além dos tribunais referidos, os juízos de comércio que têm uma competência própria
e exclusiva para apreciar os aspetos de insolvência e das ações que dizem respeito
aos direitos sociais que se desenvolvem no plano das sociedades comerciais, há
tribunais de competência territorial alargada que visam apreciar ações relativas às
marcas (ex: tribunal da propriedade intelectual) e o tribunal da concorrência da
regulação e supervisão que tem por finalidade apreciar os recursos das sanções da
Autoridade da Concorrência.

Os tribunais arbitrais têm muita relevância no nosso ramo do Direito Comercial. Isto
porque os conflitos em matéria jurídico-mercantil recaem invariavelmente em direitos
de natureza disponível, sendo possível recorrer aos tribunais arbitrais na resolução
de litígios. A lei chega a prever que, previamente, na arbitragem de um litígio possa
haver recurso a meios alternativos de resolução e nesse sentido é hoje admissível a
constituição dos centros de negociação, mediação ou conciliação que visam resolver
litígios de pequena dimensão.

Os tribunais arbitrais têm como vantagem a sua celeridade na resolução de litígios,


sendo que, em princípio, as decisões não são suscetíveis de recurso. No entanto a
questão depende da reserva que as partes decidirem atribuir à resolução do litígio,
sendo certo que ninguém é obrigado a recorrer à arbitragem e por isso das duas uma:

1) Ou existe uma previsão contratual, designada por cláusula compromissória, pela


qual os sujeitos de determinado contrato em caso de isenção têm de recorrer à
arbitragem.
2) Ou tem que haver um acordo entre os sujeitos envolvidos no sentido de
conjuntamente delegarem a resolução do seu litígio num tribunal arbitral

Os tribunais arbitrais existem em vários locais, mas há muitos juntos das câmaras de
comércio, câmaras que constituem em regra as formas de acesso à arbitragem e
tribunais arbitrais com as suas próprias regras. Isto acontece tanto a nível nacional
como internacional44.

44Há ainda a questão de arbitragem necessária: arbitragem que acontece quando Estado decreta que as partes têm de
constituir um tribunal arbitral, a lei que permite isto vai no entanto ser revogada.

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Contratos comerciais
Vamos agora entrar num capítulo bastante relevante. Este capítulo diz respeito aos
atos de comércio que são, em princípio, qualificadores do sujeito que os pratica se
ele não for já comerciante por definição.

É comerciante quem pratica atos de comércio e esses atos têm normalmente


natureza contratual, e se tiverem natureza contratual são verdadeiros contratos
comerciais.

Pode suceder, e daí que o Código tenha optado pela ideia de atos de comércio e não
contratos comerciais, que haja atos não negociais, negócios unilaterais e atos ilícitos,
e por isso ocorrendo esses atos pretende-se que estes estejam regulados pelo Direito
Comercial.

Um contrato é um facto jurídico. Os factos jurídicos podem ser factos em sentido


estrito ou atos jurídicos. (malta ele explicou os esquema dos factos jurídicos a
negócios. Leiam a matéria de TGN ou de Civil seus preguiçosos). Para o direito
comercial há uma classificação importante relembrar que é a dos negócios causais
vs. Negócios abstratos. Os negócios causais são aqueles que para afirmarem a sua
validade e os seus efeitos carecem de uma fonte que seja válida, têm que promanar
de um mesmo facto gerador que seja válido e que possa produzir efeitos. A
generalidade dos negócios no direito português são causais, há negócios que são
presuntivos de causa como por exemplo o reconhecimento da dívida. No domínio do
direito comercial há negócios abstratos, isto é, negócios eficazes e válidos
independentemente da fonte da qual eles resultam e que subsistem
independentemente das vicissitudes que possam vir a afetar essa fonte. Estes
negócios são excecionais no nosso direito e enquadram-se nestas categorias os
negócios cambiários, isto é, aqueles que pelas suas características se vão manter
válidos e eficazes independentemente do ato que os consubstanciou perdurar na
ordem jurídica ou se extinguir por razões de ordem formal ou substantiva. Exemplos
deste negócios cambiários são os saques de uma letra, livrança ou cheque.

Contratos Comerciais vs. Contratos Civis

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Se houverem efeitos diferenciados entre uma e outra realidade, entre contratos


civis e comerciais, temos aqui mais um plano de afirmação de autonomia do direito
comercial. É no âmbito do direito comercial, e em especial no plano contratual, que
se afirma o princípio da autonomia contratual/privada. Este princípio significa que os
sujeitos do direito comercial têm uma faculdade de autorregulamentação de
interesses. Este princípio permite uma criação criativa de negócios sendo que o direito
comercial versa sobretudo sobre direitos disponíveis e por isso com menos limite na
autorregulamentação.
Na autonomia temos: i) liberdade de celebração ou não celebração de
negócios ii) liberdade de seleção do tipo negocial iii) liberdade de estipulação. Na
liberdade de estipulação é de referir que no direito comercial há limitações que
decorrem de duas ordens de razão (para além das que decorrem das regras
imperativas): 1) negócios rígidos
2) negócios com uso de cláusulas contratuais
gerais

A postura dos sujeitos no direito comercial não há uma especialidade a


assinalar na conduta que deve estar associada a esta conduta, deve ser seguida boa
fé como no direito civil comum. No entanto, há vertentes e aspetos da negociação
que no domínio do direito comercial atingem uma dimensão claramente superior,
referimo-nos às situações em que os sujeitos depositam a sua confiança na aparência
da intervenção dos outros sujeitos e nos negócios por eles propostos, aparência essa
que em alguns casos pode vir a prevalecer caso haja discordância sobre o modo pelo
qual se processou essa mesma intervenção. Isto é, se um sujeito do mercado,
deposita a sua confiança na aparência pela qual intervém outro, a verdade é que
havendo um incumprimento de regras internas por parte de qualquer deles, em
princípio, vai ceder o que incumpriu essas regras ainda que possa pretender
prevalecer-se externamente dessas limitações, estamos perante a tutela da confiança
aqui, uma das vertentes da boa-fé.

(malta ele teve uns 20 min a falar sobre o que era um negocio típico/atípico e o que
era um negocio nominado. Eu ouvi a aula e passei mas apaguei porque não valia
mesmo a pena estar, é a matéria de TGN e civil e é básica)

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Requisitos de validade e eficácia

Os requisitos de validade respeitam ou i) a forma do negócio ou ii)a sua substância.


A forma pode ser legal, sendo que quando isto acontece a sua inobservância
determinada a invalidade do mesmo sobre a forma de nulidade. Há também a questão
da forma convencional.

Quanto à substância do negócio, podemos ter invalidade pelos sujeitos do negócio


ou pelo objeto do negócio. Quanto ao sujeito temos a questão da capacidade de
exercício e da formação da sua vontade e a sua declaração (vícios de vontade e
declaração).

O que requisito que liga o sujeito ao objeto é a legitimidade, que é uma questão muito
importante para diferenciar os contratos civis dos comerciais como vamos ver adiante.

Diferenciação

Como é que em relação ao mesmo tipo negocial podemos distinguir um contrato civil
de um contrato comercial? Qual é o critério?

É possível se recorrermos por exemplo a dois negócios que estão regulados quer no
CC quer no Código Comercial conseguimos ver essas diferenciações. No que toca a
legitimidade dos sujeitos e a forma vamos conseguir diferenciar.

Vamos recorrer ao mútuo e à compra e venda, dois tipos que se encontram em ambos
os códigos. A compra e venda nos arts. 874º e ss CC e arts. 473º e ss Código
Comercial. O mútuo, no art.1142º CC e no art. 394º Código Comercial. Quanto à
forma em princípio na compra e venda não necessariamente uma diferenciação em
função do ramo do direito comercial e civil, tanto num como no outro a forma é a
mesma em todos os casos. Mas já no mútuo a forma é diferente porque o art. 396º
admite que o mútuo não esteja dependente de qualquer forma, já no Direito Civil o
art. 1143º dá-nos mais que uma forma em função do valor do mútuo.

Quanto à legitimidade, na compra e venda o regime comercial difere do civil. A compra


e venda de bens alheios no direito civil é nula pelo art. 892º CC, já no direito comercial
a venda de bens alheios é válida desde que seja tida como tal, é possível A vender
um bem de C a B desde que depois compre o bem a C, está apenas a antecipar-se.

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Há ainda diferenças na compra e venda comercial consoante o tamanho e valor da


compra e venda.

É possível ainda tentar distinguir as duas contratações, civil e comercial, tendo em


conta que muitos negócios são característicos a um ramo ou outro. É o caso da
doação que é quase sempre civil ou os contratos de bolsa e de intermediação
financeira que são negócios exclusivos ao direito comercial, é exemplo disto o
contrato de participações sociais no art. 463º/5.

31.Outubro.2018 Prática

Gonçalo Ferreira.

06.Novembro.2018 Prática

Parte I
Hipótese 8
Belindo tem uma empresa que se dedica à instalação de sistemas de vigilância de
habitações. Recentemente conseguiu ficar como representação de uma empresa
nacional, titular de uma marca muito conhecida. Considerando que o pontual
cumprimento do contrato o obrigava a fazer alguns investimentos iniciais, resolveu
constituir com o cônjuge uma sociedade e mandou fazer uma página de internet da
sociedade, ABC - Sistemas de Vigilância, Lda, a Carlitos. Celebrou depois, já com a
sociedade constituída, como gerente desta, um contrato de arrendamento de um
espaço situado num Centro Comercial da cidade e pediu a um Banco 2000 euros, a
título de financiamento, entregando ao banco uma livrança por si (Belindo) subscrita,
em nome da sociedade e a título pessoal, como avalista.

c) Como qualificaria o contrato de financiamento realizado com o banco?

De acordo com a TAC o ato de financiamento é um ato objetivamente comercial do


lado do banco, art. 362º. O problema coloca-se em saber se o art. 362º faz uma
qualificação bilateral ou uma qualificação apenas para o lado do banco. A TAC não
diz que há uma qualificação para ambas as partes. O art. 362º qualifica como
comerciais as operações do banco.

Se essa qualificação fosse bilateral teríamos o problema resolvido para qualquer


teoria – se fosse um ato objetivo expressamente previsto na lei fizesse uma

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qualificação como comercial quer para o lado do banco, quer para o lado do cliente
do banco, então quer a TAC quer a TJE chegariam ao mesmo resultado dizendo que
o ato é comercial.

Se o art. 362º apenas proceder à qualificação do contrato de financiamento como


comercial para o lado do banco, e isso é válido quer para TAC quer para a TJE. Para
a TAC é um ato principal da atividade do banco logo é comercial pela doutrina e pelo
art. 2º, 1ª parte. Para a TJE também seria uma atividade principal do banco e por isso
seria comercial pelo art. 230º e pelo art. 362º.

O problema põe-se no facto do art. 362º fazer apenas uma qualificação unilateral.
Põe-se então a questão de saber para a contraparte do banco, ou seja, para o cliente,
se esse contrato é ou não um ato comercial.

Esta empresa, que instalava sistemas de segurança, tinha como atividade principal a
instalação. Então a qualificação do contrato de financiamento como comercial pelo
lado da empresa é o que? Art. 2º, 2ª parte: todos os atos que não digam respeito à
atividade principal do comerciante, mas que sejam com eles conexos.

O art. 2º, 1ª parte seria para que na TAC? Serve para qualificar os atos respeitantes
à atividade principal do comerciante. Ainda pode ter relevância para que tipo de atos?
Para os atos ocasionais para quem não é comerciante.

Portanto não faz sentido dizer que o contrato de financiamento para a empresa,
segundo a TAC, seria comercial pelo art. 2º, 1ª parte. Porque para a empresa esse
ato seria comercial pelo art. 2º, 2ª parte, porque de facto não dizia respeito à sua
atividade principal, não era um ato que tivesse natureza exclusivamente civil e
também não resultava do ato que ele tinha sido contraído com uma finalidade diversa
da atividade do comerciante. Logo presume-se como comercial pelo art. 2º, 2ª parte.

E para a TJE? Para o banco é a mesma coisa – art. 362º. E para a sociedade? Ato
conexo com a sua atividade principal. Logo é comercial por força do art. 2º, 2ª parte
e do art. 230º.

d) Como qualificaria a subscrição da livrança?

O que é uma livrança? É um título de crédito.

O que são títulos de crédito?

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O que é um cheque? É um título de crédito. É regulado por um diploma avulso. E este


diploma avulso é o que? As normas que regulam o cheque serão um DL português
ou uma lei da AR portuguesa? Não, são normas a nível internacional. E essas normas
internacionais normalmente resultam de que? Convenção Internacional. A matéria
dos cheques, das letras e das livranças são matérias disciplinadas em convenções
internacionais – são leis uniformes45. Por isso é que estas matérias são matérias que
são transversais no comércio internacional e os títulos de crédito e normalmente as
letras, livranças e cheques são delegados no comércio internacional, precisamente
porque gozam de regras uniformes resultante de convenções que basicamente o
mundo inteiro subscreveu. Visam facilitar o crédito no tráfego comercial internacional.
Não foi uma criação do legislador português, resulta de convenções internacionais.
Precisamente porque os títulos de crédito originariamente começaram por ser
utilizados sobretudo entre comerciantes – utilizavam sobretudo títulos de crédito
porque era uma forma de movimentação de crédito de uma forma fácil. Ex: A devia
dinheiro a B – B tem um crédito sobre A. Se estivéssemos a funcionar de acordo com
as regras de Direito Civil, B tinha de ficar à espera que o crédito de A se vencesse
para A pagar. O que é que isto fazia? B tinha de fazer outros pagamentos. Se
utilizássemos as regras de Direito Civil o que é que B fazia? B tinha de pagar a C –
fazia-lhe uma cessão do crédito que tinha sobre A. Só que isso implicava, para que
essa cessão fosse eficaz, que A tivesse de ser notificado. Imaginando que isto se
exponenciava para um conjunto enorme de transações comerciais – isto era
insustentável do ponto de vista formal. Não é possível ao comerciante estar sempre
a ceder créditos aos outros comerciantes cumprindo as regras da cessão de créditos.
Então o que é que os comerciantes criaram? Criaram títulos que incorporam direitos
de crédito, mas que são transmissíveis pela simples entrega ou, no exagero do
formalismo dos títulos de crédito, por endosso. O endosso o que é que significa?
Significa que alguém transmite o crédito dizendo-se “pague-se a favor de” e transmite.
Isto começou a ser utilizado entre os comerciantes como uma forma de transmissão
de créditos. Porque? Porque A devia dinheiro a B, B entretanto tinha de fazer
pagamentos a C, e o que é que ele fazia? Como entretanto ainda não tinha recebido
de A, dizia a C para ficar com o crédito sobre A, que ele iria pagar daqui a 6 meses.
E assim o tráfego comercial permitia a transmissão sucessiva destes títulos de

45 Lei Uniforme relativa às Letras e Livranças e Lei Uniforme relativa ao Cheque.

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crédito. E isto começou a ser utilizado sobretudo por comerciantes, mas a


determinada altura também começou a fazer sentido para sujeitos que não eram
comerciantes. E foi aí que surgiram as convenções relativas aos cheques, letras e
livranças, em que no fundo se democratizou ou vulgarizou a utilização destes títulos
de créditos também por pessoas que não eram comerciantes. Portanto os títulos de
crédito começaram por ser um instrumento privativo ou utilizado por comerciantes.
Por força destas convenções internacionais passaram a ser também utilizadas por
pessoas que não eram comerciantes.

A partir do momento em que estes instrumentos passaram a ser utilizados por sujeitos
não comerciantes, levantou-se o problema de saber se estes atos eram ou não
comerciais. Porque enquanto fossem apenas utilizados por comerciantes ninguém
duvidaria que eles diziam respeito ao comércio do comerciante ou seriam qualificados
pelo comércio do comerciante.

Ex: imaginando que D vai comprar um automóvel para seu uso particular e o preço
vai ser pago numa série de prestações e em representação dessas prestações o
vendedor do automóvel, E, comerciante, saca 6 letras sobre D, uma referente a cada
prestação. D subscreveu aquelas letras, em que assume um compromisso que vai
pagar aquelas letras na data dos seus vencimentos. D subscreveu estas letras em
representação de um ato que para D não era comercial – comprou um automóvel
para seu uso particular. Mas a verdade é que a letra, ou a livrança ou o cheque, são
atos cambiários, atos que resultam de normas que por si mesmos os qualificam como
comerciais. Ainda que as relações subjacentes, ou seja, as relações que estão na
base da subscrição de cada um desses títulos, não sejam comerciais. Para D a
compra é civil, mas ao subscrever a livrança está a praticar um ato que formalmente
é comercial.

E é ai que surge o problema das letras e das livranças que é o de saber se esses atos
são formalmente comerciais ainda que as relações subjacentes o não sejam ou se os
atos relativos a estes títulos de crédito só serão considerados comerciais se as
relações subjacentes que justificam a intervenção de cada uma das pessoas nesses
títulos, também forem comerciais. E aqui a doutrina divide-se.

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1) A maioria da doutrina entende que os atos relativos à subscrição de títulos de


crédito são atos formalmente comerciais. E ninguém quer saber se na base do ato
de subscrição desse título de crédito está ou não um ato comercial.
2) Há outros autores que dizem que é preciso ver se o ato subjacente a cada
intervenção cambiária, ou seja, a cada intervenção destes títulos de crédito,
também é comercial. Porque esses atos são comerciais se o negócio assenta em
relações comerciais.

e) O contrato de financiamento está sujeito a forma especial?

Já estudámos o princípio da liberdade de forma e as exceções a este princípio. As


exceções podem ser de natureza legal. Ex: contrato de compra e venda de um imóvel.
Ex: contrato de mútuo em função do valor – o contrato de mútuo está sujeito a forma
em função do valor.

Mas no domínio do Direito Comercial não é assim. O Direito Comercial quer-se um


direito mais aligeirado no que diz respeito às formalidades ad substantium (forma
necessária para a constituição válida do negócio) e ad probationem (forma necessária
apenas para efeitos probatórios). No Direito Comercial estas coisas estão mais
atenuadas.

Também pode haver mútuos no Direito Comercial: o mútuo comercial chama-se


empréstimo. E o empréstimo está sujeito forma?

Quando é que um empréstimo é comercial? O empréstimo é mercantil quando a


quantia emprestada seja destinada a um fim mercantil, nos termos do art. 394º.
Portanto é preciso saber se estamos perante um mútuo comercial ou um mútuo civil
qual é a finalidade desse mútuo. Se for um mútuo para habitação será civil, porque
não é uma finalidade mercantil. Se se pede um empréstimo, como era o nosso caso,
para relacionar com o espaço onde a sociedade ia desenvolver a sua atividade, isto
será uma finalidade mercantil.

Os empréstimos mercantis estão sujeitos aos mesmos requisitos de forma que o


mútuo civil ou têm requisitos diferentes no que diz respeito às formalidades? Tem
requisitos diferentes, mas em que circunstâncias? Todos os empréstimos mercantis
estão sempre sujeitos ao princípio da liberdade de forma? Só quando seja entre
comerciantes. O empréstimo mercantil se for celebrado entre dois comerciantes não

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está sujeito a forma especial, pode ser provado por qualquer forma, logo funciona o
princípio da liberdade de forma. É essa a grande especialidade dos empréstimos
mercantis – os empréstimos mercantis entre comerciantes estão sujeitos à liberdade
de forma. Retiramos isto do art. 396º – se pode ser provado de qualquer forma isso
significa que não há nenhum requisito quanto à substância.

f) Belindo é comerciante?

O art. 13º diz que são comerciantes as pessoas que, tendo capacidade para praticar
atos de comércio, fazem deste profissão. Segundo o prof. MC têm que estar
preenchidos quatro requisitos:

1) Prática habitual e reiterada.


2) Prática lucrativa.
3) Prática juridicamente autónoma.
4) Prática tendencialmente exclusiva.

Belindo tinha uma empresa que se dedica à instalação de sistemas de vigilância de


habitações. Belindo constitui uma sociedade comercial. E o Belindo era gerente dessa
sociedade comercial. Sabendo que o Belindo tem isto tudo, é ele comerciante ou não?

Belindo é uma pessoa singular. Quando Belindo constituiu uma sociedade comercial,
ele passa a ser o que nessa sociedade? Sócio. Ele é comerciante por ser sócio? Não.
Qual é a atividade económica que o sócio desenvolve para obter a qualidade de
comerciante? Nenhuma. Um sócio não desenvolve nenhuma atividade económica 46
– quem vai desenvolver a atividade económica é a sociedade que ele constituiu.
Belindo é diferente da sociedade que constitui e é a sociedade que vai levar a cabo
essa atividade económica. A atividade económica desenvolvida por essa sociedade
é que pode ser ou não comercial. Ou seja, ele pelo facto de ser sócio não é
comerciante.

Ele é também gerente da sociedade. Os atos que ele pratica, pratica-os para quem?
Para a sociedade. Portanto ele não pratica atos em nome próprio. Logo os efeitos
jurídicos daquilo que ele pratica são repercutidos em quem? Na sociedade. Logo pelo
facto de ser gerente torna-se comerciante? Não. Se os efeitos jurídicos dos atos que

46Limita-se a deter um bem no seu património, que é uma ação representativa do capital daquela sociedade ou uma quota
representativa do capital daquela sociedade.

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ele pratica se repercutem na esfera da sociedade, não está a praticar para si próprio,
logo ele não é comerciante. Enquanto gerente ele é membro de um órgão social – as
PC para se exprimirem precisam de órgãos e os órgãos são compostos por pessoas
singulares. Esses órgãos é que exprimem a vontade da PC. Logo são é através dos
órgãos que as entidades coletivas vão desenvolver as suas atividades. As pessoas
que fazem parte desses órgãos não estão a praticar atos para si, estão a praticar ato
em nome e por conta da sociedade. Logo todos os efeitos jurídicos daquilo que eles
fazem enquanto gerentes ou enquanto administradores de uma sociedade,
repercutem-se apenas na esfera jurídica da sociedade, logo quem é comerciante é a
sociedade e não Belindo. Portanto ele pelo facto de ser gerente não é comerciante e
pelo facto de ser sócio também não é comerciante.

Ele só poderia ser comerciante pelo desenvolvimento que tinha feito em nome
individual da atividade de instalação de sistemas de vigilância de habitações.

Ninguém é comerciante pelo facto de ser sócio de uma sociedade, nem ninguém é
comerciante pelo facto de ser membro de um órgão de uma sociedade. Quem é
comerciante é a sociedade, não as pessoas que integram os seus órgãos ou os sócios
dessas sociedades.

Hipótese 9
Antonieta, recentemente nomeada conselheira do STA e que já tomou posse, decidiu
suprir a falta dos subsídios de férias e Natal através de algum ganho que consiga
obter em negócio de venda de bijuteria de qualidade, pelo que encetou a procura de
espaço compatível na Av. da Liberdade em Lisboa. Para realizar o seu projecto,
convidou a filha de Bernardete, sua amiga de infância, miúda talentosa que frequenta
o 10º ano do ensino profissionalizante de artes, de seu nome Carlita. Antonieta e
Carlita rapidamente se entendem e desenvolvem o seu projecto para a A&C biju,
redigindo um acordo escrito, tendo combinado que Antonieta entrava com o
investimento e Carlita com o seu talento artístico para criar as peças e vender.

Tendo em conta o caso acima apresentado, diga:

a) Antonieta e Carlita são comerciantes, de acordo com a TJE?

Comecemos por Carlita. Poderíamos dizer que ela é menor, dado que está no 10º
ano. Sendo menor qual é o problema que se levantava? Para ser comerciante um dos

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requisitos é ter capacidade tanto de exercício como de gozo. Ela tem capacidade de
gozo? Tem. Mas não tem capacidade de exercício. Sendo menor é incapaz, logo não
tem capacidade, logo não podia ser comerciante à luz do art. 13º. Se ela fosse maior
de idade ou emancipada aí já poderia ser comerciante.

E quanto a Antonieta? É-nos dito que Antonieta é nomeada conselheira do STA.


Existe uma incompatibilidade de acordo com o estatuto dos magistrados no seu art.
13º: “1 - Os magistrados judiciais, excepto os aposentados e os que se encontrem na
situação de licença sem vencimento de longa duração, não podem desempenhar
qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo as funções
docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas, e ainda
funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial”.

Esta norma do Estatuto dos Magistrados Judiciais impede o exercício de qualquer


outra atividade para além de ser magistrado – esta norma estabelece uma
incapacidade ao juiz? Isto constitui uma incapacidade específica do sujeito? Se fosse
uma incapacidade tem consequências relevantes, porque se há uma incapacidade e
alguém pratica um ato no âmbito dessa incapacidade, o ato é inválido – o que
significaria que os atos práticos por Antonieta, havendo incapacidade, seriam todos
inválidos.

Porque é que se fala incompatibilidade? É uma verdadeira incapacidade ou há outra


razão que está na base desta proibição? A pessoa pelo facto de ser juiz torna-se
incapaz? Não. Há uma incapacidade de gozo ou negocial específica que tivesse a ver
com características próprias da pessoa que justifica essa incapacidade ou há outra
razão para a proibição? Há outra razão. Qual é a razão? Tem a ver com a preservação
da função, da dignidade da função. Quando se estabelecem incompatibilidades, estas
são estabelecidas em razão da função e não da pessoa em si. Aquilo que se quer
proteger com estas incompatibilidades é dignidade da função que é exercida. Não
tem a ver com nenhuma incapacidade específica, nem com nenhuma característica
pessoal de cada um dos magistrados, tem sim a ver com a preservação da função.

Havendo uma incompatibilidade, os atos que sejam praticados por Antonieta nessa
atividade comercial são válidos, mas as consequências resultantes disso ela vai sofre-
las enquanto magistrada. Isto porque a violação da norma estatutária leva a que ela
possa ser alvo de uma sanção disciplinar.

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Se isto é uma mera incompatibilidade, não afeta a validade dos atos. E também não
vai afetar a capacidade jurídica, nem de gozo nem de exercício, dela. Então ela
poderia ter a qualidade de comerciante. Embora haja autores que qualificando o ato
como uma mera incompatibilidade, para não afetar a validade dos atos, dizem que
ainda assim essa norma não lhe permite o acesso à aquisição da qualidade de
comerciante.

O outro problema aqui presente nestas duas personagens do caso é saber em que
medida é que o facto de Carlita, imaginando que ela até era maior, ser estudante e o
facto de Antonieta ter outra atividade profissional (magistrado), isso colide com o
chamado com o exercício profissional para se adquirir a qualidade de comerciante?
Ou seja, para se adquirir a qualidade de comerciante tem de se fazer isso uma
atividade a tempo inteiro, tem de o fazer com caráter de exclusividade? Deve ser
tendencialmente exclusiva – é apenas um critério do prof. MC, mas não resulta da lei.
Pensemos numa atividade sazonal, deixam de ser comerciantes por isso? Não. Isso
impede que o sujeito possa simultaneamente exercer outras atividades também com
caráter profissional?

O caráter profissional, e o que o prof. MC quer dizer com tendencialmente exclusivo,


significa que tem que haver um intuito lucrativo no exercício da atividade. O relevante
é a intenção com que se pratica os atos. Tem de ter uma intenção lucrativa com
aquela atividade. É neste sentido que se fala em tendencialmente exclusiva, ou seja,
tem que ser de facto uma profissão com o intuito lucrativo – portanto tem que se
desenvolver a atividade com caráter de habitualidade, o que quer que isso signifique
nas várias atividades47. E é preciso que essa atividade seja exercida com intuito
lucrativo.

E também não quer dizer que não se possa ter várias atividades em paralelo – para
se adquirir a qualidade de comerciante não tem de se estar exclusivamente dedicado
àquela atividade sem poder desenvolver mais nenhuma.

b) A&C biju é comerciante, de acordo com a TJE?

47Podem haver atividades sazonais ou atividades que se desenvolvem de uma forma intermitente, mas com caráter
profissional.

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A&C biju é o que? É um projeto. Este projeto deu origem a uma nova entidade
jurídica? Não. Então deu origem ao que?

Elas redigiram um acordo escrito para desenvolver a atividade. Que acordo é este?
Celebraram um contrato comercial que se chama associação em participação. O DL
n.º 231/81, de 28 de Julho trata de dois contratos comerciais: o contrato de consórcio
e o contrato de associação em participação. São ambos contratos comerciais.

O que elas celebraram foi um acordo relativo a uma associação em participação, que
não dá origem a nenhuma pessoa jurídica nova, logo A&C biju não é num
comerciante, é apenas um contrato.

07.Novembro.2018 Teórica

07.Novembro.2018 Prática

Parte II
Hipótese 1
A, titular de um pequeno motel, com 8 empregados, situado em local de que C é o
locador, vendeu-o a B, com todo o activo e passivo, por 20 000 euros, apesar de a
situação líquida ser ligeiramente negativa. C, notificado do negócio, propôs acção de
despejo contra B, alegando que o negócio fora simulado, e deduziu como pedido
subsidiário a entrega do imóvel, por se considerar titular de um direito de preferência.

Quid iuris?

Em primeiro lugar importa definir o que é um estabelecimento comercial. É errado


identificar o estabelecimento como “o local”. O local é um dos elementos do
estabelecimento. Este não se reconduz apenas à loja aberta ao público. O
estabelecimento tem outros elementos que dele fazem parte e servem de suporte à
atividade. Não há uma coincidência entre estabelecimento e local, o estabelecimento
pode ocupar esse local a vários títulos. Pode lá estar porque o dono do
estabelecimento é o dono do local, pode lá estar a título de arrendamento, usufruto,
etc.

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Estabelecimento é o conjunto de fatores produtivos organizados pelo empresário que


vai servir de suporte a uma determinada atividade económica. Esse conjunto pode
ser reconduzido a um local físico, a vários locais físicos, em locais virtuais, etc.

Já quanto à empresa, alguma doutrina diz que as empresas têm dois componentes:

1) Componente objetiva: identifica-se com o estabelecimento ou o conjunto de


estabelecimentos.
2) Componente subjetiva: tem a ver com o elemento humano de direção, aqueles
que dirigem a empresa. Não é o dono. Pode haver coincidência entre quem é dono
e quem dirige. O elemento pessoal da empresa tem a ver com os elementos de
direção, não tem a ver com os trabalhadores ou clientela. Os trabalhadores fazem
parte do estabelecimento, já a clientela é mais discutível se é ou não um elemento
do estabelecimento.

Outros autores consideram que o conceito de empresa não serve para nada porque
não há um conceito jurídico único de empresa. A noção de empresa é usada para
diversos efeitos, em diversos ramos do direito. Não há um conceito uniforme. Daí
haverem vários autores que dizem que o conceito de empresa em si não é relevante.
Por exemplo, o art. 230º qualifica a empresa como atividade económica.

A clientela é um elemento do estabelecimento? Ex: dois quiosques, um na Av. da


Liberdade e outro num sítio recôndito muito mau. Os quiosques são iguais, mesma
dimensão, tudo igual, vendem os mesmos jornais e revistas, têm tudo igual. Os dois
estão à venda por €500.000 cada um – negócio global por €1.000.000. Há doutrina
que entende que a clientela pode ser elemento do estabelecimento e há doutrina que
entende que a clientela não é elemento do estabelecimento.

A doutrina tradicional entende que é indiferente a clientela, que não é elemento do


estabelecimento. Logo os dois quiosques valem o mesmo. O estabelecimento
engloba elementos corpóreos e incorpóreos (contratos de fornecimento das coisas,
contrato de trabalho, etc.). De grosso modo, a teoria tradicional encarava o
estabelecimento apenas na sua vertente corpórea e incorpórea e isso significaria que
podia acontecer que dois estabelecimentos com este contexto explicado pudessem
ter o mesmo valor.

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É preciso dados concretos que nos permitam aferir qual é a dimensão de mercado de
um determinado estabelecimento.

Por esta teoria tradicional a clientela não pode ser parte do estabelecimento porque
ela é fluida, é intermitente, vai variando.

Que elementos é que temos de ter em conta quando estamos a apurar a dimensão
do mercado do estabelecimento?
1) Há casos em que a localização geográfica pode ser um elemento importante,
noutros casos é simplesmente irrelevante. Um estabelecimento de um campo de
golf, esse tem de ser nesse local porque o campo foi instalado lá, não se vai
arrancar a relva e colocá-lo noutro sítio.
2) Por exemplo, os pastéis de Belém: o valor destes está na receita, know-how
inerente a isso, é o valor do estabelecimento. Aquele estabelecimento vale pela
receita. O valor pelo qual se mede a dimensão do mercado, é através da receita.
Depois há indícios que nos ajudam – atendemos aos volumes de faturação, etc.
É através destes fatores que conseguimos apurar a dimensão do mercado do
estabelecimento. A clientela é variável. Se quiser saber se vendem muito ou pouco,
vou olhar para o passivo de exploração.

Passivo de exploração: o que os estabelecimentos ficam a dever aos fornecedores.


Quanto maior for o volume de encomendas feitas pelo comerciante aos seus
fornecedores, maiores vão ser os prazos de pagamento dessas encomendas. Isto faz
com que haja passivo de exploração. Se encomendam muito vão ter prazos de
pagamento dilatados no tempo por força das encomendas sucessivas.

Noutros casos interessam-nos marcas, patentes, outro tipo de direitos privativos de


propriedade industrial que possam ser relevantes. Tudo depende das várias
atividades económicas a que o estabelecimento serve de suporte.

Noutros casos importa saber se há ou não contratos duradouros com outros


fornecedores e clientes, que forneçam alguma estabilização do estabelecimento.
Normalmente um estabelecimento com alguma dimensão tende a ter contratos quer
com os seus fornecedores, quer com determinados clientes.

Isto tudo são indicadores que nos vão permitir apurar a dimensão de mercado do
estabelecimento. Sobretudo nos dias de hoje, onde consideramos que o Direito

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Aulas Direito Comercial Inês Sá Rodrigues

Comercial só faz sentido para termos uma atividade económica em função de um


determinado mercado, então é natural que o estabelecimento só valha em função
também desse mercado. Então a dimensão do mercado do estabelecimento é um
elemento do mesmo.

Se olharmos para o nosso caso dizia-se que a situação líquida do estabelecimento


era negativa, isto é, a diferença entre o ativo e o passivo era negativa. Então, porque
razão é que um estabelecimento comercial que tem uma situação liquida negativa,
isto é, que dá prejuízo, vai ser comprado por €20.000? Faz sentido?

Se adotássemos a visão da doutrina tradicional que entendia que ao estabelecimento


não interessava essa dimensão de mercado, o estabelecimento era uma realidade
técnico-produtiva, interessava saber o valor das coisas corpóreas e incorpóreas que
abrange, se isto for assim ninguém pagaria €20.000 por um estabelecimento que dá
prejuízo. Daí o senhorio vir dizer que houve simulação e que não houve nenhum
trespasse, esse foi o negócio simulado. O negócio real, o querido pelas partes, era
fazer uma cessão da posição de arrendatário não autorizada pelo senhorio. Isto era
a conclusão a que chegaria a doutrina tradicional.

O que é que o senhorio pode fazer? Abordar a questão do valor + art. 1112º/2 –
legislador estabelece indícios de inexistência de trespasse, dando indícios de que o
que as partes querem é a cessação da posição de arrendatário, não havendo
trespasse quando:

1) A transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das


instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o
estabelecimento.
2) Ou a transmissão vise o exercício, no prédio, de outro ramo de comércio ou
indústria ou, de um modo geral, a sua afetação a outro destino.

Facilita ao senhorio a prova dos acordos simulatórios – basta que o senhorio


demonstre este indicio para ter a seu favor uma presunção de nulidade por simulação
(evidenciado que não houve trespasse) e fazer com que seja a outra parte a ter o
ónus de contrariar os indícios demonstrados, podendo resolver o contrato com base
no art. 1083º/2, e) CC e pedir indemnização pelos danos causados nos termos gerais
da responsabilidade civil. Em tal caso, cabe à outra parte demonstrar que houve
entrega das coisas ou que quando aquilo foi comprado, no momento do trespasse,

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as partes já tinham em vista a mudança de atividade – se há trespasse e só muda a


atividade após um ano porque percebe que aquilo não dá, não há trespasse, a não
ser que contrato de arrendamento permita qualquer mudança de atividade. Se tal
acontecer, será também uma cessão ilícita da posição contratual, pois, não havendo
trespasse, não há transmissão forçada da posição de arrendatário, necessitando do
consentimento do senhorio, nos termos gerais da cessão da posição contratual do
art. 424º.

No entanto, a questão da liquidação negativa poderá ser justificada se considerarmos


a dimensão de mercado como elemento do estabelecimento – pela localização, tipos
de clientes, por exemplo.

Trespasse de estabelecimento comercial em local arrendado: a regra é que havendo


trespasse há a transmissão forçada do arrendamento para o adquirente do
estabelecimento, sem necessidade de autorização do senhorio (efeito legal do
trespasse), com 2 limitações:
1) Continuar a ser exercida a mesma atividade, sob pena de o senhorio puder
resolver o contrato, art. 1112º/5 CC.
2) Senhorio goze do direito de preferência no trespasse por venda ou dação. Pode
preferir no negócio jurídico de trespasse se oferecer o mesmo. Art. 1112º/1, a)
CC. O senhorio tem direito de preferência, mas não é um direito de resgaste. O
direito de preferência só é licitamente exercido se o senhorio continuar a exercer
a atividade que vinha a ser desenvolvida, sob pena do exercício do direito de
preferência ser ilícito.
a) Senhorio pode intentar ação de preferência nos termos do art. 1410º CC.
b) Art. 1416º/2 CC: comunicação antes do negócio jurídico ao senhorio – aqui a
comunicação foi feita depois do negócio jurídico.

Isto é assim porque devido ao facto da maioria dos estabelecimentos comerciais


funcionam em locais arrendados, havia esta tensão entre o interesse do senhorio de
reaver o seu local que estava arrendado, e o interesse público ou privado que existe
na manutenção de uma certa atividade económica. Se não houvesse a regra da
cessão forçada da posição de arrendatário, então quando houvesse trespasse seria
preciso que o senhorio consentisse na cessão da posição de arrendatário. A forma

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de conciliar os interesses foi este regime. Art. 424º: a cessação da posição contratual
exige consentimento. Arts. 1038º, 1054º e 1112º.

Quando o art. 1112º começa por dizer “estabelecimento comercial ou industrial”


estamos a falar da indústria civil. Os estabelecimentos são centros de meios
produtivos organizados pelo empresário que servem de suporta a uma atividade
económica, sendo essa atividade económica comercial ou não comercial, por isso é
que o estabelecimento pode ser objeto de um trespasse.

O estabelecimento é uma universalidade.

Trespasse: o legislador criou esta figura do trespasse porquê? “Este motel foi vendido
com todo o ativo e passivo” – aqui há uma divergência doutrinária, é saber se com o
trespasse também são transmitidas as posições contratuais em contratos e dividas
do próprio estabelecimento.

1) Doutrina e jurisprudência maioritária: defendem que se fosse o caso, para além


de realizar o contrato de trespasse, seria necessário realizar todas as formalidades
para a transmissão de dívidas e cessão de créditos.
2) Doutrina minoritária: defende que isso torna o trespasse totalmente inútil, pois uma
das razões para a criação do trespasse foi o facto de este permitir que, de uma
forma unitária, sem mais nenhum ato adicional, transmitir a globalidade das
posições transferidas num estabelecimento.
Por isso, é que há doutrina que entende que a grande mais-valia da figura do
trespasse como figura negocial, não é só transmitir a posição unitária, pois isso
conseguiríamos através de uma outra figura negocial qualquer se tivéssemos
como objeto uma universalidade, mas sim transmitir sem necessidade de um ato
adicional. Isto é, o legislador ao consagrar a figura do trespasse teria querido criar
uma exceção às regras para a transmissão singular de dívidas, cessão de
créditos, cessão da posição contratual.

Esta doutrina minoritária, em tese, até tem razão, mas peca num aspeto essencial.
Para dizermos que o estabelecimento para que fosse transmitido pela figura do
trespasse isso constituiria uma exceção à regra de transmissão singular de dívidas,
créditos, posição contratual. Tínhamos de considerar que o estabelecimento
comercial origina um património autónomo, porque era o mesmo que dizer que as
dividas afetas àqueles ativos só podem ser ressarcidas por aqueles ativos e por

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aqueles ativos só respondiam por aquelas dívidas. Isto porque, independentemente


de quem fosse o titular, só esses bens é que iam responder por aquelas dívidas. Mas,
para haver um património autónomo, era necessário que houvesse alguma norma no
ordenamento jurídico que dissesse que pelas dívidas daquele estabelecimento só
respondiam os ativos do estabelecimento. E não há nenhuma norma que diga isso,
não é possível criar por interpretação isso. Esta segunda tese só corresponderia à
realidade jurídica se houvesse outra norma que consagrasse o estabelecimento como
um património autónomo.

Dito isto, a grande utilidade do trespasse perdeu-se. O trespasse, na grande maioria


das situações práticas, acaba por não ser um instrumento contratual útil – porque, por
exemplo, a Sonae quer vender os supermercados Continente. São centenas de
milhares de contratos que existem em torno dos vários supermercados do Continente.
Era impensável ir contrato a contrato, fornecedor a fornecedor, pedir o consentimento
dos credores, etc. É necessário preencherem-se todas estas formalidades relativas à
transmissão de dívidas, de créditos, da posição contratual. Dai ser mais fácil adquirir
a sociedade detentora do estabelecimento.

Não havendo aqui um património autónomo torna-se difícil impor a qualquer credor
que tenha de suportar agora o novo devedor que é o novo titular do estabelecimento,
que pode ter uma consistência patrimonial muito pior do que o anterior titular do
estabelecimento.

Tínhamos na nossa hipótese um estabelecimento comercial? Nos termos do art. 230º,


1º parágrafo não se integra no conceito de empresa comercial a pequena empresa,
logo, a empresa não seria comercial.

09.Novembro.2018 Teórica

A contratação eletrónica não está reserva ao mundo comercial. Alias sempre que nos
deslocamos para o relacionamento entre particulares saímos do mundo particular,
não tem de se dispensar nenhuma proteção especial a nenhuma das partes –
proteção típica do Direito Civil. Nem todos os negócios são suscetíveis de contratação
eletrónica – negócios de carater pessoal não estão abrangidos por estas novas
tecnologias. Há certos negócios imobiliários ainda não é possível fazer através da
contratação eletrónica.

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Este tipo de novo mercado que se desenvolve exige que a documentação inerente a
estes negócios ocorra e se processe pela mesma via: faturação eletrónica – emissão
conservação arquivamento de todos esses documentos. Para isso há um diploma
próprio.

No quadro da contrtação à distancia: contratação fora do estabelecimento comercial.


Se nos lembrarmos todos como contramos quando nos dirigimos a um
estabelecimento com espaço físico o impulso é do consumidor, quando nos dirigimos
frequentemente já sabemos o que pretendemos adquirir, e cosnervamos alguma
liberdade de concretização do negócio porque se as condições não nos agradarem,
se os bens que se encontrarem disponíveis não acolherem a nossa concoradancia,
saímos do estabelecimento sem concluirmos o negócio. O consumidor conserva
intacta a sua liberdade de decisão ainda que tenha sido convidado a ir ao espaço
comercial. A contratação é mais em poder equacianor a situação do que pode
acontecer quando o negócio se conclui num espaço que não lhe é característico. E
por isso nessas circunstancias como o direito entende que a forma de reação dele
não é a mesma procura reforçar as suas garantias. Descolaziação relativamente
áquilo que seria normal esperar do contrato.

A contratação forra di estabelecimento pode envolver duas verteentes:

1) Sem a presença física do consumidor e do fornecedor ou ptrestdor de bens ou


serviços
2) Fora do referido espaço físico.

DL 24/2014, 4 Fevereiro.

Em matéria de contratação comercial há um outro aspeto que importa evidenciar: na


realidade no domínio da contratação comercial o que acontece é que ainda que os
interesses envolvidos sejam assimétricos, há uma natural procura do equilíbrio das
prestações. O direito procura sobretudo compensar situações de desequilíbrio.
Procura permanente do equilíbrio das prestações. Negócio pode vir a ser afetado. Há
situações que o Direito já cobre, que respeitem às condições das partes envolvidas –
ex: usura; e também certas situalões em que se verifica uma vicissitude relativamente
ao objeto do negócio ou à vontade e respetiva declaração.

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Contratos aleatórios, em particular o contrato de permuta financeiro ou contrato swap.


É evidente que se a procura do equilíbrio financeiro é fundamental, ao Direito não
repugna que um determinado contrato exista e em si mesmo tenha efeitos aleatórios
– estrutura e natureza aleatória e por isso são contratros que produzem efeitos
aleatórios. Entre eles o contrato de seguro, jogo e aposta e mais recentemente o
contrato de sawp. A grande preocupação da OJ é que as partes envolvidas, sobretudo
a mais fraca, possa antecipadamente representar os efeitos do contrato que irá
celebrar. É claro que este tipo de contratos nas suas versões mais recentes tendem
a procurar abranger finalidades de cobertura de risco e também de especulação.

Contrato de swap: operação pela qual uma das partes do contrato, que pode ser da
mais diversa natureza, e pode ter por objeto diferentes bens (ex: moeda, ativos
financeiros, juros, mercadorias, etc.), trocam posições no que respeita ao risco e á
rentabilidade do negócio. Procuram compensar o risco que decorra de um
determinado negócio. Exemplo mais paradigmático: banco como contraparte uma
empresa sua cliente e um contrato de swap para colateralizar um financiamento – o
problema da empresa é na realidade o risco inerente à variação dos juros, que o
encargo com a dívida assocada com o financiamento passe a ser incontrolável. Banco
pode procurar estabelecer um valor mínimo para esses juros e comprometer-se a fixar
esse valor minimio, designadamente estabelecendo uma taxa. Riscos cambiais:
emprese está obter fornecimento numa moeda estrangeira e será feito a prazo –
receio que essa moeda estrangeira valorizar de tal maneira, vai ter dificuldade em
fazer face ao cumprimento da sua obrigação. Para isso pode haver um swap. Quando
banco celebra este contrato com a empresa, vai ter o cuidado de procurar compensar
o risco que está a assumir. Cliente contratava uma taxa fixa. Por mais que variassem
os juros, o cliente nunca mais pagava mais do que uma taxa de juro. Banco
estabelece taxa de juro em 6.5% e a taxa estava em 5%, só é vantajoso para o cliente
se ele assumir que as taxas vão variar positivamente. Se as taxas atingirem 10% é
bom. Se a taxa de juro reduzir, significa que ele vai continuar a ter de sustentar um
encargo superior aquilo que por recurso a outros (…). Desastroso. O efeito da crise
global que ocorreu em 2007/2008, mas que em Portugal se projetou em 2011 com a
intervenção da Troika, o que aconteceu foi que com a intervenção do BCE e com a
fixação das taxas de juros, nalguns casos atingindo juros negativos, significa que as
empresas que tinham contrato taxas fixas, não consigam cumprir com os seus

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encargos e entravam em incumprimento. É um acordo sinalagmático. O objeto do


contrato reside na alia que se prende com a variação de preços ou taxas consoante
o que esteja em causa, portanto são os tais efeitos que o contraente vai pretender
minimizar ou neutralizar pela celebração desse negócio. Contrato atípico porque não
se encontra legalmente regulado. Suscetível de múltiplas variações. Suscitou enorme
conflitualidade, desde 2012. A jurisprudência esteve longe de ser uniforme. Qual a
grande preocupação? Os efeitos decorrentes do contrato aleatório (…), mas podemos
admitir que o equilíbrio de prestações seja hoje um verdadeiro principio no domínio
da contratação. Mais importante decorrência: informação subjacente. É preciso que
a contraparte negocial mais fraca, com menor capacidade de representação dos
efeitos do negócio, seja adequadamente informada, tenha conhecimento do conteúdo
e dos efeitos que decorrem do negócio que conclui. Desde que isso aconteça, não
podemos evoluir para uma situação que alguma jurisprudência concluiu, a da
resolução do contrato com fundamento numa alteração anómala das circunstâncias,
art. 437º CC. Só se as circunstâncias fossem absolutamente imprevisíveis no
momento da celebração do contrato. Na realidade o que é importante é poder-se
demonstrar-se que a contraparte tinha uma noção do risco.

Mesmo que não se consiga fundar a resolução na alteração anómala das


circunstâncias, naos ignifica que não possa haver outros meios para poder questionar
o contrato – são os meios que existem para a contratação em geral: eventual abuso
de direito, usura ou uma ilegalidade das clausulas que tenham informado o contrato,
especialmente quando haja um CCG.

Há também um importante domínio: contratos comerciais internacionais – aplicam-se


a situações jurídicas plurilocalizadas. Aqui deparamo-nos com um problema grave:
não haver regulação uniforme que propugne soluções inquestionáveis. Os
instrumentos de que podemos dispor a esse nível são essencialmente de carater
instrumental. Instituto para a unificação do direito privado internacional, visa
propugnar ou modelos contratuais ou convenções que regulem os contratos
plurilocalizados (elementos de conexão essenciais com mais do que uma ordem
jurídica). O que aconteceu foi que no plano convencional, do instituto em causa,
propuseram-se determinados princípios, que exprimem regras que devem ser
observadas na contratação internacional. Excluir operações de mero consumo.

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Contratos instrumentais dos contratos comerciais


Reforçar o cumprimento, a sua execução. Estes designam-se por garantias. Pela
prestação de garantias os próprios contraentes façam ou efetuadas por terceiros que
tenham algum interesse na concretização do negócio ou da sua intervenção, que
vamos poder assegurar o cumprimento das obrigações inerentes de um NJ. Sempre
que está em causa uma garantia em princípio esta é por definição acessória de um
outro NJ, cujos efeitos ela visa assegurar. Instrumentais relativamente aos negócios.
Consubstanciam contratos, que têm o nome de garantias. Podem ser inerentes a toda
uma pluralidade de NJ, são de um modo geral inerentes à cv uma vez que visam
satisfazer o pagamento do preço. Mas não só.

Garantias clássicas
Apontam para o incuprimetno cotnratual poder ser reparado ou à custa de um
determiando património, eventualmente do devedor, ou á custa de determinados bens
que ficam especialmente afetos à satisfação da obrigação. Em vez de recorrer a uma
garantia pessoal, recorre-se a uma garantia especial, que por sua vez pode ser
pessoal ou real.

Sempre que está em causa uma garantia geral em si mesma, a que é representada
pelo património do devedor. Devedor asusme a obrigação e o seus património
responde.

Nas garantias com natureza especial: pessoais ou reais. Pessoais: é o património de


um terceiro que vem assegurar o cumprimento da obrigação do devedor. Reais: é um
determinado bem que fica especialmente ligado, afeto, à satisfação da dívida ou da
obrigação de forma prioritária relativamente a quaisquer outros credores, que permite
identificar o modo de satisfação da obrigação.

Garantias pessoais
Ponderar o interesse desta garantia. Até que ponto um terceiro tem interesse em
arriscar o seu património pessoal para satisfazer uma obrigação alheia? Há casos em
que se justifica: viabilizar economicamente o terceiro de modo a que este se encontre
em condições de contratar com ele, ou porque o garante tem especiais relações com
esse terceiro (pessoais ou jurídicas).

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Fiança: garantia pessoal pela qual um determinado sujeito, fiador, disponibiliza o seu
património para assegurar o cumprimento da obrigação de um terceiro, afiançado ou
devedor. Esta garantia pessoal pode revestir natureza comercial se for acessória de
um ato de comércio ou contrato comercial, art. 101º Código Comercial. Grande
diferença entre fiança comercial e civil: art. 638º.

Mandato de crédito: art. 629º/1 – diferente da fiança.

Aval: tem enormes semelhanças com a fiança, só que constitui uma garantia pessoal
relativa ao reforço do crédito inerente à subscrição de um título cambiário. É uma
garantia pessoal do pagamento de uma quantia que seja inscrita num título de crédito
– livrança, letra ou cheque. O que é que assegura? Que a quantia constante do título
seja paga e que não sendo oportunamente pago credor pode exigir diretamente do
garante, avalista, a satisfação do seu crédito, mesmo que a obrigação do devedor
não subsista na ordem jurídica. O aval visa garantir o pagamento do título no momento
do vencimento, caso ele não seja honrado. Garante conserva um direito de regresso
– pode acionar o avalizado para que este o venha ressarcir. Mas se este avalizado
não proceder ao pagamento no momento do vencimento do título, então o credor
pode imediatamente acionar o avalista. Nada impede que o avale seja dado numa
relação puramente civil – pode ocorrer entre 2 não comerciantes. E por isso o aval é
uma garantia típica do mercado, embora não beneficie de toda a tutela característica
do mercado.

Garantias reais
São essencialmente duas: hipoteca e penhor.

O que caracteriza estas garantias é que o garante que é normalmente o devedor


compromete-se a afetar em particular um determinado bem á satisfação de um certo
crédito. Hipoteca recai sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo (aeronaves,
navios e veículos automóveis). Penhor recai sobre bens móveis não sujeitos a registo.

A finalidade é sempre a mesma: havendo incumprimento o crédito seja satisfeito á


custa do valor dos bens que são objeto da garantia. A hipoteca é uma garantia que
se constitui em termos voluntários, mas também pode ser legal ou judicial. O penhor
tem naturalmente um regime diferente, designadamente porque o bem objeto de
hipoteca é um bem cuja titularidade é registável e também a própria garantia é
registável. Por causa disso o Direito Civil diz que se se disponibiliza um bem móvel

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para a custa do seu valor ser satisfeita uma obrigação, tem de se entregar o bem
móvel ao credor penhoratício. Como é evidente o Direito Comercial estabelece um
regime diferente – penhor 666º e ss CC e 397º a 402º Código Comercial. Penhor é
por definição acessório a um NJ comercial, e diversamente do que acontece no Direito
Civil em que é um NJ real quoad constitutionem, no Direito Comercial o penhor não
impõe a entrega ou transferência da posse do bem empenhado, mas apenas uma
entrega simbólica – devedor vai poder a continuar a usar o bem na sua atividade
mercantil. O penhor conhece uma variação: (garantia real específica) relativa a um
credor em particular – quando seja uma instituição de crédito temos um penhor
bancário. As operações que a contraparte que o devedor celebre com este credor,
essas operações vão-se fundamental consubstanciar em créditos bancários ou
financiamentos concedidos por instituições de crédito, penhor para satisfazer essas
obrigações.

Garantias financeiras
Penhor financeiro: pode recair sobre numerário, que pode corresponder a um saldo
disponível numa determinada conta bancária ou a um crédito (…), sobre instrumentos
de crédito. Credor retem esses instrumentos para satisfação dos seus créditos –
posse desses instrumentos. O bem objeto do penhor encontra-se depositado em
regra junto do credor financeiro.

Alienação fiduciária em garantia: o devedor ao celebrar o NJ aliena como garantia


desse NJ uma propriedade de um determinado bem e o credor ficará obrigado a
devolver a propriedade desse mesmo bem no momento em que estiver assegurado
o cumprimento do NJ garantido. É o NJ pelo alguém através de um determinado bem
a da transmissão precária da sua titularidade, assegura o cumprimento da sua d´vida
que ao não ocorrer irá determinar a definitiva transmissão da titularidade do bem.

Garantia bancária autónoma à primeira solicitação: garantia que assume natureza


pessoal. Garantia que banco presta a uma determinada entidade, que é o beneficiário
da garantia, em favor de um cliente, e o banco disponibiliza-se a satisfazer o valor
garantido se tal o vier a ser solicitado pela contraparte negocial do seu cliente. Grande
risco. O beneficiário da garantia não vai ter de discutir o eventual incumprimento, vai
limitar-se a acionar a garantia.

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Duas últimas garantias, sendo que um delas não é propriamente uma garantia e a
outra é uma garantia ténue.

Primeira: cartas de conforto – declarações subscritas por um sujeito que visa apoiar
a capacidade creditício de um outro sujeito. A intensidade da garantia é variável
consoante o respetivo conteúdo. Pode equivaler a um reforço pessoal em caso de
incumprimento por parte do devedor. É uma garantia que tem uma natureza pessoal
e tem uma natureza ou caráter epistolado e por isso designa por carta de conforto.

Segunda: não é necessariamente uma garantia. Direito de retenção, 754º e 755º CC.
Não tendo natureza mercantil, pode ser utilizada para em caso de incumprimento não
é uma garantia que vise induzir ao cumprimento, mas que visa (…), caráter
sancionatório retenção de um bem mas pelo que representa a privação do uso do
bem por parte do seu titular, efeito importantíssimo, sobretudo no domínio imobiliário,
prevalece sobre própria hipoteca.

Contratos comerciais autónomos


Contratos comerciais de organização
São dois. Contratos que visam de algum modo agilizar a conjugação e coordenação
da intervenção dos sujeitos na vida mercantil e tem uma relevância autónoma porque
não originam o surgimento de novas pessoas jurídicas – envolvem PJ já existentes,
mantem natureza puramente contratual, mas não dão lugar à criação de novos
centros de imputação de normas jurídicas. DL nº 231/81, 28 Julho (págs. 653 e ss).

Ambos regulados na mesma fonte.

Associação em participação
21º e ss.

Antes chamava-se conta em participação.

Em que consiste esta realidade? Verifica-se ou ocorre quando uma determinada


pessoa liga a sua atividade a outra. A associação de uma pessoa, associado, à
atividade económica exercida por uma outra pessoa, o associante (é o que dá a cara),
com a finalidade de poder ficar a participar nos lucros, podendo ter de assumir as
respetivas perdas que resultarem desse exercício. É um contrato em que um sujeito
leva outro às cavalitas e ao transportar o outro, procurando beneficiar o seu

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contributo. Ele pode participar apenas nos lucros, pode ser dispensado de participar
nas perdas. Isto resulta do art. 21º/1 e 2 do DL 231/81.

O contrato não está sujeito a forma especial, salvo se a natureza dos bens envolvidos
o exigir. Isto é, se os bens utilizados na atividade do associante ou com os quais o
associado contribuir exigirem uma forma especial. Art. 23º/1. Pode haver uma forma
convencional, sendo necessário se estiver em causa excluir o associado de participar
nas perdas ou se se pretender atribuir-lhe responsabilidade ilimitada, 23º/2.

O estatuto verte-se nos direitos e deveres de uma e de outra parte. O associante é


um sujeito de Direito Comercial. O associado é aquele que nele se pendura. O
associado tem o direito de participar nos lucros nos termos de uma clausula
contratual. 25º/1, parte final. Se o contrato for omisso, designadamente se não houver
forma escrita, então em principio participa no lucro de acordo com o critério decidido
para participar nas perdas. Se a sua participação estiver delemitiada então vai
participar nos lucros proporcionalemtne a essa particpaçao. Faltando quaisquer
destes critérios a lei admite que o associado vá participar em metade dos lucros da
associação. Sendo que certo que ensta circunstancia a lei admite que o associante
possa requerer judicialmente a redução desta participação se for manifestamente
exagerada tendo em conta o contributo.

Deveres: associado apenas participa nas perdas no limite dos bens que contribuiu.
Participação de algum modo limitada.

No que respeita aos direitos e deveres do associante, é o que conduz a atividade


económica, vai ver imputado na sua EJ os efeitos daquele NJ. E por isso no fundo o
contrato de associação em participação estabelece-se muitas vezes os seus direitos
e os seus deveres, mas a lei culmina determinados deveres – art. 26º.

Se não for celebrado por um prazo determinado, pode ser resolvido decorridos 10
anos da respetiva celebração. Quando a lei prevê que a resolução ocorra 10 anos
apos a celebração admite que este contrato seja de longo prazo. Claro que entretanto
havendo uma justa causa pode acontecer antes.

Os contratos não só terminam pelo decurso do prazo, se o objeto dos mesmos se


realizar se for realizada o objeto da associação ou se se tornar impossível a realização
dessa mesma atividade – contrato também se extingue. Também pela insolvência do

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Aulas Direito Comercial Inês Sá Rodrigues

associante ou pela morte de qualquer das partes, se respetivos herdeiros não


pretenderem manter o contrato. Se uma das pessoas envolvidas for uma PC, contrato
também cessa pela extinção dessa PC. Art. 27º a 29º.

Resolução: art. 30º.

A natureza jurídica: NJ contratual, visando produzir efeitos para ambas as partes,


mantem autónomo a intervenção no mercado por parte do associante, grandes
afinidades com outras figuras, designadamente com a sociedade em comandita, em
que um dos sócios assume a condução efetiva da empresa e um outro investa na
mesma limitando a sua responsabilidade ao que foi investido, que tem semelhanças
com a sociedade oculta, e também com os negócios parciários (há mais do que uma
pessoa a contribuir com bens para uma finalidade e há uma que assume a condução
desse mesmo negócio).

Estrutura e natureza contratual, não gera nova pessoa jurídica.

Consórcio
13.Novembro.2018 Prática

A lógica do trespasse enquanto figura de exceção à assunção de dívidas ou à cessão


de créditos só faria sentido se o estabelecimento fosse um património autónomo, pois
independentemente do titular, seriam apenas aqueles bens a responder pela dívida.
Mas não a podemos considerar um património autónomo porque essa autonomia não
aparece na lei. É por isso que a doutrina não o considera nenhuma exceção a estas
figuras, olhando para elas como formalidades adicionais que terão de ser cumpridas
após o trespasse.

1) Há uma necessidade de proteger também os credores, não há nenhuma razão


material que justifique colocar o credor nessa posição.
2) Para o trespasse de facto vir dar essa transmissão unitária de posições ativas e
passivas, o legislador teria de ter titulado mais os efeitos do trespasse
3) Mesmo para os autores que vêm aqui uma exceção às regras da exceção titular
de dívidas, cessão de créditos ou cessão da posição contratual, limitam essa
exceção aos casos das dívidas de exploração, dividas funcionalmente ligadas à
exploração do estabelecimento, o que dificulta ainda mais a triagem do círculo de
dívidas funcionalmente ligadas ao estabelecimento.

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4) As normas que criam patrimónios autónomos estão a definir preferências entre


credores, e há uma norma no CC onde se diz que as prioridades têm de resultar
da lei, não é possível concluir pela sua existência através da interpretação, sem
norma expressa nesse sentido

Parte II
Hipótese 2
Alberto, industrial de sumos e refrigerantes, casado com Berta, adquiriu em 31 de
Julho de 2008 a Carlos, agricultor e fornecedor de matérias-primas, 100 toneladas
de frutas para a produção de sumos naturais, pelo preço de € 50.000,00, que o
adquirente ficou de pagar em cinco prestações iguais.

Entretanto, e para distribuição dos seus sumos, Alberto celebra com Etelvino, dono
de uma pequena mercearia, situada num imóvel pertencente a Felisberta, um
contrato pelo qual Etelvino lhe cede o gozo da loja (incluindo o respectivo activo e
passivo), a título definitivo, mediante o pagamento de € 100.000,00.

a) Suponha que Felisberta pretende intentar uma acção de despejo contra Alberto,
invocando que houve uma cessão não autorizada da posição de arrendatário. Quid
Iuris?

A questão será se estamos perante uma cessão de exploração ou um trespasse.

Se for um trespasse aplica-se o art. 1112º e a posição do arrendatário transmite-se


independentemente da autorização do senhorio, nos termos do art. 1112º/1.

A cessão de exploração é o contrato pelo qual alguém transmite a outro o gozo de


um determinado estabelecimento mediante uma contrapartida a título de renda –
cedência do gozo do estabelecimento, a sua utilização e fruição passam a pertencer
ao sujeito cessionário, mas a propriedade ou a titularidade do estabelecimento
permanece na esfera jurídica do cedente.

No trespasse a transmissão do estabelecimento dá-se a título definitivo e com


pagamento único. Com o trespasse há uma transmissão forçada da posição de
arrendatário, não carecendo do consentimento do senhorio

Se for uma cessão de exploração o cedente permanece como o arrendatário, apenas


perdeu o gozo temporário.

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Aulas Direito Comercial Inês Sá Rodrigues

b) Caso Irene tivesse um crédito contra Etelvino resultante de um fornecimento de


bebidas que não foi pago, contra quem poderá Irene fazer valer agora o seu crédito?

Sendo um trespasse, uma das formas de transmissão de divida, nos termos do art.
595º, é por acordo entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo devedor. Não tendo
sido ratificado, Irene poderá demandar tanto um como o outro, passam a ser os 2
solidariamente responsáveis

Se for uma cessão de exploração aplicaríamos exatamente as mesmas regras, sendo


que aí pode acontecer uma coisa mais complicada que é, a par das dívidas originarias
contraídas antes da cedência, haver novas dividas contraídas pelo cessionário na
exploração do estabelecimento que apenas vincularão o cessionário

Hipótese 3
A, titular de uma papelaria na cidade de Braga, relativamente conhecida mas já com
certo aspecto «fora de moda» - chamada «papelaria da arcada» -, vendeu-a a B, com
todo o activo e passivo, por 50 000 euros. No momento da venda, da contabilidade
constava um activo de 30 000 euros e um passivo de 20 000.

Passados dois meses, foi aberta pela sociedade C, a 50 metros do local, uma outra
papelaria, designada «papelaria moderna». A sociedade pertence maioritariamente a
A.

Quid iuris?

A resposta seria diferente se a segunda papelaria tivesse sido aberta pelo próprio A?
E pelo cônjuge? E se fosse o cônjuge o sócio maioritário da sociedade?

A questão aqui é se do contrato de trespasse surge algum dever de não concorrência.


Se no contrato houvesse uma cláusula de não concorrência não haveria dúvidas. Mas
não existindo essa cláusula, o negócio encontra-se cumprido com o pagamento do
preço e entrega do estabelecimento.

A boa-fé deve ser respeitada tanto nos preliminares como no cumprimento das
obrigações. Ora aqui as obrigações estão todas cumpridas. Pode haver pós-eficácia,
acontece quando haja deveres complexos que subsistam. Quem usa esta ideia são
os autores que, apesar de verem aqui alguma injustiça, negam que o estabelecimento
tenha uma dimensão de mercado. Mas isto está errado pois o contrato está

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Aulas Direito Comercial Inês Sá Rodrigues

inteiramente cumprido – coisa entregue, preço pago e propriedade transmitida. Para


salvaguardar o gozo ele tem medidas de proteção e de defesa da posse

Parte da doutrina vem dizer que quem compra o estabelecimento compra-o na base
de ter uma base de clientela, constituindo isto uma obrigação de meios, um pacto de
não concorrência implícito. Esta surge da aplicação dos arts. 939º e 879º, a): a
primeira vem aplicar as normas da compra e venda a contratos como o trespasse e o
outro diz que o vendedor tem a obrigação de garantir a possibilidade de gozo da coisa.

Há depois outra parte da doutrina que vem dizer que este dever não existe por
princípios de liberdade de iniciativa económica, iniciativa privada e liberdade da
concorrência.

A concorrência desleal não visa prevenir o dolus bonus do comércio, mas sim
medidas de proteção da propriedade industrial, etc.

Prof. Barona: o problema tem a ver com aquilo que compõe o estabelecimento, este
visa dar suporte a atividade económica do comerciante, na produção de bens e
serviços em função do mercado. O que se pretende ao transmitir um estabelecimento
é permitir que o novo titular continue essa atividade económica naquele mercado,
este é o fim do contrato de trespasse. Ora, enquanto trespassante não posso pôr em
causa os fins do contrato – em função deste fim tenho um dever de abstenção, de
não praticar atos que prejudiquem essa dimensão do mercado do estabelecimento.
Essa obrigação de não concorrência, a par de qualquer obrigação de abstenção surge
para preservar o fim contratual.

Isto não tem nada que ver com aquilo do art. 939º, pois isso é relacionado com o gozo
da coisa, tutelado pelas medidas de proteção da posse, não por deveres de
abstenção. Qualquer contrato com eficácia real tem uma parte real e uma
obrigacional. O nosso problema coloca-se na parte obrigacional, e o gozo coloca-se
na parte real.

O problema não se põe no trespassário, mas sim no trespassante – o que o fim


contratual lhe impõe é um dever de abstenção, que implica que ele não pode praticar
nenhum ato que prejudique essa dimensão de mercado.

O fim contratual justifica a existência desta obrigação, mas isto levanta o problema de
saber quais os limites desta obrigação, porque um sujeito não pode estar vinculado a

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Aulas Direito Comercial Inês Sá Rodrigues

uma obrigação de forma ilimitada, não pode ficar ad eterno impedido de desenvolver
uma atividade económica, nem o pode ficar em qualquer espaço geográfico

1) Tem de ter limites subjetivos: pode envolver outras pessoas que tendo
conhecimento efetivo da atividade que era ali desenvolvida sejam capazes de
prejudicar essa dimensão de mercado.
2) Como também é preciso conhecer a dimensão geográfica do mercado daquele
estabelecimento.
3) E estabelecer limites temporais.

14.Novembro.2018 Teórica

14.Novembro.2018 Prática

16.Novembro.2018 Teórica

Contratos comerciais
Representação comercial
A representação comercial consiste na atuação em nome (e no interesse) de outrem,
informando desse facto a contraparte, ou numa intervenção (negocial) por conta de
outrem, sem revelar que o destinatário final dos efeitos do negócio é o titular de uma
esfera jurídica alheia, diferente do agente que intervém a título pessoal no negócio.

A representação comercial é um contrato que se entende bem porque na época, séc.


XIX, as deslocações eram muito complicadas e, deste modo, a representação era
uma forma de as pessoas se poderem fazer substituir por alguém de confiança na
realização de operações comerciais.

A representação é um instituto que estudamos em 1º lugar no Direito Civil quando se


fala da incapacidade de exercício dos menores e dos maiores acompanhados, e até
agora só estudados a representação como uma substituição de vontades necessária.
Aqui queremos estudar a representação voluntária e não a legal.

Aqui, a lógica de substituição agiliza a intervenção no mercado dos sujeitos. Isto


permite que os sujeitos possam atuar diretamente e possam atuar em simultâneo em
muitos outros locais diferenciados, e na realidade serem-lhes imputados todos os

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efeitos desses atos jurídicos. E isto produz então a multiplicação dos negócios
jurídicos dos sujeitos de Direito Comercial.

Quando a pessoa intervém no mercado ou o faz diretamente ou designando um


representante, e este representante esclarece que está a participar em nome e por
conta, ou seja, no interesse de quem ele representa. Os efeitos do ato celebrado são
imputáveis a uma esfera jurídica diferente.

Na representação comercial esta lógica de substituição vem naturalmente associada


a alguns deveres, nomeadamente à necessidade de um representante informar a
contraparte que não está a intervir pessoalmente, mas está a intervir por conta de
outrem, logo os efeitos produzidos se vão imputar a uma esfera jurídica diferente.

Mandato comercial
A representação tem uma designação técnica que é a de mandato, que pode ser civil
ou comercial. É o primeiro contrato que é enunciado depois da empresa comercial,
regulado nos arts. 231º e ss Código Comercial. O mandato comercial é o contrato
pelo qual uma pessoa atua por conta e em nome de outrem, substituindo-a na
celebração de contratos comerciais (art. 231º). Trata-se de um ato que se pressupõe
oneroso no domínio comercial, pelo que o mandante deverá pagar um preço pela
intervenção que o mandatário aceita fazer em seu nome.

Desta noção de mandato comercial releva um aspeto muito importante que é a lógica
da acessoriedade objetiva, ou seja, um mandato comercial é concedido para a prática
de atos de comércio. O mandatário comercial, pensando numa pessoa comercial, é
um profissional, é alguém que atua no mercado sempre para representar terceiros.
Ao analisarmos o art. 231º percebemos que o mandatário é a pessoa instruída para
celebrar contratos comerciais. O mandatário é o sujeito em quem a atividade
comercial é delegada, atuando em regra em nome e por conda do mandante. São os
representantes dos empresários comerciais.

Que tipo de sujeitos podem intervir no domínio deste ato? Podem haver diversas
categorias de representantes. O mandante é quem dá as instruções, o mandatário
pode assumir diferentes formas.

1) Gerente de comércio: sujeito que, sob designação reconhecida pelos usos


comerciais, trata da atividade comercial de outrem, em seu nome e por sua conta,

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no respetivo estabelecimento ou noutro local, sendo o responsável pelo


funcionamento desse estabelecimento. Refere-se ao gerente de comércio o art.
248º, que é o sujeito conhecido pela designação de “gerente da loja” e que
intervém na atividade comercial de outrem e o faz em nome e por conta desse
outro sujeito de Direito Comercial, podendo atuar no estabelecimento ou noutro
local. É como que um mandatário principal, o encarregado de praticar
determinados atos. Não confundir este conceito de gerente com o conceito de
titular do órgão executivo das sociedades por quotas em nome coletivo ou em
comandita, que também se designam por gerentes – aqui falamos de membros de
um órgão social e não de quem atua em representação de um sujeito comercial.
O mandatário, ainda que possa intervir profissionalmente, ele pratica atos que não
se vão repercutir na sua esfera jurídica, mas antes na do mandante, que é um
sujeito de direito comercial.
O gerente de comércio é também a pessoa que designamos por gerente de loja,
sendo o gerente do estabelecimento o encarregado de estabelecimento para atuar
em nome do mandante, ou porque este é uma PC ou porque este, sendo uma
pessoa singular, não quer ou não pode estar a dirigir esse mesmo
estabelecimento.
2) Balconistas e caixeiros. As lojas não se esgotam no gerente, há os auxiliares de
comércio e estes também atuam por conta de outrem – são igualmente
mandatários. Na sua atividade mercantil, o empresário é auxiliado por utros
mandatários que contrata – os balconistas (ou auxiliares) – e que hoje presam a
sua colaboração frequente ao abrigo de um vínculo de subordinação expresso
num contrato de trabalho. O artigo que os refere é o art. 256º e de certo modo
também o art. 257º. É quem opera em geral o comércio e o faz ao abrigo de um
contrato de trabalho. Estes auxiliares organizam-se sobre diferentes
subcategorias e podem ter diferentes funções. Em comum, todos são
representantes do comerciante, que é o titular do estabelecimento. E este titular
pode ser uma PC ou um empresário individual. Quando eles exprimem a sua
vontade, eles fazem-no em vez do comerciante. É nisto que consiste o mandato.
Paralelamente, temos o art. 257º, que trata de outra categoria de auxiliares e que
ganha hoje uma grande atualidade. Prevê a possibilidade do comerciante poder
enviar para fora do estabelecimento comercial, muitas vezes para locais
longínquos, os seus representantes. É nesses locais que ele celebra os seus
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negócios jurídicos. A esses representantes designamos por viajantes, eram os


antigos caixeiros-viajantes. Os caixeiros tradicionalmente eram os mandatários a
quem o empresário solicitava que o representassem noutras localidades.

Regime jurídico
Forma: o mandato não está sujeito a forma especial, mas a lei admite que possa ser,
no âmbito da intervenção do mandato, exigido ao mandatário um documento escrito
que consubstancia e legitima a sua intervenção (art. 242º). Ou seja, que na realidade
permita à contraparte negocial saber que está, ao negociar com essa pessoa, a
negociar com um sujeito de Direito Comercial que lhe conferiu instruções, logo deve
ser concluído de forma escrita. Quando o mandato assume uma forma escrita formal,
quando corresponde a um contrato entre as partes, nessa circunstância o mandato
deve ser objeto de registo comercial, como previsto no art. 10º, a) CRCom.

Características (estatuto): o mandato é um negócio oneroso no domínio do Direito


Comercial, porque o mandatário tem direito a receber uma retribuição pela sua
intervenção, e por isso o art. 232ç estabelece essa regra. O mandato civil, previsto
nos arts. 1157º a 1184º estatui que o contrato é em regra gratuito. No entanto, nas
duas situações é possível convencionar uma solução diferente.

O estatuto do mandatário, como resulta da lei (arts. 239º e 240º), obriga o mandatário
a certes deveres de informação e comunicação, isto é, o mandatário tem que se
disponibilizar para explicitar ao mandante o modo como está a cumprir e a
desempenhar o mandato. O mandatário tem também outros deveres,
designadamente o dever de conservação e guarda dos bens que ele irá transacionar
em nome do mandante (art. 236º), e a lei comina a sua responsabilidade por esses
bens – isso significa que ele tem um especial dever de diligência no exercício do
mandato.

Em caso de antecipação do termo do mandato, a lei diz que deve haver lugar a uma
compensação (art. 236º). Isto acontece se vier a morrer qualquer dos sujeitos
intervenientes no contrato.

Efeitos: o efeito principal deste ato é a imputação dos efeitos do ato jurídico praticado
à esfera jurídica do mandante. Aí coloca-se o problema de saber o que acontece
quando tal ato é insuficientemente executado. Se ocorrer o incumprimento do ato ou
um cumprimento defeituoso, vamos ter de ver a responsabilidade do mandatário, e

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sobre esta responsabilidade a lei comercial tem a norma do art. 238º, que vai acabar
por imputar as perdas e danos resultantes da insuficiente execução do mandato. Isto
é, em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso suscita-se a
responsabilidade contratual do mandatário.

Extinção: o contrato extingue-se pelo decurso do prazo para o qual terá sido
concedido, se o contrato tiver sido celebrado com um determinado termo. Pode
também extinguir-se por execução e esgotamento do objeto. Pode ainda terminar por
revogação (pelo mandante) ou renúncia (do mandatário). Na revogação há um ato
praticado pelo mandante que informa o mandatário que prescinde dos seus serviços.
Na renúncia o mandatário manifesta-se indisponível para continuar a representar o
mandante. O art. 245º prevê que nessas circunstâncias, se não há justa causa, e se
o ato não for praticado com uma antecedência que seja razoável, deve haver
responsabilidade pelas perdas e danos, resultantes da falta de aviso prévio em
qualquer uma destas situações de interrupção do contrato. Ou seja, a revogação e
renúncia sem justa causa dão origem a indemnização (por perda e danos), se não
houver sido convencionada sanção específica.

Contrato de comissão
No mandato, o mandatário, que é quem atua em nome e por conta do comerciante,
revela à contraparte a quem é que vai ser imputado os atos jurídicos, a quem é vão
aproveitar os efeitos que decorrem daquele ato. Isso pode ser por vezes prejudicial,
desligando-me porque a pessoa que vai intervir no ato tem muito dinheiro, logo pode
ter sentido que a sua identidade não seja revelada. É possível conceber uma
representação, mas fazendo-a em termos que os efeitos do ato sejam primeiramente
imputados à esfera jurídica do representante, sem prejuízo de ele estar sempre a
atuar por conta feito do representado. Este contrato está regulado nos arts. 1158º e
ss CC e nos arts. 266º e ss Código Comercial.

O contrato de comissão é o contrato pelo qual o mandatário executa o mandato


mercantil sem aludir ao mandante, contratando por si e em seu nome, como único
contraente. Trata-se, pois, de uma modalidade do contrato de mandato, só que o
sujeito de Direito Comercial não atua em representação do seu cliente, mas em nome
próprio.

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Isto é, a comissão é o contrato pelo qual o mandatário executa os atos por conta de
outrem, mas em nome próprio. Num primeiro momento, ele assume os efeitos desses
atos e num momento subsequente ele transmite o bem que adquire ou o efeito do ato
que adquire e ingressa para a sua esfera jurídica para o mandante.

Recorrendo a um comissário, o empresário comercial não revela a sua identidade,


ficando o seu representante diretamente obrigado, como se o negócio fosse seu. Este
contrato permite ao empresário mercantil intervir no mercado sem alardear a sua
presença, evitando, dessa forma, empolar os preços, uma vez que a contraparte não
saberá que está a negociar com ele.

É possível que certas áreas da atividade económica recorram aos comissários, ou


seja, admitam que o interveniente no ato esteja a celebrá-lo em nome próprio, mas
no interesse alheio. Algumas espécies negociais caracterizam-se precisamente por
recorrerem a comissários. Acontece muito nos negócios de bolsa48, em que o corretor,
isto é, o intermediário que representa o interessado em adquirir ou vender
determinados valores, o faz quase sempre49 em nome próprio, mas no interesse de
quem lhe confere a instrução e é o seu cliente.

Regime jurídico
O regime legal deste contrato consta do Código Comercial, em capítulo autónomo,
nos arts. 266º a 277º, aplicando-se-lhe ainda as regras do mandato, arts. 232º a 247º,
na matéria que não for especificamente regulada nos preceitos sobre a comissão (art.
267º).

Forma: este contrato é meramente consensual (art. 219º CC) e como tal a lei não
exige forma específica – a lei não exige um modo especial de exteriorização da
vontade dos contraentes. Mas podem ser reduzidas a escrito as instruções dirigidas
ao mandatário, neste caso o comissário, e é o que acontece com as chamadas ordens
de bolsa a que se refere o art. 327º/1 e 2 CVM, quando dispõe que as instruções
recebidas pelo corretor devem ser reduzidas a escrito.

Objeto: a comissão recai sobre um contrato comercial, cujos efeitos o comitente


pretende vir a aproveitar, embora sejam, em primeira mão, imputados ao comissário.

48Contratos de intermediação ou corretagem.


49Quase sempre porque o corretor, quando organizado sob a forma de sociedade financeira de corretagem, pode ser titular
de carteira própria e celebrar negócios pessoais.

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A lei ao caracterizar a comissão no art. 266º, diz que a comissão se verifica quando
o mandatário execute o mandato comercial, mas não se refere à pessoa do
representado, portanto assumindo todos esses efeitos. É um negócio remunerado, o
comissário recebe dinheiro pela intervenção e por vezes pode receber uma
remuneração adicional – a comissão del credere é a remuneração acrescida à
remuneração ordinária que o comissário tem direito a cobrar ao comitente por ter-lhe
assegurado o cumprimento das obrigações contratuais pela contraparte com quem
negociou (art. 269º, 2º parágrafo). Isto acontece sempre que ele assegura os efeitos
do negócio por conta da contraparte, ou seja, se ele assegura ao seu mandante que
os efeitos do negócio se vão realizar e se a contraparte falhar ele vai ser
responsabilizado.

Partes: há duas partes neste negócio:

1) Comitente
2) Comissário, que é o empresário mercantil que o comitente encarrega de, por sua
conta, celebrar um ou mais contratos comerciais, sem revelar no interesse de
quem é que o faz.

Os direitos e deveres são os mesmos do mandato mercantil (art. 267º), sendo que o
comissário fica diretamente vinculado pelo contrato celebrado (art. 268º), uma vez
que atua em nome próprio, desconhecendo a respetiva contraparte contratual
naturalmente que não será ele que assumirá os efeitos finais do negócio.

Outras formas de representação comercial


A atuação de um empresário mercantil por conta de outrem generalizou-se com o
alargamento dos mercados nacionais e internacionais e com a sofisticação das
formas de comercialização de bens através de pessoa ou entidade não coincidente
com o respetivo produtor.

No âmbito do sentido amplo da palavra representante podemos encontrar outros


representantes, nomeadamente os que intervém no âmbito do processo de
distribuição que são os agentes da distribuição. Nestes casos o representado será o
principal e o representante será o agente. Os contratos de distribuição permitiram ao
produtor ou intermediário (grossita) colocar os seus bens em mercado longínquo sem
ter de, para o efeito, constituir no mercado final uma empresa sua, antes recorrendo
a estruturas comerciais detidas pelos seus representantes locais.

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A representação comercial tem também uma grande projeção a nível internacional.


Permite-se ao produtor ou empresário comercializar as suas mercadorias e distribuir
os seus serviços em mercado estrangeiro, através de agente económico que
designasse para o efeito e, eventualmente, recorrendo a modelos negociais
crescentemente mais complexos e que envolvessem menor investimento da sua
parte. Foi objeto de uma convenção, a Convenção de Haia de 1978 que regulou os
efeitos decorrentes deste contrato.

Mediação
A mediação é o contrato pelo qual uma pessoa ou entidade (mediador) coloca em
contacto dois interessados em concluir um determinado contrato – normalmente de
compra e venda –, contribuindo para o esclarecimento das partes sobre o âmbito e
escopo do negócio e favorecendo, desse modo, a respetiva conclusão, mediante uma
retribuição, normalmente calculada percentualmente sobre o valor do negócio e a
suportar pelo adquirente, se não for convencionada diferente forma de proceder à
repartição do pagamento devido ao mediador.

Ou seja, é o ato jurídico pelo qual uma determinada entidade vai procurar colocar em
contacto dois interessados na prática de um determinado negócio jurídico, e vai fazê-
lo, não só apresentando as partes, mas também contributos para o esclarecimento
mútuo e disponibilizando-se a evidenciar os efeitos decorre deste mesmo ato, com o
propósito de receber uma retribuição por essa sua intervenção, calculada com base
percentual sobre o montante do negócio. Se nada for em contrário convencionado,
quem adquire é quem suporta a contribuição.

Sobretudo estes contratos têm vindo a ser utilizados no que toca aos bens imóveis.
E a complexidade destes contratos tem vindo a impor uma disciplina legal cada vez
mais rígida que visa acautelar os interesses das partes contratantes, especialmente
das que não atuam profissionalmente.

Devemos ter em conta que o contrato de mediação não deve ser confundido com a
mediação como meio alternativo de resolução de litígios.

Este contrato é, em si mesmo, atípico, o que não significa que, com referência a
determinadas áreas de atividade, ele não seja expressamente previsto.

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Mediação imobiliária
Ele é previsto em certas áreas de atividade, como no domínio da mediação imobiliária.

A mediação imobiliária pode corresponder a uma atividade, quando exercida


profissionalmente, mas consiste num contrato comercial pelo qual um sujeito
(mediador) se predispõe a encontrar um interessado para adquirir um determinado
imóvel cuja venda (se) pretende promover, devendo diligenciar a divulgação da
situação do mesmo ao mercado, executando os atos necessários a difundir o
interesse na venda com a finalidade de que surja um ou mais potenciais compradores.

A mediação imobiliária está hoje regulada na Lei nº 15/2013, 8 de fevereiro, que impõe
a sua forma escrita (art. 16º/1), procurando sempre informar a contraparte dos seus
direitos e obrigações. Determina os elementos mínimos que dele devem constar (art.
16º/2). Diploma tem regras diversas regras supletivas que visam proteger a parte não
profissional na celebração do contrato. Há prazo supletivo de seis meses de duração
do contrato se as partes não acordarem outro prazo de vigência do contrato.

Temos um negócio que se define sempre em função do seu objeto, ou seja, estamos
perante um negócio que se define sempre em relação a um bem imóvel que vai ser
objeto de transação, ou pode inclusivamente, nalgumas circunstâncias, ser
englobado na transmissão de um bem que ele faça parte e portanto com maior
complexidade. Mas esta atividade mercantil abrange outros atos que não impõem
necessariamente a transmissão da titularidade do imóvel, ou que se repercutem
necessariamente por si só sobre o próprio imóvel, mas que se destinam a propiciar
essa transmissão. E, por isso, engloba-se também na atividade de mediação a
prospeção e a promoção mobiliária, isto é, a divulgação no mercado que há
determinados bens ao dispor desse mercado.

Intermediação financeira
O contrato de mediação também conhece um enorme desenvolvimento no domínio
financeiro, e nessa medida se fala da intermediação financeira. A lei que regula as
transações do mercado, que é o CVM, acolhe uma importante categoria de agentes
comerciais, no art. 293º, que são os intermediários financeiros, que são as entidades
que vão profissionalmente mediar os negócios realizados no mercado financeiro, quer
envolvendo a prestação de serviços, mas que se refiram também a investimentos
executados no âmbito desse mercado, ou a todos os atos que sejam auxiliares dos

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investimentos, que possam inclusivamente abranger a chamada gestão das


entidades de investimento coletivo, que são não mais nem menos do que os fundos,
quer estes sejam mobiliários ou imobiliários.

A preocupação da lei do CVM é estabelecer os princípios a que devam obedecer as


tais ações que venham a ocorrer e que sejam intermediadas por agente profissionais
que são os intermediários financeiros.

Esses intermediários financeiros devem antes qualificar previamente essas situações


para poderem atuar numa área do mercado que é muito sensível, designadamente
pelos valores e pelos interesses que movimentam, e sobretudo porque os sujeitos
que nele intervém o fazem com capacidade totalmente distinta, não apenas do ponto
de vista económico, mas também do know-how que caracteriza a sua intervenção, e
designadamente porque muitos deles são consumidores.

Àqueles que não intervém de forma profissional, o CVM qualifica-os como


investidores não qualificados. No art. 30º determina quais são os qualificados.
Proteção maior em tutelar esses sujeito no mercado em comparação com quem
intervenha profissionalmente.

Uma mediação mal realizada pode levar a um prejuízo substancial.

A lei tem uma grande preocupação com a informação. A lei estabelece diversos
princípios a que devem obedecer estas atividades (art. 304º), nomeadamente à
salvaguarda dos bens e dinheiro dos clientes (arts. 306º a 306º-D), a informação a
investidores (arts. 312º a 312º-G), a resolução de conflitos de interesses (arts. 309º a
309º-F) e a defesa do mercado (art. 311º).

Estes contratos devem apresentar um conteúdo mínimo (art. 321º-A) e quando


formados com base em CCG estão sujeitos a uma disciplina rigorosa, uma vez que
os investidores não qualificados (art. 30º, a contrario) são, para o efeito, considerados
consumidores.

É possível prever a resolução de conflitos de interesses e regras da defesa do


mercado para essa intervenção. Há diversos níveis para isto. Há negócios em que
essencialmente contraparte do mediador está um sujeito qualificado e aí preocupação
é menor.

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O CVM menciona 3 espécies diferentes:

1) Ordens de bolsa, arts. 325º a 334º.


2) Contratos de gestação de carteiras, arts. 335º e 336º.
3) Assistência e colocação, arts. 337º a 342º.

Outros contratos de mediação


Para além destes dois tipos de contratos, o de intermediação financeira e o de
intermediação imobiliária, devemos falar de outros dois mediadores do mercado. A
mediação de seguros (arts. 28º a 31º LCS e DL nº 144/2006, 31 de julho) e a
intermediação de crédito (DL nº 81-C/2017, 7 de julho). Estão sujeitos a um regime
jurídico específico.

Os mediadores de seguro, para além de procurarem as soluções mais adequadas ao


tomador do seguro – a contraparte da companhia seguradora –, no que respeita ao
seguro a contratar, em termos de objeto, cobertura de riscos e preço, é suposto
desempenharem um papel relevante em caso de sinistro, junto do segurador. Atuam
procurando encontrar para os interessados a solução no mercado segurador que lhes
for mais adequada e depois diligenciando e relacionando os seus clientes com as
respetivas companhias de seguros.

Os intermediários de crédito, que se encontram sob a supervisão do Banco de


Portugal, são as pessoas que apresentam ou propõem aos consumidores contratos
de crédito, que lhes prestam assistência na celebração desses contratos ou que
representam instituições mutuantes na celebração dos mesmos. São uma categoria
recentemente autonomizada (2017). São aqueles que, ao intervirem no mercado para
celebrarem o seu negócio jurídico, o fazem procurando conceder crédito à sua
contraparte negocial. Neste caso, intermediários de crédito atuam no mercado junto
dos consumidores. Exemplo clássico é aquele que ocorre quando alguém concede
crédito ao adquirente do bem para este poder adquirir em suaves prestações um bem
automóvel ou imóvel. Preocupação da lei será a de que quando ocorra uma
intermediação de crédito, não sejam diminuídos os direitos dos consumidores, de
modo a que estejam informados e representem o alcance do seu ato jurídico.

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Intermediação internacional
Intermediação também tem uma grande componente internacional. A mediação
ocorre também com frequência no contexto supranacional, no âmbito de contratos de
diversas espécies, designadamente de compra e venda.

Contratos de distribuição
Celebrados sempre que o produtor ou prestador de serviços não pode ou pretende
relacionar-se diretamente com o adquirente final dos produtos ou dos serviços. Ou
porque não dispõe de meios suficientes para o efeito ou porque entende que é
demasiado oneroso optar pelo relacionamento direto. Procura, então, uma entidade
que profissionalmente possa fazer essa distribuição, podendo fazê-lo com maior ou
menor risco. Pode fazê-lo adquirindo os bens que irá transacionar ou procedendo
apenas ao pagamento do preço ao seu produtor quando contrato estiver concluído
com o consumidor.

A distribuição corresponde a um complexo de atos articulados com vista a promover


a transferência remunerada de bens e serviços do produtor para o utilizador final.
Trata-se de uma atividade de intermediação que pressupõe uma relação, pelo menos,
triangular, entre o fabricante (produtor), distribuidor e consumidor. De algum modo,
embora seja um contrato celebrado entre sujeitos de Direito Comercial, nem por isso
deixa de pressupor uma necessária triangulação entre o produtor ou prestador, o
intermediário distribuidor e o consumidor final.

A distribuição pode ser direta, se a as mercadorias são transmitidas diretamente pelo


produtor ao utilizador final. Ou seja, se for concretizada numa relação direta entre
produtor e consumidor final, mas isso apenas acontece normalmente em contratos
particularmente complexos. Ex: vendas efetuadas na sede de empresa, como de
equipamentos complexos de elevado custo.

Ou a distribuição pode ser indireta. Temos que equacionar diversas fases. Neste
caso, a comercialização efetua-se em diversos planos desde o transporte, depósito e
armazenagem, redução das partidas de mercadorias a quantidades para venda a
retalho, até ao retalhista. Já pressupõem o transporte dos bens, a conservação dos
bens e o seu depósito e armazenagem, e pressupõem que estes bens sejam objeto
de repartição em função das entidades a que se destinam, e que muitas vezes não

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são as entidades finais, são as entidades onde se processa a revenda, são as


entidades retalhistas.

Os contratos de distribuição podem assumir diversas formas. Estes contratos


nasceram, no passado, da autonomia da vontade.

Contrato de agência
É objeto de regulamentação pelo DL nº 178/86, de 3 de julho. O contrato de agência
vem definido no art. 1º: a agência é o contrato pelo qual uma das partes (agente) se
obriga a promover por conta da outra (principal) a celebração de contratos de modo
autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou
círculo de clientes. Possibilidade que uma parte do contrato, que se designa por
principal tem de, relativamente a um bem que comercializa, poder contratar com um
sujeito a distribuição e disponibilização desse bem num outro mercado. E quando o
faz, tem a possibilidade de lhe conceder ou não o exclusivo de venda desse bem no
mercado, e também poder determinar que ele venderá a determinados clientes em
particular, e aqui a distribuição tem mais a ver com os envolvidos no mercado porque
o contrato de agência pode ser celebrado entre produtores de bens e grossistas.

O intermediário, tal como na comissão, não adquire os produtos que irá distribuir, logo
ele diminui os riscos inerentes a essa aquisição, mas tem de assumir alguns custos,
nomeadamente as despesas relativas à sua instalação, ao armazenamento dos bens
que vai distribuir.

O produtor também beneficia deste contrato, pois produzi os bens, mas não recebe o
seu preço imediatamente, ficando dependente da alienação destes bens, faz com que
também não sofra determinados custos. Ele sobretudo diminuiu os riscos de
implantação e colocação no mercado. A distribuição através do agente comercial
permite ao produtor reduzir os riscos inerentes a uma nova implantação no mercado.

Exemplos: estabelecimentos revendedores de telemóveis e eletrodomésticos quando


não são explorados por operadores de telecomunicações ou diretamente pelas
respetivas marcas.

A maior dificuldade que se coloca neste plano é saber como se pode pôr fim à vigência
do contrato de agência. A lei prevê que, para além do prazo que possa ser aplicado,
ou quando o contrato celebrado não tem prazo e logo será um contrato de

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representação permanente, num tempo de antecedência mínima que permita ao


agente saber que tem de desinvestir porque vai deixar de ter a representação daquele
bem, a lei diz no art. 33ç que tem de haver a indemnização de clientela, pelo qual em
caso de cessação do contrato, independentemente do valor dos custos em que
incorra diretamente pelo encerramento da atividade, ela possa ser ressarcida pelo
contributo que o seu trabalho deu para a divulgação do produto ou dos bens. Tudo
vai depender da qualidade dos bens e dos produtos. Se ele for inteiramente
desconhecido, a intervenção do mercado do agente pode ser decisiva. Se ele já for
muito conhecido, será o principal o responsável pelo sucesso do agente. Por muito
bons que eles sejam, têm eles mais a ganhar do que os principais.

Agência internacional
O contrato de agência conhece também uma exposição internacional, e essa
exposição internacional ocorre quando a distribuição acontece num espaço jurídico
diferente de onde se encontra o principal.

O contrato de agência internacional é considerado paradigmático entre os contratos


de distribuição que relacionam agentes económicos de dois ou mais Estados.

Concessão internacional
Outro contrato de distribuição muito importante legalmente atípico é o contrato de
concessão comercial – neste o intermediário (distribuidor) adquire os produtos,
assumindo um maior risco que o agente (comercial). O concessionário, que é
escolhido por reunir aptidões técnicas e funcionais adequadas à distribuição que se
propõe efetuar sem ser em regime de exclusividade, obriga-se a adquirir uma
quantidade mínima de produtor e a revendê-los, beneficiando da publicidade feral que
é feita a esses produtos, nacional e internacionalmente. Em complemento, e no
âmbito das suas obrigações, o concessionário vincula-se a assegurar serviços de
pós-venda e nalguns casos poderá explorar serviços complementares.

Duas grandes diferenças com o contrato de agência:

1) A concessão não está tipificada numa fonte legal como a agência. Jurisprudência
recorre ao contrato de agência por analogia sempre que não esteja reduzido a
escrito a concessão comercial. Sendo um contrato legalmente atípico, à

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concessão comercial poderá ser aplicado, por analogia, o regime legal da


agência50.
2) É o contrato pelo qual o distribuidor adquire os produtos, assumindo um maior
risco que o agente comercial. Ele adquire os produtos para revenda e obtém
ganho com isso, que será maior consoante o risco.

Muitas vezes ele é escolhido porque tem qualidades técnicas que satisfazem a
procura desse bem ou serviço. Está inerente uma assistência além do bem ou serviço.

Constituem exemplos típico os stands de automóveis de marca e as oficinas que


garantem a respetiva assistência, bem como muitos postos de abastecimento de
combustíveis.

A grande vantagem do concessionário é que ele, em princípio, está a transacionar


bens que já são relativamente conhecidos no mercado em que ele se instala, e já são
objeto de uma certa procura, e também ele vai beneficiar da publicidade que é feita a
esses bens e que normalmente é assumida pelo próprio principal, pelo concedente
que produz os bens e os vai alienar no mercado.

20.Novembro.2018 Prática

Parte II
Hipótese 7
Suponha que António vende, por acordo escrito, a Bento, seu amigo de infância,
mas em relação ao qual guarda ressentimentos por ter sido vítima de bulling, acções
de uma sociedade anónima, em relação à qual não haviam sido emitidos os
documentos de representação das acções,. A alienação envolve 55% do capital social
e António havia contraído um crédito bancário para a sua aquisição, tendo o banco
financiador exigido ficar com o penhor das participações sociais.

Na venda que faz a Bento, António não só não indica que se financiou no banco,
como também omite qualquer referência ao penhor.

As partes assinam um documento intitulado “contrato de compra e venda de


participações sociais”, por 200.000 euros, e, na altura em que Bento exige à

50 Ac. STJ 12.03.2015, Proc. nº 2199/11.1TVLSB.L1.S1 e Ac. STJ 17.05.2012, Proc. nº

99/05.3TVLSB.L1.S1.

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sociedade os títulos das acções, estes vêem a ser-lhe entregues com uma anotação
que indica terem sido dados em penhor em favor do Banco.

Quid iuris?

A compra de participações sociais é um ato comercial, dado que é qualificada como


tal pelo art. 463º/5. Na venda das participações há obrigação de comunicar a
existência de um penhor, neste caso é um penhor mercantil que está a garantir um
empréstimo comercial.

Neste caso o principal é a transmissão do estabelecimento comercial ou empresa.


Logo o problema em que nos devemos focar é o da transmissão do estabelecimento,
que se pode dar por via direta através de trespasse ou pode dar-se através de via
indireta que é o share deal51, isto é, por transmissão de ações que permitam obter o
controlo de ações, não sendo preciso chegar a 100% do capital, basta que tenha a
maioria para ter o controlo da sociedade.

O facto de haver um penhor não faz com que ninguém perca o controlo da empresa.
O controlo só ser perderia se o credor penhoratício não fosse parte. Tanto mais que
se nada for dito, com a constituição de um contrato de penhor sobre ações, não se
transmitem os direitos de votos para o credor – o dono das ações continua a ter o
direito de voto.

Parte III
Hipótese 1
Uma empresa de produtos de cerâmica (A) lançou no mercado uma peça que, contra
as expectativas, porque a peça não tinha nada aparentemente de especial, foi um
êxito de vendas. B, concorrente de A, levou a peça a um fabricante de moldes da
Marinha Grande, mandando fazer um molde para a mesma e lançou-a também no
mercado.

Quid iuris?

A propriedade industrial é um direito que atribui a exclusividade de exploração


económica de um determinado produto ou serviço.

51 Alienação de ações que permitam o controlo da empresa.

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A concorrência desleal o que diz é que os agentes económicos têm o dever de atuar
de uma forma honesta de acordo com as práticas comuns numa determinada área de
atividade económica.

Os dois conceitos vêm tratados no mesmo diploma apesar de serem conceitos


diferentes – pode haver casos de sobreposição, mas são conceitos completamente
distintos.

Na propriedade industrial temos por exemplo as marcas, as patentes, as


recompensas. Os direitos privativos da propriedade industrial têm duas grandes
classificações:

1) Inovações: patentes, modelos de utilidade, os desenhos ou modelos.


2) Sinais de diferenciação52: as marcas, insígnias, os logótipos, recompensas.

Só são direitos privativos aqueles que a lei considera como tal, ou seja os supra
enumerados. Não há possibilidade de criar mais ou misturar os direitos mencionados.
Todos os direitos estão sujeitos a registo, e só adquirem proteção após esse mesmo
registo.

Patente: trata-se do registo das invenções – confere ao seu titular o direito exclusivo
de explorar a invenção em qualquer parte do território português. Diz respeito a
produtos e processos. Podem ser, por exemplo, combinações novas de coisas que já
existem. Os processos de patentes são muito difíceis de registar – é preciso que todos
os requisitos da patente estejam preenchidos, nomeadamente que o que constitui
novidade é a técnica utilizada. Além de invenção, há o requisito de que a descoberta
ou invenção tem de ser suscetível de aproveitamento industrial – se não houver este
aproveitamento nunca irá ter aplicação económica. Assim para que haja patente é
preciso:

1) Novidade.
2) Invenção.
3) Suscetibilidade de aplicação industrial.

Marca: sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, adequados


a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa ou de outras empresas. É

52 Na terminologia tradicional eram os atos distintivos do comércio.

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apenas um sinal distintivo. Marcas que identificam produtos ou serviços de um


determinado empresário, o grande elemento relativamente à aplicabilidade das
marcas está relacionado com o seu carácter distintivo, não devendo ser confundível
com outro produto/outro empresário.

O molde pode ser protegido como modelo ou desenho, mas era preciso que houvesse
registo – não havendo não é protegida. Se esta peça de cerâmica tivesse no entanto
um conteúdo artístico podia ser defendido por direitos de autor, ainda que não
registadas.

Neste caso podia o autor proteger-se pela concorrência desleal, art. 317º CPI. A
concorrência desleal são situações onde de alguma maneira há fraude envolvida ou
aproveitamento alheio de outrem, tem de haver sempre um ato que envolva
desonestidade. Neste caso dificilmente iriamos conseguir o caso do molde aqui no
arte. 317º.

A reprodução ou réplica de um determinado produto só viola o direito privativo se


quiser obter uma vantagem económica com isso, uma exploração económica. Se
amanhã eu quiser copiar um vestido da ZARA para usar ninguém tem nada a ver com
isso e posso fazê-lo. Diferente é se abrir uma loja chamada SARA e vender a roupa
a copiar a da ZARA.

21.Novembro.2018 Teórica

Na últma aula estavamos a ver a distribuição comercial. Vimos a agencia, ersta tem
duas partes: principal e o agente, embora muitas vezes envolva a relação comercial
que vai abranger o consumidor. Falamos da concessão comercial, esta tem enormes
semelhanças com a agencia, diferença importante que é o risco do contrato assumido
pelo concessionário, aquisição de bens que devem vir a ser objeto de revenda, devem
estar certas aptidões de natureza técnica. Fundamentalmente em causa os stands de
automóveis. Mas também outros bens são objetos de concessão, nomeadamente os
produtos petrolíferos.

Para além destes dois contratos, que são os principais (concessão contrato atípico,
ao contrário da agencia – recorrer à matéria de agencia sempre que contrato de
concessão não regula um aspeto específico). Há mais contratos de distribuição:

1) Licença de direitos privativos de propriedade industrial

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a) Licença da marca
b) Licença da patente
Contrato comercial pelo qual a entidade licenciadora faculta à entidade licenciada
direitos para produzir, manter ou utilizar de algum modo. Ex: refrigerantes
frequentemente produzido sob licença e também o material informático e os
produtos de origem médica, nomeadamente os medicamentos quando explorados
por laboratórios de caráter nacional. Invenção tutelada ao abrigo das normas de
propriedade industrial. Pressupõe que o licenciado pague um preço ao licenciador
e este preço é relativo aos produtos produzido, aquilo que se designa por royalties.
Contrato de merchadising: contrato pelo qual uma entidade concede a um 3º
mediante uma contrapartida uma licença para durante um prazo e com respeito a
determinados direitos de que seja titular possa no fundo recorrer a elementos
figurativos que caracterizam a sua posição no mercado. Entre eles está a
utilização de uma marca registada. É isso que acontece com a concessão da
marca a uma determinada atividade. Exemplo típico: produtos desportivos – uma
sociedade desportiva cede a uma entidade que produz equipamentos desportivos
a possibilidade de comercializar produtos com referencia a essa marca da
sociedade desportiva e com um determinado ganho. Pode ir para além disto –
utilização da marca em produtos diferentes da atividade típica da marca, ex:
admitir que a entidade que celebra o contrato, desportiva, cede imagem de marca
para se produzirem produtos de uma natureza diversa daquela que tem a ver com
a sua normal atividade, como por exemplo, vinho. Aproveitamento da imagem e
da força apelativa da marca registada em causa que leva a valorizar aquele
produto no mercado. Evidentemente que se o produto for explorado diretamente
pela própria entidade não é necessário contrato. O contrato de merchadising é
sempre celebrado com uma 3ª entidade. A entidade titular da marca registada (ex:
SLB)na realidade tenha a marca titulada numa certa empresa e que a marca seja
explorada por outra.
2) Transferência de tecnologia e assistência técnica, contratos de transmissão de
conhecimentos técnicos que são associados a um determinado processo de know
how, de fabricação. Celebrados com um agente económico que tem esse
conhecimento técnico que permite a sua utilização e com fins comerciais. A
assistência técnica pode estar ou não associada à transferência, mas concretiza-
se numa prestação de serviços.
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3) Contrato de franquia: pelo qual um determinado sujeito, franqueador, concede a


outro, franqueado, o direito à utilização do seu nome comercial. Esta utilização
abrange 2 aspetos: A) marca; B) nome de estabelecimento, caso o franqueador
comercialize diretamente os seus produtos. Franqueador vai ter de conceder ao
outros os meios técnicos adequados à exploração e comercialização dos seus
produtos. Pode haver de serviços e industrial, mas fundamentalmente é de
comercialização. Quando concede esses meios técnicos, franqueador
disponibiliza todas as condições e impor obrigações nesse sentido, de modo a
assegurar uma certa uniformização no modo de comercialização desses produtos.
Ex: no domínio do vestuário. O franchising pode originar um sub franchising.
Franqueado principal ter o poder de sub franquear. Há inúmeros franchishing –
McDonalds. Ex: Coca-cola quando não produzida sob licença. Este contrato
também é legalmente atípico, embora haja um regulamento comunitário,
apresenta uma certa particularidade – conter em si mesmos elementos
potencialmente anticoncorrenciais. Se entrarmos nestes estabelecimentos não
vemos a comercialização de outros bens ou serviços – estabelecimento
monomarca. Franqueado apenas trada dos bens do franqueador, por em causa
alguma liberdade da concorrência. Regulamento comunitário: quando
desenvolvimento comercial pode ser acelerado por alguns regimes de exceção,
pode-se introduzir exceções às regras de concorrência. Não sendo contrato
legalmente tipificado, nos casos omissos (apesar de serem contratos
relativamente detalhados e até CCG) não repugna concorrer à agencia como
contrato padrão em matéria de distribuição.
4) Contratos afins: não são exatamente contratos de distribuição – contratos de
gestão, nestes temos o enginirings e os contratos atípicos. O primeiro é um
contrato de gestão – afirma-se no mercado com alguma especialidade. O que o
diferencia de um contrato pelo qual é logo disponibilizada uma determinada
instalação ou equipamento (contrato de chave na mão – contrato pelo qual
empreiteiro vai criar indústria). Cede-se o processo organizacional. É um ato que
se caracteriza por visar por um lado a concessão de uma determinada indústria
ou processo e por outro lado o desenvolvimento desse mesmo processo,
acabando por ter semelhanças com os contratos de assistência técnica.

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Contrato transversal a todo o direito comercial. Contrato de transporte: neg+icio pelo


qual um pessoa ou entidade, transportador, se encarrega profissionalmente de
promover a deslocação de pessoas ou bens de um lugar para o outro fazendo-o por
diversas vias, podendo fazê-lo roviariamente ou ferroviarimaente e por via marítima,
fluvial ou oceânica, ou por via aérea. Associado a esta atividade tem que estar a
respetiva retribuição.

Há aqui que distinguir dois aspetos diferentes: por um lado o objeto do transporte –
podem ser só pessoas e os bens que elas transportem consigo ou podem ser outros
bens, somente os bens, e neste caso falamos no transporte de mercadorias. O
primeiro é o transporte de passageiros. Sem prejuízo do nosso Código Comercial,
ats. 366º a 393º, contempla o contrato de transporte – já falamos no 366º, norma que
caracteriza os atos objetivos por acessoriedade objetiva.

A lei é mais desenvolvida em todos os setores, e para além da diferenciação entre


transporte de mercadorias e passageiros, temos de ver as vias pelas quais se opera
esta mesma atividade.

1) Transporte rodoviário
2) Transporte ferroviário
3) Transportes marítimos – colocam em contacto espaços jurídicos diferentes,
envolvem uma série de convenções internacionais. Para além das próprias
normas do Código Comercial e de legislação avulsa mercantil nacional, também
há inúmeras CI que visam regular esses transportes.

Mesmo dentro dos transportes de mercadorias há diferenciações. Há casos de


transporte de mercadorias sob o contrato de volume – o transporte que é efetuado
com o recurso a contentores.

Nos contratos de transporte rodoviários estamos a pensar no transporte não feito com
recurso a aluguer, mas sim no contrato pelo qual todo o transporte incluindo o
condutor é contrato.

4) Contrato de transporte aéreo: não regulado no Código Comercial porque Código


foi feito em 1866. Este pela sua própria natureza e porque visou ligar pontos
geograficamente distantes veio a ser regulado por CI. A primeira é de 1929,
convenção de Varsóvia, sistematicamente alterada, até quem em 1999 foi

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substituída pela Convenção de Monterreal. Para além destas CI que visam


abranger este contrato, pode haver regras de natureza europeia ou comunitária.

Sujeitos do contrato de transporte:

1) Partes necessárias: transportador, que é a empresa que realiza o transporte ou


que assume a sua execução. Também é parte necessário o expedidor, que é
conhecido quando se trata do transporte marítimo por carregador, pessoa ou
entidade que solicita o transporte de bens ou mercadorias. Quando não estão em
causa mercadorias, passageiros, o sujeito é a própria pessoa transportada, ainda
que não seja esta que custei o transporte em causa. O carregador é a pessoa que
tem por missão entregar a bordo do navio a mercadoria para a mesma ser
transportada. O expedidor deve proceder à expedição se não se confundir com o
próprio carregador. Carregador entrega mercadoria, expedidor deve solicitar o
transporte marítimo. Noutros casos são o mesmo.
2) Partes eventuais: destinatário, que é a pessoa ou entidade à qual os bens vão ser
enviados, pode não existir autonomamente porque pode ser a mesma pessoa do
carregador ou expedidor.

Transitário: desempenha uma atividade auxiliar do contrato de transporte – realiza


atos de natureza logística ou operacional, podendo abranger o planeamento, a
coordenação, receção e armazenamentos do bens objeto de transporte. Agente que
não é necessário, mas que agiliza o transporte.

Forma do contrato e documentação do contrato:

1) Título do transporte: importância muito relevante porque legitima a utilização


desse mesmo transporte. Em matéria de transportes não há uma solução uniforme
quanto aos títulos e à forma.
2) Forma do contrato de transporte: diz respeito ao próprio contrato. A falta de forma,
quando legalmente imposta, acarreta a invalidade do próprio negócio. O de
mercadorias por mar está sujeito a forma escrita, ainda que possam ser
documentos tecnológicos.
3) Documentação:
a) Transportes terrestres: guia de transporte – documento que evidencia e
legítima uma determinada pessoa a promover a deslocação de bens de um
local para outro. Deve identificar os intervenientes no transporte,

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designadamente a entidade transportador, o destinatário e o expedidor, o seu


domicílio, os objetos transportados e o modo do seu acondicionamento, modo
como devem ser transportados, local de carregamento, meio de transporte e
prazo para realização de transporte. Deve ser emitida ao portador (suscetível
de transmissão por entrega) ou à ordem (deve ser objeto de endosso). Pela
própria guia os bens podem ser transmitidos.
b) Transportes marítimos: conhecimento de carga – se este respeitar e descrever
as mercadorias que dele são objeto, então corresponde a um título de
transporte propriamente dito no âmbito de transporte marítimo. Pode ser
transmitido também nos mesmo moldes em que é transmitida a guia de
transporte.

Regulação do preço do transporte: há determinados tipos de transportes sujeitos a


regulação. Ex: preço dos táxis.

O que acontece com os transportes de bens entregues ao transportador quando não


está estabelecida a ordem pelo qual o transporte deve ser efetuado? Deve ser feito
pela ordem de entrega. Com algumas particularidades, 378º Código Comercial, se
houver bens perecíveis é legítimo avançar com estes relativamente aos outros bens.

Normas sobre o trajeto a observar: objeto de contratação. Art. 381º.

Prazo do transporte: em princípio é convencionado um determinado prazo. É


necessário que o prazo seja convencionado, se não o for dever-se-á recorrer, como
acontece no âmbito do Direito Comercial, aos usos comerciais, 382º. Olhar para a
práticas inerentes à deslocação daqueles bens. O Código Comercial tem outras
normas, designadamente em matéria de responsabilidade.

Quanto ao pagamento: este pode ser feito á cabeça, não suscitando problemas, mas
pode suceder que não seja imediatamente feito – neste caso o próprio Código
Comercial, arts. 390º e ss, prevê o direito de retenção da mercadoria. Para além do
direito de retenção, há uma segunda garantia que permite que o contrato de
transporte gere um privilégio creditório relativamente ao bem que foi transportado.

Contrato de seguro
Frequentemente associado ao contrato de transporte.

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Os cotnratos de seguro que se vao sistematizar em ramos diferentes, têm dois


grandes subramos:

1) Seguro vida

2) Seguro não vida

O seguro é um contrato que já foi objeto de regulamentação no Código Comercial,


mas que hoje é objeto de legislação avulsa mercantil, portanto neste caso a Lei do
Contrato de Seguro, de 2008, entrou em vigor dia 1 de janeiro de 2009. Contrato pelo
qual uma determinada empresa, empresa seguradora (que se organiza em geral sob
a forma de SA), que opera com objeto exclusivo (a celebração deste mesmo contrato)
se obriga mediante uma determinada remuneração (prémio) a favor de uma
determinada pessoa que em regra é o segurado, ou de um 3º quando o segurado não
se confunde com o beneficiário do seguro, a vir a suportar os riscos que decorram de
um determinado evento eventual e futuro. Portanto é um contrato que se caracteriza
por uma natural alia. Este evento futuro e incerto que naturalmente gerará a obrigação
de compensação designamos como sinistro.

Em certas circunstâncias o contrato de seguro pode concretizar-se no pagamento de


uma determinada quantia fixa, que é o que acontece em particular com os seguros
de vida.

Contrato pelo qual uma determinada pessoa, tomador, transfere para uma empresa
que atua profissionalmente o resultado do eventual risco da ocorrência de um dano
quer na sua EJ quer na EJ alheia. Quando é para a EJ alheia fá-lo porque tem um
determinado interesse. O beneficiário é um 3ª pessoa designadamente porque o risco
pode recair sobre a pessoa do próprio segurado, ou porque o tomador do seguro (o
que contrato com a segurada) pode ter interesse que o risco que ocorre na esfera
jurídica de um seu colaborador acabe por (…). Contratos de seguros de acidentes de
trabalho (o que o tomador pretende garantir é que em caso de sinistro não seja ele
próprio a ressarcir ou continuar a assegurar os custos), desportivos (a questão pode
ser mais ampla, pode envolver profissionais que tiveram um custo relevante – seguro
pode não cobrir apenas os danos inerentes da paragem do desportista, mas seria
também uma compensação para a entidade patronal por aquilo que sucedeu com o
seu segurado).

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Elementos essenciais do contrato:

1) Sujeitos: seguradora e tomador do seguro.


2) Obrigações: traduzem-se por parte do tomador no pagamento do prémio, preço
do seguro. Por parte da seguradora da eventual indemnização que pode estar
sujeito a uma franquia.
3) Objeto: o risco que é coberto por ele, risco do sinistro que se pretende acautelar.

Enquadramento normativo: objeto de legislação geral, de regimes jurídicos


específicos. Legislação geral: dois diplomas – Lei Contrato de Seguro, aprovada pelo
DL 72/2008, 16 Abril, vigente desde 1 Janeiro 2009, Regime jurídico de acesso a
qualquer coisa, que estabelece o modo pelo qual as entidades seguradoras acedem
ao mercado segurador e objeto de supervisão, aprovado pela Lei 147/2015, 9
Setembro. Há outros diplomas que estabelecem obrigações de natureza informativa,
em matéria de seguros. O que deve ser transmitido em particular ao tomador do
seguro.

Estamos perante uma contratação comercial em que abunda o recurso às CCG – o


contrato de seguro é o que por definição exemplifica as cláusulas das CCG. Mas isso
não impede o contrato de ter condições particulares, objeto de negociação entre a
seguradora e o tomador do seguro. São muitos os contratos de seguro.

O que são os ramos e modalidades dos seguros? Há muitos anos os contratos de


seguro eram todos feitos indistintamente pela mesma companhia que obtinha
autorização para atuar no mercado, hoje é preciso recorrer a uma entidade de
supervisão que é a autoridade de supervisão dos seguros e fundos de pensões, que
é a entidade que autoriza a constituição de entidades seguradoras e que vigia o modo
como elas se posicionam no mercado. As entidades sujeitas a essa supervisão tem
que optar pelo ramo de atividade, que pode ser o ramo vida, que diz respeito ás
pessoas e envolve determinados seguros e operações, o mais relevante é o seguro
de vida, mas também há outros, como por exemplo o seguro que visa cobrir a
incapacidade permanente para trabalhar. O ramo não vida – ex: acidentes de
trabalho, pessoais, com pessoas transportadas, seguro de doença (pode implicar
prestações convencionadas ou indemnizatórias), seguros relativos a veículos e á
respetiva responsabilidade civil (qualquer tipo de veículo está sujeito a seguro, ex:

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seguro de responsabilidade civil automóvel), seguro de responsabilidade civil (pode


ser profissional).

Qualificação que diferencia os seguros entre obrigatórios (partes envolvidas são


obrigadas a realizar – ex: seguro de responsabilidade civil automóvel, de acidentes
de trabalho, incêndio em condóminos; acautelar a EJ alheia, de 3ºs) e facultativos.

Quanto às partes do contrato de seguro e os seus sujeitos, são a seguradora


(habitualmente uma SA), o tomador do seguro, que é o segurado se o risco da
ocorrência se for verificável na sua EJ, e o tomador é o sujeito que contrata o seguro
e que paga o respetivo prémio (contraparte da seguradora). Quando tomador não é
simultaneamente o beneficiário e o pagador – temos de distinguir o beneficiário do
seguro e o tomador. Beneficiário: outra pessoa que recebe a compensação da
segurada em caso de sinistro. Ex: seguro de vida suportado por uma empresa em
que a pessoa mantenha a sua atividade em favor dos familiares dessa pessoa.

O contrato de seguro pode passar de uma situação muito simples para uma situação
mais complexa. Mas a maior parte das vezes o tomador, o pagador e o beneficiário
são a mesma pessoa.

É importante referir que a atividade seguradora e as companhias seguradoras porque


muitas vezes não tem por si só capacidade económica para fazer face a um sinistro,
atividade frequentemente objeto de um outro contrato que é o contrato de re-seguro
(entidade seguradora, mediante um preço, repassa o risco do contrato para uma
entidade com maior capacidade económica) e que muitas vezes também surge, m,as
numa forma diferente, num contrato de co-seguro (pelo lado da seguradora temos o
alinhamento de duas ou mais entidades – risco partilhado).

Este contrato é documentado por um instrumento que se chama apólice (de seguro)
e naturalmente que o contrato deve ser associado a toda uma determinada série de
informações, a prestar pela seguradora sobretudo aquelas que visem excluir o risco
da seguradora. O risco da seguradora é uma de questões mais relevantes e por isso
na apólice deve constar a natureza e objeto do seguro, os riscos cobertos, a sua
duração, a quantia segurada e o prémio que foi ajustado relativamente àquele seguro.
O risco tem que ser legalmente segurável, a própria lei é que estabelece que tipo de
riscos podem ser seguráveis, e pode ser delimitado em função do próprio objeto do
seguro, da causa do sinistro (particularmente relevante no que diz respeito à

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cobertura de danos próprios em sede de seguro automóvel). Toda a problemática do


contrato de seguro é particularmente importante e leva a especializações. O âmbito
em que vai ocorrer o sinistro pode ser importante.

Documentação: particulares preocupações, que cisam proteger o segurador quando


este não é uma entidade profissional, mas sim um particular.

Os mediadores deste tipo de contratos têm um papel relevante (mediadores do


seguro).

21.Novembro.2018 Prática

Parte III
Hipótese 2
A empresa de colchões, almofadas e artigos (M) semelhantes fez registar em Portugal
a marca Molaflex e mais uma série de outras marcas todas com o elemento flex. As
empresas concorrentes B e C solicitaram em momentos diferentes o registo das
seguintes marcas: Flexsuper e Lusoflex.

O registo foi em ambos os casos contestado. Quid iuris?

A marca visa diferenciar os bens ou serviços que integram uma determinada


categoria. A empresa em causa registou a marca. Como vimos na aula passada um
dos princípios dos direitos privativos é que tem de ser sujeitos a registo para poderem
ser protegidos.

Pode haver alguma confusão entre as marcas ao ponto de confundir o consumidor?

CPI, nomeadamente ao art. 204º.

São do mesmo ramo.

Será flex um elemento distintivo? Podemos ter imensas marcas a usar determinados
conceitos. Mas só pela análise parcelar da denominação flex não podemos dizer que
isso poe em causa o caráter distintivo da marca, porque a marca tem de ser olhada
no seu conjunto. A marca em si não pode ser olhada apenas parcialmente. É preciso
ver se no seu conjunto se oferece algum elemento distintivo que permita que os seus
consumidores o reconheçam e saber se o sinal distintivo se confunde ou não com
outros. É preciso olhar para a globalidade. Usa a expressão flex – se isto constituir

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per si um elemento distintivo, quaisquer outros eram impedidos de usar o elemento


flex, porque seria um elemento identificador do comerciante ou o produto. Temos de
saber se no conjunto há alguma confundibilidade com outras que já existam.

Prof acha que isto não poe em causa o elemento distintivo das outras marcas e que
não há aqui confundibilidade.

O pressuposto aqui é que as marcas atuem no mesmo setor de atividade – se for


ginásios flex não estamos no mesmo setor de atividade. O problema só se poe para
as mesmas categorias de serviços ou de bens. Mas depois temos de olhar para a
marca na sua globalidade. Ler art. 239º.

O que podemos dizer aqui? Flex não é um elemento distintivo per si, logo não há
confundibilidade com outra marca já registada.

Hipótese 3
Em Março de 2000, a SIC, a PT Multimédia (pertencia ao Grupo Portugal TELECOM
– hoje em dia é a NOS) e a TV Cabo (pertencia à PT Multimédia, também a NOS –
ou seja a NOS é uma junção das duas) celebraram um Acordo de Parceria, por um
prazo de 10 anos, renovável, que atribui à SIC um direito de preferência no
fornecimento de canais temáticos, produzidos em português e para Portugal, para o
pacote básico da TV Cabo. O mesmo contrato prevê a atribuição ao Grupo PT
Multimédia da comercialização exclusiva dos canais de acesso não condicionado
produzidos pela SIC. A Autoridade da Concorrência condenou estas empresas por
terem celebrado entre si um contrato que contém cláusulas restritivas da
concorrência.

Comente esta condenação.

Isto foi um caso real. Qual o problema pode ser? Restrição da concorrência. Não
estamos no domínio da PI, nem da concorrência desleal, estamos perante um outro
problema que é a defesa da concorrência no seu conjunto. E para isso há um diploma
específico que DL 19/2012, que foi alterado em 2018 pela Lei 23/2018. Este diploma
que trata do regime jurídico da concorrência o que é que prevê? Trata da promoção
e defesa da concorrência, nomeadamente às práticas restritivas e às operações de
concentração de empresas que ocorram em território nacional ou que neste tenham
ou possam ter efeitos.

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Aqui o que nos interessa é o que? Eles celebraram um acordo de parceria.


prazoatribui à SIC um direito de preferência no fornecimento de canais temáticos,
produzidos em português e para Portugal, para o pacote básico da TV Cabo. O
mesmo contrato prevê a atribuição ao Grupo PT Multimédia da comercialização
exclusiva dos canais de acesso não condicionado produzidos pela SIC. O que
podemos dizer sobre este acordo? Se SIC tinha direito de preferência no fornecimento
de canais temáticos produzidos em português se a TV Cabo quisesse também, a SIC
tinha preferência nisso. Se a SIC tinha preferência no fornecimento destes produtos
isto significa não só que estava a afastar outros concorrentes e por outro lado ao ter
preferência significa que iria ter conhecimento das propostas eventualmente feitas
pela TVI ou da RTP dos mesmos conteúdos, colocava-a numa posição de vantagem
relativamente aos outros concorrentes. Por outro lado a PT multimédia ao ter o
exclusivo da comercialização dos canais produzidos pela SIC, significava que se
houvesse outro operador de mercado (ex. Vodafone), não podia negociar diretamente
com a SIC, tinha de negociar com a PT Multimédia.

Este acordo de parceria estava a fazer uma repartição de mercado das fontes
ilimitadas desse mercado.

Qual a consequência? Art. 9º/2: nulidade dos contratos que contenham clausulas que
configurem casos restritivos da concorrência.

Este caso foi muito discutido na altura. AC considerou que era prática restritiva. Quem
aprecia a impugnação dos atos praticado pela AC? Tribunal de Comércio e da
Concorrência, em Santarém.

Hipótese 4
As administrações de duas empresas produtoras de refrigerantes celebraram um
acordo em que estabelecem as bases de um entendimento comum que, entre outros
aspectos, lhes permitirá: (a) distribuir os respectivos produtos preferencialmente em
determinadas zonas do país, (b) controlar os preços de venda dos refrigerantes
gaseificados, e (c) estabelecer um preço mínimo comum para a aquisição de
vasilhame.

Pronuncie-se sobre o acordo em causa e sobre as cláusulas enunciadas,


nomeadamente sobre a respectiva legalidade e validade.

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Lei 19/2012.

Art. 9º/1, c) quanto a (a). Estão a fazer uma diminuição dos concorrentes em certa
zona do país – proibido repartir mercado entre as empresas.

E quanto ao (b)? Art. 9º/1, a). Porque é que não se pode fazer isto? A fixação de preço
pode levar ao que? Diminuir o preço pode aumentar procura do bem e leva a que não
se procure os outros. Hoje em dia os vendedores não podem estabelecer os seus
próprios preços – não podem dizer que o Pingo Doce tem de vender as grades a um
determinado preço, nem sequer por recomendação. Não é permitida a fixação pelo
vendedor ao comerciante final do preço de venda.

E quanto à (c)? Art. 9º/1, a). Se o valor estiver ficado pode ser pagar mais pelo
vasilhame para as pessoas consumirem mais aquele produto e depois pagarem mais
pelo vasilhame. Forma de influenciar os consumidores a consumirem mais aqueles
produtos e a restringir a concorrência. Prática restritiva da concorrência.

Parte IV
Hipótese 1
António, Bernardo e Carlos, gerentes da sociedade “Devedores e companhia Lda.”,
foram interpelados por Dionísio, trabalhador da sociedade, para procederem ao
pagamento de salários em atraso há mais de 6 meses dos 50 trabalhadores da
sociedade. Nessa data, Carlos constatou que:

(i) Bernardo, que tinha o pelouro financeiro da sociedade, não procedia ao


pagamento dos impostos da sociedade há mais de um ano e acabara de fugir para
Espanha com a sua mulher, levando boa parte dos saldos das contas bancárias;

(ii) António tinha escondido num armazém de uma propriedade sua no Alentejo
grande parte da maquinaria que deveria estar nas instalações fabris da sociedade;

(iii) O passivo da empresa há muito que havia superado o activo.

Pergunta-se:

a) O que poderá ou deverá fazer Carlos perante aquela situação?

Critérios da lei para se apurar:

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1) Quando o devedor se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações


vencidas. Quais obrigações vencidas? São todas as dívidas? Basta uma? É a
maioria? A lei estabelece um critério no art. 3º a dizer que um sujeito está
insolvente quando se encontre incapacitado de cumprir as suas obrigações
vencidas. Este nº 1 do art. 3º de per si não nos fornece elementos suficientes para
sabermos quando é que um sujeito está insolvente. Nº1 do 3º tanto se pode aplicar
a PC como a PS ou até entidades desprovidas de PJ (ex: herança jacente e
patrimónios autónomos). Primeiro de tudo tem de ser obrigações vencidas. É
preciso é perceber quais as prestações vencidas? A lei no art. 3º não nos dá uma
visão imediata. Mas se por exemplo abrirmos o art. 20º CIRE a propósito do
conceito de legitimidade (quem pode pedir insolvência) diz que na sua alínea b)
“a generalidade das suas obrigações”. Este é o verdadeiro critério. Art. 3º na parte
das obrigações vencidas tem de ser lido em conjunto com o art. 20º/1, b). Critério
cash flow.
2) Mas no caso dos entes coletivos (personalizado ou não) há ainda um outro critério:
saber se o ativo não é manifestamente inferior ao passivo. Critério do balanço (ou
contabilístico).

Basta falhar um destes testes – teste do cash flow ou teste do balanço.

O processo de insolvência visa a proteção dos credores.

b) Bernardo e António poderão vir a sofrer pessoalmente pelos factos que


praticaram?

c) Suponha que Bernardo, dois anos antes, havia alienado parte substancial do
património da empresa a dois sobrinhos, ao primo e à sogra. O que poderá suceder
a estes negócios?

23.Novembro.2018 Teórica

Acabar o estudo do contrato de seguro, contribui para a realização da atividade


económica e visa cobrir os riscos da realização da atividade económica. Celebrado
entre as empresas: empresa seguradora e empresário ou particular. Normalmente
caracterizado por CCG. Pode haver questões que possam ser objeto de negociações
pontuais.

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Este contrato documentava-se num documento que se chama apólice de seguro.


Quais são as características da apólice.

Participação do sinistro. Sendo um contrato de natureza aleatória é natural que as


companhias seguradoras procurem estimular o não acionamento da cobertura desse
risco. É natural que as companhias procurem reduzir o prémio à medida que o tempo
aumenta. Se a contraparte souber que ao fazer participação para acionar o seguro
numa circunstância que seja responsável ela vai pensar duas vezes se perceber que
o custo da sua retribuição pelo seguro irá aumentar substancialmente no exercício
seguinte. Devemos dela excluir algumas circunstâncias: seguros obrigatórios –
acidentes de trabalho e o seguro de responsabilidade civil automóvel. Delegar na
companhia a solução da situação. A legislação tem procurado agilizar a situação de
conflito e por isso é que surge a declaração amigável. Matéria do furo das companhias
seguradoras. Isso explica que em princípio não se possa levantar automóvel do stand
sem assinar contrato de seguro.

Participação do sinistro. Há regras legais e que podem resultar dos contratos de


seguro vigentes. O mais relevante é saber como se deve participar e em que prazo é
que o sinistro deve ser participado. A lei do contrato de seguro no art. 100º dá resposta
a isto: em princípio deve ser participado no prazo de 8 dias a contar da data do sinistro
com algumas exceções.

1) Se estiver contratualmente estipulado um prazo diferente mais amplo (mais curto


é difícil).
2) Sempre que o segurado ou o beneficiário demonstrar que não podia
razoavelmente ter feito uma participação no prazo de 8 dias. Ex: seguro de vida a
favor de um 3º que ignorasse ser beneficiário desse seguro. A lei tem essa
prevenção para evitar que pelo simples decurso de um prazo relativamente curto
não deixe de haver essa participação.

Quanto ao âmbito do dever de indemnizar: está em causa a reparação do dano, no


âmbito do dever de indemnizar corresponde à reparação do dano. É essencial na
avaliação do sinistro avaliar os danos e peritar os danos para encontrar o seu real
valor. É aqui que surge a peritagem dos seguros.

Quanto à indemnização vai depender da cobertura exata do seguro, sendo


fundamental ter em conta que muitas vezes é só nesse momento que segurado se irá

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aperceber que afinal os danos que teria pretendido assegurar não estavam cobertos
por aquele evento. Ex: danos próprios no automóvel – ato de vandalismo (risco no
automóvel). O vandalismo é segurável só que tem um preço. Há um primeiro
momento que é o momento da determinação dos danos que estão cobertos e é
possível no que diz respeito ao risco poder procurar alargar a cobertura desse risco.
O risco pode ser de diferentes montantes e noutros casos podemos aumentar esse
risco. Ex: os seguros de responsabilidade civil automóvel tem valores elevados, visam
proteger terceiros, mas apesar de haver um montante mínimo nada impede que este
seja elevado, até porque pode a indemnização ser muito ampla se o sinistrado
(lesado) exigir uma grande indemnização e tiver direito à mesma.

Aidna no que diz respeito à indemnização: franquia. Muitas vezes a indemnização do


sinistro está sujeita a uma franquia. Pagamento por parte do segurado de uma
determinada quantia calculada percentualmente sobre o valor do seguro
(indemnização máxima a atribuir), calculada num valor fixo. Montante mínimo a
suportar pelo segurado quando há uma ocorrência que dá lugar ao acionamento do
seguro.

Contratos bancários e financeiros


Área muito sensível da atividade económica. Área que no fundo foi a principal área
da atividade económica e que arrastou todas as outras para este tipo de controlo.
Sujeita a uma intensa fiscalização.

O diploma regula a supervisão. Modo de controlo e intervenção das entidades


especializadas. Regula determinados aspetos da intervenção dessas entidades.

Banco central – banco de Portugal, encontra-se subordinado ao BCE. Para além da


legislação avulsa mercantil, há regras emanadas do próprio BP, este tem um poder
regulador que se pode concretizar em instrumentos, avisos e circulares que devem
ser observados pelos sujeitos de direito comercial que se encontram sujeitos à sua
supervisão.

Para além de todas estas fontes.

As contrapartes negociais são claramente mais fracas.

São importantes fontes as CCG que caracterizam muitos esses contratos e que
uniformização as soluções a nível bancário.

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Quando não há solução nem no código comercial (meramente simbólicas, 362º e ss,
e contrato de deposito mercantil 407º, contratação bancária), ainda há uma última
fonte relevante que é a que diz respeito aos usos bancários. Os tais usos sociais a
que aludimos às fontes de direito no CC e quando olhamos para o art. 3º e concluímos
serem práticas reiteradas, mas que não obstante devem ser observadas, no domínio
do direito bancário são relevantes ganham autonomia e frequentemente soa fonte da
disciplina das relações entre as instituições de crédito e os seus clientes. Os usos
bancários são práticas que correspondem a condutas que desde logo todas as
instituições de crédito se devem dispor a observar e que os particulares sabem que
são aplicáveis às suas relações com essas instituições. Prof deu exemplo de uso
bancário. Mas o contrato pode prever, mas ai o contrato celebrado acolhe um uso
típico do mercado bancário.

Quando falamos de contratos bancários e financeiros, falamos necessariamente de


operações bancárias e temos de procurar identificar sujeitos envolvidos. 1) Banco; 2)
Cliente. Sendo certo que não é absolutamente necessário ser cliente do banco para
se ter relações com o próprio banco – é possível haver uma relação de um 3º com
um banco que não passe pela constituição de uma relação com um banco de natureza
contratual, estável. Terceiros que nada tenham a ver com o banco interajam com eles
e celebrem contratos pontuais.

NOTA: o cheque é uma coisa muito importante – instrumento relativamente arcaico.

Embora as partes sejam mais relevantes sejam os bancos e os seus clientes, nada
impede que os bancos se relacionem com terceiros, ainda que o façam pontualmente.

Esta relação que bancos tem com clientes, como começa? Começa por iniciativa do
cliente, quando este procura o banco e junto do mesmo procura iniciar a relação
bancária, que se iniciar através do contrato de abertura de conta. Mas pode-se iniciar
por impulso do banco – pode ser o banco a publicitar os seus serviços e os seus
produtos e desse modo a chamar os potenciais interessados, em termos
personalizados a abordar o cliente desafiando-o a estabelecer com ele uma relação
duradoura, uma relação contratual bancária, que é uma relação que no fundo abrange
determinados contratos que são dogmaticamente autonomizáveis, podem existir
isoladamente, mas que em regra caracterizam o relacionamento entre o banco e o
cliente. Há uns mais habituais e outros que soa eventuais. Porque de facto a relação

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se materializa em diversos contratos com características próprias, podemos concluir


que a relação contratual bancária é uma relação complexa, isto é, abrange diversas
dimensões e que implica vários regimes.

Contrato bancário geral, ideia que surgiu na Alemanha.

Quais contratos podem ser abrangidos nesta relação? Mais habituais:

1) Contrato de abertura de conta (bancária): é o que podemos designar por contrato


inicial.
2) Contrato que consubstancia a relação, que é o contrato de depósito, que muitas
vezes vem associado ao contrato inicial. Podemos caracterizar como o contrato
base, porque o depósito é a referência para a conta aberta que irá pressupor.
Entrega à guarda de um banco uma certa quantia em dinheiro, mas que pode ser
noutros bens fungíveis ou até infungíveis.
3) A relação contratual bancária pressupõe uma abertura de conta, pressupõe um
depósito, e um efeito ou consequência destes dois contratos: contrato de conta
corrente bancária – efeito da execução da relação contratual bancária. Contrato
que vai permitir apurar qual o saldo existente na relação entre banco e cliente,
permitindo apurar se é o clinete o credor ou se é devedor.

Para além destes contratos, a relação contratual bancária envolve também


frequentemente outros dois contratos:

1) Contrato de transferência: operação ou ato pelo qual o banco permite ao seu


cliente ou disponibiliza-se a receber do seu cliente instruções para proceder à
transferência das quantias nele depositadas, cedência das quantias nele
depositadas, a favor de 3ºs quer sejam seus clientes, quer sejam clientes de
diferentes bancos.
2) Contrato de utilização de cartão de débito: contato que permite ao titular de uma
conta aberta num banco poder movimentá-la até ao limite do saldo que lhe tiver
sido disponibilizado e que corresponde aos bens previamente depositados ou a
crédito que lhe tenha sido concedido pelo banco (os bancos não concedem sem
mais nem menos, é um crédito que se encontra garantido).

Contratos eventuais.

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A conta corrente permite com o lançamento das quantias e bens entregues, apurar
qual o saldo do devedor, se não houver antecipação de fundos por parte do cliente.
Contrato típico no domínio do fornecimento. Que tem uma adaptação ao domínio
bancário e aquilo que se inscreve no contrato típico acaba pro ser o que resulta da
conta corrente bancária. Os lançamentos geram um deve e um haver.

Para além destes contratos, vamos referir mais 3 contratos pela sua importância:

1) Convenção de cheque
2) Abertura de crédito
3) Contrato de utilização de cartão de crédito:

A abertura de conta é o pontapé de saída da relação. Momento da formalização dessa


mesma relação. Maior relevância que a abertura de conta tem. Tem relevância porque
formaliza a relação e porque dela decorrem os deveres de informação que partes
devem assumir no seu relacionamento. É objeto de regulação pela entidade de
supervisão, o Banco de Portugal – aviso de 2013, nº 5/2013, 18 Dezembro,
estabelece quais os deveres da entidade bancárias, nomeadamente os deveres de
informação no que diz respeito à utilização e movimentação da conta por parte do
cliente. Esta abertura de conta é normalmente acompanha do depósito de dinheiro ou
valores que visam assegurar, sustentar a movimentação dessa mesma conta. Permitir
como por referência a esses mesmos bens que banco possa realizar determinados
atos em benefício desse mesmo cliente e que lhe sejam instruídos por esse.

Para além da informação que se deve transmitir ao cliente, tem de assumir um


relevante dever de cuidado na procura da identificação do cliente e não apenas
naquele que se inscreve como tal.

No que diz respeito ao contrato de depósito, é no fundo o contrato pelo qual uma
determinada pessoa entrega à guarda de um banco, de uma instituição de crédito,
fundos que podem ser em dinheiro, mas não necessariamente. Quando estes fundos
são entregues à guarda de um banco o banco não tem de restituir exatamente os
bens, o banco tem é de reembolsar o mesmo género e qualidade e quantidade –
diferente do depósito civil. Não se confunde com outros contratos bancários menores,
como um contrato que mantem sob o controlo do cliente bens entregues à guarda de
um banco, como um contrato de cofre forte (mera custódia). A lógica do depósito
bancário surge inicialmente numa pura perspetiva de segurança. Forma de procurar

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por a salvo as poupanças e os bens fungíveis que as empresas recebem por conta
do exercício da sua atividade. Esta lógica relevante do contrato de depósito vai na
realidade nalguns casos justificar que banco possa exigir um pagamento de uma
remuneração por conta dessa mesma disponibilidade para guardar essa espécie
monetária. O depósito bancário não é objeto de uma regulamentação geral – há
regras e diplomas que se referem a várias modalidades de depósito bancário. Para
além das modalidades as maiores preocupações dizem respeito aos prazos do
depósito, em que se torna intocável os bens entregues às guardas do banco, e o
modo de vencimento e disponibilização antecipada do saldo do depósito que pode
ser feito de diversas formas. É claro que o dinheiro suscita diversos problemas e se
ele torna simples o reembolso, coloca um problema: encontrando-se à guarda do
banco, se banco entrar numa situação generalizada de incumprimento, pode em
ultima análise comprometer os próprios depósitos que estão à sua guarda, por se
tratar de um depósito irregular. Os bens depositados são utilizados para a atividade
do banco de concessão de crédito.

Quanto á transferência e ao cartão de débito – remissão do estudo destes dois


contratos bancários a propósito dos meios de pagamento.

Dentro dos contratos habituais, nota sobre o contrato que é uma especialização do
contrato de conta corrente que regula o fornecimento (…). No que respeita à
movimentação da conta aberta junto do banco, esta movimentação vai na prática
configurar uma conta corrente. A vantagem da conta corrente é evitar introduzir
interrupções na relação que se estabelece entre o banco e o cliente. Este tipo de
operação permite prolongar no tempo e encadear uma nas outras relações jurídicas
que tenham uma natureza idêntica. Por isso a conta corrente no fundo vai operar
relativamente à conta movimentos a débito ou a crédito, permite exprimir a posição
relativa dessa conta e permite apurar qual é que é a situação no relacionamento entre
o bancário e o seu cliente. E por isso a conta corrente bancária sendo a consequência
ou efeito da execução dos demais contratos bancários, tem uma natureza sobretudo
contabilística, exprime-se nas tais variações com natureza contabilística, por isso é
reflexo da relação contratual complexa que permite apuar a situação e o balanço
dessa mesma relação. Não há um regime legalmente típico da conta corrente
bancária. Arts. 344º a 370º. A conta corrente pode-se caracterizar por ser o contrato

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estabelecido entre dois sujeitos específico, banqueiro e o seu cliente – definição


dogmática.

A conta corrente é o resultado do giro bancário.

Contratos bancários eventuais:

1) Convenção de cheque: tem uma relevância particular, porque é um contrato que


se celebra entre o banqueiro e o seu cliente, pode ser expresso ou tácito, e cliente
é depositante do banco, pressupõe dois dos contratos já falados: abertura de
conta e depósito bancário. Contrato pelo qual cliente fica com o direito a poder
disponibilizar com recurso a um determinado instrumento, cheque, do saldo
existente nessa mesma conta. O saldo chama-se provisão. Contrato que
pressupõe que tenha sido estabelecida uma provisão na conta aberta junto do
banco por depósito de fundos ou pro concessão de créditos por parte do próprio
banco. Banco concede ao cliente determinados módulos de cheque que uma vez
corretamente preenchidos vão dar origem a um instrumento cambiário, cheque, e
que permitem movimentar as quantias depositadas nessa mesma conta. Este
contrato é um contrato muito comum no plano empresarial. No plano particular é
muito mais raro. Celebrado tacitamente quando cliente requisita ao banco os
módulos de cheque e banco os fornece, isto é, lhe disponibiliza esses módulos –
contrato tacitamente celebrado.
Fenómeno do cheque sem provisão ou cheque sem cobertura. O cheque sem
cobertura é a designação coloquial, sem provisão é a técnica.

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