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I. A metáfora em Aristóteles
1
Vocabulário de P. Ricouer, p. 56.
2
A Metáfora Viva, p. 22.
No interior do corpus aristotélico a retórica não se confunde, também, com a
poética. Distinta da eloquência, esta se ocupa da produção de poemas, principalmente
trágicos, com vistas à purificação, a catarse. Na sua estrutura de tropos, de transferência
de sentido entre palavras, a metáfora figura em ambos os domínios, o da retórica e o da
poética. Enquanto a retórica está incumbida de uma prova argumentativa a poética
busca a mímesis. «A tríade poíesis – mímesis – kátharsis descreve de maneira exclusiva
o mundo da poesia, sem confusão possível com a tríade retórica – prova – persuasão.»3
3
Ibid, p. 24.
4
Poética, 1457 b 6-9 apud A Metáfora Viva, p. 64.
5
Poética, 1456 b 20-21 apud A Metáfora Viva, p. 25
6
A Metáfora Viva, p. 29
envolve, no mínimo, uma díade de idéias que são aproximadas ou afastadas, por
exemplo, um gênero a uma espécie, uma espécie e uma espécie, etc. Porém, como nos
alertará Ricouer, a metáfora não se sustenta se pensada unicamente como um desvio
nominal. Para aproximar ou distanciar duas ideias necessita-se de um enunciado, não se
dá no âmbito do nome. A metáfora transgride um certo horizonte lógico, porém,
somente para instituir outro. Veremos a frente que é exatamente esse sentido de
instituição do novo que Ricouer verá como traço fundamental da metáfora, e da
literatura em geral, que fornecerá novos modos de entendermos a realidade, pela re-
descrição desta.
7
Ibid, p. 41.
8
Ibid, p. 49.
especificamente, a metáfora permite desprender-se da concepção da imagem como um
apêndice e sombra da percepção. Em vez de a percepção fornecer os esquemas da
imaginação, é a linguagem, através dos non-senses introduzidos pela metáfora, que
assumirá esse papel. As imagens são faladas anteriormente a serem, de fato, vistas.
Entretanto, dizer que a metáfora e, por sua vez, a imaginação remetem para um
mundo outro, pode levar à conclusão da falta de referencial dessa linguagem. Ricouer
sublinha esse problema, porém afirma que há uma referencia de segundo grau, que será
mais primordial. Em outras palavras, remodelando nosso campo semântico e nos
desenraizando de nossas práticas linguísticas habituais, a metáfora do discurso poético
desloca-nos para a pura facticidade ontológica de nossa pertença ao mundo. A ficção
aponta em duas direções então: para algures, e para a própria realidade redescrita. O
modelo científico, pensa Ricouer, seria paralelo às ficções do discurso poético, no seu
caráter heurístico de abrir novas interpretações do mundo. Ricouer afirma existir um
paradoxo na ficção, que, ao mesmo tempo em que anula a percepção do mundo
condiciona um aumento da nossa visão das coisas. Decorre daí que o discurso simbólico
ou ficcional tem sempre pretensões de refazer a realidade.
II. A tropologia
9
Ibid, p. 73.
10
DERRIDA, p. 24. apud A Metáfora Viva, p. 72.
de palavras.»11 Tudo o que se sedimenta em palavras passa pela crivo das ideias.
Fontanier distingue entre ideias de objeto e ideias de relação: ao primeiro grupo indica o
substantivo, o adjetivo, o artigo. Ao segundo grupo destaca o verbo, a preposição, o
advérbio e a conjunção. O que nos interessa aqui é relevar o primado, atribuído por
Fontanier, da palavra sobre a frase para a definição do significado. «O sentido é,
relativamente a uma palavra, o que esta palavra nos faz entender, pensar e sentir por sua
significação; e sua significação é o que ela significa, isto é, aquilo de que ela é signo, de
que ela faz signo»12
Fontanier define metáfora como: «apresentar uma idéia sob o signo de outra
idéia mais evidente ou mais conhecida»13 porém permanece enclausurado na primazia
da palavra como núcleo da significação, em vez de creditar essa força à predicação.
Vimos que a interpretação que considera a metáfora como uso desviante de uma
palavra não dá conta de todo o escopo interpretativo aberto por Aristóteles sobre a
questão. Ricouer pensa que tanto o filósofo grego quanto a tropologia extravasaram o
domínio da palavra rumo ao da frase, ao delimitar o que é a metáfora. Ricouer propõe,
11
Ibid, p. 83.
12
Ibid, p. 86.
13
FONTANIER, p. 99. apud Ibid, p. 97.
então, o enunciado metafórico como contendo o núcleo semântico produtor da metáfora.
Temos que ter em vista que o deslocamento de base realizado por Ricouer, da palavra
para o enunciado, não anula os trabalhos de Aristóteles e da tropologia sobre a questão,
somente os suplementa.
«Um terceiro par de traços concerne à estrutura dos atos de fala.»15Em cada
discurso pode-se identificar uma parte locucional e uma ilocucional, no mínimo. Essa
teoria, que remete a J.L. Austin, permite identificar vários níveis do discurso, conforme
a força ilocucionária que transforma uma fala numa ordem, ou numa promessa, etc.
«Um quarto par – o do sentido e da referência»16 remete apenas ao âmbito da frase.
Somente na frase pode distinguir-se aquilo que é dito daquilo sobre o que se fala. Na
frase há referência para algo que sai do âmbito da linguagem, há referência ao extra-
14
A Metáfora Viva, p. 113.
15
Ibid, p. 115.
16
Ibid, p. 119.
linguístico. Aqui também vemos agir a distinção entre semiótica e semântica. Enquanto
aquela só diz sobre as relações lingüísticas, esta extrapola o reino da linguagem,
alcançando seus referentes.
A metáfora cria uma rede de interações e faz emergir uma nova significação que
é passível de repetição ao longo do tempo. Nesse sentido a metáfora, como já
ressaltamos, é um acontecimento semântico, uma instituição que atribui sentido, num
determinado contexto. Se os usos públicos do novo escopo semântico for adotado por
uma comunidade linguística ele pode se sedimentar e tornar uma parcela da linguagem
corrente. Por isso a distinção de Ricouer entre metáforas já sedimentadas na língua, e a
metáfora viva que cria acontecimento e sentido e ainda não se transformou em
linguagem usual. Partiremos agora, que estamos dotados de uma interpretação
semântica da metáfora, para a questão de como esse sentido instituído faz referência ao
mundo. Ricouer vê esse passo como fundamental para alcançar uma explicação de nível
hermenêutico sobre a metáfora.
Ricouer anuncia que a questão da referência pode se dar tanto sobre a esfera da
semântica quanto na da hermenêutica. Naquela se mantém relacionada aos elementos
que concernem à estrutura da frase. Enquanto que no horizonte hermenêutico faz-se
17
Ibid, p. 121.
18
Ibid, p. 122.
referência a algo de extralinguístico. Enquanto a diferença entre os termos da frase
concerne ao caráter semiótico, a referência a um mundo é da ordem da semântica, como
já vimos. «O sentido é o que diz a proposição, a referência ou denotação é sobre o que o
sentido é dito.»19 Para que possa ocorre a identificação de algo é necessário alguma
entidade que é. É necessária a existência de algo para que o enunciado ou o nome possa
fazer referência, possa instituir um determinado estado de coisas. Ao sair do âmbito da
palavra e da frase, para ingressar no domínio dos textos, as concepções semiótica e
semânticas já não dão conta da análise, enclausurada nos limites da frase. É daí a
necessidade do uso de uma hermenêutica.
Na acepção que Ricouer propõe, texto assume o papel de um discurso que toma
a forma da obra. A obra não se resume a mera junção de frases e discursos. A obra é
singular na sua forma final, quer seja um poema ou uma prosa. Além disso, segue
alguns tipos de normas que o plasmam em poemas ou romances, indicam o gênero
literário onde opera o texto. «Tal é a coisa à qual se dirige o trabalho de interpretação: é
o texto como obra, disposição, pertencimento a gêneros, efetuação de um estilo singular,
são as categorias próprias à produção do discurso como obra.»20 Porém, o que é então a
hermenêutica a que fala Ricouer? Enquanto a estrutura interna da obra revela seu
sentido, seu campo semântico ocorre, ao mesmo tempo, uma referência a um mundo
que cada obra na sua singularidade institui. Inquirir sobre a transição do significado de
uma obra para o seu mundo, isto é a hermenêutica.
Precisamos nos deter nesse ponto, e nos perguntar pelo que geralmente se diz
quando denominamos certas obras por literárias. Ricouer pensa que há uma suspensão
da denotação literal, que cede espaço para a conotação. Somente quando ocorre
suspensão da referência “científica” é que pode haver obra literária. Porém, quando a
suspensão ocorre, a obra é capaz de instituir um mundo. A metáfora seria o locus
privilegiado para o vislumbre das relações de suspensão da referência e instituição de
um mundo que a obra opera. Já estamos distante da concepção retórica que considerava
que a metáfora não trazia consigo nada de novo para o discurso. O terreno em que se
move a metáfora é o da ambigüidade. «A supremacia da função poética sobre a função
referencial não oblitera a referência (a denotação), mas a torna ambígua. A uma
19
Ibid, p. 333.
20
Ibid, p. 337.
mensagem de duplo sentido correspondem um emissário duplicado, um destinatário
duplicado e, além disso, uma referência duplicada – isso é nitidamente ressaltado, em
numerosos povos, pelos preâmbulos dos contos de fadas; assim, por exemplo, o exórdio
habitual dos contadores maiorquinos: «Aixo era y no era (isso era e não era)»».21
Ricouer afirma existir um paradoxo na ficção, que, ao mesmo tempo em que anula a
percepção do mundo condiciona um aumento da nossa visão das coisas. Decorre daí que
o discurso simbólico ou ficcional tem sempre pretensões de refazer a realidade. Porém,
Ricouer aponta que a referência de segundo grau revela com mais profundidade o
horizonte de imersão do homem na natureza. Em outras palavras, remodelando nosso
campo semântico e nos desenraizando de nossas práticas linguísticas habituais, a
metáfora do discurso poético desloca-nos para a pura facticidade ontológica de nossa
pertença ao mundo. A ficção aponta em duas direções então: para algures, e para a
própria realidade redescrita.
21
JAKOBSON apud Ibid, p. 343.
comparação com o modelo científico lança luz é a conexão entre a função descritiva e o
caráter heurístico, tanto do modelo quanto da metáfora. Aqui recordamos Aristóteles,
que pensava mímesis sempre atrelada a noção de mythos. A transposição que devemos
operar aqui é pensar a mímesis menos como cópia e mais como redescrição do mundo.
Por não nos ser dada a resposta unívoca que calcula completamente o real,
devemos aceitar a verdade imposta pela metáfora. Não temos acesso à verdade literal,
por isso aceitamos o baile de máscaras metafórico. Em vez de tematizar diretamente
sobre o “ser”, a verdade metafórica desloca a questão para um “ser como”.
V. Conclusão
22
A Metáfora Viva, p. 467.
23
Ibid, p. 482.
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Poétique, Trad. fr. Hardy. Paris, Éd. des Belles Lettres, 1932, 1969.
JAKOBSON, Roman. Essais de linguistique générale. Chap. II. Paris, Éd. De Minuit,
1963.
RICOUER, Paul. A Metáfora Viva, Edições Loyola, 2005, São Paulo, Brasil.