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3 Editorial SUMÁRIO

4 Espaço Aberto
Features of deaf-blindness and hearing 115 Reflexões sobre a prática
and vision combined impairments Educação de surdos: análise de uma intervenção em
Ulf Rosenhall
escola pública INES
Denise Nicolucci/Tárcia Dias
12 ESPAÇO
A política de inclusão
JAN-DEZ/06
escolar no Brasil: pensando no caso dos
surdos 135
Vera Regina Loureiro Notas sobre a criatividade na prática pedagógica

12
Kátia Regina Xavier da Silva
19 Debate
Políticas lingüísticas: o impacto do
decreto 5626 para os surdos brasileiros 148
Ronice Müller de Quadros /
Uéslei Paterno El bilingüismo em la solución de problemas
matemáticos en la educación del deficiente
26 Willian Yera Díaz / Pablo Angel Martinez Morales /
Lismay Pérez Rodríguez
Anotações sobre língua,
cultura e identidade: um convite ao
debate sobre políticas lingüísticas
Alexandre do Amaral Ribeiro 154
Caracterização das ações de triagem auditiva
33 neonatal no Brasil
Políticas públicas para a inserção da Indiara de Mesquita Fialho / Débora Frizzo Pagnossim /
LIBRAS na educação de surdos Jeane Massarolo Neto / Nauana F Silveira
Tanya Amara Felipe

48 Atualidades 161
em Educação Formação de professores surdos no curso de
A política de cotas raciais nas Pedagogia:
universidades públicas brasileiras: a análise da prática docente e do intérprete de Língua
ética das cotas no olhar dos cotistas Brasileira de Sinais
Ana Paula Bastos Arbache Diléia Aparecida Martins / Elvira Cristina Martins Tassoni
68
Wikipédia – a enciclopédia colaborativa CIP - Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
como ferramenta de estímulo à pesquisa
Beatriz Cintra Martins
Espaço: informativo técnico-científico do INES.
82 nº 25 (jan/jun 2006) - Rio de Janeiro: INES, 2006.
Currículo-sem-fim: uma análise pós- v. Semestral
crítica da formação continuada ISSN 0103/7668
Monique Franco/Rita Leal 1. Surdos - Educação - Periódicos. I. Instituto
Nacional de Educação de Surdos (Brasil). II. Título:
98 Informativo técnico-científico do INES
Disciplina e castigos corporais nas
escolas do Rio de Janeiro – CDD-371.92
século XIX CDU-376.33
Luiz Fernando Conde Sangenis 94-0100

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SUMÁRIO
169 Visitando o acervo do Ines
Uma visitante ilustre:
INES Cecília Meireles entre a política e a poética no Instituto Nacional de Surdos-Mudos
Solange Maria da Rocha
ESPAÇO
JAN-DEZ/06
171 Produção Acadêmica
 “Um olho no professor surdo e outro na caneta”: ouvintes aprendendo a
língua brasileira de sinais (LIBRAS)
Audrei Gesser

173
“O difícil são as palavras”: Representações de/sobre estabelecidos e outsiders
na escolarização de jovens e adultos surdos
Wilma Favorito

175 Resenha de Livros


178 Material Técnico-Pedagógico
179 Agenda
ESPAÇO é um informativo técnico-científico de Educação Especial para profissionais da área da surdez.
Os trabalhos publicados em ESPAÇO po­dem ser reproduzidos desde que citados o autor e a fonte.Os traba-
lhos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores.
ISSN 0103-7668

GOVERNO DO BRASIL - PRESIDENTE DA REPÚBLICA Luiz Inácio Lula da Silva


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO Fernando Haddad
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL Claudia Pereira Dutra
INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO DE SURDOS Stny Basilio Fernandes dos Santos
DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO, CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO Alexandre Guedes Pereira Xavier
COORDENAÇÃO DE PROJETOS EDUCACIONAIS E TECNOLÓGICOS Alvanei dos Santos Viana
DIVISÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS Leila de Campos Dantas Maciel
EDIÇÃO Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES Rio de Janeiro – Brasil

CONSELHO EXECUTIVO
Drª Leila Couto Mattos(INES) - Esp. Marilda Pereira de Oliveira (INES) - Esp. Mônica Azevedo de Carvalho Campello (INES) - Drª Monique Mendes Franco (INES/UERJ)

CONSELHO EDITORIAL
Ms. Alexandre Guedes Pereira Xavier (Ministério do Planejamento- MEC/INES) - Drª Cristina Lacerda (UNIMEP)
Drª Leila Couto Mattos (INES) - Ms. Maria Marta Ferreira da Costa Ciccone (INES) - Drª Monique Mendes Franco (INES/UERJ)
Drª Elizabeth Macedo (UERJ) - Dr. Luiz Behares (Universidade de Montevidéu) - Dr. Henrique Sobreira (UERJ/ FEBF) - Drª Regina Maria de Souza (UNICAMP)
Drª Sandra Corraza (UFRGS) - Drª Rosana Glat (UERJ) - Drª Tânia Dauster (PUC/RJ) - Drª Mônica Pereira dos Santos (UFRJ) - Dr.Victor da Fonseca (Universidade Técnica de Lisboa)

CONSELHO DE PARECERISTAS Ad Hoc


Drª Azoilda Loretto (SME/RJ) - Drª Eliane Ribeiro (UNIRIO) - Drª Estela Scheimvar - (UERJ/FFP) - Dr. Eduardo Jorge Custódio da Silva (FIOCRUZ) - Drª Maria da Graça Nascimento (SME/RJ)
Drª Iduina Chaves (UFF) - Dr. José Geraldo Silveira Bueno (PUC-SP) - Drª Marlucy Paraíso (UFMG) - Drª Maria Cecilia Bevilacqua (USP) - Drª Maria Cristina Pereira (DERDIC)
Drª Nidia Regina de Sá (UFBA) - Dr. Ottmar Teske (ULBRA) - Dr. Pedro Benjamin Garcia (UCP) - Drª Ronice Müller de Quadros (UFSC)
Drª Rosa Helena Mendonça (TVE-BRASIL) - Drª Tanya Amara (UFP) - Drª Vanda Leitão (UFC)

DIAGRAMAÇÃO - g-dés • IMPRESSÃO - Vergraf • TIRAGEM - 7.500 exemplares • REVISÃO - José Humberto Serra de Oliveira

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EDITORIAL
O surdo e o mundo. Durante muito tempo, o surdo foi percebido como um ser à margem da existência
comum. Como se o mundo, com o som, a música, fosse lugar de liberdade, alegria, e o surdo vivesse confi-
INES
nado na tristeza de não ser como os outros. Uma percepção construída pela visão do ouvinte. Mas será que
hoje o surdo é outro, porque se afirma como diferente? Será que hoje o mundo é outro, porque se diz aberto ESPAÇO
às diferenças? JAN-DEZ/06
Algumas dessas questões são tratadas nesta Edição Comemorativa de Espaço, fruto de uma renovação
nos quadros de seus Conselhos Executivo, Editorial e de Pareceristas. Na presente Edição, além de saudar os
reconhecidos profissionais e pesquisadores que passaram a integrar esta Publicação, celebramos a Regula- 
mentação da Lei de LIBRAS, por meio do Decreto Presidencial nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 – uma
conquista de todos os que lutam pela causa dos Surdos.
Em Features of Deaf-Blindness..., constatamos que a prevalência de casos de surdocegueira é bem maior
em países pobres ou em desenvolvimento, como o nosso, em que infecções evitáveis, como a rubéola, ainda
são comuns. Programas de atenção nutricional ampliam a taxa de sobrevivência de crianças recém-nasci-
das, mas, ao sobreviver, tais crianças passam a sofrer influência de fatores ambientais causadores de surdo-
cegueira, ainda presentes.
A Política de Educação Escolar... questiona a inclusão escolar por que esta, segundo a autora, reduz o
processo de integração social à dimensão educacional; desloca o foco da crise educacional e sujeita pessoas
com diferentes condições (surdas, cegas, etc.) a uma única proposta educacional, sem atentar especificida-
des. A autora propõe que as políticas públicas encarem as comunidades surdas como minoria lingüística;
que os surdos participem das decisões e ações de políticas lingüísticas e educacionais e que se pense uma
educação bilíngüe-bicultural como alternativa às políticas vigentes.
São questionamentos próximos dos artigos presentes em Debate, com o tema Políticas Lingüísticas.
Persistem, no Brasil, segundo alguns autores, mitos e barreiras que dificultam o desenvolvimento de prá-
ticas condizentes com uma realidade plurilíngüe e multicultural. Fazer a discussão e mudar as práticas
revela-se importante no processo de constituição de identidade pelos surdos brasileiros – que passa pelo
aprendizado e valorização da LIBRAS – e de reconhecimento mútuo entre usuários de línguas diferentes
(LIBRAS e Português).
Não obstante, em Educação de Surdos..., que abre as Reflexões sobre a Prática, conhecemos um pro-
grama de ações em escola comum pública que, pautado nas diretrizes vigentes e atento à dinâmica social e
política e dos movimentos e estudos surdos, concebeu as comunidades de surdos como minoria lingüística;
valorizou a participação dos surdos; orientou suas práticas pelo bilingüismo e biculturalismo; propiciou o
reconhecimento de si e do outro por meio do aprendizado e valorização da Língua de Sinais como língua
natural do surdo e como outra língua possível do ouvinte.
Pontos de vista em geral contrastantes, como o da escola de surdos e o da educação inclusiva, parecem
partilhar valores. Isso deve ser estudado e debatido em processos participativos de formulação de políticas
para a educação de surdos, porque não basta o surdo afirmar-se como diferente, tampouco a escola afirmar-
se como aberta às diferenças. Há que repensar as práticas.
Isso porque muitas práticas (que abrangem discursos) tomam novas formas – vinculadas aos regimes
de verdade e às configurações de poder e saber em dado contexto histórico – mas mantêm a mesma função
social, como nos mostra Sangenis em relação ao disciplinamento na escola. Outras práticas adquirem novas
funções sociais: é o caso do Currículo, que, segundo Monique Franco e Rita Leal, deslocou-se, na passagem
da sociedade disciplinar (Foucault) para a de controle (Deleuze), do molde para a modulação. A dinâmica
do capital (co)modifica a vida, em sua voragem sem-fim.
Neste presente, perpetuam-se as espoliações econômicas, as agressões ao meio ambiente, o individua-
lismo, a competição desenfreada, o consumismo, a concentração de riqueza e poder e a miséria para milhões
em toda a Terra. E todos nós – surdos e ouvintes, indistintamente – somos parte desse estado de coisas. Que
possamos encontrar juntos, em sinais e palavras compartilhados, os caminhos para que um mundo diferente
seja possível para todos.
Alexandre Guedes Pereira Xavier

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ESPAÇO ABERTO
INES Features of deaf-blindness and
hearing and vision combined
ESPAÇO

JAN-DEZ/06

 impairments
Ulf Rosenhall, M.D., Ph.D.*
*Professor of Clinical Audiology. Medical doctor, specialized in Otolaryngology and Medical Audiology
Department of Audiology, Karolinska University Hospital/Department of Clinical Neuroscience, Karolinska
Institute, Stockholm, Sweden.
Karolinska Universitetssjukhset, Hörseclinicken, 17176, Stockholm, Sweden.
Ulf.rosenhall@karoloinska.se
Material recebido em junho de 2006 e selecionado em junho 2006.

Resumo Algumas infecções como a Abstract


síndrome de rubéola, a toxo-
A surdocegueira causa um plasmose congênita e a infec- Deaf-blindness has a pro-
profundo impacto nos indiví- ção congênita por citomegalo- found impact on the afflic-
duos por ela acometidos. Tam- virus, são causas importantes ted individuals. It also repre-
bém representa um desafio que devem ser reconhecidas. sents a challenge for personnel
para os profissionais envolvi- A síndrome do álcool fetal é working within Audiological
dos com os serviços audioló- muito provavelmente uma and Ophthalmological services.
gicos e oftalmológicos. O pre- causa normalmente negligen- The present communication is
sente estudo é uma revisão da ciada. Finalmente, o grande a review of recent scientific li-
recente literatura nas áreas grupo de pessoas idosas com terature covering the areas of
da surdo-cegueira e de outros comprometimentos combina- deaf-blindness and less pro-
comprometimentos combina- dos, é mencionado. found combined impairments
dos da audição e visão, menos Palavras-chave: surdo-ce- of hearing and vision. In many
profundos. A síndrome de gueira; síndrome; deficiência cases the deaf-blindness is
Usher é a causa genética mais visual; deficiência auditiva congenital or acquired early in
comumente encontrada e, por- childhood. An important part
tanto, sua identidade é aqui of this paper deals with gene-
descrita. Treze outras sín- tic deaf-blindness. Usher syn-
dromes raras que incluem a drome is the most common ge-
surdo-cegueira são mencio- netic cause, and this entity is
nadas, mais superficialmente. described. Thirteen other ra-
re syndromes that include deaf-
blindness are mentioned super-
ficially. Infectious causes, that

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INES

are important to recognise, are ESPAÇO


congenital rubella syndrome, JAN-DEZ/06
congenital toxoplasmosis, and
congenital cytomegalovirus 
infection. Fetal alcohol syn-
drome is a probably neglected
cause. Finally, a large group of
elderly persons with combined
The group of elderly individuals with
impairments is mentioned.
Key words: deaf-blind; com- combined impairments is large, and it is
bined impairments; visual im- relatively unknown for health workers
pairment; hearing loss. involved in geriatrics, aural and visual
rehabilitation.
Introduction The most common cause of deaf-blindness
The combination of senso- in childhood is Usher syndrome. It is an
ry dysfunction of both hearing inherited, autosomal, recessive syndrome,
and vision causes extremely
characterised by hearing loss, visual
pronounced functional deficit
and handicap. Two distinct pa- impairment, and vestibular dysfunction is
tients groups can be discerned. common.
One is a relatively small group
of severely impaired individ-
uals with pronounced deficits, these children have more than developed countries, the sit-
often total deafness and blind- one handicap. uation is different in develop-
ness. The impairments often About 6% of the entire ing countries and countries in
occur as different congeni- group of children with hearing rapid industrialisation, where
tal syndromes or with onset at loss have visual impairment. infections often cause deaf-
birth or early in life. Many of Many of these children have blindness.
these syndromes are extreme- syndromic hearing loss. There The other group consists of
ly rare, but since it is of the ut- is a genetic origin in a majority elderly individuals with com-
most importance identify them, of the cases in western coun- bined impairments. The extent
the diagnosis of deaf-blind- tries. This group of children of each of the impairments is,
ness is a challenge for person- has attracted considerable sci- in a majority of the cases, less
nel working in pediatric audi- entific interest in recent years. pronounced than in the deaf-
ology. For many of the syndromes blind group. The group of el-
The prevalence of moderate the chromosomal loci, as well derly persons with combined
to profound bilateral hearing as genes and the proteins they impairments is large, and the
loss or total deafness is 1 – 2 are encoding, have been iden- group is relatively unknown
per 10 000 births. This figure tified. There are also extrinsic for personnel belonging to the
is higher in developing coun- causes of deaf-blindness, most services of geriatrics, aural
tries, 2.7–10/1000. About ¼ of often infections. Compared to and visual rehabilitation.

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ESPAÇO

JAN-DEZ/06 Genetic deaf-blindness


Usher syndrome

The most common cause of
deaf-blindness in childhood is are apparent at birth. The reti-
Usher syndrome. It is an in- nitis pigmentosa comes some-
herited, autosomal, recessive what later, and has a pre-pu-
syndrome, characterised by bertal onset, and a progressive Other genetic deaf-blind
hearing loss, visual impair- development. The prevalence syndromes
ment, and vestibular dysfunc- of USH1 is about 2 per 100
tion is common. The hearing 000 births in developed coun- There is large number of
loss in Usher syndrome is a bi- tries. Seven different USH1 lo- rare genetic syndromes with
lateral, cochlear impairment, ci have been identified (Usher deaf-blindness, and a majority
and the visual impairment is type IA-IG). USH1B accounts of them have other abnormali-
caused by retinitis pigmentosa. for 50% or more, and USH1D ties as well. Information about
Cataract is also often present for about 1/3 of USH1 sub- additional important manifes-
in Usher syndrome. Up to half jects. tations of 13 syndromes is pro-
of a deaf-blind population has Usher type II (USH2). The vided in table 1. Impairments
Usher syndrome. The preva- hearing loss in cases with of hearing and vision occur
lence of Usher syndrome in de- USH2 is congenital and mod- in high frequencies in these
veloped countries is 3 to more erate to severe, and is stable. syndromes (but not necessar-
than 4 (2.4 –6.2) per 100 000 The vestibular function is nor- ily in all cases). Hearing loss
live births. Usher syndrome mal (Keats & Savas, 2004). is in most cases of the sensori-
is heterogeneous, i.e. differ- Retinitis pigmentosa has an neural type. In syndromes in-
ent mutated genes can cause onset at puberty. Three lo- cluding craniofacial anomalies
the same phenotype (Keats & ci have been identified (Usher conductive or mixed hearing
Savas, 2004). In recent years type IIA-IIC). More than 70% loss are common.
the knowledge of this genet- of the cases are USH2A.
ic disorder has increased enor- Usher type III (USH3). The
Infectious diseases and
mously. To date, 8 genes and hearing loss in USH3 is pro-
other extrinsic causes of
12 independent loci have been gressive, and there is a variable,
deaf-blindness
identified (Ahmed et al, 2003; progressive vestibular dys-
Congenital rubella
Reiners et al, 2006). Three function (Sadhegi et al, 2005).
syndrome (CRS)
major clinical types of Usher Retinitis pigmentosa can be
syndrome have been distin- variable, and is diagnosed be- Pregnant women who ac-
guished. tween the 2nd and 4th decade of quire a rubella infection dur-
Usher type I (USH1). The life. Two subgroups have been ing the first trimesters of preg-
hearing loss is profound in identified, USH3A-B. In most nancy, are at risk to give birth
USH1, and the vestibular func- countries USH3 is relatively to children with CRS. The
tion is severely impaired (Keats uncommon with a prevalence syndrome includes a vari-
& Savas, 2004). The symptoms of 2-4% of all Usher cases. ety of impairments: hearing

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JAN-DEZ/06

Anomalies
Cran.- Stature,
Cardiac Hepatic RenA.-
Endocr. Neurol
Ment.-
Hypogonad

facial Growth Urogenit. retard.
Charge X X X X X
Alström X X X X X X
Refsum X X X
Norrie X X
Alport X
Wolfram X X X X
Noonan X X X X X
Cornelia de X X X X X
Lange
Craniofacial X X
dysostoses
NF2 X
Wolf-Hirsch-
horn X X X X X
Marshall & X X
Stickler
Table 1. Genetic syndromes in which deaf-blindness or hearing loss and visual impairment are always, or often, present. The
presence of other important manifestations, occurring in a considerable percentage of the cases, is marked with X. Stature, growth
includes short stature and underweight, but also obesity in one instance, Alström syndrome. NF2: Neurofibromatosis of type 2. In
NF2 multiple cranial and spinal schwannomas, and also other CNS-tumours are common. Craniofacial dysostoses include craniofa-
cial microsomia, Goldenhar syndrome, and Treacher Collins syndrome. Facial nerve dysfunction can be present in this entity.

loss, visual impairment, neu- Morzaria et al (2004) have per- (2000) more than 100 000
rological and neuropsychiat- formed a comprehensive re- children are born each year
ric disabilities, cardiac abnor- view of 43 scientific studies with CRS. This problem has
malities, and patent ductus in English literature to deter- been described in scientific re-
arteriosus. The hearing loss is mine the frequency of moder- ports from e.g. Brazil. Bento
of a cochlear type, and it is in ate to profound bilateral hear- et al (2005) studied children
most cases severe to profound. ing loss. In 1966 – 1989 CRS where their mothers had sero-
Different visual impairments was identified as the cause of logically verified rubella dur-
can be diagnosed in CRS: cat- hearing loss in 5.8% of chil- ing the first two trimesters of
aract, retinitis, microphthal- dren with hearing loss. In 1990 pregnancy. According to ABR
mos, and keratoconus. The in- – 2002 the corresponding fig- 29.5% of the children had ab-
cidence of CRS has varied in ure was 1.3%. normal hearing. The hearing
different countries at differ- The situation has improved loss was profound in 80% of
ent times. In the early 70ies a dramatically in countries the children, and moderate to
vaccination program was in- where the immunisation pro- severe in 20%. Andrade et al
troduced in western coun- gramme works, but in the de- (2006) studied 60 women with
tries, and this programme has veloping world CRS is still rubella infections, 33 before
resulted in a considerable de- one of the major causes of deaf- 12 weeks of gestation. In this
crease of the incidence of CRS. blindness. According to WHO latter group deafness was ob-

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JAN-DEZ/06 view of the literature Fowler


The situation has improved dramatically in and Boppana (2006) conclud-
 countries where the immunisation programme ed that congenital CMV infec-
tion significantly contributes
works, but in the developing world CRS is still to sensorineural hearing loss in
one of the major causes of deaf-blindness 22-65% of symptomatic chil-
dren, and in 6-23% of asymp-
tomatic children. About half of
served in three children and nitis. Other sequelae are men- the children with CMV-related
retinopathy in one. de Nobrega tal retardation and hearing loss. hearing loss have progression
et al (2005) stated that CRS re- In a large study from Saudi of their hearing loss. Visual
mains as an important cause of Arabia 70% of children with impairments are common in
hearing loss among children in Toxoplasma gondii had bilater- symptomatic congenital CMV
Brazil. al sensorinerual hearing loss (al infections (22%), and uncom-
Muhaimeed, 1996). Treatment mon in asymptomatic patients
with pyrimethamine and sul- (Coats et al, 2000). The visu-
Congenital toxoplasmosis
fadiazine reduces the risk of al impairments observed were
Toxoplasmosis is caused by long-term complications of optic atrophy, macular scars,
a parasite, Toxoplasma gon- congenital toxoplasmosis con- cortical visual impairment,
dii. Primary infection with siderably (Garweg et al, 2005; and strabismus. Congenital
Toxoplasma gondii in pregnant McCleod et al, 2006). CMV infection thus represents
women has been estimated to a serious problem.
0.1-1% (Stray-Pedersen, 1993).
Congenital
In approximately 40% of the
cytomegalovirus (CMV) Other infections
cases the infection is transmit-
infection
ted to the fetus, and the risk in- Severe infections like pu-
creases if the maternal infec- CMV is a virus belonging rulent meningitis and septicae-
tion occurs later in pregnancy. to the herpetoviridae family. mia, can cause sensorineural
Infants with congenital toxo- Congenital CMV infection oc- hearing loss, and occasion-
plasmosis is often asymptom- curs between 0.2-2.5% of live ally also visual impairment.
atic at birth, but up to 85% births (Ornoy & Diav-Citrin, Especially pneumococcal
will develop sequelae later on 2006). There is a risk of neuro- meningitis is a serious disease,
(Stray-Pedersen, 1993). The developmental damage caused still afflicted with a substan-
most common ophthalmolog- by congenital CMV, and the tial mortality rate.
ic complication is chorioreti- most common handicaps are Children surviving pneu-
sensorineural hearing loss, mococcal meningitis have a
progressive chorioretinitis, high rate of long-term sequel-
and mental retardation. In a re- ae (Pikis et al, 1996). In their

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study the prevalence of neu- loss, developmental delayed dence of moderate to severe JAN-DEZ/06
rological deficits was 30%. auditory function, and central impairment of both senses in-
Hearing loss was present in auditory processing disorder creased from 1 % or less at age 
17%, and visual impairment in (Church & Abel, 1998). The 70, to 3-6% at age 81-82, and
2% of their patients. total prevalence of moderate to 8-13% at age 88 (Bergman
to profound hearing loss asso- & Rosenhall, 2001). Combined
ciated to alcohol is very small, dysfunction of these two sen-
Fetal alcohol syndrome
0.12 – 0.14% of children with sory systems is deleterious for
(FAS)
hearing loss (Morzaria et al, both communication and ori-
Alcohol intake during preg- 2004), but auditory dysfunc- entation. These patients are se-
nancy can cause fetal alco- tion in FAS is probably a some- cluded from most social activ-
hol syndrome (FAS). The syn- what neglected feature of the ities, and they are at risk for
drome includes a number of syndrome. severe isolation. Even mild im-
features: craniofacial abnor- pairments affecting both sens-
malities including short pal- es might result in problems in
Combined impairments of
pebral fissures, telecanthus, every-day activities.
hearing and vision in
epicanthus, short stature, and
old age
mental retardation (Strömland,
Discussion and
2004). Children with FAS may There are only few stud-
conclusions
have impaired vision and var- ies on concomitant hearing
ious ocular abnormalities. All loss and visual impairment in Habilitation/rehabilitation
parts of the eye may be affect- old age. The high incidence of deaf-blind persons, includ-
ed. Visual function may be re- of presbyacusis in old age, in ing those with remaining, but
duced to a moderate or severe combination with a relative- impaired sensory functions, is
degree. FAS is associated with ly high incidence of visu- extremely important and al-
different types of hearing dis- al impairments in above all so demanding. Surgical treat-
orders: variable conductive very advanced age, is one im- ment is possible for many oph-
hearing loss in conjuncture to portant reason that many el- thalmologic conditions, as well
SOM, sensorineural hearing derly persons have both im- as for many patients with con-
pairments (Klein et al, 1998; ductive hearing loss.
Klein et al, 2001; Bergman & Cochlear implants is of the
Rosenhall, 2001; Berry et al, utmost importance for many of
2004). According to one of deaf-blind individuals. Early
these investigations, the inci- identification and correct di-
agnostics are necessary for
efficient programmes. Deaf-
blindness in childhood has

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INES

ESPAÇO

JAN-DEZ/06 changed over time. The impor-


tance of rubella immunization
10 has already been mentioned.
Admiraal and Huygen (2000) less high. They also observed
have studied deaf-blind pu- an increase of perinatal factors
pils in an institute in Holland. from 2% twenty years ago to
In 1986-87 heredity was the 11% in recent years. According
cause of deaf-blindness in to the authors, the reason for
16% of the cases. In 1998-99 this increase seems to be a risk cialists from the habilitation/
the corresponding figure was of severe handicaps in very rehabilitation teams should co-
31%, and the authors empha- low birth weight children, who operate closely to achieve the
sized the importance to recog- now have much higher surviv- best possible results.
nise rare hereditary conditions. al rates than earlier.
Rubella was the most common An early and correct man-
Acknowledgement
cause of deaf-blindness 20 agement of deaf-blind indi-
years ago (73%). In 1998-99 viduals is the responsibility of This study has been sup-
the figure had diminished to many professions and special- ported by the Foundation Tysta
39%, a figure that is neverthe- ities. Doctors and other spe- Skolan.

References
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blind pupils and deaf infant pupils at an institute for the deaf. Int J Pediatr Otorhinolaryngo; 100:
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JAN-DEZ/06
A política de inclusão escolar no
12 Brasil: pensando o caso dos surdos
...muitas vezes acontece aquilo que pode ser chamado de inclusão excludente ou integração social perversa, isto
é, a ilusão de ser como os demais, o parecer com os demais, o que resulta numa pressão etnocêntrica de ter que ser,
forçosamente, como os demais.
(Skliar)

Vera Regina Loureiro*


*Professora do Instituto Nacional de Surdos – INES
Mestre em Linguística Aplicada – UFRJ
verareginaloureiro@hotmail.com
Recebido em abril de 2006 e selecionado em junho de 2006

Resumo Abstract A proposta de inclusão es-


colar de crianças com necessi-
Este artigo apresenta os sur- This article presents deaf dades educacionais especiais
dos como minoria lingüística e people as a linguistic minor- tem sua origem na Declaração
argumenta a favor de uma edu- ity and argues in favor of a Universal dos Direitos Huma-
cação bilíngüe-bicultural, de- bilingual bicultural education nos (1948) que assegura o di-
fendendo a adoção de uma standing up for the adoption of reito de todos à educação;
política lingüística de aquisi- linguistic policies of sign lan- amplia-se na Conferência
ção da Língua de Sinais co- guage acquisition as first lan- Mundial de Educação para
mo 1ª língua para aprendizes guage for deaf learners. It also Todos, ocorrida em 1990 na
surdos e questionando a atu- questions today’s school inclu- Tailândia, em que o principal
al política de inclusão escolar sion policies and the directives objetivo foi examinar e enfren-
e as Diretrizes Nacionais pa- for a national policy on special tar o desafio da exclusão es-
ra Educação Especial em vi- education concerning deaf stu- colar de milhares de alunos, e
gor no país, no que concerne dents. consolida-se com a Declaração
ao alunado surdo. Key words: school inclu- de Salamanca que aponta as
Palavras-chave: política de sion policies, deaf bilingual- escolas inclusivas como for-
inclusão escolar, educação bilín- bicultural education, sign lan- ma mais eficaz de alcançar a
güe-bicultural para surdos, aqui- guage acquisition. educação para todos (EDLER
sição de Língua de Sinais. CARVALHO, 1998).

1
  Termo utilizado nos documentos oficiais, a partir da Declaração de Salamanca para designar crianças com deficiências e crianças de outros grupos
marginalizados, como crianças de rua, de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, crianças que trabalham ou membros de populações nômades.

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O movimento mundial pela Parece haver, nos discur- ciosa não só para as pessoas JAN-DEZ/06
inclusão alicerçado, por um la- sos predominantes a respeito surdas como para a socieda-
do, pela organização e luta pelo da escola inclusiva, a afirma- de como um todo, que fica im- 13
direito à cidadania dos grupos ção de uma escola “redentora”, permeável por não ter contato
minoritários de ordem racial, ou seja, uma suposta solução com a diversidade humana. Há
religiosa, étnica, lingüística e educacional para os proble- aí uma proposta de combate à
de gênero, e, de outro, pelas po- mas sociais. Discutindo o te- “segregação” em que, segun-
líticas públicas de ações afir- ma, Souza (1998) aponta para do os defensores da inclusão,
mativas, de direitos humanos, o fato de estar ocorrendo uma se encontram esses sujeitos. A
originárias dos acordos entre tentativa de reduzir o comple- idéia é oferecer-lhes a possibi-
lidade de pertencerem ao mun-
Discutindo a inclusão de surdos, Rocha (1997) do ouvinte e, no caso específi-
chega a argumentar sobre o malefício a que a co da inclusão escolar, terem
o direito de freqüentar a esco-
convivência entre iguais levaria, afirmando que la comum. Questiona-se, por
a escolaridade guetificada é perniciosa não só conseguinte, a escola especial
para as pessoas surdas como para a sociedade para surdos, rotulando-a de
como um todo, que fica impermeável por não segregadora. O discurso pela
igualdade, acima de qualquer
ter contato com a diversidade humana. diferença, reveste-se, em meu
entendimento, de profunda de-
os organismos internacionais xo processo de integração so- sigualdade. Seria uma propos-
como a ONU e a UNESCO cial à experiência educacional, ta igualitária oferecer condi-
(FRANCO, 2002) pretende entendida como mera conti- ções de escolaridade iguais a
transformar a escola em espaço güidade física dos “diferentes” aprendizes tão diferentes? A
de aceitação e convivência com com aqueles ditos normais. preocupação maior parece, lo-
os diferentes, em um discurso Para os defensores da pro- go, estar dirigida à maioria e
que se afirma como humanista posta inclusiva, um dos prin- não às minorias oprimidas e
e multicultural e que tem acu- cipais argumentos a seu favor silenciadas.
sado a educação especial de se- é que esta oferece a possibili- Dessa maneira, defende-se
gregadora e assistencialista. A dade, para os ditos normais, do que aprender a conviver com a
inclusão pressupõe, então, se- aprendizado da tolerância e do diferença prepara o sujeito pa-
gundo Edler Carvalho (1998), respeito para com aqueles re- ra a vida (BAPTISTA, 2001),
que todos, sem exceção, devem conhecidos como diferentes. apontando ser esse o primeiro
participar da vida acadêmica, Discutindo a inclusão de sur- efeito das políticas educacio-
em escolas ditas comuns, nas dos, Rocha (1997) chega a ar- nais inclusivas. Nas “Diretrizes
classes ditas regulares, onde gumentar sobre o malefício a Nacionais para a Educação
deve ser desenvolvido o traba- que a convivência entre iguais Especial na Educação Básica”,
lho pedagógico que sirva a to- levaria, afirmando que a esco- de 11 de setembro de 2001, es-
dos, indiscriminadamente. laridade guetificada é perni- sa idéia se confirma no arti-

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tor aponta dois aspectos pri-
INES
mordiais. Primeiro, o fato de
ESPAÇO essa ser vista como educação
JAN-DEZ/06 des que hoje se colocam? Se menor, irrelevante, incomple-
a escola brasileira, ainda ho- ta, tanto em relação aos sujei-
14 go 8o, Parágrafo II, que institui je, é marcada pelo fenômeno tos como em relação às insti-
que as escolas da rede regular da repetência e pela exclusão tuições e, segundo, o fato de a
de ensino devem prover sistemática, caracterizada pe- educação especial estar exclu-
a distribuição dos alunos la evasão escolar daqueles alu- ída do debate educativo geral.
com necessidades educacio- nos que apresentam variações Todavia, ainda conforme o au-
nais especiais pelas várias clas- lingüísticas, raciais, étnicas, o tor:
ses do ano escolar em que fo- que é possível esperar para os
rem classificados, de modo que incluir a educação das crian-
essas classes comuns se benefi-
alunos considerados deficien- ças especiais dentro da dis-
ciem das diferenças e ampliem tes? cussão global não significa in-
positivamente as experiências Por outro lado, não é possí- cluí-los fisicamente nas escolas
de todos os alunos, dentro do comuns, mas hierarquizar os
vel fechar os olhos para a gra- objetivos filosóficos, ideológi-
princípio de educar para a di- ve crise por que passa a edu-
versidade (grifo meu). cos e pedagógicos da educação
cação especial. Bueno (1994) especial. (SKLIAR, 2000:14)
Uma outra razão, também assinala que, afora o fato de
apontada nessas mesmas dire- apenas em torno de 15% da Continuando a polêmica, o
trizes, em defesa da inclusão população deficiente em idade próprio conceito de inclusão,
dos educandos com necessida- escolar receber algum tipo de apontado por Franco (2002)
des especiais no ensino regu- atendimento educacional, os como um conceito “guarda-
lar, é a melhoria na relação cus- resultados deixam muito a de- chuva”, por propor o acesso e
to-benefício de todo o sistema sejar, pois a maioria da clien- a permanência de todos os in-
educativo. Pereira (1997:18)) tela não consegue ultrapassar divíduos, desde os mais diver-
relata: os níveis iniciais de escolari- sos grupos sociais oprimidos,
As pesquisas em educação dade. Confirma-se, assim, o até os denominados deficien-
começam não apenas a questio- fracasso do modelo clínico-te- tes, nas salas de aula do ensi-
nar a validade de uma educação rapêutico, modelo que, segun- no regular, vem sendo ques-
oferecida apenas em institui- do Skliar (2000:14), tem impe-
ções segregadas, como também
a buscar subsídios que compro-
rado na abordagem educativa
vem sua ineficácia educacional de crianças especiais. Em uma
(nos sentidos da qualidade dos análise sobre os fatores que ca-
programas curriculares e da racterizam a crítica situação
formação de cidadãos) e suas da educação especial, o au-
desvantagens na relação custo-
benefício (grifo meu).

Observando os dois fato-


res acima mencionados, cabe
a pergunta: para quem se di-
rige e com o que se preocupa,
realmente, a proposta de esco-
la inclusiva no Brasil, nos mol-

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tionado. Para a autora, é tarefa
INES
urgente separar a inclusão ra-
cial, étnica, religiosa, de gêne- ESPAÇO
ro e, mesmo, a inclusão social lação ou produzem, como um JAN-DEZ/06
– da inclusão dos deficientes à efeito contrário, um maior iso-
escola regular. Os grupos de lamento e menores possibilida- aos conteúdos curriculares, 15
cegos, de surdos, de paraplé- des educativas nessas crianças mediante a utilização de lin-
gicos, de pessoas com síndro- (SKLIAR, 1998:17). guagens e códigos aplicáveis,
me de Down e tantos outros, Com tantos questionamen- como o sistema Braille e a
sendo colocados sob a mes- tos e experiências desastrosas língua de sinais, sem prejuí-
ma caracterização de deficien- relatadas, caso da educação de zo do aprendizado da língua
tes mas, ao mesmo tempo, tão surdos na Espanha (VIADER, portuguesa. (BRASIL, 2001)
distintos entre si, estariam su- 1998), ainda assim o documen-
jeitos a uma única proposta to das “Diretrizes Nacionais porém não menciona, em
educacional, a uma “escola pa- para a Educação Especial na qualquer de seus artigos, como
ra todos”, a um “currículo pa- Educação Básica” institui, no se daria a aquisição da Língua
ra todos”. As especificidades artigo 7o, que: de Sinais por esses educan-
desses grupos, principalmen- o atendimento aos alunos dos. O mesmo documento ain-
te no que concerne ao proces- com necessidades educacio- da orienta a oferta de serviços
so de aprendizagem, e à varie- nais especiais deve ser realiza- de apoio pedagógico especiali-
dade de situações que podem do em classes comuns do ensi- zado, realizado nas classes co-
ser encontradas dentro de um no regular, em qualquer etapa muns, mediante a atuação de
mesmo grupo, precisam ser le- ou modalidade da educação professores-intérpretes das lin-
vadas em consideração nas po- básica. (BRASIL, 2001) guagens e códigos aplicáveis
líticas públicas educacionais. (Art.8o, IV, b).
No caso específico do alunado No que diz respeito à edu- Caberia, a meu ver, deixar
surdo, o que se pode perceber cação de surdos, questão de aqui registrados, para aprofun-
é que as políticas de integra- particular interesse para este dar o debate, alguns questio-
ção transformam-se rapida- trabalho, convém ressaltar que namentos sobre o que se es-
mente em práticas de assimi- o referido documento oficial, tá propondo oficialmente. Se a
após acirrados debates entre Língua de Sinais é aceita co-
especialistas da educação es- mo a forma possível do aluno
pecial, propõe em seu Art. 12, surdo acessar o currículo, co-
§ 2o: mo se dará o processo primeiro
assegurar, no proces- de aquisição da língua propria-
so educativo de alunos que mente dita? Qual a concepção
apresentam dificuldades de de linguagem, particularmente
comunicação e sinalização de Língua de Sinais, embutida
diferenciadas dos demais no documento? A que currículo
educandos, a acessibilidade se está fazendo referência? Ao
currículo concebido para o alu-
nado ouvinte? Utilizando-se das
mesmas estratégias e recursos
de aprendizagem? Que siste-

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ESPAÇO
O direito igual de acesso à informação
JAN-DEZ/06
e à educação não deveria supor uma
16 pedagogia diferenciada, voltada para o
processo de aprendizagem e não para
ma lingüístico está sendo pri-
a busca incansável de “normalização”
vilegiado? Quem seriam es-
ses professores-intérpretes? desses sujeitos?
Professores ou intérpretes? A
quem serviriam os professores- ca de disfarce que não encara a lingüísticas e educativas da es-
intérpretes? Como poderiam comunidade surda como mino- cola para surdos, enfrentando
atuar com alunos que ainda não ria lingüística e, portanto, não a pressão das políticas de in-
possuem uma língua de intera- apresenta a educação bilíngüe clusão escolar. Como aponta
ção? Deveriam, por conseguin- como uma alternativa educa- Peluso (1999:88):
te, as crianças surdas aprender cional para essa camada da po- ...a educação bilíngüe para
sua língua juntamente com as pulação. Sob essa perspectiva, surdos deveria ser parte de um
disciplinas curriculares, com os argumentos trazidos nesse projeto político mais amplo de
um professor-intérprete ouvin- trabalho se opõem ao que hoje políticas lingüísticas que acre-
ditem na eqüidade das duas
te e sem nenhum contato com se defende nas esferas oficiais: línguas, ou seja, igualdade de
falantes nativos da Língua de a inclusão escolar de aprendi- tratamento e oportunidades,
Sinais? Seria o processo de zes surdos em escolas e salas reconhecendo, aceitando e res-
ensino-aprendizagem de sur- de aula de ouvintes. peitando suas diferenças e es-
dos, desde seu início, mediado Uma verdadeira propos- pecificidades.
por um intérprete ouvinte? E ta de educação bilíngüe-bicul-
o que dizer do aprendizado da tural para surdos precisa, ne- O principal desafio de uma
Língua Portuguesa? Ocorreria cessariamente, reconhecer a educação bilíngüe-bicultural
este da mesma maneira que pa- importância da presença da para surdos é enfrentar o fato
ra os ouvintes, como aprendiza- Língua de Sinais e da língua de ter que promover a aquisi-
do de língua materna? O direi- da comunidade ouvinte como ção de uma primeira língua. Na
to igual de acesso à informação dois sistemas lingüísticos na- proposta bilíngüe, as escolas
e à educação não deveria su- turais, independentes e com para surdos possuem respon-
por uma pedagogia diferencia- respaldo sociocultural e histó- sabilidade extra no desenvol-
da, voltada para o processo de rico e, por outro lado, possibi- vimento da 1a língua dos alu-
aprendizagem e não para a bus- litar a participação da comu- nos, uma vez que a maioria da
ca incansável de “normaliza- nidade de surdos nas decisões população surda não possui
ção” desses sujeitos?
Apesar da aceitação da exis-
tência de uma língua dos sur-
dos nos documentos oficiais, o
que se pode ver é uma políti-

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tural para surdos, como Behares ESPAÇO


(1993), Svartholm (1994, 1999), JAN-DEZ/06
Widell (1994), Skutnabb-Kangas
(1994), Peluso (1999), Sanchez 17
(1999), entre outros, a aquisi-
ção e manutenção da Língua
sujeitos com os quais preten- de Sinais, por essa minoria lin-
demos interagir. Também pa- güística, é crucial para o desen-
ra o aprendizado da língua da volvimento emocional, social,
comunidade ouvinte, entendi- lingüístico, cognitivo e cultural
a Língua de Sinais como lín- da, na proposta bilíngüe, co- dos indivíduos surdos. Como
gua materna, por serem filhos mo 2ª língua, faz-se impres- ressalta Hyltenstam (1994:302),
de ouvintes e, por conseguin- cindível o desenvolvimento da não há outra alternativa para o
te, chegam à escola sem ter ad- linguagem e da cognição. pleno desenvolvimento das ca-
quirido uma língua (PELUSO, O processo de aprendiza- pacidades dos surdos que não
1999; SVARTHOLM,1999). gem da leitura e da escrita da seja a concentração de esforços
A educação deve garantir, 2a língua, língua da comunida- no desenvolvimento da Língua
portanto, que toda informação de ouvinte, preocupação recor- de Sinais.
sobre o mundo chegue à crian- rente dos educadores de sur- Quem sabe, a partir do
ça surda na Língua de Sinais. dos, deverá, por conseguinte, Decreto nº 5.626, de 22 de de-
É preciso que ela desenvolva basear-se nos estudos de aqui- zembro de 2005, que regu-
linguagem, isto é, capacida- sição de 2ª língua e não nas lamenta a Lei de LIBRAS
de de verbalização, pois esta metodologias e estratégias pa- (24/4/2002), conseguiremos
constitui-se como aspecto cha- ra alfabetização em língua ma- reiniciar o debate e fomentar a
ve para seu desenvolvimento terna. A leitura, compreendida luta em defesa de uma escola
cognitivo. Contudo, para que como evento social (Maybin bilíngüe para surdos?
isso ocorra, é necessário que e Moss, 1993), é construída e
surdos adultos, usuários da negociada na conversa. Para os
Língua de Sinais, participem aprendizes surdos, então, seria
do processo de educação e es- necessário significar o mundo
colarização de crianças surdas e a leitura a partir de sua 1a lín-
desde os primeiros anos de vi- gua, a Língua de Sinais.
da e que nós, profissionais ou- Como apontam os diver-
vintes, possamos valorizar sos defensores de uma propos-
e aprender a língua daqueles ta de educação bilíngüe-bicul-

O principal desafio de uma educação


bilíngüe-bicultural para surdos é
enfrentar o fato de ter que promover a
aquisição de uma primeira língua.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.17, janeiro - dezembro/2006
ESPAÇO ABERTO
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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.18, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
Políticas lingüísticas: o impacto INES

do decreto 5.626 para os surdos


ESPAÇO
JAN-DEZ/06

brasileiros 19

Ronice Müller de Quadros*


Uéslei Paterno**
*Professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina. Pedagoga, mestre e doutora em Letras.
ronice@ced.ufsc.br
**Mestrando em Lingüística na linha de pesquisa de políticas lingüísticas.
uesleip1998@hotmail.com
Recebido em maio de 2006 e aprovado em junho de 2006.

regulates the Brasilian Sign


Resumo Language law of 2002 foresees
Palavras-chave: língua bra- some actions with the objec-
Os surdos sempre lutaram sileira de sinais; surdos; polí- tive of promoting the social
pelo direito do uso da LIBRAS ticas lingüísticas. inclusion as linguistic policies
como sua língua pra expressar- recognizing the brasilian sign
se e para compreender o mundo. language as the language of
Abstract
Estes querem que a LIBRAS the Brazilian deaf people.
seja a utilizada no espaço esco- The deaf people have always Key words: brasilian sing
lar como meio de instrução. As fought for the right of using the language; deaf; linguistic po-
políticas lingüísticas do Brasil Brazilian Sign Language as litics.
sempre coibiram as diversas their language to express them A existência de conta-
línguas aqui existentes e pro- and to understand the world.  to entre duas línguas cria um
moveram o Português escrito They want the Brazilian Sign cenário de disputas. �����������
No Brasil,
e oral. Os movimentos surdos Language as the main mean os surdos, enquanto povo, por
lutaram até o momento em que of instruction in regular scho- muitos anos lutaram pelo di-
estes passaram a ser ouvidos e ols.  The linguistic policies of reito de poderem usar a Língua
puderam participar das nego- Brazil have always restrained Brasileira de Sinais (LIBRAS).
ciações. O decreto 5.626, de 22 the other existing languages Esta luta é contra uma visão
de dezembro de 2005, que re- in the country, and promoted que a cultura hegemônica ou-
gulamenta a lei de LIBRAS de the written and verbal Portu- vinte tem do que é a inclusão
2002, prevê várias ações com guese.  The deaf movements social para o surdo e de como
o objetivo de promover a in- have fought until the moment esta deve ser feita.
clusão social, enquanto políti- they were heard and have been O que muitas pessoas des-
ca lingüística, reconhecendo a able to participate in the nego- conhecem é que a maioria dos
LIBRAS como língua dos sur- tiations.  The decree 5.626 that surdos prefere a língua de si-
dos brasileiros.
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DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

20 nais como sua língua para en- A escola foi inventada tendo entre seus
tender o mundo e para ser en-
propósitos o de formar sujeitos organizados,
tendido (QUADROS, 2005a).
Um surdo fez um comentário disciplinados, cristãos e subservientes. Ela
que é ilustrativo do pensamen- empenhou-se e empenha-se até hoje em
to que muitos surdos têm sobre formar corpos dóceis e úteis dentro de uma
a LIBRAS. Ele disse:
ordem preestabelecida para as relações. As
Eu me sinto melhor usando
a língua de sinais. Acho que é
crianças vão à escola para que possam ser
mais fácil, leve e suave. Eu gos- disciplinadas e civilizadas (LOPES, 2004 p. 39).
to de conversar na língua de si-
nais, não preciso fazer esforço,
pois a conversa flui. Os sinais
língua portuguesa em detri- Desconstruir esse processo
saem sem eu pensar, muito me- mento das tantas outras lín- não significa simplesmente de-
lhor. Posso falar de tudo na lín- guas existentes no nosso país terminar os espaços que as lín-
gua de sinais. Eu aprendo sobre (QUADROS, 2005). guas passam a ocupar nas es-
as coisas da vida, sexo, traba- A escola é um local onde colas que educam surdos, mas
lho, estudos, tudo na língua de
sinais. Eu gosto de encontrar
tradicionalmente ocorre dispu- sim passar por um processo
com outros surdos só para con- ta das línguas e é neste espa- muito maior de reflexão, de
versar, pois consigo relaxar. Eu ço institucional que comumen- (des-)estruturação, formação
prefiro usar sinais, mais fácil, te se operam os mecanismos de profissionais, criação de no-
melhor. [S. 2000] (QUADROS, de repressão lingüística, on- vos espaços de trabalho e, em
2005a).
de o saber do grupo da cultura especial, inversão da lógica das
O conflito entre a LIBRAS hegemônica é imposto. Sobre a relações. É preciso reconhecer
e o Português na educação dos escola, Lopes comenta: o que representam as línguas
surdos é reflexo das políticas A escola foi inventada ten- para os próprios surdos.
lingüísticas do Brasil. Este é do entre seus propósitos formar Não basta simplesmente de-
um país plurilíngüe onde há sujeitos organizados, discipli- cidir se uma ou outra língua
muitas línguas indígenas, lín- nados, cristãos e subservientes. passará a fazer ou não parte
Ela empenhou-se e empenha-se
guas de imigrantes e duas lín- até hoje em formar corpos dó-
do cenário da proposta escolar,
guas de sinais registradas. ceis e úteis dentro de uma ordem
Entretanto, a política lingüís- preestabelecida para as relações.
tica brasileira ainda é pauta- As crianças vão à escola pra que
da na crença de que o país se- possam ser disciplinadas e civi-
lizadas (LOPES, 2004: 39).
ja monolíngüe, favorecendo a

2
A LIBRAS utilizada nos centros urbanos brasileiros e a Língua de Sinais Urubu-Kaapor, desenvolvida na comunidade indígena Urubu-Kaapor
no Maranhão (veja o site do Summer Institute of Linguistics http://www.sil.org/americas/brasil/PUBLCNS/LING/UKSgnL.pdf).

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DEBATE
INES

Referindo-se a situação te, no desenvolvimento de sua ESPAÇO


dos surdos na nossa sociedade linguagem, sendo então o sur-
do silenciado pelo ouvinte, por JAN-DEZ/06
Dizeu & Caporali (2006) fazem muitas vezes não ser compreen-
a seguinte consideração: dido. (DIZEU & CAPORALI, 21
Vivemos em uma socieda- 2006: 2/3).
mas sim tornar possível a exis- de na qual a língua oral é im-
tência das línguas, reconhe- perativa, e por conseqüência Um dos fatores que contri-
cendo-as de fato e constituin- caberá a todos que fazem par- buem para a formação da si-
te dela se adequarem aos seus
do um espaço de negociação meios de comunicação, inde-
tuação relatada por Dizeu e
permanente. O espaço de ne- pendentemente de suas possibi- Caporali (2006) é que as atu-
gociação instaura-se no reco- lidades. Qualquer outra forma ais políticas lingüísticas ain-
nhecimento do outro. E, mais de comunicação, como ocorre da acreditam no caráter ins-
importante ainda, os surdos com a língua de sinais, é consi- trumental da língua de sinais
derada inferior e impossível de
sendo participantes ativos da ser comparada com as línguas
brasileira na educação de sur-
significação e atribuição de es- orais. dos. As línguas que fazem parte
paços para as línguas na edu- da vida dos surdos na socieda-
cação dos próprios surdos. Muitos profissionais que de apresentam papéis e repre-
Os surdos, ao participarem trabalham com surdos têm uma sentações diferenciadas carac-
visão sobre a língua de sinais
nas discussões e decisões so- como uma forma de comunica-
terizando uma forma bilíngüe
bre as suas necessidades, têm ção, não atribuindo a ela o sta- de ser (QUADROS, 2005). O
a possibilidade de debaterem a tus de língua e considerando-a fato dos surdos adquirirem a
sua inclusão social e a política apenas uma alternativa para os língua de sinais como uma
lingüística que atenderá a sua surdos que não conseguiram língua nativa, fora do berço fa-
desenvolver a língua oral. Se-
demanda. gundo Skliar (1997), o oralismo
miliar, com o povo surdo, de-
Quadros (2005a) mostra é considerado pelos estudiosos manda à escola um papel que
que os surdos têm preferência uma imposição social de uma outrora fora desconhecido. Já
pela língua de sinais em rela- maioria lingüística sobre uma se reconhece que a língua de
ção ao Português escrito e oral. minoria lingüística. sinais é a primeira língua, que
Estes consideram a LIBRAS Como conseqüência do pre- a língua portuguesa é uma se-
como sua língua de expres- domínio dessa visão oralista gunda língua, já se sabe da ri-
são e o português como sendo sobre a língua de sinais e so- queza cultural que o povo sur-
uma língua difícil, inacessível bre a surdez, o surdo acaba não do traz com suas experiências
participando do processo de in-
ou até perigosa. A imposição sociais, culturais e científicas.
tegração social. Embora a pre-
do Português e a proibição da missa mais forte que sustenta Neste momento pós-colonia-
LIBRAS, ou o descaso a essa o oralismo seja a integração do lista, a situação bilíngüe dos
no espaço escolar, fez com que surdo na comunidade ouvinte,
muitos surdos tivessem uma ela não consegue ser alcança-
da na prática, pelo menos pela
atitude negativa em relação ao
grande maioria de surdos. Isso
Português. acaba refletindo, principalmen-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.21, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

ESPAÇO surdos está posta. No entanto,


JAN-DEZ/06 os espaços de negociação ain-
da precisam ser instaurados.
22 As políticas lingüísticas ainda
mantêm uma hierarquia verti-
cal entre o Português e as de- primeira língua, a qual utili-
mais línguas no Brasil, ape- zam para significar o mundo.
sar de algumas iniciativas no No Brasil, as atuais lutas e embates sobre as políticas lin-
sentido de reconhecimento das discussões que os surdos têm güísticas. “Negociações” so-
“diversidades” lingüísticas do feito tomaram corpo com a fun- mente são possíveis quando
país. dação da FENEIS (Federação o outro deixa de ser convida-
Estamos diante de um pro- Nacional de Educação e do e passa a ser integrante da
cesso simbólico de negociação Integração do Surdo), em rodada. Enquanto convidado,
política: a língua de sinais bra- 1987. No ato da criação dessa a sua posição sempre é subal-
sileira e a língua portuguesa na instituição, a então eleita pre- terna à de quem o convidou.
sociedade, incluindo o espaço sidente, Ana Regina e Souza Assim, os espaços de negocia-
educacional em que o surdo Campelo comentou: ção tornam-se possíveis quan-
está inserido. Os espaços polí- Consideramos da maior im- do o outro passa a ser um eu
ticos que cada língua represen- portância as colaborações que no espaço compartilhado, sen-
ta para uns e para outros não recebemos e queremos conti- do, ao mesmo tempo, o ou-
são os mesmos. Os surdos que- nuar recebendo das pessoas que tro diante do outro eu tradu-
ouvem. Mas consideramos tam-
rem ter a LIBRAS como a sua bém que devemos assumir a li-
zindo-se nas alteridades que
língua de instrução, sua língua derança de nossos problemas de convivem umas com as ou-
para se comunicar com o mun- forma direta e decisiva, a des- tras. Assim, segundo Bhabha
do, compreender e interagir. peito das dificuldades que pos- (2003), a negociação toma for-
Querem aprender o português, sam existir relacionadas à co- ma no lugar da negação. Com a
municação (RAMOS, 2006: 6).
para que possam ter acesso aos criação da FENEIS, os surdos
documentos oficiais que são Os vieses são ambivalen- tinham uma entidade que os
feitos nesta língua (leis, reci- tes, constituindo o que Bhabha representava e podiam agora
bos, documentos) e exercer (2003) refere como os entre-lu- lutar por um espaço onde dei-
sua cidadania; para ter aces- gares por meio de relações in- xaram de ser apenas convida-
so a informações, à literatura tersticiais. Não estamos mais dos para serem parte integran-
e aos conhecimentos científi- diante de argumentações opo- te da negociação. Os surdos
cos. Alguns, inclusive, querem sicionais, mas de entre-meios, não precisam mais negar a lín-
aprender outras línguas. Tudo de fissuras, de objeções, de re- gua portuguesa, assim como
isto sem deixar de lado a sua presentações simbólicas que os ouvintes não precisam mais
formam uma trama que vi- negar a língua de sinais brasi-
ra um drama para a vida dos leira. Instaura-se a negociação,
surdos brasileiros. Daí podem um campo que vai além, abrin-
partir para as negociações nos do espaços, lugares e objetivos
híbridos. Não significa dizer
que a educação de surdos terá

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INES

ESPAÇO
as duas línguas, mas que as du- JAN-DEZ/06
as línguas estarão em espaços
de negociação que não se tra-
As políticas lingüísticas, que podem ser
23
duzem em um ou outro lugar,
mas em entre-lugares, em ter- desmembradas deste decreto, terão impacto
ritórios de ambos, a coexistên-
direto no povo surdo e na sua educação, pois
cia. As relações, portanto, são
de ordem muito mais comple- possibilitarão a formação de profissionais
xa e, por isso, a negociação po- qualificados para a atuação com os surdos,
lítica torna-se invariavelmente bem como a formação dos próprios surdos.
necessária.
Para esse fim deveríamos
lembrar que é o “inter” – o fio Atualmente há algumas ini- a capacitação de profissionais.
cortante da tradução e da ne- ciativas de políticas lingüís- Esse decreto possibilita a cria-
gociação, o entre-lugar – que ticas que contemplam as rei- ção de cursos Letras-LIBRAS
carrega o fardo do significado
da cultura. Ele permite que se
vindicações do povo surdo ou Letras-LIBRAS/Português
comecem a vislumbrar as his- brasileiro, tendo como meta a em nível de graduação, para
tórias nacionais, antinaciona- inclusão social. Estas iniciati- formar professores que atuarão
listas, do “povo”. E, ao explo- vas foram conquistadas pelos no ensino dessa língua. Esses
rar esse Terceiro Espaço, temos surdos por meio de muitos mo- professores atuarão desde a 5ª
a possibilidade de evitar a po-
lítica da polaridade e emergir
vimentos e discussões. série do nível fundamental até
como os outros de nós mesmos No dia 22 de dezembro de a educação superior. O decre-
(BHABHA, 2003:69). 2005, foi homologado o decre- to também prevê a criação de
to 5.626, que regulamenta a cursos em nível de graduação
Lei de LIBRAS de 24 de abril e pós-graduação para a forma-
de 2002. Este decreto prevê ção de tradutores intérpretes
várias ações que viabilizam a de LIBRAS/Português. Para a
inclusão social do surdo, par- educação infantil e séries ini-
tindo de uma política lingüís- ciais do ensino fundamental,
tica que reconhece a LIBRAS o decreto prevê a criação de
como a língua dos surdos bra- cursos de pedagogia bilíngüe
sileiros. LIBRAS/Português.
Assim, a política lingüística Além disso, o decreto 5.626
instaurada contempla a especi- determina a inclusão de uma
ficidade dos surdos. O decreto disciplina de LIBRAS em to-
5.626 traz várias ações a serem das as licenciaturas. Os profes-
implementadas gradualmen- sores, tendo informação sobre
te nos próximos dez anos, pe- a LIBRAS e os surdos, pas-
ríodo necessário para realizar sarão a planejar as suas aulas

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INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

24
Uma outra frente de ação aflições que a família passa ao
do decreto é a possibilidade se defrontar com um filho sur-
que fonoaudiólogos terão de do (REIS, 1997, in DIZEU &
ter uma formação que contem- CAPORALI, 2006:6).
ple a LIBRAS. Os fonoaudió- As políticas lingüísticas,
logos são os profissionais que que podem ser desmembradas
com melhor qualidade e te- trabalham com as questões re- desse decreto, terão impacto
rão mais elementos para dis- lacionadas com a linguagem. direto no povo surdo e na sua
cutir com toda a escola sobre Ao terem a LIBRAS na sua educação, pois possibilitarão a
a inclusão dos alunos surdos. formação, poderão estar tra- formação de profissionais qua-
Também, minimizará a ansie- balhando com questões rela- lificados para a atuação com
dade do primeiro contato com cionadas à linguagem da pes- os surdos, bem como a forma-
alunos surdos em sala de aula, soa surda na língua de sinais, ção dos próprios surdos.
situação esta muito estressante pois alguns surdos apresen-
para os professores atuais que tam desvios de linguagem co-
nunca receberam informações mo afasias e aquisição tardia
sobre a educação de surdos e a da LIBRAS. Portanto, os fono-
LIBRAS. Para esses professo- audiólogos poderão contribuir
res, os surdos são estranhos. O para a intervenção nesses des-
contato dos professores na gra- vios na LIBRAS.
duação com a língua de sinais Estas ações são importan-
e com surdos possibilita que tes, pois muitos pais ouvintes,
esse estranhamento já acon- ao se depararem com um fi-
teça nesse período de forma- lho surdo, geralmente não têm
ção. Os professores que tive- informações sobre os surdos.
rem tido a disciplina de língua Freqüentemente, recorrem a
de sinais na graduação possi- profissionais como médicos,
velmente não serão fluentes fonoaudiólogos e professo-
na LIBRAS para ministrar au- res para obterem informações.
las diretamente nessa língua, Com a formação prevista no
mas já terão desconstruído al- decreto, estes profissionais te-
guns dos mitos sobre os surdos rão mais subsídios para infor-
e sua língua. Isto terá impacto mar os pais sobre a comunida-
na sala de aula quando estiver de surda e a língua de sinais.
diante do aluno surdo. Esta orientação minimizará as

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DEBATE
INES

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JAN-DEZ/06

25
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BHABHA, H. K., (�������
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THOMA, Adriana da Silva & LOPES, Maura Corcini
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RAMOS, C. R, Histórico da FENEIS até o ano de 1988. Rio de
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2006.
REIS, V.P.F, A linguagem e seus efeitos no desenvolvimento
cognitivo e emocional da criança surda. Espaço Informativo
Técnico Científico do INES, Rio de Janeiro, v. 6, p. 23-38, 1997.
Apud DIZEU, L. C. T. de B. & CAPORALI, S. A. A Língua
de Sinais constituindo o surdo como sujeito. http://hendrix.
sj.cefetsc.edu.br/~nepes/. Acessada em 04 de abril de 2006.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.25, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES Anotações sobre língua, cultura e
identidade: um convite ao debate
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

26 sobre políticas lingüísticas


Alexandre do Amaral Ribeiro*
*Doutor em Lingüística pela Unicamp. Mestre em Letras pela PUC/RJ. Professor de Lingüística da Universi-
dade Gama Filho e Professor do Curso Normal Superior Bilíngüe do INES.
Material recebido em maio de 2006 e selecionado em maio de 2006.

A proposta deste artigo é


Resumo Abstract
fomentar o debate sobre pol��
ti-
Este artigo se pretende um This article intends to be an cas lingüísticas a partir das
convite à discussão sobre po- invitation to discuss linguistic possíveis relações entre língua,
líticas lingüísticas e suas re- policies and their relations to identidade e cultura. Para tal,
lações com o modo como as the way people conceive lan- relata situações do cotidiano
pessoas concebem a língua, guage, culture and identity dos falantes/cidadãos brasilei-
cultura e identidade em suas vi- in their lives. Language has a ros, bem como resgata alguns
das. A língua tem uma vida so- social and political life which fatos históricos que, embora
cial e política que é comumen- are commonly neglected by pouco divulgados, podem au-
te negligenciada por algumas some beliefs, specially, when xiliar na compreensão do lu-
crenças, em especial quando the subject is language and gar da língua na vida política
o assunto é língua e seu papel its role in the society. That’s e social da nação. Ao final, a
na sociedade. Isto porque a lín- because language is often seen título de se compreender a ex-
gua é freqüentemente vista co- as a natural gift and therefore tensão e conseqüências ineren-
mo um dom natural e, por isso completely outside of the ethics tes aos atos políticos relacio-
mesmo, fora da questão éti- issue. It’s here sustained this nados à língua, aponta-se para
ca. Neste artigo, é sustentada a idea is inappropriate and that a situação do inglês (no mun-
idéia de que tal posição não é to discuss language implies to do globalizado), pretendendo
apropriada e que discutir a lín- discuss its place in individual’s dar maior amplitude à discus-
gua implica, sim, discutir seu social and political life. são sobre políticas lingüísticas
lugar na vida social e política Key words: linguistic poli- no país (o caso dos estrangei-
dos indivíduos. tics; identity; inclusion. rismos, por exemplo) e fazem-
Palavras-chave: política se alguns comentários sobre as
lingüística; identidade; inclu- políticas de inclusão. Apontar
são. para tais fenômenos, nes-
te texto, não significa discu-

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DEBATE
INES

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JAN-DEZ/06

27
ti-los com profundidade, mas A relação entre língua(gem), sociedade e
mostrar o quanto é importan-
cultura é inegável a partir do momento
te admitir a vinculação língua-
identidade-cultura-educação- em que se reconhece a existência de uma
cidadania e suas implicações sujeito da linguagem. Nenhum enunciado é
políticas. produzido destituído de intenção, tampouco
Não é raro encontrar, em
sua produção e significado podem ser
conversas informais entre ami-
gos e familiares, diferentes po- entendidos em separado do contexto sócio-
sicionamentos pessoais sobre a histórico de sua produção.
adequação ou não de determi-
nados usos lingüísticos e so-
bre o quanto aqueles usos (ci- que os surdos do mundo intei- rias inerentes à existência e aos
tados nas referidas conversas) ro pudessem se comunicar sem usos lingüísticos, tampouco de
lhes são motivo de vergonha e/ problemas. Ao que parece, es- sua pluralidade legítima.
ou chacota. Essa situação rela- sas pessoas olham para o sur- Uma outra dimensão que
tivamente recorrente torna-se do – na melhor das hipóteses costuma lhes fugir com certa
de grande relevância quando – como um ser universalmente freqüência é a dimensão social
o assunto é “o absurdo de uma deficiente, de modo que se tor- e política da língua. A idéia ge-
determinada pessoa ter usa- naria desnecessário pensar na neralizada é a de que tal dis-
do certa construção lingüística dimensão sócio-cultural de um cussão é sem importância, ou
considerada errada ou desele- bem imaterial como a língua minimamente, sem aplicação
gante”. Isto acontece, em espe- de uma comunidade (de sur- imediata para a vida das pes-
cial, ao se considerar a posição dos) constituída por sujeitos. soas. Haveria, nessa perspec-
social de quem fala. De fato, mitos diversos acer- tiva, assuntos mais relevantes,
Há também situações em ca da língua (sua concepção/ social e politicamente, como a
que se observa um certo des- definição e formas de uso) pa- “fome da população”, os “al-
caso para com o uso e usuários recem influenciar essa tendên- tos impostos”, “a corrupção
de línguas visuais – como a cia no comportamento das pes- dos políticos”, etc. Para esses,
LIBRAS – uma vez que para a soas em geral. Para a maioria a língua é algo natural (no sen-
maioria da população trata-se, da população, discutir a língua tido mesmo biológico e heredi-
equivocadamente, – de sim- é discutir seus usos “corretos e/ tário) a tal ponto que questões
ples gestos. Assim, tampouco ou incorretos” a partir das nor- éticas e políticas não lhe são
é raro encontrar interlocuto- mas encontradas na Gramática pertinentes. Lembre-se aqui
res que juram serem “os ges- Normativa. Dificilmente, to- que a questão ética vem à tona,
tos utilizados por surdos” uni- mam consciência das implica- exclusivamente, no momento
versais. Para esses, seria óbvio ções sócio-culturais e identitá- em que se reconhece a possi-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.27, janeiro - dezembro/2006
DEBATE com peculiaridades próprias é
reconhecida e assegurada, pe-
la Constituição Federal, a na-
“fala-se” apenas uma língua. cionalidade brasileira e suas
INES
Há também a crença de que a formas próprias de comunica-
ESPAÇO língua portuguesa é muito di- ção, é inadequado dizer que no
JAN-DEZ/06 fícil, quase impossível de ser Brasil se fala uma única lín-
aprendida. Se esse pensamen- gua, pois isso implica o esque-
28 bilidade de ação do homem. A to é verdadeiro para maioria cimento ou mesmo a exclusão
natureza não pode ser respon- da população ao falar sobre o de alguns brasileiros e suas
sabilizada pelos seus atos. português em relação aos fa- formas de comunicação. Ainda
A relação entre lín- lantes/ouvintes nativos, po- hoje se falam mais de 180 lín-
gua (gem), sociedade e cul- de-se daí depreender quais guas no Brasil.
tura é inegável a partir do não seriam as crenças detectá- Além disso, o que popular-
momento em que se reconhe- veis em meio aos que, não sen- mente se acredita como sendo
ce a existência de um sujeito do informados sobre a Língua uma única língua não é, nem
da linguagem. Nenhum enun- de Sinais Brasileira, e incrivel- de longe uniforme/homogêneo.
ciado é produzido destituí- mente – também – às vezes en- A visão popular de língua, por
do de intenção, tampouco sua tre os que têm algum conhe- desconhecimento e não neces-
produção e significado podem cimento, sobre as condições e sariamente por má fé e/ou ati-
ser entendidos em separado capacidade de surdos aprende- tude intencionalmente precon-
do contexto sócio-histórico de rem português. ceituosa, confunde a partir de
sua produção. Há uma dimen- Isto acontece, em parte, por- generalizações diversas o con-
são claramente social e políti- que fatores históricos de forma- ceito de língua. Inicialmente,
ca da linguagem. Embora não ção do País revelam a existên- parte-se da idéia de que língua
se neguem aqui seus aspectos cia de um grande esforço para é algo, só e somente só, fala-
cognitivos e biológicos, não se dominar uma língua de além- do ou escrito no sentido de que
pode dizer que qualquer estu- mar e, portanto neste sentido, para haver/usar língua é preci-
do sobre a língua(gem), seu estrangeira. O brasileiro não so emitir som ou ser capaz de
funcionamento e padrões, se- é – em termos da construção escrever.
ja isento de dimensão políti- de sua identidade lingüística e A questão da concepção
ca. Isto é verdadeiro tanto pa- em seu imaginário – um nati- de língua passa comumente
ra o caso em que se olha para vo de sua própria língua. Para por idéias aprendidas desde a
as contribuições de lingüistas boa parte da população, a lín- mais tenra idade. Os cidadãos
quanto para os esforços decla- gua portuguesa é bem falada aprendem que no Brasil se fa-
radamente políticos de se con- somente em Portugal. Lá sim la uma única língua, que ela é
trolar, preservar, regulamentar é que se fala bem o português muito difícil – talvez mesmo a
e legitimar certos usos lingü- (BAGNO, 1999). mais difícil do mundo. Isto se
ísticos. Sobre a história da língua procura, em geral, “provar”,
Dentre os mitos e crenças portuguesa no Brasil, primei- por exemplo, pela existência de
existentes sobre a língua, ca- ramente, é preciso dizer que palavras como manga e sauda-
pazes de influenciar os pen- se aos índios, aos descenden-
samentos /comportamentos, tes de imigrantes que em su-
anteriormente destacados, po- as comunidades muitas vezes
de-se citar a crença de que há não falam senão a língua de
uma forma lingüística melhor seus antepassados e aos surdos
que a outra e de que no Brasil que constituem comunidades

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DEBATE
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ESPAÇO
JAN-DEZ/06

29
de, etc. Quanto à palavra man- ção no Brasil analisa a história cia de se tentar explicar o evan-
ga, é preciso lembrar que fe- da língua portuguesa a partir gelho ou ensinar algo que fos-
nômenos como o da existência de dados sobre a vida do Padre se da doutrina em português a
de uma “mesma palavra” que Manuel da Penha do Rosário, um alunado indígena que nada
assuma significados diversos pertencente à Congregação de conhecia da língua portuguesa.
não é, de maneira alguma, pri- Nossa Senhora das Mercês. Naturalmente, para ser enten-
vilégio da língua portuguesa. Esse padre, em sua missão de dido o evangelho e a doutrina
Já quanto à palavra saudade, catequizar os índios no Brasil, era indispensável empregar o
ainda que não se possa dizer utilizava–se de línguas indíge- idioma indígena. Assim se ex-
que sua origem etimológica e nas, contrariando as determi- pressa Pe. Manuel da Penha do
composição apontem para exa- nações D’ El Rei de Portugal. Rosário:
tamente a mesma idéia (como Dessa maneira, e por isso mes- Verdade é que a maior parte
não acontece tampouco na re- mo, é convocado a compare- dos párocos presentes, porque
lação entre a infinidade de ou- cer diante do Santo Ofício pa- não sabem falar a língua ofi-
tras palavras de línguas dife- ra defender–se de acusações cial dos índios, ainda que dela
tenham algum conhecimen-
rentes quando comparadas), pelo uso de línguas indígenas to e inteligência, e outros, por-
indica–se aqui uma pesquisa ao catequizar os índios. Essas que só aprenderam quanto lhes
mais apurada sobre a existên- acusações foram feitas pelo bastasse para dizerem missa, e
cia, por exemplo, de palavras Marquês de Pombal e seus alia- não para se exercerem em um
como “sehnsucht” (saudade) e dos. O padre, no entanto, escre- o ministério de pregar, apenas
se contentam, ou per si ou por
de verbos como “sehnen” (sen- ve um documento, responden- algum rapaz, com lhes repeti-
tir saudade) em alemão. do às questões propostas pelo rem aquelas orações comuns e
Muitos acreditam, ainda, Santo Ofício. Dentre os seus perguntas ordinárias dos mis-
que por uma espécie de mila- argumentos estava a ineficá- térios divinos, em língua por-
gre ou concessão divina em
um país de dimensões conti- Muitos acreditam ainda que, por uma
nentais como o Brasil fala-se espécie de milagre ou concessão divina em
a mesma língua. A língua di-
ta portuguesa, no entanto, que um país de dimensões continentais como o
se fala no Brasil precisou de Brasil, fala-se a mesma língua. A língua dita
uma série de ações sócio-po- portuguesa, no entanto, que se fala no Brasil,
líticas para ser “padronizada” precisou de uma série de ações sócio-políticas
e se “firmar” conforme se co-
nhece na atualidade. para ser “padronizada” e se “firmar”
Silva (1995) ao estudar as conforme se conhece na atualidade.
relações entre língua e inquisi-

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DEBATE
tuguesa e do mesmo modo que
nas escolas, quando meninos,
INES as decoraram materialmente.
E o fazem assim tão sem pro-
ESPAÇO
veito dos índios que, pergunta-
JAN-DEZ/06 dos eles de mim, o que pedem
no padre-nosso e na ave-ma-
30 ria, dizem que não sabem. E se
passo a inquirir o que está em a
hóstia consagrada, me respon-
dem uns que (é) Santa Maria e
outros que os fígados de Cris-
to Senhor Nosso. Mas nem por
isso deixam de se haverem com
eles, em os confessionários e Na Declaração Universal
fora deles, em língua vulgar.
E para isto procuram aprender
dos Direitos Lingüísticos são
as palavras mais necessárias, reivindicados direitos como o
em que tudo sabe Deus que não de preservação manutenção da
minto... .(ROSÁRIO apud SIL- cultura e língua próprias de ca-
VA, 1995:11). da comunidade e o de ter res-
peitado a língua de cada comu-
A coerência dos seus argu- nidade ou grupo lingüístico. a língua é constitutiva do ser
mentos provou que não fazia A visão de língua apresentada humano – um ser social e polí-
sentido, no caso da evangeliza- nesse documento é a de “resul- tico. As concepções de língua
ção, o uso da língua portugue- tado da confluência e da inte- que vierem ou não a ser ado-
sa, enquanto os índios não a ração de uma multiplicidade de tadas por essa ou aquela teoria
compreendessem. O que o pa- fatores: político-jurídicos, ideo- terão conseqüências para a vi-
dre reivindica, na verdade, é o lógicos e históricos, demográfi- da política e social desses fa-
direito que cada indivíduo tem cos e territoriais, económicos e lantes.
de ser instruído e de usar a lín- sociais, culturais, lingüísticos e Tais conceitos podem alte-
gua de sua própria comunida- sociolingüísticos, interlingüísti- rar as formas como as pessoas
de. Vale lembrar que esse do- cos, e, finalmente, subjetivos”. constroem suas identidades en-
cumento foi escrito no auge da Ao contrário do que se cos- quanto falantes de uma língua
influência pombalina. No en- tuma pensar, portanto, falar e cidadãos de um país. Não é
tanto, o padre formulou de tal sobre língua implica sim ence- de se menosprezar, por exem-
forma sua defesa que não só tar uma discussão sobre políti- plo, a situação (indesejável)
foi absolvido como ganhou o cas lingüísticas, uma vez que em que a LIBRAS é considera-
direito de conduzir uma paró- não existe uma língua homo- da apenas um conjunto de ges-
quia em uma comunidade in- gênea e única em nenhum país tos sem status de língua. Um
dígena, podendo colocar em do mundo nem há uma defini- surdo nascido no Brasil é, sal-
prática as suas idéias. Bastante ção única para o que seja lín- vo casos específicos da lei, um
à frente de sua época, o refe- gua. Esse bem imaterial é he- brasileiro que não tem a língua
rido padre já adiantava a dis- terogêneo, vivo, dinâmico e, portuguesa como língua ma-
cussão sobre políticas lingüís- embora se possam encontrar terna. Se a população e mesmo
ticas encontrada mais tarde teorias que tomem a língua co- alguns estudiosos e políticos
na Declaração Universal dos mo um objeto de dimensão pu- insistissem que a língua portu-
Direitos Lingüísticos. ramente cognitiva e estrutural, guesa é a única língua legítima

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DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
las refere-se ao “risco” exis-
tente no fato de que um indi- 31
víduo precise, antes de tudo,
ser reconhecido como excluí-
do para que, então, a socieda-
de e a educação (em nome das
novas demandas de uma socie-
São discussões possí- dade dita inclusiva) venham a
veis na da área de Políticas propor princípios e estratégias
Lingüísticas aquelas sobre pro- de inclusão. Inclusão que visa
jetos de lei como o do Deputado a incluir quem? Aonde?
Aldo Rebelo, que restringia o Parece sempre útil lembrar
uso de palavras estrangeiras que, ao se propor a inclusão de
no Brasil; as que tratam das alguém, se está afirmando que
denúncias contra preconcei- essa pessoa (embora tenha o di-
de um brasileiro, que falar da to lingüístico; as que propõem reito) não é reconhecida como
situação política, social e cul- reflexões sobre a o reconheci- fazendo parte efetiva do con-
tural de surdos, índios e outros mento de LIBRAS como meio texto em que se deseja incluí-
grupos que podem ser brasilei- oficial de comunicação da co- la. Dessa maneira, esforços são
ros sem ter como língua ma- munidade de surdos, as que desempenhados para que – sem
terna o português? estudam movimentos como o forçar a “natureza” do indivíduo
As questões levantadas pelo “Deaf Power” e “Resistência e respeitando as suas diferen-
estudo de políticas lingüísticas Surda”, entre outras. ças, façam adequações no am-
são interessantes não somen- Por último, é possível ain- biente-alvo para que se possa
te do ponto de vista da infor- da usufruir das contribuições proceder à inclusão. Movidos a
mação sobre fatos históricos e sobre políticas lingüísticas pa- partir de que tipo de crença so-
sobre os processos de grama- ra se pensar as políticas de in- bre o outro e respaldados sobre
tização e padronização da lín- clusão (no âmbito da educação que princípio e autoridade pro-
gua nacional, como pelo fato ou não) no país. Qual o signifi- põem-se ações no sentido da in-
de permitir discussões sobre cado da inclusão em termos do clusão? Essa reflexão é impor-
identidade lingüística e cultu- lugar que a inclusão ocupa na tante se não se quiser criar uma
ral no Brasil. A partir de estu- sociedade e na educação? sociedade de “ex-alguma coi-
dos em políticas lingüísticas, Ao que veio e para onde, sa”: ex-drogados, ex-excluído.
são questionadas ações como para que tipo de educação/so- Muitos podem questionar
as inerentes à tendência de se ciedade, pretende conduzir o a necessidade e pertinência ou
reduzir a diversidade e favore- projeto de inclusão? Pensar so- não das reflexões ora propos-
cer atitudes contrárias à plura- bre essa questão impulsiona a tas, mas parece correto afirmar
lidade cultural, evitando o plu- formulação de algumas outras que não se deseja olhar para o
ralismo lingüístico. inerentes ao contexto. Uma de- indivíduo aprendente como se,

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DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

32 de repente, tivesse a sociedade


conseguido, por bondade, sal-
var a sua vida do caos. Há que
se encontrar alternativas pa-
ra não somente estancar a dis-
criminação, mas para resigni-
ficar a existência e o papel de
indivíduos ditos diferentes na
sociedade. Tal objetivo exige,
necessariamente, uma reenge-
nharia nas formas de se conce-
ber e comportar diante da situ-
ação de inclusão.
Esta visão interessa, pois o Referências Bibliográfias
que parece ser adequado é um BAGNO, Marcos, (1999). Preconceito Lingüístico: o que é, como se
“despertar” da sociedade para o faz. São Paulo: Loyola.
fato dos aprendentes/cidadãos CORTEZ, Suzana & XAVIER, Antonio Carlos (orgs). (2003)
serem todos dotados de grande Conversas com lingüistas – virtudes e controvérsias da
capacidade cada qual em sua lingüística. São Paulo: Parábola.
especificidade (sem por isso es- FERREIRA, Dina Maria Martins & RAJAGOPALAN, Kanavillil
tar impedido de desenvolver-se (orgs). (2006) Políticas em Linguagem: perspectivas identitárias.
em outras áreas). As especifi- São Paulo: Editora Mackenzie.
cidades/características de ca- GUIMARÃES, Eduardo & ORLANDI, Eni P. (1996). Língua e
da um, inclusive as lingüísticas, Cidadania: o português no Brasil. Campinas/SP: Pontes.
não podem – em nome da valo- LACOSTE, Yves & RAJAGOPALAN, Kanavillil. (������ 2005) A
rização da língua e do cidadão geopolítica do inglês. São Paulo: Parábola.
– se tornar elementos formado- RAJAGOPALAN, Kanavillil, (2003). Por uma lingüística
res de guetos. crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo:
Parábola.
RIBEIRO, Alexandre do Amaral. (2000) Língua tua manifestum te
facit: considerações sobre identidade lingüística e cultural no
Brasil. Dissertação de Mestrado: PUC/RJ.
SILVA, José Pereira da, (1995). Pe. Manuel da Penha do Rosário:
língua e inquisição no Brasil de Pombal – 1773. Rio de Janeiro:
EDUERJ.
UNESCO, Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos.
Disponível em: http://www.linguistic-declaration.org/index.
htm. Acessado em: 10/04/2006.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.32, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
Políticas públicas para inserção da INES

LIBRAS na educação de surdos


ESPAÇO
JAN-DEZ/06

33
Felipe, Tanya A.*
*Professora Titular da UPE, autora dos livros LIBRAS em Contexto, é Assessora na área de Lingüística e
de Educação e Coordenadora do Programa Nacional Interiorizando a LIBRAS, pela FENEIS - Convê-
nio MEC/SEESP/FNDE, em parceria com as Secretarias Estaduais de Educação em todo o Brasil.
Material recebido em junho de 2006 e selecionado em junho de 2006.

Resumo na maioria das escolas públi- The author’s conclusion


cas, porque os surdos têm o di- is that inclusion process can-
O presente trabalho é o re- reito a um ensino-aprendizado not simply be to include deaf
sultado de reflexões da autora diferenciado que atendam suas pupils with hearing pupils in
sobre as políticas para educa- necessidades educativas espe- classrooms, as it is occurring
ção de surdos no Brasil, a par- cíficas e estas não estão sendo in the majority of the public
tir da década de 80. consideradas pelas escolas de e schools, because the Deaf peo-
Os objetivos dessa pesquisa para ouvintes. ple have the right to a differen-
foram mostrar como a luta dos Palavras-chave: Educação tiated teaching and learning
surdos tem contribuído para as de Surdos; LIBRAS; Direitos which take care of its speci-
mudanças qualitativas e alertar dos Surdos. fic educative needs and these
para o fato de que há realmen- are not being considered by
te necessidade de uma inclu- the schools of and for hearing
Abstract
são dos surdos nas escolas, já children.
que a maioria das crianças sur- The present paper is the Key words: Deaf People
das nem na escola está. result of reflections the author Education; Brazilian sign lan-
A conclusão dessa reflexão has made on the policies for guage; Deaf People Rights.
é que esse processo de inclu- education of deaf people in Bra-
são não pode ser simplesmen- zil, from the decade of 80.
1-O
����������
Percurso
te incluir alunos surdos com This research points out
alunos ouvintes nas salas re- the fact that Deaf movements A partir do momento em
gulares, como está ocorrendo have contributed to qualitative que os surdos puderam ingres-
changes and points out the fact sar nas escolas, começaram as
that Deaf inclusion in the scho- políticas para essa educação
ols is a need, since the majo- formal e, dependendo de cada
rity of deaf children is not at uma dessas políticas, eles vêm
school yet. sendo denominados de defi-

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DEBATE
INES

ESPAÇO cientes auditivos (DA), pesso-


JAN-DEZ/06 as portadoras de deficiência
auditiva e pessoas com neces-
34 sidades educativas/educacio-
nais especiais.
Em 1981, no ano interna-
cional das pessoas deficientes,
houve a semente do conceito de des educativas especiais, acir-
Sociedade para Todos, quando rou o debate sobre “Sociedade
se falou de participação plena Inclusiva”, que é conceituada
e de igualdade. Dez anos mais como aquela sociedade para
tarde, em 1991, a Resolução todos, ou seja, uma sociedade
45/91 da Organização das que deve se adaptar às pessoas
Nações Unidas - ONU destaca e não as pessoas à sociedade. Em 1996, nas Normas
uma Sociedade para Todos e Por isso, nessa sociedade in- sobre a Equiparação de
coloca o ano 2010 como sendo clusiva, o Sistema Escolar de- Oportunidades para Pessoas
o limite para que as mudanças verá ser também baseado em com Deficiência, a ONU insti-
necessárias ocorram. Assim, uma escola integradora. Essa tui que todos os portadores de
terá que haver: escola passou a ser denomina- necessidades especiais “devem
• aceitação das diferenças da, a partir da política educa- receber o apoio que necessitam
individuais; cional neoliberal no Brasil, de dentro das estruturas comuns
• valorização da diversida- “Escola/Educação Inclusiva”. de educação, saúde, empre-
de humana; Em 1995, continuando go e serviços sociais (Nações
• destaque e importância nessa perspectiva de uma soci- Unidas, 1996 §26).
do pertencer, do conviver, da edade para todos, na Decla- O termo “equiparação de
cooperação, da contribuição ração de Copenhague sobre oportunidades” significa o
que gerarão vidas comunitá- Desenvolvimento Social e no processo através do qual os di-
rias mais justas. Programa de Ação da Cúpula versos sistemas da Sociedade
Em 1992, o Programa Mundial para o Desenvol- e ambiente, tais como servi-
Mundial de Ações Relativas às vimento Social, a ONU afir- ços, atividades, informações
Pessoas com Deficiência pro- ma que e documentação, são tornados
pôs que a própria sociedade Sociedade inclusiva precisa disponíveis para todos, parti-
mudasse para que as pessoas ser baseada no respeito de to- cularmente para pessoas com
com deficiência pudessem ter dos os direitos humanos e liber- deficiência (Nações Unidas,
seus direitos respeitados. dades fundamentais, diversida- 1996§24).
de cultural e religiosa, justiça
A partir de 1994, com a social e as necessidades espe-
Analisando todos esses do-
Declaração de Salamanca ciais de grupos vulneráveis e cumentos, pode-se perceber
(UNESCO) sobre necessida- marginalizados, participação que o imperativo para haver
democrática e a vigência do di- uma “Sociedade Inclusiva”
reito (1995:9). perpassa pela inclusão na es-
cola, no trabalho, no lazer e

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.34, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
nos serviços de saúde, mídia entre outros. Trazendo a questão para
um grupo diversificado de excluídos que são os “portadores de defi- 35
ciência”, nesse processo de inclusão, a sociedade deveria adaptar-se
às suas necessidades específicas, constituindo-se a partir:

1. �����������������������������
da solidariedade humanística,
2. �����������������������������
da consciência de cidadania,
3. �����������������������������������������������
da necessidade de desenvolvimento da sociedade,
4. ������������������������������������������������
da necessidade de melhoria da qualidade de vida,
5. ����������������������������������
do combate à crise no atendimento, Em 1996, a Coordenadoria
6. �����������������������������
do cumprimento da legislação, Nacional para Integração
7. ��������������������������
do investimento econômico, da Pessoa Portadora de
8. �������������������������������������������
do crescimento do exercício do empowerment. Deficiência realizou uma
Câmara Técnica, que resultou
no documento “Resultado da
Esses oito imperativos têm Muitas capitais e municipali- Sistematização dos Trabalhos
como alicerce o processo de dades já tiveram seus Projetos da Câmara Técnica sobre o
rejeição zero, independência, de Lei para Oficialização da Surdo e a Língua de Sinais”,
autonomia e empowerment, LIBRAS, como língua na- com participantes de todo o
entendendo este último como tural das comunidades sur- Brasil, ouvintes e surdos, quan-
“o processo pelo qual uma pes- das brasileiras, aprovados do consubstanciamos propos-
soa ou grupo de pessoas utiliza por Assembléias Legislativas tas e sugestões referendadas e
o seu poder pessoal, inerente à e Câmaras de Vereadores e, aprovadas na plenária do even-
sua condição, para fazer esco- desde 1993, esperávamos que to, a título de subsídios pa-
lhas, tomar decisões e assumir o Congresso Nacional vo- ra a legalização da Língua
o controle de sua vida”. tasse o Projeto-Lei para a Brasileira de Sinais no país e a
Concomitantemente a es- Oficialização da LIBRAS em caracterização da profissão de
sas políticas, a Federação Na- âmbito nacional e, tendo ha- intérprete.
cional de Integração dos vido muitos eventos, prin- Em 1999, na semana an-
Surdos – FENEIS - vem rei- cipalmente por iniciativa do tecedente ao V Congresso
vindicando, desde 1987, mo- MEC-SEESP, conseguiram-se Latino-Americano de Bilin-
dificações para a Educação avanços e conquistas que cul- güismo, os surdos de vários
da Pessoa Surda, lutando pe- minaram com a aprovação da estados brasileiros realiza-
la oficialização da LIBRAS, Lei 10.436 de abril 2002 e ago- ram um Encontro Nacional
pelo reconhecimento da fun- ra, em dezembro/2005, com o de Surdos que resultou no do-
ção do Instrutor Surdo e do decreto 5.626, que regulamen- cumento “Que educação nós
Intérprete de LIBRAS nas es- ta essa lei. Surdos queremos”
colas públicas e universidades.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.35, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

36
Em março de 2000, o do-
cumento acima, já entregue ao
Ministério da Educação, atra-
vés da Secretária de Educação
Especial, foi analisado pela 3 - Leis, decretos,
Câmara Técnica que formu- resoluções e portaria
aprovados em âmbito
lou propostas e sugestões para existência dessas conquistas
federal
as Diretrizes para a Educação para que conheçam seus direi-
dos Surdos, mas no Relatório tos em âmbito federal, estadu-
das Diretrizes (2001), esse do- al e municipal.
3.1 - LIBRAS – Plano
cumento nem consta na cita- Desde 1991, os surdos têm
Nacional de Educação
ção bibliográfica. conseguido aprovação de
Projeto de Lei que reconhe- Repensando a Educação no
ce a LIBRAS em quase todo Brasil, a Lei n°. 9.394/96 esta-
2 - Leis estaduais
o Brasil. Apenas quatro esta- belece as diretrizes e bases da
e municipais que
dos (Amazonas, Pará, Piauí, educação nacional e, no que
oficializaram a LIBRAS
e Tocantins) ainda não têm ser refere à Educação Especial,
Segundo o representan- leis estaduais e municipais e podemos destacar:
te da FENEIS no CONADE- dois ainda estão com projetos • Art. 58. Entende-se por
CORDE, Antônio Abreu (2003), de lei em andamento (Bahia educação especial, para os
as conquistas da comunidade e Sergipe). Em alguns esta- efeitos desta lei, a modalidade
surda estão intrinsecamente li- dos, que já possuem leis de de educação escolar, oferecida
gadas às leis aprovadas pelo le- LIBRAS, vários municípios preferencialmente na rede re-
gislativo e, por isso, a FENEIS também já possuem suas leis e, gular de ensino, para educan-
vem desenvolvendo um traba- em alguns, como, São Paulo e dos portadores de necessidades
lho de divulgação junto às en- Santa Catarina, essas leis mu- especiais”.
tidades filiadas e/ou não filia- nicipais foram aprovadas ante- • § 1º Haverá, quando ne-
das para que estas mobilizem riormente às leis estaduais e às cessário, serviços de apoio es-
e conscientizem os surdos da municipais das capitais. O pri- pecializado, na escola regular,
meiro estado a ter uma lei ofi- para atender às peculiaridades
cializando a LIBRAS foi Minas da clientela de educação espe-
Gerais, em 1991. Citando ape- cial.
nas as leis estaduais e das capi- • § 2º O atendimento edu-
tais. Felipe (2006). cacional será feito em classes,

1 Fonte: Antônio Campos de Abreu. Feneis – Conade, 2003

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.36, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

• implantado “o ensino de ESPAÇO


Língua Brasileira de Sinais JAN-DEZ/06
para os alunos surdos e, sem-
pre que possível, para seus • incentivando, “durante a 37
familiares e para o pessoal da década, a realização de estu-
unidade escolar, mediante um dos e pesquisas, especialmente
escolas ou serviços especiali- programa de formação de Ins- pelas instituições de ensino su-
zados, sempre que, em função trutores, em parceria com or- perior, sobre as diversas áreas
das condições específicas dos ganizações não-governamen- relacionadas aos alunos que
alunos, não for possível a sua tais”; apresentam necessidades espe-
integração nas classes comuns • incluído “nos currículos ciais para a aprendizagem”;
de ensino regular. de formação de professores, nos • “no prazo de três anos a
• § 3º A oferta de educação níveis médio e superior, conte- contar da vigência deste plano,
especial, dever constitucional údos e disciplinas específicas organizado e posto “em funcio-
do Estado, tem início na faixa para a capacitação ao atendi- namento em todos os sistemas
etária de zero a seis anos, du- mento dos alunos especiais”; de ensino um setor respon-
rante a educação infantil; • incluído ou ampliado, “es- sável pela educação especial,
• Art. 59. Os sistemas de pecialmente nas universidades bem como pela administração
ensino assegurarão aos edu- públicas, habilitação específica, dos recursos orçamentários es-
candos com necessidades es- em nível de graduação e pós- pecíficos para o atendimento
peciais: graduação, para formar pesso- dessa modalidade, que possa
I – currículos, métodos, al especializado em educação atuar em parceria com os seto-
técnicas, recursos educativos e especial, garantindo, em cin- res de saúde, assistência social,
organização específicos, para co anos, pelo menos um curso trabalho e previdência e com
atender às suas necessidades. desse tipo em cada unidade da as organizações da sociedade
Comprovando que nossa lu- Federação”; civil”.
ta não está sendo em vão, em
janeiro de 2001, a Lei no 10.172,
que aprovou o Plano Nacional O Plano Nacional de Educação Brasileira já
de Educação e estabeleceu que prevê, para os próximos dez anos, a inclusão
os Estados, o Distrito Federal e
da LIBRAS nos currículos de Ensino Básico
os Municípios deveriam elabo-
rar planos decenais correspon- a Surdos, e o decreto que regulamentou
dentes, não se omitiu em rela- a Lei de LIBRAS garante a inclusão da
ção aos surdos e, na parte 8, disciplina LIBRAS como disciplina obrigatória,
referente à Educação Especial,
nos cursos de formação de professores,
no item 8.3. Objetivos e Metas,
consta que, em cinco anos e ge- fonaudiologia e pedagogia. Urge, portanto,
neralizando em dez anos, deve- capacitar pessoal e produzir materiais
rá ser: didáticos que atendam a esta nova demanda
de Ensino.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.37, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06 o meio mais eficaz para se for-
3.2 - A Declaração de mar solidariedade entre crian- 3.3 - Leis para inclusão
Salamanca ças com necessidades especiais dos Surdos na Sociedade
38 e seus colegas e que as esco- para Todos
Mas, mesmo os surdos já las especiais poderiam também
tendo obtido vitórias em su- servir como centros de treina- Assim, em meio a tantas
as lutas, temos que concor- mento e de recursos para o pes- discussões, buscando qualida-
dar com a Declaração de soal de escola comum. Final- de e eqüidade na Educação pa-
mente, as escolas “ou unidades
Salamanca (1994:24) quando ra todos, em janeiro de 2001, a
especiais dentro de escolas in-
afirma no item I.10 que: tegradoras poderiam continuar Lei Federal nº 10.172 aprova o
A experiência, sobretudo a prover educação mais apro- Plano Nacional de Educação
nos países em via de desenvolvi- priada para um número relati- que, em seus objetivos e me-
mento, indica que o alto custo das vamente pequeno de crianças tas, destaca a implantação,
escolas especiais supõe, na práti- que não podem freqüentar ade-
“em cinco anos, e generalizar
ca, que só uma pequena minoria quadamente classes ou escolas
regulares (1994:12). em dez anos, o ensino da língua
de alunos, normalmente oriundos
do meio urbano, se beneficia des- brasileira de sinais para os alu-
sas instituições. A grande maioria Mas, com relação à educa- nos surdos e, sempre que possí-
de alunos com necessidades espe- ção de crianças surdas, no item vel, para seus familiares e para
ciais, particularmente nas áreas 21 afirma que: o país. Dadas as discrepâncias
rurais, carece, em conseqüência,
As políticas educativas de- regionais e a insignificante atu-
desse tipo de serviços. Em mui-
tos países em desenvolvimento, verão levar em conta as dife- ação federal, há necessidade de
calcula-se em menos de um por renças individuais e as diver- uma atuação mais incisiva da
cento o número de atendimento sas situações. Deve ser levada união nessa área.”
de alunos com necessidades edu- em consideração, por exem-
plo, a importância da lingua-
Além dessas leis relacio-
cativas especiais.
gem dos sinais como meio de nadas ao Plano Nacional de
Ainda na Declaração de comunicação para os surdos, e Educação, os surdos também
Salamanca, abordando o con- ser assegurado a todos os sur- conseguiram outras aprova-
ceito de escola integradora, es- dos acesso ao ensino da lingua- ções de leis, decretos, resolu-
gem de sinais de seu país. Face
sa propõe que às necessidades específicas de
ções e portarias importantes,
nas escolas integradoras as comunicação de surdos e de tais como:
crianças com necessidades edu- surdos-cegos, seria mais con- • Lei Federal nº 8.160, de
cacionais especiais devem re- vincente que a educação lhes 08 de janeiro de 1991, que dis-
ceber todo apoio extra que elas fosse ministrada em escolas es- põe sobre a caracterização de
possam requerer para garantir peciais ou em classes ou uni-
sua educação eficaz” e que a dades especiais nas escolas co-
símbolo que permita a identifi-
escolarização integradora seria muns. (1994:30). cação de pessoas portadoras de
deficiência auditiva;

1
O grifo é nosso para destacar que é justamente esse o problema aqui no Brasil, cuja diminuição de recursos para a área de educação tem gera-
do a crise que as instituições públicas nos três níveis de ensino (fundamental, médio e superior) estão vivenciando. 

2
Leia-se Língua de sinais. 

3
O grifo é nosso.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.38, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

ESPAÇO
• Resolução TSE nº 14.550, outras providências. Nessa lei, das (eqüidade), tantas quantas JAN-DEZ/06
de 01 de setembro de 1994, destaca-se que: forem necessárias, com vistas
do Tribunal Superior Eleitoral A democracia, nos termos à busca da igualdade. O prin- 39
– TSE, que institui na propa- em que é definida pelo Artigo cípio da eqüidade reconhece
ganda eleitoral gratuita na TV, I da Constituição Federal, esta- a diferença e a necessidade de
a utilização de intérprete de belece as bases para viabilizar haver condições diferenciadas
a igualdade de oportunidades,
LIBRAS – Língua Brasileira e também um modo de socia-
para o processo educacional.
de Sinais; bilidade que permite a expres- Como exemplo dessa afir-
• Portaria nº 1.679, de 02 são das diferenças, a expressão mativa, pode-se registrar o di-
de dezembro de 1999, e Porta- de conflitos, em uma palavra, a reito à igualdade de oportuni-
ria nº 3.284, de 7 de novem- pluralidade. Portanto, no des- dades de acesso ao currículo
dobramento do que se chama
bro de 2003, do Ministério da de conjunto central de valores,
escolar. Se cada criança ou jo-
Educação, que dispõe sobre devem valer a liberdade, a tole- vem brasileiro com necessi-
requisitos de acessibilidade de rância, a sabedoria de conviver dades educacionais especiais
pessoas portadoras de deficiên- com o diferente, tanto do pon- tiver acesso ao conjunto de co-
cias, para instruir os processos to de vista de valores quanto de nhecimentos socialmente ela-
costumes, crenças religiosas,
de autorização e de reconheci- expressões artísticas, capacida-
borados e reconhecidos como
mento de cursos, e de creden- des e limitações. necessários para o exercício
ciamento de instituições; da cidadania, estaremos dan-
• Lei no 10.098 de 19 de A consciência do direito de do um passo decisivo para a
dezembro de 2000, que esta- constituir uma identidade pró- constituição de uma sociedade
belece normas gerais e crité- pria e do reconhecimento da mais justa e solidária.
rios básicos para promoção identidade do outro traduz-se A forma pela qual cada alu-
da acessibilidade das pessoas no direito à igualdade e no res- no terá acesso ao currículo
portadoras de deficiência ou peito às diferenças, asseguran- distingue-se pela singularida-
com mobilidade reduzida e dá do oportunidades diferencia- de. O cego, por exemplo, por
meio do sistema Braille; o sur-
do, por meio da língua de si-
A consciência do direito de constituir uma nais e da língua portugue-
identidade própria e do reconhecimento sa; o paralisado cerebral, por
da identidade do outro traduz-se no direito meio da informática, entre ou-
à igualdade e no respeito às diferenças, tras técnicas.”
Nessa Lei, em seu Artigo
assegurando oportunidades diferenciadas 2o, acessibilidade é definida
(eqüidade), tantas quantas forem necessárias, como sendo a possibilidade e
com vistas à busca da igualdade. O princípio condição de alcance para uti-
da eqüidade reconhece a diferença e a lização, com segurança e au-
tonomia, entre outras coisas,
necessidade de haver condições diferenciadas dos sistemas e meios de comu-
para o processo educacional. nicação e, barreiras na comu-
nicação é definida como sendo

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.39, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES
Face às necessidades específicas de
ESPAÇO
comunicação de surdos e de surdos-cegos,
JAN-DEZ/06
seria mais convincente que a educação lhes
40 fosse ministrada em escolas especiais ou em
classes ou unidades especiais nas escolas
do uma criança ainda não po-
comuns (1994:30).
de fazer sua própria opção e a
maioria dos pais não é orienta-
formação às pessoas porta-
qualquer entrave ou obstáculo doras de deficiência auditiva
da para a necessidade da crian-
que dificulte ou impossibilite a (Artigo 19). ça surda adquirir a LIBRAS,
expressão ou o recebimento de como sua primeira língua.
mensagens por intermédio dos Diante do exposto, é pre- Com relação a se ter profes-
meios ou sistemas de comu- ciso ficar atento para contra- sor-intérprete em sala de au-
nicação ou de massa. No seu dições nas Leis e Programas la, parece também equivocada
Capítulo IV, Da acessibilida- já existentes uma vez que, al- esta proposta, já que, por me-
de nos edifícios públicos ou de guns desses programas, ba- lhor que seja o intérprete, es-
uso coletivo, no Artigo 12, está seando-se e citando a própria te nunca poderá substituir um
decretado que: Declaração de Salamanca na professor e sempre o proces-
os locais de espetáculos, con- parte referente às políticas edu- so interativo tão necessário à
ferências, aulas e outros de na- cacionais para surdos, inserin- aprendizagem será prejudica-
tureza similar deverão dispor de do-os na proposta neoliberal do, e para o surdo é fundamen-
espaços reservados para pessoas de escola inclusiva, não estão tal que o professor saiba e uti-
que utilizam cadeiras de rodas, e
de lugares específicos para pes-
considerando a advertência da lize a LIBRAS, devendo ser
soas com deficiência auditiva e Declaração, ou seja: essa a língua de instrução uti-
visual. Face às necessidades es- lizada pelo professor-educador
pecíficas de comunicação e não apenas por um intérprete
No Capítulo VII- Da aces- de surdos e de surdos-ce- (Felipe, 1999).
sibilidade nos sistemas de co- gos, seria mais convincen- O processo educacional de
municação e sinalização, no te que a educação lhes fosse pessoas surdas deve ser vis-
Artigo 18, estabelece que: ministrada em escolas espe- to sob a perspectiva do direi-
ciais ou em classes ou unida- to de igualdade de oportunida-
O Poder Público implemen-
tará a formação de profissio- des especiais nas escolas co- des, expresso na Constituição
nais intérpretes de ... língua de muns (1994:30). Federal nos artigos 205, 208 e
sinais ... para facilitar qualquer Há também orientações na LDB artigos 4ª, 58, 59 e 60.
tipo de comunicação direta...”
e que “os serviços de radiodi-
contraditórias, já que pode-se Tal direito lhes vem sendo ne-
fusão e de sons e imagem ado- encontrar referências em dire- gado, fato que pode ser obser-
tarão plano de medidas técni- trizes e Leis, que afirmam ca- vado pelo irrisório número de
cas com o objetivo de permitir ber aos pais e aos próprios sur- alunos nos níveis mais eleva-
o uso da linguagem de sinais dos optar pelo tipo de escola, dos de ensino.
ou outra subtitulação, para ga-
rantir o direito de acesso à in-
mas por outro lado querem as- Pelos dados abaixo, pode-
segurar o ensino infantil quan- se perceber como é de extre-
ma importância e urgência que

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.40, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES
Diante desses dados, só nos
resta perguntar: onde estão os ESPAÇO
710.320 surdos excluídos, vi- JAN-DEZ/06
vendo ainda uma Idade Média
em pleno século XXI e como 41
inseri-los no sistema escolar
medidas sejam tomadas no sentido de promover uma verdadeira in- para eles terem chance de uma
clusão escolar dos surdos, o que implica repensar, também, o que inclusão social e não precisa-
vem a ser uma educação de qualidade para os surdos, porque não rem receber aposentadoria aos
basta a inclusão deles no sistema escolar; eles têm que conseguir fi- dezoito anos de idade?
car e terminar o ensino médio, já que dos pouquíssimos que conse- Como nosso sistema escolar
guem estudar, apenas 3% terminam o ensino médio: não tem solucionado esse pro-
blema, as políticas assistencia-
listas vêm rotulando os surdos
de incapazes e impossibilitan-
do-os de acesso ao trabalho e
Censo Demográfico - 2000 desestimulando-os a continui-
dade dos estudos já que suas
Total c/ Idade: 0 - 17 Idade: 18 -24
surdez famílias se contentam com es-
256.884
sa aposentadoria que está tam-
5.750.805 519.460
bém se tornando renda fami-
liar e não tem beneficiado de
fato o surdo, já que não propi-
• População do município do Rio de Janeiro: 5.551.000; cia uma inclusão escolar e so-
cial.

Censo Escolar 2003 (MEC/INEP)


3.4 - Importância da
Total Surdos Ensino Médio regulamentação da lei
Ensino Básico Ensino Superior
matriculados Concluído 10.436
56.024 2.041 344
Paralelamente a todos esses
processos de lutas, conquistas
• Total de crianças e jovens surdos de 0 a 24 anos. . . 766.344; e equívocos, em âmbitos muni-
• Total de surdos matriculados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56.024; cipais, estaduais e federais, já
• Taxa de analfabetismo de 7 a 14 anos (28%) . . . . . . . . . 15.686; mencionados acima, os surdos
• Crianças surdas pobres. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55% vinham lutando pela oficiali-
• Ensino Médio Concluído (3%). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.041; zação da LIBRAS em âmbi-
• Ensino Superior iniciado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 344; to nacional. Assim, através de
• Ensino Superior na Rede privada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90% um Projeto de Lei da Senadora
• Total Surdos excluídos do sistema escolar. . . . . . . . . 710.320 Benedita (PT-Rio), em 1993,
começou a luta para a oficia-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.41, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES
lização da LIBRAS em âmbito Infelizmente, o que estamos verificando é
ESPAÇO federal e, como apoio do MEC-
que, em nome de uma Política de Inclusão,
JAN-DEZ/06 SEESP, conseguimos a aprova-
ção da Lei de LIBRAS. as políticas estaduais e municipais estão
42 Após essa vitória e como acabando com suas classes especiais e
a luta deveria continuar, cor- inserindo os Surdos nas classes regulares
reu-se em busca da regula-
sem propiciar-lhes as mínimas condições
mentação dessa lei. Assim,
em 2002, a SEESP, a SESu e de eqüidade para uma verdadeira
Ministério da Saúde se ar- aprendizagem, uma vez que não há
ticularam para elaborar a intérpretes, não está havendo discussões
Proposta de Regulamentação
sobre adaptações curriculares a LIBRAS
da Lei de LIBRAS e, em mar-
ço, a Secretaria de Educação não está sendo a língua de instrução e os
Especial estabeleceu con- professores, em sua maioria, não estão
tatos, via e-mail, com vá- recebendo orientação e formação para
rias Secretarias dos ministé-
poderem fazer um trabalho adequado com
rios, com a CORDE e com a
FENEIS, solicitando suges- seus alunos “surdos-mudos”.
tões que foram incorporadas à
Proposta de Regulamentação
que foi re-elaborada. Em 2005, por solicitação de ção dos surdos, propiciou seu
Em outubro de 2004, se- várias instituições, esse prazo reconhecimento de cidadania
gundo a Assessora da foi prorrogado até 04/04/2005, pela sociedade e, para os sur-
Coordenadoria de Educação para que houvesse uma maior dos o marco desse reconhe-
Especial, Prof. Marlene de abrangência no debate com a cimento está na aprovação da
Oliveira Gotti, houve uma participação de: universida- Lei n.º 10.436, de 24 de abril
reunião no Ministério do des, escolas, instituições de e de 2002, que reconheceu como
Planejamento, com repre- para surdos. meio legal de comunicação e
sentantes dos ministérios da Após essa data, acontece- expressão a Língua Brasileira
Saúde, da Justiça - CORDE e ram câmaras técnicas, com re- de Sinais - LIBRAS e seu
da Casa Civil, quando se tratou presentantes de universidades, Decreto n.º 5.626.
da questão da Regulamentação ministérios e sociedade ci- Assim, em 22 de dezem-
da Lei 10.436 sendo nomeada vil organizada, relacionadas à bro de 2005, conseguimos fi-
uma comissão com integrantes área da surdez, quando se dis- nalmente a aprovação e as-
do Gabinete da Casa Civil, que cutiu uma proposta final para sinatura, pelo Presidente da
teve um prazo de 45 dias para o decreto de regulamentação República, Luis Inácio Lula da
concluir o trabalho sobre a regu- da Lei de LIBRAS. Silva, desse decreto que regu-
lamentação dessa Lei. Hoje, quase vinte anos após lamenta a Lei de LIBRAS.
a fundação da FENEIS, pode- Esperava-se que esse De-
mos verificar que a mobiliza- creto, que regulamentou a
Lei de LIBRAS, possibilitas-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.42, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
se uma garantia de mudanças
no que há de mais avançado, 43
política e educacionalmen-
te, como uma efetiva afirma- Português, sendo totalmen- vulgar as informações e os co-
ção dos Direitos Humanos e te inapropriada e desumana nhecimentos sobre e para as
Direitos lingüísticos, incorpo- a inclusão desses alunos sur- Comunidades Surdas e garan-
rando o que já se produziu no dos com os ouvintes em uma tir o ingresso e permanência
país, fruto das mobilizações classe regular, uma vez que a dos surdos no mercado de tra-
coletivas e sociais na área da perspectiva de ensino-apren- balho, como cidadãos compe-
Educação de Surdos mas, infe- dizagem está somente foca- tentes e produtivos, em igual-
lizmente, o que estamos verifi- da para os ouvintes. Os surdos dade de condições com os
cando é que, em nome de uma não estão conseguindo apren- ouvintes.
Política de Inclusão, as políti- der o mínimo necessário para
cas estaduais e municipais es- uma comunicação e leitura de
4 - LIBRAS – direito dos
tão acabando com suas classes mundo, daí já termos um con-
surdos
especiais e inserindo os sur- tingente de crianças e jovens
dos nas classes regulares sem fadados a receberem aposen- Em janeiro de 2001, a Lei
propiciar-lhes as mínimas con- tadoria por incompetência que no 10.172, que aprovou o Plano
dições de eqüidade para uma não é deles, mas de uma polí- Nacional de Educação e estabe-
verdadeira aprendizagem, uma tica educacional inadequada e leceu que os Estados, o Distrito
vez que não há intérpretes, não ineficiente para atender às ne- Federal e os Municípios deve-
está havendo discussões so- cessidades educacionais espe- riam elaborar planos decenais
bre adaptações curriculares, a cíficas dos surdos. correspondentes, não se omitiu
LIBRAS não está sendo a lín- Para podermos cumprir as em relação aos surdos.
gua de instrução e os professo- leis e oferecer uma educação Na parte 8, referente à
res, em sua maioria, não estão com eqüidade para os Surdos, Educação Especial, no item 8.3.
recebendo orientação e forma- um desafio apresentado aos Objetivos e Metas, consta que,
ção para poderem fazer um tra- educadores é desenvolver mé- em cinco anos e generalizan-
balho adequado com seus alu- todos de ensino e materiais di- do em dez anos, deverá ser: im-
nos “surdos-mudos”. dáticos que ofereçam aos alu- plantado
O que temos verifica- nos surdos uma educação de o ensino de Língua Brasi-
do, na maioria dos Estados, é qualidade, proporcionando- leira de Sinais para os alunos
que os surdos não conhecem a lhes experiências necessárias surdos e, sempre que possí-
LIBRAS e também não sabem para sobreviverem às exigên- vel, para seus familiares e para
o pessoal da unidade escolar,
cias e necessidades do mundo mediante um programa de for-
atual. Outro desafio, apresen- mação de Instrutores, em par-
tado a toda a sociedade, é di- ceria com organizações não-
governamentais.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.43, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
Nesse mesmo ano de 2001,
44 foi realizado, em Brasília, um
seminário que teve como resul-
tado a proposta de Elaboração
do Programa Nacional de
Apoio à Educação dos Surdos,
cuja responsabilidade de exe-
cução ficou a cargo da FENEIS
e dos Poderes Públicos, quan-
do foram realizadas as seguin- Assim, a FENEIS, des-
tes atividades: de 2001, através de convênios
• implementação em nível com o MEC-SEESP-FNDE,
nacional, o Plano Estratégi- vem promovendo cursos pa-
co para divulgação e uso da ra Capacitação de Instruto­res
LIBRAS, através de cursos, de LIBRAS e Curso Básico de FNDE vem oferecendo cur-
divulgação através da mídia LIBRAS para professores das sos básicos de LIBRAS e
sobre a importância dessa lín- redes estaduais de educação cursos de capacitação para
gua para a educação de surdos; em todos os Estados, mas ain- instrutores, quando também
realização de cursos básicos de da faltam políticas estaduais é feito um aprofundamento
LIBRAS (LIBRAS em Con- para o ensino da LIBRAS pa- na metodologia LIBRAS em
texto) e cursos para profes- ra as crianças surdas e seus Contexto, para os Instrutores
sor-intérprete, oferecidos para familiares, uma vez que esta que fizeram o curso em 2001
professores de todas as redes língua deve ser adquirida des- e já estão ministrando cursos
estaduais de educação, e cursos de a Educação Infantil e deve em seus Estados.
de metodologia para ensino de ser ensinada enquanto disci- O Programa Interiori-
LIBRAS que têm capacitado plina no Ensino Básico. zando a LIBRAS, através
surdos para serem Instrutores A partir de 2004, com o de convênios anusais com a
de LIBRAS; Programa Nacional Interio- APADA e em parceria com a
• distribuição de livros, fi- rizando a LIBRAS, o MEC- Universidade de Brasília e as
tas, CDs e dicionários sobre a SEESP-FNDE, e dando con- secretarias de educação de to-
LIBRAS para as redes públi- tinuidade ao programa ante- dos os Estados, tem oferecido
cas de todos os Estados; rior, estamos levando, agora, também cursos para Professor-
• criação, nos 27 Estados, a LIBRAS para cidades do intérprete e Português como se-
dos Centros de Atendimento interior dos Estados brasilei- gunda língua.
a Surdos e de Capacitação de ros. Portanto, através de con- O compromisso de efeti-
Profissionais da Educação na vênios anuais com a FENEIS var tal Programa, assumido
Área da Surdez – CAS; e em parceria com todas as pela Secretaria de Educação
secretarias de educação dos Especial do MEC, demonstra
Estados, o MEC-SEESP- seu respeito e reconhecimen-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.44, janeiro - dezembro/2006
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INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

45
to do papel da FENEIS na de- com as SEDUCs – tem conse- mas estaduais ou municipais
fesa dos direitos de cidada- guido realizar em todo o país de educação prevê sua forma-
nia dos Surdos brasileiros e, uma divulgação da LIBRAS, ção continuada, e os cursos
principalmente, a atuação de cuja meta primordial tem sido de Língua Brasileira de Sinais
nossa Federação em prol da a formação continuada de pro- que têm sido oferecidos estão
EDUCAÇÃO DOS SURDOS. fissionais para atuarem com sendo um fator de enriqueci-
O Plano Nacional de Edu- Instrutores de LIBRAS. mento profissional sem prece-
cação Brasileira já prevê, pa- Tal meta é ousada, se se le- dentes.
ra os próximos dez anos, a in- var em consideração que as O processo educacional de
clusão da LIBRAS nos currí- agências formadoras de pro- pessoas surdas, como já foi di-
culos de Ensino Básico para fissionais da educação (insti- to, deve ser visto sob a pers-
surdos e o decreto que regula- tuições de ensino superior, ins- pectiva do direito de igualdade
mentou a Lei de LIBRAS ga- titutos de educação, escolas de oportunidades, expresso na
rante a inclusão da discipli- normais) não oferecem, ainda, Constituição Federal, nos arti-
na LIBRAS, como disciplina essa formação. gos 205, 208 e na LDB, artigos
obrigatória, nos cursos de for- Os surdos, embora sem ti- 4ª, 58, 59 e 60.
mação de professores, fono au- tulação acadêmica para o ensi- Tal direito lhes vem sendo
diologia e pedagogia. Urge, no de línguas, são proficientes negado, já que quase a totalida-
portanto, capacitar pessoal e na língua brasileira de sinais. de das escolas estaduais e mu-
produzir materiais didáticos Assim, a FENEIS vem reali- nicipais que têm atendido os
que atendam a essa nova de- zando cursos para professores surdos na rede regular de en-
manda de Ensino. (surdos e ouvintes), bem co- sino não estão preparadas para
mo cursos para formação de oferecer uma educação de qua-
intérpretes, visando a melho- lidade para os surdos porque o
6 - À guisa de conclusão
ria da educação de alunos sur- que se tem verificado tem si-
Tendo em vista que a língua dos matriculados na Educação do a simples “inclusão” des-
através da qual o surdo se ex- Básica. ses alunos nas salas de e para
pressa e compreende com fa- Considerando a extrema ouvintes e as salas de reforço,
cilidade é a língua de sinais e carência de professores com quando funcionam, não estão
que seus professores, mesmo formação em LIBRAS e a dando conta de fazer um tra-
os especialistas em deficiên- conseqüente formação de in- balho que supra essa deficiên-
cia auditiva, necessitam de es- térpretes, justificou-se assu- cia da inclusão inadequada dos
tudá-la para utilizá-la em sala mir o desafio. surdos.
de aula, a FENEIS - em parce- A carreira dos professo-
ria com o MEC, com as IES e res que fazem parte dos siste-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.45, janeiro - dezembro/2006
DEBATE
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.47, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
A política de cotas raciais nas
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

48 universidades públicas brasileiras: a


ética das cotas no olhar dos cotistas
Ana Paula Bastos Arbache*
*Doutora em Educação pela PUC/SP. Mestre em Educação pela UFRJ. Consultora em Ética e Responsabilida-
de Social Empresarial. Lecionou na Universidade Federal de São João Del-Rei. Autora de A Formação do Educa-
dor de Pessoas Jovens e Adultas Numa Perspectiva Multicultural Crítica. Autora de artigos nacionais e internacio-
nais referentes à área de multiculturalismo, políticas afirmativas, ética e educação de pessoas jovens e adultos
paula@arbache.com.br
Material recebido em junho de 2006 e selecionado em junho de 2006.

Resumo desse propósito abordo, primei- do, considerando a política de


ramente, os discursos e ações cotas raciais da UERJ/2003,
Este estudo tem como pro- que envolvem a política de co- como sendo um sistema ético
pósito responder à pergun- tas raciais em nosso país; em crítico, tendo-se os estudan-
ta: em que medida a experiên- seguida, apresento a questão tes cotistas como sujeitos des-
cia inaugural da implantação da identidade racial no Brasil, sa ação. Considero, ainda, que
da política de cotas raciais na tendo como foco a construção a experiência pioneira da polí-
Universidade do Estado do Rio da(s) identidade(s) negra(s) tica de cotas raciais na UERJ
de Janeiro (UERJ), em 2003, sob o suporte da Teoria so- amplia as oportunidades para
resiste a uma crítica ética ten- ciocultural; prosseguindo, negros e pardos no ensino su-
do as vozes dos estudantes co- trago o estudo de caso realiza- perior brasileiro.
tistas autodeclarados negros do na UERJ no período entre Palavras-chave: UERJ; Ne-
ou pardos como protagonistas? 2003 e 2005, buscando analisar gros e Pardos; Políticas Afir-
O estudo tem como objetivo a política de cotas raciais dessa mativas; Cotas; Ética; Dussel.
aprofundar tal discussão, com Universidade, por meio das vo-
um olhar ético, sobre a políti- zes dos estudantes cotistas ra-
ca contemporânea da reserva ciais, de um ponto de vista da
de vagas/cotas raciais no ensi- Ética da Libertação, de Enrique
no superior. Para a realização Dussel (2002). Finalizo o estu-
1
Este estudo tem como referência a Tese escrita pela autora, cujo título é: “A política de cotas raciais na universidade pública brasileira: um
desafio ético” e defendida em 19/04/2006 na PUC/SP.

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EDUCAÇÃO INES

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JAN-DEZ/06

Abstract 49
quotas in the present days. For
This study aims to answer discussing the politics of racial
the following question: at quotas in UERJ, I relied theo-
which extent the inaugural retically on Dussels’ “Ethics of
experience for establishing the Liberation” (2002). This study
politics of racial quotas in Uni- confirmed that the system of
versidade do Estado do Rio racial quotas in UERJ/2003 As universidades pioneiras na
de Janeiro – UERJ, in 2003, can be considered a critical implantação dessas cotas são
resists to an ethical criticism ethical system, having the quo- as universidades estaduais do
having the voices of the quo- tists as subjects of this action. Rio de Janeiro – Universidade
tist students self-declared Bla- Key words: UERJ; Blacks do Estado do Rio de Janeiro
cks or Browns as the protago- and Browns; Affirmative Poli- – UERJ e Universidade do
nists? The study here proposed tics; Quotas; Ethics; Dussel. Norte-Fluminense – UENF,
has the objective of deepening que vivem, desde 2003, os de-
such discussion, from an ethi- safios e conquistas dessa polí-
1 - As cotas:
cal vision upon the current tica afirmativa de inclusão.
discursos e ações
policy of the reserve of racial O debate em torno das cotas
quotas in University. In order Há um debate intenso na so- se arrefeceu devido à aprovação
to accomplish this proposal, ciedade brasileira e isto se de- do Projeto de Lei PL-73/1999,
the study presents a case study ve à polêmica gerada em torno apresentado pela Deputada
performed in UERJ in 2003, da regulamentação de reser- Federal Nice Lobão do PFL,
2004 and 2005, and intends va de vagas para estudantes da na Comissão de Constituição e
to analyze it critically from a escola pública, com sub-cotas Justiça e de Cidadania (CCJC)
point of view of Enrique Dus- para negros, pardos e índios. A em 08/02/2006. O mesmo cria
sels’ Ethics. The research for reserva de vagas no ensino su- o sistema de cotas nas univer-
this theme made me to focus perior, mais conhecida como sidades federais, ou seja, 50%
on the history of universities in cotas, já é uma realidade no das vagas serão reservadas pa-
Rio de Janeiro, particularly the país. Segundo o Ministro da ra estudantes da escola pública
UERJ’s trajectory. It also led Educação Fernando Haddad e um sub-percentual dessas se-
me to study the historical posi- (2006), cerca de 31 institui- guirá para negros e índios, de
tion of the Black people in Rio ções adotaram as cotas com acordo com a proporção des-
de Janeiro, in the perspective sucesso e com elas cresce a sas populações em cada es-
of relating their past demands idéia da bolsa de permanên- tado. Também estabelece um
with the conquest of the racial cia para o estudante cotista. prazo de até quatro anos para

2
O Projeto da Deputada Nice Lobão está registrado no Portal da Câmara dos Deputados sob o Título de Consulta Tramitação das Proposi-
ções. O projeto está disponível em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes e foi acessado pela autora em 5 de junho de 2006.

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EDUCAÇÃO
ESPAÇO afirma sua posição, relatada na
JAN-DEZ/06 ocasião da implementação das
cotas na UERJ em 2003, con-
50 siderando que o índice de 10%
seria razoável para permitir
a ascensão social de um seg-
Congresso Nacional, que tam- mento desfavorecido e que co-
bém estabelece o sistema de tas de 50% e 40% são injustas
cotas nas universidades fede- e violam o princípio de igual-
rais. Ainda, nesse traçado de dade (O Globo, 09/02/2006).
programas que buscam de- Alguns integrantes desse gru-
mocratizar o acesso ao ensi- po traçam considerações a res-
a implementação total das co- no superior, já está em vigor o peito dos conceitos de mérito e
tas, sendo a reserva realizada (ProUni) – Universidade para excelência acadêmica, conside-
em todos os cursos e turnos Todos e o Programa de Ações rando que as cotas podem ferir
das universidades. No entan- Afirmativas para a População a aplicação desses conceitos na
to, o Plenário da Câmara dos Negra nas Instituições Públi- avaliação universitária. Entre
Deputados aprovou recurso em cas de Educação Superior os que corroboram com este ar-
21/03/2006, contra a aprecia- (UniAfro). gumento, está a Confederação
ção conclusiva da Comissão Complexa e abrangente, a Nacional dos Estabelecimentos
e, em 12/04/2006, foi aprova- polêmica em torno das cotas de Ensino (Cofenen), que tam-
do o pedido da Deputada Neide passa por diferentes posiciona- bém se anunciou contrária às
Aparecida, da Comissão de mentos: cotas. Para o Presidente da en-
Educação e Cultura para a re- a) Um primeiro grupo que tidade, Geraldo Paiva Dornas,
alização de seminário conjun- é radicalmente contra a imple- as cotas não são uma solução
to com a Comissão de Direitos mentação dessas ações julgan- para a baixa qualidade do ensi-
Humanos para a discussão da do que são inconstitucionais, no público e isto poderá fazer
proposta de cotas no ensino su- pois ferem o princípio da igual- cair a qualidade dos profissio-
perior. Desta forma, o Projeto dade. Este argumento é coadu- nais que deixam as universi-
ganhou um ritmo mais lento, nado por professores univer- dades (O Globo, 11/02/2006).
retardando, com isso, a imple- sitários do campo do Direito, Isto poderia gerar um proces-
mentação do mesmo e agre- como Manoel Ferreira Filho da so de estigmatização dos di-
gando diferentes posições: po- USP, que relata que o Projeto plomas de negros e pardos
líticas, acadêmicas, sociais e viola o princípio da igualdade, egressos de universidades que
da mídia. por exceder o que seria razoá- adotam o sistema de cotas ra-
Vale ressaltar o tex- vel numa política de correção ciais. Outro ponto abordado é
to do Projeto da Reforma de desigualdades. Nesse argu- a questão da (in) definição ra-
Universitária assinado pe- mento, também está inserida cial em nosso país, por ser um
lo Presidente da República a questão da proporcionalida- país “mestiço”. O professor
Luís Inácio Lula da Silva, em de das cotas. O professor Luís Francisco Salzano, da UFRS,
08.06.2006, e encaminhado ao Roberto Barroso, da UERJ, re- pensa que a questão das co-

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tas pode fomentar o racismo.
O estudioso em genética consi-
2 - O cotista racial: uma
dera complexa a discussão, que
questão de identidade(s)
pode ficar ainda mais difícil se
os estudantes sentirem-se pre-
judicados e resolverem provar 2.1 - Identificação racial
que têm ancestralidade africa- no Brasil: uma questão
na ou ameríndia, por meio da c) Num terceiro grupo, es- histórica
análise de seus marcadores de tão aqueles que são favorá-
DNA (O Globo, 10/02/2006). veis, mas defendem um maior Uma das argumentações
Assim, esta questão recai di- tempo para a implementação contrárias à implementação
retamente sobre a polêmica do das mesmas. Este é o caso da de cotas para negros em nos-
uso da autodeclaração racial ANDIFES, que argumenta em so país se instala sobre a inde-
nos processos de seleção dos favor da autonomia universitá- finição da identificação racial
vestibulares. Outros aspectos ria e requer maiores condições dos estudantes, uma vez que
também acirram as discussões para implementação das mes- vivemos em um país “mesti-
como os custos políticos e eco- mas nas universidades fede- ço”. Alguns questionamentos
nômicos que envolvem a im- rais; perpassam este pensamento:
plantação das cotas nas dife- d) Um quarto grupo é com- Como será feita a declaração
rentes regiões do país. posto por aqueles que lutam de cor/etnia nos vestibulares?
b) Num segundo grupo, es- efetivamente para que as co- Será apresentado algum tipo
tão aqueles que são favoráveis, tas sejam implementadas o de prova ou só o fenótipo re-
mas discordam quanto ao gru- mais rápido possível e pos- solve? Como definir quem é
po que deve ser beneficiado sam corrigir as desigualdades negro, pardo e branco? Como
pelas cotas. Alguns são favo- históricas, como é o caso da evitar fraudes quanto à decla-
ráveis às cotas com recorte só- ONG EDUCAFRO - Educação ração? No intuito de responder
cio-econômico, as chamadas e Cidadania para Negros e tais questionamentos, algu-
cotas sociais; Carentes e o Pré-Vestibular pa- mas universidades têm procu-
ra Negros e Carentes – PVNC. rado elaborar processos de de-
Nesse grupo, também estão claração em seus vestibulares.
movimentos raciais e sociais, A UERJ, por exemplo, deter-
que coadunam com essa políti- mina que os estudantes inte-
ca de reparação histórica, que ressados em concorrer às va-
se traduz por meio das cotas gas reservadas para estudantes
raciais. É nesse grupo que in- negros e pardos façam uma au-
siro este estudo que ora apre- todeclaração, no momento da
sento. inscrição do Vestibular.

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Outras universidades fe-
derais e estaduais que aderi-
ram ao sistema de cotas elabo-
raram diferentes critérios para da população brasileira, mos-
a identificação dos estudantes trando-se como principal for-
cotistas, como a Universidade ça na composição racial brasi-
de Brasília, a Universidade leira.
Federal do Paraná, entre ou- Como nos indica Telles
tras, que compõem o cenário (2003:50), esta visão foi sen-
das cotas em nosso país. Para do substituída pelos estudos de
essas instituições, o debate Gilberto Freyre na década de
quanto ao acesso de estudan-
tes cotistas já é uma realidade
A questão da identificação racial faz parte
e avança no sentido de garantir
a permanência e o êxito desse de nossa história. Acadêmicos brasileiros
estudante em suas instalações. desenvolveram, na virada do século e nas
A questão da identificação primeiras décadas do século XX, previsões
racial faz parte de nossa histó-
racistas de inferioridade do negro e do
ria. Acadêmicos brasileiros de-
senvolveram, na virada do sé- mulato e, com isso, propuseram a solução do
culo e nas primeiras décadas “branqueamento”, por meio da mescla de
do século XX, previsões racis- brancos com não-brancos.
tas de inferioridade do negro e
do mulato e, com isso, propu-
seram a solução do “branque- 1930. Freyre, ao mesmo tempo ma Telles (2003:2), e constitui
amento”, por meio da mescla em que minimizava a impor- a viga mestra da ideologia ra-
de brancos com não-brancos. tância do branqueamento, con- cial brasileira. Freyre apresen-
O branqueamento prescri- centrava-se nos efeitos da mis- tou uma eficiente ideologia na-
to pelos “Eugenistas” se tor- cigenação das raças. Freyre foi cional, popularizando a idéia
nou a principal sustentação pa- um dos responsáveis pelo estu- da democracia racial que do-
ra a política de imigração do do antropológico das práticas minou o pensamento sobre ra-
Brasil. No entanto, como diz culturais afro-brasileiras na ça dos anos 1930 até o começo
Telles (2003:48), o que foi um matriz da identidade nacional dos anos 1990.
processo de empardecimento emergente. A miscigenação ou Menos receptivos a essas
mestiçagem (termo derivado colocações estavam os estudos
do espanhol mestizaje) equiva- desenvolvidos por Florestan
le à mistura racial, como infor- Fernandes, que desde o início

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dos anos 50, enfocou o proble- mo moreno e o sistema do mo- termo negro vem para deses-
ma do racismo e da desigual- vimento negro usa, cada vez tigmatizar a negritude e dimi-
dade racial retirando o foco da mais, os termos negro e bran- nuir a ambigüidade empregada
miscigenação brasileira e fa- co, inserindo-os em um deba- no termo moreno.
zendo uma crítica intensa e te político de raça.
sistemática da ideologia da de- O Instituto Brasileiro
2.2 – A(s) Identidade(s)
mocracia racial. de Geografia e Estatísticas
Negra(s): uma construção
Nesse panorama e influen- (IBGE), órgão governamental
permanente
ciados pela ideologia marcan- responsável pela elaboração e
te da democracia racial, o po- coletânea dos censos popula- Hall (2003) aborda a cons-
vo negro brasileiro passa a cionais de cada década, aplica, trução da identidade negra na
assumir diferentes sistemas de desde 1950, as seguintes ca- contemporaneidade. Este au-
classificação racial de se auto- tegorias: branco, preto, pardo tor relata a respeito do fim da
identificar. Com isso, a clas- e amarelo e, em 1991 e 2000, inocência do sujeito negro, ou
sificação racial no país tornou- instituiu a categoria indígena. o fim da noção ingênua de um
se complexa e fluida. Telles No entanto, a freqüência de ca- sujeito negro essencial. Hall
(2003) nos informa que o ter- tegorização mais utilizada em considera que, ao naturalizar
mo “cor” no Brasil equivale questionários abertos é dos as diferenças, se tende a fixar
ao termo em inglês ����������
race������
, usa- termos: branco, moreno, par- este significante fora da histó-
do para expressar uma combi- do, moreno-claro, preto, negro, ria, da mudança e da interven-
nação de características físi- claro, outros (DATAFOLHA, ção política.
cas, entre essas, a cor da pele, 1995, apud Telles, 2003:108). O negro, no pensamento de
o tipo de cabelo, as formas O termo moreno é bastante as- Hall (2003), não é uma catego-
do nariz e dos lábios. O ter- sumido na classificação po- ria de essência. O autor revela
mo “cor” é especialmente usa- pular, talvez devido à sua am- a necessidade de se pensar na
do no Brasil, pois capta a idéia bigüidade. Já a utilização do diversidade e não na homoge-
de continuidade entre as cate-
gorias de raça, ou seja, supõe O ponto de partida de toda a crítica
um continuum de cores entre é a negação da vida humana, de sua
o branco e o negro, tornando a
corporalidade, de sua materialidade. Ou seja,
categoria negra consideravel-
mente evasiva. Para exempli- trata-se de considerar, em profundidade, o
ficar, o censo utiliza três ca- critério crítico material e explicar a causa da
tegorias: branco, pardo, preto. impossibilidade da produção e reprodução da
O discurso popular utiliza nas
vida humana.
categorias especialmente o ter-

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neidade da experiência negra.
54 Desta forma, cabe reconhe-
cer outros tipos de diferenças
que localizam, situam e posi-
cionam o povo negro, uma vez
que são sempre diferentes e es- raça, cor e etnia, como poten-
tão sempre negociando dife- ciais marcadores da identida-
rentes tipos de diferenças, de de negra.
gênero, sexualidade, religião, Telles (2003), Hanchard
classe social entre outras. Este (2001), Canen (2004) e Osório
processo se dá em constante (2005) consideram polêmico
negociação, com uma série de o uso da categoria raça como
posições diversas e com iden- marcador-mestre da identida-
tidades que se deslocam entre de negra. Canen (2004:54) tificar quem é negro, Osório
si. O que se procura é um ne- questiona o que significa ser (2005) questiona quem é par-
gro da cultura negra interessa- negro. A autora traça três ver- do. Para o autor, a dificuldade
do pelas estratégias culturais tentes que pensam a identi- da identificação racial reside
capazes de fazer a diferença dade negra: a racial, a étnica na ambigüidade da classifi-
e deslocar posições de poder. e a racial multiculturalmente cação parda, mais especifica-
Este negro vive em um contex- comprometida. Canen (2004) mente, na fronteira entre o par-
to com especificidade conjun- também identifica tensões do e o branco.
tural e histórica. quanto ao marcador mestre D’Adesky (2001:21 apud
Partindo das considerações – negritude, pois a negritude CANEN, 2004:68) pensa que
acima, questiono: poderíamos confina o marcador identitá- marcador identitário deveria
definir a Identidade Negra na rio aos referentes de cor e raça. estar no conceito de identida-
atualidade? Cabe pensar a A redução da identidade a es- de étnica. A identidade coleti-
constituição da identidade ne- ses aspectos essenciais, bioló- va dos negros não se limitaria
gra em seus múltiplos marca- gicos, tem sido derrubada por à cor da pele, sendo que o fenó-
dores de forma articulada e em pesquisas científicas sobre o tipo marcaria apenas a origem
permanente construção. Com genoma humano. Se a preocu- africana, a raiz da identida-
isso, não pensaríamos em uma pação de Canen (2004) é iden- de negra. No entanto, Gilroy
identidade negra, mas sim, em
identidade(s) negra(s), com- O termo “cor” é especialmente usado no
postas por diferentes marcado- Brasil, pois capta a idéia de continuidade
res. Os recentes estudos bus-
entre as categorias de raça, ou seja, supõe
cam um melhor entendimento
a respeito do que é ser negro um continuum de cores entre o branco
e de marcadores que compõem e o negro, tornando a categoria negra
essa identidade. Três catego- consideravelmente evasiva.
rias emergem nessa discussão:

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(2001, apud CANEN, 2003, p. ESPAÇO


54) ressalta que tal ênfase po- JAN-DEZ/06
de gerar um “afrocentrismo”
essencializando o continente 55
africano, em uma visão estáti-
ca de africanidade e levando a “historicamente” ocupado pe-
um congelamento do marcador la maioria branca e provenien-
identitário. te das classes mais favorecidas
Desta forma, não há um da nossa sociedade. A inclu-
consenso em torno da discus- são desse perfil de educando
são a respeito de um marcador identificar e compreender o nos cursos de graduação re-
mestre para a construção das processo de implantação de re- vela a importância de se pen-
identidades negras. Estas são serva de vagas/cotas nos cur- sar o cotidiano desses sujeitos
constituídas por uma multi- sos de graduação em 2003, em nesse contexto. Assim, deli-
plicidade de marcadores iden- decorrência da Lei Estadual no mitei como sendo os sujeitos
titários, híbridos e dinâmicos. 3.708/2001. Entre 2003 e 2005 da pesquisa os estudantes au-
Defendo, com isso, que os mo- foram realizadas 55 entrevis- todeclarados negros ou par-
vimentos negros são territó- tas  com os estudantes cotis- dos com ingresso em 2003 nos
rios privilegiados para a cons- tas da UERJ, como também cursos de graduação da UERJ,
trução e o fortalecimento da(s) foram realizadas entrevistas em quatro unidades regio-
identidade(s) negra(s). com alguns dirigentes, funcio- nais, quer sejam: a Faculdade
nários da UERJ, representan- de Formação de Professores
tes da Assembléia Legislativa (FFP) – São Gonçalo; Instituto
3 - As cotas raciais
do Rio de Janeiro e represen- Politécnico da UERJ (IPRJ)
na UERJ: do acesso
tantes da EDUCAFRO. – Nova Friburgo; Faculdade
à permanência de um
A referida Lei trouxe a de Educação da Baixada
desafio ético
obrigatoriedade de preenchi- Fluminense (FEBF) – Duque
Este estudo partiu de uma mento de 40% das vagas nos de Caxias; Campus Regional
pesquisa realizada por meio de cursos superiores e contribuiu, de Resende – Faculdade de
um estudo de caso ocorrido na de modo precursor, para alte- Tecnologia – Resende, bem
Universidade do Estado do Rio rar este cenário. Os 1999 alu- como o Campus Maracanã e o
de Janeiro (UERJ) e em seus nos autodeclarados (UERJ, Hospital Pedro Ernesto, na ci-
campi regionais, no intuito de 2003) assumiram um espaço dade do Rio de Janeiro.

3
Projetos e Leis relativos à reserva de vagas nas Universidades Fluminenses tramitados na Assembléia Legislativa do Rio de Ja-
neiro estão disponíveis no site http.www.alerj.rj.gov.br. Vale ressaltar que a Lei no 3.708/2001 foi revogada pela Lei no
4151/2003, que institui uma nova lei de cotas para acesso nas universidades públicas estaduais modificando o percen-
tual de distribuição das cotas, além de incluir o termo estudante carente e considerar o nível sócio-econômico dos candidatos. 

4
Justifica-se ressaltar que a abordagem dos estudantes ocorreu informalmente, por meio de conversa preliminar e exposição da pesquisa em
questão. Devido ao fato de a UERJ não ter divulgado a lista com os nomes dos estudantes cotistas, a abordagem ocorreu, na maioria das vezes,
com base nas características fenotípicas de negros e pardos.

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56 3.1– A Ética da
Libertação e as vozes dos
estudantes autodeclarados superior enquanto um siste-
negros ou pardos ma excludente, dominador, in-
justo, um sistema hegemônico,
Neste estudo, proponho um visto como natural e legítimo
reexame da teoria ética trazi- que, no entanto, vitimiza, ne-
da por Enrique Dussel (2002). ga, oprime, exclui a presença
O autor elabora a Ética da do negro carente de recursos
Libertação: uma ética radical, financeiros em seu contex-
pois busca uma superação do to. Com isso, evidencia-se a
pensar a modernidade e o sis- invalidade, a ilegitimidade, a brasileiros que têm a exclusão
tema-mundo para além do eu- ineficácia do sistema de ensi- étnico-racial agravada e asso-
rocentrismo, para uma respon- no superior vigente, uma vez ciada por demais exclusões co-
sabilidade radical pelo outro, que produz vítimas, nega a vi- mo a social, a econômica, a
para uma subjetividade radi- da dos negros enquanto possí- cultural, entre outras em nossa
calmente distinta - a afirmação veis integrantes do ambiente sociedade. O pensamento de
do sujeito vivo, humano con- acadêmico. A ordem estabele- Dussel favorece uma incursão
creto, ou seja, uma ética da vi- cida por esse sistema apresen- exploratória, um mapeamento,
da, sendo da vida em sua con- ta a presença real de vítimas e um modelo interpretativo pa-
cretude o critério universal da a inevitável crítica ao mesmo. ra o tratamento da temática em
ética da libertação. Dussel orienta a pensar na ne- questão, uma vez que sustenta,
Os estudos de Dussel (2002) gatividade do sistema enquan- por meio da ética da vida, mo-
partem da situação de vitimiza- to propulsora de toda crítica; mentos que viabilizam concre-
ção/opressão da vida dos sujei- com isso, coloca-se o sistema ta e factivelmente ações para a
tos (denominados de vítimas) de ensino superior vigente em necessária libertação das víti-
inseridos no contexto latino- questão. mas.
americano. Não por acaso trago A investigação baseada na A Ética da libertação na
Dussel para alinhavar meu pen- Ética da Libertação (2002) no idade da globalização e da ex-
samento com o foco deste es- cenário das cotas raciais da clusão, de Dussel (2002) é
tudo, ou seja, o sistema de co- UERJ/2003, permite um olhar considerada um dos maiores
tas raciais da UERJ/2003 sob o mais aguçado para o fato da marcos da crítica ética con-
olhar das vítimas (as quais iden- exclusão étnico-racial no ensi- temporânea. Esta objetiva
tifico como sendo os estudan- no superior brasileiro, fato este conferir mundialidade e siste-
tes cotistas autodeclarados ne- intimamente vinculado às ex- maticidade à “práxis de liber-
gros ou pardos com matrícula clusões sofridas por esses su- tação das vítimas”. Esta Ética
em 2003). jeitos no sistema-mundo glo- pensa a partir da situação re-
Desta forma, parto da de- balizado. Este estudo foca al e concreta da vida huma-
núncia do sistema de ensino sua lente na exclusão de afro- na negada ou excluída do atu-

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al processo de globalização do
capitalismo mundial e volta-se
para a intersubjetividade e fac-
tibilidade empírica fugindo do ta de cada sujeito ético. Este é
mero racionalismo. É constru- o princípio universal nessa éti-
ída por meio de categorias ma- ca crítica, visto que esta é uma
teriais e formais, dirigindo-se ética que cumpre a exigência
para a afirmação radical da da sobrevivência de um ser hu- juízos de fato, mas com consis-
vida. É uma ética comunitá- mano autoconsciente, cultural tência própria.
ria, ou seja, das comunidades e auto-responsável. A vida hu- O princípio ético-material
críticas, como os movimentos mana é o modo de realidade do universal é toda a problemáti-
sociais, econômicos, raciais, sujeito ético em sua dimensão ca da possível fundamentação
políticos, que têm como hori- racional, tendo a comunica- dialético-material, e se funda-
zonte ancorar e legitimar pro- ção lingüística como uma di- menta sob o critério material
cessos de transformação e li- mensão essencial dessa vida. universal da ética. Este prin-
bertação, bem como lutar pelo Dussel traz como critério de cípio também pode ser con-
reconhecimento dos sujeitos verdade prática as mediações siderado como um princípio
sócio-históricos emergentes adequadas para a produção, de corporalidade. É em fun-
na sociedade civil. É uma éti- reprodução e desenvolvimento ção das vítimas que se neces-
ca da maioria, considerando-se da vida de cada sujeito huma- sita esclarecer o aspecto ma-
que a maioria é excluída e viti- no em comunidade, ou seja, a terial da ética, para fundá-la e
mada. É a afirmação total da materialidade da vida humana poder, a partir dela, dar o pas-
vida humana. como critério de verdade. so crítico. A intenção da Ética
A ética de Dussel (2002) O critério material so- da Libertação é justificar a lu-
parte da razão prático-mate- bre o qual se funda a Ética de ta das vítimas por sua liberta-
rial para estabelecer o critério Dussel é universal e comunitá- ção e não argumentar a razão
de verdade, o princípio ético- rio. Trata-se de uma comuni- por conta dela mesma, uma
material universal, a partir de dade de vida. O critério ma- vez que a razão é apenas a “as-
um juízo de fato e de um enun- terial é, simultaneamente, um túcia da vida” do sujeito huma-
ciado normativo com relação à critério de verdade prática e te- no (DUSSEL, 2002:94).
vida do sujeito ético, com pre- órica. Este é o nível dos enun-
tensão de verdade prática e ciados ou juízos descritivos,
voltada ao interesse ético-ma-
terial. Esta razão está vincula-
da ao princípio da obrigação de
produzir, reproduzir e desen-
volver a vida humana concre-

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“vítimas” nessa Instituição,
58 completando, dessa maneira,
um segundo ciclo da Ética da
É o contraponto, o contra- çar o percurso ético de Dussel Libertação. As análises pro-
discurso, é o avesso, é a negati- (2002) ao percurso vivido na curam evidenciar esse traça-
vidade que compõe os alinha- UERJ/2003, desde a denúncia do ético, entre o contexto da
vos dessa ética da libertação. da ausência ou da pouca pre- UERJ/2003 e o arcabouço te-
O ponto de partida de toda a sença dos afrodescendentes órico delineado por Dussel
crítica é a negação da vida hu- no ensino superior no Rio de (2002).
mana, de sua corporalidade, Janeiro, até o cotidiano das “ví-
de sua materialidade. Ou se- timas” no contexto da UERJ.
3.1.1 - Ausência e/ou
ja, trata-se de considerar, em É oportuno esclarecer que,
a pouca presença dos
profundidade, o critério crítico neste estudo, considero como
afrodescendentes no
material e explicar a causa da sendo os momentos fundamen-
ensino superior
impossibilidade da produção tais da “Ética da Libertação”
e reprodução da vida humana. de Dussel (2002), ou seja, o Este estudo focaliza a au-
O critério da crítica é propria- momento ético-material, o sência ou a pouca presença dos
mente negativo. A negativida- momento moral-formal, e o afrodescendentes no ensino su-
de como dominação, exclusão, momento factível-ético rela- perior brasileiro. Esta ausência
como produção das vítimas, cionados ao primeiro movi- está ancorada em um processo
pela não aceitação desta exte- mento para a aprovação da Lei histórico, no qual o negro tem
rioridade e pela produção da de Cotas Raciais no 3.708/2001, como marco de seu papel na
miséria, da opressão, do tra- desde a denúncia da negação sociedade brasileira como es-
balho alienado, da vigência de originária, até a aprovação da cravo, apropriado pelo senhor
valores invertidos, da aliena- referida lei, sendo assim, traça- branco, em uma condição ser-
ção do sujeito ético, da morte do um primeiro ciclo da Ética vil. Henriques (2002) aponta
da vítima. dusseliana. para a posição de subalterni-
Para Dussel (2002:373), é O segundo movimento está dade ocupada pelos negros em
da afirmação da vida que se relacionado aos momentos se- nossa sociedade, decorrente das
pode fundamentar a não acei- guintes traçados por Dussel: desigualdades existentes entre
tação da impossibilidade de re- momento ético-crítico, mo- brancos e negros nos mais di-
produzir a mesma, sendo des- mento moral-formal anti-hege- ferentes setores da vida como
se ponto que se deve exercer a mônico e factibilidade crítica, renda, trabalho, saúde, habita-
crítica opondo-se ao ato, nor- sendo esses referidos à im- ção entre outros aspectos.
ma, instituição, sistema res- plantação das cotas raciais na Telles (2003) afirma que a
ponsável por essa negação. UERJ via Vestibular 2003, até educação está no cerne da desi-
Para uma melhor compreen- a efetivação de projetos éticos gualdade racial, como também
são deste estudo, procurei tra- factíveis para a libertação das nas desigualdades de renda,

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ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
Rio de Janeiro -que dizia que
sendo responsável pela gran- a partir do momento que você
delimita o negro como escra-
59
de parte das diferenças relati-
vo você também delimita o lu-
vas à mobilidade entre bran- gar dele na sociedade. Acho
cos e negros. Nesse sistema que isto explica tudo. O proble-
de exclusão está o ensino su- de intelectual e, sim, com con- ma não é apenas social, o pro-
perior brasileiro, que aumenta, dições financeiras. (Estudante blema é racial. Acima de tudo
consideravelmente, a distân- (b) do Curso de Direito – 1o pe- o problema é racial. (Estudan-
ríodo –Manhã/Tarde –Maraca- te do Curso de Geografia – 3o
cia racial no ingresso do mes- período – Integral – Maracanã
nã – 27/01/2004).
mo. Nas últimas três décadas, -28/04/2004).
os brancos foram os maiores [...] o negro por ser justa-
beneficiados, e de forma des- mente o pobre é muito distin- Como revela Petruccelli
proporcional, ingressaram no to do que a base de educação (2004:2), esta ausência ou pou-
ensino superior, especialmen- da classe privilegiada, onde o ca presença dos afrodescen-
negro não se enquadra. Então,
te nas universidades públicas e isso faz uma diferença enor- dentes nesse sistema de ensino
em cursos de maiores prestígio me no vestibular quando você se torna mais visível quando
social, fazendo circular o vín- avalia de forma objetiva. (Es- informada por números, pois
culo perverso entre raça e ren- tudante (a) do Curso de Direito os mesmos traçam a real e
da, Petruccelli (2004:07) 5. – 5o período –Noite –Maracanã- concreta desproporcionalida-
19/04/2005).
As falas dos estudantes co- de racial nesse nível de ensi-
tistas indicam, com maior evi- Um outro aspecto encon- no. Diante desse pensamento,
dência, como esta ausência trado nas falas dos estudan- torna-se clara a pouca presen-
ou pouca presença dos afro- tes está relacionado ao reco- ça dos afrodescendentes no en-
descendentes no ensino supe- nhecimento do Outro como sino superior.
rior reflete na vida humana sujeito ético, o Outro vitima- Os afrodescendentes brasi-
das mesmas, conforme rela- do, excluído de um determina- leiros, particularmente os re-
ta Dussel (2002:632) e como é do sistema de eticidade e, co- sidentes nas cidades do Rio de
explicitado em seguida: mo escreve Dussel (2002), este Janeiro e de São Paulo, acre-
Infelizmente para nós que momento da razão ético origi- ditaram nessa utopia possí-
somos negros temos uma renda nária é recorrente nos seguin- vel. O movimento negro se fez
inferior, justamente isso nos di- tes extratos: presente no cenário brasileiro,
ficulta a ter acesso. Isto porque primeiramente, relacionado às
quem tem acesso aos melho- O negro já foi tão discrimi-
res cursos preparatórios são nado durante tanto tempo. Eu questões religiosas, folclóricas,
as pessoas que conseguiram in- li um texto muito interessan- exóticas da raça negra, inseri-
gressar na universidade. Isto te na revista da FAPERJ- Fun- do nas chamadas associações
não tem a ver com a capacida- dação de Apoio a Pesquisa do
tradicionais. O movimento ne-

5
O estudo de Petruccelli (2004, p. 13) utiliza o termo raça em seu texto, bem como traça a seguinte categorização:branca, preta, amarela,
parda, indígena.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.59, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
constando em seu texto a ne-
ESPAÇO cessidade da autodeclaração
JAN-DEZ/06 para aqueles estudantes que
gostariam de concorrer com
60 gro foi se modificando no de- o aporte das cotas raciais; se-
correr da história do nosso país gunda, a autodeclaração como
e passou a assumir, com maior elemento de identificação das
vigor, a causa dos afrodescen- prazo, para que fosse viabiliza- identidades das “vítimas” e,
dentes. O movimento negro da a reprodução e o crescimen- neste âmbito, dois fatores po-
brasileiro contribuiu sobrema- to da vida dos negros no ensi- dem ser identificados:
neira para expor a vulnerabili- no superior. a) O oportunismo, pela “fa-
dade do povo afrodescendente cilidade” gerada para o ingres-
na sociedade brasileira. so no ensino superior público,
3.1.2 - Autodeclaração:
Os integrantes desse movi- demarcando uma dimensão de
identidade e re-
mento foram inseridos, ao lon- consciência ingênua frente a
conhecimento
go do tempo, na vida políti- esse reconhecimento;
ca do país e contribuíram para Dussel (2002) escreve que é b) A autodeclaração como
trazer maior transparência às pelo “re-conhecimento” que se fator de reafirmação identitá-
relações raciais em nossa so- descobre uma co-responsabili- ria dos afrodescendentes, in-
ciedade. Também lutaram para dade pelo Outro como vítima. dicando fontes para uma cons-
que as leis brasileiras fossem É a passagem da não consciên- ciência mais crítica, ética e
revistas, ou mesmo criadas, cia ou da posição ingênua para responsável para com aqueles
para que os afrodescendentes uma consciência ético-crítica. sujeitos, cujas vidas estão dire-
pudessem ser beneficiados pe- O sistema antes considerado tamente ameaçadas.
las mesmas, cumprindo aqui, o como natural e legítimo apare- A Lei Estadual no 3.708, de
que Dussel (2002, p. 554) con- ce diante da consciência críti- 09 de novembro de 2001, trou-
sidera como sendo a criação co-ética transfigurado em um xe em seu texto no Art. 1o o se-
dos chamados “direitos emer- sistema negativo. A crítica é o guinte texto:
gentes”, pela transformação começo da luta e é neste mo- Fica estabelecida a cota mí-
de normas, ações e sistemas mento que a “re-sponsabilida- nima de até 40% (quarenta por
de eticidade. Este é o momen- de” entra em jogo como críti- cento) para a população negra e
to da factibilidade, o qual tra- ca e transformação das causas parda no preenchimento das va-
gas relativas aos cursos de gra-
ta da possibilidade ou não de que originam a vítima como duação da Universidade do Es-
uma ação moral, segundo as vítima. tado do Rio de Janeiro - UERJ e
condições materiais para a sua Este momento incide sobre da Universidade do Norte Flu-
realização. A factibilidade éti- a passagem de reconhecimen- minense – UENF.
ca, advinda da aprovação e im- to ingênuo para uma “re-spon-
plantação das cotas raciais, de- sabilidade crítica radical” pelo Os termos negro e pardo in-
terminou o âmbito do possível, sujeito negado. Duas dimen- seridos na referida Lei, acirra-
o factível sustentável a longo sões distintas, mas intimamen- ram o debate em torno daqueles
te relacionadas estão presen- que seriam sujeitos beneficia-
tes nessa discussão: primeira, dos pela mesma. No âmbito
a elaboração do Edital de 2003 da UERJ podem-se perceber

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ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
reflexões quanto à questão da
autodeclaração requerida pe- 61
lo Edital do Vestibular/2003/
UERJ. Tal discussão foi recor-
rente no debate, não somente
no interior da UERJ e fazendo
parte também dos estudantes
cotistas, por exemplo:
Eu acho que a principal
questão levantada com re- de políticas afirmativas volta- Estadual n. 3708 de 09 de no-
lação ao sistema de cotas das para negros, mesmo sem vembro de 2001, uma “anar-
foi: Quem é negro no Bra- se considerarem negros. Para quia cognitiva” e dificultou
sil? (Estudante (b) do Curso de o autor, isto pode levar a um a aplicação objetiva da mes-
Direito – 1o período – Manhã – oportunismo, pois a possibi- ma. Considera-se, também,
Maracanã-27/01/2004).
lidade de conseguir uma va- que a autodeclaração é o crité-
Eu tenho grande preocupa- ga no ensino superior público rio mais usado nos instrumen-
ção quanto às cotas, principal- pode levar alguns brancos a se tos internacionais das Nações
mente as raciais. E a preocupa- declararem negros, estabele- Unidas e tem como objetivo
ção é a seguinte: Qual o negro cendo uma vantagem potencial estimular, fortalecer a identi-
que a gente quer colocar na
nesse reconhecimento, afirma- dade do indivíduo quanto a sua
universidade pública? (Estu-
dante (b) do Curso de Filosofia do no exemplo a seguir: própria percepção social.
– 3o período – Manhã – Mara- Eu já vi gente branca do No caso da UERJ/2003, a
canã-12/05/2004). olho azul se declarando parda autodeclaração levou os can-
ou negra para poder entrar na didatos a um momento de re-
Como se percebe, a fluidez faculdade por causa das cotas. conhecimento identitário. No
Tem muita gente que não visua-
gerada pelo sistema de iden- liza isto, essa relação cotas, ne-
entanto, alguns deles o fizeram
tificação racial em nosso país gros e desigualdade, vêem só demarcando apenas com uma
fez com que os estudantes co- um jeito de entrar na faculda- consciência ingênua a respei-
tistas colocassem em questão de. (Estudante (b) do Curso de to de sua negatividade frente
a objetividade da Lei de cotas Enfermagem – 1o período – In- ao sistema criticado. Dussel
raciais e isto influenciou os su- tegral – Maracanã-11/12/2003). (2002) comenta que o mero
jeitos que dela fizeram parte. “re-conhecimento” não é um
César (2004:272) coaduna ato ético, uma vez que não in-
com o autor acima e ressalta a clui o dever ser, o compromis-
a) O oportunismo: negro
falta de um critério para deter- so ético de luta para negar a
loiro de olhos azuis
minar a afrodescendência dos dor das vítimas. Mas, muitos
Telles (2003:292) alerta que candidatos. Para a autora, o deles fizeram a opção pela re-
muitos pardos se beneficiaram termo pardo trouxe, para a Lei serva conscientes de um maior

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ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO 3.1.3 - A ética nas cotas
JAN-DEZ/06
raciais: do acesso à
permanência
62
rar algum dano sofrido por al- No contexto da UERJ, al-
compromisso para com o “re- gum grupo étnico, racial, por guns estudantes não foram
conhecimento” que, naquele alguma questão histórica. (Es- motivados a reconhecer com
tudante (b) do Curso de Direi-
instante, firmavam não só com maior responsabilidade sua
to – 1o período – Manhã/Tarde
eles mesmos, mas com os futu- – Maracanã- 27/01/2004). condição de vítima e, com is-
ros cotistas raciais. so, não promovendo o avanço
Indiferente de você ter uma da tomada de consciência da
noção de que raça existe ou exclusão, como escreve Dussel
b) A autodeclaração como não existe um fator no Bra-
(2002:421). No entanto, isto
fator de reafirmação sil de pessoas que se declaram
negras e outras que se decla- não foi consenso no interior
identitária
ram brancas. Você tem não tem da Universidade, sendo possí-
Dussel (2002:466) consi- como ficar no meio termo, ou vel encontrar nas falas dos re-
dera que é por meio desse “re- você é negro ou você é branco presentantes da Universidade
ou mestiço. Alguma coisa você
conhecimento” que ocorre a ações voltadas para o fortaleci-
é. Se você negro não se decla-
tomada de consciência ética ra como negro ou como pardo mento e a inserção mais cons-
monológica, que se transfor- você está dizendo que não sabe ciente desses estudantes cotis-
mará em um ato comunitário. qual é a sua cor. (Estudante (a) tas no ambiente acadêmico.
A partir da afirmação do seu do Curso de Filosofia – 3o pe- Vencido o desafio da po-
ríodo – Manhã – Maracanã-
próprio ser valioso que avan- lítica de acesso a estudantes
12/05/2004).
çará para uma luta de liberta- cotistas, a UERJ passou a vi-
ção com a consciência ética de Os extratos apontam para o venciar os desafios relacio-
ser vítima. Isto é demarcado que na ética dusseliana é vis- nados à permanência desses
nas falas abaixo: to como um re-conhecimen- estudantes em seu interior.
Eu me declarei por conta da to da existência das vítimas e, Desse modo, diferentes pro-
minha ascendência africana. posteriormente, na “re-spon- jetos foram elaborados: co-
Eu entendo que, o que eu consi- sabilidade” mútua com as ví- mo o PROINICIAR Programa
dero como negra não é simples- timas. Esta “re-sponsabilida- de Iniciação Acadêmica, que,
mente a cor da sua pele, e, sim,
seus traços, a sua cultura, a sua
de” exige a participação em além de oferecer bolsas de es-
tradição familiar. Eu acho que instâncias decisórias relativas
esses são requisitos para você à produção, reprodução e de-
determinar qual a raça e etnia senvolvimento da vida huma-
que você considera pertencer. na que devem culminar com a
[...] essas medidas visam repa-
efetiva libertação das vítimas.
A transformação se inicia pela
própria “re-sponsabilidade” da
crítica da instituição ou siste-
ma de eticidade excludente.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.62, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
tudo para os estudantes, ofe-
rece uma série de atividades 63
acadêmicas e culturais para os
estudantes, como mostra os se- aos trabalhos, principalmente
o professor de Cultura Negra,
guintes dizeres: ele fez um levantamento na Se-
A UERJ procura sim. Há mana de Cultura Negra e con-
uma maneira de deixarmos in- versamos abertamente sobre as
tegrados, tem com a orientado- cotas, sem problemas. (Extrato
ra pedagógica. Nós tínhamos decorrente da fala do estudan- da COR – PPCOR, na vida dos
um projeto e reunimos para ver te (h) do Curso de Pedagogia-
como estavam os cotistas e al- 1o período – Tarde – FEBF-
cotistas na UERJ, mas extinto
guns outros alunos. (Estudan- 17/02/2004). em 2005.
te (b) do Curso de Engenharia Um fato a ser considera-
de Produção- 4o período – Inte- A positividade dos relatos do refere-se ao passo que es-
gral –Faculdade de Tecnologia- se instala nas ações concretas ses sujeitos deram ao negar a
07/12/2004).
que a UERJ vem realizando, “cultura do silêncio” viabiliza-
Hoje a UERJ tem um pro- no que se refere aos mecanis- da pelo processo de invisibi-
grama chamado PROINICIAR mos e projetos que viabilizem lidade dos cotistas, para rom-
desenvolvido junto à Sub-Rei- a permanência dos cotistas em per com a consciência mágica,
toria de Graduação e alguns seu interior. É válido conside- alienada, a chamada consciên-
alunos do DCE que participam
da elaboração desse projeto.
rar o papel e as ações da orien- cia em-si relatada por Dussel
(Estudante do Curso de Geo- tadora pedagógica, ressalta- (2002:421). O autor expõe que
grafia - 3o período – Tarde/Noi- da como um elo de integração este processo ético começa pe-
te – Maracanã- 28/02/2004). entre os estudantes cotistas da la tomada de consciência ético-
Faculdade de Tecnologia em crítica dessa opressão-exclu-
Sim, pelo menos aqui eu
acho que os professores estão Resende e os projetos desen- são; este processo tem caráter
sendo muito amigos, eles têm volvidos pela UERJ/Maracanã. comunitário e organizativo.
ajudado no que diz respeito Também foram citados alguns A tomada de consciên-
diálogos abertos em sala de cia da situação frágil quanto
aula por professores que inse- à permanência dos cotistas da
riram em suas práticas a te- UERJ fez emergir a necessida-
mática das cotas. Outro aspec- de de se construir uma comu-
to merecedor de ressalva foi nidade de comunicação des-
a importância do Projeto dos sas “vítimas”, denominada de
Espaços Afirmados, realiza- “Comissão dos alunos cotistas
do pelo Programa de Políticas da UERJ”, composta em 2003.
Tal Comissão teve uma traje-
tória bastante conturbada, es-
tando, em 2004 e 2005, pouco
ativa oficialmente. Alguns es-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.63, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ciedade. Eu estou participando
ESPAÇO de um grupo no qual eu estou
JAN-DEZ/06 No terreno da práxis liber- inserido e essa não participa-
tadora se encontra a realiza- ção eu acho antiética, porque
você está indiferente ao meio
64 ção do “ato bom”, legítimo. O que te cerca. Você não exerce
critério crítico de toda trans- sua cidadania, então eu acho
tudantes continuaram, mesmo formação depende da capaci- antiético você ser indiferen-
sem a sua institucionalização dade das vítimas em realizar te aos problemas dos outros. É
mais efetiva, participando em a libertação. É sobre essa li- antiético ficar indiferente é de-
sumano. (Estudante (d) do Cur-
outras instâncias semelhantes bertação que se funda o prin-
so de Direito– 5o período – Noi-
para debater e projetar alter- cípio mais complexo da “Ética te – Maracanã- 19/04/2004).
nativas para uma melhor con- da Libertação” (DUSSEL,
dição de vida dos cotistas na 2002), o princípio libertação Eu acho que sim. No caso
Universidade. que formula o dever ético da da UERJ tem que se discutir.
As cotas são importantes. Acho
É fato que estas “micro co- transformação como possibi-
justo e necessário, acho que
munidades de comunicação lidade de reprodução da vida chegaram tarde demais! (Es-
de estudantes cotistas”, CA, da vítima e com desenvolvi- tudante (b) do Curso de Filoso-
DCE, Espaços Afirmados, mento factível da vida humana fia– 3o período – Manhã – Ma-
entre outras, estão, em alguns em plenitude. Os estudantes racanã 12/05/2004).
casos, ancoradas pelos mo- autodeclarados negros ou par-
vimentos negros do Rio de dos refletiram do seguinte mo- Por isso, a maior parte dos
Janeiro que procuram acom- do, a respeito das cotas raciais estudantes cotistas entrevista-
panhar, juntamente com al- na UERJ: dos se posiciona de modo cons-
guns intelectuais inseridos em Eu acho bastante ético, até ciente e favorável à reserva de
programas da UERJ como o porque tudo que tem a ver com vagas para estudantes autode-
LPP – Laboratório Políticas seu próximo, de certa forma é clarados negros ou pardos, co-
Públicas e o PPCOR- Programa ética. [...] A ética é só um va- mo por exemplo:
lor que você tem e transmite
Políticas da Cor, a vida acadê- No momento como está a
para o seu próximo (Estudan-
mica desses estudantes, bem te (a) do Curso de Filosofia – 2o situação educacional para as
como lutar pelo “re-conheci- período – Manhã – Maracanã - classes menos favorecidas eu
mento”, pelo descobrimento da 26/10/2003). concordo, porque eu faço parte
dela. É uma Lei ética, senão ti-
não-verdade, da não-validade, vesse ética não teria sido apro-
Se você fica indiferente às
diante do sistema hegemôni- vada. (Estudante (a) do Curso
lutas, como por exemplo o di-
co. Espera-se que, no decorrer reito das mulheres, você não de Letras– 1o período –Tarde/
desse percurso histórico, estes está participando efetivamen- Noite – FFP -29/11/2003).
cotistas de 2003, participantes te da sociedade enquanto cida-
dessas “micro comunidades de dão. Então, eu, se eu identifico
um grupo social que é margi-
comunicação de estudantes co-
nalizado, como os homossexu-
tistas”, possam se amalgamar e ais em reivindicação legítima
fortalecer para a concretização deles, de serem respeitados, eu
de uma utopia possível para me mantenho indiferente a isso,
afrodescendentes brasileiros. eu não participando de uma so-

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ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO

Eu acho que as Leis são vá- JAN-DEZ/06


lidas. Elas estão propiciando
uma entrada de negros na uni-
versidade. A consciência negra
65
tem que estar forte e mais uni-
da em relação a isso. (Estudan-
te (a) do Curso de Direito– 1o
Os extratos acima indicam
período –Manhã – Maracanã - que o projeto factível da apro-
27/01/2004). vação da Lei de cotas para au-
todeclarados negros ou pardos,
Eu vejo pelo ponto de vista proposto e defendido pelo mo-
jurídico também, quando você
observa que um segmento da vimento negro, foi considerado
sociedade não participa, não como sendo um “ato bom” ca- econômico e culturalmente. A
consegue exercer a sua cida- paz de reverter a negação ori- presença desses sujeitos foi an-
dania, não participa de modo ginária da ausência e da pouca corada pela denúncia do movi-
efetivo de todos os bens da so- presença de afrodescendentes mento negro e pelo anúncio da
ciedade, existe a necessidade
desse grupo social ser tutelado no ensino superior e viabili- aprovação da Lei de cotas ra-
pelo Estado. Quando você ob- zando o acesso dos mesmos a ciais de 2003. Esta aprovação
serva um grupo mais fragili- este nível de ensino. legítima rompeu, descaracte-
zado há a necessidade dele ser rizou, reconfigurou o cenário
tutelado, como no caso dos de- da referida Universidade, antes
ficientes físicos, dos idosos, das 4 - Considerações finais
crianças e com o negro não foi homogênea, branca, elitizada
diferente. Quando se observou Estranhamento, desconfor- e, hoje, diversa e popular.
que eles não participavam da to, receio, representaram, para Todavia, como uma expe-
vida acadêmica do País foi ne- alguns integrantes da UERJ, a riência em construção, tanto a
cessário fazer uma medida re- chegada dos estudantes das co- UERJ, quanto os cotistas be-
paratória visando incluir um
grupo que é historicamente ex- tas raciais. Uma sensação qua- neficiados pela Lei de cotas ra-
cluído. (Estudante (d) do Curso se inédita fez com que muitos ciais devem enfrentar coletiva-
de Direito– 5o período – Noite– docentes abrissem as portas mente, comunitariamente, os
Maracanã- 19/04/2005). trancadas de suas práticas pe- dilemas e os sucessos que dela
dagógicas para dar passagem fazem parte. O convívio com
a uma nova realidade de estu- o diferente no espaço acadêmi-
dantes, agora, muitos negros, co, advindo da inclusão dos es-
pardos, desfavorecidos sócio- tudantes negros carentes eco-
nomicamente, traz, para dentro
dessa universidade e de seus
campi regionais, a necessida-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.65, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

66
de de traduzir o conhecimen- var, as cotas raciais da UERJ
to e a vivência acadêmica para instauraram um projeto maior
os espaços multiculturais que de libertação para os afrodes-
esses sujeitos ocupam na so- cendentes no ensino superior
ciedade. A experiência da im- do país, abrindo um espaço vi-
plantação das cotas raciais da goroso para o diálogo e a ex-
UERJ/2003 evidencia um per- pansão das ações afirmativas
curso ético e, mesmo que em- nesse contexto.
brionário, pode ser ancorado e
compreendido pela “Ética da
Libertação” de Dussel (2002).
Afirmo que este caminho
demarca o momento inicial
para a concretização efetiva de
um caminho ético em seu nível
mais elevado, consciente e crí-
tico. Pouco a pouco, a UERJ
e suas “vítimas” encontrarão
meios eficazes, factíveis para
realizarem o princípio univer-
sal da Ética dusseliana, quer
seja, a vida do sujeito ético em
plenitude. Muito mais que ino-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.66, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.67, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO
JAN-DEZ/06
Wikipédia – a enciclopédia
68
colaborativa como ferramenta de
estímulo à pesquisa
Beatriz Cintra Martins*
*Jornalista especializada em projetos para a Internet. Mestre em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ,
com a dissertação Cooperação e controle na rede: um estudo de caso do website Slashdot.org.
beatrizm@uol.com.br
Material recebido em maio 2006 e selecionado em junho de 2006.

tiplas aplicações. Vários edu- nication networks enable the


Resumo cadores, em diversos países do articulation of social coopera-
mundo, já se deram conta des- tive networks inside the collec-
A enciclopédia eletrôni- se potencial e têm utilizado a tive undertaking of knowledge
ca Wikipédia, cujo conteúdo enciclopédia on-line como fer- systematization. While propi-
é desenvolvido de forma co- ramenta didática em seus cur- tia ting a space for debate and
laborativa pelo próprio públi- sos. collaborative edition, Wikipe-
co interagente, se constitui em Palavras-chave: enciclo- dia represents a very interes-
um novo modelo de compila- pédia; edição colaborativa; co- ting pedagogic resource, sub-
ção do saber humano. As re- operação, redes de comunica- ject to multiple applications.
des de comunicação, mais do ção. Several educators, in different
que oferecer um novo supor- countries of the world, have
te tecnológico para a indexa- been aware of such poten-
Abstract
ção da informação, tornam tial and have used the on-line
possível a articulação de redes Electronic encyclopedia encyclopedia as a didactic tool
sociais cooperativas no em- Wikipedia has its content deve- in their courses.
preendimento coletivo de sis- loped in a collaborative way by Key words: encyclope-
tematização do conhecimento. its own interactive public and dia; collaborative edition; co-
Ao propiciar um espaço para o constitutes a new model of operation; communication ne-
debate e a edição colaborativa, human knowledge compilation. tworks.
a Wikipédia se apresenta como Besides offering a new techno-
um recurso pedagógico muito logical support to the indexa-
interessante, passível de múl- tion of information, commu-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.68, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
1 - Introdução
69
As novas formas de inte-
ração tornadas possíveis pelas
redes de comunicação têm ti-
do repercussões nos modos de Pesquisa realizada pela revista
sistematização e transmissão científica Nature demonstrou
do conhecimento na atualida- que a confiabilidade dos dados
de. A experiência do sistema da Wikipédia é próxima à da
Wikipédia, uma enciclopédia Enciclopédia Britânica.
on-line na qual o conteúdo é de- A facilidade de consulta e a
senvolvido pelo próprio públi- abrangência dos temas aborda- pre sendo alterados pelos acon-
co interagente de maneira co- dos fazem da Wikipédia uma tecimentos. Para facilitar a
operativa, se constitui em um fonte de pesquisa muito inte- avaliação da defasagem ou não
novo modelo de compilação do ressante, de uso gratuito e dis- da informação, cada verbe-
saber humano. Criada em ja- ponível a todos que tenham te traz o histórico de sua edi-
neiro de 2001, a publicação tem acesso à Internet. As consultas ção com a data da última alte-
mais de um milhão de artigos, são feitas através de um siste- ração. Dependendo do assunto
escritos em 229 idiomas e dia- ma de busca, simples e eficien- que se pesquise, pode-se veri-
letos. Ao consultar um verbe- te, que permite que se encontre ficar que o artigo foi atualiza-
te, qualquer um pode editá-lo o tópico desejado em apenas do apenas alguns dias ou, até
e alterá-lo, seja especialista ou alguns segundos. O número mesmo, algumas horas antes.
leigo Existem colaboradores de artigos disponíveis, mais de A eleição de Michelle Bachelet
mais atuantes que estão cons- 142 mil em português, é outro para a Presidência do Chile,
tantemente monitorando as úl- atrativo da publicação. Além por exemplo, já constava na
timas modificações, e a defini- disso, ao contrário das versões enciclopédia momentos após o
ção final é sempre aquela que impressas, a enciclopédia ���
on- anúncio oficial do resultado do
obteve consenso entre os par- line������������������������
é atualizada diariamen- pleito. (AMORIM;
������������������
VICÁRIA,
ticipantes. O que pode parecer te, o que pode ser bastante 2006, on-line).
um risco de maior incidência relevante em temas relacio- A facilidade de consulta e
de erros, na prática se reve- nados à História, Economia a maior atualização das infor-
la um método bastante eficaz. ou Geopolítica, que estão sem- mações, embora muito úteis,
1
http://www.wikipedia.org 

2
Dados relativos a junho de 2006. Disponíveis em: http://en.wikipedia.org/wiki/Special:Statistics e http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia.
Acesso em: 15 de junho de 2006. 

3
A Enciclopédia Britânica rejeitou os resultados da pesquisa realizada pela Revista Nature, alegando imprecisão nos métodos aplicados. A re-
vista, por sua vez, rebateu as acusações e sustentou suas conclusões. Detalhes da polêmica ����
em: <http://www.nature.com/news/2005/051212/
����������������������������������������
full/438900a.html>. Acesso em: 28 de maio de 2006.

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ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO
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não são ainda o maior atributo seria o autor do primeiro pro-
70 da enciclopédia eletrônica co- jeto de enciclopédia da histó-
mo recurso pedagógico. Seu ria ocidental, ao estabelecer os
modelo colaborativo, aber- quatro graus do conhecimento
to à participação de todos, é no VII livro de A República:
o grande diferencial que faz conjectura, crença, razão dis-
com que a consulta se trans- cursiva e dialética. Outros filó-
forme em um estímulo à sis- sofos, depois dele, propuseram
tematização coletiva do co- diferentes critérios para a or- 332). A estruturação e hierar-
nhecimento. Ao procurar um denação do conhecimento, co- quização dos diversos ramos
verbete, o aluno é motivado a mo Aristóteles, pela distinção do conhecimento expressam
contribuir com a publicação, entre o necessário, objeto das muito da visão de mundo de
acrescentando dados ao tex- ciências teóricas, e o possível, uma época e/ou de uma socie-
to original e ampliando sua objeto das ciências práticas e dade. Não cabe aqui aprofun-
pesquisa além do limite pre- das disciplinas poéticas, mo- dar esse tema, mas apenas fa-
visto inicialmente. O poten- delo que teve influência até a zer o registro do sentido mais
cial de tirar o leitor de seu lu- Idade Média. No século XVII, amplo do termo, como o con-
gar de recepção para levá-lo a Francis Bacon apresentou o junto do conhecimento huma-
empreender a tarefa de formu- projeto de uma enciclopédia no.
lação do conhecimento faz da fundada na tripartição entre Com o tempo, os livros or-
Wikipédia um projeto inova- ciências da memória, ciências denados da mesma manei-
dor e um instrumento didáti- da fantasia e ciências da razão. ra que os currículos educacio-
co criativo, pois além de fon- (ABBAGNANO, 2000:330- nais passaram a ser chamados
te de pesquisa constitui-se em
um espaço para o debate e pa-
ra o trabalho coletivo de com- A facilidade de consulta e a maior
pilação do saber. atualização das informações, embora
muito úteis, não são ainda o maior atributo
2 - A organização do da enciclopédia eletrônica como recurso
saber pedagógico. Seu modelo colaborativo,
A palavra enciclopédia aberto à participação de todos, é o grande
vem do grego encyclopaedia, diferencial que faz com que a consulta se
que significa “círculo do apren- transforme em um estímulo à sistematização
dizado”, e originalmente estava
relacionada ao currículo edu- coletiva do conhecimento.
cacional. Nesse sentido, Platão
4
Para um aprofundamento do tema, conferir ������������������
BURKE, Peter. Uma História
�������������������������������������������������������������������������
social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro:
Zahar, 2003.

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ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

também de enciclopédia. Na 71
Europa moderna, com a inven-
ção da imprensa, essas publica-
ções se tornaram mais disponí- ta, por outro, fragmenta o co-
veis e, ao mesmo tempo, mais nhecimento, o que é compen-
necessárias como guia para o sado em parte por referências
crescente volume de conheci- cruzadas ou remissivas.
mento impresso. Uma mudan- Para Burke (2003):
ça significativa na organização [...] o uso da ordem alfabé-
das enciclopédias ocorre a par- tica tanto refletia quanto enco- nas alguns segundos. O texto
tir do início do século XVII: da rajava uma mudança da visão de cada verbete traz links para
ordenação temática, pela tradi- hierárquica e orgânica do mun- outros artigos, num entrecru-
do para uma visão mais indivi-
cional árvore do conhecimen- dualista e igualitária. (BURKE,
zamento de informações que
to, para a ordem alfabética, 2003:108). torna a possibilidade de leitu-
que passa a ser o sistema prin- ras relacionadas praticamen-
cipal de classificação do saber A Encyclopédie, obra de 35 te inesgotável. Se o sistema de
(BURKE, 2003). volumes editada por Diderot e busca pode tender também à
O sistema alfabético permi- d’Alembert, no século XVIII, fragmentação do conhecimen-
tia uma consulta mais rápida a foi a expressão mais bem aca- to, a rede de conexões entre os
tópicos específicos e atendia bada desse projeto intelectual textos facilita uma visão mais
à demanda de uma época que e político, e é o modelo da en- global do saber, de forma mais
via crescer de forma vertigino- ciclopédia impressa tal qual a dinâmica e abrangente do que
sa a quantidade de informação conhecemos hoje. as referências cruzadas das en-
disponível. Já o sistema temá- A estrutura de organiza- ciclopédias impressas. O su-
tico era mais orgânico ou ho- ção da Wikipédia, por sua vez, porte digital oferece também
lístico, propiciando uma maior tem como suporte a teia da outra facilidade, além da ra-
percepção do encadeamento Internet, que distribui as in- pidez de consulta, a possibili-
dos saberes, das relações entre formações em rede, e as rela- dade de uma constante atua-
as diferentes disciplinas. As ciona através de links, ou elos lização que pode acompanhar
enciclopédias medievais, que de conexão. A recuperação de o próprio ritmo dos aconteci-
usavam a estrutura temática, informações na enciclopédia mentos.
foram escritas para serem li- on-line é feita através de um A idéia de se criar uma en-
das e não consultadas. A orde- sistema de busca, rápido e efi- ciclopédia mundial permanen-
nação alfabética, por um lado, ciente, que apresenta o resul- temente atualizada, utilizando-
é mais eficiente para a consul- tado de uma consulta em ape- se os recursos da tecnologia,
veio antes mesmo da inven-
ção do computador. Em 1937,
no artigo World Brain: The

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ATUALIDADES EM
INES
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Jimmy Wales, uma enciclopé-
72 dia on-line escrita por espe-
cialistas. O projeto não des-
petually in perfecting this in- lanchou como o esperado, pela
dex of human knowledge and dificuldade de se recrutar co-
keeping it up to date. Concur-
laboradores voluntários e por
rently, the resources of micro-
Idea of a Permanent World photography, as yet only in seu complexo processo edito-
Encyclopaedia, H.G. Wells their infancy, will be creating rial. (REAGLE JR, 2005) Em
argumentava que a compila- a concentrated visual record. janeiro de 2001, os administra-
ção do saber humano não ha- (WELLS, 1937, on-line). dores da obra resolveram lan-
via acompanhado a evolução çar um projeto complementar,
da tecnologia e não atendia à O primeiro projeto de se de- desta vez aberto às contri-
crescente demanda por infor- senvolver uma enciclopédia na buições de não especialistas.
mação. Para fazer frente a esse Internet, feita de forma cola- Assim nascia a Wikipédia, a
problema, ele propunha a inde- borativa, foi a Interpedia, pro- enciclopédia eletrônica desen-
xação de todo saber humano posta por Rick Gates em 1993. volvida de forma colaborati-
com a utilização dos mais mo- Lançada ainda antes da popu- va que se transformou em um
dernos recursos tecnológicos larização da rede, a propos- dos projetos mais populares já
de então, como o microfilme. ta nunca saiu da fase de plane- lançados na Internet.
The phrase “Permanent jamento. O sonho de se criar
World Encyclopaedia” con- uma enciclopédia com suporte
veys the gist of these ideas. As 3 - Rede e cooperação
na rede mundial de computa-
the core of such an institution dores, porém, continuou circu- A experiência colaborati-
would be a world synthesis of
bibliography and documenta-
lando pelas listas de discussão. va existente na Wikipédia es-
tion with the indexed archives O plano finalmente saiu do pa- tá inserida em uma transfor-
of the world. A great number of pel em 2000, com a criação da mação mais ampla observada
workers would be engaged per- Nupedia, por Larry Sanger e na esfera do trabalho na so-

5
A tradução é nossa: A frase “Enciclopédia Mundial Permanente” expressa o cerne dessas idéias. Como centro desse empreendimento esta-
ria uma síntese mundial da bibliografia e documentação com os arquivos indexados do mundo. Um grande número de trabalhadores estaria
permanentemente engajado em aperfeiçoar esse índice do conhecimento humano e mantê-lo atualizado. Paralelamente, os recursos da mi-
cro-fotografia, que estão ainda na sua infância, irão criar um concentrado registro visual. 

6
Lista de discussão, ou mailing list, é um serviço oferecido na Internet pelo qual um grupo de pessoas troca mensagens entre si sobre temas
específicos. Muito popular no início da rede, continua sendo bastante usada hoje em dia. 

7
Mais informações sobre a Nupedia podem ser conferidas em <http://features.slashdot.org/article.pl?sid=05/04/18/164213&tid=95&tid=149&tid=9>. 

8
Em junho de 2006, quando foi escrito este artigo, a Wikipédia era o 16º site mais visitado da Internet. Informações disponíveis em <http://
www.alexa.com/data/details/traffic_details?&range=6m&size=large&compare_sites=&y=t&url=http://en.wikipedia.org/wiki/Main_Page>.
Acesso em: 15 de jun. 2006.

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EDUCAÇÃO INES

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73
As Novas Tecnologias de Comunicação e
dida em que viabilizam o sur-
Informação (NTIC) ocupam lugar central gimento do usuário/produtor,
na transformação das formas de interação possibilitando a ultrapassa-
produtiva, na medida em que viabilizam gem da tradicional separação
entre o trabalhador e os meios
o surgimento do usuário/produtor,
de produção. Por outro lado, as
possibilitando a ultrapassagem da tradicional redes de comunicação permi-
separação entre o trabalhador e os meios de tem a articulação de redes so-
produção. ciais de cooperação produtiva.
“A rede é o elemento específi-
co que convoca os novos sujei-
ciedade ocidental contempo- humana, como os serviços de tos e torna ativa a cooperação;
rânea, notadamente a partir da saúde, de educação, e também poderíamos dizer que ela atu-
década de 70 do século passa- na indústria de entretenimen- aliza a virtualidade produti-
do. Alguns autores (HARDT; to, moldada na criação e mani- va constituída pela sociedade”
NEGRI, 2001; LAZZARATO; pulação do afeto. (COCCO et al, 2003:10).
NEGRI, 2001) interpretam es- Outros autores (COCCO et Globalização e desterrito-
sa mudança como a emergên- al, 2003), ao analisar esse pro- rialização são outras caracte-
cia de um novo modelo de tra- cesso, enfatizam a constituição rísticas dessa nova economia.
balho, o trabalho imaterial, no da economia do conhecimento, Diferentemente da era fordia-
qual a informação, o conheci- na qual o saber é a própria for- na de organização de produ-
mento, o afeto, a cooperação e ça produtiva e fator de produ- ção, quando o capital estava
a comunicação ganham desta- ção. Para eles, o conhecimento preso a um território fixo, es-
que. Segundo essa análise, o é a fonte da produção do no- se novo modelo produtivo se
trabalho fordista, implantado vo e da inovação tecnológica, dá sob a forma de rede e flu-
pela industrialização, deixou que são o vetor mobilizador da xo. As interações prescindem
de ser hegemônico para dar lu- atividade econômica na atua-
gar a um outro tipo de trabalho lidade. As Novas Tecnologias
caracterizado pela dominação de Comunicação e Informação
dos serviços e do manuseio da (NTIC) ocupam lugar central
informação. O trabalho inte- na transformação das formas
lectual representa uma das fa- de interação produtiva na me-
ces do trabalho imaterial. A
outra é caracterizada pelo tra-
balho afetivo presente nas ta-
refas que envolvem interação

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74
agora de centro físico determi- formas de organização hori- desse modelo foi o desenvolvi-
nado para ocorrer, daí a cen- zontal de trabalho entre par- mento do sistema operacional
tralidade da comunicação na ceiros. Linux, o maior concorrente
cooperação produtiva. No caso Cérebros e corpos ainda do sistema Windows, empre-
de tarefas que envolvam o ma- precisam de outros pra produzir endido por programadores es-
nuseio de informações, a ten- valor, mas os outros de que eles palhados por diferentes países
dência à desterritorialização necessitam não são fornecidos do mundo, interagindo de mo-
obrigatoriamente pelo capital e
é ainda mais pronunciada. Se, por sua capacidade de orques-
do colaborativo pelas redes de
por um lado, isso pode repre- trar a produção. A produtivi- comunicação. A Wikipédia é
sentar um enfraquecimento do dade, a riqueza e a criação de mais uma experiência de tra-
poder de negociação do traba- superávites sociais hoje em dia balho cooperativo que tem lu-
lho frente ao capital, por outro, tomam a forma de interativida- gar rede, constituindo-se nu-
de cooperativa mediante redes
gera oportunidades de coope- lingüísticas, de comunicação
ma rede de redes sociais que
ração entre forças de trabalho e afetivas. ���������������
(HARDT; NEGRI, operam de forma distribuída e
autônomas, que por sua vez 2001:315). descentralizada na compilação
podem criar uma rede de coo- do conjunto do saber humano.
peração produtiva independen- Nesse contexto, os agentes
temente do capital. Do mesmo produtivos atuam distribuídos
4 - A enciclopédia livre
modo, se as supervias de infor- em rede, de forma descentrali-
mação podem representar uma zada e não hierárquica, na base A Wikipédia é conheci-
nova forma de controle muito de interações cooperativas. Um da como a enciclopédia livre
mais amplo do trabalho a par- dos exemplos mais conhecidos porque foi criada sob o prin-
tir de um ponto central e re-
moto – da empresa sobre seus
funcionários –, também viabi-
lizam o surgimento de novas


9
���������������������������������������������������������
Sobre o desenvolvimento do sistema operacional Linux ver HIMANEN,
����������������
P. The Hacker
���������������������������������������������
Ethic – A radical approach to the phi-

losophy of business. New York: Random House, 2001, pp. 179-188.

10
Sobre o Movimento Software Livre conferir STALLMAN, R. O projeto GNU. 2000. Disponível em: <http://www.cipsga.org.br/sections.php?o
p=viewarticle&artid=61>.  

11
Programas peer-to-peer são sistemas que operam conectando computadores ponto-a-ponto, sem passar necessariamente por um ponto
central, e possibilitam desta forma o compartilhamento de arquivos. Os programas para troca de arquivos de música na Internet, como o Ka-
zaa, são os mais conhecidos. 

12
Sobre o embate entre o livre fluxo da informação e as leis de direito autoral conferir MALINI, F. (Tecnologias das) Resistências: A Liberdade
como Núcleo da Cooperação Produtiva, in PACHECO, A. et al. (Org.). O Trabalho da Multidão. Rio de Janeiro: Museu da República, 2002,
pp. 149-177

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cípio do livre fluxo da infor-
mação. Esse princípio está na 75
base de uma gama de projetos
que têm lugar na Internet, co-
mo o Movimento do Software definição do verbete e demais
Livre10 e as redes peer-to- informações, que correspon-
peer11 de troca de arquivos, dem ao conteúdo das enciclo-
que defendem a livre circula- pédias impressas. A segunda
ção de dados em oposição às aba dá acesso à área de dis- rados, ajudando dessa forma a
restrições impostas pelas leis cussão, usada para se colocar manter a publicação atualiza-
de direito autoral12. O conteú- questões relacionadas ao te- da sobre os assuntos mais re-
do da publicação é regido pe- ma, como dúvidas, sugestões centes.
la GNU Free Documentation de complementação ou mes- A oportunidade de se editar
License (GFDL)13, uma licen- mo indicação de incorreções. o conteúdo da publicação, atra-
ça que permite a redistribuição Em uma terceira área o conte- vés do diálogo com outros par-
do conteúdo, a criação de tra- údo do artigo é apresentado em ticipantes, torna a Wikipédia
balhos derivados e até mesmo uma caixa de edição, na qual algo mais do que uma publica-
o uso comercial do texto, des- é possível fazer alterações ao ção de referência voltada à re-
de que seja sempre feita refe- texto original. Basta salvar a cuperação de informações, co-
rência aos autores e que os no- modificação que a página se- mo a enciclopédia impressa
vos conteúdos sejam mantidos rá automaticamente atualiza- tradicional. Sua interface re-
sob a licença GFDL. O pro- da, sem passar por nenhum ti- presenta um incentivo à for-
jeto é desenvolvido no siste- po de controle editorial. Uma mulação intelectual de cada
ma Wiki14, uma linguagem de última área apresenta o his- leitor/autor participante. Nesse
programação de websites que tórico de todas edições reali- sentido, além de ser um siste-
permite que suas páginas se- zadas. Desse modo, qualquer ma de armazenamento de da-
jam editadas de forma simples pessoa com acesso à Internet dos, constitui-se, de fato, num
por qualquer usuário conecta- pode consultar a publicação e, fórum criativo de debate para
do à rede mundial de compu- se achar pertinente, editar seus a compilação colaborativa do
tadores. artigos. Antes de editar, pode conhecimento.
Na interface da publicação, preferir discutir com a chama- [...] não se trata apenas de
acima de cada verbete, exis- da comunidade de participan- uma ferramenta de indexação
tem quatro abas que ao serem tes as suas propostas de altera- e formatação, mas a criação de
clicadas dão acesso a diferen- ção. Também é possível criar um espaço de debate e sintetiza-
ção de textos. Ou seja, o papel
tes áreas. A primeira delas re- novos artigos sobre temas que do interagente não é apenas de
fere-se ao artigo, contendo a ainda não tenham sido explo- um bibliotecário, mas verdadei-

13
Mais informações sobre a licença GFDL podem ser obtidas em: http://www.gnu.org/copyleft/fdl.html 

14
Mais informações sobre o sistema Wiki disponíveis em: <http://www.freewiki.info/>.

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ramente de um autor, no sentido so, ele não é definitivo – o que rede de pesquisadores ao redor
mais estrito da palavra. Nesse pode ser bastante positivo, já do mundo. Vale lembrar que
sentido, a Wikipédia é mais do
que a oferta de informações. É que serve de estímulo à pes- apenas uma minoria se envol-
também um convite ao trabalho quisa. Para se defender uma ve na tarefa de edição: existem
social de construção do conhe- idéia, é preciso buscar infor- cerca de 1,25 milhão de wiki-
cimento. (PRIMO;
�����������������
RECUERO, mações, checar fontes e perse- pedians15, nome dados aos co-
2003:60). guir a precisão dos conceitos, a laboradores que editam o con-
fim de se embasar a argumen- teúdo da enciclopédia, para
A definição de um verbe- tação no debate. E, desse mo- uma média de 37 milhões de
te não é dada como pronta. do, os ganhos são multiplica- usuários diários16.
Ao contrário, existe um traba- dos: ganha a publicação, com o A atuação coletiva e volun-
lho de lapidação constante de aperfeiçoamento do seu conte- tária de colaboradores, sem a
seu conteúdo, seja pela corre- údo; ganha a comunidade, pelo mediação de uma edição cen-
ção de informações, seja pe- crescimento de suas interações tralizada, pode gerar descon-
lo acréscimo de complemen- e de seu valor social; e ganha a fiança quanto à confiabilidade
tações. Toda essa dinâmica se própria atividade da pesquisa, das informações. No entanto,
mantém registrada e acessível pela constituição dessa grande antes de se reduzir a avaliação
à consulta nas áreas paralelas
de discussão e histórico, que Desse modo, os ganhos são multiplicados:
mostram a evolução da tarefa
ganha a publicação, com o aperfeiçoamento
coletiva de organização do sa-
ber. Tarefa sempre inacabada e do seu conteúdo; ganha a comunidade, pelo
sempre em processo, aberta às crescimento de suas interações e de seu
contribuições de outros cola- valor social; e ganha a própria atividade
boradores.
da pesquisa, pela constituição dessa grande
Este processo de edição co-
laborativa, é preciso ter claro, rede de pesquisadores ao redor do mundo.
é feito também de disputas e
do embate de idéias. Embora
o que se busque seja o consen-
15
Dados disponíveis em http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedian. Acesso em: 7 de junho de 2006. 

16
Dados da média de acesso de 7 março a 6 de junho de 2006. Disponível em: http://www.alexa.com/data/details/traffic_details?&range
=6m&size=large&compare_sites=&y=t&url=http://en.wikipedia.org/wiki/Main_Page. Acesso em: 7 de junho de 2006.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.76, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

do projeto à precisão do conte- ESPAÇO


údo, talvez seja mais adequado JAN-DEZ/06
mudar a perspectiva de análi-
se. O que pode ser visto como 77
um ponto fraco da publicação,
pelo risco de incorreções, pode
também ser compreendido co- veitado por várias instituições
mo uma abertura ao exercício educacionais de diferentes pa-
do debate e da pesquisa inte- íses, como Estados Unidos,
lectual. A publicação não deve Áustria, Noruega e Alemanha.
ser considerada como um por- Para os administradores da pu-
to de chegada, no qual já se en- blicação, essas parcerias são No projeto empreendido
contram as respostas prontas, muito bem-vindas, pois aju- pela Universidade de Indiana17,
mas sim como um caminho dam a aperfeiçoar seu conte- nos Estados Unidos, em 2005
a se trilhar e um incentivo na údo através da colaboração e 2006, foi pedido aos gru-
busca do conhecimento. qualificada de estudantes su- pos de alunos que lessem ar-
pervisionados por um profes- tigos da Wikipédia relaciona-
sor. As propostas de parceria dos aos seus temas de trabalho
5 - Parcerias com a
têm sido bastante variadas e e que checassem as informa-
universidade
demonstram a versatilidade e ções tendo como base fontes
O potencial da Wikipédia a utilidade da enciclopédia ele- fora da Internet. Os estudantes
como um instrumento de estí- trônica como um recurso pe- foram orientados a acrescentar
mulo à pesquisa tem sido apro- dagógico. à publicação on-line as infor-
mações complementares que
encontrassem em sua pesqui-
O que pode ser visto como um ponto fraco sa. Também foram incentiva-
dos a adicionar referências ao
da publicação, pelo risco de incorreções,
texto, aumentando a sua qua-
pode também ser compreendido como lidade acadêmica. Deveriam,
uma abertura ao exercício do debate ainda, corrigir as informações
e da pesquisa intelectual. A publicação caso estivessem em desacordo
com os dados obtidos em sua
não deve ser considerada como um porto
pesquisa pessoal. Nesse caso,
de chegada, no qual já se encontram foi pedido que descrevessem
as respostas prontas, mas sim como um na área de discussão do artigo
caminho a se trilhar e um incentivo na os motivos pelos quais fizeram
as correções, citando suas fon-
busca do conhecimento.
tes. As tarefas de acréscimo de
referências e correção de erros

17
As parcerias com instituições acadêmicas são descritas em http://en.wikipedia.org/wiki/Schools_and_universities_project. Acesso em: 14 de junho de 2006. 

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ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

78
garantiram pontos extras na do U21 Programme in Global ra compilação, que seria usa-
nota final do trabalho. No rela- Issues, um currículo multidis- da posteriormente nos futuros
to, a experiência é avaliada co- ciplinar voltado para o traba- cursos. No entanto, de acordo
mo um sucesso e é anunciada lho colaborativo adotado por com a avaliação do projeto que
a sua repetição no semestre se- algumas universidades18. consta na própria Wikipédia, o
guinte. Uma experiência não tão professor não respeitou os pa-
A trabalho em equipe foi bem sucedida dá a idéia de uma drões editoriais da obra, tor-
o foco do projeto desenvolvi- outra maneira de se trabalhar nando a consulta confusa, e
do pelos alunos da discipli- com a enciclopédia. O professor muito do material pesquisa-
na de Segurança Humana na Bart Massey, da Universidade do durante o curso não foi in-
Universidade de Hong Kong, de Portland State, também nos corporado à enciclopédia. A
na China, no primeiro semes- Estados Unidos, quis usar o proposta de trabalho, porém,
tre de 2006. A turma foi divi- espaço da publicação para sis- é bem adequada e aponta pa-
dida em grupos, ficando cada tematizar os textos utiliza- ra mais uma das possibilida-
um deles responsável por ela- dos em seu curso de Pesquisa des de uso desse recurso peda-
borar uma parte específica de Combinatória. A proposta gógico.
um artigo já previamente cria- era de que os alunos de uma Outros exemplos mos-
do pelo professor. Os alunos turma fizessem a primei- tram ainda diferentes for-
receberam instruções bastante
detalhadas de como desenvol-
ver o texto, não só em relação A descrição dessas experiências revela, por
ao conteúdo propriamente dito, um lado, a grande variedade de aplicações
mas também no sentido de res- pedagógicas que a chamada enciclopédia
peitar um padrão de qualidade
livre permite e, por outro, os problemas
acadêmica ajustado aos parâ-
metros editoriais da enciclopé- e dificuldades que uma tecnologia ainda
dia. Nesse caso, além dos ob- muito recente pode gerar, ao ser utilizada
jetivos didáticos mais comuns como um recurso didático. Cada vivência,
– como a fixação de conteúdo
no entanto, soma novos dados que podem
e o ensino da prática de pesqui-
sa – a experiência do trabalho servir de guia para o planejamento de
acadêmico colaborativo foi en- futuras parcerias.
fatizada. A disciplina faz parte

18
As universidades que participam desse programa são: Universidade de Hong Kong (China), Universidade de British
Columbia (Canadá), Universidade de Auckland (Nova Zelândia), Universidade de Melbourne (Austrália) e Universidade
de Nottingham (Reino Unido).

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ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
mas de interagir com a obra.
No Centro de Estudos so- 79
bre Jornalismo e Mídia, tam-
bém na Universidade de Hong fazer pequenas modificações
Kong, �����������������������
o professor Andrew Lih nos artigos, para finalmente
utilizou a publicação em seu redigir um artigo completo em
curso sobre tecnologias inte- inglês. Foram observados al-
rativas, de 2003 a 2005. Seus guns problemas, como a difi-
alunos foram encorajados a culdade de alguns estudantes de gerar ao ser utilizada como
contribuir em tópicos especí- em lidar com as ferramentas de um recurso didático. Cada vi-
ficos sobre a cidade de Hong edição do sistema e, por vezes, vência, no entanto, soma no-
Kong, a cultura e a mídia chi- também a limitação de acesso vos dados que podem servir

A Wikipédia, na verdade, se apresenta como um laboratório para


a realização de experiências de práticas pedagógicas, notadamente
aquelas relacionadas com a pesquisa e o trabalho colaborativo.
Ainda não existem referências na publicação sobre projetos de
parceria acadêmica em Língua Portuguesa, mas o espaço para
realizá-los está aberto.

nesas. Ao mesmo tempo em ao computador para poder fa- de guia para o planejamento de
que faziam alguns de seus tra- zer os trabalhos dentro do pra- futuras parcerias. O conjunto
balhos acadêmicos na forma zo estabelecido. Mesmo assim, dessas parcerias, por outro la-
de artigos da Wikipédia, po- segundo o relato dos organiza- do, confirma a abrangência e a
diam conhecer e testar a práti- dores19, existe a intenção de se versatilidade da publicação co-
ca da edição colaborativa, um desenvolver um projeto similar mo ferramenta de apoio ao en-
dos pontos específicos do cur- no futuro. sino.
so. Já a Universidade de Viena A descrição dessas expe-
recorreu à enciclopédia como riências revela, por um lado,
6 - Considerações finais
um complemento às aulas do a grande variedade de aplica-
curso de Uso da Linguagem ções pedagógicas que a cha- O ideal de se reunir a to-
do Departamento de Língua mada enciclopédia livre per- talidade do conhecimen-
Inglesa. Os alunos foram in- mite e, por outro, os problemas to humano, existente desde
centivados primeiramente a ler e dificuldades que uma tecno- a construção da Biblioteca de
a enciclopédia, em seguida a logia ainda muito recente po- Alexandria, há dois mil e tre-

19
Os detalhes dessa experiência estão disponíveis em http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:School_and_university_projects/Vienna_2002-
2003. Acesso em: 14 de junho de 2006.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.79, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO dade, se apresenta como um
JAN-DEZ/06 laboratório para a realização
de experiências de práticas pe-
80 dagógicas, notadamente aque-
zentos anos, encontra, na atu- las relacionadas com a pesqui-
alidade, um novo suporte tec- sa e o trabalho colaborativo.
nológico na rede mundial de Ainda não existem referências
computadores. Mais do que na publicação sobre projetos
oferecer um novo modelo de de parceria acadêmica em lín-
indexação do conhecimento, gua portuguesa, mas o espa-
com verbetes conectados pelas ço para realizá-los está aberto.
teias do hipertexto, as redes de de co-autores que atua de for- Que isso sirva de incentivo pa-
comunicação tornam possível ma distribuída e cooperativa, ra que novas propostas de inte-
a articulação de redes sociais em uma edição colaborativa, ração se concretizem.
cooperativas no empreendi- agregando novas informações
mento coletivo de compilação e aperfeiçoando a publicação.
do saber. Se a facilidade de consulta e
A Wikipédia é a enciclopé- a possibilidade de atualização
dia livre, construída através da constante são qualidades que
interação colaborativa de sua fazem da enciclopédia on-li-
comunidade de participantes. ne uma fonte de pesquisa inte-
Seu conteúdo não é apresenta- ressante, o fato de se constituir
do como produto final, mas sim em um espaço para o trabalho
como um processo sempre em colaborativo de sistematização
elaboração, aberto à interferên- do conhecimento a torna um
cia e colaboração de qualquer recurso pedagógico ainda mais
pessoa com acesso à Internet. atraente, passível de múltiplas
Não há um autor ou uma equi- aplicações.
pe de autores da obra. A tare- Por ser uma tecnologia mui-
fa é delegada a uma multidão to recente, as possibilidades de
utilização da enciclopédia ele-
trônica como instrumento de
apoio ao ensino ainda foram
pouco exploradas. Ao invés de
ser vista como um fator limi-
tante, a pouca experiência deve
ser encarada como um promis-
sor potencial de desenvolvi-
mento. A Wikipédia, na ver-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.80, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.81, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO
JAN-DEZ/06
Currículo-sem-fim: uma
82
análise pós-crítica da formação
continuada
Monique Franco*
*
Doutora em Comunicação e Cultura do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ/ECO; Professora Adjunta da Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FFP/UERJ; Professora do Instituto Nacional de Educação de Sur-
dos- INES/MEC.
e-mail: mfranco@uerj.br

Rita Leal**
**
Mestre em Comunicação e Cultura do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – ECO/URFJ. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Pon-
tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – (PUC/RJ).
e-mail: ritaleal@uol.com.br
Recebido em setembro de 2006 e aprovado em outubro de 2006

Resumo da crise da sociedade discipli- seguida, destacar exemplos de


nar (Foucault). Concordamos novas modalidades de forma-
Currículo-sem-fim é o ter- com a hipótese de que já não ção expressas nas chamadas
mo que sintetiza a noção de existe mais apenas um local Universidades Corporativas,
uma formação permanen- privilegiado de reserva de co- tangenciando os impactos e
te. Espaços e discursos nos nhecimento e que os espaços desafios que esses novos mo-
quais a incorporação de uma escolares, em suas diferen- delos colocam à formação hu-
nova lógica começa a se im- tes modalidades e níveis, divi- mana.
por e constituir novas territo- dem e competem com outros
rialidades e formas de poder. operadores na tarefa de produ-
Um lugar em que um sem-fim zir e transmitir conhecimen-
de saberes e práticas vão dire- to. Neste ensaio, apresenta-
tamente ao encontro de uma mos uma síntese da passagem
“lógica das modulações” en- da sociedade disciplinar para a
gendradas pelas sociedades de de controle e dos conceitos de
controle (Deleuze) que emerge molde e modulação, para, em
1
Parte deste artigo foi apresentado no GT de Currículo da 28º REUNIÃO ANUAL DA ANPEd – Associação Nacional de Pós-graduação em
Educação . Caxambu – outubro 2005.

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ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06
(Universidades Corporativas), gresso humano, o projeto ilu-
mentioning the impacts and minista, ainda se impõe quan- 83
Palavras-chave: políticas challenges that these new mo- do listamos os conhecimentos
de currículo, políticas de for- dels present to human educa- necessários ao nosso ser-no-
mação, modulação. tion. mundo, ainda que esse mundo
Key words: curriculum e mesmo esse Ser tenham per-
policies, educational policies, dido um lugar essencializado.
Abstract
modulation. Continuamos a selecionar, or-
Endless Curriculum is the ganizar e transmitir a chamada
term that synthesizes the con- cultura universal praticamente
1. Currículo-sem-fim
cept of continued education; da mesma maneira de outrora,
of spaces and discourses in Currículo-sem-fim é o ter- mesmo quando incorporamos
which the incorporation of a mo pelo qual buscamos sinte- o conhecimento local ou pro-
new lo gic begins to impose it- tizar e problematizar a noção postas interdisciplinares em
self and to build new territo- de uma formação permanente, nossas novas globalidadades.
rialities and new forms of po- contínua, “adequada” às novas Entendemos, sobretudo, que
wer. It is a place where endless configurações e expectativas a maior parte dos currículos
knowledge and practices refer conferidas hoje ao estatuto do oferecidos nos diferentes es-
directly to a “logic of modula- conhecimento. paços educativos indica, ain-
tions” created by societies of Quando pensamos em cur- da, um forte apego ao modelo
control (Deleuze) that emerge rículo, esse campo de saberes cartesiano clássico e sua abor-
from the crisis within the dis- que teve origem no final do sé- dagem analítica, em que se par-
ciplinary society (Foucault). culo dezenove e atravessou o te do modelo mais simples para
We agree to the hypothesis século vinte adquirindo legi- se chegar ao complexo. A tradi-
that describes the inexisten- timidade, especificidade e o cional e pouco alterada estru-
ce of only one privilege pla- paulatino reconhecimento de tura de seriação é um exemplo
ce of reserved knowledge and sua potência na produção de emblemático desse modelo.
that the academic spaces, in its identidades individuais e so- Ou seja, nossos currículos es-
varied levels and forms, share ciais, pensamos, ainda, mui- pelham, sobretudo, as clássicas
and compete with other opera- tas vezes, na seleção dos con- distinções modernas que de-
tors the function of producing teúdos e práticas necessárias marcaram claramente as fron-
and transmitting knowled- à formação humana. Se olhar- teiras entre natureza e cultura
ge. In this paper, we present a mos para essa seleção, consi- ou criatura e artefato, entre su-
synthesis of the passage of the derada durante muito tempo jeito e objeto ou entre corpo e
disciplinary society to one of como o berço do conhecimen- pensamento, entre interiorida-
control and of the concepts of to social acumulado, veremos de e exterioridade ou entre o in-
mold and modulation followed que, a despeito de maquiagens divíduo e o meio. Há um lega-
by examples of new modalities e enxertos, pouco, fundamen- do cartesiano que forma (ou
education expressed in the so- talmente, se alterou, posto que deforma) nossos corações e
called Corporate Universities o grande mito moderno do pro- mentes; um legado cartesiano

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.83, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO que ainda nos classifica e
JAN-DEZ/06 objetiva.
Por um lado, tudo indica
84 que a escola, em seus diferen-
tes níveis e modalidades, in- análise a partir de perspectivas
tenciona passar imune aos im- pós-críticas.
pactos do acelerado processo O recorte que trazemos
de “des-humanização” pro- aqui, a noção de currículo-
movido pelas tecnociências e sem-fim parece indicar es-
ao processo de constituição de se lugar em que um sem-fim funciona por meio de um con-
novas subjetividades e iden- de saberes e práticas vai dire- trole intenso e diluído. Vale ob-
tidades, novos acessos ao en- tamente ao encontro de uma servar, também, que esse novo
tendimento do cogito e, conse- “lógica das modulações” en- modelo emerge de uma crise
qüentemente, a novas formas gendradas pelas sociedades generalizada de todos os mo-

O recorte que trazemos aqui, a noção de currículo-sem-fim parece


indicar esse lugar em que um sem-fim de saberes e práticas
vai diretamente ao encontro de uma “lógica das modulações”
engendradas pelas sociedades denominadas por Deleuze como
sociedades de controle e que ocupam papel de destaque nos modelos
de formação humana em curso.
de produção conhecimento-in- denominadas por Deleuze co- delos de confinamento iden-
formação-formação. Por ou- mo sociedades de controle e tificados por Foucault em su-
tro, parecem existir espaços e que ocupam papel de destaque as análise acerca da sociedade
discursos nos quais os indícios nos modelos de formação hu- disciplinar . Com isso, quere-
de incorporação de uma no- mana em curso. mos afirmar que concordamos
va lógica no processo de for- No contexto educacional, com a hipótese de que já não
mação humana começam a se compreendemos por modu- existe mais apenas um local
impor e constituir novas terri- lações uma operação de for- privilegiado de reserva de co-
torialidades e também outras mação que ocorre de maneira nhecimento institucionalizado.
formas de poder. São os mode- contínua e sem-fim, de acordo Os espaços escolares, na atua-
los denominados de formação com as variações constantes e lidade, em suas diferentes mo-
permanente, sobre os quais es- flexíveis, em consonância com dalidades e níveis de atuação,
te estudo pretende fazer uma um modelo de sociedade que dividem e competem com ou-

2
Utilizamos a noção de tecnociência para indicar a condição de contínua imbricação entre a ciência e a técnica.
3
Aludimos às transformações que estão ocorrendo no campo do conhecimento em que a informação passa a configurar um novo paradigma
formativo.
4
Cf. Deleuze, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.84, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
da escola, direcionando-a não JAN-DEZ/06
só para a instrução como, tam-

2. Da disciplina ao
bém, para a formação do sujei- 85
to idealizado. Doravante, é a
controle escola que ensina conhecimen-
tros operadores na tarefa de tos e comportamentos; que se
produzir e transmitir conheci- Será a partir do século XIX, estrutura em torno da didática,
mento. diante da necessidade de a edu- da racionalização da aprendi-
Para consubstanciar nossa cação delinear-se como saber e zagem dos diversos saberes e
reflexão, inicialmente, faremos práxis para responder à passa- da conformação programada
uma breve síntese da passa- gem do mundo tradicional para das práticas cerceadoras, pro-
gem da sociedade denomina- o mundo moderno, que surgem dutoras de novas subjetivida-
da por Foucault como discipli- novas instâncias educacionais. des.
nar para as análises de Deleuze Estas passam a definir um A modernidade exige um
acerca da sociedade de contro- conjunto de regulamentos que indivíduo responsável, senhor
le.. Em seguida, desenvolve- visam controlar e corrigir as do seu livre arbítrio, do seu po-
remos os entendimentos dos operações do corpo com a fi- der de contrariar as paixões e
conceitos de molde e modula- nalidade de construir o “corpo afecções em nome dos fins ra-
ção, cunhados pelo filósofo, dócil” , definido como aquele cionais que vão constituir sua
que, para nós, reafirmam es- que pode ser moldado, subme- identidade. A história se arti-
sas mesmas configurações dos tido, treinado e adestrado para cula como o discurso que nar-
dois modelos sociedade expos- ser utilizado como artefato do ra a errância do homem em
tos acima. A concepção de cur- poder. Entre essas instâncias, a busca do seu acabamento.
rículo-sem-fim será central em escola se destaca por articular, Surge então um currícu-
toda a análise. O locus privi- em consonância com o projeto lo, como criação da moderni-
legiado de investigação encon- educativo apresentado pela so- dade, que envolve formas de
tra-se nas considerações acer- ciedade disciplinar, uma edu- conhecimento cuja finalidade
ca das novas modalidades de cação que estabelece no corpo consiste em regular e discipli-
formação que se configuram o elo coercitivo entre uma apti- nar o indivíduo, mas que tam-
nas chamadas Universidades dão aumentada e uma domina- bém, em tese, buscaria a sua
Coorporativas, tangenciando ção acentuada. Todos os meca- emancipação. O currículo mo-
os impactos e desafios que es- nismos e dispositivos de poder derno, humanista no primei-
ses novos modelos colocam ho- e vigilância reorganizam o am- ro momento, retoma a idéia de
je à formação humana e, mais biente escolar, redefinindo os cultura literária e retórica da
especificamente, ao campo do saberes a serem transmitidos Paidéia clássica, para, depois,
currículo. e reestruturando os objetivos assumir uma mentalidade mais

5
Cf. Foucault, Michel. Vigiar e Punir, 25º Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
6
Denominação dada por Foucault para uma “redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a
noção de docilidade que une ao corpo analisável o corpo manipulável”. Foucault, Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Vozes, 2002:118.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.85, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

86
mentos com o intuito de torná- nados, segmentados, o que ins-
lo produtivo e integrado. Ou titui a escola como o lugar da
seja, o projeto iluminista tor- disciplina, de seu aprendizado
nou-se um novo tipo de opres- e de seu exercício. No bom em-
são. O século das “Luzes que prego do corpo, que possibili-
científica, até incorporar todos descobrira as liberdades, in- ta um bom emprego do tempo.
os novos elementos e exigên- ventou também as disciplinas” Esse tempo disciplinar, que
cias das mudanças trazidas pe- (Foucault, 2002:183). aos poucos se impõe à prática
la modernidade. Para além de Esse controle minucioso pedagógica, define programas,
sua face explícita representada das operações do corpo sujei- assim como a sua duração; hie-
pela seleção, definição e orde- ta suas forças e lhe impõe uma rarquiza os saberes; especiali-
nação dos saberes, visualiza- relação de docilidade-utilida- za o tempo de formação e qua-
se a presença do poder, diluído de, denominada por Foucault lifica os indivíduos de acordo
em uma multiplicidade de es- (2002) de disciplina. Sob es- com o desenvolvimento obtido
truturas e normatizações, que se aspecto, a disciplina visa nas séries que percorre. O po-
atua por meio da vigilância e não somente aumentar a ca- der se articula diretamente so-
do controle, para a fabricação pacidade das habilidades in- bre esse tempo, controlando-o,
da identidade e da subjetivi- dividuais e aprofundar sua capitalizando-o e garantindo
dade “dócil” ( Foucault, 2002, sujeição, mas, sobretudo, de- sua utilização eficaz. Os pro-
op.cit). senvolver uma relação que tor- cedimentos disciplinares reve-
Na sociedade disciplinar na o indivíduo tanto mais obe- lam um tempo linear, formado
moderna, o poder exerce uma diente quanto mais útil, sendo por instantes que se integram
coerção contínua, ininterrupta, o inverso também verdadeiro. uns com os outros, na direção
que mecaniza os movimentos, Resumidamente, a disciplina- progressiva de um ponto defi-
os gestos, as atitudes, visan- ridade consiste em um conjun- nido que se encontra, suposta-
do obter maior eficácia e eco- to de técnicas de subjetivação. mente, à sua frente. Essa idéia
nomia. Embora a modernidade Rastreando a produção da de tempo cumulativo, “evoluti-
seja orientada pelo discurso de subjetividade no espaço esco- vo”, realiza no indivíduo, atra-
emancipação e libertação do lar, verifica-se a definição dos vés da continuidade, da repe-
homem, da sociedade e da cul- espaços para cada tipo de ati- titividade e da coerção, uma
tura, na sua ambigüidade ela vidade. Tanto as atividades dos idéia de crescimento e qualifi-
também tende a moldar e con- alunos como o tempo e o espa- cação.
formar o indivíduo, definindo ço disponível são controlados Sob esse aspecto, as insti-
modelos sociais de comporta- em horários e espaços determi- tuições disciplinares são meios

7
Ver o conceito de disciplina articulado por Foucault em seu livro Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.86, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

de quitação aparente , ou se- 87


ja, a sensação de que a “dívi-
da” contraída pelo sujeito com
a instituição e consigo mesmo
se encontra supostamente qui-
de confinamento que funcio- tada. Essa sensação perdura
nam como espaços de mol- até o próximo ingresso em ou-
dagens independentes. Nesse tro confinamento, que, por sua
processo de moldagem, os in- vez, pré-requisitará um novo
divíduos passam por diferen- recomeço, e assim sucessiva- conduta básico, é preciso ana-
tes espaços de confinamento mente. No modelo disciplinar, lisar o comportamento do in-
(escola, exército, fábrica) e de- esse processo, que se prolon- divíduo para utilizar as comu-
las saem de maneira linear, por ga indefinidamente, leva o in- nicações necessárias para que
elas formado. Cada instituição divíduo a viver num estado de ele passe a incorporar o discur-
possui suas regras e lógicas de eterno recomeço. O espaço dis- so pré-estabelecido, vigiando-
subjetivação. A escola nos diz: ciplinar passa a ser utilizado o e medindo suas qualidades e
“Você não está mais na sua fa- para quadricular o indivíduo, sua utilidade em todos os mo-
mília”; e o exército diz: “Você ou seja, atomizá-lo, não o dei- mentos.10
não está mais na escola”. Por xando perceber que está sen- Na sociedade contempo-
serem meios independentes, do moldado e organizado para rânea, verifica-se a passa-
entre um confinamento e ou- determinadas tarefas. Após fa- gem da sociedade disciplinar
tro, as instituições pré-requi- zer com que o indivíduo per- de Foucault para a sociedade
sitam, no ato do ingresso, um ca a noção do todo, reduzindo de controle preconizada por
começo do zero. Em contra- uma multiplicidade tida como Deleuze11. Contudo, essa pas-
partida, oferecem, no momen- caótica a uma homogeneidade sagem não é de oposição e sim
to do seu egresso, o sentimento constante ou a um padrão de de intensificação.

8
Cf. Deleuze, Conversações, Rio de Janeiro: Editora 34, 1992: 219.
9
Idem p.222.
11
Podemos citar o exame como possuindo um papel central na moldagem e na normalização do indivíduo, posto que combina as técnicas
da vigilância hierarquizada com as da sanção que normaliza. No interior do exame, podemos identificar a reunião da cerimônia do poder
e a forma da experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade. É por meio do exame que a superposição das relações
do poder com o saber alcança o seu apogeu, sendo por isso que em todos os estabelecimentos de disciplina o exame é altamente ritualizado.
Nesse sentido, a escola funciona como uma instância ininterrupta de exames, que se fazem presentes durante todo o processo de ensino, e
estabelecem a ligação entre um certo tipo de formação de saber e uma certa forma de exercício de poder. Seu aspecto ritualístico, seus jogos de
perguntas e respostas, assim como seus sistemas de notas e classificação, sintetizam as relações de poder e de saber, na medida em que buscam
definir o que é “verdade”, através da pontuação de erros e acertos, que possibilita a classificação, a qualificação e a punição. Nesse processo,
o exame reafirma a característica fundamental do poder disciplinar, na medida em que, deixa de emitir sinais de seu poderio, ao mesmo tempo
em que obriga aqueles que a ele estão submetidos, nesse caso os alunos, a uma visibilidade obrigatória.

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ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
ESPAÇO
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88 O homem experimenta a interatividade com espaços são impuros, híbridos,


e sua organização, que antes se
as máquinas e seus bancos de dados, com
dava em torno de grandes con-
os mecanismos de controle, a exemplo das flitos, hoje se dá em torno de
câmeras de vigilância, com a comunicação uma rede de microconflituali-
planetária em que informações são trocadas, dades. O poder é total e cons-
tante, operando velozmente
com os sistemas telemáticos, vivenciando
por meio de modalidades digi-
uma identidade não-linear, hiperconectada tais, contínuas, fluídas, ondu-
e distribuída em escalas globais, em mesclas latórias, mutantes, que se espa-
do real e do virtual tecnológico, decorrente lham aceleradamente por todo
corpo social.
das interações com os novos meios de
O homem experimenta a in-
comunicação e informação. teratividade com as máquinas
e seus bancos de dados, com
Em síntese, percebe-se que, há mais distinção entre fora e os mecanismos de controle, a
embora o processo de produ- dentro” (Hardt, 2000: 369). exemplo das câmeras de vi-
ção das subjetividades con- Nesse sentido, pode-se di- gilância, com a comunicação
tinue sendo engendrado pelas zer que a sociedade moderna planetária em que informações
mesmas instituições sociais já se concebia em termos de ter- são trocadas, com os sistemas
indicadas anteriormente neste ritório – real ou imaginário – telemáticos, vivenciando uma
estudo, este processo tem sido e da relação desse território identidade não-linear, hiperco-
levado ao extremo, a ponto de com o seu fora, condição cen- nectada e distribuída em esca-
instaurar um modelo de subje- tral para o seu bom funciona- las globais, em mesclas do real
tividade que passa a ser reco- mento. Na sociedade de con- e do virtual tecnológico, de-
nhecido como artificial.12 Para trole, embora ainda existam as corrente das interações com
Hardt, por exemplo, o controle instituições (família, escola, os novos meios de comunica-
pode ser definido como “uma exército, prisões) seus muros ção e informação. Estes, na
intensificação e uma generali- se encontram em franco des- sua materialidade tecnológi-
zação da disciplina, em que as moronamento, tornando im- ca, formam o principal siste-
fronteiras das instituições fo- possível distinguir entre fora e ma produtor e divulgador da
ram ultrapassadas, tornadas dentro. Suas lógicas percorrem informação. Considerando que
permeáveis, de forma que não superfícies sociais ondulantes, a informação é matéria-prima
em ondas de intensidade, seus para a construção do conhe-

11
Ver Deleuze, Gilles, Post-Scriptum sobre as sociedades de controle, in Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
12
Sobre este conceito de “subjetividade artificial” ver Michael Hardt em A sociedade mundial do controle; in Alliez, Eric (org) Gilles Deleuze:
uma vida filosófica, Rio de Janeiro: Editora 34, 2000.

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cimento, e que a escola, den- zava e selecionava a informa- tos e imagens que compõem
tre os inúmeros espaços for- ção, atendendo ao princípio pe- a linguagem digital, a molda-
mativos e educacionais, ainda dagógico de sistematização do gem da verticalidade curricu-
se constitui como o espaço de conhecimento socialmente va- lar – inspirada na metáfora da
ordenação, sistematização e lidado e necessário para todos. árvore13 como forma clássica
divulgação do conhecimen- Ao professor, no papel de me- de representar a estrutura dos
to socialmente validado, con- diador do interesse geral e “de- saberes e das ciências – agoni-
tinua pertencendo ao discur- tentor do conhecimento”, cabia za, frente à sociedade modu-
so escolar o reconhecimento e emitir uma mensagem homo- lar que impõe a formação inin-
a credibilidade de elaborador e gênea que todos os alunos re- terrupta, a chamada formação
detentor do conhecimento sis- ceberiam, assumindo o mode- permanente. Verifica-se, por-
temático e legítimo. Seria con- lo de transmissão “um-todos”, tanto, uma crise generaliza-
veniente, pois, dizer que a es- em consonância com o modelo da com relação às instituições
cola repense seus conceitos, de divulgação da informação que serviram de base à apli-
suas práticas e sua estrutura- articulado nos meios de comu- cação das sociedades discipli-
ção curricular para fazer frente nicação de massa (rádio, tele- nares de Foucault, no sentido
às mudanças engendradas pe- visão, jornal) existentes até en- de que o lugar de sua efetivi-
la sociedade modular de con- tão. Aos alunos, vistos como dade é cada vez mais indefini-
trole. Mas pensar em mudan- meros receptores, restava ape- do e suas lógicas disciplinares,
ça, dessa forma, nos remeteria nas a decodificação da men- embora não tenham se tornado
à lógica teleológica de progres- sagem enviada, sem qualquer ineficazes, se encontram ge-
so e aperfeiçoamento, dando questionamento crítico ou in- neralizadas como formas flu-
margem para que as mudan- terferência no processo de se- ídas através de todo o campo
ças em curso sejam apreen- leção dos saberes. O currículo social. Na contemporaneidade,
didas apenas de forma utili- se constituía, por excelência, em que a mensagem é de inde-
tária e perversa, deixando de no mecanismo de seleção, hie- terminação e maleabilidade e
lado a própria imanência des- rarquização, seqüencialidade e de domínio da incerteza, o mo-
sas transformações e seu cará- ordenação, no tempo e no es- delo curricular moderno, ainda
ter processual, inacabado e he- paço, desses saberes. vigorando e sendo praticado,
terogêneo. Com a fragmentação, o des- revela-se insuficiente para dar
Na moldagem disciplinar, a centramento, a descontinuida- conta da multiplicidade de co-
escola centralizava, hierarqui- de e a imediaticidade dos tex- nhecimentos intercambiáveis,

13
A estrutura compartimentalizada do conhecimento pode ser representada pela metáfora arbórea, a imagem de uma grande árvore cujas
extensas raízes devem estar presas em solo firme, com tronco sólido que se ramifica em galhos e mais galhos. É o modelo cartesiano, moder-
no, colocando em evidência princípios de uma natureza única, fronteiras, regiões de domínio. A organização curricular do ensino segue esse
padrão, colocando as disciplinas como realidades estanques. (http://www.apagina.pt. Acesso em 12 de abril de 2005).

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90
que se articulam nas mais va- lar do modelo arbóreo14 para o
riadas direções, por meio das modelo rizomático.15
novas tecnologias. O rizoma No modelo rizomático do
de Deleuze e Guattari (1995), conhecimento de Deleuze e
que se apresenta como for- Guattari (1995), não existem
ma de pensar e compreender o escalas hierárquicas ou um
atual estágio do conhecimen- ponto central. Todos os tipos umas às outras, em que se in-
to humano, anuncia mudanças de associações são possíveis de ter-relacionam diversas pos-
que ficam muito mais dentro se realizar por meio das inte- sibilidades: “acontecimentos
dos meios acadêmicos do que rações. Definidos como espé- vividos, determinações histó-
nos currículos escolares. A to- cies de “hastes ou caules sub- ricas, conceitos pensados, in-
pologia da rede corresponde ao terrâneos, diferenciam-se dos divíduos, grupos e formações
modelo de comunicação “to- demais tipos de raízes, pois sociais” (idem, p.18).
dos-todos” e rompe com a hie- têm formas muito diversas”. Hoje, a noção de “rede” es-
rarquização entre emissores e Qualquer um dos seus pontos tá presente (ou onipresente)
receptores, abrindo possibili- pode e deve ser conectado a em todos os campos, práticos
dades para que todos possam outros, rompido em um lugar e teóricos e, marcadamente, no
ser emissores de informação. qualquer, e também retomado campo educacional. Evocando,
Isso significa a descentraliza- segundo uma ou outra de suas em certa medida, o conceito de
ção do conhecimento em áre- linhas e segundo outras linhas. rizoma, a rede comporta, entre
as específicas e segmentadas, (Deleuze e Guattari, 1995:15). outros, os princípios da cone-
passando a estrutura curricu- No rizoma, não se verifica a xão entre os nós que a consti-
existência de pontos ou posi- tuem: os princípios da hetero-
ções definidas, mas apenas li- geneidade, da multiplicidade,
nhas de segmentaridade e de da interação e da troca. A for-
desterritorialização, interco- ma mais corrente de definir a
nectadas, planas, que remetem rede é compará-la a um con-
junto vivo de significações, on-
de tudo se conecta: os hiperdo-
cumentos entre si, as pessoas

14
A árvore necessita de uma forte unidade principal, ou seja, “o tronco”, que, simbolicamente, se refere a um segmento específico do saber,
para suportar o desdobramento dos ramos específicos que, em geral, não se relacionam entre si e se ligam unicamente com a idéia central do
conhecimento. O estudo pertencente a cada “árvore” (área) do conhecimento desconsidera qualquer interligação com outras “árvores” do co-
nhecimento humano e, ao contrário, o pensamento estruturado busca especificar e definir as especificidades dos saberes, delimitando os cam-
pos de cada ciência, isolando-a e valorizando sua pseudo “autonomia arbórea”.. O texto da Professora Vani Moreira Kenski, Novas tecnolo-
gias: o redimensionamento do espaço e do tempo e os impactos no trabalho docente, apresentado na XX Reunião anual da ANPED, Caxambu,
setembro de 1997, foi de grande valia para a articulação do raciocínio desenvolvido nesta etapa do presente trabalho.

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era atribuído, preferencialmen-
te, à instituição escolar. Como
conseqüência desse distancia-
mento, reforçam-se os discur-
sos que defendem a formação
permanente, posto que o espa-
uma nova concepção de educa- ço escolar já não dá conta des-
ção, que alteraria radicalmente sa função.
as relações tradicionais profes- É exatamente aqui que entra
sor/ aluno e ensino/ aprendiza- a segunda questão. O que assis-
entre si e os hiperdocumentos gem, mas também uma nova timos tende muito mais a um
com as pessoas. Para a educa- forma de pensar a construção novo tipo de controle do que
ção, a rede se constituiria, por do conhecimento, a forma- à possibilidade de “liberdade”
um lado, em uma imensa bi- ção das identidades e do mun- que a rede indica como consti-
blioteca acessível a todos, e de do que nos cerca. Contudo, o tuição. Para Deleuze (1992), a
outro, em um lugar onde todos que se verifica na prática é um chamada formação permanen-
compartilhariam a construção processo extremamente con- te tende a substituir a escola, e
do conhecimento, por meio da flituoso e paradoxal que tende o controle contínuo, o exame.
troca e da interação. Cada ator a se desdobrar em duas ques- Como conseqüência, teríamos
inscreveria sua identidade na tões fundamentais. A primei- o novo modo insidioso com que
rede à medida que articulas- ra aponta para a permanência, o modelo empresarial se afir-
se sua presença no trabalho de ainda que com algumas ma- ma e se expande, penetrando
seleção e navegação nas suas quiagens, de uma concepção no sistema educacional, gene-
áreas de interesse. A caracte- de educação vigente, fundada ralizando e entronizando seus
rística não-linear, horizontal, na idéia da transmissão de in- princípios, seus critérios de
do percurso possibilitaria no- formações por meio do modelo avaliação, produzindo, assim, e
vas formas de intervenção por “um-todos”, tradicional e “ban- de maneira disseminada, o tipo
parte dos usuários, garantin- cário”, tendo por sustentação a de identidade a que ele melhor
do-lhes a liberdade de saltar de concepção curricular de raízes se ajusta: auto-centrada, com-
uma fonte para outra, compon- arbóreas. Esse modelo, que cria petitiva e afinada às exigências
do seu próprio itinerário, sem uma dicotomia entre a escola e do mercado.
começo nem fim. as demandas da sociedade mo-
Sem dúvida alguma, o mo- dular, distancia a escola dos ou-
3. Dos moldes às
delo rizomático e as caracterís- tros fenômenos sociais, abrindo
modulações
ticas próprias da rede parecem brechas para outras institui-
romper com o modelo tradi- ções ocuparem o espaço de for- Deleuze16 nos dá como
cional de educação, exigindo mação do individuo e de pre- exemplo da lógica da modula-
e potencializando não apenas servação da cultura que antes ção a substituição do modelo

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da fábrica para o de empresa.
92 Note-se que essa substituição
implica tanto o modelo da or-
ganização da produção/consu- No caso da educação, instala-se um novo
mo como a própria gestão da
paradigma: o de uma formação permanente,
vida e dos modelos de forma-
ção. Se, no modelo disciplinar/ sem-fim, em que cada vez menos se
fabril, a remuneração fica an- dissociam a escola e o meio profissional como
corada no sistema de prêmios espaços fechados e distintos, forjando-se
e promoções, no modelo con-
figuras híbridas como as do operário-aluno
trole, a tendência é a introdu-
ção de modulações para cada ou a do executivo-universitário.
salário, indicando uma compe-
tição interminável que será en- para entender esse novo for- nós e aprendemos a conviver
tendida como saudável, produ- mato. Ele afirma que, enquan- com nossos muitos eus, repar-
tiva, posto que foi desejada e to nas sociedades disciplinares tidos nos diferentes bancos de
estimulada. a velha assinatura identifica os pertencimento e que só encon-
É fato que as novas tecnolo- indivíduos e o número de ma- tram nexo e desenvolvimento
gias têm produzido novas tem- trícula assinala nossa posição no interior do próprio banco.
poralidades, que, por sua vez, em uma massa, nas socieda- Já as massas, estas se torna-
incidem sobre o modo de per- des de controle, corresponde- riam amostras, dados armaze-
ceber e experimentar o mundo, mos a uma senha, que fran- nados em bancos de dados que
interessantes para sustentar queia ou barra o nosso acesso têm como objetivo não só fazer
um certo regime de vida que à informação ou à passagem – previsões como também esta-
vai se fortalecendo à medida a inclusão em um espaço17. Em belecer perfis de consumo, de
que a mesma produz as subje- vez do indivíduo-massa-anô- cognição, de atividades e de
tividades que lhe são adequa- nimo, característico da socie- comportamentos.
das. Com isso, esse novo regi- dade disciplinar, tem-se o que No caso da educação, ins-
me de sociedade produz não só Deleuze (1992) denominou de tala-se um novo paradigma: o
novas relações de poder como indivíduos dividuais, divisí- de uma formação permanente,
novas subjetividades. veis. Com a interface gráfica sem-fim, em que cada vez me-
Deleuze (1992) marca, (as janelas), experimentamos a nos se dissociam a escola e o
mais uma vez, as distinções possibilidade de múltiplas per- meio profissional como espa-
que nos parecem importantes sonalidades coexistindo em ços fechados e distintos, for-

16
Cf. Deleuze, Gilles, Post-Scriptum sobre as sociedades de controle. Conversações, Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
17
Vide as transações comerciais efetuadas por meio do cartão de débito automático que, para sua efetivação, não mais exigem a assinatura
do comprador ou seu número de identificação, bastando apenas que este digite a sua senha, ou seja, o seu “código de acesso” a esse novo
espaço informacional. É importante destacar que, para cada espaço diferenciado, é necessário um “código de acesso” próprio e diverso, que
“dividua” o indivíduo, personalizando-o naquele espaço específico.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.92, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
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Deleuze19 de moratória ilimita- 93


da, em que a “dívida” frente às
instituições se torna impossí-
delarmente definida. Agora, vel de ser quitada. Como desa-
os novos dispositivos efetuam- parece a possibilidade de con-
se por meio aberto, apoian- siderar-se alguém plenamente
do-se na tecnologia para pro- formado, independente do grau
jando-se figuras híbridas co- duzir formas ultra-rápidas de de escolarização alcançado,
mo as do operário-aluno ou controle, considerando que as prioriza-se a formação perma-
a do executivo-universitário. situações vivenciadas cons- nente, que, para Deleuze, se
Pensando na trajetória dos pró- tituem-se como bancos de da- constitui no “meio mais garan-
prios professores, sua forma- dos diferenciados. O processo tido de entregar a escola à em-
ção também prevê uma for- de dividuação exige exposição presa” (Deleuze, 1992: 221).
mação sem-fim, por meio de diferente em diferentes bancos A educação, que antes “mol-
cursos de atualização, especia- de dados, importando, sobre- dava”, formava e conforma-
lizações lato-sensu ou stricto tudo, a possibilidade de sus- va o indivíduo para o merca-
sensu, “reciclagens”, ou de for- tentar a diversidade no seio da do de trabalho – representado,
mação continuada18, face, so- própria dividuação. em grande parte, pela fábrica
bretudo, às crescentes exigên- Nesse contexto, modifica- – hoje “modula” para atender
cias do mercado, bem como à se o ethos educativo, que pas- ao ethos empresarial, cujo dis-
vinculação desses dispositi- sa a impor novos ritmos e di- curso incentiva e valoriza a ca-
vos aos planos de cargos e sa- mensões ao processo de ensino pacidade dos indivíduos e das
lários. e aprendizagem. Caracterizada estruturas organizacionais de
A diferença que parece im- como uma sociedade em con- se modular, permanentemen-
perceptível é que, antes, as téc- tínua adaptação, em que nun- te, às constantes mudanças de-
nicas disciplinares operavam ca se termina nada, a socie- correntes do avanço da ciência
na duração de um sistema fe- dade de controle cobra, tanto e da técnica. Desse modo, os
chado, que se sustentava em do aluno quanto do professor, vínculos estáveis de trabalho
um modelo de identidade a ser uma postura de aprendiza- são desqualificados e desva-
perseguido, construindo uma gem permanente e de constan- lorizados, passando a ser valo-
trajetória coerente para a cons- te adaptação ao novo. O sujeito rizada a capacidade de empre-
ciência, que resultaria na cons- constantemente modulado vi- gabilidade de cada um. Isso,
trução de uma identidade mo- ve o processo denominado por além de, perversamente, rom-

18
A questão da formação continuada, embora não se constitua como objeto de nossa análise, vale ser destacada, posto que indica, também,
um lugar sem-fim de exigências formativas. Possui, entretanto, várias outras facetas. Aqui, interessa-nos destacar que a justificativa da necessi-
dade da existência de cursos de formação continuada se efetua por meio de um discurso contraditoriamente, a princípio, desqualificante. Ora
se desqualifica a formação inicial ou ora se desqualifica o próprio professor, esvaziando de sentido sua experiência e seu saber.
19
Idem.

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ATUALIDADES EM
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94 per com as relações fixas, in-


centivando a competitividade,
amplia, para o cultural, para as
relações interpessoais e para o
afetivo, a instabilidade que o essa lógica é perversa, na me-
sujeito vive no campo do tra- dida em que faz crer que a edu-
balho. Assim, a instabilidade cação é a mera aquisição do
no emprego, o culto ao novo, conhecimento e que esta é a
ao descartável e ao efêmero, solução para todos os proble-
regem e justificam a superfi- mas. Conhecimento é nada, ou
cialidade das relações afetivas, quase nada, quando não usado
ao mesmo tempo em que in- adequadamente, apropriada- do o papel da reciclagem e da
centivam o consumo, tornan- mente e corretamente nas mais complementação educacional,
do a noção de competência20 variadas situações da vida pes- abandonando o treinamento rá-
a mais apropriada, posto que soal e profissional. A essa no- pido em áreas específicas para
atende perfeitamente ao dis- va capacidade de utilização os oferecer um enfoque mais es-
curso da globalização de valo- gestores denominam compe- tratégico, muito mais a serviço
rização da polivalência. tência. Não existe competência do capital do que do trabalha-
Segundo essa nova lógica, o sem o devido conhecimento dor propriamente dito, posto
conhecimento estaria, portan- para ser usado, mas existe co- que visa garantir a permanên-
to, se transformando no recur- nhecimento sem a devida com- cia e/ou liderança da empresa
so que mais agrega valor aos petência para usá-lo, o que, de no mercado. A empresa se en-
negócios e, por conseguinte, qualquer forma, é péssimo. carrega da educação corporati-
à economia. Estimular, man- Com o objetivo de melhorar va para divulgar o diferencial
ter e desenvolver as competên- a gestão e ganhar competitivi- de seus produtos, formando e
cias necessárias para o sucesso dade, oferecendo um diferen- apelando para a consciência
do negócio tornou-se o desafio cial na guerra pela conquis- social, política, ética, ecológi-
primordial da gestão de pesso- ta e manutenção de mercado, ca, etc., associando ao produto
as contemporânea. Contudo, as empresas estão assumin- os conceitos considerados co-

20
A professora Guiomar Namo de Mello, no site da Revista Nova Escola, http://www.novaescola.abril.com.br, atribui à competência e ha-
bilidades as seguintes definições: Competência é a capacidade de mobilizar conhecimentos, valores e decisões para agir de modo pertinen-
te numa determinada situação. Portanto, para constatá-la, há que considerar também os conhecimentos e valores que estão na pessoa e nem
sempre podem ser observados. Competências e habilidades pertencem à mesma família. A diferença entre elas é determinada pelo contexto.
Uma habilidade, num determinado contexto, pode ser uma competência, por envolver outras sub-habilidades mais específicas. Por exemplo: a
competência de resolução de problemas envolve diferentes habilidades — entre elas a de buscar e processar informação. Mas a habilidade de
processar informações, em si, envolve habilidades mais específicas, como leitura de gráficos, cálculos etc. Logo, dependendo do contexto em
que está sendo considerada, a competência pode ser uma habilidade. Ou vice-versa. Sabemos, entretanto, que a noção já foi amplamente cri-
ticada quando vem associada ao novo paradigma produtivo das sociedades pós-industriais.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.94, janeiro - dezembro/2006
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Eficazes.21 Ou seja, fica claro
que a preocupação não reside 95
na construção do conhecimen-
to, de forma mais ampla, ou
no desenvolvimento humano e
mo “politicamente corretos”. É ganizações criaram centros de sim no aprimoramento das téc-
a lógica do capitalismo de su- ensino próprios para a condu- nicas, das competências e ha-
perprodução, em que a merca- ção de atividades voltadas para bilidades, para atender às de-
doria é fetichizada, e a educa- a aprendizagem, denominadas mandas da empresa frente às
ção mercadologizada. universidades corporativas. exigências do mercado. Muitas
Uma breve consulta aos sites dessas instituições têm esten-
dessas corporações, disponibi- dido os seus programas de edu-
4. Hambúrgueres,
lizados na Internet, evidencia cação e treinamento a fornece-
toupeiras e serpentes
a inexistência de qualquer es- dores, clientes, franqueados e
Uma série de organizações, trutura curricular preocupada a outras empresas, ao mesmo
principalmente nos Estados com uma formação mais am- tempo em que transformam
Unidos, vem se benefician- pla. Os cursos oferecidos são suas universidades corporati-
do dos conhecimentos e ha- voltados unicamente para ade- vas em uma fonte expressiva
bilidades que têm ajudado a quar os alunos aos interesses de receitas. Atualmente, novas
promover a partir da criação da empresa, reafirmando suas formas de uso da força de tra-
de departamentos ou institui- políticas comerciais e de ma- balho estão sendo delineadas,
ções voltados especificamen- rketing. Tomando como exem- assim como novas exigências
te para a promoção da apren- plo o site da Universidade do em termos de qualificação pa-
dizagem organizacional. No Hambúrguer do Mcdonald’s, ra o trabalho decorrentes dos
Brasil, já iniciaram suas ativi- verificamos a oferta dos se-
dades a Motorola University, guintes cursos: Relações com a
Universidade do Hambúrguer Mídia, Técnicas de Apresentação
da McDonald’s, Escola Amil, e Facilitações, Consultoria de
Instituto de Formação Carrefour, Negócios, Marketing Básico,
Universidade Algar, Unite da Curso Avançado de Operações,
Telemar, Universidade TAM, Práticas de Liderança de Res-
Academia Universidade de taurante, Práticas de Liderança
Serviços do Grupo Accor, de Negócios, Curso Básico pa-
Boston School do Bank Boston, ra Gerente e Operador e Sete
Visa Training e Universidade Hábitos das Pessoas Altamente
Datasul, entre outras. Essas or-

21
Retirado do site http://www.mcdonalds.com.br (Acesso em 06 de abril de 2005).

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.95, janeiro - dezembro/2006
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impactos da revolução tecno-
96 lógica. O discurso que busca
associar o alto índice de de- ação das pessoas, que passam
semprego à baixa qualifica- a viver segundo as “normas”
ção profissional provoca uma veiculadas pelos meios de co-
busca desenfreada pela quali- municação de massa e pela
ficação, ocultando a verdadei- propaganda. Nesse contexto,
ra causa do desemprego como o projeto do pensamento cal-
um problema político estrutu- cado no futuro coletivo é de-
ral. posto, para, em seu lugar, rei-
Retomando a metáfora nar o individualismo, ou seja,
construída por Deleuze, os tú- o centramento narcísico do in-
neis estruturais da toupeira divíduo em si mesmo e a ênfa-
que forjavam moldagens fixas, se no aqui e agora, no consumo
distintas, estão sendo substitu- sem fim. Se antes a família, a
ídos pelas ondulações infinitas escola e o trabalho constituí-
da serpente, que funciona por am o mundo e vigorava a cren-
redes flexíveis moduláveis, ça de que este mundo podia ser
“como uma moldagem auto- melhorado por meio da ideolo-
deformante que mudasse con- gia, da luta política ou da prá-
tinuamente, a cada instante, ou tica religiosa, hoje os meios de
como uma peneira cujas ma- comunicação propagam a ne-
lhas mudassem de um ponto a cessidade e o desejo, ao mes-
outro”22. Não mais se faz ne- mo tempo em que fortalecem
cessário confinar, submeter ou a ilusão da ascensão infini-
moldar, sendo apenas necessá- ta. A compreensão do mundo,
rio “modular” o indivíduo, por seus problemas e soluções são
meio da informação contínua condicionados a uma concep-
veiculada pelos meios. O con- ção utópica de que podemos
trole é de curto prazo e de rota- atingir nossas metas se consu-
ção dinâmica, mas ao mesmo mirmos determinadas identi-
tempo contínuo e ilimitado. dades associadas a determina-
Desse modo, o controle não se das marcas. “O homem não é
dá mais pela contenção e sim mais o homem confinado, mas
pela pasteurização do pensa- o homem endividado”, escreve
mento e da capacidade de re- Deleuze (1992: 224).

22
Cf. Deleuze, Gilles, Post-Scriptum sobre as sociedades de controle, Conversações, Rio de Janeiro: Editora 34, 1992: 221.

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97

Referências Bibliográficas
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e esquizofrenia,vol.1, Rio de Janeiro: Ed. 34.
DELEUZE, Gilles, (1992). Conversações, Rio de Janeiro: Ed. 34
Literatura.
FOUCAULT, Michel,(2002). Vigiar e punir, 25ª Edição, Petrópolis, RJ:
Vozes.
HARDT, Michael, (2000). A sociedade mundial do controle; in
ALLIEZ, Eric (org) Gilles Deleuze: uma vida filosófica, Rio de
Janeiro: Editora 34.
KENSKI, Vani Moreira, (1997). Novas tecnologias: o redimensionamento
do espaço e do tempo e os impactos no trabalho docente, apresentado
na XX Reunião anual da ANPEd, Caxambu.
REVISTA NOVA ESCOLA:
http://novaescola.abril.com.br/index.htm?ed/160_mar03/html/com_
palavra

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EDUCAÇÃO
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98 Disciplina e castigos corporais nas


escolas do Rio de Janeiro –
século XIX
Luiz Fernando Conde Sangenis*
* Doutor em Educação pela UFF, Professor Adjunto da Faculdade de Formação de Professores da UERJ e

Coordenador Geral do Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá.

Resumo são física, tornando-se mais Abstract


sutis, mas não desprovidos de
Os castigos físicos e morais violência. O objetivo deste ar- The physical and moral
tornaram-se práticas discipli- tigo é relatar resultados da in- punishments became discipli-
nadoras amplamente empre- vestigação empreendida sobre narian practices thoroughly
gadas pelos pedagogos, des- as práticas dos castigos físicos used by educators, from the
de os primórdios da escola. Da e morais, nas escolas do Rio beginning of the history of the
Grécia Clássica, atravessando de Janeiro, do final do século school. Since Classical Greece,
toda a Idade Média, aos tem- XIX aos dias atuais. A pesqui- crossing all the Medium Age,
pos modernos, não se compre- sa analisou documentos esco- at the modern times, people
endia a escola sem o castigo lares, regimentos, leis, papéis did not understand the school
corporal. A convicção de que da instrução pública que regu- without corporal punishment.
não é possível educar sem ba- lavam as práticas disciplina- The conviction that is not pos-
ter na criança consagrou o chi- res. Coube, finalmente, propor sible to educate without beating
cote como a insígnia do profes- à formação de professores uma the child consecrated the whip
sor. Além das agressões físicas, reflexão crítica acerca das atu- as the emblem of the teacher.
o aluno era também agredi- ais práticas disciplinares na es- Besides physical aggressions,
do moralmente com palavras cola.
e castigos aviltantes. À medida Palavras-chave: escola,
que se avançou no tempo, os disciplina, castigos corporais
castigos escolares foram per-
dendo o seu caráter de agres-

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ATUALIDADES EM
EDUCAÇÃO INES

-Oh! Seu Pilar! Bradou o ESPAÇO


mestre com voz de trovão. JAN-DEZ/06

Estremeci como que acor-


dasse de um sonho, e levantei-
Introdução
99
me às pressas.
(...)
Venha cá! Bradou o mestre. A aplicação de castigos fí-
sicos e morais, desde os pri-
Fui e parei diante dele. Ele
enterrou-me pela consciên- mórdios da escola, foi práti-
cia dentro de um par de olhos ca disciplinadora amplamente
pontudos. Depois chamou o fi- empregada pelos pedagogos.
lho. Toda a escola tinha parado; Desde a Antigüidade, no Egito,
ninguém mais lia, ninguém fa-
na Grécia Clássica e na Roma
zia um só movimento. Eu, con-
the student was also attacked quanto não tirasse os olhos do Imperial, atravessando toda a
morally with words and degra- mestre, sentia no ar a curiosida- Idade Média, aos tempos mo-
ding punishments. As time de e o pavor de todos. dernos, não se compreendia a
went by, school punishments (...) escola sem o castigo corporal.
went losing its physical aggres- Aqui pegou a palmatória. A convicção de que não é pos-
sion character, becoming more - Perdão, seu mestre... solu- sível educar sem bater na crian-
subtle, but not lacking violence. cei eu. ça, consagrou o chicote como
- Não há perdão! Dê cá a
The objective of this article is to mão! De cá! Vamos! Sem ver-
a insígnia do professor. Além
tell results of the investigation gonha! Dê cá a mão! das agressões físicas, com va-
undertaken on the practices of - Mas, seu mestre... ra, chicote e régua, dos belis-
the physical and moral punish- - Olhe que é pior! cões, dos puxões de orelha e da
Estendi a mão direita, de-
ments, in the schools of Rio de pois a esquerda, e fui receben-
prática de ajoelhar em caroços
Janeiro, of the final of the cen- do os bolos uns por cima dos de milho, o aluno era também
tury XIX to the current days. outros, até completar doze, que agredido moralmente com pa-
The research analyzed school me deixaram as palmas verme- lavras e castigos aviltantes,
lhas e inchadas. Chegou a vez
documents, regiments, laws, do filho, e foi a mesma cousa; como usar “orelha de burro”
papers of the public instruction não lhe poupou nada, dois, qua- diante da classe ou, ainda, de
that regulated the disciplinary tro, oito, doze bolos. Acabou, mandá-lo voltar-se contra a pa-
pregou-nos outro sermão. Cha-
practices. It fit, finally, to pro- mou-nos de sem-vergonhas, rede com os braços abertos.
pose to the teachers’ formation desaforados, e jurou que se re- Nesse caso, o aluno era casti-
a critical reflection concerning petíssemos o negócio apanharí- gado em duplo, fisicamente,
amos tal castigo que nos havia
the current disciplinary practi- de lembrar para todo o sempre. pela posição, e, moralmente,
ces in the school. E exclamava: Porcalhões! Tra- pelo fato de tornar-se visível a
Key words: school, disci- tantes! Faltos de brio!  todos os colegas a sua fragili-
plines, corporal punishments Machado de Assis dade. Pequenos martírios.

2 Conto de Escola. Obras Completas, de Machado de Assis, vol. II, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

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100
À medida que se avançou
no tempo, os castigos escolares
foram perdendo o seu caráter
de agressão física, tornando-
se mais tênues, mas não des-
providos de violência. Hoje, os um rápido retrospecto sobre as
castigos se manifestam de ou- práticas dos castigos na histó-
tras formas, não atingindo di- ria geral da pedagogia; a se- o fato de que a violência físi-
retamente o corpo físico do gunda parte analisa o tema no ca era uma instituição “cona-
aluno, mas sua personalidade, contexto da história da educa- tural” à educação e ao ensino
tratando-se mais propriamente ção brasileira, particularizan- escolar. Crendo não ser supér-
de violência psicológica. do a ambiência do século XIX, fluo o destaque de vários tex-
É interessante notar que na cidade do Rio de Janeiro, tos utilizados por Manacorda,
o tema, quando abordado, é locus da nossa pesquisa. na obra citada, sintetizamos os
sempre gerador de muitas his- trechos mais significativos que
tórias testemunhadas pelos en- ilustram, na sucessão do tem-
1. O castigo corporal:
volvidos na conversa. As pes- po, o emprego da violência fí-
uma instituição educativa
soas, independentemente da sica como prática educativa re-
milenar
sua idade, em geral, têm um corrente.
caso semelhante a contar sobre Os castigos corporais – não Referente ao antigo Egito,
algum castigo ou punição in- é exagerado dizer – se torna- Manacorda reúne uma série
fringidas aos colegas de clas- ram uma instituição pedagó- de ensinamentos proféticos e
se ou a si próprios. Enquanto gica milenar. Não se compre- sapienciais que nos chegaram
é comum que os mais velhos endia a escola sem o castigo através de várias coletâneas
acusem haver sofrido dos seus corporal: a férula era para o escolásticas, da qual destaca-
professores algum tipo de vio- mestre como o cetro era para o mos o seguinte mandamento:
lência física, não é raro ouvir rei ou o cajado para o pastor. “Pune duramente e educa du-
relatos que envolveram violên- Dos autores pesquisados, o ramente!” . Num reino auto-
cia psicológica e moral de pes- que melhor subsidia o tema é crático, assevera Manacorda,
soas que tenham passado pela Mario Manacorda. Ao longo a arte do comando é também,
escola há menos tempo. de sua “História da Educação”, e antes de tudo, a arte da obe-
Sobre este tema instigante, o autor cita abundantes docu- diência: a subordinação é uma
propusemos o texto dividido mentos e referências bibliográ- das constantes milenares desta
em duas partes: a primeira faz ficas com o intuito de marcar inculturação da qual, portanto,

3 MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação: da Antigüidade aos Nossos Dias, 5ª ed., São Paulo: Cortez, 1996.
4 Os textos sobre o Egito foram reunidos por Bresciani, Edda. Letteratura e poesia dell’antico Egito. Turin: Einaudi, 1968.
5 MANACORDA, op. cit: 15.

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das serão garantia de uma vi-
Quando tinha a tua idade, passava o tempo
nos grilhões; foram eles que domaram meu
da de descanso para os fi- 101
lhos e de delícias para os pais
corpo, porque fiquei com eles três meses (Pv 29, 17). “Não afastes dos
jovens a disciplina... Quanto a
ti, deves bater-lhe com a va-
fazem parte integrante o casti- te de castigos nesses textos, e ra para salvar-lhe a vida do
go e o rigor. quase sempre o jovem indisci- inferno” (Pv 23, 14s.). Educar
Numa carta enviada por plinado é comparado aos ani- para a sabedoria exige discipli-
um escriba mais velho e sábio mais rebeldes que precisam do na, pois “a estultícia está liga-
a outro escriba mais jovem ou chicote para ser domesticados: da ao coração da criança, mas
ainda aprendiz, que é figura- “Mas eu farei parar que teus a vara da disciplina a afasta-
do como recalcitrante ao estu- pés vadiem pelas ruas, quando rá dela” (Pv 22, 15). A vara e
do, lê-se a exortação: “Não se- te surrar com chicote de hipo- a repreensão, portanto, são os
jas uma pessoa insensata, que pótamo”. E junto com as sur- meios apropriados para que os
não tem educação. Passa-se o ras, aprecem a reclusão e os jovens adquiram a sabedoria
dia ensinado-te e a noite ins- grilhões: “Quando tinha a tua (Pv 29, 17).
truindo-te, mas tu não escutas idade, passava o tempo nos Vários Evangelhos apócri-
nenhum ensinamento e ages a grilhões; foram eles que do- fos narram os embates do me-
teu modo”. E em outro trecho: maram meu corpo, porque fi- nino Jesus com os seus mestres
“Não passes o dia na ociosi- quei com eles três meses”. nas escolas das sinagogas que
dade, ou serás surrado. A ore- A literatura sapiencial ju- freqüentou. A sabedoria da
lha da criança fica nas costas daica também defende o uso criança impressionava os adul-
e ela só presta atenção quando dos castigos físicos. O Livro tos que insistiam com seus pais
é surrada”. dos Provérbios guardam uma para que o mandassem à esco-
O mesmo tema é encontra- série de preceitos educativos la. Mas, a sapiência que pos-
do nesse texto: “Disseram-me exortando à aplicação da dis- suía, em razão de sua nature-
que abandonaste a escritura e ciplina: “Quem poupa a va- za divina, tornava a tarefa de
ficas andando à toa. Deixaste ra odeia seu filho, aquele que estudar enfadonha e dispensá-
a escritura e transformaste o ama aplica a disciplina” (Pv vel:
teus pés num par de cavalos... 13, 24). Evitar a frouxidão na Então José e Maria, acari-
Teu ouvido é surdo e te tornas- educação dos jovens é tare- ciando Jesus, conduziram-no
te como um asno que precisa fa dos pais que não desejam a para a escola, para que Levi, o
ser punido”. Andar à toa, cair vergonha futura (Pv 10, 1). Ao ancião, ensinasse-lhe as letras.
E, Jesus, ao entrar, guardou si-
na gandaia é motivo recorren- contrário, a rigidez e as vara- lêncio. E o mestre Levi, mos-
6 Idem, p. 32
7 Idem.
8 Idem.
9 Idem, p. 33,
10 Idem.

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102
trando uma letra para Jesus, a
primeira, Alfa, disse-lhe: ‘Res-
ponde’. Mas Jesus calava e não
dendo-o, mostrando-lhe a va-
respondia nada. Então o mes- ra e sacudindo o chicote (Vitae
tre, irritado, pegou a vara e ba- sophistarum, II, 21).
teu na sua cabeça. (Evangelho Horácio lembra os versos
do Pseudo Mateus, XXXI, 1) de Andrômico, que “quan-
do criança, Orbílio (plagosus faz barulho na rua com seus
Cenas semelhantes acer- Orbilius), o mestre da mão pe- ralhos e chicotes, definindo-
ca da severidade dos mestres sada, me ensinava a toque de o como “pessoa odiada pelos
que interpretavam as manifes- chicote” e Domício Afro lem- meninos e pelas meninas”13.
tações da sapiência do menino brava “aqueles que Orbílio de- Inevitavelmente, a essa sá-
como arrogância, e, por isso, ve ter atingido com a vara e o dica severidade correspon-
o castigavam com pauladas, chicote (férula acuticaque)” dem a aversão, o tédio e a in-
são também descritas pelos 12
. Séculos depois, a utilização disciplina dos alunos. Um dos
Evangelhos de Tomás e Árabe pedagógica do chicote foi no- grafitos do Palatino, segundo
da Infância 10. meada de “orbilianismo” pe- Manacorda, desaparecido em
Chicotes e varas, como en- lo autor de um panfleto ge- 1866 por obra de algum vân-
tre os egípcios e os hebreus, nebrês intitulado “Mémoire dalo, mas do qual ficou uma
eram o meio principal da ins- Historique sur l’Orbilianisme gravura, testemunha o tédio
trução grega. Pinturas de va- et les Correcteurs des Jésuites”, dos meninos perante a esco-
sos antigos provam isso: os co- impresso em Genebra, 1763, la, apresentando o aluno como
legas seguram, pelos braços e evocando a figura de Orbilius, um jumento condenado a rodar
pelas pernas, a criança a ser o pedagogo que, segundo uma mó, com o seguinte tex-
punida, levantada com as cos- Horácio, batia nos alunos mais to abaixo: “Trabalha, jumen-
tas para cima, enquanto um ter- por inclinação que por dever. tinho, como eu trabalhei, e te
ceiro, sob as ordens do mestre, Orbílio não devia ser o úni- trará vantagem”14.
a chicoteia11. Numerosos tex- co, já que um século depois de Mais tarde, nas Confis­sões,
tos e fragmentos literários de- Horácio, Marcial fala das varas também Agostinho lembrará
monstram isso também. Cenas e dos chicotes dos pedagogos e tristemente a escola à qual foi
descrevem o pedagogo sentado investe contra o mestre de es- enviado para aprender as le-
ao lado do discípulo, repreen- cola que logo de manhã cedo tras; lastimava que

11 CARTER, Joseph. Os Evangelhos Apócrifos, 2ª ed., São Paulo: Editora Isis, 2003.
12 Taça ática de Melbourne 1644/4, de 450 a. C.; a mesma cena se repete numa gema greco-romana, Berlim-Oriental, n.º 6918.
13 Citado por MANACORDA, op.cit., p. 90.
14 Idem.
15 Idem, p. 91.

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ATUALIDADES EM
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no que diz respeito aos primei- 103


ros níveis de instrução, é exa-
tamente o abismo que separa
a escola da vida, a insignifi-
cância de seus conteúdos, que
lho já se torna odioso”15, dirá colocam essa escola em dis-
Agostinho, lembrando o tédio cussão, não somente entre os
de sua vida escolar. incultos, que não chegam a ver
os pais achassem graça das A aprendizagem da escrita seus aspectos positivos, mas
punições com que os mestres seguia também um método ex- também entre filósofos sérios
castigavam os alunos... Eu gos- cessivamente mecânico. Platão e entre os melhores mestres.
tava de brincar, mas era cas-
o descrevera para a Grécia; um Na Idade Média, para as
tigado por aquele que fazia
as mesmas coisas. Só que as outro filósofo, Sêneca, o des- transgressões, como para as
brincadeiras dos adultos cha- creve em Roma: deficiências no estudo, o remé-
mavam-se negócios e aquelas As crianças aprendem a es- dio de sempre estava pronto;
perfeitamente iguais das crian- crever aquilo que tinha sido Ratério escrevia: “Corrija seus
ças são punidas pelos adultos. escrito primeiro pelo mestre; erros, não somente com pala-
E ninguém se compadece das seguram-se seus dedos e são le-
crianças ou dos adultos ou de vras, mas também com chico-
vados por outra mão a seguir os
ambos (IX, 15). modelos das letras; em segui-
tadas”17. E Alexandre Villadei
da mandam imitar os modelos prescreve: “O mestre bata com
O tédio e o pavor da esco- propostos, escrevendo as letras a vara nas costas de seus dis-
la eram lugar-comum. Nessa conforme os modelos16. cípulos”18. Apesar da rigidez
escola, a didática era aquela no educar, em comparação aos
obsessiva e repetitiva, desde O enfado dessa didática, o colégios surgidos a partir do
a Grécia. O mestre “gárrulo” medo das varas e dos chicotes Renascimento, a educação me-
falava e os alunos repetiam: e os conteúdos muito distantes dieval talvez tenha sido menos
a memória era o instrumen- da vida diária e dos interesses repressiva e cerceadora da vida
to principal do ensino. Na reais dos jovens e da sociedade dos estudantes. Grupos como
Antigüidade, mesmo depois certamente não encorajavam a o dos goliardos, misto de es-
da difusão da escrita, a memó- freqüência aos estudos. Além tudantes e de boêmios, muitas
ria continuava sendo a rainha do sadismo pedagógico gene- vezes levavam o povo a con-
absoluta da escola. “Dois mais ralizado e do enfado de uma fundir as fronteiras que sepa-
dois faz quatro: este estribi- didática repetitiva, pelo menos ravam a vida escolástica da va-
gabundagem.

16 Citado por MANACORDA, op. cit., p. 93.


17 Idem, p. 93.
18 Idem, p. 156.
19 Idem.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.103, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
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A partir do Renascimento
104 e da Idade Moderna, a escola
se institucionaliza de manei- ções minuciosas para a manu-
ra mais complexa. Os alunos tenção da ordem escolar: A vi-
são confinados em internatos gilância constante, os “sinais”
que se distinguem pelo rigor (com as mãos, com os olhos,
da disciplina e pelo controle com a cabeça e com a vara do O Conduite distingue mi-
exercido sobre alunos e profes- mestre, permitem poupar a pa- nuciosamente cinco manei-
sores. Surge a seriação, a divi- lavra e preservar o silêncio, in- ras de praticar a correção: por
são de classes, a separação por dicando ao aluno cada ação: palavras, pela penitência, pe-
idades e a organização de cur- ler, parar, repetir, recomeçar la férula, pelo chicote, pela ex-
rículos rígidos. Um novo con- etc, como também os castigos pulsão. Mas o mais interessan-
ceito de “infância” concebe a corporais); os “catálogos” ou te é a descrição detalhada dos
criança como um ser frágil e registros (utilizados para re- instrumentos de castigos:
suscetível à corrupção, de mo- gistrar a vida e a conduta es- A férula é um instrumento
do que deveria ser submetida colar do aluno: aproveitamen- de duas fitas de couro costura-
a uma educação marcada pe- to, comportamento e outros das juntas: deve ter dez ou doze
la severidade. Os colégios dos dados); as recompensas (para polegadas de comprimento, in-
cluindo o cabo para segurá-la;
religiosos, em especial dos je- premiar a piedade, o aproveita- a palmatória será oval, de duas
suítas, nascidos sob o signo da mento e a assiduidade); a pon- polegadas de diâmetro.20
hierarquia e da vigilância, in- tualidade, as autorizações, os
culcam o valor da obediência oficiais (alunos a quem se de- A palmatória servirá para
às regras e à vontade dos supe- signam responsabilidades), a bater na palma da mão esquer-
riores. A manutenção da disci- estrutura da escola e dos equi- da, com um ou dois golpes, no
plina e da ordem é garantida, pamentos, e as correções e as máximo, e será usada somente
freqüentemente, por meio do punições. A essas últimas se pelo mestre ex cathedra21. La
castigo corporal. dedica o capítulo mais exten- Salle também descreve a “dis-
No início do século XVIII, so e são consideradas como ciplina”, que também se con-
João Batista de La Salle, atra- meio pedagógico indispensá- funde com o chicote:
vés do seu “Conduite des vel, mas que, todavia, exigiam A disciplina é um bastão
Écoles Chrétiennes” (1702), muita cautela para que fossem de 8 a 9 polegadas, na ponta do
prescreve os meios para estabe- “praticadas adequadamente e qual estão fixadas 4 a 5 cordas
lecer e manter a ordem nas es- com proveito, tanto para aque- e cada uma delas na ponta três
nós...22.
colas. Toda a segunda parte do les que a recebem quanto para
Conduite é dedicada às orienta- aqueles que assistem”19.
20 Conduite, p. 140.
21 Idem, p. 146.
22 Idem, p. 156.
23 Idem, p. 147.
24 Idem, p. 173.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.104, janeiro - dezembro/2006
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105
seu melhor e mais eficaz ins-
trumento pedagógico.
Ao longo do percurso do
ciplinador. Kant afirma que Antigo ao Moderno, constata-
“mandamos, em primeiro lu- mos que, nas questões de edu-
Nas correções, tanto ordi- gar, as crianças à escola, não cação, os castigos corporais
nárias, quanto extraordinárias, na intenção de que nela apren- são aceitos e recomendados
poderão ser dados, no máxi- dam alguma coisa, mas a fim com unanimidade.
mo, cinco golpes nas nádegas de que se habituem a obser-
desnudas dos alunos: var pontualmente o que se lhes
2. A Escola Brasileira e as
As correções com o chico- ordena”. Para o filósofo, é por
práticas disciplinares
te serão feitas no canto mais es- meio da consciência moral que
condido e escuro da sala, onde o homem rege sua vida práti- A escola foi transplantada
a nudez de quem for corrigido ca, ao partir de alguns princí- da Europa para o Brasil pelos
não possa ser vista pelos ou-
tros; cuide-se muito para inspi-
pios racionais. No entanto, o conquistadores portugueses
rar aos alunos um grande hor- homem não realiza esponta- com a finalidade de civilizar
ror de um mínimo olhar nessa neamente a lei moral, funda- os nativos. Considerados bár-
ocasião... As correções extra- da no dever, mas a moralida- baros e selvagens, a catequi-
ordinárias, porém, ...devem ser de resulta da luta interior entre zação e a escolarização dos
feitas publicamente, na presen-
ça dos alunos da classe, no meio
a lei universal e as inclinações indígenas visavam tornar pos-
da sala (ou, às vezes, com a pre- individuais. A moral kantia- sível uma espécie de circun-
sença de todas as classes) 23 na, construída a partir do pos- cisão cultural, de modo que
tulado da liberdade e da auto- deixassem os seus hábitos gen-
A vara do mestre não é uti- nomia, nem por isso deixa de tílicos pelos padrões europeus
lizada para castigar os alunos, exigir a disciplina como forma civilizados. Em especial a nu-
cuja finalidade didática res- de aprendizagem do controle dez, os rituais de antropofagia
tringe-se aos “sinais”. do desejo. Não obstante a defe- e as práticas religiosas pagãs,
Após a Revolução Indus- sa de Kant, para quem a educa- consideradas expressões dia-
trial, a escola tem a preocu- ção não deveria levar a criança bólicas, causavam aos portu-
pação de educar e moldar os à passividade da obediência, gueses grande horror, de mo-
corpos daqueles que serão os mas sim que ela aprendesse do que eram todas combatidas
futuros operários da nascen- a agir com planos e pela sub- com violência. As ordens reli-
te indústria. A própria escola missão às regras, numa espé- giosas vindas da Europa com
se estrutura ao modo da fábri- cie de “obediência voluntária”, a missão de catequizar e edu-
ca. Nem mesmo nas Luzes, a não há dúvida de que os educa- car as gentes ameríndias e os
escola perde o seu caráter dis- dores continuavam a reconhe-
cer na prática do castigo físico

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.105, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
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EDUCAÇÃO
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colonos brancos que se esta-
106 beleciam no Brasil – em es-
pecial, jesuítas e franciscanos
– serviam-se dos castigos fí-
sicos como método pedagó-
gico, ao modo que era usual corretor, os transgressores po-
nas escolas que mantinham na deriam ser corrigidos por meio
Metrópole. Importante salien- de algum estudante, designado
tar que o castigo corporal era para essa função. Os estudan-
prática estranha à forma com tes que não aceitassem os cas-
que os indígenas educavam as tigos corporais deveriam ser
suas crianças. excluídos do colégio (Ratio nº
No fim do século XVI 38 e 39) 24. nial, também utilizavam, nas
(1599), os jesuítas, aprovaram A exclusão, mesmo se- suas escolas e doutrinas, os
a versão definitiva do Ratio gundo interpretações atuais, castigos corporais. Tal práti-
Studiorum, que regulamen- cumpriria parte do que se po- ca está atestada pelo que se
tou rigorosamente todo o sis- deria chamar de “disciplina lê no “Regulamento para os
tema escolar da Companhia de preventiva”. Escreve o Padre Missionários”, de 1606, tex-
Jesus: a organização em clas- Madureira: to manuscrito conservado na
ses, os horários, os programas A primeira cautela da dis- Torre do Tombo, nos papéis
e a disciplina. Quanto aos cas- ciplina preventiva é excluir dos dos franciscanos brasileiros
tigos físicos, o Ratio Studiorum colégios a convivência dos que, que atuavam no Nordeste:
prescrevia que os colégios je- pelos maus hábitos inveterados,
não dão esperanças de correção Não se dêem palmatórias a
suíticos deveriam nomear um e regeneração, constituindo sua índios já velhos principais por-
corretor, que não fosse mem- permanência perigo e obstáculo que os tais mais se castigam
bro da Companhia, com a fi- à educação dos outros25. com repreensão de palavras que
com palmatórias de moços (...)
nalidade de castigar os alunos Nenhum religioso dê palmato-
que infringissem as regras e Os franciscanos, que tam- riada a mulher, mas havendo-as
aos quais não bastassem as bo- bém tiveram grande atua- de dar seja uma às outras, ha-
as palavras e exortações. Na ção missionária/educativa no vendo respeito às velhas, às mo-
impossibilidade de haver um Brasil, desde o período colo- ças e meninas. E se o que tem

25 O Ratio Studiorum recebeu uma interessante edição, com uma rica apresentação de FRANCA, Pe. Leonel (S.J.). O Método Pedagógico dos

Jesuítas, Rio de Janeiro: Agir, 1951.


26 MADUREIRA, J. M. (S.J.) de. O Ideal Pedagógico da Companhia. ����������������������������������������������������������������������
In: MAIA, Pedro (S.J.) �����������������������������������������������
(Org.). Ratio Studiorum: Método Pedagógico dos
Jesuítas, São Paulo: Loyola, 1986: 54.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.106, janeiro - dezembro/2006
ATUALIDADES EM
cuidado da escola for sóbrio em
açoitar os moços, advirta o pre-
EDUCAÇÃO INES
sidente nisso. 26
ESPAÇO
Os castigos físicos aplica- JAN-DEZ/06
dos aos estudantes nas escolas
foram uma instituição inclusi- 107
ve seguida pelas aulas régias
após a expulsão dos jesuítas.
O Estatuto dado aos mestres
de São Paulo, em 1768, obri- de 1827, lê-se: “os castigos se- reclusão e de privação. Tal foi
gava-os a apenas admitirem os rão os praticados pelo método o caso de Antônio de Almeida
meninos mediante despacho Lancaster”. Tal método ins- Oliveira, que, tendo como mo-
do general da Capitania; esses titui uma nova forma de pro- delo as escolas suíças, defen-
meninos não poderiam passar ceder em relação à disciplina deu que as escolas brasileiras,
a outro professor sem preceder escolar, não comportando os “além das divisões reclamadas
o mesmo despacho “para que castigos corporais.28 pelo ensino e recreio dos alu-
os mestres os possam castigar A substituição dos casti- nos, devem ter salas destina-
livremente sem o receio de que gos físicos por novos métodos das a prisões e outros castigos
os pais os tirem por este moti- disciplinares, foi alvo de mui- menores”, designadas de “sa-
vo ou por outros frívolos que ta discussão na sociedade bra- las da reflexão”.30
comumente se pratica”. 27 sileira ao longo do século XIX. Se ele aí grita ou se revolta
A partir do período monár- Havendo a necessidade de cas- contra o castigo, ou se passado
quico, passamos a contar com tigar as crianças, para o bem o tempo de reflexão é posto em
as primeiras leis do ensino. A de sua educação, vigorou a dú- liberdade, mas não se mostra
corrigido, levam-no para outra
primeira, a de 1827, apesar de vida sobre a forma mais apro- sala já inferior à primeira, onde
não prever a aplicação de cas- priada de punir. Se uma con- passa o dobro do tempo que es-
tigos físicos, nem por isso dei- vicção se formava contra os teve nesta.
xou de ser prática comum nas castigos corporais e os chama-
escolas. No artigo 15 da Lei dos “aviltantes”29, considerava- Se a segunda sala é improfí-
cua, outra inferior espera o cul-
se substituí-los por sanções de pado, onde fica detido a traba-

27 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Regulamento para os Missionários, 1606, OFM, Província de Santo Antônio, Província, Maço 18. So-

bre a atuação dos franciscanos na educação brasileira ver SANGENIS, Luiz Fernando Conde. Gênese do Pensamento Único em Educação:
Franciscanismo e Jesuitismo na Educação Brasileira, Tese de Doutorado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF,
em Niterói (RJ), 2004.
28 O método Lancaster, também conhecido como ensino mútuo ou sistema monitoral, pregava, dentre outros princípios, que um aluno treina-

do ou mais adiantado (decurião) deveria ensinar um grupo de dez alunos (decúria), sob a orientação e supervisão de um inspetor. Ou seja, os
alunos mais adiantados deveriam ajudar o professor na tarefa de ensino. Essa idéia resolveu, em parte, o problema da falta de professores no
início do século XIX no Brasil, pois a escola poderia ter apenas um educador. Esse método, baseado na obra de Joseph Lancaster, entendia tam-
bém que se deveria repartir os alunos em classes segundo a ordem de seus conhecimentos e que o procedimento educacional de castigo físico
deveria acabar, instituindo uma nova forma de pensar a disciplina escolar.
29 Estatuto que hão de observar os mestres das escolas dos meninos nesta Capitania de São Paulo, Luís Antônio de Sousa, ao Conde de Oeiras,

em 12 de maio de 1768, Arquivo Ultramarino, São Paulo, n.º 2408 dos documentos catalogados.
30 Os castigos chamados aviltantes comportavam, por exemplo, pôr o aluno, em plena aula, de joelhos, com os braços abertos, no chão ou

sobre uma mesa, colocar no aluno uma cabeça de burro ou, ainda, pregar-lhe à roupa um letreiro ou emblema que entregasse a criança à
chacota dos companheiros.

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em geral, sendo a escola um
impossível o método discipli- dos seus alvos preferenciais.
nar que considerara ideal. Visavam interferir nas condi-
ções ambientais da escola e nas
lhar por um ou dois dias sem
aparecer à família, que apenas
práticas pedagógicas em vigor,
2.1. Os Castigos Corporais
é avisada para lhe mandar as no intuito de produzir uma so-
nas Escolas do Rio de
necessárias refeições. ciedade higienizada, social-
Janeiro
mente controlada.32 Dessa for-
Se nesta sucede o mesmo A partir da segunda meta- ma, “o saber médico deveria
diminuem-lhe a comida, e pas-
sam-no para uma sala pequena de do século XIX, foram inten- ser o fundamento de uma ‘pe-
e quase escura, mas nem por sos, no Rio de Janeiro, municí- dagogia científica’”33. As prá-
isso sem arejo, onde fica reclu- pio neutro da Corte, os debates ticas pedagógicas antigas, so-
so dois ou mais dias, tendo por sobre o uso da violência físi- bretudo, deveriam ceder lugar
leito um duro enxergão. ca nas escolas, envolvendo, a condutas mais civilizadas de
Com esses castigos tenho durante longos anos, profes- imposição da ordem e da dis-
ouvido dizer que não há gê- sores, educadores, funcioná- ciplina, devendo preferir-se os
nio que se não dome, obstina- rios do Estado, pais de alunos castigos de cunho moral.
ção ou índole que se não ven- e, especialmente, os chama- O Regulamento de 17 de fe-
ça. Alguns meninos na segunda
dos médicos higienistas. Esses vereiro de 1854 34 – que tinha
ou terceira sala já imploram a
liberdade com mil protestos de profissionais, que ganharam a intenção de reformar o ensi-
se emendar. 31 destacado papel na cena públi- no primário e secundário no
ca da cidade do Rio de Janeiro, Município do Rio de Janeiro,
Oliveira concluiu amolado em fins do século XIX e início capital do Império Brasileiro,
que as nossas escolas, em razão de século passado, desenvolve- para que servisse de modelo às
de possuírem senão uma sala ram uma série de propostas so-
que nem ao menos serviria para bre a ação médica na regulação
os exercícios escolares, tornam dos costumes e da vida social

32 Idem.
33 Sobre o tema, recomendo a obra de GONDRA, José Gonçalves. A Arte de Civilizar: Medicina, Higiene e Educação Escolar na Corte Impe-

rial. Rio de Janeiro: Eduerj, 2004.


34 LEMOS, Daniel Cavalcanti de Albuquerque. Entre a Palmatória e a Moral. Nossa História, Rio de Janeiro, Ano 2, n.º 15, 80-82, janeiro de

2005: 80.

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do os alunos. Em carta data-
da do ano de 1876, em respos- 109
ta ao Delegado da Instrução
Pública da Corte, uma profes-
sora justifica haver castiga-
demais províncias – não previu veis, após a comprovação das do uma aluna com palmató-
castigos corporais e apenas es- denúncias.36 ria “por pedido formal da mãe
tabeleceu sanções que iam da No caso da Corte, a análi- da menina”.37 Um abaixo-as-
simples repreensão e realização se dos documentos utilizados sinado encaminhado por pais
de tarefas após o término das nessa pesquisa faz perceber de alunos que declaram per-
aulas à comunicação aos pais, que não há unanimidade quan- tencer a “Sociedade Amante
até a expulsão da escola. 35 to à questão. Se, de um lado, da Instrução” conferia autori-
Os debates acalorados so- famílias aparecem protestando zação para que o lente de pri-
bre o tema, à época, ganha- contra uma prática já desauto- meiras letras castigasse “com
ram as páginas de vários jor- rizada pelos regulamentos vi- palmatória as falhas de nossos
nais que circulavam, no Rio gentes, e acusam o Estado e filhos”38, numa flagrante ten-
de Janeiro, na forma de denún- os professores, seja por denún- tativa de burlar a lei.
cias. O Jornal do Commercio, cia à imprensa, seja por car- No centro da polêmica, pro-
o Diário de Notícias e a Gazeta tas aos delegados ou à inspe- fessores divididos entre justifi-
de Notícias, entre outros, es- toria de instrução, de outro, há cativas, defesas e condenações
tampavam acusações a profes- um grupo de pais e de docen- aos castigos, argumentam que
sores da corte que insistiam tes que estavam acostumados a as sanções previstas pelo novo
em aplicar castigos aos seus educar através de castigos físi- Regulamento parecem inapro-
alunos, em flagrante desres- cos. Os pais utilizavam-se dos priadas, de modo que prefe-
peito aos novos regulamentos. castigos corporais na educação rem aplicar o castigo corporal
Os escândalos obrigavam que doméstica, e entendiam a es- a ter que recorrer à expulsão
a Inspetoria Geral de Instrução cola como uma continuação da prevista no regulamento pa-
Pública procedesse à apuração casa, desejando que os profes-
dos fatos e, várias vezes, recor- sores continuassem castigan-
resse à punição dos responsá-

35 Reforma Couto Ferraz (documento manuscrito do Arquivo Nacional - IF5 127 - 1854-1855).
36 Decreto 1331A de 17 de fevereiro de 1854 - “Artigo 72 - Os meios disciplinares para os meninos são: reprehensão; Tarefa de trabalho fora das

horas regulares; Outros castigos que exigem o vexame; communicação aos Paes para castigos maiores, expulsão da escola”. Coleção das Leis do
Império do Brasil (1854).
37 Uma série de cartas e documentos oficiais manuscritos da Inspetoria da Instrução Pública da Corte, reunidos em códices do AGCRJ, tratam

da apuração de diversos casos de agressões corporais contra alunos do ensino primário, bem como a punição dos professores responsáveis
pelos agravos. Nesses códices, encontram-se também exames de corpo de delito atestando as escoriações e machucados, às vezes graves, pro-
duzidos nos corpos das crianças.
38 AGCRJ – Códice: 11 – 01 – 25, p. 24.
39 AGCRJ – Códice: 12 – 4 – 32, p. 1.

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110

ra os casos disciplinares mais


graves (art. 72 da lei de 1854).
Outras vezes, culpam as famí-
lias por não serem zelosas com
os filhos. Ocorria uma troca de valiam de castigos físicos, en- ra bater nos alunos; a peque-
acusações entre os envolvidos. trando em conflito com a ins- na Izabel, aluna da Segunda
O Estado, por sua vez, admo- petoria e os delegados de ins- Escola Pública de Meninas da
estava os professores que de- trução. Freguesia de Santa Rita, re-
veriam proceder segundo a pa- Chamam atenção a ida- cebera um ferimento no olho
ciência e a bondade, encarando de dos alunos agredidos pelos direito, e, pela gravidade do
o magistério “não como um mestres, a gravidade dos fe- caso, a denúncia foi publica-
ganha pão, mas sim como uma rimentos, bem como os obje- da no Jornal do Comércio43;
missão muito elevada de ver- tos utilizados para o castigo. o menino Oscar, aluno da
dadeiro sacerdócio e de pro- A pequena Bárbara, de cinco Escola Particular Charles, na
vação diária”.39 ou seis anos, aluna da Primeira Freguesia de São José, segun-
Parte dos professores com- Escola Feminina da Freguesia do apuração de diligência poli-
preendia a abolição dos casti- de Guaratiba, fora contundida cial, fora “ofendido com socos
gos físicos nas escolas como com uma régua40, causando- e bofetões, segundo os colegas,
uma perda de poder diante dos lhe “vergões arroseados nas e que o professor empurrou o
alunos. Apesar do regulamento espáduas e braços”;41 um pro- menino sobre a cadeira”.44
de 1854 já prever punições mo- fessor adjunto da escola de pri- As justificativas para o uso
rais, o conjunto dos casos estu- meiras letras da Freguesia de de castigos tão violentos ape-
dados demonstra que, mesmo Santo Antônio utilizara “uma lam a princípios como “não
após duas décadas da promul- guarnição de madeira tira- se molda um bom caráter com
gação da lei a questão continu- da da lousa ou ardósia”42 pa- palavras” ou a “sentimentos
ava sendo debatida. Fato é que de piedade paternal que de-
muitos professores ainda se

40 AGCRJ – Códice: 11 – 01 – 25, p. 25. Carta do Delegado da Instrução Pública da Freguesia de Guaratiba, de 15 de setembro de 1877.
41 AGCRJ – Códice 11 – 01 – 25, p. 26.
42 AGCRJ – Códice 11 – 01 – 25, p. 25.
43 AGCRJ – Códice 11 – 01 – 25, p. 20.
44 AGCRJ – Códice: 11 – 01 – 25, pp. 10 e 11.
45 AGCRJ – Códice: 11 – 01 – 25, p. 15.

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vem caracterizar a missão do 111


professor”45, conforme ale-
2.2. �������������������
O abrandamento dos
ga, em sua defesa, o professor
castigos: da palmatória ao
da Segunda Escola Publica da
uso da caneta vermelha
Freguesia de Sant`Anna. Com
suas justificativas, transporta Paulatinamente, uso da pal-
da esfera privada para a públi- matória foi associado ao mau
ca a postura de pai, figura cen- professor, ao mestre incapaz,
tral da família e da sociedade para, enfim, nos estertores do
civil. O pai exerce controle, po- século XIX, ser associada a
der e força, que o professor de uma época superada, a um re- Em 1827, apesar dos debates
Santana acredita caracterizar gime derrubado, ao trabalho e pronunciamentos na Câmara
a profissão. Em outro momen- escravo. tenderem contra o uso da pal-
to, a figura do pai será substi- Em 1827, a comissão de matória, os deputados busca-
tuída pela da “tia”, mulher que instrução pública trazia para ram uma saída que contentas-
carrega o sentimento e a mis- debate o projeto de lei sobre a se a todos. Ao invés de proibir
são da maternidade. Há um criação de escolas de primei- textualmente a palmatória,
professor que argumenta em ras letras. O Deputado Batista usada em larga escala, prefe-
sua defesa apelando aos sis- Pereira apresentou a emen- riu-se fazer constar no corpo
temas educacionais de outros da ao projeto que dizia: “Fica da Lei que os castigos seriam
países. Refere-se aos “Estados proibido o castigo corporal praticados segundo o método
Unidos, essa grande nação”, sob pena de culpa.” Nos deba- Lancaster, que não previa es-
onde se usa a palmatória como tes sobre a emenda, Holanda pécie alguma de punição cor-
indispensável, e ao sistema in- Cavalcanti se opôs com o ar- poral.
glês, considerado pelo profes- gumento de que os mestres O que pela lei deveria ter si-
sor, inovador e conservador ao que existiam não seriam capa- do encerrado, em 1854, ou, até
mesmo tempo.46 zes de ensinar sem o uso des- antes, em 1827, conviveu, ain-
se instrumento, pois segundo da que relegado, com as no-
ele: “...presumo que entre nós vas práticas vigentes à época.
atualmente haverá pouca gen- Entre a norma escrita e o dia-
te capaz de ensinar sem a pal- a-dia nas escolas, um longo ca-
matória...”, e pergunta logo em minho teve que ser percorrido.
seguida: “então para que va- A bem da verdade, o Estado
mos excluir a palmatória?”. Imperial, durante todo o século
XIX, buscou coibir as antigas
46 AGCRJ – Códice: 11 – 01 – 25, pp. 8 e 9. Reposta do professor José Joaquim Xavier ao Ofício da Inspetoria de 27 de junho de 1872, que

declara haver “acidentalmente”ofendido a cabeça de um aluno com a palmatória.


47 AGCRJ – Códice: 11 – 01 – 25, pp. 36 e 37.

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112 práticas dos castigos corporais


utilizando os mecanismos que
dispunha para forçar uma mu-
dança de atitudes: da legisla-
ção aos processos de seleção ra é mais conveniente para elas
e de formação de professores, amarem seus mestres, porque
recorrendo, ainda, às punições dessa maneira elas esforçam-se
para os que descumpriam a lei, em agradar-lhes.
na busca do estabelecimento
da “moral e da ordem” nas es- A professora Amália, quar-
colas da Corte. ta colocada no concurso, res-
No Rio de Janeiro, os pro- pondeu que a forma de puni- aos pais ou responsáveis; can-
fessores passaram a ser sele- ção mais conveniente deveria celamento da matrícula e sus-
cionados por meio de concur- ter por fim produzir o vexame. pensão de até três meses.
sos públicos. De certo modo, Como se vê, o Estado já sele- O Regulamento do Ensi-
os exames eram uma das for- cionava professores que defen- no Primário assinado por
mas de modelar um novo pa- diam a idéia de castigos morais. Francisco Campos estipulava
drão ao ensino, mais de acordo Na prática, porém, os castigos que as únicas punições admiti-
com o que o Estado Imperial físicos ainda resistiam ao tem- das na escola primária seriam
desejava de seus professores. po e aos esforços empreendi- as notas más, a reclusão na es-
Um das questões colocadas aos dos pelas reformas. cola após os trabalhos escolares
candidatos referia-se à forma Foi necessário aguardar até e o comparecimento perante o
mais adequada para a punição a década de 20 do século XX, diretor ou o inspetor, ao passo
dos alunos. Vale conferir a res- quando a Reforma do Ensino que estariam banidos da escola
posta da Professora Francisca de 1925 proibiu, em definiti- os castigos físicos, as posições
Albina, que ficou em segundo vo, os professores de castiga- humilhantes, a privação de re-
lugar no exame de 1855: rem fisicamente os alunos e feições, do recreio e da assis-
o meio de puni-las melhor, estabeleceu as seguintes pe- tência a uma lição.
acho ser o moral, porque uma nas disciplinares: admoesta- A palmatória parece ter fi-
criança não ouvindo pela pala- ção; repreensão; privação de, cado para trás, junto com a ve-
vra e castigos morais, não ha- no máximo, quinze minutos lha Monarquia. A República
verá nada que a corrija, sem as
irritar o que é muito prejudi-
de recreio; reclusão na esco- atribuiu ao regime anterior o
cial, pois eu acho que a brandu- la por meia hora, no máximo; signo do atraso, buscando, as-
suspensão da freqüência de até sim, conferir a si própria a res-
três dias com a comunicação ponsabilidade de instaurar as

48 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, 24ª ed., Petrópolis: Vozes, 2001, p. 127.
49 Idem.

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ATUALIDADES EM
mudanças, sob o emblema do EDUCAÇÃO INES
“novo”.
Os mecanismos de contro- ESPAÇO
le e disciplinamento, no entan- JAN-DEZ/06
to, ficaram mais sutis e mais
eficazes, pois, como afirmou 113
Foucault, haveria uma vanta-
gem da disciplina sobre as pu-
nições físicas, que consistia na
retirada “da relação custosa e considerados compatíveis ao
violenta obtendo efeitos de uti- modelo tradicional de escola e
lidade pelo menos igualmente de aprendizagem.
grandes”47. A disciplina exer- rem tratadas como mercadoria De qualquer modo, sabe-
ceria um poder sobre os corpos e castigadas nos pelourinhos. mos que violência maior é im-
que permitiria ampliar signifi- Esse quadro confere algumas putada às crianças das clas-
cativamente sua produtividade particularidades ao caso bra- ses populares que, na escola,
e utilidade: “a disciplina fabri- sileiro, diferentemente do caso não encontram acolhida pa-
ca corpos submissos exerci- europeu descrito por Foucault. ra o seu significativo universo
tados, corpos ‘dóceis’. A dis- A discussão sobre os cas- de experiências sociais e cul-
ciplina aumenta as forças do tigos nunca se encerrou total- turais. Trata-se, no sentido de
corpo, em termos econômi- mente, pois as práticas disci- Bourdieu e Passeron, de uma
cos de utilidade, e diminui es- plinares, por vezes violentas, “violência simbólica”, na me-
sas mesmas forças, em ter- estão presentes, hoje, nas nos- dida em que o sistema escolar,
mos políticos de obediência”48. sas salas de aula. O castigo montado a um modo cartorial,
Aspectos simbólicos e disposi- efetivo ou a própria ameaça legitima as hierarquias sociais
tivos considerados mais sim- ao castigo ainda geram medos, que vão se perpetuando.49
ples instalam uma forma de tensões e ansiedades nos estu- Acerta Foucault ao perceber
controle bem mais eficaz, im- dantes. Uma dessas práticas é que não é mais ao corpo que se
plicando numa coerção perma- a do professor que intimida os dirigem os castigos, mas à al-
nente exercida de acordo com alunos dirigindo uma pergun- ma. Os castigos se transforma-
uma codificação que esquadri- ta a um deles, passando-a ao ram, historicamente, de uma
nha ao máximo o tempo, o es- segundo, ao terceiro, ao quar- arte das sensações insuportá-
paço e os movimentos. to, até que um saiba respondê- veis a uma economia dos di-
Mas vale lembrar que viví- la de acordo com os critérios reitos suspensos. Elaboram-se
amos numa sociedade que de- de correção do docente. A ava- mecanismos de punição legal
pendia economicamente da liação e a nota utilizadas como que dão um poder justificável
mão de obra escrava e que era ameaças de punição para os sobre os indivíduos, de modo
constituída, na sua base, por que não são disciplinados, tor- que saber, técnicas, discursos
pessoas às quais se negava a nam a caneta vermelha a no- científicos se formam, se en-
humanidade, de modo a se- va “vara” do professor, pron- trelaçam com a prática do po-
ta a instaurar comportamentos der de punir.

50 BOURDIEU, Pierre et PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino. São Paulo: Francisco  
Alves, 1975.

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ATUALIDADES EM
INES
EDUCAÇÃO
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114

Referências Bibliográficas
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FOUCAULT, Michel, (2001). Vigiar e Punir, 24ª ed., Petrópolis: Vozes.
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5ª ed., São Paulo: Cortez.
OLIVEIRA, Antônio de Almeida, (2003). O Ensino Público, Brasília: Edições do Senado Federal.
Annaes do Parlamento Brazileiro
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ):
Códice: 11 – 01 – 25
Códice: 12 – 4 – 32
Arquivo Nacional
Documento IF5 127 (1854-1855)

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO

Educação de surdos: análise de uma 115 JAN-DEZ/06

intervenção em escola pública


Denise Nicolucci*
Tárcia Dias**
*Pedagoga e Mestre em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Edu-
cação do Centro Universitário Moura Lacerda. Ribeirão Preto, Estado de São Paulo.
**Psicóloga, Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo/SP e Professora Orientadora do Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário Moura Lacerda. Ribeirão Preto, Estado de
São Paulo.
Material recebido em abril de 2006 e selecionado em maio de 2006.

Resumo se comum; um gestor escolar; priação de LIBRAS; ensino de


um coordenador pedagógico; LIBRAS para a professora re-
O presente estudo teve co- 32 alunos ouvintes e os demais gente de classe e para alunos
mo objetivo propor e imple- professores da escola. Os dados e professores ouvintes. Os re-
mentar um programa de ações foram obtidos por registros sis- sultados indicaram novos po-
educacionais que favorecesse a temáticos em diário de campo, sicionamentos na escola frente
relação ensino-aprendizagem produção escolar do aluno sur- às diferenças, aperfeiçoamen-
de surdos na perspectiva do bi- do e depoimentos de segmen- to na prática do professor re-
lingüismo em um município tos da escola. O programa de gente, desenvolvimento de
do oeste paulista. O programa ações contou com estudos te- aprendizagem significativa
de ações ocorreu em uma es- óricos sobre surdo, surdez, in- para o aluno surdo e desen-
cola monolíngüe e organizada clusão e bilingüismo; elabora- volvimento de comunica-
para ouvintes, da rede estadual ção de planejamento das aulas ção surdo-ouvinte na escola.
de ensino. Participaram do pro- na classe comum junto ao pro- Conclui-se que há possibilida-
grama: um aluno surdo da 2ª fessor regente de classe; e ela- des de transformação da rea-
série do Ensino Fundamental; boração de planejamento com lidade educacional por meio
um professor fluente em a educadora surda para tra- de conscientização, conheci-
Língua Brasileira de Sinais, balho individual com o aluno mento e participação efetiva
LIBRAS; um educador surdo; surdo – aprofundamento dos de todos os agentes educacio-
um professor regente de clas- conteúdos curriculares e apro- nais, principalmente do educa-

1
Apoio: Governo do Estado de São Paulo.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.115, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

116
dor surdo. As ações do educa-
dor surdo vão além do ensinar
LIBRAS, por exemplo: apro-
fundar os conteúdos curricu- Teacher, 32 hearing students,
lares e favorecer a apropria- and the other teachers of the
ção de LIBRAS junto ao aluno school. Data were collected by
surdo, modificar a imagem do systematic records in a diary of communication between
surdo e difundir a cultura sur- during the classes, using the deaf and hearing people at the
da na escola. school production of the deaf school. The conclusion of the
Palavras-chave: inclusão; student and the interviews study shows the possibility of a
ensino de surdos; programa de with the school staff . The pro- transformation in the educatio-
ações educacionais. gram of educational actions nal reality through awareness,
used theoretical studies about knowledge and effective par-
deaf people, deafness, inclu- ticipation of all agents of the
Abstract
sion and bilingualism; elabo- educational process, mainly of
The present study has as ration of class planning in the the deaf educator. The actions
its objective to propose and to common class together with of the deaf educator go beyond
implement a program of edu- the teacher; and elaboration of teaching LIBRAS: improve
cational actions, that would planning with the deaf educa- the curriculum content, and
make easier the relation tea- tor to work individually with making easier the appropria-
ching-learning for deaf in the deaf students - improve edu- tion of LIBRAS for deaf stu-
perspective of bilingualism in cational curriculum content, dents, modifying the deaf
a Western city of São Paulo appropriation of LIBRAS, tea- image, and spreading the deaf
State. The program of actions ching of LIBRAS to the tea- culture in the schools.
took place in a public school, cher in charge of the common Key words: inclusion;
monolingual and organized class, hearing students, and teaching of deaf; program
to hearing people. The parti- hearing teachers. The results of educational actions.
cipants were a deaf student of revealed a new position of the São inúmeros os desafios
the second year of basic educa- school on facing the differen- para a educação de surdos e
tion; one LIBRAS fluent tea- ces, improvement in the tea- as tendências contemporâne-
cher, one deaf educator, one cher dairy practice in the com- as apontam para o movimento
teacher in charge of the com- mon class, development of de inclusão. Dentro desse mo-
mon class, the School Director, significant learning to the deaf vimento, este estudo vai des-
The Pedagogic Coordinator students, and development tacar a educação de surdos na

2
O termo surdo é recomendado numa perspectiva bilíngüe, na qual os surdos devem ser reconhecidos não mais como deficientes, mas como
diferentes (Moura, 2000 p.65)

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

perspectiva do bilingüismo, 117


uma visão sócio-antropológi-
ca que reconhece a Língua de
Sinais como a primeira língua
da comunidade, a única possí-
vel de ser adquirida no diálo-
go contextualizado. A língua Desse ponto de vista, a in-
majoritária, no caso do Brasil terlocução em LIBRAS favo-
o Português, é considerada co- rece criar contextos inclusivos
mo a segunda língua, devendo para surdos em escolas regu-
ser aprendida sistematicamen- lares; contudo, é também ne-
te tendo como base os conhe- cessário viabilizar um traba-
cimentos em Língua Brasileira lho pedagógico que considere
de Sinais, LIBRAS. No bilin- o desenvolvimento cognitivo,
güismo, deve ser contempla- a constituição da identidade e pretes de LIBRAS em classes
da a cultura do surdo, isto é, a a presença da cultura do alu- comuns, professor de LIBRAS
pessoa surda além de bilíngüe no. Uma educação bilíngüe- e professor regente de classe
é concebida como bicultural multicultural deve ter como ei- que conheça LIBRAS para se
(DIAS, PEDROSO, ROCHA, xo fundamental a identidade e comunicar com os seus alunos,
FERRINI e ROCHA, 2003). a cultura, tal como discute Sá dando início à presença dessa
Sá (2002) ressalta que a (2002:68). língua na escola.
educação bilíngüe é mui- Para Lacerda (1998), um Nessa perspectiva, o De-
to mais que o domínio ou uso dos objetivos da educação bi- creto nº 5.626 (BRASIL,
de duas línguas, é uma educa- língüe é favorecer o desenvol- 2005/2006), que regulamen-
ção que deve ser embasada em vimento cognitivo-lingüístico ta a Lei nº 10.436/02 que dis-
uma perspectiva multicultural da criança surda, de tal manei- põe sobre a Língua Brasileira
para valorizar, não só a ques- ra a torná-lo equivalente ao da de Sinais – LIBRAS, e o
tão lingüística, mas todos os criança ouvinte, além de esta- Artigo 18 da Lei nº 10.098/00
demais aspectos inter-relacio- belecer uma relação harmo- no Capítulo II, Artigo 3º, in-
nados com o desenvolvimento niosa entre surdos e ouvintes, clui a LIBRAS como disci-
do indivíduo em suas diferen- dando acesso às duas línguas: plina curricular nos cursos
ças. Para Moura (2000), uma a de sinais e a majoritária. de formação de professores,
visão multicultural implica Segundo a legislação atual no ensino médio e superior, e
pensar em diferenças cul- (BRASIL, 2005/2006) e na nos cursos de Fonoaudiologia.
turais que podem se revelar decorrência educacional do bi- Inclui também, no Artigo 7º,
nos aspectos relacionados aos lingüismo, para o acesso dos que, caso não haja professor
comportamentos, valores, ati- surdos aos conteúdos acadêmi- com título de pós-graduação
tudes, estilos cognitivos e prá- cos é necessário, no mínimo, ou de graduação em LIBRAS
ticas sociais. que a escola disponha de intér- em cursos de educação supe-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.117, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

118
...um dos objetivos da educação bilíngüe é favorecer o
desenvolvimento cognitivo-lingüístico da criança surda, de tal maneira
a torná-lo equivalente ao da criança ouvinte, além de estabelecer uma
relação harmoniosa entre surdos e ouvintes, dando acesso às duas
línguas: a de sinais e a majoritária.

comunidade e detém a cultu-


a) professor de LIBRAS ou
rior, esta disciplina poderá ser instrutor de LIBRAS; ra surda, sendo o mais indica-
ministrada por: do para atuar como interlocu-
I - professor de LIBRAS - b) tradutor e intérprete de tor entre o professor ouvinte
usuário dessa língua, com cur- LIBRAS – Língua Portuguesa; fluente em LIBRAS e o alu-
so de pós-graduação ou com no surdo e para aprofundar os
formação superior e certificado c) professor para o ensino
de Língua Portuguesa como se- conteúdos curriculares (DIAS,
de proficiência em LIBRAS ob-
tido por meio de exame promo- gunda língua para pessoas sur- 2004). Adicionalmente, a re-
vido pelo Ministério da Educa- das; e lação entre criança surda e
ção; adulto surdo possibilita à cri-
d) professor regente de clas-
se com conhecimento acerca da
ança surda construir uma auto
II - instrutor de LIBRAS, imagem positiva como sujeito
usuário dessa língua, com for- singularidade lingüística mani-
mação de nível médio e com festada pelos alunos surdos. surdo (LACERDA, 1998:4).
certificado obtido por meio de Considerando esse pano-
exame de proficiência em LI- Estas mudanças educacio- rama educacional e a neces-
BRAS promovido pelo Minis- nais apontam novos rumos pa- sidade da criação de contex-
tério da Educação; ra a educação do surdo, dan- tos inclusivos na rede regular
III - professor ouvinte bi- do prioridade para educadores de ensino para escolarização
língüe: LIBRAS – Língua Por- surdos capacitados ministra- de surdos, este estudo desen-
tuguesa, com pós-graduação ou rem LIBRAS e afirmarem su- volveu um programa de inter-
formação superior e com certifi- as presenças nas instituições venção para a educação desses
cado obtido por meio de exame
escolares. alunos, centrado na perspecti-
de proficiência em LIBRAS, pro-
movido pelo Ministério da Edu- Além de ensinar LIBRAS, va bilíngüe, e analisou as su-
cação. o surdo adulto sinalizador e ca- as decorrências. O programa
pacitado é um elemento indis- contou com ações educacio-
Este mesmo decreto garante pensável da equipe de apoio, nais sistemáticas de educador
a presença dos seguintes agen- porque ele, que é o usuário da surdo e professor fluente em
tes educacionais nas escolas: Língua de Sinais, pertence à LIBRAS.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.118, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
Método JAN-DEZ/06

O estudo se desenvolveu 119


com base em uma abordagem
de pesquisa-ação. Estas pes-
quisas são realizadas em asso-
ciação com uma ação ou com a trada em diário de campo pe-
resolução de um problema co- la pesquisadora e a partir do
letivo, onde os pesquisadores e caderno de atividades do alu-
os participantes representati- no surdo. Foram solicitados,
vos da situação ou do proble- adicionalmente, depoimentos
ma estão envolvidos de modo escritos de todos os envolvidos
cooperativo ou participativo no estudo: alunos ouvintes, pro-
(THIOLLENT, 1988:14). fessora regente de classe, gesto-
Participaram do estudo um ra escolar, coordenadora peda-
aluno surdo, de oito anos, com gógica, pais do aluno surdo e
perda auditiva severa a profun- da educadora surda. Solicitou-
da bilateral; 32 alunos ouvin- se, também, depoimento em si-
tes, com faixa etária entre 8 e nais do aluno surdo. - ������������������������
os professores ouvintes
9 anos; uma professora ouvin- O programa de ações educa- aprenderem LIBRAS.
te regente de classe; uma edu- cionais para o ensino de surdos Foram organizados encon-
cadora surda; uma professora visou criar condições para: tros de estudo e discussão com
fluente em LIBRAS (pesqui- - ����������������������
o aluno surdo se apro- a professora regente da classe
sadora); uma gestora escolar; priar de LIBRAS sob a coor- com o aluno surdo inserido, to-
uma coordenadora pedagógica, denação da educadora surda talizando 61.
os pais do aluno surdo e os de- adulta; Organizaram-se, também,
mais professores da escola. A - �����������������������
os alunos ouvintes e a encontros para estudo, discus-
educadora surda e a professo- professora regente de classe são e aula de LIBRAS com os
ra fluente em LIBRAS haviam aprenderem LIBRAS, também demais professores da unida-
concluído curso de LIBRAS, sob a coordenação da educado- de escolar, com a coordenado-
nível 1, na Federação Nacional ra surda adulta; ra pedagógica e com a gestora,
de Educação e Integração de - �����������������������
o aluno surdo inserido totalizando 21. A professora
Surdos - FENEIS. em uma classe de ouvintes de- regente da classe participava
Foi realizado em uma escola senvolver o processo de ensi- desses encontros, alternando-
estadual de Ensino Fundamental no-aprendizagem, priorizando os com aulas de LIBRAS in-
de 1ª a 4ª série de um município o Português escrito mediado dividualizadas, totalizando 22
do oeste paulista. por LIBRAS; encontros.
A intervenção ocorreu no - ������������������������
a professora regente de O programa foi realizado
primeiro semestre de 2004. Os classe estudar questões rela- de acordo com o organograma
dados foram coletados por ob- cionadas à educação de sur- apresentado na Figura 1.
servação sistemática, regis- dos; e

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.119, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

120

Figura 1 - Organograma indicando o modelo de ações educacionais adotado na intervenção.

Ações desenvolvidas por


educadores no programa

Professor fluente Professor fluente em LIBRAS Educador surdo


em LIBRAS e educador surdo

Junto ao educador Junto aos professores


Junto ao aluno surdo
regente de classe das salas comuns

Estudos teóricos Planejamento Aulas Aprofundamento Apropriação


sobre surdez e de aulas de LIBRAS de conteúdos de LIBRAS
bilingüismo curriculares

Junto ao educador surdo Junto aos alunos ouvintes

Planejamento do Planejamento e
trabalho com aprofundamento de Aulas de LIBRAS
LIBRAS conteúdos curriculares

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO

II) Planejamento de aulas realizado pela professora JAN-DEZ/06


I) Estudos teóricos sobre
surdez e bilingüismo fluente em LIBRAS junto à professora regente de classe e
realizados pela professora implementação 121
fluente em LIBRAS junto As educadoras selecionaram atividades a serem desenvolvidas
à professora regente de
pelo aluno surdo, de acordo com o plano escolar. Esse material era
classe
fotocopiado e organizado em caderno de atividades ou em uma pas-
Foram selecionados tex- ta para o aluno.
tos sobre a educação de sur- A apresentação do material, as instruções e as respostas às dú-
dos pela professora fluente em vidas eram, inicialmente, em Português oral (duas primeiras sema-
LIBRAS que eram lidos e dis- nas) e posteriormente em sinais, quer seja pela professora fluente
cutidos com a professora re- em LIBRAS, pela educadora surda e, na etapa final, pela professo-
gente de classe, em encontros ra regente.
pré-estabelecidos. Estes textos O desenvolvimento das atividades contou com os conteúdos di-
são apresentados em seguida. vididos nas unidades apresentadas em seguida, nas quais eram sem-
1) DORZIAT, A. A Uti- pre relacionados o Português escrito, o alfabeto digital e o sinal em
lização do termo surdo, tendo LIBRAS:
em vista uma perspectiva só- 1- Alfabeto digital; 2- Junções de vogais; 3- Palavras em ordem
cio-cultural. In: DORZIAT, A. fonética: p/, t/, f/, v/, m/, l/, d/, s/, b/, k (ca)/, z/, n/ ; 4- Percepção do
Análise crítica de depoimen- eu (corpo humano, sentidos); 5- Nome, identificação do aluno e fa-
tos de professores surdos so- mília; 6- Família; 7- Animais; 8- Escola; 9- Moradia; 10- Alimentos;
bre a utilização de sinais em 11- Vestuário; 12- Profissão; 13- Meios de transporte; 14- Meios de
sala de aula. (Dissertação de Comunicação; e 15- Datas comemorativas.
Mestrado). São Carlos, SP: Para organizar esses materiais foi utilizada como fonte de con-
PPGEEs, UFSCar, 1999:6-12. sulta a bibliografia apresentada em seguida.
2) FELIPE, T. LIBRAS em
contexto: curso básico, livro do
estudante cursista. Programa COUTO, A., (1986). Posso Falar, v.1. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora
Nacional de Apoio à Educação Didática e Científica.
dos Surdos. Brasília: MEC, STOCK, I. M., (1999). Brincando e aprendendo com LIBRAS:
SEESP, 2001:19-154. Língua Brasileira de Sinais. Curitiba: Universidade Tuiuti do
3)BRASIL. Secretaria de Paraná, 84p.
Educação Especial. Ensino de PINTO, G. R.; LIMA, R. C. V., (1998). O dia-a-dia do professor:
língua portuguesa para surdos: práticas inovadoras na produção de textos, v. 3. 4 ed. Belo
caminhos para a prática peda- Horizonte: Editora Fapi.
gógica, v.1. Brasília: MEC, CAMPELLO, A.R.; RANGEL, L.; CASTRO, N. P., (2000). Rela-
SEESP, 2002:20-133. cionamentos em Língua de Sinais Brasileira. Rio de Janeiro:
LSB Vídeo.
CAMPELLO, A. R.; RANGEL, L.; CASTRO, N. P., (2000) Animais em
Língua de Sinais Brasileira. Rio de Janeiro: LSB Vídeo.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.121, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

122
CAMPELLO, A. R.; RANGEL, L.; CASTRO, N. P., (2000) Habitação
em Língua de Sinais Brasileira. Rio de Janeiro: LSB Vídeo. sinais entre aluno surdo, alu-
CAMPELLO, A. R.; RANGEL, L.; CASTRO, N. P., (2000) nos ouvintes, professora regen-
Alimentos em Língua de Sinais Brasileira. Rio de Janeiro: LSB te e demais professores da es-
Vídeo. cola.
CAMPELLO, A. R.; RANGEL, L.; CASTRO, N. P., (2000)Vestuário A partir dos registros no
em Língua de Sinais Brasileira. Rio de Janeiro: LSB Vídeo. diário de campo, do cader-
no de atividades do aluno sur-
do e depoimentos de segmen-
tos da escola, foram analisadas
III) Planejamento do IV) Apropriação de
as conseqüências da interven-
aprofundamento de LIBRAS em diálogos
conteúdos curriculares entre educadora surda e ção sobre as ações da professo-
para o aluno surdo aluno surdo ra regente de classe; do aluno
realizado pela educadora surdo; e dos demais segmentos
surda junto com a Durante o aprofundamento da escola.
professora fluente em dos conteúdos curriculares, a
LIBRAS e implementação educadora surda dialogava li-
Resultados e discussão
vremente em LIBRAS com o
A educadora surda pro- aluno surdo. Os resultados serão apre-
pôs trabalhar individualmente sentados de acordo com as
com o aluno surdo: atividades ações educacionais desenvol-
V) Planejamento de aulas
da rotina diária e do cotidiano vidas no programa.
de LIBRAS para ouvintes
escolar; conto e dramatização
realizados pela educadora
de histórias em LIBRAS; re-
surda junto à professora I) Estudos teóricos sobre
conto e dramatização das his-
fluente em LIBRAS e surdez e bilingüismo
tórias pelo aluno surdo; e rea-
implementação realizados pela professora
lização de jogos e brincadeiras
fluente em LIBRAS junto
em sinais (memória, cruzadi- Para que o aluno surdo pu-
à professora regente de
nhas, caça-palavras), com base desse interagir com os ouvin-
classe
no plano escolar. A professora tes, a educadora surda e a pro-
fluente em LIBRAS auxiliava fessora fluente em LIBRAS Os estudos teóricos sobre
no planejamento e como ob- planejaram aulas para alunos surdez e bilingüismo foram es-
servadora desses encontros. ouvintes da classe e professo- senciais para a professora re-
res da escola, separadamente. gente de classe compreender o
Nessas aulas eram criados processo de educação de sur-
contextos de interlocução em dos na realidade educacional.
A relevância desses estudos fi-
cou evidenciada quando a pro-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.122, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

123

fessora se manifestou sobre a a contribuição maior da es-


existe como prática de uma te-
importância do conhecimen- cola é procurar proporcionar ao oria (DORZIAT, 1999:28). A
to adquirido para a docência e surdo um crescimento cogniti- atualização teórica contribui pa-
sobre a intenção de prosseguir vo, sem perder de vista a rea- ra que os agentes educacionais
os estudos, freqüentando curso lidade sócio-cultural do aluno. possam saber por que, para que
A autora ressalta, ainda, que é
de LIBRAS ou especialização por meio do conhecimento que
e como construir um ambiente
na área da surdez. se pode vir a minimizar as bar- educacional inclusivo nas esco-
Os depoimentos da profes- reiras excludentes e contribuir las comuns.
sora apontaram que os textos para o surdo ocupar seu lugar
estudados foram apropriados de cidadão.
II) Planejamento de aulas
para auxiliar na criação de um
realizado pela professora
contexto bilíngüe dentro de Há, então, um compromis-
fluente em LIBRAS junto
uma escola comum monolín- so do professor com o conhe-
à professora regente de
güe e para ampliar os conhe- cimento para uma mudança
classe e implementação
cimentos sobre a educação de na escola que contribua à es-
“todos” os alunos, consideran- truturação de um trabalho pe-
do as suas singularidades. dagógico sintonizado com as 1- Execução das
Durante os estudos, a pro- formas particulares do aluno atividades pelo aluno
fessora regente de classe pô- surdo apreender o mundo. Por surdo
de expressar compreensão so- meio de tais mudanças, os alu-
bre o processo de educação do nos surdos poderão, também, 1.1 - A partir das anotações
surdo e do bilingüismo, infor- se apropriar do conhecimento no diário de campo da profes-
mações que, segundo ela, fal- que, possivelmente, os norte- sora fluente em LIBRAS, pô-
taram em sua formação inicial ar a superar os obstáculos exis- de-se observar que o aluno
e continuada. tentes na sociedade. surdo, inicialmente, não sabia
Esta atualização teórica pa- A importância da atualiza- o alfabeto digital e demonstra-
receu necessária para se re- ção teórica na implementação va não querer aprendê-lo: ten-
conhecer a singularidade dos de um programa de ações edu- tava falar o tempo todo, não
alunos surdos e construir, com cacionais para surdos ratifica fazia as atividades confeccio-
eles, uma educação de quali- que não existe prática sem te- nadas para ele, somente copia-
dade, como destacou Dorziat oria, ou vice-versa. A prática va as atividades da lousa que
(1999:82-83):
3
Monolíngüe: prevalece o uso de uma língua na escola, geralmente a da comunidade majoritária.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.123, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
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124 eram dadas para os alunos ou-


vintes da sua sala, fazia sinal
de “não” com a cabeça quan-
do solicitado a fazer diferente Os sinais que os alunos ouvintes
(duas primeiras semanas). Por aprenderam foram poucos, mas notou-se que
outro lado, não fazia as ativi- a comunicação acontecia espontaneamente,
dades coletivas: pintura, dra-
propiciando interlocução nas
matizações, desenhos, recortes
etc. demonstrava que queria atividades conjuntas.
fazer sozinho e “emburrava”
quando chamado à atenção. começaram a acontecer diaria- pelo aluno, pôde-se observar o
Nenhum aluno podia che- mente entre todos os alunos da desenvolvimento de sua apren-
gar perto dele. Quando esbar- classe. dizagem no Português escrito e
ravam nele, em sua bolsa ou na A receptividade dos alunos, na relação do Português escrito
carteira onde sentava, fechava a presença da professora fluen- com a LIBRAS.
a mão e ameaçava dar soco (in- te em LIBRAS, a presença da Observou-se, também, que
clusive no recreio). Recusava- professora regente de classe e o aluno, após adquirir os si-
se a sentar perto dos colegas. a presença da educadora surda nais, começou a superar sua
Essas atitudes revelaram o favoreceram a aprendizagem condição de “copista”: relacio-
isolamento em que o aluno sur- do aluno surdo e a sua intera- nava o alfabeto digital, o sinal
do se encontrava e o seu empe- ção com todos da escola, rom- da palavra ou da frase com o
nho em se manter distante no pendo o seu isolamento. Português escrito. A princípio,
início da intervenção. A partir Esse contexto permitiu o consultava a escrita da palavra
do momento que a classe co- respeito pela condição lingüís- (relação LIBRAS/palavra/de-
meçou a aprender os sinais, o tica do surdo, possibilitou im- senho do seu caderno). Com o
aluno surdo começou a partici- portantes aquisições e um novo desenvolvimento das ativida-
par dos grupos, a realizar suas olhar para o surdo, isto é, subs- des diárias, passou a relacio-
atividades e a ensinar os sinais tituiu a sua imagem como “de- nar o sinal, o alfabeto digital
aos colegas. Durante o desen- ficiente” pela imagem de al- e o Português escrito, sem se
volvimento do programa, gra- guém que possui suas próprias apoiar no caderno.
dativamente, o aluno passou a características, sua identidade, Para o aluno desenvolver
executar todas as atividades. sua cultura, sua língua e que é essas atividades, eram neces-
Os sinais que os alunos capaz de aprender, desenvolver- sárias explicações em sinais,
ouvintes aprenderam foram se e conviver na escola, como feitas pela professora fluente
poucos, mas notou-se que a tem sido discutido por Lacerda em LIBRAS, pela educadora
comunicação acontecia espon- (2000). surda ou pela professora regen-
taneamente, propiciando inter- 1.2. Desempenho do aluno: te de classe, ao final da inter-
locução nas atividades conjun- de acordo com o caderno de ati- venção.
tas. Os diálogos em LIBRAS vidades confeccionado para e

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.124, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

125
nalmente, que o aluno não fa-
zia atividades sem as comparar
2 - Avaliação da a um exemplo. Atendia quan-
professora regente da do a professora chamava a sua
classe em relação ao aluno atenção. Começou a executar
Apesar de a intervenção ter surdo as tarefas integralmente quan-
proporcionado aprendizagem do a educadora surda sinalizou
significativa, promoção do uso 2.1 - Apresentação da ava- que, se não estudasse, iria fi-
de LIBRAS nas condições de liação da professora regente de car “burro”.
ensino, interlocução do aluno classe Na terceira avaliação, de-
surdo com outros segmentos da Na primeira avaliação, dois pois de dois meses, a professo-
escola; as práticas pedagógicas dias após o aluno surdo iniciar ra relatou que o aluno passou
empregadas neste estudo ain- na classe comum. a professo- a se concentrar nas atividades,
da se fundamentaram no plano ra regente o descreveu como ajudava os colegas nas tarefas,
institucional que é organizado esperto e atento ao que se fa- fazendo sinais. Aceitava quan-
para ouvintes e se baseiam no lava. Não fazia sinal, tenta- do era corrigido, perguntava
Português como primeira lín- va oralizar constantemen- em sinais sobre suas dúvidas
gua. Isto é, o planejamento do te e só copiava a matéria da e continuava realizando as ta-
ensino se deu sobre a base foné- lousa. Quanto à escrita, reco- refas na ausência da educado-
tica do Português, que valoriza nhecia as vogais do alfabeto e ra surda.
o canal auditivo-oral. não as relacionava com o al- Na quarta avaliação, no fi-
O planejamento de ensi- fabeto digital. Não fazia ati- nal do semestre, a professo-
no da escrita com base foné- vidades diferenciadas, as pla- ra descreveu que foi visível a
tica se reduz à aquisição de nejadas para ele no caderno. mudança de comportamento
práticas e habilidades desvin- Demonstrava irritabilidade, e do aluno quanto à execução e
culadas do contexto social do não atendia quando a profes- compreensão das atividades.
surdo. Tal planejamento, na sora chamava a sua atenção. A mudança também foi notada
maioria dos casos, se limita ao Na segunda avaliação, reali- em relação aos colegas e par-
conhecimento gramatical, de- zada uma semana após contato ticipação nas atividades cole-
codificação/identificação vo- com a educadora surda, a pro- tivas. Para ela, sua produção
cabular, tratamento de orações fessora relatou que o aluno pa- aumentou consideravelmente
e/ou texto artificiais elabora- recia mais motivado para reali- com o apoio da educadora sur-
dos para fins didáticos, con- zar as suas atividades. Quando da, da professora fluente em
forme vem sendo empreendido a educadora surda terminava o LIBRAS e dos colegas, com-
pelas escolas organizadas para seu horário na escola, o aluno partilhando a mesma língua.
ouvintes (LODI, HARRISON, também parava as suas tarefas. A análise das avaliações
CAMPOS, 2002). A professora relatou, adicio- da professora revela a impor-

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
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126 tância: da interlocução em


LIBRAS para aprofundamento
de conteúdos em Português es-
crito; da presença da educado-
ra surda, como referência e co-
mo modelo para o processo de va e prazerosamente. Este am-
formação da identidade do alu- biente propicia a escolarização
no surdo; do aprendizado de si- do aluno surdo com suas pos-
nais pela professora regente de sibilidades lingüístico-cogniti- Embora as interações em
classe e pelos colegas ouvin- vas concretizadas (GESUELI LIBRAS tenham sido cruciais
tes para interlocução na esco- e GÓES, 2001) e favorece a para o desenvolvimento edu-
la; e da participação da profes- emergência de um indivíduo cacional do aluno surdo, é im-
sora fluente em LIBRAS, para capaz de desenvolver ações portante notar que a Língua de
apoio e planejamento das vá- transformadoras da natureza. Sinais não pode ser compre-
rias frentes de intervenção. O A respeito da relação lin- endida apenas como instru-
envolvimento desses agentes guagem e homem, como mento de comunicação. Nesta
possibilitou avançar na cria- ser transformador, Tartuci perspectiva, tomando co-
ção de um ambiente inclusivo, (2005:151) considera neces- mo referência as proposições
atrativo e adequado à diferença sário compreender: de Vygotsky, Gesueli e Góes
dos alunos surdos. Que a linguagem como sis- (2001:11) consideram:
Quando a classe passou a tema de signos permite ao ho- A relação do sujeito com o
utilizar a LIBRAS e a profes- mem significar o mundo, tra- mundo não é direta, mas me-
sora regente de classe passou a duzir os sentimentos, exprimir diada, e que as ocorrências de
o que conhece, organizar e es- mediação vão emergir através
utilizar a mediação de LIBRAS trutura os pensamentos. [...] Ela de outrem e, depois, orientar-se
para ensinar os conteúdos cur- é o marco de ingresso do ho- para o próprio sujeito; e que no
riculares, o aluno demonstrou mem coletivo, que constrói a processo de desenvolvimento
compreender aquilo que es- cultura e a si mesmo. Imerso na do sujeito, a linguagem tem um
crevia, sugerindo a existência cultura e na linguagem aí im- lugar central, como mediadora
plicada o sujeito é capaz de pro- das interações e como instância
de aprendizagem significati- duzir transformações e ao mes- de significação por excelência;
va. Quando o ambiente se tor- mo tempo “ser” e “sofrer” essa ou seja, ela não pode ser reduzi-
na adequado às diferenças, a transformação, numa relação da meramente, a um instrumen-
aprendizagem ocorre gradati- de reciprocidade. to de comunicação.

Embora as interações em LIBRAS tenham sido cruciais para o


desenvolvimento educacional do aluno surdo, é importante notar que a
Língua de Sinais não pode ser compreendida apenas como instrumento
de comunicação.

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

Com J. fazer ele falar LI- 127


BRAS, porque ele não gosta,
porque ouvintes querem que só
fala. Errado. J. tem que falar
LIBRAS vou conversar muito
com ele, falar LIBRAS muito
importante, vou começar com
mostrar pra ele, como pedir pra
fazer tudo, por favor, porque
tem ser educado, conhecer es-
cola que estuda, errado ficar
mostrando (apontando), ficar
Neste estudo, evidenciou-se cimentos e na valorização da abrir boca, ninguém entende, é
que, quando todos os agentes cultura, da identidade, da lín- difícil falar, tem conhecer e sa-
envolvidos nas questões edu- gua do surdo, enfim, da sua ber tudo LIBRAS, ele é surdo,
cacionais se propõem a rea- diferença. Diferença esta que tem que falar LIBRAS, conhe-
lizar e assumir atitudes dian- precisa ser respeitada para tra- cer corpo, comida, roupa, ami-
gos, casa, família. Depois ele
te do desafio da diferença, há zer o surdo para o “mundo dos ajuda ensinar amigos da esco-
uma mudança de postura em ouvintes” e os ouvintes para o la, todo mundo vai gostar, vai
relação ao diferente. “mundo do surdo”. conversar junto, não vai ficar
Observou-se, além disso, mais bravo, triste, sozinho, vai
que na criação de um contex- ter amigos surdos que falam
III) Planejamento LIBRAS e amigos ouvintes que
to inclusivo, que favoreça a falam LIBRAS. Eu tenho ami-
das interações e
aprendizagem da leitura e da gos surdos e ouvintes que falam
aprofundamento de
escrita do aluno surdo, é neces- LIBRAS, é legal, é importante.
conteúdos curriculares
sário o envolvimento de todos
para o aluno surdo
(pais, alunos, docentes, coor- O depoimento da educado-
realizados pela educadora
denação, direção) na interlocu- surda junto à professora ra surda mostra a consciência
ção educacional. fluente em LIBRAS e que tem sobre a importância
Este envolvimento exi- implementação da LIBRAS na vida e educa-
ge, numa primeira instância, ção do surdo e sobre o poder
o ensino-aprendizagem de Embora as atividades se estabelecido ouvinte-surdo,
LIBRAS para interação alu- apoiassem no plano oficial, a onde prevalece a fala. As dis-
no surdo - outros segmentos da organização e a seleção das cussões de Sá (2002:356) es-
escola, e a aproximação desses atividades em LIBRAS foram clarecem como esse poder se
segmentos ao “mundo” do sur- elaboradas pela educadora sur- estabelece na escola: pelo po-
do. Estas interações têm resul- da, como relata a seguir: der sobre as alteridades, os ou-
tado na busca de novos conhe- vintes têm negado aos surdos a

4
Este relato foi escrito pela educadora surda mediante solicitação da professora fluente em LIBRAS (pesquisadora).

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

128
oportunidade de vivenciar, em
plenitude, sua língua e sua cul-
tura.
Portanto, a participação de
um educador surdo é impres-
cindível, como ressalta a mes-
ma autora:
Para a instrumentação ple-
na de uma educação bilíngüe e lo meio acadêmico sem trazer escolar. Estas mudanças são
multicultural é necessário que constrangimentos para o gru- mencionadas nos depoimentos
os educadores surdos assumam po como um todo, como su- da gestora escolar, da profes-
as posições, pois, “uma língua
implica sempre uma cultura
gere Lacerda (2000, p.65). O sora regente de classe, da coor-
dentro da qual – e só dentro da contexto escolar assim organi- denadora pedagógica, dos pais
qual – pode adquirir sentidos zado favorece a construção da do aluno surdo e demais pro-
coletivamente aceitos e conclu- identidade surda. fessores, na ocasião em que a
ídos (SÁ, 2002:367-368). Os depoimentos da gestora educadora surda deixou a es-
escolar, da professora coorde- cola.
Ainda de acordo com Sá, a nadora pedagógica, da profes- Os depoimentos revelaram
presença de professores surdos sora regente de classe, dos pais que é indispensável, para o
nos projetos pedagógicos é al- e do aluno surdo também mos- processo educacional dos alu-
tamente desejável, pois permi- traram a importância da par- nos surdos, não só a presença
te construir uma prática educa- ticipação da educadora surda da LIBRAS, mas também dis-
tiva idêntica à que as crianças dentro da escola, no processo cussões sobre a cultura surda,
ouvintes constroem com seus educacional. A atuação desta como pondera Dorziat (1999).
professores ouvintes. promoveu interação entre sur- A presença da língua e
Neste sentido, observou-se do e ouvintes e despertou in- da cultura surda nas escolas
que a participação da educado- teresse pela língua e cultura possibilita mudar o foco pa-
ra surda permitiu o desenvol- surdas. Conhecer a língua e a ra o entendimento de surdez
vimento da prática educativa cultura surda, para a comuni- e de surdos, como ressalta Sá
com o aluno surdo, e de uma dade escolar, parece ter levado (2000:365). Para ela, os sur-
atitude de reconhecimento da ao reconhecimento da existên- dos não devem ser vistos como
LIBRAS no ambiente escolar cia da diferença, da necessi- membros deficitários da comu-
e de respeito com o aluno sur- dade de reorganizar a escola e nidade ouvinte, mas membros
do. Sob essas condições dentro de disponibilizar meios para o de uma comunidade minori-
da escola, o aluno surdo pode acesso e permanência do aluno tária, com sua própria língua,
falar e ser falado, mostrando surdo. Isto é, à conscientiza- cultura e convenções: há que
que uma língua diferente po- ção de todos a partir do conhe- se criar escolas onde a diferen-
de transitar e ser absorvida pe- cimento adquirido na prática ça tenha um espaço de expres-

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

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JAN-DEZ/06

129
Os depoimentos mostraram
que a presença do adulto surdo
são, escolas em que as pessoas no ambiente escolar possibili-
tenham o direito de ser dife- tou uma mudança na forma em
rentes. O início de diálogos com a que o aluno surdo era visto por
Em síntese, o agente do educadora surda melhorou a si próprio e por todos da insti-
educador surdo foi importante qualidade da experiência esco- tuição escolar.
para ensinar LIBRAS, auxiliar lar do aluno, demonstrada pe- A presença dessa educa-
no planejamento educacional e lo resultado de suas atividades dora reforçou a auto-imagem
oferecer explicações adequa- escolares e pelas suas atitudes. e auto-estima do aluno surdo
das sobre o conteúdo ministra- Como discute Góes (2000), a levando-o a ser respeitado e
do em LIBRAS, o que facilitou qualidade da experiência esco- visto como uma pessoa capaz
a compreensão e a apreensão lar depende das formas pelas de aprender, de se relacionar,
do aluno surdo, como discute quais é abordada a questão da de conviver e, acima de tudo,
Lacerda (2002). linguagem. O ensinar-apren- uma pessoa que possui cultura
der se dá dialogicamente. e língua diferentes. Favoreceu,
Considerando a criação de também, a divulgação e aqui-
IV) Apropriação de
um ambiente inclusivo, os diá- sição, para os ouvintes, da
LIBRAS em diálogos
logos em LIBRAS não podem LIBRAS como uma outra lín-
entre educadora surda e
ficar restritos à comunicação gua.
aluno surdo.
em sala de aula ou à media-
A partir das anotações do ções em estratégias de ensi-
V) Planejamento de aulas
diário de campo, pode-se notar no; devem ser compreendidos
de LIBRAS para ouvintes
que a interlocução entre edu- mais além. A interlocução na
realizado, pela educadora
cadora surda e aluno surdo co- primeira língua desse aluno é
surda, junto à professora
meçou a acontecer e pareceu uma questão fundamental que
fluente em LIBRAS e
influenciar no reconhecimen- permite ao surdo significar-
implementação
to desse aluno como sujeito, se como surdo e como sujeito
capaz de se relacionar com ou- que enuncia numa língua efe- Após o término das aulas
tros e de superar a sua condi- tiva, a qual tem características da educadora surda para os
ção de isolamento. próprias e configura-se como alunos ouvintes, solicitou-se
Este aluno, como a maioria fonte de identidade (GÓES, a opinião dos mesmos sobre a
dos surdos, não teve oportuni- 2000:48). participação dessa educadora
dade de adquirir precocemente Após o término do progra- no programa.
a Língua de Sinais, o que pode ma, solicitou-se a opinião do Nos depoimentos dos alu-
ter acarretado efeitos marcan- aluno surdo e da educadora nos foram considerados aspec-
tes na sua formação, como res- surda sobre a participação des- tos em relação à importância
salta Góes (2000). sa educadora no programa. da aprendizagem de LIBRAS.

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
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a escola não deve
130 funcionar como
mera transmissora Por meio dos sinais aprendi-
de conhecimentos. dos, os alunos puderam se co-
Deve-se buscar municar com o colega surdo,
o “pleno entendendo-o e fazendo-se en-
tender. Usando os sinais, pude-
desenvolvimento ram ajudar o coleguinha surdo
do educando”, em suas atividades. Além dis-
enfatizando so, houve possibilidade de me-
as formas de lhor convivência, socialização É importante lembrar que
na escola. desenvolver as potencialidades
convivência, a Observou-se que as presen- do cidadão exige criar formas
visão multicultural ças da educadora surda e dos diferenciadas para quebrar
crítica, o respeito sinais contribuíram para os padrões existentes na busca
às diferenças alunos ouvintes minimizarem de uma sociedade para todos
as barreiras que os separavam (DORZIAT, 1999), o que, pa-
e às atitudes do aluno surdo. Essas presen- ra o aluno surdo, vai além da
das pessoas. A ças na educação tornaram pos- aprendizagem em sua língua.
responsabilidade é sível aos surdos o direito de se- É necessário garantir a inter-
mútua para tornar rem surdos (DORZIAT, 1999). locução na escola, começando
Para Dorziat (1999:132): com os seus colegas.
a escola de todos e Isto posto, fica claro que a
As condições sociais
para todos. exigem do indivíduo, sur- escola não deve funcionar co-
do ou não, o assumir de mo mera transmissora de co-
diferentes papéis, de dife- nhecimentos. Deve-se buscar
rentes identidades. Assim
a escola deve pensar em
o “pleno desenvolvimento do
desenvolver as potencia- educando”, enfatizando as for-
lidades do indivíduo, do mas de convivência, a visão
cidadão, de modo a con- multicultural crítica, o respeito
tribuir para a redução das às diferenças e às atitudes das
barreiras excludentes da
sociedade.
pessoas. A responsabilidade é
mútua para tornar a escola de
todos e para todos.

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
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131
Considerações finais

Este estudo buscou apon- damento dos conteúdos curri-


tar ações que podem mudar o culares e construção do conhe-
quadro educacional em relação cimento escolar. A presença do
ao aluno surdo. Para que essas educador surdo permite que o
mudanças se efetivem, deve do desenvolvidas por Skliar e aluno se assuma como surdo e
haver participação de todos os Lunardi (2000) sobre a neces- abre espaços para discussões
agentes educacionais, inclusi- sidade de compartilhamento sobre surdez em um ambien-
ve do surdo. Só por meio desse de uma mesma base lingüís- te ouvinte, levando informa-
comprometimento é possível tica entre os agentes educacio- ções sobre a cultura surda e a
tornar realidade a construção nais. LIBRAS e possibilitando a in-
de uma prática educacional Além disso, este estudo terlocução do aluno surdo com
que transforme a escola mono- mostrou, por meio da imple- todos da instituição escolar.
língüe para ouvintes em uma mentação de práticas educacio- Atualmente, a grande mai-
escola bilíngüe, também para nais que envolveram educado- oria dos alunos surdos che-
surdos. res ouvintes, alunos ouvintes e ga à escola sem conhecer a
O envolvimento do profes- educadora surda, que é possí- LIBRAS, portanto a presen-
sor fluente em LIBRAS, do vel concretizar as ações desses ça do educador surdo como in-
professor regente de classe, novos agentes na escola. terlocutor das crianças surdas
capaz de se expressar em si- Especificamente quanto à é fundamental para a apropria-
nais, e do educador surdo fa- ação do educador surdo, per- ção da sua primeira língua, fato
cilitaram as condições para cebeu-se que esse agente, além que valoriza ainda mais a ação
ensino-aprendizagem do alu- de mediar as interações lin- desse educador dentro do movi-
no surdo em classe comum e güísticas, é fundamental para mento de inclusão.
para interação entre esse alu- o desenvolvimento educacio- A legislação, entretanto, as-
no e os ouvintes, comprovan- nal, social, cultural dos alunos segura e prevê a participação
do as discussões que vêm sen- surdos, ou seja, para aprofun- efetiva do educador surdo ape-

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
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132

nas para ministrar LIBRAS,


isto é, para a construção das
interações lingüísticas. A ação
do educador surdo, contu-
do, deve ir além do ensino de todas as suas características se-
LIBRAS. jam subsidiados pelos agentes
Outro aspecto, relacionado comprometidos com a melhoria
às ações do educador surdo nas da qualidade de ensino.
escolas é viabilizar o seu aces- É importante esclarecer,
so profissional dentro das esco- também, que este estudo não
las no que se refere à abertura envolveu todos os funcioná-
de vagas, critérios adequados rios da instituição escolar, co-
para emissão de laudos médi- mo por exemplo, os agentes es-
cos e formação ajustada ao mo- colares e os funcionários de
mento educacional brasileiro. apoio, porque o tempo da inter- Neste estudo, as presenças
Quanto a esses aspectos, neste venção foi pequeno e limitou da educadora surda e da profes-
estudo, a participação da edu- o trabalho desenvolvido. Um sora fluente em LIBRAS foram
cadora surda só se viabilizou ambiente inclusivo só ocorre, muito além de planejar e minis-
porque a pesquisadora a auxi- de fato, quando todos os que trar os conteúdos acadêmicos.
liava com uma ajuda de custo. atuam dentro da escola parti- Houve um envolvimento desses
É inadmissível, em uma épo- cipam das ações desenvolvidas agentes com a maioria dos ou-
ca de mudanças e investimen- junto aos alunos. tros agentes da instituição esco-
tos na educação, que programas A professora fluente em lar, resultando na possibilidade
educacionais adequados ao de- LIBRAS exerceu o papel de de expandir a intervenção para
senvolvimento dos alunos em auxiliar no planejamento esco- toda a escola.
lar e nas interações da profes- Acredita-se que, por meio
sora regente com a educado- de estudos, ações e vontade
ra surda, dos alunos ouvintes política, será possível reorga-
com o aluno surdo, enfim, com nizar a escola, segundo princí-
a comunidade escolar, o que pios que têm como alicerce o
possibilitou ações educacio- intercâmbio das diferenças in-
nais mais ajustadas à realidade dividuais e o convívio com a
educacional do momento. pluralidade humana.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.132, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

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JAN-DEZ/06

133

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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.134, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO

Notas sobre a criatividade na JAN-DEZ/06

135
prática pedagógica
Kátia Regina Xavier da Silva*
*Doutoranda em Educação (UFRJ). Mestre em Educação (UERJ). Especialista em Orienta-
ção Educacional (UCAM). Licenciada em Educação Física e Pedagogia (UFRJ). Pesquisado-
ra do Laboratório de Pesquisas, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educa-
ção (LaPEADE) da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ).
Professora da UNIABEU. Professora de Educação Física da Rede Municipal de Ensino de Belford Roxo
katiarxsilva@oi.com.br
Material recebido em março de 2006 e selecionado em abril de 2006.

Resumo ca a necessidade de investir na their creative contributions


pessoa humana, na formação to transform the educatio-
A pesquisa Criatividade na permanente e na valorização nal practice, its general objec-
Prática Pedagógica teve como financeira dos profissionais da tive being: to contribute for
proposta discutir questões re- educação, com o intuito de in- the planning of creative stra-
lativas à criatividade na práti- centivar, desenvolver e valori- tegies for problems faced by
ca pedagógica de professores zar plenamente a criatividade these and other professionals,
da Rede Pública Municipal de desses profissionais, a fim de through reflection about con-
Ensino de Belford Roxo, com contribuir para a construção ditions of developing a creative
ênfase no ponto de vista pes- de uma educação para a auto- education aimed to autonomy.
soal e profissional dos profes- nomia. The presented research indi-
sores e nas suas contribuições Palavras-chave: criativi- cates the need to invest in the
criativas para a transformação dade; prática pedagógica. human being, in the incessant
da prática educativa, sendo o formation and in teacher’s fair
objetivo geral: contribuir para remuneration, aiming to moti-
Abstract
o planejamento de estratégias vate, to develop and to fully
criativas para os problemas The research Creativity in value these professionals’ cre-
enfrentados por esses e outros Educational Practice has the ativity, in order to contribute
profissionais, através da refle- purpose of discussing issues for the building of an educa-
xão sobre as condições de de- relative to the creativity in tea- tion for autonomy.
senvolvimento de uma educa- ching practice, emphasizing Key words: creativity; edu-
ção criativa para a autonomia. the teachers’ personal and pro- cational practice.
A pesquisa apresentada indi- fessional point of view and in

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.135, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06
Introdução

136 O que é criatividade? Como


a criatividade se manifesta na
prática pedagógica? Os obstá-
culos enfrentados pelos pro-
fessores que atuam em es-
colas públicas são entraves ca criativa a partir dos relatos
para a expressão da criativi- desses professores e (3) apre-
dade do professor? Estas fo- sentar as sugestões dadas pelos
ram algumas questões que participantes do estudo, para a
motivaram a realização da valorização, incentivo e desen-
pesquisa Criatividade na Prá- volvimento da criatividade do
tica Pedagógica. A pesqui- professor.
sa foi desenvolvida no muni- Durante a busca por leituras
cípio de Belford Roxo, com que esclarecessem as tramas
13 professores que atuam no da criatividade pude verificar
Ensino Fundamental da Rede que o interesse pelo estudo dos
Pública e tinha como objeti- profissionais criativos nas em-
vos específicos: (1) investi- presas, na ciência, nas artes e
gar, segundo estudos da litera- outras áreas é grande. Porém,
tura nacional e internacional, pouco se tem focalizado sobre Parece consenso:
características de criativida- a criatividade dos professo-
é necessário ser
de apresentadas por professo- res nos diferentes níveis de en-
res do Ensino Fundamental sino. É fato que se quisermos criativo para
indicados como criativos na desenvolver o potencial criati- ter sucesso na
prática pedagógica por seus vo dos alunos é imprescindí- vida pessoal
Orientadores Educacionais e vel reconhecer, valorizar e de-
e profissional.
Pedagógicos; (2) analisar a ex- senvolver as características de
pressão da prática pedagógi- criatividade de seus professo- Entretanto, os
res, ainda que estas não sejam estudos sobre
garantia de sucesso na prática a criatividade
pedagógica e no desempenho
não apresentam
escolar dos alunos. O presen-
consenso quanto a
sua conceituação.

1
Dissertação de Mestrado defendida em 2004, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.136, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

137
te artigo tem como objetivos
apresentar alguns dados cole-
tados na referida pesquisa, en-
tre eles o conceito de criativi-
dade e como a criatividade se
manifesta na prática pedagógi-
ca dos professores participan- cionada a critérios que depen-
tes; pretende, ainda, levantar dem do juízo dos avaliadores.
novos questionamentos sobre Para Sternberg (2000:169), a
o tema, surgidos a partir da te- criatividade “é um julgamen-
se de doutorado que estou de- to sócio-cultural da inovação,
senvolvendo desde o início de va: obras literárias, invenções, da adequação, da qualidade e
2005. ações efetivas; e, o do proces- da importância de um produ-
so criativo, ou, em outras pala- to”. Desta forma, cada cultura
vras, o percurso utilizado pela avalia a criatividade de acordo
Criatividade: um conceito
pessoa que cria para encontrar com seus próprios parâmetros,
em debate
soluções para os problemas en- embora haja coerência entre o
Parece consenso: é neces- frentados. Contudo, vale en- ponto de vista dos especialis-
sário ser criativo para ter su- fatizar que pessoa, produto e tas e o ponto de vista do gru-
cesso na vida pessoal e profis- processo criativo são elemen- po social de uma forma ge-
sional. Entretanto, os estudos tos inseparáveis de um mes- ral. Este problema se apresenta
sobre a criatividade não apre- mo conceito – a criatividade. em qualquer tipo de avaliação,
sentam consenso quanto a sua A separação desses observada que está “sempre relacionada
conceituação. Dependendo da na literatura se dá pela neces- às normas e às expectativas de
filiação teórica do pesquisador sidade de delimitar o campo um grupo específico em uma
a criatividade pode ser con- da pesquisa, com vistas à ten- época específica e em um lu-
ceituada de diferentes formas; tativa de alcançar a objetivida- gar específico” (idem, p.170).
sua origem pode ser diversa e de e convencer a audiência de Na pesquisa Criatividade
a análise de sua expressão de- que o que se afirma é “correto” na Prática Pedagógica, utilizei
penderá do ponto de vista que e o mais próximo da “verdade como uma das fontes de evi-
o pesquisador irá focalizar. científica”. dências – e estratégia para en-
A criatividade também po- Neste sentido, a defini- contrar professores reconhe-
de ser analisada por vários ân- ção da criatividade passa a ser cidos por sua criatividade – a
gulos: o da pessoa criativa, mais difícil quando levamos experiência dos Orientadores
enfatizando motivações e ca- em consideração “pessoas co- Educacionais e Pedagógicos
racterísticas de personalidade; muns”, pois a hierarquização das escolas pesquisadas na
o do produto criativo, isto é, o do que é “mais criativo” ou orientação e avaliação da práti-
resultado da produção criati- “menos criativo” fica condi- ca pedagógica dos professores

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
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138

participantes. Os Orientadores
responderam a um Inventário
de Características Intelectuais,
Motivacionais e de Perso-
nalidade de Pessoas Criativas sejam dominar o problema;
construído com base em estu- manifestam alta energia com
dos e materiais produzidos por grande produção de trabalho
autores nacionais e internacio- mediante hábitos disciplina-
nais e, mais especificamente, dos; são dedicados ao trabalho, funciona “bem” no processo
nas características freqüente- engenhosos, e apresentam de- de aprendizagem. A capacida-
mente encontradas em pesso- sejo de descoberta (92,3%). de de sentir os problemas, em
as criativas apresentadas por A capacidade de sentir os outras palavras, pode ser vista
Taylor & Holland (1976). problemas pode ser entendida como a capacidade de perceber
Os resultados encontrados como “a capacidade de com- as lacunas, limitações ou erros
neste levantamento confirmam preender internamente as re- existentes em idéias, produtos
os resultados presentes nas ações do estudante (...) uma ou situações.
pesquisas sobre a criatividade consciência sensível da manei- A curiosidade observada na
e as características de pesso- ra pela qual o processo de edu- prática dos professores partici-
as criativas. Assim, com base cação e aprendizagem se apre- pantes da pesquisa é um outro
no olhar dos Orientadores, os senta ao estudante” (Rogers, aspecto a ser ressaltado. Sobre
professores indicados apresen- 1986:131), de forma a tornar a esta questão, Freire (1998:95) é
tam, entre outras caracterís- aprendizagem mais significa- categórico em afirmar: “sem a
ticas: capacidade de sentir os tiva; ou ainda, quando os pro- curiosidade que me move, me
problemas; curiosidade; mais blemas encontrados na prática inquieta, que me insere na bus-
autonomia que as outras pes- pedagógica têm significação ca, não aprendo nem ensino”.
soas; maior competência pa- concreta e pessoal para o pro- O curioso questiona, se inco-
ra ajustar a si mesmos o meio fessor que é capaz de se pôr no moda, incomoda e, freqüente-
ambiente, para aperfeiçoá-lo lugar do outro e de encarar o mente, é visto como o chato, o
em aspectos que julgam urgen- mundo através dos olhos do intrometido, o inconveniente.
temente necessários (100%); outro (Kneller, 1978). Tal ca- Talvez seja por isso que ainda
disposição para vencer as di- racterística, embora seja al- hoje as pessoas digam às crian-
ficuldades em vez de se dei- tamente subjetiva, nada tem ças que a curiosidade matou o
xar imobilizar por elas; idéias a ver com o “sobrenatural”. gato. E quem era o gato? Onde
empreendedoras; necessitam Passa, também, pela capacida- morava? Como isso aconte-
de variedade e autonomia; de- de de perceber que “algo” não ceu? Quais os fatos? Quem

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

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JAN-DEZ/06

139
são os suspeitos? Respostas
difíceis de encontrar quando
quem morre é a curiosidade.
Segundo Torrance (1976:73)
“o gato curioso testa os li-
mites com muito cuidado e cau-
tela, e retira-se com a maior ra- seqüências provenientes das
pidez de uma situação perigosa. decisões tomadas. O sujeito
(...) a pessoa curiosa nunca está
ociosa”.
autônomo não se protege des-
ses erros “pela instauração de sendo tomadas”. Autonomia
Assim como o gato curio- uma autoridade externa” (ibi- é, também, consciência, uma
so, esses professores estão dem) e acredita que a única li- construção interna e externa,
sempre lá, na busca por for- mitação é aquela imposta por na medida em que precisa de
mação e informação. A curio- ele mesmo. reflexão, respeito à liberda-
sidade os impulsiona a de-
sorganizar as suas idéias; Um problema pode, realmente, tirar o
a teoria, por sua vez, os ajuda a estímulo do professor. Mas, sem dúvida,
reorganizá-las e a desorga- ele deve usar toda a sua criatividade para
nizá-las novamente.
Segundo os Orientadores
solucioná-lo da melhor forma possível.
Educacionais e Pedagógicos,
o professor reconhecido co- Neste sentido, a autono- de do outro e espaço – físico e
mo criativo também é mais mia da Escola Pública não po- existencial – para erguer-se em
autônomo que as outras pes- de ser dissociada da autonomia bases sólidas.
soas. Utilizei nesta pesquisa na Escola Pública. Dito em ou-
o conceito de autonomia pro- tras palavras, “a liberdade de
As cenas da prática
posto por Castoriadis (1999): escolher” e “criar” na Escola
pedagógica criativa
“a capacidade – de uma socie- Pública, declarada por diver-
dade ou indivíduo – de agir sos professores nas entrevistas, Após serem indicados pe-
deliberada e explicitamente não é nada sem a participação los Orientadores Educacionais
para modificar a sua lei, isto e o compromisso efetivos dos e Pedagógicos, os professores
é, a sua forma”. Ser autônomo profissionais que nela atuam. foram entrevistados e descre-
“abre uma interrogação sobre Freire (1998:120) diz que “a veram algumas cenas de sua
a lei que devo (que devemos) autonomia vai se constituin- prática pedagógica. No que se
adotar” (Ibidem, p.221) e so- do nas experiências de várias, refere aos “problemas” relata-
bre os possíveis erros e con- inúmeras decisões, que vão dos, pude perceber que estes

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
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não são novos. Estão relacio-
140 nados: ao sistema educacio-
nal; à família dos alunos; à
categoria profissional; aos
alunos; à própria prática e, até
mesmo, à inexistência de pro-
blemas!
Dos problemas relaciona-
dos ao Sistema Educacional, tos analisados, nem todos os Vale a pena comentar es-
relatados posso listar: os bai- professores têm “coragem” pa- te último aspecto. O profes-
xos salários; a falta de apoio ra “ousar” mudar suas práticas sor que “abandona” um pro-
das instâncias governamen- e aqueles que o fazem sofrem blema poderia ser considerado
tais: as turmas superlotadas; a conseqüências que nem sem- criativo? Segundo Sternberg
escassez de recursos materiais pre são positivas. Conforme (2003), uma das habilidades a
e a inadequação do espaço físi- relataram alguns participantes, serem trabalhadas para o de-
co; o pouco tempo para desen- além de se incomodarem com senvolvimento da inteligência
volver os conteúdos, por con- a inovação, alguns colegas de e da criatividade é saber quan-
ta da extensão dos currículos e trabalho acreditam que as prá- do continuar e quando parar.
programas; e, a falta de aces- ticas inovadoras fazem parte Ele diz que é necessário per-
so a cursos de formação con- de uma tática pessoal utilizada sistir, mas não perseverar. E
tinuada. pelos professores criativos pa- isto inclui avaliar os prós e os
Outro problema que se equi- ra mostrar trabalho e, com is- contras do ambiente e ser co-
para, em termos quantitativos, so, ganhar status no ambiente rajoso o suficiente para desistir
aos relatados sobre o sistema de trabalho. Este problema é, quando necessário. Um pro-
educacional, refere-se às famí- também, um dos impactos da blema pode, realmente, tirar
lias dos alunos, descritas como inovação relatados pelos pro- o estímulo do professor. Mas,
omissas, ausentes, desestrutu- fessores na relação entre eles e sem dúvida, ele deve usar to-
radas, entre outros adjetivos. os colegas de trabalho. da a sua criatividade para solu-
Este processo de desestrutura- Uma das professoras deu cioná-lo da melhor forma pos-
ção é justificado pelos profes- uma resposta curiosa quan- sível. E reavaliar a sua solução,
sores não só pelo baixo poder do questionada sobre os pro- sempre. Desta forma, “sair”
aquisitivo das famílias como, blemas enfrentados: “eu ainda do problema pode representar
também, pela falta de informa- não me deparei com nenhum também uma forma de enxer-
ção sobre as mudanças ocorri- problema que me tirasse o es- gá-lo de outro ângulo para ten-
das na Educação e na Escola. tímulo de trabalhar. Porque às tar resolvê-lo de outra forma. E
Outro aspecto levantado vezes o problema te tira até o isto é criativo, sem dúvida.
pelos professores e visto co- estímulo (...). Então eu não te- Para resolver os problemas
mo um problema a ser enfren- nho problemas. Aonde eu tive enfrentados em sua prática, os
tado está na própria categoria problemas eu descartei o pro- professores desenvolvem es-
profissional. Segundo os rela- blema”. tratégias próprias, algumas de-

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
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las similares entre os entrevis- 141


tados. Dos treze professores
entrevistados, mais de 90%
afirmam que utilizam recur- elementares do cidadão-tra-
sos próprios para “bancar” su- balhador: a saúde, saneamen-
as “invenções”. Muitas vezes, to, água, moradia, seguran-
o gasto é planejado com ante- ça, transporte e instrução”
cedência e já faz parte do pró- (ARROYO, 1997:47). Fechar
prio orçamento mensal. Os os olhos para estas responsa-
professores sentem e sabem, bilidades do Estado pode cus- em herói e pedinte. As pessoas
pela sua experiência, que seus tar caro e o preço a ser pago que participam deste mutirão
alunos não têm condições de não deve ser debitado da “con- são representadas: pelos fa-
arcar com os custos necessá- ta” do professor. miliares dos professores, fun-
rios para ir além do que, tra- Outra estratégia utilizada cionários, pais, alunos, outros
dicionalmente, convencionou- pelos professores com o intuito professores, vizinhos, amigos
se chamar de cuspe e giz. A de conseguir os recursos para e até o dono do botequim.
intensidade do envolvimento realizar seus empreendimentos Reciclar, a terceira estraté-
com a própria prática se asse- é mobilizar pessoas. Quando gia relatada para suprir a fal-
melha à intensidade do envol- pensada sob a forma de ima- ta de materiais, num primeiro
vimento do aluno com o seu gens pode ser, ao mesmo tem- momento funciona como uma
próprio processo de aprendiza- po, exemplar, cômica e trágica, forma de baixar os custos tan-
gem: “é como você estar... me pois representa um exemplo de to para os alunos, como para o
sinto aluna do trabalho, então, empenho, coragem e dedica- próprio professor. Vale lembrar
eu fiz a minha parte, me sentia ção e, por outro lado, o reflexo que a capacidade de encontrar
a aluna que tinha mais condi- do sucateamento da educação novos usos para os objetos e
ções de comprar (...)”, diz uma pública. O professor transfor- transformá-los em algo inima-
das professoras. ma-se, assim, paradoxalmente, ginado é uma das caracterís-
Entretanto, vale ressaltar ticas da pessoa criativa. Miel
que o empenho desses profis- (1972) considera que a manei-
sionais em encontrar soluções ra pela qual o professor utiliza
criativas para o sucateamento os recursos de tempo, espaço
da escola pública – por exem- e materiais é uma das provas
plo, arcar com as despesas e da sua criatividade como pro-
comprar materiais para desen- fessor. Acrescenta, ainda, que,
volver o seu trabalho na esco- através da organização criativa
la – “não pode encobrir a in- desses elementos que estão ao
decência e o descompromisso alcance de suas mãos, o profes-
do Estado para com os direitos sor oportuniza o alargamento

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
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JAN-DEZ/06 das dimensões de aprendiza-
gem dos alunos, alertando-os
142 para a inesgotável natureza da
experiência.
Acredito que o salto qua-
litativo de todo este processo
de captação de recursos para a
prática pedagógica criativa es- vamente, ainda que este tipo
tá na possibilidade de trazer ao de trabalho ofereça insegu-
centro do palco as discussões rança para esses professores.
sobre a necessidade de inves- A pergunta: e eu lá sei fazer is-
tir na escola pública e em todo so? Não é exclusiva dos profes-
o seu potencial humano e insti- sores novatos. Aliás, para um
tucional e, conseqüentemente, professor criativo, constatar
convocar a sociedade para dis- que não sabe fazer algo é me-
cutir sobre as implicações po- lhor do que acreditar que tem
líticas desse investimento, bem a solução para todos os proble-
como os infindáveis ganhos mas. Reconhecendo que não
para a nação e o povo brasilei- sabe tudo ele pode, realmente,
ros. construir algo diferente. Desta
Ainda sobre as estratégias forma, ao considerar o ser hu-
utilizadas pelos professores em mano como um ser inacabado, alunos e, pelas trocas afetivas.
sua prática pedagógica criati- um sujeito em construção, fi- Trabalhar com Arte diz respei-
va, foi discutida a forma como ca mais fácil conviver com es- to não só à realização de ati-
eles trabalham os conteúdos sas incertezas que são, até cer- vidades que envolvem música,
com os alunos. Neste sentido, to ponto, assustadoras. teatro, pintura, etc. Ousaria di-
eles fazem de tudo para: diver- A diversificação das ati- zer que Trabalhar com Arte é
sificar, motivar para a aprendi- vidades está representada na “privilegiar o encontro com o
zagem e trabalhar com Arte. prática pedagógica criativa nas novo, com o inusitado, em sua
Neste processo de criação, tra- diferentes atividades e assun- revisita ao velho” (Fazenda,
balha-se individual e coleti- tos trabalhados e nas diver- 2002:15). Trabalhar com Arte
sas formas de avaliação; a mo- significa, nesta pesquisa, ser
tivação para a aprendizagem capaz de ultrapassar os limites
apresenta-se pelo incentivo da abordagem tradicional de
aos potenciais, pelas negocia- ensino e inovar sem deixar de
ções entre os alunos e o profes- reconhecer a importância his-
sor e mesmo entre os próprios tórica da tradição na constru-
ção do processo educativo.
Desta forma, reconhecer os
interesses e diversificar as ati-
vidades, sem se descuidar da

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

pente... Mas como foi o gênio 143


da pintura, ele foi respeitado
(...) o professor tem que respei-
tar essa criatividade do aluno.
necessidade de trabalhar os Quando ele cria é perfeito (...)” pedagógica e as práticas so-
conteúdos; investir em expe- (Professora Mara). ciais. Neste sentido, o papel da
riências e despertar a curiosi- formação inicial e continuada
dade científica, não só através é de fundamental importância
Novas reflexões
do estudo de grandes nomes no processo de reflexão sobre
da Ciência, mas também da vi- A criatividade é sinônimo as diferentes formas de con-
vência prática da Ciência; dis- de sucesso em qualquer ativi- vencimento do professor acer-
cutir temas e assuntos atuais dade? Os resultados da subs- ca do que ele deve fazer, como
como violência, política, mi- tituição da prática dita tradi- deve ser e de que forma deve
séria, estética, cidadania; uti- cional pela prática pedagógica agir em sua prática. Entretanto,
lizar diferentes instrumentos criativa e a realização de ativi- quando este processo está pos-
de avaliação: a prova é apenas dades consideradas “mais pró- to e é recebido como pronto,
um, entre os vários existentes. ximas da vivência diária dos entendido como universal para
Estas são algumas entre mui-
tas estratégias de uma prática
pedagógica criativa. Investigar as características de criatividade
Reconhecer e valorizar o do professor é tão difícil quanto reconhecê-
que os alunos fazem também é las em sua prática pedagógica.
de importância vital neste pro-
cesso, pois, “se Picasso não
existisse e um aluno desenhas- alunos” são a solução definiti- todos os professores em todos
se daquele jeito não ia de re- va para a falta de interesse que os contextos, a idéia de criati-
a escola atual proporciona? vidade pode se tornar uma fa-
Para cada uma dessas ques- lácia.
tões pode existir uma respos- Além disso, a prática pe-
ta diferente, mas estas não es- dagógica criativa não se resu-
tão desvinculadas do contexto me às intervenções específicas
em que se inserem a prática do professor em sala de au-
la, ditadas pela “moda” ou pe-
los “teóricos da educação”; ela
se faz mediante a todo o pro-
cesso de relacionamento des-
se sujeito com os demais ato-

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
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144

res que contracenam com ele


no espaço educativo e com o
conhecimento do qual se apro-
pria, transmite e/ou produz. sentações sociais, motivações
De um modo geral, a pessoa e expectativas que concorrem
criativa expressa e representa juntas para conceituar a criati-
a si mesma na interação face- vidade e definir quais as carac-
a-face, desempenhando dife- terísticas da pessoa criativa.
rentes papéis em que os scripts Contudo, a maneira limita-
nem sempre estão previamen- da como a criatividade é apre-
te determinados. O desempe- sentada para o professor pode fessor criativo é aquele capaz
nho dos atores – professores, levá-lo a pensar que: (1) a cria- de idealizar, planejar, executar
alunos, orientadores, diretores, tividade na prática pedagógi- e avaliar tais atividades, sem-
funcionários, pais – influencia ca significa, de forma estrita, a pre com sucesso.
e é influenciado de forma recí- simples elaboração de ativida- Neste sentido, a tese que
proca por todos os participan- des inovadoras (“novas”), ne- “todo professor criativo obtém
tes. cessariamente diferentes – eu sucesso em sua prática” po-
Investigar as características diria opostas – das ditas tra- de ser considerada falaciosa,
de criatividade do professor é dicionais; (2) o recurso da no- pois a criatividade é associada,
tão difícil quanto reconhecê- vidade é garantia de atenção freqüentemente, à mudança
las em sua prática pedagógica. concentrada do aluno e, con- de método e esta não é garan-
Isto ocorre, talvez, porque os seqüentemente, de aprendiza- tia de sucesso, apesar de con-
fatores culturais e sociais que gem significativa; e, (3) o pro- tribuir, em alguns casos, para
influenciam a definição desse a melhoria do processo educa-
sujeito e do conceito de cria- tivo. Conforme argumentam
tividade também influenciam Mazzotti & Oliveira (2000:30),
suas formas de reconhecimen- “não há a menor dúvida de que
to e manifestações. Outros a invenção, a criatividade do-
pontos importantes a serem cente e discente, estão com-
considerados são as diferentes pletamente imbricadas na ação
filiações teóricas, concepções educativa”. Tanto o conheci-
de mundo, interesses de clas- mento acadêmico como a ca-
se, traços psicológicos, repre-

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

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145
a sua própria criatividade en- problemas na prática pedagó-
quanto tal? Quando se diz ao gica, utilizar o ��������������
pensamento ló-
professor: “você conseguirá gico, a criatividade, a intuição,
o sucesso. Basta ser criativo”, a capacidade de análise críti-
supõe-se que ele sabe precisar ca, a seleção e adequação de
o que é criatividade, domina procedimentos são essenciais
conscientemente seu próprio ao docente que atua em qual-
pacidade de interagir com os processo criativo e reconhe- quer nível de ensino.��������
Mas es-
alunos são imprescindíveis pa- ce os critérios utilizados para tas atitudes não se dão pela
ra o desenvolvimento da ação julgar quando o seu produto é simples “decisão” do profes-
educativa. Entretanto, “nós criativo ou não. Tenho minhas sor. Exigem motivação, co-
não escolhemos nossos alunos dúvidas se isto ocorre de fato ragem, mas, sobretudo, um
(nem eles a nós)” (idem, p.31). com a grande maioria dos pro- ambiente que propicie o desen-
Desta forma, a diversidade da fessores... volvimento dessas habilidades
audiência – no caso os alunos Deve ficar claro que a ca- e o exercício das mesmas, de
– também significaria a diver- pacidade de questionar a������
rea- forma consciente. É necessá-
sidade – talvez ilimitada – de lidade, reconhecer e ���������
resolver rio, portanto, refletir sobre as
métodos.
A crítica ao ensino tradi-
cional e o incentivo à criação Deve ficar claro que a capacidade de
de novas maneiras de ensinar questionar a realidade, reconhecer e resolver
e aprender são focos centrais
problemas na prática pedagógica, utilizar o
de inúmeras pesquisas, pales-
tras, conferências, e, também, pensamento lógico, a criatividade, a intuição,
motivo de preocupação dos or- a capacidade de análise crítica, a seleção e
ganismos que regulam o siste- adequação de procedimentos são essenciais
ma educacional brasileiro em
ao docente que atua em qualquer nível
âmbito regional e nacional.
Entretanto, como esta propos- de ensino.
ta poderia ser concretizada se
o professor que deverá desen-
volvê-la não conhece o tema
Criatividade e não está acos-
tumado a reconhecer e utilizar

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REFLEXÕES SOBRE
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A PRÁTICA
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146
opções que os professores fa- não é definitiva; é provisória,
zem, sob o ponto de vista pes- é, por si só, movimento. Este
soal e profissional e sobre suas espaço vai além da aprendi-
contribuições criativas para a zagem e aplicação de progra-
transformação da prática edu- mas previamente elaborados
cativa no espaço de formação por especialistas que estão dis-
– inicial e continuada – espaço tantes do que acontece na di-
este privilegiado para esta re- nâmica de funcionamento das
flexão. Para a melhoria da qua- escolas e universidades. A for-
lidade da educação no Brasil, mação para a criatividade deve
é indispensável uma formação ser feita de forma democráti-
contínua bem feita, que cor- ca e participativa, conhecendo,
responde a uma formação per- reconhecendo e desenvolven-
manente. E a “formação per- do as estratégias criadas pelos
manente só tem sentido, só atores que, infelizmente, ain-
é inteligível, quando envolve da estão, em alguns casos, nos
uma relação dialética, contra- bastidores do teatro chamado
ditória, entre prática e teoria” Escola.
(FREIRE, 2001:224).
Finalmente, ressalto que o
espaço de formação continua-
da é muito mais do que um lo-
cal de treinamento. Há de se
considerar que a formação não
é um produto; é um processo;

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.147, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
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El bilingüismo en la solución de
148
problemas matemáticos en la
educación del deficiente auditivo
William Yera Díaz*
Pablo Ángel Martínez Morales**
Lismay Pérez Rodríguez***

*Licenciado en Educación. Máster en Psicopedagogía. Profesor Instructor del Departamento de Educación


Especial. Facultad de Educación Infantil. Universidad Pedagógica Félix Varela de Villa Clara. Cuba.
william@ispvc.rimed.cu

**Licenciado em Pedagogía y Psicología. Máster en Investigación Educativa. Profesor Asistente del Depar-
tamento de Educación Especial. Facultad de Educación Infantil. Universidad Pedagógica Félix Varela de
Villa Clara. Cuba.
pablom@ispvc.rimed.cu

***Licenciada en Educación Especial. Profesor Instructor del Departamento de Educación Especial. Facul-
tad de Educación Infantil.Universidad Pedagógica Félix Varela de Villa Clara. Cuba.
lismayp@ispvc.rimed.cu
Material recebido em maio de 2006 e selecionado em maio de 2006.

El papel de la educación es-


Resumen Abstract
pecial en Cuba está en el desar-
En el artículo se propone The present article intends rollo integral de los educandos
una adaptación de la metodo- an adaptation to a methodo- sobre la base de una enseñan-
logía para la solución de pro- logy for the solution of mathe- za que tiene en cuenta las po-
blemas matemáticos dirigida a matical problems aimed to stu- sibilidades y que por lo tanto
estudiantes que presenten defi- dents with auditory handicaps garantiza la integración del in-
ciencias auditivas a través del through a bilingual model, dividuo a la vida social, se pre-
modelo bilingüe, donde predo- where the dynamics prevails in para a los niños y jóvenes para
mina la dinámica en su ejecu- its execution and the mathema- el trabajo, se cultiva su inteli-
ción y el enfoque comunicati- tical communicative approach. gencia enseñándolos a pensar,
vo matemático. Key words: mathematics; se desarrollan sus sentimien-
Palabras clave: matemáti- bilingualism; special educa- tos morales, estéticos y patri-
ca; bilingüismo; educación es- tion; auditory handicap. óticos.
pecial; deficiente auditivo�.

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

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149
Planteando que las dificul-
tades que existen en la solu-
ción de problemas matemáti-
cos dependen directamente de
La asignatura Matemática la ausencia de estrategias me-
en la educación de escolares todológicas docentes en esta ón de problemas matemáticos
con necesidades educativas asignatura que se ajusten a las de la Enseñanza Especial. Se
especiales sensoriales auditi- características psicopedagó- aplicó la observación de acti-
vas juega un papel primordial, gicas y a la no utilización del vidades docentes (clases y re-
pues, plantea a los alumnos ta- modelo bilingüe para su en- creos) para obtener informaci-
reas que requieren de un alto señanza. La muestra fue se- ón acerca de la preparación de
desarrollo intelectual y la re- leccionada considerando: Que los docentes de la Enseñanza
alización de operaciones men- todos los estudiantes presen- Especial. Entrevistas a docen-
tales que permiten desarrollar ten necesidades educativas es- tes, alumnos y padres para co-
de manera integral la actividad peciales sensoriales auditivas nocer los criterios en relación
cognoscitiva y afectiva volitiva y en la adquisición de habi- con el objeto de investigación.
de los menores. Su elevado gra- lidades en la solución de pro- El análisis de documentos pa-
do de abstracción y lo comple- blemas matemáticos. Que no ra conocer las indicaciones que
jo de las materias que en ella se posean deficiencias intelec- norman el trabajo de atención,
imparten requieren del estudio tuales acompañantes o retos sus características psicológicas
de todos los documentos que múltiples. Que los maestros y pedagógicas así como el pro-
la norman, una adecuada do- no hayan sido orientados an- ceso de enseñanza - aprendiza-
sificación de los contenidos y teriormente en cuanto a cómo je en la Educación Especial y
la realización de múltiples ac- resolver las dificultades que se su inserción social. El criterio
tividades creadas por el maes- presentaban en la solución de de especialistas y las pruebas
tro, solo así el aprendizaje será problemas matemáticos. pedagógicas para comprobar
efectivo, garantizará una pre- La investigación se realizó el estado en que se encontra-
paración adecuada y un buen a partir de un análisis del de- ban los estudiantes y las difi-
desarrollo de habilidades. sarrollo histórico de la inte- cultades que se podían encon-
Atendiendo a lo antes ex- gración social del deficiente trar en el proceso de solución
puesto se propuso adaptar la auditivo en Cuba sobre el pro- de los problemas (antes y des-
metodología para la soluci- blema objeto de estudio, sin- pués).
ón de problemas matemáticos tetizado a la adaptación de la Tomando en consideraci-
a través del modelo bilingüe metodología para la soluci- ón estos resultados se diseñó
donde predomine la dinámi-
ca en su ejecución y el enfoque
comunicativo matemático.

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
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150
una propuesta metodológi-
ca en correspondencia con las
características psicopedagógi-
cas de estos menores con los ra el trabajo con la enseñanza La motivación: es
siguientes objetivos genera- de los escolares deficientes au-
una de las etapas
les: En primer lugar, brindar a ditivos ya que se adapta a las
los maestros herramientas teó- características psicopedagógi- más importantes
ricas y metodológicas para el cas de estos menores. ya que parte de
desarrollo de habilidades en La motivación: es una de la caracterización
la solución de problemas ma- las etapas más importantes ya
individual y
temáticos en los alumnos con que parte de la caracterización
necesidades educativas espe- individual y grupal de los es- grupal de los
ciales sensoriales auditivas. En tudiantes que posee el maestro estudiantes que
segundo lugar, favorecer la re- y la creatividad que infiera pa- posea el maestro
alización de acciones pedagó- ra el cumplimiento del objetivo
y la creatividad
gicas más eficaces que con- y la situación problémica a tra-
tribuyan al mejor uso de las tar. La preparación para la lec- que infiera para
potencialidades que brinda la tura y presentación del proble- el cumplimiento
asignatura Matemática. ma: le permite reconocer las del objetivo y
palabras que no conozcan en
de la situación
el lenguaje escrito y estable-
Propuesta metodológica problémica a tratar.
cer una comparación entre este
Es importante señalar que y la lengua de señas o estable-
esta nueva propuesta metodo- cer una nueva seña relaciona-
lógica se encuentra relaciona- da con la palabra y su sinóni-
da con los componentes de la mo. Esta etapa resulta de gran vidualmente y comenzar a di-
actividad cognoscitiva como valor ya que el alumno estable- ferenciar los diversos elemen-
son la orientación, ejecución ce la relación palabra – gráfico tos componentes del problema.
y control. Para el trabajo con – gesto - seña. La presentación Los escolares al no poder escu-
la misma se hace necesaria la y análisis del problema: permi- char la situación que se les pre-
lectura y análisis de las orien- te a los estudiantes orientar- senta y atendiendo a su carac-
taciones que a continuación se en las cuestiones esencia- terización psicopedagógica se
aparecerán, aquí se puede en- les del mismo. La orientación les divide en diferentes etapas
contrar un modelo a seguir pa- inicial se realiza al leer indi- la lectura, atendiendo a los ni-

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A PRÁTICA INES

ESPAÇO
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151
veles de comprensión. Lectura
modelo: se realiza por el ma- ación. Debido a las caracterís-
estro, mediante ella se va esta- ticas psicopedagógicas de los
bleciendo la relación o enlace alumnos deficientes auditivos
semántico de las palabras que se hace muy común que el aná-
componen la situación problé- lisis del problema transcurra a
mica, su objetivo es establecer queda de la idea central que se partir de acciones en el plano
un nivel de comprensión literal encuentra implícita y a la vez externo, es decir que el me-
o sea lo que se encuentra implí- interpretarla, el alumno debe nor opere con el problema en
cito en el texto (primer nivel). emitir opiniones y juicios acer- el plano visual, pasando luego

Se puede concluir que: Las dificultades en el aprendizaje de los


escolares deficientes auditivos en la asignatura Matemática limitan
las posibilidades de tránsito en su escuela y la incorporación a
la vida social.

Lectura explicativa: la realizan ca de la vía de solución (segun- al plano de la reflexión inte-


los alumnos con la ayuda del do nivel). Lectura detallada: la rior (mental). El análisis de la
maestro (si es necesaria), se re- realiza el maestro, participan operación en el plano externo
aliza una explicación mediante los alumnos, se realiza una ex- se observa cuando se emplean
el lenguaje gestual donde sean plicación demostrativa detalla- procedimientos gráficos que
señaladas las palabras claves da (palabra a palabra) comple- reproducen o modelan el pro-
que ayuden a determinar la mentando la comparación de lo blema. Representación gráfi-
vía de solución. Su objetivo es que están leyendo con algo ya ca del ejercicio problémico: en
que los menores comprendan vivido (tercer nivel). Señalar esta etapa se le brinda un sig-
la situación mediante la bús- las palabras claves: los alum- nificado gráfico a la situación
nos deben reconocer las pa- problémica, permite al alum-
labras que indican y determi- no formarse una representaci-
nan la operación matemática ón o esquema mental del pro-
a efectuar, establecer la vía de blema que esta por resolver.
solución que permite crear las
condiciones directamente en el
terreno del análisis de la situ-

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A PRÁTICA
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152 Modelación o dramatizaci-


ón del ejercicio problémico:
permite la visualización del
ejercicio en forma de mode-
lo y compararlo con lo vivi- ello es necesario conocer el es- Matemática limitan las posibi-
do, permite concebir de ma- tilo de aprendizaje de los alu- lidades de tránsito en su escue-
nera anticipada la vía por la mnos. Realización de la vía de la y la incorporación a la vi-
cual puede resolverse y deter- solución: a partir de soluciones da social. Existen dificultades
minar la vía de solución y las lógicas, de manipulación prác- en la asimilación de conteni-
operaciones matemáticas a tica de objetos e instrumen- dos matemáticos explícitamen-
realizar. Determinación de la tos. La ejecución de la vía de te en la solución de problemas
vía de solución: no es un pa- solución no es una simple re- por los alumnos y en la impar-
so mecánico, implica un pro- producción, es un verdadero tición por parte de los maes-
fundo análisis y reflexión del proceso donde en muchas oca- tros, que limitan un adecuado
problema donde se hace in- siones el alumno asimila los desarrollo de las habilidades
dispensable el funcionamien- nuevos conocimientos acerca en el proceso de enseñanza y
to de los procesos psíquicos del problema que pueden mo- aprendizaje de la asignatura.
cognoscitivos, fundamental- dificar el curso de la solución La aplicación de una propues-
mente de los procesos básicos y el ajuste a las nuevas condi- ta metodológica que se adapte
del pensamiento y se comien- ciones. Comprobación del ejer- a las características psicopeda-
za a regular y planificar cons- cicio problémico: presupone gógicas de los escolares eleva
cientemente la actividad cog- que el maestro realice acciones la calidad del proceso docen-
noscitiva. Puede ocurrir que de comprobación a todo lo lar- te educativo y contribuye a re-
los alumnos establezcan más go del proceso, en la realizaci- solver un gran problema de la
de una vía de solución. Si se ón de trabajar mediante la ope- educación especial de Cuba y
comprueba que no conduce a ración inversa a la realizada y Latinoamérica. La utilización
la solución, entonces se repite comprobar los resultados y res- del modelo bilingüe garantiza
el proceso de selección. Para puestas de estos. El control del la comprensión de los proble-
ejercicio problémico: consiste mas matemáticos en los esco-
en hacer corresponder las ope- lares sordos en nuestros paí-
raciones del proceso durante la ses.
solución, seguida su examina-
ción, inspección y revisión.
Se puede concluir que: Las
dificultades en el aprendiza-
je de los escolares deficien-
tes auditivos en la asignatura

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A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

Bibliografía 153
“La socialización de los discapacitados en Cuba. Perspectivas”. (1997).
Libro de resúmenes del II Congreso Iberoamericano de Educación
Especial. La Habana.
BELL, Rafael, (1997). Educación Especial. Razones, visión actual
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Educación.
BELL, Rafael, (1998). Binomios en Educación Especial. Del discurso a
la práctica pedagógica. La Habana. (s. e.).
BRITO, H., (1987). Psicología General para Institutos Superiores
Pedagógicos. Tomo II. Primera Edición. La Habana. Editorial
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BRITO, Hernández, H., (1987). “Psicología General para ISP”. Tomo
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COLECTIVO DE AUTORES, (1983). “Orientaciones Metodológicas.
Matemáticas y Español y Actividades de completamiento en la
enseñanza del Lenguaje. Educación de sordos e hipoacúsicos”. La
Habana, Editorial Pueblo y Educación.
COLECTIVO DE AUTORES, (1995). Prevención, corrección e
integración. Actualidad y perspectivas de la atención a niños con
necesidades educativas especiales. La Habana. Ponencia científica.
Mesa Redonda. Congreso de Pedagogía.
COLECTIVO DE AUTORES, (1997). Sublime profesión de amor.
Primera Edición. La Habana. Editorial Pueblo y Educación.
COLLASO, B. y Puentes, M., (1992). “La orientación de la actividad
pedagógica”. La Habana. Editorial Pueblo y Educación.

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
Caracterização das ações de
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JAN-DEZ/06

154 triagem auditiva neonatal


no Brasil
Indiara de Mesquita Fialho*
* Fonoaudióloga, Mestre em Saúde Pública pela USP, Professora do Curso de Graduação em Fonoaudio-

logia e de Pós-graduação em Audiologia da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.


indiaram@terra.com.br

Débora Frizzo Pagnossim**


**
Fonoaudióloga, Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela UFSM, convênio com a UNI-
FESP/EPM, Professora do Curso de Graduação em Fonoaudiologia e de Pós-graduação em Audiologia
da UNIVALI.
dfrizzo@univali.br

Jeane Massarolo Neto***


***
Fonoaudióloga formada pela UNIVALI

Nauana F Silveira***
***
Fonoaudióloga formada pela UNIVALI

Recebido em novembro de 2006. Aprovado em novembro de 2006.

cadastrados no GATANU até caráter público e 50,94% pri-


Resumo junho de 2003 (151 serviços vado. A caracterização e co-
distribuídos em 19 estados do nhecimento da estrutura e seg-
O presente estudo teve por Brasil). Enviou-se, via correio, mento de serviços de TAN
objetivo caracterizar a estru- um formulário para a coleta de existentes no Brasil apontam
tura e o segmento dos ser- dados. Dos formulários envia- para a necessidade de tornar
viços cadastrados no site do dos, 53 foram respondidos e a TANU obrigatória em todo
Grupo de Apoio à Triagem classificados conforme o cará- território nacional, com maior
Auditiva Neonatal Universal ter do serviço: público ou pri- cobertura por parte do SUS.
(GATANU). Para tal, realizou- vado. Observou-se que 49,06% Palavras-chave: Criança,
se o levantamento dos serviços dos serviços estudados são de audição, triagem.

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
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Abstract Introdução vo caracterizar a estrutura e o 155


segmento dos serviços cadas-
The following study had A audição é fundamental trados no GATANU.
as its main goal to characte- para o desenvolvimento da fa-
rize the structure of the regis- la e da linguagem. Por isso, a
Metodologia
tered services in the GATANU detecção precoce de deficiên-
site, which means Helping cias auditivas (DA) é essencial Inicialmente, realizou-se o
Group of the Universal New- para que crianças com tais al- levantamento, por meio do site
born Hearing Screening, and terações possam receber inter- www.gatanu.org, de todos os
for doing so, it was made an venção, a fim de minimizar serviços cadastrados até o dia
analysis of the services regis- os efeitos da DA no desenvol- 20.06.03, totalizando 151 servi-
tered on the GATANU until vimento infantil. O recomen- ços distribuídos em 19 Estados
June 2003 (151 services distri- dado é que toda criança tenha de todas as regiões do Brasil
buted in 19 states in Brazil). A sua audição avaliada até os três (GATANU, 2003). O instru-
form was sent by post, in order meses de idade, e, se diagnos- mento para coleta de dados foi
to collect the data. Between all ticada a DA, deve-se iniciar a um formulário encaminhado
these forms, 53 were answered intervenção até os seis meses via correio, juntamente com
and classified in accordance to de vida (Ribeiro, 2001; CBPAI, envelopes selados para o retor-
the service named as public or 2000; JCIH, 2000). no da correspondência. Anexo
private. It was observed that Porém, a detecção preco- ao formulário, foi encaminha-
49,06% of the services are con- ce é apenas o primeiro passo da uma carta de apresentação e
sidered public, and 50,94% pri- de um processo que envolverá também um termo de consenti-
vate. The fact of knowing the vários níveis de atenção den- mento para a utilização dos da-
structure and services of TAN tro do sistema de saúde: con- dos, garantindo o sigilo sobre o
existing in Brazil shows the servação, reabilitação e acom- nome dos informantes. Foram
necessity of making the Uni- panhamento formam as bases respondidos 58 formulários,
versal Newborn Hearing Scre- dos programas de saúde audi- dos quais 4 foram excluídos
ening obligatory all over the tiva. devido à falta de identifica-
country, being more widely Em maio de 1998, foi criado ção e à imprecisão das respos-
covered by SUS. o Grupo de Apoio à Triagem tas. Dessa forma, trabalhou-se
Key words: child; hearing; Auditiva Neonatal Universal com uma amostra de conveni-
screening. (GATANU), que visa, entre ência, totalizando 53 serviços
outros objetivos, cadastrar os cadastrados no GATANU, o
serviços de TAN existentes que representa 35,10% do to-
no Brasil. (GATANU, 2003). tal de serviços. O trabalho foi
Com base nos serviços cadas- aprovado pelo Comitê de Ética
trados no GATANU (2003), o em Pesquisa da UNIVALI sob
presente estudo teve por objeti- parecer nº 209/2003.

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
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Resultados e discussão
156
Verificou-se que o maior
número de serviços de TAN
cadastrados no GATANU con-
centram-se na região Sudeste sendo que o aumento do núme-
do Brasil. Considerando o nú- ro de serviços nos últimos anos
mero total de respondentes, pode ser resultado das ações do
47,17% da amostra são pro- vou-se que 49,06% têm cará- GATANU e do CBPAI (2000),
venientes da região Sudeste e ter público e 50,94% privado. que estabeleceram recomenda-
28,30% da região Sul, sendo Uma vez que essa distribuição ções para a TAN.
que 64% dos serviços respon- foi semelhante, os dados foram Os resultados obtidos quan-
dentes da região Sudeste são do analisados separadamente, a to ao profissional responsável
Estado de São Paulo. Esse fa- fim de distinguir os de caráter pela realização da TAN de-
to está de acordo com dados do público (SPub) e os de caráter monstraram que, em 88,46%
IBGE (1998), que apontam que privado (SPriv). Agruparam- dos SPub e 81,48% dos SPriv,
o maior índice de natalidade se os hospitais ou instituições o fonoaudiólogo é o profis-
do Brasil refere-se ao Estado filantrópicas aos hospitais e sional responsável pela rea-
de São Paulo, o que confirma maternidades públicas. Do to- lização da TAN. Em 3,85%
a necessidade de um núme- tal de SPriv, 5 estão estabeleci- dos SPub e 11,11% dos SPriv,
ro maior de serviços de TAN. dos em clínicas particulares e o profissional responsável é
Além disso, essa região tam- os demais são maternidades ou o médico otorrinolaringolo-
bém concentra o maior número hospitais privados. gista (ORL) e, em 7,69% dos
de Cursos de Fonoaudiologia e, O tempo de oferta da TAN SPub e 7,41% dos SPriv, há
conseqüentemente, maior nú- ficou distribuído da seguinte dois profissionais responsá-
mero de inscritos no Conselho forma: até 1 ano (19,23% dos veis pela TAN: fonoaudiólo-
Regional de Fonoaudiologia (2ª SPub e 14,81% dos SPriv); de 1 go e médico ORL. Segundo a
região), o que pode desencade- ano e 1 mês até 2 anos (23,08% Resolução do CFFa (2004) n°
ar maior oferta do serviço. dos SPub e 11,11% dos SPriv); 260, de 10 de junho de 2000,
Em relação ao caráter dos de 2 anos e 1 mês a 5 anos o fonoaudiólogo é o profissio-
serviços respondentes, obser- (38,46% dos SPub e 55,56% nal capacitado para a implan-
dos SPriv); de 5 anos e 1 mês tação e execução de programas
a 10 anos (7,69% dos SPub e de TAN em hospitais e mater-
18,52% dos SPriv) e mais de nidades brasileiras.
10 anos (11,54% dos SPub e A TAN é ofertada para to-
0% dos SPriv). Esses dados dos os bebês em 84,62% dos
demonstram que a maior par- SPub e 85,19% dos Spriv, o que
te dos serviços de TAN foi im- está de acordo com as reco-
plantada há 5 anos ou menos, mendações do CBPAI (2000),

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A PRÁTICA INES

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que sugere que todas as crian- realizando a TAN apenas em
ças devem ser submetidas ao bebês que apresentam indica- 157
teste pó ocasião do nascimen- dores de risco para a DA, dei-
to ou, no máximo, até os 3 me- xa-se de identificar 40% a 50%
ses de idade. dos casos de DA.
Moran (2003) destaca Oferecer a TAN a todos mações aos pais sobre os cui-
que a Academia Americana não significa realizá-la em to- dados com a audição, pois a
de Pediatria determinou, em dos, uma vez que, para reali- desinformação leva ao desin-
1999, que a TANU somente se- zar a TAN, 80,77% dos SPub teresse e à negação da realiza-
rá considerada efetiva se 95% e 74,07% dos SPriv necessi- ção da TAN.
dos recém-nascidos forem tes- tam da autorização dos pais e, Para que os bebês sejam
tados. Com base nesse fato, em 50,11% dos SPub e 88,46% submetidos a TAN, observou-
ressalta-se que 15,38% dos dos SPriv, a realização envolve se que, em 84,62% dos SPub e
SPub e 3,70% dos SPriv reali- o pagamento do procedimento 70,37% dos SPriv, não é neces-
zam a TAN apenas em bebês por meio de convênios ou par- sário o encaminhamento mé-
que apresentam fatores de ris- ticular. dico e, nos serviços em que é
co para a DA. De acordo com A autorização dos pais para obrigatório o encaminhamen-
o Consenso Europeu em TAN realização da TAN está direta- to, este deve ser do otorrino-
(1998), citado por Chapchap; mente relacionada à conscien- laringologista, pediatra, clíni-
Ribeiro; Segre (2001), reali- tização desses e dos profis- co geral ou neonatologista. Por
zando-se a TAN apenas em be- sionais da saúde com relação esse motivo, há necessidade
bês que apresentam indicado- à importância da audição pa- de se desenvolver um trabalho
res de risco para DA, há uma ra o desenvolvimento infantil. conjunto e de conscientização
redução no custo dos progra- A esse respeito, Ferreira (2003) com os diversos profissionais
mas pois, avaliar-se-á somen- ressaltou que é pequeno o nú- da área da saúde sobre a im-
te 6% a 8% do total de recém- mero de mães que têm conheci- portância da TAN, sendo im-
nascidos, o que reduz os custos mento adequado sobre a TAN. prescindível o apoio e envol-
desses programas. O Consenso Outro fato que pode estar vimento desses profissionais,
Europeu em TAN alerta que, relacionado com a autorização uma vez que Ferreira (2003)
ou não dos pais é a forma de destaca que o conhecimento e a
pagamento pelo procedimento, conscientização da comunida-
que dificultaria a autorização de em geral e de profissionais
por ser considerada uma des- da saúde sobre a importância
pesa a mais. Por isso, Oliveira de identificar precocemente a
(2002) destacou que é funda- DA são considerados essen-
mental a divulgação de infor- ciais para auxiliar o estabeleci-
mento e sucesso de programas
de TAN. Além disso, Durante
et al (2004) citam que é fun-

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A PRÁTICA
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dos SPriv), seguido do EOA audiológico (65,38% do SPub
158 como procedimento isolado e 70,37% dos SPriv); terapia
(30,77% dos SPub e 22,22% fonoaudiológica (57,69% dos
dos SPriv), o que é recomen- SPub e 25,93% dos SPriv) e
dado pelo Joint Committee on encaminhamento a outros ser-
damental a integração de uma Infant Hearing (JCIH, 1994), viços (50% dos SPub e 70,37%
equipe multidisciplinar, envol- segundo relatos de Moran dos SPriv).
vendo fonoaudiólogos, neona- (2003). O acompanhamento de be-
tologistas, pediatras, otorrino- A avaliação comportamen- bês que falham no reteste e
laringologistas e enfermeiros tal citada, na maior parte dos são encaminhados para o diag-
na promoção do diagnóstico e serviços, refere-se à pesqui- nóstico audiológico é reali-
intervenção precoces da DA. sa do reflexo cócleo-palpebral zado em 73,08% dos SPub e
O pagamento da TAN pelo (RCP) e o tipo de EOA utili- 92,59% dos SPriv. Destaca-se
SUS foi observado em 37,84% zado variou, com predominân- que, segundo Manfredi; Isaac;
dos SPub e 5,77% dos Spriv. Já cia das EOA transientes, uma Mantello (2004), para que haja
a oferta da TAN é gratuita em vez que 64,71% utilizam EOA maior aderência ao tratamen-
24,32% dos SPub, totalizando transientes, 13,72% utilizam to e seguimento da clientela, é
sete serviços, dos quais qua- EOA transientes associadas a imprescindível o envolvimento
tro justificam a gratuidade por EOA produto de distorção, e de outros profissionais e da fa-
vinculação com projetos de 21,57% utilizam EOA produto mília, assim como o follow-up
pesquisa ou extensão univer- de distorção. deve assegurar a continuida-
sitárias e três por não ter fins O retorno de bebês que fa- de do atendimento audiológico
lucrativos. Destaca-se que a lham na TAN para o reteste e, quando necessário e o mais
inserção da TAN como proce- ocorre em apenas 23,08% dos precocemente possível, estabe-
dimento pago pelo SUS ou por SPub e 25,92% dos SPriv, o que lecer o diagnóstico e iniciar a
convênios de saúde é impres- é contrastante com a recomen- intervenção, para evitar altera-
cindível para que se estabe- dação do CBPAI (2000), que ções que podem ocorrer no de-
leça a universalidade de suas considera essencial o retorno de senvolvimento da criança.
ações: todos os recém-nasci- pelo menos 95% dos bebês que Quanto ao acompanhamen-
dos devem ter acesso a ela. falham para o reteste. to de crianças que não falham
Quanto aos métodos utiliza- Os procedimentos realiza- na TAN e que apresentam indi-
dos para a realização da TAN, dos nos casos em que os bebês cadores de risco para a DA, es-
o mais utilizado é a Emissão falham na TAN, observados te é realizado em 84,68% dos
Otoacústica (EOA) associada no estudo foram: somente a SPub e 81,48% dos SPriv. De
a avaliação comportamental identificação de alterações au- acordo com a Declaração do
(46,15% dos SPub e 62,96% ditivas (3,85% dos SPub e 0% Consenso Europeu em TAN
dos SPriv); apoio e informação (1998), descrita por Chapchap;
aos pais (65,38% dos SPub e Ribeiro; Segre (2001), a TAN
77,78% dos SPriv); diagnóstico

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.158, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

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não identifica DA adquirida
ou progressiva, que compre- 159
endem cerca de 10 a 20% das
DA na infância, sendo essen-
cial o acompanhamento de be-
bês que apresentam indicado- desinteresse e à negação da re-
res de risco para a DA ou que alização da TAN. Dessa for-
falham na triagem. ma, fonoaudiólogos, neonato-
As principais dificuldades logistas, pediatras e obstetras,
encontradas pelos serviços pa- entre outros profissionais, po-
ra realizar o acompanhamento dem e devem orientar os pais
dos bebês que falharam no re- quanto à importância da TAN.
teste foram: falta de conheci- Martinez; Rezende;
mento e desinteresse dos pais Bertolaccini (2004) citaram Conclusões
(38,46% dos SPub e 9,52% dos que a adesão e o abandono do
SPriv); falta de conhecimento programa de TAN são os prin- Os resultados deste estu-
e incentivo dos profissionais de cipais fatores que dificultam do apontam para a necessida-
saúde envolvidos (38,46% dos o acompanhamento dos be- de de tornar a TAN obrigató-
SPub e 9,52% dos SPriv); fal- bês, devido à forma como os ria em todo território nacional,
ta de recursos dos pais (15,4% pais compreendem as explica- com maior cobertura por par-
dos SPub e 28,57% dos SPriv); ções sobre a importância e o te do SUS. Além disso, verifi-
falta de recursos da institui- objetivo do procedimento. Já cou-se a necessidade de maior
ção (3,84% dos SPub e 19,05% Munhoz; Caporali (2004) rela- conscientização de pais e pro-
dos SPriv); dificuldade de cre- cionaram a dificuldade em se fissionais de saúde para a pro-
denciamento junto a planos de atingir os objetivos dos progra- blemática da DA, bem como
saúde (3,84% dos SPub e 0% mas de TAN com a falta de co- para a importância da detec-
dos SPriv) e demora no retorno nhecimento da classe médica, ção precoce. Observou-se, ain-
(3,84% dos SPub e 4,76% dos o não conhecimento dos pais da, a dificuldade de se estabe-
SPriv). sobre a existência do exame e lecer a universalidade da TAN,
Oliveira (2002) relata que a a não obrigatoriedade da reali- fator essencial para que o pro-
desinformação leva os pais ao zação da triagem. grama seja efetivo.

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

160 Referências Bibliográficas


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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.160, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

Formação de professores 161


surdos no curso de Pedagogia:
análise da prática docente e do intérprete de
Língua Brasileira de Sinais

Diléia Aparecida Martins*


*
Intérprete de LIBRAS. Graduada em Pedagogia Formação de Professores para Educação Especial pela
PUC-Campinas. Integrante do LEPEI - Laboratório de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva – Programa
de Mestrado em Educação da PUC-Campinas.

Elvira Cristina Martins Tassoni**


**
Docente da Faculdade de Educação da PUC-Campinas. Doutoranda em Educação Faculdade de Edu-
cação da UNICAMP.

de LIBRAS bem como a for-


Resumo Abstract
matação curricular, enfatizan-
O presente trabalho refle- do possibilidades para a supe- The current work reflects
te a prática em educação in- ração de barreiras de acesso ao the practice in inclusive educa-
clusiva para formação de pro- currículo acadêmico no con- tion for the training of deaf te-
fessores surdos no curso de texto bilíngüe vivenciado por achers in the Pedagogy cour-
Pedagogia. Apresenta uma re- surdos usuários de Língua de se. It presents some thinking
flexão em torno da experiên- Sinais Brasileira e da Língua about the experience lived at
cia vivenciada na Faculdade de Portuguesa. the Faculty of Education of
Educação da PUC-Campinas, Palavras-chave: formação PUC-Campinas emphasizing
enfatizando os efeitos da mo- de professores surdos; educa- the effects of the visual-spa-
dalidade visual-espacial da ção bilíngüe; ensino superior; tial modality of the Brazilian
Língua de Sinais Brasileira intérprete de LIBRAS; ensi- Sign Language and oral-au-
– LIBRAS e oral-auditiva da no de Língua Portuguesa para ditory of the Portuguese
Língua Portuguesa, a práti- surdos; escrita de sinais. Language, the practice of
ca do docente e do intérprete

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.161, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

162 the teacher and of the interpre-


ter of Brazilian Sign Language
as well as the curricular for-
mat, emphasizing possibilities
for overcoming access bar-
riers to the academic curri- se curso. Em 1974, é alcança-
culum in the bilingual con- do o reconhecimento do curso
text lived by deaf users of the de Educação Especial da PUC-
Brazilian Sign Language and Campinas junto ao Ministério
Portuguese Language. de Educação.
Key words: deaf teachers Muitos desafios seriam en-
training; bilingual education; frentados. Entretanto um, em
higher education; Brazilian especial, seria o ingresso de
Sign Language interpreter; te- estudantes com necessidades
aching of Portuguese Langua- especiais na própria Faculdade
ge for deafs; SignWriting de Educação. Nesse processo, auditiva, existe a possibilida-
reconhecemos pontos impor- de de desenvolvimento da ora-
tantes na prática da educação lidade e uso de aparelho auditi-
1. Introdução
inclusiva. Dentre eles, a insti- vo visando ao aproveitamento
A formatação da estru- gante chegada de estudantes de um suposto resíduo auditi-
tura curricular do curso de surdos usuários de LIBRAS vo. Assim, não havia um traba-
Pedagogia sofreu, nos últi- - Língua de Sinais Brasileira, lho intencional que chamasse a
mos anos, alterações visan- reconhecida oficialmente co- atenção para a condição do es-
do adequação à Lei 9.394/96. mo língua natural dos surdos tudante surdo.
Desde a década de 40, esse brasileiros em 24 de abril de A questão do bilingüismo
curso forma educadores atra- 2002 (Lei nº. 10.436), e regu- vivenciado pela pessoa sur-
vés da Faculdade de Filosofia, lamentada pelo Decreto 5.626, da tem sido alvo de estudo ri-
Ciências e Letras. Em 1971, de 22 de dezembro de 2005. goroso por parte de profis-
o curso de pedagogia passa à Conforme relatos de profes- sionais intérpretes, lingüistas
Faculdade de Educação. sores, ex-alunos e funcionários e pedagogos, uma vez que a
A formação de professores da Universidade, muitos aca- LIBRAS, conforme caracteri-
em Educação Especial foi atri- dêmicos surdos já haviam in- za Brito (1997) é uma “língua
buída ao curso de Pedagogia gressado anteriormente, po- que utiliza um canal visual-es-
através do Parecer 252/69, do rém sem poder assumir a sua pacial e não oral-auditivo co-
Conselho Federal de Educação identidade, uma vez que, para mo acontece com as línguas
(CFE), sendo caracterizada co- a pessoa surda e/ou deficiente orais; articula-se espacial-
mo mais uma habilitação des-
1
BRASIL, Ministério da Educação. (2005) Decreto Nº 5.626, de 22 de Dezembro de 2005. Brasília: MEC.

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

163

A questão do bilingüismo vivenciado pela


pessoa surda tem sido alvo de estudo rigoroso
por parte de profissionais intérpretes, lingüistas Ensino em Língua Portuguesa
e pedagogos A e B.
No 3º período, a discipli-
na Ensino e Aprendizagem
de Língua Portuguesa A e
mente e é percebida visual- para a organização da estrutu- Prática de Ensino em Língua
mente” (p. 19). ra de ensino. Portuguesa A tem como pro-
A grande indagação está re- posta estudar a constituição
lacionada aos impactos dessa histórica do ensino de língua
2. A atuação docente e do
forma de representação e apro- portuguesa na escola brasilei-
intérprete de LIBRAS em
priação, nas relações de ensi- ra e os fundamentos episte-
questão
no e aprendizagem, na organi- mológicos da área curricular
zação curricular e nas medidas e discutir relações e práticas
utilizadas pelas instituições de do ensino-aprendizagem de
A experiência da
ensino para garantir a perma- Língua Portuguesa no Ensino
disciplina Ensino e
nência e o progresso desses es- Aprendizagem de Língua Fundamental.
tudantes nos níveis de ensino. Portuguesa e Prática No 4º período, a discipli-
A princípio, temos indícios de Ensino em Língua na Ensino e Aprendizagem de
da existência de um ensino in- Portuguesa A e B Língua Portuguesa A e prá-
compatível às necessidades do tica de Ensino em Língua
educando, uma vez que não fo- Entre os fundamentos te- Portuguesa A tem como pro-
ram considerados os efeitos órico-práticos que compreen- posta discutir relações de teo-
da modalidade visual-espacial dem a formação do pedagogo ria e prática do ensino-apren-
sistematizados em disciplinas
que compõem a grade curricu-
lar do curso aloca-se a discipli-
na Ensino e Aprendizagem de
Língua Portuguesa e Prática de

2
Os períodos descritos referem-se à distribuição das disciplinas em semestres – quatro anos, totalizando oito semestres ou oito períodos.

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06 Uma nova tensão se insta-
lava: como interpretar aulas
164 possibilitando à acadêmica as-
similar toda aquela estrutura
oral da língua portuguesa, bar-
reira que ela já vivenciava coti-
dianamente?
Dessa forma, enfatizamos
dizagem de Língua Portuguesa crita, aplicáveis aos anos ini- que a língua de sinais deva
no Ensino Fundamental. ciais do Ensino Fundamental; ser considerada desenvolvi-
Ambas as disciplinas têm • Analisar concepções de da como a primeira língua dos
surdos e que práticas educacio-
como objetivos principais pos- linguagem e suas implicações nais para o ensino de segunda
sibilitar aos alunos: para a prática pedagógica nos língua ou estrangeira sejam co-
• Reconhecer a linguagem anos iniciais do Ensino Fun- nhecidas, estudadas e aplicadas
como representação simbóli- damental com o conteúdo pelos educadores para o ensi-
ca e sua relação com a prática a ser trabalhado, ressignifi- no do português escrito. Cen-
trar o ensino apenas no aspec-
pedagógica, compreendendo a cando seus métodos de ensino to gramatical não basta para
linguagem como fator de for- e de produção de conhecimen- formação de sujeitos letrados,
mação da consciência e da ci- tos de forma a subsidiá-los na pois o acesso à escrita só será
dadania; construção da ação educativa pleno quando ela for tratada e
• Analisar o processo de escolar em sua totalidade. concebida como prática social
de linguagem, cultural, social,
Alfabetização Escolar à luz • Conhecer a constituição histórica e ideologicamente de-
de concepções teóricas recen- histórica da Língua Portugue- terminada. (Lodi; Harrison;
tes: Psicogênese da linguagem sa na educação brasileira. Campos in Lodi; Harrison;
escrita – Ferreiro e Teberosky • Analisar a relação entre Teske, 2003: 44).
e Teoria histórico-cultural de saber docente e produção de
Vygotsky (tendo como base os linguagem na escola. Nesse sentido, o entrosa-
experimentos de Luria); Deparamos-nos com du- mento do docente e do intérpre-
• Analisar e discutir criti- as questões a serem considera- te foi fundamental, garantin-
camente o fazer pedagógico das para o desenvolvimento da do o progresso da acadêmica.
observado no cotidiano do tra- proposta da disciplina, a pri- Desenvolvemos cada passo da
balho docente do Ensino Fun- meira referente à metodologia pesquisa apontada nos objeti-
damental e suas implicações e a prática do docente e do in- vos da disciplina, consideran-
no processo de aprendizagem térprete partindo da condição do a LIBRAS de fato como
da Língua Portuguesa; lingüística da acadêmica, a se- primeira língua da acadêmica.
• Listar alternativas para gunda referente à assimilação Listamos, então, passos que
práticas pedagógicas na pro- do conteúdo em questões re-
dução e leitura de textos lativas a aquisição da lingua-
construindo e discutindo me- gem, letramento e construção
todologias para aquisição e da escrita.
aprimoramento da língua es-

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REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
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165
Mediante a interação com a
escrita construindo hipóteses e
estabelecendo relações de sig-
nificação que parecem ser co-
vieram a compor uma metodo- rimento? Como ela perceberia muns a todas as crianças... Esse
logia de trabalho. as letras (grafema) e associa- mesmo processo deve aconte-
cer com as crianças surdas. En-
ria ao som? Se a aquisição da
tretanto, as crianças surdas de-
linguagem por surdos usuários vem estabelecer visualmente
O primeiro passo
de libras é visual-gestual, co- relações de significação com a
Estudo da Aquisição da mo seria então a representação escrita (Quadros, 2004).
Linguagem; Língua de Sinais escrita de uma criança surda
Brasileira; Língua Portuguesa; numa perspectiva construtivis- Dentro dessa realidade, es-
Lingüística. ta? Em que símbolos se pauta- tudamos criteriosamente as
riam? Como escrever uma lín- formas de representação es-
gua visual-espacial? Qual a crita da língua de sinais, nes-
O segundo passo
importância desse desenvolvi- ta pesquisa bibliográfica nos
Análise de aspectos apre- mento comunicativo no letra- deparamos com a literatu-
sentados pela bibliografia-base mento da pessoa surda? ra produzida por Marianne
da disciplina: reflexões sobre Rossi Stumpf, surda Pedagoga
alfabetização - Emília Ferreiro; Mestre em Informática, que
O terceiro passo
Ana Teberosky; Alfabetização define bem a importância da
e Letramento - Sérgio Leite e Concretizou-se no estudo escrita de sinais conhecida co-
PCN Parâmetros Curriculares das possíveis relações entre o mo SignWriting:
Nacionais Língua Portuguesa processo de construção da lín- Nós surdos precisamos de
1ª à 4ª Série nos forneciam res- gua escrita e o processo de uma escrita que represente os
paldo para a discussão de uma construção da língua de sinais. sinais visuais-espaciais com os
possível aquisição da lingua- Docente, intérprete e acadêmi- quais nos comunicamos, não po-
demos aprender bem uma escri-
gem da pessoa surda numa ca, juntas, fomos buscando si- ta que reproduz os sons que não
perspectiva construtivista. milaridades entre os dois pro- conseguimos ouvir. A escrita
Partindo dessa análise, le- cessos, sem perder de vista os de sinais está para nós, surdos,
vantamos junto à acadêmi- aspectos importantes relacio-
ca algumas hipóteses quanto nados a uma ação construtiva.
aos níveis de alfabetização vi-
venciados pela pessoa surda.
Baseado em Ferreiro, 1990: se
Olga Letícia fosse surda, co-
mo desenvolveríamos tal expe-

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REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

166
como uma habilidade que pode
nos dar muito poder de constru- tações específicas da Secretaria
ção e desenvolvimento de nossa de Educação Especial / MEC.
cultura. Pode nos permitir, tam- Somente aprofundados nes-
bém, muitas escolhas e partici- ses conceitos, experimenta-
pação no mundo civilizado do
mos mudanças propiciando à
qual também somos herdeiros,
mas do qual até agora temos fi- pessoa com necessidades es-
cado à margem, sem poder nos peciais a possibilidade de en-
apropriar dessa representação. significado e sentidos, que é a contrar um sistema de ensino
Durante todos os séculos da ci- escrita do sinal (SignWriting). verdadeiramente acessível. No
vilização ocidental, uma escri-
Deparamos-nos com algo que diz respeito à pessoa sur-
ta própria fez sempre falta para
os surdos, sempre dependentes ainda novo no ensino em geral, da, somente livres de um olhar
de escrever e ler em outra lín- e mais novo ainda no que diz culturalmente dominante – no
gua, que não podem compre- respeito à Educação Superior. caso, o olhar oral-auditivo –
ender bem, vivendo com isso A proposta de educação in- poderemos alcançar um ensino
uma grande limitação. (Stum-
clusiva intensificou-se a par- de qualidade.
pf, 2003: 63).
tir da Conferência Mundial
A partir dessas reflexões, de Jomtien (Tailândia, 1990),
3. Conclusões
houve toda uma reestrutura- que apontou para a Educação
ção didática e metodológica para Todos e foi aprofundada Para atingir determinada
através da utilização de práti- na Conferência Mundial so- maturidade na forma de repre-
cas visuais: uso de retroproje- bre Necessidades Educativas sentação simbólica, nos subme-
tor e multimídia para exposi- Especiais (Espanha, 1994). temos a processos de desenvol-
ção dos textos e dos materiais Essa conferência culminou na vimento, conforme nos aponta
coletados nas pesquisas. Declaração de Salamanca, que Vygotsky (1994), etapas que
Pensar a construção da es- propôs princípios de uma edu- estão fortemente relacionadas
crita de sinais foi uma possi- cação globalizada, resultado à vivência de práticas sociais
bilidade de trazer maior signi- de acordos internacionais for- em que assimilamos elemen-
ficado para a própria escrita. temente desvinculados dos fe- tos que atuam diretamente na
Assim, pudemos discutir que nômenos sociais produzidos construção de uma identidade
se apropriar da linguagem é pela educação de massas. cultural, permitindo a intera-
produzir sentidos, portanto Desde então, os sistemas de ção com a realidade.
não se constitui numa prática ensino vêm se organizando pa- No contexto educacional,
mecânica. A escrita da língua ra atender a essa realidade e a o professor apresenta-se como
portuguesa virá como uma ati- Educação Superior no Brasil um mediador. Em sala de au-
vidade mnemônica relacionada conta, desde 2000, com orien- la com alunos surdos, nos de-
a uma notação impregnada de paramos ainda com diversos

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.166, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
A PRÁTICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

167
elementos transformadores da
prática docente. constitutivos dos conteúdos da disciplina Ensino-Aprendizagem
O Intérprete de Língua de de Língua Portuguesa.
Sinais Brasileira apresenta-se
como parceiro nessa mediação
Referências Bibliográficas
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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.167, janeiro - dezembro/2006
REFLEXÕES SOBRE
INES
A PRÁTICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

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Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.168, janeiro - dezembro/2006
VISITANDO O
ACERVO DO INES INES

ESPAÇO

Uma visitante ilustre:


JAN-DEZ/06

169
Cecília Meireles entre a política e
a poética no Instituto Nacional de
Surdos-Mudos 1

Solange Maria da Rocha*


*Doutoranda em Educação – PUC – RJ. Mestre em Educação Especial – UERJ. Pedagoga – UERJ.
Licenciada e Bacharelada em História – UFF.
Professora do INES.
“A criança, ser da natureza,
Cecília Meireles formou- alii (2005:17) entre “a tarefa de não portadora da razão adul-
-se professora em 1917, pe- comentar a realidade e o intui- ta, marcada pelos atributos da
sensibilidade, emoção e ima-
la Escola Normal do Rio de to de transformá-la”. Signatária ginação, submete-se à direção
Janeiro. Em 1930, assumiu a di- do Manifesto dos Pioneiros da do adulto que deve moldá-la de
reção de uma página diária so- Escola Nova 2, a cronista defen- acordo com as diretrizes por ele
bre educação no Jornal Diário dia a educação pública, univer- determinadas. Para os educa-
de Notícias do Rio de Janeiro. sal e laica. As crônicas publi- dores da Escola Nova e, espe-
cificamente, para Cecília Mei-
Como enuncia Neves et alli cadas diariamente, de 1930 a reles, cabia formar o homem
(2005), a criação de seções es- 1934, escritas por ela, ou com o novo, configurado pelo huma-
pecíficas na grande imprensa e, seu apoio, revelam-se um meio nismo universal.”
conseqüentemente, a diversida- de divulgação de seus ideais de
de dos temas tratados, tornou forte coloração iluminista. Com o título “Justiça so-
a crônica um gênero de forte Sabe-se que em toda obra de cial para a criança brasileira”,
aceitação junto ao grande pú- Cecília, a infância tem um lu- Cecília inicia uma série de vi-
blico. A Página de Educação gar de destaque, não só em sua sitas a institutos de proteção e
sob a responsabilidade de produção poética, como em seus educação especializada, para
Cecília parece corresponder à textos sobre educação, como des- saber como o Brasil cuida da
tensão apontada por Neves et taca Corrêa (2001:124). infância mal favorecida.

1
Desde 1957, com a denominação de Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, vinculado ao MEC.
2
O “Manifesto dos Pioneiros” foi dirigido ao povo brasileiro e ao governo em março de 1932. Foi assinado por vários educadores que, na
época, assumiram compromisso com o debate público sobre a reconstrução nacional e atribuíram à escola pública o papel democratizador
do acesso à educação. (XAVIER et alli, 2004:8)

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.169, janeiro - dezembro/2006
VISITANDO O
INES
ACERVO DO INES
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

170

As crônicas publicadas nos jovem médico Armando Paiva Na terceira crônica, publica
dias 11, 12 e 14 de feverei- Lacerda, que assumiu a direção a entrevista que realizou com o
ro de 1931 trazem sua assina- do Instituto identificado com os recém empossado diretor, ade-
tura e são decorrentes de sua ideais escolanovistas. rindo claramente à sua propos-
visita ao Instituto Nacional de Na segunda crônica, nar- ta de intervenção médico-pe-
Surdos-Mudos. ra sua visita à Instituição e dagógica.
As três crônicas publica- também seu contato com as Cópias dessas crônicas
das encontram-se ordena- crianças surdas, oportunida- poderão ser encontradas no
das, de maneira que a primei- de em que sua poética dialoga acervo histórico da Biblioteca
ra apresenta uma discussão com um mundo desconhecido Pública do Instituto Nacional
sobre o sentido da educação, de crianças que falam com as de Educação de Surdos –
uma crítica ao antigo regime mãos. INES.
e introduz o tema da surdo-
-mudez, baseada no trabalho CORRÊA, Luciana Borgerth Vial, (2001). Criança, Ciência e
3
do Dr. Oliveira Bacellar , que Arte. In: NEVES, Margarida de Souza; LOBO, Yolanda
realizou uma pesquisa sobre Lima; MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio (org.) Cecília
surdez, percorrendo institu- Meireles: A poética da Educação. Rio de Janeiro: Ed.
tos especializados em todo o PUC-RIO: Loyola,2001.
Brasil. NEVES, Margarida de Souza; LOBO, Yolanda Lima; MIGNOT,
Ainda nesta primeira crônica, Ana Chrystina Venâncio (org.) Cecília Meireles: A poética
fica claro seu apoio político ao da Educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-RIO: Loyola,
2001.

3
Dr. Arnaldo de Oliveira Bacellar, médico que defendeu sua tese de doutorado em 1926, pela Faculdade de Medicina de São Paulo, intitula-
da A Surdo-Mudez no Brasil. Consta um exemplar deste trabalho na biblioteca do INES.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.170, janeiro - dezembro/2006
PRODUÇÃO
ACADÊMICA INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

171
“Um olho no professor surdo e
outro na caneta”:
ouvintes aprendendo
a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS)
Audrei Gesser*
*Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Linguagem da Universidade Esta-
dual de Campinas (Unicamp), para a obtenção do título de Doutora em Lingüística Aplicada na área de Multicul-
turalismo, Plurilingüismo e Educação Bilíngüe. Março de 2006. Orientadora: Dra Marilda do Couto Cavalcanti.
audrei.gesser@gmail.com
Recebido em abril de 2006 e selecionado em maio de 2006

Resumo as culturas e as identidades em conformidade com o que é


surdas e ouvintes na e através mais significativo no momen-
O presente estudo teve por do uso de linguagem a partir to interacional: ora porque di-
finalidade descrever as ações de perspectivas etnográficas ferentes identidades estão sen-
e os significados locais na in- e da integração de concei- do projetadas, manifestadas e
teração social face a face en- tos e abordagens teóricas da construídas; ora porque dife-
tre um professor surdo e seus Sociolingüística Interacional, renças culturais estão em jo-
alunos ouvintes, em um con- Estudos Culturais e Pós- go. Embora o professor e algu-
texto de ensino e aprendi- Coloniais. Os resultados da mas alunas sejam usuários da
zagem de LIBRAS. Nesse análise mostraram que, ao se Língua Oral (Português) e da
contexto sociolingüisticamen- relacionar com a LIBRAS em Língua de Sinais, há momen-
te complexo, focalizei as re- contexto formal de ensino e tos de conflito no uso dessas
lações estabelecidas pelos aprendizagem, os alunos ou- duas línguas, bem como na re-
participantes com a Língua vintes transitam pelas moda- lação distinta que cada partici-
Portuguesa e a LIBRAS, com lidades oral, escrita e de sinal, pante estabelece com as varie-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.171, janeiro - dezembro/2006
PRODUÇÃO
INES
ACADÊMICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06 foi uma forma de sensibilizar
também a sociedade ouvinte,
172 de uma forma geral, sobre esse
mundo diferente, desconheci-
ção dos próprios surdos em al- do e complexo.Em outras pala-
guns momentos interacionais vras, uma forma de oportuni-
na sua relação de aprendiza- zar reflexões àqueles que não
gem da LIBRAS; preconcei- estão e/ou nunca estiveram em
tuosos, aberta ou veladamente, contato com o surdo, a surdez e
mostravam-se também des- a Língua de Sinais.
confiados com relação ao sur-
do e às suas línguas; estrangei-
dades em sinais trazidas para ros, deslocavam-se entre uma
a sala de aula. Em suma, a re- LIBRAS simplesmente ou-
lação desse ir-e-vir entre a lín- tra língua, e uma língua muito
gua oral, escrita e de sinais, alheia e mesmo exótica. Nesse
apresentou-se de forma bas- mar de sentimentos, convém
tante complexa, contraditória, destacar que é dessa inquieta-
e, muitas vezes, conflituosa, ção que nascem as tentativas
cheias de tensões, dependen- de desfazer preconceitos, re-
do do momento que cada alu- definir conceitos, e/ou cons-
no ouvinte vive ou viveu com truir uma nova visão sobre as
o mundo da surdez, segundo questões relacionadas ao mun-
suas crenças sobre a Língua do da surdez. Enfim, visibili-
de Sinais e os surdos. Assim, zar e descrever a relação de al-
muitos sentimentos floresce- guns ouvintes com o mundo da
ram no contato e aprendiza- surdez em contexto de ensino
gem da LIBRAS: desafiados, e aprendizagem da LIBRAS
demonstravam medo, ansie-
dade, incapacidade, falta de
coordenação motora, cansaço
físico e mental, mas desenvol-
viam estratégias e mostravam
atitudes positivas ao lidar com
uma língua espaço-visual; cul-
pados, vivenciavam o remorso
e a indignação com a situação
enfrentada pelos surdos em
sua fase de escolarização; so-
lidários, colocavam-se na posi-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.172, janeiro - dezembro/2006
PRODUÇÃO
ACADÊMICA INES

ESPAÇO

“O difícil são as palavras”:


JAN-DEZ/06

173
representações de/sobre
estabelecidos e outsiders na
escolarização de jovens e
adultos surdos
Wilma Favorito*
*Tese de doutorado em Lingüística Aplicada. (IEL/UNICAMP; data da defesa: 20/02/2006).
Orientadora: Profª Dra. Marilda do Couto Cavalcanti
wilmafavorito@uol.com.br
Recebido em abril de 2006 e selecionado em maio de 2006.

Resumo
O presente estudo, realiza- Língua Brasileira de Sinais - as reflexões no campo da edu-
do por meio de uma pesqui- LIBRAS) na escola? cação bilíngüe para minorias
sa interpretativista de cunho Para tentar responder a es- (Romaine, 1989; Grosjean,
etnográfico (Erickson, 1984, sa pergunta, a discussão foi 1982, 1992; Garcia e Baker,
1989; Cavalcanti, 1990; Moita encaminhada em uma pers- 1995; Sktnabb-Kangas, 1995
Lopes, 1994, 1996; Emerson pectiva multidisciplinar, uti- Maher, 1997) e para surdos
et alli, 1995; Mason, 1997; lizando concepções prove- (Lane, 1992; Widell, 1994;
Agar, 1998), foi norteado pe- nientes da Sociologia (Elias e Skliar, 1997, 1998, 1999, 2000;
la seguinte pergunta de pes- Scotson, 2000), Antropologia Souza, 1998, 1999, 2000;
quisa: Que representações são e História (De Certeau, 2001), Svartholm, 1998; Freire, 1998,
construídas por surdos adul- Análise Crítica do Discurso 1999, dentre outros) busca uma
tos, alunos de uma turma da (Fairclough, 1989, 2001) e interpretação possível para as
Educação de Jovens e Adultos Filosofia da Linguagem relações entre representações,
do Instituto Nacional de Edu- (Bakhtin, 1979, 1997) que, em linguagem e ensino no contex-
cação de Surdos, por seus pro- articulação com as contribui- to escolar em foco. Parte-se da
fessores ouvintes, pela profes- ções dos Estudos Culturais idéia de que as representações
sora surda e pelo monitor sur- (Silva, 1998, 1999; 2000; que os participantes constro-
do sobre as línguas com as Woodward, 2000), Estudos em da Língua de Sinais e do
quais convivem (Português e Surdos (Skliar, 2002, 2003) e Português os localizam em de-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.173, janeiro - dezembro/2006
PRODUÇÃO
INES
ACADÊMICA
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

174
terminadas posições, produ- pantes acerca das duas línguas às línguas ora os insere, ora
zindo repercussões no proces- que circulam naquele contex- os desloca nos/dos discursos
so de ensino e aprendizagem. to escolar remetem ao confli- hegemônicos historicamen-
Dadas as particularidades to nuclear vivido por todos: a te construídos sobre os sur-
das interações entre alunos sur- Língua de Sinais, língua na- dos e a surdez, calcados na
dos, profissionais surdos e pro- tural dos alunos surdos e im- representação matriz da defi-
fessores ouvintes, no contexto portante traço identitário des- ciência. E é nas brechas des-
desse estudo, foi central a esta se grupo, tem no processo de ses deslocamentos, presentes
análise a concepção de estabe- ensino e aprendizagem apenas nas vozes desses participan-
lecidos e outsiders desenvolvi- a função de ponte e apoio pa- tes, que esse estudo se apóia
da por Elias e Scotson (2000), ra a aprendizagem, enquanto o para apontar possíveis saídas
para o entendimento das dife- Português escrito, em relação em direção a um projeto edu-
rentes posições que os partici- ao qual os alunos podem ser cativo que incorpore os pró-
pantes ocupam nos seus modos considerados aprendizes ini- prios surdos na arquitetura
de ver a si mesmos e ao outro ciantes, ocupa um lugar cen- curricular e decisões pedagó-
em suas práticas discursivas. tral como língua legitimada na gicas.
A análise dos registros escola pensada pelos ouvintes.
mostrou que as representa- A repercussão desse con-
ções construídas pelos partici- flito nas interações entre os
participantes e nos diferen-
tes significados que atribuem

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.174, janeiro - dezembro/2006
RESENHA
DE LIVROS
Identidade: um
INES

ESPAÇO

retrato da vida na
JAN-DEZ/06

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contemporaneidade
Rita de Cássia Souza Leal*
*Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ.
Resenha do livro: Identidade, de BAUMAN, Zygmunt – Rio de Janeiro:
Jorge ZAHAR Editora, 2005, 112 páginas.
ritaleal@uol.com.br

atual, a identidade se configura como uma cons-


trução socialmente necessária, inconclusa, que
precisa ser constantemente reinventada a partir
do zero ou das escolhas entre as alternativas dis-
poníveis no mundo globalizado.
A “modernidade líquida” coloca a identidade
em um processo de transformação que provoca fe-
nômenos diversos, a exemplo da crise do multicul-
turalismo, quando este se revela uma declaração
de indiferença, uma recusa a fazer julgamento e
assumir uma posição; o fundamentalismo religio-
Hoje, mais do que nunca, refletir sobre o tem- so quando, na defesa da fé, oferece um senso de
po presente demanda a elaboração de análises que propósito para uma vida (ou morte) significativa;
buscam dar conta, em alguma medida, dos pro- ou as comunidades virtuais da Internet, onde as
cessos mais amplos de mudanças que erodem as identidades são criadas para usar e exibir, não para
antigas crenças modernas e colocam a noção de armazenar e manter, afirma Zygmunt Bauman em
identidade em questão. Do iluminismo à moder- seu livro Identidade, publicado no Brasil pela edi-
nidade vigorou a idéia de nós próprios como su- tora Zahar, como parte das comemorações do ani-
jeitos integrados, donos de uma identidade fixa, versário de 80 anos do renomado sociólogo polo-
essencial, contínua e consistente. Na sociedade nês.

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RESENHA
INES
DE LIVROS
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

176
Neste trabalho, fruto de uma entrevista con-
cedida ao jornalista italiano Benedetto Vecchi,
o teórico retoma algumas questões centrais do
seu pensamento sociológico: dentre elas, as mui-
tas conseqüências para a identidade da “moderni-
dade líquida”, termo anteriormente cunhado por
Bauman para falar da fragmentação das relações,
desde a vida em sociedade aos relacionamentos
amorosos.
O autor defende que a questão da identidade
não pode mais ser tratada pelos instrumentos tra- tornam inconciliáveis. Por esse motivo, o cami-
dicionais de entendimento. Hoje, faz-se neces- nho para a identidade é permeado por lutas inter-
sário desenvolver uma reflexão mais apropriada mináveis entre o desejo de liberdade e o desejo de
ao dinamismo do transitório, que se impõe sobre segurança, caminho, ainda por cima, assombra-
o perene. Nas condições fluidas do mundo atu- do pelo medo da solidão e o pavor da impotên-
al, a idéia de identidade carrega, em si, um para- cia. “Por esse motivo, a ‘guerra pela identidade’
doxo, na medida em que ela aponta tanto para a é sempre sem conclusão e é, provavelmente, uma
busca de pertencimento a um grupo, como para guerra sem vencedores, embora a ‘causa da iden-
a emancipação individual. Nesse sentido, a bus- tidade’ possa continuar a ser ostentada”.
ca pela identidade se dá sempre sob a pressão de Nesse primoroso diálogo teórico, Bauman lança
duas forças antagônicas, que conduz a direções mão do seu usual brilhantismo para ressaltar que,
opostas: a da entrega absoluta, e a da individua- quando nos deparamos com as incertezas e as in-
lidade absoluta. Como a entrega absoluta faz de- seguranças da “modernidade líquida”, nossas iden-
saparecer todo aquele que dela se aproxima, ao tidades sociais, culturais, profissionais, religiosas e
mesmo tempo em que a individualidade absolu- sexuais sofrem um processo de transformação con-
ta é inatingível, podemos entender que ambas se tínua. Isso nos leva a estabelecer relações transitó-
rias e fugazes e faz com que soframos as angústias
inerentes a essa situação. A confusão atinge os va-
lores, mas também as relações afetivas: “Estar em
movimento não é mais uma escolha: agora se tor-
nou um requisito indispensável”, afirma Bauman.
Sob essa ótica, o processo de construção da identi-
dade nada mais é que um retrato, ainda que desfo-
cado, da vida na contemporaneidade.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25, p.176, janeiro-dezembro/2006


RESENHA
DE LIVROS
XAMÃ INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

José Humberto Serra de Oliveira* 177


*Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e psicólogo.
Resenha do livro: Xamã, de Gordon, Noah – Rio de Janeiro:
Rocco, 2005, 484 páginas.

dico. E todos esses acontecimentos que, por as-


sim dizer, constituem todas as pequenas tramas,
com seus enredos próprios e personagens mar-
cantes, são muito bem entrosados, repletos de be-
los trechos e frases maravilhosas; como a fala de
um dos examinadores da banca da Faculdade de
Medicina, que, empolgado, com o brilhantismo
do candidato surdo, diz ao seu colega: “vá lá fora
e traga-me mais alguns surdos” (pág.298), numa
imagem perfeita, traduzindo a eficiência, a arte,
a dedicação e o entusiasmo daquele estudante de
medicina surdo e, principalmente, a sua determi-
nação em tornar-se um médico, apesar das difi-
culdades que ele encontra, devido a sua surdez…
É magistral a maneira que o autor utiliza para des-
crever a força persuasiva de Rob J, querendo mos-
trar aos seus examinadores que, mesmo sendo sur-
do, ele é capaz de auscultar um enfermo e dar um
diagnóstico correto. Aliás, determinação é a tôni-
ca deste belo livro. Ele tem de ser lido para poder-
-se aquilatar toda a pujança da narrativa.
Xamã é um livro bem feito, muito bem estru-
turado e bem escrito (e bem traduzido também).
Tem belas imagens, comparações muito boas, co-
mo, por exemplo, a passagem em que o autor, fa-
lando de Rob J (o herói do livro), compara a ciên-
cia com a crença religiosa (pág. 198) – “ a verdade
era sua divindade; a prova, seu estado de graça; a
dúvida, sua liturgia.”
O livro não tem um plot (trama). Ele é uma su-
cessão de pequenos plots que se sucedem em um
encadeamento, cujo pivô é a epopéia de um mé-

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25, p.177, janeiro-dezembro/2006


MATERIAL
INES
TÉCNICO-PEDAGÓGICO
ESPAÇO
JAN-DEZ/06

178

O Instituto Nacional de Educação de Surdos realizou, entre 2005 e 2006, a conversão e redimensio-
namento de todo o seu acervo de materiais técnico-pedagógicos, existentes em fitas VHS, para CD e
DVD.
É a série Educação de Surdos, com a qual o INES busca atualizar e ampliar o seu apoio aos sistemas de
ensino brasileiros na qualificação dos profissionais para a educação de surdos e na dinamização dos pro-
cessos de ensino e aprendizagem, com ênfase na valorização da LIBRAS e da identidade surda.
Nestes dois anos, o Instituto passou a alcançar mais diretamente os municípios do Brasil, ao enca-
minhar, em parceria com os Correios, seus materiais e publicações para as Secretarias de Educação de
144 municípios-pólo do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, da Secretaria de Educação
Especial, do Ministério da Educação.
Maiores informações sobre esses e outros recursos de apoio pedagógico podem ser obtidas através do
e-mail: diesp@ines.org.br

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25, p.178, janeiro-dezembro/2006


ESPAÇO ABERTO
INES

ESPAÇO
JAN-DEZ/06

Congreso Pedagogia 2007 179


Data do Evento – de 29 de janeiro a 02 de fevereiro de 2007
Local do Evento – Havana – Cuba
Informações – Tel: (27) 3200-2030
E-mail - clipperturismo@veloxmail.com.br
Site - www.clipperturismo.com.br

Simpósio sobre Fundamentos da Educação Ambiental


Data do Evento – de 11 a 14 de abril de 2007
Local do Evento – Universidade Livre de Bruxelas
E-mails - marcos.reigota@uniso.br ou marcosreigota@yahoo.com
Sites - www.cisal.org ou www.ulb.ac.be/soco/cercal/acceil.html

II SENIEE – II Seminário Nacional Interdisciplinar em Experiências Educativas


Data do Evento – de 26 a 27 de abril de 2007
Local do Evento – Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Paraná
Informações – Tel: (46) 3524-1661
E-mails – mafalda@wln.com.br ou seniee@unioeste.br

VIII Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudoeste


Data do Evento – de 27 a 30 de maio de 2007
Local do Evento – Teatro Universitário da Universidade Federal do Espírito Santo – ES
Informações – Tel: (27) 3335-2895
E-mail – httpdadm@npd.ufes.br
Site: www.ppge.ufes.br/

I Encontro de História da Educação do Estado do Rio de Janeiro – I EHEd-RJ


Data do Evento – de 04 a 06 de junho de 2007
Local do Evento – Universidade Federal Fluminense – Niterói – Rio de Janeiro
E-mail – ehed-rj@vm.uff.br
Site – www.uff.br/IEHEd-RJ

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.179, janeiro - dezembro/2006
ESPAÇO ABERTO
INES

ESPAÇO

JAN-DEZ/06

180 IV Seminário Internacional: As redes de conhecimento e a tecnologia: práticas


educativas, cotidiano e cultura

Data do Evento – de 11 a 14 de junho de 2007


Local do Evento – Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro
E-mail – edde@ck.spm.se
Sites – www.curriculo-uerj.pro.br/redes2007 ou www.lab-eduimagem.pro.br/

V Congresso Internacional da Associação Brasileira de Lingüística


Data do Evento – 28 de fevereiro a 03 de março de 2007-01-29
Local do Evento – Belo Horizonte-MG
Informações – Tel. (31) 3499-6025
E-mail – secretaria-abralin@abralin.org
Site – www.abralin.org

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.180, janeiro - dezembro/2006
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
INES

ESPAÇO
CARACTERIZAÇÃO DAS SEÇÕES DA REVISTA ESPAÇO JAN-DEZ/06
Espaço Aberto - Artigos de relevância teórica pertinentes à área da surdez • Debate - Tema previamente escolhido
a ser discutido por diversos autores • Atualidades em Educação - Artigos de relevância teórica pertinentes à área
da Educação • Reflexões sobre a prática - Discussões e relatos de experiências de profissionais sobre sua prática •
181
Produção Acadêmica - Referência de dissertação de mestrado e teses de doutoramento na área da surdez realizadas em
instituições nacionais e/ou internacionais • Resenhas - Apresentação de resumos de obras • Material técnico-pedagógico
- Divulgação de materiais produzidos • Visitando o acervo do INES • Apresentação de material de relevância histórica
constante no acervo do INES
Os interessados em enviar artigos para a revista Espaço devem seguir o seguinte padrão editorial

1. A ESPAÇO aceita para publicação artigos inéditos de autores brasileiros e estrangeiros que tratem de educação,
resultantes de estudos teóricos, pesquisas, reflexões sobre práticas concretas, discussões polêmicas etc. Excepcionalmente
poderão ser publicados artigos de autores brasileiros ou estrangeiros editados anteriormente em livros e periódicos que
tenham circulação restrita no Brasil.
2. Os artigos devem ter no mínimo 30 (trinta) mil e no máximo  50 (cinqüenta) mil caracteres com espaços, incluindo
as referências bibliográficas e as notas (contar com Ferramentas do processador de textos como Word ou Star Office,
por exemplo.

3. A publicação de artigos está condicionada a pareceres de membros do Conselho Editorial ou de colaboradores


ad hoc. A seleção de artigos para publicação toma como critérios básicos sua contribuição à Educação Geral, à
Educação Especial e à Educação de Surdos e áreas afins, bem como à linha editorial da ESPAÇO, a originalidade do
tema ou do tratamento dado ao mesmo, assim como a consistência e o rigor da abordagem teórico-metodológica.
Eventuais modificações de estrutura ou de conteúdo, sugeridas pelos pareceristas ou pela Comissão Editorial, só serão
incorporadas mediante concordância dos autores.

4. De acordo com a caracterização das seções, a ESPAÇO também publica reflexões sobre a prática, resenhas e resumos
de teses e dissertações.

5. As reflexões sobre a prática não devem ultrapassar 20 (vinte) mil caracteres e deverá atender aos demais requisitos
dos artigos.

6. As resenhas não devem ultrapassar8 (oito)mil caracteres com espaços e os resumos de teses e dissertações e as
notas de leitura,4 (quatro) mil caracteres. É indispensável à indicação da referência bibliográfica completa da obra
resenhada ou comentada, indicando, inclusive, a edição e o número de páginas da obra. A digitação e a formatação
devem obedecer a mesma orientação dada para os artigos.

7. Textos que tratem de temas polêmicos ou que debatam algum assunto, com defesa de posicionamentos, poderão
ser publicados na seção DEBATE. Neste caso, a ESPAÇO procura publicar no mínimo dois artigos com diferentes
abordagens. Nesse caso, os textos devem obedecer ao limite de 50 (cinqüenta) mil caracteres e atender aos demais
requisitos dos artigos.

8. Os originais poderão ser encaminhados à comissão editorial da ESPAÇO (comissaoeditorial@ines.org.br) ou pelo


correio. Nesse último caso, é obrigatório o envio de uma via impressa e do arquivo correspondente em disquete.
9. Os artigos e outros textos para publicação devem ser digitados em um dos programas de edição de texto em formato
Word for Windows. As orientações para formatação estão especificadas ao final destas Normas.
10. As menções a autores, no correr do texto, devem subordinar-se à forma (Autor, data) ou (Autor, data, p.),
como nos exemplos: (Silva, 1989) ou (Silva, 1989:95). Diferentes títulos do mesmo autor, publicados no mesmo ano,
deverão ser diferenciados adicionando-se uma letra depois da data, por exemplo: (Garcia, 1995a), (Garcia, 1995b)
etc.

Informativo Técnico-Científico Espaço, INES - Rio de Janeiro, n. 25/26, p.181, janeiro - dezembro/2006
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
INES

ESPAÇO

JAN-DEZ/06

182 11. As Referências Bibliográficas devem conter exclusivamente os autores e textos citados no trabalho e ser apresentadas
ao final do texto, em ordem alfabética, obedecendo às normas atualizadas da ABNT. Matérias que não contenham as
referências bibliográficas ou que as apresentem de forma incorreta não serão consideradas para exame e publicação.
Observa-se que as bibliotecárias das Universidades estão aptas a oferecer orientações relativas ao uso correto das
mesmas. Exemplos da aplicação das normas da ABNT encontram-se ao final destas Normas.

12. As notas de rodapé devem ser exclusivamente explicativas. Todas as notas deverão ser numeradas e aparecer no pé
de página (usar comando automático do processador de textos : Inserir/Notas).
13. Todos os artigos devem conter, ao final, resumo (em português) e abstract (em inglês) que não ultrapassem 1.000
caracteres cada, com indicação de pelo menos três palavras-chave e key-words.

14. Ao final do texto, o autor deve também fornecer um mini-currículo com dados relativos a sua maior titulação,
instituição e área em que atua, últimas duas ou três publicações ou publicações mais importantes, título da pesquisa que
está desenvolvendo, bem como indicar o endereço eletrônico e o endereço completo, para correspondência.

15. Os quadros, gráficos, mapas, imagens etc. devem ser apresentados em folhas separadas do texto (indicando-se
os locais em que devem ser inseridos), devendo ser numerados e titulados e apresentar indicação das fontes que lhes
correspondem. Sempre que possível, deverão ser confeccionados para sua reprodução direta.
16. O envio de qualquer colaboração implica automaticamente a cessão integral dos direitos autorais à Revista
Brasileira de Educação. A Revista não se obriga a devolver os originais das colaborações enviadas.
Orientação para formatação dos textos
1. Digitar todo o texto na fonte Times New Roman, tamanho 12, entrelinha simples, sem fontes ou atributos diferentes
para títulos e seções.

2. Utilizar negrito e maiúsculas para o título principal, e negrito e maiúsculas e minúsculas nos subtítulos das seções.
3. Para ênfase ou destaque, no interior do texto, utilizar apenas itálico; assinalar os parágrafos com um único toque de
tabulação e dar Enter apenas no final do parágrafo.
4. Separar títulos de seções, nome do autor etc. do texto principal com um duplo Enter.
5. Para as transcrições, usar o mesmo Times New Roman, fonte 11, separadas do texto principal com duplo Enter e
introduzidas com dois toques de tabulação.

Orientação para aplicação das normas da ABNT


1. Livros: sobrenome do autor (Maiúscula)/VÍRGULA/Seguido do nome (Maiúscula e Minúscula)/VÍRGULA/
Data, entre parênteses/PONTO/Título da obra (em itálico)/ DOIS PONTOS (se houver subtítulo)/Subtítulo (se
houver)PONTO/Edição de forma abreviada e se não for a primeira/PONTO/Local da publicação/ESPAÇO, DOIS
PONTOS, ESPAÇO/Nome do tradutor, quando houver/PONTO.
Exemplo: APPLE, Michael W., (1989). Educação e poder. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas. Tradução de Maria
Cristina Monteiro.
2. Artigos: sobrenome do autor (Maiúscula)/VÍRGULA/Seguido do nome (Maiúscula e Minúscula)/VÍRGULA/Data,
entre parênteses/PONTO/Título do artigo/PONTO/Título do periódico (em itálico)/VÍRGULA/Volume do periódico/
VÍRGULA/Número do periódico/VÍRGULA/Páginas correspondentes ao artigo/PONTO.
Exemplo: MACHADO, L.R.S., (1985). Cidadania e trabalho no ensino se segundo grau. Em Aberto, v. 4, nº 28,
p. 35-8.

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3. Coletâneas: sobrenome do autor do capítulo (Maiúscula)/VÍRGULA/Seguido do nome (Maiúscula e Minúscula)/ 183


VÍRGULA/Data, entre parênteses/PONTO/Título do capítulo/PONTO/Escrever “In:”/Sobrenome do organizador
(Maiúscula)/VÍRGULA/Iniciais do nome do organizador/(SE HOUVER OUTRO ORGANIZADOR, REPETIR ESTA
OPERAÇÃO SEPARANDO OS NOMES ATRAVÉS DE VÍRGULA) Escrever, quando for o caso, “(org.)”/PONTO/
Título da coletânea (em itálico)/DOIS PONTOS (se houver subtítulo)/Subtítulo (se houver)/PONTO/Edição, de
forma abreviada e se não for a primeira/PONTO/Local da publicação/ESPAÇO, DOIS PONTOS, ESPAÇO/Nome
do editora/PONTO/Nome do tradutor, quando houver/PONTO.

Exemplo: ROMÃO, José E., (1994). Alfabetizar para libertar. �I�


n:GADOTTI,
�����������������������������
M., TORRES, C. A. (orgs
����.).
�����

Educação
��������
popular: utopia Latino-Americana. São Paulo: Cortez.

4. Teses acadêmicas: sobrenome do autor (Maiúscula)/VÍRGULA/Seguido do nome (Maiúscula e Minúscula)/


VÍRGULA/Data, entre parênteses/PONTO/Título da obra (em itálico)/DOIS PONTO (se houver subtítulo)/Subtítulo
(se houver)/PONTO/Grau acadêmico a que se refere/PONTO/Instituição onde foi apresentada/VÍRGULA/Tipo de
reprodução/PONTO.

Exemplo: DI GIORGI, Cristiano Amaral Garboggini, (1992). Utopia da educação popular: o paradigma da educação
popular e a escola pública. Tese de doutorado. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

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Revista não se obriga a devolver os originais das colaborações enviadas.

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