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1º Teste de Direito Constitucional

Capítulo 1

Direito Constitucional: é o conjunto de princípios e normas jurídicas que “constituem” uma


determinada coletividade política, estabelecem os seus princípios básicos, enunciam os seus
fins e atribuições, definem os direitos fundamentais das pessoas face ao poder público,
regulam a organização política do Estado, incluindo o elenco dos seus órgãos, o modo da sua
eleição ou designação, as suas competências e o seu funcionamento.

 Objeto: O objeto do DC é a constituição, também designada por vezes como a “lei


fundamental”, “lei suprema” ou “lei básica”.
Constituição: sistema de normas e princípios que ocupam o ápice da pirâmide normativa
e regulam a organização político-jurídica do Estado, na sua dupla face de comunidade e
poder:
 Estado/Poder- organização do poder público;
 Estado/Comunidade- conjunto de pessoas que integram a comunidade política.

 Fontes: A principal fonte do DC é a constituição. No entanto, existem Estados sem


constituição, no sentido de código constitucional. O DC pode, por isso, aparecer vertido
num conjunto maior ou menos de leis constitucionais avulso (“constituição dispersa”).
Mesmo nos Estados dotados de constituição formal, em sentido estrito, pode haver ao
lado dela leis constitucionais complementares, que por qualquer motivo focam fora da
constituição. Temos, também, como fonte:
 Normas constitucionais: “recebidas” pela constituição, para as quais ela “reenvia”.
A remissão tanto pode referir-se a um certo instrumento normativo com um
conteúdo preciso e “fechado” como para um instrumento “aberto” à mudança;
 Costume Constitucional: sempre que uma prática reiterada e duradoura dos órgãos
constitucionais passa a ser geralmente considerada como regra que deve ser
seguida;
 Jurisprudência Constitucional: muitas vezes a “leitura” dominante das normas
constitucionais é a perfilhada pelos tribunais constitucionais, sem esquecer a
“jurisprudência criativa” de muitos tribunais constitucionais;
 Doutrina Constitucional: pode exercer uma influência relevante sobre a prática dos
operadores da Constituição e sobre a jurisprudência dos tribunais constitucionais.

 Divisões e Ramos:
 Constituição dos direitos fundamentais: consagra os direitos e liberdades dos
particulares perante o Estado (Parte I da CRP- Art.12º até Art.79º);
 Constituição económica e social: tem por objeto as normas constitucionais relativas
à esfera económica e social (Parte II da CRP- Art.80º até Art.107º);
 Constituição política: organização e funcionamento dos órgãos do Estado (Parte III
da CRP- Art.108º até Art.276º);
 Constituição garantística ou Justiça e o processo constitucional : regime da
fiscalização da constitucionalidade e processo nos tribunais constitucionais ou com
funções constitucionais (Parte IV da CRP- Art.277º até art.289º).
 Direito constitucional como direito público: Na dicotomia entre direito público e direito
privado, o DC pertence irrefutavelmente ao direito público, qualquer que seja o critério
utilizado para operar a distinção:
 Critério da natureza dos sujeitos, pois estão em causa, justamente, entidades e
órgãos eminentemente públicos;
 Critério dos interesses em jogo, visto que o DC visa, justamente, regular a esfera
pública e estão em causa os mais eminentes interesses públicos;
 Critério das naturezas das relações, pois trata-se de relações marcadas pelo poder e
autoridade pública em relação aos particulares (relações de autoridade e de
subordinação).

 Ciência do DC: A ciência do DC é o saber que tem por objeto, ou seja, é aquilo que os
constitucionalista fazem, designadamente o estudo dos princípios e normas
constitucionais, a sua interpretação, integração, sistematização e explicação. A ciência do
DC compreende, também, diversos ramos:
 Direito constitucional geral: estudo da constituição e da ordem constitucional, em
geral, sem considerar nenhuma constituição em especial;
 Direito constitucional comparado: estudo “transversal” das instituições
constitucionais dos diversos países ou “famílias” constitucionais, confrontando as
diferentes soluções em cada área;
 Direito constitucional nacional: estudo da constituição de cada país.

Capítulo 2

Constitucionalismo

 Origem: Surge com as revoluções norte-americanas (1776) e francesa (1789). Valores


essenciais do constitucionalismo originário são:
 A liberdade e autonomia individual face ao poder;
 Limitação da esfera de ação e do poder do Estado;
 Declaração de direitos individuais (bill of rights);
 Separação de poderes;
 Governo representativo;
 Princípio da legalidade (rule of law), pelo qual o Governo só poderia atuar com base
no respeito das leis do parlamento.

 “Estatuto” da coletividade política:


Constituição: conjunto de normas jurídicas que definem, regulam e limitam o poder
político e que eventualmente estabelece os princípios fundamentais da ordem jurídica.
Trata-se é de criar ou recriar juridicamente a coletividade política enquanto tal, conferir-
lhe consistência orgânica, estatuir os seus fins, enunciar as competências dos órgãos
políticos e regular o seu funcionamento, definir os direitos e deveres dos seus membros,
estabelecer os mecanismos de resolução de conflitos e de sanção das infrações à ordem
constitucional. A constituição cria o Estado, mas também regula e limita o poder
político.

 Constituição e lei constitucional: Há uma distinção entre constituição e lei constitucional.


Quanto à lei constitucional, é uma noção com três sentidos diferentes:
 Pode designar as leis de revisão constitucional;
 Pode designar as leis transitórias entre o fim de uma constituição e a elaboração de
uma nova constituição, como sucedeu com as leis constitucionais transitórias
aprovadas entre nós entre a revolução de 1974 e a Constituição de 1976;
 Pode designar as constituições provisórias até à elaboração da nova constituição.

 Vários sentidos da constituição: Historicamente, podem identificar-se três sentidos


distintos da noção de constituição:
 Pré-constitucionalismo: a noção de constituição designava as chamadas “leis
fundamentais”, ou seja, as regras, em geral não escritas, de natureza
essencialmente consuetudinária, que então regulavam o poder político. A noção de
constituição tem já a ver com a ideia de ordenamento básico do poder político, mas
faltava-lhe os traços essenciais do moderno conceito de constituição, ligado à
existência de uma lei escrita mais ou menos extensa, reguladora das atribuições dos
órgãos do poder político e do seu funcionamento, com o fim de o limitar, na base
da separação dos poderes de dos direitos individuais;
 Constitucionalismo liberal: iniciada com as revoluções norte-americana (1776) e
francesa (1789) está indissoluvelmente ligada ao nascimento das constituições
escritas, aprovadas em geral por assembleias representativas eleitas e destinadas a
fazer valer, contra o absolutismo, os princípios da separação dos poderes, da
limitação do poder político, das liberdades dos indivíduos. Neste segundo sentido, a
noção de constituição era uma noção de combate, ao serviço da luta contra o
absolutismo e a arbitrariedade do poder, em prol dos valores do Estado liberal
representativo e do Estado de direito, como garantia da liberdade, da propriedade
e da segurança individual;
 Constitucionalismo atual: a noção de Constituição adquiriu um significado
materialmente neutro, passando a designar a lei fundamental da ordem política do
Estado, qualquer que seja a sua natureza. “Estado constitucional” passou a ser o
Estado dotado de constituição, e não necessariamente o Estado constitucional
liberal, baseado na separação dos poderes e nos direitos e liberdades individuais.

 Constituição formal e constituição material: Na versão mais corrente, a distinção entre


constitucionalismo formal ou material tem a ver com o critério da “constitucionalidade”,
ou seja, daquilo que deve ser considerado dotado de valor constitucional:
 Em sentido formal, são constituição, todas as normas que integram a constituição
escrita, ou seja, a lei ou leis formalmente constitucionais. Esta só existe nos Estados
possuidores de uma constituição escrita, vertida numa lei ou conjunto de leis
dotadas de especial força jurídica. A constituição formal pode conter algumas
normas que não satisfazem os requisitos da materialidade constitucional, por não
possuírem suficiente relevância:
o Pela dificuldade em delimitar o que é e o que não é materialmente
constitucional;
o Porque isso significaria substituir o critério do intérprete à valoração que o
poder constituinte adotou ao aprovar a constituição “formal
o Porque, sob o ponto de vista jurídico, essa distinção não pode servir para
retirar valor juridicamente constitucional a alguma norma da constituição
formal, nem para conferir valor constitucional a normas extraconstitucionais,
por mais importantes que elas pareçam.
 Em sentido material, são constituição somente as normas que pela sua importância
merecem ser consideradas fundamentais, independentemente de estarem ou não
inseridas na constituição formal ou nas leis formalmente constitucionais. Esta existe
em qualquer Estado, mesmo que não possua constituição formal.

Nota-se que a distinção entre constituição material e constituição formal não se


confunde com uma outra, aparentada, entre a “constituição real” e a “constituição
jurídica”:

 “Constituição real”: é a que resulta da correlação dos poderes estabelecidos;


 “Constituição jurídica”: não passa de um “pedaço de papel”, que ou corresponde à
“constituição real” e sobrevive ou não corresponde e está condenada.

A constituição visa “dominar” e conformar a realidade constitucional, e não o contrário.


A força normativa da constituição não pode ceder perante uma suposta “força
normativa dos factos”.

 Características da constituição:

 Autolegitimidade: a constituição se valida a si mesma, pelo simples facto de ser o


que é, não dependendo a sua legitimidade de nenhum parâmetro jurídico exterior
ou superior a ela, ao contrário das normas do direito ordinário, infraconstitucional,
que justamente derivam a sua legitimidade da constituição;
 Supremacia: instância superior da ordem jurídica. Fonte de Direito colocada no
vértice da pirâmide normativa;
 Autogarantia: é a constituição que contém ela mesma os mecanismos que
garantem o seu cumprimento (mecanismos de fiscalização judicial da
constitucionalidade das leis e demais atos do poder).

 Constituição e democracia constitucional (das constituições democráticas para as


constituições autárticas): As constituições democráticas são, por definição, instrumentos
de regulação e disciplina da democracia. A democracia também é “constituída” pela
constituição, sendo por isso uma democracia constitucional. A democracia
constitucional rege-se pelo Estado de direito constitucional. É a constituição que define
os direitos políticos fundamentais, as formas de expressão política democrática, as
regras essenciais do regime eleitoral e do referendo, as normas de seleção e designação
dos titulares de cargos políticos. Se a democracia pluripartidária é caracterizada pela
“regra da maioria”, a democracia constitucional implica, por natureza, importantes
limitações à democracia maioritária. A democracia constitucional supõe poderes de veto
e checks and balances destinados a morigerar o poder das maiorias. A democracia
constitucional é tudo menos uma “ditadura da maioria”. A democracia constitucional é
uma democracia constitucionalmente regulada e constitucionalmente limitada.
Objeto e âmbito da constituição

 Expansão da cobertura constitucional: A constituição visava organizar e limitar


juridicamente o poder político, através da separação de poderes, e garantir a
propriedade e a liberdade dos particulares contra esse mesmo poder. Por isso, as
constituições eram em geral curtas e o seu âmbito limitava-se à organização do poder
político e ao bill of rights. Com o tempo as constituições foram alargando o seu espaço
normativo a outras áreas: aos direitos sociais (lato sensu) e à constituição económica.
Outro alargamento do espaço constitucional ficou a dever-se, no século XX, à inclusão de
mecanismos de fiscalização da constitucionalidade das leis e outros atos do Estado,
designadamente um tribunal constitucional. Hoje, uma constituição moderna inclui em
geral as seguintes áreas:
 Direitos fundamentais, incluindo direitos sociais;
 Princípios da ordem económica;
 Sistema normativo;
 Fiscalização da constitucionalidade e revisão da constituição.

 “Reserva de constituição” e “essência constitucional”: As constituições modernas variam


muito entre si, só existem três temas comuns à generalidade das constituições:
 A definição da coletividade política nacional e do Estado;
 A organização do poder político;
 O catálogo dos direitos fundamentais.

Se as constituições do século XIX se limitavam em geral à organização e funcionamento


do poder público e ao elenco dos direitos de liberdade fundamentais, como limite à
ação dos poderes públicos, já as constituições do século XX foram muito além desse
âmbito, incluindo nomeadamente a enunciação de direitos económicos, sociais e
culturais, que se traduzem em obrigações para o Estado, bem como princípios e normas
sobre a organização económica e social (“constituição económica”). O poder
constituinte goza de grande discricionariedade na definição do âmbito da constituição, o
qual, todavia obedece em medida variável ao ambiente político e ideológico dominante
em cada época.

Classificação das constituições

 Quanto à orientação política:


 Constituições liberais;
 Constituições autoritárias;
 Quanto à forma de legitimação e de expressão do poder político:
 Constituições democráticas: o poder é baseado na vontade popular expressa em
eleições;
 Constituições autocráticas: o poder político não tem essa origem;
 Quanto á sua influência efetiva:
 Constituições normativas: são aquelas cujas normas cumprem efetivamente o
seu papel de regular o poder e o seu funcionamento;
 Constituições nominais: são aquelas que, embora destinadas a ter força
normativa, não conseguiram ou deixaram de conseguir regular efetivamente o
processo político;
 Constituições semânticas: são, por assim dizer, constituições “fictícias”, desde o
início destinadas a servir de “cenário” de uma realidade constitucional bem
afastada do modelo constitucional
 Quanto à natureza e alcance jurídico dos seus princípios e normas:
 Constituições normativas ou garantísticas: têm por objetivo fundamental a
limitação do poder, com predomínio de normas de garantia de direitos e situações
estabelecidas;
 Constituições programáticas ou diretivas: estabelecem um plano de metas a atingir
pelo Estado, através de preceitos vocacionados a alcançar certos objetivos mais ou
menos longínquo, ou promover transformações políticas, económicas ou sociais.
Abundante em normas pragmáticas, que carecem da investigação do legislador;
 Quanto à forma de revisão:
 Constituições flexíveis: não exigem nenhum procedimento especial para a sua
alteração, podendo ser alteradas pelo processo legislativo ordinário;
 Constituições rígidas: maior rigidez na alteração do texto constitucional, com
clausulas pétreas;
 Constituições semirrígidas: estabelecem determinados limites à sua alteração;
 Quanto à natureza do sistema económico que elas instituem:
 Constituições capitalistas ou de economia de mercado;
 Constituições comunistas ou de “economias de direção central”;
 Quanto à origem:
 Constituições populares: elabora e aprovada por uma Assembleia Constituinte,
composta por representantes eleitos pelo povo;
 Constituições outorgadas: imposta pelo poder político, sem intervenção da
assembleia representativa (Carta constitucional 1826);
 Constituições pactuadas: deriva de um compromisso entre duas forças políticas
diferentes (Constituições de 1838).

Formação, modificação e fim das constituições

 Poder constituinte: é o poder de fazer uma nova constituição, que emite a constituição e
que assim que constitui juridicamente o Estado e os poderes públicos. É um poder
originário, pré-constitucional e em princípio ilimitado.
 Poder constituinte democrático: é exercido diretamente pelo povo (referendo) ou
pelos seus representantes (assembleia constituinte);
 Poder constituinte autocrático: é exercido diretamente pelos titulares do poder
político;

É essencial a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos:

 Poder constituinte: é um poder originário;


 Poderes derivados: são poderes derivados, criados pela constituição e subordinados
à constituição;
O próprio poder de revisão constitucional é um poder derivado, e não uma renovação
do poder constituinte, sendo previsto e regulado no próprio texto Constitucional.

 Procedimento constituinte:
 Fase pré-constituinte: decisões pré-constituintes formais:
oAcionamento do procedimento constituinte;
oEscolha do procedimento constituinte;
oAdoção de leis constitucionais transitórias;
 Fase constituinte: elaboração e aprovação da constituição, segundo um
determinado procedimento constituinte;
 Compromisso constituinte: a constituição resulta do debate deliberativo entre as
diversas forças políticas.
 Modificações das constituições: As constituições podem mudar de conteúdo de maneira
mais ou menos profunda, embora, mantendo a sua entidade sem serem substituídos
por outras. E podem mesmo ser substituídas por outras sem nova manifestação formal
do poder constituinte.
 Revisões constitucionais:
 Mutações constitucionais: induzidas pela mudança de interpretação e de aplicação
da constituição, pela falta ou défice de aplicação legislativa e jurisprudencial da
constituição. Operam de forma lenta e furtiva, por efeito de acumulação de
sucessivos elementos. São instrumentos informais de adaptação das constituições à
realidade constitucional;
 Transição ou metamorfose constitucional: ocorre por efeito da união de estados ou
de integração federal ou parafederal de estados. Podem, também, consistir na
mudança da natureza do regime político;
 Rutura Constitucional: a constituição é normalmente a mesma, mas deu-se uma
descontinuidade da legitimidade constitucional através da sua modificação por um
poder de revisão constitucional anómalo.
 Finalidades da revisão Constitucional:
 Atualizar a ordem constitucional, adequando-a à realidade constitucional;
 Interpretar a ordem constitucional, estabelecendo novos critérios de interpretação
em aspetos que tenham ficado por esclarecer e que, em muitos casos, só a prática
constitucional permite detetar;
 Completar a ordem constitucional, suprindo falhas e lacunas nas respetivas
disposições, para além de introduzir novos instrumentos.
 Limites na CRP da revisão constitucional:
 Limites orgânicos: atribuição do poder de revisão a certo órgão, em regime de
exclusividade dentro da partilha geral do poder legislativo pelos órgãos de
soberania (AR);
 Limites temporais: impedem o exercício do poder de revisão a qualquer momento,
obedecendo a certos limites de tempo;
 Limites formais: regras que introduzem particularidades em determinadas fases do
processo de revisão constitucional (maiorias agravadas);
 Limites circunstanciais: regras que vedam a expressão do poder de revisão
constitucional na vigência de situações de exceção constitucional, assim
defendendo a verdade e o livre consentimento da vontade de mudar a Constituição
(estado sítio ou emergência);
 Limites materiais: afastam do poder de revisão um conjunto de matérias, valores,
princípios ou institutos que integram o núcleo essencial do texto constitucional,
pondo em causa a identidade constitucional.
 Cláusulas pétreas: limites materiais de revisão constitucional (288º), ou seja, matéria
não suscetível de alteração em sede de revisão constitucional, por serem elementos
fundamentais da identidade constitucional.
 Fim das constituições: As constituições não têm vocação de vigência eterna. Guerras,
revoluções e golpes de Estado, cisões e fusões de Estados, autodeterminação e
secessão de Estados, provocam interrupções mais ou menos frequentes da
continuidade constitucional, exigindo nova manifestação de poder constituinte.
Desde o início da era constitucional, há mais de duzentos anos, as mudanças
constitucionais têm-se feito por vagas, acompanhando a história política. A
consolidação democrática em muitos países diminui o grau de rotatividade
constitucional, aumentando a longevidade média das constituições vigentes. E o
triunfo global do constitucionalismo liberal-democrático, assente sobre a
democracia representativa, os direitos fundamentais e a separação de poderes
tornam as constituições mais homogéneas, mais comparáveis e também mais
estáveis, por beneficiarem da sua legitimidade democrática.

Capítulo 3

A constituição como “lei fundamental” ou “lei básica”

 Força normativa da constituição: A ideia da constituição como um simples concentrado


de princípios políticos, cuja eficácia era a de simples diretivas que o legislador ia
concretizando de forma mais ou menos discricionária. A força normativa da Constituição
está, indissoluvelmente, ligada ao princípio da supremacia. O reconhecimento da força
normativa da Constituição supõe, antes de mais, a revogação de todas as disposições
infraconstitucionais que contradigam a lei fundamental.
 Preeminência normativa: A constituição é, por definição, a lei fundamental do Estado, a
lei superior do Estado, que vincula todos os seus órgãos (lei suprema do país). Ela deve
ser respeitada desde logo pelos poderes públicos, não podendo ser contrariada pelas
leis e medidas infraconstitucionais. A primeira regra de um Estado de direito
constitucional é o princípio da constitucionalidade. A constituição compreende
essencialmente duas partes distintas:
 Constituição organizatória e procedimental: trata-se do estatuto organizatório dos
poderes políticos;
 Constituição material ou substantiva: trata-se dos princípios e normas que regem as
atribuições do Estado e demais coletividades territoriais públicas, as relações com a
sociedade e com os cidadãos, a organização económica e os recursos financeiros.

A constituição constitui a norma suprema dos poderes públicos, que a têm de observar
na sua organização e funcionamento e que a têm de imprimir e implementar na sua
ação, sob pena de ilegitimidade constitucional (inconstitucionalidade).
A constituição é a norma fundamental da ordem jurídica, ou lei suprema, num duplo
sentido:

 Na medida em que todas as demais normas, nomeadamente as constantes das leis


ordinárias, são normas infraconstitucionais, estando por isso mesmo subordinadas
à constituição;
 Porque a constituição não se encontra, em princípio, subordinada a qualquer outra
norma.

Daí resulta o princípio da constitucionalidade (supremacia da constituição), segundo o


qual nenhum direito infraconstitucional pode infringir a constituição, sob pena de
inconstitucionalidade. São criados mecanismos para aferir da conformidade de atuação
dos poderes públicos com a Constituição: fiscalização da constitucionalidade.

A preeminência normativa da Constituição não se compadece, desde logo, com a ideia


de nulidade originária de qualquer das suas normas. A principal manifestação da
preeminência normativa da Constituição consiste em que toda a ordem jurídica deve ser
lida à luz dela e passada pelo seu crivo, de modo a eliminar as normas que se não
conformem com ela. São três as componentes principais desta preeminência normativa
da constituição:

 Todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas no sentido mais


concordante com a constituição (princípio da interpretação conforme à
constituição);
 As normas de direito ordinário desconformes com a constituição são inválidas, não
podendo ser aplicadas pelos tribunais e devendo ser anuladas pelo Tribunal
Constitucional;
 Salvo quando não exequíveis por si mesmas, as normas constitucionais aplicam-se
diretamente, mesmo sem lei intermediária, ou contra ela e no lugar dela.
 Normas, princípios e diretrizes políticas: Os preceitos constitucionais, assim como os
preceitos legislativos, não têm o mesmo alcance jurídico. Importa distinguir as principais
espécies:
 Normas e princípios:
oAs normas são regras de conduta, autorizando, impondo ou proibindo certos
comportamentos. Conferem direitos ou faculdades e impõem obrigações aos
seus destinatários;
o Os princípios não são regras de conduta, mas são linhas informadoras da
ordem constitucional, dando-lhe sentido e consistência. Têm por destinatário
normalmente o próprio legislador ou outros titulares do poder público. Os
princípios possuem menor densidade normativa, não criando diretamente
direitos e obrigações. Os princípios deixam uma maior margem de liberdade
de decisão ao legislador do que as normas, conferindo também maior
margem de apreciação dos tribunais constitucionais na verificação da
conformidade da ação do Estado com os princípios constitucionais. Os
princípios têm uma forte presença no moderno direito constitucional.
 Normas proibitivas e normas impositivas:
oNormas proibitivas: vedam uma determinada conduta, como por exemplo
as normas que impedem a violação dos direitos fundamentais;
oNormas impositivas: impõem uma determinada conduta. Tipicamente
podem revestir três modalidades:
 Normas que visam a realização dos direitos económicos, sociais e
culturais, que implicam obrigações de prestação;
 Normas que visam a criação de novos institutos ou de novas instituições
do poder público;
 Normas que definem simples diretrizes políticas, que definem
orientações e objetivos das políticas públicas;
Figura da inconstitucionalidade por omissão constitui o meio apropriado para
fiscalizar o cumprimento das normas impositivas e das diretrizes políticas,
ainda quase as segundas sejam mais “fracas” do que as primeiras.

 Normas auto exequíveis e normas não exequíveis por si mesmas:


oNormas auto exequíveis: normas que carecem de execução ou
implementação legislativa, ficando por isso “inativas” no caso de omissão
legislativa. As normas proibitivas e as normas que reconhecem e garantem as
liberdades individuais são em geral auto exequíveis e podem ser feitas
cumprir pelos tribunais;
oNormas exequíveis por si mesmas: normas que não necessitam de
implementação legislativa. As normas “positivas” podem ser exequíveis por si
mesma e podem ser feitas executar diretamente pelos tribunais, se as tarefas
nelas exigidas forem suficientemente determináveis por via de interpretação.

 Consequências da supremacia da Constituição: A principal consequência da


supraordenação da constituição é a ilegitimidade jurídica das normas ou ações
infraconstitucionais contrárias à constituição. Há “normas imperfeitas”, cuja infração
não dá lugar a nenhuma sanção. Embora juridicamente vinculativas são, porém,
desprovidas de mecanismos sancionatórios para a seu incumprimento. A norma é
expurgada do ordenamento jurídico, deixando de poder ser aplicada na causa em que a
questão foi suscitada e pelos tribunais em geral daí em diante. A fiscalização da
constitucionalidade tem por objeto somente as normas, não os atos sem natureza
normativa. Existem os seguintes sistemas de fiscalização da constitucionalidade:
 Sistema norte-americano: Embora sem serem expurgadas da ordem jurídica, as
normas inconstitucionais não se impõem aos tribunais quando estes são chamados
a julgar questões em que elas sejam aplicáveis. Estamos perante uma fiscalização
judicial concreta, incidental e difusa da constitucionalidade;
 Sistema austríaco: Embora os tribunais ordinários não possam recusar a aplicação
de uma norma por motivo da inconstitucionalidade, podem porém suspender a
causa principal e suscitar a questão de constitucionalidade junto do TC, a quem
incumbe decidir a questão, com força obrigatória geral (e não somente em relação
à questão em que foi suscitada a questão de constitucionalidade). Com isso, a
norma é expurgada do ordenamento jurídico, deixando de poder ser aplicada pelos
tribunais. Estamos perante uma fiscalização judicial abstrata e concentrada da
constitucionalidade;
 Sistema misto (caso português): Os tribunais não podem aplicar normas que
infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados nos feitos
submetidos a julgamento (Art.204º). Estamos perante uma fiscalização judicial
preventiva (Art.278º) e sucessiva (Art.281º). Uma vez que a fiscalização da
constitucionalidade tem por objeto somente as normas jurídicas, existem lacunas
no nosso sistema:
oEm relação a decisões políticas concretas, v. g., no sistema da CRP não é
suscetível de fiscalização de constitucionalidade a maior parte dos atos do
Presidente da República, como a dissolução do parlamento, a nomeação ou
demissão do Governo, etc.;
oEm relação a um mecanismo de acesso direto dos privados ao TC, em defesa
dos direitos fundamentais (recurso de amparo).

 Integração Europeia e obrigações internacionais: A integração europeia e a emergência


de uma ordem constitucional europeia de tipo federal põem em questão a supremacia
das constituições na ordem interna dos Estados-membros da União Europeia. Na
interpretação do Tribunal de Justiça da UE, a ordem constitucional europeia autodefine-
se em termos de primazia sobre a ordem constitucional dos Estados-membros. Desta
forma, verifica-se, muitas vezes, um conflito entre a constituição e o direito da EU,
denominado conflito de obediência do Estado. Mesmo que Portugal continue a ser
“dono da sua constituição”, a integração europeia traduz-se numa real limitação da
liberdade de conformação constitucional. Portugal, para evitar eventual ação de
incumprimento tem, a título preventivo, feito revisões constitucionais adaptadoras do
texto constitucional.

 Constituição nacional e “direito constitucional internacional”: kesugfkzsj

 “Normas constitucionais inconstitucionais”: Deve rejeitar-se por definição a ideia de


normas constitucionais inconstitucionais, por motivo de contradição de uma norma
constitucional com princípios básicos da própria Constituição. As exceções e
derrogações são tão constitucionais e tão vinculantes como os princípios excecionados
ou derrogados. De incompatibilidade de normas constitucionais com normas e com os
princípios gerais de direito internacional geral ou comum, que formam por assim dizer a
“constituição internacional ou transnacional”. Quanto às demais normas e princípios de
direito internacional geral, ou seja, normas consuetudinárias e princípios gerais de
direito internacional, o mínimo que se pode exigir é a interpretação da constituição em
conformidade com os mesmos, de modo a reduzir a possibilidade de incongruências
entre a ordem constitucional interna e a “ordem constitucional global”.

Constitucionalismo em vários níveis:


 Constitucionalismo federal: Ao sobrepor a constituição federal às constituições
estaduais, a Constituição dos Estados Unidos criou um fenómeno de pluralismo
constitucional vertical, ou seja, de dois níveis de constitucionalidade: o nível federal e o
nível estadual, cada um deles com a sua própria constituição. Por outro lado, o
constitucionalismo federal coloca também o problema de supraordenação de
constituições, visto que as constituições das unidades federadas devem respeitar
necessariamente a constituição federal. As duas principais questões do
constitucionalismo federal são:
 A repartição de tarefas entre os dois níveis de governo (lato sensu);
 O modo de intervenção dos estados federados na federação, que tem lugar desse
logo através de uma câmara federal representativa das unidades federadas.

 Constitucionalismo supranacional: Um fenómeno novo de “constitucionalismo em vários


níveis” com semelhanças com o constitucionalismo federal tem a ver com a leitura da
integração europeia em termos federais e constitucionais, que coabita com a
subsistência da identidade constitucional e da soberania dos Estados-membros, visto
que aí as constituições nacionais se manterão como expressão da respetiva soberania
nacional. Embora a União Europeia não seja um Estado nem uma federação de Estados,
ela apresenta alguns inequívocos traços estatais e federais:
 Traços estatais:
oAtribuições próprias;
oPoderes legislativos, executivo e judicial;
oMoeda própria;
oPertença a organizações internacionais;
 Traços federais:
oDivisão vertical de atribuições entre a União e os Estados-membros;
oEfeito direto e a supremacia do direito da União na ordem interna dos
Estados-membros;
oCodecisão legislativa de tipo federal, com a intervenção de dois órgãos
legislativos, ou seja, o Parlamento Europeu, que representa os povos da
União, e o Conselho, que representa os Estados-membros.

 Constitucionalismo multinível e soberania nacional: A constituição surge intimamente


ligada à ideia do Estado soberano, como expressão da autodeterminação nacional.
Estava-se em plena afirmação da ideia “vestefaliana” do Estado, consumada um século
antes no final da Guerra dos Trinta Anos, terminada em 1648. A Constituição era
concebida mesmo como a primeira e mais importante expressão da soberania nacional.
É evidente que o “constitucionalismo europeu” vem afastar esse entendimento do
Estado constitucional, na medida em que a própria ideia de “constituição europeia” só
pode ser concebível à custa da transferência de poderes soberanos dos Estados-
membros para a União. Por isso, o “constitucionalismo multinível” supõe uma limitação
da soberania do Estado constitucional nacional. Ao contrário do federalismo
propriamente dito, o “federalismo supranacional” não supõe a supressão da soberania
dos Estados integrados.

Constituição e vinculação internacional do Estados: Um princípio geral do Direito


internacional é o de que os Estados não podem invocar o seu direito interno para justificarem
o incumprimento das suas obrigações internacionais, incorrendo na mesma em
responsabilidade internacional. Os tratados internacionais preveem instituições
independentes de apuramento de responsabilidade e de punição do incumprimento das
obrigações internacionais. As convenções internacionais preveem instâncias de resolução de
litígios entre as partes, nomeadamente de tipo arbitral, incluindo o poder de atribuir
indemnizações pelos danos causados. As constituições perderam o monopólio na definição e
efetivação de obrigações dos Estados.

Interpretação e integração da Constituição:


 Princípios gerais da interpretação: A interpretação jurídica é o processo que incide sobre
um enunciado linguístico, tendo como objetivo identificar a (s) norma (s) ou princípio (s)
nele contidos e definir o sentido e alcance de uma (s) e outro (s). É a atividade
intelectual que procura retirar de uma fonte do Direito o sentido normativo que permita
resolver um caso que reclama uma solução jurídica. Trata-se de uma tarefa
indispensável.

Interpretação Constitucional Interpretação conforme a Constituição


Interpretação de fonte constitucional Interpretação de fonte infraconstitucional
O sentido normativo constitucional é O sentido normativo constitucional é um
um elemento fundamental elemento auxiliar
Não suscetível de inconstitucionalidade Suscetível de uma inconstitucionalidade
São as seguintes as regras de interpretação constitucional:

 Interpretação objetiva: o intérprete da constituição deve adotar uma perspetiva


objetivista, sendo de relevo secundário, nas questões de interpretação
constitucional, a utilização dos materiais históricos eventualmente reveladores do
“espírito do legislador” e da vontade real ou hipotética do legislador constituinte
histórico;
 Interpretação intrínseca: Se se procura o sentido objetivo da constituição, é natural
que as conexões de sentido se busquem dentro dela e não fora dela, através do
recurso a um sistema ou ordem extranormativa. Salvo autorização expressa na
Constituição;
 Interpretação sistemática: um preceito constitucional não deve ser considerado
isoladamente e interpretado apenas a partir dele próprio. Deve ter-se em conta o
sistema ou conteúdo global da Constituição, que permite conferir relevo aos
princípios jurídicos e políticos fundamentais da Constituição;
 Inadmissibilidade de interpretação autêntica: Na interpretação constitucional está
vedada a “interpretação autêntica” pelo legislador ordinário. De “interpretação
autêntica” da Constituição só poderá falar-se quando, em sede de revisão
constitucional, se procura precisar o sentido duvidoso de certa norma (o que
frequentemente ocorre);
 Exclusão de interpretação conforme as leis: A inadmissibilidade da interpretação
autêntica tem subjacente o mesmo fundamento que conduz à exclusão da
interpretação conforme às leis. As leis devem ser interpretadas de acordo com as
normas superiores da constituição, e não o inverso. A interpretação constitucional
deve ser uma interpretação “conforme à constituição” e não conforme ao
legislador;
 Princípio da relevância e do sentido útil das normas constitucionais: As disposições
constitucionais não podem ser interpretadas de modo a anular todo e qualquer
efeito normativo. Este pode ser denso ou vago, forte ou fraco, o que não pode ser é
inexistente;
 Padrões de interpretação exteriores à constituição: respeito pelos parâmetros
externos, nomeadamente o ius cogens internacional:
oInterpretação em matéria de direitos fundamentais de acordo com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Art.16º/2);
oInterpretação de acordo com os princípios gerais de Direito internacional,
considerados parte integrante da ordem interna (Art.8º/1).

 Interpretação e espaço semântico dos conceitos constitucionais na CRP: Alguns dos


problemas fundamentais que a interpretação e concretização da lei constitucional têm
suscitado dizem respeito à determinação do âmbito conceitual das “normas vagas” ou
dos “conceitos relativamente indeterminados”:
 Conceitos constitucionais autónomos: são conceitos que a Constituição define,
conceitos tipicamente constitucionais, conceitos que ganham na lei fundamental
uma primeira e decisiva caracterização, conceitos que, embora sendo objeto de
regulamentação legal, têm de ser caracterizados a partir da Constituição. A
“autonomia” dos conceitos impede a “usurpação” do sentido constitucional pelos
aplicadores da constituição;
 Conceitos pré-constitucionais: a análise do sentido dos conceitos pré-
constitucionais, que foram recebidos no texto da Constituição, conduz a duas
hipóteses fundamentais:
oA Constituição ”recebeu“ esses conceitos com o sentido que lhes era dado na
ordem jurídica interna anterior ou em convenções internacionais;
oA CRP ”transformou“ o espaço semântico (significado, sentido) dos conceitos
pré-constitucionais;
 Conceitos polissémicos: trata-se de conceitos utilizados em sentidos diversos no
texto constitucional. Não são necessariamente conceitos indeterminados, a tarefa
primordial do intérprete da Constituição consiste em precisar o sentido com que
esses conceitos são utilizados nos vários preceitos da CRP. Perante cada utilização
de um conceito polissémico haverá que analisar cuidadosamente qual o sentido
que lhe cabe nessa circunstância;
 Conceitos relativamente indeterminados: a experiência constitucional (legislativa e
jurisprudencial) tem demonstrado que a “erosão” da força normativa da
Constituição resulta, fundamentalmente, de não se proceder, quanto aos conceitos
deste género, a um aprofundamento jurídico-constitucional daquilo que hoje se
designa por “candidatos neutrais”. Os “conceitos vagos” são, de qualquer modo,
conceitos com um certo espaço semântico-constitucional, preenchido logo no
momento constituinte. É metodicamente insustentável a ideia de que estes
conceitos indeterminados são conceitos vazios, sem qualquer conteúdo, na
completa disponibilidade do legislador e de outros órgãos concretizadores da
Constituição.
 Conceitos de origem extrajurídica: A Constituição está pejada de termos ou
expressões oriundos de espaços semânticos extrajurídicos, seja de determinados
domínios técnicos do saber, seja da terminologia corrente. Aqui surgem duas
questões:
oSaber se a Constituição recebeu esses termos com o sentido que tinham no
espaço semântico de onde provêm, ou se há que os qualificar à luz do
ordenamento constitucional;
oNo caso de discrepância entre o significado técnico de um conceito e o seu
sentido na linguagem corrente, saber se a Constituição optou por um ou por
outro;
 Conjuntos normativos extrajurídicos: caso particular é o que ocorre quando a
norma constitucional remete para fontes normativas extrajurídica. Dá-se uma
espécie de receção constitucional desses princípios, os quais adquirem valor
jurídico-constitucional, com o preciso sentido e alcance que possuem na doutrina
cooperativista e com as modificações que aí vierem a sofrer.

 Interpretação, unidade da Constituição e “Concordância prática”: Um outro princípio


importante para interpretação constitucional é o princípio da unidade da constituição.
Este significa que ela deve ser interpretada de forma a evitar contradições e antinomias
entre normas. Pode haver normas especiais ou exceções face a regras gerais, o que não
pode haver é incompatibilidade entre duas normas constitucionais. Em caso de conflito
de normas ou princípios constitucionais, há que proceder à respetiva harmonização.

 Integração constitucional: A constituição pode apresentar lacunas. As lacunas se


distinguem da reserva de lei de execução, pois neste último caso é a constituição, ela
mesma, que pretende deixar ao legislador a concretização da disciplina jurídica de certas
relações. Lacuna constitucional existe apenas quando certo problema, que deveria ter
solução constitucional, a não tem explícita na constituição. Deve também distinguir-se
rigorosamente a lacuna autêntica da lacuna aparente, pois neste último caso o
problema, à primeira vista sem solução constitucional, está afinal diretamente resolvido
algures na Constituição. Se estiver em face de uma verdadeira lacuna, a força normativa
da constituição impõe que seja a partir dos critérios e das soluções acolhidas nela
própria que se integram os problemas lacunosos, seja mediante recurso à analogia, seja
por apelo aos princípios gerais que possam ser relevantes para o caso.

Capítulo 4

História Constitucional Comparada:

 Reino Unido: Uma das principais características do constitucionalismo britânico é a falta


de uma constituição escrita, tendo uma constituição histórica não codificada. A maior
parte das regras sobre a organização do poder político é de origem consuetudinária, já
outras têm a forma de legislação comum. Não existe um texto único dotado de
supremacia normativa que constitua a lei fundamental da organização política e social,
como acontece noutros países. Trata-se de uma constituição flexível, já que as
alterações constitucionais podem ser feitas a todo o tempo através de leis do
Parlamento, que não têm de seguir um procedimento legislativo específico.
Em 1215, surgiu a Magna Carta, que tem sido considerada um dos mais remotos
antepassados do habes corpus.
O Reino Unido é uma monarquia constitucional e uma democracia parlamentar (sistema
de governo parlamentar e um sistema eleitoral maioritário que favorece a alternância
entre dois grandes partidos políticos).
As principais instituições atualmente existentes são as mesmas que constituem a
estrutura política da Grã-Bretanha desde a Idade Média: a Coroa, a Câmara dos Lordes e
a Câmara dos Comuns, que em conjunto formam o Parlamento. As grandes novidades
foram a criação do governo (cabinet) a partir do séc. XVIII e o aumento de poderes da
Câmara dos Comuns à custa da Câmara dos Lordes.

Instituição Composição Principais Funções


Rei  Representação;
 Sanção das leis votadas no
Coroa parlamento;
 Nomeação do governo que resulta da
maioria da Câmara dos Comuns.
 Preside o Lord Chanceler (membro (Função legislativa)
do Governo) • Direito de veto ou de emenda dos
 Pares “temporais” (titulares de projetos legislativos da C. Comuns
títulos nobiliárquicos) (superável por esta)
 “Lordes judiciais” (juízes supremos);  Discussão de propostas e projetos de
Câmara dos Lordes
 Lordes espirituais (arcebispos e lei relativos a matéria judicia
bispos da igreja anglicana) (Função judicial)
 Supremo Tribunal de Apelação do
Reino Unido

 630 membros eleitos (members of (Função legislativa principal)


Parliament).  Direito de “passar” leis mesmo contra
 Funciona em comissões (committees) e voto dos Lordes (e, na prática, não
Câmara dos Comuns em sessão plenária (preside o speaker) sujeita a recusa de sanção régia).
 Controlo político do Governo

 Primeiro-ministro  Direção política.


 Gabinete  Função legislativa por delegação da
 Ministers not Câmara dos Comuns (delegated
Governo legislation).
 Direção de departamentos
administrativos.

 Estados Unidos da América: A constituição de 1787 foi aprovada da Convenção de


Filadélfia, sendo a primeira constituição da república federal. De importância
fundamental para o constitucionalismo norte-americano são a influência britânica
(separação de poderes, rule of law), a Declaração de Independência (1776), as
constituições dos estados federados, nomeadamente a Declaração de direitos de
Virgínia (1776), que foi fonte direta da futura declaração de direitos de 1791 (aí se
proclama que “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e
têm direitos naturais.”), bem como as declarações de direitos dos demais Estados
fundados da União.
A constituição dos Estados Unidos é um dos mais curtos textos constitucionais
existentes e é reputada como um dos mais bem escritos. Dois fatores encarregaram-se
de conferir à constituição a necessária maleabilidade:
 As numerosas revisões constitucionais;
 A jurisprudência criativa do Supremo Tribunal;
Os aditamentos têm alterado ou completado o texto Constitucional sobretudo em
matérias de direitos fundamentais, mas não só. Os primeiros dez foram aprovados logo
em 1791 e constituem uma Declaração de Direitos (Bill of Rights) complementar da
constituição.
São ainda fontes do direito constitucional americano:
 Costume (apesar de este ter menos relevo aqui do que no sistema constitucional
britânico);
 Prática dos Presidentes, que tem tido influência na forma de interpretar alguns
preceitos da Constituição;
 Algumas leis ordinárias que contêm princípios considerados tão importantes como
a Constituição;
 Constituições dos estados federados;
O Constitucionalismo norte-americano tem como características principais:
 Federalismo: À Federação são reconhecidos todos os poderes de que necessite para
realizar as atribuições previstas na Constituição. Os Estados federados participam
no exercício do poder político central (através do Senado) e na aprovação de
emendas à Constituição (têm de ser aprovadas por maioria de 2/3 dos membros
das duas câmaras e ratificados por ¾ dos Estados federados). Este é composto por
duas câmaras (bicamaral):
oCâmara dos representantes: formada pelos representantes eleitos pelos
cidadãos eleitores ao nível de cada Estado federado, com um mandato de 2
anos (representação do povo da União, sendo o número de representantes
proporcional à população de cada Estado);
oSenado: para o qual cada Estado elege dois senadores (independentemente
da sua maior ou menor dimensão geográfica) por um mandato de 6 anos.

 Republicanismo: Os Estados Unidos são a primeira república da época moderna,


por contraposição às monarquias que davam forma às democracias liberais
europeias. O chefe de Estado é o Presidente, que ocupa o cargo em virtude de um
ato eleitoral. Negam-se os privilégios decorrentes do nascimento. Renovação
periódica dos titulares de cargos políticos;
 Presidencialismo: O Presidente é simultaneamente chefe de Estado e chefe de
Governo, dirigindo a execução do programa político por ele definido. O poder
legislativo foi atribuído ao Congresso. Estes dois órgãos de soberania são
independentes entre si (o Presidente não responde politicamente perante o
Congresso, nem este pode ser dissolvido pelo Presidente), mas criaram-se
mecanismos de interdependência funcional, ou seja, o Presidente possui direito de
veto das leis aprovadas pelo Congresso (veto superável por maioria de 2/3), tal
como vários atos do Presidente têm de ser confirmados pelo Congresso (por
exemplo, nomeações para altos cargos e assinatura de tratados internacionais), que
possui igualmente o poder de fazer cessar o mandato do Presidente em caso de
crimes ou outras infrações (impeachment), assumindo o Senado funções judiciais
para esse efeito.
 Judicial review: designa o poder de controlo dos tribunais sobre a validade
constitucional da legislação, impedindo a aplicação das disposições legais que
contradigam as normas e os princípios constitucionais (fiscalização da
constitucionalidade pelos órgãos judiciais). Nenhuma norma da Constituição
consagra a judicial review. Fiscalização da constitucionalidade difusa e por via
incidental. A primeira decisão que pôs em prática a judicial review foi a decisão
proferida pelo Supremo Tribunal no caso Marbury versus Madison em 1803.
Afirmou-se que sendo a Constituição a lei superior da nação (artigo VI da
Constituição) e competindo aos tribunais aplicar a lei, quando as leis dos Estados
federados ou do Congresso não estiverem de acordo com a Constituição devem ser
declaradas inválidas pelos tribunais, tudo se passando como se nunca tivessem
existido.

 França: O constitucionalismo francês apresenta contornos bem distintos do britânico e


do norte-americano. A desconfiança relativamente à tradição, por influência do
iluminismo, e a sua origem revolucionária são dois dos fatores que justificam as
diferenças. O racionalismo levou à procura das regras que fossem mais adequadas em
abstrato à ordenação da sociedade política, o que conduziu à sucessão de textos
constitucionais.
Ao fim de sucessivas constituições, havia a necessidade de superar a instabilidade
governativa e parlamentar, conduzindo ao surgimento da Constituição que vigora
atualmente, aprovada por plebiscito em setembro de 1958 sob proposta do Chefe de
governo. Esta constituição apresenta notáveis originalidades:
 Estado Unitário: a França é constitucionalmente uma “República una e indivisível”,
sendo inicialmente um Estado unitário fortemente centralizado. A França só muito
tarde aceitou fenómenos de descentralização política através da criação de regiões,
dotadas de limitada autonomia;
 Sistema de governo semipresidencialista: Conjuga elementos do sistema de
governo parlamentar e do presidencial. O Presidente da República compartilha do
poder executivo junto com o governo, entre as funções governativas própria do
Presidente conta-se normalmente a condução da política externa e de defesa.
Dupla responsabilidade política do governo ou do primeiro-ministro (perante o
parlamento e perante o PR). O Governo depende da confiança do PR, que o pode
demitir ou fazer demitir, e não somente do parlamento, que também o pode
demitir por via de moção de censura. A Constituição confere ao Presidente da
República o poder de presidir ao Conselho de Ministros. Existe uma reserva
presidencial em matéria de política externa. O Governo entrar em funções apenas
com a nomeação presidencial, sem necessidade de investidura parlamentar.
 Sistema eleitoral maioritário de duas voltas: dada a multiplicidade de partidos em
França, a segunda volta é a norma, obrigando os partidos a celebrar coligações para
congregar o maior número possível de votos, o que acaba por proporcionar a
formação de dois grandes blocos à esquerda e à direita, que têm partilhado o
poder;
 Fiscalização limitada da constitucionalidade das leis: uma das características
tradicionais do constitucionalismo francês é a ausência do controlo judicial da
constitucionalidade das leis, consequência da supremacia reconhecida ao poder
legislativo. Só o Parlamento teria poder para avaliar essa conformidade, o que
originou um sistema de autocontrolo. Com a revisão constitucional de 2008, que
introduziu a “questão prioritária de constitucionalidade”, os tribunais comuns,
nomeadamente o Tribunal de Cassação e o Conselho de Estado.

 Alemanha: A Constituição 1871, a Constituição de Weimar (1919) e a Constituição de


Bona ou Lei Fundamental de 1949 são algumas das constituições vigoradas na
Alemanha ao longo do tempo. Com a queda do muro de Berlim em 1989, e o
consequente fim da RDA, o regime da República Federal estendeu-se aos cinco Länder
que correspondiam à República Democrática, pondo fim ao sistema constitucional do
regime marxista-leninista aí vigente. A Constituição de Bona foi então modificada,
passando a vigorar na Alemanha reunificada (transição constitucional). Alguns traços
da lei fundamental de Bona são:
 Estado federal;
 Direitos fundamentais: a Constituição criou regras específicas para a restrição de
direitos fundamentais, determinando que a restrição só poder ser feita por lei geral
e abstrata, na estrita medida necessária (princípio da proporcionalidade) e não
pode afetar o núcleo essencial do direito em causa;
 A Constituição consagrou um sistema de governo parlamentar. O Parlamento é
composto por duas câmaras: o Bundestag, órgão representativo do povo, cujos
membros são eleitos por sufrágio universal segundo o sistema de “representação
proporcional personalizada”;e o Bundesrat (Conselho Federal), onde têm assento
os representantes dos Länder.
 Fiscalização da constitucionalidade:
oControlo por via incidental (controlo concreto: o juiz de um caso concreto
submete ao Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade de
uma norma, suspendendo-se o processo até à decisão deste Tribunal).
oControlo por via principal (controlo abstrato), posteriormente à entrada em
vigor dos atos objeto de controlo (controlo sucessivo).
oO controlo preventivo da constitucionalidade incide apenas sobre leis que
aprovam tratados internacionais.
 Recurso de constitucionalidade: O sistema alemão consagrou também o recurso
direto de constitucionalidade (Verfassungsbeschwerde), nos termos do qual
qualquer cidadão ou pessoa coletiva privada pode interpor recurso de anulação
junto do Tribunal Constitucional dos atos jurídicos dos poderes públicos (leis,
regulamentos, atos administrativos e decisões jurisdicionais) que violem os seus
direitos fundamentais.

 Espanha: As instituições políticas espanholas oscilaram então entre regimes


monárquicos marcados por diferentes tendências, apenas interrompidos por uma curta
república entre 1873 e 1875. As razões desta instabilidade constitucional prendem-se
com a ausência de uma classe social sobre a qual se pudesse apoiar o movimento
constitucional liberal, aliada à ausência de um Estado forte. Ao fim de várias
constituições executaram a constituição de 1978. Esta revela influências da Constituição
da II República espanhola, da Constituição italiana de 1947, da Lei fundamental alemã
de 1949 e da Constituição portuguesa de 1976. A Constituição consagra um regime de
monarquia constitucional democrática:
 Reconhecimento das comunidades autónomas, com autonomia político-
administrativa;
 Sistema de governo parlamentar, sendo o governo chefiado por um “presidente do
governo”;
 Parlamento bicameral, com Senado e Congresso dos Deputados;
 Sistema de fiscalização da constitucionalidade a cargo de um Tribunal
Constitucional;
 Reconhecimento do “recurso de amparo”;
Um dos traços mais marcantes da Constituição de 1978 é a sua estabilidade: só foi
objeto de uma pequena revisão.

 Brasil: O Brasil revelou uma notável estabilidade constitucional durante quase todo o
séc. XIX, sob monarquia constitucional. No entanto, nos cem anos seguintes à
implantação da República (1889) até à atual Constituição (1988), teve 5 constituições. Os
principais traços da Constituição de 1988 são:
 Estado federal, com 26 estados federados. Os municípios são considerados
unidades federadas e não formas d descentralização dos estados federados;
 Amplo bill rights;
 República presidencialista, com eleição direta do Presidente da República por
maioria absoluta;
 Duas câmaras federais: a Câmara dos Deputados, em representação dos cidadãos
da União, e o Senado, em representação igualitária dos estados federados;
 Sistema eleitoral proporcional na eleição do Congresso;
 Forte independência do poder judicial;
 Sistema misto de fiscalização da constitucionalidade.

 PALOPs: Todos os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOPs) passaram por
dois regimes constitucionais muito distintos.
 As constituições pós-coloniais de “democracia popular”: O primeiro período
constitucional foi caraterizado por regimes de partido oficial único. Os principais
traços comuns desse período constitucional:
oPrincípio da unidade do poder;
oPapel dirigente do partido oficial identificado com o movimento de libertação
do país;
oAbundância de fórmulas ideológicos de cariz marxista-leninista;
oColetivização das terras e nacionalizações generalizadas - Preferência pelos
direitos económicos, socias e culturais e restrição acentuada das liberdades
públicas e repressão das dissidências ou da oposição.
 A transição democrática e consagração do Estado de direito democrático : O
segundo período constitucional inicia-se no princípio dos anos 90 do século passado
e é caracterizado pela liberalização política e económica e pela transição para
regimes de democracia pluripartidária. A transição constitucional implicou a
substituição da “democracia popular” pela democracia representativa, da unidade e
concentração do poder pela separação de poderes, do sistema de partido oficial
pelo pluralismo partidário, da repressão das liberdades pelo seu reconhecimento,
da economia coletivista pela economia de mercado.
 A terceira geração de constituições: transição democrática do início dos anos 90 do
século passado foi efetuada por meio de revisões parciais das constituições
originárias e conduzida pelos partidos oficiais no poder. Sentiu-se a necessidade de
substituir integralmente as constituições primitivas por novas constituições mais
condizentes com o regime da democracia pluralista e da economia de mercado
entretanto consolidado. Essa terceira fase constitucional implicou também uma
diversificação do sistema de governo em relação ao semipresidencialismo adotado
na transição constitucional, ora num sentido mais parlamentarista.

 Timor-Leste: Ao contrário dos países africanos de língua oficial portuguesa, Timor não
passou pela fase marxista-leninista daqueles. A sua primeira constituição, de 2002, foi
elaborada por uma assembleia constituinte eleita em 2001 e obedece aos cânones do
Estado de direito democrático, assente na democracia pluripartidária e na economia de
mercado.
 Estado unitário com autonomia do poder local;
 Amplo catálogo de direitos fundamentais;
 Três órgãos do poder político: Presidente da República diretamente eleito por
maioria absoluta, parlamento unicameral eleito pelo sistema proporcional e
Governo designado pelo Presidente da Republica;
 Sistema de governo semipresidencialista;
 Fiscalização judicial da constitucionalidade;
 Limites à revisão constitucional.

Grandes Constituições Históricas:


 Constituição norte-americana de 1787, por ser a primeira constituição do Novo Mundo,
por ser a mais antiga das constituições em vigor, por ser o modelo de constituição
federal e pela influência que ao longo de dois séculos e meio teve, não só nas Américas
mas também no mundo em geral.
 Constituição francesa de 1791, por ser a primeira constituição após a revolução
francesa, por ser a primeira grande constituição europeia e pela sua influência no
desenvolvimento constitucional europeu.
 Constituição espanhola de Cádis de 1812, por ser a primeira constituição ibérica, e pela
influência que teve no constitucionalismo latino-americano.
 Constituição mexicana de 1917, por ser a primeira a inserir uma extensa ordem
constitucional da economia, e o exemplo mais expressivo de “constituição dirigente”.
 Constituição russa de 1918, a primeira constituição soviética, primeiro modelo da
“democracia popular” e da economia coletivizada.
 Constituição alemã de 1919 (Weimar), por ser a primeira constituição europeia a incluir
uma dimensão económica e social e a combinar um sistema de governo de tipo
parlamentar com um presidente da República diretamente eleito e dotado de
importantes poderes institucionais.
 Constituição alemã de 1949 (Bona), o mais acabado modelo do constitucionalismo
democrático posterior à II Guerra mundial, baseado na democracia parlamentar, no
Estado de direito, nos direitos humanos e na “economia social de mercado”, tendo tido
uma ampla influência dento e fora da Europa.
 Constituição francesa de 1958, que veio trazer estabilidade à conturbada história
constitucional francesa e que reeditou em novos moldes a experiência de um presidente
da República diretamente eleito, no contexto de uma forma de governo de base
parlamentar.
 Constituição portuguesa de 1976, por ser a primeira constituição saída da “terceira vaga
da democratização”, por ser o exemplo mais expressivo do “constitucionalismo
económico e social”, e pela sua influência nos países lusófonos, sobretudo em África.
 Constituição sul-africana de 1996, por ser a constituição da transição democrática pós-
apartheid, e modelo de uma democracia plurirracial, com forte influência no contexto
africano.

Capítulo 5

História constitucional portuguesa (até à Constituição de 1976)

Traços gerais do constitucionalismo português:


 Contextualização: O constitucionalismo português, à semelhança do que sucedeu em
outros países, afirmou-se essencialmente como reação ao absolutismo monárquico (ao
poder ilimitado dos monarcas).
Do que se tratava era de, através de um diploma fundamental escrito, limitar o poder,
estabelecer a separação dos poderes, instituir um governo representativo, reconhecer e
proteger as liberdades individuais, garantir o direito de propriedade e o da liberdade de
comércio e indústria, libertar a economia e a sociedade do controlo do Estado e das
corporações profissionais.
O nosso constitucionalismo inicia-se temporalmente já em pleno século XIX. O
movimento constitucional português recebeu à nascença e tem recebido influências de
outros países, isto é, as constituições portuguesas têm-se inspirado em grande medida
em algumas constituições estrangeiras.
 A descontinuidade formal: Do ponto de vista formal, a história constitucional portuguesa
caracteriza-se por uma considerável descontinuidade e instabilidade constitucional. Em
dois séculos, Portugal conheceu seis diferentes textos constitucionais (Constituições de
1822, 1826, 1838, 1911, 1933, 1976).
De salientar que a descontinuidade formal não impediu que, a nível material, no que se
refere aos conteúdos constitucionais, se tenha verificado uma certa sedimentação de
vários princípios, de certas instituições, de um acervo de direitos e deveres
fundamentais, etc., os quais, invariavelmente, têm marcado presença nas sucessivas
constituições portuguesas.

 A via revolucionária: Excetuando a Carta Constitucional (1826) todas as outras


constituições portuguesas foram precedidas e originadas por atos revolucionários, tendo
por eles sido fortemente condicionadas:
 Constituição de 1822, precedida pela revolução de agosto de 1820;
 Constituição de 1838, precedida pela revolução de setembro de 1836;
 Constituição de 1911, precedida pela revolução de 5 de outubro de 1910;
 Constituição de 1933, precedida pela revolução de 28 de maio de 1926;
 Constituição de 1976, precedida pela revolução de 25 de abril de 1974.

 Os períodos da história constitucional portuguesa: Foi muito atribulado e instável o


período de implantação e consolidação do constitucionalismo liberal-monárquico, desde
a revolução de 1820 até à relativa estabilização “cartista”, a partir de 1851
(Regeneração), sob a égide da Carta Constitucional de 1826, no seu terceiro e longo
período de vigência. A história constitucional portuguesa conheceu distintos períodos ou
fases. Podemos distinguir quatro períodos, sendo eles:
 O constitucionalismo liberal monárquico, do seu início até ao fim da monarquia
(Constituições de 1822, 1826 e 1838);
 O constitucionalismo liberal republicano, correspondente ao período da I República
(Constituição de 1911);
 O constitucionalismo corporativo e autoritário, correspondente ao período do
“Estado Novo” (Constituição de 1933);
 O constitucionalismo democrático, desde a revolução de 25 de Abril de 1974
(Constituição de 1976).
A Constituição de 1822:
 Contexto histórico-político: O constitucionalismo entrou em Portugal, por influência
francesa, inglesa e norte-americana, no contexto da luta contra o absolutismo. A
primeira constituição portuguesa, datada de 23 de setembro de 1822, surge por efeito
da revolução de 1820. Mas antes disso já tinha havido em 1807, sob ocupação
napoleónica, uma “Súplica” de uma constituição e de um rei constitucional dirigida ao
Imperador francês em nome de uma “Junta dos três estados do Reino”. O que se
pretendeu então foi instaurar uma monarquia constitucional, isto é, um regime baseado
na separação dos poderes e no governo representativo, em que o monarca deve
partilhar alguns dos seus poderes com o parlamento e, para além disso, deve exercer
apenas os poderes que a Constituição lhe atribui e nos exatos termos nela regulados.

 Procedimento constituinte: A Constituição de 1822 foi elaborada e aprovada pelas


Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa eleitas para o efeito.
Tratou-se portanto de um procedimento constituinte representativo ou indireto, levado
a cabo por uma assembleia constituinte soberana. O processo constituinte teve duas
fases:
 1ª Fase: Em março de 1821 foram definidas e aprovadas pelas Cortes as ‘Bases
da Constituição’ (37 princípios orientadores da organização do poder político e a
sua relação com os indivíduos). Estas Bases, que foram juradas pelo Rei ainda no
Brasil, serviriam depois de documento de orientação para o trabalho subsequente
das Cortes Constituintes.
 2ª Fase: Posteriormente, foram elaborados pelas Cortes os preceitos
constitucionais que seriam reunidos num documento único (a Constituição), o qual
foi de novo jurado pelo Rei.

 Principais influências recebidas: A Constituição espanhola de Cádis de 1812, também ela


uma revolução liberal parece ter constituído a principal fonte de inspiração da nossa
Constituição de 1822. Essa mesma constituição, por sua vez, inspirou-se nas
constituições francesas de 1791 e 1795.
 Os direitos fundamentais: A Constituição de 1822 consagra uma série de direitos e
deveres. Os principais traços característicos neste domínio são:
 O reconhecimento dos principais direitos e liberdades individuais: o direito à
liberdade, o direito de propriedade, o direito à segurança;
 O peso considerável dado às garantias das liberdades, nomeadamente as garantias
na esfera penal;
 A distinção estabelecida entre direitos individuais e “direitos da Nação” (estes
relegados para o título II); como exemplos de direitos da Nação temos o direito de
fazer leis, o direito de ter uma representação, etc.;
 A ausência dos atuais direitos económicos, sociais e culturais, direitos esses que
exigem prestações do Estado — sendo certo que os liberais preconizavam uma
rígida separação entre o Estado e a Sociedade —, embora não faltem alguns
afloramentos embrionários deles (exs: arts. 237º, 238º e 240º);
 A conivência com a escravatura em mais de um preceito (arts. 21º, IV, 35º, VII e
37º), contrariando assim as conceções cristãs e liberais que inspiraram a primeira
constituição portuguesa.

 A organização do poder político:


 Os princípios inspiradores fundamentais:
oPrincípio da soberania nacional (arts. 26º e 27º): Nos termos do disposto no
texto constitucional, o poder soberano pertence à Nação e já não ao
monarca. A afirmação constitucional da soberania nacional não era
totalmente incompatível com o princípio monárquico, também presente
neste texto constitucional. O que sucede é que o monarca deixa de ser o
titular do poder soberano e passa a ser um simples representante da Nação,
esta sim a verdadeira titular do poder soberano, exercendo uma parte do
poder em nome dela (ver art. 121º).

oPrincípio representativo (arts. 26º, 27º, 32º, 94º): Como foi antecipado,
sendo a Nação uma entidade abstrata, é necessário que o poder de que ela é
titular seja exercido, em nome dela, por “representantes legalmente eleitos”
(art. 26º).

oPrincípio da separação de poderes (art. 30º): O legislador constituinte de


1822 optou, em matéria de separação de poderes, pela trilogia clássica de
Montesquieu (poderes legislativo, executivo e judicial):
 Poder legislativo: cabia fundamentalmente às Cortes, concebidas como
uma assembleia legislativa unicameral. Apesar de o texto constitucional
fazer referência à “sanção” real das leis, logo dá a entender que a sua
recusa mais não era do que de um simples veto político suspensivo (não
é absoluto) (arts. 30º, 110º e 111º);
 Poder executivo: foi confiado ao monarca, assistido por um Conselho de
Estado, concentrando-se nele a totalidade deste poder. No exercício
destes últimos poderes, ele era coadjuvado por Secretários de Estado,
aos quais incumbiria a contra-assinatura de todos os decretos do rei;
 Poder judicial: Tribunais.
 Forma de Estado: A Constituição de 1822 adotou, como forma de Estado, a
monarquia constitucional hereditária.

 Caracterização genérica do sistema de governo: Não se trata porém ainda de um


sistema parlamentar, faltando aqui um elemento fundamental dele, a saber, a
responsabilidade política do executivo perante o parlamento. Os Secretários de
Estado são responsáveis perante as Cortes, mas trata-se de uma simples
responsabilidade jurídico-penal (acionável apenas quando cometam certo tipo de
crimes, artigos 103º, 159º e 160º), sendo mais independentes delas. Em
contrapartida, o Rei também não podia dissolver o Parlamento. A forma de governo
estava portanto mais próxima do presidencialismo norte-americano, de separação
estrita dos poderes legislativo e executivo.
 A vida da Constituição de 1822: Juridicamente, a Constituição de 1822 teve dois
períodos de vigência:
 1.º Período: 1822 – 1823;
 2.º Período: 1836 – 1838.

A Carta Constitucional de 1826:


 Contexto histórico-político: A revolução de 1823, chefiada pelo Infante D. Miguel (filho
de D. João VI e irmão do futuro D. Pedro IV), foi de sinal contrário à revolução de 1820.
D. Miguel era um absolutista e pretendia a restauração do regime anterior à revolução.
Assim terminou a nossa primeira e curta experiência constitucional. No entanto, as
sementes do liberalismo tinham sido lançadas já pela revolução de 1820, pelo que D.
João VI preferiu adotar uma via mais realista e moderada, prometendo ao país a
elaboração de uma Carta Constitucional para substituir a Constituição de 1822.
D. Pedro era simultaneamente o príncipe real de Portugal e esta união pessoal não
interessava nem a portugueses nem a brasileiros, pelo que D. Pedro optou por abdicar
do trono português a favor da sua filha Maria da Glória. Impôs que ela casasse com o
seu tio D. Miguel e que a Carta Constitucional fosse posta em vigor. D. Pedro IV abdicou
do trono português dias depois de ter assinado a Carta Constitucional, que foi redigida
no Rio de Janeiro e lá impressa e assinada (29 de abril de 1826), sendo depois remetida
para Lisboa.
 Procedimento constituinte: A Carta Constitucional foi outorgada ou “dada” à Nação pelo
monarca (D. Pedro IV). Tratou-se pois de um genuíno procedimento constituinte
monárquico.
O monarca elaborava a constituição e depois dava-a ou outorgava-a ao seu povo, como
um ato de liberalidade sem qualquer intervenção de uma assembleia representativa.
Tratava-se, no fundo, de uma forma de os monarcas afirmarem a sua própria soberania,
distinguindo os textos constitucionais, por eles elaborados de acordo com a sua própria
vontade, daquelas constituições que contavam com a participação, ou pelo menos com
o consentimento, da Nação.
 Principais influências recebidas: A Carta é uma constituição muito mais conservadora do
que a Constituição de 1822. As Cortes são constituídas por duas câmaras, uma delas, a
Câmara dos Pares, representativa da nobreza e de natureza vitalícia e hereditária. A
principal fonte de inspiração foi sem dúvida a Carta constitucional brasileira de 1824.
Através da constituição brasileira, a nossa constituição acabaria por receber influências
da Carta Constitucional francesa de 1814.
 Direitos fundamentais: Sintomaticamente, os direitos dos cidadãos foram relegados
para um único e último artigo do texto constitucional, o artigo 145º. Neste preceito
estavam previstos os direitos tipicamente liberais, oriundos da constituição “vintista”,
lado a lado com novos direitos, liberdades e garantias (v.g., a liberdade de deslocação e
emigração e a garantia da não retroatividade das leis, etc.).
 Organização do poder político:
 Os princípios inspiradores fundamentais :
oPrincípio monárquico (art. 4º): O monarca passa a ser o titular e detentor por
excelência do poder soberano, aceitando contudo, por um lado, ceder parte
do seu poder e, por outro, relativamente à parte do poder que lhe cabe,
comprometendo-se a exercê-lo de acordo com os esquemas constitucionais;
oPrincípio representativo (art.4º): A Carta optou, também ela, por um regime
representativo, sem qualquer intervenção direta do povo na condução da
vida política do país;
oPrincípio da separação de poderes (art. 10º): A grande novidade introduzida
pelo texto constitucional de 1826 foi a consagração de um quarto poder, o
denominado poder moderador (arts. 11º e 71º). Este novo poder foi
atribuído ao monarca e trata-se de um “poder neutro”, ao qual caberá velar
«incessantemente sobre a manutenção da independência, equilíbrio e
harmonia dos demais poderes políticos»:
 Poder legislativo: foi atribuído às Cortes. Trata-se agora de uma
assembleia legislativa bicameral, composta pela Câmara dos Deputados
(composta por parlamentares eleitos por mandato de 4 anos) e pela
Câmara dos Pares (constituída por aristocratas designados pelo Rei, a
título vitalício ou hereditário).
 Poder executivo: foi cometido ao monarca (exercidos pelos ministros e
secretários).
 Poder judicial: Tribunais.

 Forma de Estado: Foi adotada, como forma de Estado, a monarquia hereditária (art.
4º). A submissão do monarca aos esquemas constitucionais atesta que o que está
em causa é uma monarquia constitucional, de natureza dualista, com partilha do
poder entre o soberano e o povo, supostamente representado nas cortes.

 Caracterização genérica do sistema de governo: Também a Carta de 1826 optou por


uma combinação de diferentes princípios mas, desta feita, apenas dos princípios
monárquico e representativo. Isto mesmo determinou um regime bem diferente do
estabelecido pela constituição anterior.
Na Carta Constitucional o que temos é uma forma política mista, combinando-se
uma monarquia limitada com uma monarquia representativa.
Com o tempo e, sobretudo, por efeito das sucessivas alterações constitucionais,
acentua-se a estrutura mista do regime, com a perda progressiva de poderes por
parte do Rei e reforço dos poderes das Cortes.
Evoluiu-se assim lentamente de uma monarquia representativa (menos atípica do
que a que existia à luz do texto constitucional de 1822) para um regime
parlamentar dualista ou orleanista, em que o executivo era responsável
simultaneamente perante as Cortes e perante o Rei.

 Vida e revisões da Carta Constitucional:


 Vigência: A Carta Constitucional de 1826 teve formalmente três períodos de
vigência (1826 a 1828, 1834 a 1836 e 1842 a 1911, mas político-
constitucionalmente podemos assinalar cinco períodos, se tivermos em conta a
revolução de 1851 e o “ato adicional” de 1852, bem como a primeira tentativa de
assalto republicano em 1881, que marca o início da decadência da monarquia:
o1º Período: De 1826 a 1828 (1º período de vigência, demasiado curto para
permitir aferir das suas potencialidades);
o2º Período: De 1834 a 1836 (restauração da Carta depois da guerra civil;
vigência intercalar, igualmente muito curta, interrompida pela revolução
setembrista);
o3º Período: De 1842 a 1851 (restabelecimento da Carta e início da sua longa
vigência de décadas);
o4º Período: De 1851 a 1891 (período de maturidade e estabilidade do
cartismo constitucional);
o5º Período: De 1891 a 1910 (declínio da legitimidade política da Carta e do
liberalismo cartista).
No seu funcionamento entre 1851 e 1891, o seu período mais estável, a Carta
permitiu o desenvolvimento de um sistema político assente no “rotativismo” entre
os dois grandes partidos saídos das lutas liberais, a saber, o partido Regenerador
(mais conservador e mais fiel ao espírito da Carta) e o partido Histórico/Progressista
(mais democrático e mais próximo das ideias vintistas e setembristas).
 Revisões constitucionais: A Carta sofreu várias alterações, que foram atenuando os
seus traços mais conservadores.

A Constituição de 1838:
 Contexto histórico-político: A Carta Constitucional vigorou somente até 1828,
terminando com a restauração absolutista por D. Miguel. De 1828 a 1834 verifica-se um
novo período de interregno do regime constitucional, culminando com uma guerra civil
entre 1832-34, entre liberais e absolutistas. Com a vitória dos liberais, é restaurada a
Carta Constitucional. É reposta em vigor a Constituição de 1822 (segundo período de
vigência: 1836-38). Mas não tardou a ser eleita uma assembleia constituinte, que viria a
aprovar a Constituição de 1838.
 Procedimento constituinte: A Constituição de 1838 foi elaborada por uma assembleia
constituinte eleita pelo povo, as Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes.
Inicialmente pretendia-se apenas que as Cortes revissem a Constituição de 1822.
Ulteriormente, porém, ser-lhe-iam concedidos poderes constituintes para fazer uma
nova constituição. Depois de discutida e votada nas Cortes, ela foi submetida à
aprovação da Rainha D. Maria II, que a aceitou e jurou.
A feitura do texto constitucional seria assim o produto de uma cooperação entre as
Cortes e a monarca, resultando, pois, de um concurso de duas vontades, a real e a
parlamentar.
Consoante se atribua ou não valor jurídico constitutivo aos atos praticados pelo
monarca, poder-se-á dizer que foi utilizado um procedimento constituinte misto
representativo-monárquico ou um procedimento constituinte representativo ou
indireto.
 Principais influências recebidas: A nova Constituição é essencialmente um compromisso
entre as duas que a precederam. Menos radical do que a de 1820, menos conservadora
do que a Carta de 1826.
Por isso, a Constituição de 1838 foi influenciada essencialmente pelas duas constituições
portuguesas anteriores, sendo em certo sentido uma combinação dos traços de ambas.
Da Constituição de 1822 reteve-se (a teoria da soberania nacional, a inexistência do
poder moderador e o sufrágio direto na eleição dos deputados). Da Carta Constitucional
de 1826 reteve-se (o bicameralismo do parlamento e a amplidão dos poderes do
monarca).
Influenciaram ainda a Constituição de 1838 a Carta Constitucional francesa de 1830, a
Constituição belga de 1831 e a Constituição espanhola de 1837.

 Direitos fundamentais: Retomou a tradicional localização sistemática, na parte inicial do


articulado constitucional, dedicando-lhe um título específico. Preocupação de manter os
mesmos direitos fundamentais anteriormente garantidos, tanto na C1822 como na
CC1826.
 No domínio da organização do poder político:
 Os principais princípios orientadores:
oPrincípio da soberania nacional (art. 33º): No plano da fundamentação da
legitimidade do poder soberano, dá-se a substituição da teoria da soberania
monárquica (inspiradora da Carta Constitucional) pela teoria da soberania da
Nação;
oPrincípio representativo (art. 4º): Mais uma vez, afirma-se o carácter
representativo das instituições. Os principais representantes são o
parlamento (o corpo legislativo) e o monarca.
oPrincípio da independência ou separação dos poderes (art. 35º): Aboliu-se o
poder moderador.
 Poder legislativo: era exercido pelas Cortes, as quais, à semelhança do
que sucedia no âmbito da Carta Constitucional, foram instituídas como
um parlamento bicameral (art. 36º). Havia a Câmara dos Deputados
(câmara baixa) e a Câmara dos Senadores (câmara alta). Os membros de
ambas as câmaras eram recrutados através de uma eleição por sufrágio
direto (art. 71º);
 Poder executivo: foi atribuído ao monarca (Chefe do poder executivo),
que o exercia através dos seus Ministros e Secretários de Estado (art.
80º);
 Poder judicial: Juízes.

 Forma de Estado: Uma vez mais, é escolhida a forma de Estado monárquica-


hereditária, na sua modalidade de monarquia constitucional ou limitada (art. 4º).
 Caracterização genérica do sistema de governo: No que toca à governação
propriamente dita, os poderes estão cada vez mais concentrados no parlamento,
com o consequente apagamento político do Rei. Encontramos pois um regime
político misto, com um pendor parlamentar bastante forte.

 Vida da Constituição de 1838: A vigência da Constituição de 1838 foi de curta duração,


terminando abruptamente em 1842, com o golpe de Estado de Costa Cabral,
restaurando a Carta Constitucional.

A Constituição de 1911:
 Contexto histórico-político: A crise da Monarquia desencadeia-se no final do século XIX,
dando lugar ao nascimento e crescimento rápido do Partido Republicano.
Vários foram os acontecimentos histórico-políticos que provocaram ou ajudaram à
decadência do regime monárquico. Destacam-se a o Ultimato inglês de 1890, a crise
económica e financeira, a desagregação dos partidos monárquicos com sucessivas
dissidências, a conivência régia com a repressão do “franquismo” e o regicídio em 1908,
o qual apressaria os acontecimentos subsequentes.
A primeira tentativa de revolução republicana teve lugar em 31 de janeiro de 1891, no
Porto. Mas a implantação da República só viria a ocorrer na sequência da Revolução de
5 de outubro de 1910. Com o fim do constitucionalismo monárquico, o
constitucionalismo republicano inicia-se com a eleição de uma assembleia constituinte e
a consequente feitura da Constituição de 1911.
 Procedimento constituinte: Foi empregue um procedimento constituinte representativo
ou indireto.
A Constituição de 1911 foi elaborada e aprovada por uma assembleia constituinte eleita
pelo povo, Assembleia Nacional Constituinte. Esta assembleia especial não se limitou a
elaborar o texto constitucional, tendo-o também aprovado. Representa, deste modo,
uma assembleia constituinte soberana.
 Principais influências recebidas: As Constituições republicanas suíça e brasileira (ambas
de 1891) são habitualmente referenciadas como as principais fontes de inspiração do
primeiro texto constitucional republicano.
Da Constituição suíça de 1891 reteve-se a impossibilidade de dissolução das câmaras
pelo Presidente da República e o referendo local. Da Constituição brasileira de 1891
reteve-se a fiscalização judicial da constitucionalidade das leis, o habeas corpus, a
equiparação de direitos entre portugueses e estrangeiros, etc.
Registam-se também influências das constituições monárquicas portuguesas e da
prática da III República francesa.
 Direitos fundamentais: A nossa primeira constituição republicana possui um catálogo de
direitos fundamentais ainda muito marcados pelo individualismo liberal. Muitos dos
direitos fundamentais aí consagrados são ainda direitos de defesa do indivíduo contra o
Estado.
Encontramos, por um lado, a consagração da proibição da pena de morte, do direito de
habeas corpus, da liberdade de religião e culto. Por outro lado, é instituído um
igualitarismo jurídico-político, com a consequente extinção dos títulos nobiliárquicos.
É de assinalar a adoção de uma cláusula aberta ou de não tipicidade dos direitos
fundamentais, ou seja, admite-se a existência de direitos individuais fora da
Constituição.

 Organização do poder político:


 Princípios orientadores:
oPrincípio republicano (art. 1º): Derrubada a monarquia, a adoção do regime
republicano constitui uma sequência lógica.
A legitimidade monárquica de direito é assim substituída por uma
legitimidade republicana, baseada na igualdade política, na temporalidade
dos mandatos políticos e na responsabilidade de todos os cargos políticos, na
rejeição de títulos nobiliárquicos.
oPrincípio da soberania nacional (art. 5º): O texto constitucional de 1911
reconhece, também ele, o princípio da soberania nacional, embora a
entidade “Nação” seja cada vez menos entendida no sentido liberal-burguês
e cada vez mais num sentido democrático.
oPrincípio representativo: A opção por um regime representativo resulta clara
do primeiro texto constitucional republicano. A consagração do referendo
local e administrativo não desmente esta opção fundamental, na medida em
que não interfere com a ação política.
oPrincípio da separação de poderes (art. 6º): O princípio da separação de
poderes não poderia deixar de estar presente no texto da nova constituição,
uma vez mais numa versão mais flexível do que rígida.
 Poder legislativo: acha-se atribuído ao parlamento, designado de
“Congresso”. Trata-se de um parlamento bicameral. O Congresso é
composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado (art. 7º), ambos
eleitos diretamente (art. 8º);
 Poder executivo: é partilhado pelo presidente da República e pelos
Ministros (art.36º);
 Poder judicial: Juízes.

 Forma de Estado: A Constituição de 1911 reconhece a forma de Estado republicana


(art. 1º), vista por muitos como a única compatível com uma conceção democrática
da organização política da sociedade.

 Apreciação genérica do sistema de governo: Quanto à forma de governo, não é fácil


enquadrar o regime político da I República em nenhum dos modelos puros mais
conhecidos. Poder-se-á falar de um parlamentarismo atípico. Procurou-se realizar
uma transação e consequente equilíbrio entre o parlamentarismo monista e o
parlamentarismo de assembleia.

 Vida e revisões da Constituição de 1911: A Constituição de 1911 passou por três


períodos, balizados pelo golpe de Estado de Sidónio Pais e pelo seu governo (1917-
1918). Em 1918, Sidónio Pais foi eleito Presidente da República por meio de sufrágio
direto. Foi esta uma reforma de curtíssima duração e em breve seria restaurada a
Constituição e retornar-se-ia ao sufrágio indireto. Para além dessa “rotura”
constitucional, a Constituição de 1911 foi ainda objeto de outras revisões.
A vida política da I República foi assaz atribulada, com uma grande instabilidade
governativa e numerosas manifestações de violência política.

A Constituição de 1933:
 Contexto histórico-político: A revolução de 28 de maio de 1926 deu início a um período
de Ditadura militar, que durou até 1933.
Esta nova experiência revolucionária foi considerada inicialmente apenas como uma
tentativa de combater as deformações do regime parlamentar da Constituição de 1911,
causadas pela prática política. O principal objetivo a alcançar era o de pôr termo à
grande instabilidade política que marcou a I República.
A tentativa de corrigir a República dava lugar a um projeto mais ambicioso, tendente a
pôr fim à República parlamentar e a instituir um regime conservador autoritário.
Nesse sentido, a seu tempo a questão de uma nova Constituição veio a ser colocada. Em
1933, sete anos depois do golpe de Estado, o homem forte do novo regime (Salazar,
nessa altura já chefe do Governo), elaborava e submetia diretamente a plebiscito
nacional aquilo que veio a ser a Constituição do “Estado Novo”.
 Procedimento constituinte: Em virtude do forte sentimento antiparlamentarista que se
fazia sentir na época, optou-se por um procedimento constituinte direto. Foi criado um
Conselho Político Nacional ao qual caberia apreciar projetos de constituição que fossem
apresentados.
Apreciado e aceite pelo Conselho Político Nacional o projeto de constituição seria
ulteriormente submetido a uma consulta popular a 19 março de 1933. O voto era
obrigatório e as abstenções valiam como voto a favor da Constituição.
De acordo com os resultados oficiais, a maioria dos portugueses com direito de voto
aceitou o projeto. Com a data oficial de 11 de abril de 1933 (data da publicação dos
resultados do referendo), a Constituição entrou em vigor em 23 de setembro do mesmo
ano.
 Principais influências recebidas: Não existirá nenhum texto constitucional estrangeiro
que tenha influenciado de forma genérica a Constituição de 1933. Notam-se algumas
influências estrangeiras, designadamente da Constituição imperial alemã de 1875
(sistema de governo), da Constituição de Weimar (quanto à figura do Presidente da
República) e da experiência fascista italiana. Mas as raízes maiores da Constituição de
1933 encontram-se tanto na Carta Constitucional de 1826, como na própria Constituição
de 1911.
 Direitos fundamentais: Contradições entre o texto constitucional e a prática ao nível dos
direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Consagração dos direitos anteriores e
acrescento de outros: Direito à vida e à integridade pessoal, direito ao bom nome e à
reputação, direito a instrução contraditória no processo criminal, direito à reparação de
toda a lesão efetiva, sendo pecuniária relativamente às lesões morais.
 Organização do poder político:
 Os principais princípios orientadores:
oPrincípio da soberania nacional (art. 71º): A Constituição de 1933 acentuava
especialmente o princípio da soberania nacional face ao exterior. E, em
correspondência com a ideologia corporativa, os “elementos estruturais da
Nação” incluíam sobretudo as famílias, as organizações sociais e os
organismos corporativos.
oPrincípio republicano (art. 5º): Embora radicalmente hostil ao
constitucionalismo da I República e a tudo o que ele significava e contasse
também com o apoio dos setores monárquicos remanescentes, a
Constituição do Estado Novo manteve fidelidade ao princípio republicana,
sendo o chefe do Estado um presidente da República, diretamente eleito.
Todavia a maior parte dos princípios republicanos originários (liberalismo,
democracia, laicidade) foram afastados ou altamente restringidos.
oPrincípio corporativo (art. 5º): Nos termos do artigo 5º da Constituição,
Portugal era uma “república corporativa”.
Esta afirmação constituía uma reação ao individualismo liberal. Em termos
políticos, isto significava o reconhecimento de que a Nação não assentava
apenas nos indivíduos — assentava igualmente numa série de “corpos
intermédios”, entre os quais se salientam a família, a Igreja e as autarquias
locais, bem como os organismos corporativos propriamente ditos, que eram
oficiais e únicos, por vezes de inscrição obrigatória.
oPrincípio da separação dos poderes: O texto constitucional de 1933 não faz
referência expressa ao princípio da separação dos poderes, apenas
mencionando a existência de órgãos de soberania (art. 71º).
 Poder legislativo: foi confiado apenas à Assembleia Nacional (art. 91º),
concebida como um parlamento de base eletiva (art. 85º). Mas, o
Governo gozava desde o início da faculdade de emitir legislação quando
a Assembleia se não encontrasse reunida, bem como em casos de
urgência. Por esta via o Governo em breve se tornou o órgão legislativo
quase exclusivo. Na revisão de 1945, este poder legislativo do Governo
paralelo à Assembleia Nacional foi expressamente constitucionalizado.
 Poder executivo: foi atribuído ao Governo, órgão colegial composto pelo
Presidente do Conselho e seus Ministros (art. 106º). O presidente do
Conselho era nomeado livremente pelo Presidente da República e só era
responsável perante ele, sendo o Governo independente de votações da
Assembleia Nacional.
 Quarto Poder: A Constituição de 1933 restaurou uma espécie de quarto
poder, à maneira da carta Constitucional, investido no Presidente da
República. Este era diretamente eleito (até à revisão constitucional de
1969), o seu mandato era longo (sete anos) e tinha importantes poderes
independentes.
No sistema político do Estado Novo há a destacar a Câmara Corporativa,
composta por representantes das autarquias locais e dos interesses
sociais (art. 102º). Era um órgão consultivo (art. 103º), competindo-lhe
relatar e dar parecer sobre todas as propostas e projetos de lei e sobre
todas as convenções internacionais que fossem apresentados à
Assembleia Nacional, era, pois, um órgão auxiliar desta última, e mais
tarde também do Governo. Refira-se ainda a existência de um Conselho
de Estado (art. 83º), também ele um órgão de natureza consultiva, cuja
função era de assessorar o Chefe de Estado.

 Forma de Estado: Tratava-se de uma “República corporativa”, fortemente


intervencionista, nacionalista e autoritário (incluindo claros traços fascistas), anti-
individualista, antiliberal e antiparlamentarista, assaz diferente da I República,
baseada nos valores do individualismo, do liberalismo e do parlamentarismo.
 Caracterização genérica do sistema político: De início, o sistema de governo podia
ser classificado como um “presidencialismo atípico”, isto é, como um regime
próximo do sistema presidencial, mas que apresentava algumas distorções por
comparação com este último:
oExistia um Governo separado do Presidente, encabeçado por um Presidente
do Conselho de Ministros, nomeado por aquele;
oEsse mesmo Governo era responsável politicamente somente perante o
Presidente da República;
oO Presidente da República não era, portanto, o chefe do Executivo, sendo
antes um “quarto poder” autónomo;
oEstava prevista a dissolução do parlamento por vontade do Presidente da
República, o que é desconforme com a estrita separação de poderes do
presidencialismo.
Por força das sucessivas revisões constitucionais caminhou-se progressivamente para
um modelo de governação que Marcello Caetano designou de «Presidencialismo de
Primeiro-Ministro».
Transitou-se para um regime caracterizado simultaneamente pelo apagamento
político do Chefe de Estado e do parlamento e pelo protagonismo do chefe do
executivo — então designado Presidente do Conselho — o qual passou a constituir a
pedra angular do edifício constitucional.

 Constituição económica e social: A Constituição de 1933 incluía também uma visão


fortemente intervencionista do Estado na vida económica e social. Daí a previsão,
pela primeira vez na nossa história constitucional, de uma constituição económica e
social, isto é, de uma parte do texto constitucional dedicada à organização
económica, na senda aberta pela Constituição de Weimar.
 A vida e as revisões da Constituição de 1933: Na longa vigência da Constituição de
1933 (41 anos), demarcam-se várias fases.

Capítulo 6
A Constituição de 1976:
Origem e influências:
 Origem: A Constituição da República Portuguesa, de 2 de abril de 1976, começou por ser
uma criação da revolução de 25 de Abril de 1974. A revolução pôs fim ao regime do
“Estado Novo” e pôs termo à vigência da Constituição que lhe serviu de suporte (a
Constituição de 1933). Uma nova Constituição era, na verdade, um dos objetivos
primordiais da revolução.
A Assembleia Constituinte veio a ser eleita um ano depois, a 25 de abril de 1975, para
preparar um novo texto constitucional.
A Constituição foi efetivamente concluída tendo entrado em vigor em 25 de abril de
1976, dois anos após a revolução.

 Fontes:
 Imediatas:
oProjetos apresentados à Assembleia Constituinte pelos vários partidos
políticos;
oA segunda “Plataforma de Acordo Constitucional”, celebrada em fevereiro de
1976 entre o Conselho da Revolução e os partidos representados na
Assembleia Constituinte (PS, PPD, PCP, CDS e MDP/CDE), para substituir o
acordo anteriormente firmado em abril de 1975, que os projetos daqueles
partidos incorporavam.
 Mediatas:
oOs textos constitucionais revolucionários, designadamente, o próprio
Programa do MFA e a Lei nº 5/75, de 14 de maio, que institucionalizou o MFA
e criou o Conselho da Revolução;
oOs documentos e as proclamações revolucionários, de carácter doutrinário
ou não, saídos a público especialmente no Verão de 1975;
oOs estudos e as propostas vindos então a lume e que influenciaram alguns
dos projetos apresentados na AC.

 A CRP e as anteriores constituições portuguesas: Textos constitucionais portugueses


antecedentes, v. g., a proibição da pena de morte (1.º Ato Adicional C.C.), a fiscalização
difusa (C. 1911), poder legislativo do Governo (C. 1933).
 A CRP, as constituições estrangeiras e o direito internacional: É o caso da Constituição
italiana (1948) e da Lei Fundamental de Bona (1949), no que respeita a alguns aspetos
dos direitos fundamentais e, no caso da primeira, também quanto à autonomia regional.
É o caso também da Constituição francesa de 1958 (V República), no que respeita a
alguns traços do sistema de governo. É o caso ainda de algumas constituições do antigo
bloco comunista quanto a alguns aspetos dos direitos económicos e sociais e da
constituição económica.
Não deve esquecer-se também a influência de algumas declarações e convenções
internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 16º/2).

A transformação da CRP :
 As revisões constitucionais:
 A primeira revisão (LC nº 1/82, de 30/9):
oA substancial diminuição da componente ideológico-programática que
caracterizava a versão primitiva da CRP;
oA eliminação do Conselho da Revolução e criação do TC.
oA mudança do sistema de governo, deixando o Governo de ser responsável
perante o Presidente da República, que perdeu o poder ordinário de o
demitir.
 A segunda revisão (LC nº 1/89, de 8/7):
oA flexibilização da constituição económica, através de numerosas alterações
de natureza estrutural e conceptual, destacando-se a eliminação do princípio
da irreversibilidade das nacionalizações (passando a ser admitidas as
privatizações), o aligeiramento das imposições constitucionais em matéria de
reforma agrária (tendo sido suprimida esta mesma expressão) e de
planeamento económico (que foi esvaziado);
oEliminação de limites materiais.
oCriação da figura das “leis orgânicas”, com processo de formação específico e
valor normativo reforçado em relação às leis ordinárias.

 A terceira revisão (LC nº 1/92, de 20/9):


oTeve por objetivo apenas as adaptações constitucionais necessárias para
permitir a aprovação e ratificação do Tratado da União Europeia (Tratado de
Maastricht), ajustado em 7 de fevereiro de 1992.
oV.g., quanto à partilha de soberania inerente à união (7º/6), quanto aos
direitos eleitorais dos cidadãos comunitários residentes em Portugal (15º/6),
quanto à perda de funções emissoras autónomas do Banco de Portugal, com
a prevista criação da moeda única europeia (105º).
oAlterou-se também a regra relativa aos intervalos da revisão constitucional
(284º), de modo a que as revisões extraordinárias não interrompam a
contagem do quinquénio necessário à revisão constitucional ordinária.

 A quarta revisão (LC nº 1/97, de 20/9):


oInovações significativas no âmbito dos direitos fundamentais.
oA nível da democracia participativa: participação dos cidadãos nos referendos
e nos procedimentos legislativos por intermédio de iniciativas legislativas
populares, alargamento das matérias objeto de referendo, reforço do papel
dos cidadãos independentes de partidos políticos.
oMudanças a nível político-organizatório.
oO serviço militar obrigatório perde apoio constitucional positivo.

 A quinta revisão (LC nº 1/01, de 12/12):


oAdaptação ao Tratado de Roma, constitutivo do Tribunal Penal Internacional
(TPI).
oNo domínio dos direitos, liberdades e garantias, diminui-se o conteúdo
garantístico de alguns direitos, como é o caso das restrições à inviolabilidade
de domicílio (34.º/3), da diminuição de garantias referentes à expulsão e
extradição (33.º/5) e da expressa exclusão do direito à greve dos agentes das
forças de segurança, embora, neste último caso, se tenha positivado também
o seu direito de associação sindical (270º).
oRelevante ainda a proclamação do português como língua oficial (11º/3).
 A sexta revisão (Lei nº 1/04, de 24/7):
oEstabeleceu-se o princípio de que o direito da União Europeia vigora na
ordem interna nos termos por ele mesmo previstos (8º/4), incluindo
portanto, o efeito direto e a primazia sobre o direito interno, o que o torna
imune ao controlo da sua constitucionalidade.
oAlargou-se a competência legislativa das regiões autónomas, ressalvada
competência legislativa exclusiva dos órgãos de soberania (228º)
oFoi eliminando o cargo de “Ministro da República”, criando-se o de
“Representante da República”.
oLimitação dos mandatos de cargos políticos executivos (118º/2).
 A sétima revisão (Lei nº 1/05, de 12 de agosto):
oDestinada a admitir o referendo direto de tratados da União Europeia.
Artigo 295.º (Referendo sobre tratado europeu)
“O disposto no n.º 3 do artigo 115.º não prejudica a possibilidade de
convocação e de efetivação de referendo sobre a aprovação de tratado que
vise a construção e aprofundamento da união europeia”.

 Saldo das sucessivas revisões constitucionais: De entre as muitas alterações da


Constituição avultam as seguintes:
 A extinção do Conselho de Revolução e a submissão das forças armadas à
autoridade civil;
 A mudança do sistema de governo, com a eliminação da responsabilidade política
do governo perante o Presidente da República;
 A constitucionalização interna da União Europeia;
 A metamorfose da “constituição económica”, no sentido de uma “economia de
mercado mista”, compatível com a “economia social de mercado” da UE;
 A extensão e aprofundamento dos direitos fundamentais;
 O aumento dos poderes legislativos reservados da Assembleia da República, à custa
dos poderes legislativos do Governo;
 O reforço da autonomia e do autogoverno dos tribunais;
 O alargamento e aprofundamento da autonomia regional dos Açores e da Madeira;
 O aprofundamento da autonomia das autarquias locais, com exceção das regiões
administrativas, que não chegaram a ser instituídas;
 A criação do Tribunal Constitucional, em substituição da primitiva Comissão
Constitucional, e o reforço da fiscalização judicial da constitucionalidade e da
“legalidade reforçada”.

Características político-constitucionais da CRP:


 Carácter pós-revolucionário: A primeira e a segunda revisões constitucionais eliminaram
praticamente todas as marcas explícitas da narratividade revolucionária. No entanto, o
carácter originariamente revolucionário permanece no preâmbulo e, v. g., na proibição
de organizações de ideologia fascista (46º/4).
 Carácter compromissório: Trata-se de uma Constituição única, resultado de vários
compromissos entre as forças políticas intervenientes: compromisso entre o princípio
liberal e o princípio socialista; entre os clássicos direitos de liberdade e os modernos
direitos positivos de natureza económica e social; entre a legitimidade eleitoral e a
legitimidade revolucionária; entre um sistema de governo parlamentar e a existência de
um PR diretamente eleito; entre a unidade do Estado e a autonomia local e regional;
entre a democracia representativa e de partidos e a democracia de participação popular
direta; entre a fiscalização da constitucionalidade difusa e incidental e a fiscalização
concentrada e abstrata, etc.
 Empenhamento e neutralidade constitucional: As sucessivas “emendas” ou revisões
constitucionais confirmaram a aprofundaram a convicção de que a CRP é expressão de
um “contrato social” sobre a organização da comunidade, entre as diversas forças
políticas, económicas, sociais e culturais historicamente representativas e socio-
politicamente renovadas.

Principais opções constitucionais da CRP:


 Uma comunidade inclusiva: A Constituição é antes de mais o estatuto jurídico da
comunidade política, baseada na dignidade humana, na igualdade e na
solidariedade (art. 1.º). Por um lado, respeitando a liberdade e a igualdade dos seus
membros, a comunidade representada pela CRP é indiferente não somente à
origem, género ou etnia das pessoas mas também às suas opções religiosas ou
outras opções de consciência. Por outro lado, a CRP é uma constituição aberta à
inclusividade social e à integração do outro. A sociedade portuguesa tornou-se
multicultural e multiétnica, passando Portugal de um país de emigração para um
país de imigração.

 Uma república baseada na cidadania: Optando deliberadamente pela noção de


cidadania, em vez de “nacionalidade” (art. 4.º), a CRP acentua desde o início a
dimensão republicana da comunidade, baseada na partipação dos cidadãos na
comunidade política.

 Uma carta abrangente de direitos fundamentais: A distinção entre direitos


fundamentais e direitos humanos originava e legitimava um discurso
tendencialmente contraditório. A Constituição erigia-se em lei fundamental de um
Estado de direitos fundamentais, mas esquecia-se, não raras vezes, que o discurso
autocentrado em direitos fundamentais escondia um discurso “egoísta” em torno
dos direitos dos nacionais com manifesta subalternização dos direitos humanos,
dos direitos dos povos e da humanidade.

 A primazia da igualdade de direitos e da igualdade social: A Constituição consagrou,


logo no texto originário, as dimensões fundamentais do princípio da igualdade. Ao
longo das várias revisões, foram sendo introduzidas dimensões densificadoras do
princípio da igualdade, em sintonia com documentos e convenções internacionais e
com regulamentos e diretivas da União Europeia. Neste contexto, merece ser
assinalada a reafirmação da não discriminação em virtude da raça, como pode
deduzir-se da proibição de partidos e associações políticas racistas (art. 46.º/4).
No catálogo dos direitos económicos, sociais e culturais é também visível o
enriquecimento do princípio da igualdade na proteção da maternidade e da
paternidade (art. 68.º) e na valorização da língua gestual portuguesa (art. 74.º/2/h).
No plano político, e com incidências apenas no exercício da organização do poder
político, deve salientar-se a imposição constitucional de promoção ativa da
igualdade de género no acesso a cargos políticos (art. 109.º).

 Constitucionalização da economia e da organização social: A CRP optou


deliberadamente pela constitucionalização da vida económico-social, assente em
três pilares:
oIntervenção do Estado na economia (“constituição económica”);
oConstitucionalização dos direitos específicos dos trabalhadores (“constituição
do trabalho”);
oConstitucionalização dos direitos sociais (“constituição social”) e das
correspondentes obrigações do Estado.

 Um Estado unitário, mas descentralizado: A CRP não deixa dúvidas sobre a


caracterização do Estado como Estado unitário (CRP, art. 6.º), com uma só
constituição e um sistema central de “órgãos de soberania”. Ao mesmo tempo,
prevê expressamente a autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira,
como “regiões autónomas”, bem como a descentralização administrativa nas
autarquias territoriais. A descentralização territorial é uma das grandes marcas
originárias da CRP.

 Uma democracia primordialmente representativa: A opção constitucional


primordial é sem dúvida a democracia representativa, através da eleição popular
dos principais órgãos do poder político. Todavia, a CRP sempre teve, desde o início,
uma forte componente de democracia participativa e, depois das várias revisões
constitucionais, uma componente de democracia popular direta, mediante o
recurso ao referendo deliberativo.

 Um sistema de governo de base parlamentar: Com a primeira revisão constitucional


(1982), o primitivo sistema de governo misto, com responsabilidade governamental
dupla do Governo perante o Presidente da República e a Assembleia da República,
foi depurado num sentido mais genuinamente parlamentar, com responsabilidade
política do Governo exclusivamente perante a Assembleia da República e com um
Presidente da República desprovido de poderes executivos. Como é próprio de uma
democracia parlamentar, as eleições parlamentares são as eleições decisivas no
sistema político, servindo para eleger a Assembleia da República e para a escolha
do primeiro-ministro e das respetivas opções governativas.

 O objetivo transformador da sociedade: A perspetiva de mudança e transformação


social iluminava todo o ordenamento constitucional e integrava uma das suas
características mais marcantes. Diferentemente do texto de 1976 o texto atual
recentra-se em torno da dimensão construtiva, isto é, procura o aprofundamento
das estruturas básicas de justiça, realização da «democracia económica, social e
cultural» (art. 2.º), mas já sem a acentuação transformista de “transição” para uma
outra sociedade.

 Parte integrante de um “constitucionalismo multinível”: Depois de sucessivas


revisões que incorporaram a integração europeia na constituição, a CRP
compartilha hoje do chamado constitucionalismo multinível ou interconstitucional.
A CRP assume-se e deve ser assumida como texto autodescritivo através do qual a
organização comunitária portuguesa se identifica com ela própria. Ela funda e
conserva a memória social e política e identifica os traços estruturantes da
existência coletiva tanto no contexto interno, face às autonomias políticas
regionais, como no contexto externo, face à “constituição” da União Europeia e à
constitucionalização da coletividade internacional.

 Estabilidade e garantia constitucional: Outras opções decisivas da CRP têm a ver


com o modelo de constituição “semirrígida” e com a fiscalização judicial da
constitucionalidade das normas jurídicas. Trata-se de assegurar respetivamente
uma relativa estabilidade da constituição e a sua primazia normativa na ordem
jurídica. A Constituição pode ser modificada, mas só pode ser mudada a título
ordinário decorridos cinco anos sobre a última revisão ordinária, sem prejuízo da
ocorrência de revisões extraordinárias desencadeadas por uma maioria super
qualificada. Nem tudo pode ser mudado na Constituição, visto que existem “limites
materiais de revisão” que salvaguardam as opções político-constitucionais
fundamentais (art. 288.º) e que, portanto, limitam a liberdade da revisão
constitucional.

Estrutura e natureza constitucional da CRP


 Sistematização: Ela compreende uma divisão introdutória sobre a caracterização do
Estado e as opções constitucionais básicas (Princípios fundamentais), uma ”parte
dogmática“ abrangendo os direitos fundamentais (Parte I) e a ordem constitucional da
economia (Parte II); uma parte organizatória, dedicada à organização do Estado em
sentido lato (Parte III); uma divisão sobre o estatuto constitucional da própria
Constituição, ou seja, a fiscalização da constitucionalidade e a revisão constitucional
(Parte IV) e, por último, uma divisão de Disposições finais e transitórias.
O sentido último da sistematização constitucional pode resumir-se nisto: os direitos
fundamentais precedem a organização económico-social; a sociedade (os direitos
fundamentais e a organização económica) precede o Estado (organização do poder
político).

 O âmbito da Constituição: A CRP é um dos documentos constitucionais mais extensos


em vigor, sendo, de longe, a mais extensa das constituições portuguesas.
Quanto ao desenvolvimento de certas matérias, bastará referir o número de artigos
dedicados, por exemplo, às garantias criminais (27.º a 32.º), aos direitos dos
trabalhadores (53.º a 57.º e 59.º) e à política agrícola (93.º a 98.º), para mostrar como
em relação a elas a CRP não se limitou a princípios gerais, antes desenvolveu – em
alguns casos até ao pormenor porventura secundário – as regras principais do respetivo
regime jurídico.

 A conceção constitucional da CRP:


 A típica conceção tradicional da constituição era caracterizada por três traços
fundamentais: a constituição era considerada apenas, ou fundamentalmente, como
estatuto organizatório do Estado;
 A constituição era encarada apenas, ou principalmente, como limite da atividade do
Estado;
 A constituição só interessava diretamente aos cidadãos enquanto defesa da sua
esfera de liberdade perante o Estado.
Daí decorriam três consequências:
oEm princípio, a constituição era alheia à sociedade, enquanto tal, à estrutura
económica e social, às relações entre os cidadãos;
oA constituição não podia impor tarefas ao Estado a favor dos cidadãos;
oA constituição não era a lei fundamental da ordem jurídica de uma
coletividade politicamente organizada, mas sim e apenas o estatuto da
organização política do Estado.
A CRP não corresponde de modo algum a esse modelo constitucional.
É isto que faz da CRP não apenas o estatuto organizatório do Estado, mas também e
sobretudo a lei fundamental da República (art. 1.º) e da ordem jurídica, em geral. Nos
debates que agora se travam em torno de modelos de constituição — lei-quadro do
Estado, lei fundamental do Estado, lei fundamental do Estado e da sociedade — a lei
fundamental da República acabará por configurar uma lei-quadro fundamental da
República enquanto coletividade política.

 A CRP como lei constitucional: A CRP é uma lei diferente das outras, é uma lei específica.
Essa especificidade está logo na forma especial da sua elaboração, através de uma
Assembleia Constituinte especialmente eleita para o efeito.
A CRP é uma lei necessária, no sentido de que não pode ser dispensada ou revogada,
mas apenas modificada.
É uma lei hierarquicamente superior, a lei fundamental, a lei básica, que se encontra no
vértice da ordem jurídica, à qual todas as leis, e normas jurídicas em geral, têm de
submeter-se.

A CRP e a ordem constitucional da EU


No paradigma do Estado vestefaliano, sem limitações externas à soberania, a Constituição é
a fonte exclusiva do direito constitucional, ressalvada a remissão para (ou receção de) outras
fontes pela própria Lei fundamental.
No âmbito da integração de Portugal na UE, o direito da UE não se torna somente parte da
ordem jurídica interna, aliás com primazia de aplicação sobre o direito interno. Pode também
suceder que o direito “primário” (constitucional) da União imponha diretamente obrigações
ou confira diretamente poderes aos órgãos constitucionais internos.
Deste modo, os órgãos constitucionais nacionais passam a intervir diretamente na atividade
da União e o direito da União torna-se uma fonte direta de direito constitucional nacional.
Correspondentemente, a CRP perde o monopólio do direito constitucional interno.

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