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FOTOGRAFIAS
História
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Sumário
Apresentação 3
Parte I 7
Capítulo 1 - Através da Imagem: fotografia e História interfaces 19
Capítulo 2 - História e Semiótica: sobre o conceito de intertextualidade
na análise de fontes de memória. 46
Capítulo 3 - Passado Composto: Fotografia e Memória 56
Parte II 65
Capítulo 4 - As fronteiras da cor: imagem e representação social na
sociedade escravista imperial 75
Capítulo 5 - Na mira do fotógrafo: o Rio de Janeiro e seus espaços
através das lentes de Gutierrez 93
Capítulo 6 - A Inscrição na cidade: paisagem urbana nas fotografias de
Marc Ferrez e Augusto Malta 114
Capítulo 7 - Imagens de passagem: Fotografia e os ritos da vida católica
da elite brasileira, 1850-1950. 127
2
Apresentação.
“Em relação a muitas dessas fotos, era a História que me separava delas. A
História não é simplesmente esse tempo em que não éramos nascidos?”
(Barthes, R. A câmara clara, p.96-97).
de minha avó: a coleção. Vovó Mariana as guardava num grande caixa de papelão,
outros retalhos de lembranças. Eu, de minha parte, desde o momento que me dei conta
temática designada para distinguir cada arquivo: férias no Chile, 2006; aniversário
Katharina, 2005.
rostos, objetos, lugares, situações, que já não mais se apresentavam. Não sei se por isso
resolvi fazer o curso de história, mas sei que foi por isso que tomei a coleção de
Chegar àquilo que não foi revelado, imediatamente, pelo olhar fotográfico e,
como Alice diante de seus espelhos, ver através da imagem, foi o desafio que me propus
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Relacionar a prática fotográfica a sua historicidade foi o caminho escolhido para
definindo juntamente com estas reflexões: a história da imagem ou ainda história visual
autônomo de estudos, coloca-se como um fórum para se debater a história social. Assim
diferenciadas experiências que definem as práticas sociais, dentre essas a relação entre
travar um diálogo de idéias entre tempos. A cartografia do volume se orienta por duas
da história da imagem, e uma outra, delimitada pelos tempos da história, nos quais, a
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textos por três partes, sendo que cada uma delas é introduzida por uma reflexão sobre a
sentido social, bem como seus os usos e funções na sociedade imperial. Nesse sentido, a
orais e visuais orientam as reflexões apresentadas. São textos que se debruçam sobre a
relação entre imprensa e cultura visual burguesa, bem como a narratividade da imagem
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parte, oferece uma visão, em perspectiva, sobre a relação entre experiência fotográfica e
6
-I-
A primeira parte é composta por três textos voltados para a reflexão teórico-
metodológica sobre os usos das fontes visuais na história. Busquei incluir um exemplo
análise que articulasse a substância visual das fontes aos problemas historiográficos
meu doutorado (1986-1990) e até esse momento, sua apresentação ficava limitada à
entende a fotografia como uma operação racional que fornece sentido às experiências
memoráveis. Não se fotografa qualquer coisa, a escolha do que será é fotografado segue
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alguns protocolos que são perpassados pelas experiências sociais compartilhadas,
das imagens). O ato fotográfico foi assim concebido, como experiência visual inscrita
imagem fotográfica.
imagem fotográfica foi concebida como mensagem. Tal procedimento engendrou alguns
visual e por fim o diálogo estabelecido entre imagens técnicas e outros textos, tanto de
1. A questão da produção – o dispositivo que media a relação entre o sujeito que olha
e a imagem que elabora, através dessa atividade de olhar, (se dá) ocorre à manipulação
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2. A questão da recepção – associada ao valor atribuído à imagem pela sociedade que
a produz, mas também recebe. Na medida em que este valor está mais ou menos
balizado pelos efeitos de realismo da imagem, vai apontar para a conformação histórica
seu referente e o grau de iconicidade dessa imagem é uma questão estética, seu
julgamento (ou apropriação) tem a ver com as condições de recepção e como, através
social e como relação social. Compreendida como resultante de uma relação entre
sujeitos à imagem visual engendra uma capacidade narrativa que se processa numa
culturais de caráter verbal e não verbal. As imagens nos contam histórias, atualizam
visível (e do invisível).
trajetória das imagens como artefatos, tais como coisas que são guardadas, distribuídas,
manuseadas, arquivadas e destruídas. A biografia das imagens, sua vida social importa,
pois implicam relações sociais diferenciadas. Uma fotografia tomada no Centro do Rio
dos anos 1950, cuja legenda refere-se à Copacabana, possui uma trajetória cujas
histórias revelam experiências sociais só reveladas pelo estudo das condições de seu
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guardas, enfim, pelos diferentes sujeitos sociais que operaram sobre essa imagem. Tal
Vale considerar que se esses quatro aspectos visam orientar de forma ampla a
ressaltar, seguindo a trilha aberta por Meneses (2003), que os estudos históricos, ao
tomarem a imagem visual como fonte, devem discutir seu estatuto epistemológico. Dito
de outra forma, a noção de fonte histórica há de ser problematizada a luz de uma crítica
que a considere como suporte de práticas sociais, superando a visão ingênua de que as
fontes contêm o passado, se revelado ao olhar do presente, por sua pura existência. Toda
a fonte histórica é resultado de uma operação histórica (Certeau, 1979), não fala por si
só é necessário que perguntas lhes sejam feitas. Tais questionamentos devem levar em
conta a sua natureza de artefato e de objeto da cultura material, associado a uma função
passado, definindo-se também pelo problema proposto para a análise. Tal perspectiva,
histórico não deve ser concebido como pano de fundo de uma mise en scène política ou
dos quadros de historicidade, ou como propõe Levi das lógicas de racionalidade, devem
partir da materialidade das experiências sociais, dos seus indícios, vestígios, restos e
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passada, elucidando no presente sua alteridade. As imagens visuais, como documentos
preocupação inscreve-se no âmbito das pesquisas que vêm sendo realizadas ao longo da
UFF. Criado em 1982, pela iniciativa das professoras Ismênia Lima Martins e Eulária
Lobo, o LABHOI foi um dos primeiros grupos de pesquisa a valorizar o uso de fontes
não tradicionais, a saber: fontes orais e visuais na pesquisa histórica. Desde 1994, com a
ampliação dos seus participantes, o grupo foi reafirmando a sua vocação precursora.
visuais e orais associa pesquisa de dados, discussão conceptual e prática docente. Meu
trabalho dentro do grupo vem priorizando os estudos sobre a relação entre fontes
privilegiados para o estudo das memórias sociais. O texto em questão consiste numa
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Oriento-me, portanto, desde um lugar social, segundo certos protocolos aceitos
Vale ressaltar, assim, outros investimentos nos estudos da relação entre fontes
perspectiva das histórias de vida, em geral adotadas nos roteiros das entrevistas, implica
indivíduo liberal, esse sujeito é sempre coletivo, pois como categoria histórica mantêm
Assim, os enunciados elaborados por esse sujeito no ato de rememoração são compostos
forma como a narrativa é construída. Entretanto tal dimensão, apesar de ser a mais
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esquecimentos, bem como as alusões, as digressões e associações a ritmos diferenciados
objeto fotografado. Tal lógica segue um princípio temporal que é cronológico, mas não
simbólicos aos quais pode servir. Assim, as múltiplas durações do tempo histórico são
autorais, ou ainda das seleções temáticas, nestes exemplos à narrativa visual é garantida
pela relação entre as imagens e das imagens com outros textos, inclusive de caráter
verbal.
dimensão temporal não é diacrônica, ou seja, não se movimento pelos eixos de longa,
média e curta duração (Braudel, 1978). A temporalidade inscrita em uma única foto é
mesma forma que nas séries, níveis temporais diferenciados entrevistos pela forma
como os elementos da cena são combinados. Assim, sua condição histórica é referida
No entanto, sua trama temporal inclui também uma relação entre sujeitos – o
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duração. No século XX, o imperativo do instante e a noção de flagrante transferiram o
Neste sentido, a análise de uma única foto deve partir dos indícios, dos rastros
temporais deixados dentro do quadro, resultantes do ato fotográfico e partir para o fora
de quadro, rumo ao mundo no qual essa imagem se insere, como narrativa sintética.
imagens adquirem força explicativa evitando seu uso acessório ou ilustrativo. Nesse
mesmo tempo, um desafio a quem está acostumado a trabalhar com o texto escrito.
de história.
outros), partidos políticos, associações civis, etc., voltou-se para a organização de sua
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desses últimos anos que se passaram, àquilo que Pierre Nora chamou de memória-
dever.
devendo ser adensados a partir de uma reflexão profunda sobre a nação e seus
papel significativo na elaboração dos quadros culturais de uma época é peça chave para
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memórias do mundo contemporâneo através do fotojornalismo e sua relação com o
Tendo em vista que, os grandes e não tão grandes fatos que marcaram a história
dos acontecimentos. Qual a natureza destes registros? Como fica a narrativa dos
compõem a memória social do século passado? É possível falar de uma história feita de
imagens técnicas que substituem a experiência pelo seu simulacro, inventando uma
Creio ser possível considerar que as fotografias produzidas pela imprensa sejam
suporte de uma memória coletiva que registra, retém e projeta no tempo histórico, uma
versão dos acontecimentos. Essa versão é construída por uma narrativa visual e verbal,
da sua transcrição pelo modo narrativo, o tempo da sua recepção no marco histórico da
sua publicação (medido pela permanência do tema na pauta das publicações), e o tempo
história.
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memória não é inerte, ela não se deposita nas coisas, é, ao contrário, resultado do
que, acionados pelo trabalho de memória também servem para fazer lembrar.
uma de suas fontes e também um de seus objetos privilegiados. Por outro lado, a
estudos da história visual, segundo o qual, seria fundamental deslocar a atenção das
fontes visuais para o campo da visualidade como objeto detentor de elevado interesse
estudo, elege-se também um sujeito histórico: o fotógrafo, que atua como mediador
tais como: Martin-Barbero (1987) e Nestor Garcia Canclini (1989), permite que se
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defendida por Willians propõe associar mediação ao próprio ato de conhecer e elaborar
no calor dos acontecimentos, servem não só para lembrar, mas também para visualizar e
Os três textos foram escritos em momentos diferentes, mas convergem para uma
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Capítulo 1.
a fotografia seu registro? Existem dois caminhos para operar sobre tal relação. O
primeiro é tomar a direção de uma história da fotografia que, mais recentemente, além
constituído pelas diferentes áreas das ciências humanas. A idéia central, nesta parte, é
apresentar a fotografia como uma mensagem que se elabora através do tempo, tanto
como imagem/ monumento quanto como imagem /documento (Le Goff, 1985), tanto
como testemunho direto quanto como testemunho indireto do passado (Bloch, s/d,
2001).
semiótica para análise da imagem fotográfica, elaborada com base nas reflexões
A ilusão da realidade.
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A fotografia surgiu na década de 1830 como resultado da feliz conjugação do
por interesses comuns, mas com objetivos diversos - são exemplos claros desta união.
de contas, ele era um homem do ramo das diversões). É bem verdade que no século XIX
a distinção entre técnica e magia não era tão clara quanto hoje, como bem ilustra o
nome de uma das primeiras lojas de venda de material para eletricidade no Rio de
Desde então e ao longo de sua história, a fotografia foi marcada por polêmicas
ligadas aos seus usos e funções. Ainda no século XIX, sua difusão provocou uma
grande comoção no meio artístico, marcadamente naturalista que via o papel da arte,
tipo de pintura.
espelho, cuja magia estava em perenizar a imagem que refletia. Para muitos artistas e
necessidade de ser uma cópia fiel do real, garantindo para ela um novo espaço de
fotografia’, qual era, para ele, o verdadeiro lugar da fotografia dentre as formas de
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“Se é permitido à fotografia completar a arte em algumas de suas funções, cedo a
estupidez da multidão. É necessário que se encaminhe pelo seu verdadeiro dever, que é
ser a serva das ciências e das artes, mas a mais humilde das servas (...). Que ela
enriqueça rapidamente o álbum do viajante e dê aos olhos a precisão que faltaria à sua
secretária e bloco de notas de alguém que na sua profissão tem necessidade duma
em tudo o que tem valor apenas porque o homem lhe acrescenta a sua alma, mal de nós”
Mas será a fotografia uma cópia fiel do mundo e de seus acontecimentos como
queriam os positivistas dos Oitocentos? Por muito tempo esta marca inseparável de
realidade foi atribuída à imagem fotográfica, sendo seu uso ampliado ao campo das
mais diferentes ciências. Desde a entomologia até os estudos das características físicas
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início do século XX, em identidades, passaportes e os mais diferentes tipos de carteiras
No entanto, entre o sujeito que olha e a imagem que elabora há muito mais que os
olhos podem ver. A fotografia - para além de sua gênese automática ultrapassando a
ordem técnica.
de que o que está impresso na fotografia é a realidade pura e simples já foi criticada por
estruturalista (Dubois, 1992, cap. 1). A própria crítica à essência mimética da imagem
saber:
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* Estudos relativos à teoria da percepção, representados pelos escritos de Rudolf
Arnhein em seu livro Filme como arte. O ponto de partida das considerações de
bidimensional, plana, com cores que em nada reproduzem a realidade (quando não é em
formas sensoriais, tais como o olfato e o tato. Enfim, a imagem fotográfica não guarda
nenhuma característica própria à realidade das coisas. Vale lembrar que, uma
ideológicos produzidos pela imagem fotográfica, tanto pela expressão estética embutida
neste tipo de imagem, quanto pelo seu conteúdo. Do ponto de vista da estética da
imagem fotográfica, Hubert Damisch e Pierre Bourdieu, ambos escrevendo entre 1963 e
das fotografias de imprensa. Num artigo histórico - ‘Le Pendule’, datado de 1976 -,
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parte ‘encenada’ das imagens que marcaram a história”. Para este autor, tal encenação
seria garantida pelos modos de integração do fotógrafo na ação, pelo efeito de paragem
da imagem, pelo papel da grande angular, etc., elementos que, conjugados ao texto
impresso, produziriam uma determinada versão dos fatos históricos que, pelo realismo
imagéticos, operando, exclusivamente, sobre eles. Neste sentido, não haveria realidade
historicamente realizadas.
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Portanto, o segundo passo é compreender que entre o objeto e a sua representação
historicamente. Afinal de contas, existe uma diferença bastante significativa entre uma
possíveis, guardando esta atitude uma relação estreita entre a visão de mundo daquele
Por outro lado, também faz parte da nossa prática de vida fotografar nossos filhos,
nossos momentos importantes e os não tão significativos. Um elenco de temas que vai
pessoas conhecidas e dos fatos ocorridos, que salta aos olhos e nos faz indicar na foto
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e gente anônima, lugares distantes e exóticos e intimidade doméstica, sensibilidades
como chegar ao que não foi imediatamente revelado pelo olhar fotográfico? Como
Não é de hoje que a história proclamou sua independência dos textos escritos. A
ciências sociais em busca de uma história total. Novos temas passaram a fazer parte do
interpessoais, etc. Uma micro-história que, para ser narrada, não necessita perder a
dimensão macro, dimensão social, totalizadora das relações sociais. Neste contexto uma
história social da família, da criança, do casamento, da morte etc. passou a ser contada,
curatela de menores, enfim, tudo o que uma documentação cartorial poderia oferecer. A
fontes históricas da excelência das anteriores, mas que demandavam do historiador uma
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linguagens, decodificar sistemas de signos e decifrar vestígios, sem perder, jamais, a
visão do conjunto.
entre iconografia e história das mentalidades, destacando a sua utilização por parte dos
buscaram traçar tanto uma geografia do sagrado como o perfil das sensibilidades
coletivas no passado. Os problemas levantados por Vovelle (1987) convergem para uma
imagem?” (p.93).
englobam propostas das mais diversas, que incluem o estudo do mito, o trabalho
imagens do passado? Mais uma vez, tal como no jogo infantil de encaixe, ao tirarmos
uma caixa encontramos outra. Cabe, portanto, as perguntas: como interpretar as imagens
estatuária sagrada, dos vitrais das capelas medievais, da mesma natureza que as imagens
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verbais. Desta forma, como bem aponta Michel Vovelle, "as interrogações que hoje se
colocam são antes uma prova de saúde do que de enfermidade” (Idem, p. 102).
Para tentar solucionar este feixe de problemas há que se assumir uma proposta
simbólica das diversas práticas quotidianas; a análise da extensão ideal das práticas
materiais, etc.
produção da imagem. Não se deve descartar também o fato de que a avaliação das redes
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sociais da fotografia envolve uma abordagem em que produtores e consumidores da
que demanda, por sua vez, conceitos de disciplinas, cujo diálogo não se faz com a
uma mensagem, que se processa através do tempo, cujas unidades constituintes são
culturais, mas assumem funções sígnicas diferenciadas, de acordo tanto com o contexto
no qual a mensagem é veiculada, quanto com o local que ocupam no interior da própria
paradigmática, pois a representação final é sempre uma escolha realizada num conjunto
de escolhas possíveis.
Sociologia (ou às duas juntas) que indaga sobre as maneiras de ser e agir no passado, é a
permite que se compreenda a produção de sentido, nas sociedades humanas, como uma
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Desta forma, para a análise das ideologias, mentalidades ou práticas culturais, a
pelo historiador americano Robert Darnton: "Ao invés de confiar na intuição numa
tentativa de invocar um vago clima de opinião, seria o caso de tomar pelo menos uma
disciplina sólida dentro das ciências sociais e utilizá-la para relacionar a experiência
A fotografia é uma fonte histórica que demanda por parte do historiador um novo
tipo de crítica. O testemunho é válido, não importando se o registro fotográfico foi feito
como índice, como marca de uma materialidade passada, na qual objetos, pessoas,
lugares nos informam sobre determinados aspectos desse passado; - condições de vida,
imagem a ser perenizada para o futuro. Sem esquecer jamais que todo documento é
mundo.
Tal perspectiva remete ao circuito social da fotografia (Fabris, 1992, cap. 1) nos
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tensões sociais que envolveram a sua elaboração. Desta maneira, texto e contexto
estarão contemplados.
propriamente dito e um leitor (Vilches, 1992). Cada um destes três elementos integra o
resultado final, à medida que todo o produto cultural envolve um locus de produção e
qual se insere, e por fim um significado aceitado socialmente como válido, resultante do
há que se concebê-lo como uma categoria social, quer seja profissional autônomo,
grau de controle da técnica e das estéticas fotográficas variará na mesma proporção dos
objetivos estabelecidos para a imagem final. Ainda assim, o controle de uma câmara
século XIX, este controle ficava restrito a um grupo seleto de fotógrafos profissionais
indústrias ótica e química, ainda no final dos Oitocentos, ocorreu uma estandardização
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ampliação do número de profissionais e usuários da fotografia. No início do século XX,
já era possível contar com as indústrias Kodak e a máxima da fotografia amadora: “You
produção cultural envolve tanto aquele que detém o meio quanto o grupo ao qual ele
serve, caso seja um fotógrafo profissional. Nesse sentido, não seria exagero afirmar que
o controle dos meios técnicos de produção cultural, até por volta da década de 50, foi
foi sendo constituído a partir do estabelecimento de uma estética que incluía desde
fotografia como expressão artística, baseada nos mesmos cânones que a pintura (por
isso, não poupava a imagem fotográfica de uma intervenção direta, tanto através do uso
competência do autor.
que uma fotografia é uma fotografia, ou seja, o suporte material de uma imagem. Na
da imagem não se limite a um sujeito individual, mas que acima de tudo seja coletiva. A
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outros textos sociais. A compreensão da imagem fotográfica, pelo leitor/ destinatário,
inferências com outros textos da mesma época, inclusive de natureza verbal. Neste
mesmo processo: o da educação do olhar. Existem regras de leitura dos textos visuais
que são compartilhadas pela comunidade de leitores. Tais regras não são geradas
representações culturais. Sendo assim, sua aplicação por parte dos leitores /destinatários
envolve, também, a situação de recepção dos textos visuais. Tal situação varia
historicamente, desde o veículo que suporta a imagem até a sua circulação e consumo,
passando pelo controle dos meios técnicos de produção cultural, exercidos por
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familiar ou ampliar seus caminhos navegando pela Internet. Já a situação de consumo é
direcionada para um destinatário, seja ele um apaixonado que guarda o retrato de sua
amada como uma relíquia, seja um banco de memória que armazenará a imagem
fotográfica, até que alguém acesse a informação e assuma o papel de leitor/ destinatário.
fotografia deve ser concebida como uma mensagem que se organiza a partir de dois
sentido na fotografia, sendo possível separá-los para fins de análise, mas compreendê-
caráter verbal e não-verbal, a textualidade de uma determinada época. Tal idéia implica
determinado contexto histórico: à medida que os textos históricos não são autônomos,
necessitam de outros para sua interpretação. Da mesma forma, a fotografia - para ser
utilizada como fonte histórica, ultrapassando seu mero aspecto ilustrativo - deve compor
uma série extensa e homogênea no sentido de dar conta das semelhanças e diferenças
fotográfico pode ser organizado em função de um tema, tais como a morte, a criança, o
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mensagem fotográfica tem na noção de espaço a sua chave de leitura, posto que a
própria fotografia é um recorte espacial que contém outros espaços que a determinam e
estruturam, como, por exemplo, o espaço geográfico, o espaço dos objetos (interiores,
e representações sociais.
passado, como uma mensagem que se processa através do tempo, colocando, por
acima referidas, deve lidar com a sua própria competência, na situação de um leitor de
imagens do passado. Retomamos, neste ponto, a pergunta anterior: como olhar através
das imagens? Por tudo que já foi dito, considerando-se a fotografia como uma fonte
histórica que demanda um novo tipo de crítica, uma nova postura teórica de caráter
transdisciplinar, algumas pistas para responder tal questão já foram dadas. Resta, no
historiador.
Já foi dito que as imagens são históricas, que dependem das variáveis técnicas e
estéticas do contexto histórico que as produziram e das diferentes visões de mundo que
concorrem no jogo das relações sociais. Nesse sentido, as fotografias guardam, na sua
a ser recuperam o seu caráter de presença, num novo lugar, num outro contexto e com
uma função diferente. Da mesma forma que seus antigos donos, o historiador entra em
contato com este presente/ passado e o investe de sentido, um sentido diverso daquele
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dado pelos contemporâneos da imagem, mas próprio à problemática ser estudada. Aí
na construção do objeto de estudo. A imagem não fala por si só; é necessário que as
semiótica que, sem a pretensão de ser definitiva, vem sendo aplicada, com sucesso, em
primeira metade do século XX, avaliando o tipo de educação do olhar que elas
memória através dos retalhos do cotidiano nele contidos; as fotografias oficiais, que
A fotografia deve ser considerada como produto cultural, fruto de trabalho social
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representações da classe que possui o controle de tais meios, e por outro, atuar como
monumento e, como toda a fonte histórica, deve passar pelos trâmites das críticas
externa e interna para, depois, ser organizada em séries fotográficas, obedecendo a uma
certa cronologia. Tais séries devem ser extensas, capazes de dar conta de um universo
fotografia (por exemplo, pode-se trabalhar com álbuns de família e revistas ilustradas
de uma certa classe social, num dado período histórico; no entanto, cada tipo de
fotografia compõe uma série que deve ser trabalhada separadamente). Feito isso, parte-
dessa mesma sociedade. Os códigos são elaborados na prática social e não devem ser
produção da imagem, uma pista para se chegar ao que não está aparente ao primeiro
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possuindo um caráter conotativo que remete às formas de ser e agir do contexto no qual
O terceiro passo é perceber que a relação acima proposta não é automática, posto
que entre o sujeito que olha e a imagem que elabora existe todo um processo de
investimento de sentido que deve ser avaliado. Portanto, para se ultrapassar o mero
analogon da realidade, tal como a fotografia é concebida pelo senso comum, há que se
atentar para alguns pontos. O primeiro deles diz respeito à relação entre signo e
inerente à própria natureza, e o signo como uma representação simbólica. Tal distinção
é um falso problema para a análise semiótica, tendo em vista que a imagem pode ser
concebida como um texto icônico que antes de depender de um código é algo que
possíveis.
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quais, por sua vez, envolvem um aprendizado historicamente determinado que, como
A partir destes três pontos, foram organizadas duas fichas de análise no intuito de
Tabela 1
Agência Produtora
Ano
Local retratado
Tema retratado
Pessoas retratadas
Objetos retratados
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Cada um dos campos das duas fichas deverá ser preenchido por itens presentes
individuada como entidade. Pode ser pessoa, lugar, coisa sentimento, estado de coisas,
pressentimento, fantasia, alucinação, esperança ou idéia [...] uma unidade cultural pode
ser definida semioticamente como unidade semântica inserida num sistema. [...]
Reconhecer a presença dessas unidades culturais (que são, portanto, os significados que
incluindo a natureza deste espaço, como se organiza, que tipo de controle pode ser
exercido na sua composição e a quem este espaço está vinculado - fotógrafo amador ou
período que a série cobre. Tal espaço não é homogêneo, mas marcado por oposições
como campo/ cidade, fundo artificial/ natural, espaço interno/ externo, público/ privado
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etc. Nesta categoria estão incluídos os seguintes itens: ano, local retratado, atributos da
dos objetos, sua relação com a experiência vivida e com o espaço construído. Neste
sentido, estabeleceu-se uma tipologia básica constituída por três elementos: objetos
estão incluídos os itens tema, objetos, atributo das pessoas, atributo da paisagem,
tamanho e enquadramento.
espaço (feminino/ masculino, infantil/ adulto), a hierarquia das figuras e seus atributos,
incluindo-se aí o gesto. Tal categoria é formada pelos itens pessoas retratadas, atributos
como uma categoria sintética, por incluir todos os espaços anteriores e por ser
Pelo exposto, fica patente que a mesma unidade cultural pode estar presente em
diferentes campos espaciais e que tais campos não são estanques. Na verdade, eles
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possuem interseções, à medida que representam reconstruções de realidades sociais. Daí
teórica da arte Fayga Ostrower (1988, 1989), e a historiadora Míriam Moreira Leite, que
de longa data reflete sobre a utilização da fotografia como fonte histórica - são
unânimes na escolha da noção de espaço como chave de leitura das mensagens visuais
devido à natureza deste tipo de texto. Vale a referência ao trabalho de Míriam Moreira
Por fim, a minha própria experiência vem demonstrando que, a cada novo tipo de
Conclusão.
Nunca ficamos passivos diante de uma fotografia: ela incita nossa imaginação,
nos faz pensar sobre o passado, a partir do dado de materialidade que persiste na
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imagem. Um indício, um fantasma, talvez uma ilusão que, em certo momento da
história, deixou sua marca registrada, numa superfície sensível, da mesma forma que as
marcas do sol no corpo bronzeado, como lembrou Dubois (1992 p.55). Num
determinado momento o sol existiu sobre aquela pele, num determinado momento um
certo aquilo existiu diante da objetiva fotográfica, diante do olhar do fotógrafo, e isto é
impossível negar.
provocada pelos avanços da informática torna cada vez maior esta possibilidade,
permitindo até que os mortos ressurjam para tomar mais um chope, tal como a
publicidade já mostrou. Não importa se a imagem mente; o importante é saber por que
historiador uma nova crítica que envolva o conhecimento das tecnologias feitas para
mentir.
fachada do edifício. A história embrenha as imagens, nas opções realizadas por quem
O estudo das imagens, como bem ensinou Panofsky (1991) no seu método
trabalho, embora sem seguir uma linha iconológica, foi refletir sobre a dimensão
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Capítulo 2.
historiadora Miriam Moreira Leite (1993) discute a relação entre palavra e imagem, a
abordagem mais crítica da relação entre palavra e imagem. Isto porque palavra e
de memórias coletivas.
comunicativa composta por imagens ficaria sujeita as regras da palavra, sendo, por
traduzimos em palavras.
No entanto tal argumento não se sustenta diante das pesquisas ligadas tanto, a
psicologia da percepção, quanto à semiótica dos sistemas não verbais, que incluem
ampliando o universo de produção de sentido social para além do que a palavra possa
traduzir. Portanto para se operar legitimamente com a relação entre palavras e imagens,
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como textos autônomos que se entrecruzam na construção da textualidade de uma
época.
também podem ser trabalhadas de forma cooperativa, pela natureza distinta do suporte
que veicula os significados engendrados por tais memórias. A palavra pode ser emitida
por um discurso oral ou por um texto escrito, o grau de controle racional do sujeito
sobre o produto final de cada um destes dois tipos de discurso variará em função:
transcrito, etc.).
A imagem, por sua vez, apresenta também variáveis semelhantes, ligadas a uma
resultado dos investimentos de sentido com base imagens variará de acordo com:
45
3. Relação entre tempos (produção, circulação e consumo de imagens).
humana significa recusar admitir que o verbal e o não-verbal constituem dois domínios
humanas. Abaixo dessas maneiras não se pode descer sem que o discurso cesse de ter o
A lição dos Annales e dos recentes trabalho em História Cultural, nos apontam o
com fontes pouco tradicionais. Mesmo àqueles afeitos aos documentos notariais, tais
46
como inventários, censos, curatelas, etc. buscam ler nas entrelinhas do entrançado social
que sustenta a legislação, reeducando seu olhar para avaliar a dimensão de alteridade do
passado.
Semiótica, a História vem reavaliando seu estatuto como forma de conhecimento. Neste
sentido, a escolha de uma disciplina oriunda da lógica deve apresentar algum atrativo ao
historiador. Sem dúvida Umberto Eco, a partir da definição acima exposta, cria atrativos
segundo lógica dos processos de produção de sentido social, tanto das práticas quanto
indeterminação: uma vez que significar e comunicar são funções sociais que
as motivações da pesquisa:
“Quem quer conhecer algo o faz para fazer alguma coisa. Se afirmar desejar
conhecer pelo puro prazer de conhecer (e não para fazer), isto significa que ele quer
conhecer para não fazer nada, o que representa uma forma sub-reptícia de fazer algo,
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e as razões pelas quais procederão no futuro. Para Eco o projeto da Semiótica é
Alguns anos atrás (1995), Eco foi tema do suplemento Mais! Do jornal Folha de
São Paulo. Dentre o conjunto de artigos sobre o autor publicou-se uma entrevista, onde
O movimento dos sem-terra, por exemplo, não disputa a terra por uma simples
vocação política. Aliás, tal vocação provém de uma necessidade concreta: o acesso a
terra para sobreviver, alimentar os filhos e reproduzir a vida. Refletir sobre o processo
brasileiro em dialogar, a violência física, etc., não deve perder de vista o pressuposto de
Ela nos oferece um raciocínio lógico, uma forma de interpretar os fenômenos sociais,
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com base em categorias que recompõem estruturas significativas. Tal procedimento
produção de sentido é contínuo e contextual, como também valoriza o papel ativo dos
sujeitos históricos:
(códigos) [...] Se se aceita criticamente este seu limite metodológico a semiótica escapa
o risco idealista. Em vez disso, inverte-o: reconhece como sujeito verificável único do
seu discurso à existência social do universo da significação, tal como ela é exibida pela
verificabilidade física dos interpretantes, que são, e deve-se insistir nesse ponto pela
representações dos sujeitos históricos. Sendo que tal processo traduz-se, via de regra,
de uma pratica social criativa. É fundamental ter-se em conta que a cultura, ao realizar-
49
esta “realidade diária”, através de objetos, pensamentos, comportamentos, palavras, etc.,
dentro de cada cultura. Neste sentido, cada cultura é uma vasta organização
comunicativa distinta de todas as outras, uma espécie de ‘enorme língua histórica’ [...]
sendo que a instituição dos quadros comunicativos se faz sempre através da instituição
processaria. Portanto, cultura pressupõe códigos que, por sua vez criam condições a
acordo com Eco “há signo toda vez que um grupo humano decide usar algo como
se realize. A produção de textos é uma delas. No entanto qual a diferença entre signo e
texto? O signo não existe como entidade em si mesmo, possui uma natureza relacional e
dinâmica, daí tal noção ter sido atualizada para função sígnica, a partir das reflexões do
sígnica inerente aos processos de significação das realidades sociais, se faz através de
50
O texto é considerado uma unidade macroscópica do processo comunicativo
(Vilches, 1992, Cap. 2). Do ponto de vista de uma abordagem semiótica, o texto é um
de emissão, etc. elementos destacados pela gramática gerativa do texto desenvolvida por
e, portanto aquilo que se chama ‘mensagem’ constitui, o mais das vezes, um texto cujo
sendo o texto a escritura que produz a expressão oral. Para o semioticista espanhol
arquitetura, etc. como textos. Tal pluralidade é a condição necessária para se operar com
a noção de intertextualidade, pela qual análise textual é compreendida como uma prática
social realizada sobre outra prática social, num processo continuado. (Vilches, 1992,
p.32).
Metz. Segundo tal noção só é possível interpretar um texto a partir de uma série de
51
textos precedentes, neste processo o receptor da mensagem a interpreta, atualizando o
variados textos sociais. Daí Kristeva empregar a noção de ‘trabalho’ sobre o texto para
llevando, allí, la relación de las fuerzas sociales desde el escenario histórico (en sus
significados regulados por el pasaje del sujeto del enunciado comunicado) el texto, se
relaciona aos textos que integram os discursos, sem, no entanto, estarem aparentes em
sua superfície, tais como: croquis, projetos de arquitetura, roteiros de entrevistas, etc.
Para este autor a análise deste material é de fundamental importância, pois: “oferece-nos
produção de sentido dos relatos orais bem como da imagem visual. Ambos concebidos
Conclusão.
52
Fala-se muito hoje em dia de crise, do advento de um pós-modernismo que
dissolve o sujeito numa história sem face. Por outro lado, fala-se também da renovação
consolidam no Brasil. Entre o dito e o feito existe ainda uma grande distância, cabe-nos
neste trabalho deve ser entendida, não no quadro de um modelo teórico que reduz todos
global do homem e de suas relações com o resto do mundo. Sua importância decisiva
para a desmistificação ideológica e para a teoria da ação política reside no fato de que
todas as operações da prática social, em sua mesma essência, são operações sígnicas.
[...] Isto não quer dizer que a realidade social fundada sobre a necessidade, o trabalho e
exploração se esgote nos sistemas de signos. Quer dizer sim, que o conteúdo de tais
ciência da semiótica reúne sob tal denominação, é portanto necessário para operar sobre
53
Capítulo 3.
Gosto de tirar fotografias, gosto herdado de meu avô paterno que, registrou em
imagens, uma boa parte da nossa trajetória familiar. Desde pequena acostumei-me a
posar para fotos e a esperar ansiosamente a sua revelação. Aos poucos se revelavam
momentos vividos em formas monocromáticas que, com o tempo, foram ganhando cor e
pela apreciação conjunta das imagens. Sentados com os álbuns sobre as pernas
Por ocasião do nascimento do meu terceiro filho, mais uma vez, repetimos o
ritual de descer os álbuns das prateleiras e começando pelo primeiro, com as fotos mais
antigas, a recontar a nossa breve história. Nesse hábito de ver e rememorar se inscrevem
à experiência vivida.
minha própria família, meu pai, imigrante português, era o encarregado do ato
que, veio do Chile há anos atrás, e trouxe com ele a sua máquina fotográfica.
54
O ato fotográfico arraigou-se de maneira tal na construção das memórias
familiares, na sociedade ocidental, que é impossível falar sobre o passado sem ter como
Sobre a memória.
permite a atualização de memórias e, por conseguinte, a imagem que àquele grupo quis
perenizar para todo o sempre. A fotografia, devido ao seu caráter técnico, é o estatuto de
uma verdade anunciada e conclamada a ser preservada da ação do tempo, nos álbuns de
família, ao mesmo tempo em que confirma o relato de vida. Por outro lado, estes
mesmos relatos concedem elementos para que tais imagens possam ser devidamente
lidas e interpretadas.
comportamentos que permitem tanto recuperar formas de ser e agir dos diferentes
representações que deles ainda hoje perduram e atuam como elemento de coesão social
e transmite, uma memória que, ao definir o que é comum ao grupo e o que o diferencia
55
dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-
culturais. Geralmente tal coesão é realizada pela adesão do grupo à uma "comunidade
fundamentais em tal processo. Desta forma, entende-se por memória coletiva o passado
que se perpetuou e ainda vive na consciência coletiva. A base comum das memórias
vezes disponível, ou através da própria visita aos lugares, ou através de fotos de eventos
significativos.
mesmo tempo em que é o espaço onde tais recordações podem ser avivadas é também o
56
constrói uma determinada representação de si mesma que perdura no tempo e é
reiterada pelo ato de recordar. Recorda-se em família, os feitos de família, através dos
objetos guardados pela própria família, preservando o lugar social a ser ocupada por ela
imagens tão reais, retornam do passado; bisavós, avós, tios, primos, etc., retomando,
papel simbólico na legitimação da família, mas há que se saber ler nas "entrelinhas",
Miriam Moreira Leite: "convém distinguir, na leitura da fotografia, o que ela reproduz
reflexão aprofundada sobre memória, como o caminho por excelência para se operar
sobre as narrativas do passado. Fotografias e relatos orais são utilizados para “resgatar”
57
investindo na noção de construção da memória. Caminho aberto a uma reflexão
profícua.
passado, mas o faz a partir de um diálogo com textos presentes, investindo nesta relação
que, por sua vez, dialogam com as demais narrativas contemporâneas, bem como com
estabelece com a sociedade no qual está inserido e da forma pela qual se insere. Aliás, é
todos os momentos deste trabalho, utilizei-me do relato oral como forma de estabelecer
objeto fotográfico para a sua condição de mensagem que se processa através do tempo.
58
A primeira experiência realizou-se na pesquisa de meu doutorado. Trabalhei
foi cruzar dois tipos de agência de produção da imagem, tanto privada quanto pública,
para avaliar tal processo. Não cabe aqui relatar o trabalho como um todo, mas centrar na
temporalmente as fotos, num moto contínuo de construção de uma memória que estava
fragmentada dentro do baú. Não a entrevistei, gravei nossas conversas sobre as fotos,
das fotos saíam histórias, das histórias referências a outros textos. Junto com as
fotografias havia muitos recortes de jornais, misturando o passado mais remoto com o
passado mais recente, sem continuidade temporal, mas com unidade temática, eram
Não trabalhei com os jornais, pois investi no trabalho com memórias de vida,
Nosso álbum compôs um texto que dialogava tanto com o passado, como experiência
59
vivida, trajetória familiar consumada, quanto com o presente, dimensão temporal na
Menezes de Morais.
sua avó, a anterior guardiã das fotos, lhe contou sobre a família. Somou às histórias de
sua avó, seus estudos sobre genealogia, seu interesse por história do Império e seu
próprio projeto de vida, na construção de um texto sobre as fotos que, por vezes, me
período apesar de não ser o original, na organização das fotos no álbum surge o texto da
avaliação do verso das fotos para identificar os fotógrafos, era revelado o conhecimento
profundo sobre a história da cidade no século XIX, suas relações sociais, seus quadros
de poder, enfim, uma análise crítica sobre a sociedade de corte brasileira. Passado
60
No entanto esta é uma opção entre outras possibilidades de relação entre
Conclusão.
a nossa pergunta inicial – “uma imagem vale mais do que mil palavras”; escreveu “uma
imagem vale mais do que mil palavras desde que elas tenham as mil palavras para
provenientes dos relatos pessoais, contadas a partir da apreciação de uma imagem, são
Antônio, os biscoitos amanteigados que ela fazia eram simplesmente o máximo! E ele,
adorava uma conversa”. Por outro lado, diante da mesma foto, o filho do casal, nos
relata como sua mãe era superprotetora, ou como o seu pai o tiranizava. As fotografias
61
Neste texto tomei como referência o relato de dois guardiões da memória, e
desse relato busquei pistas e indícios para a compreensão de toda uma história que
inclui o vivido, o retratado, o lembrado e o que foi herdado, passado de avó para neto,
outras famílias, etc. No entanto, esta premissa não tem como objetivo a busca de uma
verdade que estaria oculta no entrelaçado histórico, ou ainda que evidenciasse que o que
foi dito “realmente aconteceu”. O que se coloca como fundamento epistemológico desse
oralidade e da visualidade.
Por outro lado, busquei refletir também de que forma as convenções sociais
foram sendo assimiladas, ao longo do tempo, por diferentes grupos em como forma de
não é somente uma motivação para fazer aflorar saudades e pesares, é também um
62
- II -
trabalhos publicados como capítulos de livros de maior alcance público compõe essa
segunda parte. Escolhi textos que buscassem dialogar com a renovação historiográfica
dimensão das práticas sociais e, por fim, na discussão sobre os espaços sociais da
XIX vêm, desde os anos 1980, renovando a sua perspectiva de análise num duplo
de suas memórias. O movimento negro organizado não data desse momento, mas ganha
força nos combates pela história que se travavam na arena pública. Não tenho condições
de me alongar sobre esse processo histórico, mas creio ser importante registrá-lo, na
medida em que se associa como fenômeno histórico, à renovação dos estudos brasileiros
Nos anos 1980 surgiram os primeiros frutos da ampliação dos programas de pós-
internacional, dar conta de uma “história que vem debaixo” (Burke, 1992). A tradução e
63
britânico” (Negro & Silva, 2001), foi fundamental para a incorporação do escravo como
toda uma geração de historiadores, romper com os padrões de uma sociologia que
tomava ao pé da letra o que diziam os documentos, dos quais, retiravam a famosa frase
de Antonil, que dizia ser o escravo, os pés e as mãos, do senhor de engenho. Assim, a
objeto animado.
parentesco. O que se observou foi a superação do documento único, que embora não
tenha sido abandonado, passou a ser reconsiderado à luz das séries documentais, tais
iconografia, etc.
Vale lembrar, dentro desse ambiente, a presença cada vez mais marcante da
documental de natureza variada, que serve a análise desses casos particulares. Segundo
essa abordagem, indício é a pista para desvendar o entrançado de relações sociais que
vida nos vestígios do passado, fui recolhendo registros visuais e escritos sobre a vida no
64
século XIX. Em tais registros negros e negras, adultos ou crianças, na sua condição de
escravo ou de liberto tinham uma expressividade que era fundamental avaliar, para se
escravidão.
dialogar com o regime visual do qual essa produção era tributária, inserir a fotografia no
seu circuito social, foram procedimentos fundamentais, para fazer surgir os sujeitos
Assim a imagem, antes de aparência imutável, ganhou o movimento das ruas nos
sob o som das canções de ninar, no abraço terno, na posse do corpo, enfim, no cotidiano
precioso suporte de relações sociais, que para se olhar com precisão, há de se atentar
Jogos de cena que encenam vidas que conformam histórias, mais uma vez as
imagens só falam se perguntas lhes forem feitas. Perguntas elaboradas no diálogo com a
65
com as práticas ilusionistas que tanto encantavam audiências teatrais em diferentes
partes do mundo.
capturar a realidade tal qual era vista, criando a ilusão pela busca de uma fidelidade total
ao real que pretendia representar. O segundo pela ilusão criava uma atmosfera de
realidade que fazia crer à uma audiência que lenços se transformassem em pombas. A
cada qual um aparato diferente de fazer iludir, um dispositivo para criar a impressão do
Rio de Janeiro, no século XIX, que possui todos os atributos de uma ilusão: harmonia,
revelava, ao primeiro olhar, sem contradições, mas a vida se revela nos detalhes. Foi
justamente pela busca das formas de iludir que a prática fotográfica ensejava, que
66
racionalidade, definindo-lhe como resultado de uma prática social. Assim os
mensagem fotográfica.
estatuto de duplo da própria cidade, sendo vendidas no exterior como a imagem fiel da
Capital do Brasil. Essa dupla indagação aponta para o lugar que visualidade ocupava na
ilusão.
efeitos de realidade, depois retorna para indagar sobre a função social da ilusão criada
pelo efeito de realidade produzido. No caminho de volta, as várias pistas deixadas sobre
tomados para compreender porque, ao longo da nossa história, foram sendo atualizadas,
Brasil: Marc Ferrez e Augusto Malta. Sua leitura sugere uma reflexão sobre o conceito
de trabalho criativo e as artes do fazer no século XIX que pode ser realizada tomando as
67
Garroni levanta a hipótese de que a criação original não é resultado de um gênio
que tem como aspecto central uma dialética de escolhas dentro de um campo de
possibilidades finito.
dentro dos códigos estabelecidos para a produção artística, de acordo com normas ou
Neste sentido, numa primeira instância, suas escolhas são realizadas “num
conjunto global de opções já dado e o seu oposto, isto é, como algo de já determinado
de algum modo, mesmo apenas de modo meramente negativo” (Idem, p.116); entretanto
precisar-se-á em função das opções negadas, quer ligando-se pelo menos em parte e
outros modelos históricos, quer tornando aptas à função de modelo operativo outras
opções possíveis, que até então tinham permanecido como puramente potenciais”.(idem,
p.117).
68
conscientes, ou ainda, nunca se tornam totalmente conscientes. No entanto, tais
relação entre fotografia e arte não ser nem de longe um ponto pacífico nos debates
travados nos salões oitocentistas. Fica, entretanto, o caminho aberto, em pensar que as
fotografias no XIX, serviam para iludir, encantar e imaginar, tais como as telas expostas
não seria a sua capacidade de criatividade plástica e visual, mas o seu público
arte.
experiência privada na sociedade brasileira dos séculos XIX e XX, segundo uma
abordagem da história cultural. A historiografia sobre a história cultural, desde final dos
anos 1970 vem redefinindo seus campos e canteiros, incorporando não somente temas
experiência social teve, por sua vez, as fronteiras redesenhadas, incorporando a esfera
significativa, pois apesar de as mulheres e crianças fazerem parte da história, não eram
69
valorizadas como sujeitos ativos na dinâmica social, por uma historiografia de ênfase
representar visualmente os ritos da vida católica nos séculos XIX e XX, é justamente o
intertextualidade, como princípio ordenador dos diversos suportes textuais que fornece
dos estranhos visitantes cujo acesso a casa limitava-se a grande sala. Nessa, os álbuns
classe. A memória construída pela fotografia era da ordem do emblema e da efígie, cuja
70
textos da escrita de si, não ficavam abertos ao público, pois eram da ordem da
intimidade. Sua leitura estava restrita ao seu autor e quando muito ao outro membro da
experiência privada, não quer dizer que esses não fossem também rituais festivos e
abertos a uma comunhão mais ampla, como experiência social concreta. O que de fato
los, essa ficando restrita o espaço da intimidade familiar. A escolha pela valorização dos
fotografia uma condição social, uma auto-imagem pública que decalcava o social ao
político.
nos espaços privados, foi se estreitando, a ponto das narrativas se confundirem, como
agenciamento político das imagens produzidas no âmbito dos eventos sociais familiares
vai ser realizado através dos contatos com as revistas ilustradas, permitindo a circulação
71
das fotografias do âmbito privado para o público. Assim a narrativa visual familiar
72
Capítulo 4.
imagem, antes limitada aos recursos da pintura. O barateamento dos custos como
amplia o mercado consumidor configurando uma clientela cada vez mais heterogênea.
vez maior de imigrantes pobres que utilizavam a fotografia como um meio de construir
verbais e não verbais, distinguindo os elementos que nos eram dados a ver pelo branco
sobre o negro e como o próprio negro se deixava ver pela sociedade branca.
73
A fotografia brasileira, amplamente premiada em diferentes exposições
nacionais e internacionais por seus panoramas e vistas urbanas, teve no retrato o meio
mais adequado para a aristocracia rural ver sua auto-imagem construída e perenizada
(Turazzi, 1995; Mauad, 1997). Fotógrafos que faziam fama através das premiações ou
XIX, apesar de todo o fascínio causado pelas vistas estereoscópicas, foi dominado pelo
muito cara, era apenas acessível à reduzida classe de ricos. [...] apercebeu-se que o
ofício não daria resultados a menos que conseguisse alargar a clientela e aumentar a
s/d, p.68).
requisitada por um público cada vez mais amplo que, por motivos de ordem econômica,
74
burguesia urbana era a principal clientela do retrato fotográfico, feito às dúzias para ser
presenteado e trocado por outros. Uma clientela enriquecida pela disputa colonial e
representação por falta de tradição nobiliária. Para este público, a fotografia reordenaria
definitivamente o retrato. Frente à câmara todos são iguais, artistas, sábios, homens de
com uma tomada se produzia vários retratos, quanto por sua capacidade de prover ao
cliente escolhas variadas, através de um catálogo de objetos e situações, nas quais podia
se adaptar aos moldes pré-estabelecidos. Desta forma, o estúdio do fotógrafo passa a ser
cortina; nos anos 1870, a ponte rústica e o degrau; nos anos 1880, a rede, o balanço e o
vagão; nos anos 1890, palmeiras, cacatuas e bicicletas e no início do século XX, o
automóvel. O próprio cliente se converteu, ele mesmo, num acessório de estúdio, suas
posição social.
A fotografia do período não abria mão da sua própria estética, como fica exposto
no livro Estética da Fotografia, publicado por Disderi, em 1862. Neste livro o fotógrafo
75
1. Fisionomia agradável
2. Nitidez geral.
brilhantes.
4. Proporções naturais.
6. Beleza.
estado, sábios e artistas, o cliente se satisfazia, pois via garantida da ação do tempo à
maioria das vezes ausente de seu cotidiano, revestia-se dos emblemas de classe, com a
instrumento. É preciso que antes de entrar no salão de pose, ele tenha esquecido na sala
retratos expostos, indagando sobre o seu valor artístico e o caráter de cada um deles,
possa apreciar e captar a pose e a expressão que melhor lhe convenha e que alguns
76
conselhos do artista lhe ajudarão a assumir. Tudo deve ser feito para distrair o visitante
e dar ao seu semblante uma expressão de clama e felicidade, para fazer nascer em seu
espírito idéias agradáveis, risonhas que clareando seus traços com um doce sorriso,
façam desaparecer daquela expressão séria que a grande maioria tem tendência a
social que, muitas vezes não lhe competia e a possibilidade de uma nova forma de
expressão adequada aos tempos do telégrafo, trem a vapor, enfim, há um tempo que
fotográfico, com toda a sua possibilidade de encenação, inventava uma memória para
vezes risível, mas na maior parte, crível. Uma imagem capaz de criar uma representação
ideal para ser lembrada no futuro; nos álbuns de família, guardiões das tradições,
inventadas ou não.
No Brasil a moda do retrato foi aceita como todas as demais que vinham do
fotografia na Corte do Rio de Janeiro, não se limitava aos setores mais ricos da
77
sociedade, a democratização da imagem pelo retrato envolvia também a produção de
influência francesa foi a marca deste tempo, reconhecida e assumida por seus próprios
Beauvais: “O brasileiro tem uma espécie de idolatria pela França. Nossos costumes,
nossas inclinações são grande parte os vossos; vossa bela língua nos é cara e nos é
familiar, [...] senhores quando chegamos em um país estranho, nós nos sentimos sempre
estrangeiros, mas se chegarmos na França, três dias não se passam e já nos sentimos em
de espetáculos era escrita em francês, “Une Nuit Terrible - A l’etude. Meredi 6 janvier -
78
espaços vazios da cidade. O movimento do Rio de Janeiro, nos seus odores, ruídos e
imagens, foi registrado pelo alemão Koseritz, em suas crônicas da Corte: “A vida de rua
longamente preparados contra tais impressões, mas o alienígena deve empregar meses
paralelepípedos.
copioso movimento das ruas, que na rua do Ouvidor, em dias de semana, chega ao
coloridas e cobertos de cartazes e tabuletas também em cores, nos quais se vende café e
com figuras de toda a sorte e pintados a óleo com letras enormes, que cobrem todos os
muros e paredes vazias. Até no interior dos cafés e restaurantes anúncios semelhantes
[...] estão nas paredes como tapeçarias. Estas figuras mostram que aqui o povo está se
americanizando” (Koseritz , 1980, p. 73-74). Curioso comentário para uma cidade que
teve a marca da cultura francesa, pelo menos até os anos quarenta do século XX.
A cultura visual dos jornais, revistas e das ruas abre uma janela para o cotidiano
às noções de conforto e bem viver. A maior parte da publicidade era ilustrada com
79
Nos periódicos e catálogos anunciavam-se de tudo: banhos de vapor e de saúde,
acompanhados ou não por choques elétricos; banhos de mar, “com um magnífico tanque
de natação”, aberto desde as quatro e meia da manhã, ou ainda os mais confortáveis que
oferecem “grandes camarins para famílias com espelho, pente, bacia com água para os
pessoas que assim o desejarem”; tintas para tingir o “cabelo, barba e bigode”;
para casa, repuxos e fontes de louças, bombas para poço e de alta pressão e para regar
de lei”; drogarias com “relações diretas com os principais droguistas de Londres, Paris,
Hamburgo, Gênova, Lisboa e New York” onde era possível qualquer “pedido de drogas
que lhes seja feito, por preços moderados”; artigos para eletricidade, telefonia, telegrafia
famosa da rua do Ouvidor, cujo nome - “Ao grande Mágico”- denota perfeitamente a
para o cabelo; remédios para depurar o sangue, expelir vermes, melhorar a pele, facilitar
80
a digestão, tratar vertigens, dor de cabeça, vômitos, enjôos entre outras mazelas; papéis
pintados; tecidos variados tais como: morim, algodão americano, brim de linho e
Segundo Reinado.
produziram imagens de escravos dentro e fora de seus ateliês. Christiano Jr. anunciava
cousa muito própria para quem se retira para a Europa”. Produziu uma variada coleção
81
delineada, neste caso, pela estética do exótico. Em outros o ângulo enfocado era o das
Ilustração 1 Ilustração 2
responsável por preciosas imagens onde o cotidiano tanto era recriado no estúdio quanto
captado no detalhe dos amplos panoramas. O primeiro caso é exemplificado por uma
negras vendedoras de frutas, doces e fazendas, sendo que uma delas traz pendurada, às
82
Ilustração 3
Victor Frond, no álbum “Brasil Pitoresco”, publicou litogravuras de fotografias,
onde o trabalho escravo na rotina das fazendas de café e açúcar tornou-se tema
fazendas de café. Numa das fotos, em imagens nítidas, definidas e detalhadas, o grupo
de negros, vindos do campo posa, ao ar livre, para o fotógrafo, não lhes evitam o olhar,
miram direto para a objetiva, encarando o fotógrafo, como se quisessem fazer a imagem
falar. Em outra o quadro é mais perfeito, pois ao retratar o trabalho de secagem do café,
Ilustração 4 Ilustração 5
83
Nas fotografias, tiradas no Recife, a ama-de-leite aparece com a criança
vestida com uma medalha no pescoço, é fotografada com o menino a seu lado, de pé,
recostado em seu ombro, ternamente lhe tomando o braço; o negro idoso, de fraque,
colete, gravata borboleta, bengala e cartola, posa sentado e cansado por toda uma vida
Ilustração 6 Ilustração 7
Em todas estas imagens o olhar fixo na objetiva, direto para o fotógrafo, mais
uma vez querendo dar voz à imagem. Olhares que dizem muito registraram para a
violência presente no cotidiano das relações sociais. Sobre esta os anúncios são
eloqüentes.
para os casos dos escravos indica que tanto o senhor poderia lucrar alugando o serviço
de seu escravo, quanto o próprio escravo poderia oferecer os seus serviços, em caso de
84
venda de negros, no sentido de avaliar a presença destes no cotidiano doméstico da
Corte e a forma como eles eram verbalmente representados. Por oposição às imagens
lógica:
Tabela 3
Aluga-se ou vende-se
Idade e qualidades (fiel, humilde, limpo, etc.) acompanhado do endereço para a negociação.
livre, perfeita engomadeira;[...] Também se aluga uma negrinha, escrava, para andar
com crianças e fazer serviço leve de casa” (Jornal do Comércio, 2/7/1878, p. 5).
atribuição da cor, mas com a omissão da cor: “Aluga-se dous rapazes de cor, um bom
85
caráter de mercadoria o mais valorizado, nestes o escravo era tratado como uma “peça”,
aluguel de casais, famílias, parceiros, mãe e filho e de lotes, não eram incomum. No
caso dos aluguéis, antes do endereço, eram expostas algumas condições, sendo a mais
trabalhos oferecidos os mais comuns eram os de: ama de leite (sempre com a
moleque de recados; carregador, trabalhador de roça, etc. Indicando que no espaço das
cidades o trabalho escravo especializava-se para além da divisão, presente nas fazendas
Ilustração 8 Ilustração 9
Os atributos masculinos e femininos se distinguiam pelo tipo de serviço
realizado. A mulher era sempre bem prendada, carinhosa com as crianças, sadia, com
86
moral burguesa que já estava se disseminando no Brasil, por este período. Já os homens
Tabela 4
pago pelo serviço mensalmente. Enquanto o aluguel de um “preto bom cozinheiro”, saía
por 35$ mensalmente, na década de 1870, o seu valor de compra não ultrapassava
âmbito doméstico. Fato também registrado nas fotografias, posto que, nas décadas
subseqüentes a abolição era comum o retrato de família, com o pai, a mãe as irmãs, os
fotografia, pautada nos cânones do retrato que, como vimos coordenava beleza e
harmonia, produz uma representação das relações sociais que valoriza a convivência
87
pacífica ao invés de uma conflituosa. Os anúncios, por sua vez, denotam um outro tipo
podem ser reconhecidos o olhar que a sociedade branca lança sobre o outro, o afro-
brasileiro.
cor negra e suas variantes parda e mulata, o domínio de uma atividade/ trabalho, a
transferiam o fotografado da rua para o estúdio, do seu local de trabalho para o espaço
branco. Neste contexto, como chama atenção Annateresa Fabris: “As imagens do pai de
que se vê neles, é a busca de uma dignidade derivada dos padrões sociais dominantes e
revelada pelas poses adotadas, e não uma relação pessoal profunda” (Fabris, 1997, p.11)
fotografado também se mostra, ele assume uma pose resultante de uma negociação,
confronto de quatro “personagens”: aquele que o retratado acredita ser; aquele que
88
gostaria que os outros vissem nele; aquele que o fotógrafo acredita que seja; aquele que
Ilustração 10 Ilustração 11
Ilustração 12 Ilustração 13
A construção da identidade do fotografado, nesta dinâmica de representação,
fica sujeita a um conjunto de mediações que vão desde a forma como, no caso estudado,
até o rigor do fotógrafo em obedecer aos cânones do retrato fotográfico. Sem deixar de
fotografado através de índices de resistência que podem se concentrar num olhar fixo
89
Ilustração 14 Ilustração 15
Ilustração 16 Ilustração 17
pelos retratos de estúdio, onde o fotografado ora aparece com atributos de um outro
90
Capítulo 5.
seus motivos prediletos à cidade do Rio de Janeiro. A cidade, seu casario, seus limites
(rural e urbano), seus costumes e seus espaços de sociabilidade diversa eram figurados
definição de detalhes.
radicado no Brasil Juan Gutierrez7. O ponto central da análise será apresentar a cidade,
filtrada pelas lentes de Gutierrez, definindo-lhes seus espaços e fronteiras, à medida que
O que os meus olhos virem. Com esta frase na ponta da pena, Robert Walsh,
capelão da comitiva do Lorde Strangford em visita ao Brasil nos anos de 1820, revela
suas intenções ao viajar pelo Brasil. A idéia de anotar tudo o que pudesse ver e ouvir
sobre o novo país, que estava por conhecer, vinha sempre acompanhada do desejo de ser
91
imparcial, como explica o capelão. “Irei para um país novo com a mente livre de
qualquer informação prévia, anotarei as coisas para informá-las a você à medida que
dos portos por D. João VI, em 1808. Para tais viajantes, a impressão causada pela visão
é a que fica, a que fornece o estatuto de verdade ao relato. O fato de ter estado presente,
mesma realidade. Uma primeira leitura mostraria uma paisagem plena de atributos de
oposição ao lugar de origem dos viajantes; uma segunda se estruturaria a partir dos
aspecto do lugar; e por fim, uma terceira chave de leitura, ancorada na tradição visual
que ensinara a figurar e a descrever o Brasil (Sussekind, 1990, p.39). Por outro lado, a
que lhe sustentava – verbal ou visual. O diálogo entre textos era uma constante, as
artistas encarregados de dar a ver o que todos tinham visto, traduzindo, pela linguagem
92
A demanda por um meio ágil de se registrar essa experiência foi se acentuando ao
equívoco estranho que tem a ver com sua natureza de arte mecânica: o de ser um
instrumento preciso e infalível como a ciência e, ao mesmo tempo, inexato e falso como
a arte. A fotografia, em outras palavras, encarna a forma híbrida de uma “arte exata” e
Entre arte sublime e técnica pura se desenrola o debate em torno dos usos e funções
obra de arte como fruto da subjetivação do artista, resultado de seu espírito criativo; o
concretas.
Neste sentido, para analisar o conjunto de 118 fotografias produzidas por Gutierrez
nos anos de 1890, é necessário situar a produção da fotografia de vistas urbanas numa
dos riscadores das expedições da primeira metade dos Oitocentos, mesclaram à lógica
93
figuração da paisagem se desdobrou em duas modalidades: uma que aperfeiçoou a
figuração pela linguagem pictórica, utilizando-se das diferentes técnicas da pintura; uma
outra que, partindo da busca de uma visualidade ideal a mais próxima possível do olho
humano, criou a fotografia. Esta última tem como paradigma a figura de Hercule
Florence, o ilustrador que inventou a fotografia, isolado na vila de São Carlos, nos idos
anos 1830, por necessitar de um meio para a documentação o mais fiel possível à visão
por sua vez, mais uma interpretação desta mesma realidade, pois, ao mesmo tempo em
invalidando, com isso, a ambição de cópia fiel da realidade. A fotografia é sempre uma
A estética realista almejada pela fotografia oitocentista pode ser entendida como
uma tentativa frustrada de ser o desenho feito pelo sol, ou, como queria Talbot, “o lápis
da natureza”, que, por sua vez, gera uma solução inovadora. No entender da historiadora
tornar qualidades peculiares de uma linguagem que contradiz status de produto real
1993, p.215).
como linguagem própria, “mas será responsável pela transformação em senso comum
de uma visualidade, que germinava no círculo restrito dos produtores da obra de arte”
94
(Idem, p.228). A imagem fotográfica coloca-se no contexto das múltiplas leituras para
paisagem circundante, como àquela que descrevia, com base no que já tinha visto
período em que o crescimento das cidades e da indústria estava gerando uma vasta
resposta à crescente influência das áreas urbanas. Neste processo, a fotografia assume o
vivência urbana como elaborando uma resposta plástica específica à questão de como o
O processo acima descrito tem como agente o fotógrafo que, através do ato
duplo de uma realidade cuja reelaboração tem a marca de sua autoria. Na condição de
fotógrafo, ou pela própria assinatura na imagem, à maneira dos pintores, como fazia
Ferrez e Malta, localizava o autor e atuava como marca de distinção e pertença sociais.
95
Existe uma diferença entre a paisagem ou o retrato produzido por Disderi ou Nadar, por
Juan Gutierrez ou Insley Pacheco, por Ferrez ou Malta. O lugar ocupado pelos vários
artístico.
Pedro Vasquez conta que Gutierrez foi o penúltimo fotógrafo a receber o título de
pouco aproveitou como marca de distinção, tendo em vista a queda do regime meses
depois. No entanto, o fotógrafo não se fez de rogado: já no ano seguinte, no verso das
Sua adequação à nova ordem institucional não se limitou aos emblemas e efígies.
Armada. Algumas destas fotos, juntamente com outras sobre a paisagem da cidade do
Prudente de Morais quando da sua posse. Todos esses indícios caracterizam sua posição
96
Desde que chegou da Espanha, em fins da década de 1880, Gutierrez abriu
da geografia dos estúdios do Rio de Janeiro, estava muito melhor situado – uma área de
excelência que dividia com a rua do Ouvidor a disputa pelas vaidades mundanas,
que não foi muito disseminado no Brasil. Além desse processo, encontram-se
processos internacionais, o atendimento a uma clientela distinta ávida por eternizar sua
entanto, foi retratando a cidade que Gutierrez adquiriu sua distinção no campo
97
Encenação da paisagem: do panorama ao detalhe; do símbolo ao índice, a cidade
nome Brogi escreveu em 1885, que: “É necessário que o operador tenha muito
luz mais favorável para obter daqueles justos contrastes de claro-escuro, de meios-tons,
fator principal da fotografia (a luz) para realizar seu trabalho.” (Apud.Fabris, 1993, p.
186)
visuais do seu tempo. Daí seu grande sucesso e disseminação tanto na forma de retrato
quanto de vistas.
Ainda na sua avaliação sobre o ato fotográfico, ficam evidentes nas preocupações
de Brogi, que tal combinação deveria ser feita com base numa linguagem definida por
capta a luz irradiada por todos os objetos, sendo necessário para uma boa foto o controle
98
Os recursos técnicos disponíveis no final do XIX já habilitavam muitos fotógrafos
nuvens do céu, evitando o céu chapado. No entanto, como chama atenção Vânia
Carvalho, apesar da atualização tecnológica dos fotógrafos brasileiros, parece que estes
resolveram “desviar o olhar do céu para a terra e assim valorizar os elementos no plano
vistas urbanas constituíam uma forma de representação visual da cidade que reuniam a
resultado era inovador. A imagem fotográfica seria, portanto uma representação do real/
uma cidade que pode ser esmiuçada nos detalhes do arruamento, infra-estrutura,
sentidos com a amplitude e equilíbrio das formas e volumes, estratégia típica das fotos
de panorama.
forma da expressão e do conteúdo elaborada por Gutierrez em seu conjunto de 118 fotos
Passamos a partir deste ponto a analisar esse conjunto de fotografias segundo uma
99
fundamental. Portanto, a análise seguirá a ordem dos campos espaciais encontrados na
Visualizando a cidade.
sensibilizadas retornavam às suas caixas, sendo, mais tarde, reveladas e as cópias feitas
por contato.
Cabe ressaltar que tais escolhas não são feitas de forma aleatória. Como bem
mostrou Brogi acima, existe a necessidade de saber dominar a linguagem para compor
escolher uma determinada forma de expressão e não outra Gutierrez investiu de sentido
suas fotografias. Em tais escolhas, além de valores técnicos e estéticos, estão em jogo,
fotógrafo provinha, atuando como mediador cultural, cuja prática artística só pode ser
Tabela 5
100
Tipo da foto
Posada 93,0%
Instantânea 7,0%
Sentido da foto
Horizontal 85,5%
Vertical 14,5%
Direção – ponto de vista do fotógrafo
Da direita para a esquerda 44,0%
Da esquerda para a direita 9,5%
Centralizada 46,5%
De baixo para cima 5,0%
De cima para baixo 57,0%
Nivelada 38,0%
Distribuição de planos
1 plano -
2 planos 24,5%
3 planos 55,0%
4 planos 20,5%
Objeto central
Figuração 2,5%
Objeto exterior 17,0%
Paisagem
Densamente edificada 36,0%
Regularmente edificada 16,0%
Escassamente edificada 11,0%
Não edificada 17,5%
Arranjo e equilíbrio
Concentração inferior 68,0%
Concentração mediana 32,0%
Concentração superior 0%
Linha reta 57,5%
Semicírculo 38,5%
Espalhada 4,0%
Diagonal 51,0%
Nitidez
Foco
Tudo no foco 67,0%
Foco desigual 33,0%
Fora de foco 0%
Impressão visual/textura
Linhas bem definidas 73,0%
Linhas definidas 27,0%
Iluminação
Clara com sombras 62,0%
Clara sem sombras 38,0%
Escura 0%
(em geral 27 x 19 cm), retangulares, posadas, horizontais, com equilíbrio entre o ponto
101
visual descensional em detrimento da nivelada; três planos; a paisagem como objeto
central em 80,5% das fotos; com concentração na parte inferior e elementos arranjados
Para o item nitidez o padrão encontrado foi o composto por imagens com todos os
simbolizado, passa pelo filtro do olhar de quem vê, como um sujeito cultural e histórico,
fotográfico, como modo de representar a cidade, é uma prática social ancorada num
equilibradas com forte valorização dos aspectos terrestres, em detrimento do céu que,
É fato que, num primeiro momento, a relação com a pintura de paisagem parece
automática. Gutierrez fotografa o que vê através do que já tinha visto, numa pintura de
102
fotográfico, realiza uma nova imagem, cujos elementos e seu arranjo a diferenciam da
pintura.
somente seu elemento de sustentação, mas aquilo que a distingue como forma de
expressão original, como reflete Grahan Clarke: “In essence, a panoramic view suggests
control and possession by the eye. As its derivation implies (Greek pan = all), we see all
of a city from a single point of view. The eyes imagines that it dominates a dense and
disparate space whilst simultaneously keeping the city at a distance. The view suggests
the totality of the urban scene and, crucially, makes the eye of the viewer the center of
from an upstairs window, the photographer has always attempted to rise above the
street: looking up toward the sky. Such a vertical axis has a dense symbolic function
and, especially in relation to New York, accrues a distinctive tradition in its own
celebram a cidade e produzem uma hierarquia, através da qual compomos seu mapa
Reconstruindo a cidade.
103
possibilitou distribuição das fotografias pelos principais locais da cidade, segundo o
Movimento urbano
1. Atividade do mercado: MERC
2. Aspectos do transporte: TRANS
Panorama urbano
3. Vista geral da cidade: VGC
4. Região portuária em perspectiva: RPP
5. Região portuária – Instalações: RPI
Região litorânea
6. Movimento costeiro: MC
7. Litoral do centro com casario: LCC
8. Região central – densidade de edificação, aspectos do arruamento, morros com edificação, morros sem
edificação, destaque para as construções religiosas, laicas e públicas: RC
9. Região Florestal (com benfeitorias urbanas): RFU
10. Prédios Públicos: PP
11. Região residencial com casario e perfil dos morros: RR
12. Praia residencial: PR
13. Fábrica: F
14. Beleza natural (sem edificação): BN
15. Arrabalde em fase de urbanização: A
16. Ponto turístico: PT
Panorama marítimo:
17. Ilha sem identificação: I
18. Praia tropical: Pt
19. Parques e Jardins: PJ
Este conjunto de temas se distribuiu pela cidade de acordo com o seguinte mapa:
Tabela 6
Local retratado Tema retratado
M TR VG RP RP M LC RC RF PP RR PR F A BN I PT Pt PJ
ER AN C P I C C U
C S
Centro da cidade
Cais Pharoux – mercado de peixe 6 6
Cais Pharoux – adjacências 1 1
Cais dos mineiros 1 1
Docas da alfândega 1 2 3
Saco da Gamboa 1 1
Arsenal da Marinha 1 1
Mosteiro de São Bento 1 1
Ilha das Cobras 1 1
Ilha Fiscal 2 2
Praia de Santa Luzia 4 4
104
Passeio Público e adjacências 1 1
Centro da Cidade 9 1 10
Morro do Castelo 3 3
Praça XV e adjacências 1 1
Rua Larga 1 1
Lapa e adjacências 4 4
Praça da República e adjacências 2 2 1 5
Morro de Santa Tereza 2 2
Morro do Senado 2 2
Praça Tiradentes 1 1 2
Locais indefinidos
Ilha na Baía de Guanabara 1 1
Conjunto da cidade
Rio visto da Ilha de Villegagnon 1 1
Rio visto da Floresta da Tijuca 2 2
Rio visto do Corcovado 2 2
Niterói
Pedra do Índio 2 2
Pedra de Itapuca 2 2
Paquetá 3 1 4 9
Floresta no Rio
Caminho do Silvestre 3 3
Paineiras 2 1 3
Estrada do Corcovado 1 3 2 6
Mirante Chapéu de Sol 2 2
Bairros fora do Centro
Catete 3 3
Flamengo 2 2
Praia do Russel 1 1
Glória 3 3
Largo do Machado 2 2
Laranjeiras 2 2
Jardim Botânico 1 7 8
Praia da Saudade / Enseada Urca 3 2 5
Copacabana 1 4 5
São Cristóvão 1
Botafogo 2 1 2
Totais 6 3 1 2 1 5 25 3 9 21 11 4 9 1 4 4 9
105
Em termos de região, a geografia da cidade se reconfigura entre o centro e fora do
localidades, já no final dos oitocentos. Fora do centro passa a ser o lugar da moradia, do
cidade através da conquista da floresta e dos arrabaldes pela civilização que avançava.
beleza natural sem edificação; Botafogo, Flamengo, Laranjeiras, Catete, Glória/ áreas
arrabalde em fase de urbanização e área escassamente edificada. Estes pares criam uma
oposição entre o espaço edificado e não edificado, entre o natural e civilizado, criando
uma hierarquia cujo valor estético das imagens e das belezas naturais é o elemento de
distinção.
civilização, valor absoluto para a modernidade de fim de século. Não podemos analisar
as imagens de Gutierrez a partir do que sabemos que foi feito da cidade, anos depois,
centro da cidade, o fotógrafo conformava essa região num quadro de harmonia com a
imagens da região central com as possibilidades abertas pelas fronteiras do olhar, que se
106
lançavam rumo aos arrabaldes, revelava sua saturação e apontava a necessidade de
reformas.
Paralelamente, a ênfase dada, nas suas imagens, à ação do homem sobre a natureza,
uma nova concepção de beleza. Não há, portanto, um juízo de valor estético em relação
inegavelmente belas. Uma beleza realizada e uma a realizar, tendo o Homem como seu
artífice.
A cidade vivida.
somente 30% das imagens aparece alguma figuração, distribuída de acordo com o
seguinte quadro.
Tabela 7
Figuras Transeuntes Mulheres Mulheres Homens Homens Crianças Animais
retratadas indefinidos negras brancas negros brancos
Atividade
Transitando 5 1 2 1 2 1 1
Trabalhando 3 2 2 2
Conversando 1 1 1 1
No bonde 2
Posando 1 1 15 1
p.foto
Indumentária
Roupas 3 4 4 15
simples de
trabalho
Roupa 3
estilizada
(baiana)
Roupas de 2 2 1 2
passeio
Posição das pessoas na foto
1° Plano e 3
objeto
central
1° Plano no 2 1 4 15 2 1
107
contexto da
paisagem
2° Plano 4 1 1 1
3° Plano
Local da Cais Cais Praça da Cais Cais Paquetá; Praça XV e
cidade . Pharoux- Pharoux e República e Pahorux e Pharoux e Praça XV e adjacências
mercado de adjacências Adjacências; adjacências, adjacências, adjacências =
Peixe; Cais = 4 fotos Botafogo= Caminho Praça Da = 2 fotos 1 foto
Pharoux 2 fotos do silvestre República e
adjacências; = 3 fotos adjacências,
Rua Larga; Praça
Praça da Tiradentes,
República e Pedra de
adjacências, Iatpuca,
Mirante Paquetá;
Chapéu do Estrada do
Sol, Corcovado;
Copacabana Copacabana
= 9 fotos = 15 fotos
representatividade se faz tanto pela lógica do pitoresco quanto pela sua inserção na nova
enquadrava o que via, segundo um modelo anterior e ideal, da ordem do pitoresco. Mas
o que finalmente revelava eram as condições desiguais e precárias das camadas recém-
108
divulgados pelos retratistas, abrindo caminho para o tempo da fotorreportagem, pela
Os detalhes da cidade.
suas unidades culturais, os objetos adquirem uma função sígnica, como vetores de
relações sociais. Via de regra, estes objetos se apresenta, na imagem fotográfica, a partir
de uma tipologia básica: objetos interiores, exteriores e pessoais. Tais objetos indicarão
Tabela 8
Objetos retratados Objeto central Distribuídos entre os
por fotos planos-contexto da paisagem
Exteriores
Barcos 3 19
Postes 16
Cestos 3
Caixas 3
Toldos 5
Guindastes 9
Prédios públicos 6 27
Edificação militar 4
Construção religiosa 2 17
Diversão pública 2
Construção provisória 1
Construção precária 9
Casario (casas baixas e sobrados) 2 42
Palácios e chácaras 1 6
Prédio de fábrica 1 1
Casa de operários 1 1
Material de construção 5
Jardins 7 13
Pátios e terreiros 8
Lojas 3
Quiosques 7
Hotel 1
Mercado 2 5
Arborização 1 41
Vegetação 35
109
Palmeiras 33
Torres das igrejas 17
Telhados 32
Chaminés 19
Sacadas 1
Lixo 5
Fachadas 24
Estações 6 6
Ilhas 2 2
Tílburis 4
Bondes 4
Trem 1 3
Trilhos 2 10
Transporte de carga 2
Barcas ou ferries 2
Funicular 1
Mirante 2 3
Estábulo 1
Estátuas 1 2
Chafariz 2
Mastros 7
Canteiros 1 7
Cercas, muros e gradil 13
Objetos pessoais
Guarda-chuva 3
Roupas secando 3
A lógica presença dos objetos – maciçamente exteriores – na fotografia de
edificado, urbanizado, com ênfase em prédios associados a alguma forma de poder, mas
que se mantém em harmonia com sua fronteira natural. Em 55% das fotos encontram-se
três planos, distribuídos de modo a colocar ao fundo os, ou seja, Gutierrez enquadrava a
110
Por outro lado, o olhar acurado desvenda nos detalhes da montagem elementos
cidade traduzida por seus detalhes é também uma cidade que opõe o centro ao
balneário: nas fotos da rua Santa Luzia, emoldurada por coqueiros, daria quase para
perturbada pela historicidade da imagem, que, por seus indícios e detalhes, aponta as
aos rés do chão e detalhando a cidade nas suas múltiplas contradições sociais.
111
Capítulo 6.
cidade, adequada ao seu papel de Capital, tanto do Império quanto da República. Por
urbana.
agora só era conhecida no Rio de Janeiro por teoria, [...]. Hoje de manha teve lugar na
vez que a nova maravilha se apresenta aos olhos dos brasileiros. Foi o abade Compte
que fez a experiência: e um dos viajantes que se acha a bordo da corveta francesa
facilidade com que por meio dele se obtém a representação dos objetos de que se deseja
112
conservar a imagem [...] E preciso ver a cousa com seus próprios olhos para se fazer
Largo do Paço, a praça do Peixe, o mosteiro de São Bento, e todos os outros objetos
bem se via que a cousa tinha sido feita pela própria mão da Natureza, e quase sem a
século XIX. Numa sociedade em que grande maioria da população era analfabeta, tal
então reservadas a pequena parte da elite que encomendava a pintura de seu retrato. A
113
paisagismo dos grandes panoramas, daí a utilização de chapas de grande formato serem
vistas e panoramas pintados. Marc Ferrez, fotógrafo brasileiro que atuou na Corte a
distribuição clara dos planos é a marca fundamental. Uma estética cuja função
produzido pelas pinturas, aquarelas e desenhos. Como bem avalia Solange Ferraz de
“Ao escolher temas variados e isolados entre si para compor as vistas, tais imagens
equivale pelo que aparenta não pela realidade” (Lima, 1993, p.79). Guardando tal
perspectiva, a fotografia brasileira no século XIX teve como espaço de excelência para a
no verso dos retratos dos fotógrafos da Corte, como marca de distinção e qualidade de
seus serviços. Apesar de a premiação ser dada pelos belos panoramas realizados, era o
retrato o que mais atraía a clientela já consolidada na Corte na década de 1860. Aliás, o
século XIX, apesar de todo o fascínio causado pelas vistas estereoscópicas10, foi
114
Ilustração 18
A pose é o ponto alto da 'mise-en-scéne' fotográfica no século XIX, pois através
idéia de performance, ligada ao fato do cliente assumir uma máscara social que, muitas
vezes não lhe competia e a possibilidade de uma nova forma de expressão adequada aos
tempos do telégrafo, trem a vapor, enfim, um tempo que tinha como diversão imaginar
na emulsão fotográfica uma vontade de ser, algumas vezes risível, mas, na maior parte,
crível. Uma imagem produzida dentro de um regime visual cuja função era a de ser uma
criando seu circuito social composto por fotógrafos de diferentes procedências que
socialmente.
115
habitantes integram o estoque de bens colocados a disposição para o consumo e
fotógrafo, ou pela própria assinatura na imagem, à maneira dos pintores, como fazia
Ferrez e Malta, localizava o autor e atuava como marca de distinção e pertença sociais.
Existe uma diferença entre a paisagem ou o retrato produzido por Disderi ou Nadar, por
Christiano Júnior ou Insley Pacheco, por Ferrez ou Malta, o lugar ocupado pelos vários
cuja organização estruturava tal campo, dentre estes se destacam: o acesso às inovações
este.
Tomemos dois fotógrafos de dois tempos, para compor tal idéia: Marc Ferrez e
Augusto Malta.
fotógrafos de seu tempo, reivindicou de modo claro sua opção pelo paisagismo e fez
116
mais usuais, à época, de ateliê ou estúdio [...]”( Vasquez, 1995, p.30). De fato Ferrez se
Devido a esta escolha Ferrez estava sempre envolvido com algum projeto
embarcações, que lhe valeu o título de Fotógrafo da Marinha Imperial. Além deste título
neutralizar o balanço das ondas do mar, quando fotografava embarcações; foi um dos
exploração comercial dos cinemas, além de ter desenvolvido uma gigantesca câmera,
imperial, denotando através desta escolha sua situação no interior do campo fotográfico.
Augusto César Malta de Campos, alagoano, nascido em 1864, veio cedo para o
Rio de Janeiro, dedicando-se, desde então, a um rol variado de atividades. Foi vendedor
117
fotógrafo aos 36 anos, vendedor ambulante de tecidos, atividade na qual conquistou
prefeito através das inscrições que realizava em suas fotos, nas quais indicava os prédios
que necessitavam serem colocados a baixo, entre outras opiniões sobre a cidade e seus
cliente por mais de 40 anos. Malta não foi honrado com premiações: seu capital
simbólico estava representado pela proximidade que mantinha com o poder, portanto,
internacional.
Ambos são exemplos claros de fotógrafos que, apesar de não terem uma origem
social de classe dominante, atuam no sentido da produção de bens culturais que são
118
construção do projeto hegemônico de sua representação política. No entanto, à medida
distingue, dos demais fotógrafos, como àqueles que produzem sentido social,
colonizador.
cada vez maior circulação de pessoas entre diferentes países. Neste caso, o pitoresco é
119
um índice cultural e o turista pitoresco busca cenas ideais pautadas em determinados
pressupostos não ditos, numa mirada penetrante, que tem a ver, tanto mais com um ideal
imaginado, do que propriamente com o que está sendo visto. O segundo buscaria
XIX, como explica a historiadora Vânia Carvalho, reintroduz a noção de “belo ideal”
Augusto Malta11. Vale lembrar, que tais produções estariam associadas à posição de
Marc Ferrez é o fotógrafo dos grandes panoramas, nos quais a cidade surge na
sua totalidade, como espaço a ser possuído e controlado pelo ponto de vista de quem
120
fotografa. O olhar panorâmico cria a ilusão de que, o espaço denso e extenso, está sendo
distancia.
mesmo tempo em que centraliza esta totalidade a partir do seu olhar. O resultado dessa
resultado da síntese de uma tradição pictorialista com os elementos trazidos pelo uso de
elaborar um novo padrão de visualidade. No entanto, ainda no século XIX, este padrão
não está plenamente definido, estando as imagens ainda bastante ancoradas no ideal de
beleza clássico.
extenso e equilibrado, mas delimitado. Os limites apesar de serem os naturais, tais como
os morros e o mar, indicam que a extensão do espaço e da natureza está sob controle.
Por outro lado, o eixo vertical, definido pelos ícones – torres das igrejas, prédios mais
altos, morros com construções -, que celebram a cidade e produzem uma hierarquia,
do espaço urbano.
fotografias de panorama das décadas de 1880 e 1890 tal ordenamento era fornecido pelo
121
torres de igrejas definia as regiões habitadas da cidade. À medida que ela é reformada os
paisagem do Rio de Janeiro, sugere o limite, o outro lado da cidade, um espaço para o
composição. Já nas fotos de plano médio, a figuração atua tanto como elemento
como o lado pitoresco da vida cotidiana – a famosa série dos tipos de ambulantes que
Augusto Malta inicia seu trabalho de fotógrafo, bem depois de Ferrez, e desde o
início já associou à sua profissão de fotógrafo uma missão política: reeducar o olhar do
estão alocadas as imagens produzidas para a prefeitura da cidade por mais de 30 anos
pública, limpeza pública, matas e jardins. Além disso, registrou todo o processo de
122
Fora da prefeitura Malta mantinha sua atividade regular de fotógrafo, registrando a
cidade no seu cotidiano por dentro e por fora de seus diversos espaços de sociabilidade.
variava em torno do plano geral (ou panorama), plano conjunto, plano médio, plano
americano (ou meio-plano) e primeiro plano, sem estabelecer uma hierarquia entre
da cidade, ao burburinho caótico que misturava ambulantes com seus pregões, burros
concebe como centro da totalidade, mas como parte do constante movimento urbano.
Ao colocar-se neste nível, o olhar do fotógrafo Malta promovia uma negociação entre os
espaço, que compõem a dialética de como a cidade veio sendo visualizada ao longo das
últimas décadas do XIX. O resultado foi a criação de imagens de um tempo que passava
ocidental.
123
como referente para a fotografia. Se no XIX a cidade tornara-se um tema central para a
câmera fotográfica, sua expressão ainda era um misto dos cânones da pintura romântica
mais a função de ordená-la como paisagem, mas de estabelecer os termos para figurá-la
impressa pelo novo século ao cotidiano das cidades: o instantâneo fotográfico passa a
124
Capítulo 7.
distinção entre os pares sociais e modelo para as demais camadas da população, que se
para todos os participantes até o registro quer seja por fotografia ou mais recentemente
meados do XIX até a consolidação do modo de vida burguês nos anos de 1950 (Mauad,
1990, 2002). Mudanças essas capazes de criar uma imagem-monumento que deixasse
Neste processo a imagem fotográfica vai assumindo um papel cada vez mais
tempos:
125
imagens que se produziam e a presença dos ritos da vida católica no cotidiano das
escritas com as ausências nas imagens, buscando-se entender o porquê a imagem de tais
ritos não se constituía como uma representação para a sociedade oitocentista – mesmo
fotografia atinge a privacidade dos lares, passa a fazer parte do cotidiano social, tendo
imagem fotográfica. O que antes era relatado no diário de família, passa a compor o
narrativa das memórias familiares, as fotografias sobre eventos religiosos, tem como
publicização do evento religioso pela imagem fotográfica estava associada a uma nova
partir da aproximação desta disciplina com as demais disciplinas das Ciências Sociais,
126
teóricos, merece um pouco mais de atenção, dada a sua característica muitas vezes
polissêmica.
Desta forma, tal como aponta Roger Chartier, o conceito de representação tem,
tensão entre duas famílias de sentidos: por um lado, representação como dando a ver
uma coisa ausente, o que supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e
aquilo que é representado; por outro lado à representação como exibição de uma
(1°) Representação como imagem presente de um objeto ausente. Aí, identificada com
uma noção, já ultrapassada de signo, que o definiria como algo que mantém uma relação
127
individuais e coletivos. Dentro desta perspectiva, a definição proposta por Sergei
código para dominar e classificar de maneira unívoca as partes do seu mundo, de sua
Claro que tal definição, não se distancia muito da de Chartier quando ele
valores e sentimentos com a dinâmica do mundo social: “Em primeiro lugar, o trabalho
seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma
fundador é o de habitus. Para Elias, habitus é a forma de sentir e agir não reflexiva, o
128
equivalente a uma segunda natureza que, através da disciplinarização das pulsões e do
humana.(Elias, 1992)
geradores das práticas das representações mesmas, que envolvem tais práticas. Tais
cultural, ou para evitar equívocos, habitus. Bourdieu define habitus como um sistema
longo de seu crescimento, nas diferentes etapas de sua vida, estaria norteado pelo
fundamenta, ou seja, também se fundamenta num habitus. Muito mais do que uma
sempre uma presença. Não substitui a experiência vivida, mas institui, a cada fotografia
tirada, a cada fotografia admirada, uma nova experiência. Portanto antes de representar,
inscrito na imagem fotográfica, a diferencia das demais imagens, sempre associadas aos
signos icônicos: “A fotografia não fala (forçosamente) daquilo que não é mais, mas
apenas e com certeza daquilo que foi [...]. Diante de uma foto, a consciência não toma
129
fotografia consiste em ratificar o que ela representa [...] a fotografia é indiferente a
qualquer revezamento: ela não inventa; é a própria autenticação; raros artifícios por ela
quando trapaceia [...], ela jamais mente: ou antes, pode mentir quanto ao sentido da
coisa, na medida em que por sua natureza é tendenciosa, jamais quanto a sua existência.
Impotente para as idéias gerais (para a ficção), sua força, todavia, é superior a tudo o
que o espírito humano pode, pôde conceber para nos dar garantia da realidade”.[...]
Toda a fotografia é um certificado de presença. Esse certificado é o gene novo que sua
pela luz, da superfície fílmica, o ato fotográfico foge ao controle humano é pura escrita
estabelece com sua situação referencial, tanto índice, quanto ícone como símbolo, ou
130
fotográfica como impensável fora do próprio ato que a faz ser, quer este ato passe pelo
receptor, pelo produtor ou pelo referente da imagem. Espécie de imagem ato absoluta,
inseparável da sua situação referencial, a fotografia afirma por isso sua natureza
relativo, como tantos outros comportamentos ao habitus de cada época e grupo social.
âmbito familiar pode ter mudado na forma mantendo, no entanto, a substancia que a
“Toda a prática do álbum de família vai ao mesmo sentido: para lá das poses,
dos estereótipos, dos clichês, dos códigos datados, para lá dos rituais de ordenação
batismo, comunhão, casamento, férias, etc.) o álbum de família não deixa de ser um
objeto de veneração, cuidado e cultivado [...] abre-se com emoção, numa espécie de
131
cerimonial vagamente religiosos, como se tratasse de convocar os espíritos.
Seguramente, o que confere um tal valor a esses álbuns não são nem os conteúdos
grau de semelhança e realismo das fotografias, mas a sua dimensão pragmática, o seu
vestígios físicos de pessoas singulares que estiveram ali e têm relações particulares com
os que guardam as fotografias. Só isso explica o culto de que são objeto as fotos de
relativos à vida religiosa. É, a partir da dialética entre aquilo que a fotografia apresenta e
aquilo que ela silencia, sobre os ritos da vida religiosa, que refletiremos sobre as
prática que, por sua vez, engendra uma forma de apropriação, sendo a história cultural o
estudo dos processos com os quais se constrói o sentido. Dito isso, como interpretar a
ausência de imagens dos ritos da vida religiosa – batismo, comunhão e casamento -, nos
Ao contrário, esta ausência, nos obriga, em primeiro lugar, a refletir sobre qual o papel
132
fotografado a relação com tal ausência.
José Pereira das Neves, rememora os fatos mais significativos de sua vida. Anualmente
sua narrativa, como fio condutor de um tempo que já passou, mas que é atualizado no
início do manuscrito, antes de iniciar a narrativa dos anos, José Augusto, faz uma breve
biografia de cada um de seus 10 filhos. Em tais sumários biográficos a data com hora e
morriam pequenos.
em reuniões de família, ocasiões para comprovar sua vitalidade e renovar seus atos.
Rita, com idades que variaram entre 3 meses de vida a 1 ano e três meses. Somente um
deles, a filha Annita, foi batizada “no oratório do colégio da prima Rosinha a rua
Miguel de Frias, para o que pedi licença ao vigário da Matriz de Santa Rita”.
O horário da cerimônia de batismo era livre, sendo o mais cedo às sete e meia
da manhã e o mais tarde às cinco horas da tarde, depois se seguia uma breve celebração.
entre parênteses a relação que os escolhidos mantinham com a família, isto porque,
133
“tanto o padrinho quanto a madrinha têm a função oficial de assegurar a educação do
afilhado, no caso da perda dos pais. Mas acima de tudo são encarregados de presentes
ritualizados.”
pequenos, como fica explicitado, na seguinte passagem: “O padrinho lhe fez o enterro
com toda a crença. Deus lhe dê o ceo pobre filhinha – tão esperta e engraçadinha”.
podia ser encontrada na fotografia. O retrato de crianças mortas não era raro nos álbuns
de família, denotando que esta forma de ritual não era interditado ao retrato,
inscrevendo a morte na imagem como forma de perenizar a presença do ente que se foi.
Uma presença que não se consome com o tempo e se atualiza a cada novo olhar. Mesmo
título de ‘mais belo dia da vida’. Sob muitos aspectos ela antecipa o papel do
véus de musseline para as meninas e o sóbrio traje negro para os meninos – até a mise-
forma de garantir, mais cedo a pureza da alma, ao mesmo tempo em que buscava
reduzir o luxo que rodeava tais celebrações. Entretanto, ao longo do XIX, a primeira-
comunhão era feita entre 10 e 12 anos. Somente no século XX, que a data dos sete anos,
pretendida pela Igreja, torna-se obrigatória com o decreto papal de 8 de agosto de 1910.
134
(Martin-Fugier, 1991, p.250).
de sua filha mais velha, com bastante emoção, denotando a importância do ato: “A 15
Botafogo, dirigido pelas irmães. Fomos todos assistir a tão solenne acto. Deus lhe
O casamento dos filhos também merece nota, na narrativa dos fatos notáveis da
pertencentes a uma possível elite urbana, o casamento era a garantia de que as filhas
educação feminina era voltada para este destino. Algumas vezes precoce demais.
O interessante é que a família Pereira das Neves possui fotografias que seguem
o padrão das coleções fotográficas, do século XIX, deixando de fora os ritos tão
Muitos outros exemplos poderiam ser citados, de famílias do século XIX que,
em seus diários, relatavam os ritos da vida religiosa, mas não os mencionavam nas
batizados e até mesmo o baile da Ilha fiscal, visto do ponto de vista de quem não foi
o mesmo padrão de tantas outras com a ausência total de tais eventos. Qual seria este
padrão?
135
A fotografia oitocentista se divide em dois tipos: panoramas e vista e o retrato.
para paisagens urbanas e rurais. Guardam uma estreita relação com o panorama da
pintura, em termos de opções estéticas, tais como: distribuição equilibrada dos volumes,
que diz respeito aos elementos de composição da foto, tais como: cenário e pose. Mas o
reduzidas (6x10 cm), que poderia ser copiados as dúzias, trocado, guardado e
escolhidos para caracterizar diferentes papéis sociais que se quer fabricar. A 'mise-en-
scène' do estúdio do século XIX variou ao longo do tempo, cada década no período da
característicos. Nos anos 60 era a balaustrada, a coluna e a cortina; nos anos 70, a ponte
rústica e o degrau; nos anos 80, a rede, o balanço e o vagão; nos anos 90, palmeiras,
converteu, ele mesmo, num acessório de estúdio, suas poses obedeciam a padrões
A fotografia do período não abria mão da sua própria estética, como fica
136
exposto no livro Estética da Fotografia, publicado por Disderi, em 1862. Neste livro o
das vezes ausente de seu cotidiano, reveste-se dos emblemas de classe, com a qual quer
se ver reconhecido.
que somente no final do XIX, o tempo de fixação da imagem passa ser contado por
próprio ato fotográfico oitocentista, a relação que a imagem fotográfica estabelecia com
o seu referente. Uma relação pautada na pose estática e na hierarquia dos objetos e
representação que ele faz de si próprio por aqueles de quem espera reconhecimento;
137
quando compreende as formas de dominação simbólica, por meio do ‘aparelho’ ou do
fotográfica publica uma imagem que circula entre os membros da sociedade, como
dos diários, os relatos das experiências familiares que deveriam ser mantidas nos
primeira metade do século XX, no Brasil, a referenda. Desta vez, como marca de uma
vivência de classe, como parte integrante do habitus, de uma sociedade que ganha em
mobilidade social e promove a renegociação, entre seus pares, dos signos de distinção
social.
138
compreender tal papel.
No século XX, a máxima da Kodak You press de botton and we do the rest, é a
invasão das câmeras portáteis. Na primeira página, um grande desenho reproduz uma
exclamava há dias uma venerável senhora que ainda vai às praias para tomar banho. É
uma praga, ninguém toma banho e todos tiram fotografias! Se uma pessoa se levanta -
clic! - ouve-se um estalido; se assenta, tem de tomar posição conveniente, porque fica
139
apresentava-se a forma mais fácil, correta e interessante de gravar os momentos da vida
diária nas suas diversas expressões. Graças à Kodak também o ambiente doméstico é
photographia de amadores tem mudado tanto que as idéias de há dez anos são agora
interior de casas e que se podia obter bons instantâneos somente fóra de casa, sob
casa, podem-se tirar instantâneos á sombra ou sob condições de luz pouco favoráveis
com bases científicas, bem como pela lógica industrial de se produzir um material de
ha tres annos sómente podiam obter em camera pelo dobro do preço” (Idem).
tirar. Augmenta o numero de photographias que vale a pena guardar num album e
140
aumenta, portanto os prazeres que a photografia proporciona ao amador” (Photograma,
Os temas para a fotografia são propostos tanto pelas imagens veiculadas a título
de exemplo dos procedimentos, descritos nos anúncios, como no próprio texto: “Ao
rever seu álbun de photographias tomadas com a Kodak, não sente V.S. o receio de que
Photograma, Julho, 1930, n° 33) Portanto os temas recorrentes nos anúncios são banhos
sempre feminina, para quem tirava a foto e feminina ou masculina para quem era objeto
àquela apresentada nos anúncios do século XIX, notadamente endereçados aos chefes
bens simbólicos. Nestes anúncios, a ênfase recaía sobre a habilidade do dono da casa
141
Ilustração 19
Uma outra companhia que, juntamente com a ‘Kodak’, era detentora de uma
pelo desenho ao invés das reproduções fotográficas; a impressão de fotos não contribuía
acesso aos produtos AGFA. De acordo com a tendência da época era um mundo chic e
142
Ilustração 20
Paralelamente, a ampliação do mercado consumidor de fotografia e da
ilustradas que circulavam pela capital federal e grandes cidades brasileiras. A ampliação
permite que as colunas sociais passem a serem ilustradas com imagens da alta sociedade
em diferentes eventos dentre os quais os ritos da vida católica. O que era visto na revista
era tomado como referência para o trabalho dos fotógrafos de reportagens sociais em
urbana.
XIX, de solenidade mundana. O aparato cerimonial na igreja é feito para deixar, para
cada um destes ritos, uma lembrança indelével. Devidamente preservada pela imagem
fotográfica. Dos anjinhos das cidades do interior dos anos vinte até o aparato suntuário
que acompanha a jovem na sua primeira comunhão, nos anos 40, um entrelaçamento de
143
imagens que posiciona infância como o momento inaugural da sensibilidade religiosa
católica.
A rigidez dos noivos em 1923 acompanhada pelo olhar curioso das crianças
que não foram convidadas para a fotografia é um bom contraponto para a pose mais
descontraída do casal dos anos 30, como para fotografia estilo reportagem social dos
indaguei sobre a importância e a dinâmica de tais ritos nas suas vidas familiares, a
resposta dada reenvia-nos para a narrativa dos diários oitocentistas, onde tais
comemorações, mais uma vez, servem de baliza para contar sua história, tendo os filhos
144
como atores principais. Segue um pouco desta narrativa recriada:
“O batizado era geralmente realizado depois de alguns meses, para que a mãe
amizade de cada um, mas era muito comum a prática dos avós batizarem os netos. Para
ser madrinha tinha que ter feito a primeira-comunhão. A preparação do batismo incluía
o enxoval e a festa , geralmente, um almoço na casa dos avós. Quando a criança nascia
fraquinha, era logo batizada, minha tia como passou muito mal quando pequena, foi
batizada duas vezes, a primeira rapidinho, pois achavam que ela ia morrer, já depois que
vingou, o batismo foi feito com mais calma. “Na minha época de catequista, preparei
muitas crianças para a comunhão. Era feita, com todos juntos, depois a festa com mesa
por um anjo da guarda, que podia ser o irmão ou a irmã menor. No dia da comunhão era
um dia muito sério. O jejum era total, não podia nem engolir a saliva. A gente
confessava de tarde, vinha à preparação, o padre falava com todo mundo, depois até a
comunhão, todo mundo tinha de ficar quieto, bem concentrado. Comigo foi assim, mas
com meus filhos não. Eles fizeram primeira-comunhão sozinhos e depois teve um
lanche lá em casa.”13
influência social e política. Esta celebração, a partir dos anos 1940, passou a ter direito
145
que integrariam o álbum principal, este em formato maior e adornado com detalhes na
capa e no papel vegetal que separava as páginas. O álbum menor era como se fosse o
‘rascunho’ da vivência, onde se poderia flagrar uma pose mais descontraída ou até uma
careta, mas no álbum final, somente as fotos condizentes com o padrão monumental da
Neste caso, a eloqüência das imagens reinscreve os ritos da vida católica, como
crônica social das revistas ilustradas veiculava, juntamente, com notas sobre o
146
fotos de batizado, comunhão e casamento, da alta burguesia carioca, veiculada pelas
internalizadas, e como modelo a ser seguido, pelo conjunto da audiência das revistas.
família burguesa, atuam como balizas, que datam o processo de crescimento individual
reforçado quando, ao virar as páginas dos álbuns e olhar para as fotografias, as gerações
Conclusão.
pragmática, remete a análise dos processos de produção de sentido, por ela veiculada, ao
contexto histórico no qual é realizada. Neste caso sua leitura é sempre histórica. A
fundador, não só reabilita o sujeito como agente produtor de sentido, como o identifica
147
- III - .
sobre a relação entre fotografia e narrativa histórica. Foram escritos como resultados
impacto das imagens técnicas nas análises históricas sobre o tempo presente.
sobre outro? As imagens não existem sem as práticas que as produzem, não são coisas
em si, mas resultados de processos que envolvem os sujeitos e suas disputas sociais.
Os estudos sobre cultura visual, para não se limitarem ao patamar descritivo dos
forma como as imagens são agenciadas pela sociedade que a produz e consome como
povoaram o imaginário urbano, ao longo de boa parte do século XX, revelou uma
diferenças sociais.
classe no poder. Por outro lado, a imagem fotográfica atuou como eficiente meio de
148
Vale lembrar que todo o processo de desenvolvimento tecnológico ocorrido a
entre outras coisas, à produção de energia – e aprimoramento de outras, como foi o caso
Este mundo moderno criado no bojo de uma segunda revolução industrial era
modernidade, experimentada pelo século XX, sob este ponto de vista. “Uma sociedade
tornar-se moderna quando uma de suas principais atividades passa a ser a produção de
nossas exigências com despeito à realidade são elas mesmas substitutas cobiçadas da
que, como explica Roland Barthes, é: “O movimento pelo qual a burguesia transforma a
histórico e o homem que ela representa será universal e eterno; a classe burguesa
edificou o seu poder sobre progressos técnicos, científicos e sobre uma transformação
149
A relação entre o controle dos meios técnicos de produção da imagem técnica,
ao ser selecionado, enquadrado e transformado em um só plano, por aquele que está por
trás das lentes. Este último, não é um sujeito individual, mas um sujeito coletivo que
no conjunto da sociedade.
classe adquirir consciência de dominação, como aquelas que lhe possibilitaram exercer
150
Neste sentido, o discurso fotográfico da imprensa ilustrada, como expressão da
da História em Natureza.
das tramas que tecem as redes de significação entre trajetória individual – Flávio
prática social. Claro que tal racionalidade não é unívoca e se orienta segundo os espaços
sociais, de caráter verbal e não verbal, como o caso da circulação de imagens e dos
151
estratégias adotadas pelos indivíduos na sua experiência profissional explicam-se a luz
Por outro lado, as escolhas técnicas e estéticas que definem a narrativa visual do
fotógrafo também se explicam pelo acesso dos fotógrafos aos dispositivos do campo
fora dela, equipamentos atualizados, acesso comunidades artísticas, como caso dos
permite que tais informações sejam apreendidas e articuladas a análise das imagens
produzidas.
insere como fonte de dados. Por outro lado, deve ser considerada a estratégia própria ao
sua própria trajetória. Por tudo isso as fontes orais, apesar de serem importantes
instrumentos de análise para a história do tempo presente, demandam uma nova crítica
por parte do historiador que passa a ser ele mesmo um produtor de evidências históricas.
152
A documentação produzida por Naylor no Brasil, atualmente sob a guarda de seu
filho Peter Reznikoff, ultrapassa o número de mil negativos. Desse conjunto as fotos
analisadas no artigo fornecem uma medida clara das táticas e estratégias adotadas pela
produzindo uma imagem variada e diversa do Brasil dos anos 1940. Entretanto, a forma
dessa autonomia.
Evidencia-se, por essa análise que o tratamento das séries fotográficas devem
sempre ter em conta o circuito social da imagem. Valoriza-se, assim, nas trajetórias dos
agências sociais.
bem distintas para pensar o mundo como comunidade imaginada. A aproximação a este
153
texto, reelabora o que viu numa poética própria plena de luminosidade e humor, num
estranhamento em relação ao trivial que nos ensina a enquadrar a cada vez que olhamos.
Damm compartilha com os gregos o seu sentido de história, registra o que vê para então
saber.
dimensão épica. A saga dos povos, seus deslocamentos, suas dores e sofrimentos,
recriados pela tópica da poesia épica, da epopéia, nada é simples nesse mundo de luz e
sombras. Salgado compartilha com os gregos o seu sentido de poesia, registra o que
Eric Hobsbawn escreveu: “Não há nada de novo em preferir olhar o mundo por meio de
O que vale para os historiadores pode valer para se pensar a diferença entre os
154
Capítulo 8.
o automóvel fizeram o resto (...). Hoje poderíamos dizer: o Rio ‘grows well’ ou se
acharem o adjetivo ‘smart’ também já foi vocábulo elegante usado antes de 1914,
poderão fazer uma tradução mais moderna – ‘Rio grows swell’.”(Revista Rio Ilustrado,
comum dos habitantes das grandes cidades contemporâneas. No entanto, entre o sujeito
que olha e a imagem que elabora, existem muitos mais que os olhos podem ver.
representações por elas engendradas se faz, par a par, à instituição da ordem burguesa,
homem manifestou-se através dos gestos e dos desenhos nas paredes das cavernas. A
de escolhas possíveis, a partir do qual, uma escolha é feita. Tal conjunto pode, com
155
Ao longo dos primeiros cinqüenta anos do século XX, a Capital Federal sofreu
intervenções cirúrgicas na sua forma urbana, resultado de uma política urbanista que
cidadão deu lugar ao dandy ou ao smart; todas as instâncias do viver em cidade foram
segundo o qual esta classe passou a identificar-se com a cultura burguesa ocidental.
situar historicamente tais publicações e seus vínculos com a rede social dominante; na
subjacentes a estes.
156
Entre outras compuseram o perfil de uma época em que as imagens fotográficas
tinham nas revistas ilustradas o seu principal veículo de divulgação Veículos que,
burguesa como a forma fiel do mundo que representavam. Janelas que se abriam para o
crônicas e notas sociais, impunham valores, normas e representações, num processo que
principais.
Os atores dessa cena social eram os dignitários das agências do Estado, sujeitos
ao capital financeiro que emprestavam suas vivências a experiência pública de ver e ser
visto. Neste sentido, as imagens fotográficas veiculadas pela imprensa ilustrada foram
Consumidas por quem eram o seu conteúdo principal, tais revistas, auxiliaram
comportamentos tidos como necessários para se tornar um bom cidadão, atuando como
modelo a ser copiado e como exemplo a ser seguido. Em sucessivas cenas, o Rio,
157
emergem no presente como possibilidade de compreensão de uma certa versão de
passado.
os que olham o Rio por cima, da janela dos arranha-céus, e “fazem a avenida” às 16:00
Presidente Vargas, nos moldes das grandes avenidas norte-americanas. São os que
andam na primeira classe dos “bonds” da Rua Jardim Botânico ou passeiam pela
os que no verão sobem para Petrópolis, a imperial cidade serrana, fugindo do cheiro e
das doenças, que em sua concepção excludente, exalam do suor do povo. São os que
votam na UDN, mas que algum dia festejaram a “Revolução de 30”, juntamente com a
158
Cultuadores do ornato, do status, da aparência e do que dirão. São “chics”, “up-
ao longo do século XX, para designar as frações de classe que disputaram o controle do
elege o consumo como norma de vida, que dita modas e cria ilusões.
uma rede social, que vinculasse os empresários da comunicação aos altos funcionários
sociais vinculados a rede, fosse disseminada para o conjunto da sociedade, com força de
No interior de tais redes sociais, os donos das revistas ilustradas, bem todos os
seus veículos não só para manutenção como também para a ampliação de sua audiência,
159
Portanto, na primeira metade do século XX, as revistas ilustradas sofreram
1908, poderia ser até o mesmo em 1950, mas com certeza dividiria as suas páginas com
seus filhos e netos, frutos de um outro tempo, mas pertencentes a mesma classe social.
críticas de costumes, que circunscreve a primeira metade do século XX, pode ser
da Semana, único periódico ilustrado com fotos até então, e se prolonga até 1928,
160
A FON-FON se lançava como "semanário alegre, político, crítico e esfuziante,
noticiário avariado telegrafia sem arame e crônica epidêmica" cujo único objetivo era
"fazer rir, alegrar a tua boa alma carinhosa (...) com o comentário leve das coisas da
atualidade (...). Para os graves problemas da vida, para a mascarada política, para a
A revista Careta por sua vez, seguia o mesmo tom de pilhéria, propondo em seu
editorial, "um programa vasto e sedutor" para o público "apreciador das sessões galantes
Euclides da Cunha.
161
O segundo período se inicia com o lançamento da revista O Cruzeiro e se
prolonga, em termos de linha editorial, até a década de 1960, com a introdução, entre
outras modificações, da cor nas fotos de revista. Além das modificações, propriamente
técnicas, constata-se a partir dos anos 1960 uma reconfiguração no campo das
comunicações, este assume um caráter mais tecnocrático, diferente dos anos anteriores
diretamente tanto nas organizações de suas empresas, quanto na política nacional (Ortiz,
1988).
impressão, tais como a rotogravura, quanto por uma redefinição no perfil do mercado
editorial, ávido por informações atualizadas. Tais fatores foram definitivos para a
momento foi fortemente marcado pela presença de textos ficcionais, crônicas e por
estas associadas.
dentre as quais se pode destacar: a ampliação dos estratos médios da sociedade carioca,
162
A revista O Cruzeiro foi lançada no dia 10/11/1928, com uma tiragem inicial de
“Depomos nas mãos do leitor a mais moderna revista brasileira. Nossas irmãs
mais velhas nasceram por entre as demolições do Rio Colonial, através dos escombros a
civilização traçou a reta da avenida Rio Branco: uma reta entre o passado e o futuro. O
esboço de um mundo novo no novo mundo (...). A revista é um compêndio da vida (...)
preponderante. Uma revista deve ser como o espelho leal onde se reflete a vida, seus
missionário de ser o espelho fiel da vida. Tal postura inscreve-se num contexto cultural,
no qual a imprensa exerce uma influência decisiva não somente na interpretação, mas
também, na própria elaboração dos fatos sociais. Sendo assim, a imprensa segundo a
concepção desta revista, ficaria encarregada da nobre missão de no caso dos jornais,
julgar, e no das revistas, depurar os fatos da vida para que o leitor se educasse de forma
correta.
163
Esta postura tem como premissa básica a idéia de que o que está escrito é a
própria verdade. Tal concordância seria reforçada pela utilização maciça de imagens.
Isto porque, a imagem, diferentemente do texto escrito chega de forma mais direta e
objetiva à compreensão, com menos espaço para dúvidas, pois o observador confia nas
empresa dos Diários Associados investiria, três anos depois do lançamento da revista,
mais cosmopolita, obtido através da utilização dos serviços das agências de notícias
164
Resultado do empenho pessoal do dono da empresa Os Diários Associados, Assis
o real objetivo de inovar. A O Cruzeiro de Chateaubriand era uma revista com papel da
capitais do Brasil, com tiragem inicial de 50.000 exemplares, uma cifra considerável
para o mercado editorial, dos anos vinte, acostumados a números mais modestos que
Todo este investimento foi feito, por Chateaubriand, não ter competidores a sua
de qualidade das publicações internacionais, incluindo, desde então, nas suas primeiras
da revista, em vários departamentos, bem nos moldes das famosas revistas Life, Look,
Paris Match, entre outras. Por esta época, O Cruzeiro já contava com uma tiragem de
120.000 exemplares.
165
Dentre os repórteres que faziam parte do quadro regular da revista constavam:
David Nasser, Edmar Morel, Rocha Pita, Nelly Dutra, etc. Como colaboradores
eventuais: José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Millôr Fernandez. Cabe ressaltar que
contando inclusive com um departamento e equipe fotográfica que reunia fotógrafos tais
como: Jean Manzon, Edgar Medina, Salomão Sciclar, Lutero Avila, Peter Scheir, Flávio
Damm, José Medeiros entre outros. Estes encarregados, juntamente com os fotógrafos
controle rígido da correlação texto/ imagem, por parte da equipe editorial. O fato é
simplesmente dispostas nas páginas das revistas, para serem, com diferentes tamanhos e
padrão das publicações ilustradas, que tiveram de reordenar toda sua linha editorial para
poder concorrer com o novo padrão estético imposto por O Cruzeiro. Algumas
publicações que tradicionalmente tinham uma boa entrada no mercado, tais como:
166
Para proceder a recuperação dos quadros das representações sociais de
"corpus", ou seja, uma série fotográfica extensa e homogênea. A série foi composta por
conteúdo.17
1942,1949 para revista Careta e 1928, 1934, 1943, 1950, para a revista O Cruzeiro. Em
cada ano foram escolhidos três números relativos, cada um, a uma época do ano: janeiro
cidade, tais como: festas de fim de ano, carnaval e as aberturas de temporada - verão e
inverno. Vale lembrar que a revista Careta e O Cruzeiro foram escolhidas devido a
das imagens e por serem, cada qual, um exemplo típico de dois momentos das
167
O segundo passo foi a escolha de um eixo de análise que contemplasse o caráter
espaço foi codificada, na mensagem fotográfica, elaborada pelas revistas ilustradas. Tal
escolha justifica-se tanto pelo papel determinante que a noção de espaço ocupa nas
linguagens visuais, gestuais, etc., como nos critérios a partir dos quais o imaginário
fotográfica como o conteúdo, por essa veiculada nos semanários ilustrados da primeira
Entretanto, cabe ressaltar que tal noção não é homogênea, seu desdobramento é
balizado pelas unidades culturais que estruturam a mensagem fotográfica e que podem
ser organizadas, para efeito de análise, em categorias espaciais, tais como: espaço
elaboração dos quadros de representação social, norteadores das formas de ser e agir da
burguesia urbana.
codificação em torno da noção de ‘bom gosto’ (identificado com o gosto burguês), era
168
A seguir serão avaliadas as categorias espaciais, acima apresentadas, nas
Flagrantes e instantâneos.
das revistas tinham a este progresso tecnológico. Paralelamente a estas variáveis, mais
tomaram no máximo 1/8 do espaço total da página; as fotos médias, cerca de 1/4 e as
grandes, mais de 1/2. A opção por expressar os valores métricos em frações, deveu-se
ao fato de que as fotografias não possuíam um padrão métrico constante, como, por
quadrado, e a circunferência, que inclui o formato oval e circular, bem como outras
169
v Suporte da foto: caracteriza-se pela forma da relação entre o texto escrito e a
imagem:
Vale ressaltar a existência de parceria entre fotógrafo e repórter, ambos assinando seu
trabalho, texto escrito e visual. Recurso nas reportagens fotojornalísticas a partir de fins
da década de 1930, estabelecendo uma nova relação entre linguagem escrita e visual.
Neste caso, a fotorreportagem adquiria uma narrativa que poderia ultrapassar uma
edição da revista, caso o tema fosse sucesso de público, como os famosos crimes
fotográfica.
170
Tabela 9
Enquadramento Sentido horizontal (66%); direção central (57%); 2 planos distintos(80%); grupo misto como
objeto central dispostos eqüitativamente em semicírculo ou linha reta (quase não há fotos com
pessoas espalhadas)
Nitidez Linhas definidas (90%), com todos os planos no foco (90%); sem sombras e com contraste
(90%)
Tabela 10
Suporte Reportagem fotográfica com título, texto e legenda (72% do total sendo que cerca de 50%
Enquadramento Sentido vertical (76%); direção central (56%); 2 planos distintos com objeto central
concentrado no 1° plano devido a opção vertical (80%); mulher como objeto central (27%).
Nitidez Linhas definidas (90%); objeto central no foco (74%); sem sombras e com contraste (90%)
Como pode ser constatado pelas tabelas acima existiam poucas diferenças entre as
duas revistas. A Careta apresentava imagens com contornos bem definidos, planos
reafirmam o pressuposto de que, o que era exibido na foto, mantinha uma relação direta
171
Já a O Cruzeiro, foi mais ousada, principalmente numa avaliação de cada período
Numa análise numérica da incidência homem /mulher como objeto central das
Tabela 11
172
Com efeito, a tendência geral é para a distribuição equilibrada entre o espaço
Por outro lado, a opção pelo fotojornalismo, criou uma ancoragem da imagem
para com o texto escrito. Sendo estas interpretadas a partir das idéias escritas, limitando,
Geografia da diferença
próximo e vizinho compõe uma determinada imagem do Rio de Janeiro que, por
predominar silencias as demais. O Brasil, suas regiões e paisagens criam uma imagem
que expõe tanto a face de riqueza e desenvolvimento quanto a o lado pitoresco e exótico
173
O estrangeiro surge nas páginas ilustradas através das cidades -capitais e seus
internacionais, o mundo tornava-se, como que por mágica, ao alcance dos olhos. Tudo
geográfico foi dividido em três grandes blocos regionais, cuja proporção de incidência
Tabela 12
É importante ressaltar que, cada uma destas regiões manteve uma relação com o
eixo principal - a cidade do Rio de Janeiro - ora reforçando-lhe seu caráter cosmopolita,
174
Os blocos regionais, por sua vez, foram subdivididos em diferentes lugares,
compondo uma paisagem formada por clubes com seus salões luxuosos e áreas
externas, estádios de esporte, hotéis, praias, avenidas e ruas, edifícios públicos, escolas,
zona sul, da cidade do Rio de Janeiro, e sua identificação com o habitus da classe
dominante.
morros. São mais distantes do centro de negócios e, até os anos 1950, eram
urbana. Portanto, era uma área onde se podia facilmente retratar a vida, os hábitos, as
maneiras de vestir, os passeios, eventos, etc., de uma classe que cada vez mais se
Os lugares de maior incidência, nas fotos da zona sul, da Careta, são: os parques,
tropicais a beira mar. Assim, os lugares fotografados compunham uma mensagem que
população. A freqüência em tais lugares, como não era aberta ao público, atuava para o
175
Uma tendência evidenciada nas fotografias de escolas, onde o tema escolhido, não
foi o das salas de aula, mas as festas de formatura e de encerramento do ano letivo; no
geralmente, Natal, quando se distribuíam, nos jardins do palácio, presentes aos pobres.
Mais uma vez reafirma-se a idéia de privilégio na forma de representação dos espaços
tais como: banhos de mar na praia da Urca, defronte ao Cassino em grandes tendas;
bailes de formatura do Clube Fluminense, com seus lustres e espelhos, criando uma
notícias das guerras e dos grandes fatos que marcaram a história contemporânea da
humanidade. No entanto era com Hollywood que o carioca (como era e, todavia são
176
Ao longo década de 1920, os Estados Unidos da América, cresceram
ilusão consumista. Uma sociedade afluente e moldada sob medida para uma classe
way of life.
consumi-los.
177
A revista O Cruzeiro lançava em 1928, ano da inauguração do último cinema do
numa composição de fotografias e comentários sobre a vida pessoal dos artistas, cenas
de filme, a qualidade da audiência nos cinemas, etc. Uma tendência que se alastrou por
revista’ (O Cruzeiro), etc. Além das revistas especializadas em cinema, tais como:
tornaram-se ícones a partir dos quais deveríamos nos modelar. Uma imagem imposta
178
Neste momento, não só o Brasil, mas a sociedade latino-americana como um todo,
mesclam-se aos valores tradicionais de cada formação social, gerando uma cultura
híbrida. A marca fundamental, deste novo padrão cultural, foi a valorização do popular,
Nesse contexto, uma nova sociabilidade urbana, se formava com base nos códigos
chamado “star-system”, composto pelas estrelas e astros dos filmes de Hollywood, das
Por outro lado, a ênfase dada ao espaço estrangeiro, pela revista O Cruzeiro,
explica-se por ser esta uma revista mais cosmopolita e criada a partir do novo padrão
contato direto com as agências internacionais de notícias, tais como: Schert de Berlim,
179
No entanto, nas imagens haviam ausências. O leste Europeu e o Oriente surgiam
cidade e do Brasil, são apagados da imagem dominante como uma realidade inexistente.
estranho, criando uma nova identificação: Rio = Mundo. Vale complementar tal
de Paris dos trópicos, símbolo da modernidade sustentada por uma elite agrária
poder, local onde se decidia o futuro do país e de onde o Brasil se projetava para o
180
Os objetos, numa coleção de fotografias de revista, são atributos da mensagem
fotográfica que fornecem a dimensão dos lugares retratados e dos eventos a estes
transmitida pelas revistas ilustradas, tais objetos foram apresentados tanto como dignos
paisagem que se está retratando: privada ou pública; muitas vezes, como no caso das
estúdios de cinema, visa criar, justamente, uma ambiência privada. O terceiro tipo, os
181
Esse processo ocorre porque, os três tipos de objetos, que fazem parte do
ocasiões.
cidadão urbano. Em 70% das fotos os objetos estão em segundo plano atuando como
tais como: clubes (26%), ruas e avenidas da moda (24%) e hotéis (14%). Em termos de
como: gala, passeio completo, esporte fino e esportivo. Tal preocupação pelo traje
182
Compreendendo o espaço da figuração, engendrado pela mensagem fotográfica,
das revistas ilustradas, a partir de três oposições básicas: grupo/ indivíduo; homem/
que contêm uma grande variedade de temas que poderiam incluir desde os
reportagens sobre recursos naturais, etc. - até as últimas novidades do século XX.
Por outro lado, a imagem feminina foi associada à vida dos artistas e de pessoas
feminino e masculino evidencia-se mais claramente, posto que, tal temática está
representada nas fotografias do Jockey Club, onde as mulheres são retratadas como o
público elegante, destacando-se a sua indumentária bem cuidada e o seu estilo elegante.
Até mesmo quando a figura masculina incluída neste âmbito aparece em segundo plano
183
Entretanto, no espaço feminino foi também que se incluíram imagens das
sociedade que vem a confirmar os papéis socialmente impostos. A mulher das classes
populares é fotografada, via de regra, trabalhando em serviços braçais, tais como: lavar
A ela são associadas roupas simples e à sua casa poucos objetos interiores, além de estar
ambiente periférico, que acaba por confundir-se ao coletivo, não recebendo com isso, a
mesma valorização das mulheres da classe dominante, que surgiam na imagem sempre
romance.
184
Basicamente, os eventos sociais, os banhos de mar e os passeios foram os temas
que obtiveram a maior incidência de crianças sem a companhia de adultos (21%). Neste
caso os eventos sociais são formados por festas de encerramento do ano letivo e por
bailes infantis em ocasiões especiais - o exemplo deste tipo de evento são as fotos da
Exposição Internacional de 1922, que contou com o equivalente infantil para o baile
políticos, esportivos e nos passeios e banhos de mar (18%). Desta vez os eventos sociais
da opção temática das fotos infantis, nas quais se apresentavam equivalentes infantis
para eventos adultos, ou ainda nas imagens de festas de caridade, nas quais um
185
No espaço infantil a sociedade reaparece segmentada em dois grupos sociais
caridade; outro que compartilha da fruição dos lugares exclusivos e do consumo dos
com tal proporção é a fantasia a escolha principal para compor o espaço infantil, dentre
universo de adultos.
delimitadas pela gare da estação de Trens Central do Brasil e pela orla marítima. Nesse
Para além da Central do Brasil, os subúrbios eram o reverso desta imagem, era onde “a
vida tem horizontes exíguos e as aspirações e os sonhos encontram seus limites nos
trilhos da estrada de ferro, sendo o rádio a única porta de evasão”.(Peregrino Jr. Apud.
comportamento engendradas pela imagem fotográfica, das revistas ilustradas, surge uma
cidade onde os espaços são redimensionados para atividades as quais não foram
186
programados, em função de uma vivência de classe. Neste sentido, o lazer é associado
adquiriam uma nova dignidade por terem sido fotografados como ambientes para
como pela produção de uma imagem onde o "locus" social aparece como dado inerente
à própria História.
naturalmente rico, posto que, em nenhum momento são representados fora do código
orientando com isso a própria representação dos eventos/ vivência dos grupos sociais.
187
As revistas ilustradas compuseram o catálogo de valores, emblemas,
publicada torna-se o ícone, por excelência, de um modo de vida vitorioso, que prescinde
da própria realização para existir, bastando para tanto que as imagens fotográficas o
refletissem.
Cinqüenta anos de imagens que revelam o processo social de um grupo que, aos
para o conjunto da sociedade como sendo a forma correta de ser e agir, relegando todos
188
Capítulo 9.
radinho de pilha, a moça bonita que, estirada na praia, projeta seu corpo para o mundo;
contemporânea no mundo..
que eram concebidos através do estatuto da verdade fotográfica. Proponho, para analisar
histórica num procedimento intertextual com as fontes orais. Desta forma, o passado
composto através de palavras e imagens poderá dar conta das imbricações conceituais
“Ana, que bom que minhas fotos emocionam. De São Paulo um (grande)
fotógrafo diz que gosta da minha simplicidade fotográfica. Vou acabar Harekrishna.
189
Vou acabar dando conselhos para noivas inexperientes...” (Flavio Damm, por e-mail em
10/05/2005).
grandes linhas que já vêm norteando, desde sua fundação em 1982, o trabalho do
orais e tratamento informatizado das fontes visuais. Dentro desta perspectiva a produção
das fontes orais se processa com base no princípio de intertextualidade, segundo o qual,
produção de sentido, realizado com base num conjunto de experiências sociais prévias,
outro, busco a recomposição das trajetórias dos principais fotógrafos que atuaram na
190
fotógrafos de imprensa –, partiu-se para a coleta de dados informativos que é a base
nossos entrevistados. Essa tarefa foi realizada a partir da atualização bibliográfica, o que
permitiu não só nos atualização e aprofundamento do tema, como também captar dados
flexível, não sendo necessário que seja seguido à risca. Serve como base para apoiar o
entrevistador e lhe dar um norte das questões basilares que precisam ser mencionadas.
material histórico a ser analisado. Ou seja, a associação do uso de fontes visuais aos
logo se revelou insuficiente para dar conta de suas histórias, sendo que ao todo
191
história do fotojornalismo contemporâneo. O roteiro seguido enfatizou sua trajetória
quando ainda morava no Rio Grande do Sul. Depois de algum tempo foi incentivado
por alguns amigos e por companheiros de profissão a vir tentar a sorte no Rio de
Janeiro, em função da qualidade de seu trabalho. Foi o que ele fez. Quando chegou ao
Rio de Janeiro foi diretamente pedir emprego numa das revistas mais famosas e
Sobre O Cruzeiro, onde trabalhou durante dez anos, as lembranças são muitas.
Falou tanto da importância desta revista na época, como também da rotina dentro da
Inglaterra, passando pelas últimas fotografias de Eva Perón, e chegando até o crime do
Sacopã, na zona sul carioca. Cada qual narrada com rigores de explicação técnica,
contemporâneo.
Após sua saída da revista O Cruzeiro, Flávio Damm, teve vários trabalhos
como produtor de serviço gráfico (arte gráfica), escreveu livros, participou de inúmeras
exposições. Além de ter sido um dos primeiros fotógrafos brasileiros a criar uma
encantos da imagem digital, diz ter a necessidade de estar sempre fotografando uma vez
192
que a fotografia é o ar que ele respira. Considerado por seu irmão mais novo como
fotógrafo batedor de carteira em função de sua discrição ao fotografar o que ele chama
de cotidiano surrealista, Flávio Damm defende a idéia de que fotografia é uma arte sim.
de representações sociais22.
de acordo com Phillipe Dubois (1999), integrar os regimes visuais de cada época,
saber-fazer, que implica num aprendizado dos meios de produção. Para o autor “é
evidente que toda a imagem, mesmo a mais arcaica, requer uma tecnologia, ao menos
193
saber. Originalmente, a tecnologia é simplesmente, e literalmente, um savoir-faire”
pela expressão o olho da história, cunhada por Mathew Brady, chefe da equipe
imagens a dura realidade da guerra de uma maneira bem diversa dos relatos escritos. A
de que as fotografias não passavam de janelas que se abriam para o mundo lá fora,
expondo-o da maneira mais fidedigna possível. Portanto, tudo o que era visto era
verdade fotográfica.
formação artística nas artes acadêmicas. Tais características orientavam a produção das
194
mesmo as fotografias de guerra seguiam o cânone visual das pinturas de paisagens)
(Mauad, 2005).
eram ensinadas teoria e prática fotográfica, dividia a fotografia em três tipos: fotografia
fotográfica. A fotografia anedótica era praticada por pessoas comuns que seguiam a
máxima “kodakiana”, qual seja: “você aperta o botão e nós fazemos o resto”. A foto de
cada um, também, variava: aos batedores de chapa ficavam reservadas à publicidade das
forma correta, desenvolvendo uma pedagogia do olhar nos semanários ilustrados; aos
195
informação da imprensa contemporânea e seus contatos com as experimentações visuais
aprendizado.
acontecimentos e o mundo das suas imagens, cujo resultado é uma síntese original,
filtrada pelo saber-fazer do fotógrafo. Suas fotografias revelam uma narrativa da história
não dito, ficariam perdidos. Sem contar que, sua trajetória se confunde com a própria
história do fotojornalismo, uma vez que ele estava presente no momento em que a
Fotojornalismo em perspectiva.
foto no jornal inglês, Daily Mirror. Um atraso de mais de vinte anos em relação às
afirmar: “it is the photographer that writes history these days. The journalist only labels
the characters”.
196
Uma afirmação bastante exagerada tendo em vista o fato de que, somente a
geral eram publicadas todas do mesmo tamanho, com planos amplos e enquadramento
central, o que impossibilitava uma dinâmica de leitura, como também, não estabelecia a
Foi somente, no contexto de ebulição cultural da Alemanha dos anos 1920, que
marcado tanto pela estreita relação entre palavra e imagem, na construção da narrativa
conquista do ideal da testemunha ocular que fotografa sem ser notado. No prefácio de
é uma luta contínua pela sua imagem. Tal como o caçador está obcecado pela sua
paixão de caçar, também o fotógrafo está obcecado pela fotografia única que quer obter
apanhá-las (as pessoas) no momento preciso em que elas estão imóveis. Depois é
preciso lutar contra o tempo, pois cada jornal tem uma deadline ao qual é preciso
antecipar-se. Antes de tudo o mais um repórter fotográfico tem de ter uma paciência
infinita, e não se enervar nunca; deve estar ao corrente dos acontecimentos e saber a
tempo e a hora onde é que irão desenrolar-se. Se necessário devemos servir-nos de toda
197
a espécie de astúcias, mesmo se elas nem sempre são bem sucedidas” (Citado por
Questão que se prolonga até os dias de hoje, nos meios de fotografia de imprensa. Em
todo o caso foi através de iniciativas independentes como esta que a profissão do
editor de fotografias. O editor, figura que surge nos anos 1930, originou-se do processo
longo de várias páginas, fotografias detalhadas são agrupadas em torno da foto central.
Esta tinha por missão sintetizar os elementos de uma ‘estória’ que Lorant pedia aos
concepção deveria ter um começo e um fim definidos pelo lugar, tempo e a ação
198
Com a ascensão do nazismo os fotógrafos deixam a Alemanha, Salomom é
morto em Auschswitz. Alguns deles dentre os quais o húngaro, Andrei Friemann que
assume o pseudônimo de Capa, vão para França, onde em 1947 fundam a agência
acirramento do conflito seguiram para os EUA, trabalhando junto às revistas Life, Look
e Time (1922).
variedades como a Life (1936) e a Look (1937). A primeira edição da revista Life saiu
em 11 de novembro de 1936, com tiragem de 466 mil exemplares e com uma estrutura
de um Eugene Smith.
Criada no ambiente do New Deal, a Life foi projetada para dar sinais de
comuns. Objetivava ser uma revista familiar que não editava temas chocantes,
esperança num futuro melhor com esforço de todos, trabalho e talento recompensados,
humanismo.
Segundo o seu fundador Henry Luce a finalidade da revista seria fazer ver:
“[a Life surge] Para ver a vida; para ver o mundo, ser testemunha ocular dos
grandes acontecimentos, observar os rostos dos pobres e os gestos dos orgulhosos; ver
estranhas coisas – máquinas, exércitos, multidões, sombras na selva e na lua; para ver o
199
trabalho do homem – as suas pinturas, torres [edifícios] e descobertas; para ver coisas a
crianças; para ver e ter prazer em ver; para ver e espantar-se; para ver e ser instruído”
defendidos por Stephan Lorant que aí veio a atuar nos anos da guerra. A
num momento onde a imprensa era o meio por excelência para se ter acesso ao mundo e
aos acontecimentos. A imagem desta geração de fotógrafos exerceu uma forte influência
de forte apelo social, produzidas a partir do estreito contato com a diversidade social,
200
uma massa de imigrantes vivendo em condições subumanas. As péssimas condições de
este período por um constante medo de explosões de conflito social, demandando uma
maneira favorável à demanda oficial. Sob os auspícios do que foi conhecido como FSA
Roy Stryker, a vida rural e urbana foi registrada (e devassada) pelos mais renomados
Evans, etc.
suas imagens foram valorizadas tanto como um registro permanente de sua época, ao
mesmo tempo em que, foram vistas como tendo um lugar dentro do contexto no qual
foram produzidas. Neste sentido, o objetivo destes fotógrafos era não somente registrar
e informar, mas, mover e mobilizar a opinião pública no sentido de uma ação positiva.
Para isso não poupavam recursos, tais como a “linguagem dramática” (Clarke, 1997,
cap. 8).
com grosso da venda das fotos, o fotógrafo responsável por todos os riscos não tinha
Por estas razões que em 1947, Robert Capa, juntamente com outros fotógrafos,
201
Seymour, Henri Cartier-Bresson, George Rodger, Willian Vandivert e Maria Eisner. Em
1949 juntaram-se ao grupo: Werner Bishop, Ernst Haas e Gisèle Freund. Entre 1951 e
1959 a agência é acrescida por mais um conjunto de novos colaboradores: Eve Arnold,
Erich Hartmann, Erich Lessing, Denis Stock, Cornell Capa, entre outros.
Para este grupo de fotógrafos, a fotografia não era apenas um meio para ganhar
suscitado pelas tomadas não posadas, como marca de distinção de seu estilo fotográfico.
Em geral os participantes dessa agência eram adeptos da leica, uma câmera fotográfica
de pequeno porte que prescindia de flash para as suas tomadas, valorizando com isso o
efeito de realidade.
podendo inclusive cruzar estas categorias. No caso do projeto FSA suas imagens
políticas e étnicas, dentro dos EUA, a partir da ótica do Estado do Bem Estar Social.
diversidade social, amalgamada como símbolos de uma vida ideal, pelo projeto
gerenciador do projeto Roy Stryker, dizia respeito à posse dos negativos, pois estes
1950, no seu artigo seis, bis, alínea um que se reconheceu formalmente os direitos de
202
autor dos fotógrafos, ao estabelecer que a fotografia não devesse ser deformada,
fotógrafo.
morte do miliciano espanhol, de Robert Capa, ou ainda, a mulher segurando uma flor na
marcha pela paz, contra a guerra do Vietnã, em 1967, de Marc Riboud, são exemplos
sua sobrevivência como ícone das “concerned photographs”. Num de seus encontros
pelo que está acontecendo e o desejo de transcrever tudo isso visualmente. Por isso o
grupo sobreviveu. É justamente isso que nos mantém unidos” (Miller, 1998, p.15).
foi ganhando força pela rapidez com que dava a ver os acontecimentos. O investimento
em tecnologia de captação e reprodução das imagens, em tempo cada vez mais exíguo,
reportagem será também definido pela melhor fotografia sobre o que aconteceu. A
203
O uso de imagens fotográficas, não somente para ilustrar, mas
e revistas desde o início da década de 1920, como explica Kevin Barnhurst e John
Nerone: “Althought larger photos appeared in the 1920s, the contrast between small and
large shots increased over the period. The shots were mostly long and medium range at
first. Closer shots (or cropping) got more frequent in the 1920s, and longer shots
declined after 1936’s. These shifts were consonant with the emergence of modern
photojournalism, which valued events and emotive detail” (Apud. Sousa, op.cit. p.103)
fornecia imagens para o The New York Times, e na Scripps-Howard’s NEA – Acme
telephoto.
clientes dos serviços fotográficos das agências de notícias exigiam, sobretudo, apenas
uma fotografia nítida por assunto. Os temas mais solicitados eram essencialmente
crimes, conflitos, desastres, acidentes, atos das figuras públicas, eventos desportivos.
imagem “abrange toda a iconografia do anormal, da violência colida ‘ao vivo’ dos
204
uma das rotinas na política informativa dos Mass-Media, rotinas que têm a ver não só
controlam a oferta das notícias – instituições e agências” (Apud. Sousa, op.cit. p.152).
de notícia com serviço fotográfico inicia-se, nos anos cinqüenta uma intensa
inaugurada nos anos trinta com a criação da agência fotográfica Black Star, só
nos anos 1980, com a criação da Reuters e da France Presse (mais tarde incorporadas a
Pedro de Sousa, “em 1929 aparece o sistema reflex de duas objetivas, com a Rolleiflex;
em 1933, surge o sistema reflex de uma única objetiva, que é aquele até hoje mais usado
narrativa cada vez mais fiel e próxima dos acontecimentos. No entanto, para o
205
historiador explicar essa história, não pode bancar o ingênuo, há que se tomar a imagem
subjetividade.
No Brasil
com publicações das mais diversas (Sussekind, 1987). Em 1900 é publicada a Revista
da Semana, que foi o primeiro periódico ilustrado com fotografias. Desde então, os
uma associação mais precisa entre texto e imagem.Toda esta modernização era
206
Assumindo o modelo internacional, sob forte influência da revista Life, o
fotojornalismo de O Cruzeiro criou uma escola que tinha entre os seus princípios
de que a imagem fotográfica possui uma narratividade, ou seja, pode relatar um evento,
contar uma história, ou ainda, elaborar uma narrativa sobre os fatos. No entanto, quando
O texto escrito acompanhava a imagem como apoio, uma narrativa paralela, que
reportagens serem sempre feitas pelo jornalista, responsável pelo texto escrito, e por um
entanto, somente a partir dos anos quarenta o crédito fotográfico será atribuído com
memória fotográfica do Brasil contemporâneo, tais como: José Medeiros, Flávio Damm,
Luiz Pinto, Eugenio Silva, Indalécio Wanderley, Erno Schneider, Alberto Jacob,
Evandro Teixeira entre outros que definiram uma geração do fotojornalismo brasileiro.
lembrar que alguns, como Flávio Damm, também prestaram serviço para as agências
207
meio de expressão documental e artística. Dicotomia que, foi em geral superada pelo
“the narrative teaches that the world is not safe, that when things go wrong, what is
needed is a hero to intervene and set then right. And a need for a hero presumes a
victim, someone who waits passively for rescue” (Apud. SOUZA, op.cit. p. 22)
narrativas convencionais no (foto) jornalismo contribuem para que seja dado significado
para dar uma aparência de ordem ao caos que é a erupção aleatória de acontecimentos
categorias.
208
num todo racionalizado. O fotojornalista não apenas reporta a notícia, como também as
cria: as (foto) notícias são artefatos construídos por força de mecanismos pessoais,
existência do acontecimento ditadas pelos meios do mundo atual. Pierre Nora cunha a
imediato ao histórico: “o fato de terem acontecido não os torna históricos, para que haja
acontecimento é necessário que este seja conhecido através da lógica do espetáculo [...].
monstruoso. Não porque sai, por definição, do ordinário, mas porque a redundância
que nas sociedades democráticas, este assume o papel do maravilhoso no imaginário das
comunidade pressupõe que compartilhem dos mesmos valores, a partir dos quais, a
interpretação dos acontecimentos está sendo construída pela mídia. Refletindo sobre o
209
papel da revista O Cruzeiro, no imaginário social brasileiro, o historiador francês André
historiador, uma significação que vai além da simples receita de sucesso da revista. Ela
olhos de suas classes médias como um país do futuro[...] a revista tanto atendia a um
1935-1985. Paris: L’Harmattan, 1985. p. 30, citado por COSTA, 1996, p. 153).
demandas sociais, e sua elaboração através das fotografias, recriando nas páginas das
social.
210
o trabalho de análise buscou estabelecer procedimentos conceituais próprios ao campo
persegue pistas que são dadas pela experiência de entrevistar e ser entrevistado, pela
Neste sentido, estabelecemos que todo o trabalho de análise leve em conta três
princípios:
sentido a história contada. No caso trabalhado os argumentos são criados também pela
Narrativas e imagens: este aspecto envolve os dois anteriores, pois é nele que se
Vamos ver, como este procedimento pode ser aplicado em um trecho de sua
“Flávio Damm: Não. A revista do Globo era quinzenal [...] Ela era preto e
branco. E era uma revista muito conceituada no Sul. Ela foi fundada pelo Bertázio e
211
pelo Getúlio. Dr. Getúlio, né. E, e coincidentemente a minha grande primeira
reportagem foi a, foram às primeiras fotos do, de Getúlio em 47 [1947]. Getúlio foi
deposto em 29 de outubro de 45 [1945] e foi pro exílio na fazenda do Itu, em São Borja,
no Rio Grande do Sul. Durante dois anos ele recebeu jornalistas do mundo inteiro, mas
não recebeu fotógrafos. Estava muito gordo, aquela coisa, aquela bombachas. E não
queria a idade dele explorar. Então ele não permitiu a entrada de fotógrafos. Eu era
amigo do Jango. Foi Presidente de República. Amigo de boemia.[...] Jango, Jango era
apenas um fazendeiro rico e eu era um fotógrafo pobre. Então era amigo de Jango,
amigo do Maneco Vargas, filho, o filho de Getúlio que se suicidou há pouco tempo. E
com isso, é, a gente tinha uma relação boêmia. E quando o PTB resolveu lançar Dr.
novecentos... Pra 1950. Aquela coisa da volta. Volta do retrato... Volta do retrato do
ficado só no clássico e não quis mais fazer faculdade. Preparei pra vestibular de Direito,
assimilado pelo jornalismo. E principalmente pela fotografia, que era realmente o ar que
eu respiro. Então, o Jango me chamou e disse: olha, vamos ao Itu, fazer uma reportagem
com o Dr. Getúlio, que ele vai concordar em fazer fotografia pra se fazer uma grande
reportagem na revista do Globo. Ele já tinha falado com os Bertázio. Aí fomos pra Itu e
lá eu passei o tempo lá no Itu fotografando o Dr. Getúlio. Fizemos reportagem que teve
um título sintomático. Um título de abertura de um caminho que era, que foi a longa
viagem de volta. Isso foi no dia... As fotografias foram feitas no dia em que, em que se
212
fotografias foram feitas em 29 de outubro de 48 [1948]. [...] Na revista do Globo. Aí,
como não havia fotografias de Getúlio em lugar nenhum que nos últimos dois anos, não
cavalo. Isso não existia. Ele tinha saído daqui direto pro Itu. Essas fotografias foram
vendeu essas fotografias pra esses jornais que eram, formam notícia. Getúlio sairá
candidato à presidência. Ele saía de uma ditadura de quinze anos e entrava num
anos, eu tive as minhas fotografias publicadas no mundo inteiro. [...] Foi o meu... Foi o
emprego. Tive o emprego. Três dias depois já fui mandado pra Recife, acompanhando
Dr. Assis lá na Paraíba. Coisa que eu nunca tinha imaginado, ir à Paraíba. Eu tinha
“historiador”.
213
A autoridade do discurso histórico é resignificada na medida em que o fotógrafo
história coletiva é relevante. Neste caso, seu passaporte para projetar a sua própria
fundamental para garantir o retorno de Getúlio que ele reabilitasse sua imagem pública,
grande imprensa.
intitulada “A Longa Viagem de Volta”, com texto assinado pelo repórter Rubens Vidal.
214
As fotos seguintes são: a reprodução da chamada da matéria na primeira página
produção da reportagem.
Flávio Damm, contava com mais três reportagens ilustradas com imagens fotográficas,
armamentista, resolveu soltar uma pomba nas escadarias do prédio da ONU, contava
com um total de dez fotos; a segunda, intitulada “Mar de Histórias”, contava com um
215
total de sete fotos, sobre a biblioteca pública da cidade de Pelotas, no estado do Rio
Getúlio Vargas ao cenário político, intitulada “A longa viagem de volta”, contava com
vinte e três fotos produzidas pelo jovem fotógrafo Flavio Damm. Quase o dobro de
imagens das demais reportagens é o indício mais evidente do peso da matéria para a
revista.
oportunidade da reportagem foi criada por conta de suas relações sociais e pelo
reconhecimento da sua competência profissional. Portanto, era uma chance que deveria
ser aproveitada da melhor maneira possível, com fica evidente pelo apuro técnico das
cuidados da sua fazenda, mas altivo como um cavaleiro que não perde sua destreza no
catorze o ex-presidente aparece como objeto central da foto, tendo sido fotografado
sozinho em diferentes poses e atividades. Nas nove restantes, Vargas está acompanhado
No seu conjunto as fotos são nítidas, com linhas bem definidas pelo contraste
entre claro e escuro, não mais de dois planos, valorizando o close-up do rosto e o corpo
inteiro em primeiro plano. Um corpo que recupera a sua vitalidade sendo sempre
216
tomando café, lendo, escrevendo, pensando e sorrindo. Portanto, as opções de pose,
foto de abertura da reportagem que alude a certo mistério, em franco diálogo com as
Esta foto captura um naco da cena e redefine o seu sentido: no centro da foto o
cinzeiro, denota o charuto que está na outra mão de quem escreve, o sujeito da ação
prescinde dos óculos que pousam perto do chapéu, que define uma marca pessoal.
Mesmo sem enquadrar Getúlio Vargas, mas os objetos que o identifica, a imagem de
Damm anuncia a sua presença, num movimento metonímico quando a parte indica a
presença do todo.
complementação da imagem inicial. Esta seqüência iniciada pela foto de Getúlio Vargas
pensando, segue com mais três imagens que sugerem a projeção de seu pensamento,
nelas o fotografado se revela nas suas múltiplas faces: circunspeto, alegre e interessado.
entanto, as imagens são mais evidentes que o texto e a imediaticidade com que são
217
forma mais rápida e inequívoca: o retorno de Vargas a cena política está comprovado
históricos.
histórica dos antigos gregos, cujas historiê revelavam a história pelo sentido da visão.
Conclusão.
acontecimentos passados são monumentos, projeções para o futuro, e devem ser tratadas
pelo estudioso na sua dimensão de memória oficial. As relações de poder dentro das
colocam em jogo seu capital político, para construir uma hegemonia do olhar. As
imagens publicadas em jornais e revistas revelam o embate pela versão final dos
acontecimentos.
como síntese de múltiplos tempos: o tempo longo, no qual a lógica das relações sociais
explica-se pela força da imaginação social; o tempo médio, dos ciclos e conjunturas
218
ao ser capturado pelas lentes atentas de fotógrafos e cinegrafistas, assume a dimensão de
219
Capítulo 10.
“‘Life’ é a única revista que eu conheço que distrai pela falta de assunto. A
gente passa aquilo como criança passa livro de figuras, constatando rapidamente a
aparição de uma curiosidade ou outra: ‘toto’, ‘neném’, ‘fon-fon’, e assim por diante.
Mas é impossível resistir-lhe à fotografia. Quem por acaso, já teve ocasião de conhecer
algum fotógrafo de ‘Life’, sabe perfeitamente disso. São criaturas de conto de fadas,
sendo que em ambos senti esse mesmo adejamento endiabrado, uma mesma alegria de
vagalume que vai queimando as suas lâmpadas sobre as coisas surpreendidas. Um deles
é uma americanazinha adorável que se acha aqui no Rio. Genevieve se chama, mulher
desse grande Micha que conquistou a nossa pequena cidade artística com a sua simpatia
e sua sensibilidade plástica. Genevieve parece ter saído de uma história de Robin-Hood,
com seu arzinho de jovem pagem, sua elegância bem colorida, uma pena sempre
enfeitiçada. Perto dela não há momento fotográfico que passe sem cair naquela arapuca
bem armada. Genevieve dá um pulinho – e a vida ali ficou batendo asa na sua chapa
dos EUA no Brasil, e por extensão na América Latina, como um todo. As imagens
220
O que está em jogo na elaboração da chave de leitura histórica para se
experiência da depressão econômica dos anos 1930, pelo crescimento urbano, pelas
Estado de bem-estar social - o New Deal de Franklin Delano Roosevelt. Por outro lado,
americana, ao mesmo tempo em que, aponto os diálogos que são travados com a cultura
visual elaborada pela agência oficial da política da Boa Vizinhança: Office of the
possível de escolhas para a fotógrafa, parto para a análise dos elementos da forma da
221
1° como a figuração humana é retratada, entendendo as representações do corpo
uma geografia sensível que busca transgredir os protocolos oficiais, para mostrar um
Brasil múltiplo;
Neste sentido, Naylor mais do que conformar uma imagem do Outro, através dos
protocolos etnográficos da alteridade, em suas imagens, este Outro é definido pela sua
comuns, do que em criar diferenças impenetráveis (ou acessíveis somente pelo discurso
associadas à produção artística dos anos 1930, cuja valorização do indivíduo se fazia em
apreendida pela gente comum dos Estados Unidos, o público alvo das suas
fotografias.
Notas sobre a política da Boa Vizinhança entre Brasil e Eua nos anos 1940.
A doutrina do destino manifesto foi a base sobre a qual a cultura política norte-
através dos seus sonhos de (perfectibilidade) perfeição. Tal estratégia pautava a política
externa norte-americana numa moral, que concebe a América do Norte como o local da
222
perfeição e que compreende a sua intervenção, em outras regiões do mundo, como a
American Affairs, então dirigido pelo milionário Nelson Rockefeller. Órgão criado pelo
liberal diante da expansão do nazi-facismo. Ao mesmo tempo em que, criava uma área
Mundial.
das relações comerciais entre as Américas, este órgão recebeu o nome de: Office of
americana deveria se estabelecer com o restante das Américas, ampliando sua ação
norte-americanos. Aliás, como já vinha sendo feita a política externa dos EUA, para a
223
América Latina, desde fins do século XIX, através de sucessivas posturas
lado, pressionava seus antigos parceiros, dentre os quais a Inglaterra, a abandonar sua
Estados Unidos pudessem ser garantidos; por outro, reconhecia a existência dos
impor o abandono destes em prol do, cada vez mais popular, american-way-of-life.
Estados Unidos. No entanto, como reforça Pike, “basic to FDR’s approach was the
assumption that latins had a lot of growing to do before they could adjust do U.S
estratégica dos aliados no Cone Sul, a partir do avanço das forças do eixo no Pacífico. O
ataque a Pearl Harbour, em 1941, foi fundamental para deslanchar de maneira mais
dentre os quais Getúlio Vargas, uma definição política mais clara e cooperativa.
ação. No Brasil as três metas eleitas foram: informação, saúde e alimentação. Estes três
224
setores tinham funções definidas de penetração e convencimento ideológico através do
americanas, como o Museu de Arte Moderna de Nova York, também sob a direção de
de incentivo tais como: bolsas de estudo para artistas latino-americanos irem aos
nas salas de exposição do MOMA, as expressões culturais que apresentassem aos EUA
Miranda brilhava em Streets of Paris, mas Carmem era uma face do Brasil que
225
Os articuladores da política externa norte-americana tinham certeza da expansão
oficial da política externa norte-americana para o Brasil, afirmar: “Eu considero que o
convencido que os alemães também pensam nisso. Todos os homens de seu governo são
1995, p.493).
pendesse para o lado alemão ele não teria dúvidas em aderir. “Guest chegou a contatar
estudioso leitor de Goebbels”; além de Montero (sic, ou seja, Góis Monteiro), ministro
efetivo com os EUA. O museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro, foi criado nos
consulta realizada nesta cidade, em 1940. De acordo com as negociações feitas entre
coletar e adquirir obras de arte moderna, bem como, de arte popular brasileira, além de
226
O representante norte-americano para a criação do MAM foi justamente, Misha
artista plástico de origem ucraniana que fez sucesso, no Brasil, com seus “Monstros da
Guerra”. Naylor, Reznikoff, seguidos por Orson Welles e Waldo Frank formam o lado
intelectual e sensível do imperialismo sedutor, para usar a feliz expressão de Pedro Tota
tropicais onipresentes à mesa por uma bebida de gosto estranho e artificial chamada
sucedâneo industrial chamado kibon, produzido por uma companhia que se deslocara às
pressas da Ásia, por efeito da guerra. Aprenderam a mascar uma goma elástica chamada
chiclets e incorporaram novas palavras que foram integradas á sua língua escrita.
mais filmes produzidos em Hollywood agora. Passaram a voar nas asas da Panair (Pan-
12).
americanos que mistura essa cultura urbana internacionalizada, com a outra, atávica das
profundezas do sertão. Na sua viagem pelo Brasil une o litoral ao interior, numa síntese
inusitada que até hoje causa estranhamento em quem olha. Qual a mágica de
Genevieve?
Ao longo das primeiras três décadas do século XX, a produção fotográfica norte-
americana foi marcada por duas tendências –Camera –work de Alfred Stiglitz,
227
tendência pictorialista; e o social work, de Louis Hine, a tendência de se operar com a
câmera fotográfica como uma arma de denúncia social. Duas tendências que dividem o
Ruth Houston Cadwell, pertencente a elite local, separaram-se quando ela tinha somente
10 anos, em 1925.
Criada nos padrões da alta burguesia do leste, desde cedo, como sua mãe, tentou
romper com os padrões estabelecidos, estudando desenho e pintura numa escola local,
apaixona-se pelo professor, Misha Reznikoff. Em 1933 muda-se para Nova York
seguindo o seu amor e o seu instinto artístico. Lá continua com seus estudos em pintura
até que em 1934 depois de assistir a uma exposição de fotografias que reunia nomes
como Berenice Abott, Eugene Atget e Henri Cartier-Bresson, muda o seu foco de
interesse, passando a dedicar-se à fotografia. Seu destino: a New School for Social
Research, onde nada mais do que Berenice Abbott ensinava. Iniciava-se então uma
228
sua formação nas artes plásticas, o resultado foi um olhar sensível aos temas sociais,
mas também treinado na estética visual das formas plásticas, dos claros-escuros, das
Em 1937, quando tinha somente 22 anos, foi recomendada pela liga profissional
Naylor fotografa diferentes cidades norte-americanas temas de caráter social, daí para o
do que se ouvia nas rádios. Exercia uma forte influência na cultura urbana de então e
função numa agência de notícias. Suas fotos passam a circular em importantes revistas
internacionais, dentre as quais: Life, Time e a Fortune. Aliás, foi nas páginas da Life que
cultural das Américas. É interessante pensar como Naylor, jovem culta, bem sucedida
na sua profissão, integrada numa Nova York boêmia e vanguardista, fosse assumir de
governamentais. Claro que a luta anti-facista unia pontas distintas do pensamento liberal
socialista, como Aldo Frank, até Walt Disney, um digno representante da indústria
229
cultural, e foi justamente este largo espectro ideológico que vai transformar a “invasão”
ambiente do pluralismo cultural de Franz Boas, cuja referência máxima para a América
Latina foi Waldo Frank, a união das Américas foi mais uma utopia. Os Estados Unidos
ao final da II Guerra Mundial, como aponta Frederick Pike, voltou a sua trilha familiar,
Naylor chega ao Brasil em outubro de 1940, onde para realizar seu trabalho de
fotógrafa deve ter um salvo conduto assinado pelo diretor geral do Departamento de
Brasil. A morosidade da burocracia faz com que o passe necessário só tenha sido
Levando-se em consideração que boa parte das fotos de Naylor no Brasil foram
de 1941 e 1942 e que a fotógrafa retorna aos Estados Unidos em agosto de 1942 e boa
parte do seu trabalho foi realizada sem este passe. No entanto, não foi somente esta a
230
dificuldade encontrada por ela. Nas cartas que enviou à sua irmã reclamava da
registrar o que ela queria, além da falta de películas, por conta da guerra. Numa de suas
cartas registrou tal escassez: “Film is being rationed to everyone”, she wrote to her
sister. “I don’t have the luxury of shooting anything I want. I have to be damn careful,
and choose my images with great care and hope my exposures are correct”28.
livro do arquiteto Philip L Goodwinn, Brazil Builds, que também deu título a exposição
amazônica29.
Assim que chegou ao Rio, Naylor recebeu instruções claras do DIP sobre o que
casas dos bairros nobres, como Lagoa, Gávea e Ipanema; interior de casas importantes e
231
Instalados no Rio de Janeiro, o casal Naylor e Reznikoff passou a morar no
Leme, bairro litorâneo, próximo a Copacabana, onde Naylor registrou boas imagens do
cotidiano praieiro, nada sem domingos de sol, num clima muito mais intimista, de quem
Tal efeito foi percebido por Aníbal Machado, crítico e escritor carioca, que sobre
na realização de seu trabalho” [...] Mais que a excelência técnica, o que é preciso louvar
nos trabalhos de Miss Genevieve é o sentido sociológico com que ela utilizou a
objetiva, revelando um espírito corajoso e sincero, e, não raras vezes, comovido diante
que compõem a fisionomia do nosso povo são captados, pela fotógrafa da Boa
Vizinhança. Mas sua maneira de fixar a realidade nada tem de monumental. Nada de
sarcástica por vezes evoca a arte sul-realista. Um país – O Brasil – captado então na sua
força real: assim, no carnaval, a alegria é antes uma vibração convulsiva da tristeza que
olhar, a percepção das imagens simples, que permite a recuperação dos tempos
profundidade e instensidade. Não raro surge uma imagem agônica, áspera porém
de jornalistas, críticos, poetas e músicos, um ambiente bem parecido com àquele que
232
pelo seu trabalho, compartilhada por Vinicius de Moraes e Aníbal Machado, estendia-se
aos trabalhos de Misha que recebeu elogios por parte da crítica, na exposição “Monstros
casal acabou por servir de ponte para os demais “embaixadores da boa-vontade” que
visitariam o Brasil. Dentre eles o próprio Orson Welles, que além de ter sido
fotografado por Naylor, na noite carioca, recebeu do casal Misha/Genevieve boas dicas
de onde ir, na cidade do Rio de Janeiro, para filmar seu documentário sobre o Carnaval.
‘coisas’ cariocas: “Welles knew the Avenida Rio Branco and the Avenida Beira mar
were the two major canaval parade routes, but he didn’t know in the Praça Onze a
O próprio Vinícius de Morais, cujo comentário sobre Naylor abre este estudo,
cuja sociabilidade evidencia-se em uma outra de suas crônicas do período: “Ontem fui a
Cinédia, a convite de Orson Welles, para vê-lo um pouco em ação. Anteontem o havia
admiração e simpatia por ele se renovam. Discutimos, como também sempre acontece,
numa roda onde se achavam entre outros amigos o pintor Misha e o escritor Aníbal
Manhã, 30/04/1942).
Sediado no Rio, o casal realizou várias viagens pelo interior e para outras
capitais brasileiras dentre elas São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Maceió, Aracaju e
233
saiu do Rio diretamente para Belém do Pará, descendo pelo nordeste e iniciando uma
viagem pelo Rio São Francisco, onde se dedicou a fotografar as pequenas e anônimas
barco (sob a guarda de seu filho Peter Reznikoff), Genevieve descreve as aventuras e
desventuras do casal:
“This Voyage is definitely not a trip from Pirapora [MG] to Joazeiro; it’s one
from this sand bank to the next. The first time we’ve got stuck (five minutes after
embarking) it was too picturesque – those fine, strong, bronzed MEN, literally lifting us
off those unique sand formations – BUT after spending a day knawing (sic) our nails,
waiting for the next sand bank (with a little energy trouble thrown in), we finally given
over to God and a lone bottle of genuine Gordon’s gin and agua tonica (tonic water).
The only trouble is there seems to be an unlimited supply of agua tonica and a bottle of
Em outro trecho descreve as dificuldades de deixar o Rio, por conta dos passes
“That last day in Rio was a heller what with gathering last minute letters of
introduction and Lourival’s (I hear he is out on his bunda [ass], Graças a Deus [Thank
God]) card of permission to take photos and the squeezing of the last minute elephants
into match-box suitcases, we finally got off in a terrific rush leaving last minute
telephone calls, etc., undone, only to have a first class disaster smack us in the face half
away to Bello Horizonte. Misha and I had the last beds in the last car of the train and
were killing time and dirt having a drink in the restaurant car when we stopped with a
234
boom in some small station. The xixi (pee) I had decided to take previously simply
couldn’t wait, so we wandred back to find the back end of our car folded up like an
accordion and the rear engine (put on as an aid) puffing and steaming right in the
middle of our beds. WELL, I lost ten kilos on the spot because we has previously stored
all our baggage including my complete work (negatives) of a year and all of Misha’s
paintings in a small space in back of the beds and the engine steaming and (as I thought)
melting my negatives to a grease spot and the dfp (son of a whore) conductor sayng
“well, we will leave the car here and you can get your things tomorrow”, and another
fdp calling us quinta columnas [traitors] ( a year of my negatives), so with a few ers on
my part, and Misha’s gestures on the other, we got the baggage ou safe and OK. After
that, B.H was very tame, and Pirapora was a sleeping pill”
ingerência do poder local, durante o Estado Novo. Desde a cobrança de taxas até salvo
conduto para fotografar eram exigidos em algumas localidades, a fotógrafa teve seu
equipamento apreendido inúmera vezes, apesar do passe concedido por Lourival Fontes,
chefe do DIP.
As imagens do Rio e das viagens que realizou pelo Brasil compõem um mosaico
polifonia das vozes que falam através das imagens de Naylor, numa intertextualidade
que valoriza o poder da imagem nas suas múltiplas dimensões: poesia, publicidade,
cinema e fotografia.
235
anos 1930. Entretanto dialogava também com a pedagogia do olhar própria a política
“Born in 1926, I began in the early to mid-1930s to become a bit aware of a few
things going on in the world, in part listening to the radio [...]. My favorite radio
entertainment came from western music programs of Stuart Hamblen, the broadcast
description of Joe Louis fights..and above all else FDR’s Fireside Chats[...]Vaguely in
the 1930s I became aware that FDR had na interest in certain neighbors to the south
called Latin Americans, and that he had initiated a Good Neighbor program through
which he hoped to establish better relations between them and us...that sounded like a
decent enough idea. At the time a lot of latin songs were in vogue...The Latins had
begun to intrigue me about as much as cowboys. By the end of 1930s, moreover, the
Latins took on an appeal the cowboys couldn’t match. They were very sexy. Dolores del
Rio and Carmen Miranda provided all the proof that one needed. Obsviously FDR was
right in wating Americans to get closer to Latin Americans”. (Pike, Frederick, 1996, p.
xv).
fundamentais: política e propaganda. O forte apelo político era encampado pelo próprio
conversas no rádio. Cabia aos meios de comunicação apresentar o perfil, criar um tipo
236
que dialogassem com a cultura visual do período, fortemente marcada pela crescente
pelo governo, através de suas agencias, dentre estas o CIAA, em parceria com os
a elaboração de uma imagem positiva das ‘outras repúblicas americanas’, como era
A produção de curtas para distribuição não comercial dentro dos Estados Unidos
e na América Latina, era apenas uma das muitas atividades da Motion Picture Divison
MPD foi entregue a direção de John Hay Whitney, que além de amigo pessoal de
Por conta dessa ligação, a Biblioteca do MOMA, sob contrato com o CIAA
produzidos pelo CIAA, para fins não comerciais. Dentre estas se destacam organização
castelhano dos filmes sobre os Estados Unidos, além de editar filmes e de promover a
Comunicação foi extinta, a MPD era composta por um pessoal reduzido, sendo boa
237
parte do trabalho realizado em parceria com a indústria cinematográfica. Tanto a
produção de filmes comerciais como não comerciais eram gerenciados pela mesma
direção que se dividia pelos dois escritórios, uns em Washington e o outro em Nova
privada em geral. Além disso, ficava ao encargo desta seção definir os temas, estruturar
companhias, dentro e fora dos Estados Unidos. Durante o ano de 1942 através de
Pathe, Universal, Fox-Movitetone e News of the Day -, o CIAA conseguiu montar uma
238
distribuir dentro dos Estados Unidos, filmes de interesse para a política da Boa
Vizinhança. No final do ano de 1943, cerca de 61 curtas, com temas ligados a guerra e
da América Latina onde boa parte do público-alvo era analfabeta. Portanto a educação
visual fazia parte do projeto civilizatório, com o qual os Estados Unidos, se empenhava
investimentos neste sentido foi a organização de uma frota de 200 caminhões que
percorriam as cidades do interior dos países da América Latina, para atingir pessoas que
normalmente não iam ao cinema e, sendo assim, não eram atingidos pela propaganda do
CIAA. No caso do Brasil, como aponta a documentação do CIAA, não foram enviados
16 mm. motion films on South and Central America and where they can be secured’,
evidenciada:
“Future world peace depends greatly on how well the peoples of the various
nations know and understand each other. The Office of the Coordinator of Inter-
American Affairs has been established by the United Sates Government to promote and
accelerate such and understanding between the peoples in the republics of western
promoting in the United States the knowledge of the other American republics. Inter-
239
American Centers have been established to coordinate and reinforce inter-American
programs regionally, in both cultural and commercial aspects. Emphasis is laid on the
showing of motion pictures since this particular medium is admittedly one of the most
powerful and effective teaching tools. The Motion Picture Division is releasing many
films in South and Central America designed to teach our neighbors to the South more
about the United States. Likewise the Coordinator’s office is making available to
audiences in the United States an increasing number of motion pictures delineating life,
customs, traditions, habits, education, science, and art in the other America republics.
To this particular group films are the following pages devotes so that schools, clubs,
churches and similar groups in the United States my know what motion picture are
das imagens a crença nos ideais da modernização técnica como progresso social, ao
evolucionista das Américas. Não é sem propósito que em toda a documentação oficial
Americanas”.
também publicados pelo CIAA desde 1940, mais uma vez reforça-se a necessidade de
dos EUA, propondo uma estratégia que criasse um sentido de comunidade: “As a part of
240
this process of working together, we in the US must come to know more about our
neighbors to the south – their lives, their culture, their aspirations, and their role in the
cooperation, groups and organizations throughout the country have raised the question:
Como resposta a essa demanda o CIAA preparou uma lista com dezoito tópicos
que iam desde observar as datas cívicas latino-americanas até a organização de eventos
científicos e culturais, passando pelo ensino dos idiomas português e espanhol, para ser
distribuídas em centenas de cidades nos EUA. Cada um dos 18 tópicos foi tratado
divulgação de revistas com imagens sobre e América Latina, bem como a exibição de
CIAA; Pan American Union, Office of Education, American Council on Education, etc.
field of visual education offers one of the most effective means of reaching the
American public. Much of Latin America can now be seen on the screen through a
number of very interesting films available through the CIAA and through other
sources”.
241
acervo de slides e incentivar sua utilização bem como a de filmes nas escolas, e
ligadas a forte tradição associativa dos Estados Unidos, foi fundamental para elaborar
imagem técnica foi fundamental, denotando o importante papel da cultura visual como
política cria-se uma demanda por imagens, onde o papel de Naylor e dos demais
Naylor não tinha muitos recursos técnicos a sua disposição: somente uma
Rolleiflex e uma Speed Graphic, utilizando-se sempre de luz natural, sem filmes muito
rápidos. No entanto contava com algo que ela destacou como especial: a boa vontade
dos brasileiros. Numa de suas cartas mencionou: “What helps is the absolute
cooperation of the Brazilians. They are so natural in their demeanor, so giving and
Fotografia era para Naylor uma forma de expressar seu encantamento pelo
mundo que a rodeava. O frescor das suas fotografias provinha do fato de que ela estava
vendo tudo pela primeira vez. Ao contrário das fotografias teatralizadas do DIP,
242
tipicamente de propaganda política, suas fotos registraram como o cotidiano poderia ser
extraordinário. Ela achava os brasileiros simples e abertos, fáceis de lidar. Para uma
estrangeira com uma grande câmera, com roupas estranhas e sem muita habilidade para
se comunicar com pessoas que por sua vez também não tinham muito contato com o
aceitavam a sua presença, sem que esta atrapalhasse o que estavam fazendo, ora
amigável.
imagem, Naylor tinha uma estratégia para consegui-la, como explica Peter Reznikoff:
prevaleciam nos anos 1920 e 1930. Para isso, ela integrou a sua experiência enquanto
ela teve que ser não apenas inventiva, mas esperta. Quando se deparou com Red
Skelton, bêbado, para uma sessão de fotos para a revista Good Housekeeping, ela o
colocou em frente a televisão, ligou o aparelho e pediu que ele reagisse ao que estava
Skelton”35
los como exóticos. O olhar de encantamento que lançou para o Brasil, assim que
243
chegou, não se perdeu ao longo dos quase três anos que permaneceu aqui. Suas viagens
para o interior, juntamente com Misha realimentaram essa impressão inicial, a cada
viajantes ávidos pelo registro do novo, do incomum e muitas vezes bizarro. O Brasil,
desde a abertura dos portos em 1808 por D. João VI, teve sua paisagem redesenhada por
paisagistas e, mais tarde, ao longo do século XX, por outros que buscavam a o “resumo
que alimentavam a sua visualidade eram diferentes, mas cada qual buscava, a sua
maneira uma síntese original do país. Genevieve Naylor, também, buscou recriar o que
via, a partir do que já tinha visto: o transito de pessoas por um país em crise, a afluência
objetivo, mas a marca da originalidade de Naylor estava inscrita na sua própria maneira
de olhar, como evidencia-se numa carta para sua irmã : “My first striking visual sight
was not the bustling energy of the Copacabana beach or the boulevards and slums, but a
solitary young negro girl sitting cross-legged in the center of a street, intensely focused
scrutinize my back ground to make sure I’m not some fifth-columnist subversive!”36
244
Nas palavras da estudiosa Ana Lucia Gazolla,
buscam retratar uma realidade contraditória, múltipla, diversa, da qual nenhuma síntese
expectativas do CIAA [...] O país que retrata não é o das paisagens assépticas e
andanças pelo Brasil. Uma leitura permeada pelo impacto que nos causa o conjunto da
período, como a mais completa coleção sobre o Brasil da época, devido à natureza
livro, organizado com a colaboração de Peter Reznikoff, filho de Naylor, 101 imagens.
fotografias sobre o Brasil pertencente ao CIAA onde deste conjunto, 187 estão
245
assinadas por Naylor, 10 seguem o mesmo estilo adotado pela fotógrafa, incluindo
também no livro, as demais seguem o mesmo padrão estético e temático, com uma
catálogo, numa espécie de miscelânea sobre a América latina dos anos 1940, sem
tratamento especial. Todas estão coladas num suporte de cartão, com tamanho padrão de
data, todas de 1941. Todas estão assinadas pela fotógrafa e do conjunto total somente
nove não traziam identificação de data e local, as demais traziam uma breve legenda
escrita em inglês, com a letra de Naylor. Acredito que o conjunto do trabalho de Naylor
pode estar arquivado em diferentes lugares (além do material em posse do seu filho),
biblioteca do congresso dos EUA, as fotos publicadas no livro de Robert Levine e mais
1994, sob a curadoria do filho de Naylor, Peter Reznikoff, somando um total de 264
“Faces and Places in Brazil”. A opção por valorizar as pessoas e lugares por onde andou
246
vai fazer com que todas as demais opções técnicas e estéticas fiquem por estas
O entramado visual.
aparato técnico que a fotógrafa utilizava, uma Rolleiflex e uma 4 x 5 Speed Graphic,
cuja leitura se processa da direita para a esquerda (44%) e de forma nivelada ao plano
baixo para cima (24,5%), indica o diálogo entre as fotografias de Naylor e o cinema,
realizadas. Neste sentido, quanto maior a profundidade de campo, definida pela abertura
da coleção analisada, a disposição dos planos foi a seguinte: 30% em um único plano;
46% com dois planos; 22% com três planos e 2% com quatro planos.
247
Num primeiro momento, avalia-se que a fotógrafa optou por uma profundidade
de campo menor (76% de fotos com plano único ou dois planos), apesar da
luminosidade tropical lhe permitir fechar mais o diafragma para conseguir um maior
número de planos no foco. Sua opção por valorizar a relação entre as pessoas e os
lugares predominou, evidenciada na escolha da maioria das fotos com dois planos.
figuração foram objeto central, valorizando a cena. Tal tendência se reforça ao aliarmos
foto. Neste sentido, a incidência de 68% de fotos (a soma das fotos de 2, 3 e 4 planos),
associada a uma opção por contrastes marcados por linhas retas bem definidas,
equilíbrio entre claros e escuros, e entre a parte inferior e superior do quadro, busca
somente com figuração reúnem 33% das fotos e em geral são todas com um único
plano. O que evidencia que o objetivo da fotógrafa era criar uma imagem
afirma: “Por mais de 150 anos a fotografia tem sido o mais difundido meio de
comunicação visual, e contribui mais do que qualquer outra mídia para moldar as
noções de corpo na sociedade contemporânea” (Pultz, 1995, p.7). Este autor investiga
248
como a representação fotográfica do corpo molda e reflete questões óbvias como
ideologia e política.
“fotografia nas décadas de 1930, 1940 e início de 1950 estava intimamente conectada
com a Grande Depressão, a Segunda Grande Guerra e com os primeiros anos da Guerra
Fria. Durante a primeira metade desse período, o corpo na fotografia foi principalmente
gênero voltaria a ser considerada” (idem, p.89). A partir dessas considerações orientei
social que, busca dialogar com a condição humana dos sujeitos retratados.
representação fotográfica afirma: “The portrait is... a sign whose purpose is both
description of an individual and the inscription of social identity” (Tagg, 1988, p.13).
Seguindo tal idéia, Grahan Clarke afirma que os retratos são realmente elementos de
inscrição social: “within the context (and associations) not just a face, but of a formal
Não basta enquadrar um rosto, ou uma pessoa, é necessário que ela distingui-la das
249
demais, da multidão, atribuir-lhe um valor que, ao mesmo tempo, a diferencia como um
“Defined by their profession (or lack of one), they take their place in a dense
figure, in this sense gains credence from relative position, for it exists in terms of its
difference from, rather than similarity to other figures. The individual is always referred
accountant, lawyer, baker, cook, bricklayer, customs officer, and so on. Every detail in
Sander portrait is of significance – everything means, but we need to probe the images
for any hint of an internal and private self. This is a society on show – public space in
which the self has meaning only in so far as it has access to that public forum”(Idem,
p.113).
época, mostram mais do que revelam uma face em qualquer contexto público. A
diferença entre mostrar e revelar, ou entre fazer uma foto e tirar uma foto, implica na
O retrato pode ser só de rosto ou de corpo inteiro, quanto mais partes desse
corpo ficar exposta, tanto maior será a possibilidade de historicizá-la. Todos os atributos
250
Genevieve Naylor produzidos no Brasil traduzem o diálogo da fotógrafa com a pauta
social do seu tempo, pois se orientam nos temas relacionados à classe, raça e geração.
Tais considerações são confirmadas na avaliação dos tópicos relacionados aos espaços
fotógrafa, ora como funcionária do CIAA, ora como uma profissional sensível e
comprometida com as demandas sociais. Cerca de 41% das fotografias são do Rio de
Janeiro, desse conjunto somente 15% são do subúrbio da cidade e 3,5% da zona rural do
Estado. De outros estados, ainda dentro da pauta definida pelo Estado Novo, consta uma
O restante das imagens mostra os caminhos trilhados pela fotógrafa nas suas
viagens e as marcas que definiu como sendo relevantes para configurar especificidade
identificação específica de local, 11,5% são das cidades históricas de Minas Gerais –
Ouro Preto e Congonhas do Campo, nas festividades da Semana Santa, 15% são
cada espaço. Neste sentido, o espaço urbano dos grandes centros está associado a
objetos que denotam o consumo e a vida agitada das metrópoles: outdoors, prédios,
entulhos, postes, calçadas, tapumes, fios, vitrines, toldos, estátuas, bondes, carros, trens,
251
etc. A zona rural recebe atributos próprios, tais como: casas de pau-a-pique, canoas,
vegetação agreste, roupas estendidas ao sol, redes, utensílios de palha, numa economia
Brasil urbano-industrial que teria condições para integrar o concerto das nações
ou reunidas em grupo (34%), aponta para uma crescente preocupação com a condição
ainda hoje presente nas fotografias de documentação social de Sebastião Salgado, por
exemplo.
fotógrafa pela situação do negro no Brasil, tanto que suas fotos não foram bem aceitas
pelas autoridades sediadas na cidade do Rio de Janeiro. “Há muito mais no Brasil que
da fotógrafa norte-americana.39
É interessante notar que o debate racial no Brasil, nesta época matiza seus
principalmente o carnaval. Com certeza nas conversas que Genevieve Naylor travou
com os intelectuais brasileiros, este tema entrou em pauta, conversando com Vinícius de
Morais, por exemplo, este poderia ter argumentado: “Nosso negro é um valor excelente,
252
temos um preconceito que não cabe a nossa natureza de povo americano” (A Manhã,
30/4/1942).
valorização do movimento. Em 18% das fotos as pessoas posam para a fotógrafa, nas
vivendo, enfim.
quadro do Brasil, que buscava incluir o máximo de aspectos da sua natureza diversa e
vitrines das lojas de retratos e nas paredes dos bares populares (três fotos), até as
imagens do dia-a-dia da pequena cidade debruçada no rio São Francisco (47 fotos),
fotos), pelos clubes exclusivos, culminando na apoteose carnavalesca (32 fotos). Sem
deixar de mostrar o trabalho (20 fotos) e a educação (série produzida em uma escola em
imagens.
pelo conjunto de seus representantes, nas suas viagens pelas ‘demais Republicas
Americanas’. Logo depois de retornar de seu tour da Boa Vizinhança, Walt Disney
253
produziu Alô Amigos (1943), um simpático desenho animado, no qual se relatou em
cores variadas e tons fortes, o passeio dos desenhistas na busca da imagem ideal da
América Latina. Para cada país buscou-se um equivalente, um semelhante, para dar
sentido a esta comunidade imaginada que se buscava forjar entre as Américas. Em cada
país, também a alteridade era definida pela estética do pitoresco. As imagens de Disney
evidenciam-se algumas semelhanças, em respeito à diretriz imposta, mas por outro lado,
o que se descobre é um conjunto de imagens que apontam para a certa porosidade dos
diversidade do que é próprio a cada lugar. Como comentava Anibal Machado: “Nada de
cachoeiras”.
254
Ilustração 35
“The Museum of Modern Art supplementing its big architectural exhibition, ‘Brazil
Builds’, has installed in a narrow corridor gallery on the ground floor a show about fifty
photographs by Genevieve Naylor, entitled ‘Faces and Places in Brazil’. This excellent
“The camera work is clear, simple, direct and it reveals that Brazil has games and
overcrowded trolleys, beautiful girls and puppet shows, festivals and school free
lunches and that river vessels play an important part in the life of the interior. There are,
“Miss Naylor worked in South America for the Coordinator of Inter-American Affairs
from the Autumn of 1940 until last August. The exhibition will continue synchronously
with “Brazil builds” until Feb. 28 – not march 7 as previously announced. Both shows
will extensively circulate thereafter.” (Edward Alden Jewell, New York, NY Times
1/27/43)
255
Os comentários sobre as fotografias de Naylor apontam para a forma de
brasileiras e norte-americanas:
“Fares, Please – So you think Pittsburgh street car and buses are crowded? Here is a
street car during the rush hour in Rio, Brazil, another country in which President
photographs on Brazil currently in the New York Museum of Modern Art”. (Sun
“Think you are crowded? If you are one of the persons complaining about the over
crowding of street cars and buses, look at this photo of a street car in Rio de Janeiro.
Naylor n life and scenes in Brazil at NY MOMA” (Time & News, 2/3/1943)
Passengers jam-jacked into an open trolley in Rio de Janeiro, where they don’t seem to
mind crowding as much as do our DSR riders. This picture is one of 50 photographs by
2/5/1943).
Rochester, Colorado Springs, São Francisco e por toda a Costa Oeste, traçando um
de cima. A idéia de uma identificação entre os dois países está na base da doutrina da
256
boa vizinhança. Apesar das diferenças evidenciadas nas imagens, ambos fazem parte da
democrática e liberal.
CIAA elabora seu relatório sobre as atividades no ano de 1943. Em compasso com as
imagens que seguem o seu rumo país adentro, em consonância com as diretrizes de
Não há evidencias explicitas que o CIAA tenha feito uso técnico das fotografias
contradições que definiam o Brasil de então, apontando para o fato de que além de
delas publicada na ‘Sunday Mirror Magazine Section’, do New York Sunday Mirror,
257
do bairro de Leme, enquadra no primeiro plano caminhando no calçadão um padre de
batina e, logo atrás, uma jovem empurrando um carrinho de bebê, no segundo plano a
curva da praia, com o morro do Leme ao fundo. A foto valoriza a cena com os seus
qualquer.
Ilustração 36
A legenda da foto esclarece a sua escolha pelo editor da seção: “‘On Pan
American Day we pay honor to the oldest and most successful of sovereign
governments on earth’ – From FDR’s message, April 14, 1942. That success is reflected
in beauty and dignity of Rio’s majestic vista (above). – Photo by Genevieve Naylor, by
Vizinhança. Esta é definida como uma prova tangível que nações livres e soberanas
258
opções de luz, definição dos claros e escuros, do foco, e da distribuição dos elementos
na foto, valorizam o conjunto da cena, permitindo uma leitura clara e direta da imagem.
Ao mesmo tempo em que, as opções pelo sentido vertical e direcionamento das linhas
entre imagem e o meio no qual ela está sendo veiculada, na definição do sentido
atribuído às imagens.
mas também a dos demais fotógrafos e documentaristas que atuaram aqui, no período
da Boa Vizinhança, reforçando, com isso, o papel desempenhado pelas imagens técnicas
Conclusão.
Depois da guerra Naylor passa a trabalhar nas principais revistas de moda norte-
americanas, dentre estas a Harper’s Bazaar, onde tem como mentor Alexy Brodovich.
dentre as quais, a primeira dama norte-americana, Eleanor Roosevelt. Por toda a sua
vida, Naylor manteve contato com a comunidade artística brasileira em Nova York, e
Reznikoff:
“My parents always spoke fondly of Brazil, and even spoke Portuguese to each
other when they didn’t want my brother or I to know what they were saying to each
other. It helped that in late 1950s and into the 1960s when the Bossa Nova movement
259
was begin to take off the US, they hosted a lot of musicians who came here to record
with Stan Getz, etc. They were very good friends with Stan, and in fact introduced Stan
to Luiz Bonfa. Among the other musicians were usual cast of characters: Jobim,
Apesar de ter trabalhado durante toda sua vida como fotógrafa, somente nos
anos 1990, graças a um empenho de seu filho Peter Reznikoff, as imagens brasileiras de
âmbito da política da boa vontade. Naylor foi capaz de ver para além dos estereótipos e
260
Capítulo 11.
nação e território.
dicotômica, tanto pode desembocar numa utopia humanista de corte romântico, quanto
entre o mundo dos acontecimentos e o mundo das suas imagens, cujo resultado é uma
diversidade cultural.
historiador não pode colocar-se como mero espectador dos fatos passados, tomando tais
em tais operações: fotógrafos, editores, jornalistas, público, etc. Enfim, ao tomar tais
261
fotografias como imagens-monumento e imagens-documento, a análise historiográfica
subjetividade.
cultura brasileira.
o debate sobre diversidade cultural no Brasil. Entre as noções de raça, povos, classe, se
trava no Brasil. [...] Os diferentes autores que têm abordado a questão concordam que
Neste sentido, a crítica que os intelectuais do século XIX faziam à “cópia” das idéias da
metrópole é ainda válida para os anos 1960, quando se busca diagnosticar a existência
de uma cultura alienada, importada dos países centrais. Toda a identidade se define em
relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença. Poderíamos pensar sobre o porquê
Creio que a resposta pode ser encontrada no fato de sermos um país do chamado
terceiro mundo,o que significa dizer que a pergunta é uma imposição estrutural que se
262
coloca a partir da posição dominada em que nos encontramos no sistema internacional”
foi apropriada por diferentes discursos em torno da definição do ser nacional. Assim
para os românticos e folcloristas diversidade cultural foi a base para se projetar uma
de se projetar um Brasil cuja harmonia entre as raças criou a ilusão de um país sem
A abertura do regime político, nos anos 1980, trouxe para a cena pública novos
movimentos sociais, cuja ação associava-se à política das identidades. Tais movimentos
operavam com a noção de diversidade cultural como uma plataforma de projeção social.
Um princípio que se define, nem de exclusão nem de inclusão social, mas pela
práticas. Tal plataforma tem como corolário o estreitamento das relações entre
diversidade e alteridade.
263
Flávio Damm e Sebastião Salgado são fotógrafos de gerações e tendências
distintas, a união de ambos numa mesma análise tem como objetivo valorizar a
variedade do olhar local sobre o global. Essa análise toma a fotografia como uma
um destes três elementos integra o resultado final, à medida que todo o produto cultural
Flávio Damm, gaúcho, nascido em 1928, começa a trabalhar cedo como auxiliar
matéria intitulada “A Longa Viagem de Volta”, com texto assinado pelo repórter
Rubens Vidal, publica as primeiras fotos de Getúlio no seu retorno ao Catete. Essa
reportagem lhe rendeu bons frutos, pois em 1949 ruma para o Rio de Janeiro e
264
conquista um posto de fotógrafo na revista O Cruzeiro, o principal veículo do
Sobre O Cruzeiro, onde trabalhou durante dez anos, suas lembranças são muitas.
Falou tanto da importância desta revista na época, como também da rotina dentro da
Inglaterra, passando pelas últimas fotografias de Eva Perón, e chegando até o crime do
Sacopã, na zona sul carioca. Cada qual narrada com rigores de explicação técnica,
contemporâneo.
Após sua saída da revista O Cruzeiro, Damm continuou com pleno fôlego sua
fotografou petróleo para a Petrobrás, trabalhou como produtor de serviço gráfico (arte
gráfica), escreveu livros, participou de inúmeras exposições. Além de ter sido um dos
encantos da imagem digital, diz ter a necessidade de estar sempre fotografando uma vez
que a fotografia é o ar que ele respira. Considerado por seu irmão mais novo como
fotógrafo batedor de carteira em função de sua discrição ao fotografar o que ele chama
de cotidiano surrealista, Flávio Damm defende a idéia de que fotografia é uma arte sim.
265
As fotografias que integram esse artigo foram escolhidas pelo fotógrafo, em
resposta a um pedido: “Preciso das fotos com o desenho do seu olhar sobre o mundo lá
fora, o estrangeiro.Pode ser mas recente, mais antiga, escolha assim, das que você tem
Aquela figura benjaminiana que vaga pelas passagens, ruas, das mais largas avenidas as
vias sinuosas, usufruindo a cidade moderna pelo olhar. Sua narrativa visual se constrói
fotográfico. Uma captura perfeita em sintonia com a cultura visual que conforma o seu
faz mais ao sabor da lógica dos fatos publicamente memoráveis, mas na sintonia do
passo a passo de quem caminha pela cidade atento ao que é estranhamente familiar.
segundo de uma correspondência – ela se apresenta em uma lógica temporal que lhe é
266
Ilustração 37 Ilustração 38
Ilustração 39 Ilustração 40
Ilustração 41 Ilustração 42
Ilustração 43 Ilustração 44
267
Ilustração 45 Ilustração 46
Ilustração 47 Ilustração 48
Ilustração 52 Ilustração 53
268
A série começa em 1954, duas fotografias da Bahia. Nessa época, ainda atuando
acompanhando repórteres ou, ele mesmo, encarregado de escrever sobre os assuntos que
fotografa. Leva sempre consigo sua câmera portátil com a qual “fisga”, nacos da
Na continuação, mais duas fotos dos anos 1950, ambas de Nova Iorque, onde
Damm morou seis meses como correspondente da revista. Em ambas o detalhe recai
sobre a ação infantil. Na primeira, o pretenso chute na cabeça da estátua que parece
sucumbir ao golpe; e na segunda, alheio a pressa da mãe o bebe toma sua mamadeira
calmamente.
Na seqüência uma foto dos anos 1960. Em Brasília, recém inaugurada capital
escola observam o casal que num beijo misturam os corpos; na segunda a menina tapa
desfeita pela entrada da criança na cena. Em cada uma, um novo desfecho ao sabor do
captura do instante.
Dos anos noventa são as três fotos seguintes: duas da Itália e uma de Marrakesh.
Na primeira um indivíduo aproveita o descanso para ler o jornal, deitado numa gôndola,
ancorada no cais. O alinhamento das gôndolas nas fachadas dos prédios a beira do
canal, orientam o leitor das imagens pelas vias sinuosas de Veneza. Na seqüência, em
269
Portas e passagens delineiam os caminhos abertos e interditados ao fotógrafo-flanner,
que ainda sim, não perde a síntese visual pelo estranhamento do olhar: o músico e a
Na seqüência das seis fotos produzidas a partir do ano 2000, o espaço ibero-
estranhamente comum.
uma vida; o casal e os gatos num paralelo de existências; e a seqüência final das noivas,
num cortejo de expectativas projetado pelas ruas da cidade. Em cada uma um detalhe,
uma pista, um indício, nos remete a teia narrativa que tece as múltiplas histórias do
cotidiano.
mesma mira a cabeça o olho e o coração, segue as lições do mestre e transforma-se, ele
mesmo, num caçador de imagens. Na reflexão de Lissovsky tal relação ganha densidade
analítica:
sentido superior, visa, de olhos fechados, o instante, onde o fortuito encontra seu alvo.
270
desta entrevisão, a configuração dá-se a ver como suspensão temporal entre dois
equilíbrios que imediatamente antes distinguiam aquele que visa e o que é visado – e
que voltarão, logo após, a restabelecer-se” (Lissovsky, mai –ago / 1999, p.102).
global. Nessa operação, Damm transforma o mundo na sua aldeia, no seu bairro.
Sebastião Salgado pode ser incluído na lista dos fotógrafos documentais mais
mundo, trazem a marca de seu olhar, integrando o local ao global, através de temáticas
271
Nascido, em 1944, na cidade de Aimorés, no interior do estado de Minas Gerais,
Sebastião Salgado faz parte de uma geração de migrantes, que saíram do interior em
busca de melhores condições de trabalho e formação nas cidades que cresciam, nos idos
anos 1950. Em 1969, por conta da perseguição política da ditadura militar, no Brasil,
Sebastião Salgado e sua esposa Lélia, ficam proibidos de voltar ao Brasil, tendo seu
retorno liberado somente nos anos 1980, com a lei da anistia. Ao longo do período de
sobre o seu fazer fotográfico, e dessas reflexões se depreende a sua forma de pensar
fotograficamente:
momento, me situar na fotografia, ligar minha foto a esta evolução histórica e viajar aí.
Para mim não existem limites de trabalho porque acho que a grande barreira que existe
sensacional do trabalho da maioria dos fotógrafos deste gênero é lembrar a quem está
bem e vive bem que existe uma grande parte da população que não vive direito. Não
podemos viver sentados num vulcão ou numa bomba atômica. Ele sabe que a função do
fotógrafo e do escritor é trabalhar como um vetor ligando estes dois lados do problema.
Quatro quintos da população do país vivem mal e têm a necessidade de viver melhor.
Devemos mostrar a problemática a quem decida, a quem é classe dominante, a”. Quem
272
produz toda a riqueza do país, explicando que a única solução para a gente poder viver
fotográfica assumindo elementos de textos que a precedem, conseguindo com isso uma
Ao buscar com que suas imagens provoquem uma reação, Sebastião Salgado faz
com essas só ganhem um sentido pleno, numa relação dialógica e intersubjetiva entre
mas em fenômenos fotográficos, dos quais o fotógrafo participa até chegar ao ápice
então abandonar o fenômeno e passar para o outro, vivendo os fenômenos e não mais
Assim o argumento que construí para ler as fotos de Sebastião Salgado envolve a
na sua trajetória o faz mudar de rumo e enveredar por experiências visuais ancoradas
273
numa chave de leitura de matriz marxista, das ciências sociais e econômicas da década
de 1960.
desenvolve uma abordagem visual das experiências sociais marcada por referencias a
nuançado entre as zonas de sombra e luz, são opções plásticas inspiradas na iconografia
mesmo em situações limites preservam a sua condição humana, aquilo que os faz
temas tratados.
conjunto de imagens que estão no site. Essa imagem varia e, a cada momento que se
abre à página, se depara com uma nova imagem. Nessa página inicial também se pode
página, na qual dois projetos são apontados como caminhos para a navegação:
274
Migration: Humanity in Transition, 1993-1999 e The Majority World, three photo
Other Americas – 1977/1984 (19 fotos); Famine in Sahel – 1984/1985 (21 fotos);
distribuição geográfica fica definida pelo próprio título, com exceção do terceiro ensaio
cobrindo o período entre 1993 e 1999, intitulam-se: Refugees and migrants (20 fotos);
Africa Adrift (17 fotos); Struggling for Land (21 fotos); Mega-cities (17 fotos); The
Children (12 fotos). Juntos os cinco ensaios perfazem um total de 87 fotos. No conjunto
mapa, apresentado no seu site46, fornece a dimensão clara da sua cartografia fotográfica:
o 3º Mundo.
igualdade na cena pública, entendida como disputa pelo poder e de acesso ao mundo do
esquerda engajada nas lutas do Terceiro Mundo, a igualdade que se prega investe no
275
Se o espaço fotográfico se define na delimitação das regiões de conflito, o tempo
das imagens se pluraliza nos tempos da história. Nesse sentido, são esclarecedoras as
‘clássicos’ de Salgado são parte indissociável deste instante que aguarda pelo fotógrafo.
postulada por Salgado é bastante precisa. Ela assinala uma convergência que é em
construiu uma trajetória que se inscreveu como um projeto de vida, compartilhado com
nas imagens-síntese das crianças. Retratos-link para situações concretas, mas também
símbolos de esperança.
http://www.terra.com.br/sebastiaosalgado/e1/e_children.html
276
Ilustração 54 Ilustração 55
No mesmo lugar, em tempos diferentes, o olhar atento do fotógrafo flagra cenas
buscar uma realidade oculta por detrás das imagens. Cabe sim, apontar a capacidade da
memória coletiva. No entanto, nunca é demais lembrar: as imagens não falam por si só é
277
Entre os tempos, a título de conclusão precária.
Recentemente a perda de uma tia querida me colocou, mais uma vez diante do
desafio da morte e da perda. Na noite anterior a sua morte, eu desci da última prateleira
da estante do meu quarto, um dos álbuns de fotografia da minha família. A primeira foto
que saltou da página do álbum foi a dela, um retrato onde ela estava sorrindo, tirado há
sete anos atrás. A sua imagem presente na foto, não era mais a imagem que eu tinha das
minhas visitas recentes ao local onde estava internada, tampouco das imagens descritas
por quem a havia visitado nos seus últimos dias, uma imagem sem vida de quem morre
aos poucos.
Em uma das noites, seguintes a sua morte, sonhei com ela, mas não identifico a
situação, somente o rosto que ficou estampado no meu inconsciente. A imagem desse
rosto era a imagem daquela fotografia do álbum. O rosto que se inscreveu na minha
memória, como imagem a ser lembrada foi aquele projetado pela fotografia como
realidade precária, que se atualiza a cada vez que voltamos a olhá-la. A presença na foto
Uma outra vivência, também familiar, me faz pensar sobre o quão próximo às
voltando da casa de saúde com o meu filho mais jovem, me deparei com a seguinte
cena: sua irmã e seu irmão mais velhos haviam descido os álbuns com as nossas
278
permitiu com que eles reconhecessem aquele Outro como igual. Assim as narrativas
diferente daquela época, sinto o tempo como duração, o tempo como marca de
existem mais, tanto eu quanto ela não existimos mais da mesma forma, na mesma
como uma continuidade que define o crescimento de ambos. Sua presença no passado
ser futuro.
interpretá-la e possuí-la pelos próprios sujeitos do olhar a cada nova experiência de ver.
resiginifica a cada novo tempo e a cada nova forma dela se apropriar o sujeito.
Vilém Flusser, no trabalho clássico Filosofia da Caixa Preta (2002). De acordo com o
279
mágica, e na elaboração de uma noção de História, calcada no princípio da
com a “textolatria”, no entanto, sua programação cada vez mais controlada, determinou
de uma filosofia da fotografia que reinscreva o sujeito histórico no seu próprio devir:
viver livremente num mundo programado por aparelhos. Reflexão sobre o significado
que o homem pode dar a sua própria vida, onde tudo é acaso estúpido, rumo à morte
também discutida por Nobert Elias, nas suas considerações sobre o tempo (Elias, 1998).
280
delimitação espaço temporal são resultado de um aprendizado social de longa duração,
uma quinta dimensão as quatro existentes na relação espaço temporal. Essa quinta
elaboração de equipamentos para o seu controle. Esse processo é denominado por Elias
de processo civilizatório.
“[...] já não é apenas o devir quadridimensional como tal que se torna visível,
mas também, com ele, o caráter simbólico das quatro dimensões, em seu papel de
O tempo, que só era apreendido, no patamar anterior, como uma dimensão do universo
físico, passa a ser apreendido, a partir do momento em que a sociedade se integra como
sujeito do saber no campo da observação, como símbolo de origem humana e, ainda por
pelo tempo é apenas uma figuração simbólica do fato de que tudo o que existe encontra-
homens para se situaram no interior desse fluxo, em que determinam posições, medem
creio que as considerações de Elias ajudam a pensar a dinâmica dos tempos que se
281
civilizatória, como signos que suportam relações sociais. Assim se podem conceber os
memória, permite indagar sobre a noção de tempo interior, como dimensão histórica.
imaginação social. E assim, como queria Elias operar sobre o tempo em relação à
instantaneidade, precariedade, entre outras. Vale, por fim, ressaltar os desafios que a
282
colecionismo predatório, que transforma a fotografia em relíquia, em fetiche,
simbólicas.
283
Lista de Ilustrações:
284
coleção da autora.
Ilustração 26 -: retrato, 18 x 24 cm, Sacha fotógrafo, 1956, coleção da autora.
Ilustração 27 a 34 – primeira reportagem de Flavio Damm, Revista do Globo, Porto
Alegre, ano XIX, nº 470, 6/11/1948. Capturado no site: http://www.ipct.pucrs.br/cgi-
bin/letras/letras.cgi, em 22/05/2006
Ilustração 35 - chamada para a exposição de Naylor.
Ilustração 36 - imagem publicada no New York Sunday Mirror, em 18 de abril de
1943.
Ilustração 37 – Flavio Damm, Bahia, Xaréo, 1954.
Ilustração 38 – Flavio Damm, Bahia, 1954.
Ilustração 39 – Flavio Damm, Nova Iorque, 1957.
Ilustração 40 – Flavio Damm, Nova Iorque, 1958
Ilustração 41 – Flavio Damm, Brasília, 1962.
Ilustração 42 – Flavio Damm, Paris, 1989.
Ilustração 43 – Flavio Damm, Orlando, 1989.
Ilustração 44 – Flavio Damm, Roma, 1989.
Ilustração 45 – Flavio Damm, Veneza, 1996.
Ilustração 46 – Flavio Damm, Itália, 1998.
Ilustração 47 – Flavio Damm, Marrakesh, 1999.
Ilustração 48 – Flavio Damm, Lisboa, 2000
Ilustração 49 – Flavio Damm, Espanha, 2001.
Ilustração 50 – Flavio Damm, Rio de Janeiro, 2001.
Ilustração 51 – Flavio Damm, Rio de Janeiro, 2002.
Ilustração 52 – Flavio Damm, Portugal, 2002
Ilustração 53 – Flavio Damm, Lisboa, 2004
Ilustração 54 - Flavio Damm, Kennedy Airport, New York City, 1958.
Ilustração 55 – Sebastião Salgado, The passengers from a Tower Air charter flight from
Moscow standing in line at the immigration service, Kennedy Airport, New York City,
1994. http://www.terra.com.br/sebastiaosalgado/e1/e05rus.html
Foto 063
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TOTA, P.A. Imperialismo Sedutor, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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Brady to Walker Evans, Hill and Wang, 1989.
TURAZZI, M.I. Poses e Trejeitos: a fotografia e as exposições na era do espetáculo
(1839-1889), Rio de Janeiro: Rocco/Funarte, 1995.
VASQUEZ, Pedro. Fotógrafos pioneiros no Rio de Janeiro: Victor Frond, George
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Vasquez, Pedro. Mestres da Fotografia no Brasil: a coleção Gilberto Ferrez, Rio de
Janeiro: CCBB, 1995.
VELHO, Gilberto. Projeto e Metamorfose: por uma antropologia das sociedades
complexas, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
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289
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WILLIANS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
Fontes Orais:
Flávio Damm, entrevistas realizadas nos dias 24/04/2003; 15/05/2003 e 7/10/2003,
realizadas no âmbito do projeto CNPq: Através da Imagem: História e memória do
fotojornalismo no Brasil contemporâneo (CNPq 2002-2004), depositadas nos arquivos
do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF.
Fontes Visuais:
Revista do Globo, Porto Alegre, ano XIX, nº 470, 6/11/1948.
Capturado no site: http://www.ipct.pucrs.br/cgi-bin/letras/letras.cgi.
(última consulta em 22/05/2006)
1
Dentre os trabalhos que tratam a fotografia como objeto de análise histórica destacam-se: C.E.
Marcondes de Moura, Retratos quase inocentes, São Paulo, Nobel, 1983; Pedro Vasquez, D. Pedro II e a
fotografia no Brasil, Rio de Janeiro, Index, s/d; Annateresa Fabris, Usos e funções da fotografia no
século XIX, São Paulo, Edusp, 1992; Maria Inês Turazzi, Poses e trejeitos: a fotografia e as exposições
na era do espetáculo (1839-1889), Rio de Janeiro, Funarte/Rocco, 1995.(Ao longo dos dez anos que nos
separam da publicação desse artigo, o perfil das produções brasileiras ampliou bastante, todavia, continua
limitada aos programas de pós-graduação, sem uma linha editorial que a divulgue).
2
Utilizo-me do conceito imagem limitando-o às imagens visuais (bidimensionais e tridimensionais),
excluíndo as imagens oníricas, pensamentos e imagens literárias.
3
Cabe esclarecer que não estou tomando como automática a relação entre as demandas sociais e a
produção historiográfica, tal afirmação seria no mínimo ingênua. O que afirmo é uma relação de
engajamento do conhecimento histórico como prática social, apoiando-me tanto em reflexões de Eric
Hobsbawn, no seu livro Sobre História (São Paulo: Companhia das Letras, 1997 ) e em Frederic
Jameson, na sua feliz tentativa de Periodizar los Sessenta(Córdoba: Alción Editora, 1997). Ambos os
autores defendem a relação dialética entre sujeitos do conhecimento e prática social.
4
Sobre a aplicação dos princípios da micro-história numa pesquisa de dados sobre história do império
brasileiro, ver: MUAZE, Mariana de Aguiar. Império do Retrato: família, riqueza e representação social
no Brasil oitocentista (1840-1889), Tese de doutorado, Niterói: Programa de Pós-Graduação em História
da UFF, 2006.
5
Para um inventário minucioso e bem estruturado das imagens de escravos e ex-escravos ver, Carneiro,
M.L.T. & Kossoy, B. O Olhar Europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX, São Paulo:
Edusp, 1994
6
Referências retiradas dos Jornais do Comércio, Actualidade, Almanack Laemmert, entre outros
periódicos que circulavam na Corte do Rio de Janeiro, na segunda metade do século XIX.
7
. A coleção analisada compõe-se de 118 fotografias existentes no arquivo fotográfico do Museu
Histórico Nacional. Em 1998, a equipe do MHN lançou um CD-ROM reunindo o acervo de Gutierrez
que, além da série Rio de Janeiro, é composto pelas fotografias da revolta da armada.
8
. Sobre o fotógrafo francês radicado no interior de São Paulo, ver KOSSOY, Boris. Hercule Florence –
1833: a descoberta isolada da fotografia no Brasil. São Paulo: Duas Cidades, 1980.
9
.Ao lado de cada tema a abreviação que foi utilizada na tabela de quantificação a seguir.
290
10
Sobre as imagens esteroscópicas ver: Turazzi, M.I. Poses e Trejeitos na era do espetáculo, Rio de
Janeiro: Rocco/ Funarte, 1995, p.281.
11
A produção paisagística de Ferrez e Malta foram analisadas a partir das fotografias publicadas em
livros e catálogos. A lógica que norteou a montagem do corpus foi a da relação entre paisagem e cidade,
entendendo as fotos publicadas como lugares de memória na acepção que, o historiador francês Pierre
Nora aos lugares onde a memória se torna objeto da história. Publicações consultadas: Ferrez, Gilberto. O
Rio Antigo do fotógrafo Marc Ferrez: paisagens e tipos humanos, 1865-1918. Rio de Janeiro: Ex-Libris,
1985. Vasquez, Pedro. Mestres da Fotografia: coleção Gilberto Ferrez. Rio de Janeiro: Centro Cultural
Banco do Brasil, 1995. Arquivo Geral da cidade do Rio de Janeiro. Augusto Malta: catálogo da série
negativo em vidro, Aristógiton Malta. Rio de Janeiro: Secretária de Cultura, dep. Geral de Documentação
e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1994. Santos, Affonso Carlos Marques dos. O Rio de
Janeiro de Lima Barreto. Rio de Janeiro: Rioarte, 1983.
12
Sobre a construção espacial na expressão fotográfica de Malta ver: Oliveira Júnior, 1994., cap.3
13
Texto resultante da entrevista realizada em junho de 1998, com Mariana Jabour Mauad e Julieta
Mauad, ambas com cerca de 80 anos, que vivenciaram, na mesma época, os ritos da vida católica. Uma
delas, Mariana Jabour, dona da coleção de fotografias analisada por mim em outro trabalho.
14
Segundo Pierre Bourdieu, o conceito de habitus pode ser compreendido como “um conjunto de
esquemas implantados desde a primeira educação familiar, e constantemente repostos e reatualizados ao
longo da trajetória social restante, que demarcam os limites à consciência possível de ser mobilizada
pelos grupos e/ou classes, sendo assim responsáveis, em última instância, pelo campo de sentido que
operam as relações de força”( Micelli, Sérgio. Economia das trocas simbólicas, São Paulo: Ed.
Perspectiva, 1982,p.XLII). É interessante notar, a adequação do conceito de habitus ao de representação,
para os estudos dos processos de controle da produção de sentido social por parte de grupos/ classes.
Neste sentido, não só a imagem fotográfica, mas também o próprio ato de fotografar, se deixar fotografar
e consumir imagens fotográficas e podem ser considerados importantes integrantes do habitus social.
15
Este parágrafo sintetiza informações sobre comportamentos e lugares freqüentados por frações de
classe dominante que, disputavam a hegemonia cultural, na primeira metade do século XX.
16
Termos utilizados em diferentes momentos, na primeira metade do século XX, para adjetivar a classe
dominante, detentora dos meios técnicos de produção cultural e do capital simbólico a disposição para a
hegemonia de classe.
17
Os anos-chave foram definidos a partir de uma análise rigorosa da totalidade dos anos publicados. Ao
longo dos anos as revistas apresentaram mudanças na linha editorial caracterizada por alguns fatores tais
como: diminuição do texto escrito em relação a foto, ampliação do número de fotos, mudança na
identidade visual da revista, anúncio de inovações técnicas pelo editor, mudanças na equipe de
colaboradores, etc. Enfim mudanças ligadas ao própio veículo, mas também considerou-se anos
importantes em termos de marcos históricos relacionados a história da cidade/país e a história mundial ,
tais como: as grandes guerras mundiais, exposições nacionais e internacionais, reformas urbanas,
eleições, etc. Via de regra o que vigorou foi um entrcruzamento destes dois critérios.
18
A historiogrrafia brasileira sobre o período estudado, não é consensual no que diz respeito a utilização
do conceito de classe burguesa, para este período da história do Brasil. Noções como camadas médias
urbanas, classes médias, frações dominadas da classe dominante, são correlativos para a noção de
burguesia urbana tal como a utilizamos aqui. A opção pelo conceito de burguesia urbana, deveu-se
principalmente ao objetivo central do estudo, qual seja: avaliar como, dentro do contexto de inserção do
Brasil na lógica do capitalismo internacional, os costumes e comportamentos no espaço das cidades,
notadamente na Capital, transformaram-se. Tal transformação tomou como referência os códigos de
comportamento dos paises do hemisfério norte, primeiro a França e a Inglaterra e, depois da 2ª G.G, os
EUA, estes, sem dúvida alguma, pautados em valores e normas burgueses. Não cabe aqui discutir a base
econômica da classe dominante brasileira do período eminentemente agrária, mas, absenteísta por
natureza e cosmopolita por verniz.
19
“Técnicas do beijo”, reportagem publicada, com fotos de artistas se beijando, pela revista O
CRUZEIRO, em 1934.
20
Estúdio cinematográfico responsável por uma significativa produção de filmes nacionais, pautados na
estética, norte-americana, durante as décadas de 1940 e 1950.
21
Sobre os conceitos de projeto, campo de possibilidades e trajetória que nortearam a elaboração das
entrevistas de história de vida ver: VELHO, 1994.
22
Sobre o conceito de mediação ver: WILLIANS, 1979 e MARTIN-BARBERO, 1997.
291
23
Para uma avaliação do fotojornalismo no mundo contemporâneo ver: SOUSA, 2000. FREUND, 1989.
24
Sobre a Doutrina do Destino manifesto e a política moral norte-americana: DONOGHUE, D. et.alli. 1993
25
Ver a documentação sobre as exposições e atividades do MOMA no Archives of American Art, seleção
de clippings, microfilme números AAA5069; AAA 5056; AAA 5093; AAA 5066.
26
Concerned Photographs é o termo que designa a produção de imagens fotojornalísticas, com forte apelo
social, a partir dos anos 1930, com a criação das agências fotográficas, compostas por fotógrafos
independentes, dentre as mais famosas do século XX, está a Dephot, criada por Eric Solomom em 1930 a
Magnum, criada por Roberty Capa, em 1947. Para uma informação resumida acesse:
http://www.comciencia.br/reportagens/memoria/12.shtml.
27
A reprodução do documento pode ser encontrada no livro publicado por Robert Levine com a
colaboração de seu filho Peter Reznikoff. LEVINE, 1998.
28
Carta, Genevieve Naylor para a sua Cynthia, Rio de Janeiro, c. Dezembro 1941, cortesia Cynthia
Gillipsie, Apud. Levine, Op.cit. p.2.
29
Suas imagens estão arquivadas no National Archives.
30
DIP, Divisão de Turismo, “Assuntos que devem ser fotografados no Rio de Janeiro”, c. 1941 cortesia
de Peter Reznikoff.
31
Anibal Machado, texto datilografado, encontrado no entre os papéis de Genevieve Naylor, de posse do
seu filho Peter Reznikoff.
32
Sobre a relação entre imagem cinematográfica e política da boa-vizinhança ver: WOLL, Allen L. The
Latin Image in American Films, revised edition, Los Angeles: UCLA Latin American Center
Publications, 1980; Lopez, Ana M. “Are all Latins from Manhattan? Hollywood, ethnography and
cultural colonialism” In: Lopez, A (et.all) Mediating two worlds: cinematic encounter in the Americas.
London: Verso, 1993; MENDONÇA, Ana Rita. Carmen Miranda foi a Washington, Rio de Janeiro: Record,
1999; MAUAD, Ana Maria. “A América é aqui: um estudo sobre a influência cultural norte-americana no
cotidiano brasileiro (1930-1960)”, IN: TORRES, Sonia (org.) Raízes e Rumos: perspectivas
interdisciplinares em estudos americanos, Rio de Janeiro: 7Letras, 2001, p. 134-146. MAUAD, Ana
Maria. “As três Américas de Carmem Miranda: cultura política e cinema no contexto da política da boa
vizinhança”, IN: Transit Circle: Revista Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro:
ABEA/Contra-Capa, Vol.1, Nova Série, 2002, pp.52-77; FREIRE-MEDEIROS, Bianca. The Travelling City:
U.S. Representations of Rio de Janeiro in Films, Travelogues and Schorlarly writing (1930s-1990s), Tese
de doutorado, Binghamton University, State University of New York, 2002; FREIRE-MEDEIROS, Bianca.
“Diplomacia em celulóide: Walt Disney e a política de Boa Vizinhança”, IN: Transit Circle: Revista
Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro: ABEA/Contra-Capa, Vol.3, Nova Série, 2004, pp.60-
79.
33
The Library of the Congress Serial Record, mar 24, 1944 (copy Govt. Source).
34
O sentido de compartilhamento de valores culturais estaria na raiz dos movimentos nacionalistas
oitocentistas, segundo o autor. Apesar de efetivamente a idéia de inter-americanidade não coadunar com
as propostas nacionalistas do contexto da política da boa-vizinhança, o investimento simbólico apontado
garantiria ao menos a possibilidade de um patamar cultural comum, a partir do qual as trocas políticas se
efetivariam.
35
Catálogo da exposição Genevieve Naylor, Faces and Places in Brazil, Pinacoteca, novembro, 1994,
p.12
36
Carta de Genevieve Naylor para Cynthia Gillipsie, RJ, n.d., sob a guarda Peter Reznikoff.
37
Trecho retirado do Folder da exposição Cenas do Brasil. Gazzola, Ana Lucia, O Olhar de uma Boa
Vizinha: As fotos brasileiras de GN Folheto da Exposição: Cenas do Brasil, Genevie Naylor, fotografias.
38
No National Archives existe uma coleção Nelson Rockefeller, além do material visual que foi
produzido pelo CIAA, dentre estes: propaganda, material fílmico e cartazes resultantes de um concurso
realizado em 1940 que envolveu vários concorrentes da América latina. Sobre este material ver em
Archives of American Art, microfilmes contendo os clippings no MOMA, além dos próprios arquivos do
orgão no National Archives.
39
Memorando da Divisão Brasileira do CIAA para Francis Alstock, Rio de Janeiro, 11.8.1942, Arquivos
CIAA, National Archives, Washington, citado em MENDONÇA, 1999, p.89.
40
Entrevista por e-mail em 5/01/2004
41
A obra do autor é vasta, destaco os trabalhos cuja coerência inspriraram minha abordagem: ORTIZ,
Renato. Cultura Popular: Românticos e Folcloristas, São Paulo: Olho d’água, 1992; ORTIZ, Renato.
Cultura Brasileira e identidade Nacional, São Paulo: Brasiliense, 5ª ed.,1994. ORTIZ, Renato. A Moderna
292
Tradição Brasileira, São Paulo: Brasiliense, 1988. ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura, São Paulo:
Brasiliense, 1994.
42
Esboço biográfico traçado a partir de três entrevistas realizadas com o fotógrafo ao longo de 2003
(24/04/2003; 15/05/2003 e 7/10/2003), todas depositadas no LABHOI/UFF.
43
Correspondência por e-mail em 12/10/2206
44 Salgado, Sebastião. “O fotógrafo militante: Sebastião Salgado delineia auto-retrato em conferência na
Bienal de Fotografia de Curitiba”, matéria publicada no suplemento Idéias /Livros, do Jornal do Brasil,
em 21 de setembro de 1996, p.4.Sobre a biografia de Salgado ver também:
http://www.terra.com.br/sebastiaosalgado/p1/p_project_fs.html
45
Entrevista a Joaquim Paiva, apud. LISSOVSKY, Mauricio. “O Refúgio do tempo no tempo do
instantâneo”. In: Lugar Comum (Rio de Janeiro) (8), 89-109, mai-ago/1999, p.98.
46
http://www.terra.com.br/sebastiaosalgado/images/maps/map01.jpg
293