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A Dinâmica das

Políticas Setoriais no
Brasil na Década de 1990:
Continuidade e Mudança

Regis Bonelli
Pedro da Motta Veiga

Santiago de Chile, julio de 2004


Este documento ha sido preparado para el proyecto CEPAL/GTZ “Una
estrategia de desarrollo de clusters basados en recursos naturales”, ejecutado por
la División de Desarrollo Productivo y Empresarial de la CEPAL y financiado
por la GTZ de Alemania.
Las opiniones expresadas en este documento, que no ha sido sometido a
revisión editorial, son de exclusiva responsabilidad de los autores y pueden no
coincidir con las de la Organización.
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

Índice

I. Introdução.......................................................................... 5
2. A política industrial em transição e a redefinição das
políticas setoriais nos anos 90 ........................................ 9
2.1. A ênfase setorial da política industrial no Brasil....................9
2.2. Mudanças no policy-making: dos setores às cadeias
produtivas, clusters e iniciativas sub-nacionais............................11
3. Os quatro eixos de formulação e implementação das
políticas setoriais nos anos recentes............................ 13
3.1. A indústria automobilística: do regime automotriz de 1995 ao
regime comum do Mercosul.........................................................13
3.2 Do Binômio Zona Franca de Manaus (ZFM) – Informática às
Políticas para as Tecnologias da Informação ...............................14
3.3. A regulação setorial dos serviços de infra-estrutura.............16
3.3.1 Telecomunicações ......................................................17
3.3.2 Petróleo ......................................................................18
3.3.3 Energia elétrica...........................................................21
3.4. As políticas para arranjos produtivos locais ou clusters.......22
4. Conclusões ...................................................................... 25

Referências bibliográficas Bibliografía................................ 29

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

I. Introdução

Essa pesquisa tem como objetivo analisar a dinâmica das


políticas setoriais no Brasil do começo dos anos 1990 até o presente
para avaliar esse conjunto de políticas em comparação com a
experiência pretérita e interpretar as mudanças havidas. Sua etapa
anterior apresentou uma resenha analítica das ações do estado com
foco do setor manufatureiro, nos esforços de regulação nos
recentemente privatizados serviços industriais de utilidades públicas
(Public Utilities) e nas medidas de apoio à formação de clusters.
Esse relatório final faz uma reflexão mais abrangente, embora
resumida, sobre as mudanças no âmbito e interpretação do significado
dessas políticas à luz da experiência brasileira prévia calcando-se,
obviamente, no relatório anterior. Para essa reflexão procurar-se-á
identificar os elementos de continuidade e mudança ao longo do
tempo. Adicionalmente, traz-se também para essa análise a constatação
de que a mudança no paradigma industrial que se observa em escala
mundial também tem afetado o meio em que se desenvolve a atividade
produtiva no Brasil.
Entre essas mudanças, duas têm especial interesse pelo que
significam em termos de uma nova política industrial –mais além da
ênfase setorial– quanto a objetivos e instrumentos: a primeira é a
(ainda incipiente) emergência das indústrias baseadas no
conhecimento, onde um fator cada vez mais decisivo é o uso de
tecnologias avançadas. O avanço sem precedentes das tecnologias da
comunicação e da informação (TCI) tem permitido a difusão rápida e
extensa de informações entre empresas localizadas no país e entre
empresas aqui localizadas e empresas localizadas no exterior. A
habilidade para inovar, absorver e usar nova tecnologia torna-se cada

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vez mais uma variável chave na competição empresarial. A experiência brasileira revela conhecer a
importância dessa vertente, como se depreende da ênfase crescentemente atribuída aos setores de
comunicações, eletrônica e informática e, em especial, dos esforços, nem sempre bem sucedidos,
para integrar estas políticas nos marcos de uma visão de ´tecnologias de informação`.
A segunda é o ganho absoluto e relativo de importância das atividades tradicionalmente
associadas ao setor produtor de serviços e onde as tecnologias modernas estão promovendo uma
verdadeira revolução produtiva no interior do aparelho industrial, pois se estima que grande parte
do emprego no setor industrial está dedicada à produção de serviços. No caso do Brasil, as ações
específicas na direção de apoio ao setor serviços são ainda incipientes, enquadrando-se mais
diretamente na própria política industrial. No entanto: (i) as políticas públicas vêm
progressivamente agregando preocupações explícitas com o desenvolvimento de segmentos de
serviços; (ii) pelo menos no segmento das grandes empresas observa-se desde a década de 90
intensa adoção de novas tecnologias organizacionais a par da terceirização de atividades.
Como é bem sabido, identificamos, na avaliação das iniciativas anteriores, mudanças não
desprezíveis na formulação e execução da política industrial e de comércio exterior do Brasil que
ficam particularmente nítidas na virada dos anos 90 com as medidas visando a liberalização e a
reforma do Estado. Mas mais adiante, em meados da década, tem-se de novo o recurso (e retorno
parcial) de algumas iniciativas setoriais.
Essas mudanças na ênfase e formulação da política industrial brasileira não operaram em um
vácuo. Ao contrário, elas se inserem em movimento comum a diversos países, como observou
recente survey:
“… recent industrial policy pronouncements (Colombia, Mexico, Brazil) allow us to venture
some conclusions. First, the explicit content of these statements suggests that what is developing
before our eyes is an effort on the part of an important segment of Latin American policymakers to
redefine the role and content of industrial policies in an era of greater worldwide commercial and
financial integration. It is not an attempt to go back to the past. Second, while the effort builds on
both own past experiences and lessons from other countries, it is in many ways unprecedented and
involves a modicum of breaking new ground, experimentation, and charting of unfamiliar territory.
To that extent, it can be said that the new policies are still in the stage of taking shape and gaining
an identity of their own. Third, a remarkable feature of these and similar formulations is that they
strive to address issues (such as productivity, efficiency, product-quality, etc.) revolving around the
central question of to how to raise the countries’ competitiveness. The underlying assumptions are
that trade liberalization was necessary; that it is here to stay; that, on the other hand, it is not only
desirable but also possible to change the prevailing world distribution of comparative advantage so
as to increase the region’s exports of manufacturing goods (and even of high-technology goods and
services) and decrease the dependence on primary-sector-related exports; and that the government
has a role to play in this pursuit.” (Melo, 2001)
Isso não significa, de forma alguma, que a ênfase setorial tenha deixado de existir na
experiência brasileira – como ficará patente no restante da nossa na/alise. Isso posto, o relatório que
ora se apresenta está organizado da seguinte forma. A seção 2 descreve, em grandes linhas, a
evolução da política industrial brasileira nos anos 90, pondo em destaque o fato de que o eixo
setorial de política não desapareceu nem mesmo no período mais ‘liberalizante’ do Governo Collor
(1990-1992), voltando a ganhar força a partir da segunda metade dos anos 90. A mesma seção
apresenta ainda uma breve reflexão sobre as mudanças recentes no policy-making, ao passo que a
seção 3 contém resenhas analíticas das ações do Estado em matéria de políticas setoriais, segundo
um enfoque voltado não apenas para o setor manufatureiro, mas também para os esforços de
regulação nos recentemente privatizados serviços industriais de utilidades públicas (Public Utilities)
e de apoio à formação de clusters. Para tanto, apresentam-se e analisam-se os principais
componentes de quatro tipos de políticas setoriais praticadas ao longo dos anos 90: o regime

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automotriz, a política para setores de tecnologia de informação, a política regulatória para setores
provedores de infra-estrutura pública e as políticas direcionadas aos “arranjos produtivos locais” ou
clusters. Finalmente, a seção 4 fecha o texto com uma reflexão sobre as mudanças no âmbito e
interpretação do significado dessas políticas à luz da experiência brasileira prévia, buscando-se
identificar os elementos de continuidade e mudança ao longo do tempo.

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2. A política industrial em transição


e a redefinição das políticas
setoriais nos anos 90

2.1. A ênfase setorial da política industrial no


Brasil

Uma característica nítida das políticas públicas no Brasil foi,


desde longa data, sua atuação segundo eixos setoriais tanto nas áreas
de comércio exterior como de indústria. Uma implicação disso é que
os agentes do estado encarregados da formulação e da implementação
destas políticas também se estruturaram segundo entidades
administrativas que acompanhavam as clivagens setoriais. Da mesma
forma, a estruturação e manifestação dos interesses privados também
seguiram o eixo setorial, o que provocou, naturalmente, relações de
interlocução entre setor público e agentes privados –neste caso,
exclusivamente as empresas e associações setoriais diretamente
interesadas– quase que exclusivamente ao longo deste eixo de
articulação. As próprias negociações comerciais do país seguiam o
figurino setorial. Mas, como parece claro, a distribuição dos benefícios
não foi uniforme.1

1
Na área da política de exportação, por exemplo, avaliações da distribuição dos incentivos revelam que, embora todos os setores
tenham sido beneficiados pela política comercial, ocorreu uma elevada heterogeneidade intersetorial na alocação dos incentivos, que

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A partir de meados dos anos 80, no entanto, a ênfase setorial como modelo quase exclusivo
de formulação e implementação das políticas industrial e comercial começa a dar sinais de
esgotamento, no bojo da crise fiscal e regulatória do Estado.2 Processo semelhante caracteriza
diversos outros países da América Latina (Melo, 2001, passim). No começo dos anos 90 assiste-se a
mudanças fundamentais nesse paradigma,quando novas políticas horizontais vieram a somar-se a
novas (e velhas) iniciativas de âmbito setorial. Isso significou que o eixo setorial não foi totalmente
abandonado.3 Ele ressurgiria mais adiante.
Mas o principal é que os primeiros anos da década de 90 marcam, no Brasil, uma inflexão na
concepção das políticas industriais e de comércio exterior: políticas “horizontais” voltadas para o
aumento da competitividade e das exportações ganham relevância vis à vis políticas e medidas
setoriais, que praticamente haviam monopolizado os esforços governamentais nestas áreas de
política pública até os anos 80.4
Esta crescente “horizontalização” das políticas industriais e de comércio exterior foi além dos
discursos oficiais e do estabelecimento de objetivos explícitos, traduzindo-se, inclusive, numa
reorientação clara dos incentivos e subsídios orçamentários, que migram dos incentivos tradicionais
destinados a indústrias específicas para incentivos gerais, calcados na desoneração de tributos
indiretos, contribuições sobre o comércio exterior e mecanismos públicos de financiamento ao
investimento e às exportações (SPE/MF, 2000).
Mas o peso crescente de políticas horizontais –que também se traduziu em uma ênfase maior
em políticas de apoio às PME e em políticas de redução do Custo Brasil– não implicou, em
momento nenhum, o abandono do ‘eixo setorial’ de políticas. Este atinge certamente seu ponto mais
baixo durante o Governo Collor (1990-92), quando a política setorial se confunde com a instituição
de Câmaras Setoriais e com objetivos genéricos que não se traduziram em medidas concretas. A
exceção aqui é o caso do setor automotivo, em que as atividades da Câmara Setorial deram origem a
uma série de medidas relacionadas à desoneração tributária de veículos de baixa cilindrada (os
chamados “carros populares”).
O retorno das políticas setoriais a partir de 1995 resultou, ao menos em parte, da decisão de
conceder tratamento privilegiado aos investimentos de certos setores –automobilístico, têxteis,
calçados– e ao comércio exterior destes mesmos e de outros setores, como o aeronáutico
(EMBRAER).
Os instrumentos mobilizados foram variados: na automobilística assistiu-se à formação de um
regime setorial de investimentos de comércio exterior –baseado em mecanismos tradicionais de
proteção tarifária e de isenção tributária– com um sub-regime mais favorecido para regiões menos
desenvolvidas do país;5 nos têxteis, confecções e calçados a política governamental em geral
combinou a definição de condições de financiamento público para investimento e produção mais
favoráveis, através do BNDES–Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com a
adoção pontual, em produtos mais sensíveis de confecções, de medidas de defesa comercial contra
as importações de origem asiática. Tanto em um quanto em outro caso tem-se o ressurgimento de

beneficiaram principalmente os setores de material de transporte, de material elétrico e de comunicação, química e metalurgia, ou
seja, em boa medida, daqueles setores que estavam entre os mais protegidos pelas tarifas de importação.
2
Ainda assim, diversas tentativas de implementação de políticas industriais de cunho setorial foram feitas na segunda metade dos anos
80 — mas não tiveram sucesso devido a divergências internas no Governo Federal quanto à importância destas iniciativas.
3
Assim, por exemplo, as diretrizes do Governo Collor (1990-92) incluíam prioridades setoriais de política industrial em relação a
apenas dois grupos de produtos: (i) indústrias de alta tecnologia (informática, química fina, mecânica de precisão, biotecnologia e os
chamados novos materiais), que seriam beneficiadas por medidas, não-explicitadas, de proteção enquanto indústrias nascentes; e (ii)
indústrias necessitando de reestruturação. Na verdade, tudo indica que se tratava mais de uma indicação de prioridades futuras do que
de uma política de apoio propriamente dita: nenhuma medida específica seria efetivamente adotada em relação a essas indústrias
naquele período.
4
Na área da política industrial, a iniciativa do Governo Collor que melhor traduz esta inflexão é o Programa Brasileiro de Qualidade e
Produtividade que, aliás, obteve um razoável sucesso em sua implementação.
5
Posteriormente, os regimes automotivos nacionais do Brasil e da Argentina foram complementados com um regime Mercosul.

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um padrão de intervenção que combina incentivos, fiscais ou financeiros, com proteção comercial
contra os importados: os setores beneficiados conseguiram manter, na etapa pós-liberalização, uma
posição privilegiada na estrutura de proteção e de incentivos semelhante à que ocupavam no
período mais protecionista.
Mas há mudanças importantes mesmo nessa vertente setorial, especialmente quanto aos
setores de eletrônica e informática, que definem um segundo eixo de atuação setorial para as
políticas públicas na década de 90. A diferença está em que novos mecanismos e um novo
enquadramento institucional da política tornam as iniciativas nessa área distintas das de uma
política setorial clássica. Entre elas, o setor de informática e de automação foi objeto de nova lei de
incentivos fiscais à P & D (em substituição aos instrumentos de reserva de mercado, da política de
informática dos anos 80), mas, ao mesmo tempo, a política para estes setores passou a ser
crescentemente influenciada, no final da década de 1990, pelos conceitos de tecnologia da
informação e de sociedade da informação e por preocupações que remetem principalmente à
política de tecnologia.
Isso implica que as preocupações que estão na origem da mudança nesses setores evoluíram
de uma visão de política que privilegiava essencialmente a dimensão setorial (crescimento da oferta
doméstica) para uma visão de política industrial e tecnológica onde preocupações setoriais
devem se combinar com a visão sistêmica.
Além disso, a liberalização e quebra de monopólios associadas à privatização e às novas
concessões levaram à criação de agências reguladoras autônomas.6 Três questões surgem a partir
desta mudança fundamental: (i) o que ela significou, nos principais setores de infra-estrutura, em
termos de formulação e implementação de políticas; (ii) quais os impactos da mudança regulatória
sobre o perfil do setor e, especialmente, sobre a configuração da oferta, os investimentos e o
crescimento da produção de serviços; e (iii) como a mudança afetou os setores industrias
fornecedores de bens de diversos tipos mas, especialmente, máquinas e equipamentos, para os
prestadores de serviços nas áreas de infra-estrutura.
A par disso, dois outros processos representam o reforço das iniciativas setoriais no Brasil
nos anos mais recentes. O primeiro é a valorização, principalmente pelos órgãos encarregados de
formular e implementar políticas para as pequenas empresas (o SEBRAE, em particular) dos
“arranjos produtivos locais” ou clusters. O segundo é a adoção de políticas industriais por parte dos
governos sub-nacionais (estaduais), que adotaram ao longo dos anos 90 estratégias agressivas de
atração de investimentos, combinando elementos horizontais com elementos tipicamente
desenhados para certos setores.7 É possível concluir que essas políticas se revelaram
particularmente ativas nos setores automobilístico, eletroeletrônico, de informática, têxteis,
vestuário e calçados – ou seja, em setores também beneficiados por programas ou regimes
específicos de incentivo no plano federal.

2.2. Mudanças no policy-making: dos setores às cadeias


produtivas, clusters e iniciativas sub-nacionais

6
O papel e autonomia dessas agências reguladoras têm sido vistos criticamente pela equipe de governo que assumiu o poder no Brasil
no começo de 2003. Esse é um tema que deve merecer atenção pelo potencial de revisão das práticas anteriormente adotadas, desde o
final dos anos 90.
7
No caso da indústria automobilística, por exemplo, alguns Estados aportaram capital diretamente à empresa criada. No caso dos de
produtores e bens tradicionais, esquemas de contratação da mão de obra capazes de reduzir os custos laborais parece ter
desempenhado um papel relevante na competição entre os Estados do Nordeste. A posteriori, é possível afirmar que essas políticas se
revelaram particularmente ativas nos setores automobilístico, eletroeletrônico e informática, têxteis, vestuário e calçados – ou seja,
em setores também beneficiados, no plano federal, por programas ou regimes específicos de incentivo.

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

Depois das Câmaras Setoriais, cuja efetividade prática foi pequena, as dimensões setorial e
das cadeias produtivas destacam-se como espaço de mobilização e atuação dos setores privados e
público. Aliás, uma importante tendência observada na década de 90 foi, precisamente, o
deslocamento gradual da ênfase da política industrial para a das cadeias produtivas. Ao final dessa
década consolidara-se a noção de “cadeia produtiva” como uma das unidades relevantes para a
formulação de política industrial e comercial e para a interlocução entre o setor público e privado.
Esse aspecto está refletido na iniciativa do MDICE com a criação dos Fóruns de Competitividade–
Diálogo para o Desenvolvimento em 2000.8 Em setembro de 2002, foi firmado pelo Governo e
entidades participantes do Fórum de Competitividade da Cadeia Têxtil e de Confecções, o Contrato
de Competitividade para a cadeia, instrumento que marca a conclusão do primeiro ciclo completo
da metodologia proposta pelos Fóruns.
Qualquer avaliação dos resultados dessa iniciativa seria precipitada, nesse ponto. Mas é fora
de dúvidas que este tipo de iniciativa de institucionalização do diálogo entre Governo e agentes
privados com base em critérios setoriais ou de cadeia, em suas muitas variações, tem levado quase
sempre à frustração, não alcançando os objetivos propostos. Este fato pode ser atribuído a falhas
conceituais no desenho das políticas, a deficiências institucionais do setor público ou a divergências
internas aos setores envolvidos. Nesta última hipótese, a unidade setorial obtida –em geral, nas
posições de defesa do mercado interno– não se reproduz quando se trata de gerar consensos acerca
das medidas para ampliar a competitividade e, sobretudo, quando se trata de implementar tais
medidas. Assim, parece claro que o deslocamento do objeto das políticas governamentais do setor
para a cadeia soma dificuldades adicionais para a implementação das medidas, independentemente
do valor que se atribua a essa nova orientação de política.
Por outro lado, com a multiplicação de políticas setoriais em âmbito sub-nacional (inclusive
as centradas em clusters), houve um processo de descentralização da formulação de políticas na
área de política industrial, possibilitando que emergissem novos atores públicos e privados, assim
como novas instituições encarregadas de funções de coordenação e de articulação entre os agentes
envolvidos nos programas postos em prática nas diferentes instâncias de governo.
Em um país grande e diversificado como o Brasil, os resultados destes processos têm variado
bastante. Mas não restam dúvidas de que há exemplos de sucesso e que em vários estados e regiões
do país os agentes envolvidos nestes processos foram capazes de por em prática formas de fazer
política industrial que inovam significativamente em relação à tradição brasileira do período pré-
liberalização – como é o caso das iniciativas sub-nacionais visando a atrair investimentos na
indústria automotiva.

8
Um grupo de 8 cadeias prioritárias foi identificado em uma primeira rodada, em função de critérios como o potencial de ganhos de
competitividade, o aumento dos níveis de emprego e renda e o desenvolvimento regional. As cadeias são as seguintes: construção
civil, têxteis e confecções, plásticos, complexo eletrônico, madeiras e móveis, couro e calçados, transporte aéreo e turismo. Em
dezembro de 2002, a Decisão 23/02 do GMC criou o Programa de Foros de Competitividade para Cadeias Produtivas do Mercosul.
Alem de transplantar o para o âmbito sub-regional a metodologia adotada no Brasil, a criação dos Fóruns de Competitividade trouxe
novamente à tona uma idéia antiga no Mercosul (os acordos setoriais de complementação industrial), herdada do enfoque adotado
pelo Programa de Integração e Cooperação Argentina-Brasil (PICAB) de 1986.

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

3. Os quatro eixos de formulação e


implementação das políticas
setoriais nos anos recentes

3.1. A indústria automobilística: do regime


automotriz de 1995 ao regime comum do
Mercosul

Em nenhum segmento industrial os incentivos foram tão


extensos e a política setorial tão explícita, na década de 90, quanto no
caso do setor automotivo. Esse segmento, além de gozar de proteção
efetiva muito elevada, dispõe de incentivos fiscais e financeiros
estaduais e, especialmente, de um regime automotivo em nível federal
que lhe é vantajoso e que permitiu um acelerado crescimento do
intercâmbio de autos e peças com Argentina na década de 1990 até o
começo de 1999. A partir desse ano a desvalorização cambial brasileira
pôs a nu as dificuldades de se manter uma união aduaneira envolvendo
países com regimes cambiais tão diferentes quanto o brasileiro (câmbio
flutuante) e o argentino (à época, fixo).
O acordo automobilístico que havia sido proposto em 1995 foi
visto como a peça final de estímulo à indústria de automóveis no

Brasil.9 Apesar disso, o comércio de auto-veículos no âmbito do MERCOSUL ficou sujeito a


arrastadas negociações durante a maior parte dos anos 90.10 A impossibilidade de se chegar a um
acordo e a falta de disposição das autoridades nacionais em disciplinar os incentivos nacionais ou
sub-nacionais levou a que em 1998 fosse feita uma proposta no sentido de prorrogar o comércio
“gerenciado” por um período adicional de transição de cinco anos.
Após intensas e prolongadas negociações Argentina e Brasil finalmente anunciaram em 2000
os ingredientes principais do assim chamado “regime de transição”. O acordo deveria começar a
vigorar em Julho desse ano, mas Paraguai e Uruguai se opuseram aos seus termos devido a
interpretações conflitantes acerca do método usado para medir o índice de nacionalização,

9
Depois de negociações com o setor privado e os países parceiros do MERCOSUL, o regime teve sua versão definitiva publicada na
Medida Provisória 1235, de 15 de dezembro de 1995. O relatório anterior dessa pesquisa analisa os eventos em mais detalhe.
10
Em parte, isso se deveu ao fato de que logo depois de instituir o Decreto 29/94 o governo brasileiro introduziu o seu o seu regime
automotivo nacional com o objetivo central de atrair novos investimentos, subsidiariamente competindo com o regime de incentivos
argentino. Antes do fim de 1996 o governo brasileiro instituiu um pacote de incentivos ainda mais ambicioso para encorajar as
empresas a localizarem seus investimentos em áreas relativamente atrasadas do país (regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do
país). Os incentivos eram amplificados pelas generosas isenções tributárias (ICMS) dadas pelos governos locais. Uma fonte
importante de conflito desse sistema está no fato de que muitas das benesses ultrapassavam de muito o prazo estabelecido para adotar
um regime comum.

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

considerado por esses países muito elevado.11 Em Dezembro de 2000, finalmente, Argentina e
Brasil assinaram um acordo, para vigorar a partir de Janeiro de 2001.12
No entanto, logo após assinar o acordo o governo argentino pediu novas mudanças,
especialmente no que toca a uma regulamentação mais flexível para o comércio administrado (de
modo a ampliar as exportações para o Brasil, à época limitadas pela forte recessão doméstica), uma
antecipação da fase de comércio livre de Janeiro de 2006 para 2004 e uma redução da TEC de 35%
para 25% para os automóveis e de zero para caminhões e ônibus e equipamento agrícola. Em
Outubro de 2002 os governos da Argentina e do Brasil finalmente concordaram em flexibilizar as
regulamentações quantitativas para o comércio bilateral de veículos automotores, permitindo à
Argentina aumentar suas exportações para o Brasil no curto prazo. Mas, como já previamente
acordado, o comércio de veículos automotores será livre a partir de 2006.
Esse regime criará pressões adicionais no sentido de reestruturação na indústria. A
tendência, neste sentido, parece ser na direção de concentração da produção no Brasil. No entanto, a
Argentina poderá ser capaz de manter determinadas linhas de produção se as firmas forem capazes
de compensar o pequeno mercado doméstico e os limitados efeitos de encadeamento para trás com a
especialização na manufatura de classe mundial.

3.2 Do Binômio Zona Franca de Manaus (ZFM) – Informática às


Políticas para as Tecnologias da Informação
Durante a década de 90 continuaram a existir nos setores de eletroeletrônica e informática-
automação os mesmos arranjos previamente existentes: (i) da Zona Franca de Manaus; (ii) da
isenção fiscal de IPI condicionada ao requisito de processo produtivo básico (PPB)13; (iii) dos
incentivos a atividades de P&D no âmbito do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT); e (iv)
proteção efetiva elevada.
O dado mais relevante da evolução da política nesses setores é o da redefinição do uso dos
instrumentos que os beneficiaram, à luz de uma concepção que inclui a dimensão setorial, sem,
entretanto, nela se esgotar: a política para as tecnologias de informação. Nesta nova concepção,
instrumentos tradicionais, como a proteção tarifária e os incentivos fiscais, foram também
utilizados. Mas novos objetivos ganharam relevância – como o aumento da atividade de P & D no
país, o crescimento da competitividade e das exportações e o fomento de inovações. As inovações
institucionais aqui não se limitaram aos objetivos, pois novos instrumentos de política foram
introduzidos, direcionados a incentivar a consecução daqueles (novos) objetivos.
No caso dos empreendimentos industriais na Zona Franca de Manaus, a instalação de um
novo projeto com acesso aos benefícios fiscais previstos pelo Regime Aduaneiro Especial e pelas
reduções de alíquotas de impostos domésticos depende de uma espécie de “licença prévia”
representada pela aprovação pelo Conselho de Administração da SUFRAMA–Superintendência da
Zona Franca de Manaus.
O setor brasileiro de informática e automação dispõe de legislação de incentivo própria desde
1984. Mas o início dos anos 90 marcou a gradual extinção da política de reserva de mercado que

11
O Uruguai também fez pressão para conseguir incluir no acordo um regime de quotas que o permitiria manter uma pequena base de
produção (que sobrevive no comércio administrado entre Brasil e Argentina). O objetivo do Paraguai, por sua vez, era o de manter
seu regime nacional de importação de carros usados.
12
O Paraguai aderiu ao acordo em Julho de 2001, mantendo temporariamente seu regime de importação de automóveis usados e
obtendo uma quota de exportação para os outros membros do Mercosul de modo a atrair investimento estrangeiro para o setor
automotivo.
13
O PPB (Processo Produtivo Básico) é o conjunto de operações e processos que, em uma determinada produção industrial, devem
ocorrer no Brasil para que esta produção seja considerada habilitada a receber incentivos fiscais associados à Zona Franca de
Manaus.

14
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

beneficiava os produtores domésticos e as empresas de capital nacional de hardware e software.14 A


legislação que regula esse setor passou por diversas alterações ao longo do tempo. Essa política
procura, desde 1991, induzir a inovação, capacitação e competitividade do setor por meio de
incentivos, acompanhados de exigências de contrapartida. A aprovação da Lei 8.248 permitiu a
isenção do IPI incidente sobre a comercialização de bens de informática e automação para as
empresas que investissem 5% de sua receita operacional bruta em P&D no país. Além disso, para
fazer jus aos principais benefícios fiscais definidos por esta política, exigia-se das empresas as
seguintes contrapartidas: (i) atendimento às regras do PPB, que define critérios de industrialização
mínima para cada classe de produto, em substituição ao conceito anterior de índice de
nacionalização, permitindo focar em nichos da cadeia produtiva e a conseqüente seletividade de
produtos, partes e peças a serem fabricados localmente; e (ii) obtenção de certificação ISO 9000 dos
Sistemas da Qualidade das Empresas, em prazo não superior a dois anos.15
Em paralelo ao estabelecimento dos incentivos fiscais da Lei 8.248 e ao abandono da política
de reserva de mercado, um conjunto de ações lideradas pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foi gradualmente posto em prática sob a forma
de diversos programas. Os recursos alocados a esses programas, principalmente de origem de fontes
de cooperação técnica, foram limitados na primeira metade dos anos 90. Isto levou o BNDES a
participar das iniciativas nesta área, especialmente através do Programa ENTER, que visava a
permitir o financiamento de longo prazo para a venda de produtos de tecnologias de informação,
especialmente software e serviços.
O programa enfrentou dificuldades, relacionadas, principalmente, ao oferecimento de
garantias reais para empresas de pequeno porte e escasso patrimônio tangível das empresas
postulantes. Esta dificuldade aponta para o fato de que a legislação de informática e automação,
assim como a instrumentalização dos mecanismos de apoio financeiro governamental, apresentavam
um viés pró-hardware e pró-indústria, em detrimento dos segmentos de software e de serviços
(Duarte e Castello Branco, 2001).
Esta percepção aliou-se à constatação de que o modelo baseado nos três Projetos Prioritários
de Informática caminhava para o esgotamento e, a partir de 1997, alguns ajustes significativos
foram introduzidos em vários programas de governo nesta área. De maneira geral, eram ajustes
destinados a aumentar a importância do desenvolvimento do software como objetivo da política.16
No entanto, o problema da falta de recursos estáveis para a comunidade acadêmica desenvolver
atividades de pesquisa básica e de P&D relacionadas às tecnologias da informação continuou a
existir, apesar dos ajustes.17 (Duarte e Castello Branco (2001)).

14
A atual política beneficia empresas produtoras de bens e serviços de informática e automação e tem por base a Lei 8.248/91, alterada
pela Lei 10.176, de 11 de janeiro de 2001.
15
Note-se que, quando das negociações para a edição da Lei 10.176 (em substituição à Lei 8.248), travou-se intenso debates entre
produtores de informática e automação baseados dentro e fora da Zona Franca de Manaus. Até então, os benefícios mais amplos
concedidos às empresas de informática e automação estavam reservados aos produtores da Zona Franca. Após a edição da Lei 10.176
estes mesmos benefícios foram estendidos a produtores de outras regiões do País (concretamente, produtores baseados no Estado de
São Paulo).
16
Assim, o programa Genesis objetivava a criação de uma segunda rede de núcleos Softex, junto a várias universidades, voltados para a
incubação de pequenas empresas de tecnologia de informação. Ao mesmo tempo, o Sebrae passou a atuar mais intensivamente na
criação e manutenção de parques tecnológicos e incubadoras de empresas de pequeno porte, inclusive no setor de software. Em 1998,
o BNDES colocou em operação o programa Prosoft, para financiamento de risco às pequenas e médias empresas (firmas com receita
operacional bruta anual de até US$ 20 milhões) de software e serviços. Ainda no âmbito do BNDES, foi criado, em 1998, o
CONTEC–Condomínio de Capitalização de Empresas de Base Tecnológica, destinado a apoiar pequenas e médias empresas
enquadráveis no conceito de firmas de base tecnológica através de capital de risco. Embora não explicitamente direcionado ao setor
de tecnologias da informação, firmas de software e informática estão entre os principais clientes do programa. Também nesta direção
apontou a iniciativa da Finep em apoio ao setor de tecnologia da informação: esta instituição criou, em parceria com o BID, o Sebrae
e o fundo de pensão Petros, um fundo de capital de risco para viabilizar a capitalização e os investimentos de empresas de pequeno
porte de base tecnológica.
17
A instituição dos Fundos Setoriais de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico no final dos anos 90 constituiu uma
tentativa –aparentemente bem sucedida até o momento– de superar o crônico problema de escassez e instabilidade de recursos para a
comunidade acadêmica envolvida em P&D para os diferentes setores industriais e de serviços. Embora não exclusivamente

15
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

Mas a revisão do modelo vigente na primeira metade dos anos 90 teve uma dimensão também
estratégica, indo além de ajustes nos programas existentes. De fato, em 1997 e 1998 cerca de 150
especialistas trabalharam na elaboração de um programa nacional de Tecnologias para a Sociedade
da Informação sob a coordenação do MCT. O resultado deste trabalho foi o lançamento, em
dezembro de 1999, do programa Sociedade da Informação, um marco importante da gradual
consolidação de um novo paradigma de política nessa área, mais calcado em objetivos sistêmicos do
que em metas de desempenho setorial.
A concepção deste programa revela uma clara consciência do papel central das tecnologias
da informação na viabilização da competitividade econômica do país, “não somente através da
criação de novos produtos e serviços, mas especialmente por meio da renovação das estruturas
tradicionais de produção e comercialização de bens e serviços” (MCT, 1999). Há, além disso, uma
preocupação com a necessidade de viabilizar a democratização do acesso à informação.
Uma avaliação dos resultados da política ao final dos anos 90 revela que os incentivos
tradicionais, aliados ao dinamismo do mercado doméstico foram capazes de atrair novos
investimentos externos nas áreas de informática e, em menor grau, de automação. Cresceu o parque
doméstico de produção, aumentaram as exportações (especialmente para países da América do Sul)
e gerou-se alguma tecnologia relevante de processo, inclusive na Zona Franca de Manaus. Os
impactos tecnológicos de programas como a RNP e o Protem – CC também não foram pouco
significativos: o número de doutores em Tecnologias da Informação (TI) atuando no país passou de
221, em 1991, para 820, em 2000. A parcela brasileira de domínios na Internet passou de 0,2% do
total mundial, em 1996, para 0,6%, em 2000 (Duarte e Castello Branco, 2001).
Os resultados de exportação foram medíocres na área de software, onde o programa
específico, o Softex, não conseguiu atingir suas talvez excessivamente ambiciosas metas. Ainda
assim, cresceu a participação das empresas de software e serviços no total do faturamento do setor –
em boa parte em função de investimentos externos no segmento de software na segunda metade dos
anos 90– reduzindo-se o desequilíbrio que caracteriza o Brasil nas relações entre segmento de
hardware e de software.
De forma mais geral, a evolução registrada nesta área de política pública nos anos 90
aponta para um notável deslocamento de prioridades: de uma política setorial baseada em
incentivos fiscais e proteção tarifária e voltada para a produção de bens tangíveis, evoluiu-se
para uma política sistêmica, agregando a instrumentos antigos diversos novos mecanismos de
fomento à inovação.
A política agregou preocupações explícitas com o desenvolvimento de segmentos de
serviços, abandonando a postura exclusivamente ‘industrial’ dos períodos anteriores. Tornou-se, por
este e outros motivos, mais uma política tecnológica do que industrial, voltada para o
desenvolvimento, no país, de uma sociedade da informação. Neste novo modelo, o desenho da
institucionalidade da política também ganhou relevância: mecanismos de coordenação e cooperação
entre agentes privados, públicos e da comunidade acadêmica foram criados e fazem parte integrante
de diversos programas (Sociedade de Informação, Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, etc).

3.3. A regulação setorial dos serviços de infra-estrutura


As dificuldades de cunho macroeconômico vividas pelo Brasil a partir do início dos anos 80
reduziram os investimentos fixos e afetaram de modo particularmente intenso as inversões em infra-
estrutura – até meados dos anos 90 sob responsabilidade quase exclusiva do setor público. A

direcionados às tecnologias da informação, estes Fundos Setoriais incluem os setores a elas ligados como prioridades para a
aplicação de recursos.

16
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

deterioração da infra-estrutura subseqüente ocorreu em um período em que se processava nesses


setores uma radical transformação em escala mundial envolvendo a tecnologia, os modelos
organizacionais de gestão e operação dos serviços, as regulações e a estrutura de oferta destes
serviços.18
De uma maneira geral, esta transformação gerou para os usuários de serviços de infra-
estrutura reduções em seus custos de produção, de comercialização e de transação, de tal maneira
que uma oferta adequada de infra-estrutura passou a ser identificada como uma importante
vantagem comparativa.
Em função do quadro de instabilidade e de um ambiente regulatório adverso à entrada de
capitais privados na oferta de serviços de infra-estrutura, o Brasil ficou, em boa medida, à margem
destas transformações. Como conseqüência, apresentava em meados da década de 90 fatores de
desvantagens competitivas e fontes de custos adicionais frente a seus concorrentes externos na
infraestrutura.
Na tentativa de superar esse estado de coisas redefiniu-se ao longo da década de 90 o modelo
regulatório aplicável aos diferentes setores de infra-estrutura, de forma a atrair o investimento
privado não somente para concluir projetos iniciados e depois descontinuados por falta de verbas,
mas também para reduzir o custo de implementação dos projetos de infra-estrutura.
A partir de 1995 as iniciativas do Governo Federal com este objetivo envolveram a extensão
do programa de privatizações aos serviços de infra-estrutura, a edição da Lei de Concessões e a
edição de emendas constitucionais de supressão de monopólios estatais diversos (indústria do
petróleo, telecomunicações, distribuição de gás encanado e resseguros) e de eliminação da
discriminação constitucional contra empresas de capital estrangeiro operando no Brasil. Além disto,
o desenho institucional da regulação dos diversos setores prestadores de serviços de infra-estrutura
foi profundamente transformado, com o estabelecimento de agências reguladoras setoriais, dotadas
de autonomia financeira e operacional, e com a edição de legislação específica para cada um dos
setores objeto das reformas.19
Passados mais de cinco anos do início do processo de re-regulamentação da prestação de
serviços de infra-estrutura, os resultados destas iniciativas foram heterogêneos, variando muito entre
os setores prestadores de serviços, mesmo se eles podem ser considerados como globalmente
positivos, em termos de atração de investimentos, expansão da oferta doméstica e intensificação da
concorrência. A evolução recente de três setores de infra-estrutura (telecomunicações, petróleo e
energia elétrica) ilustra adequadamente esta constatação, como se vê a seguir.

3.3.1 Telecomunicações
No período pré-reforma, o Brasil encontrava-se atrás do restante dos países latino-
americanos, no que se refere a linhas de acesso em serviços, digitalização, linhas por funcionário e
qualidade do serviço (Pires e Goldstein, 2001). A reestruturação e privatização do setor tiveram
início em 1995 com a quebra do monopólio da Telebrás. A reorganização em bases regionalizadas e
a privatização da Telebrás (1998) marcam a conclusão do ciclo de reformas, cujo modelo pró-
competitivo prevê a liberalização da prestação de serviços nos mercados domésticos, com
competição em todos os segmentos.

18
No caso dos transportes, por exemplo, o desenvolvimento da intermodalidade levou ao crescimento da escala ótima de operações,
aumentou o grau de concentração da oferta nos tráfegos internacionais, determinou o uso intensivo das ferramentas de telemática e
levou à emergência de novos fatores de competitividade no setor.
19
As emendas constitucionais aprovadas prevêem a participação privada, inclusive de capitais estrangeiros, em diversas atividades
antes controladas pelo Estado -e, em especial, na provisão de serviços de infra-estrutura- através de concessões ou regimes de
permissão. A Lei de Concessões define critérios específicos a cada setor de atividade sob os quais o governo poderá autorizar
terceiros a proverem serviços públicos. Essas concessões só podem ser dadas por entidades públicas (Governo Federal, Estados,
Municípios e o Distrito Federal). Qualquer entidade legal ou sociedade, incluindo empresas públicas, pode ser uma concessionária.

17
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

Este setor é usualmente considerado no Brasil um caso de sucesso do programa de


privatização pelo desempenho das empresas privatizadas em termos de atendimento dos serviços
(qualidade e quantidade). O setor foi o principal responsável pela atração de investimento externo
direto entre 1998 e 2001, trazendo ao Brasil diversos atores internacionais. Além disso, alguns
grandes grupos empresariais brasileiros incluíram as telecomunicações em suas estratégias de
crescimento, tornando-se acionistas das empresas que emergiram do processo de reestruturação e
privatização.
O sucesso do processo tem sido atribuído pelos analistas à existência de uma enorme
demanda não atendida, tanto em telefonia celular quanto em fixa, mas também ao fato de que a
estratégia foi rigorosamente desenhada para aumentar a rentabilidade dos investimentos e, ao
mesmo tempo, incentivar a competição entre os atores privados que viessem a investir.20
Como observam Wohlers e Oliva (2002), especialmente no caso da telefonia fixa, a
regulamentação da ANATEL teve importantes efeitos para induzir a expansão dos investimentos.
Primeiro, os investimentos foram protegidos por uma reserva transitória de mercado, como um
duopólio, o que assegurou às empresas que compraram partes da Telebrás e às novas entrantes,
condições razoáveis de rentabilidade e tempo para planejar sua expansão. Segundo e mais
importante, as metas de universalização da rede, estabelecidas pela ANATEL, combinavam
penalidades e prêmios e seu atendimento constituía pré-requisito para a expansão futura das
empresas instaladas, dentro do cronograma de liberalização progressiva da concorrência entre
prestadores de serviços. Ora, a antecipação das metas de universalização estabelecidas pela
ANATEL para 2003 permitia às empresas iniciar, antes daquele ano, sua expansão para outros
mercados geográficos e setoriais, atuando aquelas metas como um importante incentivo para
realização, em curto espaço de tempo, de novos investimentos por parte das empresas privadas
prestadoras de serviços de telefonia fixa.21
Mas, apesar de bem sucedida no que se refere a seus objetivos diretos, a reforma regulatória
não o foi na mesma proporção no que diz respeito à meta de desenvolver tecnologicamente
fornecedores nacionais de equipamentos e de software para telecomunicações.
Na esteira do acelerado crescimento da demanda gerada pela reforma regulatória, o parque
produtor de equipamentos de telecomunicações cresceu de forma acelerada no Brasil: o faturamento
deste segmento praticamente dobrou entre 1995 e 2001 e diversos investimentos novos foram feitos
no país por empresas transnacionais, fazendo com que o Brasil passasse a abrigar, no final da
década, praticamente todos os atores relevantes no mercado mundial de equipamentos de
telecomunicações.22

3.3.2 Petróleo

20
Na realidade, a estratégia governamental neste setor começou a ser posta em prática antes mesmo da privatização: a recomposição de
tarifas e a contenção dos custos das operadoras estatais, a partir de 1995, aliaram-se à demanda reprimida para gerar uma “explosão
inversora pré-privatização”, que permitiu à rede pública e à holding estatal (a Telebrás) expandir-se e modernizar-se antes do
processo de privatização (Wohlers e Oliva, 2002). Por outro lado, a abertura do mercado de telefonia celular, através da chamada Lei
Mínima, incentivou os investimentos privados antes mesmo do big bang que viria a representar a privatização da Telebrás
reestruturada em bases regionais.
21
O ano de 2002 registra uma significativa desaceleração dos investimentos neste setor, o que era em parte previsível, em função do
cronograma de metas de universalização e de introdução da competição, estabelecido pela ANATEL. A desaceleração da demanda e
as altas taxas de inadimplência de novos usuários das classes de menor renda –especialmente nos serviços de telefonia celular–
também têm contribuído para reduzir a rentabilidade de várias operadoras, levando os analistas do setor a prever, para o futuro
imediato, um intenso processo de fusões e aquisições dentro do setor.
22
Em que pese esta evolução positiva, a privatização e a entrada de grandes operadoras internacionais de serviços de telecomunicação
no mercado doméstico parecem ter tido como efeito principal, no que diz respeito às relações com fornecedores, o crescimento das
importações de bens e serviços ofertados por fornecedores externos que, muitas vezes, mantêm vínculos de longa data com os
entrantes no mercado brasileiro. O crescimento do déficit comercial neste segmento, na segunda metade dos anos 90, atesta a
relevância crescente das importações de equipamentos de telecomunicações no atendimento das necessidades das concessionárias de
serviços públicos do setor.

18
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

Quando se faz referência a mudanças regulatórias com impactos sobre a indústria de petróleo
e gás, há que considerar dois tipos de inovações: uma mudança regulatória horizontal –isto é, não
estritamente relacionada ao setor, que é a já citada Lei de Concessões– e uma série de alterações
regulatórias, em âmbito constitucional e infraconstitucional, que se aplicam especificamente às
atividades econômicas relacionadas ao setor.
A reforma no setor de petróleo e gás natural foi inaugurada com a nova lei de concessão de
serviços públicos (Lei No. 8987/95), de 07 de julho de 1995, que estabeleceu a base jurídica para a
participação da iniciativa privada em projetos energéticos. Esta lei, cujo projeto foi de autoria do
então senador Fernando Henrique Cardoso, submeteu todos os serviços públicos a licitações
públicas prévias, introduzindo assim a competição nos investimentos para a expansão do setor.
Pouco depois, a Emenda Constitucional No. 9, de 09 de novembro de 1995, autorizou o Governo
Federal a contratar empresas públicas ou privadas para participar das atividades econômicas antes
reservadas ao monopólio da Petrobrás: exploração, produção, refino, exportação, importação e
transporte. Essa Emenda Constitucional foi regulamentada pela Lei No. 9478/97, que ficou
conhecida como Lei do Petróleo.
Até sua promulgação pode-se afirmar que a Petrobrás ocupava, nos segmentos sob
monopólio da União, o centro de um triângulo cujos vértices são: política pública, regulação e
operação. Com a criação, pela Lei do Petróleo, do CNPE e da ANP, estes passaram a ocupar os
vértices da política pública e da regulação, respectivamente. A atuação da Petrobrás ficou restrita à
operação e, nesta área, a empresa perdeu a posição de monopólio que ocupava até então.23
Em 1998, com a Rodada Zero de Licitação, foram licitadas 115 áreas para a Petrobrás.
Atualmente, a estatal possui 63 blocos, alguns deles em sociedade com outras companhias. Dos 115
blocos concedidos na Rodada Zero, manteve 26. No momento, desenvolve parceria com empresas
privadas em 42 blocos, 32 dos quais foram concedidos em rodadas posteriores. Essas parcerias
ampliaram o fôlego financeiro da estatal para investir, diversificam sua carteira de projetos e diluem
seus riscos. Na relação de sócios da Petrobras, estão desde atores de grande porte (como Shell,
Texaco e Exxon Mobil), até companhias de médio porte (Amerada Hess e Kerr McGee), além de
iniciantes nacionais (Ipiranga e Queiroz Galvão). Desde 1999, a ANP já realizou quatro licitações,
A mais recente foi a Quarta Rodada, realizada em junho último, quando foram arrematados 21 dos
54 blocos ofertados. Os 38% de aproveitamento das ofertas ficaram acima da média mundial para
esse tipo de operação.
O processo de licitação permite a outorga de novos contratos de concessão, regidos pelas
normas definidas na Lei do Petróleo e nos regulamentos específicos estabelecidos –após consulta
pública– pela ANP. Essas normas incluem direitos e deveres das empresas candidatas à licitação e
das empresas que se tornam concessionárias. Destaca-se, entre as obrigações das empresas
vencedoras em cada bloco, o cumprimento de um programa mínimo de trabalho (investimentos, por
conta e risco das empresas, na fase de exploração) e a aquisição de bens e serviços no mercado
brasileiro, de acordo com percentuais definidos pelos próprios interessados nas áreas licitadas.
Os resultados do processo de reforma regulatória, em termos de atração de investimentos,
foram notáveis. No início de 1998, havia apenas uma empresa no segmento de E&P no País;
atualmente são 38, entre nacionais e estrangeiras, incluindo as grandes companhias internacionais
do setor. Entre 1997 e 2001, o faturamento da indústria do petróleo no Brasil saltou de 2,5% do PIB
para quase 6%, com destaque especial do upstream, cuja participação relativa no setor passou de
18,3% para quase 40% no mesmo período. Entre 1997 e 2000, o investimento no setor passou de
0,32% para 0,51% do PIB.

23
A Lei do Petróleo assegurou à Petrobrás prioridade nas concessões de campos para exploração e produção em três casos: os campos
que se encontrassem em efetiva produção na data da entrada em vigência da lei; as descobertas comerciais não desenvolvidas e as
áreas em que tivessem sido feitos investimentos significativos na exploração.

19
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

No que se refere aos impactos da reforma regulatória neste setor sobre a indústria fornecedora
de bens e serviços, como bens de capital e serviços de engenharia, os resultados foram mais
matizados. Na realidade, a situação pré-reforma se caracterizava por um quadro em que se
registrava forte correlação entre o volume de investimentos da Petrobras e o desenvolvimento da
indústria nacional fornecedora de bens e serviços afins.
A partir do início dos anos 90, em função da política governamental de abertura comercial, a
indústria nacional, ademais de sofrer com a redução dos investimentos da Petrobrás, viu-se diante
do aumento das compras da estatal junto a fornecedores estrangeiros. A prioridade da política de
compras da Petrobrás passava a ser a redução de custos e estímulo à concorrência entre
fornecedores – internos e externos. Com isso, a participação de compras no exterior evolui de 8%
em 1990 para 18% em 1993.
Com a Lei do Petróleo, a Petrobrás passou a atuar num novo cenário de competição no
mercado doméstico. Admitiu-se a presença de empresas nacionais e estrangeiras em toda a cadeia
do petróleo. Ao mesmo tempo, a estatal adquiriu maior autonomia decisória, em termos comerciais,
financeiros e administrativos, voltada para a geração de resultados para seus acionistas, tendo o
Estado como controlador.
Nesse contexto de mudança regulatória e estratégica, as atividades de E&P continuaram a
liderar os investimentos da Petrobrás. O total previsto no planejamento estratégico da estatal para o
período 2000-2005 foi estimado em US$ 30 bilhões, o que representa cerca de 5% da formação
bruta de capital fixo ou 1,5% do PIB esperado para esses cinco anos.
A indústria nacional fornecedora encontra-se diante de um novo desafio: atender seu
principal cliente, agora mais preocupado com os custos; e adaptar-se às necessidades comerciais dos
novos agentes do mercado doméstico, as empresas estrangeiras. Para este novo público, muitos
fornecedores brasileiros ainda são pouco conhecidos e confiáveis, e estão submetidos à
concorrência de uma rede de supridores das companhias estrangeiras num contexto de barreiras
comerciais protecionistas inteiramente removidas.24
Frente a essas mudanças, a interseção rígida apontada inicialmente entre o desenvolvimento
dos fornecedores locais e a política de compras da Petrobrás encontra-se numa etapa de diluição. A
estatal continuará sendo o mercado mais importante para os fornecedores locais de equipamentos e
serviços de engenharia, mas novos atores entraram no Brasil, com elevada capacidade financeira e
tecnológica e com capacidade para atender a demanda dos produtores locais de petróleo.
A atuação da agência regulatória setorial na promoção do parque de fornecedores locais de
bens e serviços tem-se limitado ao estabelecimento, nos editais de licitação dos blocos, de critério

24
As condições de competição entre fornecedores domésticos e externos de equipamentos para E&P de petróleo são definidas
essencialmente pelo Repetro - Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de Bens destinados às Atividades de Pesquisa
e Lavra das Jazidas de Petróleo e Gás Natural. Instituído pelo Decreto No. 3.161, de 2 de setembro de 1999, o Repetro busca
aumentar a atratividade do setor perante os investidores privados, eliminando os impostos indiretos sobre os bens de capital
importados para a indústria do petróleo, mediante a figura da “admissão temporária especial”. Neste sentido, um conjunto importante
de máquinas e equipamentos destinados ao offshore –inclusive partes e peças sobressalentes– passaram a ser importados com isenção
do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Importação (II), além do Imposto sobre a Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS), mediante acordo com os estados da Federação. No tratamento aos bens de capital brasileiros
destinados à indústria do petróleo, o Repetro baseia-se numa nova figura jurídica: a “exportação ficta”, que vem a ser, do ponto de
vista operacional, uma “equiparação à exportação” para fins de isenção de impostos e de acesso a certas linhas de crédito específicas
para vendas ao exterior. A mercadoria nacional é exportada “fictamente” e, no mesmo instante, readmitida temporariamente,
passando assim a ficar desonerada de IPI, II e ICMS –tanto na “ida”– quando da exportação –quanto na volta– mediante a “admissão
temporária”. Com isso, estaria caracterizada uma situação de “isonomia tributária” entre os bens nacionais e os importados. Na
prática, persistiriam problemas na concessão de isenção do ICMS por alguns estados no que tange aos bens de capital made in Brazil,
além da cobrança de PIS/COFINS apenas às empresas nacionais. Assim, o Repetro é acusado de privilegiar fiscalmente os bens
importados frente aos nacionais. Os fabricantes nacionais reclamam, ainda, da impossibilidade de usarem o mecanismo de drawback
verde e amarelo para as compras que realizam junto à cadeia industrial doméstica, enquanto as partes e peças importadas não estão
sujeitas às mesmas restrições.

20
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

relacionado ao grau de compromisso das companhias com fornecedores nacionais, critério cujo
atendimento aumenta a pontuação da oferta de uma empresa na disputa por determinado bloco. Na
Quarta Rodada, por exemplo, esse compromisso foi, na fase de desenvolvimento, de 53%, e de 39%
na fase de exploração. Note-se que são compromissos voluntários das concessionárias, muitas das
quais chegaram a oferecer 70% na etapa de desenvolvimento. Outros países –como Reino Unido e
Noruega, no tocante ao petróleo do Mar do Norte– já adotaram ou adotam políticas semelhantes
com grande sucesso, bem como apóiam fornecedores locais na conquista de mercados externos.
Uma importante iniciativa voltada para apoiar a pesquisa e o desenvolvimento no setor é a
constituição do Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural, no âmbito do programa de Fundos
Setoriais de Ciência e Tecnologia, desenhado e implementado pelo Ministério de Ciência e
Tecnologia. O Fundo Setorial em questão se beneficia de disposição da chamada Lei do petróleo,
que, em seu artigo 49, prevê que da parcela total dos royalties provenientes da produção do petróleo
e do gás natural, um quarto do que exceder a 5% será destinado ao MCT para financiar programas
de desenvolvimento científico e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo.
O MCT administra o programa, com o apoio técnico da ANP, mediante convênios com centros de
pesquisa e universidades do país.
Em síntese, a mudança regulatória no setor de petróleo ilustra baseou-se: (i) na redefinição do
papel (i.a) do Estado –agora centrado na regulação– e (i.b) da empresa pública nacional atuando no
setor –a Petrobrás– e na separação das funções desempenhadas pelo Estado e pela Petrobrás; e (ii)
Na adoção de regras pró-competição entre as empresas atuantes em E&P e em outras áreas de
atividade da indústria do petróleo, bem como no fornecimento de bens e serviços para as empresas
do setor (por exemplo, através da implementação do Repetro e da recente liberalização da
importação de derivados).
A política ora implementada obedece a objetivos que não necessariamente convergem de
forma automática. O principal objetivo da política é atrair, em condições competitivas, novos
investimentos, especialmente para as atividades de E&P. O objetivo de desenvolver o parque local
de fornecedores de bens e serviços para as empresas que atuam em E&P também está presente,
conforme atestam os contratos de concessão, mas se subordina aos critérios definidos pelo objetivo
maior (atração de investimentos).

3.3.3 Energia elétrica


Se os dois setores anteriormente analisados ilustram casos de reformas regulatórias
razoavelmente bem sucedidas em seus objetivos de atrair investimentos e ampliar a oferta doméstica
de bens e serviços infra-estruturais, a energia elétrica é o exemplo recorrente de reforma inconclusa
e mal sucedida. A carência de energia registrada em 2001 é apresentada como o resultado mais
eloqüente do fracasso da transição dentre regimes regulatórios setoriais.
Os indicadores econômicos mais genéricos deste setor já sugerem que os resultados da
reforma foram insatisfatórios. Na origem desta situação encontra-se o fato, já identificado por
analistas setoriais em 1997, de que “a lógica investidora pública havia sido abandonada e a lógica
de mercado não tinha condições de funcionar”, (Bielschowsky, 2002) o que colocava as decisões de
investimento das empresas em um “limbo” até hoje existente.
O elemento central capaz de explicar a consolidação de tal quadro de incertezas e
indefinições para o investimento é a inexistência no início do processo de transição, no setor
elétrico, de uma estratégia governamental que tivesse clareza sobre seus objetivos e meios e que,
como no setor de telecomunicações, fosse capaz de definir os vetores condutores da reforma
regulatória: o papel desempenhado pelo PASTE e pela Lei Geral de Telecomunicações não encontra
equivalente no setor de energia elétrica e a agência reguladora setorial, a ANEEL, foi criada e

21
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

começou a operar sem que aquelas diretrizes de política estivessem definidas e ademais quando o
processo de reestruturação setorial já havia começado.
Na fase pré-reformas, os investimentos estatais foram fortemente reduzidos sem que
estivessem dadas as condições para que se acelerassem os investimentos privados. Estes não
cresciam em função da incerteza que cercava a operação de um mercado de longo prazo para a
energia gerada –o que impedia a estruturação de operações de financiamento de longo prazo no
modelo de project finance– e da perspectiva de privatização, que recomendava aos investidores
privados potenciais esperar os leilões de privatização das geradoras estatais ao invés de investir em
novas usinas.
As privatizações ocorridas neste quadro atraíram investimentos externos significativos, mas
não foram capazes de gerar investimentos suficientes em ampliação de capacidade – investimentos
estes que eram urgentemente requeridos, pois a tendência à escassez de energia elétrica era
perceptível já antes das reformas.
Sem uma estratégia de política delineada e implementada, a atuação governamental
restringia-se à regulação do mercado pela ANEEL, mas a capacidade de enforcement desta agência
–constituída quando o processo de privatização já se encontrava em curso– sempre foi limitada e
objeto de contestação especialmente por parte dos agentes públicos remanescentes, que atuavam na
geração e transmissão e que desempenhavam, em certas áreas geográficas, funções de investidor e
de regulador (Pires e Goldstein, 2001). A perda de credibilidade da agência reguladora foi o
resultado líquido destas evoluções e este fato reforçou ainda mais o ambiente de incerteza e
imprevisibilidade que afastava do setor os investimentos em aumento da capacidade produtiva.
A crise energética de 2001 explicitou e tornou públicos estes problemas, gerando um
programa emergencial de redução do consumo de energia elétrica em todo o país e produzindo uma
inovação institucional na figura do Comitê de Gestão da Crise de Energia, vinculado à Casa Civil
da Presidência da República – que substituiu na prática tanto o Ministério das Minas e Energia
quanto a ANEEL no desempenho de funções de formulação e implementação de políticas no quadro
de crise.25
Mais recentemente, diversos investidores privados que adquiriram empresas estatais na
segunda metade dos anos 90 vêm enfrentando dificuldades financeiras que traduzem, em boa
medida, problemas de suas matrizes: é o caso das empresas de energia norte-americanas que
investiram no setor elétrico no Brasil. Por outro lado, o processo de privatização do setor é
crescentemente contestado, em função da elevação real dos preços da energia elétricos para os
consumidores – resultante, em boa medida, da indexação de tarifas a índices de preços sensíveis à
variação cambial.

3.4. As políticas para arranjos produtivos locais ou clusters


Os clusters ou arranjos produtivos locais constituem um tipo de configuração que apresenta
elevado potencial de desenvolvimento (i) de relações verticais entre produtores e fornecedores de
insumos e equipamentos, que reduzem riscos associados à inovação e custos de informação; e (ii)
de cooperação horizontal entre empresas do mesmo setor e de portes diferentes que podem gerar
“eficiências coletivas” através especialmente da redução dos custos de transação. Estas
aglomerações geram externalidades positivas sob a forma de disponibilidade de informações
técnicas sobre a produção e gestão de empresas, bem como sobre os mercados domésticos e
externos, disponibilidade de mão de obra qualificada nas atividades do setor, oferta de infra-
estrutura dedicada a estas atividades, etc.
25
Segundo Pires e Goldstein (2001), as decisões adotadas no âmbito deste Comitê explicitaram também o baixo grau de coordenação
existente entre as duas agências setoriais com atribuições diretamente relacionadas ao setor energético: a ANEEL e a ANP.

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

Há clusters que são gerados espontaneamente, ou seja, como resultado da interação entre as
firmas, vantagens locacionais não decorrentes da intervenção das políticas públicas e clusters
diretamente produzidos pelas políticas públicas, como os parques tecnológicos, as incubadoras de
empresas, etc. No caso dos clusters espontâneos, as políticas públicas visam principalmente a
incentivar o desenvolvimento do potencial do cluster, em termos de capacitação produtiva gerencial
e de comportamento inovativo, indo além do estágio de desenvolvimento que se pode caracterizar
como de relações informais entre agentes, em que a geração das externalidades positivas de
aglomeração pode ser muito limitada..
Em diversos estados brasileiros as políticas industriais locais procuraram incentivar a
constituição de uma rede local de fornecedores de sistemas de peças automotivas. Neste caso, os
incentivos fiscais e financeiros do estado desempenharam papel central na montagem da rede local
de fornecedores e, mais recentemente, a própria montadora patrocina um programa de incentivos
para fornecedores locais, com recursos provenientes de parte dos créditos fiscais da montadora
junto ao estado.
Este tipo de política atraiu especialmente as agências públicas que atuam na promoção e no
apoio às pequenas e médias empresas, confrontadas com a necessidade de adequar suas políticas ao
novo ambiente econômico definido pela liberalização da economia, no início dos anos 90.26 Neste
novo ambiente, cresciam os risos para as empresas de pequeno porte e, ao mesmo tempo, novas
oportunidades não se materializavam automaticamente, dependendo, para se concretizar, de
capacitações e recursos não disponíveis para a pequena empresa individualmente.
As políticas de apoio aos arranjos produtivos locais se desenvolveram no Brasil dos anos 90,
a partir de uma avaliação positiva, por parte de policymakers situados em diferentes agências
públicas e níveis de governo (federal, estadual e local), da experiência internacional de políticas de
apoio aos clusters. A esta avaliação positiva se agregava a constatação (i) de que os hábitos e
práticas da grande maioria das pequenas empresas não induziam a consolidação de “arranjos
produtivos locais”; e (ii) da existência, não obstante a validade da constatação acima, de um
conjunto de clusters espontâneos e caracterizados por limitadas interações entre agentes produtivos,
instituições de apoio, etc. Esta dupla constatação sugeria que as políticas públicas poderiam ser
necessárias para dinamizar clusters espontâneos e incentivar o surgimento de novas aglomerações
deste tipo.
Gradativamente, os clusters tornaram-se objeto de políticas públicas. Estas se voltavam seja
para consolidar e dinamizar processos espontâneos de formação de clusters, maximizando seu
potencial para gerar economias de aglomeração, seja para fomentar a implantação de projetos de
cluster orientados a objetivos específicos, como os parques tecnológicos, as incubadoras de
empresas, etc.
O apoio a arranjos produtivos locais constitui uma área relevante de atuação no SEBRAE
desde pelo menos meados dos anos 90. Naquela época o SEBRAE patrocinou, juntamente com a
Universidade de São Paulo, uma iniciativa denominada “Pólo de Modernização Empresarial para a
Eficiência Coletiva”, visando à implantação de redes de cooperação horizontal em algumas regiões
do estado de São Paulo.
Mais recentemente o SEBRAE tem apoiado financeiramente o projeto “Sistemas Produtivos e
Inovativos Locais de MPME: uma nova estratégia de ação para o SEBRAE”, executado pela UFRJ,
que visa a subsidiar a atuação crescente do órgão em apoio a clusters. De fato, entre as metas
estabelecidas pelo SEBRAE para os anos 2001-2002, encontra-se “a de ampliar a abrangência do

26
Esta idéia é compatível com a observação de Mytelka e Farinelli, (2000), em relação á funcionalidade específica dos clusters para
políticas voltadas para empresas de pequeno porte: “for SMEs, clustering is believed to offer unique opportunities to engage in a
wide array of domestic linkages between users and producers and between the knowledge producing sector (universities and R & D
institutes) and the goods and services producing sectors of na economy that stimulate learning and innovation”.

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

PATME –Programa de Apoio Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas, conduzindo juntamente


com a FINEP– e priorizar o atendimento de demandas oriundas de cadeias produtivas e de setores
organizados em clusters ou pólos tecnológicos” (Botelho e Mendonça, 2002).
Ainda na área de atuação de políticas para pequenas empresas, em novembro de 1997, foi
instituída, no âmbito do SEBRAE, a Agência de Promoção de Exportações–APEX, com o objetivo
de implementar uma política de promoção das exportações. Como o Sebrae só pode apoiar
empresas de pequeno porte, a atuação da Apex também fica, em princípio, restrita a este tipo de
empresa.27
A APEX tem crescentemente priorizado os consórcios de exportação e de Programas
Setoriais Integrados, que buscam atuar sobre todos os fatores condicionantes das exportações de um
determinado setor, inclusive aqueles relacionados com a qualidade e quantidade da oferta, com os
encadeamentos produtivos, etc. Estes dois tipos de projetos dominam amplamente no portfolio da
APEX.28
A FINEP –Financiadora de Estudos e Projetos do MCT desenvolveu, em sua Área de
Inovação para o Desenvolvimento Regional, programa de apoio financeiro a APL– Arranjos
Produtivos Locais com o duplo objetivo de: (i) promover o desenvolvimento regional por meio do
estímulo à cooperação entre empresas, instituições de pesquisa e agentes de desenvolvimento, com
vistas à dinamização dos processos locais de inovação; e (ii) promover o desenvolvimento de APL
por meio do adensamento tecnológico (...) bem como pelo estímulo à cooperação entre os agentes
envolvidos e pela consolidação de mecanismos de governança.29
A experiência brasileira parece sugerir que clusters estruturados a partir da lógica de
funcionamento de grandes empresas –dos setores siderúrgico e automotivo, por exemplo– se
desenvolvem com menos dificuldades e têm maiores probabilidades de receber a atenção dos
governos estaduais e locais, traduzida em incentivos, criação de instituições dedicadas, etc.
Clusters que se desenvolveram gradativamente ao longo do tempo e que contam com
presença significativa de pequenas empresas e onde as “empresas âncora” não desempenham papel
estruturante têm maiores dificuldades para se engajar em uma dinâmica sustentável de capacitação
produtiva e de geração de inovações, sendo o grau de geração de externalidades positivas, além de
limitado, instável, pois que sujeito a oscilações da conjuntura e a mudanças nas políticas
econômicas federais que afetam de forma diferenciada as empresas do arranjo (Vargas e Alievi,
2000).
Em todos os casos, porém, o policymaking da política para clusters tem como características
centrais a descentralização da formulação e implementação das políticas, a multiplicidade de
agentes e instituições de diversos níveis de governo, além das instituições privadas, envolvidas com
estas políticas e os esforços para produzir instrumentos de coordenação e aperfeiçoamento
compatíveis com as duas primeiras características.

27
Já no ano de 2003, a APEX foi formalmente desvinculada do SEBRAE, passando a estar diretamente ligada ao Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
28
No final de 2001 haviam 46 projetos setoriais integrados (em âmbito nacional e estadual) e 39 projetos de consórcio, todos locais.
Alimentos, cerâmica, calçados, autopeças, carnes, calçados, móveis, têxteis e rochas estão entre os principais usuários dos PSI da
APEX. Já têxteis e confecções, calçados, componentes para calçados, máquinas e equipamentos e jóias e pedras são setores
envolvidos com programas de formação de consórcios.
29
Os instrumentos financeiros mobilizados pelo programa incluem, no caso de projetos envolvendo apenas empresas e organizações
privadas com fins lucrativos, financiamento padrão (TJLP + spread variando entre 2% e 6%, conforme mérito tecnológico e riscos),
financiamento reembolsável com cláusula de equalização de taxa de juros, subvenção econômica vinculada aos programas de
desenvolvimento tecnológico e bolsas para a contratação temporária de pesquisadores e auxiliares de pesquisa. No caso de projetos
cooperativos de empresas envolvendo universidades e instituições sem fins lucrativos, prevê-se, além dos instrumentos acima
descritos, apoio financeiro parcialmente não reembolsável. Para projetos de universidades e centros de pesquisa sem fins lucrativos,
prevê-se o apoio financeiro não reembolsável de até 100% do valor do projeto.

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

4. Conclusões

A ênfase na intervenção setorial deixou de ser o locus


praticamente único da política industrial brasileira nos anos 90. Novas
visões sobre o processo de industrialização e sobre os obstáculos a
superar no caminho do desenvolvimento industrial que não poderia
mais ser dinamizado segundo a lógica da substituição de importações
enfatizaram seja políticas horizontais destinadas a reduzir custos de
investimento, produção e exportação, seja políticas verticais
integradas, nos marcos do conceito de “cadeia produtiva” (Motta
Veiga, 2002). Na prática, políticas horizontais foram efetivamente
implementadas, enquanto as propostas de desenvolvimento de cadeias
produtivas pouco avançaram.
No entanto, se a política setorial perdeu o monopólio que
detinha na área de política industrial, ela não deixou de existir nesta
década de reforma do Estado e conseqüentes (e concomitantes)
transformações estruturais e regulatórias. Na realidade, a política
setorial se manteve em diversos nichos nos anos 90 e até mesmo se
diversificou com o surgimento de novas variedades ligadas
diretamente aos processos de transformação (liberalização e integração
mais profunda com a economia internacional, privatização e concessão
de serviços públicos, etc).
Dessa forma, ao apagar das luzes do milênio a distinção entre
políticas horizontais e setoriais não parecia suficiente para dar conta da
vasta gama de políticas ‘industriais’ praticadas no Brasil. Os últimos
anos são de continuidade do processo de mudança. É preciso ir mais
além na análise, diferenciando entre os vários tipos de políticas
setoriais vigentes. Mas não se trata, certamente, do mesmo formato das
políticas públicas vigentes até os anos 70.

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

Em primeiro lugar, as políticas setoriais aplicadas durante a industrialização protecionista


visavam internalizar a produção de setores ou segmentos inteiros da indústria, substituindo
importações: tratava-se, essencialmente, de políticas setoriais ´extensivas`, que preenchiam os
vazios da matriz industrial brasileira.
Em que pese as recorrentes propostas para que se pratiquem políticas de substituição de
importação em segmentos industriais que registram altos deficits comerciais, este tipo de política
setorial ainda não adquiriu contornos nítidos nos tempos atuais e, ainda que o venha a fazer, tenderá
ser muito mais localizado e pontual do que durante a fase que se esgotou nos anos 70. Na realidade,
as atuais políticas setoriais se orientam por preocupações relacionadas, seja ao aumento da
competitividade e da produtividade dos setores e da economia como um todo, seja a objetivos de
regulação setorial (caso dos setores de infra-estrutura).
Em segundo lugar, as políticas setoriais diferem das vigentes na fase de substituição de
importações também por sua institucionalidade. De fato, desenha-se, em diversas experiências
setoriais, um novo modo de fazer política, em que a interlocução e a coordenação entre agentes
públicos diversos e entre estes e agentes privados desempenham papel central: o policy-making
passa por período de intensas transformações, com casos de experiências bem sucedidas e de
dificuldades recorrentes para passar do conceito –cadeia produtiva, por exemplo– à prática da
política industrial. A persistência, nas empresas, nas associações setoriais de empresários e no setor
público, de hábitos e práticas que tendem a reproduzir os padrões de política setorial tradicional
certamente contribui para explicar algumas destas dificuldades.
Portanto, ao se iniciar o novo século, as políticas setoriais praticadas no Brasil se
transformaram –em relação ao paradigma gerado na fase protecionista– e se diversificaram. Assim,
estão em vigor políticas setoriais típicas do período da industrialização protecionista, das quais o
melhor exemplo é o regime automotriz. São políticas fortemente discriminatórias em termos
intersetoriais, apoiadas em isenção fiscal e em proteção nominal e efetiva elevada. No entanto, estas
mesmas características tornam a política custosa, em termos fiscais e conflituosa, impedindo que
sirva de paradigma para políticas semelhantes e que o ‘modelo’ se difunda para outros setores.
Há políticas, como a vigente na área de tecnologias da informação, que combinam novos e
velhos instrumentos, explicitando a presença simultânea de diferentes modelos de política: os
instrumentos de apoio à Zona Franca de Manaus, típicos da década de 70, convivem com
instrumentos modernos de apoio ao desenvolvimento da infra-estrutura de uma sociedade da
informação.
A mudança, neste caso, está em que novos mecanismos e um novo enquadramento
institucional da política tornam as iniciativas distintas de uma política setorial clássica. Entre elas, o
setor de informática e de automação, que foi objeto de nova lei de incentivos fiscais à P & D (em
substituição aos instrumentos de reserva de mercado, da política de informática dos anos 80). Mas,
ao mesmo tempo, a política para estes setores passou a ser crescentemente influenciada, no final da
década de 1990, pelos conceitos de tecnologia da informação e de sociedade da informação –em
que os serviços têm papel relevante– e por preocupações que remetem principalmente à política de
tecnologia.
É impossível, no entanto, negar a continuidade que se evidencia quando se comparam a lista
dos principais setores industriais beneficiados pelas políticas de substituição de importações
vigentes até a década de 70 com a relação daqueles discriminados positivamente pelas políticas
setoriais dos anos 90: automóveis, eletroeletrônico, têxteis e calçados.
Na realidade, a liberalização comercial, a política de importação pós-1994, a posição
negociadora do Brasil no Mercosul (em áreas como a negociação da TEC ou a discussão sobre
disciplinas aplicáveis a ajudas de Estado) e políticas setoriais de promoção strictu sensu –adotadas
principalmente a partir de 1995– convergiram para gerar uma estrutura de proteção do valor

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

agregado industrial fortemente heterogênea, em termos inter-setoriais, beneficiando, em boa


medida, os mesmos setores favorecidos pela política industrial e de apoio às exportações das
décadas anteriores: setores automobilístico, eletro-eletrônico, têxteis e calçados e, em menor
medida, de bens mecânicos de capital.
O fato é que estes setores lograram manter-se como alvos prioritários de política industrial ao
longo da transição liberalizante dos anos 90, seja em função de serem considerados importantes
geradores de emprego, seja por serem identificados –à tort ou à raison– como produtores de bens
de “alto valor agregado” ou “intensivos em tecnologia”.
Na área de infra-estrutura, novas políticas e uma nova institucionalidade de regulação foram
desenhadas e postas em prática em bases estritamente setoriais, o que reflete essencialmente a
constatação de que o setor é a unidade pertinente de regulação e que a complexidade de cada setor,
em termos de atores envolvidos, características regulatórias, volumes de investimentos, etc, justifica
o tratamento de cada setor por uma agência tecnicamente especializada.
Finalmente, as políticas de apoio aos arranjos produtivos locais também se vinculam às
transformações em curso e constituem, principalmente, uma resposta de política às mudanças no
ambiente em que atuam as pequenas empresas: maior grau de competição, relevância crescente do
conhecimento e da inovação como armas da competição, etc. Este tipo de política parte da
constatação de que tais mudanças ambientais ampliam simultaneamente os riscos e oportunidades
com que se defrontam as empresas de pequeno porte e de que há formatos de organização industrial
e institucional que permitem às pequenas empresas reduzir os riscos que enfrentam individualmente
e, ao mesmo tempo, as capacitam para aproveitar novas oportunidades.
Para concluir, é oportuno observar ainda que as mudanças por que passou a política industrial
brasileira nas duas últimas décadas não foram, como vimos, únicas ao país. De fato, como se
observa em recente survey das políticas industriais na América Latina:
“This survey … makes two basic claims, namely: 1) that the late 1980s and the entire decade
of the 1990s represented a transition from the industrial policies of the import substitution model to
industrial policies suitable for open national economies in a more integrated world economy; and
2) that this transition period has not concluded and, consequently, it is premature to pass judgment
on the effectiveness of the still emerging set of policies (...) The ensuing turn in the direction of
industrial policies has several remarkable features. First, the adoption of the new industrial
policies was almost simultaneous in a significant number of countries and can roughly be dated to
the three-year period 1994-1996. Second, in most leading countries this took the form of explicit,
medium-to-long-term plans, programs, and/or strategies for the industrial sector. Third, the policy
turn was generally the outcome of (or, at the very least, was broadly related to) a public debate
about the effects of the structural reforms and the need to improve the domestic industry’s
competitiveness in the new context of a more open national economy” (Melo, 2001)
A transição no Brasil é particularmente complexa: de um lado, o Brasil é certamente, entre os
países latino-americanos, aquele em que a estratégia de montagem de uma estrutura industrial
diversificada foi mais bem sucedida. De outro, as políticas setoriais que concretizaram o modelo de
substituição de importações foram desenhadas e implementadas sem qualquer atenção seja a
considerações relacionadas à competitividade internacional da produção doméstica (aspecto
estático), seja a desenvolver condições que tornassem a produção doméstica capaz de avançar nos
mercados internacionais (aspecto dinâmico).
“It would be unfair to condemn past industrial policy makers (in Brazil) … as their strategies
reflected the prevailing philosophy of their time and were indeed masterfully implemented at least
until the 1970s. Industrial policy makers in countries like Korea did very much the same thing.
However, they never neglected industries in which their country had a comparative advantage to
the extent their Brazilian colleagues did…. In Brazil, competitive advantage was never an issue

27
A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

anyway as the industrialization drive mainly aimed at the domestic market….” (Meyer-Stamer,
2003).
Negligenciar esse aspecto em um mundo mais integrado comercial e financeiramente, como é
o nosso nesse começo de milênio, pode significar a diferença entre ações públicas bem sucedidas e
fracassos. Mudou a política industrial, certamente. Esse diagnóstico já havia sido feito para os
países da América Latina por Peres (1997) ao apontar para o novo foco das políticas públicas: os
ganhos de competitividade necessários para sobreviver nesse novo mundo.As iniciativas mais
recentes no Brasil não fazem senão confirmar isso, em que pese a permanência de alguns
instrumentos antigos. Afinal, continuidade e mudança se fundem não só aqui como alhures. A
questão central está no mix entre esses dois processos e na rapidez do processo de mudança.

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A DINÂMICA DAS POLÍTICAS SETORIAIS NO BRASIL NA DÉCADA DE 1990: CONTINUIDADE E MUDANÇA

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